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265 Gestão de políticas públicas e intersetorialidade: diálogo e construções essenciais para os conselhos municipais Dunia Comerlatto Universidade Comunitária Regional de Chapecó (UNOCHAPECÓ) Liane Colliselli Universidade Comunitária Regional de Chapecó (UNOCHAPECÓ) Maria Elizabeth Kleba Universidade Comunitária Regional de Chapecó (UNOCHAPECÓ) Gestão de políticas públicas e intersetorialidade: diálogo e construções essenciais para os conselhos municipais Resumo: Este ensaio apresenta uma reflexão sobre a efetividade da participação social dos conselhos municipais na gestão das políticas públicas 1 , com o objetivo de demarcar a intersetorialidade nesse campo porque o reordenamento das relações socioinstitucionais pós 1988 imprime inúmeros desafios a serem enfrentados no cotidiano dos conselhos gestores municipais para processar ações nessa lógica. Na primeira seção discutem-se algumas compreensões e processos da ação intersetorial na realidade pesquisada. A seguir é feita uma apreciação sobre a ação intersetorial e redes como bases locais de proteção e desenvolvimento. Conclui-se que a intersetorialidade, como espaço de compartilhamento de saber e de poder, de construção de novas linguagens, de novas práticas e de novos conceitos, atualmente não se encontra estabelecida ou suficientemente experimentada em meio aos conselhos municipais gestores de políticas públicas. A intersetor ialidade ainda se estabelece como um processo desafiante a ser exercido, pois implica, necessariamen te, em efetivar articulações entre os conselhos instituídos e desses para com a sociedade em suas diversas escalas. Palavras-chave: políticas públicas, gestão social, intersetorialidade e redes. Public Policy Management and Intersectorality: Dialog and Essential Constructions for Municipal Councils Abstract: This essay analyzes the effectiveness of social pa rticipation on municipal councils in the management of public policies. The goal is to identify intersectorality in this field, because the reordering of socio-institutional relations after 1988 established countless challenges confronted in the routine activities of municipal management councils to process actions in this logic. The first section discusses some understandings and processes of intersectoral actions in the reality studied. An analysis is then made of the intersectoral and network action as local bases for protection and development. The paper concludes that intersectoriality, as a space for sharing knowledge and power and for the construction of new languages, practices and concepts, is currently not established or sufficiently experimented by municipal public-policy management councils. Intersectoriality is still a challenging process to be exercised, because it necessarily implies articulating the councils with various social levels. Key words: public policies, social management, intersectorality and networks.  ENS AIO Recebido em 15.03.2007. Aprovado em 18.06.2007. Alexandre Matiello Universidade Comunitária Regional de Chapecó (UNOCHAPECÓ) Elisônia Carin Renk Universidade Comunitária Regional de Chapecó (UNOCHAPECÓ)  Rev . Katál. Florianópolis v . 10 n. 2 p. 265-271 jul./dez. 2007 

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municipais

Dunia ComerlattoUniversidade Comunitária Regional de Chapecó (UNOCHAPECÓ)

Liane ColliselliUniversidade Comunitária Regional de Chapecó (UNOCHAPECÓ)

Maria Elizabeth KlebaUniversidade Comunitária Regional de Chapecó (UNOCHAPECÓ)

Gestão de políticas públicas e intersetorialidade: diálogo e construções essenciais para os conselhosmunicipaisResumo: Este ensaio apresenta uma reflexão sobre a efetividade da participação social dos conselhos municipais na gestão das políticaspúblicas1, com o objetivo de demarcar a intersetorialidade nesse campo porque o reordenamento das relações socioinstitucionais pós1988 imprime inúmeros desafios a serem enfrentados no cotidiano dos conselhos gestores municipais para processar ações nessa lógica.Na primeira seção discutem-se algumas compreensões e processos da ação intersetorial na realidade pesquisada. A seguir é feita umaapreciação sobre a ação intersetorial e redes como bases locais de proteção e desenvolvimento. Conclui-se que a intersetorialidade, comoespaço de compartilhamento de saber e de poder, de construção de novas linguagens, de novas práticas e de novos conceitos, atualmentenão se encontra estabelecida ou suficientemente experimentada em meio aos conselhos municipais gestores de políticas públicas. Aintersetorialidade ainda se estabelece como um processo desafiante a ser exercido, pois implica, necessariamente, em efetivar articulaçõesentre os conselhos instituídos e desses para com a sociedade em suas diversas escalas.Palavras-chave: políticas públicas, gestão social, intersetorialidade e redes.

