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Gênero e Geração... SOUZA & ALVES Revista Diálogos – N.° 10 – Novembro de 2013 292 GÊNERO E GERAÇÃO: UMA ANÁLISE DAS RELAÇÕES DE TRABALHO NAS CASAS DE FARINHAS DE JUPI-PE 1 d.o.i. 10.13115/2236-1499v1n10p292 Maria Wanessa de Souza 2 Adjair Alves 3 RESUMO: Buscamos situar, no presente artigo, a posição da mulher trabalhadora das casas de farinha do município de Jupi-PE. Trata- se de um trabalho de análise das relações de poder, parentesco e geração no contexto das hierarquias presentes nas relações de trabalho no interior das casas de farinha. Estabelecemos o recorte de gênero para entender a construção da feminilidade e como aquelas mulheres se concebem. A pesquisa foi estruturada com vista a capturar a posição da mulher na família, no trabalho e no poder; já que analisamos um caso de uma mulher empreendedora. Entendendo a construção do gênero partindo do pressuposto da criação social e não apenas do biológico, o estudo possibilitou uma crítica no campo das relações de poder e gênero, destacando as questões da dominação masculina e a reprodução dessa dominação pela subordinação feminina. Mostrar a rotina das 1 O presente trabalho é originário de pesquisa realizada por Maria Wanessa de Souza e que resultou em seu TCC orientado pelo professor Doutor Adjair Alves e integra as ações relacionadas ao projeto Ecologia Política e Desenvolvimento Sustentável: a perspectiva dos movimentos sociais e da educação do campo. (Projeto vinculado ao grupo de pesquisa registrado na UPE EduCON Educação e Contemporaneidade – Linha de Pesquisa: Linguagens, Culturas e Meioambiente.) 2 Graduada em Licenciatura em História pela Universidade de Pernambuco. 3 Doutor e Mestre em Antropologia pela UFPE, Graduado em Filosofia, professor Adjunto da Universidade de Pernambuco e coordenador do grupo de pesquisa ARGILEA, registrado no CNPq.

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GÊNERO E GERAÇÃO: UMA ANÁLISE DAS RELAÇÕES DE TRABALHO NAS CASAS DE FARINHAS DE JUPI-PE1

d.o.i. 10.13115/2236-1499v1n10p292

Maria Wanessa de Souza2

Adjair Alves3

RESUMO: Buscamos situar, no presente artigo, a posição da mulher trabalhadora das casas de farinha do município de Jupi-PE. Trata-se de um trabalho de análise das relações de poder, parentesco e geração no contexto das hierarquias presentes nas relações de trabalho no interior das casas de farinha. Estabelecemos o recorte de gênero para entender a construção da feminilidade e como aquelas mulheres se concebem. A pesquisa foi estruturada com vista a capturar a posição da mulher na família, no trabalho e no poder; já que analisamos um caso de uma mulher empreendedora. Entendendo a construção do gênero partindo do pressuposto da criação social e não apenas do biológico, o estudo possibilitou uma crítica no campo das relações de poder e gênero, destacando as questões da dominação masculina e a reprodução dessa dominação pela subordinação feminina. Mostrar a rotina das

 1 O presente trabalho é originário de pesquisa realizada por Maria Wanessa de Souza e que resultou em seu TCC orientado pelo professor Doutor Adjair Alves  e  integra  as  ações  relacionadas  ao  projeto  Ecologia  Política  e Desenvolvimento  Sustentável:  a  perspectiva  dos  movimentos  sociais  e  da educação do campo.  (Projeto vinculado ao grupo de pesquisa  registrado na UPE  ‐  EduCON  ‐  Educação  e  Contemporaneidade  –  Linha  de  Pesquisa: Linguagens, Culturas e Meio‐ambiente.) 2 Graduada em Licenciatura em História pela Universidade de Pernambuco.  3  Doutor  e  Mestre  em  Antropologia  pela  UFPE,  Graduado  em  Filosofia, professor Adjunto da Universidade de Pernambuco e coordenador do grupo de pesquisa ARGILEA, registrado no CNPq.  

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mulheres, suas vivências, é transformar sujeitos ocultos em cidadãs visíveis, valorizando suas práticas e suas histórias. Palavras-chave: Casa de Farinha. Gênero. Geração. Jupi. Dominação Masculina. ___________ ABSTRACT We seek to place, in this article, the position of women workers of flour mills in the city of Jupi-PE. It is a work of analysis of power relations, kinship and generation in the context of the hierarchy present in labor relations within flour mills. Have established a gender to understand the construction of femininity and how these women are conceived. The research was structured in order to capture the position of women in the family, at work and in power, as we analyze a case of a woman entrepreneur. Understanding gender construction on the assumption of social creation and not just the biological, the study provided a critical field of power relations and gender, highlighting the issues of male dominance and reproduction of domination by female subordination. Show the routine of women, their experiences, is to turn citizens into subjects hidden visible, valuing their practices and their stories. Keywords: House of Flour. Genre. Generation. Jupi. Male domination. ______________

INTRODUÇÃO

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... temos que considerar que existem milhões de outras mulheres que além de necessitarem de rosas, necessitam prioritariamente de terra, pão, trabalho, de assistência médica, de educação, de cultura, para se libertarem. Ana Montenegro, 1981.

Delimitar um tema para pesquisa é um tanto complicado,

pois vários aspectos são analisados pelo pesquisador. A delimitação do tema por mais que o pesquisador tenha objetivado a impessoalidade, é inerente a sua inquietação algo que tenha ocorrido no seu particular ou a sua própria história. A história é produzida através de narrativas, o historiador, por sua vez, reúne os fatos e os narra procurando mostrar o seu comprometimento com a verdade histórica. Primeiro, a narrativa é considerada um container neutro do fato histórico, um modo de discurso “naturalmente” apropriado a representar diretamente os eventos históricos (HAYDEN WHITE, 2006). É preciso comprometer-se com a informação que está sendo passada, se os relatos consistem apenas em afirmações factuais é onde deixa de ser estória passa-se a tornar-se história.

Econômico e social são palavras que estão em foco em vários segmentos da sociedade. O campo da história tenta apropriar-se desses termos para construir uma historiografia de investigação, legitimando a existências de outras ordens sociais através do conhecimento intelectual por meio do campo das ciências. Estudando o econômico e o social, agrupamos a história coletiva uma identidade criada para dar vida a um determinado grupo, tornando-os visíveis para as ciências sociais. A escrita da história já passou por diversas modificações, os fatos históricos que ocorreram no século XX, fez surgir uma nova escrita para a história com novas abordagens metodológicas, temáticas

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diferentes: “o sustentado por historiadores que, no período que mediou entre as duas Guerras Mundiais, formularam uma outra maneira de escrever a história”( CHARTIER, 2002: 32).

O econômico e o social estão intimamente ligados ao objeto de pesquisa ao qual me dediquei, ambas as categorias serviram de apoio para inserir a construção do gênero como categoria de análise na identificação de cada personagem acompanhada no decorrer da conclusão deste trabalho. As ideias no inicio mesmo parecendo fragmentada, imperfeita existia, bastava apenas tomar forma: “não é a ideia que conta a partir de então, é a instituição colocada no seu lugar, no seu tempo, incorporando uma rede complicada e móvel de factos sociais.” (Idem, p. 33). Cada visita as casas de farinha, uma nova descoberta era feita, cada mulher trazia consigo uma história pessoal que por mais obsoletas que fossem ou até mesmo comuns, para mim representava relatos de vidas, vivências e experiências, escondidos na marginalização do trabalho considerado inferior por uma sociedade falsa com os seus.

