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1 EXCELENTÍSSIMO DOUTOR JUIZ FEDERAL DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SINOP/MT AUTOS N. 384-67.2011.4.01.3603 JOMARCELO FERNANDES DOS SANTOS e LUCIVANDO TIBÚRCIO DE ALENCAR, já qualificados nos autos em epígrafe, com supedâneo no artigo 403 § 3º do Código de Processo Penal, por seu Procurador, vêm, respeitosamente, apresentar suas ALEGAÇÕES FINAIS ESCRITAS EM MEMORIAIS com vistas à demonstração de inocência e pleito final de absolvição das imputações improcedentes que lhes foram feitas pelo Ministério Público, por sua Ilustre Procuradora, que, em Memoriais, aponta-lhes a prática de condutas delituosas, assim capitulando-as:“§ 3º do artigo 261, combinado com os artigos 258 e 121 §, todos do Código Penal, materializados na conduta culposa, por imperícia e negligência, de, na condição de controladoes de vôo, sem os devidos cuidados causar a queda do Boeing/737-800, prefixo PR-GTD, da Companhia Gol Transportes Aéreos S/A, em 29 de setembro de 2006. Em 29 de setembro de 2006, a aeronave identificada sob o prefixo N600XL, um Jato Legacy de propriedade da empresa americana ExcelAire decolou de São José dos Campos, Estado de São Paulo, em direção aos Estados Unidos da América, tendo recebido aprovação do seu Plano de Vôo no território nacional para sua primeira escala no Aeroporto Eduardo Gomes, este localizado na cidade de Manaus.

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Trata-se de Alegações Finais apresentadas a Justiça Federal pela defesa dos controladores de tráfego aéreo envolvidos no fatídico acidente de 29/09/06. Acidente este que envolveu as aeronaves GOL 1907 (PR-GTD) e o Legacy N600XL e acabou por vitimar 154 pessoas. A peça contém 143 páginas foi elaborada pelo Dr. Roberto Sobral e sua equipe.

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EXCELENTÍSSIMO DOUTOR JUIZ FEDERAL DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SINOP/MT

AUTOS N. 384-67.2011.4.01.3603

JOMARCELO FERNANDES DOS SANTOS e LUCIVANDO TIBÚRCIO DE ALENCAR, já qualificados nos autos em epígrafe, com supedâneo no artigo 403 § 3º do Código de Processo Penal, por seu Procurador, vêm, respeitosamente, apresentar suas

ALEGAÇÕES FINAIS ESCRITAS

EM MEMORIAIS

com vistas à demonstração de inocência e pleito final de absolvição das imputações improcedentes que lhes foram feitas pelo Ministério Público, por sua Ilustre Procuradora, que, em Memoriais, aponta-lhes a prática de condutas delituosas, assim capitulando-as:“§ 3º do artigo 261, combinado com os artigos 258 e 121 §, todos do Código Penal, materializados na conduta culposa, por imperícia e negligência, de, na condição de controladoes de vôo, sem os devidos cuidados causar a queda do Boeing/737-800, prefixo PR-GTD, da Companhia Gol Transportes Aéreos S/A, em 29 de setembro de 2006.

Em 29 de setembro de 2006, a aeronave identificada sob o prefixo N600XL, um Jato Legacy de propriedade da empresa americana ExcelAire decolou de São José dos Campos, Estado de São Paulo, em direção aos Estados Unidos da América, tendo recebido aprovação do seu Plano de Vôo no território nacional para sua primeira escala no Aeroporto Eduardo Gomes, este localizado na cidade de Manaus.

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Segundo o referido plano de vôo, o nível de altitude autorizado até Brasília era o FL370 (Fligth Level 370), correspondente a 37.000 pés. Após o referido marco a aeronave deveria descer para 36.000 pés (FL 360) até o marco aeronáutico identificado como TERES, quando deveria subir para o FL380, até a chegada no Aeroporto Eduardo Gomes, em Manaus.

Logo após ultrapassar a cidade de Brasília, contudo, a aeronave teve o seu Transponder desativado, não se sabendo se voluntária ou involuntariamente pelos pilotos, resultando, a partir daquele momento, em tráfego incompatível com a aerovia em que se encontrava, esta controlada sob critérios de espaçamento mínimo de mil pés de altitude, a chamada RVSM (Reduced Vertical Separation Minimum). Esse espaçamento reduzido foi criado pela moderna cultura Aeronáutica para permitir maior número de vôos nesses espaços aéreos, somente sendo possível neles trafegar aeronaves suficientemente equipadas para tanto, estando o transponder dentre os requisitos indispensáveis para tal permissão.

Tem-se como fato incontestável, que, em decorrência da desativação do referido transponder, o Sistema X-4000 - nome dado ao Sistema Operacional de Controle de Tráfego Aéreo mantido pela Comando da Aeronáutica – promoveu a troca do nível exibido na console então operada pelo acusado JOMARCELO, substituindo o indicador de nível em que efetivamente voava o N600XL Legacy, o FL 370, para o nível em que deveria estar voando a aeronave segundo o seu plano de vôo. Em outras palavras, ali se produziu o mesmo que de ordinário ocorria nos centros de controle de tráfego aéreo brasileiros, todas as vezes que, por qualquer motivo, se perdia a comunicação/detecção radar: sem qualquer interferência do Controlador de Tráfego Aéreo o Sistema alterou o nível real em que se encontra a aeronave pelo nível em que deveria estar, segundo o Plano de Vôo cadastrado na origem. Daí em diante, no console em que operava o acusado JOMARCELO, passou-se a exibir o nível 360, ao lado do qual aparecia o indicativo da letra “Z”, com que se indicava a falta de comunicação radar.

Naquela tarde, o Acusado JOMARCELO assumiu, sozinho, sem Assistente, o controle dos setores 6, 7 e 8 – segmentos do

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espaço aéreo sob a responsabilidade do CINDACTA I1

. Nesta condição, às 18:51:14 (Volume IV, fls 917) recebeu o controle de tráfego da aeronave N600XL que ingressava no setor 7, estando disponível em seu Console a visualização daquele tráfego na altitude de 37.000 pés, FL370, nível este apropriado para aquela Aerovia UW2, conforme display abaixo:

(Momento 18:51:13 – Recebimento do tráfego – Fl. 917 e Fl. 97 do Relatório do CENIPA)

A partir daquele momento as ações do acusado JOMARCELO foram as que se seguem, conforme registros coletados a partir do log de seu console, trazidos aos autos no Apenso II, fls. 22 e 23:

1 1º Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo.

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Logo em seguida a esta última intervenção em que atendia um vôo TAM, o acusado JOMARCELO deixa de ter a visualização da comunicação radar-transponder do N600XL, passando a tornar-se disponível no console somente a evolução daquela aeronave através do radar primário, já sob a informação automatizada pelo X4000 de que a altitude de vôo seria a de 36.000 pés, nível este compatível com a aerovia em que passou a trafegar, a aerovia UZ6. Observa-se que a aeronave N600XL havia entrado na UZ6 pouco mais de dois minutos antes, às 18:58:48, conforme visualizado abaixo:

(Momento 18:58:48 – Entrada do Legacy na UZ6 – Rejogo. O Relatório do CENIPA – fl. 97 - indica um momento anterior em 18:57:54)

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Abaixo tem-se a visualização da hora 19:01:53, momento em que já não se tinha o sinal do radar secundário, em face da desativação do transponder:

(Momento 19:01:53 – Perda do sinal radar secundário – Fl. 917)

Verifica-se, na visualização acima, esta obtida a partir das gravações automáticas do sistema, que foram exaustivamente examinadas por diversas ocasiões2, que, correspondente à crucial informação ali trazida com relação ao nível de vôo do N600XL, exibida em verde no lado esquerdo de sua visualização, conforme aqui se reproduz,

, a etiqueta (ou strip eletrônica), destacada em branco do lado direito do console, reproduzia de modo síncrono e coerente a informação equivalente:

Assim na coluna encimada pela sigla BRS tem-se, logo abaixo, a hora estimada de passagem no fixo Brasília (1855) e a altitude programada para este setor, 360, conforme o plano de vôo, seguida na mesma linha pela informação 360, campo este de informação ali projetado para exibir a altitude real. Abaixo, a frequência de rádio a ser utilizada: 125.05. H-PCL, ou seja a partir de Poços de Caldas. 2 Todas as imagens acima, que foram recuperadas das gravações do Sistema, em processos de revisualização, também chamada de “rejogo”, foram exaustivamente examinadas pelo corpo técnico da Comando da Aeronáutica durante a investigação do CENIPA, pelos peritos da Polícia Federal quando da elaboração do laudo do Inquérito Policial, bem assim durante as investigações da Comissão Parlamentar de Inquérito que culminou em um processo de auditagem realizado pelo Tribunal de Contas da União.

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Do momento 19:01:44, acima exibido, em diante, enquanto o N600XL evoluía em seu tráfego para Manaus, até a hora 19:17:00, momento em que o controle foi transferido para o segundo acusado, LUCIVANDO, as ações de JOMARCELO foram assim registradas:

Essas informações acima detalhadas, todas constantes dos autos e todas disponíveis para os investigadores, vez que gravadas e exibidas dentro do CINDACTA I para todos os interessados, foram omitidas no relatório final da investigação produzida pelo CENIPA – Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos, instituição militar integrante da Força Aérea Brasileira, e, consequentemente, igualmente omitidas no Inquérito Policial, este que se produziu com informações igualmente produzidas pelo CENIPA ou por este Órgão repassadas.

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Assim, no Inquérito Policial, a cronologia dos eventos a partir do momento em que o N600XL sobrevoou Brasília, limitou-se ao que se segue:

18:57:54 UTC - O N600XL voou sobre o VOR/DME BRASíLlA, curvando para interceptar o curso da aerovia UZ6, com o bloco de dados no console radar de BRASíLlA mostrando "370=360"; - Não houve nenhuma ação do controlador de tráfego aéreo no sentido de verificar a previsão de mudança de nível de vôo para 360 que se apresentava na tela para ele. - A manobra de mudança de aerovia foi conduzida suavemente pelo Piloto Automático e a aeronave foi da UW2 (mão única) para a UZ6 (mão dupla). - O N600XL interceptou o centro da aerovia UZ6, rumo 336°, e a tripu lação não comentou o andamento do vôo em comparação com o planejado (mudança de proa, próximo fixo , combustível utilizado, tempo de vôo, etc). - Saindo de Brasília, nenhuma comunicação foi feita entre a aeronave e o ATC. A tripulação poderia ter chamado o Centro Brasília para confirmar o nível 370 "na contramão" (UZ6, proa 336'), uma vez que o entendim ento era permanecer naquele nível. - PIC e SIC mudaram de aerovia, sobrevoando Brasília, mas continuaram com a atenção fixada para o notebook. - O N600XL estava fora do nível padrão, no FL370, no sentido contrário da aerovia UZ6. - Neste momento, o PIC e o SIC continuavam focados no cálculo da decolagem de Manaus com o computador. [...] 19:01 :53 UTC (horário ATC) - O radar do ATC mostrou que o Transponder do N600XL estava sem sinal poucos segundos depois, devido ao tempo de varredura radar, quando o Transponder já estava possivelmente em "STANDBY" (condição de "espera", que resulta em mensagem de TCAS OFF). (Fls. 97/99) Às 19:17 o controle de tráfegos dos setores 6,7 e 8 a

coordenação foi transferido de JOMARCELO para o segundo acusado, LUCIVANDO, que passou a assumir a coordenação deste espaço aéreo, também sozinho, sem Assistente.

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Enquanto isso, procedendo de Manaus, a aeronave de Prefixo PR-GTD, da companhia Gol Linhas Aéreas, transportando 154 pessoas, dentre passageiros e tripulantes, trafegava na mesma aerovia sob regime RVSM, em sentido contrário e na mesma altitude.

Então, conforme narrado pelo MPF: “Precisamente às 19 horas, 56 minutos e 54 segundos UTC1, as duas aeronaves passaram uma pela outra a 37.000 pés de altitude no espaço correspondente ao norte do Estado do Mato Grosso, próximo ao Município Peixoto de Azevedo. No cruzamento, a ponta da asa esquerda (winglet) do aparelho N600XL tocou o equipamento PR-GTD, provocando danos que acarretaram a desestabilização e queda deste último”.

Com a precipitação do PR-GTD, Boeing 737 que realizava o Vôo 1907 da Gol Linhas Aéreas, 154 pessoas pereceram, enquanto o Legacy N600XL, apenas avariado, seguia para pouso de emergência na Base Aérea da Serra do Cachimbo, região sul do Estado do Pará, o que veio a se dar sem registro de quaisquer danos físicos a seus ocupantes.

II – DA IMPUTAÇÃO DOS FATOS AOS ACUSADOS (em uma síntese do processo).

O Relatório do Inquérito Policial levado a efeito pela Polícia Federal, produzido a partir de informações fornecidas pelo Comando da Aeronáutica, Força Armada institucionalmente incumbida no Brasil de proceder às investigações de acidentes Aeronáuticos, em relação ao acusado JOMARCELO, concluiu o que se segue:

Sargento Jomarcelo Fernandes dos Santos. a) Comunicou -se diretamente com a aeronave, tendo verificado que a mes ma estava no nível 370, sem que fizesse qualquer observação sobre o fato; b) no período compreendido entre 18:55:48 e 19:02:08 ( UTC) deveria ter observado que a visualização radar da aeronave indicava star ela voando a 37.000 pés quando deveria estar a 36.000 pés, pois tal in formação lhe era visível na tela; c) não se alarmou com a perda de sinal de radar secundário, contentando-se com as informações de radar primário, que não são fidedignas quanto à altitude; d) não teria tomado as providências previstas nos seguintes itens da ICA 100-12: (i) item 14.4.9, que obriga ao controlador informar quando o transponder da aeronave está inoperante ou deficiente; ( ii ) item 14.4.10 que obriga ao controlador informar tal situação ao centro de controle seguinte, em

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Manaus,·para que este tomasse as providências; ( iii ) item 14.4.11, que obriga o controlador a exigir do piloto que verifique o funcionamento do transponder; e) informou ao controlador que o sucedeu que a aeronave, que hoje sabemos estava a 37.000 pés, estava a 36.000 pés conforme previsto no plano de vôo; f) Não procedeu ao cancelamento do vôo em condições RVSM, que somente pode ocorrer com o t ransponder funcionando. (Fls. 963/964)

Em relação ao Acusado LUCIVANDO:

Sargento Lucivando Tibúrcio de A lencar.

a) recebeu a aeronave no nível 360, e não questionou, não obstante sabermos que havia somente o sinal de radar primário, sendo a altitude da aeronave incerta, portanto; b) afirmou ter suspeitado do funcionamento do transponder, tentou 08 contatos com a aeronave, mas não tomou nenhuma providência prevista nos itens 7.14.1 e 7.14.2 da ICA 100-12, que tratam dos procedimentos relativos a aeronave com falha nas comunicações. (Fl. 964)

O Ministério Público Federal, por sua vez, com supedâneo no Inquérito Policial Federal e ênfase no Laudo Pericial ali trazido, ofereceu denúncia contra os dois Acusados nos termos que se seguem:

[...] O denunciado JOMARCELO FERNANDES DOS SANTOS

percebeu antes, muito antes, o desligamento do transponder. Percepção essa, aliás, inevitável para quem, como ele, monitorava a evolução da aeronave N600XL. Explicando: o funcionamento do transponder é representado, no monitor do console, por um círculo ao redor da aeronave. Quando o transponder é desligado, o círculo desaparece, ficando a aeronave sinalizada apenas por uma pequena cruz. Logo, para que o controlador detecte algum problema com o t ransponder, basta que olhe para o monitor. Se enxergar uma cruz com um circulo em volta, é porque o transponder está ligado. Se visualizar somente a cruz, sem o círculo; é porque o transpoder está .inoperante. Ora, essa visualização da tela é ato elementar, conditio sine qua non para prestação de serviço de vigilância radar. O controlador de vôo que opera vigilância radar não pode deixar de observar o monitor. Mutatis mutandis, seria o mesmo que um inspetor pretender coordenar o trânsito com uma venda nos olhos

A ICA 100-12, no item 14.4 e respectivos sub-itens, estabelece vários procedimentos que o controlador de tráfego aéreo deve cumprir, quando verificar falha de transponder. A atitude básica, que chega mesmo a ser intuitiva, é comunicar-se com o piloto da aeronave, pedindo-lhe que acione o equipamento e, se a falha persistir, que realize testes específicos. Tais procedimentos mostravam-se ainda mais cogentes ao denunciado JOMARCELO FERNANDES DOS SANTOS, quando se tem presente que, como já ressaltado, ele sabia que a aeronave N600XL mantinha nível de cruzeiro incompatível com o plano de.vôo e impróprio para o sentido a ser percorrido na aerovia UZ6.. Voltando à analogia anterior, a omissão, nessas

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circunstâncias, é equivalente à de um guarda de trânsito que visse um ônibus trafegando pela contra-mão de uma rodovia, à noite, com os faróis apagados, e nada fizesse!

A despeito do patente perigo implicado na situação -perigo esse que podia e devia evitar-, o denunciado JOMARCELO FERNANDES DOS SANTOS não fez contato algum com a aeronave, tão pouco tomou qualquer providência para que os pilotos acionassem o transponder ou adequassem o nível de vôo. Pior: ao passar o posto para o denunciado LUCIVANDO TIBÚRCIO DE ALENCAR, o denunciado JOMARCELO FERNANDES DOS SANTOS forneceu-lhe, consciente e dolosamente, falsa informação sobre o nível de cruzeiro da aeronave N600XL, afirmando, peremptoriamente, que ela se encontrava em F360.

LUClVANDO TIBÚRCIO DE ALENCAR assumiu o console nº 8 do CINDACTA I às 19h17m. Foi omisso quanto à falha do transponder da N600XL, assim como, seu antecessor. Com uma diferença: ao contrário deste, não sabia que a aeronaveN600XL estava na "contra-mão"da UZ6.

O denunciado LUCIVANDO TIBÚRCIO DE ALENCAR tentou quatro contatos com a aeronave N600XL. O primeiro deles, apenas às 19h26m56s, cerca de dez minutos, portanto, depois de assumir o posto. Essa demora fo i relevante, caracterizando negligência. A uma, pela situação de inoperância do transponder, que, só por si, reclamava pronta intervenção. A duas, porque , quando ele tomou assento no console n° 8, a aeronave estava na iminência de ingressar em uma área crít ica, pelos próprios controladores considerada como “não-radar" (área em que a cobertura radar é falha ou inexistente). Por isso, providências imediatas faziam-se ainda mais urgentes. A segunda tentativa, também frustrada, veio em seguida, às 19h27m12s. Após sete minutos (19h34m07s), ocorreu nova chamada, .igualmente sem resposta. A última mensagem fo i passada às cegas, às 19h53m38s, para informar.a.freqüência do Centro de Controle Amazônico, a que a aeronave estaria, dali em d iante, vinculada

O denunciado LUCIVANDO TIBÚRCIO DE ALENCAR, foi igualmente displicente quanto aos procedimentos previstos na lCA 100-12 para casos de falha de comunicação. A partir da primeira tentativa de contato frustrada, ele deveria ter-se utilizado das demais freqüências válidas para o setor, consoante preconiza o item 7.14.2 daquele instrumento normativo. Para tanto, bastaria programar em seu console as cinco freqüências auxiliares existentes (f. 867). Suas mensagens passariam, então, transmitidas concomitantemente em todas elas, ao passo que também captaria mensagens emitidas em qualquer uma. Isso propiciaria contato com a aeronave N600XL, vez que o piloto, entre as 19h48m13s e as 19h52m56, fez nada menos do que doze tentativas de comunicação com o CINDACTA I, utilizando várias freqüências que, malgrado listadas na carta de rota, não estavam programadas no console n° 8. O denunciado LUCIVANDO TIBÚRCIO DE ALENCAR insistiu numa mes ma e única freqüência, até a última chamada, apesar de vê-la malograr repetidamente.

(Fls 11/13)

Denúncia recebida, conforme oferecida, em 1º de junho de 2007. Além dos dois acusados que ora se defendem também foram oferecidas denúncias contra Felipe, Leandro, João Batista, todos controladores de tráfego aéreo, bem assim em desfavor dos pilotos do N600XL, Jean Paladino e Joseph Lepore.

As Alegações Preliminares oferecidas pela Defesa em relação aos que ainda remanescem como acusados, seguindo a inovação

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legislativa processual penal disposta no artigo 396-A do CPP, veio com o seguinte teor (Fls 2086 e 2087):

Compreensível que uma denúncia oferecida e, ao final, recebida, em tempo tão exíguo, não pudesse facear, ab initio, a enorme multip licidade de importantes detalhes de uma tão complexa causa, quanto a que envolve uma colisão de aeronaves em pleno espaço aéreo e a subseqüente morte de 154 pessoas.

Igualmente compreensível que o recebimento da denúncia contra os quatro acusados acima identificados tenha se dado em homenagem ao princípio que norteia esta fase exordial: in dubio pro societatis.

Contudo, dois anos passados desde a fatídica tragédia,

avolumam-se elementos probatórios a evidenciarem situações já esclarecidas, aptos a embasarem um novo posicionamento judicial, especialmente quando o legislador, através da Lei nº 11.719, de 2008, passou a conferir a possibilidade de apresentação de “alegações preliminares”, decerto oportunidade defensiva muito mais ampla do que o instituto da “defesa prévia”. E o espírito da Lei volta-se para permitir a abreviação do curso do processo, possibilitando ao Juiz, de plano, proceder à absolvição sumária quando cabível, o que incentiva a produção antecipada de provas e apresentação de teses defensivas, desde o início.

Tendo-se, assim, oportunidade de colaborar para tornar célere este

processo - que tenderia a estender-se por mais de década, a exemplo de caso similar ocorrido em 1992, em Faro, e que só agora em 2008 está sendo julgado em Portugal – e sem temor de adiantar as provas já levantadas, porquanto se compreende que na missão do Ministério Público não se inclui a injusta perseguição, aqui são trazidos os fundamentos de fato e de direito que já se têm como d isponíveis. Ainda das Alegações Preliminares retiram-se (fls. 2090

a 2099):

Com relação ao primeiro acusado, o denunciado JOMARCELO FERNANDES DOS SANTOS, que se encontrava na função de controle, setor 07 da console n.º 08 , no ACCBS, eis os termos da denúncia a ser refutada:

[...] Enfat izando-se que a conduta do Acusado, na data do fato atuando

como Controlador do Tráfego aéreo do ACC/BS, estava adstrita ao espaço e ao comando da região Brasília, setores 7, 8 e 9, seguem-se as seguintes considerações:

Jomarcelo, naquela oportunidade, tinha sob sua responsabilidade a maior área de controle do Centro Brasília, compreendendo distâncias que se irradiam de Brasília, como centro, até Três Marias / MG, Bom Jesus da Lapa / BA, Barreiras / BA, Palmas / TO, Gurupi / TO e São Félix do Araguaia / MT, compreendendo porções territoriais dos Estados do Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais, Tocantins, Bahia e Distrito Federal.

1. O trabalho do controlador caracteriza-se por complexidade que não permite avaliação por um tráfico isolado, uma vez que se encontra submetido à necessidade de dar tratamento concomitante a uma expressiva variedade de informações.

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2. Naquela tarde fatídica o controlador Jomarcelo não contava com um assistente, fato possível no Brasil, quando ocorrente baixa demanda de tráfego. Tal permissão de controle sem assistente, em verdade, somente começou a ser admit ida em razão da falta de controladores em número suficiente à manutenção do padrão controlador-assistente.

3. Contudo, a carga de trabalho do controlador sem assistente aumenta de modo considerável, pois fica responsável em receber e fazer as coordenações com os outros órgãos de controle – tarefas realizadas pelos assistentes - além de ter que gerenciar os supostos conflitos de tráfego.

4. No momento em que a aeronave Legacy, identificada como N600XL, estava progredindo no setor controlado por Jomarcelo havia uma aeronave militar realizando um vôo de prospecção de imagens-radar próximo a cidade de Formosa-GO. Este vôo já havia se repetido pelo turno da manhã e o serviço fora prejudicado devido a falhas nas coordenações entre a defesa aérea e o centro de controle. Por isso, no início do turno da tarde houve um briefing (1) diferenciado, onde se pediu maior atenção para o vôo da defesa aérea. Em verdade, Jomarcelo teve em seu console por pouco mais de 3 minutos a visualização de progressão daquele vôo, sem qualquer sinalização do sistema que chamasse sua atenção para alguma falha.

5. É absolutamente curial que os pilotos devem ter conhecimento da rota, antes de iniciar o vôo. O óbvio encontra-se regulado segundo a ICA 100-12(Regras do ar e serviços de tráfego aéreo):

“... 3.4 RESPONSABILIDADES QUANTO AO CUMPRIMENTO DAS REGRAS DO AR: 3.4.1 RESPONSABILIDADE DO PILOTO EM COMANDO - O piloto em comando, quer esteja manobrando os comandos ou não, será responsável para que a operação se realize de acordo com as Regras do Ar, podendo delas se desviar somente quando absolutamente necessário ao atendimento de exigências de segurança. 3.4.2 PLANEJAMENTO DO VÔO - 3.4.2.1 Antes de iniciar um vôo, o piloto em comando de uma aeronave deve ter ciência de todas as informações necessárias ao planejamento do vôo. 3.4.2.3 Os órgãos ATS considerarão, por ocasião do recebimento do plano de vôo, que as condições verificadas pelo piloto em comando atendem às exigências da regulamentação em vigor para o tipo de vôo a ser realizado.”

6. Ou seja: se os pilotos não preencheram, pessoalmente, o plano de vôo, teriam que receber o briefing(1) a partir de quem elaborou o plano de vôo. O que, evidentemente, é de ser feito antes da decolagem. Consabido que a Embraer, empresa fabricante do Legacy, após entregar a nova aeronave aos pilotos da companhia Excelaire, apresentou o plano de vôo para o N600XL, com base nas informações trazidas pela Universal Weather and Aviation, Inc.. O trecho a ser voado dentro da FIR BS (Região de Informação de Vôo de Brasília) fo i apresentado da seguinte forma: Nível de Vôo (FL) 370 até Brasília, após descida para o FL360 até a posição TERES e após subida para o FL380 até Eduardo Gomes, Manaus.

7. Portanto, o Plano de vôo encaminhado/solicitado ao órgão de controle assinalava a altitude 370, nível de vôo planejado para a primeira parte da rota. Entretanto, nas sucessivas etapas da rota, conforme acima apontado, havia indicativos do planejamento de mudança de nível após Brasília. Desta forma, o piloto, ao tomar ciência do Plano de Vôo, sabia – se não sabia, deveria saber - que

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as mudanças de altitude deveriam ser solicitadas após o “bloqueio de Brasília”1, coisa que não fez;

8. O controlador Jomarcelo realizou o primeiro contato com o N600XL dois minutos antes do bloqueio de Brasília, às 18:55:16Z, ainda no eixo da aerovia UW2. Desta forma o n ível de vôo 370 ainda estava correto, não havendo necessidade de mudança de nível até aquele momento.

9. Antes de chegar a Brasília, a segunda linha do bloco de dados da etiqueta eletrônica da pista exibida na tela do console do radar, referente à progressão do Legacy N600XL, mudou de 370=370 para 370=360. AUTOMATICAMENTE, POR FALHA DO SISTEMA. E ao contrário do que se tem divulgado, o campo à direita do bloco de dados não se refere ao nível de vôo proposto pelo piloto, mas sim ao nível de vôo autorizado pelo controlador, conforme manual de operações do Controlador e Assistente do Sistema de Controle de Tráfego Aéreo em Rota – ACC CINDACTA I – C.A.006.13.TV.710.AT02.MO.001.01. (em anexo). E em nenhum momento o controle de tráfego aéreo autorizou o nível de vôo 360.

10. E aqui, é de se enfatizar que a modificação automática de nível sem interferência do controlador é fato que contraria o mais fundamental dos princípios reitores do controle de tráfego, qual seja: nenhuma alteração de plano de vôo, sobretudo em aerovia RVSM - Reduced Vertical Separating Minimum, pode se dar sem anuência do controlador. E se o Sistema X4000, software de controle de tráfego aéreo, não tivesse modificado de modo automático o nível de vôo autorizado, “facilidade” reconhecida pela Comando da Aeronáutica, a informação constante na strip eletrônica apontaria o nível de vôo autorizado 370, o que indicaria a rota de colisão.

E aqui é de se repetir com toda a ênfase: o Tribunal de Contas da

União, em relatório de auditoria, aponta a falha da mudança automática de nível (que, de modo absurdo, depois do acidente passou a ser tratado pela Comando da Aeronáutica como uma “facilidade tecnológica”), que até hoje não foi corrigida por mot ivação que merece ser denunciada como elemento subjetivo do crime de PREVARICAÇÃO, fato que desde já se pede seja levado ao conhecimento do Ministério Público. Assim é o que extrai da pg. 57, item 27 do Relatório de Auditoria do Tribunal de Contas da União: TC-020.840/2007-4:

“Em reunião realizada no gabinete do relator os gestores alegaram que não promovem essa alteração por temerem que isso possa ser usado na esfera judicial, uma vez que os controladores envolvidos no acidente do GOL 1907 usaram, como linha de defesa no processo sob o caso, a tese de que essa funcionalidade teria sido uma das causas do acidente”.

O que equivale a dizer: de ordem do Comando da Aeronáutica,

sempre pressuroso em ocultar a verdade quanto as causas reais do acidente, deixa-se de corrigir um grave problema funcional, medida indispensável de segurança para evitar novas tragédias, para atender sentimento/interesse de vingança/condenação daqueles que apontam as falhas existentes, essas decorrentes da incúria dos gestores, seus superiores hierárquicos.

11. REPISE-SE: Antes de chegar a Brasília, a segunda linha do bloco

de dados do N600XL mudou de 370=370 para 370=360. AUTOMATICAMENTE, POR FALHA DE CONCEPÇÃO DO SISTEMA. ISSO NÃO ACONTECE EM LUGAR NENHUM DO MUNDO. NENHUM SISTEMA DE CONTROLE ALTERA

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NÍVEL DE VÔO SEM INTERVENÇÃO DO CONTROLADOR. Por se tratar de um campo de intervenção do controlador, uma indevida alteração automática ali registrada não pode ser interpretada como um av iso de mudança de nível 3

.

12. E MAIS: no Brasil, tal mudança ocorre sem que exista qualquer sinal de ênfase no console para chamar a atenção do controlador, tais como um sinal sonoro ou uma mudança de cor da pista radar. Nenhum sinal de alerta para chamar a atenção sobre uma situação excepcional naquela determinada pista. Nada que apontasse de modo ostensivo uma perda de sinal t ransponder, ou um tráfego em nível incorreto. Em lugar disso, uma diminuta troca de um único dígito, o 7 pelo 6, em luz verde esmaecida, e o acréscimo também evanescido de uma letra Z. Tudo sem a interveniência do controlador.

13. Às 18:57:53Z a aeronave N600XL “bloqueou Brasília” e às

19:01:48Z o controle de tráfego aéreo deixou de receber o sinal de transponder do Legacy. Desta forma a aeronave voou apenas pouco mais de 3 (três) minutos em um n ível de vôo incorreto(1), o que para o controle de tráfego aéreo não significava risco algum, pois até o presente momento os controladores de Brasília não tinham qualquer informação sobre o vôo da aeronave PR-GTD, GOL 1907, cuja entrada na área de controle de Brasília deveria se dar às 19:57Z, ou seja 1 hora após o bloqueio do Legacy - N600XL em Brasília .

14. Destaque-se que a troca de informações entre os centros de

controles, chamada de coordenação, é feita até 15 minutos para a aeronave adentrar no espaço aéreo sob o controle de cada Centro, portanto o controlador de Brasília não tinha nenhuma informação a respeito do vôo Gol 1907, prefixo PR-GTD, procedente de Manaus.

EM FACE DISSO, COMO, ENTÃO, ADMITIR UMA CONDUTA

DOLOSA POR PARTE DO CONTROLADOR JOMARCELO? COMO SE PODE FALAR EM DOLO, AUSENTE O INDISPENSÁVEL ELEMENTO COGNITIVO, CONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DAQUELA AERONAVE NAQUELA AEROVIA, PORQUANTO O SISTEMA NÃO EXIBIA QUALQUER SINAL OU QUALQUER INFORMAÇÃO NESTE SENTIDO?

15. Fato é que às 19:01:48Z, apenas 3 minutos após passar por Brasília, o controle de tráfego aéreo deixou de receber o sinal de transponder do Legacy. Considerando que o serviço radar prestado ao N600XL era o de “vigilância radar” e, conforme a ICA 100-12, Regras do Ar e Serviços de Tráfego Aéreo, a responsabilidade da navegação da aeronave é do piloto, o mesmo deveria estar ciente que navegava em aerovia de mão dupla em um nível de vôo incorreto e solicitar ao centro de controle autorização para descida ou subida para um nível compatível com o rumo magnético da aerovia. Não tendo agido assim passou a voar como se transitasse em uma pista na contramão, com os faróis apagados.

3 Ver documento .pdf nomeado como: Manual de Operação ATECH, sobre CFL na etiqueta p.8 e CFL na STRIP p.18. Neste manual a ATECH induz ao erro ao utilizar conceito de CFL (Cleared Flight Level) para um campo onde o que se reproduz é um FL proposto em PLN para a execução do referido vôo. Quando a aeronave desliga o transponder, porém, a única informação que se tem é esta, que induz o controlador a aceita-la como verdadeira, CFL, conforme escrito no manual da ATECH.

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16. Foi nessa situação, com a exib ição errônea do nível de vôo do

N600XL, que veio a se operar a mudança de controladores no setor 7. Ao assumir a posição de controle do Jomarcelo o Controlador Lucivando recebeu a seguinte informação sobre o nível de vôo do N600XL: “O nível de vôo é o que consta na Ficha de Progressão de Vôo”, onde se exib ia “360 360”, informação coerente com aquela exib ida na tela do console “360z360”. Registre-se que o 360 aqui sublinhado, informação sempre disposta à esquerda da expressão, indica altitude real aferida por um radar primário, que chegou a exib ir oscilações cerca de 9 mil pés, vez que mostrava altitudes alternantes entre o nível 320 (32 mil pés) e o 410, quando o aceitável para a sensibilidade de um radar primário seria uma variação de no máximo 3.000 pés. Estranhamente, contudo, a “caixa preta” do Legacy, aberta pela Comando da Aeronáutica, veio a reg istrar que nenhuma mudança acentuada de nível fora procedida pelos pilotos do Legacy. O fato de no interior do Legacy encontrar-se representante da EMBRAER, empresa brasileira orig inada da Aeronáutica, e com a qual esta se mantém estreitada por inúmeros vínculos pessoais dos dois quadros, talvez sirva de fonte de investigação para o Ministério Público, quanto ao real comportamento na efetiva progressão daquele vôo. Sem qualquer leviandade, apenas para que se cumpra com rigor o devido processo de investigação, merece renovado exame a hipótese possível de desligamento intencional do equipamento, o que se tem como plausível porquanto operou-se tal “turn off” depois de se passar por Brasília, em d ireção à Amazônia, espaço que pode ter sido considerado como adequado para teste de comportamento de variação de atitudes da aeronave, em exercícios próprios de quem quer experimentar um equipamento novo, de excepcional qualidade como um Legacy.

MM. Juiz, com tudo que já se coligiu sobre essa tragédia, desde a data do recebimento da denúncia até o presente, resulta inaceitável a manutenção de uma persecução criminal nos termos dessa em que aqui se imputa, ao acusado Jomarcelo, a prát ica de dois crimes dolosos, em concurso formal: “Há de responder por dois crimes dolosos de atentado contra a segurança de transporte aéreo, em concurso formal (Art . 70 do CP). Um, na modalidade fundamental (art. 261, caput, CP), quanto à periclitação da aeronave N600XL. O outro, qualificado por cento e cinqüenta e quatro mortes (art. 261, parágrafo 1º, c/c art. 263, CP), em relação ao avião sinistrado de prefixo PR-GTD”.

Desde a primeira imputação – “O denunciado JOMARCELO FERNANDES DOS SANTOS, absteve-se dolosamente de corrigir a altitude da aeronave N600XL, sabendo-a em patamar impróprio para a rota programada” – o Ilustre membro do Parquet registra entendimento quanto a um comportamento doloso por parte de Jomarcelo. E prossegue: “Por isso, e por, nessas condições, ter também deixado de adotar as providências regulamentares para falha de transponder, omitiu-se quanto a risco intolerável de colisão, que podia e devia impedir, a que ambas as aeronaves envolvidas se expuseram. O conhecimento da discrepância de altitude e, portanto, do perigo de colisão, é o ponto que diferencia a sua conduta da dos demais controladores. Enquanto estes supunham que a aeronave estava no nível de cruzeiro correto, Jomarcelo Fernandes dos Santos sabia que ela não estava, e, assim, concorreu, conscientemente, para a instalação e permanência da situação de risco”.

Observa-se que a imputação trazida na exordial acusatória é, a uma primeira vista, de dolo direto, na medida em que as expressões “absteve-se dolosamente de corrigir a altitude da aeronave N600XL, sabendo-a em patamar impróprio para a rota programada” e “concorreu, conscientemente,

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para a instalação e permanência da situação de risco” apontam para consciência e vontade de não evitar e manter o risco proibido de colisão da aeronave que voava na aerovia sob sua monitoração.

A fortíssima imputação, que resultaria em uma pena de reclusão de 8 a 24 anos, sem contar o acréscimo decorrente do concurso formal, impõe uma delimitação técnico-doutrinária do instituto do “Dolo”, ainda que brevíssima como a que se passa a esboçar.

Assente, no Brasil, que a Teoria da Vontade fundamenta o “Dolo Direto” e que a Teoria do Assentimento, ou Consentimento, define os requisitos do “Dolo Eventual”, é de se examinar cada um dos requisitos de cada conceito.

Dois requisitos elementares são indispensáveis ao dolo direto: o conhecimento, elemento cognitivo, e a vontade, elemento volitivo. O que importa exigir para o reconhecimento de uma ação dolosa, que o agente sabe o que faz e quer fazer. Segundo Hans Welzel, a quem se atribui a paternidade do sistema finalista, este que se tem como adotado desde a Reforma da Parte Geral do Código Penal, de 1984, o dolo deve abranger: os objetivos efetivamente pretendidos pelo agente, a seleção dos meios necessários para a produção do resultado pretendido e as conseqüências secundárias da conduta.