Public Policy Management and Intersectorality: Dialog and Essential Constructions for Municipal

CouncilsAbstract: This essay analyzes the effectiveness of social participation on municipal councils in the management of public policies. Thegoal is to identify intersectorality in this field, because the reordering of socio-institutional relations after 1988 established countlesschallenges confronted in the routine activities of municipal management councils to process actions in this logic. The first sectiondiscusses some understandings and processes of intersectoral actions in the reality studied. An analysis is then made of the intersectoraland network action as local bases for protection and development. The paper concludes that intersectoriality, as a space for sharingknowledge and power and for the construction of new languages, practices and concepts, is currently not established or sufficientlyexperimented by municipal public-policy management councils. Intersectoriality is still a challenging process to be exercised, because itnecessarily implies articulating the councils with various social levels.Key words: public policies, social management, intersectorality and networks.

 ENSAIO

Recebido em 15.03.2007. Aprovado em 18.06.2007.

Alexandre MatielloUniversidade Comunitária Regional de Chapecó (UNOCHAPECÓ)

Elisônia Carin RenkUniversidade Comunitária Regional de Chapecó (UNOCHAPECÓ)

 Rev. Katál. Florianópolis v. 10 n. 2 p. 265-271 jul./dez. 2007 

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Introdução

Com o advento da Constituição Federal Brasilei-ra de 1988 (BRASIL, 1999), institui-se umreordenamento das relações socioinstitucionais nagestão das políticas públicas. A gestão das ações so-ciais públicas passa a ancorar-se na parceria entre

Estado e sociedade porque “a gestão social tem, coma sociedade e com os cidadãos, o compromisso deassegurar, por meio das políticas e programas públi-cos, o acesso efetivo a bens, serviços e riquezas dasociedade. Por isso mesmo, precisa ser estratégica econseqüente” (CARVALHO, 1999, p.15).

Assim, o atual contexto da gestão social exige queo conjunto das políticas públicas e as instituições queas programam redimensionem o processo de formu-lar e operacionalizar suas estratégias e ações. Alémdisso, a instauração de modelos flexíveis eparticipativos que envolvam negociação e participa-ção dos usuários e demais interlocutores nas deci-sões e ações das diversas políticas públicas. As rela-ções partilhadas entre Estado e sociedade passam adeterminar mudanças na cultura das instituições pú-blicas e de seus agentes nas capacidades propositivas.

Destaca-se, nesse movimento de democratizaçãoe participação, a descentralização como um proces-so de transferência de poder dos níveis centrais paraos periféricos. Pode ser considerada como uma es-tratégia para reestruturar o aparelho estatal, não parareduzi-lo, mas para torná-lo mais ágil e eficaz, demo-cratizando a gestão através da criação de novas ins-tâncias de poder e redefinindo as relações entre Es-

tado e sociedade. Demarca-se, então, uma nova or-dem ético-política para compor estratégias, ações erelações entre as diferentes áreas das políticas públi-cas, as esferas organizacionais e os sujeitos sociais,fundamentada pela democracia, autonomia e partici-pação (JUNQUEIRA, 1999).

