Gilka

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    Gkci da Costa M. Machado

    deos

    f. RIO DE JANEIRO Si

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    Qilka da Costa M. Machado

    A RevelaodOSPerfinumes

    1916

    Typ. "Reviso dos Tribunaes"55 Rua do Carmo 53Rio de Janeiro

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    DA MESMA AUCTORA:CRYSTAES PARTIDOS (POESIAS-1915)

    EM PREPARO :ESTADO DE ALMA (POESIAS)

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    aoCONFERNCIA LITERRIAREALIZADAEM12 DE OUTUBRODE

    1 9 1 4NAASSOCIAOD O SEMPREGADOS NO COMMERCIODORIO DE JANEIRO

    D lD

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    D e s e n h o d e M i g u e l C a p p l o n c h .G r a v u r a d e Luiz Brun.

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    ARA dissertar de um modo satisfactorio sobre o perfume ser-me-ia necessrio decifrar o enigma dessa linguagem que se acha,vaporosamente, gravada na esphinge da Natureza;ser-me-ia indispensvel decorar esse poema buclicoe selvagem, myseriosamenteescripto em ptalas, e ques os favonios, na sua expresso subtil , sabem dizer,quando vo, num beijo, folhear as corollas.Para que verificasseis o que exponho, este ambiente deveria esta r im preg nad o de perfumes inten

    s o s ; elles, ento , incumbir-se-iam de falar-vos ness eidioma, e recitar-vos-iam o poema pantheista, que tantas vezes tenho escutado e que, por possuir, apenas,a abso nan cia da expre sso hum ana, sou ousad a eftua em querer transmitir-vos.Comtudo, tantas jovens me ouvem, tantas e tolindas s o as flores hu m ana s que me cercam, que bem possve l os se us perfumes illustrem a minha dis se r t ao .

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    A Revelao dos Perfumes8Tentarei dizer-vos, por tanto , o que julgo doaroma, narrando o que tenho ouvido nas suas revelaes.

    A palavra "perfume", como sabeis, sendo composta da partcula superlativa "p er " e "fumo ou"h um o" , qu quer dizer exha lao, odor, significasempre muito cheiro, muito odor.No ignoraes, certamente, que odor e olr forampalavras antonymas; odor dizia-se quand o o cheiroera agradvel e olr quando desagradvel.O perfume nasceu, por certo, de um suspiro daTerra, foi a sua primeira demonstrao de vida ao vir luz, a sua primeira exha lao ao d espertar dosomno do Nada.N a sia, na frica e mesmo na Eu ropa , o perfume, na antigidade, era uma das preoccupaes es-theticas dos po vos. Jo ve ns e ancios, ricos e indigentes, usavam-no, de modo abusivo, nos corpos, nosalimentos, nos vesturios. Elle prevalecia em todas ascerimonias : em torno ao carro nupcial, sob o berodos recemnascidos, sobre o mrmore tumular, no em-balsamamento do s cadvere s. To rnou-se um requintede nobreza nos homens, um apuro de vaidade nasmulheres. As egypcias, as romanas e as gregas, comespecialidade, excediam as mulheres dos outro s po vos no uso dos perfumes, empregando uma essnciaem cada parte do corpo e banh and o-se com gua saromaticas.Nos antigos templos e palcios, raizes e resinasodoriferas, ardiam, constantemente, nos thuribulos ecaoulas.

    Durante os banquetes de Athena s eram mergu-

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    A Revelao dos Perfumesglhados em essnc ias odorosas a lvos pombos que , depois , po sto s em liberdade, iam, com o flores aligeras,sacu dind o no ambiente as orvalha das ptalas d asaz as e, assim , hume decend o e perfumando as frontessonhadoras dos a then ienses .Pe lo s dias de festa, os greg os faziam deslizarsobre a cidade artificiaes arroios de perfume.O s manjares e vinhos eram prep arad os comodores . As l mpadasdis fa rados vasoslanavamexh alaes arom aticas. N o fabrico dos moveis empregava-se as madei ras mais che i rosas . D as ab oba-das dos templos e palcios desprendia-se, de quandoem quando, uma chuva perfumea de ptalas polychro-m a s . N a s orgias da velha Babylonia as salas pa reciam jardins. Desciam do tecto cordes de flores odo-rantes que, c i rcumd ando as m esas, seguiam, rastejavam e, com mo vimentos flexuosos , com o serpen tesvegetaes, galgavam novamente a abo bad a, pendiam emfloreos fios, des can avam sob re as iguarias, cingiambustos e frontes. Havia flores crystalisadas, flores en-tretecendo as cabelleiras soltas, e, em bamboleios deco rp os nus , oleosamente perfumados, mulheres bailavam, despetalando f lores t rescalantes.N arr a a Historia que, quando M ar co Antnioentrou na A lexandria, o fumo do s perfumes queimado s era tanto, que a cidade parecia encob erta po r umnevoe i ro .A li teratura antiga toda satu rad a de cheirosembriagadores e lascivos-, nas imagens poticas o perfume resal ta , as ph rase s parecem ptalas s oa nt es .P o i s , at n a poe sia ba rb ara da Biblia, verem os que,no "Cntico dos cnt icos", entoa Sulamita- ."Beija-m e com os beijos da tua bo cca , porquemelhor o teu amor do que o vinho.

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    A Revelao dos Perfumes10Para che i ra r so bons os teus unguentos , comoo unguento derramado o teu nome . Por isso as virgens te amam."E canta Sa lomo:"Q ue m esta que sobe do deserto, com o umacolumna de fogo, perfumada de my rrha, de incenso ede toda a sorte de ps do especieiro ?" .E cont inua :" Q u e bel lbs s o os teus am ores irm minha, esposa minha ! quanto melhores so os teus amoresdo que o vinho e o cheiro do s teus ung uen tos doque os de todas as especiarias.Favo s de mel esto ma nand o do s teus lbios, esposa ! mel e leite esto debaixo de tua lingua, e ocheiro dos teus vest idos como o cheiro do Libano.Ja rd im fechado s tu, irm minh a! ma nancial fe

    chado, fonte sellada!O s teus renovos so um pom ar de rom s comfructos excellentes, o cypreste e o n ar d o . O na rd o eo aafro, o clamo e a canella, com tod a so rte dearvores de incenso, myrrha e ales, com toda s asprincipaes especiarias.E 's a fonte do s jardins, po o da s g ua s vivasque correm do Libano.E, numa allucinao , talvez, num a anci voluptuosa de perfumes, o sbio rei se exalta, numa invocao :Levanta-te vento norte e vem tu. vento sul, as-sop ra no meu jardim par a que disti llem os seu s a ro m as ! .E prosegue o cnt ico, numa expresso de xtases , quasi que vap oro sa; ouvindo -o b asta fechar osolh os , numa evoc ao m uda, para sent irmos cheg a-

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    A Revelao dos Perfumes11tem, uma aps outra , em procisso, as a lmas errantesdessas e ssnc ia s an t igas .