O dolo eventual, por sua vez, objeto de definição da Teoria do Assentimento, traz como elemento cognitivo a “representação mental” deveras menos acentuado que o saber direto, consciente. Quem representa mentalmente a possibilidade de ocorrência de um resultado decerto não o tem como certo, senão como uma probabilidade. E a aceitação do resultado, como provável, é elemento volitivo, por sua vez, igualmente atenuado em comparação com um querer direto, determinado.

De se observar que o elemento cognitivo do dolo eventual – a “representação mental” – também se encontra presente na chamada “culpa consciente”, radicando a diferença no elemento volitivo: no dolo eventual aceita-se o resultado, com indiferença; na culpa consciente, embora representado mentalmente a possibilidade de ocorrência do resultado, não há aceitação do resultado, antes, o agente atua com a absoluta convicção de que o resultado não sobrevirá, acreditando sinceramente que o seu agir é seguro, inobstante a previsão do risco.

Talvez em face da grandiosa dificuldade de oferecer denúncia em prazo recorde, considerada a extensão do desastre e a complexidade da atividade probatória, tudo a requerer um acurado exame pericial, todavia não disponível em tempo tão curto, o Ministério Público, segundo o que lhe chegava às mãos, entendeu conduta dolosa por parte do Jomarcelo.

Hoje, repita-se, passados mais de dois anos da tragédia, são fartos os elementos probatórios a demonstrar a responsabilidade dos pilotos e dos integrantes do mais alto escalão de militar da Comando da Aeronáutica, estes já denunciados por crime de Omissão de Eficiência, conforme a Ação Penal Privada Subsidiária que se encontra protocolada no Supremo Tribunal Federal, onde se demonstra (cópia integral no Anexo 4) toda a responsabilidade criminal por uma situação inacreditável de falhas sistêmicas, sobejamente conhecidas e ignoradas pelos Oficiais gestores do Sistema de Controle do Espaço Aéreo Brasileiro.

Bastaria considerar a absurda mudança automática de nível, por parte do Sistema X4000, falha que criminosamente se deixa de corrigir para prejudicar a defesa do Jomarcelo, conforme acima se apontou, em registro de relatório oficial produzido pelo TCU, para que se desmorone qualquer suporte lógico à sustentação de dolo na conduta do controlador.

E a in justiça que se perpetra contra Jomarcelo não se resume aos poucos mais de 3 minutos que ele dispunha para identificar um sinal esmaecido de mudança automática de n ível de vôo – impensável em qualquer país que leve a sério esta atividade. Três minutos logo transformados, fraudulentamente, em longos 7 minutos por parte desonesta da imprensa (segundo fala de jornalista:“7 minutos em aviação, é muuuito tempo!”), ocultamente paga por empresa de relações públicas, essa contratada para

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“melhorar a imagem” dos pilotos do Legacy, conforme exped iente bem ao estilo Americano.

A dolorosa injustiça que se pratica contra este controlador já destruído em auto-estima, em possibilidades profissionais, desesperadamente carente de tudo que signifique um alívio em face das mortes ocorridas, e que lhes são covardemente imputadas (covardia que aqui não se atribui ao douto membro do Ministério Público Federal, mas aos comandantes da Comando da Aeronáutica, estes verdadeiros conhecedores do conjunto de falhas que produziram a tragédia), se mostra exacerbada quando se considera que o Jomarcelo encontrava-se em posição operacional de controle de vôo de uma aeronave pilotada por estrangeiro, quando, assim como grande parte dos controladores brasileiros, apresentava sérias restrições de domínio da língua inglesa.

Dificu ldade que se exprime de modo trágico-irônico no informat ivo AEROESPAÇO do DECEA (Departamento de Controle do espaço Aéreo), de nº 14, editado em janeiro de 2006, página 8, em uma matéria escrita pelo Capitão Especialista em Controle de Tráfego Aéreo, Eduardo Silvério de Oliveira, que tem como título: "THE BOOK IS ON THE TABLE (mas os controladores precisam mais que isso!)". O título por si só revela, para quem o lê, a certeza de que este é o nível de proficiência inglesa da grande maioria dos controladores em atividade no tráfego aéreo brasileiro, situação crítica para quem voa, uma vez que a língua inglesa é a internacionalmente adotada pelas tripulações de outros países. Salvo aqueles que tiveram a oportunidade de investir num curso de inglês às suas próprias expensas, o restante tem exatamente o nível criticado na matéria publicada, ironicamente, pelo próprio órgão central da Comando da Aeronáutica responsável pelo tráfego aéreo.

Coloque-se no lugar dele, quem quer que pretenda imputar seriamente um crime a Jomarcelo. Homem simples e humilde, sentado em frente a um console de controle de tráfego aéreo, forçado pelo estamento militar a cumprir ordens, dentre as quais a de controlar aeronave pilotada por alguém com quem não conseguirá se comunicar, senão pela repetição mecânica de limitadíssima fraseologia, pobre mimet ização de comunicação humana, insuficiente para lidar com qualquer evento que fuja dos estreitos comandos aprendidos.

É assim, Excelentíssimo Senhor Juiz, que o novel instituto das Alegações Preliminares, aqui expendidas, permitirá a Vossa Excelência corrig ir, de plano, de pronto, de imediato a ignominiosa injustiça. Como admitir presentes os elementos psíquicos de “conhecimento” e “vontade” na manutenção de risco,por parte do Jomarcelo, este que é vítima, assim como os mortos e seus familiares, da covarde negligência dos verdadeiros responsáveis pela tragédia?

Como Jomarcelo poderia adiv inhar que naquela aeronave Legacy se encontravam aeronautas irresponsáveis, igualmente acompanhados por irresponsável representante da Embraer, todos a voar alegremente sem a menor observância das regras mín imas de navegação exig idas para um piloto amador?

Como Jomarcelo poderia adivinhar que desligariam o transponder, logo o transponder, curiosamente após deixarem Brasília em direção ao “vazio do céu amazônico”, como de ordinário se representa este imenso espaço ermo?

Como Jomarcelo poderia representar mentalmente, muito pior, aquiescer, que o Piloto não obedeceria o plano de vôo por eles apresentado, e que voariam em n ível diverso daquele representado pelo sistema que os seus chefes não querem corrigir para condená-lo?

Em raríssimos momentos da vida jurídica de qualquer profissional vai se encontrar situação tão absurda: a de ter que empregar argumentação da Ciência do Direito para repulsar coisa tão evidente, tão cristalina quanto estapafúrdia, a inacreditável acusação de que alguém como Jomarcelo, formado para ser controlador de vôo, destinado a assegurar vôo seguro aos que estão sob seus cuidados profissionais, pudesse ser acometido de tão

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mórbido sentimento de indiferença com a v ida humana que o conduzisse a manter em risco uma aeronave, conscientemente, indiferente ao que daí sobreviesse.

E o devido respeito ao Excelentíssimo Procurador da República, que ora oficia em Sinop, impõe que se lhe faça justiça, em homenagem à douta formação que marca todos aqueles que ascendem, mercê de méritos próprios, aos elevados misteres do Parquet Federal. Tivesse o douto Procurador acesso ao que aqui se trouxe, sem dúvida, outro seria, como será, o seu posicionamento.

Apenas para reforçar, rep isar, tudo que tem sido ruminado, remoído por todos os controladores indignados com a covarde perseguição movida pelos comandantes militares da Comando da Aeronáutica, envolvidos nessa indigna conjuntura: a quantidade de informações geridas simultaneamente por um controlador em operação é muito grande. Assim, não se podendo confiar simples mente em sua memória, a ele é disponibilizado um conjunto de informações registradas nas Fichas de Progressão de Vôo. É HUMANAMENTE IMPOSSÍVEL QUE O CONTROLADOR SAIBA QUAL O NÍVEL DE VÔO DE TODAS AS AERONAVES SOB SEU CONTROLE SEM O AUXÍLIO DAS FICHAS DE PROGRESSÃO DE VÔO 4

Desta forma, resta evidente que o controlador Jomarcelo foi induzido ao erro pela troca automát ica do nível de vôo, do autorizado pelo solicitado, não cabendo a ele outra atitude senão a de confiar nos registros disponíveis na Ficha de Progressão de Vôo, que na hora da mudança de controlador acusava o nível de vôo 360 como sendo o nível autorizado e, portanto, o nível em que deveria estar mantida a aeronave.

.

Jomarcelo, ao contrário do que se lhe imputou na denúncia, adotou a conduta que qualquer controlador em seu lugar adotaria, pois tinha a certeza natural de que lidava com informações confiáveis, como a que lhe apresentava a altitude da aeronave Legacy em 36.000 pés – nível de vôo 360 (FL 360).

São as razões pelas quais se pede absolvição sumária para Jomarcelo, de modo a que se repare a brutal injustiça contra ele perpetrada. Na pior das hipóteses, Excelentíssimo Senhor Juiz, convole-se em acusação culposa, para a qual igualmente se demonstrará inocência, mas desde já se retire tão gravosa atribuição de responsabilidade dolosa, que o discrimina e fere em duríssima antecipação de pena, sem que sequer tenha sido julgado.

Em relação ao acusado LUCIVANDO, aduziu-se em Alegações Preliminares o que se segue (fls. 2101 a 2104):

Também com relação ao acusado LUCIVANDO TIBÚRCIO DE ALENCAR, denunciado por violar “normas que regem o exercício de sua profissão, negligenciando procedimentos previstos para os casos de falha de comunicação e de transponder” e por sonegar “informação dessas falhas ao CINDACTA 4”, assim inviabilizando “a adoção, por parte daquele órgão, de ações corretivas, como, por exemplo, o desvio do avião PR-GTD”, com o que teria deixado “de evitar ou minorar...riscos não-permitidos que culminaram com a periclitação e o sinistro da citada aeronave, e com a conseqüente morte das pessoas nela embarcadas” , a denúncia há de ser refutada pelas razões que se seguem:

4 Cabe o lembrete. A concepção originária do sistema era para ser totalmente eletrônico (sem papel). Por exigência dos controladores, adotou-se a FPV de papel como redundância para falhas do console (apagão ou sumiço dos dados). Só que as FPV impressas replicam às eletrônicas. Assim, carregando seus vícios. Erros de concepção originária (facilidades ?).

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1. Lucivando, conforme mais acima apontado, recebeu a informação de progressão de vôo do Legacy N600XL ao assumir o serviço do controlador Jomarcelo, quando da mudança de controladores no setor 7: “O nível de vôo é o que consta na Ficha de Progressão de Vôo”, foi o que ouviu. Naquele momento coincidiam a FPV, em sua versão digital exibida na tela – onde se lia “360 360” (respectivamente, níveis autorizado e solicitado), a cópia impressa da FPV e, ainda, a informação da etiqueta eletrônica da pista radar exib ida na tela do console, agora como “360z360”. OU SEJA: INFORMAÇÕES COERENTES, CONGRUENTES COM O PLANEJADO/ESPERADO PARA A PROGRESSÃO DE UM AERONAVE NAQUELA AEROVIA 5

2. Portanto, para o controlador Lucivando a aeronave sempre esteve no FL360.

.

3. As informações altimétricas da aeronave, durante o controle de Lucivando, estavam sendo fornecidas pela antena de radar primário e não pelo secundário. O radar primário não tem função técnica de emitir alt itude precisa, antes destina-se às ações de controle relativas à DEFESA AÉREA, permitindo a detecção de aeronave não identificada, que vier a adentrar o espaço aéreo brasileiro com seu transponder desligado, tentando fugir do alcance dos radares de cobertura do território nacional. Para essas situações, o Comando de Defesa Aérea instalou antenas de radares PRIMÁRIOS em diversos pontos do território nacional. Assim, esses radares, denominados de TRS, fazem uma leitura, uma espécie de cálculo sobre a altitude da aeronave desconhecida, todavia, sem pretensão de precisão altimétrica. Em verdade, representa equívoco a manutenção e exibição dessa informação para o controle de tráfego da aviação civ il, razão pela qual esse dado é suprimido em todos os países desenvolvidos, na atividade.

4. Fato é, que independente da detecção primária da pista radar do N600XL não ser de uso para o controle de tráfego aéreo, aí se encontrava mais um fator de indicação de normalidade para aquela progressão de vôo, em tudo indicada como ocorrente no nível de vôo 360. Esta era a convicção do Lucivando, como de resto seria para qualquer controlador deste planeta que atuasse no sistema brasileiro.

5. Quanto às imputações de negligência nas falhas de comunicação, registra-se que, no Brasil, segundo a ICA 100-12, item 14.4.2, pág.155, do Comando da Comando da Aeronáutica: "As aeronaves que dispuserem de equipamento transponder em funcionamento, quando em vôo, deverão mantê-lo acionado durante todo tempo de vôo, independentemente de se encontrarem em espaço aéreo com cobertura radar secundário e deverão selecionar seu equipamento no modo 3/A da seguinte forma: ... ...c) 7600 – com falhas de comunicações".

6. Ora, ev idente que se o piloto em comando não deixasse de observar regra tão comezinha, de observação compulsória no mundo inteiro, perceberia que seu transponder estava desligado, situação em que a tragédia não ocorreria, pois o últ imo filtro de segurança, o TCAS – TCAS Traffic Collision Avoidance System, funcionaria.

5 Cabe o lembrete. A concepção originária do sistema era para ser totalmente eletrônico (sem papel). Por exigência dos controladores, adotou-se a FPV de papel como redundância para falhas do console (apagão ou sumiço dos dados). Só que as FPV impressas replicam às eletrônicas. Assim, carregando seus vícios. Erros de concepção originária (facilidades ?).

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7. E toda operação de controle de tráfego aéreo alicerça-se no Princípio da Confiança, hoje tão prestigiado pelo Direito Penal, onde os órgãos de tráfego aéreo esperam que a conduta a ser desenvolvida pelo piloto com falha de comunicações seja aquela preconizada nos termos do item 14.5.5, pág. 156, da ICA 100-12: "Quando uma aeronave, equipada com t ransponder apresentar falha de comunicações espera-se que o piloto selecione o código 7600. Quando o controlador observar a apresentação do código 7600, deverá aplicar o procedimento de falhas de comunicações".

8. Ora, de todas as degravações das conversas dos pilotos, que já foram levadas a esse Juízo, depreende-se a ausência de experiência e familiaridade com o avião, bem como desprezo pela leg islação de tráfego aéreo, pois ao detectarem a falha de comunicações com o ACC-BS – Centro Brasília – deveriam ter modificado o código transponder para 7600, código correspondente a problemas de falhas de comunicações, aplicado no mundo inteiro e constante do Doc. 4444, da ICAO – International Civil Aviat ion Organization, regulação a qual se submetem Brasil e Estados Unidos.

9. Agrava o quadro exposto a repetitiva ocorrência de falhas de comunicação, tão abundantes, tão comuns no cotidiano do controle de tráfego aéreo brasileiro (ver anexos 1 e 3) que induzem à banalização de novas falhas, o que não se tolera em uma at ividade que deve ser intolerante com relação às falhas. E não há como negar que a perda do sinal transponder de uma aeronave é algo comum na região de controle de Brasília. Quer seja por pane de radares ou por sinais enviados erroneamente para os controladores. Também tão comum são as falhas de comunicações na região do acidente que uma eventual perda de comunicação, por si só, não chega a criar uma consciência situacional de alerta.

MM Juiz, avultam os indícios e provas que apontam como responsáveis pelo trágico acidente os pilotos da aeronave Legacy N600XL. A imperícia na pilotagem daquele equipamento, o desprezo pelo plano de vôo, tudo a encontrar-se suficiente demonstrado só pelo que levantou a Polícia Federal, ao degravar o conteúdo registrado nas caixas “Cockpit Voice Recorder” e “Flight Data Recorder” do avião da ExcelAire. As gravações demonstraram que os pilotos não tinham o domínio completo da aeronave e tiveram por d iversos momentos, dificu ldade de controlar o avião e manter seus equipamentos em funcionamento (a exemplo do transponder, EQUIPAMENTO QUE EVITARIA A COLISÃO).

Em culpa concorrente aponta-se o Ex-Comandante Geral da Comando da Aeronáutica, o Tenente Brigadeiro do Ar R/1 Luís Carlos Bueno, pelos crimes de Omissão de Eficiência da Força e Omissão de Providências para Ev itar Danos, capitulados respectivamente nos artigos 198 e 199 do Código Penal Militar Brasileiro, na conformidade da Ação Penal Privada, subsidiária da Ação Penal Pública que não foi proposta pelo Procurador-Geral da República, a despeito de todas as informações terem sido a ele encaminhadas. Sob a relatoria do Ministro Celso de Mello, esta Ação será submetida ao Plenário do Supremo Tribunal Federal onde se acha protocolada. A cópia da referida Ação, com o número de protocolo do STF em sua capa, encontra-se anexada às presentes Alegações, e constitui importante documento a comprovar a inexistência de responsabilidade dos controladores na tragédia do Vôo 1907. Esses que aqui se encontram denunciados, somente estão sendo processados em razão da extrema covardia dos seus comandantes, os quais, desonrando a melhor trad ição militar, abandonaram os seus subordinados para ocultar os próprios erros.

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Sobreveio a Sentença em Alegações Preliminares, nos termos que se seguem: ...

2) Jomarcelo Fernandes dos Santos, diz a defesa, era responsável, no dia do acidente, ao comando da região de Brasília, setores 7, 8 e 9. Naquela oportunidade, tinha sob seu comando "a maior área de controle do Centro de Brasília" e não contava com assistente, fato que somente passou a ser admitido em razão da falta de controladores em número suficiente à manutenção do padrão controlador-assistente. No momento em que a aeronave Legacy estava progredindo no setor controlado por Jomarcelo havia uma aeronave militar realizando um vôo de prospecção de imagens-radar próximo à cidade de Formosa-GO, vôo que já houvera sido realizado pela manhã e que não fora bem sucedido, "devido a falhas nas coordenações entre a defesa aérea e o centro de controle. Por isso, no início da tarde houve um briefing diferenciado, onde se pediu maior atenção ao vôo de defesa aérea. Em verdade, Jomarcelo teve em seu console por pouco mais de 03 minutos a visualização de progressão daquele vôo, sem qualquer sinalização do sistema que chamasse sua atenção para alguma falha". Como os pilotos não preencheram o plano de vôo, teriam que receber o briefing de quem elaborou o plano, para que desse modo pudessem se certificar da rota prevista, com os níveis de cruzeiro respectivos. Em outras palavras, os pilotos sabiam - se não sabiam, deveriam saber - que as mudanças de altitude deveriam ser solicitadas após o "bloqueio de Brasilia". O controlador Jomarcelo realizou o primeiro contato com a aeronave dois minutos antes do bloqueio de Brasília (18:55:16Z), ocasião em que o nível de vôo (370) ainda estava correto. Antes que a aeronave chegasse a Brasília, a segunda linha do bloco de dados da etiqueta eletrônica da pista exibida na tela do console do radar, referente à progressão do Legacy, mudou de 370=370 para 370=360, "automaticamente, por falha do sistema”. "E ao contrário do que se tem divulgado, o campo à direita do bloco de dados não se refere ao nível de vôo proposto pelo piloto, mas sim ao nível de vôo autorizado pelo controlador". Faz a defesa, nesse ponto, nova menção às falhas apontadas pelo Tribunal de Contas quanto à "mudança automática" de nível de vôo. Observa que "tal mudança ocorre sem que exista qualquer sinal de ênfase no console para chamar a atenção do controlador, tais como sinal sonoro ou mudança de cor". Diz a defesa também que a aeronave voou pouco mais de 03 minutos em um nível de vôo incorreto, "o que para o controle de tráfego não significava risco algum, pois até aquele momento os controladores de Brasília não tinham qualquer informação sobre o vôo da aeronave PR-GTD, GOL 1907, cuja entrada na área e controle de Brasília deveria se dar às 19:57Z, ou seja, 01 hora após o bloqueio do Legacy". Sendo de vigilância radar o serviço prestado, "a responsabilidade pela navegação era do piloto". Ao assumir a posição de controle de Jomarcelo, o controlador Lucivando recebeu a seguinte informação: "O nível de vôo é o que consta da Ficha de progressão de vôo", que era "360 360", "informação coerente com aquela exibida na tela "360z360". A defesa, em seguida, chama a atenção para a baixa confiabilidade do radar primário, "que chegou a exibir oscilações de 9.000 pés", e levanta a hipótese de que o equipamento tenha sido desligado intencionalmente, com o propósito de executar manobras no espaço aéreo amazônico. Reputa inaceitável que sobre Jomarcelo

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pesem duas acusações em concurso formal, pela prática de crimes dolosos. Faz, por fim, incursões doutrinárias sobre o dolo e sustenta ser injusta a acusação feita a Jomarcelo, pessoa que tem conhecimento limitado da língua inglesa e que não tinha condições de saber "qual o nível de vôo de todas as aeronaves sob o seu controle sem o auxílio das fichas de progressão de vôo" . 4) Lucivando Tibúrcio de Alencar, segundo a defesa, ao assumir a posição de Jomarcelo, ouviu a informação de que "o nível de vôo é o que consta da Ficha de Progressão de Vôo", dado que constava, de resto da etiqueta eletrônica, que marcava "360z360". Essa informação, portanto, era coerente "com o planejado/esperado para a progressão de uma aeronave naquela aerovia". As informações altimétricas, durante o período em que Lucivando permaneceu no controle, eram fornecidas pelo radar primário, que não tem função técnica de emitir altitude precisa, destinando-se precipuamente à defesa aérea. Independentemente da "detecção primária da pista radar N600XL não ser de uso para controle de tráfego aéreo, aí se encontra mais um fator de indicação de normalidade para aquela progressão de vôo, em que tudo indicava como ocorrente o nível de vôo 360". Quanto à alegada negligência em tomar as medidas necessárias em caso de falha de comunicação, diz a defesa que, se o transponder não tivesse sido desligado, a colisão não aconteceria, pois "o último filtro de segurança o TACS funcionaria". Ademais, quando uma aeronave apresenta falhas de comunicação, o que se espera do piloto é que acione o código 7600. É o relatório. Decido. Defesa escrita. Algumas considerações A Lei n° 11.719, de 20 de junho de 2008, alterou de modo significativo o rito dos procedimentos ordinário e sumário. Antes do advento do novo diploma legislativo, o que se tinha era, basicamente, o seguinte: oferecimento da denúncia, recebimento dela (se fosse ocaso), citação do réu para o interrogatório e apresentação de defesa prévia. Ouvia-se, depois, as testemunhas de acusação e, em seguida, aquelas apresentadas pela defesa. Apresentadas as alegações finais pelas partes, o processo estaria concluso para sentença, a menos que as partes requeressem eventualmente diligências necessárias ao esclarecimento dos fatos - prova pericial, por exemplo. Esse era, em suma, de modo resumido, o rito processual adotado anteriormente à modificação da lei processual. Agora, após a alteração do procedimento, oferecida a denúncia, o juiz deverá rejeitá-Ia liminarmente nas hipóteses do art. 395 do CPP: inépcia manifesta (inciso I), falta de pressuposto processual ou ausência de condição da ação (inciso lI) ou falta e justa causa (inciso IlI). Não configurada nenhuma dessas hipóteses, a renúncia será recebida e o juiz, então, ordenará a citação do acusados "para à acusação , por escrito, no prazo de 10 dias" (art. 396). [...] Passo, então, à análise dos fatos. O Ministério Público admite que o denunciado Lucivando foi "omissivo quanto à falha do transponder da N600XL, assim como o seu antecessor (Jomarcelo)". Apenas com a diferença de que não sabia que a aeronave voava na "contra-mão". Essa circunstância exigia providências de comunicação que não foram realizadas a contento pelo denunciado, providências que eram ainda mais urgentes em se

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considerando que o avião sobrevoava uma "área crítica", consideradas pelos próprios controladores como área de "não-radar". Não compartilho, no ponto, da afirmação feita pelo órgão ministerial. Não vejo uma relação direta entre a possível falha do sistema aéreo e a necessidade de que se tomasse providências urgentes. Se é que se quer admitir que a área é de não-radar (o Ministério Público mesmo a chama de "área crítica"), poder-se-ia, em verdade, chegar a raciocínio diverso. Quando um dado sistema de comunicação é marcado pela eficiência, pela característica de não apresentar defeitos, pelo funcionamento normal, regular, contínuo e permanente no tempo, a falha se torna exceção e, na sua ocorrência (da falha), o que se espera é que o agente que o opere tome, diante da situação inusitada, uma iniciativa rápida, para se informar sobre o ocorrido ou para corrigir o defeito - se tiver no seu âmbito de atribuição a solução do "problema inesperado". Mas se um sistema se caracteriza, ao contrário, pela nota da "precariedade" (é o próprio MPF que fala em "área crítica"), do mau funcionamento, de defeitos sucessivos, essa circunstância, quando repetida no tempo, tende a criar na pessoa encarregada de operá-lo um certo descrédito - para não dizer total descrédito. Se a regra, em suma, é a ocorrência do defeito, a atividade imediata necessária à sua correção é que passa a ser exceção. Para ser bem claro: se o sistema seguidamente "vai e volta", é natural que, durante o decurso de tempo, acabe se "acostumando" e não tome as providências imediatas baseado na convicção de que o equipamento falho voltará, enfim, a funcionar. Mas esse não é um aspecto decisivo. É preciso reconhecer que tentativa de comunicação houve. Foram quatro tentativas de comunicação feitas pelo denunciado Lucivando com a aeronave: 19h26m56s (a primeira), 19h27m12s (a segunda), 19h34m07s (a terceira), 19h53m38s (a quarta). Não se pode afirmar, portanto, que o agente omitiu-se. Pode-se até dizer eventualmente que as comunicações não se deram exatamente na forma como previsto no regulamento de regência. Esse intervalo entre uma ligação e outra certamente tem relação com as falhas que o sistema de comunicação apresentava no momento. Se área era "crítica", como diz o MPF, então o espaçamento encontra uma justificação plausível. A exigência de que, a cada comunicação não completada, fosse adotado um procedimento de emergência é incompatível com o regular funcionamento do sistema. Aqui cumpre fazer uma observação. Lucivando foi interrogado, assim como os demais controladores. O fato de este juízo ter oferecido aos controladores o direito de apresentação de defesa escrita - quando já efetivado o interrogatório -, por uma questão e tratamento igualitário no processo não o impede, evidentemente, de investigar o que naquele ato declarou o acusado. O interrogatório foi ato legítimo, já integra o processo e contou com participação de todos os interessados - MPF, assistentes de acusação, defesa dos pilotos e defesa dos controladores. O mesmo procedimento seria utilizado se a situação fosse inversa - pilotos já ouvidos em juízo e controladores ainda não ouvidos. Nenhum problema teria se se todos os réus já tivessem sido interrogados antes do advento da lei nova. Aí não estaríamos falando em defesa escrita. O ato já teria se consumado, em relação a todos os réus, antes do advento do novo procedimento. Questionado no interrogatório pelo Ministério Público sobre a partir de que momento poderia ficar configurada uma falha de comunicação,

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Lucivando respondeu o seguinte: "não existe um número x de:, de, de ... não há, são vinte, quinze, dez tentativas, não o regulamento não cita isso. O que existe é tentar comunicação, não conseguindo, prover separação, como foi ocorrido, mais uma vez, eu deixo bem claro, a aeronave Legacy November, meio, zero, zero, X-Ray Lima, estava mantendo o nível três, meia, zero, nível correto para aquele rumo magnético e a aeronave gol no nível três, sete, zero, já havia separação, garanti essa separação através das informações do cenário que me foi apresentado" (fl. 1356 do volume VI da ação penal). Essa declaração coincide com o que foi dito no inquérito policial: "que, naquele momento, a informação essencial em relação à aeronave era seu nível de vôo, ou seja, 360, o estimado de passagem pelo ponto da notificação compulsória NABOL, que significa o limite de espaço aéreo controlado pelo ACC/BS e pelo ACC/ AZ e que essas as informações relevantes para o sobrevôo em uma área não radar como aquela em que a aeronave já estava prestes a adentrar" (fls. 253 do Volume II da ação penal). O importante a extrair da declaração de Lucivando é, em primeiro lugar, a alegação de que o regulamento não prevê um critério, "aberto" que fosse, a partir do qual o agente operador do sistema pudesse concluir pela existência de uma situação configuradora de falta ou falha de comunicação. O regulamento é omisso a respeito (item 7.14.e e 7.14.2). Isso quer dizer que cumpre ao agente, na situação "concreta", definir, segundo a sua avaliação, quando ocorre a falha e decidir pelas providências a serem tomadas. A norma deixa, portanto, uma margem de atuação, de modo que não se pode falar sobre existência de falha "em abstrato", somente sendo legítima a conclusão pela sua ocorrência quando essa conclusão for retirada do contexto fático em que se desenvolveu a ação. É nesse ponto que parece ter relevância a segunda declaração feia pelo denunciado Lucivando. Como está dito na denúncia e é fato incontroverso no processo, o denunciado Jomarcelo passou-lhe a informação de que a aeronave encontrava-se no nível F360, compatível para o trecho monitorado pelo acusado - afirmação que nem a defesa de Jomarcelo nega. Disso se pode concluir, legitimamente, que para ele, embora houvesse problemas de comunicação, a situação era de "normalidade", pois, afinal de contas, na "sua cabeça" o avião não se encontrava em rota de colisão. Ora, essa situação de "normalidade" quanto ao nível do Legacy não pode ser desprezada quando se analisa os procedimentos que Lucivando adotou - e tentou "quatro vezes" - para se comunicar com o avião.· Um comportamento mais ativo e mais expedito certamente poderia dele ser exigido acaso houvesse algum motivo que fosse para desconfiar que a aeronave voava em nível de "colisão". Aí, sim, seria o caso de analisar com muito mais rigor os procedimentos adotados para o estabelecimento de contato com o Legacy. Mas onde estariam esses elementos que pudessem levar a uma desconfiança sequer? Em nenhum lugar. O próprio MPF diz, na denúncia, que Lucivando não sabia que a aeronave voava na "contra-mão", sendo essa afirmação de extrema importância - pois feita pelo próprio órgão de acusação - para que se examine de maneira menos rigorosa a censura feita pelo MPF ao comportamento do acusado na condução dos trabalhos de comunicação com o avião. Lucivando, em verdade, atuava em erro de fato. Estava completamente iludido a respeito de uma situação de fato de suma

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importância para que se analise não apenas eventual falta de cuidado como também, e principalmente, a sua capacidade de previsão do risco. Lucivando tinha como certo que o Legacy voava em altitude 360, perfeitamente compatível para o trecho que monitorava; Leciona Piarengeli que "dentro da dogmática penal moderna, a responsabilidade se assenta prioritariamente sobre o descumprimento de dever de cuidado, de natureza objetiva, com a necessidade de se fixar uma relação de causa e efeito entre a conduta descumpridora do dever de cuidado e o resultado. A previsibilidade vem a formar o tipo subjetivo. enquanto o dever de diligência vai compor o tipo objetivo" (op. cit, p. 455). Não basta, portanto, examinar a questão apenas pelo ângulo da falta de cuidado objetivo. A previsibilidade, com componente do "tipo subjetivo", deve, necessariamente, ser levada em consideração. Caso contrário, cairíamos no risco de fixação de uma responsabilidade penal objetiva. Mas eu quero insistir em uma observação. Não se pode sequer afirmar categoricamente que Lucivando tenha faltado com dever de cuidado no que diz respeito às comunicações com a aeronave Legacy. O que se poderia dizer, eventualmente, é que ele não foi diligente como deveria ter sido. Não teria cumprido com eficiência a norma regulamentar de regência - O ICA 100-12. Convém, no ponto, deixar bem claro que o regulamento das atividades aéreas dispõe sobre os procedimentos a serem dotados em situação de falha de comunicação. O ato normativo não contém, no entanto, nem um artigo que deixe ao operador um critério - mínimo que seja - a partir do qual ele possa chegar à conclusão não de que há falha, pois isso ele pode perceber, mas de necessidade pôr em funcionamento os procedimentos emergenciais. É nesse contexto que vejo configurado, de modo aceitável, o dever de cuidado em relação à conduta do acusado (Lucivando). A previsibilidade objetiva, leciona Fernando Capez, "é a possibilidade de qualquer pessoa dotada de prudência mediana prever o resultado. É elemento da culpa. Conforme anota Mirabete, "a rigor, porém, quase todos os fatos naturais podem ser previstos pelo homem comum (inclusive uma pessoa poder atirar-se sob as rodas do automóvel que está dirigindo). É evidente, porém, que não é essa a previsibilidade em abstrato de que se fala. Se não se interpreta o critério da previsibilidade informadora da culpa com certa flexibilidade, o resultado lesivo sempre, seria atribuído ao causador. Não se pode confundir dever de prever, fundado na diligência ordinária de qualquer homem, com poder de previsão. Diz-se então que estão fora do tipo penal dos delitos culposos os resultados que estão fora da previsibilidade objetiva de um homem razoável, não sendo culposo o ato quando o resultado só teria sido evitado por pessoa extremamente prudente" (op. cit, pp. 208/9). Mesmo que se considerasse ausente o dever de cuidado quanto à tentativa de comunicação com o Legacy, ainda assim a punibilidade por esse fato não seria possível. Falta, como se vê, o requisito da previsibilidade. E ele não estaria configurado por outra razão. Já se disse que Lucivando estava atuando em erro de fato. Já se disse que para ele a aeronave voava "360". Erro de tipo, na lição de Damásio de Jesus, "é o que incide sobre as elementares ou circunstâncias da figura típica, sobre os pressupostos de fato de uma causa de justificação ou dados secundários da norma penal incriminadora ..... Não há consciência da conduta e do resultado, a consciência do nexo de causalidade e nem a vontade de realizar a conduta contra a vítima e de

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produzir o resultado. Há desconformidade entre a realidade e a representação do sujeito que, se a conhecesse, não realizaria a conduta" (op. cit, p. 265). Damásio está comentando a situação hipotética de um homicídio. É certo, diz o artigo 20 do Código Penal, que o erro sobre elemento constitutivo do tipo, embora exclua o dolo ,"permite a punição por crime culposo, se previsto em lei". A conduta culposa pela qual foi denunciado Lucivando encontra-se prevista em lei (regulamento). Mas o erro em relação à altitude da aeronave era o que a doutrina chama de erro invencível. A altitude ("360") era compatível com a rota. Além do mais, foi confirmada a Lucivando por Jomarcelo. Qual o motivo que teria Lucivando para "desconfiar" que, em vez de trafegar no nível correto, a aeronave Legacy estaria em outro nível? Nos dados constantes do processo não existe prova alguma que permitisse uma afirmação no sentido de que essa "desconfiança" lhe pudesse ser exigida. Então, ele tomou aquelas providências de comunicação com convicção de que a situação não era de emergência. Ele não tinha dúvida sobre o nível de vôo da aeronave. "O erro invencível que recai sobre elementar exclui, além do dolo, também a culpa. Se o erro não podia ser vencido, nem mesmo com emprego de cautela, não se pode dizer que o agente procedeu de forma culposa" (CAPEZ. Fernando. Op. cit, p. 224). O exame do caso também permite que se recorra ao chamado princípio da confiança, de utilidade indiscutível para solucionar principalmente problemas decorrentes de delitos culposos. "Na ciência penal contemporânea", afirmam Zaffaroni e P ierangeli, "esses problemas são solucionado com recurso ao "princípio da confiança", segundo a qual desenvolve-se de acordo com o dever de cuidado a conduta daquele que, em qualquer atividade compartilhada, mantém confiança em que o outro se comportará conforme ao dever de cuidado, enquanto não tenha razão suficiente para duvidar ou acreditar o contrário. Assim o condutor que vê que um pedestre está cruzando a rua fora da faixa de segurança tem motivo suficiente para crer que está violando o dever de cuidado, do mesmo modo e aquele que vê um grupo de crianças jogando futebol na calçada" (op. cit, 512). Usando o exemplo dos eminentes doutrinadores, pode-se dizer que o avião, para Lucivando, não estava "atravessando a rua". Antes pelo contrário, tudo indicava que a aeronave estava no nível compatível com o trecho. E ele não tinha nem um dado concreto que o permitisse duvidar disso. E não estava no seu âmbito de previsão que a aeronave pudesse de repente mudar o nível de vôo. Não se pode exigir do agente que preveja o extraordinário, o inusitado. Não se pode, enfim, exigir que o agente preveja a exceção. A regra é que as aeronaves permaneçam no nível autorizado. Estou absolvendo, portanto, o acusado Lucivando da conduta relacionada com as comunicações que tentou realizar com a aeronave, na análise das quais o MPF chegou à conclusão de que deveria o acusado ter toma o providências de emergência. Aqui cumpre um outro esclarecimento. Estou tomando essa conduta como um fato autônomo. É certo que a acusação diz que, malograda a tentativa, o acusado Lucivando teria de "programar em seu console as cinco freqüências existentes". Disso poderia se entender que o ato culposo teria sido não propriamente o que o MPF reputa negligência nas tentativas de comunicação, mas a conduta posterior exigida, que era o acionamento das freqüências de comunicação disponíveis. Vejo; no entanto, que o Ministério Público, já quando narra as tentativas de comunicação feitas, reputa "negligente a conduta de Lucivando".