À essa reestruturação requerem algumasprecondições que passam pela garantia do acesso àsinformações necessárias para a gestão, garantia deassento aos segmentos subalternizados socialmentena composição dos conselhos e à transparência dosprocessos de gestão e tomada de decisões. Como

categorias constitutivas do processo dedescentralização, a democracia, a autonomia e a par-ticipação, redefinem as relações de poder e a açãocompartilhada do Estado e da sociedade civil na pro-visão de bens e serviços que atendam às necessida-des humanas básicas (STEIN, 1997)2.

Nessa lógica, a Carta de Ottawa (2006)3 enume-ra pré-requisitos envolvendo a garantia de condiçõesbásicas e recursos fundamentais indispensáveis quan-do se tem por objetivo melhorar a qualidade de vidada população assistida. São eles: paz, abrigo, educa-ção, alimentação, recursos econômicos, ecossistemaestável, recursos sustentáveis, justiça social e eqüi-

dade. Salienta que para concretizar essas condiçõesbásicas e as expectativas da população é precisoseguir algumas estratégias: advogar a favor da saú-de como um recurso de fundamental importância parao desenvolvimento social, econômico e pessoal e paraa qualidade de vida; capacitar a população, com oobjetivo de reduzir as desigualdades existentes e ga-

rantir a igualdade de oportunidades, facilitando o aces-so a informações, melhorando as condições de vidaque permitam opções saudáveis. Esses requisitospara garantir a promoção da saúde demandam açõescoordenadas entre diferentes áreas e setores4, siste-mas sociais, culturais e econômicos, de abrangêncialocal ou regional. Precisam contar com a participa-ção social na gestão das políticas públicas, o que ocor-re através dos conselhos gestores, que estabelecemum canal aberto de comunicação e decisões entre apopulação e o poder público.

A experiência brasileira (a partir de 1990) temmostrado que a participação social na gestão daspolíticas públicas vem se ampliando desde aformalização dos conselhos gestores de políticas pú-blicas, a instituição dos fundos orçamentários e a ela-boração dos planos na atenção local. Essas políticassão reconhecidas como instrumentos necessários quefortalecem o processo de descentralização para as-segurar os interesses da grande maioria da popula-ção. Dessa forma, entram em cena novos atores nagestão dos serviços públicos com atribuições parti-lhadas, re-significando as relações de poder em prolde decisões e práticas intersetoriais que asseguremo acesso e a efetivação de direitos sociais.

Os limites atingidos pelas formas tradicionais deconceber e operacionalizar a intervenção no campodas políticas públicas provocam a desarticulaçãointerinstitucional e a falta da integralidade na atençãoao conjunto dos direitos sociais, não respondendo maisaos graves e complexos problemas sociais historica-mente vivenciados por uma parcela significativa dapopulação brasileira. Frente a isso, coloca-se aintersetorialidade, alinhada à descentralização das po-líticas públicas em vigência no Brasil, como uma alter-nativa capaz de encontrar novos arranjos e novas arti-culações para o enfrentamento desses problemas.

O processo de descentralização das políticas pú-blicas vem sendo operacionalizado no Brasil há, apro-ximadamente, duas décadas, requerendo o rompimen-to com as ‘velhas concepções e práticas’ que aindapermeiam as ações assistenciais em diferentes áre-as. A atenção às demandas sociais dá-se, via de re-gra, de modo fragmentário, pontual, reparador e comsobreposições na oferta de programas, projetos eserviços. Assim, há a necessidade urgente de esti-mular alternativas na perspectiva de integralizar aatenção e o atendimento aos problemas sociais, umavez que o mundo se tornou mais complexo e vemproduzindo problemas e novas situações em que co-

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nhecimentos focalizados e fragmentados são inca-pazes de explicar e nem a ação setorial, em si, é ca-paz de resolver (AKERMAN, 1998).

