403

Goffredo Telles Junior

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Clássico da Introdução ao Estudo do Direito.

Citation preview

  • IINICIAONA CINCIADO DIREITO

    Iniciacao na Ciencia do Direito - Romanas.pmd 9/12/2010, 15:341

  • II

    OBRAS PRINCIPAIS DO AUTOR

    O Direito Quntico Ensaio sobre o fundamento da ordem jurdica

    tica Do Mundo da Clula ao Mundo da Cultura

    Tratado da Conseqncia Curso de Lgica Formal

    Iniciao na Cincia do Direito

    Onze verbetes na Enciclopdia Saraiva do Direito

    A Filosofia do Direito (dois volumes)

    A Criao do Direito (dois volumes)

    Estudos

    A Definio do Direito

    Dissertao sobre o Universo

    A Democracia e o Brasil

    Resistncia Violenta aos Governos Injustos

    A Constituio, a Assemblia Constituinte e o Congresso Nacional

    Sistema Brasileiro de Discriminao de Rendas

    Justia e Jri no Estado Moderno

    A Folha Dobrada Lembranas de um estudante (Prmio Senador Jos Ermrio

    de Moraes, da Academia Brasileira de Letras; Prmio Clio de Histria, 2000,

    da Academia Paulista da Histria; Prmio Ivan Lins de Ensaio,

    Hors-Concours, da Academia Carioca de Letras)

    Carta aos Brasileiros

    Iniciacao na Ciencia do Direito - Romanas.pmd 9/12/2010, 15:342

  • III

    GOFFREDO TELLES JUNIOR

    Professor Titular da Faculdade de Direito do Largo de So Francisco (USP)

    Professor Emrito da Universidade de So Paulo

    Advogado

    4 edio

    2008

    3 tiragem

    2011

    INICIAONA CINCIADO DIREITO

    Iniciacao na Ciencia do Direito - Romanas.pmd 9/12/2010, 15:343

  • IV

    ISBN 978-85-02-13608-3

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Telles Junior, GoffredoIniciao na cincia do direito / Goffredo Telles

    Junior. 4. ed. So Paulo : Saraiva, 2008.

    1. Direito - Filosofia I. Ttulo.

    07-5675 CDU-340.12

    ndice para catlogo sistemtico:1. Direito : Filosofia 340.12

    Nenhuma parte desta publicao poder ser reproduzida porqualquer meio ou forma sem a prvia autorizao da EditoraSaraiva.A violao dos direitos autorais crime estabelecido na Lei n.9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Cdigo Penal.

    F IL IAIS

    AMAZONAS/RONDNIA/RORAIMA/ACRERua Costa Azevedo, 56 CentroFone: (92) 3633-4227 Fax: (92) 3633-4782 ManausBAHIA/SERGIPERua Agripino Drea, 23 BrotasFone: (71) 3381-5854 / 3381-5895Fax: (71) 3381-0959 SalvadorBAURU (SO PAULO)Rua Monsenhor Claro, 2-55/2-57 CentroFone: (14) 3234-5643 Fax: (14) 3234-7401 BauruCEAR/PIAU/MARANHOAv. Filomeno Gomes, 670 JacarecangaFone: (85) 3238-2323 / 3238-1384Fax: (85) 3238-1331 FortalezaDISTRITO FEDERALSIA/SUL Trecho 2 Lote 850 Setor de Indstria e AbastecimentoFone: (61) 3344-2920 / 3344-2951Fax: (61) 3344-1709 BrasliaGOIS/TOCANTINSAv. Independncia, 5330 Setor AeroportoFone: (62) 3225-2882 / 3212-2806Fax: (62) 3224-3016 GoiniaMATO GROSSO DO SUL/MATO GROSSORua 14 de Julho, 3148 CentroFone: (67) 3382-3682 Fax: (67) 3382-0112 Campo GrandeMINAS GERAISRua Alm Paraba, 449 LagoinhaFone: (31) 3429-8300 Fax: (31) 3429-8310 Belo HorizontePAR/AMAPTravessa Apinags, 186 Batista CamposFone: (91) 3222-9034 / 3224-9038Fax: (91) 3241-0499 BelmPARAN/SANTA CATARINARua Conselheiro Laurindo, 2895 Prado VelhoFone/Fax: (41) 3332-4894 CuritibaPERNAMBUCO/PARABA/R. G. DO NORTE/ALAGOASRua Corredor do Bispo, 185 Boa VistaFone: (81) 3421-4246 Fax: (81) 3421-4510 RecifeRIBEIRO PRETO (SO PAULO)Av. Francisco Junqueira, 1255 CentroFone: (16) 3610-5843 Fax: (16) 3610-8284 Ribeiro PretoRIO DE JANEIRO/ESPRITO SANTORua Visconde de Santa Isabel, 113 a 119 Vila IsabelFone: (21) 2577-9494 Fax: (21) 2577-8867 / 2577-9565Rio de JaneiroRIO GRANDE DO SULAv. A. J. Renner, 231 FarraposFone/Fax: (51) 3371-4001 / 3371-1467 / 3371-1567Porto AlegreSO PAULOAv. Antrtica, 92 Barra FundaFone: PABX (11) 3616-3666 So Paulo

    Rua Henrique Schaumann, 270, Cerqueira Csar So Paulo SPCEP 05413-909PABX: (11) 3613 3000SACJUR: 0800 055 7688De 2 a 6, das 8:30 s 19:[email protected]: www.saraivajur.com.br

    Data de fechamento da edio: 1-8-2007Data de fechamento da edio: 1-8-2007Data de fechamento da edio: 1-8-2007Data de fechamento da edio: 1-8-2007Data de fechamento da edio: 1-8-2007

    Dvidas?Acesse www.saraivajur.com.br

    109.716.004.003

    Iniciacao na Ciencia do Direito - Romanas.pmd 9/12/2010, 15:344

  • VPara Maria Eugenia

    Iniciacao na Ciencia do Direito - Romanas.pmd 9/12/2010, 15:345

  • VI

    Iniciacao na Ciencia do Direito - Romanas.pmd 9/12/2010, 15:346

  • VII

    1 PARTE A ORDEM E A DESORDEM. AS NORMAS E A NORMALI-

    DADE

    2 PARTE A NORMA JURDICA: O DIREITO OBJETIVO

    3 PARTE O DIREITO SUBJETIVO

    4 PARTE A JUSTIA

    5 PARTE A DEFINIO DO DIREITO

    Iniciacao na Ciencia do Direito - Romanas.pmd 9/12/2010, 15:347

  • VIII

    Iniciacao na Ciencia do Direito - Romanas.pmd 9/12/2010, 15:348

  • IX

    NDICE

    1 PARTE

    A ORDEM E A DESORDEM.AS NORMAS E A NORMALIDADE

    CAPTULO I A ORDEM E A DESORDEM

    1. A definio da ORDEM ............................................................. 3

    2. A ordem e a idia da ordem ....................................................... 5

    3. A ordem e a desordem ................................................................ 6

    CAPTULO II CONSIDERAES SUPLEMENTARES SOBRE OTEMA DO CAPTULO ANTERIOR

    4. Ordem, estrutura e existncia ..................................................... 13

    CAPTULO III QUE A NORMALIDADE? QUE UMANORMA?

    5. O normal e o anormal ................................................................. 17

    6. Normalidade e anormalidade ..................................................... 19

    7. As anormalidades no mundo fsico e no mundo tico ............... 19

    8. Noo de NORMA e de ORDENAO NORMATIVA .......... 21

    9. Diferena entre NORMA e MANDAMENTO .......................... 23

    10. Diviso dos mandamentos ........................................................ 25

    11. A natureza condicional das normas .......................................... 25

    12. Os imperativos considerados como juzos hipotticos do tipo

    condicional .............................................................................. 26

    CAPTULO IV QUE UMA LEI?

    13. A definio genrica de LEI ..................................................... 31

    14. As leis ticas ............................................................................. 33

    15. As leis fsicas ............................................................................ 34

    16. Etimologia da palavra LEI ....................................................... 38

    Iniciacao na Ciencia do Direito - Romanas.pmd 9/12/2010, 15:349

  • X2 PARTE

    A NORMA JURDICA: O DIREITO OBJETIVO

    CAPTULO V A NORMA JURDICA OU NORMA DE DIREITO

    17. A norma AUTORIZANTE ....................................................... 43

    18. Autorizamento e autorizao .................................................... 45

    19. Normas no autorizantes .......................................................... 46

    20. Normas jurdicas de autorizamento no patente ...................... 48

    21. As permisses concedidas por meio de normas jurdicas ........ 49

    22. A sociedade: a verdadeira concessora dos autorizamentos ...... 50

    23. A norma jurdica no atributiva ......................................... 52

    CAPTULO VI A NORMA PENAL

    24. Um caso especial: a norma jurdica penal ................................ 55

    CAPTULO VII A IMPERATIVIDADE JURDICA

    25. A imperatividade da norma jurdica ......................................... 59

    26. As formas da imperatividade .................................................... 62

    27. Casos de imperatividade no explcita ..................................... 66

    28. Natureza condicional da imperatividade jurdica..................... 69

    CAPTULO VIII AS SANES

    29. Noo de SANO ................................................................. 75

    30. A sano na estrutura da norma jurdica .................................. 80

    31. Exemplos de sanes jurdicas ................................................. 81

    32. Inexistncia das chamadas sanes premiais ....................... 83

    CAPTULO IX A COAO NO MUNDO JURDICO

    33. Noo de COAO ................................................................. 87

    34. A coao A SERVIO DO DIREITO. Natureza conselheira

    das leis ...................................................................................... 88