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Então, entendo que são, em princípio, ao menos duas as condutas atribuídas e concluo, pelas razões já expostas, pela absolvição do acusado Lucivando em relação à primeira. Quando à alegada negligência relaciona a com a obrigatoriedade de manter, no console, as freqüências indicadas para o setor, devo reconhecer que, após detido exame dos dados probatórios colhidos até o momento, não há espaço para absolvição sumária. Extraído, para o que interessa ao exame do caso, o seguinte excerto do laudo elaborado pela autoridade policial: "A carta de rota é um mapa, publicado pelo Comando da Comando da Aeronáutica, que mostra as aerovias, os fixos, os radioauxílios e outros elementos relevantes à navegação aérea. Essa carta de rota mostra, ainda, as freqüências utilizadas pelo controle de tráfego aéreo em cada um dos setores representados. A Carta de Rota H3, que contém a aerovia UZ6, apresenta freqüências utilizadas pelo controle de tráfego aéreo no setor 7 UTA Brasília". E aí são indicadas as seqüências válidas para o setor: a) 123,30, b) 133,05, c) 121,50, d) 128,00 e e) 135,90. Em seguida diz o laudo que "a freqüência 121,50 é utilizada internacionalmente como freqüência de emergência, não sendo utilizada em condições normais"6

Embora essas comunicações tenham sido recebidas pelo ACC, elas não foram ouvidas pelo controlador responsável pela aeronave N600XL, pois a freqüência 123,3 não se encontrava programada no console utilizado pelo controlador. De acordo com a informação forecida pelo Comando da Comando da Aeronáutica, e presente à folha 238 do Apenso V, as freqüências presentes na transcrição n° 134, corresponde ao áudio do console 8, que controlava os setores 7, 8, 9 eram: a) 135,9, b) 125,2, c) 125,05, d) 133,1, e) 122,25 e f) 125,45" (fls. 892/3 da ação penal).

. "Observe-se", prossegue dizendo o trabalho pericial, "que, entre as freqüência indicadas na carta para uso no setor 7 da UTA Brasília, apenas uma, a 135,90, encontrava- se programada no console que controlava o setor. Note-se, ainda, que o piloto da aeronave N600XL tentou estabelecer contato, pelo menos através das freqüências 123,30, 133,05 e 135,90, conforme previsto na tabela 8. Isso indica que o piloto possivelmente dispunha de uma listagem das freqüências utilizadas no setor e estava tentando estabelecer contato através de cada uma delas" (fls. 894 da ação penal). Em uma passagem anterior, o laudo faz referência a três tentativas de comunicação da aeronave com o sistema aéreo que não teriam ficado devidamente registradas. Em seguida, no entanto, consigna-se o seguinte: "As duas tentativa seguintes, listadas sob o índice 27 da tabela 8, foram recebidas pelo ACC-BS, de modo que foi possível determinar a freqüência utilizada: 123,3, conforme indicado na tabela”.

Há, ao menos nesse exame preliminar, prova bastante para que se diga que os pilotos tentaram estabelecer comunicação com a aeronave em freqüência válida para o setor e que não estava programada na console do controlador, sendo esse, em princípio, o motivo pelo qual a comunicação bilateral frustrou-se, pois a mensagem "foi recebida pelo

6 Sobre alocação de frequências no posto de comunicação SITTI M-600. Só podemos configurar 8 (oito) em cada posto. Sendo assim, se haviam 3 (três) setores agrupados no console nº 8 e 10 frequências a serem dispostas (incluindo 121,5 MHZ). Normalmente as frequências que sobram ficam em outra console (lado controlador). Ou seja, o sistema propõe associações operacionais, mas não garante a condição mínima de alocação de frequências.

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ACC-BS". Se a comunicação foi registrada no "centro" e não chegou ao console - ou não foi ouvida, conforme o termo utilizado no laudo - é porque a freqüência nele não estava programada. Essa é a conclusão do laudo pericial. Lucivando teve oportunidade de se pronunciar sobre o interrogatório. Perguntado pelo Procurador da República se "todas as freqüências" estavam sintonizadas, respondeu o seguinte: "Sim, pelo que eu lembre sim. Isso é checado durante a passagem de serviço, o supervisor na abertura de setor, no momento de rendição, de um turno para outro, o supervisor vai lá e seleciona as freqüências apropriadas, que vão cobrir aqueles setores que vão ser controlados". O Ministério Público Federal fez uma outra pergunta em seguida, querendo decerto deixar bem esclarecida a questão. Perguntou o seguinte: "Seleciona?" ... O acusado respondeu categoricamente: "o supervisor seleciona" (fls. 1374/5 da ação penal). Bem, a primeira resposta do controlador, quando diz "pelo que eu me lembre sim", indica, ao menos, que ele não tinha certeza sobre a sintonização das freqüências. E, quanto ao fato de a sintonização das freqüências não ser de responsabilidade do controlador, mas do supervisor, essa é uma questão que merece maiores esclarecimento no curso do processo penal. Mesmo a admissibilidade de que essa seja uma função do órgão de supervisão - por meio de seus agentes - não afastaria, em princípio, a responsabilidade do controlador - que, afinal de contas, tem por função "controlar". Controlar não apenas aspectos relacionados com as comunicações a serem efetivas com as aeronaves, mas com o funcionamento mesmo do sistema que opera. Isso não significa conclusão definitiva, evidentemente. Mas o fato é que da simples declaração unilateral do acusada não se pode extrair que não houve, de sua parte, nenhuma responsabilidade pela ausência, no console, das freqüências utilizadas para o setor controlado - isso tomando-se em consideração a conclusão pericial realizada extrajudicialmente. A matéria, portanto, requer a produção de provas. Quanto ao fato relacionado com a exigência de que constasse do console as freqüências "alternativas", deve a ação penal prosseguir em relação ao acusado Lucivando Tibúrcio de Alencar. [...] Passo à análise à análise da conduta relacionada com parte final do vôo e atribuída, na denúncia, aos acusados Lucivando Tibúrcio de Alencar e Leandro José Santos de Barros. Diz o Ministério. Público Federal, primeiramente, que ambos "incorreram, juntos, na omissão do aviso ao Cindacta 4 sobre as falhas de transponder e de comunicação com a aeronave N600XL". Aqui cumpre uma análise da prova produzida. [...] Quanto à alegação de que a omissão, quando feita a passagem de um centro a outro, da falha do transponder contribuiu para a corrência do acidente, essa não é uma conclusão a que se possa chegar depois da análise de prova pericial produzida. A falha do radar secundário de Sinop, que cobria a região do fixo Nabol, já era de conhecimento do controlador de Manaus antes mesmo de assumir, de fato, o serviço. Além disso, a falha do transponder da aeronave Legacy era perfeitamente visualiza (ou visualizável) por ele desde 19:51:55, cerca de dois minutos antes da transmissão da mensagem que lhe passada pelo "centro" de Brasília. Analisado assim a prova, pode-se dizer que omissão quanto à falha do transponder na mensagem assado por

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Lucivando e Leando não influiu em nada no comportamento do servidor de Manaus, que - é bom observar - já tinha na tela de seu console essa informação. Assim como tinha, e aí com a precisão, a posição do avião da Gol: identificação, altitude e direção (proa). O servidor de Manaus, portanto, sabia dos problemas do transponder, tinha exato conhecimento da altitude e rumo da aeronave da Gol e recebeu a mensagem de Brasília de que o avião Legacy voava no nível "360". No que diz respeito à omissão quanto à impossibilidade que o "centro" de Brasília teve para se comunicar com o Legacy, cumpre fazer, uma vez mais, considerações sobre o que de fato ocorreu - matéria já abordada quando da análise da conduta de Lucivando. Essa alegação, de rigor, não está na denúncia. Há quem possa considerá-Ia, no entanto, implicitamente narrada. O fato que é que, ainda que o servidor de Manaus tivesse sido advertido da "falha de comunicação", não teria ele como estabelecer contato efetivo com o Legacy. O Legacy, depois daquela mensagem que recebeu denunciado Lucivando (e única), em que este transmitiu "às cegas" a freqüência de Manaus, ficou tentando estabelecer contato com o "centro" de Brasília até o momento da colisão. Os pilotos não entenderam a mensagem que indicava a freqüência. Como não a entenderam, não a sintonizaram no avião. Se o controlador de Manaus tentasse algum contato - e isso supondo que ele tentaria -, não conseguiria realizá-lo, por absoluta descoincidência entre a freqüência do "centro" que operava e aquela - ou aquelas - que estavam sendo utilizados pelo avião. É importante aqui transcrever diálogo havido a cabine da aeronave Legacy, que demonstra que, depois de terem recebido a mensagem às cegas, não entendida, os pilotos continuaram tentando contato com Brasília: "Ele não está me respondendo de volta. Então, eu estou tentando pegá-Io de volta no rádio exatamente agora. Mas essa freqüência que eu tinha ele disse para trocar”. O piloto está dizendo que não entendera a mensagem passada por Lucivando. E continuava, por isso, chamando "centro" de Brasília. Há, nos autos, prova de que ele fazia seguidas tentativas de contato com Brasília (fl. 351/2). E há um aspecto decisivo que demonstra que a tentativa de comunicação que se pudesse imaginar que seria feita pelo controlador do centro Amazônico seria mal sucedida. Depois do acidente , ele tentou estabelecer, por seis vezes, comunicação com a aeronave. Todas frustradas. Nenhuma delas chegou ao avião Legacy (fls. 886/7 da ação penal). Ainda que o servidor de Manaus tivesse sido avisado da falha de comunicação, nada indica que ele conseguiria estabelecer contato com o Legacy, antes pelo contrário. E isso na pressuposição de que ele agiria prontamente, considerando-se que ele recebeu a informação e Manaus - informação de passagem - cerca de 02 minutos antes do acontecimento fatal. A tese do "desvio do avião" pelo "centro" Manaus, após saber das falhas de comunicação me parece - com todo o respeito - que está situada no campo da mera suposição. O controlador tinha duas informações indiscutíveis: 1) que o avião da Gol voava no nível "370" e 2) que a aeronave Legacy voava no nível "360", informação esta que lhe foi repassada pelo denunciado Leandro - November meia zero zero X-Ray Lima - denúncia. Somente por suposição se pode imaginar que o controlador de Manaus, tendo a altitude das duas aeronaves, fosse, ao ser informado de que "centro" de Brasília encontrara problemas de

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comunicação com o Legacy, adotar procedimento de "desvio" do avião da Gol. Para o controlador de Manaus, embora inoperante o sistema, os aviões voavam em altitude compatível com o setor. E aqui caberia uma pergunta. Ele faria a tal "manobra evasiva" determinando o desvio do avião para onde? Se ele tivesse porventura dúvida sobre a posição vertical do jato Legacy, como escolheria a altura para a qual mandaria o avião da Gol? E como prever que o controlador de Manaus agiria daquela forma rápida que a denúncia sugere? Note-se que ele já sabia da falha do transponder desde 19:51:55. Assim como o Ministério Público exigiu que Lucivando atuasse "prontamente" no sentido de se comunicar com o Legacy, pois sabia que o equipamento de segurança não estava funcionando, a mesma exigência poderia ser feita em relação ao controlador de Manaus. Tão-logo houvesse a transmissão de controle, ele deveria tentar entrar em contato com o Legacy. Não foi assim que procedeu. Ainda que tivesse tentado contato, já se viu que ele não realizaria. Enfim, imaginar que o agente de Manaus agiria rapidamente para desviar o avião da Gol (e não se sabe para onde, porque a eficácia de procedimento de desvio imaginado dependeria de que ele prévio conhecimento sobre a altitude do Legacy) é uma afirmação que somente pode ser feita mediante um exercício de conjectura. Esse exercício não serve, no meu entender, para que se impute a alguém conduta delituosa, ainda que por crime culposo. Deixo, por fim, a ressalva de que todas as conclusão feitas no curso da presente decisão que tenham, por assim dizer, um conteúdo mais categórico - estou falando daquelas afirmações feitas para rejeitar a defesa, não para acolhê-Ia, que dessas últimas se exige mesmo afirmações contundentes - podem, evidentemente, ser desditas no julgamento final. Entendo - como já demonstrei no início - que o juiz, na análise da defesa escrita, tem que enfrentar sem receios as questões postas pelas partes. Se conclui que os elementos do processo permitem a absolvição sumária, deve absolver desde logo. Se acha que eles são insuficientes para que se atinja tal desiderato, então deve explicar as razões pelas quais não absolve o acusado, enfrentando as teses trazidas pela defesa. As decisões judiciais devem ser fundamentadas (art. 93, IX, CF). Sempre. [...] Com essas considerações: 1) absolvo sumariamente, de modo integral, os acusados Felipe Santos dos Reis e Leandro José Santos de Barros. 2) desclassifico, para a modalidade culposa, a conduta atribuída a Jomarcelo Fernades dos Santos. 3) absolvo sumariamente o acusado Lucivando Tibúrcio de Alencar relativamente às condutas relacionadas com negligência no estabelecimento de comunicação com a aeronave Legacy e com negligência que teria havido na transmissão de um centro a outro. Como a absolvição, no ponto, é parcial, continuará o denunciado Lucivando a responder à ação penal quanto à conduta relacionada com omissão havida na configuração das freqüências no console. [...] 5) determino a remessa de cópia dos autos a Procurador- Geral da Republica para que sua Excelência avalie se os elementos colhidos permitem, ou não, o oferecimento de denúncia contra o servidor João Batista da Silva. Publique-se. Após, retomem os autos para deliberação sobre os pedidos de produção de prova.

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Sinop (MT), 08 de dezembro de 2008.

Em Memoriais, o Ministério Público apresentou as suas alegações finais, nos termos seguintes:

Cuida-se de persecução penal intentada em face de JOMARCELO FERNANDES DOS SANTOS e LUCIVANDO TIBÚRCIO DE ALENCAR pela prática do delito descritos no §3° do artigo 261, combinado com os artigos 258 e 121 J §4ü, todos do Código Penal, materializados na conduta culposa, por imperícia e negligência, de, na condição de controladores de voa, sem os devidos cuidados, causar a queda do Boeing/737-800, prefixo PR-GTO, da companhia Gol Transportes Aéreos S/A, em 29 de setembro dê 2006.

[...] Segundo a denúncia, LUCIVANDO TIBÚRCIO DE

ALENCAR violou normas que regem o exercício de sua profissão, negligenciando procedimentos previstos para os casos de falha de comunicação e de transponder. Ao sonegar a informação dessas falhas ao CINOACTA 4, inviabilizou a adoção, por parte daquele órgão, de ações corretivas, como, por exemplo, o desvio do avião PR-GTO. Dessa forma, deixou de evitar ou minorar, quando podia fazê-Ia, riscos não-permitidos que culminaram com a periclitação e o sinistro da citada aeronave, e com a conseqüente morte das pessoas nela embarcadas.

O denunciado JOMARCELO FERNANDES DOS SANTOS absteve-se dolosamente de corrigir a altitude da aeronave N600XL, sabendo-a em patarna: impróprio para a rota programada. Por isso, e por, nessas condições, ter também deixado de adotar as providências regulamentares para 'falha de transponder, omitiu- se quanto a risco intolerável de colisão, que podia e devia impedir, a que ambas as aeronaves envolvidas se expuseram. O conhecimento da discrepância de altitude E, portanto, do perigo de colisão, é o ponto que diferencia a sua conduta da dos demais controladores. Enquanto estes supunham que a aeronave estava no nível de cruzeiro correto, JOMARCELO FERNANDES DOS SANTOS sabia que ela não estava, e, assim, concorreu, conscientemente, para a instalação e permanência da situação de risco. Há de responder por dois crimes dolosos de atentado contra a segurança de transporte aéreo, em concurso formal (art. 70 do CP). Um, na modalidade fundamental (art. 261, caput, CP), quanto à periclitação da aeronave N600XL. O outro, qualificado por cento e cinqüenta e quatro mortes (art. 261, § 1 o c/c art. 263, CP), em relação ao avião sinistrado de prefixo PR-GTD.

[...] LUCIVANDO TlBÚRCIO DE .ALENCAR, JOMARCELO

FERNANDES DOS SANTOS apresentaram justificação da necessidade de prova pericial às fls. 2.753/2.784.

[...] Manifestação do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contrária

à oitiva de testemunhas e à realização de prova pericial às fls. 2.813/2.815.

Decisão do Juízo indeferindo a produção de prova testemunha via rogatória e a nomeação de peritos (fls. 2.816/2.822).

[...]

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Os réus LUCIVANDO TIBÚRCIO DE ALENCAR, JOMARCELO FERNANDES DOS SANTOS, FELlPE SANTOS DOS REIS e LEANDRO JOSÉ SANTOS DE BARROS apresentaram Recurso em Sentido Estrito contra a decisão de indeferimento da prova pericial (fls. 2.851).

Ofício da Universidade de Brasília informando que o Professor LI Weigang possui amplo entendimento acerca do sistema de controle aéreo brasileiro (fls. 2.854/2.872).

O Departamento de Controle do Espaço Aéreo (OECEA) informou, às tis. 2.875/2.876, que o Comando da Comando da Aeronáutica possui profissionais detentores de conhecimento acerca do sistema de controle aéreo brasileiro.

[...] Razões do Recurso em Sentido Estrito interposto pelos

denunciados LUCIVANDO TIBÚRCIO DE ALENCAR, JOMARCELO FERNANDES DOS SANTOS, visando a produção da prova pericial, às fls. 3.000/3.022. [...] 1. JUNTADA DO RELATÓRIO DO CENIPA

Quando do oferecimento da segunda denúncia em desfavor dos réus JOSEPH LEPORE e JAN PAUL PALADINO, juntou-se o relatório final produzido pelo CENIPA e requereu-se o julgamento conjunto das duas ações. Não obstante, a primeira ação penal (nº 2007.36.03.002400-5) foi desmembrada para que os controladores de voa tossem julgados em processo apartado.

Diante disso, faz necessária a juntada do relatório do CENIPA, já de conhecimento de todas as partes envolvidas, também nesta ação penal. [...] 3. CRIME CULPOSO

Os denunciados são acusados de incorrerem no crime culposo previsto no §3° do artigo 261, combinado com os artigos 258 e 121, §4°, todos do Código Penal, in verbis:

Atentado contra a segurança de transporte marítimo, fluvial ou aéreo Art. 261 - Expor a perigo embarcação ou aeronave, própria ou alheia, ou praticar qualquer ato tendente a impedir ou dificultar navegação marítima, fluvial ou aérea: Pena - reclusão, de dois a cinco anos. ( ... ) Modalidade culposa § 3° - No caso de culpa, se ocorre o sinistro. Pena - detenção, de seis meses a dois anos. Formas qualificadas de crime de perigo comum Art. 258 - Se do crime dolos o de perigo comum resulta lesão corporal de natureza grave, a pena privativa de liberdade é aumentada de metade; se resulta morte. é aplicada em dobro. No caso de culpa, se do fato resulta lesão corporal, a pena aumenta-se de metade, se resulta morte, aplica-se a pena cominada ao homicidio eu/poso, aumentada de um terço. Art. 121 - ( ... ) Homicídio eu/poso § 3° Se o homicídio é eu/poso: Pena - detenção, de um a três anos. Aumento de pena § 4º No homicidio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou oficio, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro a vítima, não procura diminuir as conseqüências do seu ato, ou foge para

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evitar prisão em flagrante. Sendo culposo o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos. A culpa, elemento integrante dos crimes culposos, diz respeito à

inobservância do dever de diligência. "Explicando. A todos, no convívio social é determinada a obrigação de realizar condutas de forma a não produzir danos a terceiros. É o denominado cuidado objetivo. A conduta torna-se típica 'a partir do instante em que não se tenha manifestado o cuidado necessário nas relações com outrem, ou seja, a partir do instante em que não corresponda ao comportamento que teria adotado uma pessoa dotada de discernimento e prudência, colocada na mesma circunstâncias que o agente (Welsel, Culpa e delitos de circulação, Revista de Direito Penal, Rio de Janeiro, Borsoi, 1971, p. 38). A inobservância do cuidado necessário objetivo é elemento do tipo"

São elementos do fato típico culposo: a) conduta humana voluntária, de fazer ou não fazer: enquanto o

tipo doloso se detém no resultado ilícito pretendido, o tipo culposo, por outro lado, pune o comportamento mal direcionado a um resultado sempre lícito ou irrelevante, ou seja, a conduta humana voltada a um fim moralmente aceito mas conduzida sem observância da perícia, prudência ou diligência necessária;

b) inobservância do cuidado objetivo (imputação objetiva), manifestada pela imprudência, negligência ou imperícia: a doutrina leciona que a imprudência é positiva e a negligência, negativa. Sobre o assunto, Capez refere: "O negligente deixa de tomar, antes de agir, as cautelas que deveria". A imperícia, por sua vez, é a falta de aptidão para o exercício de arte ou profissão. Consiste na incapacidade ou falta de conhecimento necessário para o exercício de determinado mister. "O químico, o eletricista, o motorista, o médico, o engenheiro, o farmacêutico etc. necessitam de aptidão teórica e prática para o exercício de suas atividades. É possível que, em face de ausência de conhecimento técnico ou de prática, essas pessoas, no desempenho de suas atividades, venham a causar dano a interesses jurídicos de terceiros. Fala-se, então, em imperícia. De observar que se o sujeito realiza uma conduta fora de sua arte, ofício, profissão, não se fala em imperícia, mas em imprudência ou negligência. A imperícia pressupõe que o fato tenha sido cometido no exercício desses misteres. Além disso, é possível que, não obstante o fato tenha sido cometido no exercício da profissão, ocorra imprudência ou negligência.'" Nesse sentido, a lição de Capez é extremamente pertinente: "Se, além da demonstração da falta de habilidade, for ignorada pelo agente regra técnica específica de sua profissão, haverá ainda aumento da pena, sendo essa modalidade de imperícia ainda mais grave."

c) previsibilidade objetiva: é a possibilidade de antevisão do resultado por uma pessoa de prudência e discernimento mediano. A previsibilidade subjetiva, por outro lado, é a possibilidade do próprio agente, segundo suas capacidades, de antever o resultado. Enquanto a previsibilidade objetiva opera no plano na tipicidade, a previsibilidade subjetiva atua na culpabilidade. Dessa forma, o grau de culpa (grave, leve ou levíssima) não influi na fixação da pena concreta, mas a intensidade da reprovabilidade, censurabilidade, ao agente afasta proporcionalmente a pena-base do seu patamar mínimo. Nesse sentido, leciona José Paulo Baltazar Júnior: " ( ... ) a culpabilidade é a reprovabilidade da conduta, que é tida como elemento do crime ou

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pressuposto de aplicação da pena, conforme a teoria adotada, de modo que, afastada a culpabilidade, a sentença será absolutória e não será aplicada pena. Assim, no momento da aplicação da pena, já não mais se investiga se o réu é ou não culpável, o que foi objeto anterior da sentença (TRF 2, AC 200102010145990/RJ, Paul Erik Dirlund, 6a. T., V.U., -10.12.03). ( ... ) Tendo em vista, porém, o sistema de cominação das penas, que é de relativa determinação, bem como a imposição constitucional da individualização, isso não impede o reconhecimento de níveis diversos de culpabilidade, a partir de um patamar mínimo em que é ela reconhecida. É nesse nível, então, o grau de culpabilidade, é que poderá ela ser considerada no momento de aplicação da pena, conforme varie, nos crimes dolosos, vontade reprovável e, nos culposos, a maior ou menor violação do cuidado objetivo. Ou seja, se o crime resultou de culpa do acusado ao mesmo deve ser imputada a conduta criminosa, independentemente do "grau da culpa". A pena, por sua vez, deve ser majorada proporcionalmente ao grau de violação das normas e do dever de cuidado, atendendo à circunstância judicial da culpabilidade prevista no artigo 59 do Código Penal. E lembre-se que as circunstâncias judiciais devem ser consideradas quando da aplicação da pena independentemente de menção expressa na denúncia, especialmente porque a intensidade da violação do dever de cuidado e das normas será analisada durante a instrução processual.

d) ausência de previsão (culpa inconsciente) ou previsão do resultado, esperando, sinceramente, que ele não aconteça (culpa consciente): diz-se que a. culpa é a imprevisão do previsto. Fala-se, nesse caso, da culpa inconsciente. Na culpa consciente, de outra mão, o agente prevê o resultado mas acredita, sinceramente, que, por sua habilidade ou outra circunstância impeditiva, não se produzirá. Novamente percuciente a lição de Capez: "de acordo com a lei penal, não existe diferença de tratamento penal entre a culpa com previsão e a inconsciente, 'pois tanto vale não ter consciência da anormalidade da própria conduta, quanto estar consciente dela, mas confiando, sinceramente, em que o resultado lesivo não sobrevirá' (Exposição de Motivos do CP de 1940). Além disso, não há diferença quanto à cominação da pena abstratamente no tipo. Entretanto, parece-nos que no momento da dosagem da pena, o grau de culpabilidade (circunstância judicial prevista no art. 59, caput, do CP), deva o juiz, na primeira fase da dosimetria, elevar um pouco mais a sanção de quem age com a culpa consciente, dada a maior censurabilidade desse comportamento"

e) resultado involuntário: sem resultado não há falar-se em crime culposo.

f) nexo de causalidade entre a conduta e resultado; g) tipicidade: conforme artigo 18, parágrafo único, do Código

Penal, salvo nos casos expressos em lei, ninguém poder ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente.

Ultrapassadas as breves considerações de natureza teórica, passa-se à análise de cada uma das condutas imputadas aos réus que resultaram na queda do avião Boeing/737-BOO, prefixo PR-GTO, da companhia Gol Transportes Aéreos S/A, aos 29 de setembro de 2006, todas suficientes de, por si só, tipificar o crime previsto no §3° do artigo 261, combinado com os artigos 258 e 121, §4°, todos do Código Penal. 4. DA CONDUTA DOS DENUNCIADOS

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a) IMPERíCIA E NEGLIGÊNCIA DE JOMARCELO Consta da denúncia:

Às 18h51 m07s, após ingressarem no setor 07 do CINDACTA 1, os denunciados JOSEPH LEPORE e JAN PAUL PALADINO contactaram o órgão de controle do tráfego aéreo, informando o nível de cruzeiro F37Q, então compatível com o plano de vôo. Foram atendidos pelo denunciado JOMARCELO FERNANDES DOS SANTOS, que estava responsável por aquele setor e, por meio do console n.l 08, passou a monitorar a aeronave N600XL. O trá fego, naquele horário, era bastante tranqüilo, consoante avaliação unânime dos controladores que prestaram depoimento na fase inquisitiva. Poucos minutos depois, precisamente às 18h55m28s, a aeronave N600XL transpôs o ponto até o qual poderia voar no nível de cruzeiro F370. Dali em diante, ingressaria na aerovia UZ6, devendo nivelar-se em altitude compatível com o sentido de deslocamento Brasília-Manaus. O nível a ser observado, de acordo com CI plano de vôo, era o F360. Essa informação, de Que já tinha conhecimento 'J denunciado JOMARCELO FERNANDES DOS SANTOS, porquanto constava na strip (resumo do plano de vôo) que é permanentemente exibida no lado direito do monitor do console, ficou ainda mais nítida para o controlador, na medida em que passou a ser assinalada na etiqueta que, também no monitor, identifica e acompanha o marcador de posição da aeronave. O CD anexo, com a inscrição "Anexo OF. N. 6/SIPACEA/97 Telas ACC BS", contém arquivos digitalizados com as imagens exibidas pelos monitores do CINDACTA " durante todo o período em que a aeronave N600XL esteve sob :1 vigilância daquele órgão. De sua análise, extrai-se que, quando ocorreu a mudança do nível de cruzeiro devido (plano de vôo), a aeronave estava com o transponder ligado, informando a sua altitude real. Esse dado (altitude real) constava na mencionada etiqueta exatamente ao lado da indicação do nível de cruzeiro devido (plano de vôo). de modo que a desconformidade entre um e outro (altitude real 2 plano de vôo) era visualizada, primus ictu ocuti, pelo denunciado JOMARCELO FERNANDES DOS SANTOS, sempre que observava a aeronave N600XL na tela do radar. ( ... ) O denunciado JOMARCELO FERNANDES DOS SANTOS percebeu antes, muito antes, o desligamento do transponder. Percepção essa, aliás, inevitável para quem, como ele, monitorava a evolução da aeronave N600XL. Explicando: o funcionamento do transponder é representado, no monitor do console, por um círculo ao redor da aeronave. Quando o transponder é desligado, o círculo desaparece. Ficando a aeronave sinalizada apenas por uma pequena cruz. Logo, para que o controlador detecte algum problema com o transponder, basta que olhe para o monitor. Se enxergar uma cruz com um círculo em volta, é porque o transponder está ligado. Se visualizar somente a cruz, sem o círculo, é porque o transpoder está inoperante. Ora, essa visualização da tela é ato elementar, conditio sine qua non para prestação de serviço de vigilância radar. O controlador de vôo que opera vigilância radar não pode deixar de observar o monitor, Mutatis mutandis, seria o mesmo que um inspetor pretender coordenar o trânsito com uma venda nos olhos. A ICA 100-12, no item 14.4 e respectivos sub-itens, estabelece vários procedimentos que o controlador de tráfego aéreo deve cumprir, quando verifica I' falha de transponder. A atitude básica, que chega mesmo a ser intuitiva, é comunicar-se com o piloto da aeronave. pedindo-lhe que acione o equipamento e, se a falha persistir, que realize testes específicos, Tais procedimentos mostravam-se ainda

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mais cogentes ao denunciado JOMARCELO FERNANDES DOS SANTOS, quando se tem presente que, como já ressaltado, ele sabia que a aeronave N600XL mantinha nível de cruzeiro Incompatível com o plano de vôo e impróprio para o sentido a ser percorrido na aerovia UZ6. Voltando à analogia anterior, a omissão, nessas circunstâncias, é equivalente à de um guarda de trânsito que visse um ônibus trafegando pela contra-mão de uma rodovia, à noite, com os faróis apagados, e nada fizesse! A despeito do patente perigo implicado na situação - perigo esse que podia e devia evitar-, o denunciado JOMARCELO FERNANDES DOS SANTOS não fez contato algum com a aeronave, tampouco tomou qualquer providência para que os pilotos acionassem o transponder ou adequassem o nível de vôo. Pior: ao passar o posto para o denunciado LUCIVANDO TIBÚRCIO DE ALENCAR, o denunciado JOMARCELO FERNANDES DOS SANTOS forneceu-lhe, consciente e dolosamente, falsa informação sobre o nível de cruzeiro da aeronave N600XL, afirmando, peremptoriamente, que ela se encontrava em F360. Todos os depoimentos dos controladores de voo que

trabalharam no dia 29 de setembro de 2006, inclusive do próprio denunciado JOMARCELO em sede policial (fI. 243) e no interrogatório, e daqueles que analisaram as imagens das telas radar em momento posterior, confirmam que o tráfego de aeronaves na região operada pelo denunciado era tranquilo, que controlava cerca de 5 (cinco) aeronaves. Neste sentido, o depoimento de Antônio Francisco Costa de Castro, controlador de vôo supervisor da região Brasília, às fls. 235/237 ("QUE o tráfego aéreo por ocasião da passagem da aeronave N600XL por Brasília não era intenso, permanecendo assim até a rendição de declarante") e também judicialmente (fls. 1724/1730). Os investigadores da Comando da Aeronáutica, quanto ao ponto, mencionam: "Sua atenção estava direcionada para outros dois tráfegos, contudo nada que indicasse algo além da rotina normal de verificação ou sobrecarga de trabalho" (fI. 170 do relatório final do CENIPA).

Às 18:51:07 UTC, após ingressarem no setor 07 do CINDACTA 1, os pilotos da aeronave informaram a JOMARCELO que utilizavam o nível de cruzeiro F370, então compatível com o plano de vôo. Às 18:55:28 o console do controlado indicava explicitamente que o jato, em breve, passaria a voar em altitude incorreta (370=360). Às 18:55:48 a aeronave Legacy N600XL atingiu Brasília, quando deveria alterar seu nível de voo para F360. Às 19:01:53 o transponder da aeronave deixou de transmitir informações ao controle de tráfego aéreo (dados do laudo policial). Ou seja, durante sete minutos e imediatamente após informar o nível atual de voo JOMARCELO tinha a informação precisa de que o jato Legacy voava em rota de colisão e não estava com o transponder operante, não obstante, não solicitou alteração de nível ou informou a inoperância do transponder ao piloto, conforme determinam os Itens 14.6.3 e 14.4.9 do ICA 100-12:

14.6.3 O controlador deverá informar ao piloto sempre que o contato radar for perdido. 14.4.9 O controlador deverá informar ao piloto quando (I interrogador de terra ou transponder da aeronave estiver inoperante, ou operando com deficiência. mais distante do Centro de Controle Brasília, próxima ao limite

com a área do Centro de Controle Amazônia, a própria aeronave da

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GOL (PR-GTO), trafegando na mesma aerovia da aeronave Legacy, era Entre 18:51:14, momento do recebimento da aeronave N600XL pelo setor 7, até 19:17, momento da substituição do controlador de voo, não foi realizada nenhuma comunicação do ACC-BS com a aeronave, a despeito da indicação de mudança do nível de voo planejado e da perda do Sinal do transponder.

JOMARCELO, não bastassem as atitudes acima referida, passou informação falsa ao seu substituto quanto ao nível de voo, informando, sem espaço para dúvidas, que a aeronave voava no F360.

O relatório do CENIPA, à ·fI. 150, também constatou a situação: "Verifica-se, assim que o ATCO 1 dos setores 7, 8 e 9 deixou de contatar o N600XL quando este deveria mudar de nível, deixou de solicitar a troca de frequencia 125.05 Mhz do setor 9, para uma frequência adequada para o setor 7 e supõe-se que não percebeu a perda do modo C do Transponder, deixando de realizar os procedimentos previstos na ICA 100-12 (itens 14.2, 14.6 e 14.11), além de passar a aeronave para o seu substituto com informações imprecisas". E acrescentou que o réu também não observou o modelo operacional do Centro de Controle Brasília, o qual estabelece que deverão ficar bastante claras ao controlador que assume a posição as seguintes situações: tráfegos sem contato rádio, tráfegos sem transponder, com transponder inoperante ou com informações errôneas.

Quando o Legacy perdeu contato com o radar secundário (desligamento do transponder), distante cerca de 56 quilômetros de Brasília, às 19:01 :53, as demais aeronaves da região, inclusive mais distantes do radar, eram captadas pelo controle de tráfego aéreo, conforme relatado e demonstrado no laudo pericial da Polícia Federal, especialmente às fls. 869/870 e na figura nº 8 desta última, na qual percebe-se que a aeronave denominada PPEJG, embora mais distante do Centro Brasí!ia, era perfeitamente captada. No mesmo sentido, o relatório do CENIPA (fI. 39).

Leandro José Santos de Barros, também denunciado, mencionou à fI. 256:

"QUE também por conta da observação da visualização radar pode perceber que a única aeronave que não se tinha o "plote" no radar era o N600XL;( ... )" Conforme fI. 24 do laudo da Polícia Federal, a primeira falha do

radar ocorreu apenas às 19:30:08, ou seja, cerca de 425 quilômetros mais distante do local em que o sinal do transponder deixou de ser recebido (considerando que a aeronave voava a 460 nós).

Segundo fI. 25 do laudo policial e fI. 103 do relatório do CENIPA, aindaperfeitamente captada pelos radares.

Desta forma, inevitável concluir que a falta de recepção do sinal do transponder do N600XL não era decorrente de falhas dos radares, razão pela qual JOMARCELO tinha a obrigação de contactar a aeronave e informar que não recebia sinal do transponder, conforme seus diligentes colegas fariam. Antônio Francisco Costa de Castro, controlador de voo supervisor da região Brasilia, às fls. 235/237 também ouvido judicialmente, oportunidade em que reiterou seu depoimento (fls 1724/1730), disse:

"QUE, sobre perda de sinal trensponder ou indicação de redar secundário, quando a perda de sinal ocorre com todas as aeronaves que estejam evoluindo em determinado setor, costuma-se suspeitar de falhas momentâneas do sistema, razão pela qual se aguarda maiores

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informações sobre o que está acontecendo; QUE, quando essa perda se dá em relação a uma específica aeronave, tenta-se contato com a aeronave para averiguar o que está acontecendo; ( ... ) QUE. quanto ao sistema de radar para a região norte de Brasília, este geralmente funciona com confiabilidade até uma faixa de 200 milhas contadas a partir da posição do equipamento que se situa no Gama; Antônio Barbosa de Oliveira Neto, controlador em Brasília, as

tls. 238/240 referiu: "QUE por sua experiência como controlador, entende que essa situações de falha de recepção de sinal de transponder, o controlador deve estabelecer contato com a aeronave e adotar medidas para a identificação efetiva da existência do problema e em seguida divulgar o que foi identificado para os controladores que terão contato com a aeronave;" A situação era ainda mais urgente, considerando que a aeronave

ingressaria, em breve, numa região onde as falhas de comunicação , eram consideradas constantes. Nesse sentido, também refere Antônio Barbosa de Oliveira Neto:

"QUE, no caso de falha de comunicação, geralmente se fazem testes para se detectar se a aeronave consegue, ao menos, receber orientações do controle 8, no caso negativo, passa-se a considerar a ausência efetiva de qualquer contato com a aeronave; ( ... ) QUE quanto as comunicações rádio nessa região, funcionam elas de maneira melhor que a cobertura radar, porém, com falhas; QUE o declarante, com conduta preventiva, quando atua nesse setor, informa, com a possível antecedência. a aeronave que segue para o norte e que está sendo controlada, a perda do centeio radar; (. . .)" No mesmo sentido o depoimento de Antônio Francisco Costa

de Castro, controlador de voo supervisor da região Brasília, às fls. 235/237, também ouvido judicialmente.

Inexorável a conclusão de que "A cobertura radar não teve, por falhas técnicas, contribuição para o acidente", conforme fl. 250 do relatório do CENIPA.

A defesa dos controladores de voo invoca as diversas falhas do sistema em seu favor e as posteriores alterações como forma de exculpação dos denunciados. Seus argumentos, ao contrário do pretendido, apenas reforçam a acusação, uma vez demonstram cabalmente que todos os envolvidos no tráfego aéreo na época sabiam das deficiências dos sistemas, o que impunha aos controladores de voo diligências redobradas. Seria o mesmo que, trafegando numa estrada sem sinalização e com muitos buracos, o motorista dirigir com a mesma tranquilidade e imprimir a mesma velocidade que emprega quando trafega numa estrada duplicada, com pavimentação recente e bem sinalizada. Da mesma forma, quando se pretende viajar numa longa estrada que se sabe carente de postos de abastecimento, é imprescindível que a jornada seja iniciada com o tanque completo e, caso necessário, com combustível extra, caso contrário, é lógico que teremos problemas na metade do caminho.