    * *

    O perfume com o o som : pa ra bem sentil-o,bem analysal-o, necessrio alheiarmo-nos quase porcom pleto de tudo que no s cerc a. .El le no s vae, ento, a pou co e pouco , penetrando o olfacto, a principio em segredo nos falando, paradepo is, progressivam ente, revelar-nos tod os os seusmysterios.E na sua intimidade que pod em os go sar asmanifestaes estheticas do seu espirito ; pinta, e nosmostra uma paizagem nevoenta, cheia de tonalidadesvagas , que ficou para alm, no poente do Passado; a

    figura romntica de uma Julieta, que alveja, luz doluar, entre os verd es festes d os var an din s em florou as luminrias cam biantes da Alvo rada que surgeengrinaldada em ro sa s. Can ta: escalas chrom aticaspercorre , grita , geme, solua e suspira em su rdi na .E ' meigo, acaricia-nos : ha corp os, vel ludosos com oalperches , ro a nd o- no s a epiderme; cabelleiras seti-neas, des na strad as, pas san do -no s pela fronte; lbiosem flor traz en do -no s boc ca sa bo r de beijos nun c a p r o v a d o s .Aspirando-o, demorada, extasiadamente, teremossensaes maravilhosas: sons inditos, painis nuncavistos, a delicia, afinal, de todos os sentidos.Q uem no ter ainda go sad o as sen sua es illu-ses da embriaguez do aroma ?C ert o n o foi po r simples ph anta sia, po r mera

    crea o pot ica, que os gregos consideraram o per-

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    A Revelao dos Perfumes1 2 s i

    fume a bebida inspiradora do s deu ses, pois, a inda hojeesempre, e l le ha de ser o nectar da Poesia .O u a m o l - a :

    Vaga revelao das sensaes secretas,das mudas sensaes dos mudos vegelaes ;arco abstracto, que afina as emoes dos poetase que ao violino da alma arranca sons iriaes.* >O' perfume que a dor as plantas interpretar"e encerras, muita ve^, desesperos mortaes!.busco sempre sentir-te errar, nas noutes quietas,quando teufloreo corpo em somno immerso ja^.

    Es um espiritual desprendimento ao luar,si, noule, sonha a flor do clice no leito,e s a transp irr.o da planta lu% solar.Mas, si acaso te extrae o Homem ser destruidor,perfume!decomposto, inane,/.liqefeito,s a essncia, s a vida, s o sangue da flor.

    O perfume pode, como no ignoraes ? ser de origem animal, vegetal ou mesmo mineral.T od os os corp os t razem um cheiro part icular,um as vezes bra nd o, outra s intenso e que, no raro ,pode ser considerado perfume.A exhalao do cheiro no mais que um desprendimento da matria de que se com pem os corpos , affirma a Sciencia.Diz o D r. M onin, num estudo sob re os cheirosd o c o r p o h u ma n o :"As individual idades, os estados pathologicos,os prprios sentimentos, se manifestam, se trahem porum che iro imperceptvel qu as e a o olfacto d e quem o

    p o ssu e .

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    A Revelao dos Perfumes13A s enfermidades, as exci taes psych icas, osezares acabrunhantes, exal tam sempre ou modificamOs che i ros na turaes das c rea turas" .Affirma ainda o Dr. Monin que, nos suores lo-cal isad os, melhor pod ero ser no tadas estas exqui-si tas anomalias osphresiologicas.G am ber ine exp e o facto de um m anceb o que",em seguida a uma desilluso amorosa^ exhalava umftido medonho.. .O ra , sen do o cheiro a manifestao de um estado pathologico ou psychico, provado est que a desil luso no tem bom cheiro.. .Jo ve ns amantes , busca e sempre a lentar as v oss asesp era n as, para no perturbardes as narinas alheiascom o cheiro denunciante do s vo sso s infortnios!Diz Gassicour t : "Todas as molst ias tem a sua

    exhalao caracterstica; as lethargias emanam cheirossem elhantes ao s da decomp osio da matria , o quetem da do occ asi o a que muitos m dicos se i lludamcom esse symptoma lethal".A s aliena es me ntaes despren dem um ftidoegual ao do rato ou caa brava, (affirma Fvre e Bu-rows confirma, dizendo que esse cheiro to infalli-vel que, si o sentisse em algum, mesmo sem outraprova, no hesitaria em attestar a loucura de quem opossu sse ) .Ci tando as exhalaes desagradveis dessasmo lstias, proc uro, ap ena s, dem onstrar com os scien-tistas a variedade do s cheiro s adq uiridos pelos estados pa thologicos .Enferm idades ha , porm , que originam perfumesbastante sensveis.O Dr. Hammond at testa ter observado que umjoven hypocondriaco expel l ia o odor pronunciado davioleta* ,

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    E ' con hecid o o facto d e um a m oa hystericaque, durante as cr ises nervosas, emanava um cheirodelicioso, de lirio.E , como esses , ha innumeros casos que me ab-stenho de na rrar , teme ndo que se imprima na levezada minha palestra a feio enfadonha e pesada de umathese scientifica. 4Os perfumes humanos so to accentuados quese entranham fias roup as e objectos usu ae s de tod asas pessoas, variando em cada corpo. Para exemplif i car basta o facto presenciado por Debayi em que umasom nam bula, depois de haver olfacteado doze objectosdesconhecidos , separou-os e d is t r ibudos aos respect ivos donos, sem o menor engano.Alexandre Albani, quando cego, distinguia peloolfacto as mulheres jovens das ancians, e o "Journaldes Savants" de 1864, confa que um monge da Hungria destacava pelo cheiro as mulheres castas.A Sciencia j analysou, e haveis de ter observad o o perfume singular que t razem os mo nges, osreligioso s fanticos, e que d elles se d esp rend e commais intensidade nos momentos da abstrao daprece. Es se cheiro bra nd o e anesthe siante , que em presta a taes cre atu ras algo de celestial , . de m ystico,e que a medicina con sidera o m anifesto patholo gicoda affeco esp iritual do enlevo religio so, o perfumedo xtase- .Assim, com o os corp os, tambm os cabe llosgua rdam um cheiro natural; tm elles odo res parti-t iculares que variam conforme o sexo, a edade e o estado daquel les que os possuem.E' sabido que o cabel lo dos chinezes desprendesempre a exhalao do almiscar .Pessoas tenho observado cuja coma expel le umcheiro semelhante ao do enxofre.

