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Curso de Extensão: Governança Metropolitana Colaborativa Apostila do Curso - Fortaleza, 26, 27 e 28 janeiro 2010 – Organização: Universidade de British Columbia CHS/UBC – Canadá

Governança Metropolitana Colaborativa - chs.ubc.ca · Apostila do Curso - Fortaleza, 26, ... Módulo 1 - Professor Sergio Azevedo: ... Professor Gustavo Gomes Machado:

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Curso de Extensão: Governança Metropolitana Colaborativa

Apostila do Curso - Fortaleza, 26, 27 e 28 janeiro 2010 –

Organização: Universidade de British Columbia CHS/UBC – Canadá

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26 de janeiro de 2010

Prezados Participantes do Curso, Recentemente, testemunhamos no Brasil a proliferação de novas formas de gestão compartilhada, envolvendo governos locais e estaduais, (governança regional e metropolitana). Além disso, vem se configurando uma articulação macro-institucional mais forte, ampliando as perspectivas relacionadas às questões relacionadas com financiamento, organização e gestão das áreas metropolitanas e cidades-região (Lei dos consórcios, contratos de gestão). O mundo acadêmico acompanha este novo desenvolvimento por meio de novas linhas de estudo e pesquisas metropolitanas. No Estado do Ceará a proliferação do diálogo regional/metropolitano foi acompanhado pela criação e fortalecimento da Secretaria Estadual das Cidades e de novos mecanismos de governança metropolitana incluindo a implementação do grupo inter-institucional para acompanhar a execução dos projetos do PAC na Bacia do Rio Maranguapinho. As tendências de propiciar o diálogo da colaboração interinstitucional mencionados acima se somam e formam um cenário fértil para incentivar os agentes públicos a elevar sua consciência regional, instrumentando-os a enfrentar os desafios postos pelas dinâmicas complexas e conurbadas das regiões metropolitanas e de outros centros urbanos regionais. O curso Governança Metropolitana Colaborativa faz parte do projeto internacional “Novos Consórcios Públicos para Governança Metropolitana no Brasil”, desenvolvido pela Universidade de British Columbia/Canadá e no Brasil, por intermédio do Ministério das Cidades, com interveniência de universidades brasileiras, instituições governamentais e não governamentais, que atuem em regiões metropolitanas brasileiras.

No início de 2009, o projeto ganhou amplitude, o que propiciou o surgimento de uma rede de instituições voltadas para questão da Governança Metropolitana. As instituições que integram esta rede desenvolvem atividades, encontros, cursos de capacitação e formação, seminários, bem como projetos os quais tratam a temática da cooperação entre os municípios e os desafios da governança regional. Atualmente, esta rede é composta pelas seguintes instituições: OPUR – PROEX/PUC Minas; Rede Nacional Observatório das Metrópoles; Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da PUC Minas; Programa de Pós-graduação em Direito/NUJUP da PUC Minas; e o Centro de Assentamentos Humanos/University of Britsh Columbia.

Este curso visa como objetivos: a) elevar o nível de consciência dos gestores públicos, com base nos conceitos, princípios e metodológicas acerca do novo papel das cidades-região e áreas metropolitanas no contexto nacional; b) capacitar profissionais para a governança regional e metropolitana, buscando melhorar a eficiência e efetividade da organização, gestão das regiões metropolitanas; c) vincular políticas públicas setoriais de interesse local à perspectiva regional; e d) mapear os processos da colaboração inter-institucional.

Neste sentido, esta apostila estrutura-se a partir dos textos e apresentações dos professores que ministram os módulos do curso.

Esperamos que o curso fosse frutuoso e que atinja as suas expectativas.

Organização do Curso

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Currículo dos Professores do curso Governança Metropolitana Colaborativa Módulo 1 - Professor Sergio Azevedo: É atualmente Professor Titular da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), Pesquisador da rede Observatório das Metrópoles e Consultor Ad Hoc de diversas agências governamentais na área de políticas públicas. Realizou seu doutorado em Sociologia na Universidade Católica de Louvain (1983) e o pós-doutorado na Universidade de Stanford (1988). Publicou inúmeros trabalhos na área de políticas públicas em livros e revistas aacadêmicas no Brasil e no Exterior. Módulo 2 - Professor Gustavo Gomes Machado: Possui graduação em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro (2002), graduação em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (2004) e mestrado em Ciencias Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2007). Foi Superintendente de Assuntos Metropolitanos do Governo de Minas Gerais (2004-2006). Módulo 3 - Professora Ana Luiza Nabuco Palhano: Economista, pós-graduada em Administração Pública e doutoranda em Economia Aplicada. Exerce, desde 2006, o cargo de Secretária Municipal Adjunta de Planejamento da Prefeitura de Belo Horizonte. Coordenadora Regional do Projeto Novos Consórcios Públicos para Governança Metropolitana no Brasil. Atuou como coordenadora durante a implementação do Consórcio Regional de Promoção da Cidadania – Mulheres das Gerais (2006-2009). Módulo 4: Luis Renato Bezerra Pequeno: graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (1991), mestre em Planejamento de Infra Estruturas - Universitat Stuttgart (1995), doutor em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (2002) e pós-doutorado na PUC-SP. Professor adjunto da Universidade Federal do Ceará e colaborador da Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho Presidente Prudente. Tem experiência na área de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em Planejamento urbano e habitacional e Projeto Urbano. Atua como pesquisador nos temas: moradia, projeto urbanístico, planejamento participativo e política urbana. Integra as redes Observatório das Metrópoles e de Pesquisadores sobre Cidades Médias. Professora Maria Clélia Lustosa Costa: possui graduação em Geografia pela Universidade Federal do Ceará (1979) e mestrado em Geografia (Geografia Humana) pela Universidade de São Paulo (1984) . Atualmente é Professor da Universidade Federal do Ceará e Membro de corpo editorial da Mercator. Tem experiência na área de Geociências , com ênfase em Geografia Humana. Atuando principalmente nos seguintes temas: Segregação espacial, Espaço urbano, Produção do espaço. Módulo 5 e 6: Professora Angélica Araujo Maia: Educadora - Possui graduação em Habilitação II - Língua Inglesa e Língua Portuguesa pela Universidade Federal da Paraíba (1992) e mestrado em Letras pela Universidade Federal de Pernambuco (1995). Concluiu em 2009 um segundo mestrado na Universidade da Columbia Britânica (Canadá) na área de Estudos Educacionais. É diretora voluntária da Casa Pequeno Davi, instituição sócio-educacional de apoio a crianças e adolescentes na cidade de João Pessoa, PB, Brasil. Professor Fernando Bruno Filho: Graduado pela USP e mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2001). Atualmente é professor da Universidade Sao Judas Tadeu. Tem experiência no planejamento e na gestão da política urbana, bem como na área de ensino, pesquisa e produção acadêmica em direito, com ênfase em direito urbanístico, constitucional e administrativo.

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Descrição dos 5 Módulos do Curso

Palestrante Nome do Módulo Descrição Conceitos Chaves

1º Módulo: 8h30- 12h30

Sergio de Azevedo.

Cooperação inter-

institucional para

Governança Colaborativa

O quadro institucional federativo brasileiro e o processo de descentralização das últimas décadas produziram poucos incentivos à ação cooperativa no âmbito regional. No entanto, percebe-se hoje no país uma multiplicação de modelos de cooperação a partir do reconhecimento da impossibilidade de resolução de determinados problemas metropolitanos.

Federalismo; relações intergovernamentais; centralização/descentralização; cooperação interinstitucional; governança regional; cooperação intragovernamental; desenvolvimento local e inclusão social.

2º Módulo: 4h – 18h

Gustavo Gomes

Machado.

Consórcios Públicos

O objetivo principal deste módulo é debater o papel dos consórcios públicos, apresentando a diversidade de experiências no país, sua sustentação legal e financeira, sua estrutura organizacional bem como os desafios enfrentados para sua efetiva implantação.

Associação de Municípios vs. Consórcio Público

Custos de Transação Espaços de participação da

sociedade civil nos consórcios A formação de um consórcio

público: Fluxograma;

3º Módulo: 8h30- 12h30

Ana Luiza

Nabuco Palhano.

Estudo de Caso:

Consórcio Regional da Promoção da Cidadania –

“Mulheres das Gerais”

O Consórcio “Mulheres das Gerais” é um dos primeiros consórcios públicos no Brasil formados de acordo com a Lei Federal 11.107/05, tendo como objetivo exclusivo a promoção da igualdade social a partir da luta contra a violência de gênero. A construção do Consórcio se deu a partir de uma abordagem de baixo para cima e contou com o apoio estratégico dos movimentos sociais. Será discutido também o papel estratégico das Secretarias de Planejamento na coordenação do processo de consorciamento.

Custos de Transação Construção de Consenso Secretarias Municipais de

Planejamento Corelação de Forças Consórcios Públicos Equidade Social

4º Módulo: 14h – 18h

Renato

Pequeno.

Planos Diretores e

Planos Complementares na Região Metropolitana

O ambiente metropolitano atual é marcado pela implantação de um conjunto de grandes projetos de desenvolvimento em territórios estratégicos, bem como por planos diretores municipais recentemente concluidos. Neste módulo, serão exploradas as interfaces e as superposições que acontecem na definição das políticas urbanas e a relação entre os sistemas de gestão democrática construídos nos diferentes âmbitos estadual, regional e municipal. A leitura dos Planos Diretores Municipais constata que há grandes dificuldades na viabilização de propostas conjuntas e integradas de desenvolvimento urbano e regional cooperativo, democrático e participativo.

O Planejamento do

Desenvolvimento Metropolitano e os Planos Diretores Participativos Municipais

A Gestão Democrática das Cidades e a integração entre as políticas de desenvolvimento urbano

Os Instrumentos de acesso a terra urbanizada previstos e o seu grau de auto-aplicabilidade dialogada

5º Módulo: 8h30- 12h30

6º Módulo 14h – 18h

Fernando Bruno e Angélica Araujo Maia.

Laboratório de Simulação – Cooperação

Inter-federativa e Política de Juventude

A simulação será baseada em um estudo de caso que representa uma realidade metropolitana hipotética. O objetivo será examinar os desafios específicos relacionados aos processos, dificuldades e oportunidades de harmonizar políticas públicas entre diferentes entes federativos em um contexto regional. O tema adotado para essa simulação é a Política Metropolitana de Juventude..

Processo de consorciamento Construção de consenso Juventudes Colaboração Interinstitucional

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CONTEUDO MÓDULO 1 - COOPERAÇÃO INTER-INSTITUCIONAL PARA GOVERNANÇA COLABORATIVA (P. 5-25) Expositor: Professor Sergio de Azevedo Artigo Referencial: Azevedo Sergio de, GUIA, Virgínia Rennó dos Mares. Os “dois lados da moeda” nas propostas de gestão metropolitana: virtude e fragilidade das políticas. Experiências Brasileiras e Canadenses da Governança Metropolitana Colaborativa – Anais da Mesa Redonda. University of British Columbia 2009.

MÓDULO 2 – NOVOS CONSÓRCIOS PÚBLICOS – LEI 11.107/05 (p.26-29) Expositor: Professor Gustavo Gomes Machado Artigo Referencial: Machado, Gomes Gustavo. Mudanças legislativas e path dependence: cenários futuros para nova lei dos consórcios públicos. Pesquisa em desenvolvimento, cuja sinopse foi apresentada pela primeira vez no XXVIII Congresso Internacional da Associação de Estudos Latino-Americanos – LASA, em junho de 2009, no Rio de Janeiro/Brasil.

MÓDULO 3 - ESTUDO DE CASO: CONSÓRCIO REGIONAL DE PROMOÇÃO DA CIDADANIA – MULHERES DAS GERAIS (P. 30 -46) Expositor: Professora Ana Luiza Nabuco Palhano Artigo Referencial: Palhano, Ana Luiza, Bossi Eugênia e Wojciechowski, John. O papel das Secretarias de Planejamento no fortalecimento da governança colaborativa metropolitana: Experiências Brasileiras e Canadenses da Governança Metropolitana Colaborativa – Anais da Mesa Redonda. University of British Columbia 2009. MÓDULO 4 – APRESENTAÇÃO DA PESQUISA DE AVALIAÇÃO DOS PLANOS DIRETORES. Pesquisa do Observatório das Metrópoles Expositores: Professor Renato Pequeno e Professora Clélia Lustosa Artigo Referencial: A ser distribuído durante o curso MÓDULO 5 E 6 - LABORATÓRIO DE SIMULAÇÃO – COOPERAÇÃO INTER-FEDERATIVA E POLÍTICA DE JUVENTUDE (P. 47-66) Expositores: Angélica Araujo Maia e Professor Fernando Bruno Filho

Artigo Referencial: O Jovem como Foco da Política Pública Texto extraído de:Castro, Jorge Abrahão de., Aquino, Luseni (org.). Juventude e políticas sociais no Brasil. [Texto para discussão IPEA, 1335]. Brasília, abril 2008, pp.30-32.

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MÓDULO 1: Artigo Referencial

Os “dois lados da moeda” nas propostas de gestão metropolitana: virtude e fragilidade das políticas.

Sérgio de Azevedo. Virgínia R. dos Mares Guia.

1 Introdução O Brasil é uma república federativa presidencialista composta de 26 estados e um distrito federal, onde está situada a capital (Brasília) e de 5560 municípios, que passaram a serem considerados entes federativos pela nova Constituição (1988). É um país continental - com variações climáticas de tropical para moderado - abrangendo uma área superior a 8,5 milhões de km², o que corresponde a uma área maior do que toda a Europa Ocidental e mesmo superior ao território contínuo dos Estados Unidos (sem o estado do Alasca). O Canadá com os seus 9,9 milhões de km² - segundo país em tamanho do mundo, atrás apenas da Federação Russa – supera em muito o Brasil. Entretanto, diferentemente do Brasil, o clima extremamente frio dificulta sobremaneira a ocupação demográfica e a utilização econômica de grandes extensões do seu território Norte.

A população de aproximadamente duzentos milhões de habitantes é majoritariamente mestiça, dentro de uma ótica européia e estadunidense1, sendo o português o idioma oficial falado em todo o país, não ocorrendo necessidade de “arranjos institucionais” éticas como em outras grandes federações (Rússia, índia e Canadá) e nem, tampouco, minorias expressivas que apresentem problemas de integração e de identidade nacional, como é o caso dos “chicanos” no sul dos EEUU e no estado da Florida a questão dos “latinos”, na sua maioria descendentes de cubanos. 2.

O território brasileiro é dividido geograficamente em cinco macrorregiões: a) o Norte - onde se encontra a Floresta Amazônica e diversas bacias hidrográficas de grande porte - possui grandes reservas de biodiversidade e grandes potencialidades de recursos naturais, mas caracteriza-se por apresentar baixa densidade demográfica e economia frágil e pouco diversificada; b) o Nordeste, densamente povoado é a mais pobre das regiões brasileiras onde, em certas áreas, os indicadores sociais se aproximam da média dos países africanos subdesenvolvidos; c) o Sudeste, que concentra o maior parque industrial e a maior parcela do Produto Interno Bruto do país, mas onde podem ser encontrados bolsões de pobreza consideráveis, especialmente nas áreas periféricas de suas regiões metropolitanas; d) o Sul, região relativamente mais homogênea, apresenta produção agro-pecuária e industrial relevante e o Índice de Desenvolvimento Humano 1 Na sociedade brasileira grande parte da população que seria rotulada como negra nos EEUU ou mestiça na Europa é considerada socialmente branca dependendo da tonalidade da pele e, especialmente, da situação sócio-econômica. A ascensão social transforma todo o tipo de mestiçagem em população branca. 2 Como nos EEUU, ainda que o idioma oficial tenha peculiaridades regionais, não há dialetos no sentido europeu. Em algumas regiões há populações bilíngües: no Sul, especialmente, dialetos alemãs e italianos; no Sudeste, em menor grau, japonês e árabe e em algumas poucas comunidades “quilombolas” - descendentes de escravos que fugiram para o interior do país – utiliza-se dialetos locais. Nas cidades de fronteiras internacionais parte da população fala também o castelhano. Além disso, cerca de trezentos mil índios de mais de uma centena de etnias – distribuídos por todo o território nacional - falam uma enorme gama de línguas, muitas delas em fase de extinção, apesar das políticas governamentais de preservação das mesmas.

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– IDH mais elevado do país, tendo sofrido forte influencia de colonização européia (especialmente, italianos e alemães); e) o Centro-Oeste, região central do país, pouco povoada, com importante atividade mineradora e de agricultura e agroindústria de ponta fortemente voltada para a exportação.

Em 1950, cerca de 64% da população brasileira morava na área rural e 36% nas cidades. No período de apenas 50 anos estes índices se inverteram, atingindo-se um percentual de 81,2% de habitantes nas áreas urbanas. Em 1970 a população do país era de 90 milhões, elevando-se para quase 190 milhões no final de 2000, ainda que todos os estudos apontem para a redução do ritmo de crescimento demográfico e para a estabilização da população a partir de 2020 (FIBGE, 2002). O pesadelo da “explosão demográfica” que ocupava posição de destaque na agenda política dos anos 70 do século passado foi afastado. Entretanto, os principais problemas sociais brasileiros deverão ser enfrentados e equacionados no âmbito das cidades.

O Brasil possui cerca de vinte e nove regiões metropolitanas, nove delas institucionalizadas na década de 70, numa iniciativa do Governo Federal que, à época, estava nas mãos dos militares. As demais foram criadas nos anos 90 por iniciativa de governos estaduais, quando já havia sido resgatado o regime democrático. As regiões metropolitanas, segundo a contagem da população de 2007, reúnem aproximadamente 43% da população brasileira. 3 . Vale lembrar que a população metropolitana situa-se tão somente em 463 municípios (distribuídos em 18 estados e no Distrito Federal) dos 5560 existentes no país (GARSON, 2009) .

O ritmo de crescimento demográfico das regiões metropolitanas institucionalizadas, na última década, foi um pouco superior à média nacional, indicando que essas regiões, apenas com algumas exceções, não são mais pólos de intenso crescimento populacional (MOURA, 2004).

Ressalte-se, entretanto, que as grandes metrópoles brasileiras continuam se caracterizam não só por concentrarem a maior parte da riqueza nacional, como também por possuírem expressivos focos de pobreza e de exclusão social: encontram-se nas regiões metropolitana 48% dos pobres e 90% dos domicílios localizados em favelas no Brasil (DAVIDOVICH, 2001)

Diferentemente dos demais países sul-americanos - onde uma única metrópole (capital), normalmente concentra mais de 1/3 da população – o Brasil apresenta uma rede de cidades bastante complexa e articulada (metrópoles, grandes cidades, cidades médias, pequenas cidades e vilarejos). Apesar da grande assimetria dessa rede, o federalismo brasileiro trata institucionalmente de maneira uniforme tanto mega-municípios – como, por exemplo, a cidade de São Paulo,com cerca de dez milhões de habitantes, que possui o terceiro orçamento do país, ficando atrás apenas da União e do governo do estado federado de São Paulo – como centenas de pequenos municípios, muitos deles com população inferior a cinco mil pessoas.

A legislação urbana municipal – especialmente, na maioria das metrópoles e grandes cidades- ao definir formas de apropriação e utilização do espaço permitidas ou proibidas em um contexto de uma economia de mercado extremamente hierarquizada e marcada por profundas desigualdades de renda termina por separar a “cidade legal” - ocupada pelas classes médias, grupos de alta renda e apenas por parte dos setores populares – da “cidade ilegal” (na verdade a “cidade real”) “destinada a maior parte das classes de baixa renda. Assim a legislação “acaba por definir

3 Nesses números não foram consideradas cerca de uma dezena de iniciativas de criação de novas regiões em andamento.

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territórios dentro e fora da lei, ou seja, configura regiões de plena cidadania e regiões de cidadania limitada” (ROLNIK, 1997: 13).

Nos bairros nobres das metrópoles brasileiras, como relata Luiz César, o moderno mercado é dominante. São centro logístico dos negócios, aonde chegam as informações, as mercadorias, os capitais, os créditos e seus habitantes se orientam por uma cultura cosmopolita. Nas periferias geográficas e sociais, cresce uma massa marginal, desconectada produtivamente dos espaços onde a riqueza se reproduz e se acumula (RIBEIRO 2004).

Essa hierarquização espacial agrava também as condições sociais dos mais pobres, ao desvalorizar fortemente – tanto no nível simbólico como no nível econômico - as áreas não reguladas pelo Estado. Nesse sentido, pode-se dizer que “a ilegalidade é sem dúvida um critério que permite a aplicação de conceitos como exclusão, segregação ou até mesmo apartheit ambiental” (MARICATO, 1996: 57).