JOMARCELO agiu com culpa consciente - o agente prevê o resultado mas acredita, sinceramente, que, por sua habilidade ou outra circunstância impeditiva, não se produzirá -, situação que impõe, além da condenação, a elevação da apenação. Comprovando a ciência das falhas dos radares e do sistema de comunicação, JOMARCELO também demonstra alto grau de previsibilidade objetiva, pois sabia que, na área que operava, se não fossem tornados todos os cuidados necessários com a antecedência pertinente, havia possibilidades reais de choque entre duas aeronaves. Culpa consciente e alto grau de

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previsibilidade conduzem, necessariamente, a um alto grau de inobservância do cuidado objetivo por imperícia e negligência - que também impõe penas mais severas.

Desta forma, resta não apenas comprovada a culpa de JOMARCELO, mas também demonstrado o alto grau de culpabilidade com que agiu. b) IMPERÍCIA E NEGLIGÊNCIA DE LUCIVANDO QUANTO ÀS FALHAS DE COMUNICAÇÃO Consta da denúncia:

LUCIVANDO TIBÚRCIO DE ALENCAR assumiu o console n° 8 do CINDACTA 1 às 19h17m. Foi omisso quanto à falha do transponder da N600XL, assim como seu antecessor. Com uma diferença: ao contrário deste, não sabia que a aeronave N600XL estava na "contra-mão" da UZ6.

O denunciado LUCIVANDO TIBÚRCIO DE ALENCAR tentou quatro contatos com a aeronave N600XL. O primeiro deles, apenas às 19h26m56s cerca de dez minutos, portanto, depois de assumir o posto. Essa demora foi relevante, caracterizando negligência. A uma, pela situação de inoperância do transponder, que, só por si, reclamava pronta intervenção: A duas, porque, quando ele tomou assento no console nº 8, a aeronave estava na iminência de ingressar em uma área crítica pelos próprios controladores considerada como "não-radar" (área em que a cobertura radar é falha ou inexistente). Por isso, providências imediatas faziam-se ainda mais urgentes. A segunda tentativa, também frustrada, veio em seguida, às 19h27m12s. Após sete minutos (19h34m07s), ocorreu nova chamada, igualmente sem resposta. A última mensagem foi passada às cegas, às 19h53m38s para informar a freqüência do Centro de Controle Amazônico, a que a aeronave estaria, dali em diante, vinculada.

O denunciado LUCIVANDO TIBÚRCIO DE ALENCAR foi igualmente displicente quanto aos procedimentos previstos na ICA 100-12 para casos de falha de comunicação. A partir da primeira tentativa de contato frustrada, ele deveria ter-se utilizado das demais freqüências válidas para o setor, consoante preconiza o item 7.14.2 daquele instrumento normativo. Para tanto, bastaria programar em seu console as cinco freqüências auxiliares existentes (f. 867). Suas mensagem passariam, então, a ser transmitidas concomitantemente em todas elas, ao passo que também captaria mensagens emitidas em qualquer uma. Isso propiciaria contato com a aeronave N600XL, vez que o piloto, entre as 19h48m13s e as 19h.52m56, fez nada menos do Que doze tentativas de comunicação com o CINDACTA 1, utilizando várias freqüências que, malgrado listadas na carta de rota, não estavam programadas no console nº 8. O denunciado LUCIVANDO TIBÚRCIO DE ALENCAR insistiu numa mesma e única freqüência, até a última chamada, apesar de vê-Ia malograr repetidamente.

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LUCIVANDO, às fls. 2.392/2.443, foi absolvido sumariamente das condutas de negligência quanto às falhas de transponder e de comunicação e quanto à omissão de aviso ao CINDACTA IV das falhas de transponder e de comunicação. Persiste a acusação quanto à negligência relacionada às frequências previstas no console,

A aeronave N600XL fez 12 tentativas de comunicação com o centro de controle na frequência indicada pelo controlado r do setor 5 (125,05, fI. 885), bem como em todas as demais frequências adequadas para o setor 7, não obstante, considerando que as frequências devidas não estavam programadas no console por LUCIVANDO, as chamadas, embora recebidas pelo Centro de Controle, não foram ouvidas pelo denunciado (fls. 45/46 do laudo policial). Sequer a frequência de emergência 121.50MHZ estava programado no console do demandado, o que o impedia de ouvir o chamado de emergência de alguma aeronave, como ocorreu com o próprio Legacy após a colisão (fls. 60 e 152 do relatório da Comando da Aeronáutica),

Conforme fI. 892 (laudo policial), a única frequência programa no console do réu que estava prevista na Carta de Rota H3, que contém a aerovia UZ6 e apresenta as frequências utilizadas pelo controle de tráfego, era a 135,9, as demais foram absolutamente ignoradas por LUCIVANDO, a despeito do mesmo ter conhecimento da Carta de Rota H3, conforme referiu no interrogatório.

Como os setores 7, 8 e 9 estavam agrupados na console nº 8, o controlador desta poderia selecionar frequências de todos os setores (fI. 149 do relatório do CENIPA), Não foi o que o réu fez, preferindo insistir em apenas uma.

O CENIPA, após constatar a falha de procedimento, recomendou ao Departamento de Controle do Espaço Aéreo - DECEA que assegure que os controladores de voo cumpram, na íntegra, todos os procedimentos previstos para falha de comunicação e perda do sinal de transponder e contato radar (fI. 14 do relatório final). No ponto, é pertinente a transcrição dos itens 7.14.1 e 7.14.2 do ICA 100-12:

ICA 100-12 7.14 FALHA DE COMUNICAÇÕES AEROTERRESTRES 7.14.1 Quando os órgãos ATC não puderem manter comunicação bilateral com uma aeronave em vôo, deverão tomar as seguintes medidas: a) verificar se a aeronave pode receber as transmissões do órgão, pedindo-lhe que execute manobras específicas que possam ser observadas na apresentação radar ou que transmita, caso possível, um sinal especificado com a finalidade de acusar o recebimento da mensagem; e b) se a aeronave nada acusar, o controlador deverá manter a separação entre a aeronave com falha de comunicação e as demais, supondo que 0:1 aeronave adotará os procedimentos estabelecidos para falha de comunicações. 7.14.2 Tão logo se constatar uma falha de comunicação bilateral, todos os dados pertinentes e relacionados com as medidas tomadas

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pelo órgão ATC, ou com as instruções que a situação justificar, serão transmitidos às cegas, para conhecimento da aeronave na escuta, inclusive nas freqüências dos auxílios à navegação e aproximação. Também in formar-se-ão: a) condições meteorológicas que permitam uma descida visual, evitando, conseqüentemente, regiões de tráfego congestionado; e b) condições meteorológicas dos aeródromos convenientes. ( .. ) LUCIVANDO, consciente da perda do transponder e,

posteriormente. de qualquer sinal radar do jato Legacy (plote primário), buscou contato com a aeronave, mas não executou os procedimentos previstos no ICA 100-12 para a perda do transponder e de contato radar (itens 14.2.1, 14.4.9, 14.4.10, 14.4.11, 14.6.3 e 14.6.4) e manteve o N600XL voando em RVSM. Frente à dificuldade de contato com a aeronave, observa-se que também não executou os procedimentos para falhas de comunicação, previstos no ICA 100··12 (item 4:1.2, 7.14.1, 7.14.2 e 7.14.6) (fI. 152 do relatório do CENIPA).

Ademais, a fim de obter sucesso nas tentativas de contato com a aeronave, também estava ao seu alcance a realização de uma "ponte", por exemplo, com as aeronaves DRD1451 ou A6760, próximas ao Legacy e com informações do radar secundário (transponder), conforme se verifica nas imagens 192959 e 193428 extraídas do monitor do CINDACTA I e arquivadas na mídia digital que embasou o laudo da Polícia Federal.

Estabelecido contato bilateral, o controle de tráfego aéreo teria condições de, solicitando o ligamento do transponder e informações sobre a altitude, evitar a colisão.

Diante disso, a conduta imperita e negligente de LUCIVANDO também foi causa do acidente ocorrido entre duas aeronaves no dia 29 de setembro de 2006.

Considerando que o réu tinha plena consciência da Carta de Rota que previa as frequências para o setor 7 e ampla possibilidade de agir de modo contrário, a sua culpabilidade é grave, impondo-se a majoração da pena. 5. APLICAÇÃO DA PENA Quando da aplicação da pena, deve ser considerado: a) Culpabilidade: gravíssima para JOMARCELO e grave para LUCIVANDO, conforme acima exposto. b) Antecedentes: a verificar. c) Conduta Social: indiferente. d) Personalidade: indiferente. e) Motivos: indiferente. f) Circunstâncias: indiferente. g) Conseqüências do crime: gravíssimas, considerando os 154 óbitos. h) Comportamento da vítima: desfavorável aos denunciados, uma vez que, conforme relatório do CENIPA, a análise do que ocorreu após o impacto na cabine do PR-GTD, não traz ensinamentos no sentido de contribuir para a prevenção de novos acidentes, mas traz o registro da não percepção da

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tripulação quanto às dificuldades do choque, ao ambiente na cabine durante o mergulho da aeronave e do alto grau de profissionalismo dos pilotos nas últimas tentativas de gerenciar a emergência e controlar a aeronave" (fI. 231). Ademais, é inconteste que o Boeing 737/800 atingido manteve todos os equipamentos de segurança ativos e adotou todos os procedimentos regulamentares. 6. REPARAÇÃO CIVIL Deverá ser fixado, na sentença, o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração às 154 famílias que foram destruídas no dia 29 de setembro de 2006, nos termos dos inciso IV do artigo 387 do Código de Processo Penal, in verbis:

Art. 387. O juiz, ao proferir sentença condenatória: IV - fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido;

7. PEDIDO Face ao exposto, ° MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL requer: a) a juntada do relatório final do CENIPA; b) o retorno dos autos a este MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, quando da juntada dos antecedentes dos denunciados; c) a condenação dos denunciados JOMARCELO FERNANDES DOS SANTOS e LUCIVANDO TIBÚRCIO DE ALENCAR como incursos no delito descritos no §3° do artigo 261, combinado com os artigos 258 e 121, §4°, todos do Código Penal. d) a fixação, na sentença, do valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos, sofridos pelas 154 famílias;

III – DAS RAZÕES PARA AS ABSOLVIÇÕES DE JOMARCELO FERNANDES DOS SANTOS E DE LUCIVANDO TIBÚRCIO DE ALENCAR.

Excelentíssimo Juiz, tivesse a Douta Procuradora da República completo conhecimento do que aqui se passa a aduzir, não fora subtraída do seu direito de ter amplo conhecimento dos fatos, mercê da má fé com que os encarregados da investigação daquela trágica colisão aérea esmeraram-se em sonegar informações importantes e decisivas, a seguir reveladas, possivelmente estaríamos diante de mais uma bela página Ministerial em que o Parquet findaria por pedir a absolvição dos acusados, neste caso com supedâneo em mais de um fundamento.

O que se diz em face do provável desconhecimento da Douta Procuradora quanto aos crimes que foram cometidos por aqueles que, integrando o oficialato superior e até o Alto Comando da Aeronáutica,

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passaram a construir um cenário de imputação unilateral da responsabilidade sobre a trágica colisão aérea aqui examinada, imputações que vieram a recair sobre as pessoas humildes sob seus comandos. Tais crimes foram alvos de “notitias criminis” levadas aos conhecimentos do Ministro da Defesa, do Ministério Público Militar, do Procurador Geral da República e até do Supremo Tribunal Federal, conforme se vê na abundante documentação anexada aos presentes autos, e que não permite desqualificação para o campo das aleivosias e da retórica vazia o que com imensos esforços e cuidados foram criteriosamente coligidos.

Infelizmente a assoberbada Suprema Corte entendeu que o dogma do “dominus litis” deve prevalecer sobre o Princípio insculpido no inciso XXXV do art. 5º da CF que prescreve: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. De má sorte que foram rejeitadas, sob argumento de ilegitimidade ativa, as Ações Penais Subsidiárias propostas pela Federação Brasileira das Associações de Controladores de Tráfego Aéreo, em face das Ações Penais Públicas não oferecidas pelo leniente Ministério Público Militar.

Contudo, o que ao final aqui restará demonstrado é que à sociedade brasileira tem sido ocultado quem são os verdadeiros responsáveis pela perpetuação da situação de perigo que vivem todos que voam e são sobrevoados por uma aviação civil absurdamente gerenciada por militares, estes que sobrepõem o binômio hierarquia-disciplina ao critério SEGURANÇA DE VÔO.

O que não significa, entretanto, artifício para exculpar os controladores acusados nos autos deste processo, como disse a Douta Procuradora (“A defesa dos controladores de voo invoca as diversas falhas do sistema em seu favor e as posteriores alterações como forma de exculpação dos denunciados”), talvez equivocadamente entendendo que os advogados que atuam nesta causa desconheçam o significado da “culpa concorrente”. Em verdade, o que também restará demonstrado é que NÃO HÁ CRIME CULPOSO PRATICADO PELOS ACUSADOS JOMARCELO E LUCIVANDO, conforme a abundante coleção de provas e consistente argumentação jurídica nesta peça expendidos.

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Em sentido diverso, contudo, as Alegações Finais do MP colimaram por trazer o pedido de condenação dos dois acusados nos seguintes termos:

Face ao exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL requer: ...

c) a condenação dos denunciados JOMARCELO FERNANDES DOS SANTOS e LUCIVANDO TIBÚRCIO DE ALENCAR como incursos no delito descritos no §3° do artigo 261, combinado com os artigos 258 e 121, §4°, todos do Código Penal.

Impõe-se, aqui, o exame da tipologia aplicada, verbis:

Atentado contra a segurança de transporte marítimo, fluvial ou aéreo Art. 261 - Expor a perigo embarcação ou aeronave, própria ou alheia, ou praticar qualquer ato tendente a impedir ou di ficultar navegação marítima, fluvial ou aérea: Pena - reclusão, de dois a cinco anos. ( ... ) Modalidade culposa § 3° - No caso de culpa, se ocorre o sinistro. Pena - detenção, de seis meses a dois anos. Formas qualificadas de crime de perigo comum Art. 258 - Se do crime doloso o de perigo comum resulta lesão corporal de natureza grave, a pena privativa de liberdade é aumentada de metade; se resulta morte. é aplicada em dobro. No caso de culpa, se do fato resulta lesão corporal, a pena aumenta-se de metade, se resulta morte, aplica-se a pena cominada ao homicídio culposo, aumentada de um terço. Art. 121 - ( ... ) Homicídio culposo § 3° Se o homicídio é culposo: Pena - detenção, de um a três anos. Aumento de pena § 4º No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou oficio, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro a ví tima, não procura diminuir as conseqüências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos.

Sabe-se que delito culposo é um tipo penal aberto, incerto, sujeito a valorações do Juiz no que concerne à verificação dos requisitos normativos indispensáveis a essa espécie de crime: a inobservância de cuidado objetivo e a previsibilidade objetiva, sem os quais não há como caracterizar conduta típica culposa.

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Colacionando doutrina de Fernando Capez, a Douta Procuradora dedica 22 linhas ao conceito de inobservância de cuidado objetivo, e, em relação ao requisito da previsibilidade objetiva, inobstante as quase trinta e duas linhas dedicadas ao tema, em seu Memorial, oferecido à guisa de Alegações Finais, quase não tratou desta relevante ficção jurídica senão quando disse, com acerto, que “previsibilidade objetiva: “é a possibilidade de antevisão do resultado por uma pessoa de prudência e discernimento mediano”. As demais considerações situaram-se no plano da Culpabilidade e da medida de Culpabilidade a ser considerada em uma dosimetria, aqui improvável.

Das considerações teóricas acima expendidas em abstrato e em face do que lhe foi disponibilizado como meios de prova, a Douta Procuradora passou às imputações concretas que se seguem:

JOMARCELO agiu com culpa consciente - o agente prevê o resultado mas acredita, sinceramente, que, por sua habilidade ou outra circunstância impeditiva, não se produzirá -, situação que impõe, além da condenação, a elevação da apenação. Comprovando a ciência das falhas dos radares e do sistema de comunicação, JOMARCELO também demonstra alto grau de previsibilidade objetiva, pois sabia que, na área que operava, se não fossem tornados todos os cuidados necessários com a antecedência pertinente, havia possibilidades reais de choque entre duas aeronaves. Culpa consciente e alto grau de previsibilidade conduzem, necessariamente, a um alto grau de inobservância do cuidado objetivo por imperícia e negligência - que também impõe penas mais severas.

Desta forma, resta não apenas comprovada a culpa de JOMARCELO, mas também demonstrado o alto grau de culpabilidade com que agiu.

... Diante disso, a conduta imperita e negligente de

LUCIVANDO também foi causa do acidente ocorrido entre duas aeronaves no dia 29 de setembro de 2006.

Reafirma-se, neste ponto, que a Defesa dos acusados demonstrará, ao final do que passa a aduzir, que, considerando a ambiência e circunstâncias em que se desenvolve a atividade de controle de tráfego aéreo brasileiro, não há lógica jurídico-penal no reconhecimento da inobservância de cuidado objetivo nem de previsibilidade objetiva da ocorrência do resultado danoso no momento em que se desenvolviam as condutas dos acusados. Restará claro que, na situação do primeiro, ainda que, desprezando a lógica, fosse reconhecida a tipicidade não haveria culpabilidade, e, já como um argumento que decerto estará superado pelo

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juízo de absolvição, também restará demonstrado a inutilidade da aplicação de qualquer pena pelo não preenchimento dos requisitos da prevenção ou ressocialização para ambos, vez que o Estado estaria a aplicar odiosa pena perdida, desnecessária e sem finalidade preventiva ou ressocializadora. Uma pena meramente retributiva, neste caso, seria mera vingança a legitimar a covardia e irresponsabilidade deste resquício de Estado Militar na gestão da aviação civil.

Conforme a lógica jurídico-penal, portanto, incumbe enfrentar a imputação de tipicidade culposa.

Neste passo, cumpre destacar como inadequada qualquer analogia entre a especialíssima atividade realizada pelos acusados no controle de tráfego aéreo com aquelas praticadas por pessoas comuns, como foram assim trazidas pelo MP, verbis:

A defesa dos controladores de voo invoca as diversas falhas do sistema em seu favor e as posteriores alterações como forma de exculpação dos denunciados. Seus argumentos, ao contrário do pretendido, apenas reforçam a acusação, uma vez demonstram cabalmente que todos os envolvidos no tráfego aéreo na época sabiam das deficiências dos sistemas, o que impunha aos controladores de voo diligências redobradas.

Seria o mesmo que, trafegando numa estrada sem sinalização e com muitos buracos, o motorista dirigir com a mesma tranquilidade e imprimir a mesma velocidade que emprega quando trafega numa estrada duplicada, com pavimentação recente e bem sinalizada. Da mesma forma, quando se pretende viajar numa longa estrada que se sabe carente de postos de abastecimento, é imprescindível que a jornada seja iniciada com o tanque completo e, caso necessário, com combustível extra, caso contrário, é lógico que teremos problemas na metade do caminho.

Previsibilidade objetiva não pode ser parametrizada em condutas tão díspares como as que acima se descreveu. O “homem médio em prudência e discernimento” há de ser examinado em relação ao ambiente em que se desempenha. Para uma pessoa comum pode não haver previsibilidade objetiva de resultado danoso em uma determinada conduta médica, todavia a comunidade médica será capaz de apontar a inadequação da conduta.

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Neste sentido, Hans Welzel, de quem se reconhece a autoria da concepção dogmática do Sistema Finalista Jurídico-Penal, inclusa no qual se situa a Teoria Finalista da Conduta, destaca:

“O conteúdo da conduta “adequada” ou “correta”(isto é o cuidado necessário ao tráfego) jamais pode ser determinado, portanto, de modo exaustivo, no caso concreto, por regras e princípios gerais de experiência, e tampouco pelas medidas policiais de segurança, mas por meio do princípio metodológico, da ação que realizaria um homem inteligente e prudente, na situação do autor”(Destacamos em negrito).(Welzel, Hans O Novo Sistema Jurídico-Penal, Uma introdução à doutrina da ação finalista, Tradução Luiz Regis Prado, Ed. RT, 2001, p. 80).

Na mesma página, já havia advertido o grande Doutor de Bonn:

“Só é possível preencher materialmente o conceito de cuidado dentro de certos limites. Todas as regras e princípios de experiências gerais são apenas abstrações generalizadoras dos acontecimentos individuais, só na medida em que eles sejam similares poderão realizar essas generalizações. As regras gerais e os princípios da experiência só são válidos, portanto, para a grande massa de casos similares ou “típicos”. Sempre resta a dúvida, porém, de se configura ou não um desses casos. O fato de que uma ação (que causa um dano) infrinja um princípio da experiência ou uma regra de lex artis é, por isso, apenas um indício, mas não uma prova de observância do cuidado devido. (Negritamos)”

E é disso, justamente, que se trata no caso corrente. Fala-se de descumprimento de regras de lex artis relativas ao controle de tráfego aéreo brasileiro, em cujo contexto técnico e complexo devem ser examinadas as ações/omissões imputadas aos acusados dentro da ambiência sistêmico-operacional em que atuavam, o que precisa ser feito à luz da legislação vigente quando da ocorrência da trágica colisão. Exame escoimado, contudo de quaisquer referências a triviais condutas do cotidiano comum, como fez, inadequadamente, o MP Federal ao aduzir:

“Seria o mesmo que, trafegando numa estrada sem sinalização e com muitos buracos, o motorista dirigir ... . Da mesma forma, quando se pretende viajar numa longa

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estrada que se sabe carente de postos de abastecimento, é imprescindíve l que a jornada seja iniciada com o tanque completo...”.

Não há, portanto, como tratar da responsabilidade jurídico-penal culposa dos acusados JOMARCELO e LUCIVANDO subtraindo-se ao exame da conjuntura funcional do controle de tráfego aéreo brasileiro, em que, de modo intencional e aberrante, os militares, como resquício do período ditatorial, perpetuam-se na administração de uma complexa e especializada atividade econômica de suporte à aviação civil, sob diversas falácias, das quais a mais importante é a que pretende confundir segurança na defesa do espaço aéreo com a segurança dos que voam e são sobrevoados pela aviação civil.

Diferenciações funcionais, no âmbito dos sistemas sociais próprios do mundo contemporâneo, não são categorias teóricas arbitrárias. Desconhecê-las, ou tratá-las com indiferença, traz conseqüências práticas no coexistir cotidiano. Desse modo, do oportunismo com que se buscou subverter a Ordem Constitucional, para perpetuar comandos militares na administração de uma atividade civil, resultou severo comprometimento a uma importante especialidade funcional: a segurança da aviação civil, esta dependente de controladores de tráfego aéreo integralmente voltados para assegurar a possibilidade de vôos e aproximações para a aterrisagem em situações de nenhuma visibilidade por parte do piloto das aeronaves.

O piloto em terra, como já foi tratado e deve ser reconhecido o controlador de tráfego aéreo, cuidando de várias aeronaves em vôo, ao mesmo tempo, não pode ter a sua importância funcional diminuída, pior ainda, submetida a critérios de uma administração que deveria estar comprometida exclusivamente com o controle de tráfego aéreo militar, este que se dedica à identificação e interceptação de aeronaves inimigas, em uma lógica de ataque e defesa, como de resto acontece em toda a Europa, em todas as Américas, em todo o mundo civilizado, onde o Brasil é exceção.

São absolutamente diferentes as missões, a lógica de gestão, os sistemas de controle, a formação e o treinamento de pessoal, e especialmente diferenciados os equipamentos do controle de tráfego aéreo civil e o que se requisita como necessário para a Defesa Aérea.

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Nas páginas que se seguem ficam demonstrados os efeitos perversos da corrupção sistêmica que se verifica quando a missão do controle de tráfego da aviação civil resta subordinada ao binômio hierarquia/disciplina militar, situação em que os profissionais devem ocultar as falhas que põem em risco a vida e a integridade das pessoas para não dar demonstração de fragilidade na defesa aérea do país.

Do que deriva um conjunto de outros desarranjos institucionais que desestabilizam o setor, severamente prejudicado no seu mais importante quanto indispensável atributo: a segurança.

Neste rumo, o presente Capítulo III deste Memorial passa a desenvolver-se em três subcapítulos: o IIII.1, da omissão do Comando da Aeronáutica na solução de problemas identificados em uma quase colisão no ano de 1996 e que se repetiram tragicamente na colisão de 2006; o III.2, em que serão evidenciados vícios e omissões da prova pericial produzida pela Polícia Federal, que aqui atuou como longa manus do comando da aeronáutica; o III.3, em que se tratará das consequências perversas da administração militar do controle de tráfego aéreo da aviação civil que se manifestaram no presente caso da colisão aérea; e no III.4, a conclusão silogística coerente com o que se aduziu com supedâneo em sólidas provas: a demonstração de atipicidade culposa e das excludentes de culpabilidade como fundamentos para a necessária absolvição de JOMARCELO E LUCIVANDO. O capítulo IV, subsequente, traz o pedido formal de absolvição.

III.1 OMISSÃO DO COMANDO DA AERONÁUTICA NA SOLUÇÃO DE PROBLEMAS IDENTIFICADOS EM UMA QUASE COLISÃO NO ANO DE 1996 E QUE SE REPETIRAM TRAGICAMENTE NA COLISÃO DE 2006.

Contribuíram decisivamente para a fatídica colisão da qual restaram denunciados os Acusados que aqui se defendem as falhas no sistema de controle X4000, falhas de radar e de rádio-comunicação, todas conhecidas e relatadas por mais de uma década, sem que a Administração Militar adotasse as providências reiteradamente requeridas pelos controladores de tráfego aéreo.

Aliás, a história de registros de falhas e busca de soluções, que nunca foram oferecidas satisfatoriamente, tem um marco

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inicial relevante: 1996, quando de uma quase colisão entre um avião de passageiros e a aeronave identificada como Força Aérea 01, avião presidencial em missão de transporte do então Presidente da República Fernando Henrique Cardoso.

Esse fato, registrado oficialmente no Livro de Registro de Ocorrências do Controle de Aproximação de Brasília de 1996, levou o então Comandante do CINDACTA-1, Coronel Av. Duprat, com base nas falhas reais detectadas no sistema, a simular uma conjugação de tais falhas, de modo a demonstrar a previsibilidade de uma futura colisão de aeronaves. Realizou-se, então, um “Treinamento Simulado” com a participação da CIAA – Comissão de Investigação de Acidentes Aeronáuticos – cujo resultado foi documentado e encaminhado ao CENIPA- Centro de Investigação e Prevenção de Acidente Aeronáutico. Daquele documento que conclui a simulação extrai-se a premonitória identificação das falhas que, detectadas em 1996, vieram a se reproduzir como fatores decisivos e cumulativos para a tragédia de 2006:

Simulação em 1996:

1. ...“A Autorização de Tráfego Confins (CLR CF), em uma segunda tentativa, interrogou o ACC BS se já tinha o plano do LLB 9-4-3 para autorizá-lo e, ainda, informando que o mesmo houvera preenchido uma “CHG”. O ACC cotejou: 2. - “Tem...trezentos e cinqüenta, autorizado.” 3. Fica evidenciada, pois, uma falha por ocasião da autorização do LLB 9-4-3 – O ACC BS emite uma autorização de plano de vôo incompleta fornecendo apenas o FL 350 e considera a rota constante na “strip” (DCT ARX); já a CLR CF recebe a autorização incompleta e pressupõe a rota segundo a modificação proposta (UB 678) (Este documento encontra-se nos autos da Ação Principal). 4. Falha na comunicação em inglês: “ O LLB 9-4-3 equivocou-se no entendimento da insuficiente mensagem e inferiu que deveria selecionar o seu transponder no modo “stand by”. 5. Falha na visualização Radar: “Essa falha não pôde ser percebida pelo controlador do APP BH devido à ausência do serviço radar” (Ver documento nos autos da Ação Principal) . 6. Problemas de freqüência de rádio comunicação. 7. Problemas do sistema na geração e gerenciamento das “strips”(fichas de progressão vôo). 8. “No período em que ocorreu o acidente a situação dos equipamentos de visualização envolvidos era o seguinte: 9. Radar TA-10M e RS870 do APP-BH estavam inoperantes para manutenção;

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10. Radar TRS 2230 e o RS 870 de Três Marias estavam operando, na ordem, em potência reduzida e em operação normal.

Veja-se a terrível similaridade entre essas falhas então reconhecidas e as falhas decisivas para a fatídica colisão de 2006:

SIMULAÇÃO 1996 TRAGÉDIA VÔO 1907/2006 Falha na autorização de vôo. ...“A Autorização de Tráfego Confins (CLR CF), em uma segunda tentativa, interrogou o ACC BS se já tinha o plano do LLB 9-4-3 para autorizá-lo e, ainda, informando que o mesmo houvera preenchido uma “CHG”. O ACC cotejou: - “Tem...trezentos e cinqüenta, autorizado.” Fica evidenciada, pois, uma falha por ocasião da autorização do LLB 9-4-3 – O ACC BS emite uma autorização de plano de vôo incompleta fornecendo apenas o FL 350 e considera a rota constante na “strip” (DCT ARX); já a CLR CF recebe a autorização incompleta e pressupõe a rota segundo a modificação proposta (UB 678) (Ver Anexo 8 - página 4-A do Treinamento Simulado)

Falha na autorização de vôo. A Autorização de Tráfego São José dos Campos (CLR SJ), em uma segunda tentativa, interrogou o ACC BS se já tinha o plano do N600XL para autorizá- lo. O ACC cotejou: - “..três sete zero, na proa de Poços.” (frase recolhida da transcrição das gravações da Torre de São José dos Campos no dia do acidente – ver ANEXO 7, folhas 01 e 02, extraídas do Apenso II do IP da Polícia Federal 670/200).

SIMULAÇÃO 1996 TRAGÉDIA VÔO 1907/2006 Falha na comunicação em inglês:

“O LLB 9-4-3 equivocou-se no entendimento da insuficiente mensagem e inferiu que deveria selecionar o seu transponder no modo “stand by”.

Falha na comunicação em inglês: O N600XL teve dificuldades em entender as instruções emitidas pelo controlador da Torre de São José dos Campos e minutos antes da colisão não compreendeu a últimas instrução emitida pelo controlador de Brasília, para que mudasse para a freqüência do Centro de Controle de Manaus. Segundo Jan Paul Paladino, co-piloto do Legacy, no INQUÉRITO POLICIAL 670/2006, APENSO I, FL. 17: “informaram-lhe outra freqüência que teria manter contato, todavia, o declarante não compreendeu os dois últimos algarismos da freqüência”. (Anexo 3, fl. 02).

Falha na visualização Radar: “Essa falha não pôde ser percebida pelo controlador do APP BH devido à ausência do serviço radar” (Ver Anexo 1 - página 4-A

Falha na visualização Radar: Após desligamento do transponder, equipamento que fornece a informação de altitude da aeronave para o órgão de controle, a aeronave LEGACY N600XL entrou em

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do Treinamento Simulado) .

uma área sem cobertura radar, a qual ficou conhecida como buraco negro. Neste sentido são os seguintes depoimentos dos controladores em serviço no dia do acidente, extraídos do Inquérito Policial Militar – IPM 4165/07: “que quando assumiu o serviço e após efetuadas as críticas o N600XL já não estava na visualização radar” (Sargento Barros, às fls: 55 do IPM, reproduzido no Anexo 3, fl. 01). “que quando perguntado se houve algum comentário por parte do Sargento Barros acerca da falta de visualização radar do N600X? respondeu que não, pois se tratava de uma área aonde não havia cobertura radar” (Sargento Lucivando, às fls. 70 e 71 do IPM, reproduzido no Anexo 3, fls. 02 e 03).

E a falta de cobertura de radar na região em que se deu

o acidente sempre foi de pleno conhecimento do CENIPA e do Comando

da Aeronáutica. Afinal, não há como negar fidedignidade a relatórios como

o que abaixo se aponta, da lavra de um Oficial Especialista em Controle de

Tráfego Aéreo (Documento trazido nos auto- Volume IX), de 25-02-2005,

Ten. Soares, Chefe do ACC BS (órgão de controle de Brasília), que em

comunicação oficial diz: “Reitera-se a preocupação ainda existente em

função da acomodação de aeronaves pela falta de cobertura radar no

espaço aéreo limítrofe entre as FIR BS e AZ”, ou seja, exatamente a área

em que viria ocorrer a colisão, dezenove meses depois de tal relato.

OBSERVE-SE QUE DEZ MESES APÓS O

REGISTRO ACIMA, em 22/12/2005, portanto, NO ANO ANTERIOR AO

ACIDENTE, O MESMO OFICIAL DA AERONÁUTICA VOLTA A

APONTAR “porções da FIR Brasília cujo serviço radar não esteja

prestado em função da falta de cobertura radar...” (documento trazido

nos autos, Volume IX).

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E NADA SE FEZ.

E para que não haja dúvida quanto a

remanescência das falhas de cobertura radar na Região Amazônica,

até muito depois do acidente, veja-se a comprovação que se extrai de

documento oficial, oito longos meses após, segundo cópia de documento

oficial emitido pelo chefe da Divisão Operacional do CINDACTA IV e até

bem pouco comandante do CINDACTA II, Coronel Leônidas, de onde se

extrai:

“AVOP 002/ACC-AZ/140507

1 – Nos casos em que ocorrerem falhas de detecção radar nas áreas definidas pelo DECEA, na FIR AZ...

2 – Nos casos em que ocorrerem duplicação de alvos radar, variações de proa e/ou variações de velocidade...”

O mesmo Coronel Leônidas, nesse mesmo AVISO

OPERACIONAL (AVOP 002), determina:

“4 – Nos casos em que se prestem os serviços de vigilância ou vetoração radar, nas áreas definidas pelo DECEA na FIR AZ, deverá ser observado que a perda de detecção de uma aeronave ou outros relacionados com a sua identificação ou performance poderão ensejar o encerramento do serviço radar para essa aeronave, porém não obsta a prestação de serviço radar para as demais aeronaves evoluindo nesses espaços aéreos. Nesses casos o controlador deverá prover a separação prevista para operações não radar entre aeronaves sem serviço radar e aquelas sob serviço radar.”

Três absurdos avultam no trecho acima destacado:

1º. O Aviso Operacional assimila e dá continuidade à

Omissão de Eficiência no controle de tráfego aéreo por falha de radar, na

FIR Amazônica, mesmo após a colisão GOL-Legacy.

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2º. O abuso do poder de mando, configurado quando

determina aos subordinados controladores de tráfego aéreo que

desconsiderem as mais elementares normas e os mais sagrados

fundamentos de segurança da atividade ao manter a prestação de serviço

radar ainda que em face da insegurança evidenciada, obrigando a uma

pressuposição temerária de que a falha não se estende às demais aeronaves.

Isso, no mesmo documento onde, no item 2 acima apontado, admite haver

“duplicação de alvos radar”.

3º. Fomenta uma atitude de tolerância a falhas,

quando a missão do controle de tráfego deve ser de absoluta rejeição a

anomalias em acordo com os preceitos internacionais preconizados pela

ICAO (Organização Internacional de Aviação Civil).

SIMULAÇÃO 1996 TRAGÉDIA VÔO 1907/2006 Problemas de freqüência de rádio comunicação.

Problemas de freqüência de rádio comunicação.

Após a passagem sobre Brasília o N600XL fixou quase uma hora sem contato bilateral com o Centro de Controle Brasília, onde piloto e controladores tentaram várias vezes comunicação entre si. Neste sentido é o seguinte depoimento: “que foi tomada providência de tentar comunicação com a aeronave”...”que tentou contato com a aeronave e emitiu uma instrução para que ela chamasse na freqüência 135.90”... “e que esse procedimento foi adotado em relação ao N600Xl, não conseguindo, no entanto, êxito no contato bilateral de comunicações”... “que foram tentados, mais em função da não comunicação bilateral, não foi obtida a

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resposta. Perguntado se tentou efetuar contato com N600Xl e quantas foram as tentativas? Respondeu que sim, não tendo como precisar ao número de tentativas mas que foram de seis a oito” (Sgto. Lucivando, às fls. 67 a 69 do IPM 4165/07, reproduzido no Anexo 7, fls. 09 e 10).

Comprovam os apontados problemas de freqüência de rádio abundantes relatos, relatórios e outros documentos oficiais reproduzidos nos autos, assinados por pilotos, coronéis, autoridades civis, e até um registro de incidente produzido pelo Air Traffic Services Manager da United Airlines, Ron R. Haggerty, onde ele destaca que “no communication offered by ATC Brasília and Amazonica. We reached two clearance limits with no communication (documento acostado nos autos).”

Segue-se o registro de uma das mais comprometedoras falhas do sistema concebido e gerenciado pelos militares, que, de modo criminoso, como mais adiante se prova, busca-se ocultar, não tendo sido sequer apontada como fator contribuinte para a colisão dentro do que se concluiu no Relatório Final do CENIPA- Centro de Investigações e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos.

SIMULAÇÃO 1996 TRAGÉDIA VÔO 1907/2006 Problemas do sistema na geração e gerenciamento das “strips”(fichas de progressão vôo).

Problemas do sistema na geração e gerenciamento das “strips”(fichas de progressão vôo).

Este problema foi explicitado pelo então comandante da FAB, Ten. Brig. Bueno, como fator contribuinte para o acidente, pois induziu o controlador ao erro, modificando a altitude da aeronave sem a autorização do controlador. Do seu depoimento na Audiência Pública do Senado Federal, na CMA - Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle, quando

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então Comandante da Comando da Aeronáutica, em 21 de novembro de 2006, retira-se: ”...com isso, o radar teria indicado que o Legacy estava a 36 mil pés de altitude, quando, na verdade, voava a 37 mil pés (11,2 km), mesma altitude do Boeing”. Para Bueno, o fato pode ter levado o controlador a um erro. "Era uma informação falsa, mas que ele não acreditava que fosse falsa", disse.

SIMULAÇÃO 1996 TRAGÉDIA VÔO 1907/2006 Outras Falhas nos Equipamentos de Visualização

“No período em que ocorreu o acidente a situação dos equipamentos de visualização envolvidos era o seguinte: - Radar TA-10M e RS870 do APP-BH estavam inoperantes para manutenção; - Radar TRS 2230 e o RS 870 de Três Marias estavam operando, na ordem, em potência reduzida e em operação normal.”