1 Compreensões e processos da ação interse-torial na realidade pesquisada

Muito se tem falado na necessidade de uma ges-tão intersetorial das políticas públicas e de sua im-portância para a qualidade de vida da população.Sobre isso Junqueira (1999, p. 27) argumenta que:

A qualidade de vida demanda uma visão integradados problemas sociais. A gestão intersetorial surgecomo uma nova possibilidade para resolver essesproblemas que incidem sobre uma população queocupa determinado território. Essa é uma perspec-tiva importante porque aponta uma visão integra-da dos problemas sociais e de suas soluções. Comisso busca-se otimizar os recursos escassos pro-curando soluções integradas, pois a complexidadeda realidade social exige um olhar que não se esgo-ta no âmbito de uma única política social.

Argumenta ainda que a intersetorialidade associaa idéia de “integração, de território, de eqüidade, en-fim, de direitos sociais”, referindo-se “à população eaos seus problemas, circunscritos a um território ouregião da cidade ou do município.” Dessa maneira,instaura-se um processo de aprendizagem e de de-terminação dos sujeitos, que passa a articular sabe-

res e experiências no âmbito do planejamento, daexecução e avaliação das ações, porque:

A intersetorialidade constitui uma concepção quedeve informar uma nova maneira de planejar, exe-cutar e controlar a prestação de serviços para ga-rantir o acesso igual dos desiguais. Isso significaalterar toda a forma de articulação dos diversossegmentos da organização governamental e dosseus interesses (JUNQUEIRA, 1999, p. 27).

Ao se proceder análise documental das leis e re-

gimentos internos específicos aos conselhos munici-pais pesquisados, constata-se que os Conselhos Mu-nicipais da Saúde (CMS) e da Educação (COMED)não têm competências estabelecidas na perspectivade ações intersetoriais. Já os Conselhos Municipaisdos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA)e da Assistência Social (CMAS) têm-nas nessa dire-ção. No CMDCA (FASC, 2007), apresentam-se nosseguintes termos:

Cap. VII - estabelecer ações conjuntas com as di-versas entidades para a realização de eventos, es-tudos e pesquisas no campo da promoção, orien-

tação, proteção integral e defesa da criança e doadolescente;Cap. V - participar do Orçamento Participativo doMunicípio, definindo as prioridades a serem inclu-ídas no Orçamento Municipal para a Criança e oAdolescente, no que se refere ou possa afetar assuas condições de vida.

E, no CMAS (FASC, 2007), estas competênciasestão assim prescritas:

Cap. X - participar do planejamento integrado e or-çamentário do Município formulando as prioridadesa serem incluídas no mesmo, no que se refere oupossa afetar as condições de vida da população;Cap. XII - estabelecer ação conjunta com a Secreta-ria do Desenvolvimento Comunitário e Habitação,Secretaria da Saúde, Secretaria da Educação e Cul-tura, Secretaria da Agricultura e Abastecimento, arealização de eventos, estudos e pesquisas inte-gradas no campo da Assistência Social.

Embora as ações intersetoriais estejam previstasnos termos legais, especificamente para o CMDCAe CMAS, há ainda muitos limites para que sejamdeflagradas num processo efetivo, envolvendo osconselhos municipais na sua maioria. Na pesquisa decampo, no momento do grupo focal, esse aspectorevelou-se significativo, sendo apontado pelos con-selheiros pesquisados5.

Conselheiro 1: [...] a intersetorialidade, ... como é

difícil! Nós tínhamos uma comissão em que fazi-am parte os presidentes; por um tempo nós nosreuníamos, e era bom o que acontecia. [...] Era di-fícil, porque visões, valores e concepções (dife-rentes), dentro dos conselhos, têm. Mas é o gran-de nó, eu acho, trabalhar a intersetorialidade. Agente não consegue!Conselheiro 2: [...] sempre foi um nó mesmo, umadificuldade. Eu vejo assim muito falado muito so-nhado, todo mundo quer a intersetorialidade, mashá dificuldades [...] é muito aquela questão voltadapara o próprio umbigo e não se pensa num todo

realmente, a política mais ampla, e mesmo os outrosespaços. É um desafio, acho que está aí um grandedesafio para a gente avançar.