Segundo os dados disponíveis (2007), apenas as nove maiores entre as vinte e nove regiões metropolitanas (Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, e Porto Alegre) apresentam um déficit habitacional de 1,8 milhões de moradia, correspondendo a cerca de 34% déficit urbano do país (5,2 milhões de unidades residenciais). Além disso, o déficit habitacional das mencionadas regiões metropolitanas é majoritariamente composto por famílias com renda média até três salários mínimos (87,3 %), o que corresponderia à necessidade de construção de aproximadamente 1,6 milhões de novas moradias para esse segmento de baixa renda. Ressalte-se, que o quadro acima ainda é mais dramático quando nos deparamos com os índices das regiões metropolitanas do Nordeste do país: Fortaleza, 95,1%; Recife, 95,6% e Salvador, 95,7% (FJP,2009)

Em função da interdependência das diversas políticas urbanas, particularmente nas áreas conurbadas das grandes metrópoles, mesmo programas inovadores de intervenção urbana e social levados a cabo em municípios isolados têm comprometidas suas metas de melhoria das condições de vida da população. Isto porque estas iniciativas podem ser inviabilizadas caso outras políticas urbanas recorrentes e complementares, como a de transporte, energia elétrica, esgotamento sanitário e abastecimento de água etc - que transbordam os limites municipais - não sejam minimamente integradas no nível metropolitano.

2 As idiossincrasias das Reformas Metropolitanas.

A questão do formato institucional das regiões metropolitanas é tema de grande centralidade nas experiências internacionais, tanto nos países desenvolvidos como nos subdesenvolvidos – especialmente naqueles que optaram pelo regime federativo – em virtude da complexa e controversa divisão de poder entre as diversas esferas de governo (Lordello,1996).

A partir da análise das experiências internacionais poder-se-ía identificar três grandes modalidades institucionais de enfrentamento da questão metropolitana. A primeira baseada na criação de entidades metropolitanas de corte mais compreensivo a partir de acordo voluntário entre agências governamentais autônomas.

A segunda prioriza a criação de um número reduzido de agências metropolitanas especializadas – a partir de acordo voluntários ou legislação compulsória - objetivando o equacionamento de questões específicas (transporte, coleta e destinação de lixo, abastecimento de água, meio-ambiente etc).

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Por fim, ter-se-ía formas compulsórias de gestão metropolitana compreensivas. Nesse caso, uma das alternativas, menos difundida, preconiza a criação de uma “super Prefeitura”, através da fusão ou amalgamação dos governos municipais. Isso significa que o poder das autoridades locais seria sensivelmente diminuído ou “in limine” extinto em prol do “município metropolitano”. Outra alternativa, mais comum , seria a que institui duas esferas de gestão concomitantes (metropolitana e local), podendo se organizar em diferentes formatos.4

Como se verá, ao longo desse trabalho, a experiência brasileira a partir dos anos 70 evolui ao longo das últimas décadas de uma gestão metropolitana altamente padronizada - que priorizava os governos estaduais - para modelos mais flexíveis, combinando formas compulsórias e voluntárias de associação, nos quais ocorre uma maior participação dos governos locais.

Parte-se da premissa de que há atualmente um virtual consenso de que em sociedades complexas como a brasileira o governo está longe de possuir sozinho o poder sobre os rumos da cidade. Cabe-lhe, sem dúvida, um papel de liderança e de aglutinação de aliados para elaboração de agendas mínimas, e a formação de coalizões com legitimidade e força suficientes para a elaboração e implementação de mudanças nas várias áreas de sua competência formal. Entretanto, devido as especificidade de cada área os desafios estruturais apresentam diferenças significativas.

Nesta seção se enfoca a dimensão de governança relativa a diferentes arenas decisórias - onde ocorre a intermediação de interesses entre agências governamentais e grupos organizados da sociedade - procurando explorar analiticamente as idiossincrasias (padrões de decisão e de interação política) do processo de mudanças institucionais relativo às Regiões Metropolitanas brasileiras.

A matriz abaixo, desenvolvida por Azevedo e Melo apresenta um quadro possível dos padrões de decisão a partir da combinação entre o grau de complexidade técnica e a centralidade da questão objeto de decisão para atores relevantes no atual contexto histórico brasileiro.

4 Para maiores informações sobre formatos institucionais das regiões metropolitanas em diferentes países ver Lordello (1996)

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FIGURA 1 "salience issue"

Baixa

alta

complexidade técnica da

política

baixa

A Arborização em Vias públicas consolidadas (Exemplo)

B Orçamento Participativo. (Exemplo)

alta

C Questão Metropolitana

D Lei do Uso do Solo (Exemplo)

Fonte: AZEVEDO, Sérgio de. & MELO, Marcus André de. “A política da reforma tributária: federalismo e mudança constitucional”, Revista Brasileira de Ciências Sociais, Vol. 12 Nº 35 Outubro 1997. Pode-se identificar quatro arenas possíveis: A -tendência a manutenção do “status quo”

-dificuldades de surgimento de propostas de mudanças com legitimidade política. B - tendência a “ideologização” do processo de reforma

- polarização de posições - surgimento de fortes propostas concorrentes - maior possibilidade de utilização do poder de veto por parte de atores políticos relevantes

C - necessidade de burocracias insuladas com legitimidade técnica capazes de influenciar atores políticos relevantes. - importância do papel de “empreendedores políticos”, como forma de romper a inércia e a tendência de manutenção do “staus quo”.

D -atuação dos especialistas como árbitro entre os diversos atores envolvidos. -maior probabilidade de aprovação da proposta de reforma , mas com mudança negociadas entre os diversos atores relevantes

O caso das regiões metropolitanas se enquadraria na arena C, caracterizada por baixa centralidade política do “issue” e grande complexidade técnica. Segundo a abordagem acima, esta arena se caracteriza, particularmente, por "desideologização” do tema, alta centralidade do papel dos especialistas na formulação das propostas e maiores possibilidades do convencimento de autoridades e atores envolvidos, através de argumentos de natureza técnica.

Em uma arena desse tipo joga um papel importante o “empreendedor” capaz de articular e compatibilizar diferentes interesses cristalizados. Entretanto, para a viabilização e legitimação de novas políticas públicas é necessária, também, a existência de órgãos - com respaldo técnico - capazes de influenciar atores políticos relevantes (AZEVEDO, 1997).

As duas variáveis - centralidade política do “issue” e complexidade técnica - fornecem um quadro necessário mas não suficiente à análise do padrão de relacionamento político na arena

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decisória em pauta. Em outras palavras, além da alta complexidade técnica, que outros elementos tornam difícil atrair os atores relevantes para participarem do processo de elaboração de propostas e discussão da questão metropolitana?

Ainda que se considere importante fortalecer burocracias insuladas em virtude da alta tecnicidade da matéria, considera-se que as dificuldades de mobilização da sociedade, por um lado, e dos atores públicos, por outro, se devem a fatores de diferentes naturezas.

No caso dos grupos organizados da sociedade, mesmo supondo, hipoteticamente, que em curto prazo fosse possível para a maior parte da população compreender os objetivos e a importância da questão institucional das Regiões Metropolitanas, ainda assim, este fato não levaria necessariamente a uma reversão no quadro de baixa prioridade política. Isto porque, entre outros aspectos, transformações institucionais não significam um usufruto de benefícios imediatos, mas apenas possibilidades de vantagens futuras.

Mesmo supondo que o rumo das mudanças possa engendrar fortes reflexos positivos a médio e longo prazo, isto ocorrerá, quase sempre, de forma paulatina, fragmentada e, portanto, pouco perceptível para a população que reside nas áreas metropolitanas. Isto dificulta, mesmo entre grupos potencialmente beneficiados por um melhor desempenho institucional, uma maior prioridade para o tema “vís-a-vís” a outros “issues” urbanos, que envolvem bens públicos ou coletivos (transporte, posto de saúde, escolas, delegacias de policia etc).

Por sua vez, os governos estaduais e municípios metropolitanos embora reconheçam formalmente a importância da questão institucional metropolitana e a considerando como um “jogo de soma positivo”, (onde a maior governança metropolitana não implicaria em diminuição de poder para estados e/ou municípios) vêem como extremamente altos os “custos de transações” (COUSE, 1960), devido ao grande número de atores envolvidos e a ausência significativa de “incentivos seletivos” (OLSON, 1999).

Em uma situação desse tipo, mesmo, retoricamente, reconhecendo a necessidade de reformas institucionais para melhorar os serviços e atividades de “interesse comum”, os atores públicos com maior cacife político - normalmente, agências estaduais de vocação urbana e municípios maiores - tendem a se tornar conservadores e arredios frente a propostas de mudanças do “status quo” , em virtude das incertezas envolvidas nesse processo que podem acarretar perdas em suas posições relativas.

Outro elemento importante a ser considerado, para avançar-se na compreensão da questão metropolitana brasileira refere-se à análise das especificidades relativas ao marco regulatório e sua evolução ao longo das últimos décadas, aliado ao exame do comportamento dos atores relevantes, suas potencialidades, constrangimentos, balizados pelas idiossincrasias do nosso federalismo.. Isso nos permitirá discutir algumas das propostas de reformas (policy) sugeridas pelos especialistas (acadêmicos e técnicos vinculados a agências públicas e órgãos com vocação metropolitana) que apresentam maiores ou menores possibilidades de entrarem na agenda decisão política (politics).

Diante da importância e complexidade da questão federativa brasileira, considera-se que fornecer subsídios que possam colaborar para dinamizar a gestão metropolitana é de fundamental importância para, a médio e longo prazo, garantir estratégias que possibilitem de forma incremental tanto o crescimento econômico sustentado como a mitigação progressiva das desigualdades sociais.

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3. A trajetória da gestão metropolitana no Brasil: um sucinto balanço No Brasil, a intensificação dos fluxos migratórios campo - cidade e do processo de urbanização a partir da década de 50 havia consolidado, em torno das principais capitais do país, regiões urbanas que se comportam como uma única cidade, em cujo território, submetido a diversas administrações municipais, as relações cotidianas ficaram cada vez mais intensas. Frente a esse processo, tornou-se praticamente imprescindível o estreitamento das relações político-administrativas entre as cidades situadas nestas regiões, como condição importante para o enfrentamento de um grande leque de problemas.

No Seminário da Habitação e Reforma Urbana, promovido pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil - IAB em 1963, esse tema havia sido largamente debatido. No final do Seminário é proposta a criação de “órgãos de administração que consorciem as municipalidades para a solução de problemas comuns” (ARAÚJO FILHO, 1996: 54-55), frente a constatação de que a manutenção da plena autonomia municipal era incompatível com a realidade regionalizada manifesta nas áreas metropolitanas.

Ainda na década de 60, em vários estados, o Poder Público já vinha caminhando nesta direção, reconhecendo a questão metropolitana e realizando experiências embrionárias de gestão intermunicipal. No Rio Grande do Sul, os prefeitos da área de influência de Porto Alegre tomaram a iniciativa de criação do Grupo Executivo da Região Metropolitana - GERM, ao qual foi atribuída a elaboração do Plano Diretor Metropolitano.

Em São Paulo a questão havia sido registrada no diagnóstico da cidade elaborado pela Sociedade de Análises Gráficas e Mecanográficas Aplicadas a Complexos Sociais - SAGMACS. Um grupo encarregado de realizar estudos sobre a metropolização foi, num segundo momento, institucionalizado pelo Governo Estadual que o transformou no Grupo Executivo da Grande São Paulo - GEGRAM, somando-se a órgãos setoriais de âmbito metropolitano que já se encontrava em funcionamento em algumas áreas, tais como abastecimento de água e distribuição de alimentos.

No Rio de Janeiro foi criado pelo Governo Federal o Grupo de Estudos da Área Metropolitana - GERMT, uma vez que a região abrangia municípios situados em dois estados. Na Bahia, o governo estadual havia criado a Companhia de Desenvolvimento do Recôncavo-CONDER, sediada em Salvador e, em Belo Horizonte, o problema da metropolização já havia sido explicitado no estudo realizado pela SAGMACS no final dos anos 50. Posteriormente, em 1967, foi elaborado pelo Governo do Estado um Plano Preliminar da Região Metropolitana de Belo Horizonte-RMBH (WERNECK, 1984:4).

Estas iniciativas postas em prática durante o período democrático contribuíram para a inclusão da questão metropolitana na Constituição Federal de 1967, decorrente do golpe militar de 1964, e para a manutenção mesma na Emenda Constitucional nº1 de 19695.

Logo após a promulgação da Constituição de 1967 têm início os estudos para a definição de critérios para a delimitação e a organização administrativa das regiões metropolitanas. Mas somente em 1973, com a promulgação da Lei Federal Complementar n.º 14, estas são institucionalizadas, sendo criadas as regiões metropolitanas de São Paulo, Belo Horizonte, Porto 5 "Art.164 - A União, mediante Lei Complementar, poderá, para a realização de serviços comuns, estabelecer regiões metropolitanas constituídas por municípios que, independentemente de sua vinculação administrativa, façam parte de uma mesma comunidade sócio-econômica".

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Alegre, Recife, Salvador, Curitiba, Belém e Fortaleza6.

Dispensando-lhes um tratamento homogêneo, a Lei 14 começa por impor aos municípios a participação compulsória na região, que teria como finalidade a realização dos "serviços comuns de interesse metropolitano": planejamento integrado do desenvolvimento econômico e social; saneamento básico (água, esgoto, limpeza pública); aproveitamento dos recursos hídricos e controle da poluição ambiental; produção e distribuição de gás combustível canalizado; os transportes e sistema viário; e o uso do solo. Deixam de ser considerados serviços importantes, como por exemplo a habitação, enquanto que é incluído o gás canalizado, existente somente no Rio de Janeiro e em São Paulo.

Há que se reconhecer aqui que duas questões básicas importantes foram contempladas: é explicitado o conceito de interesse comum metropolitano, formalizando no nível nacional a necessidade de enfrentamento conjunto de problemas na prestação de serviços. E, ganha espaço a preocupação com o ordenamento do uso e da ocupação do solo nas grandes cidades.

Ainda na linha do tratamento homogêneo estabelecido pela Lei Complementar 14, a gestão metropolitana é atribuída a um conselho deliberativo e um conselho consultivo. Esses conselhos deveriam contar com o apoio técnico de entidade de planejamento a ser criada pelos governos estaduais, cabendo-lhes a implementação das políticas de desenvolvimento dessas regiões. Todavia, evidenciando sua fragilidade, não são previstos mecanismos financeiros nem autonomia administrativa que viabilizassem a ação desses conselhos (FERNANDES JUNIOR, 1984).

No aparato administrativo criado para a gestão metropolitana é garantida ampla maioria aos executivos estaduais, o que impunha limites aos possíveis resultados de uma gestão compartilhada. O Conselho Deliberativo, instância que detinha algum poder de decisão, era presidido e tinha a maioria dos seus membros indicados pelo governador do Estado - então escolhido indiretamente pelo Executivo Federal - em detrimento de uma maior participação dos prefeitos dos municípios da região metropolitana. No Conselho Consultivo, onde todos os municípios tinham assento, lhes era atribuída uma representação simbólica. Não dispondo de poder decisório, têm sua função restrita a apresentação de "sugestões".

O que se observa na prática, como bem aponta Montoro, é que "os conselhos foram muito mais instâncias homologatórias de propostas técnicas levadas pelo governo estadual, que fóruns de debate de problemas de interesse comum” 7.

Com a crise financeira dos anos 80 e o início do processo de redemocratização, as brechas institucionais e as fragilidades do sistema de planejamento metropolitano são explicitadas. A carência de recursos públicos tem como conseqüência imediata o estancamento dos investimentos federais nas regiões metropolitanas, culminando com o desmonte do aparato de organismos federais que atuavam na promoção do desenvolvimento urbano. De formulador e, em grande medida, executor da política urbana no país o Governo Federal passa a assumir o papel secundário na regulação e no financiamento de alguns programas pontuais.

Por sua vez, o processo de redemocratização vem fortalecer novos atores sociais - em especial os governos locais e os movimentos sociais urbanos - cujos interesses não eram contempladas nas 6 Posteriormente, a Lei Complementar Federal nº 20/74 criou a região metropolitana do Rio de Janeiro. 7 Montoro(1984:79) apud Pacheco (1995). No caso específico da RMBH esta constatação se aplica de forma exemplar. As deliberações eram redigidas pela equipe técnica e assessoria jurídica do órgão de planejamento metropolitano. Encaminhadas ao Conselho Deliberativo, eram aprovadas, muitas vezes, sem nenhuma discussão.

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agendas das entidades metropolitanas. Grupos recém organizados da sociedade civil começam a expressar mais abertamente seu descontentamento com o regime. O Poder Público, nas suas diversas esferas, reordena sua atuação: os grandes investimentos são substituídos por projetos mais modestos e “programas alternativos” e, no âmbito da política social, surge o apelo a participação popular (AZEVEDO & PRATES, 1991; AZEVEDO, 1994).

Nesse contexto, os crescentes reclames de autonomia municipal, cerceada por longo período, e que irão repercutir na Constituição Federal de 1988, induzem a uma resistência explícita à questão metropolitana, manifesta não só entre os representantes do Poder Público municipal, como também entre os juristas e estudiosos em geral, afetos a questões urbanas.

Esse segundo momento, marcado pelo neolocalismo8 foi o período de hegemonia de uma retórica municipalista exacerbada, onde a questão metropolitana é identificada in limine com o desmando do governo militar e simultaneamente, como uma estrutura institucional padronizada e ineficaz. A palavra de ordem é agora a municipalização. A grande questão era a celebração de um novo pacto federativo, institucionalizando-se mecanismos de descentralização e democratização da gestão, e de aumento da autonomia financeira dos estados e dos municípios. Especialmente esses últimos, conseguiram resgatar parte significativa de sua capacidade de investimento, mas isso não foi suficiente para o enquadramento dos inúmeros problemas metropolitanos (MELO,1997).

Assim como a Constituição de 1988, também as Constituições estaduais posteriores, vem reforçar a retórica municipalista (AZEVEDO & MARES GUIA, 2004a; SOUZA, 2004). Entre os diversos efeitos perversos dessa ideologia ingênua, vale frisar que “o neolocalismo dos anos 90 deslegitimou o planejamento metropolitano como prática autoritária e produziu uma agenda pública local ancorada no princípio de que todos (ou quase todos) os problemas poderiam ser resolvidos localmente . . . tendo efeitos deletérios sobretudo nas áreas de interesse comum metropolitano, tais como transportes, coleta e tratamento de lixo, meio ambiente ou saneamento. Várias iniciativas nestas áreas foram descontinuadas ou não encontraram solução em virtude de falta de coordenação interinstitucional” (MELO, 2004).

Nos novos arranjos institucionais, a concessão formal de maior poder de decisão aos municípios não foi acompanhada, na maioria dos casos, do necessário aporte de recursos financeiros.

Mesmo nos estados onde se previam mecanismos de financiamento metropolitano, não ocorreu a regulamentação conforme esperado pela maioria dos pequenos e médios municípios metropolitanos (AZEVEDO & MARES GUIA, 2004a). Por que razão os municípios maiores e os Governos Estaduais iriam se responsabilizar pelo aporte da quase totalidade dessas verbas se, formalmente, lhes caberia modesta influência no processo de decisão sobre a alocação das mesmas e, por conseguinte, irrelevantes ganhos políticos?9

8Para um maior aprofundamento do conceito “neolocalismo” ver o artigo de Marcus André Melo (1993). Tanto ou mais que outros estudiosos desse período, o autor destaca os efeitos perversos da difusão de uma ideologia municipalista exarcebada — decorrente da experiência constituinte — que limitou as possibilidades de alternativas institucionais viáveis para enfrentar os desafios metropolitanos naquele período. Aliás, coube a Marcus André cunhar a feliz expressão “neolocalismo” para condensar o rico processo desencadeado pós-88, onde se superestimaram as possibilidades de atuação dos municípios o que acarretou sérios equívocos na formulação e implementação de políticas públicas. 9 O caso mais emblemático nesse sentido foi a criação, pela Constituição do Estado de Minas Gerais, da Assembléia Metropolitana de Belo Horizonte, AMBEL, onde os pequenos municípios sempre controlaram o órgão e o estado possuía apenas um representante. O Fundo de Financiamento nunca saiu do papel, pois o governo do estado e os prefeitos dos maiores municípios resolveram, independentemente do partido a que pertenciam, esvaziar a AMBEL.