Outras Falhas nos Equipamentos de Visualização

No período em que ocorreu o acidente a situação dos equipamentos de visualização envolvidos era a seguinte: - O Radar de Sinope-MT, ao qual se submetia a expectativa de detecção radar apresentava recorrente deficiência, o que levava os controladores a aceitar como normal as anomalias na apresentação radar. Conforme extraído do Processo da Justiça Federal (número 2007.36.03.002400-5, Subseção Judiciária de Sinop-MT, páginas 558 e 561 - reproduzidas no ANEXO 7, FLs 15 a 17) os controladores, acostumados a tais deficiências, não estranhavam a confusão e ausência de precisão nas informações radar oriundas das antenas que cobrem tal região, afirmando, inclusive “que há de fato ausência de cobertura radar num trecho que começa aproximadamente em NABOL e vai até próximo de Brasília”.

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No que concerne à situação geral do sistema de

visualização radar, merece análise o fato de, coincidentemente (ou não),

o “radar TRS 2230”, que fora alvo da simulação de 1996, se

encontrava na mesma situação dez anos depois, exatamente no dia em

que se deu a tragédia GOL x Legacy (embora não tenha contribuído, por

não se situar na região do acidente).

A propósito, o quadro que se segue aponta para a

“situação radar” da região centro-oeste no dia do acidente, área pela qual

trafegou o N600XL, cuja detecção esteve prejudicada após 100 milhas da

sua passagem pelo céu de Brasília. Na coluna direita encontra-se o

indicativo dos técnicos responsáveis pelo registro:

Gama

936 - 324

8574 / 8573

C

TRS x Potência Reduzida

-Pane Module pesquisa - Pane no Atenuador programável (22813)

– Filtro FP 50 AW (20842)

Sgt Alyson

Sgt Alan

CMV

RSM 970

x

RMT 100 x

T. Marias

937 – 324

TRS x Potência reduzida

Sgt Assis RSM 970

x

Tanabi

933 - 324

8561

TRS X Potência Total

- Vazamento de óleo motor n°1 da antena (23550) - Posição 38 Cx. Defasor Par (23543)

- Anemômetro (13536) - Relé (20165)

Sgt Perin RSM 970 x

B. Garça

930 - 324 / 319

8575 / 8043

TRS x Potência total ( Pistas falsas )

- Contactora K10 (21115) - Filtro Anti Parasita (22848)

- Sinal mínimo atenuado (23379) - Defasor Cerâmico curto (22829) - Distribuidor vídeo (21354)

- Contadora K4 (17872) - Disjuntor M3X6/6V(19011) - Cable W 8 (19063)

CB Da Silva

RSM 970 x

Chapada

935 - 324 / 334

8565

TRS x Potência Reduzida ( Pistas falsas à Noroeste )

- Tubo ACC 2 (18297) - Defasor (18188,17329) - Anemômetro (16751)

- Retirados 15 modules CFA2 enviados Tanabi (23498) - Defasores

Sgt Roberta

RSM 970 x

S.Teresa

931 - 324

8571

TRS

x Inoperantes

-TRS / RSM inop. troca de rolamento da antena e pintura do radome até 05/10/06 (23 741/ 23742)-

- Panier pre-amplif icador (15790) - CFA 2 com desarme do disjuntor do

SO Goes RSM 970 x

Brasília TA 10M x Operacional SO Goes

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911 – 525

8476

RSM 970

x

Pane intermitente no módulo de recepção control ( 23644)

Anápolis

918 - 336

TA 10M x

Operacional - Transmissor/receptor nº 2 eifm (23 706)

- Interface POS 1A7 (18757) - Interface POS 2A8 (18755) - Interface POS 1A5 (18756)

-TE-802 (19880, 19881) - Fonte Alim. 6.5V (19885)

Sgt Freitas

ACC-BS

Por tudo acima exposto evidencia-se que dez anos

antes do trágico acidente de 2006 todo um completo quadro de graves

deficiências conjunturais já estava registrado e deveria ser de pleno

conhecimento do Comando da Aeronáutica. E do CENIPA.

Logo, não há como se esperar isenção, idoneidade na

produção de provas, por parte de um Órgão interessado em ocultar as falhas

da Força Aérea, da qual faz parte. E, lamentavelmente, foi o que se viu no

faccioso Relatório Final das investigações do acidente e em toda a

produção de provas na fase do Inquérito Policia Federal, este severamente

comprometido na idoneidade de seu relatório pelo simples motivo de ter a

mesma fonte de informação técnica: a Aeronáutica.

Foram essas razões que levaram os defensores desses

Acusados a requererem, em um primeiro momento, o trabalho pericial de

especialistas respeitados em todo o mundo, como são os então indicados,

Doutor Sidney Decker, doutor Peter B. Ladkin e o Doutor Virgílio Belo,

este último responsável pelas investigações de acidentes Aeronáuticos em

Portugal e que aqui esteve logo após a colisão.

Frustradas as possibilidades de contar com os peritos

acima apontados, todavia, vez que denegados foram os pedidos neste

sentido, aqui são trazidos em III.2 elementos contrapericiais colhidos em

documentação oficial da própria Aeronáutica, o que se fez por considerar a

regra máxima de que o Estado-Juiz não se encontra submetido a Peritos,

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65

antes forma o seu convencimento pelo livre exame das provas a que tem

acesso.

III.2 VÍCIOS E OMISSÕES DA PROVA PERICIAL PRODUZIDA PELA POLÍCIA FEDERAL QUE AQUI ATUOU COMO LONGA MANUS DO COMANDO DA AERONÁUTICA.

Com o que se passa a aduzir torna-se claro que a Polícia Federal e o Ministério Público Federal foram induzidos a uma persecução criminal contra JOMARCELO e LUCIVANDO lastreados em prova pericial dolosamente incompleta, porquanto subtraída dos elementos que não interessavam ao Comando da Aeronáutica revelar.

Antes de tudo, no caso em foco, JOMARCELO, que, em qualquer país que respeite a segurança na aviação civil estaria restrito à condição de Controlador Assistente, vez que possuía apenas 9 meses de experiência na condição de controlador habilitado em Dezembro de 2005, na data dos fatos estava obrigado a controlar sozinho três setores, em um dos quais trafegava uma aeronave tripulada por pilotos americanos, que só se expressavam em inglês, sabendo-se que ele não tinha a proficiência exigida para coordenar vôos pilotados por estrangeiros.

Pois bem, este JOMARCELO, assim identificado como sem o domínio da língua inglesa – conforme se lê no Relatório CENIPA, no qual se busca elementos para condená-lo – encontrava-se, na data dos fatos, com apenas nove meses de habilitação profissional, obrigado a coordenar simultaneamente três setores de controle de tráfego aéreo agrupados, sozinho, sem assistente, em SITUAÇÃO VIOLADORA DAS NORMAS OPERACIONAIS EXISTENTES, informação essa que foi sonegada à Polícia Federal e ao Ministério Público, não por pura omissão antes pela má-fé com que trataram do caso as autoridades do Comando da Aeronáutica. Diz o Modelo Operacional do ACC-BS, de 10 de julho de 2003:

5.6.6 - ATIVAÇÃO DE POSTO DE CONTROLE SEM O CONTROLADOR ASSISTENTE (p.44)

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Sempre que um setor de controle apresente, em condições normais, um quantitativo igual ou inferior a 6 (seis) tráfegos controlados, a critério do Supervisor, a operação poderá ocorrer sem a presença do Assistente. Caberá ao Controlador acumular as tarefas do Assistente.

E para que não sejam confundidos os conceitos de “posto de controle” (equivalente a “posição operacional”) e “setor”, registre-se que posição operacional refere-se a um console no qual atuam um controlador e um assistente, admitindo-se ausência de assistente quando o tráfego não é intenso.

Setor, não. Setor é correlacionado a espaço aéreo a ser coberto, abrangência de cobertura espacial. Agrupar três setores implica triplicar área de cobertura, triplicar a necessidade de visualização do espaço coberto e a exigência de vigilância triplicada. A quantidade de cinco tráfegos em um só setor não é a mesma coisa que cinco tráfegos simultâneos espalhados em três setores.

De modo malicioso, todavia, para que no Relatório Final este fator não fosse considerado como contributivo do acidente, as autoridades aeronáuticas do CENIPA induziram ao entendimento de que os tráfegos simultâneos controlados por JOMARCELO estavam em conformidade com as normas:

3.15.2.5. CINDACTA I / 3.15.2.5.1. Organização do Trabalho / p.146, 5º §

“...O posto de controle podia ser ativado sem o controlador assistente sempre que um setor apresentasse, em condições normais, um quantitativo igual ou inferior a 6 (seis) tráfegos controlados, a critério do supervisor, cabendo ao Controlador assumir as tarefas do Assistente (item 5.6.6 ). Sempre que houvesse expectativa de grande volume de tráfego, o Supervisor Regional deveria ativar uma posição de supervisor para cada duas posições operacionais ativadas (item 5.6.8). Fora do horário de pico, os Supervisores Regionais se revezavam na posição.”

O pior de toda essa situação, Excelentíssimo Juiz, é que a morte de todas aquelas pessoas vitimadas no Vôo 1907 não servirá sequer para prevenir acidentes futuros.

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No civilizado mundo do moderno controle de tráfego aéreo da sociedade civil não é assim.

De uma tragédia ocorrida em 1º de julho de 2002, em Üeberlingen, Alemanha, resultou uma ampla reforma de toda a gestão do controle do espaço aéreo, pela profunda reforma nos métodos aplicados pela SKYGUIDE, a empresa suíça responsável, tudo com base no Relatório Final da Investigação da BFU (Departamento Federal Alemão de Acidentes com Aeronaves)7

De modo perversamente inverso, aqui no Brasil, o que fez o Comando da Aeronáutica foi amenizar as restrições existentes quanto ao efetivo operacional de cada turno, editando norma que busca validar a sua irresponsável administração do setor de controle de tráfego aéreo da aviação civil. Veja-se:

. Com destaque, intensificaram-se as restrições para operações coordenadas por um só operador (SMOP – Single Man Operation), conforme se vê no capítulo “Night staffing levels and Single Man Operation Procedures”.

MODELO OPERACIONAL 2003 5.6.2 - EFETIVO NECESSÁRIO O sistema deverá prover efetivo suficiente para ativar todos os postos que a demanda exija, nos diferentes turnos, num quantitativo que possibilite alocar três controladores para cada um dos postos de controle existentes. Com tal efetivo, haverá garantia de revezamento entre os controladores, visando atender necessidades sanitárias, de alimentação e de descanso. Além disso, propicia atender a demanda de tráfego com a ativação da plena capacidade do sistema, com todos

MODELO OPERACIONAL 2009 5.6.2 REVEZAMENTOS E CONFIGURAÇÕES DE EFETIVO, p.61. Para o atendimento da demanda e do fluxo do tráfego aéreo, os Controladores serão revezados de forma eficiente e eficaz, não comprometendo os momentos de descanso necessários. O quantitativo escalado diariamente possibilita a ativação do número de consoles necessários e conforme capacidade ATC prevista para o Órgão, devidamente guarnecidos por dois Controladores (controle e assistente), além de assegurar supervisão constante e os

7 (BFU – Bundessfelle für Flugunfallotersuchung- Departamento Federal Alemão de Acidentes com Aeronaves – código AX 001-1-2-/02, maio de 2004, 116 páginas, cujos pontos principais estão listados às folhas 92 e 93).

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os postos de controle disponíveis ativados.

necessários revezamentos.

Sem qualquer consideração a respeito desse quadro anômalo, todavia, o MP Federal acusa o controlador JOMARCELO, fundado em uma cronologia que igualmente merece reparo. Senão, veja-se:

Às 18:51:07 UTC, após ingressarem no setor 07 do CINDACTA 1, os pilotos da aeronave informaram a JOMARCELO que utilizavam o nível de cruzeiro F370, então compatível com o plano de vôo. Às 18:55:28 o console do controlador indicava explicitamente que o jato, em breve, passaria a voar em altitude incorreta (370=360). Às 18:55:48 a aeronave Legacy N600XL atingiu Brasília, quando deveria alterar seu nível de voo para F360. Às 19:01:53 o transponder da aeronave deixou de transmitir informações ao controle de tráfego aéreo (dados do laudo policial). Ou seja, durante sete minutos e imediatamente após informar o nível atual de voo JOMARCELO tinha a informação precisa de que o jato Legacy voava em rota de colisão e não estava com o transponder operante, não obstante, não solicitou alteração de nível ou informou a inoperância do transponder ao piloto, conforme determinam os Itens 14.6.3 e 14.4.9 do ICA 100-12:

Em definitivo, destaque-se, não é verdade que o acusado teve a informação precisa da evolução do N600XL em altitude incompatível durante sete minutos. Tampouco deixou de prestar o serviço inicial. Tanto é assim que às 18:51:07, conforme destacado pelo MP, JOMARCELO atende chamado da N600XL, e “determina o acionamento da característica “IDENT” do transponder para permitir a identificação positiva da aeronave”8

8 Conforme Relatório Final do Inquérito Policial Militar (Autos nº 0000046-16.2007.7.0011, fls. 1343 do Processo em curso na Justiça Militar).

em um diálogo já conhecido e trazidos aos autos, novamente aqui reproduzidos:

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Na prática o que acima se reproduz é a ação do acusado que, repetindo uma fraseologia padrão, ordena “SQUAWK IDENT”, OU SEJA, acionamento da característica “IDENT” do transponder, e informa que a aeronave encontra-se sob vigilância radar.

MAS, até aí, a aeronave situava-se em altitude compatível com a aerovia em que trafegava, segundo o plano de vôo cadastrado no sistema e exibido no console. Ou seja, nada anormal.

E aí, Excelentíssimo Juiz, ao gravar a tela para disponibilização da informação que veio a ser grava em mídia (cd/dvd) a câmera fecha o foco na evolução do N600XL, deixando de exibir os outros setores sob coordenação, oferecendo assim uma visão reduzida da amplitude da área de trabalho daquele operador.

Fato é que somente às 18:55:28 é que o Sistema X4000, sem interferência do Controlador, passa a exibir a informação 370=360, ou seja, aeronave no nível 370 em aerovia nível 360, antes mesmo da aeronave sair da Aerovia UW2 e adentrar a Aerovia UZ6, esta sim a exigir o nível 360. O que o Laudo omite é que somente a partir do Ponto Fixo Brasília, alcançado pelo N600XL às 18:58:48, a aeronave passa a trafegar na UZ6.

É precisamente deste ponto que se deve considerar o tráfego no nível 370 em aerovia disponibilizada para o nível 360. A perda do sinal radar-transponder viria a ocorrer, portanto, às 19:01:53. Três minutos e cinco segundos, portanto, foi o tempo em que ficou disponível a informação para o JOMARCELO, o que não significa nenhuma situação de

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alerta, vez que o tráfego apenas iniciava-se naquela aerovia e não havia qualquer informação de tráfego contraposto.

E não se diga que JOMARCELO esteve ocioso neste intervalo. Cuidando de três setores agrupados, apesar de suas deficiências pessoais, veja-se a cronologia trazida aos autos desde a sua primeira chamada para o N600XL:

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A perda do sinal de comunicação radar-transponder veio a se verificar às 19:01:53, conforme telas já exibidas, e não mais haveria detecção por via do radar secundário a partir daí.

Por outro lado, fundada nas informações falsas propaladas pelo Comando da Aeronáutica, o que inclui depoimentos de

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testemunhas do próprio corpo do Comando da Aeronáutica, no sentido de que não há falhas na cobertura radar, a Ilustre Procuradora chega a afirmar que:

Quando o Legacy perdeu contato com o radar secundário (desligamento do transponder), distante cerca de 56 quilômetros de Brasília, às 19:01:53, as demais aeronaves da região, inclusive mais distantes do radar, eram captadas pelo controle de tráfego aéreo, conforme relatado e demonstrado no laudo pericial da Polícia Federal, especialmente às fls. 869/870 e na figura nº 8 desta última, na qual percebe-se que a aeronave denominada PPEJG, embora mais distante do Centro Brasí!ia, era perfeitamente captada. No mesmo sentido, o relatório do CENIPA (fI. 39).

Como complicador - mas que não admite simplificação reducionista e, muito menos, a tendenciosa omissão - a visualização de tela de console que leva a Douta Procuradora a afirmar, evidentemente de boa-fé, o que acima afirmou, não se trata de uma reprodução direta de um dado da realidade e sim uma composição complexa de uma síntese dos sinais captados por três radares, síntese essa que é realizada pelo sistema eletrônico que oferece a visualização, no caso o Sistema X4000, projetado e desenvolvido pela ATECH, uma empresa brasileira cuja relação econômica com a Comando da Aeronáutica é, para dizer o mínimo, promíscua.

Acerca da relação dessa Empresa com o Alto Comando da Aeronáutica mais adiante se tratará.

Bem, se não havia falhas de cobertura radar era de se pressupor que haveria continuidade na prestação do serviço radar da FIR Amazônica para a FIR Brasília no que concerne ao controle de tráfego aéreo que de Manaus procedia, o do PR-GTD que realizava o Vôo GOL 1907.

Foi exatamente pela ausência da citada cobertura que o Centro de Controle de Manaus encerrou a prestação de serviço radar antes de transferir o controle e comunicações daquela aeronave para o Centro de Controle Brasília, cinco minutos antes da colisão (momento 25’ 33” da

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gravação de vozes da cabine do PR-GTD). Neste sentido vejam-se os textos que se seguem, extraídos do Relatório Final CENIPA, p.102.

19:52:26 UTC, - O Centro Amazônico chamou o PR-GTD (vôo 1907), na

freqüência 126.45 MHz e, informando que o serviço radar estava encerrado, orientou-o para que, na posição NABOL, chamasse o Centro Brasília na freqüência 125.2 MHz e alternativa 135.9 MHz.

(Identificado no Relatório CENIPA como 3.15.2.6.4. “O

dia do acidente”, p.155)

O que se reforça a partir de depoimento colhido dos integrantes do ACC Manaus:

“... Como no briefing inicial havia sido informado de que o radar secundário de SINOP estava inoperante, estava encerrando o serviço radar antes do normal.”

O controlador afirmou que havia terminado o serviço radar do Gol (ver fl. 155 do Relatório CENIPA).

Portanto, NÃO HAVIA SERVIÇO RADAR a partir de NABOL entrando na FIR Brasília, configurando o que se denominou ‘BURACO NEGRO’. Fato corroborado pela passagem a seguir que descreve atitude a ser tomada pelo controlador do ACC Manaus, quando da recepção de um tráfego (aeronave) oriundo da área do ACC Brasília,(p.156/157), verbis:

“Segundo o Chefe da SIPACEA do ACC AZ: a previsão de chamada dos pilotos ao ACC AZ era às 19:54 UTC; o controlador deve aguardar a chamada da aeronave para iniciar o serviço radar; a colisão ocorreu às 19:56:54 UTC; o N600XL apareceu na tela com o primário: primeiro plote às 19:58 UTC; o Transponder do N600XL voltou a transmitir às 19:59:47 UTC; o controlador aceitou a aeronave e fez a primeira chamada:

20:00:30 UTC; o N600XL acionou emergência às 20:02:40 UTC (de acordo com a linha do tempo, às 19:59:47 UTC, logo após o retorno do Transponder). O controlador afirmou que fez duas chamadas à aeronave, sem resposta. Acrescentou que isto é comum de acontecer, pois o piloto poderia estar mudando de

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freqüência e algumas não funcionam. O Supervisor 2 informou que havia problemas de freqüência na região e que, às vezes, na entrada da área, os pilotos não chamavam o controle.” (FLS 157 do Relatório CENIPA).

Prosseguindo na demonstração de dolosas omissões em laudos periciais é bom que se diga que nem no Relatório Final do CENIPA, nem no Inquérito da Polícia Federal, foi dado a conhecer a forma como se produz a imagem radar em um console, imagem que resulta de uma composição complexa da síntese dos sinais captados por três radares, síntese essa que é realizada pelo sistema eletrônico que oferece a visualização. E quando o Coronel Leônidas, ouvido por precatória (ouvir mídia gravada) é questionado pela Defesa a respeito de falhas de radar limita-se a dizer que é comum falhas de radar em todo o mundo, seja problemas atmosféricos, seja pela curvatura da Terra etc. Didaticamente, aquele coronel, que foi chefe de Operações do CINDACTA Manaus na época do acidente, discorreu sobre a perda progressiva de qualidade em relação ao que fica além do horizonte, ou seja, para baixo da linha de sinal projetada, que se acentua em perda quanto maior a distância, pois maior será a acentuação da curvatura da superfície terrestre.

O tema, todavia, para ser examinado com responsabilidade, implicaria considerações a respeito do esquadrinhamento da área de cobertura radar, matéria que não chega sequer a compor o relatório final do CENIPA, pelo motivo de sempre: o interesse de ocultar as próprias falhas.

Mas, em resumo, a cobertura radar de uma determinada área faz-se por quadrículas de 25 milhas náuticas quadradas. A área do CINDACTA I, à época dos fatos, constituía-se em 4.096 quadrículas, cada uma, em tese, sofrendo varredura de simultânea de quatro radares espacialmente distribuídos. A síntese radar, desse modo, é feita com o descarte de um dos sinais, de modo que o sinal exposto na tela é uma composição consolidada da aeronave em evolução.

O cenário de proximidade de aeronaves, em que uma está visível e outra não, é perfeitamente possível dependendo da seleção de prioridades de varredura das quadrículas e o correspondente algoritmo

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definido no sistema para tal, descabendo assim concluir, como inferiu a Douta Procuradora da República que não havia falha radar, vez que havia uma outra aeronave captada pelo “radar” (percebe-se que a aeronave denominada PPEJG, embora mais distante do Centro Brasí!ia, era perfeitamente captada...). E, como as imagens valem mais que mil palavras, veja-se a sequência de mais de vinte telas em que se acompanha a progressão da visualização e não visualização do N600XL rastreado pelo radar primário. Ali observar-se-á a intermitência das falhas de detecção do N600XL, sem qualquer prejuízo para visualização de outra aeronave.

O processamento dos sinais de radar em relação a cada quadrícula e a correspondente visualização, dentre outras funções, realizava-se, por ocasião da colisão, através do Sistema X-4000, denominado formalmente de Sistema de Tratamento e Visualização de Dados (STVD), um complexo de hardware e software especificado, em uma de suas versões implantada no Centro de Controle de Área de Brasília, para contemplar as seguintes funções:

a) Funções de tratamento radar; b) Funções de tratamento de plano de vôo; c) Funções de visualização e tratamento de ordens; d) Funções de supervisão; e) Funções de informações gerais; f) Funções de revisualização; e g) Funções de Base de Dados .

Em relação às “Funções de Base de Dados”, verifica-se que não constituiu matéria Relatório Final CENIPA, no que pese a suma importância para a compreensão de como se pode ver uma referida aeronave, com pista radar associada (detecção de radar primário e secundário), com fator de qualidade 7 (sete - o mais alto, ótima exibição) e, próximo a esta pista, um outro plot radar com detecção primária e baixo fator de qualidade (igual ou menor que 4 – inadequado para prestação do serviço radar).

No arquivo em mídia onde se tem o depoimento do JOMARCELO, cuja duração é 37’ 54”, por várias vezes a questão da detecção radar é levantada. Ora pelo Magistrado (2’30” até 8’04”). Ora

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pela Procuradora, quando cita o laudo da Polícia Federal (19’01” até 22’ 44”).

O ponto principal a suscitar interesse vem a ser a configuração do “Mosaico Radar” existente na Base de Dados do Sistema (BDS), correspondente à sobreposição das 4096 quadrículas radar (todas numeradas), de 25 NM quadradas cada. Conforme acima exposto, em cada quadrícula radar, de modo discricionário, pode-se elencar 4 (quatro) radares para rastrear aquela porção do espaço. Esta eleição dos 4 radares é feita em sequência de prioridade. Ou seja, o melhor radar é selecionado como número 1. Sendo este, o mais próximo ao local que se deseja rastrear. E assim, evoluímos atribuindo os outros 3 (três). Cabe a lembrança que a imagem final que chega ao console de um controlador de tráfego aéreo é resultado de uma Síntese Radar, fruto de um rastreamento múltiplo de uma referida aeronave, por vários radares eleitos para aquela quadrícula de 25 NM quadradas. A melhor imagem é corrigida por um algoritmo matemático. Após esse tratamento ela aparece para o controlador.

Pois bem: não há nenhuma menção constante do relatório final do acidente sobre a configuração da eleição dos radares rastreadores e sobre essas quadrículas que compunham a rota da aeronave N600XL e sua periferia.

Eis a razão pela qual induziram em erro os que não perceberam ser possível a perfeita visualização de um avião voando próximo ao N600XL com fator de detecção elevado, com apresentação de pista associada (radar primário e secundário), enquanto mal se teria a apresentação primária do objeto de interesse deste Processo, o N600XL.

Observe-se que, muito mais grave, por diversas vezes, até a perda completa de detecção (falha do radar primário, radar de defesa aérea) do N600XL se verifica, como de fato se comprova nos registros gravados de sua progressão (matéria nem de longe ventilada pelos “peritos” oficias). Registrou-se que o N600XL some e reaparece da tela em vários momentos: desaparece às 19:29:58 e reaparece às 19:31:28; desaparece às 19:35:58 para reaparecer às 19:37:28; desaparece às 19:38:28 e não reaparecerá para visualização do Centro de Controle Brasília, encaminhando-se daquele modo para colisão que veio a ocorrer à 19:56:54.

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Abaixo estão apresentados os cortes de imagem dos momentos acima referidos. Pede-se atenção para às dezenas de telas que se seguem, acompanhando simplesmente a hora, minuto e segundo de cada visualização, seguindo a progressão (ou desaparecimento do N600XL) quadro a quadro:

N600 XL visível às 19:29:53

Ainda visível às 19:29:58

Dez segundos após, desaparece o N600XL às 19:30:08

19:30:13

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19:30:18

19:30:23

19:30:28

19:30:33

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19:30:38

19:30:43

19:30:48

19:30:53

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19:30:58

19:31:03

19:31:08

19:31:13

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19:31:18

19:31:23

19:31:28 ENFIM, REAPARECE O X600XL, como uma cruz “+” antecedida por uma linha na cor âmbar próximo à linha azul tracejada, abaixo de TERES.

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19:35:48 Na sequência temporal do mesmo tráfego, observa-se, na próxima tela abaixo, um perigoso fenômeno que se verdadeiro fosse representaria uma situação de quase colisão, mas que, em verdade, é uma falha decorrente de duplicação de alvo. Veja-se que as informações relativas a aeronave DRD1451 encontram-se exibidas nas cores branca e âmbar, portanto informações duplicadas de uma mesma aeronave. Mas, como a informação em âmbar é quase ininteligível o Controlador leva um grande susto e começa a tentar contato rádio com a aeronave inexistente até que se apercebe de que se trata de uma duplicação da mesma aeronave.

Ainda nesta mesma tela acima, em sua extremidade esquerda tem-se o corte de duas aeronaves, ao menos assim identificadas, com níveis de qualidade de identificação radar 5 (ruim) e 7(boa) de uma mesma aeronave. Mas, seria mesmo uma única aeronave? Os números indicam que não. Talvez um instrumento advinhatório acoplado ao console ajudasse... Mas, o operador não dispõe de nenhum instrumento mágico.

19:35:53 - VOLTA A DESAPARECER O N600XL

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19:36:03 - Ainda desaparecido o N600XL. Mas, torna-se fortemente caracterizada a duplicação de alvos de duas aeronaves na tela abaixo. E diante desta tela, surge uma questão crucial: é missão ou dever de um controlador de tráfego ignorar situações potenciais de perigo inferindo tratar-se de falhas do radar? E quando for uma quase colisão de verdade não fica o risco de ser ignorada como mais uma das recorrentes e inaceitáveis falhas do sistema. Dizer que isto é fenômeno meteorológico ou qualquer coisa semelhante é leviandade; Dizer que tais falhas acontecem com essa frequência em todo o mundo é mentira para desculpar incompetência

.

19:36:08 Mais duplicações de alvo e nenhuma visão do N600XL.

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19:37:23

19:37:28 - REAPARECE O N600XL , ou o que se supõe seja o N600XL no nível 334, a uma velocidade de 480 Nós, com qualidade de visualização 5 e desaparece a duplicação do DRD1451.

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19:38:18

19:38:23

19:38:28 - VOLTA A DESAPARECER O N600XL

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E para que não reste a menor dúvida quanto a responsabilidade do Comando da Aeronáutica em relação à colisão, veja-se a sequência comparativa de telas, mais abaixo, em que se apresenta a visualização simultânea dos dois centros de controle, Manaus, à esquerda, e Brasília, à direita, minutos antes da colisão.

O Centro de Controle de ACC Brasília que controlava o setor não sabia da posição nem havia ainda recebido a passagem de controle do GOL1907 procedente de Manaus, e mais, não dispunha da imagem radar da progressão do N600XL, embora estivesse na sua área de controle.

E aqui passa-se a exibir a prova do absurdo dos absurdos: enquanto o Centro de Controle de Brasília controlava o que não via o Centro de Controle de Manaus que sabia da progressão do GOL 1907 e visualizava o N600XL não controlava o setor.

Momento ACC-AZ ACC-BS

19:53:20/19:53:23

19:53:30/

19:53:33

19:53:35/19:53:38

Durante todos estes momentos, portanto, LUCIVANDO, o segundo acusado, não possuía qualquer visualização

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enquanto prosseguia na tentativa infrutífera de contato com a aeronave por meio do mais que imperfeito sistema de comunicação rádio que dispunha. E mais: sequer havia recebido a passagem do controle do GOL 1907 que vinha em sentido contrário na mesma altitude

Esta perigosa anomalia – quem vê não controla x quem controla não vê – era conhecida, era causa de preocupação e amplamente questionado pelos controladores de Brasília, resultando até no deslocamento de uma comissão procedente do CINDACTA I até Manaus onde foi proposta solução ao comandante do Centro de Operações daquele CINDACTA IV, um ou dois meses antes do acidente. Apesar do empenho e comprometimento, os controladores foram rechaçados em sua solicitação, embora não houvesse nenhum impedimento técnico para atender esta inidispensável medida de segurança. Tivessem sido atendidos e seguramente a colisão teria sido evitada.

Em mídia acostada aos autos veja-se o depoimento do Sargento Wellington relatando o problema e a tentativa infrutífera de solução junto ao Chefe do Centro de Operações de Manaus, o Coronel Leônidas.

Aos 34 minutos da gravação:

Sobral: Com relação a visualização que Manuas dispunha e que Brasília não dispunha, ou seja, quem opera, quem controla não visualiza e quem visualiza não controla. Isso é importante para o controle, porque nós ouvimos uma opinião de alguém que disse o seguinte, disse: “olha, não isso pode.. o controle pode ser feito sem radar, não é necessário radar para fazer controle de tráfego aéreo”.

Wellington: Não. A verdade é que o instrumento principal do controle de tráfego aéreo é a comunicação, né?! É a frequência. Este é o instrumento principal. Só que com o avanço da tecnologia, o radar se tornou uma peça praticamente insubstituível. Uma aproximação de São Paulo é praticamente impossível fazer sem radar; uma aproximação em Brasília é... sem prejudicar o tráfego aéreo... você teria que aumentar a separação muito maior. Na área em questão era uma área de pouco movimento, mas um radar ali seria um filtro a mais. Então,ali foi a área que a imprensa chamou de “buraco negro”, aquela área ali. Ali havia um problema de determinação de quem deveria ficar ou não. Porque é o seguinte. Ali havia uma

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antena radar, em São Félix do Xingu, que era dentro da área do Centro Brasília, que mandava informação radar para Manaus, mas não mandava informação para Brasília que estava controlando naquela área, então, havia cobertura radar naquela área ali?! Havia. Brasília que estava controlando lá tinha?! Não. Então, quem via não controlava e quem controlava não via. Eu, três meses antes da colisão, eu estive em Manaus com uma equipe para tentar resolver isso aí. Para pedir para que aquela visualização, daquela área que estava indo para Manaus e não para Brasília, mandasse para Brasília, só que não tive a resposta positiva, pelo contrário, né?! Não foi satisfatória, não enviaram, por “enes” razões né?! Depois da colisão, em março, mandaram a visualização radar. Então, a visualização radar seria mais um um filtro, um filtro a mais, um dominó a mais para evitar a colisão.

Veja-se, em contrapartida, o que diz o Coronel Leônidas, que teria sido contatado por Wellington em Manaus, negando que tenha mantido tal contato (57 minutos de seu depoimento). Mais adiante diz que não lembra.

Mas eu perguntaria pro Senhor o seguinte. É, um fato específico, que diz respeito àquela que foi a pergunta da Sra. Excelentíssima Juíza, no início, que é a questão seguinte: Brasília controlava, mas não visualizava, uma determinada região, já Manaus visualizava, mas não controlava. Esse fato fez com que saísse um grupo de Brasília para um contato com o Cindacta 04 em Manaus, meses antes do acidente, e neste contato pedia-se que Manaus assumisse o controle daquela área, que era visualizado, mas que não era controlado por Brasília. O Senhor tem notícia disso? L – Esse grupo... Esse é o tipo de assunto que deveria ser discutido comigo. Eu não lembro desse grupo. Agora, o fato é real. Eu não lembro desse grupo ter ido à Manaus para resolver isso aí. R – Quer dizer, pra montar um grupo de trabalho com o pessoal de Manaus? L – Não conversaram comigo com relação a isso aí. Talvez tenha sido na... Era alguma idéia. Agora que Manaus enxergava bem por conta dos radares recentemente instalados, a gente enxergava bem, toda região lá passava de amassai (56:07), inclusive. Agora, para um Cindacta assumir uma área de outro Cindacta, tem que ser a autorização da nossa Diretoria Geral. R – Mas isso não foi conversado com o Senhor?! L – Comigo, eu não participei...

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R – Nenhuma conversa sobre esse assunto... L – Não participei de nenhuma conversa oficial em cima disso aí. R – O Tenente Paulo e o Sargento Wellington, tá no depoimento prestado em Brasília, onde se diz que esse contato foi mantido com o Senhor, e que o Senhor refutou. L – Tenente Paulo? R – Foi o Tenente Paulo e o Sargento Wellington. L – Wellington? R – Eles foram até Brasília... L – Sargento Wellington? R – Wellington foi aquele que, o primeiro que percebeu a colisão. Eles foram até o centro de Manaus pra conversar com o Senhor, e o Senhor refutou. O Senhor disse que pessoalmente, que não aceitava. Ele disse isso em depoimento, quer dizer, ele inclusive pode ser processado por falso testemunho. Ele disse que foi a Manaus apontando então essa, esse problema de visualização. E que não foi, enfim, resolvido, que o Senhor não quis. Mas que depois do acidente, providenciou-se, então, a providência, aquilo que fora solicitado. L – Caramba, eu não tenho nem essa capacidade de dizer o que vai fazer ou não. Não tinha na época. Eu não tinha essa, eu não tinha essa... R – Eu visualizo até aqui, então eu vou controlar até aqui. Agora, eu visualizo até aqui. Não, eu só controlo até aqui. Quem tá controlando esse resto é Brasília, que não visualiza. L – Olha, eu vou ser sincero, eu não lembro, eu não lembro desse contato com esse pessoal. E vou dizer mais alguma coisa, corroborando com essa condição que o Doutor aqui apresentou. Nós chegamos a, inclusive, propor pra alguns países, que eles recebessem a visualização da PAD-PA-I-Z (58:15), porque a tecnologia, ela dá essa condição. Agora, pra Brasília, eu não tenho, eu não tinha, a menor autoridade pra dizer se passaria ou não passaria. Não era eu quem dizia isso. R – Mas o Senhor veja bem... Aqui tá dito isso assim, e aqui tá nos autos, porque foi depoimento trazido “Ali havia uma antena radar em São Felix do Xingu que era dentro da área do centro de Brasília, que mandava informação radar para Manaus, mas não mandava informação para Brasília, que estava controlando aquela área. Então, havia cobertura radar naquela área ali? Havia, só que Brasília, que controlava não tinha. Então quem via não controlava, e quem não contro... quem controlava não via.” Ele dizendo “Eu, três meses antes da colisão, eu estive em Manaus com a equipe para tentar resolver isso, para pedir que aquela visualização daquela área que estava para Manaus e não para Brasília, mandasse para Brasília, só que não tive a resposta positiva, pelo contrário. Depois da colisão, em março, depois da colisão, em Março seguinte, mandaram a visualização radar. Então, se tivesse a visualização, seria mais um filtro para evitar a colisão. (59:36)

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L – Sim, só que eu quero lembrar o seguinte, é, dentro dessa pergunta, de testemunha eu passo até a acusado aqui. ...

O destaque feito acima sobre a última resposta do Coronel Leônidas sobre o tema deixa claro de quem era a responsabilidade pelo fato de o Centro de Controle de Brasília não visualizar o que controlava, situação em que não foi disponibilizada, para LUCIVANDO, a imagem do tráfego do PR-GTD, vôo 1907, no mesmo nível e em sentido contrário ao N600XL.

Pelo que até aqui já se permite depreender, solicitar contra perícia a respeito de controle de tráfego aéreo no Brasil seria recair nas mãos dos mesmos que se dizem e, pior, são tidos como únicos acreditados para tanto: aqueles subordinados ao Comando da Aeronáutica ou a seus interesses cooptados.

Foi assim que minimizaram e buscaram desacreditar o laudo que se produziu a partir de um consistente trabalho de auditoria muito bem realizada pelo TCU. Aquele Tribunal de Contas, provocado pela CPI do Apagão Aéreo, logrou produzir uma perícia eficiente e HONESTA porque dispunha de profissional em seus quadros que já exercera a função/atividade de controle de tráfego aéreo como controlador habilitado.

Como esperado, a Comando da Aeronáutica buscou desqualificar aquele trabalho, sob o argumento de que tivera a participação de um Controlador, como se tratasse ali de produção de um documento suspeito em razão da solidariedade orgânica (dentro do sentido durkheimiano) de profissionais da mesma espécie.

Douto Juiz, pena que a Insígne Procuradora da República que nestes autos oficia tenha repudiado o pedido de Perícia independente a ser realizada por diversos nomes arrolados na Exordial da Defesa, nas Alegações Preliminares. Do que resultou a negativa do Juízo em produzir tais provas, o que fez lastreado na suposição de suficiência do que produziu o Estado Brasileiro através da Polícia Federal e do CENIPA.