Atuar intersetorialmente acarreta mudanças naspráticas e na cultura das organizações gestoras depolíticas públicas. Nessa ótica, Correia (2005, p.74)destaca que “articular as ações [...] com a dos ou-tros setores e políticas afins [...] é um dos grandesdesafios no âmbito dos conselhos gestores, além deinserir uma agenda de lutas e proposições em tornode uma política pública, universal e de qualidade, ar-ticulada a transformações na sociedade.”

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Essa perspectiva de atuação se revela através doentendimento e dos propósitos manifestados pelosconselheiros pesquisados.

Conselheiro 1: Acho que o conselho teria que criarum fórum entre conselhos, alguma coisa nesse sen-tido que eles pudessem dialogar.

Conselheiro 2: Eu entendo a minha participação nãosó no momento da reunião, [...] a gente contribuicom aquilo que pensa, com a compreensão, inde-pendente dos assuntos. Também eu vejo a partici-pação fora do espaço da reunião do conselho. Achoque ela é muito maior ainda. Em vários espaços, agente participa em várias atividades e, em cada ativi-dade que é realizada, é um momento que você contri-bui de diferentes formas. Em muitos espaços em quea gente é convidada, marca presença, contribui.

A observação sistemática das reuniões ordináriase a análise documental das atas dos conselhos muni-cipais pesquisados evidenciamconsideravelmente o atrela-mento a pautas formalizadas.No geral, seguem a ‘ordem dodia’ ao tratar de leitura dasatas anteriores, de parecereselaborados por comissões in-ternas, prestação de contas,convites e informes, convêni-os, entre outras. Essas pautas,embora importantes, ocupamgrande parte do tempo das

reuniões e do conjunto das ati-vidades desenvolvidas, impe-dindo que as competênciasespecíficas aos conselhosgestores, definidas em leis, naperspectiva da ação interse-torial, possam ser exercidas efetivamente e, dessemodo, transcender a ‘ordem do dia’. Na busca de exer-citar ações intersetoriais, toma-se como exemplo oCMDCA e o CMAS que, em suas pautas de reuniões,explicitaram um movimento para participação em even-tos, tais como: Fórum Interinstitucional e Jornada

Catarinense pela Infância e Adolescência Protegida;audiência pública (no caso sobre a situação da pessoacom deficiência e a necessidade da criação do Conse-lho Municipal da Pessoa com Deficiência); lançamen-to da Adolegenda (agenda do adolescente); CentroAssociativo de Atividades Psico-Físicas Patrick e aAssociação de Deficientes Visuais.

Esse movimento episódico abre possibilidade paradesencadear, num processo mais sistemático, rela-ções socioinstitucionais com as organizações gover-namentais e da sociedade civil, uma vez que podeampliar relações, debates e parcerias e ainda fir-mar posturas e encaminhamentos numa lógica

intersetorial. Constitui-se em apenas um caminhoaberto, pois efetivar ações intersetorias entre con-selhos gestores, e desses com a esfera governa-mental e não-governamental, exige estratégiassociopolíticas que precisam ser construídas e arti-culadas permanentemente.

O planejamento e a execução de ações, na pers-

pectiva intersetorial, em meio ao cotidiano dos con-selhos gestores, requerem um movimento mais am-pliado de “articulação do conselho com a sociedadepara fortalecer a representatividade [...] e evitar asua cooptação pela burocracia [...].” Requer ainda apromoção da “articulação permanente entre os con-selhos [...] da esfera municipal, e destes com os dasesferas estadual e nacional para fortalecer as lutasconjuntas” (CORREIA, 2005, p. 74).