    35. A coatividade jurdica .............................................................. 93

    36. A coero psquica ................................................................... 95

    37. A coao CONTRA O DIREITO............................................. 97

    CAPTULO X A DEFINIO DA NORMA JURDICA

    38. A definio completa da NORMA JURDICA ou NORMA

    DE DIREITO ........................................................................... 103

    Iniciacao na Ciencia do Direito - Romanas.pmd 9/12/2010, 15:3410

  • XI

    CAPTULO XI O DIREITO OBJETIVO. O DIREITO POSITIVO

    39. Noo do DIREITO OBJETIVO ............................................. 105

    40. As categorias do Direito Objetivo ............................................ 106

    41. Noo do DIREITO POSITIVO. Noo jurdica da LEI ......... 109

    42. As LEIS na ordem jurdica ....................................................... 111

    43. O primado do Direito Positivo e da lei ..................................... 113

    CAPTULO XII A SOBERANIA DO ESTADO

    44. Noo de SOBERANIA........................................................... 117

    45. As funes do Estado ............................................................... 118

    46. A soberania na ORDEM INTERNA e na ORDEM INTERNA-

    CIONAL ................................................................................... 120

    CAPTULO XIII A CONSTITUIO

    47. Pluralismo de ordenaes na unidade do sistema jurdico ....... 123

    48. A CONSTITUIO. Noo de ESTADO ............................... 123

    49. Anseios e rebeldias do Povo, na origem das Constituies ..... 124

    50. As matrias constitucionais ...................................................... 126

    51. A estabilidade da Constituio ................................................. 128

    52. Constituies no escritas ........................................................ 129

    53. Constituies sintticas e Constituies analticas .................. 129

    54. O Estado Constitucional e a Democracia ................................. 130

    CAPTULO XIV O PODER CONSTITUINTE

    55. Que o PODER CONSTITUINTE? ....................................... 133

    56. O carter revolucionrio do Poder Constituinte ....................... 134

    57. Poder e misso da ASSEMBLIA CONSTITUINTE ............. 136

    58. As emendas Constituio. O PODER CONSTITUINTE DE-

    RIVADO ................................................................................... 138

    59. Distino entre Assemblia Constituinte e Congresso Nacional 140

    60. O mau exemplo dos antecedentes histricos ........................ 145

    CAPTULO XV O PODER LEGISLATIVO E AS LEIS

    61. Que o PODER LEGISLATIVO? ........................................... 147

    62. Observaes preliminares sobre as leis .................................... 148

    63. A estrutura da lei ...................................................................... 152

    CAPTULO XVI CLASSIFICAO DAS LEIS

    64. Diviso das leis quanto a sua IMPERATIVIDADE ................. 153

    65. Diviso das leis quanto a seu AUTORIZAMENTO ................ 156

    Iniciacao na Ciencia do Direito - Romanas.pmd 9/12/2010, 15:3411

  • XII

    CAPTULO XVII A VALIDADE DAS LEIS (1 parte). DOM-NIO GEOGRFICO E DOMNIO DE COMPETNCIADAS LEIS

    66. Leis vlidas e leis invlidas, leis legtimas e leis ilegtimas ..... 159

    67. As condies da VALIDADE das leis ...................................... 160

    68. O DOMNIO GEOGRFICO das leis federais, estaduais e

    municipais. A hierarquia das leis (1 parte) ............................ 160

    69. O DOMNIO DE COMPETNCIA das leis ........................... 162

    70. O correto domnio da lei: condio essencial de sua VALIDADE 167

    71. A ilegalidade e a inconstitucionalidade das leis INVLIDAS 169

    72. A hierarquia das leis (2 parte) ................................................. 171

    CAPTULO XVIII A VALIDADE DAS LEIS (2 parte). O PRO-CESSO LEGISLATIVO

    73. O PROCESSO LEGISLATIVO ............................................... 173

    74. A INICIATIVA das leis ............................................................ 174

    75. A elaborao parlamentar da lei ............................................... 176

    76. O VETO ................................................................................... 177

    77. O veto parcial ........................................................................... 179

    78. A SANO .............................................................................. 181

    79. A PROMULGAO ............................................................... 185

    80. A PUBLICAO .................................................................... 186

    81. O processo legislativo das chamadas MEDIDAS PROVIS-

    RIAS ....................................................................................... 187

    CAPTULO XIX A VIGNCIA DAS LEIS

    82. Noo de VIGNCIA DA LEI. VIGNCIA e EFICCIA ..... 191

    83. O incio da vigncia da lei ........................................................ 191

    84. A vacatio legis .......................................................................... 194

    85. A ignorncia da lei ................................................................... 195

    86. O erro de direito ....................................................................... 196

    87. A obrigatoriedade das leis. Os limites da obrigatoriedade: o

    DIREITO ADQUIRIDO, o ATO JURDICO PERFEITO e a

    COISA JULGADA .................................................................... 196

    88. A lacuna de direito. A analogia, os costumes e os princpios

    gerais do Direito ....................................................................... 199

    89. Fim da vigncia da lei .............................................................. 202

    Iniciacao na Ciencia do Direito - Romanas.pmd 9/12/2010, 15:3412

  • XIII

    CAPTULO XX A LEGITIMIDADE DAS LEIS

    90. As leis legtimas ....................................................................... 205

    91. Harmonizao da lei com a ordenao tica vigente ............... 207

    92. A primeira causa da eventual desarmonia entre a lei e a orde-

    nao tica vigente: o erro do legislador ................................. 210

    93. A segunda causa da eventual desarmonia entre a lei e a orde-

    nao tica vigente: o arbtrio do Poder .................................. 213

    94. A terceira causa da eventual desarmonia entre a lei e a orde-

    nao tica vigente: o desuso e a decrepitude do Direito ........ 214

    95. O Direito Artificial ................................................................... 218

    96. O DIREITO NATURAL .......................................................... 219

    CAPTULO XXI DIVISO DO DIREITO EM DIREITO PBLICOE DIREITO PRIVADO

    97. O DIREITO PBLICO e o DIREITO PRIVADO ................... 223

    98. Leis de ordem pblica .............................................................. 226

    CAPTULO XXII OS RAMOS CARDEAIS DO DIREITO PBLICO

    99. A diviso romana do Direito Pblico. A diviso moderna ....... 229

    100. O DIREITO CONSTITUCIONAL ........................................ 230

    101. O DIREITO ADMINISTRATIVO ......................................... 230

    102. O DIREITO FINANCEIRO ................................................... 231

    103. O DIREITO JUDICIRIO .................................................... 232

    104. O DIREITO PENAL .............................................................. 235

    105. O DIREITO DO TRABALHO ou DIREITO SOCIAL ......... 235

    106. O DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO ........................ 237

    107. O DIREITO INTERNACIONAL PBLICO......................... 240

    CAPTULO XXIII OS RAMOS CARDEAIS DO DIREITO PRIVADO

    108. A diviso romana do Direito Privado. A diviso moderna ..... 245

    109. O DIREITO CIVIL ................................................................ 248

    110. O DIREITO COMERCIAL ................................................... 248

    3 PARTE

    O DIREITO SUBJETIVO

    CAPTULO XXIV A DEFINIO DO DIREITO SUBJETIVO

    111. A permisso jurdica .............................................................. 253

    Iniciacao na Ciencia do Direito - Romanas.pmd 9/12/2010, 15:3413

  • XIV

    112. Razo-de-ser do nome deste direito ....................................... 255

    113. Uma reflexo sobre a natureza do Direito Subjetivo ............. 255

    114. As faculdades humanas e o Direito ........................................ 257

    115. O Direito Subjetivo no o poder da vontade .................. 261

    116. O Direito Subjetivo no um interesse juridicamente prote-

    gido ...................................................................................... 262

    117. Permisses dadas por meio de qualquer espcie de norma ju-

    rdica ...................................................................................... 263

    118. Permisses dadas POR MEIO das normas jurdicas, e no

    PELAS prprias normas ........................................................ 264

    119. Permisses jurdicas e permisses no jurdicas .................... 266

    120. Direitos Subjetivos explcitos e Direitos Subjetivos implcitos 267

    121. Direitos Subjetivos comuns e direitos de defender direitos ... 268

    122. Correlao entre o Direito Subjetivo e o Direito Objetivo ..... 269

    123. As obrigaes correlatas. Os DEVERES ............................... 271

    124. O Direito-Funo ................................................................... 272

    CAPTULO XXV O TITULAR DOS DIREITOS SUBJETIVOS: APESSOA

    125. Noo jurdica de PESSOA ................................................... 275

    126. Capacidade e incapacidade das pessoas ................................. 277

    127. A RELAO JURDICA ...................................................... 280

    CAPTULO XXVI OS FATOS GERADORES DOS DIREITOSSUBJETIVOS: FATOS E ATOS

    128. FATOS e ATOS jurdicos ....................................................... 283

    129. O ato ilcito ............................................................................. 287

    CAPTULO XXVII OS DIREITOS DE FAZER E DE NO FAZER.O DIREITO-FUNO

    130. As quatro classes de Direitos Subjetivos ................................ 291

    131. A liberdade de agir ................................................................. 291

    132. O PRINCPIO DA LEGALIDADE ....................................... 292

    133. O DIREITO-FUNO .......................................................... 294

    CAPTULO XXVIII OS DIREITOS DA PERSONALIDADE

    134. O conceito de PERSONALIDADE ........................................ 297

    135. Os DIREITOS DA PERSONALIDADE................................ 299

    136. O Direito de Autor: exemplo expressivo do Direito da Perso-

    nalidade .................................................................................. 300

    Iniciacao na Ciencia do Direito - Romanas.pmd 9/12/2010, 15:3414

  • XV

    CAPTULO XXIX OS DIREITOS REAIS

    137. Os bens materiais ................................................................... 305

    138. O direito de ter ....................................................................... 308

    CAPTULO XXX A PROPRIEDADE

    139. Noo de PROPRIEDADE e de DIREITO DE PROPRIE-

    DADE .................................................................................... 311

    140. Direito de Propriedade sobre os frutos e produtos da proprie-

    dade ........................................................................................ 313

    141. Importncia dos modos de aquisio da propriedade ............ 315

    CAPTULO XXXI A QUASE-PROPRIEDADE

    142. Noo da QUASE-PROPRIEDADE ...................................... 317

    CAPTULO XXXII OS BENS ALHEIOS TIDOS EM GARANTIA

    143. Bens alheios dados em garantia do pagamento de dvida ...... 319

    CAPTULO XXXIII OS DIREITOS PESSOAIS

    144. Noo de DIREITO PESSOAL ............................................. 323

    145. O DIREITO DE AO ......................................................... 324

    146. O DIREITO DE PETIO .................................................... 325

    147. O Direito de FAZER JUSTIA COM AS PRPRIAS MOS 326

    148. Os DIREITOS CAUTELARES ............................................. 328

    149. O DIREITO DE RESPOSTA ................................................. 329

    CAPTULO XXXIV MODALIDADES DO DIREITO SUBJETIVO

    150. O Direito Subjetivo Aparente ................................................. 331

    151. A Expectativa de Direito ........................................................ 332

    152. O Direito Eventual ................................................................. 334

    153. O Direito Condicionado ......................................................... 334

    154. O Direito a Termo .................................................................. 338

    155. Direitos Atuais e Direitos Futuros .......................................... 338

    156. Direitos Relativos e Direitos Absolutos ................................. 339

    CAPTULO XXXV OS DIREITOS HUMANOS E AS LIBER-DADES DEMOCRTICAS

    157. Os bens soberanos .................................................................. 341

    158. Os proclamados DIREITOS HUMANOS ............................. 343

    159. Os DIREITOS HUMANOS e a autolimitao da Soberania . 345

    Iniciacao na Ciencia do Direito - Romanas.pmd 9/12/2010, 15:3415

  • XVI

    160. As Liberdades Democrticas .................................................. 347

    161. A dialtica das liberdades ....................................................... 349

    4 PARTE

    A JUSTIA

    CAPTULO XXXVI A JUSTIA

    162. A definio da JUSTIA ....................................................... 355

    163. Que o JUSTO?..................................................................... 359

    164. O justo por conveno e o justo por natureza ........................ 361

    165. Uma heresia ............................................................................ 364

    166. A lgica do jurista .................................................................. 365

    167. A justia e a caridade ............................................................. 367

    168. A justia comutativa, a justia distributiva e a chamada justi-

    a legal ................................................................................... 368

    5 PARTE

    A DEFINIO DO DIREITO

    CAPTULO XXXVII A DEFINIO DO DIREITO

    169. As trs necessrias definies ................................................ 373

    170. A etimologia da palavra Direito ............................................. 375

    171. Motivo do nome DIREITO .................................................... 377

    CAPTULO XXXVIII A DISCIPLINA DA CONVIVNCIA

    172. Os meios e os fins ................................................................... 379

    173. A DISCIPLINA DA CONVIVNCIA ...................................... 381

    174. A Chave do Jurista .................................................................. 382

    175. O PRIMEIRO MANDAMENTO ............................................. 383

    PEQUENA BIBLIOGRAFIA ....................................................................... 385

    Iniciacao na Ciencia do Direito - Romanas.pmd 9/12/2010, 15:3416

  • 11 PARTE

    A ORDEM E A DESORDEM.AS NORMAS E A NORMALIDADE

  • 2

  • 3CAPTULO I

    A ORDEM E A DESORDEM

    1. A definio da ORDEMQue a ORDEM? A ordem sem complementos, sem qualificativos, a

    ordem em si mesma, a ordem em abstrato, a que se reduz? Em que consiste?Estas perguntas nos assaltam, no momento em que nos debruamos

    sobre o problema da ordem jurdica.Em que, propriamente, estaremos pensando quando meditamos sobre

    a ordem? Sobre o que estaremos pensando quando refletimos sobre a or-dem em abstrato, antes de pensar sobre a ordem csmica..., a ordem doselementos..., a ordem das idias..., a ordem tica..., a ordem jurdica..., aordem dos livros na biblioteca..., a ordem das mercadorias nas prateleiras..., aordem dos objetos na gaveta...?