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Confundiu-se o fortalecimento institucional dos municípios — decorrente do novo status de “entes federativos” — com a capacidade dos mesmos de enfrentarem localmente questões complexas, que extravasam suas fronteiras. Como bem lembrou Fernando Abrucio, infelizmente “uma crença bem intencionada, porém ingênua, quando não perversa, instalou-se desde a constituição de 1988: os municípios resolveriam sozinhos seus problemas de políticas públicas, bastando repassar o poder e os recursos para isso. Ora, em nossa Federação tal proposição é falsa em termos econômicos, sociais e no âmbito das instituições e da competição política local. Os governos municipais, na sua maioria, não têm renda, capital humano ou social, afora uma burocracia meritocrática, para equacionarem seus problemas coletivos e de políticas públicas sem a ajuda de um ente superior e/ou da cooperação horizontal no plano regional” (ABRUCIO,2004).

Desde a Constituição de 1988, vem sendo dado um tratamento diferenciado às diversas regiões metropolitanas do país, em função de suas peculiaridades político-institucionais.

De início, com a nova realidade constitucional o destino dos antigos órgãos de planejamento metropolitano ficou totalmente a mercê das variáveis internas de cada estado. Selando o fim do planejamento metropolitano, a maioria dos órgãos técnicos responsáveis por essa atividade é relegada ao plano secundário ou mesmo extinta. A sua performance no período de transição frente ao desafio de redefinição de papéis e objetivos, dependeu, em grande medida, do controle que foram capazes de exercer sobre “recursos críticos que se encontravam à sua disposição, ou seja, prestígio institucional, equipe técnica e da sua rede de apoio junto a atores políticos relevantes (FJP,1998).

Em algumas regiões metropolitanas o antigo órgão de planejamento metropolitano foi capaz de formular e implementar "estratégias de sobrevivência" para enfrentar esse momento de crise. Alguns deles - como nas regiões metropolitanas de Fortaleza, Recife Salvador e São Paulo, entre outros - procuraram se organizar internamente, enfatizando a estruturação de sistema de informações, investindo em bancos de dados, cartografia e geoprocessamento. Através desse procedimento conseguiram garantir legitimidade, permanecendo como referência no sistema de gestão e planejamento estadual. E, tão logo as condições técnicas e políticas assim o permitiram, puderam retomar, pelo menos em parte, a atividade de planejamento, formulação e implementação de algumas políticas metropolitanas.

No caso da Região Metropolitana de Belo Horizonte, apesar de existirem as condições prévias para que o órgão de planejamento permanecesse atuando, houve o enfraquecimento da sua presença técnica, perdendo o controle sobre informações críticas que poderiam ter-lhe permitido maior legitimidade institucional no novo contexto e possibilitando a redefinição de seus objetivos.10 O mesmo ocorre, de forma mais contundente, com o órgão metropolitano do Rio de Janeiro que em poucos anos perde toda sua memória institucional.

Teoricamente, o texto da Constituição de 1988 permitia o surgimento de formatos institucionais mais condizentes com as diferentes realidades regionais, ao atribuir às assembléia legislativas a responsabilidade pelo tratamento da questão metropolitana.. E, ainda que se possa levantar pistas que indicariam caminhos com maiores potencialidades para a abordagem das diversas dimensões da questão metropolitana, a análise das diversas constituições estaduais evidencia um cenário Trata-se de um caso em que um formato institucional em tese extremamente democrático não funcionou por desconsiderar totalmente a correlação de forças existentes (AZEVEDO & MARES GUIA, 2000b).. 10 Ibid nota 8.

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extremamente diferenciado tanto em termos da profundidade da regulação quanto pelos fatores privilegiados. Nesse sentido, algumas considerações gerais sobre a forma das Constituições estaduais tratarem a questão metropolitana merecem destaque.

Primeiramente, chama atenção que o tema sequer esteja mencionado nas constituições do Acre, Roraima, Tocantins, Rio Grande do Norte, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Da mesma forma as constituições de Alagoas e Sergipe se restringem a reproduzir quase que literalmente, os dizeres do parágrafo 3 do artigo 25 da Constituição Federal. Poder-se-ía argumentar que o aparente “descaso” pela questão nas constituições desses estados se explicaria pela ausência ou pouca relevância do fenômeno da metropolização entre as cidades que os integram. Ainda que essa hipótese possa ter força explicativa não desprezível, vale lembrar que cidades como Natal, Campo Grande e Cuiabá já eram candidatas naturais a metropolização.

Somente as constituições do Amazonas, Goiás, São Paulo e Santa Catarina estabelecem fatores a serem considerados para a instituição de novas regiões metropolitanas. Entre, as variáveis explicitadas são recorrentes o tamanho da população (inclusive projeção de crescimento), a intensidade de fluxos migratórios, grau de conurbação, potencialidade das atividades econômicas e fatores de polarização da futura região metropolitana

Entre os estados que aprofundam, em maior ou menor grau, a questão metropolitana nas suas constituições é freqüente o cuidado em evitar o autoritarismo que havia marcado a gestão metropolitana no período militar, consubstanciado na hegemonia do governo estadual em detrimento dos governos locais. Assim, nas constituições da Paraíba, Maranhão, Espírito Santo e Rio Grande do Sul são preconizados mecanismos prévios de consultas aos município e/ou a suas populações para a formalização de regiões metropolitanas. Seguindo esse mesmo espírito, os estados do Amazonas, Goiás e Rio de Janeiro, explicitam a necessidade de se garantir a autonomia (leia-se financeira, política e administrativa) dos municípios que vierem a integrar as referidas regiões.

Ressalte-se que apenas um número reduzido de constituições estaduais define pontualmente as “funções de interesses comuns” dos municípios pertencentes às regiões metropolitanas. A que aparece de forma mais recorrente é a do “transporte urbano/sistema viário” contemplada nas constituições do Distrito Federal, Amazonas, Ceará, Goiás, Minas Gerais, São Paulo e Paraná11.

No que diz respeito à participação institucional na gestão das regiões metropolitanas as constituições, em sua maioria, reforçam a necessidade do envolvimento da “comunidade” e/ou dos municípios (Amazonas, Paraíba, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul), reservando aos governos locais papel de destaque no processo de tomada de decisão metropolitana.

Deve ser destacado, inversamente, que apenas os estados do Ceará e São Paulo enfatizam a importância estratégica da participação estadual, ao mencionar de forma clara a necessidade da gestão metropolitana levar em conta “a ação conjunta entre o estado e os municípios”.

11 Seguindo-se ao “transporte/sistema viário”, entre as funções de interesse comuns mais citadas situam-se, respectivamente, “recursos hídricos”, “parcelamento/uso e ocupação do solo” (Distrito Federal, Minas Gerais, Goiás e Amazonas) e “controle ambiental” (Distrito Federal, Minas Gerais e Amazona). Para maiores detalhes sobre a questão metropolitana nas Constituições estaduais ver Azevedo & Mares Guia (1999).

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Sabe-se que, em qualquer política pública, duas questões de grande centralidade para se analisar, respectivamente, o seu potencial de confiabilidade e o seu impacto na sociedade. são as fontes de financiamento disponíveis e a sua clientela alvo.

Em termos de aporte financeiro as constituições dos estados da Paraíba, Minas Gerais e Espírito Santo são as que determinam rubricas e/ou mecanismos específicos de co-responsabilidade do governo estadual e municipais voltados para garantirem recursos destinados às “funções de interesse comum” 12.

Como bem destaca Marcus André, a crise fiscal das décadas de 80 e 90 atingiu sobremaneira os programas urbanos, porque eles — diferentemente dos programas de saúde, educação e qualificação profissional, que possuem proteção constitucional — exigem contrapartidas dos estados, municípios e de empresas de vocação urbana controladas pelo poder público. Por dependerem de créditos e investimento, estes programas tornam-se vulneráveis em uma conjuntura de crise que afetava tanto o governo federal como os demais entes federativos. Assim enquanto na área social, com recursos garantidos constitucionalmente, foi possível ao governo federal nesse período — apesar de diferentes tipos de constrangimentos — manter uma estratégia consistente, na área de desenvolvimento urbano não se logrou o estabelecimento de uma política nacional (MELO,2004).

A partir de meados dos anos 90 começa a tomar forma - ainda que de maneira incipiente - uma nova e complexa realidade institucional metropolitana que busca superar a perspectiva “neolocalista” pós-1988, sem retornar contudo a modelos padronizados como ocorreu no período do regime militar.

Esta nova fase combina diferentes formas de associações compulsórias — como os comitês de gestão das bacias hidrográficas, que abrangem inúmeros municípios, inclusive metropolitanos — com diversas modalidades voluntárias de associação. É o caso dos consórcios entre municípios criados para enfrentar políticas conjuntas ou para administrar questões pontuais ligadas a transporte, saneamento, meio-ambiente etc.

Nesses novos arranjos institucionais em fase de experimentação chama atenção tanto o surgimento de novos atores como os novos papéis desempenhados por atores clássicos dessa arena. No que diz respeito aos “novos atores”, a maior novidade é o envolvimento da sociedade organizada - associações civis de vários matizes e as organizações não-governamentais (ONGs) - e da iniciativa privada stricto sensu.

A participação em Conselhos de Políticas Públicas supra – municipais e na implementação e fiscalização das mesmas seria uma das formas de envolvimento da comunidade organizada (Associações, ONGs etc). Por outro lado, a chamada iniciativa privada aparece principalmente como concessionária ou permissionária de diferentes serviços públicos de âmbito metropolitano ou envolvendo grupos de municípios em decorrência do processo de reforma do Estado em curso no Brasil.

Um outro ator - ainda que não possa ser considerado “novo” na arena metropolitana - que surge com maior força são as agências de financiamento e fomento internacionais. Via de regra, essas agências atuam em parceria com os três níveis de governo em projetos e impacto metropolitano 12Nesse âmbito, as constituições do Rio de Janeiro, Espirito Santo e Paraná mencionam o direito de ressarcimento financeiro (instrumentos compensátorios) aos municípios que “suportarem os maiores ônus (aumento de despesa ou queda da receita) decorrentes de funções públicas de interesse comum”.

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para enfrentarem problemas considerados estratégicos (meio-ambiente, saneamento, transporte de massa etc), envolvendo normalmente grupos organizados da sociedade relacionados ou atingidos por essas iniciativas.

No referente aos atores clássicos, percebe-se do ponto de vista da União o reinício de atividades de regulação e de financiamento que – mesmo não se enquadrando como estritamente metropolitanas – envolvem governos e agências de diversos níveis. Esse é o caso dos Comitês de gestão das bacias hidrográficas que abrangem inúmeros municípios e, por vezes, mais de um estado federado.

Ressalte-se que a política nacional de recursos hídricos regulamentada pela Lei 9433 de 8 de janeiro de 1997 estabelece que a gestão desse bem público deva ocorrer de forma compartilhada entre os três níveis de governo, 13 estar integrada à política ambiental, bem como aos sistemas municipais , estaduais e nacional de planejamento.

Por outro lado, no nível dos governos estaduais nota-se tanto um maior empenho normativo (por exemplo, visando à regulamentação dos serviços públicos a cargo da iniciativa privada) quanto uma maior participação com recursos próprios em parcerias com municípios e /ou governo federal buscando equacionar questões que extrapolam o nível local.

Entretanto, a principal mudança refere-se, sem dúvida, a centralidade que passam a ter os governos municipais – “vís-á-vís” às fases anteriores - nesses novos desenhos institucionais, sejam eles compulsórios ou voluntários, tanto em suas relações com os outros níveis de governo quando no referente às articulações com os novos atores provenientes da sociedade organizada e da iniciativa privada.

Viu-se que o tema das regiões metropolitanas se caracteriza tradicionalmente por baixa centralidade na agenda política, uma vez que — diferentemente de questões que envolvem bens públicos como transporte, posto de saúde, escolas, delegacias etc — as transformações institucionais não significam o usufruto de benefícios imediatos. A falta de pressão popular, aliada à alta complexidade técnica do tema, acarreta alta centralidade ao papel dos especialistas na formulação das propostas e na elevação das possibilidades de convencimento das autoridades e atores envolvidos, através de argumentos de natureza técnica.

De fato, em uma arena desse tipo sabe-se que joga um papel importante o “empreendedor” capaz de articular e compatibilizar diferentes interesses cristalizados. Aliás, foram esses “empreendedores” políticos — Prefeitos, Governadores e Deputados — os principais responsáveis nos anos 90 pelo surgimento de novas regiões metropolitanas. Sua institucionalização, embora tendo diferentes motivações, não deixa de denotar a percepção, por parte de estados e municípios, da impossibilidade de resolverem todos os problemas das grandes metrópoles apenas no nível dos governos locais (AZEVEDO & MARES GUIA, 2004b).

Em uma situação desse tipo, fica evidente a importância da gestação de uma política metropolitana federal a ser pactuada inicialmente entre os diversos Ministérios e agências de vocação metropolitana e, posteriormente, com o Congresso Nacional. Tal esforço poderá resultar no início de novas atividades de regulação e de linhas de investimento federais permanentes.

13 O sistema nacional de gerenciamento dos recursos hídricos é formato pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos (federal), pelos Conselhos de Recursos Hídricos estaduais e municipais e pelos Comitês de Bacia Hidrográfica.

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Considera-se que políticas dessa natureza deverão oferecer alguns incentivos seletivos para que governos municipais e estaduais se sintam motivados a aderir — através de diferentes formatos institucionais e aportes de recursos próprios — a um ciclo virtuoso de cooperação e intervenção articulada envolvendo os três níveis de governo. Em suma, o que se busca é a construção de uma política metropolitana de “soma positiva” onde todos os atores envolvidos, em especial a população-alvo, sejam beneficiados.

4. A Guisa de Conclusão: um breve balanço dos desafios da gestão metropolitana No caso brasileiro, em função da extrema desigualdade da nossa estrutura social, nos três níveis de governo, as diferenças entre agências públicas vocacionadas para apoio e financiamentos às atividades econômicas e tecnológicas e aquelas mais ligadas à reprodução social são enormes em termos de dependências físicas, disponibilidade de equipamentos sofisticados, qualificação do pessoal técnico, salário dos servidores, entre outras condições de trabalho, que permitem às primeiras apresentarem um desempenho significativamente mais elevado. Quando se tem oportunidade de transitar nesse universo burocrático extremamente diversificado há a sensação de percorremos um contínuo que vai do “primeiro mundo” ao que há de mais atrasado no chamado “terceiro mundo”.14

Da mesma forma, a existência de diversos “submundos”, para usar a expressão de Fábio Wanderley Reis, com baixa porosidade e grande assimetria, leva a que diversos “issues” tenham significados e cumpram papéis diferentes para os diversos extratos sociais.

Como nos ensina Macur Olson, a questão da cidadania em geral e, especialmente, a universalização dos direito civis estão longe de ser apenas um “luxo” que interessa aos países desenvolvidos, mas , ao contrario, podem ser um dos pressupostos que favoreçam um crescimento sustentado de países emergentes (OLSON,2001). Em outras palavras, a segurança dos direitos e contratos, a previsibilidade do comportamento dos diversos agentes econômicos, incluindo o Estado, “regras do jogo” claras e estáveis são elementos fundamentais para atrair investimentos constantes de longo prazo, sejam eles externos ou oriundos de poupança interna, assim como suscitar o surgimento de uma grande massa de empreendedores.

No caso das nossas grandes metrópoles, a rápida urbanização a partir de meados do século XX — aliada a um processo de "industrialização tardia" que incorporou somente uma pequena parcela dos trabalhadores urbanos — acarretou problemas urbanos complexos e de difícil enfrentamento por parte do poder público

Ressalte-se que, devido a experiências centralizadoras e autoritárias durante o regime militar, criou-se nos anos 80 um mito a respeito do processo de descentralização em políticas urbanas, que passou a ser visto quase como sinônimo de gestão democrática, sendo considerado "a priori" como algo desejável e capaz de proporcionar maior eficiência na prestação de serviços. Ora, as experiências recentes começam a colocar por terra esta visão ingênua, mostrando que a defesa da descentralização ocorre em função de interesses bastante diferenciados (MELO, 1993; ARRETCHE, 2000) e que, não raro, muitas dessas iniciativas podem ter efeitos perversos para a população de baixa renda (JACOBI,1990; AZEVEDO & MARES GUIA, 2000a). 14 Excetuando os pequenos municípios, na sua maioria pobre, essas diferenças se refletem inclusive na forma de atender o telefone, prestar informações aos visitantes e no relacionamento profissional dos servidores. (CEURB, 1997).

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Embora a descentralização em certas ocasiões possa ser mecanismo importante para maior eficácia, transparência e melhor acesso a serviços e equipamentos urbanos especialmente para a população carente, é terapia que não pode ser generalizada, estando longe de ser uma panacéia aplicável de forma universal. No caso das regiões metropolitanas a experiência recente tem demonstrado que problemas como transporte urbano, coleta e tratamento de lixo, poluição hídrica, ocupação e uso do solo e mesmo o enfrentamento das necessidades habitacionais para os setores de baixa renda necessitam, em maior ou menor grau, de um tratamento metropolitano15.

A postura que parece mais adequada para as nossas regiões metropolitanas — especialmente no referente à elaboração e monitoramento de um Plano Diretor Metropolitano — seria a de recuperar uma certa visão compreensiva para um número limitado de variáveis e questões consideradas estratégicas pela sociedade organizada, governo estadual, municípios e agências públicas de vocação metropolitana, concentrando esforços nos "gargalos" e abrindo mão de tudo querer planejar nos mínimos detalhes16 .

Em relação a este último ponto, vale ressaltar o papel de grande centralidade da Lei do “Consórcio Público” recentemente aprovada, bem como dos chamados novos instrumentos de intervenção sobre o urbano ("solo criado", usucapião urbano, parcelamento e construção compulsórios, imposto progressivo etc.), viabilizados pela Carta Magna de 1988 e por muitas constituições estaduais e regulamentados pela Lei “Estatuto da Cidade”.

Tais instrumentos podem — vinculados a incentivos seletivos positivos (financeiros e de apoio técnico) por parte dos estados e da União — aumentar consideravelmente a governança de nossas metrópoles, se forem adequadamente utilizados e se houver vontade política dos governos locais e respaldo da população, especialmente de seus setores organizados.

As quase três dezenas de regiões metropolitanas, que abrigam a metade da população urbana do país, concentram a maior parte do Produto Interno Bruto nacional. São, também, palco privilegiado dos maiores problemas urbanos enfrentados atualmente no Brasil ao concentrarem os maiores índices de desemprego e de violência. Neste sentido, acredita-se que a dinamização da gestão metropolitana deveria ganhar lugar de destaque na agenda política do governo federal: sem enfrentar esse desafio dificilmente haverá êxito nos resultados dos projetos sociais e de implantação de infraestrutura urbana que vêm sendo implantados nessas áreas.

Na verdade, como destaca muito bem Marcus André Melo - se na década de 90 houve importantes avanços no âmbito do desenvolvimento local - reformas implementadas no plano federal foram caracteristicamente não-urbanas, nos termos em que os projetos urbanos são classificados no Brasil 17 . A ausência de “proteção constitucional” para os programas metropolitanos tal como existe para as áreas da educação (FUNDEF), da saúde (transferências federais através da sistemática do Sistema Único de Saúde) e da qualificação profissional (Fundo de Amparo ao Trabalhador), torna os programas urbanos vulneráveis à conjuntura fiscal do 15 Outra gama de iniciativas que parece cada vez mais indicada para a obtenção de maior eficácia e redução de custos na administração das metrópoles diz respeito à "terceirização" de muitas das suas funções, tradicionalmente exercidas pelos governos locais. A viabilidade da "terceirização" depende, evidentemente, do estudo de cada caso concreto, mas é possível que seja utilizada tanto para atividades "meios" (segurança, limpeza, reforma de prédios públicos, aluguel de máquinas e equipamentos, etc.) como para as atividades "fins": limpeza de ruas, recolhimento de lixo, obras públicas, entre outras (AZEVEDO, 1994). 16 Poderíamos denominar esta estratégia de "planejamento estratégico", "planejamento adaptativo" (CINTRA,1978) ou, ainda, "planejamento estratégico situacional (MATUS,1991)". 17 São considerados como tipicamente urbanos os serviços de habitação, transportes, saneamento, entre outros.

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governo federal. De fato, ao contrário da área urbano-metropolitana em relação a qual pode-se observar com clareza a ausência de uma política nacional, os programas na área de atenção à saúde, educação e formação profissional foram objeto de uma estratégia política federal consistente. Já no âmbito do desenvolvimento urbano-metropolitano a União não colocou em prática mecanismos de indução que garantissem a adesão das entidades sub-nacionais a programas nessa área (MELO, 2004).