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    A Revelao dos Perfumes15A P o e s i a , m e l h or q ue a S c i e n c i a , s e n t e e s t a s

    q u e s t e s o s p h r e s i o l o g i c a s , a n a l y s a n d o - a s c o m p artic u l a r b e l l e z a .

    S o d e um a p o e t is a o s s e g u i n te s v e r s o s :5/ , do toro retro^ de tua coma escura,meu beijo, como um passarinho,gorgeando, clere, procurao morno e fofo ninho ; que cheiro verde meu olfacto sente!cheiro de resed que em flores regorgita...e meu olhar mergulha, e meu rosto se escondeem tua cabelleira rcdolente. . .tenho a impresso de que s uma arvore exquisita,sonho que em teu cabello ha verduras de fronde.

    Quando te acaricio,e meu desejo teu desejo ateia,teu cabello arom ai, novelloso e macio,pelo meu rosto subtilmente passa. . .tua cabea, ento, que em meus braos se enlaa,tua cabea de essncias cheia, uma caoula que perfumes incendeia,o teu cabello queima, vapor... fumaa...

    De onde vem esse odor com que elle m e quebranta,esse odor vegetalde essncia dormideira,odor que elicia e quefa^ mal,narcotisante odor de malfica planta ?

    E, meditando bem , no silencio, cotn calma,tiro uma concluso da origem desse aroma-, a essncia venenosa da tua almaque anda a se evaporar por tua negra coma.

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    A Revelao dos Perfumes 16Esse cheiro vegetal freqente nos cabellos.poisj tenho l ido com para es idnt icas em vrios poe tasconsagrados, inclusive Charles Baudelaire , que na suaadmirve l poesia "La chevelure" d isse :

    La langoreuse Asie et Ia brulante Afrique,Tout un m onde lontain, absent, presque defunt,Vil dans tes profondeu rs fort arom atique!Comme d'tiiitres esprits vogttent sur Ia musique,Le mien, mon amourl nage sur ton parfum.

    E, como os cabel los, boccas haveis de ter comcerteza aspirado de aromas inebriantes, boccas ques o quae s sa zo na do s fructos que o no ss o olfacto sa-bo ra , e de on de o hlito no s vem com o um favonioque houvesse perpassado por um pomar em plena ma-turescencia .Boccas desabrochantes de c reanas , cujo a romaincolor por certo o da innocencia , e bo cc as rese -qu idas de velhinhos , ond e ainda paira o cheiro vagodas flores que se engelham para a morte.O perfume humano, freqentemente, afflue parauma local idade especial de cada corpo.A ca so nunca t ivestes a ventura de absorver, numcolloquio amoroso ou mesmo no rpido contacto deum cumprimento, o od or que originam as m os decertas creaturas ?Existem mos perfumosas e mos perfumadas,estas de cheiro adquirido,momentaneamente, pelo frato,aquel las dist i l lado pelo prprio san gu e. P ar a dis-tinguil-as n o s o ne ces sr ios re cu rso s scientificos,ba sta a convivncia, pois sa bid o que o perfume-extracto, po sto sobre a epiderme, n o tem ab solu ta

    mente durao: o calor do corpo absorve-o; o cheironatural soprepuja quelle artificiosamente usado.

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    A Revelao dos Perfumes17Essas mos que a Natureza privilegia, so verdad eiras plan tas hu m an isad as, tal sua fragrancia;asp iran do -as , num contacto, temo s a impresso demachucar as ptalas oleosas de uma flor estranha.No raro observareis que os poetas, versejandoso bre as m os das su as m usas, referem-se ao perfumeque el las guardam.E ' que o poeta eterno investigador da s coi

    sa s bejjas s ama e canta aquillo qu lhe despertaa emotividade.Q ue m melhor que Alberto de Oliveira pod erter sentido esse perfume localisado em certa mo ?Se a mo falasse, a minha mo diria ;

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    A Revelao dos Perfumes18emplo, a terrorisa o leo, o do homem irr i ta os gansos,e assim muitos outros.Perfumes ha que ao olfacto de algumas pessoas incommodo ao passo que ao de outras del ic ia .O alm iscar (cheiro originrio de uma espcie decora, n a sia) , o castorio (que extrahido do c s-tr) , o m bar (que se encon tra nos intestinos do ca chalo te), e vrios ou tros , s o cheiro s que, pela suaexcentric idade*, por po uco s s o con side rado s od or es .P de um perfume, geralmente apreciad o, sercausa de acce sso s nervoso s ou mesmo provocar sr ias enfermidades no organ ismo de certas creafuras-Co nta o medico Tho m az Capell ini que uma nobredam a rom ana, de nervos del icados, um dia , receben-do- o , em sua residncia, lhe dizia no p ode r sup po r-ar o perfume da rosa, que essa flor era o seu inferno.Em quanto o medico escutava a interessante da m a,uma senhora, amiga da mesma, entrou pela sala, trazendo um boto de rosa nos cabel los. A joven damaempallideceu e, agitando os br a os , desm aiou sob reo canap. Que suscept ibi l idade nervosa ! (pensou, ento, o do uto r) preciso que o olfacto de ssa sen ho raseja as s s ap ura do e o perfume da flor dem asia damente intenso, para se prod uzir um to violento es pas m o. E qual o seu espan to qu and o, ao receber aflor d as m o s da visitante, verificou ser a m esm a a rtificial !Bastou, portanto, a appario da flor para trazer exquisita dama a sensao do perfume, com todo oseu malfico effeito. N o fora mais que um inter essante caso de suggesto .N ar ra tambm De bay que uma senhora inglezatombava com syncopes ao perfume das rosas vermelhas , e aspirava com prazer o da s ro sa s mais c lar a s .

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    O sabor olfactivo extraordinariamente vrio e,muitas vezes, degenerado.Assim com o existem pes soa s que s pendempa ra o mal, ha olfactos que s se deliciam com o scheiros ftidos.C om tud o, ha perfumes malignos, cujo abs orv i-mento enferma, prod uz a loucura e algum as vezes mata.Exemplifiquemos: o cheiro do aafro causaasphyxias, o da magnolia occasiona fet)res, o da ca-nella males do corao e innumeros outros.D iz-no s ainda De bay que uma cantora perdia avoz, mal aspirava o perfume da flor de laranjeira; entretanto, a essncia des sa flor um po dero so calmante.O cheiro da mancenilheira narcotisa e prod uza morte quelles que o absorvem por dem orad o tempo ; asp iral-o ter a certeza de ficar sujeito ao sorti-legio de uma bruxa vegetal.