    H uma idia de ordem, uma s idia de ordem em abstrato, que perma-nece sempre a mesma, em todos esses pensamentos de ordens concretas.

    Tal idia, por ser preliminar e fundamental, o que nos preocupa nesteinstante.

    Toda ordem, evidentemente, uma disposio. Mas no uma dispo-sio qualquer. uma certa disposio, uma disposio conveniente de coi-sas, sendo que a disposio s pode ser considerada conveniente quandoalcana o fim em razo do qual ela dada s coisas.

    Os livros de uma biblioteca esto em ordem quando se acham dispostosde maneira a possibilitar o encontro de qualquer deles, no momento em quefor procurado. Esta possibilidade o fim para cuja consecuo os livros sodispostos desta ou daquela maneira. Se tal fim atingido, a disposio dos

  • 4livros conveniente, e os livros esto em ordem. O mesmo acontece comquaisquer cousas colocadas em ordem, ou seja, em disposio conveniente.

    obvio que toda ordem requer coisas mltiplas, seres necessariamen-te distintos uns dos outros (embora possam ser iguais uns aos outros). Nopode haver ordem onde no haja multiplicidade de coisas, multiplicidadede seres; onde no haja coisas ou seres distintos para ordenar, isto , pararelacionar uns com os outros e colocar em seus devidos lugares. No hordem sem distino, disse Santo Thomaz de Aquino.

    Numa biblioteca, os livros so diferentes uns dos outros. Num muro,os tijolos so iguais uns aos outros. Mas, nos dois casos na biblioteca eno muro , as coisas ordenadas so mltiplas, e so distintas umas dasoutras.

    E no pode haver ordem sem determinao do fim em razo do qualuma disposio conveniente dada a seres mltiplos, e por fora da qualtais seres passam a constituir uma unidade.

    A disposio conveniente, que a disposio de seres mltiplos emrazo de um fim prefixado, relaciona seres distintos, conjuga-os de maneiraque cada um, de acordo com sua natureza ou destinao, ocupe, dentro doconjunto, seu lugar prprio, passando a ser parte de um todo, elemento deuma unidade.

    Os livros dispostos convenientemente, para a consecuo do fim pre-tendido, ocupam lugares certos nas estantes e, em conjunto, passam a cons-tituir um todo. Essa ordem que confere unidade multiplicidade dos li-vros, dando ao todo a qualidade de biblioteca. Em tal ordem que reside adiferena entre uma biblioteca e um amontoado de livros.

    A ordem, em verdade, sempre uma unidade do mltiplo.Para esclarecer essa noo, seja o seguinte exemplo. Tijolos, telhas,

    madeiras, ferros esto jogados ao lu, num terreno baldio. Constituem, pois,uma multiplicidade de materiais de construo, mas de materiais no rela-cionados, no conjugados, no ligados uns aos outros, em razo de um fimcomum. Tais coisas, evidentemente, no esto em ordem, ou seja, no estona ordem em que estariam se fossem componentes de uma casa. Esto emdesordem. Em conseqncia, no so partes de um s todo, no consti-tuem uma unidade. Mas, esses mesmos materiais, quando ligados uns aosoutros na construo de uma casa, isto , ligados em razo de um fim co-mum, acham-se dispostos em ordem. Em conseqncia, passam a ser partesde um s todo, e a constituir uma unidade.

  • 5A matria da ordem (os filsofos diriam a causa material da ordem) sempre constituda por seres mltiplos. Como foi explicado, a ordem impli-ca, por definio, multiplicidade de seres.

    A forma da ordem (os filsofos diriam a causa formal da ordem) sempre constituda por uma certa disposio. Como tambm j dissemos, aordem implica, por definio, a disposio conveniente dada a seres mlti-plos.

    O fim da ordem, a sua razo-de-ser (os filsofos diriam a causa finalda ordem), sempre o objeto para cuja consecuo os seres mltiplos sodispostos convenientemente. o todo uno em que se realiza a referida uni-dade do mltiplo.

    Do que acaba de ser exposto, infere-se que a ordem compreendemultiplicidade e unidade. E como, em todas as ordens, a multiplicidade dosseres se submete unidade do conjunto, toda ordem implica dominao daunidade sobre o mltiplo.

    Conclumos que a ordem A DISPOSIO CONVENIENTE DE SE-RES PARA A CONSECUO DE UM FIM COMUM.

    2. A ordem e a idia da ordemA consecuo de um objeto de um fim determinado a razo-de-

    ser da ordem. evidente que a determinao desse fim h de ser anterior disposio efetiva dos seres mltiplos.

    Ora, determinar um fim supe o conhecimento desse fim. Logo, antesda implantao de uma ordem, antes de qualquer disposio de seres, exis-te, forosamente, a idia ou conhecimento do fim do objeto , cujarealizao o propsito da disposio dos seres e da ordem.

    Antes da colocao ordenada dos livros nas estantes da biblioteca, existea idia norteadora dessa colocao, ou seja, o conhecimento do fim que sequer alcanar, por meio da disposio conveniente dos livros.

    O conhecimento do fim precede a ordem, porque a disposio dosseres feita em razo dele. Em razo desse conhecimento que a disposi-o dos meios efetuada como convm.

    Em outras palavras, o prvio conhecimento do fim a ser atingido oque determina a convenincia dos meios. Sem a previso ou preconizaodo efeito a ser produzido, impossvel a disposio conveniente dos seres.Pois, a disposio s conveniente se for a disposio apta a produzir oefeito preconizado.

  • 6Esta preconizao a idia do efeito, antes da produo do efeito. oconhecimento antecipado do efeito, sem o qual as coisas no se disporoem ordem; sem o qual as coisas acontecero de qualquer maneira.

    Tal preconizao o projeto da obra, na mente do arquiteto, antes daconstruo da obra. Sem o prvio projeto, a obra impossvel.

    Antes da realizao de qualquer ordem, h de existir o projeto dela, namente do ordenador.

    No h trusmo na afirmao de que tudo h de ser concebido, antesde vir luz. Antes da realizao de uma ordem, h de existir a concepodessa ordem, a idia dela, o projeto ou modelo de como se devem dispordeterminadas coisas, para a produo de um determinado efeito. Sem aprecedncia dessa idia, dessa concepo, desse projeto ou modelo, a or-dem impossvel.

    A idia da ordem, pois, condio dela. a ordem pensada, antes deser a ordem realizada.

    Em suma, toda ordem, em sua origem, h de ser um pensamento. Noprincpio, era o Verbo, disse Joo, abrindo seu Evangelho.

    3. A ordem e a desordemToda existncia existncia dos vivos e dos no vivos; existncia do

    mineral, do vegetal, do animal, do homem e tambm das sensaes, dasimagens, das idias todo ser existente resulta de uma disposio certade seres; resulta de um arranjo conveniente dos elementos de que ele constitudo.

    Ora, a disposio certa de seres o que se chama disposio ordena-da, como foi explicado no l.

    Logo, todo ser existente resulta da ordem em que se acham os seres deque ele se compe. E estes seres, tambm, resultam da ordem em que seacham os seres de que eles se compem. E estes, por sua vez, ...

    O prprio Universo, tido como conjunto de todas as coisas existentes,s pode ser considerado como um todo ordenado.

    A Filosofia ensina que o Universo A DIVERSIDADE DAS COISASHARMONIOSAMENTE ORDENADAS, DENTRO DA UNIDADE DOTODO.

    Os gregos chamavam o Universo de cosmos, palavra que significa or-dem; no o chamavam de caos, palavra que significa ausncia de ordem.

  • 7Mas, na infinita paisagem do Universo, quaisquer olhos despreveni-dos vo divisar reas de sombra. Nem tudo, ao que parece, ordem nomundo. A desordem tambm existe, ou parece existir. O comportamentodesregrado, a prtica do mal, o crime, a injustia, o sofrimento, a dor, todasestas coisas so fatos ocorrentes, e fatos contrrios ao que se considera or-dem. Mesmo no mundo fsico, flagrantes violaes da ordem csmica pare-cem acontecer s vezes, como, por exemplo, as molstias, as epidemias, aspragas, e as que se manifestam no indeterminismo cinemtico dos quanta,verificado na intimidade profunda da matria; como as que se revelam naentropia crescente em sistemas isolados, ou seja, na degradao qualitativada energia, verificada em tais sistemas, contrariando o princpio universalda conservao da energia.

    Ento, uma inevitvel pergunta se coloca diante da inteligncia huma-na: Se o conjunto de todos os seres est submetido ordem universal, comoexplicar a existncia do que contrrio ordem, ou seja, a existncia dadesordem?

    O problema da existncia da desordem s pode ser resolvido se forcolocado em seus devidos termos. Em verdade, ele no passa de umpseudoproblema. um problema fundado num equvoco.

    A desordem no o contrrio da ordem, como se costuma pensar. Ela, isto sim, uma ordem contrria a outra ordem.

    Bergson foi quem revelou a natureza verdadeira da desordem. Foi elequem demonstrou a falsidade com que a questo da desordem geralmenteapresentada (Henri Bergson, A Evoluo Criadora, Captulo III; O Pensa-mento e o Movente, II e III).

    Desordem, disse ele, o nome dado ordem no desejada, no queri-da, no procurada. o nome da ordem que desagrada, desgosta, decepcio-na, prejudica, infelicita, desola. Mas a desordem sempre uma ordem, eis oque precisa ficar bem claro.

    A chamada desordem se pode verificar tanto no mundo da naturezacomo no mundo do comportamento humano.

    No mundo da natureza, a desordem dos elementos sempre uma or-dem produzida por foras fsicas ou qumicas, ou fsico-qumicas, mas or-dem que contraria concepes ou interesses humanos, no sendo, portanto,a ordem desejada pelo ser humano.