O plano secundário ao qual se encontra relegada a questão metropolitana na agenda federal fica evidente quando se observa que, enquanto na Constituição Federal de 1988 e, posteriormente, no Estatuto da Cidade, a autonomia municipal e novos instrumentos de política urbana são colocados a disposição dos governos locais, não se verifica nenhum avanço significativo na escala metropolitana (MOREIRA, DE AMBROSIS e NETTO, 2001)

Propostas gestadas no âmbito acadêmico, tais como a transformação das áreas metropolitanas conurbadas em um único grande município metropolitano (MACIEL, 1985) ou ainda propostas que, de forma mais sofisticada, defendem uma institucionalização específica para os municípios das regiões metropolitanas “vís-a-vís” aos demais (GOUVÊA, 2005), como forma de permitir gestões metropolitana mais eficientes são, no mínimo, de duvidosa aposta institucional.

Ainda que dotadas de interesse acadêmico e alimentem uma rica polêmica tais propostas possuem vício de origem: apresentam baixíssimas possibilidades de viabilidade política tendo em vista às especificidades do federalismo brasileiro e o peso adquirido pelos municípios enquanto entes federativos plenos. Agreguem-se a esses, os marcos definidos pelo eleitoral e partidário – que também conspiram contra arranjos institucionais dessa natureza. – Ainda que essa discussão não apresente centralidade no contexto desse artigo, vale lembrar que mesmo se os municípios brasileiros não tivessem status de “entes federativos’, ainda assim seria muito improvável uma intervenção forte da Assembléia Legislativa nos municípios de suas respectivas regiões metropolitanas. Isto porque, diferentemente do Canadá, a eleição do deputado estadual está profundamente vinculada ao apoio dos vereadores municipais.

Tal como apontado por Fernando Abrucio, pode-se afirmar que a gestão metropolitana no Brasil enfrenta, atualmente, três grandes desafios. O primeiro deles tem a ver com o fato de que as experiências de cooperações federativas, sejam elas no âmbito das regiões metropolitanas, sejam elas no âmbito dos consórcios e afins, são bastante heterogêneas e ainda incipientes, encontrando-se longe da necessária consolidação institucional.

O segundo desafio refere-se a ausência de um arranjo institucional intergovernamental, de cooperação federativa, para a gestão das regiões metropolitanas. A implementação desse arranjo é fundamental para que se produzam bons resultados. No Brasil, desde a Constituição de 1988, pouco se fez para o fortalecimento dos arranjos federativos. Vigora, hoje, no país um federalismo compartimentalizado, onde prevalece a competição e a não cooperação entre os municípios, os estados e a União. Ao frágil entrelaçamento institucional entre níveis de governo soma-se a segmentação inerente as políticas setoriais, o que reforça os entraves a cooperação inter-governamental.

O terceiro desafio a ser enfrentado refere-se a crença bem intencionada, porém ingênua, quando não perversa, que se instalou no país desde a Constituição de 1988: os municípios resolveriam sozinhos seus problemas de políticas públicas, bastando que para isso lhes fossem repassados o poder e os recursos necessários. Nas federações tais como a brasileira, essa proposição é falsa em termos econômicos, sociais e no âmbito das instituições e da competição política local. Os

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governos municipais, na sua maioria, não dispõem de recursos financeiros e de capital humano ou social. Assim, ao se propugnar a cooperação federativa é preciso se ter clara a distinção e a relevância dos papeis a serem desempenhados pelo governo federal e pelos governos estaduais (ABRUCIO, 2004).

Embora possa ser reconhecido o fato de que a descentralização de recursos financeiros, organizacionais e políticos para os municípios produziu benefícios importantes, também resultou em efeitos perversos importantes. Dentre esses efeitos, como bem coloca Marcus André, a competição fiscal, o neolocalismo e as dificuldades adicionais de coordenação interinstitucional. (MELO, 2004).

Parece haver entre os estudiosos do tema, um virtual consenso sobre a necessidade de uma postura mais integrada e cooperativa entre os entes federativos, de forma que estados e a União formulem e implementem políticas juntamente com os municípios. Nesse sentido, o papel dos governos estaduais brasileiros deveria ser revisto, uma vez que têm atuado principalmente como intermediários e distribuidores recursos, pouco compartilhando suas decisões com os municípios.

Fica, ainda, evidente a importância da gestação de uma política metropolitana federal a ser pactuada, inicialmente, entre os diversos Ministérios e agências de vocação metropolitana e, posteriormente, com o Congresso Nacional. Esse esforço poderia resultar no início de novas atividades de regulação e de linhas de investimento federais permanentes, uma vez que transferências pontuais de recursos - tal como ocorreu nos momentos em que a União investiu nessas áreas a partir dos anos 90 - não são capazes de garantir a implementação de projetos de cunho estrutural nas áreas de saneamento, habitação, transporte entre outras que, necessariamente, exigem planejamento e investimentos públicos de longo prazo.

Além disso, verifica-se que as possibilidades de aprofundamento de intervenção regulatória nas áreas metropolitanas - que nunca chegou a ser prioridade governamental têm sido remotas. No campo regulatório, uma das poucas exceções foi a Política Nacional de Saneamento, mas que apresenta dificuldades e conflitos - envolvendo estados e municípios- em sua implementação.

Acredita-se, ainda, que incentivos seletivos a serem oferecidos através de políticas e programas federais financeiramente atraentes seriam instrumento fundamental para o enfrentamento das dificuldades na ação cooperativa exigida na implementação de projetos nas regiões metropolitanas e aglomerados urbanos. Os governos municipais e estaduais seriam motivados a aderir — através de diferentes formatos institucionais e aportes de recursos próprios — a um ciclo virtuoso de cooperação e intervenção articulada envolvendo os três níveis de governo. Em suma, o que se busca é a construção de uma política metropolitana de “soma positiva” onde todos os atores envolvidos, em especial a população-alvo, sejam beneficiados.

Nesse sentido, além das políticas de incentivos seletivos, tudo indica que parece mais promissor apostar em uma cesta de instrumentos legais, dotada de menor resistência política para ser aprovada, que viesse facilitar diferentes tipos de aprimoramentos incrementais no federalismo brasileiro. Assim, uma das alternativas de avanço parece ser a intensificação dos “Consórcios Públicos” estabelecido pela Lei Federal 11107 de 06 de abril de 2005, que permite a celebração de acordos mais estáveis e duradouras entre diferentes agências públicas de vocação urbana de mesmo nível ou de diferentes esferas de governo.

Ainda que toda Federação conviva com a busca de um relativo equilíbrio entre autonomia e interdependência, no caso brasileiro vivenciamos, segundo Fernando Abrucio, um “federalismo

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compartimentalizado”, ocorrendo pouco entrelaçamento entre os três níveis de governo. O autor chama atenção que para o “entrelaçamento” ser eficaz não pode se restringir somente às instituições vinculadas às diversas esferas de governo, mas exige, também, que as políticas e os formatos institucionais dos programas governamentais favoreçam essas interdependências federativas, o que raramente ocorre no Brasil. (ABRUCIO,2004) 18.

Em um país economicamente complexo, diferenciado do ponto de vista regional e cultural e, principalmente, extremamente desigual em nível social, à União e aos estados federados cabe, no mínimo, mitigar essas enormes desigualdades, através de políticas redistributivas que transfiram recursos de áreas mais desenvolvidas para regiões onde, em média, há um maior contingente de setores com maiores dificuldades de inserção produtiva. Nesse sentido, concordamos com Abrucio para quem “o municipalismo, como projeto democrático no Brasil, só dará certo caso o ‘intermunicipalismo’ e o entrelaçamento entre os níveis de governo tenham êxito. Se isto não acontecer, os municípios podem ser constitucionalmente fortes... mas como poder e instância democrática, capaz de resolver os dilemas da coletividade, vão continuar frágeis” (ABRUCIO, 2004).

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18Fernando Abrucio lembra, ainda, que “quando se fala em cooperação federativa é preciso se ter claro qual o papel do governo federal e dos governos estaduais. Neste sentido, o papel dos governos estaduais brasileiros é ainda muito mal definido, pois funcionam mais como intermediários e distribuidores de recursos, sem uma definição institucional que compartilhe mais o poder com os municípios” (ABRUCIO,2004).

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MÓDULO 2: ARTIGO REFERENCIAL

Mudanças legislativas e path dependence: cenários futuros para nova lei dos consórcios públicos 19

Gustavo Gomes Machado20 O foco deste ensaio recai, especificamente, sobre o processo de construção institucional da chamada lei de consórcios públicos, em vigência no Brasil desde abril de 2005. Busca-se uma análise do impacto efetivo da recente reforma institucional do regime jurídico dos consórcios na problemática da governança regional no Brasil. Se por um lado, poder-se-ia supor que o novo modelo não teve ainda tempo suficiente para uma avaliação mais consistente, por outro lado, com base em indícios coletados, vislumbra-se a possibilidade de não só avaliar sumariamente o estado da arte atual, como também, com base neste, elaborarmos cenários hipotéticos para a questão. Em que pese esse recente upgrade institucional dos consórcios no Brasil, há indícios de que os efeitos esperados da lei 11.107/2005, tem se mostrado, pelo menos ate o momento, bastante controversos. A pesquisa propõe uma interpretação desses quatro anos de vigência da lei baseada na noção de path dependence. No centro da análise, está o foco prioritário, dos atores que elaboraram a reformulação da legislação dos consórcios, no setor de saneamento, bem como as conseqüências futuras dessa priorização. Tal focalização levou a escolhas institucionais que, por sua vez, geraram condicionantes que estão colidindo com práticas dos arranjos cooperativos anteriores a lei, o que, por sua vez, ajuda a explicar a dificuldade de adaptação destes ao novo regime jurídico. Foi no Ministério das Cidades, órgão criado em 2003, que foi elaborado o anteprojeto da lei de consórcios. O consorciamento intermunicipal foi adotado como instrumento-chave de uma nova política nacional de saneamento em gestação. A última política de saneamento consistente para o pais fora elaborada e implementada na década de 1970, e tinha como instrumentos principais de implementação as companhias estaduais de saneamento, que implementaram ações num modelo de articulação vertical com os municípios pautado por contratos de concessão entre estes e as companhias. Dessa vez, o Ministério das Cidades pretendia conceber uma política de saneamento com menor liderança dos estados e maior protagonismo municipal. Sob a regência dessas premissas, o projeto de lei dos consórcios foi direcionado para que os arranjos consorciais assumissem funções tipicamente públicas, como as de regulação de serviços. Dessa forma, poderia haver, na ótica ministerial, maior controle dos municípios sobre as atividades das companhias estaduais de saneamento. Para tanto, alterações profundas no regime dos consórcios foram propostas. As mais importantes, que acabaram por serem positivadas na lei 11.107 foram: os consórcios passaram a 19 Pesquisa em desenvolvimento, cuja sinopse foi apresentada pela primeira vez no XXVIII Congresso Internacional da Associação de Estudos Latino-Americanos – LASA, em junho de 2009, no Rio de Janeiro/Brasil. 20 Advogado, Mestre em Ciências Sociais e pesquisador do “Observatório das Metrópoles”. Autor, entre outros trabalhos, do livro “Gestão Metropolitana e Autonomia Municipal: Dilemas das Transações Federativas”. Ed. Puc-Minas, 2009.

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ter como membros-fundadores pessoas jurídicas exclusivamente públicas (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) e, também, a obedecer na integralidade os princípios da administração publica na sua gestão. Evidentemente, tal direcionamento do Ministério das Cidades desconsiderou a experiência dos consórcios já existentes no pais, principalmente nas áreas de saúde e meio ambiente.21 Tais consórcios se caracterizam por funcionarem em um regime administrativo mais flexível, assim como por terem parcerias da iniciativa privada.22 Ora, a adaptação dos consórcios públicos aos rigores da lei 11.107/2005, implicará, medidas com elevados custos de transação para os consórcios antigos. Pelo menos duas medidas implicam exclusão de players: demissão de funcionários antigos, não concursados, e retirada estatutária de membros-fundadores da iniciativa privada. Nossa hipótese é a de que os custos de transação elevados estão incentivando atores sociais diretamente envolvidos com consórcios, sobretudo lideranças políticas e funcionários, a resistirem ao consorciamento nos moldes da lei 11.107. Nosso argumento é o de que a publicização dos consócios reflete uma busca de racionalidade e de organização que desafia a natureza informal dos arranjos consorciais anteriores à lei 11.107/2005. Diante desse quadro, propomos a título exploratório, quatro cenários futuros possíveis para os consórcios públicos diante desse impasse. O gráfico a seguir apresenta os quatro cenários exploratórios propostos. No gráfico acima, o aumento do eixo “x” retrata uma elevação dos incentivos seletivos à formação de consórcios públicos nos termos da Lei n.º 11.107/2005. Já o eixo “y” corresponde à graduação do nível de fiscalização do cumprimento da nova lei na formatação de consórcios. Sabe-se que a lei 11.107/2005 se apresenta como regime jurídico obrigatório para criação e funcionamento de consórcios, em que pese não ter estabelecido prazo para os consórcios mais antigos se adaptarem a ela. De onde viria a fiscalização, então do cumprimento dessa exigência? Pressupõe-se que os órgãos responsáveis por controle de contas publicas, tais como os Tribunais e Contas, o Ministério Público e mesmo os órgãos do poder executivo responsáveis por repasses de verbas publicas ou câmaras municipais. Não se pode esquecer ainda da fiscalização oriunda do controle social, protagonizado pela sociedade civil e/ou pela mídia.

21 Segundo o IBGE havia, em 2001, quase 2000 municípios que participavam de consórcios no Brasil. Os consórcios que mais agregavam municipalidades eram os de saúde e, em segundo lugar, os de gestão de recursos hídricos. 22 Citamos a titulo de exemplo dessa modelagem o Consorcio Intermunicipal do ABC Paulista, criado em 1991.

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Elaborado pelo autor A combinação dessas duas variáveis, segundo nosso modelo de análise, gera quatro cenários exploratórios distintos, citados e explicados conforme o quadro abaixo:

Cenário Características 1- Eliminação de Consórcios

A ação dos órgãos de fiscalização no sentido da obediência fiel à lei forçará os consórcios já existentes a tentaram desesperadamente a adaptação. Nesse processo, muitos consórcios antigos serão eliminados, devido às dificuldades jurídicas (e sociais) de adaptação, bem como à ausência de incentivos seletivos. Os atuais serviços prestados pelos consórcios migrariam para outros formatos de cooperação intergovernamental de menores custos de transação.

2- Stand by (a lei não pega) A ausência tanto de fiscalização do cumprimento da lei como de incentivos seletivos leva ao anacrônico cenário da existência de dois modelos distintos de consórcios públicos coexistindo. De um lado, os antigos consórcios, que continuaram funcionando nos moldes de entidades privadas sem fins lucrativos, com administração mais flexível e menor carga de exigências legais para contratação de funcionários ou realização de compras. Do outro, haverá o surgimento experiências isoladas de consórcios baseados na lei 11.107/2005, normalmente devido a particularidades regionais ou então a partir de incentivos seletivos

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externos pontuais. 3- Consórcios “de Cima para Baixo”

Nesse cenário, apesar da baixa fiscalização, a vinculação de liberação recursos federais e/ou estaduais à exigência de formação de consórcios públicos nos moldes da lei 11.107/2005 incentivará tanto a adaptação dos consórcios antigos quanto a criação de novos arranjos. No entanto, a baixa fiscalização permitirá, no curto e médio prazo, que os consórcios antigos não atraídos pelos incentivos permaneçam como estão em termos organizacionais. Isso levará à anacrônica situação convivência de dois modelos distintos de consórcios.

4- Sucesso da Lei Nesse cenário, com grandes incentivos seletivos e forte fiscalização do cumprimento da lei 11.107/2005, os custos de transação para a implementação de consórcios diminui consideravelmente. Pode-se prever que a norma levará tanto à adaptação dos consórcios antigos(se os incentivos recaírem nas suas respectivas áreas de atuação), como também levará à formação e inúmeras e plurais experiências de consorciamento interfederativo.

Esta pesquisa não está conclusa, mas, a julgar pelos indícios apurados preliminarmente, vivenciamos um cenário atual que sugere uma situação de stand by, correspondente ao cenário nº 2. Os indícios que remetem a essa cenário são:

1. o abandono, pela gestão atual do Ministério das Cidades, da política de saneamento centrada nos consórcios públicos, o que equivale a dizer que não há, na atualidade, uma política federal de incentivos seletivos concreta para a formação de consórcios públicos. Com o advento do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC – o governo federal adotou uma postura mais pragmática, em busca de resultados rápidos, em termos de obras de saneamento. Constitui dado expressivo dessa assertiva o fato de que uma análise da lista dos contratos e convênios de repasses de recursos federais no âmbito do PAC não acusar nem mesmo um único caso de repasse ocorrido a um consórcio público. Pelo contrário, hoje, as companhias estaduais de saneamento são as principais tomadoras de recursos federais, conforme pode ser observado nas aludidas listas publicadas pelo Ministério das Cidades.

2. Virtualmente, não tem ocorrido fiscalização e/ou pressão efetiva de órgãos de controle para que os consórcios antigos se adaptem à lei 11.107/2005.

A pesquisa ainda está em andamento, mas, caso não haja mudanças substanciais acerca dos itens supramencionados, poderá se confirmar a tendência de manutenção do cenário de stand by – nº 2 -, ou seja, uma trágica trajetória de dependência da Lei 11.107/2005.

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MÓDULO 3: Material Referencial

O papel das Secretarias de Planejamento no fortalecimento da governança colaborativa metropolitana: um olhar sobre duas experiências da Região Metropolitana de Belo

Horizonte

Ana Luiza Nabuco23 e Eugenia Bossi24M.J Wojciechowski25 1. Introdução O cenário brasileiro atual ainda é escasso em alternativas para tratar questões metropolitanas. As instituições públicas não têm sido capazes de criar mecanismos institucionais que levem a mudanças estruturais no desenho de municípios inseridos em áreas metropolitanas. A Constituição Federal de 1988 é fortemente responsável por esta situação, uma vez que reforça a auto-suficiência das cidades, e projetos que levam em conta apenas os territórios municipais, em oposição àqueles que reúnam esforços e colaboração regionais. Além da elevada complexidade legal, há outros fatores que dificultam a participação de atores relevantes no processo de governança metropolitana. Os múltiplos interesses envolvidos, a ausência de estímulos e as assimetrias intermunicipais dificultam a articulação de uma ação metropolitana concertada. Algumas experiências com mecanismos distintos de cooperação intermunicipal têm sido levadas a cabo em determinadas regiões metropolitanas brasileiras, ao longo dos últimos anos, com resultados diversos. Em alguns arranjos para a governança colaborativa na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), chama atenção o papel que as Secretarias Municipais de Planejamento assumem na proposta, desenho e implantação destas experiências. Neste artigo, o apoio destas Secretarias a projetos de governança metropolitana é visto como condição estratégica para o avanço da cooperação regional. A partir desse pressuposto, o texto sustenta que a presença desta Secretaria na coordenação da articulação interinstitucional metropolitana minimiza os chamados "custos de transação" implícitos em processos de colaboração interinstitucional. Para alcançar os objetivos propostos e, ainda, contribuir com a reflexão sobre as condições que reforçam e agilizam processos de governança metropolitana, este artigo começa, na segunda seção, com uma brevíssima discussão teórica do conceito de “custos de transação” e dos fatores que podem inibir ou induzir à colaboração metropolitana e que estão sob a influência dos gestores das Secretarias Municipais de Planejamento. A terceira seção discute o papel que as Secretarias de Planejamento podem assumir para reduzir os custos de transação da cooperação intermunicipal. Para tanto, aborda dois recentes estudos de caso de cooperação voluntária da Região Metropolitana de Belo Horizonte: a formação do Consórcio Regional de Promoção da 23 Economista, pós-graduada em Administração Pública e doutoranda em Economia Aplicada. Exerce, desde 2006, o cargo de Secretária Municipal Adjunta de Planejamento da Prefeitura de Belo Horizonte. 24 Médica Veterinária e Contadora, pós-graduanda em Administração Pública . Secretária Municipal de Planejamento e Coordenação Geral da Prefeitura de Contagem desde 2005. 25 Urbanista. Mestre em Desenvolvimento Economico Regional (2002). Graduação em Planejamento Urbano e Regional. Desde 2006 é Coordenador Nacional de Campo do Projeto Novos Consórcios Públicos para Governança Metropolitana no Brasil (2006-2010).