    Q ua se todos os perfumes tm pode res narcot i-sante s, quand o ab sorvido s, dem oradamente, num am biente estreito e abafado.A s influencias do perfume no systema ner vo sod a s cre atu ras seriam sufficientes par a o desen volvimento de uma interessante ob ra scientifica, taes a ssuas bel lezas e aberraes.O s mineraes , como todos os out ros corpos ,contm cheiros prp rios, freqentemente medicinaese, ao meu sentir, qu ase semp re de sag rad veis . N oduvido, porm, que para algumas creaturas os cheirosmineraes sejam perfumes.T od as as ped ras tm as sua s exhalaes, embo ra comm umm ente imperceptveis no ssa sensibilidade olfactiva.De ntre os mineraes, entretanto, des taca-s e aarom atites ped ra preciosa da Arb ia, cujo cheiro semelhante ao da myrrha.

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    A Revelao dos Perfumes2 0Os perfumes animaes e mineraes, comtudo, sosempre inferiores ao perfume vegetal, ao perfume virgem e vivo do s troncos , das frondes, d as flores e do sfruclos. Es se, que a todo s ns apraz trazer no corpo, na coma, no leno, para disfarce dos nossos cheiros natos, no mais que a decom posio da flor,no mais que a extra c oda sua alma, do seu san

    gue, da suavid, emfim, por meio de maceraes, decompo sies chimicas e de pren sas hydraulicas.Assim como o som tem cr e a cr tem som, hacr e som no perfume. A intensidade ou branduraque elle m anifesta d -n os a viso da cr, e a cr, porsua vez, traz-nos a percepo do som .Torna-se-me impossvel citar todo s os perfumes

    pois elles so innumeros, variando cada qual de expres so e de colorido. Dentre os mais notveis, ach aremo s,facilmente, alguns que nos dm a visualidade perfeitadas cores do iris.No querer isso dizer que os mais sejam inco-lres, pois, como ha cores que so composies deoutras, ha perfumes que, pela semelhana que os har-monisa, entre si, no passam de compo sies chro-maticas de vapores . Sirva de exemplo o perfume dosjasmins com o das anglicas e madresilvas.Existe, ento, uma orchestra, cujos instrumentosso plantas, cujas musicas so vapo res; si quereisescutal-a penetrae o theatro da Natureza, aprestae osouv idos da alma e deliciar-vos-eis com as magnficasoperas do perfume.E'sup erfluidad e dizer vos que, assim como hacreaturas surdas, ha tambm almas que o so; as dosmaterialistas, quero crer, por mais que o perfumecante jamais conseguir ser por ellas ouvido.

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    N o , po is, par a o s m aterialistas que eu falo,m as sim para os son had ore s, para os crebros quetm o illuminismo da Po esia , para as creatu ras do tad as de dup los sentidos afim de penetrarem os m ys-terios das cousas, e de azas na alma para t ransporemas longinquidades da altura.N o ha poeta, no ha m esmo literato algum quese no tenha occup ado , em bora l igeiramente, com osperfumes. Ch arles Baudelaire , nos seus versos, demonstra, a cada instante, uma paixcf extraordinriapelos mesmos; a sua percepo olfactiva assume sempre symptomas extravagantes.O poeta das "Fleurs du M al " foi ap os sad o deum violento am or po r certa mu lher, devido ao perfume extico que ao seu olfacto ella exhalava.D iz Felix Ga utier, num do s nm eros do "M er-curie" de Frana:"P or Je an ne Duval , uma negra de S. Dom ingos , Ba ude laire cheg a at ao sacrifcio da sua elegncia : vende, hypotheca, endivida-se; a sua sensualidade ex asp eran te, tem crise s ao vel-a e as piracheiro de msto na lande carneiro da suacabel leira".Jeanne era, afinal, para Baudelaire, umthuribulohumano, onde elle, constantemente, aspirava o aromada sua inspira o; quand o ella pa ssa va o poeta perm anecia a luctuar no seu perfume ne gr o , no seuperfume de bano.E, como esse bizarro artista, existem muitos outros so nh ado res, aman tes de eguaes dam as, pelocheiro especial que a carne lhes satura.. .

    *Co nservam o-nos por a lguns mom entos numa dasruas mais movimentadas da nossa "u rb s" e quantassensaes o perfume nos d !

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    A Revelao dos Perfumes: 2 2Quente e activo, eil-o que vem, gingando comoum garoto esperto, como um abstracto pagem, an-nunciar algum que se approxima, num p as so cadenciado e frouxo, movendo, languidamente, as fartasanc as... E ' uma mestia: pas sa, desapp arece, masseu perfume fica, ainda por muito tempo, com o quedansando os ltimos passos langues e sensuaes deum tango...Foi-se. J a ao no sso olfacto vem bater a ondavaporosa de um aroma novo, manso e macio, quenuma caricia endermica nos percorre todo o corp o.De onde elle vem ? Quem o exhalou ?M ysterio! E aalma nos fica, demoradamente, fluctuando nas ondasvaporosas do perfume...Mas, dentre o vae-vem do povo que se baralha,ha alguma cousa escandalosa que attrae os olhares

    dos "s no bs ", envidraados pelos monoculos; todasas mulheres se voltam assu sta da s... ha um rebolioestranho... Um a c reatura, exquisita e loura, num passotremulo, nervoso, qual uma arvore animada, passa ,rapidamente, ensandaland o o esp ao ... E, spe ro epertinaz, o seu perfume nos saco de os nervos, arre pia-nos a epiderme e perdura numa aggre sso inslita ao nosso olfacto.Pa sso u: j no mais que um cho, que um vestgio, um leno vaporoso accenando de longe... Comoos outros passou.Na rua que, com o vir da Nou te, a pouco epouco, se vae tornando solitria, a cada instante anossa vista foge, vae se refugiar no mais profundo, nomais occulto do no sso ser, e, de olhos cegos, na in-troverso da Sa ud ad e, vamos, ento, revendo, uma a

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    A Revelao dos Perfumes2 3 uma, gravadas em nossa alma, todas as impressesmomentneas do aroma. . .