Um trabalhador da indústria ou do comércio que tem seu rendimento mensal em torno de um salário mínimo, na escala social já é considerado “inferior”, mas de grande utilidade para o sistema econômico. Em se tratando de um trabalhador informal, cujo rendimento não atinge ao menos o mínimo, ou seja, tornando baixo poder de compra, de consumidor. A quem vai interessar? Neste caso o gênero aparece como outro agravante social, posto que, ser sujeito nestas condições já é particularmente “triste,” sendo do gênero feminino as barreiras a serem enfrentadas são ainda mais árduas.

Em suma, a pesquisa empírica foi o principal caminho utilizado para a construção do presente trabalho. Desde a primeira visita procurei observar o cotidiano, as relações pessoais vislumbrando aquilo que cada mulher apresentava, deixando que elas falassem, perscrutando seus olhares tímidos, quando as falas se tornavam difícil de escutar.

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Quando adentrei ao interior de cada casa de farinha, pedia sempre a permissão ao para utilizar aquele espaço como campo de trabalho. Identifiquei grupos de mulheres que se ocupava raspando a mandioca fora de uma das casas de farinha, analisada por mim, no “terreiro,” eram três mulheres. Busquei antes de qualquer coisa, proximidade de forma simples. Dei boa tarde, me apresentei e apresentei o motivo pelo qual eu me encontrava ali, sentei-me ao chão, ao lado delas e comecei a raspar a mandioca. Aos poucos fui ganhando confiança e a conversa fluía de forma natural, neste momento pude observar gestos, ouvir a historia de vida de cada uma, os sonhos não realizados e a esperança de um dia realizar. A partir dessa primeira visita notei que o trabalho que eu havia proposto a fazer tomaria novos caminhos, pois novas inquietações foram surgindo.

As leituras se intensificaram, um novo olhar apontava para uma problemática mais intensa. A pesquisa de campo continuou em outra casa de farinha cuja proprietária é uma mulher, neste espaço pude observar como se davam as relações de poder e como se estabelecia o papel feminino e o masculino naquele meio, e até que ponto a mulher é percebida de forma diferenciada quando se trata da posição social exercida; a condição de chefia ou de empregada.

A pesquisa não se limitou apenas ao interior da casa de farinha, foi preciso entender como a cidade em si acolhe esses trabalhadores. No comércio busquei ver o poder de compra desses trabalhadores e qual a profissão que eles assumiam nas fichas cadastrais, o propósito era entender se existia uma não aceitação destes trabalhadores na assunção do trabalho de raspadeira como profissão. Constatei que a maioria prefere omitir a sua posição de trabalhadores das casas de farinha, preferindo denominarem-se agricultores mesmo se situando no núcleo urbano. Fui ao Sindicato de trabalhadores rurais, órgãos da Prefeitura Municipal com o intuito de encontrar alguma política pública para os mesmo, a constatação a ser levada em conta é que

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existe um assistencialismo com um víeis político e não desenvolvimento social como todos insistem em afirmar.

As dificuldades para chegar a estas discussões foram grandes, muitas mulheres ultrapassaram seus próprios tempos para hoje podermos ter esse tipo de discussão, principalmente na historiografia. Este texto não tem a pretensão de abordar todos as nuances de um grupo de mulheres, tampouco tem a pretensão de achar que a partir dele, aquelas mulheres objetos de pesquisa irão ser emancipadas e comporta-se como uma feminista, mas, tornando visível as condições de mais um grupo de mulheres, como tantas outras existentes, possamos suscitar mais discussões, mais inquietações, e quem sabe à longo tempo, essas mulheres não possam perceberem-se, mudando suas histórias, pelo menos tornando-as mais dignas.

I. Gênero e Historia: a construção de uma categoria

conceitual.

Quando se discute relações de gênero, várias questões nos vêm à tona; principalmente, a forma como a historiografia vem contribuindo para a construção das identidades dos sujeitos masculinos e femininos ao longo dos tempos. Esta é uma questão pertinente aos historiadores sensíveis com essa problemática e, que ao mesmo tempo vêem a história como uma construção do conhecimento e uma extensão do saber e do enfrentamento. Que existem diferenças biológicas entre homens e mulheres é fato, mas não é apenas o fato das mulheres possuírem a pressão arterial mais baixa em relação ao homem que as deixaram escondida do mundo e principalmente da historiografia. Gênero é um conceito importante aqui pelo fato de por as questões relacionadas a homens e mulheres como categoria relacional como uma estrutura de dominação simbólica. Como assinala Bourdieu (1999: 23) “os gêneros são pressupostos que constituem uma

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relação e, as relações de gênero são relações de poder em que o princípio masculino é tomado como medida de todas as coisas.”

Gênero é uma definição à construção social simbólica do sexo que ocorreu a partir dos movimentos feministas contra a posição de inferioridade atribuída às mulheres ao longo da história. Ocorre que o corpo em si é um dado natural, mas as noções que se estabelecem sobre ele, boas ou ruins, são socialmente construídas, variando conforme o tempo e o espaço. Entender e explicar a sociedade através de abordagens históricas no seu tempo e espaço é a principal função do historiador. Karl Marx, muito antes de Certeau, como assinala Durval Muniz ALBUQUERQUE JÚNIOR (2009: 1), “já havia falado do motor da história, da mecânica social, da qual caberia ao historiador, usando como instrumento o materialismo histórico, desvendar, enunciar, fazer aparecer em suas engrenagens mais sutis.”.

O ofício do historiador é comparado ao de um trabalhador fabril, o operário, nascido com a sociedade burguesa. Mas a o historiador tem que fazer como um trabalhador artesão, ou seja, um trabalho minucioso, paciente e delicado onde a produção do passado é um produto a ser trabalhado. “O historiador me parece habitar um atelier do que um espaço fabril. Considero que a atividade historiadora tem maior proximidade com a paciente e meticulosa atividade manual, exercida por tecelões, bordadeiras, rendeiras, tricoteiras, chuliadeiras.” ( Idem, p. 2).

Uma história contada por homens, uma história sobre os homens. Mulher não faz história, não pode escrever sua própria história. Esta foi, a forma, como a historiografia, durante muito tempo, contribuiu para que a figura feminina ficasse oculta, invisível. O sexo masculino e feminino era diferenciado apenas por fatores biológicos, onde o homem é visto como forte, enquanto a mulher, frágil. Tais argumentos levaram a mulher para o espaço doméstico, e ali, ela era domesticada para o marido, a casa e os filhos. Qualquer assunto relacionado ao exterior do seio familiar era para os homens. A estes foram atribuídos cargos

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de confiança e dominação na esfera social. Cada vez mais a mulher era submissa e rebaixada à condição de inferioridade. O tão chamado “sexo frágil” não conhecia o poder de sua força e vontade e não percebia a construção que existia na imagem da figura feminina.

Graças às mudanças no interior das Ciências Sociais, evidentemente impulsionadas por forças externas a elas, oriundas do movimento social, que serviram de subsídios para a mudança de percepção das amarras sociais em relação ao sexo, novas abordagens e novos objetos foram sendo construídos. O quotidiano, as pessoas ordinárias, a vida privada, os espaços comuns foram despertando interesse dos historiadores,

A partilha desigual das competências culturais (por exemplo, ler e escrever), dos bens culturais (por exemplo, o livro), das práticas culturais (das atitudes face à vida às atitudes face à morte), tornou-se assim o objecto central de múltiplas investigações, conduzidas de acordo com processos de quantificação e tendo em vista dar outro conteúdo à hierarquização social, sem pôr em causa.” ( ROGER CHARTIER, 1988)

As ideias dos intelectuais que se interessavam pela filosofia, política e economia foram se modificando devido à escassez da história das “mentalidades coletivas”. A história foi combatendo essa falha exclusivista. Os estudos antropológicos ao avançarem como áreas de conhecimentos específicos, ajudaram a refinar o conceito de cultura nessa discussão geral sobre a identidade simbólica e a vida material dos grupos humanos (CARLA BASSANEZI PINSK, 2009). O Oficio do historiador como um trabalho masculino cabia tratar de assuntos da dominação do “mundo” masculino, geralmente política e economia. A falta de fontes historiográficas escritas dificultou a construção da mulher como agente na história.