    Por exemplo, as desordens orgnicas, as doenas de todas as espcies,so ordens ordens rigorosas de fenmenos, encadeamentos de causas eefeitos, disposies impostas s coisas para os desgnios da natureza. Em-

  • 8bora sejam ordens, recebem o nome de desordens, porque no so ordensconvenientes para fins humanos: produzem sofrimento e tristeza.

    A viso das runas deixadas por um incndio ou por um furaco fazsurgir, no espectador humano, sentimentos de angstia, de aflio, de temorou, ao menos, sensaes de tristeza ou de mal-estar. Ali est, de certo, nadesolao dos escombros, no caos dos destroos, na confuso das coisasdestrudas, uma imagem flagrante da desordem.

    Sucede, porm, que, se o espectador se detiver na meditao sobrequalquer dessas catstrofes, uma evoluo espontnea de seu esprito irtransformando suas impresses, e acabar por fazer pensar que tudo, afinal,naquela cena de tragdia, pode ser explicado pelos fatos que ali acontece-ram. O espetculo aberto diante de seus olhos, responsvel pela referidaimagem da desordem, composto de elementos que so os efeitos certos decausas certas. Estas causas que espalharam as coisas por toda parte e aspuseram nos lugares em que se encontram. Tendo havido tais causas, osefeitos s poderiam mesmo ser aqueles. Cada coisa, portanto, na localidadeflagelada, estar ocupando, aps o sinistro, seu lugar prprio, ou seja, olugar que ela no poderia deixar de ocupar, em virtude do que ali aconteceu.Cada coisa estar em seu preciso lugar, em razo dos antecedentes. As coi-sas foram transportadas por foras naturais e inelutveis, conduzidas paraas situaes em que se acham. Elas foram dispostas pelas energias quemovem a matria, para fins que necessariamente existem, mas que escapamao entendimento humano. Em razo desses fins, todas aquelas coisas estodispostas convenientemente. Esto, pois, em ordem.

    Por que, ento, o ser humano confere a essa ordem o nome de desor-dem?

    A resposta simples. A essa ordem, o ser humano confere o nome dedesordem, porque ela no a ordem que o ser humano deseja, a ordem queo satisfaz. Ela no constitui a ordem que lhe conveniente. Pelo contrrio:ela a ordem que o desgosta e infelicita.

    Exprimindo inconformismo, o ser humano chama de desordem a or-dem que ele encontra, no lugar da ordem que ele quer. Mas o nome que eleconfere disposio das coisas no altera, evidentemente, a realidade obje-tiva. O que ele chama de desordem continua sendo uma ordem.

    Em suma, A DESORDEM A ORDEM QUE NO QUEREMOS.No havendo o referido inconformismo no havendo desgosto,

    contrariedade, prejuzo para o ser humano nenhum fenmeno da nature-za, nem mesmo um cataclismo, receber o nome de desordem. A exploso

  • 9de uma estrela, uma supernova, uma colossal catstrofe nas imensidesdos cus. Mas ningum a chamar de desordem. Por qu? Porque a destrui-o de uma estrela e o lanamento de seus destroos pelo firmamento noafetam interesses humanos. Todos diro, simplesmente, que a supernova sesitua dentro dos planos da natureza e pertence ordem do Universo. E,realmente, estaro certos.

    No mundo do comportamento humano, a desordem ou voluntria ouinvoluntria.

    Pode algum, voluntariamente, produzir a desordem. Pode,deliberadamente, dispor as coisas de maneira inconveniente para outrem,como seria o caso, por exemplo, de quem baralhasse, por malcia, os livrosde uma biblioteca. Essa disposio conveniente para a pessoa que a fez,pois alcana o fim ou objetivo almejado. Que fim, que objetivo ser este? o de criar uma disposio inconveniente para outra pessoa. Para a outrapessoa, a disposio baralhada dos livros uma desordem uma desor-dem produzida intencionalmente por algum. Mas tal disposio, chamadadesordem, no ausncia de ordem, uma vez que ela uma ordemdeliberadamente dada s coisas.

    A desordem voluntria quando a disposio dada s coisas dispo-sio conveniente para a consecuo dos fins de quem a fez deliberadamente,mas inconveniente para a consecuo dos fins de outrem. Enquanto disposi-o conveniente, a disposio ordem; enquanto disposio inconveniente,a disposio desordem.

    evidente que a mesma ordem pode ser ordem e desordem, isto ,pode ser ordem para algum e desordem para outrem; pode ser disposioconveniente para os fins de algum, e disposio inconveniente para os finsde outrem.

    Mas a desordem voluntria nunca exclui a ordem. Pelo contrrio, ela sempre uma ordem, como se acaba de verificar.

    A desordem, no mundo do comportamento humano, pode serinvoluntria. Ela involuntria quando a disposio das coisas dada coma inteno de ser conveniente e, depois, julgada inconveniente. Mas nestecaso, tambm, a desordem no ausncia de ordem. Ela uma ordem, nainteno que a inspirou. Ela , como foi dito, a disposio conveniente se-gundo o julgamento de algum, embora essa disposio possa depois sertida como inconveniente, segundo outro julgamento.

    Incluem-se entre as desordens involuntrias, as desordens resultantesde desmazelo, imprudncia, impercia. O exame de todos esses casos dedesordem leva sempre concluso de que so ordens, como as demais.

  • 10

    Quem joga as coisas, descuidadamente, dentro de uma gaveta, com ointuito de abrir espao sobre a mesa, faz ordem: no ordem na gaveta, masordem sobre a mesa. Na gaveta, note-se, as coisas atulhadas tambm esta-ro em ordem: no, evidentemente, na ordem buscada pelo ser humano,mas na ordem em que as dispuseram as foras da natureza, ao serem lanadaspor mo desleixada.

    Os livros despejados por um caminho sobre um terreno no so umabiblioteca; so um monto de livros. Para quem os quisesse como bibliote-ca, acham-se tais livros na mais completa desordem. Mas para quem quislivrar-se deles, talvez queim-los numa fogueira, os livros se acham conve-nientemente amontoados, isto , acham-se em ordem. A desordem para abiblioteca ordem para a fogueira.

    Uma observao ainda pode ser feita acerca deste ltimo exemplo. Oslivros despejados de qualquer maneira, amontoados em confuso sobre umterreno, caram e deslizaram uns sobre os outros, e se imobilizaram, afinal,em seus respectivos lugares. Submetidos a foras fsicas inelutveis, os li-vros ficaram dispostos numa ordem anloga ordem das runas deixadaspelo furaco.

    Bergson demonstrou que tudo quanto o ser humano chama de desor-dem sempre ordem. Diz o filsofo que a desordem tida como ausncia deordem impossvel, por ser intrinsecamente contraditria. Ela h de ser,forosamente, no a ausncia, mas a presena de uma ordem, embora estaordem desagrade, prejudique, infelicite.

    Na realidade, a ausncia de uma certa ordem no desordem, mas apresena de outra ordem.

    Suprimir uma ordem fazer surgir outra, como sucede quando a or-dem ditada pela vontade substituda pela ordem imposta pelo furaco.Logo, a desordem no existe.

    A desordem no a ausncia da ordem, mas a ausncia de uma certaordem.

    De real, diz Bergson, o que existe a ordem. Nunca se viu a ausnciada ordem, como nunca se viu o nada. Se, na disposio das coisas, no huma vontade humana criando a ordem, porque h determinismo fsico; seno h determinismo fsico, porque h uma vontade humana. Mas, dentroda realidade, a ordem existe sempre: eis o fato.

    A desordem, pois, no pertence realidade. No passa de uma pseudo-idia, de uma iluso.

  • 11

    O que a realidade ensina que tudo quanto se chama desordem com-preende dois elementos, a saber: 1) fora do ser humano, uma ordem existen-te, criada pela vontade humana ou resultante do determinismo fsico; 2)dentro do ser humano, uma representao ou idia de ordem, diferente daprimeira, mas que a que interessa ao prprio ser humano.

    A desordem, portanto, composta de duas ordens: uma, objetiva; ou-tra, subjetiva.

    Eis por que a desordem no pode ser ausncia de ordem. No sendoausncia de ordem, presena de ordem. Logo, a desordem ordem.

    O que faz que, a essa ordem, se confira o nome de desordem o desa-cordo entre a ordem existente na realidade e a idia que o ser humano fazda ordem.

    Por outro lado, jamais se dar ordem o nome de desordem quando aordem real coincide com a idia de ordem. Em cada ser humano, a realida-de ser tida como ordenada na exata medida em que ela corresponde a seupensamento.

    A ordem, pois, para cada ser humano, um certo acordo entre o sujei-to e o objeto. Neste sentido, a ordem e o esprito se encontram com ascoisas.

    Mas, neste sentido, as noes convencionais de ordem e desordem,autolimitando-se, so exclusivamente prticas, a servio da linguagem e daao; so mais nomes do que idias. O ser humano d o nome de desordem ordem que no lhe convm.

    assim que se diz que uma biblioteca est em desordem quando aordem dos livros nas estantes no a ordem que agrada ou que serve a finsestabelecidos.

    assim, igualmente, que os governantes, em regimes de fora e arb-trio, chamam os adversrios da ordem vigente de promotores da desordem,de subversivos ou de demagogos, enquanto estes consideram demagogos,subversivos e partidrios da desordem precisamente aqueles que defendema ordem vigente.

    O nome desordem, cujo uso simplifica a linguagem, no tem, contudo,nenhum emprego na especulao filosfica, porque no significa nada deverdadeiro, no representa coisa alguma, flatus vocis.

    Nada mais preciso acrescentar para deixar demonstrado que tudoest em ordem.

  • 12

  • 13

    CAPTULO II

    CONSIDERAESSUPLEMENTARES SOBREO TEMA DO CAPTULO

    ANTERIOR*

    4. Ordem, estrutura e existnciaO pensamento condio da ordem, como vimos no Captulo anterior.

    Ora, a ordem condio da existncia.No h existncia sem ordem.Todos os seres existentes so estruturas, e as estruturas dependem da

    ordem a que se submetem seus elementos.So estruturas, as galxias e os tomos, as estrelas e as micropar-

    tculas, as molculas e as clulas, as rochas e os vegetais, os animais e oshomens, os tropismos e os instintos, as sensaes e as idias, os juzos eos raciocnios. So estruturas, as ordenaes jurdicas das Naes e dosEstados.

    Na qualidade de estruturas, a existncia de todos os seres depende dadisposio conveniente de seus elementos constitutivos.

    Mas os elementos de cada estrutura mudam sem cessar, porque tudo,

    * Este Captulo um complemento do Captulo anterior. Embora importante, umadendo facultativo no programa dos estudantes de Direito.

  • 14

    no Universo, est em movimento. O movimento uma realidade funda-mental do Mundo: uma realidade indefectvel em todas as coisas.

    Ora, o que se movimenta muda. E o que muda no permanece o mes-mo. Passa a ser diferente. Deixa, portanto, de ser o que era. No mais aquilo que foi. No mais existe como era; torna-se outro (embora no umoutro). E, como outro, tambm no tem tempo de existir, porque, no mo-mento em que comea a existir, j no mais o mesmo, j mudou, passou aser outro. E este outro, igualmente, no instante em que adquire existncia,perde-a, porque j no o que era, mas outro. E este outro, por sua vez, ...