    *

    Talvez fiqueis adm irado s, si algum, tom an do -vos o bra o , conv idar-vo s para ir ao baile do s perfumes; porm, si fordes observadores e esthetas(certa estou de que o sois ), haveis de ter, com o eu,passado muitas noutes ao relento, no paradisaco enlevo dessa festa nocturna.E, s finas vibra es do s violinos do V ento , a oco que ass om a tod o il luminado no fdico esplendo rde um luar de Prim avera, tereis assistido ao s movimentos vrios dessa multido vaporosa, que se encon

    tra, que se mistura pelo espao, em rodopios rpidos,em meneios tristes e sinuosos, em saltos leves e ligeiros , em passos lentos e arrastados; estes indecorosos,che ios de impu dicicia, aquelles impertinentes e ne rvoso s; a lguns alegres e barulhentos com o crean as,outros sizudos e lacnicos como ancios.E, num vae-vem continuo, ora o s perfumes de s-apparecem, mergulham no ar em languidos requebrospara, logo aps, seestorcerem, se desenrolarem, espi-ra lando. . . subindo. . .Ha m om entos em que elles se destac am , lado alado, nuns "balances" macios, vagarosos, e , depois,se confundem no "tou r" ruido so de uma quadrilhaphantast ica . . .E, at que o dia venha dispe rsal-os , em quantoos jardins repousam e o nosso corpo jaz na inanimi-da de do so nh o, nada ha mais aprazvel no ssa alma

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    A Revelao dos Perfumes2 4que acompanhar o espir i to das f lores nos seus des-prendimentos noc turnos .

    O perfume tanto se no s ass oc ia na s alegriascom o no sp ez ar es . El le no s til a t no t ranse extremo para suavisar o cheiro horrvel da nossa decomposio .Haveis de ter, ainda que rapidamente, aspiradoessa promiscuidade de aromas, to commum nos ambientes fnebres.A o solenne recolhimento dess e silencio em quetudo cho ra, desde o olhar tremulo do s cirios luz decir io do s no ss os olho s, paira no esp ao , indecisa egrave, uma collectividade area que suspira e solualongamente. . . So os perfumes.Da profuso das flores que all i se acham, immo-lad as num culto affectivo, a s ess nc ias , tam bm numderrad eiro arr an co , manifestam a d r do feroz golpeque as tolheu de gosar a existncia terrena.Nesses momentos em que as flores jazem, l ividaspela m orte, e a no ss a alma pranta o co rpo inerte efrio de um m orto idola trado , com o to bem se co n-sorciam , a essncia da no ss a tristeza, com a tristezavaporosa do perfume !S ae o fretro, com elle se vo o s cad ve res d asflores, m as os perfumes perduram , retidos na imm o-bi lidade da melancholia , invocan do, saud osam ente,as f lores que os emanaram.

    O aroma, algumas vezes, prejudica, por ser denunciante . Q uem ac aso o pos sue no se pode oceul-

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    A Revelao dos Perfumes2 5tar : annuncia-se chegada, deixa rastro na passagem.Elle se pro pag a pelo amb iente, grav a-se no s objectosao nos so contac to , pe-nos em si tuaes em ba ra os a s . . mesm o comprom eftedor.A mulher, creio, seja dotada de uma a pu rad is-sima osphresia .Q ua nt os do s cavalheiros que me ouvem, ch egan do certas vezes em casa, h o, com surpresa, escutado as sua s esp osa s murmurarem * desconfiadas:Oh! que perfume exquisito!. . . Tu trazes um cheiro estranho. . . Onde est iveste ? E, te ro , a tordoados , respon dido: Puro engano , querida; certamente do jardim o aroma que tu se n t e s . . . eu estou muitoconst ipado, no o sinto.A h ! Maldito perfume!Por este motivo, o poeta Olavo Bilac, buscandofugir s inves tiga es do s olfactos alhe ios, diz num adas suas bel las produces:

    E, j manh, quando ella me pediaQue do seu claro corpo me afastasseEu, com os olhos em lagrimas dizia-.No pode ser! no vs que o dia nasce ?A aurora, em fogo e sangue as nuvens corta.. .Que diria de ti quem me encontrasse ?

    Ah! nem m e digas que isso pouco importa!...Que pensariam, vendo-me, apressado.To cedo, assim, sahindo a tua porta ?Vendo-me exhausto,pallido, cansado,E todo pelo aroma de teu beijoEscandalosamente perfumado ?

    A abst raco do assum pto impede que se l h odefina; os conceitos divergem, as imagens variam.

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    A Revelao dos Perfumes2 6Tod avia, do s pareceres que sob re o thema heilido, ha um que se me ficou perp etuad o na m emria:o perfume o idioma dos vegetaes.E, realmente; assim com o as creatura s se exprimem pela palavra , os as tro s pela luz, as pe dr as pelobri lho, o oceano pelo marulho das suas ondas, os vege tae s se manifestam pelo perfume ; e que deliciasnos proporc ionam e lles nas sua s adorveis pa les t ras!

    O sandalo e o incenso perfumes-res inas pelaadversidade das emoes que despertam, formam umaverdadeira ant i these aromai .Nas primit ivas missas negras, o sandalo era ,dentre outros perfumes, usa do no s temp los pa go scom o um estimu lo pa ra a org ia; o incen so, aindahoje, queim ado no s tem plos chr isto s com o um incent ivo para o so nh o. O sanda lo um aphrod isiacopara os sent idos; o incenso do s sent idos o ane s-thesico. O sandalo um perfume vermelho, um perfume infernal; o ince nso um perfume azul, um per fume celeste. H a no s an da lo o estridulo rumo r d astrom btas de guerra; ha no incenso o som solenne ereligioso dos rgos. O incenso fala-nos alma, fala-nos de tod as as co us as vag as e my st icas; o sand alofala-nos ao inst incto, accorda-nos a volpia .A poes ia torna m ais notrio o con traste d asem oe s sugg eridas por ess es perfumes; e lla no stransmit ia , pois, uma sensao produzida pelo sandalo:

    Quente, esdruxulo, activo. emocional, intenso,o sandalo espirala, o espao ganha, berra. . .e eu , que soffrega o sorvo em longos haustos, pensoser elle a emanao da volpia Terra.Odor que o sangue inflamma e que um desejo immensode prazeres sensuaes em nossas almas ferra,quer perfume o brancor de um rendilhado leno,quer percorra, a cantar,as brenhas, o ermo, a serra.