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Finalmente as mulheres arregaçaram as mangas. A história oral, o relato de testemunhas foi o caminho metodológico usado na construção desse novo momento de emancipação feminina. Desde a Grécia Antiga, já era percebido a condição inferior feminina. Em várias épocas da história são registradas violências e exclusão social em relação ao sexo feminino, mas só a partir do século XIX, não se sabendo ao certo a data exata, é que o termo feminismos foi usado como uma proposta política, mas também filosófica. As transformações econômicas ocorridas naquele período fizeram surgir às primeiras bandeiras desse movimento: igualdade dos direitos matrimoniais e acesso às profissões liberais. As lutas por melhores condições de vida das mulheres proletárias e direitos políticos, ainda, não faziam parte da pauta de reivindicações. Vale salientar que as camadas sociais, média e superior, foram as primeiras que caracterizaram essas aspirações.

Estereotipadas como sufragistas na sua luta constante pelo o direito do voto e contra o sexismo, as mulheres do final do século XIX e inicio do XX começaram a se manifestar e a ganhar visibilidade. Mas, foi nos anos 1960 que começou um novo momento para as feministas. Já não tinham mais, somente, preocupações políticas e sociais, e começou a investir em condições teóricas, que adentram as Universidades, via militâncias feministas do mundo acadêmico (MARINA ALVES AMORIM. 2002).

O Marxismo, enquanto uma teoria que reivindicava uma revisão metodológica da história, serviu de referencial teórico às lutas das feministas. A mulher proletária necessita de trabalho, precisa sindicalizar-se. O fator econômico e a concepção materialista são apontados (pelos marxistas) como principais causa da submissão feminina, não sendo, aí excluídos, outros fatores devem ser observados:

Realmente, os marxistas consideram que o trabalho feminino é uma condição essencial

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para a libertação da mulher, porque cria uma certa independência da mulher em relação ao homem, porque arranca de seu isolamento, oferece a possibilidade de participar do progresso social e favorece a formação de uma consciência de classe e um compromisso com a sociedade. Mas não ficam aí: exigem que sejam asseguradas as condições sociais necessárias, a fim de que a mulher possa conciliar o trabalho e a maternidade, e que a exploração e a alienação do trabalho características das relações capitalistas sejam suprimidas. (ANA MONTENEGRO, 1981: 56).

A referência acima se torna pertinente devido ao fato de

tratar da participação de sua autora como militante nos movimentos de vanguarda feminista no Brasil desde 1945. E em sua obra “Ser ou não Ser Feminista,” percebe-se a influência de Marx e Engels na construção da sua narrativa, como também, os ideais marxistas em suas insurgências no desafio de incorporar direitos iguais nos dois sexos.

As organizações sociais foram se modificando ao longo dos tempos, não bastando apenas fazer anotações dessas modificações, e a história é um instrumento de produção do saber sobre as organizações. A respeito disso a professora norte-americana de Ciências Sociais, e militante feminista Joan Scott (apud, TATIANA LIMA SIQUEIRA, 2008: 111) afirma, que a ‘História é tanto objeto da atenção analítica quanto um método de análise. Vista em dois ângulos, ela oferece um modo de compreensão e uma contribuição ao processo através do qual gênero é produzido’. A historiadora Joana Scott mostra a preocupação em tratar as relações entre mulheres e homens a partir de uma ótica que faça com que estes sujeitos não sejam vistos separados, como foi nos estudos da década de 1970 ao

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qual, Scott fez duras críticas, conforme assinala SIQUEIRA (2008):

Para a historiadora o caminho que se estava seguindo, ou seja, o de mostrar novas informações sobre as mulheres no passado, pensando que com isso ia de certo modo “equilibrar a balança,” não estava ajudando neste projeto, tendo em vista, não modificar a importância atribuída às atividades femininas, mas, pelo contrário, o que se estava fazendo era colocá-las como em separado, estava dando a elas um lugar marginal em relação aos temas masculinos dominantes e universais. (apud: SIQUEIRA, 2008: 112).

Os historiadores tomaram as relações de trabalho como sendo, a principal causa de exclusão da mulher na sociedade e da domesticidade delas, ignoraram evidências a respeito das mulheres, ou seja, não explicava à ausência de atenção às mulheres no passado, e assim esse tipo de abordagem não alterava as definições estabelecidas dessa categoria social. (apud, SIQUEIRA, 2008:112).

Em “A Dominação Masculina”, Pierre Bourdieu (1999) trata da reprodução dos gêneros e a persistência das relações de dominação de gênero a partir do conceito de hábitus, sistema construindo socialmente e das disposições cognitivas e somáticas, na construção do modo de ser, das posturas masculinas e femininas. O hábitus precisa de um trabalho pedagógico e institucional para se corporificar. Essa corporificação começa desde a infância, através das instituições as quais suas práticas, estratégias pedagógicas e educativas bem como seus vários agentes (família, igreja, escola e meios de comunicação) fazem um trabalho inconsciente da construção dos corpos.

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A diferença biológica entre os sexos, isto é, entre o corpo masculino e o corpo feminino, e, especificamente, a diferença anatômica entre os órgãos sexuais, pode assim ser vista como justificativa natural da diferença socialmente construída entre os gêneros e, principalmente, da divisão social do trabalho... Dado o fato de que é o princípio de visão social que constrói a diferença anatômica e que é esta diferença socialmente construída que se torna o fundamento e a caução aparente natural da visão social que a alicerça, caímos em uma relação circular que encerra o pensamento na evidência de relações de dominação inscritas ao mesmo tempo na objetividade, sob forma de divisões objetivas, e na subjetividade, sob forma de esquemas cognitivos que, organizados segundo essas divisões, organizam a percepção das divisões objetivas. (BOURDIEU, 1999: 20).

O que Bourdieu quer explicar é a construção social dos

corpos e das mentes a partir de um longo trabalho coletivo do biológico e da biologização do social. O trabalho pedagógico é um trabalho de socialização cultural que transfere para o individuo a maneira de ser, incluindo a autodisciplina e a censura, padronizando um comportamento de dominação e hierarquia na divisão dos sexos, reproduzindo estruturas com princípios de divisão.

No século VXII o sexo era visto como algo banal, as práticas e normas como também os espaços não emudecia diante dos desejos, não existiam códigos morais: “os corpos pavoneavam.”, conforme assinala Michel Foucault (1999: 9). Porém, um discurso hipócrita fez-se emergir da burguesia. A sexualidade não era mais mostrada tão explicitamente. O quarto dos pais era o espaço adequando para o ato de procriar. As

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crianças não faziam mais parte desta manifestação natural. Falar em sexo então se tornou tabu para a sociedade ocidental, dita civilizada.

Um rápido crepúsculo se teria seguido à luz meridiana, até as noites monótonas da burguesia vitoriana. A sexualidade é, então, cuidadosamente encerrada. Muda-se para dentro de casa. A família conjugal a confisca. E absorve-a, inteiramente, na seriedade da função de reproduzir. Em torne do sexo, se cala. O casal, legítimo e procriador, ditam a lei. Impõe-se como modelo, faz reinar a norma, guarda o direito de falar, reservando-se o princípio do segredo. (FOUCAULT. 1999: 9-10).