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Cidadania Mulheres das Gerais, de acordo com a Lei Federal 11.107/05, e a instituição da Rede 10, formada por municípios limítrofes a Belo Horizonte, que trabalham de forma horizontal e consensual para buscar soluções a problemas comuns. A quarta seção conclui com algumas considerações. 2. Custos de transação Custos de transação para a governança metropolitana, segundo Machado (2007), são custos assumidos por atores para a celebração, execução e fiscalização de acordos destinados à gestão integrada deste território. Altos custos transacionais reduziriam a possibilidade de cooperação regional; custos de transação baixos a estimulariam. Os estudos de Machado e de Wojciechowski (2009)26 são referência para a análise feita neste artigo. Partimos do mesmo pressuposto que ambos os autores, de que os custos de transações metropolitanas são altos no Brasil, o que dificulta a cooperação intermunicipal. Enquanto Machado utiliza matriz com quatro categorias que impactam os custos transacionais - identidade regional, trajetória de dependência (Path Dependence), assimetria de forças e instituições metropolitanas-, Wojciechowski (2009) trabalha com cinco macro dimensões da variável “assimetria de forças” - assimetria política, legal, técnica, administrativa e orçamentária - que poderiam induzir ou inibir a colaboração metropolitana. Neste artigo, discute-se como as Secretarias Municipais de Planejamento podem atuar sobre a variável assimetria de forças, de modo a reduzir custos de transação da cooperação metropolitana. Por assimetria de forças entre entes federados entende-se o desequilíbrio de poderes dos atores e organizações. De acordo com a base teórica do federalismo, quanto maior o grau de assimetria de forças entre entes federados, maiores as dificuldades para a cooperação inter-governamental27. Neste sentido, as condições gerais para a articulação entre municípios na RMBH seriam pouco propícias, uma vez que são grandes as diferenças entre municípios no que tange os contingentes populacionais, o Índice de Desenvolvimento Humano, a distribuição de renda e o PIB, dentre outras características. No próximo tópico iremos abordar, ao analisar dois casos recentes de cooperação voluntária e intermunicipal na Região Metropolitana de Belo Horizonte, quais sejam, o Consórcio Regional de Promoção da Cidadania: “Mulheres das Gerais” e a Rede 10, como as Secretarias Municipais de Planejamento podem reduzir custos de transação para a colaboração interinstitucional. Nossa hipótese é de que a coordenação de processos de governança metropolitana colaborativa por Secretarias de Planejamento reduz a assimetria de forças entre os municípios, ao atuar em duas frentes. Em primeiro lugar, relativiza o grau de assimetria política entre municípios – ou seja, diminui a possibilidade dos municípios defenderem posições muito divergentes quanto à relevância de se estabelecer pactos regionais cooperativos. Isto ocorreria, por um lado, por ser, dentre estes gestores, maior a orientação pró-diálogo interinstitucional. Por

26 Machado analise o Consórcio do ABC e o arranjo colaborativo recente da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Wojciechowski analisa o Consórcio para Promoção da Cidadania: Mulheres das Gerais. 27 Abrúcio e Soares (2001) sustentam que relações simétricas entre os entes federados facilitam a cooperação entre eles.

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outro lado, o fácil acesso dos gestores da Secretaria de Planejamento aos respectivos Prefeitos também impacta, positivamente, as chances dos municípios participarem ativamente de arranjos colaborativos metropolitanos – uma vez que estes gestores podem, pela visão sistêmica da instituição municipal e pela transversalidade das suas ações (ou atribuições) transmitir sua consciência metropolitana aos Chefes de Executivo e transformar a cooperação em um recurso político poderoso aos propósitos dos atores metropolitanos. Em segundo lugar, controla as assimetrias orçamentárias – reduz a probabilidade de que diferenças significativas no PIB de cada município seja fator inibidor da colaboração, ao compatibilizar o gasto de cada ente federado com sua receita municipal. 3. Estudos de Caso A abordagem de dois estudos de caso recentes de colaboração inter-municipal, voluntária e horizontal, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, a implementação do Consórcio Regional de Promoção da Cidadania: Mulheres das Gerais e da Rede 10, apontam, em princípio, para a existência de incentivos fortes para os atores desenvolverem a gestão metropolitana, uma vez que foram criados em um curto espaço de tempo28. Ambos contam com a participação de Secretarias Municipais de Planejamento na sua coordenação. Por tal motivo, o papel e a efetividade das ações das Secretarias Municipais de Planejamento em reduzir os custos transacionais destes dois modelos de colaboração intermunicipal, será objeto de análise. Vale ressaltar que, ao nos referirmos às Secretarias Municipais de Planejamento, adotamos três pressupostos quanto a sua atuação: de que são estas Secretarias as responsáveis, em cada município, pelo tema “governança metropolitana”; que têm visão sistêmica das Prefeituras; e que seus gestores têm fácil acesso aos Chefes do Executivo. Esta é a realidade das principais cidades da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Em Belo Horizonte, a Gerência de Desenvolvimento Metropolitano, responsável pela abordagem técnica da questão metropolitana, está dentro da Secretaria Municipal Adjunta de Planejamento. Ainda, os gestores da Secretaria de Planejamento representam o Executivo Municipal no Conselho Metropolitano. No caso de Contagem, está também na Secretaria de Planejamento a coordenação dos mecanismos institucionais que envolvem os temas metropolitanos, incluindo a Rede 10 e a representação oficial do município no Conselho da Região Metropolitana. 3.1 Caso 1: Consórcio Regional de Promoção da Cidadania: Mulheres das Gerais A Região Metropolitana de Belo Horizonte foi uma das cinco regiões metropolitanas brasileiras escolhidas, no âmbito do projeto de cooperação bilateral Brasil/Canadá, “Novos Consórcios Públicos para Governança Metropolitana (NCP)”, para implantar consórcio público com foco na promoção de eqüidade social e testar os limites, dificuldades e aplicações da Lei Federal nº 11.107, de 6 de abril de 2005 (Lei de Consórcios). Este projeto, com duração de quatro anos (2006 a 2010) é financiado pela Agência Canadense de Desenvolvimento Internacional (CIDA), dentro do “Programa Brasil-Canadá de Intercâmbio de Conhecimentos para a Promoção da

28 O Consórcio em questão foi legalmente constituído em menos de dois anos. A Rede 10 iniciou suas atividades em janeiro/2009 e, menos de um mês depois, apresentou os primeiros resultados de gestão metropolitana, conforme descrição feita no item 3.2 deste artigo.

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Equidade” (KEEP). A coordenação do projeto é do Ministério das Cidades. A Universidade British Columbia é parceira técnica, dada a sua experiência para a promoção da governança metropolitana. O método operacional dos arranjos cooperativos entre os entes federados previstos para este projeto permitiu às cinco regiões metropolitanas partícipes definirem quais as questões deveriam ser alvo de consorciamento. Os serviços a serem prestados deveriam ser definidos pela base de prioridades dos tomadores de decisão envolvidos no consórcio, de baixo para cima. A partir deste arcabouço, o processo de colaboração interinstitucional entre as Prefeituras de Belo Horizonte, Betim, Contagem e Sabará, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, resultou na formação, em março de 2007, de um dos primeiros consórcios públicos no Brasil, em acordo com a Lei 11.107/05: o Consórcio Regional de Promoção da Cidadania: Mulheres das Gerais. O Mapa 1 mostra a localização dos municípios proponentes do Consórcio.

Mapa 1

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Os objetivos principais deste consórcio foram garantir a eqüidade de gênero e o combate à violência contra mulheres. Sua estruturação é um marco relevante, uma vez que significou fortalecer iniciativas multisetoriais de cooperação entre entes federados (em oposição aos consórcios mais usuais, relacionados a temas eminentemente urbanos), em acordo com a legislação de consórcios, a Lei Federal 11.107/2005. A implementação do projeto começou em junho de 2006. Em março de 2007, foi formalmente criada a Unidade de Gestão Local (UGL), para lidar com os desafios do processo de constituição do consórcio. A UGL, multidisciplinar, incluía, no total, cerca de 60 representantes, das quatro municipalidades, nomeados por ato dos respectivos Chefes do Poder Executivo, organizados em torno de três grupos de trabalho, cada um com atribuições específicas: Grupo Técnico (GT) -multidisciplinar, intersetorial, incluindo representantes de várias Secretarias, dada a transversalidade do tema eqüidade de gênero -, Grupo Jurídico (GJ) e Grupo Gestor (GG) –Secretários Municipais das Secretarias diretamente responsáveis por implementar o serviço e da Secretaria de Planejamento ou de Governo. Este último grupo era responsável por articulações com outros atores, como Universidades e níveis de governo. Foi criada, ainda, uma Unidade de Gestão Local Intermunicipal (UGLI), com três representantes por cidade - um para cada grupo de trabalho, selecionados dentre os integrantes da UGL. A UGLI assegurava maior agilidade à colaboração – menor número de integrantes -, garantida a legitimidade – os integrantes representavam os interesses de cada município e tinham poder de decisão. Convém destacar que os quatro gestores (GG) integrantes da UGLI eram Secretários de Planejamento ou de Governo. É fundamental destacar que todas as decisões tomadas pelos gestores integrantes da UGLI, afetas às etapas de implantação deste consórcio, a seguir brevemente listadas, foram conduzidas por consenso. O uso do voto foi definido como último recurso, cujo emprego nunca foi necessário. Os gestores integrantes da UGLI dos quatro municípios primaram pelo estímulo ao consenso, ainda que algumas definições contivessem alta possibilidade de gerar conflitos de interesses. Dentre estas definições, em 2007, foi estipulada, pelo Grupo Gestor da UGLI, a fórmula para rateio das despesas entre os quatro municípios – participação da população de cada município na soma da população das quatro cidades29 - e elaborado um orçamento preliminar do Consórcio, pelo Grupo Técnico. O Protocolo de Intenções do Consórcio Mulheres das Gerais foi elaborado e assinado em 10 de outubro de 2007, pelos quatro Chefes de Executivos que, em seguida, o enviaram às respectivas Câmaras Municipais. Após ampla discussão deste Protocolo com os Poderes Legislativos Municipais e sociedade civil organizada, o mesmo foi ratificado e transformado em lei, resultando na constituição legal do Consórcio. A primeira Assembléia Geral do Consórcio, realizada em maio de 2008, elegeu, também por consenso, a Prefeita de Contagem, Marília Campos, Presidente do Consorcio e deu início à discussão da versão preliminar do Estatuto. Durante a segunda Assembléia Geral, em setembro de 2008, foi aprovado o Estatuto e o orçamento do Consórcio para 2009, com a posterior inclusão de tais valores nas Leis Orçamentárias de 2009 dos quatro municípios.

29 Esta variável foi utilizada como proxy do que seria a demanda pelo serviço, por parte de cada município.

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3.2 Caso 2: Rede 10 Há, entre várias, duas formas de expor as alterações do arranjo de gestão (institucional) para os municípios conurbados e não conurbados que compõem a atual RMBH. Há a linha de evolução legalmente instituída, que avança de um formato imposto a partir de uma decisão centralizada até uma construção aberta e tripartite em 2006. Há também o crescimento numérico dos membros, que se multiplicaram no instante que a legislação federal franqueou aos deputados estaduais a gestão desta quantidade, período em que o número de membros aumentou ao sabor de emancipações e interesses políticos. A Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) foi criada em 1973 por lei federal30, durante o regime militar, sob a égide do planejamento tecnocrático e centralizado. Sua gestão coube, efetivamente, a um Conselho Deliberativo, onde o estado e a capital (cujos governantes eram indicados) controlavam as decisões. O governo federal municiava com projetos e recursos. Apesar de certa eficiência administrativa, estavam excluídos os municípios menores e, evidentemente, a sociedade civil. Era constituída por 14 municípios, sendo 9 deles com divisas com a capital. O número permaneceu inalterado por 15 anos, até a redemocratização e a promulgação da Constituição Federal de 1988. Ainda que a questão metropolitana não tenha despontado com destaque no processo constituinte, de caráter fortemente municipalista, no art. 25, §3º, a Carta estabelece que “os Estados poderão (...) instituir regiões metropolitanas (...) para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum." A Constituição Estadual, então, em 1989, regulamentou novas estruturas institucional e administrativa e a criação de regiões metropolitanas no estado. A Assembléia Metropolitana, ali criada e sem similar constitucional em outro estado da federação, refletiu a perspectiva de fortalecer e ampliar a representação dos municípios, em detrimento de representação do estado. Contudo, sua atuação foi esvaziada pelos municípios mais relevantes economicamente e tornou-se inoperante. Independente disso, a esfera legislativa implementou sucessivo incremento de municípios, cada vez mais distantes, distando de 60, 80km, e sem vínculo funcional com o pólo, ou seja, a capital. Já na Carta, foram 18 os membros da RMBH. Em 1993 e 1995, emanciparam-se dois e quatro, respectivamente, e atingiu-se 24 membros. Em 1997, 26; em 1999, 32; em 2000, 33; e, finalmente, em 2002, 34. Os critérios de incorporação variavam entre a emancipação política, os critérios técnicos e os políticos e o número de municípios integrantes da RMBH mais que dobrou em 12 anos. A quantidade de integrantes permaneceu inalterada em 2006, quando da Emenda Constitucional 65/2004 31 , e a RMBH, sua assembléia, conselho deliberativo e agência metropolitana ora

30 Lei Complementar nº 14, de âmbito federal, que criou primeiras oito regiões metropolitanas no país, seguida da LC20, que criou a RMRJ. 31 Emenda à constituição estadual que alterou o artigo que estabelece, como a CF88, art. 25, anteriormente citado, o poder do Estado para instituir regiões metropolitanas. A partir da EC65 tem início, em Minas Gerais, o atual momento de dinamismo e revitalização da RMBH. http://www.urbano.mg.gov.br/images/stories/legis/emenda_const_65.pdf

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experimentam suas constituições técnicas, administrativas e institucionais. A representação de estado, municípios e sociedade civil é inovadora e desperta interesse político e acadêmico. Mas o conjunto é heterogêneo e apresenta, conforme Caetano e Rigotti (2008) distintos graus de integração em relação ao município pólo, Belo Horizonte. Variam de Muito Alto (Contagem, Betim, Ibirité, Ribeirão das Neves, Vespasiano e Santa Luzia, todos, à exceção de Betim, limítrofes) até o grau de integração Baixo e Muito Baixo para 11 municípios. A relação entre distância do pólo e grau de integração é inescapável. Se, por um lado, essa conformação trouxe a existência de um grande número de municípios com baixo nível de integração à RMBH, por outro, coexiste um aglomerado urbano metropolitano com alta densidade populacional, grande concentração de atividades econômicas e de problemas sociais e urbanos, cujos limites não coincidem com os das jurisdições que as constituem. Essa situação motivou a discussão e a articulação entre alguns municípios sobre novos mecanismos de governança metropolitana e formas de cooperação entre governos locais como ferramenta importante na redução das desigualdades, na melhoria da eficiência econômica e na estruturação e implementação de políticas públicas e ações coletivas para o desenvolvimento das cidades conurbadas da RMBH. A partir daí, e cientes de que os benefícios oriundos dessa articulação seriam maiores que os custos de negociar, monitorar e fazer cumprir os contratos políticos entre os governos, o município de Belo Horizonte, juntamente com outros nove da Região Metropolitana, constituíram a Rede 10. Criada em março de 2009, a Rede 10 conta com a participação dos municípios de Belo Horizonte, Contagem, Betim, Brumadinho, Ibirité, Nova Lima, Sabará, Santa Luzia, Vespasiano e Ribeirão das Neves. Como já mencionado, à exceção do município de Betim, os demais fazem fronteiras com Belo Horizonte, como se vê no Mapa 2. Com aproximadamente 29% de toda área da RMBH, concentram-se nessas 10 cidades 90% da população metropolitana, ou seja, 4,5 milhões de habitantes, e 91 % do PIB, o que representa 31% do PIB do Estado.

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A Rede 10 tem como filosofia a construção de consenso, a cooperação pública, o envolvimento e o compromisso de todos os municípios integrantes. Para formalizá-la foi proposto e assinado pelos municípios integrantes um “Protocolo de Cooperação”. Já na primeira reunião dos Prefeitos das 10 cidades, juntamente com os respectivos secretários de Planejamento, foram eleitas as temáticas de interesse comuns que seriam objetos de discussões e proposição coletiva entre as cidades, a saber: Segurança Pública, Saúde, Meio Ambiente, Desenvolvimento Econômico, Emprego e Renda, Mobilidade Urbana e Habitação, além das obras de infraestrutura de interesse metropolitano. Institui-se, então, grupos temáticos com representantes das respectivas áreas de cada município, com o objetivo de canalizar esforços, compartilhar recursos cognitivos, políticos e financeiros para propor e encaminhar ações comuns entre os municípios. Assumindo, desde o início, um papel estratégico na articulação e formação da Rede 10, o município de Belo Horizonte assumiu também a Secretaria Geral / Executiva da Rede, essa centralizada no gabinete do Vice-Prefeito. Na reunião de formação, ficou também decidido que, em função, principalmente, da transversalidade da atuação das secretarias de Planejamento e da visão sistêmica das ações municipais, a coordenação e o acompanhamento dos trabalhos relativos à Rede 10 nos municípios ficariam sob a responsabilidade das mesmas. A partir de então, foi criado um fórum permanente de secretários de Planejamento que, além de acompanhar as discussões e os encaminhamentos dos grupos temáticos, tem promovido a integração entre os grupos e submetido aos membros integrantes da Rede agendas importantes para o desenvolvimento das cidades. Em que pese o pouco tempo de existência da Rede 10, o esforço e o compromisso de todos os envolvidos na sua construção têm contribuído para sua efetivação e reconhecimento como uma rede de governança colaborativa e instrumento de governança metropolitana. Os desdobramentos das reuniões dos grupos temáticos vão desde ações imediatas, como é o caso da saúde, no

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enfretamento à epidemia da dengue e no atendimento da urgência e emergência, até a instituição do Fórum Metropolitano de Administração Tributária, cuja perspectiva estende-se do intercâmbio de informações ao compartilhamento do sistema de administração de tributos. A dinâmica dos trabalhos, além de despertar a necessidade de se construir um Modelo de Gestão da Rede10, apontou também para a necessidade de capacitar os gestores e técnicos nela envolvidos, nos conceitos, princípios e metodologias acerca do novo papel das cidades-regiões e áreas metropolitanas; na formação para a governança com vistas a melhorar a eficiência e eficácia da organização e gestão metropolitana; e na vinculação das políticas públicas setoriais de interesse local à perspectiva regional. O que pode ser realizado pelo “Projeto Governança”, uma iniciativa de cooperação técnica entre a Universidade de British Columbia e o Ministério das Cidades e financiado pela Agencia Canadense de Desenvolvimento Internacional – CIDA, com interveniência da secretaria municipal adjunta de Planejamento de Belo Horizonte, que, inserida num grupo de trabalho interinstitucional cujo foco é a capacitação nas questões relacionadas à governança metropolitana colaborativa, propôs ao fórum de secretários de Planejamento a realização do curso. A participação da Secretaria Municipal Adjunta de Planejamento da Prefeitura de Belo Horizonte (SMAPL) dentro deste grupo interinstitucional também abriu a oportunidade de oferecer o curso para gestores e técnicos da recém formada Rede 10. Em parceria com a SMAPL e o Gabinete do Vice-Prefeito de Belo Horizonte, começou-se o processo de planejamento do curso sobre governança metropolitana colaborativa. A proposta do curso foi apresentada e aprovada no começo de abril durante uma reunião extraordinária com a participação de secretários de planejamento dos 10 municípios. O curso teve como objetivos:

1) Elevar o nível de consciência dos gestores municipais, com base nos conceitos, princípios e metodologias acerca do novo papel das cidades-região e áreas metropolitanas no contexto nacional;

2) Capacitar profissionais para a governança regional e metropolitana, buscando melhorar a eficiência e efetividade da organização, gestão das regiões metropolitanas;

3) Vincular políticas públicas setoriais de interesse local à perspectiva regional; 4) Mapear os processos da colaboração interinstitucional