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Pois bem, se o Ministério Público Federal não examinou a farta coleção de cópias de documentos oficiais de relatórios de perigos, de registros de falhas de radares, de falhas de comunicação por via rádio, de falhas do sistema de controle etc, tudo fartamente documentado nos autos, e se o Douto Juiz não se sentir seguro, por extremamente responsável que é e pelo que faz, quanto à veracidade ou consequência para a Causa, do que ali se demonstra como decisivos fatores comprometedores da consciência situacional do exercício da função de controlador de tráfego aéreo no Brasil, pois bem, que seja reaberta a Instrução Criminal e possam ser vistos e ouvidos técnicos estrangeiros por videoconferência.

Excelentíssimo Juiz, preocupou a esta Defesa, dos Controladores, o risco de Prescrição da Pretensão Punitiva, vez que há um claro interesse dos Controladores em demonstrar inocência. Ninguém quer levar para o resto de suas vidas os espectros insepultos de tão dolorosa acusação, o que resultaria de um encerramento do Processo sem declaração de inocência. Não são os juristas que atuam em suas variadas funções nesta Causa quem carrega consigo o peso tão sofrido de tão injustas imputações. São os controladores aqui transformados em RÉUS e seus familiares que acordam diariamente e percebem que não se trata de simples pesadelo noturno.

Por essas razões e por lealdade processual, repita-se, tudo que pôde ser feito para colaborar na marcha processual, aliás conduzida com eficiência e elevado espírito público por todos que oficiam na Vara Federal de SINOP, foi feito por parte da Defesa dos Controladores. Todas as ações que pudessem colaborar para o desvelamento da verdade substancial, na busca incansável de superação das sofismáticas verdades processuais, foram pleiteadas.

Infelizmente, a relação antagônica entre o curso prescricional e o tempo necessário para a produção de prova complexa não pôde ser superada em favor da celeridade processual sem riscos. E não se diga, e não se dirá aqui e nem em eventual Recurso, que faltou ao Douto Condutor da Causa, o Juiz Federal de SINOP, respeito às garantias processuais, cuidado com o efetivo devido processo legal, em suas duas dimensões, processual e substancial.

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O grande problema, contudo, está e sempre esteve em outro sítio: na covarde e fraudulenta produção documental relativa aos fatos produzida pela Comando da Aeronáutica, que findou na submissão técnico-científica da Polícia Federal ao que daquela Força Armada se originou como informação que se pretende tratar como prova técnica.

E aqui, deixa-se claro que não há uso retórico das expressões: covarde, fraudulenta e até criminosa, são qualificações justas e precisas para quem prorroga situações de risco para vida de todos que podem ser vitimados pela aviação civil brasileira, motivados pelo interesse de ocultar falhas e não dar razão à defesa dos controladores.

É de pasmar a desfaçatez criminosa do que aqui se reproduz, a partir de documento oficial do TCU – o seu relatório de Auditoria do Controle de Tráfego Aéreo9

Achado VIII - Mudança automática do nível de vôo sem aquiescência do controlador

– acostado aos autos, e que diz respeito a um dos fatores decisivos para a indução em erro do Controlador JOMARCELO, a troca automática de nível de vôo pelo sistema X4000. Veja-se o seguinte Achado de Auditoria do TCU:

4.12. O sistema X-4000 utilizado pelos centros de controle de área apresenta lado a lado, na segunda linha da etiqueta de dados, duas informações sobre o nível de vôo10

4.13. No entanto, nem sempre a aeronave mantém o nível de vôo previsto no plano. Em algumas situações as aeronaves recebem instruções do controlador para voar em um nível diferente do previsto, por solicitação do piloto ou para evitar conflitos de tráfego. O sistema X-4000 possui uma funcionalidade que altera automaticamente o nível de vôo no ponto da rota previsto no plano, sem aquiescência do controlador e independentemente de alteração no nível real voado pela aeronave.

: o nível previsto no plano para a etapa que está sendo voada e o nível real voado pela aeronave obtido por meio do equipamento transponder [...].

4.14. Em situações normais, não há problema, pois a informação que vale é o nível real da aeronave, apresentado no lado esquerdo da etiqueta. O problema pode ocorrer quando, se houver pane no equipamento transponder da aeronave ou no radar secundário, a informação da esquerda for suprimida e a etiqueta mostrar apenas a informação do nível previsto, que pode não corresponder ao nível real voado pela aeronave.

9 EXTRATO DE RELATÓRIO DE AUDITORIA DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO NO C ONTROLE DE TRÁFEGO AÉREO. GRUPO I - CLASSE V – PLENÁRIO TC – 020.840/2007-4 10 Faixas de altitude separadas por 1000 pés (300 m) e definidas de forma que as aeronaves que voam no mesmo nível tenham sempre o mesmo sentido de deslocamento.

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4.15. Segundo informado pelos controladores entrevistados, essa situação pode induzir ao erro. A situação fica ainda mais grave se houver falha na comunicação, pois o controlador não tem como questionar a aeronave sobre o nível que está mantendo e tem que tomar as decisões com base no nível previsto no plano de vôo, que pode corresponder ao realmente voado ou não. 4.16. Ainda segundo esses controladores, nos centros de controle de área é comum o controlador passar alguns minutos sem ter contato com uma aeronave ou controlar diversas aeronaves ao mesmo tempo, o que exige maior esforço no controle sobre o nível real de uma aeronave. Se houver pane no radar secundário, com mais de uma aeronave voando em nível diferente do previsto no plano, a apresentação incorreta do nível na etiqueta aumenta os riscos de conflito de tráfegos. 4.17. Durante as entrevistas, todos os controladores questionados afirmaram que não concordam com a mudança automática do nível de vôo sem aquiescência do controlador. Disseram que o ideal seria o sistema indicar que existe alteração de nível prevista no plano, alertar o controlador que a aeronave está voando em um nível diferente do previsto para aquele trecho e, se houver perda de contato radar, manter a última informação sobre o nível real da aeronave. A mudança do nível deveria ser feita mediante intervenção do controlador, se realmente ocorrer conforme o previsto, o que eliminaria a apresentação de nível incorreto. 4.18. Alegaram, ainda, que já fizeram essa solicitação de alteração ao Decea, o que pode ser comprovado pela análise dos livros de registro de ocorrências, relatórios de perigo e pelo item 1 da relação de sugestões de melhorias do sistema X-4000, feita pelos controladores do Cindacta I em 27 de dezembro de 2006 (fl. 43). 4.19. Os representantes do Decea, por sua vez, disseram não concordar com a supressão dessa funcionalidade. Alegaram que o sistema funciona dessa forma há anos e que somente após o acidente envolvendo os vôos N600XL e GOL 1907, ocorrido em 29 de setembro de 2006, os controladores passaram a solicitar essa alteração. Segundo os gestores ouvidos, isso teria relação com o fato dos controladores envolvidos com o acidente terem usado como linha de defesa, no processo judicial sobre o caso, a tese de que essa funcionalidade teria sido uma das causas do acidente. ATENÇÃO: NA PÁGINA 63 DESTE RELATÓRIO,REGISTRA-SE:

Análise do DECEA - Este item já foi avaliado técnica e operacionalmente e foi considerado que traz mais prejuízos operacionais do que qualquer possibilidade de ganho, contrariando a ndência mundial de cada vez mais automatizar as informações para facilitar o trabalho do controlador. Portanto, não é pertinente sua implementação. Sugerimos que o texto seja retirado do relatório.

EM RESPOSTA, A AUDITORIA DO TCU, ANOTA: Análise da equipe de auditoria: ... 27. Em reunião realizada no gabinete do relator, os gestores alegaram que não promovem essa

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alteração por temerem que isso possa ser usado na esfera judicial, uma vez que os controladores envolvidos no acidente do GOL 1907 usaram, como linha de defesa no processo sobre o caso, a tese de que essa funcionalidade teria sido uma das causas do acidente.

Excelentíssimo Juiz, deixar de adotar medida corretiva de fator de risco elevado para a segurança de vôo, com possibilidade de sacrifício de centenas de vida, e por motivo torpe - não dar razão aos controladores em Juízo - é conduta que exige uma enérgica repulsa jurídica; trata-se de um Crime de Prevaricação em concurso formal imperfeito com a figura típíca de Exposição de Perigo para a Navegação Aérea, inclusa no artigo 261 (Atentado a Segurança de meios de transporte), ainda passível de cumulação com crime Militar.

Se o documento do TCU é verdadeiro, que venha a necessária Denúncia. Esta, sim, resultasse em persecução efetiva e condenação produziria uma pena capaz de preencher os requisitos da prevenção geral e especial, na medida em que serviria de advertência para os militares quanto a existência de uma Ordem Democrática atual e contribuiria para que os criminosos em questão pensassem duas vezes antes de reincidir.

No mesmo sentido foi o depoimento do Especialista Wellington, instrutor e avaliador de controladores, ouvido na Justiça Federal do Rio de Janeiro, a respeito da mudança automática de nível:

O senhor acha que essa mudança automática de níve l, que sequer foi apontado como fator contribuitivo no relatório do CENIPA, ela poderia ser omitida como foi?

Wellington: No meu entender, não. Como técnico, não. É de extrema importância, a mudança automática, o desligamento do transponder, as deficiência de comunicação e visualização radar, para mim, eu acho que são pontos de extrema importância.

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Sobral: Essa mudança, ela não é uma coisa tão rara de acontecer, ou toda vez que havia uma perda de detecção ela automaticamente mudava?

Wellington: Não. Não tem nada a ver com a perda de detecção. É que coincidiu com... por isso é que foram vários fatores, foram vários dominós que foram caindo ao mesmo tempo. Então, foi muita coisa que aconteceu ao mesmo tempo, não tem nada a ver com a perda de detecção radar. Tem a ver com a mudança do nível da aeronave em determinado ponto que foi solicitado pelo piloto, mas que ainda não foi autorizado pelo controlador. A crítica que eu faço é que não deveria ser no campo “nível de voo autorizado”, porque quem autoriza é o controlador, quem notifica o nível é o controlador. Deveria ter um campo... e aí deveria mudar, mas não mudaram porque falaram que ia dar força na defesa dos controladores se mudasse... depois do acidente foi levantada essa hipótese.

Juiz: Quem levantou? Queria dar força?

Wellington: O TCU fez uma auditoria. E no relatório do TC... e vários oficiais falaram para nós também: “nós não vamos mudar, porque senão vai dar força na defesa dos controladores... e um deles acabou falando para um auditor do TCU e ele colocou no relatório do TCU isso. Juiz: Pode citar nomes?

Wellington: De um oficial assim?! (Juiz: isso) Não, não, isso... é... mesmo porque não foi assim né?! No relatório do TCU está escrito: “em reunião com o oficial... ”

Juiz: Ah ele fala?!

Wellington: Isso. Ele fala. No relatório do TCU está escrito isso, que em reunião com o oficial... foi levanta essa questão da modificação automática do nível de voo e foi dito que não seria mudado porque senão iria dar força na defesa dos controladores. Isso está no relatório. E depois... visto com outros sistemas fora é algo impensável, porque só pode mudar nível de voo autorizado com a anuência do controlador. Como que um sistema vai e muda automaticamente sem o controlador consentir?! ir lá e interagir com o sistema?! Então, o sistema está indo à frente e não está alertando o controlador. É essa a pane do sistema, que na verdade é um erro de concepção. Não foi o sistema na hora ali, ele teve uma pane e mudou automaticamente, não! Foi a forma como ele foi concebido que levou a essa indução ao erro.

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De volta ao Relatório do TCU, eis as suas considerações e recomendações finais, no que concerne ao ACHADO VIII, Troca Automática de Nível de Vôo pelo X4000:

Evidências a) Extratos de entrevistas (cd-rom anexo); b) Ofício nº 6/SDTE/1153 (volume principal, fl. 43); c) Livro de registro de ocorrências (anexo I, fls. 23, 71, 84 e 86); d) Relatório de perigo (anexo I, fl. 112); e) Relatório de atendimento ao cliente (anexo II, fls. 163 e 164); f) Situação dos meios operacionais (anexo II, fls. 274, 277, 278, 280, 283, 284, 285 e 287). Causas a) Não identificadas. Efeitos reais e potenciais a) Aumento do nível de estresse dos controladores; b) Comprometimento da segurança dos serviços prestados. Conclusão 4.22. O sistema X-4000 possui uma funcionalidade que altera automaticamente a apresentação do nível de vôo no ponto previsto sem aquiescência do controlador. Por meio de entrevistas e análise dos livros de registro de ocorrências, relatórios de perigo, situação dos meios operacionais e relatórios de atendimento ao cliente, foi constatado que os controladores acham que essa funcionalidade deve ser suprimida. Entendem os controladores que, se houver falha no transponder da aeronave ou no radar secundário e a aeronave não estiver voando no nível previsto, o sistema apresentará um nível de vôo incorreto, o que pode comprometer a segurança da operação. A solicitação dessa alteração já foi feita ao Decea. 4.23. Por outro lado, os gestores do Decea não concordam com a alteração, sob o argumento principal de que a opinião dos controladores não é unânime. Na opinião da equipe de auditoria, o Decea deve reavaliar essa funcionalidade, envolvendo controladores de todos os centros de controle de área, de maneira que suas necessidades sejam atendidas da melhor forma, para atender os requisitos de segurança da operação. Proposta de encaminhamento 4.24. Determinar ao Decea que, em atenção ao princípio da eficiência contido no caput do art. 37 da Constituição Federal, reavalie a funcionalidade de mudança automática de nível do sistema X-4000, envolvendo diretamente os controladores, de maneira que suas necessidades sejam

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atendidas de forma adequada, à semelhança do previsto no item AI2.2 do Cobit 4.1.

O que fez o TCU, no trabalho acima, é o que se faria

em qualquer trabalho sério de auditagem neste segmento de especialidade claramente definida dentro da sociedade mundial. E os especialistas de todo o mundo sabem que quem entende de controle de tráfego aéreo é controlador. Assim como perícia médica tem que ser feita por médicos, em sede de controle de tráfego aéreo patentes militares superiores – majores, coronéis e brigadeiros – não substituem experiência nem conhecimento técnico da matéria. Assim, sirva este Relatório TCU de contra perícia, aquela pela qual Vossa Excelência indagava em uma das audiências, se a Defesa teria ou não realizado.

E as verdades ali reveladas incomodaram tanto ao DECEA do Comando da Aeronáutica, especialmente em relação ao ato falho em que dizem que não alterariam o sistema para não dar razão à defesa judicial dos controladores, que os seus comandantes não tiveram o menor pudor em recomendar, expressamente:

Sugerimos que o texto seja retirado do relatório.

No que se sabe foram, ao final, parcialmente atendidos resultando em atenuação da contundência das reprovações do TCU, mercê da insistência com que atuaram junto a políticos e ao próprio Ministro Relator do TCU.

A acusação levada a efeito contra LUCIVANDO, por

seu turno, também deriva do prejuízo de omissão documental por parte dos

“experts” da Aeronáutica. A imputação de negligência pela não

configuração operacional das frequências de rádio que eram tidas como

disponíveis, desconsidera que esta atribuição não é da responsabilidade dos

controladores, antes era da atribuição do Chefe de Equipe (um oficial do

Comando da Aeronáutica) e Supervisor de equipe, conforme se pode aferir

no Modelo Operacional em vigor à época, verbis: 4 - ROTINAS OPERACIONAIS

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4.1 - ATRIBUIÇÕES OPERACIONAIS NO ACC-BS

4.1.1 - CHEFE DE EQUIPE (CE)

Função desempenhada por um Oficial Especialista em Controle de Tráfego Aéreo, designado pela chefia do COI, que acompanha os turnos de serviço e serve como elo de ligação com o comando do CINDACTA 1 e com outros elos da admin istração, no trato de assuntos que fogem da alçada do Supervisor de Equipe.

As atribuições do Chefe de Equipe são as seguintes: a) verificar o correto preenchimento do SMO, RMR e LRO; b) gerenciar as equipes operacionais através de ações

administrativas, técnicas e operacionais diretamente afetas aos órgãos ATC, informando imediatamente às chefias as irregularidades ocorridas;

c) assessorar as Chefias dos órgãos quanto ao desempenho dos componentes da equipe operacional, no exercício de suas atribuições;

d) propor às Chefias dos órgãos a adoção de novos procedimentos ou modificação dos atuais, sempre que considerar a necessidade de otimizar a qualidade dos serviços prestados;

e) fazer cumprir o previsto no Modelo Operacional, bem como na legislação em v igor, no que for ap licável;

f) orientar a equipe operacional sobre todo e qualquer procedimento e/ou norma que tenha entrado em vigor durante seu turno de serviço ou que não tenham sido citados no brifim operacional;

g) verificar o desempenho operacional dos Supervisores, alertando-os sobre os procedimentos previstos;

h) conduzir os briefings operacionais; i) adotar ações pertinentes em todas ocorrências administrativas,

técnica e operacional que ultrapasse ao nível de decisão do Supervisor de Equipe e em atos de interferência ilícita, bomba a bordo e acidentes aeronáuticos envolvendo o ACC -BS e o APP-BR;

j) analisar as informações divulgadas no briefing operacional e adotar as medidas adequadas para o planejamento e a execução da rotina de trabalho;

k) cientificar ao assumir o serviço, de todas as ocorrências registradas no LRO, bem como dos respectivos despachos da chefia do órgão, desde seu último turno de serviço;

l) assegurar que as informações recebidas sobre OVNI, bomba a bordo e interferência ilícita, sejam prestadas a órgãos e autoridades pertinentes (COpM1, Chefe do órgão, Chefe do COI, Chefe da DO e CMT do CINDACTA 1);

m) verificar que foram acionados os meios necessários para o restabelecimento da operação, sempre que ocorrerem deficiências que extrapolem a equipe de serviço do órgão;

n) adotar as seguintes medidas em caso de acidentes/incidentes aeronáuticos:

n.1) providenciar a substituição do operador envolvido no acidente/incidente;

n.2) orientar ao(s) envolvido(s) para comparecer(em) o mais breve possível à entrevista com o chefe do órgão; n.3) assegurar que controladores, supervisores dos setores envolvidos em incidentes/acidentes preencheram os reportes adequadamente para realização de investigações futuras; e n.4) providenciar a reserva das fitas junto à SIPACEA.

o) zelar pelo uso adequado das instalações, equipamentos e mobiliário, existentes no órgão;)

p) verificar a preparação dos assuntos operacionais para o briefing do Chefe de Equipe que entra de serviço;

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q) realizar o briefing operacional de acordo com a seguinte seqüência : meteorologia, conferência do efetivo e avisos operacionais/administrativos; e

r) averiguar as dispensas, as permutas e as inversões dos serviços que não estejam prev iamente autorizadas, fazendo com que sejam lançadas no LRO. 4.1.2 - S UPERVISOR DE EQUIPE(S E)

Função desempenhada por um Controlador de Tráfego Aéreo, dentre os mais qualificados e experientes, designado pela chefia do ACC-BS para gerenciar uma equipe operacional. É o assessor administrativo e operacional do Chefe de Equipe e co-responsável pela operação geral do órgão.

Compete ao Supervisor de Equipe: a) participar do briefing geral; b) analisar, ao assumir o serviço, as informações divulgadas em

briefing operacional e adotar as medidas adequadas para o planejamento e a execução da rotina de trabalho;

c) cumprir e fazer cumprir o previsto neste Modelo Operacional, bem como o que for previsto na legislação em vigor, naquilo que for aplicável ao ACC-BS, na condução das atividades de prestação dos serviços de tráfego aéreo;

d) preencher o LRO, reg istrando toda e qualquer irregularidade ou ocorrência envolvendo recursos humanos, técnicos e operacionais durante o seu turno de serviço, conforme modelo definido no próprio livro, ou conforme determinado pela chefia do ACC -BS;

e) preencher o SMO, registrando toda e qualquer irregularidade ou ocorrência envolvendo recursos técnicos e operacionais durante o seu turno de serviço.

f) certificar, ao assumir o serviço, de todas as ocorrências registradas no LRO, bem como dos respectivos despachos da Chefia do Órgão, desde seu último serviço;

g) acionar os meios necessários para o restabelecimento da operação, sempre que ocorrer qualquer deficiência técnica ou operacional, envolvendo os órgãos operacionais, comunicando o fato, o mais breve possível, ao Oficial Chefe de Equipe;

h) orientar a equipe operacional sobre os procedimentos e/ou normas que tenham entrado em vigor durante seu turno de serviço, ou que não tenham sido citados no briefing operacional;

i) providenciar para que as informações ou informes sobre OVNI, bomba a bordo de aeronaves ou interferência ilícita, sejam transferidas para os setores competentes, de acordo com as normas internas vigentes;

j) analisar e despachar os PRENOTAM e NOTAM apresentados pelos operadores do CRN, orientando-os quanto às providências e meios de divulgação que devam ser utilizados para o imediato conhecimento dos diversos setores ou órgãos envolvidos;

k) emitir PRENOTAM relat ivo à disponibilidade do VOR TRM, encaminhando-o à Sala Telegráfica;

l) analisar e encaminhar os pedidos de prorrogação ou de antecipação de horário de funcionamento de SBYS, fins atender solicitações, conforme previsto em ROTAER;

m) relacionar durante o turno de serviço, todas as inoperâncias de equipamentos e auxílios à navegação, interdições de aeródromos, NOTAM, previsão de vôo de aeronave presidencial, bem como quaisquer outras alterações que possam afetar a operacionalidade do órgão e dar ciência, em briefing, à equipe que entra de serviço;

n) definir, em conjunto com o Chefe de Equipe e com os Supervisores Regionais, linhas de ação a serem tomadas, em conseqüência das inoperâncias de equipamentos ou das deficiências operacionais do próprio ACC-BS ou de órgãos ATS que tenham influência nas operações;

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o) acionar o supervisor técnico, ao tomar conhecimento ou constatar inoperância de qualquer equipamento, e registrar no liv ro de registros técnicos, todas as irregularidades técnicas verificadas;

p) elaborar relatório sucinto nos casos de reporte de incidente (RI), detalhado e imparcial dos fatos de seu conhecimento, reunir os relatos dos controladores envolvidos e encaminhá-los à Chefia do ACC-BS;

q) preencher proposta de emissão de rádio ITA encaminhá-la à Chefia do ACC-BS, nos casos de infração de tráfego aéreo;

r) definir as medidas iniciais do serviço de alerta, em conformidade com os procedimentos prescritos;

s) zelar pelo uso adequado das instalações, equipamentos e mobiliário existentes no órgão;

t) proibir que se sejam colocados nos quadros de avisos anúncios incompatíveis com o serviço; e

u) controlar a utilização dos telefones do ACC-BS, de modo a evitar ligações de cunho particular, anotando as ligações interurbanas realizadas no livro de reg istros. 4.1.3 - S UPERVISOR REGIONAL (SR)

Função desempenhada por um controlador com CHT de Supervisor de Órgão ATC, indicado pela chefia dentre os de maior experiência na região de controle correspondente. Tem como atribuição o gerenciamento das operações de controle de tráfego aéreo nos setores de controle ou na região sob sua responsabilidade, mas não é, em última instância, responsável pelos procedimentos adotados pelos controladores que lhe são subordinados, na condução das atividades de prestação dos serviços de tráfego aéreo.

Compete ao Supervisor Reg ional: a) participar do briefing geral e reg ional; b) cumprir e fazer cumprir as atribuições específicas do órgão ATC,

segundo as instruções constantes nesta publicação e leg islação em vigor; c) certificar de que as posições operacionais estejam a cargo de

pessoal devidamente habilitado; d) assegurar que estagiários em fase de instrução somente assumam

posições operacionais, quando devidamente assistidos por um controlador habilitado;

e) supervisionar a execução, pelos controladores que lhe são subordinados, dos serviços de tráfego aéreo nos setores de sua competência;

f) corrig ir erros, omissões, irregularidades ou emprego inadequado de procedimentos ATS, realizando freqüentes verificações nas apresentações de dados (fichas de progressão de vôo, visualização-radar, informações Comando da Aeronáuticas e de meteorologia), e na utilização dos canais de comunicações ( fraseologia e coordenações ) dos setores de controle;

g) executar, quando necessário, em colaboração com outros órgãos, as medidas iniciais do serviço de alerta, em conformidade com os procedimentos em vigor;

h) dar ciência ao Chefe ou Supervisor de Equipe das modificações de estado de funcionamento (inoperância/restabelecimento) dos equipamentos, freqüências e instalações de navegação e controle de tráfego aéreo;

i) informar com a devida antecedência ao Chefe e Supervisores quando da necessidade de serem adotadas medidas restritivas ao fluxo de tráfego aéreo, para que juntos decidam sobre os procedimentos a serem adotados;

j) dar ciência ao Chefe ou Supervisor de Equipe das informações de eventuais incidentes de tráfego aéreo, acidentes ou incidentes aeronáuticos, bem como qualquer outro aspecto operacional de interesse geral;

k) sugerir, diretamente a Chefia do Órgão ou por intermédio do Chefe de Equipe, qualquer medida para o aprimoramento dos procedimentos

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operacionais do ACC-BS; l) providenciar para que todos os setores ativados sejam

guarnecidos por um ou dois controladores (posição controlador e assistente), em função das características e situação operacional, em decorrência do volume de tráfego de cada setor em particu lar;

m) manter estreito contato com os demais supervisores do ACC-BS, bem como com os supervisores dos órgãos ATS adjacentes, a fim de assegurar uma perfeita coordenação do tráfego e conseqüente aprimoramento dos serviços;

n) fazer levantamento da situação técnico-operacional e efetuar o briefing regional;

o) apresentar ao Supervisor de Equipe, no final do turno de serviço, com pelo menos 15 minutos de antecedência, relato da situação técnico-operacional de sua área, para que o mesmo efetue os devidos registros e faça divulgação em briefing geral, se assim ju lgar necessário;

p) realizar periodicamente verificação das páginas de informações do STVD, e coordenar com técnico de informações Comando da Aeronáuticas para eventuais atualizações sempre que houver discrepâncias em relação à situação real;

q) informar ao Supervisor de Equipe sobre ocorrências de incidentes (RI) e fazer relatório sucinto, detalhado e imparcial dos fatos de seu conhecimento, exigindo a mes ma atitude do controlador e do assistente envolvidos, e providenciar para o Supervisor de Equipe os dados para confecção do RI;

r) apresentar dados para a proposta de rádio ITA e encaminhá-lo ao Supervisor de Equipe, no caso de infração de tráfego aéreo;

s) ativar uma posição de Supervisor para cada duas posições operacionais ativadas, sempre que houver expectativa de grande volume de tráfego;

t) coordenar com o Chefe ou Supervisor de Equipe os procedimentos mais adequados no caso de impossibilidade de desagrupamento de setores, por razões técnicas ou por falta de pessoal habilitado;

u) fiscalizar o fiel cumprimento das funções correspondentes a cada uma das posições operacionais de sua região;

v) analisar juntamente com o controlador de setor a evolução do tráfego, alertando-o para os pontos de conflitos em potencial, em função da evolução do tráfego aéreo e sugerir medidas pertinentes;

w) levar imediatamente ao conhecimento do Chefe ou Supervisor de Equipe, qualquer suspeita de que uma aeronave esteja em uma das fases de emergência;

x) comunicar ao Chefe ou Supervisor de Equipe ao tomar conhecimento de quaisquer informações que possam afetar a segurança de vôo, tais como: suspensão de operações de aeródromo, condições meteorológicas adversas e outras situações similares;

y) informar imediatamente ao Supervisor de Equipe toda e qualquer anormalidade na operação que possa dar motivo a incidente de tráfego aéreo; e

z) preencher o Relatório de Medidas Restritivas (RMR) com todas as informações detalhadas dos fatos. 4.1.4 - CONTROLADOR (C)

Função desempenhada por Controlador de Tráfego Aéreo, devidamente habilitado, responsável direto pelas decisões tomadas na condução das atividades de prestação dos serviços de tráfego aéreo no seu(s) setor(es) de controle.

Compete ao controlador: a) participar do briefing geral e regional;

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b) comparecer ao briefing operacional conforme horário previsto na escala mensal;

c) antes de assumir o serviço, inteirar-se completamente de toda situação operacional do órgão, em particular das aeronaves evoluindo no seu setor;

d) efetuar os “check list” previstos para o setor todas as vezes que for assumir o serviço, independentemente do tempo que irá permanecer naquela posição;

e) preparar a console para operação conforme os padrões estabelecidos no Manual do Órgão;

f) manter limpa e em ordem seu console, não colocando líquido nem alimentos sobre o mesmo, informando ao Supervisor qualquer tipo de anormalidade no decorrer do turno;

g) emit ir instruções e autorizações de tráfego, bem como efetuar coordenação, transferência de comunicação e controle com os demais setores e órgãos adjacentes, de modo a assegurar o fiel cumprimento das normas e procedimentos de tráfego aéreo;

h) registrar as autorizações no campo correspondente das STRIP, bem como a hora de passagem em todos os pontos de notificação da rota. Caso o serviço seja vigilância-radar, registrar a hora de passagem sobre, pelo menos, um ponto de notificação; assinalar também, compulsoriamente, as horas de entrada e saída de seu setor de cada uma das aeronaves controladas;

i) anotar nas STRIP seu indicativo operacional, e exig ir do assistente a mesma at itude, quando o sistema eletrônico não estiver em funcionamento;

j) verificar periodicamente o estado de operação das freqüências VHF bem como dos demais recursos colocados à sua disposição, informando de imediato ao Supervisor qualquer inoperância ou deficiência constatada;

k) levar imediatamente ao conhecimento do Supervisor Regional, qualquer suspeita de que uma aeronave esteja em uma das fases de emergência;

l) comunicar ao Supervisor Regional quaisquer informações que possam afetar a segurança de vôo, tais como suspensão de operações de aeródromos, condições meteorológicas adversas e outras situações similares;

m) utilizar corretamente todos os recursos automatizados colocados à sua disposição, especialmente aqueles que dizem respeito a proposições automáticas de transferências, aceitação de transferências, ativação automática de planos de vôo e correlação pista/plano de vôo;

n) criticar periodicamente as info rmações relativas aos planos de vôo e tomar as atitudes cabíveis a cada caso;

o) informar imediatamente ao Supervisor toda e qualquer anormalidade na operação que possa dar motivo a incidente/acidente de tráfego aéreo;

p) separar a STRIP e o histórico do PLN, nos casos de reporte de incidente/acidente, prestar ao Supervisor Regional todas as informações requeridas e fazer relatório sucinto, detalhado e imparcial de todos os fatos de seu conhecimento, exigindo do Assistente a mes ma atitude;

q) apresentar ao Supervisor Regional todos os dados que possam contribuir para elucidar os fatos nos casos de infração de tráfego aéreo; e

r) anotar seus dados em formulário pertinente fornecido pelo CMV ao receber uma MSG AIREP.

Pelo que até aqui se lê do Modelo Operacional à

época vigente, percebe-se que LUCIVANDO está sendo processado criminalmente por fato omissivo, quando a obrigação de agir estava

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fora da sua atribuição funcional. Como se depreende das atribuições abaixo listadas para o controlador que assume a posição de controle em substituição ao que completou o seu turno de trabalho, verifica-se que para o controlador devem ser disponibilizadas as informações necessárias ao desempenho da sua função, não lhe sendo requeridas quaisquer atividades relativas a provimento de recursos, como por exemplo disponibilidade de frequência. O controlador é um usuário do sistema, não seu mantenedor. Deve operá-lo com eficiência, mas não pode ser exigido a suprir infraestrutura inexistente ou ineficiente. LUCIVANDO regia-se naquele turno de trabalho pela norma do Modelo Operacional a ele aplicável, a saber:

5.1.4 - RECEBIMENTO DO TRÁFEGO / S ERVIÇO O evento da substituição nas posições operacionais deverá obedecer ao descrito abaixo. 5.1.4.4 - Posição Controlador Além de atualizar o Controlador substituto no que se refere às condições meteorológicas presentes, o Controlador substituído deverá repassar todos os tráfegos existentes na área de responsabilidade, confirmando a situação individual de cada um, inclusive indicando o mesmo na tela do console. Deverão ficar bastante claro ao controlador que assume a posição, as situações abaixo mencionadas: - tráfegos identificados, inclusive os não relacionados; - tráfegos ainda não identificados; - tráfego em emergência; - tráfegos sem contato rádio; - tráfegos em transição (proa / velocidade / razão); - tráfegos sem transponder, com transponder inoperante ou com informações errôneas; - tráfegos sob vetoração (proa / velocidade / razão / alternado); - tráfegos que estão sendo objeto de controle de fluxo (medida adotada); - tráfegos em espera (local / n ível / in ício); - tráfego fazendo desvio de formações meteorológicas adversas; - aeronave ambulância; - tráfegos prestes a ingressar na área de responsabilidade; - tráfegos se comunicando em inglês; - parâmetros de coordenação; - tráfegos próximos a ingressar na área; e - outras. Ou seja, ao assumir a sua posição de Controlador,

LUCIVANDO deveria encontrar uma situação de normalidade assegurada pelo de chefe de equipe e pelo supervisor de equipe a quem competiam, respectivamente:

5.1.4.1 - Posição Chefe de Equipe Ao assumir a posição de Chefe de Equipe, o oficial deverá verificar a situação dos seguintes parâmetros: - recursos de detecção e tratamento radar; - tratamento dos planos de vôo; - comunicações do Serviço Móvel Aeronáutico; - comunicações do Serviço Fixo; - se o efetivo disponível é suficiente para atender a demanda de tráfego

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esperada para o turno; - na existência de controle de fluxo, verificar se os dados estão sendo registrados e coletados para futuro lançamento no Relatório de Medidas Restritivas; e - alguma outra anormalidade operacional. (Grifou-se) 5.1.4.2 - Posição Supervisor de Equipe O recebimento do serviço de Supervisor de Equipe deverá, sempre que possível, in iciar antes mes mo do brifim geral, quando poderá ser verificado, “in loco”, a situação operacional existente, de forma a possibilitar o acompanhamento dos brifim regionais e até mesmo dos procedimentos de troca da equipe operacional. Verificar a existência de documentação anexa ao Livro de Registro de Ocorrências, e mantê-las sob sua guarda até a passagem do serviço. Também deverá ser checada a existência de alguma anormalidade e se a mesma já foi comunicada a quem de direito. Receber dos Supervisores Regionais o resultado dos cheques de equipamentos, confrontando-os com o registrado no Livro Técnico e fazer os contatos pertinentes com a área técnica. Caso exista no momento da troca de equipes uma situação de controle de fluxo, coordenar juntamente com o seu substituto para que todos os registros sejam feitos, de forma que sua equipe possa dar continuidade aos lançamentos no Relatório de Medidas Restritivas. Na ocasião do recebimento do serviço, checar os itens abaixo: - equipamento e tratamento; - tratamento de planos de vôo; - recursos de VHF; - recursos de telefonia; - consoles X-4000; - expectativa de tráfego; - efetivo operacional disponível; e - aeronave presidencial na FIR;

Por outra via, não ficaram suficientemente esclarecidos, em razão das deficiências dos Laudos da Polícia Federal e do CENIPA, que a configuração das frequências disponíveis exige uma ação combinada de chefias e supervisões operacionais e serviços eletrônicos de apoio, para o qual se conta, inclusive, com aeronaves de apoio que sobrevoam em teste as áreas nas quais são inauguradas novas frequências. Em outras palavras, não seria possível a um operador de controle de tráfego aéreo, um controlador, repita-se, prover as facilities que devem ser postas à sua disposição com a qualidade exigível para o seu sensível trabalho.

Logo abaixo traz-se uma avalição técnica da situação de comunicação rádio no dia dos fatos (inclusa no Relatório Final do Inquérito Policial Militar, Processo n. 0000046-16.2007.7.11.0011 Justiça Militar):

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E como se pode ver, as freqüências indicadas pelo Relatório não são as mesmas indicadas na carta de rota:

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Dessa forma, somente após testes de campo pode-se aferir que freqüência utilizar em determinado setor, ou seja, a decisão sobre qual freqüência a ser utilizada é de ordem superior, de ordem técnica.

Por essa razão, a indicação das freqüências a serem utilizadas no setor, constante da carta de rota, não são necessariamente as que devem constar configuradas no console. Um exemplo disso é que o Controlador dos setores 5 e 6, “pagou” a freqüência 125.05 (fl. 18, do Apenso II) e esta freqüência não consta na lista dos setores na carta de rota acima. Aliás, nenhuma das freqüências pagas (122.65, 123.75 e 124.02 – fls. 16, 17 e 18, respectivamente, do Apenso II) ao N600XL, desde sua ascensão à aerovia UW2, consta da carta de rota acima.

Excelentíssimo Doutor Juiz, muito ainda poder-se-ia aduzir em sede pericial fossem disponibilizados recursos para a contratação de peritos internacionais, o que se encontra fora das possibilidades econômicas dos Acusados. O que aqui se demonstrou, todavia, resultante da solidariedade técnico-profissional de todos aqueles que conhecem o

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Sistema e não se conformam com a injusta perseguição sobre os menos favorecidos em toda essa situação, é suficiente para delinear a clara responsabilidade do Comando da Aeronáutica na omissão de providências que podiam ser adotadas para evitar o fatídico evento.

III.3 O CARÁTER DE INCONSTITUCIONALIDADE DA ADMINISTRAÇÃO MILITAR DO CONTROLE DE TRÁFEGO AÉREO DA AVIAÇÃO CIVIL BRASILEIRA E SUAS PERVERSAS CONSEQÜÊNCIAS.

Controle de tráfego aéreo é um segmento funcional da sociedade contemporânea reconhecido em todo o mundo como atividade econômica de suporte indispensável à moderna aviação civil. No Brasil, de modo anômalo no Brasil, esta função social encontra-se cometida ao controle militar da Força Aérea Brasileira, em claro desvio da missão constitucional precípua desta, que é a de Defesa do Espaço Aéreo Brasileiro.

Todos os países da Europa e da América, Japão, Austrália, China, Índia etc e mesmo em países onde se registra um volume pequeno de tráfego aéreo, a administração da atividade é conduzida por civis, sob estritas regras voltadas para a segurança dos que voam e são sobrevoados. Neste campo, falhas são registradas e tornadas públicas, providenciando-se rápida disseminação das informações a elas relativas, como estratégia de prevenção, de modo a que não venham a se repetir.