Surgiria então uma cultura de repressão? Sim. Somos

reprimidos e sabemos desse fato! Aí se tem a mecânica do poder que estar ligada a todos esses fatores de repressão. “Seria legítimo, certamente, perguntar por que, durante muito tempo associou-se o sexo ao pecado – e, ainda, seria preciso ver de que maneira se fez essa associação e evitar dizer de forma global e precipitada que o sexo era condenado” (FOUCAULT. 1999: 14), sendo condenado e controlado seria mais fácil destinar quais os espaços que determinariam o lugar cabível a qualquer elemento. Vigiar e manipular também faz parte da retórica do poder cognitivo que foi passado de geração em geração através de princípios moralistas e burgueses de controle de uma sociedade problemática e inflada.

Ao se analisar, sob a ótica de Foucault, como se construiu o discurso da sexualidade entendemos toda a dedicação da historiografia para revelar as “verdades” de uma sociedade que usa de um discurso hipócrita, escondendo atores comuns das práticas cotidianas os tomando por sujeitos operantes da exclusão social. Desde os primeiros estudos sobre o gênero, as abordagens

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apontavam apenas as categorias biológico-deterministas (opressão sexual, luta de sexos, classes sexuais.) predominaram no discurso feminista que, durante os anos posteriores às barricadas de 1968, autodenominava-se revolucionário e marxista (LELITA OLIVEIRA BENOIL, 2005: 77), a esfera do trabalho era a maior forma de opressão feminina.

Revisando esta categoria, Marx, provavelmente, não observou outras formas de opressão, ignorando todo um aparelho estatal e burocrático percebido por Bourdieu (1999), quando afirma: “as diferenças visíveis entre os órgãos sexuais masculinos e femininos são uma construção social que encontra seu princípio nos princípios de divisão da razão androcêntrica.” (BOURDIEU, 1999: 24).

Joana Scott também criticou a postura marxista em atribuir a sociedade proletária toda forma de exclusão feminina. Segundo ela:

Escrevia a respeito das mulheres trabalhadoras, dava visibilidade a elas no processo de industrialização, falava de seu cotidiano, de sua inserção ao mundo do trabalho etc, porém, não se tratava de questões que esclarecia porque aqueles que escreveram a história do trabalho ignoraram evidências a respeito das mulheres, ou seja, não explicava a ausência de atenção às mulheres no passado e assim esse tipo de abordagem não alterava as definições estabelecidas dessas categorias. (apud: SIQUEIRA, 2008: 112).

No mesmo período, a teoria das novas vanguardas era elaborada no interior dos partidos ditos marxistas. Lado a lado à classe operária, pensava-se então nas novas vanguardas: a juventude, as chamadas minorias, raciais, sexuais, etc. assim

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como a vanguarda feminista. Em uma historiografia revisada percebemos os “Combates pela História” em fazer da exclusão feminina não mais uma realidade visível na legitimação do poder masculino. Seguindo as reflexões da pesquisadora citada abaixo, quando trata das questões de gênero; as mulheres, juntamente com os operários e os prisioneiros são apresentados como os excluídos da História. Para esta historiadora, foi o homem, por muito tempo, que escreveu a história. O que de fato mostrara foi o seu papel de dominação na sociedade. E autora prossegue:

As mulheres foram por muito tempo, deixadas na sombra da História. O desenvolvimento da Antropologia e a ênfase dada à família, a afirmação da História das “Mentalidades,” mais atenta as quotidiano, ao privado e ao individual, contribuíram para as fazer sair dessa sombra. E mais ainda o movimento das próprias mulheres e as interrogações que suscitou. “Donde vimos?” Para onde vamos?” pensavam ela; e dentro e fora das Universidades levaram a cabo investigações para encontrarem os vestígios das suas antepassadas e, sobretudo, para compreenderem as raízes da dominação que suportavam e as relações entre os sexos através do espaço e do tempo. (apud, MARINA ALVES AMORIM, 2002: 218 ).

Em sua obra “As Utilizações da Cultura” Richard

Hoggart (1957: 18) enfoca aspectos da vida da classe trabalhadora, trata das modificações que se deram na cultura das classes proletárias durante os anos de 1950 e a influência das publicações de massa em relação ao movimento operário, alertando para o fato de algumas vezes termos que encarar com cuidado as interpretações dadas pelos historiadores do movimento proletário, chamando atenção para os romancistas

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populares que exageram os saborosos aspectos típicos da vida da classe trabalhadora.

O assunto é fascinante e emocionante; e abunda a bibliografia relativa às aspirações sociais e políticas das classes proletárias. Mas, o leitor é facilmente levado a crer ou, pelo menos, a ficar com a ideia de que se trata de factos da historia das classes operárias e não, primordialmente, das atividades – e suas valiosas consequências para quase todos os membros do proletariado – de uma minoria. (HOGGART, 1957: 19).

No presente tópico ao tomar as reflexões de Richard

Hoggart sobre o operário inglês como referência, o fiz, justamente por esta classe social representar uma parcela considerada dos excluídos tanto quanto à mulher e por os manifestos feministas terem emergido dessa concepção do espaço do trabalhador urbano. Ainda fazendo referência à obra do historiador inglês, Hoggart, observamos que o mesmo descreve hábitos cotidianos de famílias proletárias inglesas e sua posição de hierarquia (a qual pode-se equiparar a posições hierarquizadas da sociedade contemporânea, grifo meu, ao analisar as famílias estudadas por Hoggart e as estudadas por mim), já que o seu estudo foca as modificações culturais em um ambiente urbano impregnado de atitudes antigas e novas. Essas atitudes de tradições se encontram nas figuras dos homens e mulheres e sua representação na sociedade dos excluídos. Mas, mesmo nessa sociedade proletária de “baixo-nível” a mulher ainda mantém um nível mais abaixo na escala social:

Tal como em quase todos os outros aspectos da vida do lar, a mãe é neste ponto a grande responsável; o marido está fora, a ganhar para todos. Quando chega a casa, quer comer e ter

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as suas satisfações. É talvez pela mesma razão que a mulher é também tradicionalmente responsável pela contracepção, tanto quanto eu sei. (HOGGART, 1957: 56).

Hoggart descreve a posição familiar hierarquizada que existe

em uma determinada classe social, este mesmo fato foi percebido por Bourdieu, onde ele atenta para os espaços públicos e privados e que construção deu-se no imaginário social:

Elas estão inscritas na fisionomia do ambiente familiar, sob a forma de oposição entre o universo público, masculino, e os mundos privados, femininos, entre a praça pública (ou a rua, lugar de todos os perigos) e a casa (já foi inúmeras vezes observado que, na publicidade ou nos desenhos humorísticos as mulheres estão na maior parte do tempo, inseridas no espaço doméstico, à diferença dos homens que raramente se vêem associados a casa e são quase sempre representados em lugares exóticos), entre os lugares destinados sobretudo as homens... remetem a uma imagem de dureza e de rudeza viril, e os espaços ditos “femininos,” cujas cores suaves, bibelôs e rendas ou fitas falam de fragilidade e de frivolidade.” (BOURDIEU, 1999: 72.).

Foram com essas observações que as narrativas

históricas (principalmente a construção do gênero) tomaram forma na sensibilidade de historiadores questionadores da problemática social. A História e as preocupações sobre para que serve a História, a transformaram não apenas em um amontoado de fatos e sim, dando vida aos atores, muitas vezes condicionados ao esquecimento, e agora com uma nova preocupação da historiografia tornaram-se visíveis: “os fatos falam apenas

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quando o historiador os aborda: é ele quem decide quais os fatos que vêm à cena e em que ordem ou contexto” (EDWARD HALLET CARR. 1982: 47).