Durante o curso os 60 participantes, representando as diversas áreas da gestão públicas dos 10 municípios, foram expostos a 8 módulos temáticos relacionados a questão metropolitana, a saber: cooperação inter-federativa, trajetória histórica da RMBH, aspectos jurídicos-administrativos da colaboração, a Lei Federal dos Consórcios Públicos e os desafios postos pelos custos de transação, participação da sociedade civil em arranjos institucionais regionais e técnicas de construção de consenso. Durante o módulo de construção de consenso os 60 participantes desenvolveram de forma compartilhada a Visão da Rede 10 e a Carta de Princípios da Colaboração, algo que ainda a Rede como todo, não tinha realizado. A construção da Visão e da Carta de princípios são exercícios fundamentais para poder enxergar a interdependência dos municípios perante os desafios postos

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pela RMBH, e, portanto, construir o diálogo e as ações compartilhadas visando um futuro melhor e sustentável. Este processo faz frente às tendências de um pragmatismo imediatistas que freqüentemente é levado pela ansiedade de produzir resultados perante a complexidade metropolitana, mas que inevitavelmente sofre de uma participação reduzida da população, não é capaz de beneficiar todos os municípios e, portanto, eleva os custos de transação e os conflitos inerentes. Sendo ciente dessa armadilha interinstitucional foi fundamental elevar a iniciativa compartilhada onde os municípios se sublimam pela consciência da co-responsabilidade perante a visão de uma cidade metropolitana como uma coisa sua – ou também sua. É importante ressaltar que durante o processo de pactuação da visão da Rede 10 e da Carta de Princípios da Colaboração, um dos princípios adotados pelos participantes era da não-exclusividade da Rede 10 perante os outros municípios da RMBH. A Rede 10 foi interpretada como uma iniciativa descentralizada e cooperativa, de baixo para cima, visando a melhoria da RMBH como todo.Esta postura é evidenciada na Visão e na Carta de Princípios, ambas elaboradas pelos participantes do curso: Visão da Rede 10 Carta de Princípios da Colaboração Construção da Proposta do Modelo de Gestão da Rede 10 Logo em seguida, o Projeto Governança foi convidado pela SMAPL e pelo Gabinete do Vice-Prefeito, a construir um primeiro esboço gerencial da Rede 10, usufruindo do know-how acumulado durante o planejamento, elaboração e implementação interinstitucional do Consórcio Regional de Promoção da Cidadania – Mulheres das Gerais, especificamente visando as experiências acumuladas pela Unidade de Gestão Local Intermunicipal (UGLI) e pela Unidade

Uma instância de governança metropolitana colaborativa, interinstitucional, que promova a tomada de decisões consensuadas para promoção da qualidade de vida

dos cidadãos da região metropolitana de BH

1) Promoção da governança metropolitana compartilhada 2) Compromisso de compartilhamento de informações e experiências entre os

municípios da RMBH 3) Reconhecimento da interdependência entre os municípios da RMBH 4) Respeito à autonomia e às diversidades dos municípios 5) Promoção da participação democrática dos municípios da RMBH 6) Integração das políticas públicas locais para a potencialização dos resultados

regionais 7) Promoção da solidariedade e cooperação entre os municípios da RMBH 8) Garantia de publicização e transparência das ações compartilhadas 9) Garantia da continuidade dos compromissos assumidos pelos municípios da rede 10) Planejamento de ações dentro de uma visão metropolitana 11) Colaboração entre os municípios com os diversos agentes e atores envolvidos

com temas da RMBH

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de Gestão Local (UGL) que coordenaram os trabalhos na formulação do Consórcio durante os últimos três anos (2006-2009). Esta construção conjunta se deu durante três reuniões no começo de junho realizadas com os representantes da Prefeitura de Belo Horizonte que estavam envolvidos nas discussões e trabalhos da Rede 10. Durante as reuniões foi feito um levantamento dos avanços e das dificuldades que atingiam o funcionamento dos 8 Grupos de Trabalho Temáticos formados por integrantes das 10 prefeituras. Durante as reuniões as complexidades temáticas não foram levantadas em uma tentativa de primeiro focar na construção colaborativo do arcabouço interinstitucional. Com este intuito os trabalhos se focaram no desenho institucional norteado por três princípios: 1) representatividade na composição do arranjo interinstitucional; 2) legitimidade da tomada de decisões em todos os níveis de atuação e; 3) agilidade institucional. Estes três princípios criaram o pano de fundo para a construção da proposta do modelo de gestão da rede visando como a espinha dorsal a construção de consenso. O seguinte diagrama ilustra a esquematização organizacional proposta para promover o diálogo interinstitucional, a horizontalização dos fluxos de informação e elaboração de ações compartilhadas:

MODELO ORGANIZACIONAL, PERFIL E RESPONSABILIDADES

Grupo Gestor Intermunicipal

T1

T2

T3 T4 T5

T6

T7

T8

Núcleo Estratégico e Operacional

Colegiado de Secretários de Plan.

Assembléia Geral/Prefeitos M1…M10

Assembléia Geral • Responsável pelo alinhamento político • Sustenta a visão da colaboração interinst. • Negocia politicamente com Estado e União

Colegiado de Secretários de Planejamento• Alinhamento estratégico de metas e objs. • Priorização das ações e “agenda setting”

Núcleo Estratégico e Operacional • Equipe conjunta (SMAPL e Gabinete do Vice) • Todas ações de com. e disseminação • Responsável pelo planejamento de eventos e

realização (interação com Assess. De Com.) • Mantêm a horizontalização da informação • Não interfere na elaboração de propostas

mas zela continuamente pela construção de consenso.

Grupo Gestor Intermunicipal • Composto pelos coordenadores dos oito

grupos temáticos (Secretários Municipais) • Responsável pela interação e integração dos

grupos (planejamento transversal e holístico) • Grupo multidisciplinar que sugere agenda e

elabora propostas, projetos e ações de intervenção metropolitana

• Constrói canais de interação com Soc. Civil. • Opera com agenda sistemática de reuniões

Observátorio do Milênio / PBH

Observatório do Milênio / PBH • Apóia na tomada de decisões sobre ações

metropolitanas por meio de indicadores INvoltados para os ODM

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3.3 O papel das Secretarias de Planejamento na cooperação intermunicipal Tendo em vista os pressupostos de que os custos de transação são inversamente proporcionais aos avanços em processos de colaboração intermunicipal (Machado, 2007; Wojciechowski, 2009) e, ainda, da existência de incentivos fortes para a cooperação metropolitana nos dois modelos voluntários sob análise, é fundamental avaliar quais características controláveis permitiram a redução dos referidos custos. Considerando que, nos dois modelos sob análise, o núcleo de coordenação da proposta de colaboração metropolitana estava a cargo das Secretarias Municipais de Planejamento, conforme explicitado na descrição feita nos itens 3.1 e 3.2, e que o envolvimento destas Secretarias aparece como uma das sete32 variáveis elencadas pelos membros da Unidade de Gestão Local como estimuladora à formação do Consórcio Mulheres das Gerais, vamos explorar alguns possíveis mecanismos de atuação destas Secretarias que teriam colaborado para a redução dos custos transacionais. 3.3.1 Redimensionamento do valor da cooperação metropolitana Tanto a Prefeitura de Belo Horizonte como o Governo Estadual de Minas Gerais têm estado, ao longo dos últimos anos, ativamente envolvidos na criação de mecanismos de colaboração inter-institucional para a Região Metropolitana de Belo Horizonte. Exemplos destes esforços incluem as Leis Estaduais Complementares nº 88 e nº 89, de 12/1/2006, que criam organismos políticos e técnicos voltados para a construção de planos e políticas para a Região Metropolitana de Belo Horizonte (quais sejam, o Conselho, a Assembléia e Agência Metropolitanos); a atual elaboração do Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado para a Região Metropolitana de Belo Horizonte; propostas pró-desenvolvimento metropolitano nos planos de governo para as eleições ao governo do estado, em 2002, e para a Prefeitura de Belo Horizonte em 2004 e 2008; a criação de órgãos específicos para lidar com assuntos urbanos e metropolitanos, tanto na Prefeitura de Belo Horizonte (Gerência de Desenvolvimento Metropolitano, vinculada à Secretaria Adjunta de Planejamento) como no estado (Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional e Política Urbana); e a criação de um órgão inter-municipal que congrega 10 municípios do entorno de Belo Horizonte (Rede 10) para tratar de temas urbanos e metropolitanos de forma conjunta e colaborativa. Esta atmosfera política propícia para a colaboração inter-institucional transforma alguns dos municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte em atores ativamente envolvidos com o desafio de construir políticas públicas de âmbito regional. Os gestores das Secretarias Municipais de Planejamento têm, na maior parte dos casos, sido nomeados pelos Prefeitos como seus

32 As outras seis foram: pré-existência de parcerias e relações entre as quatro cidades, especialmente em relação ao tema eqüidade de gênero; participação, desde o princípio, do grupo jurídico no processo de formação do consórcio; definição do consenso como mecanismo de tomada de decisão, de modo a manter a horizontalidade na relação inter-municipal de poder horizontal; promoção da horizontalidade na colaboração intermunicipal, por parte do Núcelo de Coordenação; compromisso do grupo técnico com o tema eqüidade de gênero e a proximidade com o movimento feminista; natureza holística das políticas de gênero.

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representantes nas instituições metropolitanas recém-criadas, assumindo o papel de atores metropolitanos e decidindo contra ou a favor de transações metropolitanas. Esta integração e articulação das Secretarias Municipais de Planejamento com entes governamentais e administrativos afetos à gestão metropolitana faz com que seus gestores percebam novas vantagens na gestão metropolitana, gerando um aumento do valor dado pelos mesmos à cooperação metropolitana ou, em outras palavras, reduzindo os custos políticos destas transações. A participação destas Secretarias favorece a compreensão da necessidade da atuação conjunta dos municípios, Estado e União no planejamento metropolitano e o comprometimento entre lideranças locais com sistemas de governança cooperativos. Este cenário facilita a implementação do Consórcio Mulheres das Gerais e da Rede 10, assim como de outros arranjos colaborativos. 3.3.2 Fortalecimento do diálogo intermunicipal A ausência de instituições e regras claras para mediar conflitos metropolitanos tem impactos negativos sob a confiança dos atores metropolitanos em relação a seus pares, o que aumenta os custos destas transações (MACHADO, 2007). Neste sentido, um dos pré-requisitos ao processo de governança metropolitana colaborativa voluntária é a capacidade para debate, articulação e negociação política. Nos dois modelos de colaboração intermunicipal sob análise, as Secretarias Municipais de Planejamento atuam como facilitadores, especialmente em situações de conflito. Os dois modelos empregam o consenso33 como mecanismo para tomada de decisões coletivas e resolução de conflitos. O que se constata é que o consenso reduz as assimetrias de poder existentes entre os municípios –particularmente as assimetrias políticas- e, desta forma, diminui os custos de transação e fortalece o espírito de cooperação e confiança entre os governos locais. Enquanto as Secretarias Municipais diretamente responsáveis por implementar o serviço objeto de cooperação têm como objetivo, ao participar da Rede 10 ou do Consórcio Mulheres das Gerais, concretizar a prestação do serviço através da gestão intermunicipal, as Secretarias Municipais de Planejamento têm, entre seus objetivos, também, o aprendizado metodológico de como facilitar a gestão metropolitana – seja através de um consórcio público, seja através do trabalho em rede de governos locais. Este método poderá facilitar inúmeros arranjos cooperativos regionais que abordem os mais diversos serviços. Isto representa uma nova vantagem do processo de cooperação metropolitana, percebida pelas Secretarias Municipais de Planejamento, que gera um aumento do valor dado por estes gestores à governança colaborativa. O aumento do valor dado por estes gestores à cooperação metropolitana permite que vigore, dentre estes, o espírito de reforçar os laços intermunicipais de confiança e minimizar fontes de conflitos potenciais nas relações assimétricas entre os municípios, que poderiam inviabilizar a cooperação. No caso do Consórcio Mulheres das Gerais, exemplo relevante é a definição de peso de voto igualitário para os quatro municípios partícipes, ao invés de relacioná-lo ao poder econômico de cada ente federado (defendido inclusive pela Secretaria de Planejamento de Belo Horizonte). O trabalho da Rede 10, igualmente, implica em associação não hierárquica, onde

33 Em processos que empregam o consenso como modelo para tomada de decisões, o voto não é entendido como instrumento máximo de democracia, mas sim como de vitória de grupo majoritário, sendo usado apenas como ultimo recurso.

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todos têm o mesmo peso para decidir e oportunidade para trabalharem como iguais, sem imposição de pontos de vista de um grupo sobre outro. O resultado é a garantia de horizontalidade e eqüidade na dinâmica do poder. Para fortalecer a capacidade dialógica, os atores metropolitanos envolvidos nos dois modelos sob análise foram capacitados em técnicas de construção de consenso. No caso do Consórcio Mulheres das Gerais, foi organizado workshop, pelo projeto Novos Consórcios Públicos, com especialista no tema34. O Consórcio Mulheres das Gerais empregou o consenso para a tomada de todas suas decisões e resolução de conflitos. O primeiro esforço para construção de consenso dos entes consorciados foi a elaboração e assinatura de Carta de Princípios, composta de oito itens, pela Unidade Intermunicipal de Gestão Local. O consenso também foi particularmente relevante para a elaboração e assinatura do Protocolo de Intenções, uma vez que várias cláusulas deste documento demandavam que os municípios tomassem decisões orçamentárias e administrativas. Ainda, o consenso foi empregado para resolver conflitos de interesses intermunicipais afetos ao contrato de rateio35, ao convênio de cessão de funcionários e ao Estatuto. Para fortalecer o consenso em torno da constituição legal do Consórcio, ampla discussão de Protocolo de Intenções foi feita com vereadores e sociedade civil organizada, o que facilitou sua ratificação e transformação em lei. No caso da Rede 10, entre maio e junho de 2009, foram capacitados, em curso de extensão oferecido pela UBC e PUCMinas, 70 servidores dos 10 municípios, em governança metropolitana, trabalho em rede e cooperação horizontal. Tal capacitação resultou na elaboração de uma Carta de Princípios e Protocolo de Intenções para formalização do trabalho cooperativo da Rede 10, a serem assinados pelos Prefeitos das dez cidades partícipes. 3.3.3 Fomento a mecanismos de governança metropolitana de baixo para cima Arranjos interinstitucionais definidos de cima para baixo tendem a gerar baixa adesão voluntária por parte dos entes federados municipais, uma vez que a eleição dos serviços a serem prestados de forma colaborativa não foram definidos pela base de prioridades dos governos locais. A identificação dos objetivos de interesse comum, feita de baixo para cima, reduz a resistência à cooperação por parte dos entes federados. Tanto as Secretarias Municipais de Planejamento como as de Governo são transversais e incorporam visão sistêmica da instituição municipal, dos interesses e dos problemas municipais, característica fundamental para identificar macro interesses comuns aos entes consorciados. A visão administrativa global do gestor público, com conhecimento das potencialidades e limitações municipais, facilita a colaboração eficiente.

34 David Marshall, Bacia do Rio Fraser / Canadá. 35 O contrato de rateio, elaborado anualmente, visa contratualizar as contribuiçoes de cada consorciado para cobrir as despesas do Consórcio.

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3.3.4 Fortalecimento institucional da cooperação intermunicipal Dentre fatores que influem negativamente no desempenho de políticas públicas, inclusive as intermunicipais, está a fragilidade nas articulações intersetoriais dentro dos governos. A presença das Secretarias de Planejamento, na Rede 10 e no Consórcio Mulheres das Gerais, garante a transversalidade do tratamento dos serviços consorciados, através do envolvimento de todos os órgãos municipais. A existência de um órgão responsável pela interlocução e articulação com as diversas instâncias de governo envolvidas nos projetos de colaboração intermunicipal fortalece institucionalmente os projetos de governança metropolitana. 3.3.5 Transformação da gestão regional em recurso político Do ponto de vista racional, colaborar com governos metropolitanos pode ser um problema sob a estrita lógica da carreira do chefe do executivo municipal. A perda potencial do controle de recursos críticos relacionados à gestão municipal pode atuar como inibidor da simpatia dos líderes locais em relação à governança metropolitana. É possível supor que, aos olhos dos atores políticos locais, transações metropolitanas que impliquem perda de autonomia na condução de políticas públicas de interesse supra-municipal impliquem prejuízos financeiros e políticos. Sai caro ao ator político perder o controle do processo de definição de prioridades e investimentos no território municipal. (104). Dividir o controle da definição de políticas públicas com uma instância regional pode ser uma ameaça ao poder dos governos locais. Líderes políticos locais, estaduais e federais que percebem a si e às suas organizações como perdedores nas transações metropolitanas, em função da estrutura de incentivos à gestão metropolitana deficiente, tenderão a atuar no sentido de bloquear a cooperação. O engajamento desses líderes com a gestão regional tende a ser proporcional aos cálculos de ganhos e perdas que estes continuamente realizam e as assimetrias políticas são bastante significativas (p106). Neste sentido, Percepções dos atores – certas ou erradas – são as fontes básicas de suas decisões. (North, 1993:15)(p111). Os gestores das Secretarias de Planejamento podem transmitir suas percepções, transformar o recurso da cooperação em um recurso político poderoso aos propósitos pessoais dos atores metropolitanos. Por um lado, a presença de Secretários de Planejamento na UGLI do Consórcio Mulheres das Gerais e no Fórum Permanente da Rede 10 garante canal direto e fácil com chefes de Executivos, reduzindo a burocracia, aumentando a visibilidade dos projetos e garantindo legitimidade e agilidade à cooperação. Por outro lado, estes Secretários podem sensibilizar os Prefeitos, convencendo-os dos ganhos subjetivos de participar de arranjos metropolitanos. Pode, inclusive, criar instituições capazes de gerar líderes que se beneficiem da agenda metropolitana, aumentando os ganhos percebidos da governança colaborativa. Fortalecer as capacidades institucionais de cada governo municipal, relacionadas aos âmbitos político, programático e operacional também torna-se uma necessidade. Para reduzir os custos, existentes e percebidos pelos atores envolvidos, do trabalho colaborativo é necessário estimular o aprendizado social da governança metropolitana sensibilizar e capacitar atores (Klink, 2003),. Cooperação eficiente pressupõe conhecimento da legislação e de seus entraves, capacidade administrativa dialógica, bem como das responsabilidades decorrentes de escolhas, ainda que participativas, realizadas pela Administração Pública.

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Neste sentido, podemos observar o papel das Secretarias de Planejamento na redução das assimetrias em dois níveis distintos: 1) Assimetria Política; e 2) Assimetria técnica e administrativa: Assimetria política:

• Identidade regional: protagonismo político para alguns políticos que percebem a relevância do comprometimento entre lideranças locais com sistemas de governança mais cooperativos e menos fragmentados para alinhavar melhores condições de competitividade no mercado global. Nessa perspectiva, os autores dessa corrente se debruçam sobre o crescente protagonismo das regiões no processo de reestruturação produtiva desencadeado pela globalização.

Assimetria técnica e administrativa:

• Compartilhamento de recursos técnicos: a criação das unidades de gestão local (UGL) e a unidade de gestão local intermunicipal ( UGLI) fortaleceram o trabalho colaborativo. Ainda os recursos humanos das unidades foram treinadas e acompanhadas na construção de consenso por meio da horizontalização da informação, conscientização da interdependência e construção do diálogo.

É importante reforçar a importância da capacidade institucional de elaboração de diagnósticos, instrumentos de planejamento e qualificação de servidores, exemplificado pelos seguintes exemplos:

1) Compartilhar estudos e diagnósticos sobre impactos de empreendimentos públicos e privados de alcance metropolitano É o caso do estudo elaborado pela UFMG e IPPUR, contratado pela PBH. O estudo trata dos impactos de inúmeros empreendimentos no vetor norte da RMBH (Parque Tecnológico, Linha Verde, CAEMG etc.) e de como os poderes locais podem mitigar seus efeitos negativos e maximizar os positivos. O compartilhamento destes resultados significa uma maior eficiência e economia do gasto público, uma vez que os resultados passam a ser de domínio e de uso por todos. O estudo custou 470 mil à PBH.

2) Propor a expansão para atuação metropolitana de produção de indicadores para

diagnóstico e monitoramento: a. Compartilhar entre municípios acesso a cálculo de indicadores intra-urbanos: É o

caso do IQVU, cuja metodologia e software a PBH pode disponibilizar para todas as cidades interessadas e que permitirá aos municípios sofisticar o monitoramento de suas políticas públicas e planejamento de ações

b. Aproximar a gestão local dos 10 municípios das instâncias de produção de conhecimentos e dados, através da adesão de novas cidades ao Observatório Urbano, cujos parceiros são e cujo objetivo principal é produzir informação e conhecimento sobre a realidade econômica, social e urbana das cidades da RMBH, além de monitorar os resultados de políticas públicas. A inserção das cidades da Rede 10 no Observatório significa aproveitar todo o avanço das articulações institucionais já conquistadas e da sua operacionalização técnica e metodológica.