Em direção contrária a quase totalidade das nações do mundo, o Brasil alinha-se ao Togo, Gabão e Eritréia, confundindo a Administração da Aviação Civil com a Defesa do Espaço Aéreo, onde a lógica militar impõe sejam ocultadas falhas na atividade, porquanto representariam fragilidade bélica em face de possíveis inimigos. O que se fez, no Brasil, como resquício dos governos militares que por quase duas décadas sobrepuseram o Poder Militar à Cidadania, e que se perpetua em razão de fortes interesses, todos, contudo, contrários ao interesse público em uma aviação segura.

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A óbvia contrariedade à Constituição Federal, dessa anômala destinação de uma Força Armada, verifica-se a partir do exame dos seguintes dispositivos:

Constituição Federal “Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. (grifamos) § 1º – Lei complementar estabelecerá as normas gerais a serem adotadas na organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas.” [...]. A Lei Complementar de que trata o parágrafo acima,

por óbvio, deveria adstringir-se à fixação de normas gerais para a organização, preparo e emprego das Forças Armadas com vistas "à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem", conforme descrito no caput.

Contrariando essa irrefutável lógica de interpretação constitucional, em conformidade ao texto e ao sentido da norma, o que fez o Legislador Infraconstitucional foi, em um regime de compensação aos militares destituídos do Poder que exerciam no Período de Exceção transcorrido desde 1964 até 1988, redigir a Lei Complementar de que trata o §1º do artigo 142, supracitado, estendendo a função das Forças Armadas a matérias que não se incluem em suas funções constitucionais específicas de defesa da Pátria. Em referência à Força Aérea, veja-se o seguinte art. 18 de Lei Complementar nº 97/99:

Art. 18. Cabe à Aeronáutica, como atribuições subsidiárias particulares: I – orientar, coordenar e controlar as atividades de Aviação Civil; II – prover a segurança da navegação aérea; [...]. Observando a topologia do artigo 178 da Constituição,

que efetivamente dispõe sobre a ordenação do transporte aéreo, aquático e terrestre, verifica-se que o dispositivo encontra-se incluso no Capítulo "Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica", onde, apropriadamente, quis o Constituinte fosse regulada a matéria concernente à Aviação Civil:

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Art. 178. A lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreo, aquático e terrestre, devendo, quanto à ordenação do transporte internacional, observar os acordos firmados pela União, atendido o princípio da reciprocidade.

Nos autos do presente Processo encontra-se um notável Parecer Jurídico de ilustre constitucionalista, o Doutor Marcelo Neves, que culmina por demonstrar a flagrante inconstitucionalidade que restou configurada neste ambiente de administração militar de uma atividade civil. À toda evidência não quis o Constituinte que a Força Aérea Brasileira fosse desviada da sua missão, descrita no artigo 142, para dedicar-se à Atividade Econômica, onde critérios absolutamente estranhos à Defesa Nacional podem levar à corrupção dessa importante diferenciação funcional – Defesa Aérea - cometida às Forças Armadas.

Diferenciações funcionais, no âmbito dos sistemas sociais, não são categorias teóricas arbitrárias. Desconhecê-las, ou tratá-las com indiferença, resulta em graves conseqüências práticas no coexistir cotidiano. Desse modo, do oportunismo com que se buscou subverter a Ordem Constitucional, para perpetuar comandos militares na administração de uma atividade civil, resultou severo comprometimento a uma importante diferenciação funcional: segurança/insegurança de vôo, conforme adiante se demonstra. Do que deriva, por sua vez, um conjunto de outros desarranjos institucionais que desestabilizam o setor.

Uma das instabilidades decorrentes desse ambiente manifesta-se na submissão ao binômio hierarquia-disciplina de toda uma categoria de profissionais habilitados para o controle de tráfego aéreo, profissionais que se viram obrigados a conviver e até relevar falhas dos sistemas de controle, panes de equipamentos de rádio e de radar, para ao fim restarem até impedidos de registrar ocorrências de incidentes perigosos de tráfego, vez que assim procedendo estariam a expor “fragilidade no sistema de Defesa Aérea Nacional”.

Assim, no Brasil de hoje, a Sociedade Civil vê-se subtraída do direito a uma operação de tráfego aéreo por profissionais devidamente qualificados – mediante o preenchimento dos requisitos indispensáveis aos seus diversos níveis de atuação – na medida em que jovens formados segundo regimes acelerados de cursos, sem a devida

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experiência, assumem postos de controle e até de supervisão, tudo sob manu militare.

Se uma nova tragédia sobrevier, sabe-se que o CENIPA cuidará de ocultar as falhas do Comando da Aeronáutica ao tempo em que, sob o falacioso argumento de que a investigação CENIPA não se destina a promover persecuções criminais, passará informações para a Polícia Federal e para a opinião pública, através da Imprensa, material destinado a que se conclua pela responsabilidade dos que não podem se defender: pilotos mortos ou controladores subordinados.

Veja-se, neste sentido a argumentação do depoente Brigadeiro Kersul, responsável pelas investigações e pelo Relatório Final do CENIPA, então sob o seu comando, em relação a aquela colisão:

... Senhor Juiz... primeiro eu gostaria de registrar que a investigação realizada pelo sistema de investigação e prevenção de acidentes aeronáuticos que é orientada pelo anexo 3 da ICAO, não deve ser usada para outro fim que não seja a da prevenção de acidentes aeronáuticos e nós por aceitarmos uma orientação vinda de um órgão internacional, que foi recepcionado pelo arcabouço legal brasileiro, nós continuamos sustentando esta orientação que ela não deve ser utilizada para outro fim que não seja a prevenção de acidentes aeronáuticos e vemos a utilização desta investigação neste momento, como uma ameaça para a prevenção de futuros acidentes no país, pelo simples fato de que pessoas que cooperam para a investigação, não o farão mais tarde, baseado no princípio de que eles não são obrigados a produzir provas contra si mesmos. Então, não compartilhamos com a utilização desta investigação para outro fim que não esteja relacionado com a prevenção de acidentes aeronáuticos. Além disso, nós cremos que o país tem meios para realizar a investigação policial, aquela que nós consideramos que deve se utilizada pelo sistema jurídico e que visa, e a gente compartilha disso, também, visa estabelecer a culpa e responsabilidade. ... Acreditamos que as investigações devem ser com concomitantes, paralelas e independentes. ...

A um observador estrangeiro, especializado, ficaria claro que o que diz o Brigadeiro Kersul ajusta-se à filosofia just culture, o que nos meios de prevenção de acidentes aeronáuticos significa que todos os métodos de apuração de falhas aeronáuticas destinam-se exclusivamente ao reforço das práticas de prevenção, investigar e corrigir para evitar repetições, jamais servindo para incriminação.

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Mas, a realidade brasileira é bem outra e a fala do Brigadeiro em nada corresponde à prática que se viu no episódio da colisão do N600XL x PR-GTD em setembro de 2006. Assim, veja-se o que se encontra visualizado em página eletrônica da própria Força Aérea, ao menos até 16 de maio de 2011, como resultado da divulgação pública do Relatório Final CENIPA, em apresentação realizada para os familiares das vítimas:

Segunda, 16 de maio de 2011.

NOTIMP: 346/2008 de 11/12/2008

O Noticiário de Imprensa da Aeronáutica (NOTIMP) apresenta matérias de interesse do Comando da Aeronáutica, extraídas diretamente dos principais jornais e revistas publicados no país.

Pilotos não conheciam jato

Relatório da Aeronáutica aponta que falta de familiaridade dos americanos com o Legacy foi uma das causas do desastre aéreo que matou 154 pessoas em 2006. Controladores brasileiros também falharam

Leonel Rocha Da equipe do Correio

A pouca familiaridade dos dois pilotos americanos com o funcionamento do jato Legacy e seguidos erros de operação dos controladores de vôo brasileiros de São José dos Campos, Brasília e Manaus. Essas foram as principais causas apontadas pelo Centro de Investigação e Prevenção de acidentes Aeronáuticos(Cenipa) do choque entre o jatinho executivo e o Boing da Gol em 29 de setembro de 2006, provocando a queda do avião comercial no nordeste do Mato Grosso e a morte de 154 pessoas. O laudo sobre o acidente foi apresentado ontem aos parentes das vítimas da tragédia e divulgado oficialmente pelo comandante do centro, brigadeiro Jorge Kersul.

(Destaques da Defesa)

Ou seja, o Relatório omite as graves falhas de sistema e de equipamentos como fator contribuinte para a colisão e responsabiliza os subordinados que viviam obrigados a suportar em silêncio a

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irresponsabilidade dos gestores militares. Para os familiares das vítimas, portanto, foram levadas informações que se traduziram na imagem e texto que se seguem:

“ ELES MATARAM MEU FILHO ”

Aos gritos e com faixas, familiares fazem protesto

DA COLUNISTA DA FOLHA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Lula Marques/Folha Imagem

Mãe de vítima de acidente chora após a divulgação de relatório

Choros, gritos e revolta marcaram a apresentação do relatório da comissão de investigação do acidente Gol-Legacy às famílias das vítimas, que pretendem usar o documento para transformar a denúncia contra os pilotos norte-americanos Joe Lepore e Jan Paladino de culposa para dolosa. O dolo implica intenção e pode aumentar a pena na Justiça. Depois da apresentação, no Cenipa (Centro de Investigação e

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Prevenção de acidentes Aeronáuticos), cerca de 60 familiares protestaram com faixas, principalmente contra os pilotos do jato Legacy. Tereza Guedes, que mora em Maceió, chorava alto e gritava: "Eles mataram o meu filho, a razão da minha vida. São

assassinos. Os pilotos, os controladores brasileiros...”

Tais imagem e texto encontram-se disponíveis para visualização no próprio endereço eletrônico da Força Aérea, e foi visualizado para os fins desta peça em ÀS 03:58 DODIA 16/05/2011:

http://www.aer.mil.br/portal/capa/index.php?datan=11/12/2008&page=mostra_notimpol

E, para que não se estenda ao plano pessoal o que deriva de uma corrupção sistêmica – inaceitável sobreposição do interesse militar na Defesa Aérea sobre o interesse maior da SEGURANÇA na aviação civil – registre-se o fato constrangedor de se ver o Brigadeiro Kersul - alguém com uma brilhante carreira de aviador militar, na condição de piloto de caça e líder de esquadrão de caça – submetido, por ocasião da exposição do infeliz Relatório CENIPA a uma situação semelhante em que que se viu, na década de oitenta o Coronel Job, do Exército, quando tentava explicar o inexplicável, a respeito da explosão de uma bomba em um automóvel conduzido por aqueles que iriam detonar o artefato durante espetáculo público no Riocentro.

Uma pena que grandes talentos da Força Aérea sejam deslocados de suas missões para uma anômala gestão de uma atividade econômica, como tal, evidentemente civil.

O que se afirma com base em trechos extraídos do próprio depoimento do Brigadeiro. Assim, instado pelo MPF a que fizesse um breve relato histórico de sua vida profissional disse (29’ da mídia):

É... eu entrei na Força Aérea em 1972, na escola preparatória de cadetes. Fiz a academia da Força Aérea. Fui para Natal fazer um

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ano em Natal para ser piloto de caça. Fui para Fortaleza, líder de esquadrilha de caça. 4 anos em Santa Maria, como piloto de caça. 5 anos em Canoas, como piloto de caça. 7 anos em Brasília, em funções diversas. Alguns anos no Rio... MP: Funções administrativas? Kersul: Administrativas. MP: Qual período? Kersul: Ah, então, vamos lá.. É... 79, Natal; 80-81, Fortaleza; 82-86, Santa Maria; 87 a 91, Canoas; 91 a 96, Brasília; um ano no Rio. 2 anos em Canoas como comandante esquadrão de caça. Um ano no Rio, curso. 3 anos em Brasília, no ministério da defesa, como contra- inteligência. É... 2 anos, não... um ano e meio na Inglaterra, como adido da aeronáutica. 4 meses na 6ª subchefia o Estado-Maior. 3 anos, 5 meses e 13 dias à frente do CENIPA e agora, desde abril, no departamento de ensino da aeronáutica. MP: Desde abril... a sua experiência em investigação de... sua experiência na na parte técnica com investigação de acidentes aéreos é de quantos anos, mais ou menos ? Kersul: Apenas os 3 anos que eu estive à frente do CENIPA, como chefe do órgão. MP: Antes disso o senhor não tinha trabalhado com investigação de acidentes... Kersul: Nunca. Veja-se que o Brigadeiro Kersul foi guindado ao ápice

de uma carreira exigente de conhecimentos extremamente especializados - Investigação de Acidentes Aéreos – sem qualquer experiência anterior, com lastro tão somente na patente que ocupava.

Daí porque é de se compreender que Ele próprio não pode ser responsabilizado pelo que se segue:

MP: Sobre o RVSM, que seria o espaço aéreo reduzido, né?! O normal seria voar a 2000 pés, mas as aeronaves, os pilotos, tendo algumas condições especiais poderiam voar separados a 1000 pés. O senhor tem conhecimento do regulamento brasileiro de aviação civil nº 91, RDH 91, apêndice "g"? Kersul: Não. De cabeça, não senhora. MP: Não! Eu vou- lhe ler (degravado como se lê): "A autorização para um operador conduzir um vôo no espaço aéreo onde o RVSM é aplicado é emitida nas especificações operativas, ou através de uma carta de especificação como aplicável". Essa é a parte mais importante. Então, para que uma aeronave pudesse voar em RVSM, ela devia ter, a

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aeronave deveria estar incluída nas especificações cooperativa da empresa, ou a aeronave deveria ter uma carta de autorização. Não há referência nenhuma desses documentos durante todo o... todas as 261 páginas. Porque? Kersul: É.. como a senhora disse. Não há referência mesmo. Pode ter sido uma falha na investigação. Não há referência e realmente, se não está no relatório, que a senhora está afirmado que não está, pode ter sido uma falha "não estar ". Não quer dizer que o cenário mudasse em alguma coisa, mas não está no relatório. MP: Essa norma RD.. é uma RDH 91, não é uma norma bastante conhecida na aeronáutica? Kersul: ISSO É aviação geral. Todo mundo que trabalha com esse tipo de aviação deve conhecer. Não, não posso dizer que os pilotos tenham que conhecer ... decorado, mas com certeza se tem uma empresa envolvida, a empresa vai utilizar-se do.., vai transportar o avião, vai trasladar o avião, era deve conhecer a legislação do país que está operando. MP: A CENIPA não deveria conhecer? O CENIPA? Kersul: O CENIPA deveria, ou... deveria conhecer tudo, mas é difícil conhecer tudo é é... essa essa legislação, toda a legislação, como eu disse, quando nós chamamos de especialistas, nós tínhamos especialistas sobre legislação na comissão de investigação, com mais de 50 pessoas. Então, a legislação foi levantada. Isso aí pode não ter sido considerado é... importante o suficiente para estar no processo investigativo. Pode não ter sido identificada. Pode ter sido uma falha. E não dá numa investigação para cobrir todo o espectro que envolve a aviação. Então, pode a senhora estar identificando uma falha na investigação. Se isso vai mudar ou se isso é uma informação importante o suficiente para reabrir a investigação, ela pode ser reaberta. Se nós tivermos algum fato novo que justifique, o que nós consideremos que poderá trazer nova luz, ou nova recomendação de segurança de vôo ou que vá melhorar a segurança de vôo da aviação, a investigação pode ser reaberta. Ela, se não consta do relatório, porque ela não foi considerada importante o suficiente, ou que pudesse gerar recomendações, ou houve uma falha de ela não tem sido citada. Com certeza nesse relatório, não tem toda a legislação da aviação civil nacional e internacional. Com certeza, não está toda aqui. Então, pode estar faltando alguma coisa. ... MP: Então o senhor é.... sabe se a aeronave estava autorizada a voar RVSM ou não tem conhecimento? Kersul: Se a aeronave estava autorizada, a aeronave tinha os equipamentos necessários para voar RVSM. MP: O senhor não sabe se ela estava autorizado então? Kersul: Autorizada... Não sei. MP: Não sabe! Tá... De acordo com levantamento que foi feito pelo perito assistente da acusação, a aeronave não estava

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autorizada a voar RVSM, em razão desses regulamentos que lhe falei. (48’ 53”) MP: Há algumas referências do corpo do relatório de que o TCAS não foi ligado, que ele não estava ligado. Há pelo menos 3 pontos aqui em que há essa informação. Kersul: No nossa relatório? MP: É. Kersul: Que ele não foi ligado? MP: É. Que ele não estava ligado. Kersul: Que ele não estava ligado. MP: É. Aqui na folha 242 diz ali: " a figura 71 acima", que é uma tabela, "mostram o dado do FDFDR do N600XL, com a abertura da tela do TCAS do MF 2, exatamente no horário da 19h59, que foram os minutos depois da do acidente. ... MP: ...o TCAS estava em off e o transponder em stand by. Ok?! Há alguma explicação lógica para essas conclusões, essas informações não constarem na conclusão? Elas estão no corpo mas não estão na conclusão?51:02 Kersul: Não... essa... Não estão na conclusão?! Não tão... não têm que estar necessariamente, mas... porque esse relatório, ele, ele.. não tem um, assim um... (expressão não identificada)... de autoridade... tudo que foi citado aqui tem que estar lá. Mais para deixar claro sobre TCAS. O TCAS, na realidade, não têm como desligar o TCAS. O TCAS depende de informação do transponder. Quando o transponder é colocado em stand by, o TCAS deixa de funcionar, deixa de cumprir a finalidade dele, embora, o equipamento esteja ligado, ele não está operando, porque falta-lhe uma informação. Então, ele não está operando. Então, a o o fato de o TCAS não estar funcionando é porque o transponder estava em stand by. Essa informação que nós temos: "o transponder estava em stand by". Consequentemente o "TCAS off" é que ele não está cumprindo a finalidade dele caso uma aeronave entre num raio próximo àquela outra. Agora, não estar na conclusão, a senhora disse está aqui citado e não está à conclusão... MP: É... é um fato importante que o TCAS não estava ligado. Kersul: Mas eu... todo o tempo nós dissemos... que o transponder, por alguma razão, estava stand by. Consequentemente o TCAS está inoperante. MP: Mas o transponder só parou de funcionar em determinado momento. O TCAS nunca foi ligado. Kersul: O TCAS nunca foi ligado?! 52:28

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MP: Nunca foi ligado. Isso consta dos CDs que a Polícia Federal buscou no CENIPA com todos os.. as informações das caixas pretas.(53’) Kersul: Isso consta de todas informações, porque o que a Polícia Federal tem foi o que nós cedemos. Então, as informações que nós retiramos é e... isso também nós fomos contrariados, porque nós tiramos dos gravadores os dados que consideravamos adequados para a nossa investigação e foi desses dados que a Polícia Federal trabalhou. Eu não sei se isso está no relatório deles, ou a senhora está se referindo a outro relatório... mas o que eles têm lá é a mesma coisa que nós dispomos, porque nós lhes entregamos uma cópia por ordem judicial. ...(acerca do TCAS) MP: O senhor conhece... tem conhecimento que ele foi ligado? Kersul: Eu.. toda vez que eu ligo o transponder, o TCAS está ligado. E o transponder foi ligado, porque nós tínhamos é, mais de uma vez, contato com a aeronave e ... estava lá o transponder transmitindo as informações necessárias . MP: Então, o senhor pode afirmar que o TCAS estava ligado desde.. que o TCAS foi ligado. Tem certeza de que o TCAS foi ligado? 56’ Kersul: O TCAS.. desculpa a minha ignorância, mas eu nem sei se tem no equipamento... como eu ligar o TCAS ... MP: Que eu saiba, s im. Kersul:. É... eu desconheço. Eu não voei essa aeronave... eu não sei se tem com ... eu...eu ligar o TCAS. Desconheço. MP: Então, o senhor pode informar que o TCAS estava ligado. Alguma vez foi ligado?. Kersul: Eu possa afirmar que o transponder estava ligado. O transponder esteva ligado e por alguma razão ele foi colocado, e ele passou para stand by. MP: Tá. Quanto ao transponder. Para o transponder ser desligado, ele exige 2 ações humanas em menos de 20 segundos. Há uma informação aqui no seguinte sentido... no seu laudo, no laudo do CENIPA: " a análise da probabilidade de o acionamento inadivertido em botão da RMU (o RMU não seriam painel, né?! seria o computador de bordo)... a análise da probabilidade de o acionamento inadivertido em portão da RMU no painel do Embraer 145 e do Legacy 600, por 2 vezes dentro de 20 segundos foi calculada como sendo menor que 5,2 x 10 na 15ª potência por hora de vôo, portanto, significativamente inferior... significativamente inferior do que extremamente improvável. Dessa forma, podemos considerá- la impo ssível ocorrer durante a vida útil da frota". Mãs, embora tenha essa conclusão que o acionamento inadivertido... 2 vezes... 20 segundos... é menor do que 5,2 x10 na 15ª potência... em nenhum momento a investigação... se o transponder foi ou não

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desligado involuntariamente... porque não foi levantada essa hipótese? ... MP: É porque só.. Tá uma contradição entre a conclusão e tudo que está está muito forte no relatório inteiro... Advogado dos Controladores: Vossa Excelência tem conhecimento que no dia 6 de junho de 1996, o Força Aérea 01, transportando o presidente Fernando Henrique Cardoso, quase entrou em rota de colisão com o TAM, Focker 100, que vinha de Belo Horizonte, em situações muito parecidas com aquelas que veio a se dar depois no Gol/ Legacy? Kersul: O nome do doutor? Sobral: Roberto Sobral . Kersul: Dr. Sobral! Sobral: Sim senhor! 01 04’ 15 Kersul: Desculpa não corresponder às suas expectativas, mas eu não tenho o conhecimento que o senhor imagi na que eu detenho. Eu não tenho todo esse conhecimento que o senhor suge riu no início de suas palavras . Meu conhecimento é de uma pessoa que se dedicou durante um período de sua vida a essa área de prevenção. Eu não tenho conhecimento dessa ... pormenorizado, desse evento, mas considero que o fato de "quase", "quase" eu não sei mensurar. "Quase ter acontecido", se não aconteceu é porque houve uma interferência que evitou. Então, eu não sei o quanto significa o "quase". Nós temos que analisar este evento com mais profundidade para que eu pudesse fazer qualquer ligação entre esse evento e o evento do Gol 1907. Sobral: O senhor, então, não teve conhecimento que esse documento gerou, dentro da Força Aérea, dentro do CENIPA, o treinamento simulado conduzido pelo Coronel Duprat, então comandante do CINDACTA 1, onde ele levantava, como uma simulação, ele levantou as falhas existentes naquela época, em 1996, e aí simulou um quadro: se todas as falhas forem simultâneas, o que é que vai acontecer?! Uma colisão. E esse documento, é um documento que eu passo as mãos do senhor, confidencial, relatório preliminar que foi encaminhado ao CENIPA, desenvolvido pelo órgão que o senhor dirigiu.. veio dirigir no futuro, não é?! O senhor tem conhecimento desse treinamento? dessa simulação? e, sobretudo, o apontamento das falhas que foram percebidas em 96 ? Kersul: O sistema de investigação e prevenção, e até retornar uma coisa que o senhor disse, que a gente poderia tirar o "investigação" da sigla do CIPAER, né?! Poderíamos realmente, porque a investigação é uma parte da prevenção, então, seria... é uma redundância até, né?! "investigação e prevenção", nós poderíamos resumir pela prevenção. A investigação é uma área da prevenção, infelizmente é uma

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área reativa, depois que infelizmente o fato aconteceu. É... o sistema é muito interessante porque quando ele foi imaginado no passado, cada órgão que trabalha com segurança de vôo, e o senhor é um conhecedor da legislação, no Código Brasileiro de Aeronáutica, está escrito lá, que todos que se envolvem com atividade aérea tem responsabilidade na prevenção. Então, não é só o CENIPA. O CENIPA é um órgão de normatizador, o ele estabelece regras, ele estabelece nomenclaturas, ele coloca no país aquilo que a gente recebe da ICAO, ele forma pessoal, o próprio Peterka que é um ... que foi citado com um relatório aqui, ele foi formado pelo CENIPA, ele me disse que se baseou no relatório do CENIPA para fazer a investigação dele, então, ele se baseou no relatório para chegar às conclusões dele. É... nesse tipo de arquitetura, cada órgão é responsável na sua área por tratar os incidentes e os relatórios de perigo, que mais tarde nós mudamos para relatório de prevenção, porque o nome "perigo" foi exorcizado por toda a sociedade brasileira na época do acidente. Então, nós mudamos inclusive o nome do relatório para "relatório de prevenção". Dentro dessa filosofia, algo que aconteça dentro de uma empresa aérea, ela pode tratar daquele incidente internamente. Há, muitas das vezes, a interferência do CENIPA e dos seus CERIPAS, órgãos criados recentemente, 7 CERIPAS, que são regionais do CENIPA, eles interferem quando temos a informação de um acidente grave, de um incidente grave, ou de um acidente. Vou corrigir. Eu falei 3 coisas, são 2 coisas: um incidente grave ou um acidente. Quando a empresa ou órgão, no caso aqui o CINDACTA, faz a uma atividade interna e levanta todas as informações que envolveram o incidente, ele toma as providências internas e manda para o CENIPA, para que o CENIPA participe, saiba o que foi feito, corrige uma coisa, o crescente uma coisa. Eu não tenho conhecimento deste documento, porque o que o senhor me disse, foi em 96 , na época do Coronel Duprat, no CINDACTA (Sobral: CINDACTA 1). Isso. Eu não tenho conhecimento desse documento, porque era humanamente impossível, dentro do... cenário que eu comecei nessa atividade, porque, como eu disse, eu era responsável pelo resgate e durante o resgate eu vinha ao CENIPA, no dia 1 de novembro, a assumir o CENIPA e voltei para o resgate. Então, nós estávamos num processo que... do resgate... depois desta investigação, quando nós estávamos ganhando fôlego, veio outro acidente grave, e então, eu mal tinha tempo para responder os questionamentos de 2 CPIs, de todo o Judiciário, da Polícia Federal, embora eu tenha procurado suprir as minhas deficiências com leitura das documentações das nossas próprias normas que nós pudemos fazer uma revisão em todas elas durante o meu processo, durante o meu período

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de comando lá, era humanamente impossível querer ler todos os acidentes e mesmo que eu lesse todos acidentes eu não leria esse aqui, porque esse é o incidente, então, muito provavelmente eu não leria, mesmo que eu conseguisse ler todos os acidentes ocorridos neste país, eu provavelmente não teria tido tempo para ler todos incidentes. Então, não tenho como dizer que tenha conhecido, mas posso... tenho tranquilidade para dizer que as provi dências foram tomadas naquele cenário que foi conhecido para que melhorasse o processo de controle de tráfego aéreo. Sem pretender jamais macular a carreira do eterno

piloto de aviões de caça, o bem educado e atencioso Brigadeiro Jorge Kersul Filho, não há como deixar de lastimar o que se retira do que acima se leu: um desconhecimento inaceitável acerca de um evento único, a colisão de dois aviões nos céus do Brasil, do que o mínimo que se esperava, para que todas aquelas mortes não fossem em vão, seria a produção de um documento isento, idôneo, sério, capaz de produzir conhecimentos preventivos e induzir a correção de falhas inaceitáveis, que, desgraçadamente estão a se perpetuar no momento em que esta Peça está sendo escrita.

Como arremate do que acima se pinçou, veja-se que o Brigadeiro Kersul não leu o Relatório de Auditoria do TCU (45’50”), entende que “os alvos falsos, a duplicação... é... eu não tô dizendo que isso não ocorra, porque isto é intrínseco à eletrônica do radar, então, pode haver realmente duplicação, pode acontecer de ter alvo falso. Para isso que os homens que estão na frente da tela, eles são treinados para identificarem e serem capazes de descartar o que é falso e o que é verdadeiro”. Uma aberração, tal posicionamento, quando se trata de segurança no controle de tráfego da moderna aviação civil mundial: nenhum controlador recebe treinamento para desconsiderar o que o seu console de trabalho exibe. Isto mostra o elevado despreparo militar para a gestão dessa complexa atividade, em que não se pode treinar um Controlador ensinando-o a ser tolerante às falhas. Vidas humanas não podem estar submetidas a tal risco, o de um controlador começar a interpretar o que é real e o que é falso, em tempo tão curto que dispõe para trazer um avião às cegas para um pouso seguro.

E repete: No que diz respeito a como trabalhar com alvo falso, com a duplicação de alvo, isso cabe ao treinamento da pessoa que está responsável por fazer o seu trabalho é... como ele... é... trabalha com esse tipo de informação, como ele descarta o que é verdadeiro, quer dizer, descarta o que é falso e mantém o que é verdadeiro (49:50).

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E quanto à troca automática de nível do X4000, veja-se:

Advogado: É de conhecimento de Vossa Excelência que em nenhum país do mundo, um sistema troca nível automático sem interferência do controlador? Kersul: Não é do meu conhecimento e acho irrelevante, porque a gente tem que acreditar que nós somos capazes de fazer alguma coisa, não necessariamente igual a de todo mundo. O sistema de controle de tráfego aéreo e de defesa aérea do Brasil é único e, hoje, é o que é indicado para os países que estão implementando seu comando... o seu controle de tráfego aéreo. Países que estão em implementando o controle de tráfego aéreo estão sendo orientados a utilizar o sistema brasileiro, que junta os 2 equipa... os 2 tipos de controle: militar e civil. Então, eu não conheço os outros controles; eu não conheço... respondendo bem especificamente, mas acho que nós temos capacidade para fazer um controle de tráfego aéreo e diria mais, independente da minha opinião, da minha posição, eu diria a o seguinte, se vêm como órgão internacional, que fez auditoria em mais de 130 países e vêm no nosso país e diz: "o controle de tráfego aéreo de vocês está 95% de acordo com que nós gostaríamos". A esse respeito, contudo, o NTSB - National

Transportation Safery Board, um dos mais respeitados do mundo, pronunciou-se nos seguines termos:

The automatic change of the datablock field from 'cleared altitude' to 'requested altitude' without any indication to, or action by, the ATCOs, led to the misunderstanding by the Sector 7 controller about what altitude clearance was issued to N600XL. Contudo ao ser informado do motivo torpe que

levaram militares do DECEA a não corrigir esta defeituosa (dis)funcionalidade de troca automática de nível o Nobre Brigadeiro assim se pronunciou:

...sobre a análise do DECEA aqui.. eu acho que carece também de acompanhamento e acho que eu estou totalmente do seu lado, se houve aqui alguma coisa que nos envergonhe, seja aprofundado a investigação e que seja confirmado se alguém disse, não vamos mudar isso aí não, só para responder na Justiça, porque isso é incabível, não podemos admitir isso, isso é inadmissível. Então, se nós temos que fazer qualquer mudança para o bem da sociedade, ela deve ser feita no momento em que for oportuno, no momento, no

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melhor momento; e se nós temos que mudar alguma coisa, já deviámos ter mudado, acho que isso deve ser aprofundado (1º08’37”); Deveras impressionante, também, que uma outra

grande autoridade do setor, o Coronel Leônidas que dirigia o Centro de Operações de Manaus, viesse a assumir, posteriormente, o posto de Comandante do CINDACTA II, com sede em Curitiba, sem ter lido o Relatório Final do CENIPA, o que é suficiente para demonstrar a completa falência do sistema de prevenção de acidentes vigente no Brasil.

Veja-se a degravação do seu depoimento, em techos

selecionados: R - Coronel, o senhor nos disse que era Chefe da Divisão Operacional do Cindacta 04 na época do acidente. Quantos anos de experiência o Senhor tem no Controle de tráfego aéreo no Brasil. Leônidas – Com controle do espaço aéreo? R – Controle de tráfego aéreo. L – É, 15 anos. Hoje, né? Na época... R – Hoje. O Senhor participou da elaboração do Relatório do Cenipa? L – Não. R – O Senhor não fez parte então do grupo de investigação? L – Não. L – O Senhor fala do... com respeito ao relatório... R – Ao Relatório final do acidente. L – Não. R – É... O Senhor foi inquirido por essa Comissão que investigou o fato detalhadamente? L – Eu não fui inquirido... Sobre o acidente, eu não lembro de ter sido inquirido. R – Pela Comissão, não é? L – É. Como eu volto a repetir, como eu fui designado para ser o comandante da busca e do resgate. Eu participei do evento “Busca e Resgate”. R – Foram feitas auditorias técnicas para a detecção de eventuais falhas de comunicação e falha de cobertura na região? L – Auditoria por quem? Nossa? Interna? R – É, auditoria mesmo. Pode ser... Cindacta, Cipacer... L – Nós não utilizamos esse termo “auditoria”, né? R – Perfeito. L - A gente tem a nossa manutenção normal. R – Manutenção normal... L – Mas, de imediato, de imediato ao acidente, o grupo especial de investigação, de inspeção em vôo, ele fez um

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R – Manutenção normal... L – Mas, de imediato, de imediato ao acidente, o grupo especial de investigação, de inspeção em vôo, ele fez um vôo na área e pelo que eu lembro, como eu digo que tava, fui pra Cachimbo no mesmo dia, é, eles deram um parecer com relação a essa qualidade tanto do controle como das comunicações. R – Das comunicações, não é? Então, auditoria técnica no sentido de auditagem mesmo, isso nunca foi feito. Em fazer teste, exame de todos os equipamentos. Por exemplo, a OACI(27:28) diz que fez uma auditoria recente no Brasil. Essa auditoria foi feita, por exemplo, no Cindacta de Curitiba? L – Não, não participamos do... Nós fazemos... quem faz a inspeção no Cindacta 02, quem fez foi o nosso próprio pessoal habilitado. R – Pessoal habilitado interno. L – Agora, essa questão lá do, da auditoria dos equipamentos lá em Manaus, nós fizemos e tava... Fizemos a, não com essa monitoria. Nós fazemos aqueles cheks (27:56) normais do ... R – Cheks padrões. L – É, cheks padrões de funcionamento, detecção. Lá no relatório ela vôo, calibrou, e à época ele deu um parecer favorável dizendo que ele estava funcionando tanto as comunicações, quanto as detecções. R – O Senhor conhece o inteiro teor do relatório do Cenipa? L – Não posso dizer que conheço não Senhor. R – Depois o Senhor foi removido para o Cindacta 02. L – Isso.

Como se vê, nunca se fez de verdade uma auditoria

independente no Brasil. A grande mentira, consistente em dizer que o Brasil situa-se entre os melhores serviços de controle de tráfego aéreo do mundo, contudo, é proclamada como se verdade fora, estando a tal respeito enganados até aqueles que ocupam os mais destacados postos no comando militar dessa atividade civil. E, neste ponto, Brigadeiro Kersul foi incisivo:

KERSUL - . O sistema de controle de

tráfego aéreo e de defesa aérea do Brasil é único e, hoje, é o que é indicado para os países que estão implementando seu comando... o seu controle de tráfego aéreo. Países que estão em implementando o controle de tráfego aéreo estão sendo or ientados a utilizar o sistema brasileiro, que junta os 2 equipa... os 2 tipos de controle: militar e civil. Então, eu não conheço os outros controles; eu não conheço... respondendo bem especificamente, mas acho que nós temos capacidade para fazer um controle de tráfego aéreo e diria mais, independente da

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minha opinião, da minha posição, eu diria a o seguinte, se vêm como órgão internacional, que fez auditoria em mais de 130 países e vêm no nosso país e diz: "o controle de tráfego aéreo de vocês está 95% de acordo com que nós gostaríamos".

É... sobre a língua inglesa, né?! A ICAO, ela prevê um certo nível de proficiência de inglês. É.. o nível que está sendo exigido agora, é nível 4. Pouco países do mundo melhores que o nosso, quer dizer, melhores que o nosso não tem nenhum, mas alguns que são ditos de primeiro mundo, não atingiram o 4. Enfatize-se: a Força Aérea literalmente trabalhou por

uma auditoria de conformidade documental, que diz apenas que os seus procedimentos coincidem com as normas que Ela mesma produz.

E como se viu no corpo desta peça, em lugar de corrigir uma falha redige-se uma norma que deixa de considerar falha o que continua perigoso.

Repise-se: nunca foi feito uma auditoria técnica de equipamento, de funcionamento de equipamento e de controle de tráfego aéreo com os controladores. Essa auditoria nunca existiu. A Força Aérea usa a falsa aprovação dos seus métodos pela ICAO de uma forma absolutamente habilidosa, numa política própria de Josefh Goebbels, uma política de propaganda, quando na verdade as falhas remanescem.

O fato de usarem de tais mentiras para enganar pequenos países pobres com a intenção de vender a tecnologia da ATECH - empresa “amiga” e fornecedora do sistema de controle sempre atualizado sem licitações por ordem do Comando da Aeronáutica, para e da Força Aérea – é usado como argumento por eles mesmos, quando dizem: somos tão eficientes que servimos de referência.

Triste pantomina.

III.4 ATIPICIDADE CULPOSA E EXCLUDENTES DE CULPABILIDADE COMO FUNDAMENTOS PARA A NECESSÁRIA ABSOLVIÇÃO DE JOMARCELO E LUCIVANDO.

Excelentíssimo Juiz, dispensada encontra-se a Defesa dos Controladores em estender-se demasiadamente em considerações doutrinárias em matéria jurídico-penal, até porque do Estado-juiz espera-se amplo domínio de tema tão repisado com o do delito culposo.

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Contudo, por tudo o que acima foi exposto consigna-se que não estão presentes os dois requisitos culposos indispensáveis para a configuração do delito culposo que veio a ser imputado a JOMARCELO e LUCIVANDO.

Em primeiro lugar, como negar a validade probatória dos documentos acostados às folhas 2.132 a 2289, componentes do Volume 9, todos a demonstrar um impressionante número de falhas de sistemas e , equipamentos, capazes de conduzir a uma situação perigosa qualquer controlador que siga rigorosamente as normas existentes?

Explica-se: se a cada vez que for exibida uma defusão de alvos, uma pista falsa ou um espelhamento, o controlador de tráfego aéreo imediatamente reagir segundo as normas padronizadas resultará provocando a separação de aeronaves supostamente visualizadas, ao fim criando uma situação de risco efetivo para todos aqueles que foram desarrumados dos seus tráfegos. As normas estabelecidas, portanto, mostram-se em contraefetividade com a realidade que pretendem regular.