O gênero é, portanto, compreendido no presente trabalho como uma construção social que parte do ponto de vista biológico para a diferença dos sexos e sua divisão hierarquizada.

II. Gênero, geração e trabalho nas casas de farinhas de

Jupi/PE.

A cultura da farinha faz parte da história de Jupi, município da Mesorregião do Agreste Meridional de Pernambuco, onde situamos o recorte empírico da pesquisa que deu origem ao presente trabalho. Gerações de famílias se construíram em torno da produção da farinha. O presente trabalho objetiva mostrar em “práticas comuns” as contribuições que essas pessoas “ordinárias” deram a este pequeno município na sua constituição econômica, social e cultural. Introduzi-las com as experiências particulares, as frequentações, as solidariedades e as lutas que organizam o espaço aonde as narrativas das trajetórias de vida vão abrindo caminhos e significação de um campo. (CERTEAU, 1994). A narrativa que se apresenta neste trabalho faz parte de uma história particular, para a qual a sua escrita, por maior esforço que se possa objetivar a impessoalidade, a inquietação de alguém que pertence ao local não deixa escapar o fato de que narra sua própria história.4

Jupi é uma pequena cidade, localizada no interior de Pernambuco, precisamente na região agreste, ficando a 200 km da capital do Estado Recife, e a 23 km de Garanhuns, cidade polo na Mesorregião do Agreste de Pernambuco. Com uma população

 4Jupi é a cidade de minhas origens, onde me fiz criança e hoje jovem. 

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de aproximadamente 14 mil habitantes5, incluindo zona rural. De base econômica centrada na prestação de serviço; onde uma pequena parte da população sobrevive de emprego na prefeitura do município, outra parte, como beneficiários do INSS (aposentadorias), um pequeno comércio local, e da agricultura de subsistência (milho, feijão e mandioca), e da produção de farinha de mandioca das casas de farinha, que empregam mais de 400 trabalhadores (maioria mulheres), distribuídos nas 5 casas de farinhas existentes no espaço urbano.

A matéria-prima da farinha é a mandioca produzida na zona rural do próprio município, nas cidades vizinhas e, em momento de secas e estiagens, é comercializada em outros Estados (fenômeno que ocorre atualmente), como Alagoas, Sergipe e, por vezes da Região Sudeste do país, mais propriamente do estado de São Paulo. A mandioca é levada para as casas de farinha em seu estado bruto e por um processo manual e, em alguns casos, com o uso de máquinas é produzida a farinha e seus subprodutos. O espaço das casas de farinha é mais que um local de trabalho servil, lá se fez e faz a história do desenvolvimento local, cultura e, como um paradigma, a exclusão social, que se passa despercebida, devido à importância econômica que essa atividade tem para o município de Jupi. A farinha é apelidada como “ouro branco de Jupi”, tamanha a sua importância econômica para o município.

A farinha de mandioca não faz parte apenas da economia de Jupi, ela integra a dieta alimentar de várias famílias pobres do Norte e Nordeste brasileiro. A mandioca é a cultura de subsistência mais popular dessas regiões. É um alimento consumido por 800 milhões de pessoas no mundo, e é considerada por nutricionistas, a terceira principal fonte de calorias. Destacar estes dados tem sua importância para se compreender o lugar que a farinha ocupa na alimentação do nordestino. Atualmente a UnB, (Universidade de Brasília) vem

 5 De acordo com o último censo demográfico IBGE (2010). 

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desenvolvendo pesquisa científica com o propósito do melhoramento genético da mandioca. As mudas produzidas na UnB, fruto do cruzamento da mandioca tradicional com espécies silvestres brasileiras, adquiriram características importantes, como alto teor calórico, resistência à seca, e baixo teor de ácido cianídrico (popularmente manipueira), composto venenoso encontrado em algumas variedades. (LEONARDO ENCHEVERRIA. 2012.)

As primeiras casas de farinha no município surgiram a mais de 50 anos. Nessa época não existia energia elétrica, elas só funcionavam durante o dia. O maquinário era todo manual. Atualmente as casas de farinha passaram por um grande processo de modernização. A prensa, o forno, a forrageira ganharam ares de modernidade e avanço tecnológico. As casas de farinha para funcionarem, precisaram se adaptar as novas exigências do mercado consumidor, tanto em qualidade e diversidades de produtos, como nos parâmetros exigidos, já que a casa de farinha, hoje, para funcionar e comercializar seus produtos precisa de um alvará de funcionamento da prefeitura. Uma licença de segurança do Corpo de Bombeiros, licença da lenha usada nos fornos fornecida pelo o IBAMA, ser credenciada no SIMPLES, e ter alguns funcionários registrados com carteira-assinada. Não é mais uma casa de farinha e sim uma fábrica de farinha.

Porém, o que não mudou muito foram as condições de trabalho; como o trabalhador tem sido tratado ao longo dos anos. Principalmente as mulheres “raspadeiras”. Seu ganho continua sendo inferior aos homens, embora represente parte primordial para a produção da farinha nas fabricas de farinhas. Observando relatos de mulheres que trabalharam nas casas de farinha a vinte ou trinta anos atrás, percebe-se que mudanças de fato ocorreram, embora, ainda apresentam muitas precariedades, o que assinala uma resistência em mudar. Mas houve algumas mudanças quando comparadas as casas de farinha do passado, como por exemplo; é possível encontrar atualmente mulheres em funções de liderança.

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Na casa de farinha do passado existia uma separação, entre aquelas mulheres trabalhadoras, mãe solteira, e aquelas que eram casadas. Não era possível a convivência num mesmo local de trabalho entre essas mulheres. Hoje já não há mais essa separação, como também, pode ser visto a presença de homossexuais trabalhando no mesmo espaço sem discriminação. Essas modificações são fruto da luta por reconhecimento da mulher trabalhadora, cujas bases estão fincadas nas bandeiras de luta dos Movimentos Feministas que se deram a partir dos anos de 1970.

“A sociedade e o indivíduo são inseparáveis; eles são necessários e complementares um ao outro e não opostos.” (CARR, 1961: 67.) Partindo desta premissa E. H. Carr (Idem) faz uma alusão ao homem como ser social e sua necessidade de construir relacionamentos sociais variáveis. O ser humano ao nascer já é moldado para agrupar e atender as exigências de um determinado grupo, ajudando a determinar o caráter de seu pensamento. Estudar um determinado grupo social deve levar em conta o seu meio e a sua posição como indivíduo no grupo:

As sociedades mais simples são mais uniformes, no sentido de que elas requerem e fornecem oportunidades, para uma diversidade de habilidades e ocupações individuais, muito menos do que a de sociedades mais complexas e avançadas. A crescente individualização neste sentido é um produto necessário da sociedade moderna avançada e percorre todas as suas atividades, do alto para baixo. (CARR, Op. Cit: 68).

É preciso compreender este fenômeno social, na forma como ele se desencadeiam no município de Jupi/PE. Entender como cada componente do grupo atua em posições coletivas e individuais. O historiador também é um ser social individual, que

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observa os fatos históricos. Quero com isso apontar para a posição do historiador como observador, mas não apenas como alguém que ver o tempo passar, mas como parte da história que se desloca. É assim que observo os trabalhadores das casas de farinha e toda a sua história como ser individual e fazendo parte de um grupo onde, para garantir sua permanência, precisa do coletivo.

Tratando-se das relações de gênero e geração vamos agora adentras na unidade familiar e suas peculiaridades nas relações de trabalho e seu local de trabalho. Família é mais que uma aglomeração de pessoas ligadas apenas por laços consanguíneos. Existem diversas categorias que se destacam nesta forma de compreensão. Pesquisadores destacam estas categorias: “gênero, geração, parentesco, herança, coletividade, moralidade, identidade, hierarquia, produção, consumo, distribuição, e residência,” fazem parte do “campo de negociação” que o Estado utiliza para elaborar as políticas públicas e a gestão de benefícios que possam suprir as carências sociais das famílias que estão inseridas no campo de benefícios do assistencialismo social.