Na busca de atender às demandas sociais de umcoletivo de cidadãos, a intersetorialidade se processaem meio às políticas públicas (como áreas de defesade direitos) e está necessariamente relacionada à

prática, ou seja, ao enfren-tamento de problemas reais.Pressupõe a articulação en-tre sujeitos de setores sociaisdiversos para enfrentar pro-blemas complexos e consti-tui-se numa nova forma detrabalhar, de governar e deconstruir políticas públicas,que possibilite a superação dafragmentação dos conheci-mentos e das estruturas so-

ciais a fim de produzir efei-tos mais significativos naresolutividade desses proble-mas 6. Na direção dessa bus-ca, o depoimento do conse-lheiro 1 é ilustrativo:

[...] nós temos um problema na área da assistênciasocial. Este ano, depois de uma luta de não seiquantos anos, histórica, a gente fechou uma casaque cuidava de idosos em Chapecó e que tinhadenúncias de maus tratos. Nós já tínhamos feito

inúmeras denúncias na promotoria, tudo onde erapossível fazer, esse ano conseguimos juntar as for-ças e ir lá e fechar.

Para Campos (2000), a ação intersetorial, como umprocesso organizado e coletivo, não pode ser espontâ-nea. Trata-se de uma ação deliberada que requer o res-peito à diversidade e às particularidades de cada setorou participante. Envolve espaços comunicativos, capa-cidade de negociação e intermediação de conflitos paraa resolução ou enfrentamento final do problema princi-pal e para a acumulação de forças, na construção desujeitos, na descoberta da possibilidade de agir.

 Dunia Comerlat to , Liane Coll isel li , Maria El izabeth Kleba, Alexandre Matiello e El isônia Carin Renk 

A ação intersetorial se efetiva

nas ações coletivas. Porém, a

construção da intersetoriali-

dade se dá como um processo,

 já que envolve a articulação de

distintos setores sociais possibi-

litando a descoberta de cami-

nhos para a ação...

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2 Ação intersetorial e redes: bases locais deproteção e desenvolvimento

A ação intersetorial se efetiva nas ações coleti-vas. Porém, a construção da intersetorialidade sedá como um processo, já que envolve a articulaçãode distintos setores sociais possibilitando a desco-

berta de caminhos para a ação7

. Como um meio deintervenção na realidade social, impõe a articula-ção de instituições e pessoas para integrar e articu-lar saberes e experiências, estabelecendo um con-

 junto de relações, construindo uma rede (JUN-QUEIRA, 1999).

Uma vez perfazendo a ação intersetorial, as re-des de base local e/ou regional, reclamam por valori-zação e qualificação na interconexão de agentes,serviços, organizações governamentais e não-gover-namentais, movimentos sociais e comunidades. In-tervir em rede, na atualidade, requer que se estabe-leçam, entre as diversas instituições de defesa de di-reitos e prestadoras de serviços, vínculos horizontaisde interdependência e de complementaridade.

Para Carvalho (1995, p.10), o conceito de redemudou em relação ao de décadas atrás. O mundo semostra cada vez mais inter-relacionado e “os pro-cessos de globalização da economia, aliados aos avan-ços tecnológicos [...] estão revolucionando tambémo modo de gestão.” Assim, “um novo conceito derede se apresenta como elemento estratégico na ad-ministração dos negócios e no fazer público.” A re-ferida autora relaciona o conjunto de redes - em âmbitomunicipal ou do microterritório que, de alguma for-

ma, atuam para garantir a proteção e o desenvolvi-mento social - em cinco tipologias.Uma primeira tipologia são as redes sociais es-

pontâneas: nascem do núcleo familiar ampliado (gru-pos de vizinhança, clubes, igrejas) e são marcadaspela reciprocidade, cooperação solidariedade,afetividade e interdependência. São as famílias po-bres que mais encontram apoio e proteção nessa rede.