    Em conseqncia (como tem sido assinalado por pensadores diver-sos), nenhum ser individual enquanto elemento determinado, com for-ma estabelecida, ocupando lugar delimitado no espao e durando um cer-to tempo pode ser o que . Ao ser, j no . Nenhum elemento, pois,pode existir.

    Um ser no um ser: um vir-a-ser, dizia Herclito (Aristteles,Metafsica, 1010 a 1013).

    Contudo, admitir que nada existe contrariar a evidncia. Os homensexistem, e uma infinidade de coisas existem nos homens e em torno deles.Parece absolutamente claro que h coisas existindo.

    Que coisas sero estas?Estas coisas s podem ser coisas que permanecem, que perduram. S

    podem ser coisas que no mudam ininterruptamente. Um ser existente ,por fora, um ser que o que , durante certo tempo; um ser que, duranteum certo tempo, no deixa de ser o ser que .

    Uma coisa existe quando ela continua como ela prpria, embora tudose movimente e mude, dentro dela e em volta dela. S existe, em verdade, oque no muda, isto , o que continua, durante um certo tempo.

    A existncia atributo do que perdura e permanece. Ela pressupe aestabilidade.

    Mas, dentro de um Mundo em que tudo muda continuamente, haveralguma realidade que perdure e permanea? Haver alguma realidade es-tvel?

    Sim, h realidades permanentes e estveis. Permanentes e estveis,so as estruturas, que perduram, enquanto se movimentam e mudam oselementos de que elas so feitas.

    A estabilidade da natureza das estruturas.

  • 15

    evidente que a estabilidade das estruturas relativa. As estruturasso estveis, em comparao com os seres de que elas so feitas. So menosinstveis do que esses seres. So estveis somente durante um certo tempo.Mas so tambm instveis, evidentemente, quando consideradas como ele-mentos constituintes das estruturas maiores, de que so partes.

    Estveis, as estruturas renem, num todo duradouro e contnuo, osseres mveis e descontnuos, que elas contm e coordenam. Um tomo uma estrutura, uma armao estvel, dentro da qual se agita uma constela-o de movimentadas micropartculas. Um gro de areia, uma estrela, umvegetal, um homem, uma mulher, uma sensao, uma idia so estruturasestveis, dentro das quais se movem os mais diversos componentes mveis.Um sistema jurdico, por exemplo, uma estrutura uma realidade est-vel , por mais que se promulguem e se revoguem as leis do Pas.

    Note-se, porm, que a estabilidade da estrutura depende do equilbriode foras e da harmonia de movimentos dos elementos que as constituem.A inexistncia de equilbrio e de harmonia implica inexistncia de estabili-dade e, por conseguinte, inexistncia de estrutura. Para que a estrutura per-dure e, portanto, exista , preciso que tudo nela se sujeite a umaordem global. Isto significa, em suma, que as estruturas dependem da exataquantificao de seus elementos componentes e dos movimentos que osanimam. Por esse motivo, os elementos de uma estrutura e seus respectivosmovimentos so qunticos, isto , so quantificados, em razo da naturezada prpria estrutura.

    Uma alterao substancial na quantidade numrica e dinmica desseselementos causa de inevitvel destruio da estrutura, ou de sua substitui-o por estrutura nova, de outra qualidade.

    Sob a presso insustentvel de mudanas quantitativas uma estruturapode acabar por ceder, pode romper-se, dando ensejo constituio de ou-tra estrutura, de uma estrutura de qualidade nova, na qual o equilbrio e aharmonia entre os elementos se realiza em consonncia com um diferentesistema de quantidades.

    Mas, desde o momento em que a estrutura se constitui, at o momentoem que destruda ou transformada, ela tem um tempo de equilbrio deforas e de harmonia de movimentos, mantidos pelos elementos que a cons-tituem. Durante esse tempo, a estrutura permanece e perdura: estvel.Mas somente a estrutura estvel; nada mais o .

    Tal o motivo pelo qual, dentro da movimentao csmica, a existn-cia conotao exclusiva das estruturas.

  • 16

    Algum ser existe? Sim, certamente: seres existem. Existindo, consti-tuem estruturas.

    Insistimos: o que realmente existe so as armaes, as estruturas deseres, e no, propriamente, os seres de que as armaes ou estruturas secompem a no ser que se considerem estes seres tambm como arma-es, como estruturas, uma vez que so, de fato, armaes ou estruturas deoutros seres, conjuntos ordenados dos seres que os constituem.

    E as qualidades de cada ser (inclusive as mais requintadas, como, porexemplo, a qualidade da vida) dependem de suas prprias estruturas e dasestruturas dos seres que o compem; e as qualidades destes dependem, porsua vez, de suas prprias estruturas e das estruturas dos que os compem; eas destes, tambm, de suas prprias estruturas e das estruturas dos que oscompem; e assim por diante, at as qualidades do ser que seja o primeiro,ou at o mistrio que habita, e se esconde, por detrs do infinito...

    Toda existncia existncia dos vivos e dos no vivos; existncia dohomem, do vegetal, do mineral tem por condio a estrutura. Isto signi-fica que todo ser existente resulta da disposio certa dos seres de que ele feito.

    Como se v, a ordem (disposio certa) e a estrutura so condies detudo no Universo.

  • 17

    CAPTULO III

    QUE A NORMALIDADE?QUE UMA NORMA?

    5. O normal e o anormalA concluso a que chegamos no Captulo I a de que tudo est em

    ordem no deve gerar a convico de que tudo normal. A ordem no seconfunde com a normalidade. Ordens existem que no so normais.

    O adjetivo normal designa, fundamentalmente, a qualidade do que conforme regra. Designa a qualidade do que prprio de muitos. Designa ocarretar comum ou usual de um estado, de uma atividade ou de uma rota.

    Estado normal e procedimento normal so modos de ser e de atuar deacordo com o que regular e coerente, em consonncia com padres esta-belecidos e modelos assentes. estado e procedimento no excepcionais.

    Ora, um procedimento ou estado, no mundo do comportamento hu-mano no chamado mundo tico s se torna usual, ou tido comocomum, se estiver coadunado com o sistema dominante de concepes so-bre o que permitido e proibido, ou sobre o que deve e no deve ser feito ouestabelecido. No outro mundo no chamado mundo fsico um procedi-mento ou estado s tido como usual ou comum se acontece necessaria-mente, isto , se o procedimento ou estado no pode deixar de ser, ou nopode ser seno o que .

    Normal, no mundo tico, a qualidade do procedimento ou do estadono extravagante, no contrrio s referidas concepes dominantes; ou seja,a qualidade do procedimento ou estado que se coaduna com os padres e

  • 18

    modelos assentados. No mundo fsico, normal a qualidade do que con-siderado conforme com as convices humanas, no mbito das Cincias daNatureza.

    No se harmonizando com o sistema dominante de concepes e convic-es, os procedimentos ou estados os movimentos e os modos-de-ser ,nos dois mundos, no tm possibilidade de ser tidos como usuais e comuns.Inusitados e, portanto, excepcionais, tais procedimentos ou estados, tais mo-vimentos e modos-de-ser sero sempre considerados anormais.

    Anormal a qualidade do que no se conforma com a regra. a quali-dade do inslito, do incongruente com as referidas concepes e convic-es; do incompatvel com o que se acha firmado e estabelecido como pa-dro e modelo de atuao e de modo-de-ser, ou colidente com as convic-es e certezas cientficas sobre os movimentos e rotas em geral.

    normal, por exemplo, o zelo dos pais pelos filhos; e anormal, oabandono dos filhos pelos pais. Um organismo saudvel organismo emestado normal; mas o organismo enfermo ou deficiente organismo consi-derado anormal. A trajetria da luz de uma estrela tida como trajetrianormal quando essa luz se locomove de acordo com as projees dos cien-tistas; mas ela considerada anormal quando a luz, por algum motivo ex-traordinrio e desconhecido, se desloca de maneira imprevista.

    A ordem, tambm, pode ser normal ou anormal. So normais, as or-dens ajustadas a padres e modelos assentes, condizentes com as concep-es dominantes sobre o que deve ou no deve ser feito. Mas so anormais,as ordens que conflitam com persuases generalizadas, ou com aspiraescomuns.

    No so normais, por exemplo, as ordens polticas impostas discricio-nariamente, em conflito com o sentimento da coletividade, e com o sistemaconstitucional almejado pelos representantes do Povo. Notemos, desde j,que tais ordens, sendo discricionrias e anormais, so ilegtimas, como va-mos ver.

    Por extenso, qualificam-se, tambm, de normais e anormais, os pr-prios agentes cujo modo de ser ou de proceder normal ou anormal. Nestesentido que se diz pessoa normal, pessoa anormal.

    Observemos, finalmente, que o normal e o anormal no podem serconsiderados como qualidades absolutas. O normal normal relativamenteao sistema de convices tido como dominante; mas o anormal , muitasvezes, normal, relativamente a um sistema de convices que hoje aindano o sistema dominante, mas que amanh poder vir a s-lo.

  • 19

    6. Normalidade e anormalidadeD-se o nome de normalidade ao estado (a maneira de ser estvel) que

    se caracteriza pela predominncia de procedimentos normais. Estado de nor-malidade o estado do corpo ou da mente, de uma clula ou de um organismopluricelular, de um grupo social ou de uma Nao, em que os procedimentosno contrariam as concepes e convices dominantes, sobre como as coisasdevem ser ou podem ser, ou sobre como as coisas so necessariamente.

    Por outro lado, o nome de anormalidade dado, primordialmente, aoprocedimento que fere a normalidade, isto , ao procedimento incompatvelcom as concepes e convices dominantes.

    Cumpre observar que a anormalidade se define por oposio nor-malidade, enquanto a normalidade se define pela sua conformidade com asconcepes e convices vigentes e predominantes.

    A normalidade essa conformidade. A anormalidade a violao danormalidade.

    Notemos, porm, que a normalidade no a violao da anormalidade.O estado de anormalidade no se define pela sua conformidade com

    quaisquer concepes, mas pela sua inconformidade com as concepes econvices generalizadas. A conformidade das anormalidades com esta ouaquela concepo ou convico no o que importa para que um procedi-mento seja tido como uma anormalidade, e para que um estado seja tidocomo um estado de anormalidade. O que importa, para a caracterizao daanormalidade, sua oposio normalidade.

    A anormalidade sempre uma excepcionalidade. O anormal sempreexcepcional.

    Mas preciso no esquecer que os conceitos de normalidade e deanormalidade so sempre relativos, pois dependem do sistema de convic-es tido como dominante. A anormalidade de hoje talvez seja a normalida-de de amanh.

    A normalidade e a anormalidade s se podem definir luz de umaordenao dada.

    7. As anormalidades no mundo fsico eno mundo tico

    No mundo fsico, as anormalidades podem surgir em objetos projetadose construdos pelo ser humano, como, por exemplo, as que se manifestam em

  • 20

    mquina defeituosa; e podem tambm surgir em objetos da natureza, existentessem ingerncia deliberada e voluntria do ser humano, como, por exemplo, aanormalidade consistente no desvio inslito da trajetria da luz de uma estrela,e a consistente na doena, deficincia ou deformidade de um organismo vivo.