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    A Revelao dos Perfumes2 7Quando o aspiro a embriague^ em mimse manifestae. ebria, do amor transponho a vtrential floresta,onde a Luxuria, como uma serpente, assoma.Ha rumores marciaes, sangrentos, aggressores,de trompas, de clarins, cometas e tamboresna orte exhalao deste infernal arom a!Verifiquemos a antithese; a Poesia ainda nol-a

    -demonstre pelo soneto de Rodolfo Macfado :Ha no incenso um poder ignoto e suggestivo, um hlito de Deus, onde existe o perdo...Sempre que o absorvo vejo um anjo pensattvo,de olhos postos no co, com as mos no corao.Entre as lu^es do templo e ao som vago e emotivodo rgo, o seu perfume o enlevo da orao;adormenta~me como um suave lenitivo,que tra^ todo o segredo a%ul da remisso.Entrego-me chimera ideal dos meus sentidos,e, evocando, napa^, os meus sonhos perdidos,fecho os olhos lu^ para vel-os voltar...E, emquanto, pelo espao, erra o fumo suspenso,eu sinto a vida a%ul, dentro do a%ul do incenso -.num xtases Minh Alma anda esquecida no ar.

    Como j tivemos occasio de averiguar que nascreaturas o perfume sempre a manifestao de umestado pathologico ou psychico, tambm nas plantaselle revela todos os sentimentos vegetaes.

    Ha perfumes que no so mais que a condensao das lagrimas que as arvores vertem nas suas ma-guas, lagrimas em que as arvores concentram toda a.a tristeza do seu captiveiro.

    Ha perfumes que riem, perfumes que choram,perfumes que gemem, perfumes que berram!

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    A Revelao dos Perfumes2 8O bse rva e a tristeza da violeta. Ha no perfumede ssa flor um som grave, um som soturno, um somnostlgico e roxo de violoncellos incgnitos, um somque parece vir de muito longe, das lendrias e nevoen-tas estncias do P as sa do . Sup ponh o que a violeta hajasido gerada na hora enferma do occa so, ao s hysteri-co s vapores da Terra quando desmaia nos bra os

    mollentados jo Cre pscu lo. Parece haver no seu odorse concentrado toda a melancholia de Flora.A rosa, no; a rosa alegre como uma creaturasadia. Seja rubra ou nevada, o seu perfume sempreroseo como um riso, sae-lhe dos lbios qualumchilrode guitarras, quando se lhe descerra a bocca tumes-cente, na sua gargalhada auroreal.O aroma da rnagnolia amarello e doentio. Haespasmos voluptuosos na exhalao dessa flor, quando se entorna em seus eriopetalos lbios o argenteoaphrodisiaco do luar. O seu perfume nos penetra oolfacto com maciezas de carnes pubescentes. O ventod-lhe vibraes qurulas de harpa . Lembra-me oaroma da rnagnolia o anceio apaixonado da alma ab-stinente de uma freira.Fechae os olhos e aspirae todo o odor dos rese-ds floridos; tereis a impresso de atravessar uma floresta vasta, uma floresta virgem, com toda s as suasexhalaes acres, de hervas, ao som das frautas invisveis dos faunos. Cr-se que a Esp erana nos falepelo perfume verde dessa planta.E' um desalento o odor da madresilva. Alaran-jado e langue, elle sae do s jardins como um bocejo. Abrisa plange as cordas verdes dessa planta, arrancan-do-lhe son s montonos de alade. Pung e-nos sentira evaporao da sua alma, o seu desprendimento des-preoccupado e morno de tdio...Ha perfumes que se no definem.

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    A Revelao dos Perfumes2 9 ' noute, qual de vs ainda n o ter sentido acaricia velludosa de um perfume q ue pas se , to ligeiro , to leve, to subtil , que no vos d tempo a analy-sal-o , a saber de onde elle vem ?Murcha no clice a flor, as ptalas empallidecem,e, com o num desconjunctamento de m sculos, tom bam , hirtas e frias, v oltando ao primitivo p . M as .. . eo perfu m e? O bse rvae : e lle a inda se c o n s e r v a . n oambiente, erran do qual uma alma perdida no atordoa -

    mento da desencarnao!. . . E, emquanto o olfacto oabsorve, dentro da noute algum fala:Um perfume leve. mystico, tristonho,vem tocar-me o olfacto, traspassando a porta sorvo-o com delicia, fa^lembrar-me um sonho,pois, noctivagando, mystico, tristonho ,a alma me parece de uma flor j morta.E n o s o perfume da s flores que perd ura,

    ap s o aniquilamento daquella que o em ana; o perfume car nal, o perfume hu m ano , tambm se distribuepelo espa o e se grava n as roup as e objectos usu aes.Quantas vezes, ao penetrar numa casa abandonada, removendo a poeira do esquecimento, notamos,de cada canto, erguer-se ao nosso olfacto a essnciaj mumificada das creaturas que a habitaram ? Quantas vezes ao toc ar num leno, num a fita, num a carta ,sentimos desp rend er-se a fragancia divina d o no ss oamor j morto ?E, embora nada reste que nos possa lembrar umente extrem ecido, ba sta o seu perfume haver um dian o s deliciado o olfacto pa ra ficar, etern am ente, ca ntan do , gravado no disco da no ssa alma.Na quietude das noutes, quando tudo silencioe quase s podemos ver com o espirito e escutar como olfacto, m uitas veze s um perfume intimo , co m o a

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    A Revelao dos Perfumes3 0imagem impalpavel da Saudade, nos vem trazer a sensa o de algum que se ach a ausente , da nd o-n os ail luso de que esse algum se approxima, que o seuprpr io odor o que aspi ramos. Como expl icar enganoto freqente ? um a illuso olfactiva, talvez, o uquem s ab e se a a lma des se algum se t ranspo rta a tns ?

    Que o demonst re a Poesia :Nou te feia. Estou s. Do meu leito no abrigo,cae a lu% amar ella e doentia d o luar ;tediosa, os olhos fecho, a vr si, assim, consigo,por mom entos siquer, o somno conciliar.Da janella transpondo o entreaberto postigo,entra um perfume humano impellido pelo ar. ..Es tu, meu casto Amor ? s tu, meu doce amigo,que a minha solido vens agora povoar ?A insomnia me allucina; ando num passo incerto-.E's /// que vens. .. s tu! reconheo este odor...corro porta, escancaro-a, acho a Trcva e o Deserto.E este aroma que leu, aspirando, supponhoque a essncia da tua alma, meu divino Amor!para mim se exhalou no transporte de um sonho.O perfume um va po ro so pincel que s vez esvem traar na tela da nos sa mem ria os factos ap agados pela esponja do tempo.M a s . . . caminhem os noute. A Lua com o umaflor extica da treva, nos ethereos jardins, abre a co-rolla fria . Dorm em as co us as, dormem as creaturas.H a por tudo a ex pre ss o intima do silencio. O luar,qual um frouxel largo e longo, se desprende do coe tomba pelo solo.Trav ez a gaz ea tnica que vestem, as arv ore s,

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    A Revelao dos Perfumes31d e i x a m a p p a r e c e r a c a r n a o v e r d e . A s e s tr e ll a ssaco d em n o a r a s p t a l a s t r emen te s f azen d o cah i r u mlu m in o so p o l l en . H a u ma b a d e n ev o as , c in g in d ol e v em e n t e a s e s p a d u a s d o s m o n t e s . D o r m e t u d o , p o rm , o per fume se exh a la , o per fume des l iza , o per fume fluctua. .. e , br io , com ple tam ent e , o n o s s o ol facto ind ag a s i e lle sub iu da Te rra ou s i de sce u ^do sa s t r o s .