Uma segunda tipologia relaciona as  redes deserviços sociocomunitários:  constituem-se numaextensão das redes sociais espontâneas. Atendemdemandas mais coletivas no espaço local e são

identificadas por estabelecer relações cidadãs e soli-dárias na produção de um bem comum.Uma terceira tipologia são as  redes sociais

movimentalistas: fortalecem as redes nascidas nacomunidade, na sociedade, configurando-se comomovimentos sociais de defesa de direitos, de vigi-lância e lutas por melhores índices de qualidade devida, a exemplo, movimento de luta por moradia,por creche, ações populares por serviços de saúde,o movimento dos sem-terra, etc. Essas lutas têmconquistado a expansão da rede de serviços públi-cos e a inclusão de formas de participação popularna definição das políticas públicas. Esse tipo de rede

reúne uma multiplicidade e uma heterogeneidade deinterlocutores e parceiros interessados em instituirde modo público as garantias para a proteção e odesenvolvimento social. Nesse sentido, os conse-lhos municipais têm um importante papel a desem-penhar: o de articulador dessas redes na perspecti-va da qualificação, ampliação e defesa de direitos e

do atendimento das demandas sociais.A quarta tipologia é a rede privada: o mercadoconstitui-se no grande agente dessa rede. Emboraacessível a parcelas restritas da população, a redeprivada oferece serviços mais especializados e decobertura ampla. Costuma ser estendida aos traba-lhadores do mercado formal (via convênios), possibi-litando-lhes acessar outras opções de atendimento,que não somente aquelas ofertadas pelo Estado.

E, por fim, há a quinta tipologia que reúne asredes setoriais públicas: podem ser denomina-das como “aquelas que prestam serviços de nature-za específica e especializada, resultantes das obri-gações e dos deveres do Estado para com seus ci-dadãos. Essas redes abrangem serviços consagra-dos pelas políticas públicas setoriais” (CARVALHO,1995, p.18-19).

Cury (1999, p.52) ressalta que a palavra rede trans-formou-se atualmente na forma mais eficiente de arti-culação entre as diferentes organizações sociais:

Através das redes, as organizações estão conse-guindo multiplicar iniciativas, trabalhar sua diver-sidade e segmentação. [...] Diferentemente das par-cerias, que se constroem para o enfrentamento de

um problema objetivo, pontual, as redes costumamse articular em torno de temas específicos (cultu-rais, educacionais, políticos, etc.).

Destaca, ainda, que as redes sociais constituem-se em “instrumentos altamente eficazes namobilização para ações coletivas dentro do espaçopúblico.” É um “elemento facilitador na captação derecursos e um importante aliado no aumento da visi-bilidade e credibilidade das várias organizações”(CURY, 1999, p. 52). Essa direção de pensamento ésustentada também por Bourguignon (2006), para

quem o termo rede está associado à idéia de articu-lação, conexão, vínculos, ações complementares, re-lações horizontais entre parceiros, interdependênciade serviços para garantir a integralidade da atençãoaos segmentos sociais vulnerabilizados.

Nessa direção, refletir e propor um trabalho so-cial em rede constitui-se, hoje, um grande desafiopara os profissionais vinculados às políticas públi-cas, gestores municipais, conselheiros pertencentesaos diferentes conselhos municipais que respondempela garantia dos direitos fundamentais do cidadão,principalmente num contexto em que a exclusãosocial é marcante. Pensar rede exige sintonia com

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a realidade local, com sua cultura de organizaçãosocial, bem como uma sociedade civil organizada,ativa e participativa diante da administração dos in-teresses públicos.

Considerações finais

A intersetorialidade deve representar um espaçode compartilhamento de saber e de poder, deestruturação de novas linguagens, de novas práticase de novos conceitos e que, atualmente, não se en-contram estabelecidos ou suficientemente experimen-tados em meio aos conselhos municipais gestores.

Sua construção, que se manifesta em inúmerasiniciativas, é parte de um processo transformador nomodo de planejar, realizar e avaliar as açõesintersetoriais. Assim, passa a cobrar das instituiçõese dos sujeitos envolvidos um reordenamento naimplementação das manifestações pontuais no con-

 junto das políticas públicas.A intersetorialidade incorre, portanto, em mudan-

ças na organização, tanto dos sistemas e serviços depolíticas públicas como em todos os outros setoresda sociedade, além de trazer a necessidade de revi-são do processo de formação dos profissionais queatuam nessas áreas.