Veja-se o depoimento, neste sentido, de um dos maiores especialistas em controle de tráfego aéreo do Brasil, instrutor e avaliador dos profissionais do setor, condecorado e reconhecido pela excelência do seu conhecimento profissional, o Especialista Wellington Rodrigues, em degravação de mídia acosta aos autos:

Adv: Gostaria que o senhor fizesse é referência detalhada a essa diferença entre o que está no Regulamento, o que as normas até então previam e o procedimento cotidiano do controlador e em razão de que não havia coincidência... quais eram as panes mais frequentes? Wellington: Primeiro é...era muito comum panes radares e de visualização radar, espelhamento e duplicações de pistas. Isso era muito comum. Uma pista duplicar e aparecer em outro setor e se transformar em um tráfego fantasma e acionar um anticolisão de uma aeronave. Então, um anticolisão era acionado... da aeronave não, desculpa... o anticolisão da pista radar. Isso era acionado assim corriqueiramente, tanto é que tinha um alerta sonoro para o controlador, que foi inibido porque... de tanto tocar. Mas isso era porque os tráfegos não eram reais, ele duplicavam e o quê que aconteceu... uma... devido a essa enorme quantidade de tráfegos duplicados... fantasmas... houve uma banalização dos procedimentos. Então, o controlador deixava até mesmo de cumprir o que deveria porque ele: “ah... isso aí não é real, é uma duplicação... isso aí...”. Então, começou a banalizar os procedimentos. É... da área norte da área não radar era tão comum o radar tá fora que às vezes o controlador já não conseguia mais saber se era o radar ou se era o próprio

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transponder da aeronave que estava desligado. Então, acabou banalizando. Então, isso para mim, eu vejo como a maior dificuldade. A questão da frequência, também, se fosse cumprir o procedimento de falha de comunicações com todas as aeronaves que perdiam a comunicação, tornava-se impraticável o controle, porque era muito comum, era muito corriqueiro.

Então, nós tínhamos uma preocupação de que se algum dia ocorresse um acidente, o controlador iria ficar sozinho. Então, nós começamos a juntar materiais, a juntar documentos para poder mostrar a situação. E foi dito e feito, quando aconteceu, o controlador se viu sozinho, né?! Então, isso é a banalização do sistema.

Veja-se o que acima se afirmou. O controle ficaria impraticável, como de fato ficou, e o País parou, quando os controladores adotaram a operação padrão, consistente nada mais nada menos do que fazer cumprimento rigorosamente as normas previstas. Ao final do seu depoimento Wellington Rodrigues, considerando a importância dessas banalizações de falhas como perigosos elementos de comprometimento de consciência situacional, declara espontaneamente:

Juiz: O senhor tem pergunta doutor (Advogado: Excelência, estou satisfeito). O Ministério Público tem pergunta doutora? Tem mais alguma coisa que o senhor deseja falar sobre esse acidente? Wellington: É eu queria ressaltar essa questão da diferença mesmo do trabalho prescrito para o trabalho real, isso daí é muito importante porque o controlador, como ele foi banalizando devido a várias panes mesmo, ele acabou deixando de cumprir até mesmo o que estava previsto até mesmo por banalização dos procedimentos mesmo, porque era muito comum, né?! E naquela área que o Legacy voo era uma área de deficiências mesmo por relatórios de... tanto de comunicação como radar. Ora, Excelentíssimo Senhor Juiz, isto a que se refere o

depoente, a desconsideração de sinal de perigo a cada uma das milhares de ocorrências anuais, pode se dar o nome de absoluto comprometimento da percepção do homem mediano em prudência e discernimento. Quem restaria alarmado ante o contínuo desfazimento da tensão provocada por sinais de falhas, a todo instante reduzida a simplesmente isto: falhas.

E Vossa Excelência perguntava aos Acusados em seu

interrogatório judicial: mas quem ensinou os senhores que era assim mesmo? Ora, Excelentíssimo Juiz, em nenhuma escola se diz que a prática

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é outra. Não nos ensinam nas Faculdades de Direito senão o Direito. A prática, todavia, sabemos que está condicionada a vieses próprios que só são aprendidos no exercício funcional. Será que as centenas de páginas aqui trazidas não são suficientes para demonstrar uma situação de quase anomia, onde as normas tinham que ser cunhadas sob os impulsos da improvisação momentânea: Quem sabe quantas vidas já foram poupadas pelo improviso de tantos iguais a estes Acusados, todos submetidos a uma rotina de falhas aberrantes e criminosamente não corrigidas pelos principais responsáveis, seus superiores hierárquicos, para sempre impunes em face da covardia do Parquet Militar?

A respeito das falhas veja-se: ADV: A questão é a seguinte. Essas duplicações de alvos, essa falhas recorrentes, elas são comuns no controle de tráfego aéreo nos países desenvolvidos? França, Itália, Alemanha... ? Wellington: É... isso que... depois eu viajei também, eu tive contato com outras, com outros órgãos de controle. Na Europa, a duplicação de pista ela ocorre na época de neve que é um acúmulo de neve na antena radar e começa a duplicar pista, mas aí eles sabem que naquele momento ali, eles mandam limpar e não tem mais. É... um exemplo clássico é... um piloto estrangeiro, quando ele vem voar aqui e ouve o controlador falar: “em caso de falha de comunicações é... faça tal procedimento”, ou seja, o controlador já está já se prevenindo que no futuro, se acontecer alguma coisa, ele deverá fazer isso. Isso na cabeça deles (piloto estrangeiro) não passa, tanto que já ocorreu uma vez um incidente, quando o controlador falou: “em caso de de falha de comunicações...” o piloto achou que já era para executar naquele momento, porque em outros países, vamos dizer assim, nos Estados Unidos, não é comum essa falhas de comunicações. Então, não existe esse procedimento de falar: “ó se acontecer isso, você deverá fazer isso”. Então, para nós já era corriqueiro fazer isso, né?!

Sobral: O CENIPA se manifestou no sentido de não tomar conhecimento de “quase acidentes” ou “incidentes”, só se interessar pelos acidentes. É possível fazer previsão desse modo? Prevenção? Wellington: Prevenção, né?! É.. eu acho que aí é arrumar depois que a casa caiu. Eu acho que tem vários incidentes que nos demonstram, que nos dá muitas lições e que a gente poderia evitar um acidente, né?! Então, a prevenção ela deve ser feita em cima do incidente. O acidente, é claro, que depois você vai mudar muita coisa, como hoje, muitas coisas mudaram aqui, no nosso Regulamento, na ICA 100-12, muita coisa mudou depois do acidente, mas é óbvio que se a gente puder mudar no incidente, não precisa esperar o acidente, né?!

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Havia um grupo que realmente estava muito preocupado que vez um.. foi chamada “Carta de Brasília” até, isso em 2005, em julho de 2005, eu participei desse grupo, nós elencamos várias deficiência e levamos para o comandante do CINDACTA e em uma dessas falava mesmo da falha de detecção radar ao norte da FIR Brasília e outros procedimentos e.. outros alertas também já haviam sido feitos que era questão de momento acontecer um acidente. Sobre JOMARCELO: Sobral: A respeito da mudança automática de nível, que vai ocorrer exatamente quando está na console o Jomarcelo, porque a partir daí veio Lucivando e o demais já encontram na posição 360, que seria o voo normal, que dizer, quem chega e encontra no 360, encontra o avião onde ele efetivamente deveria estar. A pergunta que faço ao senhor é a seguinte: essa, digamos, mudança automática é algo que padrão no mundo? Isso é recomendável? Os controladores aprovam? Qual é a reação dos controladores a essa mudança automática de nível? 22:25 Wellington: Eu como instrutor e como, vamos dizer assim, eu era peça ali do sistema, eu tenho que essa mudança automática é um dos fatores principais que induziu o Jomarcelo ao erro, porque isso daí tem vários relatórios , se pegar o próprio documento da TEC que mostra a operação como que ela deve ser no sistema, mostra que o campo que muda é o campo que somente o controlador deve ter atuação, que o CFL “nível de voo autorizado”. Quem muda nível de voo autorizado é o controlador. Nunca o controlador deve correr atrás do sistema. O que aconteceu?! Quando chegou no bloqueio do de Brasília, no campo “níve l de voo autorizado” entrou “nível de voo solicitado” automaticamente sem que o controlador intervisse e logo em seguida houve a perda da visualização radar, ou seja, ele deixou de visualizar qual era a altitude real da aeronave e passou a contar somente com aquela informação na ficha de progressão de voo que o controlador estava trabalhando. Aquele campo, onde estava 370 que era autorizado, mudou automaticamente para 360, esse é o campo CFL (nível de voo autorizado), só que o controlador não autorizou o 360, mas no sistema mudou para 360 e logo em seguida houve a rendição para o Lucivando. O Jomarcelo passou para o Lucivando, o Lucivando perguntou para e le qual era o níve l de voo que a aeronave estava mantendo e ele falou que era o nível que estava na ficha de progressão de voo, porque “eu não mudei!!”; só que o sistema mudou. Então, Lucivando viu lá 360, até então ninguém tinha informação do Gol. As pessoas tem uma visualização, acham que o controlador tem um conhecimento que para mim seria até sobre-humano, porque o controlador ele sabe do setor dele e ele só vai saber

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das aeronaves que vão entrar no setor dele 15 minutos antes da entrada no setor. A aeronave Legacy, do bloqueio de Brasília até a saída da FIR Brasília levou 1h30 de voo, então, o Gol, não tinha nem ideia que existia o Gol. Então, o Lucivando só tomou ciência do Gol 15 minutos antes do Gol entrar na área, mas para ele, já tinha recebido a informação de que a aeronave estava no 360, ele tentou várias vezes contato com a aeronave parece que mais de 20 vezes que ele tentou contato com a aeronave e não conseguiu falar, mas para ele estava tranquilo, porque a aeronave estava no 360, não tinha porque mexer no Lega... no Gol. Então, essa mudança automática do nível de voo, para mim, é um dos fatores assim q... mais importantes de indução ao erro do controlador e isso foi até admitido pelo próprio Comandante da Força Aérea, Brigadeiro Bueno, na audiência pública da Câmara, ele chegou até a declarar que essa mudança automática induziu o controlador ao erro. adv: Essa mudança, ela não é uma coisa tão rara de acontecer, ou toda vez que havia uma perda de detecção ela automaticamente mudava? Wellington: Não. Não tem nada a ver com a perda de detecção. É que coincidiu com... por isso é que foram vários fatores, foram vários dominós que foram caindo ao mesmo tempo. Então, foi muita coisa que aconteceu ao mesmo tempo, não tem nada a ver com a perda de detecção radar. Tem a ver com a mudança do nível da aeronave em determinado ponto que foi solicitado pelo piloto, mas que ainda não foi autorizado pelo controlador. A crítica que eu faço é que não deveria ser no campo “nível de voo autorizado”, porque quem autoriza é o controlador, quem notifica o nível é o controlador. Deveria ter um campo... e aí deveria mudar, mas não mudaram porque falaram que ia dar força na defesa dos controladores se mudasse...

depois do acidente foi levantada essa hipótese.

Juiz: Quem levantou? Queria dar força? Wellington: O TCU fez uma auditoria. E no relatório do TC... e vários oficiais falaram para nós também: “nós não vamos mudar, porque senão vai dar força na defesa dos controladores... e um deles acabou falando para um auditor do TCU e ele colocou no relatório do TCU isso. Wellington: Isso. Ele fala. No relatório do TCU está escrito isso, que em reunião com o oficial... foi levanta essa questão da modificação automática do nível de voo e foi dito que não seria mudado porque senão iria dar força na defesa dos controladores. Isso está no relatório. E depois... visto com outros sistemas fora é algo impensável, porque só pode mudar nível de voo autorizado com a anuência do controlador. Como que um sistema vai e muda automaticamente sem o controlador consentir?! ir lá e interagir com o sistema?!

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Então, o sistema está indo à frente e não está alertando o controlador. É essa a pane do sistema, que na verdade é um erro de concepção. Não foi o sistema na hora ali, ele teve uma pane e mudou automaticamente, não! Foi a forma como ele foi concebido que levou a essa indução ao erro.

Este depoimento se soma a todas as outras evidências trazidas aos autos, de modo a demonstrar a fragilidade de uma acusação fundada em inobservância de dever de cuidado objetivo por parte do JOMARCELO, desconsiderando que não foram sete minutos de inação negligente de sua parte quando se encontrava a controlar três setores sem assistente (contrariando o que disse o Brigadeiro Kersul em seu depoimento: o controlador nunca está sozinho), conforme fez o MPF nos seguintes termos:

Inexorável a conclusão de que "A cobertura radar não teve, por falhas técnicas, contribuição para o acidente", conforme fl. 250 do relatório do CENIPA.

Excelentíssimo Juiz, qualquer ser que tome conhecimento das omissões e má-fé com que o Relatório CENIPA foi produzido, e dos seus perversos efeitos sobre o laudo de segunda mão da Polícia Federal, repensaria antes de repetir a frase acima. Prossegue o MP:

A defesa dos controladores de voo invoca as diversas falhas do

sistema em seu favor e as posteriores alterações como forma de exculpação dos denunciados. Seus argumentos, ao contrário do pretendido, apenas reforçam a acusação, uma vez demonstram cabalmente que todos os envolvidos no tráfego aéreo na época sabiam das deficiências dos sistemas, o que impunha aos controladores de voo diligências redobradas.

Eis acima um argumento de antipsicologia

comportamental, contrário à toda experiência humana em face de repetição indeterminada de eventos da mesma natureza. O que acima se diz funciona sim, por pouco tempo e dentro de estreitos limites. Até a produção de adrenalina, sobre a qual não se tem controle consciente, impede reações tempestivas, beirando o automatismo, quando viciadas na percepção contrária de perigo real. O que aqui está a se tratar é de um cotidiano sem fiiiiimmmm, das mesmas contra-expectativas cognitivas, desapontamentos cognitivos reiterados. Desentender que as falhas induzem a erros e que comprometem a consciência situacional fica muito natural e sem qualquer conseqüência para quem pugnou pela não produção de provas isentas,

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findando por louvar-se no que da Força Aérea se disser como argumento de autoridade.

Prossegue o MPF:

Seria o mesmo que, trafegando numa estrada sem sinalização e com muitos buracos, o motorista dirigir com a mesma tranquilidade e imprimir a mesma velocidade que emprega quando trafega numa estrada duplicada, com pavimentação recente e bem sinalizada. Da mesma forma, quando se pretende viajar numa longa estrada que se sabe carente de postos de abastecimento, é imprescindível que a jornada seja iniciada com o tanque completo e, caso necessário, com combustível extra, caso contrário, é lógico que teremos problemas na metade do caminho.

Com o devido respeito, trata-se de paupérrima

analogia, reducionista, incabível à formação do conhecimento mediano exigível para demonstrar a previsibilidade objetiva naquela esfera de atuação, que de motoristas não se forma.

Ainda o MPF: JOMARCELO agiu com culpa consciente - o agente prevê o resultado mas acredita, sinceramente, que, por sua habilidade ou outra circunstância impeditiva, não se produzirá -, situação que impõe, além da condenação, a elevação da apenação. Comprovando a ciência das falhas dos radares e do sistema de comunicação, JOMARCELO também demonstra alto grau de previsibilidade objetiva, pois sabia que, na área que operava, se não fossem tornados todos os cuidados necessários com a antecedência pertinente, havia possibilidades reais de choque entre duas aeronaves. Culpa consciente? Quando o Brigadeiro Kersul

afirmou que, a despeito de todas as falhas, ninguém seria capaz de antever uma colisão em pleno céu amazônico acabou por oferecer o argumento decisivo contra a formação da previsibilidade objetiva, ainda que assim não o pretendesse. Mas o MPF foi mais longe. Vai até a consciência silenciosa do JOMARCELO para afirmar que este previra o resultado. Com base em quê afirma-se algo assim, com tal dureza? Desumana leviandade, incompatível com o caráter e a formação de quem proferiu.

E o que se quis dizer com a frase: “JOMARCELO também demonstra alto grau de previsibilidade objetiva”? Ora, previsibilidade objetiva não se retira da conduta do agente, antes é um juízo de valoração externo, do julgador em relação à conduta do agente, segundo a propalada ficção de uma percepção do homem mediano em prudência e discernimento.

E Vossa Excelência, Excelentíssimo Juiz, ao interrogar o JOMARCELO (4’18 segundos) provavelmente ainda não estava

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suficientemente informado de que a perda de detecção do sinal radar era cotidiana como repetidamente afirmou o JOMARCELO: “todos os dias isso acontecia”...”Isso é rotineiro...perda de sinal radar”. Não passava pela cabeça do JOMARCELO, naquele caso concreto, da mesma forma que não passava pela cabeça dos seus colegas (salvo exceção dos que atuam como parte ocultamente interessada em incriminar os fracos e ocultar as falhas dos seus superiores) que se tratava de um desligamento de transponder. Esta hipótese é rara. O cotidiano era de falta de detecção radar, mesmo. Veja-se, em 5’ 31” daquele depoimento, a plena consciência de JOMARCELO DE que com a perda da detecção do sinal em Brasília, o que era normal, somente Manaus teria a visualização. Todos sabiam que era assim mesmo.

Aí Vossa Excelência, em 06:42, pergunta se nunca ninguém fazia o relatório de erros, de falhas, se ele (JOMARCELO) nunca teve a curiosidade de procurar saber se havia relatório de erros. JOMARCELO, Excelência, no que pese estar naquele dia a exercer função muito superior ao que se podia esperar de alguém com apenas 9 meses de habilitação profissional, atuava com as limitações próprias de um noviço. Quando ele diz em seu sincero depoimento que os mais experientes relatavam é porque ele sabe o que ninguém desconhece: que até a produção de relatórios exige uma segurança de quem o faz, própria dos mais experientes. É difícil explicar para brasileiros que, no mundo inteiro, não se coloca alguém com tão pouco tempo de experiência em posição de controle de três setores, sozinho, sem assistente.

A função persecutória do Estado, neste caso,

considerando a unidade do Ministério Público Nacional, reveste-se de uma covardia ímpar: ignora a fonte de todos os males para buscar a condenação de quem se apresenta em um interrogatório com a clareza de sua inocência, com a intuitiva presunção de que ao final será compreendido como alguém que atuava conforme a velha cláusula do id quod plerumque accidit. Ou seja, os mais experientes atuavam assim. Eu atuava conforme o que via no cotidiano dos mais experientes. “Quando agente sai da escola agente não vai sozinho, agente vai com um instrutor. Aí agente faz o que ele faz”. Assim, candidamente, disse em seu interrogatório: “a informação que eu tinha era a que estava na strip eletrônica, que é o meu instrumento de trabalho: 360”. Repetiu várias vezes: “eu tinha certeza que estava no 360”.

Excelentíssimo Juiz, considerando como fato inegável

a usual perda de sinal radar com a subseqüente troca (inadmissível) automática de nível de vôo por parte do X4000, considerando que restou provado que o Centro de Controle de Brasília não dispunha de visualização de área sob seu controle, considerando ainda que em razão da síntese radar,

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esta operada seletivamente em quadrículas rastreadas, era possível visualizar outras aeronaves mesmo quando o LEGACY não era visualizado, considerando, enfim, todo o comprometimento da percepção de perigo concreto para cada vez que ocorria uma recorrente falha cotidiana, plantados estão os fundamentos de ausência de previsibilidade objetiva (vez que JOMARCELO aprendera na prática a conviver com as falhas, relevando-as, não por negligência, mas pela certeza de que não se tratavam de outra coisa senão falhas, no que repetia o comportamento dos mais experientes) e, ainda mais evidente, de afastamento da imputação de inobservância de dever de cuidado objetivo - posto que fosse atuar como se estivera em emergência todas as vezes que uma falha ocorresse estaria a inviabilizar o controle do tráfego normal, seja pelo acionamento de supervisores, seja pelo desvio de atenção em prejuízo do tráfego normal, com o que restaria admoestado de que já deveria saber que era assim mesmo – do que se retira a necessidade de absolvição deste Acusado.

Mas, se apesar de tudo o que acima se demonstrou com

supedâneo em farta prova trazidas aos autos, o Excelentíssimo Juiz, vier a entender de modo diverso, acreditando presente a tipicidade culposa, então será hora de se examinar a Culpabilidade do JOMARCELO, em face da conduta que lhe é imputada.

Neste passo, maior de idade e hígido no plano mental,

não se discute a sua capacidade para ser responsável na esfera penal. Daí a verem preenchidos os requisitos normativos da culpabilidade, em especial a exigibilidade de conduta diversa, faz-se necessário detido exame.

Consabido que não há crime sem conduta,

evidentemente, não há conduta sem agente. Logo, impende examinar as condições pessoais e

situação operacional do acusado JOMARCELO, cotejando-as com as exigências para o exercício funcional do Controle de Tráfego Aéreo. Assim, conforme consignado no Relatório Final de Investigação do CENIPA, fls. 121 e 122, que neste ponto não se mostrou omisso, JOMARCELO foi assim avaliado:

3.15. ASPECTOS PSICOLÓGICOS 3.15.1. Variáveis Individuais 3.15.1.4.4. ATCO 1 (JOMARCELO) dos Setores 7, 8 e 9 O ATCO 1 dos Setores 7, 8 e 9 tinha 27 anos. Ingressou no Comando da Aeronáutica em agosto de

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1999, como S1, servindo no 2º/6º GAV, em Anápolis. Realizou o concurso para o CFS, em 2001, optando pela especialidade de BCT. Foi submetido ao exame de aptidão psicológica no Instituto de Psicologia do Comando da Aeronáutica (IPA), sendo considerado “indicado” para a função. Foi aprovado no concurso, ingressando na EEAR, na turma 1/2002 e classificado na especialidade de BCT. Após a promoção a 3S, em junho de 2003, foi classificado no CINDACTA I. No ICEA realizou os cursos ATM 015, “Técnicas de Operação Radar em Área Terminal e Rota” e ATM 016, “Formação Radar”, sendo considerado “apto”. Sua Ficha de Desempenho Global, elaborada pelo instrutor do curso do ICEA, continha o seguinte comentário: “Possui as habilidades necessárias ao desempenho das funções de Controlador Radar. Apresentou maiores dificuldades quando o volume de tráfego aéreo aumentava. Atingiu satisfatoriamente os objetivos propostos para esta fase do curso”. O controlador realizou o estágio para homologação em controle radar no CINDACTA I, tendo sido apresentadas oito Fichas de Avaliação de Operadores do ACC BS, referentes ao período de 16 JUL 2004 a 31 AGO 2004, das quais duas com conceito INAPTO. As dificuldades apresentadas referiam-se a: métodos de identificação secundária, estabelecimento de prioridades, orientação quanto à necessidade de efetuar anotação em strips eletrônicas, deficiente controle emocional, entonação de voz e pouca agilidade nas instruções. Foi encaminhado ao Conselho Operacional em setembro de 2004, o qual se realizou em dezembro do mesmo ano, ficando sua homologação como controlador condicionada à obtenção de mais duas avaliações com conceito “APTO”. Há uma lacuna de registros sobre o ATCO até abril de 2005, período em que foi realizada uma avaliação, na qual o ATCO obteve resultado APTO. Cabe ressaltar que o avaliador comentou o longo período de tempo decorrido desde o término da instrução e esta avaliação. Existe uma outra lacuna, até 17 NOV 2005, quando foi realizada a 1ª de três avaliações, nas quais

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foi considerado APTO para a homologação, a qual se efetivou em dezembro de 2005.

No último TGE o resultado de sua avaliação no idioma inglês foi “não satisfatório”.

Da avaliação acima se retira que JOMARCELO

apresentava sérios problemas de aptidão profissional, a julgar pelos termos aqui empregados, verbis:

“As dificuldades apresentadas referiam-se a: métodos de identificação secundária, estabelecimento de prioridades, orientação quanto à necessidade de efetuar anotação em strips eletrônicas, deficiente controle emocional, entonação de voz e pouca agilidade nas instruções”.

Corroborando o que o Relatório Final do CENIPA acima apresentou em relação ao JOMARCELO, um dos seus avaliadores, Wellington Rodrigues, que seguidamente o reprovara como inapto para função, tendo chegado ao ponto de solicitar aos seus superiores que encaminhassem o Acusado para outro examinador, porquanto não mudaria o seu veredito sobre a inaptidão funcional do mesmo, em Juízo assim se pronunciou:

ADV: Com relação ao controlador que estava no momento da transição da.. por Brasília, o controlador Jomarcelo que chegou a ser inclusive inclusive acusado de crime doloso, que depois foi convertido em crime culposo. Esse controlador foi alvo de avaliação por parte do senhor? O senhor tem ideia de como ele era avaliado? E qual era a situação funcional dele perante os controladores mais experientes? Se ele era recomendado para a posição? Se ele tinha preparo em língua inglesa? O senhor poderia comentar as condições daquele operador, naquele console? Wellington: Jomarcelo sempre foi um controlador muito restrito, sempre, é... eu acompanhei muito o Jomarcelo é... até mesmo o português, por ser muito tímido, ele falava... uma pessoa muito introvertida.. então, até para falar português era muito difícil. Era um controlador que para mim não tinha condições de ser controlador. É... isso ele... inglês nem se fale... é.. sem condições nenhuma mesmo, para mim, era extremamente restrito. Ele demorou mais, muito mais do que a turma dele para ser homologado, ele ficou fazendo várias tentativas, vamos dizer assim, e havia sempre aquela insistência de homologá-lo. Havia essa insistência para homologá-lo. Infelizmente...

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Juiz: Isso como assim... dele? Wellington: Por parte da chefia mesmo, por parte da... pra que... ele... ele sempre... Juiz: O senhor sabe o motivo? Wellington: Número. Infelizmente é isso, quantitativo. Controlador sempre foi escasso. Então, a gente precisava de controlador homologado é.. Adv: Então, pelo o que o senhor está dizendo, por critério técnico ele não poderia ser. Foi por uma imposição, foi por uma ordem do comando. Wellington: Não chegou a ser assim: “eu quero que o Jomarcelo seja homologado”. Mas a situação levava para que... a pressão... vamos dizer assim... era assim... não era de forma assim: “eu quero, eu quero eu quero”... mas a gente sabia da dificuldade do número de operadores e havia sim essa pressão... Juiz: Havia uma recomendação, então? Wellington: Havia recomendação para que insistisse o máximo (Juiz: recomendação, então?!). É. E... tinha hora que ele fazia uma avaliação em situações em que não eram tão complexas, ele acaba sendo aprovado, mas quando era exigido um pouco mais, ele era reprovado. Então, chegou num ponto que eu não quis mais avaliá-lo, porque eu falei que eu não queria mais é.. a palavra mesmo que eu disse é que eu não queria responder num futuro por uma avaliação final dele, avaliação final, eu cheguei a falar isso para um Tenente e infelizmente aconteceu. Mas, tecnicamente, muito restrito, muito. Nada mais incontroverso de que este JOMARCELO,

assim tão severamente avaliado como inapto, ou muito próximo disso para a função, não poderia jamais estar a controlar três setores de uma só vez agrupados, sem o auxílio de um assistente, constrangido até a coordenar vôo tripulado por pilotos falantes de língua inglesa, sobre a qual restara demonstrado incapaz. Soa mesmo temerário dizer que o JOMARCELO precisaria de um Assistente, na medida em que nesta posição é que deveria estar atuando, quando muito, e devidamente supervisionado.

Subordinado ao cumprimento de ordem não

manifestamente ilegal, qual seja a cumprir aquela escala de serviço naquelas condições, como seria possível exigir de JOMARCELO que se desempenhasse como se competente para tanto fosse? Será possível desconhecer os limites naturais de uma pessoa e condená-la em desprezo aos requisitos normativos exigíveis para a configuração da culpabilidade? Evidentemente que não.

JOMARCELO, na pior das hipóteses mereceria a

dirimente da inexigibilidade de conduta diversa em sentido amplo, segundo a feliz definição dada por Francisco de Assis Toledo, causa supralegal de exclusão da culpabilidade que encontra acolhedores precedentes no STJ (RHC 13.180 SP, 6ª turma, unânime, publicado em 20.02.2006; HC 16.865 Felix Fischer, 5ª turma, 04.02.2002).

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Certo é que a escolha de um bode expiatório para as falhas do Controle de Tráfego Aéreo Brasileiro, selecionado perversamente no lado mais fraco da corrente, representará um severo desprestígio para a Justiça, conquanto possa merecer o aplauso dos que teriam lá os seus interesses contrariados, caso sobrevenha devido aclaramento da situação de risco que se perpetua na anômala condução do negócio sobre o qual lucram sem concorrência.

E quem usou a expressão bode expiatório, nas persecuções que se movem contra os controladores, foi um familiar enlutado, dentre aqueles vitimados no Vôo 1907:

Quarta, 27 de outubro de 2010, 13h55 Controlador foi bode expiatório, dizem famílias das vítimas Ana Cláudia Barros

Familiares das vítimas do acidente com o voo 1907 durante manifestação em Brasília, no ano de 2007 (Foto:Roosewelt Pinheiro/Agência Brasil) A Associação de Familiares e Amigos das Vítimas do Voo 1907 reagiu com receio à condenação do controlador de voo, sargento Jomarcelo Fernandes, pelo acidente, em 2006, com o avião da Gol, que carregava a bordo 154 passageiros, todos mortos na tragédia. A aeronave viajava de Manaus para Brasília, quando foi atingida por uma das asas de um jato Legacy. O desastre está entre os mais graves da aviação brasileira. O temor, segundo a presidente da associação, Angelita de Marchi, viúva do executivo Plínio Luiz de Siqueira Júnior, é que a condenação de Jomarcelo a 1 ano e 2 meses de prisão, pela Justiça Militar, sirva para "encobrir a real causa do acidente". Excelentíssimo Juiz, se aqueles que sofreram a mais

dolorosa perda assim se pronunciam, é preciso que também sejam avaliadas as conseqüências de uma condenação injusta que serviria ao final “para encobrir a real causa do acidente”.

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Da mesma forma, a persecução movida contra LUCIVANDO somente se entende quando se considera a má-fé pericial com que se conduziram seus perseguidores.

Veja-se a partir das fls. 97 deste Memorial que

LUCIVANDO ao receber o Serviço de Controle dos setores 7, 8 e 9, igualmente sem assistente, não tinha a obrigação de configurar as frequências que lhes foram disponibilizadas, vez que tal encargo está fora das atribuições do Controlador, sendo antes da responsabilidade do Supervisor e do Chefe de Equipe, conforme Modelo Operacional vigente, acima apresentado. Aliás, por qual motivo o Ministério Público Federal não foi ao encalço do Chefe de Equipe, este que seria, em tese, responsável pela alocação das frequências. Neste passo o MPF limitou-se a seguir a esteira dos indiciamentos realizados pela Polícia Federal, apequenando assim, de modo injusto, as suas prerrogativas.

Com o que manteve a perversa lógica do Comando da

Aeronáutica: a elite do oficialato resulta preservada, enquanto os subordinados graduados são expostos à execração. Afinal, se se tem a quem punir, preserva-se todo o status quo dominante. Tão óbvio, tão banal, tão covarde e tão cruel que seria um escárnio fazer referências a Beccaria, Foucault, Ferrajoli ou a qualquer humanista.

Ressalta-se, em adição ao que já se comprovou em

relação às falhas de comunicação, que há um equívoco em supor que somente uma frequência estava alocada, conforme o laudo pericial da Polícia Federal. Se mais de um setor estava sob o mesmo controle, e ali estavam 3 (três) agrupados, obrigatoriamente havia mais freqüências disponíveis. Por outro lado, a alocação de frequências obedece a circunstâncias que se alteram a todo instante, razão pela qual são atualizadas no briefing operacional que antecede cada mudança de turno.

Excelentíssimo Juiz, nenhum laudo retirará do

LUCIVANDO, e de todos que como ele trabalham, a convicção de ser injusta a perseguição em curso na presente Ação. Veja-se que nem a Aeronáutica abriu mão dos seus serviços, inobstante a sua condição de acusado. Aliás, as suas claras respostas quanto a responsabilidade pela disponibilização das frequências (17’ 10’’) não deixam dúvidas acerca da sua própria consciência em relação ao seu papel na data dos fatos.

Por outra via, imaginar que há um avião passando em

momento posterior ao acidente seria possível reproduzir o que efetivamente ocorrera naquele momento é desconhecer a variabilidade, a intermitência

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das falhas tão largamente denunciadas por diversos documentos e depoimentos (recorde-se o registro de um piloto da United, fls 66 deste, que claramente expressou :“no communication offered by ATC Brasília and Amazonica. We reached two clearance limits with no communication”).

Como falar em negligência quando inúmeras foram as

tentativas de contato realizadas pelo LUCIVANDO, o que não se separa, como pode parecer, da conduta da qual foi absolvido? Falar em negligência na disponibilização das frequências, e buscar demonstrá-la inquirindo se o Acusado as conhecia de cor, insistindo-se na identificação de frequências que não estão dentro de suas atribuições, é algo que não se coaduna com a realidade do controle de tráfego, dentro da perspectiva de um controlador.

A acusação que ainda pende contra LUCIVANDO,

portanto, lastreia-se em laudo que, por pior que tenha sido produzido não permite efetiva contraperícia. Por uma simples razão, as situações de disponibilidade ou não da frequência, e, pior ainda, se funcionariam ou não, jamais serão possíveis de repetição, e mesmo já não seriam no dia seguinte, considerando a intermitência acima apontada.

Veja-se o seguinte trecho do depoimento do

LUCIVANDO (36’38), que se deve ter como síntese da kafkaniana situação em que ele se encontra;

“Eu infelizmente não tenho como dizer quais os motivos que impediram dele falar comigo e eu falar com ele, mas que estava com as frequências ativadas na posição de transmissão e recepção para que seja (sic) utilizada no serviço, havia essa condição. Não é á toa que eu tentei a comunicação já de cara, perdão, já de início, eu rendi o serviço e já falei: fulano de tal, chame a frequência 1359, restrito ao nível tal aguarde informação de tráfego aéreo, enfim, ...então ...os fatores que levam a frequência a funcionar ou não eu não sei, não sei informar a Vossa Excelência”. Deste depoimento, Excelentíssimo Juiz, bem assim das

sentenças absolutórias proferidas em favor do LUCIVANDO, neste Processo e na Justiça Militar, ali absolvido integralmente, restou claro que este diligente Controlador nunca fora negligente. Do seu próprio temperamento fica claro que jamais seria omisso. Nenhum traço de inverdade, ou de falseamento da realidade, se extrai do seu sincero depoimento. PORÉM, o LUCIVANDO corre o riso de ver-se condenado em face do que não é possível se defender: de um laudo mendaz, e incapaz

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de ser desmascarado, porquanto irrepetíveis são as condições normais de temperatura e pressão da atmosfera daquele dia em que foi falsamente produzido.

Em síntese, Excelentíssimo Juiz, se os documentos

trazidos aos autos não forem suficientes para formar a sua convicção a respeito da ausência de negligência por parte do LUCIVANDO, que Vossa Excelência reabra a instrução e busque ouvir, em videoconferência, como foi concedido aos pilotos, embora por tempo e motivo diverso, a oportunidade de trazer a opinião dos especialistas estrangeiros que não se recusarão a prestar suas abalizadas, idôneas e isentas expressões técnicas, de valor contrapericial, acerca de todo o fato.

Pois é, ainda bem que um Juiz não julga adstrito a

laudos periciais tão falhos como este que se produziu. Como entender que somente neste laudo de segunda mão, produzido segundo o que foi passado pelo CENIPA, conforme disse textualmente o Brigadeiro Kersul, pode obnubilar o que toda a documentação trazida aos autos comprova: a constância de falhas de comunicação radar na região em que se deu o fato?

E, por todas as luzes, responda-se: onde estaria a

previsibilidade objetiva de uma colisão superveniente na conduta do LUCIVANDO? Depois das inúmeras tentativas de contato com o N600XL, conforme assim já absolvido, impossível assim admitir. E não se fale de imperícia na alocação de frequências que não era de sua responsabilidade, para ao final acrescentar a previsibilidade daquele concreto sinistro daí decorrente.

NÃO SE PODE ESQUECER QUE LUCIVANDO

RECEBEU O CONTROLE DO N600XL COMO SE ESTIVERA AQUELA AERONAVE EM SEU NÍVEL CORRETO, O 360, EM UMA AEROVIA A ESSA ALTITUDE ADEQUADA, A UZ6, E NENHUMA INFORMAÇÃO DISPUNHA DE OUTRA AERONAVE EM SENTIDO CONTRÁRIO, PORQUANTO, NUNCA É DEMAIS REPETIR, ELE QUE CONTROLAVA A REGIÃO NÃO DISPUNHA DE VISUALIZAÇÃO RADAR E TAMPOUCO RECEBERA QUALQUER REFERÊNCIA DO PR-GTD QUE VIRIA EM SENTIDO CONTRÁRIO. E MESMO QUE RECEBESSE A INFORMAÇÃO ESTARIA TRANQUILO QUANTO AO CORRETO ESPAÇAMENTO VERTICAL

Tudo isso posto, que venha a JUSTIÇA, esta que não

se intimida ante opiniões nacionais ou estrangeiras, esta que não se apequena ante avaliações ou interesses externos à própria consciência do

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julgador. E não se diga que caberia ao descontente socorrer-se da segunda instância, porquanto a indignação em face da sentença injusta não se esquece jamais.

Ante a absoluta falta de provas idôneas e motivos para condenar, espera-se as absolvições de JOMARCELO e LUCIVANDO, estes que já foram considerados também como vítimas, o que foi dito pelos próprios familiares dos que perderam a vida na tragédia do vôo 1907.

Mais do que absolvê-los, contudo, a realização da

JUSTIÇA reclamaria fosse provocado o Ministério Público Federal a promover, ou provocar a promoção da pertinente Ação Penal em face dos verdadeiros causadores da fatídica colisão, suprindo assim a carência de legitimação ativa que impediu que a Suprema Corte Brasileira pudesse julgar os que, ao que tudo indica, remanescerão impunes.

São os pedidos. Brasília, 16 de maio de 2011 Roberto Catarino da Silva Sobral OAB-DF 13.839