    C a m i n h e m o s a i n d a :As laranjeiras esto floridase, sob o vo alvo do luar,de branco, assim, todas vestidas,parecem virgens a caminho para o altar.A alma nos fica inteiramente prezade um mystico languor,ao perfume que exhalam na devera-os Iara njaes em flor.Ha um ruido de orao, de longe em longe,anda o hyssope da Lua aspergindo todo o ar,e o Vento reza como um velho mongepara no altar da sombra as arvores casar.Emquanto a noute fulge toda accsapara a festa do Amor,vo desfolhando as flores da purezaos laranjaes em flor...E, fecundando as viosas vidas,as laranjeiras, par a par,assim se casam nessas ermidas,nas ermidasliriaes, lactescentes do luar.Um pollen branco, de etheral leveza,porphyrisado amor,distribuem por toda a naturezaos laranjaes em flor.

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    A Revelao dos Perfumes- 3 2E aos laranjaes que andam noivando, vede-,a alma gosa um prazer intimo e salutar,adormecendo, como numa rede,neste perfume que anda a oscillar, a oscillar...Julgo absorver a essncia da Purezano vosso meigo odor, virgens-laranjeiras da deveza ! laranjaes em flor!

    Pro sigam os. . . parece-nos que algum gem e. . .h a talvez, o arquejar de um a alma fatigada en chend o de pulsaes o espa o adorm ecido. . . S oos manacs que se lamentam; na voz do seu perfume,qual na surd ina triste de um violino, afigura-s e-nosque vibra uma alma viuva, uma alm a que, po r sing ular metem psychose, cho ra, do imo da planta , umailluso frustrada noutra vida.Pen etrem os a f loresta . A N atureza se conservaparada,presa de um narcot ismo estranho. Os perfumes,nas suas mltiplas expresses, chegam collectivamenteao n os so olfacto sem que po ssa m os qu ase distinguil-os;ora colleantes e subtis com o ga tos , ora br an do s e l igeiros como col ibris , ora impetuosos e aggressivoscomo feras !E ha o perfume verde aze do d as m adeiras , operfume cremante e apimentado d a s h e rv a s .o perfumecido e polych rom o e do s fructos, o perfumelanguido e m eloso do s l irios, o perfume extico d asplantas b ravias, o perfume cho roso da s resinas . . .tanto s, tantos perfumes, sah idos de cada t ronco, deca d a fronde, de ca da fructo, de ca da flor, que julgam os o prprio solo e a prpria gu a desprenderempara o ar um vapor aromai .A a tmosph era se conserva pesad a . T od os ossent idos se nos abstraem e vo se concentrar na mu-cosa olfactiva.

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    A Revelao dos Perfumes3 3

    D en tro da floresta, com o de um gran de templo,julgamos absorv er a fumaa od oro sa de innumerosthuribulos occ ul tos.O s r ios qu e, languidamente, rolam, lanando uma evaporao humida, lembram um perfume liquido que a Lu a ho uv ess e ex trahido da floresta, uma essncia perfumosa lavando os negros psda Noute adormecida. As feras enlevadas, paradas pelos cam inhos, de olhos semicerrados , narinas di latadas , farejam os espa os . A s abelhas, brias comp letamente, toca m -no s a face, tombam pelo solo , ad or mecem sobre flores. Todos os animaes sentem as influencias dos cheiros embriagantes da matta, e a almado s son had ore s suga, assim como a abelha, o meldivino do perfume pa ra o fabrico do s alvearios daPo e s i a .

    Dorm em as cou sas , dormem as creaturas, ape nas , os perfumes vises branc as e enfermas vagam, somnambulamente , pe los espaos. . .

    J n o leito rubente do levante, a N oute m orre,ensang entada e muda, ap s o parto laborioso d oDia. Soam clarins; a Terra se espreguia; a voz tym-panica das cigarras, tremulamente, vibra.As guas, em gestos sinuosos, movem os corposondulantes, espreguiando-se nos alveos.A s arv ores abrem, lentamente, os bra os verdese, com gestos monast icos, abenoam o Dia. As f loresdesa boto am os lbios e o perfume se evola da s su asbo cc as frescas e lavadas , numa phras e sorr idente desa u d a o a o So l .

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    A Revelao dos Perfumes3 4A luz avana, aquece os campos e pomares erola como um leo perfumado na verde cabelleira dasflorestas. E vede: que alvoroo no s jardins, que alegria saudvel nos ro sa es ! Trava-se uma palestra intima entre as flores ; ha vozerio de perfumes...A natureza entra em labutao; a selva um laboratrio onde se acham operando todos os elementos.G anh a o Sol o zenith: as aves cantam e a suavoz, num som morrente, pouco a pouco, se extingue.Com voz rouquenha as guas cantam... Ao compassad o som das enxad as, ao longe, cantam jovens noseitos.E' a Vida que entoa o hymno triumphal da Fora e do Trabalho!E as flores silvestres, na simpleza de raparigasincultas, cantam canes rsticas com as vozes suaves

    dos seus perfumes.Ah ! os perfumes das flores s ilvestres! elles soembaladores e despreoccu pados como as canesque as mes entoam para embalar os filhos, so omanifesto da pureza da s su as almas simples, de ignorantes.Descam ba o So l: a sesta principia com o de-clive da luz. As arvores, agora, elastecendo os membros, estalam de quando em vez os msculos. As flores, entrefechando a s mollentadas palpebras, dormem...A natureza toda cochila... Ha uma oleosidade tal nasfrondes que parece as arvores esto tresuando.Vae, lentamente, se fazendo acalma diurna. Nemuma aza transpe o infinito ermo. Exhalado de cadacanto, de cada cousa, de cada sr, o perfume queagora paira no ar a respirao ardente da alma ex-hausta dos seres e das cousas.As fontes e cachoeiras falam baixinho para.