A família brasileira mudou muito nas últimas décadas, a estrutura familiar “nuclear clássica” ficou para trás. A divisão de gênero e a mulher como norteadora nesse novo contexto de ascensão feminina representaram papel fundamental nessa nova organização social hierarquizada. Nas casas de farinha de Jupi, a relação também se modificou. As novas regras legais exigidas pela necessidade de sobrevivência ajudaram a modificar essa ordem histórica do trabalhador local. Empurrada da zona rural para a zona urbana do município, a família jupiense, antes chefiada pelo patriarca, o qual via na prole a continuidade de seu gene e uma força de trabalho na sustentabilidade econômica familiar, agora ver esse modelo se esvair, dando lugar a um novo modelo onde a participação feminina tem se acentuado. Eis uma das razões para a existência de famílias numerosas, com grandes quantidades de filhos; um mecanismo de solidariedade

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econômica, visto que essa constitui uma das formas como a família entende poder multiplicar seus ganhos:

Afinal a família precisa ser observada por pelo menos duas perspectivas – como um solidário, de aliança e de reciprocidade que procura abrigar todos os seus membros, e, simultaneamente, como uma malha de poder onde se realizam constantes subordinações no empenho da construção da vida social cotidiana. (SCOTT, 2011:138).

O trabalho nas casas de farinha era exercido por toda família, e a mulher, responsável pelos filhos, tinha que levá-los a casa de farinha, os que tinham idade para o trabalho (7, 8 anos) trabalhavam junto com a mãe na raspagem da mandioca, cultivando já, desde cedo, um sentimento de “ajudar a família”, ainda criança, no intuito de garantir a “ração” diária. A presença infantil era comum na fabricação da farinha. Assim se enchiam os salões com mão-de-obra não remunerável. Com esta idade as crianças ou os pais destas, que os acompanhavam no trabalho da casa de farinha, não recebiam qualquer valor pelo trabalho desenvolvido. Ficava subentendido que se tratava apenas de uma pequena ajuda das crianças aos pais. Assim, o proprietário ganhava pela força do trabalho de quatro trabalhadores e remunerava apenas um (01) trabalhador, dependendo, evidentemente, da quantidade de crianças de cada família. Geralmente, só a partir dos 12 de idade, é que essa mão de obra começava a ser remunerada pelo trabalho que desenvolvia no interior das casas de farinhas, assim mesmo, o que recebia era entregue a mãe, sempre com o sentimento de está contribuindo no sustento da família, não sendo mais um peso morto para a família.

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O trabalho infantil e familiar era muito importante para as casas de farinha em Jupi. Só, a partir do desenvolvimento das políticas públicas pela erradicação do trabalho infantil, é que essa realidade no município fora alterada, quando foi implantado o PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil) em Jupi, resultando em uma diminuição na produção da farinha. A medida não satisfez os proprietários que viram os seus lucros diminuírem.

Hoje em dia os filhos não podem vir acompanhados com os pais. Às vezes tem a mandioca, mas, não tem a raspadeira, principalmente aquelas que não tem com quem deixar os filhos, e se agente aceitar elas com os filhos a multa é grande se for denunciado, eu não tenho coragem de arriscar. .( M.R, 2012: fonte pesquisa).

Existe uma Legislação vigilante garantido a proteção à criança e ao adolescente, a direitos básicos. Entre os direitos básicos a educação é o principal, pelo qual se capacita uma pessoa à formação de cidadania, consciência política e intelectual, como também na melhoria pela qualidade de vida e emprego. Programas governamentais (como o PETI) atuam principalmente em regiões onde a população apresenta índices baixos de escolaridade, evasão escolar e baixa qualificação profissional não permitindo o ingresso destas pessoas no mercado de trabalho qualificado, restando-lhes apenas a economia de subsistência como principal renda econômica. As próprias famílias acabam não dando relevância à educação como crescimento pessoal. Os pais incentivam os filhos a continuarem exercendo a mesma função que lhes foram passadas.

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III. A mulher raspadeira e a mulher proprietária na casa

de farinha.

Até então discutimos apenas a posição da mulher subalterna a de raspadeira e como sua condição interfere na sua posição social no sei da sociedade e da família. A casa de farinha é um espaço, principalmente, de homens no comando, isto é, proprietários. Para a mulher resta-lhes a função de raspadeira; tirar a goma ou colher os resíduos que sobram dos fornos na queimagem das lenhas (carvão). Mesmo para as esposas dos donos sua função é sempre de apoio, não tratando diretamente com os compradores e fornecedores de mercadorias. Muitas delas ajudam; isso é fato notório, mas sem reconhecimento. A casa de farinha sempre será do sujeito homem, é seu nome que vai ganhar crédito.

Em Jupi uma das casas de farinha destacou-se, justamente por ser de propriedade de uma mulher. Sua administração é feita de forma organizada e coerente, seu poder é exercido na mais doce feminilidade, mas compreendida como “com garras de um ser masculinizado”. A mulher quando submetida a um cargo de chefia antes de tudo precisa tomar consciência que sua posição agora é outra, é líder, e para liderar é preciso ter consciência disso e passar a liderar a si mesma. Pois, sua carga apenas aumenta, mesmo sendo aquela mulher agora administradora, seus afazeres domésticos como casa e filhos ainda continuam. A cobrança na sociedade passa a ser outra, e mais pesada, ou seja, o abandono dos filhos. Pude observar estes fatos do comportamento da mulher que se ver em uma posição superior na sociedade, através de suas atitudes, de suas falas, do seu orgulho em falar do seu passado e principalmente do seu presente.

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Esse é o peso que a mulher dona da casa de farinha enfrenta. Ter que enfrentar todo um espaço de produção que sempre foi masculino, e da dimensão econômica do poder. A mulher precisa manter-se linda, ser sensual, elegante; características atribuídas culturalmente à mulher. Para os homens basta a inteligência. Lidar com homens; homens que fornecem a mandioca, que vem comprar a casca da mandioca, os trabalhadores da própria casa de farinha, os compradores de outras cidades, o motorista dos caminhões que levam a farinha e que trazem a mandioca. Enfim tirando as raspadeiras, todos são homens. É um confronto pessoal que acontece, mesmo com toda a feminilidade, para seguir neste ramo é preciso observar o comportamento masculino, ganhar respeito de todos e mesmo sem querer acaba aderindo a uma masculinização do “ser” feminina.

A relação entre patrão e empregado não chega a ser tão conflituosa como vemos em outros casos de sociedade com padrões burgueses, mas a hierarquia é exercida, o poder também é algo desejado. A proprietária é uma mulher que tem uma condição de vida considerada para os parâmetros da pequena Jupi como rica. Suas visitas aos salões de beleza são constantes. Sua casa ampla e grande, seus carros novos, sua propriedade rural, todo o seu patrimônio faz parte de uma sociedade conflituosa e que busca por um ideal de poder. Orgulhar-se de suas conquistas é um atributo desse personagem. Sua liberdade como mulher independente e na condição de viúva a faz querer aproveitar a sua vida da melhor maneira possível. Para isso, trabalha, e muito.

Carregar toda essa pressão, constitui para ela, um fardo! A prova disso são as doenças que insistem em aparecer. Doenças às vezes adquiridas devido às consequências das cobranças e de estresse ocasionado pela função que ocupa. Porém, diferente da raspadeira, a proprietária pode pagar um bom plano de saúde e tem tempo para adoecer. Seus filhos podem estudar em boas escolas, geralmente particulares.