    Nos objetos projetados e construdos pelo ser humano, as anormalida-des so susceptveis de ser abolidas, pela supresso dos defeitos, existentesno projeto ou na construo.

    Nos objetos da natureza, as anormalidades so apenas aparentes. Defato, tais anormalidades so apenas aparentes porque elas se transmudamem procedimentos normais no momento em que suas causas so descober-tas, e em que deixam, por conseguinte, de constituir um enigma. Assim, porexemplo, o desvio inslito da trajetria da luz de uma estrela deixou de seruma anormalidade no momento em que Einstein descobriu que a energialuminosa feita de corpsculos discretos (ftons), dotados de massa e,portanto, sujeitos atrao da matria, de acordo com o descrito na lei dagravidade. O desvio daquela trajetria no mais considerado inslito, por-que hoje se sabe que o desvio determinado pela atrao da luz da estrelapela matria de outra estrela.

    O vo do besouro era anormal, enquanto constituiu um desmentido aaerodinmica, uma violao da natureza; enquanto se pensou que as fr-geis asas dos colepteros no tinham envergadura e potncia para erguer noespao corpo de tal peso. Mas passou a ser fato normal no dia em que semediu a energia produzida pela mitocondria nas clulas musculares da-quelas asas.

    So apenas aparentes, as anormalidades que contrariam errneas con-cepes cientficas, pois passam a ser consideradas procedimentos normais,no momento em que tais concepes so substitudas por outras, geradas luz das realidades observadas.

    Nos caso das doenas, deficincias e deformidades dos seres huma-nos, estes fenmenos so recebidos como anormalidades porque afligem einfelicitam mas no so anormalidades na sucesso de causas e efeitos,dentro da ordem fsica e infrangvel da matria.

    No mundo tico, porm, as anormalidades tm carter diferente.Nesse mundo, que o mundo do comportamento deliberado e volun-

    trio do ser humano, as anormalidades so procedimentos que contrariam,como j dissemos, as convices dominantes sobre o que pode ou deve serfeito e sobre o que no pode ou no deve ser feito. So procedimentos queno se harmonizam com a ordem tica vigente.

  • 21

    8. Noo de NORMA e de ORDENAO NORMATIVAChamam-se normas, AS CONVICES, CONCEPES OU PRIN-

    CPIOS, EM RAZO DOS QUAIS UM PROCEDIMENTO OU ESTADO TIDO COMO NORMAL OU ANORMAL. Logo, as normas so expressesmentais, juzos ou proposies, de como procedimentos ou estados costu-mam ser, podem ou no podem ser, devem ou no devem ser, sempre quedadas circunstncias se verifiquem.

    As normas so concepes ideais de procedimentos e de estados usuaise comuns, ou de procedimentos e estados que seres humanos querem quesejam usuais e comuns.

    bvio que toda norma, sendo princpio da normalidade, sempre seinclui dentro de um sistema tico, ou seja, de um sistema de convicessobre o normal e o anormal.

    Um tal sistema o que se chama ordenao normativa.Uma ordenao normativa um CONJUNTO ARTICULADO DE

    DISPOSIES, PARA A ORIENTAO DO COMPORTAMENTO, SE-GUNDO O QUE TIDO, DENTRO DE UMA COMUNIDADE, COMOBOM E MAU, CONVENIENTE E INCONVENIENTE, TIL E PREJUDI-CIAL, BELO E FEIO. , em sntese, um conjunto de mandamentos decor-rentes dos valores de uma comunidade. Repetimos: um sistema tico. um sistema de regras para o comportamento humano.

    Uma tal ordenao pode existir em muitos nveis e nos mais diversossetores de atividade.

    So ordenaes normativas as que se exprimem, por exemplo, nasTbuas da Lei e nos cdigos da moral; nas Constituies e na legislaodos Estados; nos contratos e estatutos fundados nas leis; nos complexos depraxes inveteradas e nos cdigos de honra. So tambm ordenaesnormativas, por exemplo, os regimes consuetudinrios de boas maneirase da chamada boa educao; os regulamentos dos jogos, os conjuntosharmnicos dos preceitos da moda e dos usos folclricos; os receituriosdas cozinhas tpicas.

    Pois bem, chamam-se normas, os mandamentos constitutivos de orde-naes normativas, seja qual for a coletividade e o nvel social em quesurgiram, ou o setor de atividade em que imperam. So normas, os manda-mentos coadunados com um sistema tico vigente.

    Tanto so normas os mandamentos de um Cdigo Civil como as pra-xes de uma favela. Tanto so normas as determinaes de um regulamentomilitar como os rituais do jogo de croqu.

  • 22

    Mas no so normas, os mandamentos isolados, desligados do siste-ma de convices vigente numa coletividade, sobre o que normal e o que anormal. No so normas, os mandamentos avulsos, no harmonizadoscom uma ordenao normativa estabelecida. E no o so porque tais man-damentos no se conciliam com o que considerado a normalidade. No norma, o que no se coaduna com a normalidade.

    Do que acabamos de explicar, inferimos que as normas so formula-es de modelos ou padres, e constituem critrios de referncia, para juzosde valor sobre os procedimentos e estados efetivos, ou seja, sobre os movi-mentos e as obras efetivamente executados, e sobre os estados em que osagentes efetivamente se encontram. Com fundamento nas normas, os pro-cedimentos e estados efetivos so julgados normais ou anormais.

    Por serem critrios de referncia para a discriminao entre o normale o anormal, entre o slito e o inslito, entre o aprovado e o reprovado, asnormas formam, no mundo tico, sistemas disciplinadores do comporta-mento. Pois, no podem deixar de redundar em sistemas disciplinadores,todos os sistemas de convices sobre o normal e o anormal, no comporta-mento humano.

    De fato, no mundo tico, as normas adquirem a natureza de manda-mentos. Nesse mundo, as normas no so descritivas, no descrevem o com-portamento efetivo. Elas so indicativas, prescritivas, porque indicam eprescrevem o comportamento considerado como a conduta correta. So pres-cries de como deve o ser humano se conduzir, em razo do que a coletivi-dade considera bom, belo, til ou conveniente. Por conseguinte, no mundotico, todas as normas tm carter imperativo.

    No o que acontece no mundo fsico. Neste outro mundo, as normasno so mandamentos. Alis, no mesmo da competncia humana ditarmandamentos para movimentos e estados cujas formas no dependem dadeliberao humana. Por exemplo, no depende de deliberao humana quea energia existente numa unidade de massa seja igual a essa massa multipli-cada pelo quadrado da velocidade da luz.

    As normas fsicas tambm so convices. Mas so convices de comoas coisas fsicas so, de fato, e de como elas, de fato, se movimentam.

    As normas ticas so normas do dever, do dever-ser. As normas fsicasso normas do ser.

    As normas ticas tm, invariavelmente, esta estrutura: Se A , B deve ser.As normas fsicas tm, invariavelmente, esta outra estrutura: Se A , B .

  • 23

    9. Diferena entre NORMA e MANDAMENTOCumpre observar que todas as normas ticas so mandamentos, mas

    que muitos mandamentos no so normas. bvio que somente so normas, no mundo tico, os mandamentos

    que prescrevem comportamentos normais, isto , comportamentos confor-mes com a normalidade ambiente. Somente so normas ticas, os manda-mentos de ordenaes normativas, como j foi explicado.

    No so normas, portanto, os mandamentos desligados de uma ordena-o, ou contrrios ao sistema tico vigente. Um mandamento isolado no nunca uma norma. No nunca uma norma, o mandamento avulso, desco-nexado, adiforo ante a normalidade estabelecida, ou em conflito com ela.

    Tais mandamentos so imperativos no normativos. So imperativos,sim, mas no so normas.

    Alguns exemplos tornaro claras estas asseres.Numa sociedade de formao crist, na qual as conscincias se edu-

    cam em consonncia com uma ordenao religiosa, constitui norma, o se-guinte mandamento: Ama a Deus sobre todas as coisas. Mas este man-damento no norma numa sociedade em que as conscincias se sujeitam auma ordenao inspirada na tese de que a religio o pio do Povo.Numa tal sociedade, o referido mandamento no norma, porque contrariaa normalidade nela vigente; contraria o sistema vigente de idias norteadorasdo comportamento. Poder continuar sendo mandamento, mas um manda-mento que no norma.

    Em muitos pases, a ordenao moral promove a normas os manda-mentos fundados no princpio de que a famlia deve ser monogmica. Essesmandamentos, porm, no so normas em outros pases, nos quais a orde-nao moral no se ope poligamia.

    De acordo com as ordenaes de certos povos, a mulher serva de seumarido. Em conseqncia, os mandamentos decorrentes desse princpio sopromovidos a normas. Em outros povos, porm, nos quais a ordenao vi-gente acolhe o princpio da igualdade das pessoas, em igualdade de situa-es, os referidos mandamentos no so normas. Nestes pases, passam aser normas, os mandamentos que tendem a equiparar os direitos e obriga-es da mulher aos direitos e obrigaes do marido.

    Quando a escravido admitida pelos usos e costumes, e permitidapela legislao, so normas os mandamentos que implicam, para o escravo,a permanncia em estado de servido por toda a vida, ou at o momento em

  • 24

    que a vontade de seu senhor, manifestada em carta de alforria, lhe concedaa graa da liberdade. Quando, porm, os princpios do trabalho livre e dadignidade humana do trabalhador se acham includos na ordenao norma-tiva, so normas os mandamentos que os tornam eficazes, como, por exem-plo, o dispositivo legal que fixa penas para os autores de atentados contra aliberdade de trabalho, e o que estabelece que o contrato de trabalho porprazo determinado no pode estipular prazo superior ao que a lei prefixa.

    A cozinha francesa e seu competente servio de mesa obedecem arigorosas receitas e determinaes, ou seja, dirigem-se por mandamentosque constituem as normas prprias dessa cozinha e desse servio, normasestas que formam um completo sistema, uma ordenao normativa de umaescola culinria. Mas muitos desses mandamentos no so normas para acozinha chinesa e para o servio de mesa na China, porque no se identifi-cam nem se harmonizam com os preceitos que formam a ordenao norma-tiva desta outra escola.

    Dentro de uma sociedade de malfeitores, so tidos como normas, pe-los delinqentes, os mandamentos da ordenao a que eles se dispuseramsubmeter. Mas tais mandamentos somente so normas dentro da referidasociedade. Ante a ordenao do Estado, em cujo territrio a sociedade demalfeitores se organizou, muitos desses mandamentos no so normas, evi-dentemente, mas preceitos contrrios normalidade.

    Em verdade, as normas ticas, de qualquer espcie, so os mandamen-tos constitutivos de uma ordenao vigente, num determinado meio ou numdeterminado setor de atividade. So as frmulas pelas quais se exprimem osimperativos da ordenao de uma coletividade, e segundo as quais os pro-cedimentos efetivos so julgados.