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CT. Vários dos parceiros já atuam ao nível metropolitano (FJP, Observatório Urbano, Cedeplar).

c. Publicar o 2º. Número Revista do Observatório sobre o tema governança metropolitana

3) Capacitação dos gestores e quadros técnicos municipais sobre governança metropolitana

colaborativa: a. Estimular a construção de consenso em contextos institucionais desfavoráveis

abordando os desafios metropolitanos de forma intermunicipal b. Inserir os atores institucionais dentro de um processo de aprendizagem e

aproximar-los para desenvolver laços de confiança c. Focar na participação da sociedade civil organizada como elo crítico para

sustentabilidade do diálogo e da ação metropolitana 4. Considerações Finais

As secretarias Municipais de Planejamento podem ter atuação relevante na redução das assimetrias políticas e orçamentárias: Cada um destes três grupos da Unidade de Gestão Local assumiu tarefas específicas, o que permitiu a Wojciechowski (2009) relacionar suas respectivas atuações com as variáveis que afetariam, na visão deste autor, os custos transacionais de implantar o Consórcio: a Unidade de Gestão Local teria atuado sobre as assimetrias políticas e orçamentárias; o Grupo Técnico sobre as assimetrias administrativas e técnicas e o Grupo Jurídico sobre as assimetrias legais.

Não há como avaliar se os custos de transação seguirão baixos para a gestão voluntária, de modo a permitir a ampliação das áreas de atuação dos arranjos horizontais. Historicamente a intensidade e priorização da questão metropolitana pelos entes federativos flutua em ciclos, acompanhando o fluxo das percepções coletivas dos custos de transação. Portanto, as Secretarias Municipais de Planejamento tem um papel fundamental em induzir coalizões de atores pró-gestão metropolitana Isto altera a trajetória futura da região, facilitando, em tese, os arranjos metropolitanos. Inevitavelmente, com a proposta atuação, as Secretarias de Planejamento tem a capacidade de alterar a identidade regional futura/path dependence futura da RMBH, ou seja, criar e fortalecer identidade regional onde não havia. Hoje, há identidade regional entre as 4 cidades do Consorcio Mulheres das Gerais sobre o tema de equidade social. Esta construção coletiva poderá facilitar a criação de outros arranjos cooperativos na RMBH. Referências Bibliográficas AZEVEDO, Sérgio ; GUIA, Virgínia Rennó dos Mares (2002). Trajetória e dilema da gestão

metropolitana no Brasil. Revista Rio Urbano Fundação Cide, Rio de Janeiro. AZEVEDO, Sérgio de. GUIA, Virgínia R. dos Mares (2000). Reforma do Estado e

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federalismo: os desafios da governança metropolitana. In. Ribeiro, Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro (Org). O futuro das metrópoles: desigualdades e governabilidade. Rio de Janeiro: Editora Revan.

CAETANO, André Junqueira e RIGOTTI, José Irineu Rangel. “Dinâmica e crescimento demográfico da RMBH – 1960-2000” in Metrópole: território, sociedade e política – o caso da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Editora PUC Minas/Observatório das Metrópoles. 2008. GARSON, Sol. “Regiões Metropolitanas : por que não cooperam?” Rio de janeiro: Letra capital: Observatório das Metrópolis, MG: PUC, 2009.

GOUVÊA, Ronaldo Guimarães (2001). Autonomia Municipal em Regiões Metropolitanas: As

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KLINK, J. J (2003). O novo regionalismo à maneira da Grande ABC: Em busca de uma

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MACHADO, Gustavo Gomes. SOUKI, Lea Guimarães. PIMENTA de FARIA, Carlos Aurélio

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MACHADO, Gustavo Gomes (2007). Custos de transação na gestão da Região Metropolitana

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MÓDULO 5 e 6: Material Referencial

O JOVEM COMO FOCO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

Jorge Abrahão de Castro e Luseni Aquino 1.1 A JUVENTUDE COMO QUESTÃO SOCIAL

A juventude se inscreveu como questão social no mundo contemporâneo a partir de duas abordagens principais. De um lado, por meio dos “problemas” comumente associados aos jovens (como a delinqüência, o comportamento de risco e a drogadição, entre outros), que demandariam medidas de enfrentamento por parte da sociedade. É sintomático, por exemplo, o fato de que, pari passu à consolidação da afinidade entre a modernização socioeconômica e a configuração da juventude como categoria sociológica específica, firmou-se uma vinculação quase direta entre a temática juvenil e as questões da desordem social, impondo a identificação dos jovens como o grupo prioritário sobre o qual deveriam recair as ações de controle social tutelar e repressivo, promovidas pela sociedade e pelo poder público. De outro lado, a juventude também foi tradicionalmente tematizada como fase transitória para a vida adulta, o que exigiria esforço coletivo – principalmente da família e da escola – no sentido de “preparar o jovem” para ser um adulto socialmente ajustado e produtivo. Tendo como referência central o conceito de socialização, esta abordagem sugere que a transição é demarcada por etapas sucessivamente organizadas que garantem a incorporação pelo jovem dos elementos socioculturais que caracterizam os papéis típicos do mundo adulto (trabalhador, chefe de família, pai e mãe, entre outros): à freqüência à escola se somaria, em primeiro lugar, a experimentação afetivo-sexual, que seria sucedida progressivamente pela entrada no mercado de trabalho, pela saída da casa dos pais, pela constituição de domicílio próprio, pelo casamento e pela parentalidade. Ao final deste processo, o jovem-adulto adentraria uma nova fase do ciclo da vida, cuja marca distintiva seria a estabilidade. Sob este enfoque, os “problemas” do comportamento juvenil foram redefinidos, passando a ser compreendidos como desvios ou disfunções do processo de socialização. Embora consolidadas em contextos ideológicos já distantes, as concepções da juventude como etapa problemática ou como fase preparatória da vida, ainda hoje, se fazem presentes na tematização sobre o jovem. O contraste entre juventude e ordem social permanece arraigado de forma praticamente indelével, seja quando se abordam as experiências de contestação ou a rebeldia juvenil, seja quando o tema é a delinqüência ou a criminalidade. Por seu turno, a identificação usual do jovem como “estudante” – e, portanto, livre das obrigações do trabalho – indica o peso da compreensão transicional existente ainda hoje, atualizada pela noção de moratória social: um crédito de tempo concedido ao indivíduo que protela sua entrada na vida adulta e possibilita experiências e experimentações que favorecerão o seu pleno desenvolvimento, especialmente em termos de formação educacional e aquisição de treinamento No entanto, novos fenômenos sociais têm evidenciado os limites da compreensão da juventude a partir desses registros e chamado a atenção para aspectos que até muito recentemente eram

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pouco explorados. O primeiro deles está ligado à detecção, nas décadas finais do século XX, de mudanças estruturais na distribuição etária da população em todo o mundo resultantes do crescimento excepcional do grupo jovem. Em termos práticos, esta “onda jovem” significa um aumento relativo da população em idade ativa, o que pode ter efeito positivo sobre a dinâmica do desenvolvimento socioeconômico e, por isso, tem sido qualificado como bônus demográfico. A partir deste quadro, delineia-se uma nova perspectiva sobre a juventude, em que perde força a conotação problemática do jovem e ganha relevo um enfoque completamente inovador: a juventude torna-se um ator estratégico do desenvolvimento. Medidas decorrentes deste novo enfoque, no geral, reatualizam a visão preparatória da juventude, exigindo, por um lado, investimentos massivos na área de educação em prol do acúmulo de “capital humano” pelos jovens; por outro, a adoção de um corte geracional nos vários campos da atuação pública (saúde, qualificação profissional, uso do tempo livre etc.) e o incentivo à participação política juvenil, com recurso à noção de protagonismo jovem. Entretanto, o aproveitamento do bônus demográfico tem sido ameaçado por outro fenômeno em escala mundial mais ou menos simultâneo: a “crise do emprego”, que abateu as economias desenvolvidas na década de 1980 e atingiu o Brasil nos anos 1990, ameaçando a incorporação ao mercado de trabalho de grandes contingentes de jovens saídos da escola. Neste cenário de restrição das oportunidades de emprego – que afeta inclusive os trabalhadores já inseridos, desacreditando a estabilidade como marca fundamental da vida adulta –, duas grandes tendências se configuram entre os jovens. Aqueles de origem social privilegiada adiam a procura por uma colocação profissional e seguem dependendo financeiramente de suas famílias; com isso, ampliam a moratória social que lhes foi concedida, podendo, entre outras coisas, estender sua formação educacional, na perspectiva de conseguir uma inserção econômica mais favorável no futuro. Os demais, que se vêem constrangidos a trabalhar, em grande parte das vezes acabam se submetendo a empregos de qualidade ruim e mal remunerados, o que, em algum grau, também os mantêm dependentes de suas famílias, ainda que elas lidem com isto de forma precária. Embora ganhe tonalidades diferentes segundo as possibilidades que o nível de renda familiar permite, o bloqueio à emancipação econômica dos jovens, em ambos os casos, além de frustrar suas expectativas de mobilidade social, posterga a ruptura com a identidade fundada no registro filho(a), adiando a conclusão da passagem para a vida adulta e ensejando uma tendência de prolongamento da juventude. É importante se considerar, entretanto, que o prolongamento da juventude não está ligado somente à dificuldade de absorção de um grande número de jovens no mercado de trabalho. A emergência de novos padrões comportamentais no exercício da sexualidade, da nupcialidade e na conformação dos arranjos familiares também contribui para a configuração do cenário. Jovens casais vivendo juntos sem casamento, jovens que criam seus filhos na casa dos pais ou que moram com os pais mesmo depois de já serem financeiramente independentes são fenômenos cada vez mais comuns, que desorganizam a compreensão tradicional de transição para a vida adulta, evidenciando o exercício de vários “papéis adultos” por indivíduos que ainda se

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identificam como jovens. No limite, se a emancipação econômica não ocorre, não é por causa disso que os jovens deixam de vivenciar as experiências e responsabilidades características do mundo adulto, na maior parte das vezes mesclando-as com as vivências típicas do universo jovem e multiplicando as trajetórias de vida possíveis. Essa dessincronização das passagens não apenas coloca em xeque a centralidade da inserção no mercado de trabalho como marco necessário e definitivo da transição para a vida adulta, como também obscurece a própria concepção da juventude como etapa transitória. Com isso, o foco em um ponto de chegada que se projeta no futuro transferese para o momento presente, para a juventude em si, que ganha importância como etapa genuína do ciclo da vida. A mobilização social e política de jovens, que se consolida ao longo da década de 1990, tem um papel decisivo na conformação deste novo contexto ideológico, em que emerge a compreensão dos jovens como sujeitos de direitos, definidos não mais “por suas incompletudes ou desvios”, mas por suas especificidades e necessidades, que passam a ser reconhecidas no espaço público como demandas cidadãs legítimas. Esse movimento que atribui à juventude relevância per se coincide com o fortalecimento crescente dos grupos de jovens (grupos de estilo, vanguardas artísticas, movimentos sociais e políticos, entre outros) como espaços privilegiados de construção da identidade e exercício da sociabilidade. As referências que circulam nestes espaços de interação e convivência ganham relevo na medida em que preenchem o vazio deixado, de um lado, pela inadequação das instituições tradicionais (especialmente a escola) às demandas e interesses dos jovens e, de outro, pela persistência de uma ambigüidade na definição do papel social do jovem, exacerbada no contexto de prolongamento da juventude. Nesse sentido, é paradoxal o fato de que, enquanto a passagem dos bancos escolares para o mundo do trabalho se torna cada vez mais incerta, ameaçando a redefinição da identidade do jovem segundo os cânones homogeneizadores da vida adulta, suas possibilidades de identificação são multiplicadas pela vasta pluralidade de (sub)culturas juvenis. Estas subculturas comportam maneiras criativas de reivindicar reconhecimento e resistir aos padrões estabelecidos, bem como formas inovadoras de inserção nas esferas da vida social; dada sua presença marcante nas sociedades contemporâneas, contribuem decisivamente para a produção e renovação do repertório de valores e práticas sociais. O amplo reconhecimento deste fato reforça a valorização positiva do jovem e tem como expressão extrema a conversão da juventude em “modelo cultural” em vários níveis (comportamento, gostos, beleza, práticas, insígnia da indústriacultural etc.), fenômeno que tem sido descrito como juvenilização da sociedade. Em um contexto em que a juventude surge de forma múltipla como questão social relevante – seja pelos problemas que vivencia, seja pelas potencialidades de realizações futuras, seja ainda pelo que há de genuinamente rico nesse momento do ciclo da vida –, cabe pensar os desafios que se apresentam para a sociedade brasileira em termos de atenção aos jovens. Esta agenda indiscutivelmente aproxima a temática da juventude das reflexões sobre o desenvolvimento do país, pois, ainda que hoje a juventude requeira atenção per se e demande uma abordagem que incorpore também a perspectiva própria dos jovens, ela ainda encerra uma “aposta” da sociedade no seu futuro, para onde está projetado o ideal do desenvolvimento. 1.2 A JUVENTUDE E SUAS QUESTÕES – UM BREVE DIAGNÓSTICO

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Dados da Projeção Populacional do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE – revisão 2004) apontam que, em 2006, os jovens brasileiros com idade entre 15 e 29 anos somavam 51,1 milhões de pessoas, o que então correspondia a 27,4% da população total. Este contingente é 48,5% maior do que aquele de 1980, quando havia no país 34,4 milhões de jovens; no entanto, ainda é menor do que os 51,3 milhões projetados para 2010. As projeções indicam, no entanto, que a partir daí a tendência de crescimento da população jovem deverá se reverter, havendo uma redução progressiva no número absoluto de jovens no Brasil, que chegará a 2050 em torno de 49,5 milhões (gráfico 1).

O peso numérico desse segmento na atualidade, bem como o fato de que suas condições sociais presentes deverão ter impacto sobre a fase seguinte da transição, justificam um olhar especial sobre as questões que afetam e mobilizam os jovens brasileiros hoje. A pesquisa de opinião “Perfil da Juventude Brasileira – 2003” deixou evidente que, para eles, os aspectos positivos de ser jovem sobrepujam em muito os negativos: 74% dos informantes declararam que há mais coisas boas em ser jovem do que ruins, contra 11% que declararam o contrário e 14% que optaram pelas duas possibilidades simultaneamente. Por um lado, entre as coisas boas de ser jovem destacaram- se aspectos tão variados quanto não ter responsabilidades, poder aproveitar a vida, ter liberdade, fazer amizades, ter saúde e disposição física, mas também poder estudar e adquirir conhecimentos e poder trabalhar. Sintomaticamente, quando inquiridos sobre os assuntos que mais lhes interessavam, três temas predominaram: educação, trabalho e oportunidades de cultura e lazer. Embora os pesos relativos se diferenciem conforme a idade, a escolaridade e o nível de renda familiar, é interessante notar que este resultado geral espelha, em larga medida, as expectativas sociais sobre essa etapa do ciclo da vida, estando todos os aspectos relacionados à liberalidade outorgada ao jovem para o seu pleno desenvolvimento pessoal e social – até mesmo a possibilidade de trabalhar, se entendida como experimentação da inserção no mundo de trabalho e desenvolvimento de capacidades.

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De outro lado, entre as coisas ruins de ser jovem destacaram-se na opinião dos entrevistados o convívio com riscos variados (drogas, violência, más companhias) e a falta de trabalho e renda, além da falta de liberdade expressa pelo controle familiar. Mais uma vez, chama atenção a correspondência entre a percepção dos jovens e da sociedade em geral acerca desta etapa do ciclo de vida: os “problemas” habitualmente correlacionados aos jovens pela opinião pública foram exatamente aqueles citados pelos próprios jovens como os principais aspectos negativos da condição juvenil. Isto fica ainda mais evidente quando se trata das maiores preocupações dos jovens atualmente, entre as quais foram explicitamente citadas, na ordem, as questões que os atingem mais de perto, a saber: segurança/violência, o trabalho (emprego/questões profissionais) e as drogas. Esse quadro de percepções dos próprios jovens sobre a sua realidade referenda a importância que as questões ligadas à juventude brasileira ganharam no período recente, tornando-se objeto de grande interesse social. Nesse sentido, cabe discorrer mais detalhadamente sobre essas questões, enfocando os desafios que apresentam para as políticas públicas brasileiras. 1.2.1 A convivência com “riscos” O tema “risco” é eminentemente juvenil. Aos jovens costuma-se associar a inconseqüência, a paixão pelas emoções fortes, os excessos impulsivos, a vulnerabilidade psicoemocional ou a disposição ao individualismo narcísico que ensejariam “comportamentos de risco”. Algo desta percepção certamente se deve ao teor conservador (no sentido de preservador) da retórica da estabilidade e da responsabilidade do mundo adulto. Outra parte, no entanto, está referida à própria condição juvenil e à imprevisibilidade contida na passagem de uma experiência de vida majoritariamente pautada pelas relações que se estabelecem no espaço protegido e controlado da convivência familiar para as múltiplas vivências possíveis no cenário mais amplo dos espaços públicos, nos quais tem lugar a efetiva construção da autonomia. É interessante observar que os próprios jovens percebem a convivência com “riscos” enquanto um aspecto inerente à condição juvenil, tendo sido este o principal aspecto negativo de ser jovem identificado pela pesquisa “Perfil da Juventude Brasileira – 2003” supracitada. Mas o que seriam estes “riscos”? Segundo a opinião dos jovens, as principais questões associadas a essa noção são as drogas, a violência e as “más companhias”, sendo os riscos iminentes as possibilidades de dependência química, de vitimização por agressões ou de envolvimento em situações perigosas por influência do grupo de amigos. É possível incluir ainda a iniciação sexual precoce e práticas sexuais desprotegidas, pela possibilidade tanto de infecção por doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) quanto da gravidez na adolescência. Recentemente, a evasão escolar e a ociosidade (não freqüentar a escola e não trabalhar) passaram a integrar os “riscos” que circundam os jovens, o que, pelas potenciais conseqüências em termos da qualificação e produtividade da força de trabalho, extrapola a ameaça de danos do nível meramente individual para o social. Tomando-se o “risco” estritamente como uma ameaça à integridade e ao desenvolvimento do indivíduo, com repercussões diretas sobre si mesmo e sobre a sociedade, alguns dados podem explicar a relevância que o tema adquiriu na atualidade. No Brasil, como se verá adiante, a violência ocasiona uma sobremortalidade nos adolescentes e adultos jovens do sexo masculino, fazendo com que, do ponto de vista sanitário, o período etário de 15 a 29 anos seja considerado de alto risco, quando poderia ser um dos mais saudáveis do ciclo vital. No que se refere à infecção por doenças sexualmente transmissíveis, é importante notar que os casos notificados de

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AIDS na população de 15 a 29 anos correspondem a 30% do total (112 mil casos, desde o início dos anos de 1980 até 2005). Quanto ao abuso das drogas, é relevante o fato de que o grupo com idade de 18 a 24 anos é aquele em que se registram as maiores porcentagens de dependentes de álcool: 19,2% contra 12,3% observados para o total de todas as idades (a partir dos 12 anos), sendo que os jovens dependentes do sexo masculino prevalecem com grande vantagem sobre os do sexo feminino (27,4% contra 12,1%) e sobre o conjunto dos homens de todos os grupos etários (27,4% contra 19,5%). É comum associar o envolvimento ou exposição a esses tipos de “risco” a fatores tão variados quanto baixa auto-estima, sentimento de inadequação aos espaços de convivência, vivência de abuso físico, sexual ou psicológico por membros da família, constrangimento imposto pela condição socioeconômica, de gênero ou raça etc. Em linhas gerais, estes fatores expressam dificuldades na relação do jovem com seu meio mais imediato, podendo ser organizados em três categorias distintas: i) problemas na vinculação social do jovem às instituições que têm como função contribuir para a sua formação e supervisão (a família, a comunidade, a escola); ii) condições em que se dá o processo de construção de sua auto-imagem; e iii) influência do grupo de amigos com que convive mais imediatamente o jovem e as inter-relações que este grupo estabelece na sociedade.20 Certamente o engajamento “voluntário” em condutas que envolvem algum tipo de perigo previsível está relacionado a aspectos complexos da conjugação destes e possivelmente de outros fatores (como a fragilização das instituições sociais tradicionais ou a manifestação da chamada personalidade anti-social, por exemplo), mas o peso relativo de cada um deles, bem como sua forma de manifestação mais imediata, varia caso a caso, segundo a situação individual de cada jovem em sua singularidade. Entretanto, ao se abordar a questão do “comportamento de risco” para além de suas manifestações individuais e como aspecto associado à condição juvenil, é preciso atentar para um fator fundamental: nessa fase da vida ocorrem as primeiras experiências de decisão autônoma e afirmação da liberdade em um contexto de experimentação exploratória do mundo. Estas experiências – que carregam uma demanda implícita do jovem por assumir responsabilidades – envolvem sempre certo “risco”, que pode estar associado tanto aos “erros de julgamento” quanto aos “testes de confiabilidade” da rede de proteção disponível.21 De um lado, o que se revela como comportamento de risco, muitas vezes pode ser a expressão do resultado não antecipado das decisões de quem está aprendendo a tomá-las premido pela urgência de mostrar o próprio valor a si mesmo e aos outros. Considerando-se que, do ponto de vista dos jovens, eles teriam “pouco a perder”, já que não estão plenamente integrados aos vínculos das instituições sociais e que a morte é uma possibilidade distante, inverossímil, é possível conceber que eles simplesmente se disponham a brincar com o controle da própria vida, correndo “riscos” ao desprezar a interdependência entre a própria ação e a de terceiros no estabelecimento de um determinado objetivo. Ao mesmo tempo, tomar decisões autônomas requer confiança nas condições de sua implementação. À medida que aprofunda a inserção social do jovem nos âmbitos de circulação e atuação dos adultos, ele se vê impelido a certificar-se da validade e solidez das instituições, das normas e dos valores sociais com os quais passa a lidar de maneira cada vez mais freqüente. Nesse outro sentido, o que em muitas ocasiões é percebido como mera transgressão juvenil pode ser, na verdade, expressão de um teste da rede de proteção. Este teste, que conjuga a dimensão