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    A Revelao dos Perfumes3 5n o perturb ar a natureza que repo uza . O s rios rolamsom no lento s. N a imm obilidade do ar, o perfume umarquejo de fadiga, um suspiro talvez de desfallecimen-to...

    Co m o ar ras tado pas so dos vencidos , o S o l caminha para o poente , deixando rastros sangren tos. . .Crepuscla.. . O occaso se nos afigura uma fundabacia t ransbo rdan do de sangue. . . N os brao s f lacidosda Tarde, o Sol, esvahindo-se em luz, agoniza comoou tr 'ora Petron ius, reclinado no seio da sua escravamoribunda .D ob ram sinos. . . Em poleirados n as frondes, ossabis vibram o requiem do Dia. A alma collectivada N ature za ajoelha-se contricta. C om o um acolytomudo, o Vento, agita levemente os thuribulos das flo

    res. E o hom em , a fera, o verme, a lympha, a ped ra,a planta, confraternizam -se n esta hora na com mu -nho da tristeza. Err. meneios curvos de onda, os sonsdos sinos enchem todo o espao. Atravs do incensoda Ta rde, as m onta nha s, a o longe, parecem altaresvasios.. . A Noute, a negra sacerdotisa, principia a pregar o sermo do silencio.E o perfume espirala.. . sob e na exp ress o pa-thetica do xtases religioso da Natureza.N o azul, que ora se esfuma, paira uma nvoafina, uma nvoa tremente, que sup po nho a con den sao dos vapores aromaticos desprendidos da Terra .

    D ar-vo s-ei uma imp resso mais nitida do perfume duran te as diversa s ho ras , com a Bailada doA rom a , de Rodolfo M acha do .

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    A Revelao dos Perfumes 36H a - d e a p a l a v r a r y t h m a d a , m a i s u w a v e z , e x p r i mi r -v o s , o q u e eu n o co n seg u i co m a min h a ru d ep r o s a .

    Busco sempre a embriaguez espiritual do Aroma;o aroma que de Flora o mgico licor...absorvo-o e sinto que elle a alma toda me toma;e, num deliquio estranho, em secreto languor,gso de ethereo sonho o indito sabor. Aneslhesico d'Alma unco das minhas dores fluido que da nevrose incgnita das florespenetra o olfacto e vae no corao vibrar... espirito da Flor que a musica das Cores,ora vem, e ora vae, vibrando, na harpa do Ar.

    Ao Sol nascente, quando a luz_ doura a montanha,ao Sol pintor astral que uzji tintas de luz,nessa hora, de onde o tenha, elle espirala e ganhaa liberdade do Alto e, no Alto, assim, traduza essncia da emoo que o vegetal produz,para que a Terra envie ao Sol seu flor eo beijo. Sonho alado da Flor que sobe num adjo, incensorio pago das hlias matinaes...Ah! com elle, desperto, luz ao rumorejobate o meu corao entre vises lyriaes.

    E sempre que de cima o Firmamento assomaabrindo no infinito a epopa da Cr,na hora em que se realiza afestapolycrmado meio-dia, ao Sol radiante, abrazador,o Aroma um hymno excelso entoado ao deus do Amor.Soam dentro da luz os aromaes vapores,e a musica tremula em notas multicres,dando a tudo o desejo intermino de amar.. .E languido, sensual, emocionando ardores,Ora vem , e ora vae, vibrando, na harpa do Ar.

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    A Revelao dos Perfumes37A' tarde, morta luz, finda a diurna campanha,quando no Occaso o Sol lembra no Horto Jesus,na tristeza da sombra, elle, saudade estranhaaccorda e,para o co subindo, me seduz- Surge, ento, no meu sonho a imagem de uma cruzje ante a minha esperana e o meu final almejo,sinto-o como se fosse a f que um sertanejoprende a essa illuso das cousas celestiaes...e, por seniil-o, assim, nesse divino ensejo,bate o meu corao entre vises lyriaes.

    Desa, embora, da N oute a mystica redoma,encerrando em seu bojo o somno embalador; Noute o Aroma sempre um stiggeslivo idiomaque falam na quetude as ptalas da Flor,que importa a treva oceulte os males do terror ?elle treva dar symptomas seduetores,e at que a Aurora espalhe os primeiros albores,sinto-o subir no ambiente, em curvas, a ondular,e espiritualizando o silencio e os trevres,ora vem, e ora vae, vibrando, na harpa do Ar.

    Na vertigem do Sonho elle me envolve e banha,me quebranta, me enleva e aos mysterios me induz;e toda a vez_ que assim o Aroma me acompanha.a Poesia me vem do pensamento a flux. Az a abstracla q ue par a o co a alma conduz;si languido e subtil, lembra um leve bocejo,e si forte, febril, aggride. inflamma o pejo,com a morna excitao de desejos sensuaes...Ah! mas findo o prazer, sentindo o seu bafejo.Bate o meu corao entre vises lyriaes.

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    A Revelao dos Perfumes3 8OFFERENDA

    Poetas que sois d Vida os immortaes cantores! sacerdotes do Bello emotivos creadores!sorvei a alma da Flor para melhor cantar -.o Aroma sempre o ideal que, para os sonhadores,ora vem, e ra vae, vibrando, na harpa do Ar.Poetas, si despertaes ao som de um vago harpejo,sentindo, para o ignoto, um mystico desejo,na aza leve do Aroma ide s manses idedes,que direis, afinal, num sonho bemfzejo:bate o meu corao entre vises lyriaes.

    ** *

    Assim, na tristeza eucharistica da tarde, na som-nolencia da noute, nos espreguiamentos da alvorada,na faina ard ente do m eio-dia; rud e na selva, ingnu onos campos, languido nos jardins, a legre nos pomares; no desmantelo de uma coma esp arsa, no de sab ro-chamento de uma bocca. na tumescencia de uma carneem flor; activo ou m an so , b enfico ou m aligno, sbemdito. Perfume, s bemdito !O' tu que pairas sobre o estagno da vida, dandos cousas que te possuem o teu animismo divino !O ' tu que na tua exh ala o de brisa fazes tobem vibrar as c inco co rda s dos meus sent idos ! Eu tepalpo, eu te vejo, e aspiro, e gusto, e escuto !...D -m e a delicia do teu mal, prop ina-m e, comteu veneno, as a l lucinaes phan tast icas do Son ho !

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