    Toda norma tica , de fato, um imperativo. Mas no um imperativoqualquer. o imperativo de uma normalidade, como dissemos. Ela consti-tui um critrio de referncia para juzos de valor.

    Cumpre aditar que nem sempre uma ordenao vigente ordenaonormal. No normal, por exemplo, a ordenao imposta discricionaria-mente por um Governo arbitrrio, com violao da normalidade constitucio-nal de um Pas. Uma tal ordenao, incongruente com o sistema dominantede concepes, inslita e extravagante. , em seu conjunto, uma anorma-lidade. Em conseqncia, seus mandamentos, embora integrantes de umaordenao vigente, no so normas, porque so violaes do que normal.

    Para que um mandamento seja norma, no basta, portanto, que ele sejaelemento de uma ordenao vigente. preciso que ele seja elemento de

  • 25

    uma ordenao normal, isto , de uma ordenao que esteja harmonizadacom o sistema de concepes dominantes numa coletividade. preciso, emsuma, que o mandamento se enquadre numa ordenao legtima.

    10. Diviso dos mandamentos vista do exposto, dividem-se os mandamentos em duas espcies. A

    primeira a dos mandamentos normativos, que se chamam normas. A se-gunda a dos mandamentos no normativos.

    Uma fundamental diferena existe entre as duas espcies.Os mandamentos normativos ou normas so imperativos de ordenaes

    condizentes com as convices generalizadas da coletividade, sobre o que bom e mau, conveniente e inconveniente, til e prejudicial, belo e feio. Soimperativos do usual e comum, ou do que a coletividade quer que seja usual ecomum. So imperativos harmonizados com o sistema tico vigente.

    Os mandamentos no normativos so imperativos avulsos, incon-gruentes com as ordenaes da coletividade, ou so imperativos de ordena-es conflitantes com as convices generalizadas, sobre fins a ser atingi-dos e sobre os meios a ser empregados na procura de tais fins. So impera-tivos no harmonizados com o sistema tico vigente.

    Esta diviso dos mandamentos tem grande importncia para o perfeitoentendimento da definio da norma jurdica, da norma de direito, comovamos ver no Captulo X deste livro.

    11. A natureza condicional das normasAs normas resultam de uma complexa operao, pela qual a inteligncia

    confronta fatos da vida com uma tbua de ideais, acerca de como deve ser ocomportamento humano. Resultam do julgamento dos fatos, luz de um cer-to sistema de convices j assentadas, sobre o que normal e o que anor-mal, sobre o que bom e o que mau, o que til e o que prejudicial, o que belo e o que feio. Resultam, enfim, de um juzo sobre os fatos, em razo deuma ordenao tica j aceita, de uma tbua de valores j constituda, ordena-o ou tbua que funciona como sistema axiolgico de referncia* .

    * Axiologia: do grego, axia = valor, logos = cincia. Sistema axiolgico de referncia= sistema dos bens ticos da vida humana; sistema de valores, adotado por uma coletivi-dade, para orientao do comportamento.

  • 26

    Toda norma repousa em trs elementos entrosados: fato, sistemaaxiolgico de referncia, juzo.

    A norma no uma inveno, mas uma descoberta. Para cada circuns-tncia da vida social, a inteligncia descobre as interaes humanas consi-deradas necessrias ou benficas. Ela descobre as reaes que devem serexigidas ou permitidas, assim como as que devem ser proibidas, tudo emconformidade com um sistema de convices adrede estabelecido.

    Em conseqncia de tal descoberta, a inteligncia formula as normascorrespondentes.

    O que importante assinalar que a norma est sempre ligada aosfatos reais que a fizeram surgir. Efetivamente, toda norma relativa cir-cunstncia para a qual ela destinada. Verificada a circunstncia, ela vigorae atua. Mas no tem atuao fora dessa circunstncia.

    Por este motivo, toda norma tem estrutura hipottica. O que ela pre-ceitua vale somente na hiptese de ocorrer o tipo de fato que determina seunascimento e elaborao.

    Por fora de sua natureza, a norma no se compadece com as proposi-es simples ou categricas, e exige, para a sua perfeita formulao, propo-sies complexas e hipotticas, como explicaremos no 12.

    bvio que as normas assumem um grande nmero de formas dife-rentes. Mas, seja qual for sua forma verbal, o mandamento da norma sem-pre condicional ou hipottico, porque a norma s se aplica, e s impera, nacondio ou na hiptese de se verificar a espcie de fato para cuja regula-mentao ela existe.

    Este o motivo pelo qual o mandamento da norma tica apresenta sem-pre uma estrutura que se reduz ao j mencionado esquema: Se A , B deve ser.

    Os mandamentos com tal estrutura so os imperativos que a Lgica cha-ma de juzos hipotticos do tipo condicional, como veremos no seguinte.

    12. Os imperativos considerados como juzoshipotticos do tipo condicional*

    Sendo mandamentos para o comportamento humano, as normas ex-primem juzos de dever (veja 8).

    * A matria exposta neste revela a natureza da norma tica e, por conseguinte,exibe um dos elementos essenciais da norma jurdica, de que trataremos na 2 Parte destelivro. matria prpria da Lgica, mas que merece a ateno dos estudantes da Cincia doDireito.

  • 27

    Para o perfeito entendimento dessa concluso, convm lembrar o quea Lgica ensina sobre os juzos em geral.

    Um juzo ou julgamento o ato pelo qual a inteligncia aceita (afirma)ou rejeita (nega) uma idia de outra idia.

    a aceitao, ou no, de que uma idia convm a outra.So exemplos de juzos: O todo maior do que a parte, Esta flor

    vermelha, O vegetal no um ser racional.O juzo se efetua em trs fases.Na primeira fase, a inteligncia aproxima duas idias; relaciona-as,

    isto , afirma ou nega uma da outra, produzindo uma construo sobre aqual a inteligncia ainda no se manifestou. Tal construo matria apta aser julgada, objeto projetado de um juzo, como diz Leonardo Van Acker(Introduo Filosofia Lgica, Lgica formal, Captulo II, art. I). Emsua expresso verbal, ela constitui o que se chama proposio simplesmen-te enunciativa.

    incontestvel que, antes do ato prprio de julgar, existe, no esprito,a mencionada construo, que no passa de um simples enunciado mental,isto , de um objeto ou matria que no recebeu, ainda, o assentimento dainteligncia. H como que uma pergunta, espera de uma resposta. Antesde dar assentimento a uma afirmao ou a uma negao, a inteligncia pro-cura certificar-se de que essa afirmao ou negao corresponde realidadeapresentada. Durante o prazo empregado em tal procura, a dvida impera,no h julgamento, embora j exista matria a julgar, objeto de um juzoprojetado.

    Na segunda fase, a inteligncia compara o simples enunciado mentalcom a realidade apresentada. Tal comparao visa verificar se o enunciadoproposto reflete a realidade das coisas, isto , se as duas idias, que a inteli-gncia aproximou, convm ou no, uma outra.

    Se a inteligncia se convence de que h conformidade entre o enunciadomental e aquilo que lhe apresentado, ento, numa terceira fase, d-lhe suaadeso. No momento desta adeso, o simples enunciado mental deixa de sersimplesmente enunciativo, porque alm de enunciativo, passa a ser judicativo,passa a ser propriamente um juzo, o produto de um julgamento. Em suaexpresso verbal, o juzo constitui o que se chama proposio judicativa.

    Diga-se, a bem da clareza, que a proposio judicativa a prpriaproposio enunciativa, com uma diferena essencial: no a proposiosimplesmente enunciativa, e sim a proposio enunciativa julgada.

  • 28

    Pelo juzo, a inteligncia v o que uma coisa , segundo seu sistema dereferncia. O juzo completa a apreenso do objeto. Em conseqncia, ojuzo o coroamento do conhecimento intelectual, o termo final do proces-so de conhecer.

    Os juzos se dividem em quatro espcies, a saber: 1) juzos de ser; 2)juzos de modos de ser; 3) juzos de valor; 4) juzos de dever.

    Chamam-se juzos de ser, os juzos sobre a existncia e a essncia dosobjetos a que esses juzos se referem (ou, mais precisamente: sobre a exis-tncia e a essncia de seus respectivos sujeitos). Estes juzos tambm sochamados juzos de determinao essencial. Exemplos: O homem umser dotado de inteligncia; A idia o abstrato do individual sensvel,sem elementos individuais sensveis.

    Chamam-se juzos de modo ou juzos de modos de ser, os juzos relati-vos s determinaes no essenciais dos objetos a que esses juzos se refe-rem. Exemplos: O homem bpede, Pedro estudioso.

    Chamam-se juzos de valor, os juzos sobre o valor dos objetos a quese referem.

    Observemos que, no juzo de valor, uma idia de medida, de quantida-de, de importncia atribuda a alguma outra idia.

    O juzo de valor o juzo que, de certa forma, situa um fato ou umacoisa numa escala hierrquica de coisas ou fatos. a afirmao de que umacoisa ou um fato, apreciado luz de um sistema de referncia, considera-do mais, ou considerado menos do que outro fato ou coisa, ou conside-rado igual a outro fato ou coisa.

    So exemplos de juzos de valor os seguintes: A cincia mais alta overdadeiro conhecimento de si mesmo; Mais alegria causar a purezade uma boa conscincia do que a douta Filosofia; Grande sabedoria no se aferrar ao prprio parecer; Mais vale a paz de esprito do que asatisfao de um desejo desonesto; A caridade mais meritria do que ajustia, mas a justia mais urgente do que a caridade.

    Chamam-se juzos de dever (ou juzos ticos), os juzos indicativos decomo deve o homem agir. Os juzos de dever so mandamentos para o com-portamento humano, em razo de anteriores juzos de valor. Exemplos:Conhece-te a ti mesmo; Antes conserves a pureza de uma boa consci-ncia do que te orgulhes com a douta Filosofia; No te aferres a teuprprio parecer; No permitas que a vida emudea teu sonho; Secausares dano ilegal a outrem, deves reparar o prejuzo; Se encontrares

  • 29

    coisa que no te pertence, deves restitu-la ao dono; Primeiro, fazer jus-tia; depois, caridade.

    Como se v, os juzos de dever no so juzos sobre o valor das coisas,mas sobre como deve o homem agir para alcanar bens a que ele atribuiuvalor, ou seja, bens que foram objeto de prvios juzos de valor.

    Antes de caracterizar, especificamente, os juzos de dever, cumpre di-zer que os juzos em geral ou so simples ou so complexos. Os juzossimples so feitos sem subordinao a outros juzos. Os complexos, em fun-o de juzos j feitos.

    Nos primeiros, nada mais h do que um termo ligado a outro, porafirmao ou por negao, como no seguinte exemplo: Os homens somortais.

    Nos segundos, alm da afirmao ou negao, prprias de todos osjuzos, existe sempre a expresso de uma hiptese, cuja verificao supos-ta pela afirmao ou negao, como no seguinte exemplo: A gua entraem ebulio, se sua temperatura atingir 100.

    Os juzos simples so chamados juzos atributivos ou categricos. Osjuzos complexos so chamados juzos supositivos ou hipotticos.