A pesquisa sobre A efetividade da participaçãosocial nos conselhos municipais de Chapecó /SC,revela que a intersetorialidade ainda se estabelececomo um processo desafiante a ser exercido, poisimplica necessariamente em efetivar articulações

entre os conselhos instituídos e, desses para com asociedade em suas diversas escalas.

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Notas

1 A Pesquisa  A efetividade da participação social nos

conselhos municipais de Chapecó/SC  foi realizada peloGrupo de Pesquisa em Políticas Públicas e Participação Social(GPPPS), da Universidade Regional Comunitária de Chapecó(UNOCHAPECÓ), no período de 2004–2005, com o apoiofinanceiro da Fundação de Apoio à Pesquisa Científica eTecnológica do Estado de Santa Catarina (FAPESC) e daUNOCHAPECÓ.

2 Em seu artigo, Stein (1997) descreve que a participação éuma estratégia da descentralização na medida em que estapossibilita uma nova relação entre o Estado e sociedade. Aautonomia é considerada uma variável fundamental noprocesso de descentralização, porque significa aredistribuição de poder, devendo ser levada em conta, ouseja, avaliada e definida em cada instância A democraciaconstitui-se num sistema político que se caracteriza porsustentar uma lógica expansiva da esfera pública.

3 A Primeira Conferência Internacional sobre Promoção

da Saúde realizou-se em Ottawa em 21 de novembro de1985, aprovou a presente Carta, que contém as orientações

 Dunia Comerlat to , Liane Coll isel li , Maria El izabeth Kleba, Alexandre Matiello e El isônia Carin Renk 

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para atingir a Saúde para todos no ano 2000 eseguintes. Representou uma primeira resposta àscrescentes expectativas para um novo movimento deSaúde Pública em nível mundial. As discussõescentraram-se nas necessidades dos paísesindustrializados, mas consideraram preocupaçõessemelhantes de em todas as outras regiões. Essa Carta

foi baseada nos progressos obtidos nos cuidadosde saúde primários, decorrentes da Declaração deAlma-Atae do documento As Metas de Saúde Para

Todos da Organização Mundial de Saúde e Fundo

das Nações Unidas para a Infância, e em debatesrecentes, realizados em Assembléia Mundial.

4 Essas diferentes áreas e setores abrangem: osgovernos; os setores da saúde, social, econômico ede comunicação; as organizações não-governamentaise os voluntários; as autarquias e empresas e aparticipação da sociedade.

5 As entrevistas para esta pesquisa foram realizadas com oconsentimento dos participantes, de acordo com osprocedimentos definidos na Declaração de HelsinqueV, 1996, e na Resolução 196/96 do Conselho Nacionalde Saúde.

6 Ver a respeito: www.redeunida.org.br.

7 Ver a respeito: www.redeunida.org.br.

Dunia Comerlatto

Assistente socialDoutoranda em Serviço Social na Pontifícia Univer-sidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS)Professora do Curso de Serviço Social daUNOCHAPECÓ

Liane ColliselliEnfermeiraProfessorado Curso de Enfermagem daUNOCHAPECÓ

Maria Elisabeth Kleba

EnfermeiraDoutora em Filosofia pela Universitat Bremen, Ale-manhaProfessora do Curso de Enfermagem daUNOCHAPECÓ

Alexandre MatielloArquitetoDoutorando em Geografia pela Universidade Fede-ral de Santa Catarina (UFSC)Professor do Curso de Arquitetura daUNOCHAPECÓ

Gestão de políticas públicas e intersetorialidade: diálogo e construções essenciais para os conselhos ...

Elisônia Carin RenkAssistente socialProfessora do Curso de Serviço Social daUNOCHAPECÓ

UNOCHAPECÓRua Senador Attílio Fontana, 591- E

Bairro EfapiChapecó – Santa CatarinaCEP: 89800-240

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