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A raspadeira subalterna tem uma condição de vida inferior, e não apenas por uma questão de hierarquia. Existe um respeito, admiração por aquela pessoa, que sempre estar disposta a ouvir, conversar, ajudar da melhor maneira que puder e estiver ao seu alcance. O que fica subentendido nestas relações é a inferioridade social que elas vivem. A raspadeira tem seus corpos deteriorados pelo o tempo e a quantidade de filhos que pariram. A sua pele é acabada pelo o envelhecimento precoce. Faltam-lhes dentes e sobram estrias. Mas com tudo isso, ainda se sente bonita, com seus ideais de beleza próprios.

Em geral a classe alta moderna apresenta uma tendência a aliar-se aos partidos de esquerda, assumindo uma posição política independente. “Isto porque é a única forma de chegar ao poder é aliando-se aos operários, já que a classe burguesa manipula essa classe média moderna.” (MURARO, 1996: 103). É uma concepção da linha de pensamento marxista, que deve ser considerada em seu sentido por incorporar bem o papel das relações de poder em Jupi. A raspadeira não tem consciência de seus direitos sociais, apenas dos seus deveres. Elas não cobram melhorias das condições de trabalho, nem aumento salarial.

Para elas o que importa é receber algo que possa sustentar a si e a sua família. Todas desejam parar de raspar mandioca, todavia, sabem de sua falta de preparação para uma vida longe das paredes das casas de farinha, Aquelas que são mais bonitas, sabem de seu “poder” e sonham em arranjar um casamento que as tire daquele meio, já que estudar está fora de cogitação. Algumas têm vergonha de frequentar uma sala de aula devido à idade, outras dizem que é perca de tempo, precisam trabalhar. É uma situação complicada e apenas com um investimento de longo prazo esse quadro poderá modificar-se:

Parei de estudar com 14 anos, não terminei nem a quarta série, o que é que eu vou aprender depois de velha? A escola ta em casa, dando trabalho a mãe [risos]. (Esta

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analogia é referente aos filhos que ficou em casa com a avó materna). Vontade até que eu tenho, mais... é melhor deixar pra lá, prefiro que os meus filhos estudem. (caderno de campo)

Entendendo o que passou durante esse processo de divisão de gênero e de poder, verificam, por exemplo, que em muitas sociedades concretas, não só os homens têm mais poder que as mulheres em geral como também têm poder sobre as mulheres – e isso fica bem claro quando comparam a situação de homens e mulheres da mesma classe social. Entretanto, podem encontrar mulheres com poder sobre outras mulheres e sobre certos homens por conta de sua posição social ou “raça”, por exemplo. (BASSANEZI, 2009: 34).

Com uma linguagem vivida e teórica, pois, sabe-se que uma é tão importante quanto à outra e se não houver uma reciprocidade, ambas perdem sua dimensão, já que é fonte de toda teoria, uma teoria bem elaborada dá uma dimensão e um sentido à vida que podem atingir consequências muitas vezes inimagináveis (MURARO, 1996: 22). Pode-se unir etnograficamente as relações que existem dentro da casa de farinha como as experiências, dificuldades e alegrias a problemática de tantas outras mulheres que tentam se emancipar, de sua condição inferior e as amarras de uma sociedade hierarquizada e desigual tornam mais difíceis sair e deste estado de sítio.

As mulheres das casas de farinha salvaguardaram toda uma cultura e tradição que fizeram de Jupi a terra da farinha, afirmando a cultura da mandioca como a principal cultura do município. Mas, pouco se é discutido sobre essas trabalhadoras, não existe valor social para elas. Elas mesmas sentem-se constrangidas em afirmar sua profissão, (com razão, não é uma profissão reconhecida). Já a proprietária sente-se orgulhosa em falar que é dona da casa de farinha. Faz-se referencia ao

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proprietário/a, ao representante político que promove uma teia de interesses com um discurso ideológico em torno trabalhador. E a trabalhadora como fica? É pertinente citar

Sem dúvida continua havendo diferenças, sociais, econômicas, históricas, entre os praticantes (camponeses, operários etc.) dessas astúcias e os analistas, neste, caso, nós. Não se dá por acaso que toda a sua cultura se elabora nos termos de relações conflitais ou competitivas entre mais fortes e mais fracos, sem que nenhum espaço, nem legendário ou ritual, possa instalar-se na certeza de neutralidade. Essa diferença tem, aliás, um revelador no interior do próprio estudo: a ruptura ou o corte entre o tempo das solidariedades (o da docilidade e da gratidão do pesquisador para com os seus anfitriões) e o tempo da redação que põe à mostra as alianças institucionais (científicas, sociais) e o lucro (intelectual, profissional, financeiro etc.) que tem objetivamente nessa hospitalidade o seu meio. (CERTEAU, Op. Cit: 84):

A raspadeira não dá conta da importância do seu papel na sociedade. A intenção desse estudo é que as mulheres ordinárias que constituem uma classe inferior de trabalhadoras rurais na cidade possam notar seu valor e tenham vontade de falarem e serem ouvidas como cidadãs jupienses, dignas de seu valor.

Conclusão

É certo que a família modificou-se, a migração que

ocorreu da zona rural para a urbana obrigou as famílias a adaptar-se a um novo estilo de vida, a organização familiar nuclear foi se dissolvendo, o número de filhos diminuindo, e a mulher passou a interferir nas decisões familiares evidenciando o declínio do patriarcalismo. Homens e mulheres agora eram parceiros, a mulher quebrou a formação de uma família padronizada. A mulher quando saí para trabalhar o número de filhos é reduzido e

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o homem apresenta uma tendência a acomodar-se na posição de chefe de família. Como afirma SCOTT, 2011:

[...] os componentes dessas famílias usam pressupostos perceptivos e organizacionais diferentes dos que são organizados sobre a ideologia individualista em voga para entender a família urbana pobre em torno de uma base de regras de reciprocidade e moralidade. A família chefiada por mulheres e unidades unipessoais nesse contexto complica o quadro, e, para dar conta da diversidade, é preciso ter uma complementação com perspectivas que ressaltam diferenças percebidas, que nascem da força do trabalho familiar. (SCOTT, 2011: 53.).

As mulheres da casa de farinha trabalham com a

intenção de poder ter uma vida confortável, poder comprar seus bens. Ter em casa eletrodoméstico e eletroeletrônico como som, televisão, celulares, geladeiras etc., fazem parte do seu sonho de consumo. Por que a mulher acostumou-se ao trabalho? Mas que uma explicação histórico-social é preciso entender o que impulsionou a este grupo. Pela lógica uma família menor as despesas por consequência seriam menores também, então, a mulher deveria permanecer na esfera do lar. Errado. O homem humilde, das classes populares, tem como sua maior preocupação apenas o sustento básico (alimentação, água, luz, aluguel), poucos são aqueles que se preocupam com o conforto.

O que de fato mudou foi o consumismo, a mulher percebeu que para ter conforto era preciso ajudar o seu parceiro, possuir o seu próprio dinheiro e para isso ficar no espaço doméstico iria dificultar alguma ascensão social, mesmo perante os da sua mesma classe, e um aparelho doméstico representa para o pobre valor igual a uma viagem para o exterior para a chamada

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classe média alta. Ter sua casa ornada com aparelhos tecnológicos é um passaporte para o reconhecimento.