    Ora, os juzos de dever ou juzos normativos so necessariamente juzoscomplexos, porque o juzo, que constitui o mandamento, depende da verifi-cao de hiptese expressa num juzo conexo.

    Em conseqncia, o juzo de dever sempre uma proposio hipotti-ca, embora possa, s vezes, tomar a forma aparente de uma proposioatributiva ou categrica.

    De fato, o juzo de dever h de ser sempre uma proposio hipottica,porque o dever nunca absoluto. Ele sempre relativo a determinada cir-cunstncia: Isto deve ser, se aquilo for, ou, mais esquematicamente: SeA , B deve ser.

    Examine-se um exemplo prtico. Somos informados de um fato, quese exprime na seguinte proposio: Fulano causou dano a Beltrano. luz de um sistema de referncia, adrede estabelecido, nosso esprito julga ofato e o reprova. Deste juzo, vai surgir, mediata ou imediatamente, a nor-ma, que se exprimir na seguinte proposio: Quem causa dano a outrem,deve indenizar.

    Esse mandamento no , evidentemente, um juzo categrico. Devido sua natureza, um juzo hipottico. No exprime um imperativo absoluto. um mandamento condicionado.

  • 30

    Podemos aprofundar a anlise dos juzos hipotticos.No juzo hipottico, a verificao da hiptese no sempre a nica

    alternativa necessria, oposta ao que afirmado ou negado. Veja-se o quesucede no seguinte exemplo: Ningum , simultaneamente, discpulo emestre (algum, na hiptese de ser discpulo, no simultaneamente mes-tre; mas poder algum no ser mestre e, mesmo assim, no ser discpulo).Tal juzo hipottico chamado conjuntivo.

    Pode, tambm, a verificao da hiptese ser a nica alternativa neces-sria, oposta ao que afirmado ou negado, como no seguinte exemplo: Ouhaver uma autoridade, ou haver desordem. Tal juzo hipottico cha-mado disjuntivo.

    Finalmente, pode a verificao da hiptese ser condio do que afir-mado ou negado, como no exemplo citado: Se algum causar dano, deveindenizar. Tal juzo hipottico chamado condicional.

    De que tipo de juzo hipottico so os juzos de dever, os imperativosdo comportamento humano, as normas ticas?

    O dever, repita-se, nunca absoluto: ele se impe na condio de severificar determinada hiptese. Logo, os juzos de dever, os imperativos emgeral, as normas ticas, no podem deixar de ser JUZOS HIPOTTICOSDO TIPO CONDICIONAL.

  • 31

    CAPTULO IV

    QUE UMA LEI?

    13. A definio genrica de LEIOrdens existem que no so normais, como j vimos. Mas todas as

    ordens, normais e anormais, pressupem um pensamento, uma idia, quelhes anterior, conforme foi explicado no 2. Toda ordem efetiva a reali-zao concreta de uma idia de ordem, de uma ordem ideal. Ora, toda idia abstrata: um conhecimento intelectual abstrado de conhecimentos sen-sveis. Toda ordem, pois, decorre de um princpio abstrato.

    Que nome genrico possuem os princpios abstratos de que,indiscriminadamente, todas as ordens dependem?

    Sendo preciso, para a verificao da ordem, que a disposio das coi-sas seja conveniente, claro que tal disposio h de se fazer segundo crit-rios adrede assentados, ou seja, segundo princpios abstratos ou preceitosj estabelecidos.

    Estes princpios ou preceitos (ou receitas) constituem as frmulassegundo as quais os seres so dispostos, ou devem ser dispostos, para que aordem exista. So as formas abstratas, segundo as quais se realiza, em cadacaso concreto, a unidade do mltiplo (veja 1).

    Tais preceitos tm um nome genrico: chamam-se leis.Uma lei, em verdade, a FRMULA DA DISPOSIO CONVE-

    NIENTE DE SERES, PARA A CONSECUO DE UM FIM COMUM.Quando o farmacutico rene e combina substncias diferentes na pre-

    parao de um determinado produto, ele obedece a uma frmula. A quefrmula? frmula desse produto. Tal frmula uma lei, porque ela a

  • 32

    expresso de como as substncias devem ser dispostas para que o produtoseja confeccionado.

    Uma lei de trnsito uma frmula. a frmula da movimentaoconveniente dos veculos e dos pedestres nas ruas, com o fim de evitar coli-ses e estrangulamento de trfego.

    Uma lei comercial uma frmula para a constituio conveniente desociedades mercantis, ou para regular, convenientemente, a transfernciade mercadorias das mos de quem as oferece para as mos de quem asprocura, por intermdio do comerciante.

    Ora, como foi dito, a disposio conveniente de seres o que se chamaordem.

    Logo, a lei se define: FRMULA DA ORDEM.Esta definio absolutamente genrica. Ela se aplica a todas as esp-

    cies de leis: tanto s leis ticas como s leis fsicas. bvio que cada esp-cie exige definio distintiva. Por exemplo, as leis jurdicas, que tambmso frmulas da ordem, tm a sua prpria definio especfica, como vere-mos adiante (nos Captulos V e X).

    Como frmulas, as leis so idias. A lei sempre uma idia de ordem.Ela uma frmula mental, elaborada por alguma inteligncia, para a conve-niente disposio de coisas, a fim de produzir um efeito preconizado. Todalei o plano concebido do que vai ou deve acontecer.

    Primordialmente, toda lei um pensamento (veja 2). Depois, elapode ser manifestada num texto escrito ou falado. De qualquer maneira, alei precede a ordem. Precede-a cronologicamente. A lei existe antes dosurgimento da ordem.

    bvio que, uma vez estabelecida a ordem, ordem e lei existemconcomitantemente.

    Das leis, todas as ordens dependem tanto as ordens normais comoas anormais. Das normas, porm, dependem somente as ordens condizen-tes com o usual e comum, as ordens conformes com as concepes genera-lizadas, isto , as ordens normais.

    H leis, portanto, que no so normas. Em rigor, no deveriam sertidas como normas as leis que sejam mandamentos de comportamentosanormais (veja 8 e 9).

    Dividem-se as leis em dois gneros: no gnero das leis ticas e nognero das leis fsicas, como se vai ver nos dois seguintes.

  • 33

    14. As leis ticasA palavra TICO derivada dos termos gregos the e ethiks, que

    significavam costumes (usos). Na linguagem moderna, o adjetivo tico de-signa a qualidade de ser concernente s atividades prprias do ser humano,ou seja, a seus atos deliberados e voluntrios.

    Ao mundo tico, portanto, pertencem todos os comportamentos vo-luntrios do ser humano tanto os comportamentos bons como os com-portamentos maus.

    As leis ticas so frmulas elaboradas pelo ser humano, para ordenaro seu comportamento. Por exemplo, so leis ticas, as seguintes frmulas:Ama teu semelhante como a ti mesmo; Aquele que causar prejuzo ile-gal a outrem fica obrigado a reparar o dano.

    Diferentes das leis fsicas, as leis ticas no revelam o ser das coisas,mas o que as coisas devem-ser. So enunciados do dever-ser (frmulas dodever-ser).

    Sua estrutura a do seguinte esquema: Se A , B deve ser.Evidentemente, as coisas a que estas leis se referem so os comporta-

    mentos humanos, nicos movimentos susceptveis de se ordenar segundoimposies de dever.

    As leis ticas se dirigem especificamente aos atos humanos, tomando-se esta ltima expresso em seu sentido tradicional, ou seja, no sentido doconsagrado termo actus humanus (ato humano), que designa, na Filoso-fia, a ao deliberada e voluntria, praticada pelo ser humano.

    Sabem os filsofos que o actus humanus uma das espcies doactus hominis (ato do homem), que todo e qualquer ato produzido peloser humano, inclusive os atos no deliberados e no voluntrios, como osde respirar e de digerir.

    Somente aos atos deliberados e voluntrios do ser humano, referem-seas leis ticas.

    Sendo enunciadoras do dever, as leis ticas se fazem imperativas.A imperatividade caracteriza as leis ticas. o que, na prtica, as dife-

    rencia das leis fsicas.Pois bem, as leis ticas, quando harmonizadas com uma ordenao

    normativa, se promovem a normas.Convm assinalar que, em rigor, as leis ticas no so normas sempre.

    Esta observao importante para a exata conceituao de lei tica e de

  • 34

    norma. Em verdade, no so propriamente normas as leis ticas no harmo-nizadas com a ordenao normativa vigente. bvio que somente devereceber o nome de norma, a lei normalizadora do comportamento, ou seja,a lei no conflitante com a normalidade. De fato, s merecem a designaode normas as leis ticas que determinam o que deve ser feito, em consonn-cia com o sistema de concepes ticas dominantes.

    As leis ticas no harmonizadas com a ordenao normativa vigenteso mandamentos, sim, mas, em rigor, no so normas. So mandamentosno normativos (veja 10). Por exemplo, no so normas, no estricto sen-tido deste termo, leis ticas que imponham a censura aos meios de comuni-cao, num pas em que a ordenao normativa constitucional consagra aliberdade de informao dos veculos da mdia.

    Observe-se que a lei tica no descritiva. Ela no a descrio de umcomportamento efetivamente mantido. O que ela , isto sim, a frmula docomportamento que deve ser mantido, em determinada circunstncia. Ela uma indicao de caminho, e no o relato do caminho percorrido. Ela nodescreve o que , mas o que deve ser. Sua estrutura a do citado esquema:Se A , B deve ser.

    H, sem dvida, leis ticas que tomam a forma de descries. Masningum se iluda! Quando isto acontece, a lei tica est descrevendo o com-portamento como ele deve ser, independentemente do que ele de fato.

    Note-se que o comportamento contrrio ao que manda a lei tica noafeta, em regra, a validade da lei. Tal comportamento a violao de ummandamento. Em conseqncia, a lei, como um imperativo de dever, sesobrepe ao comportamento efetivo. O dever-ser prepondera sobre o ser. Oque deve ser perdura, ainda quando, de fato, no seja.

    Alis, as leis ticas, como disse Rosmini (referindo-se ao Direito),brilham com maior esplendor precisamente quando so violadas (Filosofiado Direito, 2 ed., 1865, vol. I, p. 126). Realmente, quando obedecidas,estas leis, em sua maior parte, nem se fazem notar. Mas, sendo violadas,fulguram quase sempre. Por qu? Porque, em regra, as foras a servio daordem se manifestam, aps a infringncia, para fazer cumprir os manda-mentos violados.

    15. As leis fsicasO substantivo fsica derivado do termo grego physis, que significa

    natureza. Como adjetivo, a palavra fsico designa a qualidade de concernir

  • 35

    ou de pertencer ao mundo das realidades concretas da natureza (mundooposto ao das realidades abstratas). O mundo fsico o mundo dos corpos edas foras do Universo, aptos a entrar no domnio da experincia sensvel.

    As leis fsicas so frmulas, tambm elaboradas pelo homem, pararevelar, em sntese, o que a cincia descobriu de constante, em tipos defenmenos observados na natureza. Por exemplo, so leis fsicas as seguin-tes frmulas: A matria atrai a matria na razo direta do produto desuas massas e na razo inversa do quadrado das distncias que as separa(lei da gravidade, elab