O meio que rodeia a mulher é de reciprocidade e hierarquia, a raspadeira se vê na dicotomia de manter uma família solidária, de alianças com todos os seus membros e ao mesmo tempo, como uma malha de poder, onde se realizam constantes subordinações da vida social cotidiana. Em torno dessa dicotomia vem a indagação: ela quer ou não quer ser chefa sozinha? A mulher tem duas opções mostrar como ela é independente sendo chefe de família sozinha, porém, onde ela é sempre a vitima de relações sociais injustas e desigual, ou o outro argumento que afastar homens “encrenqueiros e improdutivos” do seu convívio é uma forma de esperteza:

Assim, tensões entre marido e mulheres nos grupos urbanos mais empobrecidos aumentam e agravam-se até o ponto, de para o grupo como um todo, predominar o padrão de “a família das mulheres,” (SCOTT, 2011: 160.) Neste caso até as mulheres quando saem de casa para formar sua própria família voltam a integrar a casa dos pais em momentos de crises.

O dia ainda não clareou e elas já estão de pé, preparando o café, o almoço e cuidando dos afazeres domésticos diários. Os filhos ainda dormem e geralmente ficaram aos cuidados de algum parente ou filho mais velho ou a avó em sua maioria materna. Os seus maridos já foram trabalhar, o destino de boa parte é a casa de farinha. Raspar mandioca tornou-se a única fonte de renda para estas mulheres. Muitas preferem o trabalho da casa de farinha ao trabalharem em casas de família como empregadas domésticas. A jornada do trabalho começa cedo, logo de madrugada. Os seus instrumentos de trabalho são levados consigo: a faca, o marisco (usado para raspar a mandioca), o couro (pedaço de borracha da câmara do pneu, ou pedaço do jeans, um material resistente), é usado para apoiar a mandioca e proteger as pernas e o banquinho para sentarem. Começa o trabalho.

As raspadeiras dividem-se em duas ou três, são feitas “tuias” de mandioca por toda a casa de farinha, exceto na parte

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destinada ao processo de fariagem. A casa de farinha é um lugar agradável. As relações estabelecidas são harmoniosas. Existem alguns conflitos é claro, mas na sua maioria acabam-se criando laços fraternais uns com os outros. A simplicidade das pessoas e humildade, não os deixa ter níveis de escala social que os diferencie dos demais. Até mesmo o patrão não é visto como um chefe comum que fica enclausurado no seu escritório de terno e gravata dando ordens existe um respeito natural, mas é comum brincadeiras com o proprietário.

Assim são essas mulheres, simples em sua vida e essência, com uma trajetória de vida cercada pelo trabalho e responsabilidades que roubaram sua infância e juventude. Essas responsabilidades são vistas nos seus traços físicos, envelhecidos precocemente. São mães, esposas, donas do lar, e acima de tudo são mulheres.

A partir dessas reflexões o estudo pretendeu mostrar como as mulheres foram e são vítimas de uma sociedade masculinizada, e como é difícil quebrar as barreiras da ignorância como também de um imaginário construído sobre a ótica da submissão feminina. Estudos apontam que a divisão sexual ocorreu a partir da horda primitiva da divisão do trabalho. Engels em sua obra A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado refere-se à divisão do trabalho e das relações domésticas citando que foram postas de “cabeça para baixo, simplesmente porque a divisão do trabalho fora da família se havia tornado diferente,” prossegue falando:

Este trabalho a ser tudo e aquele, uma insignificante contribuição. Isso demonstra desde já que a emancipação ao homem, é e continuará sendo impossível, enquanto ela for excluída do trabalho social produtivo e confinada as trabalho privado doméstico. A emancipação da

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mulher só se tornará possível quando ela puder tomar parte em grande escala social, da produção e quando o trabalho doméstico só ocupar em grau insignificante. (FRIEDRICH ENGELS, 2009: 200).

Uma das pioneiras a refletir sobre a igualdade dos sexos no Brasil foi à jornalista e poeta Ana Montenegro. Em 1945 filiou-se ao partido comunista, o que talvez explique a postura marxista que sua obra possui, e na observação para o desconhecimento ou incompreensão intencional do marxismo caracteriza igualmente a atitude de numerosas feministas, a respeito do matrimônio (MONTENEGRO, Op. Cit: 34). Ele reflete sobre a intenção que existe na concepção de família burguesa, esclarece o caráter hipócrita que existe nas relações entre os sexos. Afirma ainda que a opressão da mulher seria o resultado da oposição homem-mulher, vista como uma contradição insuperável da ambição natural do homem pelo poder (MONTENEGRO, Op. Cit: 35). A mulher tornou-se uma classe na sociedade.

Entendendo o que passou durante esse processo de divisão gênero com uma linguagem vivida e teórica, pois, sabe-se que uma é tão importante quanto à outra e se não houver uma reciprocidade, ambas perdem sua dimensão, já que a vida é fonte de toda teoria, uma teoria bem elaborada dá uma dimensão e um sentido à vida que podem atingir consequências muitas vezes inimagináveis (ROSE MARRIE MURARO, 1996: 22.). Pode-se verificar etnograficamente as relações que existem dentro das casas de farinha como as experiências, dificuldades e alegrias a problemática de tantas outras mulheres que tentam se emancipar do poderio masculino. E devido a sua condição “inferior” e as amarras de uma sociedade hierarquizada e desigual torna-se mais difícil sair desse estado de sítio opressor.

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Com esse estudo foi perceber que as mulheres “ordinárias” que constituem uma classe inferior de trabalhadoras rurais na cidade possuem um valor que nem sempre é percebido por elas. O presente trabalho, deste modo, dá voz e visibilidade social, quando as estimula nelas a vontade de falar e ser ouvidas como cidadãs jupienses. Suas demandas por políticas públicas destinadas a elas e as suas famílias, já que é notória a importância dessa classe trabalhadora para o desenvolvimento socioeconômico e cultural da pequena Jupi. A escolha das mulheres da casa de farinha não foi uma escolha aleatória. Essas mulheres salvaguardaram toda uma cultura e tradição que fizeram de Jupi a terra da farinha, afirmando a cultura da mandioca como a cultura do município. Porém, pouco se é discutido sobre os trabalhadoras/es. Faz-se referência ao proprietário, ao representante político que promove uma teia de interesses com um discurso ideológico em torno do trabalhador. É pertinente citar Certeau (1994):

Sem dúvida continua havendo diferenças, sociais, econômicas, históricas, entre os praticantes (camponeses, operários etc.) dessas astúcias e os analistas, neste, caso, nós. Não se dá por acaso que toda a sua cultura se elabora nos termos de relações conflituais ou competitivas entre mais fortes e mais fracos, sem que nenhum espaço, nem legendário ou ritual, possa instalar-se na certeza de neutralidade. Essa diferença tem, aliás, um revelador no interior do próprio estudo: a ruptura ou o corte entre o tempo das solidariedades (o da docilidade e da gratidão do pesquisador para com os seus anfitriões) e o tempo da redação que põe à mostra as alianças institucionais (científicas, sociais) e o lucro (intelectual, profissional, financeiro etc.) que tem objetivamente nessa

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hospitalidade o seu meio. (CERTEAU, 1994: 84/85.).

Para concluir tive que voltar a ponto de partida para dar ao estudo um poder para transformar a investigação em caminhos à mudança, como afirma Bourdieu (1997) toda pesquisa é ação política sobre o mundo. O historiador não consegue assumir uma neutralidade em sua narrativa, a história o envolve, as práticas populares criam a problemática ideal para a criação do fenômeno histórico. Não é apenas uma questão de discutir movimentos feministas, e sim, discutir a mulher como pessoa, com direitos igualitários em uma sociedade masculinizada, cheia de conflitos sociais e de natureza classificatória. Principalmente discutir a condição da mulher trabalhadora humilde, que não dá conta de seu papel na sociedade. A mulher da casa de farinha. _______________________

Referências

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