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do perigo e da segurança e por vezes resulta em danos pessoais ou a terceiros, tem importância crucial para quem está construindo, experimentando e buscando afirmar uma nova identidade. Em última instância, serve para responder a uma pergunta essencial: se for preciso, será realmente possível contar com alguém/algo? Tal pergunta é especialmente coerente com o contexto atual de produção social de insegurança, desencadeado pelo fracasso dos diversos mecanismos de integração social, inclusive as relações intergeracionais. Ademais, diante da juvenilização da sociedade e da conversão do jovem em modelo cultural, fica a seguinte questão: se todos são “jovens”, que referências de adulto restam ao jovem, com as quais se confrontar e perante as quais se afirmar? Enfrentar essas questões e minimizar os seus efeitos para os jovens brasileiros requer levar a sério as dificuldades e as demandas desses jovens, e não adotar uma perspectiva catastrofista sobre a condição juvenil. Sob este aspecto, a reflexão sobre o tema dos “riscos” deve considerar as dificuldades e as estratégias de que os jovens lançam mão na trajetória que lhes dará acesso ao mundo adulto, de modo que as ações que visam à prevênção de danos façam algum sentido para os próprios jovens e sejam realmente efetivas. 1.2.2 Juventude e escola: trajetórias irregulares e fracasso Embora persista a identificação social do jovem como “estudante” e a escola seja amplamente reconhecida como espaço privilegiado de socialização e formação, o processo de escolarização da maioria dos jovens brasileiros é marcado por desigualdades e oportunidades limitadas. Predominam trajetórias escolares interrompidas pela desistência e pelo abandono, que, algumas vezes, são seguidos por retomadas. As saídas e os retornos caracterizam um percurso educacional irregular. Assim, a defasagem escolar acaba se transformando na realidade de muitos. A freqüência ao ensino médio na idade adequada ainda não abrange metade dos jovens brasileiros de 15 a 17 anos, e cerca de 34% deles ainda estão retidos no ensino fundamental. O acesso ao ensino superior é ainda mais restrito, com apenas 12,7% dos jovens de 18 a 24 anos freqüentando esse nível de ensino. A proporção de jovens fora da escola, por sua vez, é crescente conforme a faixa etária: 17% na faixa de 15 a 17 anos, 66% na de 18 a 24 anos, e 83% na faixa de 25 a 29 anos, sendo que muitos destes jovens desistiram de estudar sem ter completado sequer o ensino fundamental. Tal situação é ainda mais grave no caso da expressiva proporção de jovens de 18 a 29 anos nessa condição, pois o incentivo para o retorno à escola para completar o ensino obrigatório tende a ser menor do que entre os que ainda estão na faixa de 15 a 17 anos. Contudo, é significativo o fato de que, vencida a barreira do ensino fundamental, boa parcela dos que têm mais de 18 anos conseguiu completar o ensino médio (cerca de 30%), embora sem buscar a continuidade de estudos no ensino superior. Dados da pesquisa “Juventudes Brasileiras” revelam que muitos dos jovens que não mais estudam pararam de estudar uma vez (61,6%), duas vezes (20,1%) e três vezes ou mais (16,7%).26 A pesquisa também captou que, entre os homens, a principal razão de abandonar os estudos foi a oportunidade de emprego (42,2%), enquanto entre as mulheres foi a gravidez (21,1%). Em que pesem as enormes dificuldades, onde o estigma do fracasso é acompanhado da auto-responsabilização pelos resultados, a grande maioria dos jovens que está fora da escola (69,5%) acredita que terá condições de voltar a estudar. E são muitos os que

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retornam por atribuírem valor à educação como um caminho para “melhorar de vida”. O persistente retorno dos jovens à escola deve ser visto como uma oportunidade de se repensar o sistema educacional de forma a assegurar um aprendizado que tanto estimule quanto assegure a trajetória de sucesso escolar. Entretanto, a universalização do acesso em um sistema educacional que não foi estruturado para lidar com a diversidade dos alunos gerou uma escola que acaba transformando desigualdades sociais em desigualdades de resultados escolares. É uma situação que revela “i ndiferença pelas diferenças”,na qual a seleção não se dá mais no acesso, mas no interior da escola, confluindo para um desempenho marcado pelo fracasso escolar. Os elevados índices de repetência e evasão que acompanham a trajetória de muitos jovens colocam um dos maiores desafios para o sistema educacional brasileiro: como assegurar educação básica para todos, em um percurso educacional completo? Nesse contexto, a busca da escola noturna é a realidade de muitos jovens que trabalham. Mas não é só a situação de trabalhador que leva os jovens à escola noturna. O atraso no percurso escolar também é responsável pela procura do ensino noturno, contexto em que a escola cumpre o papel de espaço de sociabilidade e de troca de experiências entre os jovens que a freqüentam. Assim, especialistas afirmam que, em muitos casos, o trabalho vem como conseqüência da freqüência à escola noturna.28 Paralelamente, a oferta de curso noturno regular, seja fundamental ou médio, tem sido uma forma de os sistemas de ensino responderem às pressões de demanda, sem investimentos mais significativos na ampliação da rede. Se críticas à qualidade do ensino da escola pública são recorrentes, o que se dirá da qualidade dos cursos noturnos? As diferenças nas características pedagógicas dos cursos diurno e noturno exigiriam uma proposta curricular diferenciada, mas não é isso o que se verifica. Na prática, o que acontece é uma replicação de currículos elaborados para um aluno teórico, um aluno médio que não existe, desconsiderando todas as orientações dos projetos pedagógicos, cujas práticas educativas deveriam ser pautadas na realidade social do aluno. E o aluno que estuda de noite geralmente trabalha durante o dia, não tem tempo nem o hábito de estudar; chega cansado à escola e precisa que o ensino seja mais atrativo e conectado à realidade do mundo do trabalho que vivencia. Investigação realizada em uma escola noturna revela que os professores admitem que o ensino necessita ter aplicabilidade, enquanto os alunos sabem que precisam adquirir mais conhecimentos teórico e prático, em vez do ensino resumido e aprendizagem facilitada que muitas escolas noturnas oferecem. O direito e a democratização do acesso à educação básica de qualidade exigem atenção especial à escola noturna, freqüentada por muitos jovens trabalhadores na busca de ampliar seus conhecimentos para melhor se inserirem no mercado de trabalho. É preciso reconhecer que muitas das dificuldades enfrentadas pelos jovens, quando chegam ao ensino médio, decorrem de deficiências de aprendizado no ensino fundamental, o qual vem falhando até mesmo em seus propósitos elementares de ensinar a ler, escrever e fazer contas. Não resta dúvida de que melhorar a qualidade da educação básica, em seus componentes fundamental e médio, deve ser a meta principal da política educacional. Ao ensino médio, em sua maior complexidade, atribui-se o desafio de cumprir múltiplas finalidades: educar para a vida, educar para o mundo do trabalho e assegurar conhecimentos para

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a continuidade dos estudos. Este desafio ainda requer respostas de reformas educacionais que prometem, mas que na realidade não acontecem. Iniciativas recentes de integração de ensino médio e técnico nas escolas regulares apontam para novos caminhos que ainda precisam ser avaliados em seus resultados. Entretanto, é uma busca de alternativa em um contexto em que muitos jovens, desestimulados pelo ensino nas escolas que freqüentam, estão abandonando o ensino médio, particularmente o noturno. 1.2.3 A difícil inserção no mercado de trabalho O ingresso dos jovens no mundo do trabalho é um dos temas centrais quando se discute a juventude como questão social na atualidade. Nesse sentido, é o tema que, ao lado de saúde e educação, mais freqüentemente pautou as ações públicas voltadas para a juventude, no Brasil e no mundo. Se este problema foi formulado nos países capitalistas centrais em termos da necessidade de garantir uma passagem bem-sucedida entre escola e mundo do trabalho em um contexto de desemprego crescente, no caso brasileiro, a questão mais premente foi sempre a do trabalho precoce, que antecede a saída da escola – sem qualquer garantia de que esta saída ocorra após a conclusão do nível básico de ensino – e que tende a dificultar a continuidade dos estudos, bloqueando as oportunidades futuras. A este problema veio somar-se o da crise do emprego, que atinge a população jovem de forma especialmente acentuada, tanto pelo desemprego quanto pela ocupação em postos de trabalho precários. Apesar de o ingresso precoce de jovens ser uma característica marcante do mercado de trabalho brasileiro, existe uma clara tendência de arrefecimento do fenômeno. Isto pode ser demonstrado pela comparação das taxas de participação por idade de coortes diferentes.31 Enquanto mais de 28% dos trabalhadores nascidos entre 1970 e 1979 já estavam no mercado de trabalho aos 13 anos, com apenas 14% dos trabalhadores nascidos após 1990 ocorria o mesmo. De modo geral, para as coortes mais recentes, há menor taxa de participação para seus membros mais jovens; isto é, entre os nascidos na década de 1990, a taxa de participação para idades inferiores a 16 anos é menor que para os nascidos na década de 1980, que por sua vez é menor que a dos nascidos na década de 1970. Ou seja, nas coortes mais recentes, os jovens com idade inferior a 16 anos têm protelado sua entrada no mercado de trabalho, embora ainda exista uma taxa de participação alta para grupos que, legalmente, não deveriam estar no mercado de trabalho (em 2006 a taxa de atividade para pessoas entre 10 e 14 anos foi de 10,8%)32 e para o grupo que, supondo o fluxo escolar regular, deveria estar cursando o ensino médio (para as pessoas de 15 a 17 anos, a taxa de participação foi de 39,3% em 2006). Considerando-se todas as pessoas com idade entre 15 e 29 anos, observa-se grande diversidade no que diz respeito à qualidade dos postos de trabalho que os jovens ocupam. Em geral, para os grupos mais jovens, os postos ocupados são os com menores exigências de qualificação e de pior qualidade, o que se reflete no fato de que apenas 11% dos jovens de 15 a 17 anos ocupados eram empregados com carteira assinada, evidenciando-se a barreira imposta pelas baixas qualificação e experiência características do grupo. Passando-se para os grupos etários seguintes, verifica-se um aumento da proporção de trabalhadores em melhores ocupações, o que, além do efeito “escalada” das ocupações piores para as melhores, reflete ainda a mudança na composição desses grupos: entre os jovens de 18 a 29 anos estão não apenas aqueles que entraram cedo no mercado de trabalho e conseguiram, paulatinamente, mudar para ocupações melhores; encontram-se aí também os jovens que puderam protelar sua entrada no mercado de trabalho – possivelmente

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aumentando sua escolaridade no processo – e que já conseguem um posto de melhor qualidade como primeira ocupação. Entretanto, mesmo nesses grupos, observam-se altas proporções de jovens nas ocupações de pior qualidade: quase a metade do grupo de 18 a 24 anos e cerca de 30% do grupo de 25 a 29 eram empregados sem carteira ou trabalhadores não-remunerados. Este quadro revela que um grande contingente dos jovens brasileiros que trabalham não tem acesso a garantias sociais e trabalhistas, o que pode ter impacto na condição e no exercício da cidadania durante a sua vida laboral. Sobre o problema do desemprego, sabe-se que, universalmente, ele tende a ser mais acentuado entre os jovens que entram no mercado de trabalho do que entre o restante da população. No Brasil, a situação não é diferente. Os jovens – especialmente os grupos entre 15 e 24 anos – apresentam taxas de desemprego substancialmente maiores que as dos trabalhadores adultos; em 2006, enquanto a taxa de desemprego era de 5% entre os adultos de 30 a 59 anos, observavam-se índices de 22,6% entre os jovens de 15 a 17 anos, 16,7% entre 18 e 24 anos, e 9,5% entre 25 e 29 anos. Não se nota, além disso, nenhuma tendência de aproximação entre as taxas de desemprego de jovens e não-jovens; ao contrário, a taxa de desemprego dos jovens cresce proporcionalmente mais. Esses fenômenos ocorrem por motivos diversos, alguns dos quais identificados como problemas e, portanto, alvo de ação pública, e outros que não são necessariamente problemas. Por exemplo, é notório que há maior rotatividade entre os trabalhadores jovens do que entre os demais, e que esta rotatividade maior implica uma taxa de desemprego também maior. Parte da rotatividade, que não é necessariamente prejudicial à trajetória profissional, deve-se às próprias decisões do trabalhador jovem que, no início do ciclo de vida, passa por um processo de “experimentação” em várias ocupações, com o espectro de possibilidades aumentando conforme aumentam sua experiência e qualificação. Ao mesmo tempo, outro fator da rotatividade deste grupo de trabalhadores é explicado pelo lado da demanda: os postos de trabalho ocupados por pessoas com pouca qualificação e experiência são, geralmente, os piores em termos de remuneração e condições de trabalho, além de terem os custos mais baixos de demissão e contratação. Avaliar a gravidade do desemprego juvenil exige, então, identificar qual é o principal fator envolvido. Deve-se também avaliar se o desemprego é concentrado em algum grupo específico de jovens (sobre os com maior defasagem escolar, por exemplo), uma vez que, se este for o caso, a situação só vai se alterar por meio de ação da política pública. No que tange à inatividade entre os jovens, há dois vetores de análise possíveis. Por um lado, se associada à extensão do tempo de estudo, é usualmente considerada um aspecto positivo da condição juvenil, pelo que possibilita em termos de aquisição de conhecimentos para o trabalho e para a vida cidadã. Por outro lado, quando sua ocorrência está ligada ao desemprego por desalento ou à ocupação em atividades domésticas, especialmente se coincidir com o abandono dos estudos, é preocupante. O aspecto mais problemático é que grande parte desses jovens não havia completado a educação básica quando parou de estudar, e só uma parcela [equena conseguirá fazê-lo após ingressar no mundo do trabalho.

Na verdade, se a “crise do emprego” que se manifestou no Brasil em meados da década passada atingiu toda a população trabalhadora, os jovens foram particularmente prejudicados. Altas taxas de desemprego, ocupações precárias e baixos salários têm comprometido seriamente sua

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trajetória educacional e profissional. Além disso, refletem diretamente nas garantias sociais, trabalhistas, na condição e no exercício da cidadania, tendo em vista que o vínculo com a rede pública de proteção social ainda se dá em grande medida via inserção no mercado formal de trabalho. Nesse sentido, a “crise do emprego” evidencia os limites impostos pela adoção do trabalho (formal) como mecanismo central de inserção social dos indivíduos, inclusive para efeito das políticas públicas de proteção social. Na atualidade, são muitas as estratégias de sobrevivência que, mobilizando em especial os jovens, escapam à definição clássica de trabalho (concebido como emprego ou posto de trabalho assalariado) e possibilitam formas de inserção alternativas no mundo do trabalho e na vida social mais ampla. Desse modo, reconhecer essa realidade e fomentar seu potencial inclusivo, até mesmo apoiando a sua capacidade de gerar e distribuir renda e proteção social, pode ser uma tarefa premente para as políticas públicas de inclusão dos jovens. 1.2.4 Vitimização pela violência e criminalidade juvenil A violência que acerca os jovens tem sido motivo de preocupação crescente no país. Por um lado, a vitimização fatal de jovens é alarmante. As estatísticas mostram que, enquanto as taxas de mortalidade da população brasileira como um todo vêm decrescendo progressivamente – como tendência de longo prazo relacionada à melhoria das condições de vida –, tal fenômeno não se observa com intensidade semelhante no caso do grupo populacional com idade entre 15 e 29 anos. A principal explicação está associada às altas taxas de mortalidade nessa faixa etária por causas externas, que englobam diversas formas de acidentes e violências, entre as quais os assassinatos por armas de fogo e os acidentes de trânsito. As vítimas, em geral, são jovens do sexo masculino, pobres e não-brancos, com poucos anos de escolaridade, que vivem nas áreas mais carentes das grandes cidades brasileiras. Segundo dados do Sistema de Informações de Mortalidade do Sistema Único de Saúde (SIM/SUS), as mortes por homicídios entre os brasileiros de 15 a 29 anos passaram da média anual de 27.496 no período 1999-2001 para 28.273 no período 2003-2005, sendo responsáveis por 37,8% de todas as mortes nesta faixa etária. Note-se que estas mortes vitimam mais os homens (cerca de 93% da vítimas de homicídios), concentrando-se no grupo de 18 a 24 anos (com taxa de 119,09 vítimas por 100 mil habitantes), seguido do grupo de 25 a 29 anos (107,44) e do de 15 a 17 anos (64,59). No que se refere aos acidentes de trânsito – responsáveis pelo segundo maior número de mortes entre os jovens brasileiros –, os dados do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) informam que, em 2006, os jovens com idade entre 18 e 29 anos representaram 26,5% das vítimas fatais (contra 40,9% para o grupo de 30 a 59 anos) e 36,9% das vítimas não fatais (contra 32,4% para o grupo de 30 e 59 anos) de acidentes de trânsito no país. No que se refere à violência não-letal, os jovens também são as maiores vítimas. Um levantamento realizado pelo Ministério da Justiça (MJ) com as ocorrências registradas pelas polícias civis dos estados indica que, em 2005, o grupo de 18 a 24 anos foi a maior vítima não apenas dos casos de homicídio doloso (47,41 ocorrências por 100 mil habitantes), mas também das lesões corporais dolosas (514,83), das tentativas de homicídio (38,06), da extorsão mediante seqüestro (0,78) e do roubo a transeunte (333,8); já os jovens de 25 e 29 anos apareceram como as maiores vítimas dos furtos a transeunte (260,0) e do roubo de veículo (32,71), enquanto os adolescentes de 12 a 17 anos foram as maiores vítimas de estupro (35,43) e de atentado violento ao pudor (10,04).

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Por outro lado, é importante notar que, se os jovens são comprovadamente o grupo social mais vitimado pela violência, eles também figuram como seus maiores autores. A violência que se manifesta em atos de delinqüência corriqueiros, no vandalismo contra o espaço público, nos rachas e manobras radicais no trânsito, nas brigas entre gangues rivais, no dia-a-dia do ambiente escolar ou nas agressões intolerantes a homossexuais, negros, mulheres, nordestinos ou índios em várias partes do país é majoritariamente protagonizada por jovens e, em geral, vitima outros jovens. Ou seja, a violência cotidiana que acontece no país hoje é cometida por jovens contra jovens. O levantamento do MJ supracitado comprova a alta participação de jovens nos crimes que são relatados à polícia. As pessoas com idade entre 18 e 24 anos foram as mais freqüentemente identificadas como infratores por homicídio doloso (17,56 ocorrências por 100 mil habitantes), lesões corporais dolosas (387,74), tentativas de homicídio (22,32), extorsão mediante seqüestro (0,34), roubo a transeunte (218,23), roubo de veículo (20,24), estupro (14,57) e posse e uso de drogas (41,96). Por sua vez, os jovens de 25 e 29 anos apareceram como os principais infratores para o crime de tráfico de drogas (24,47). Fatores como a expansão, diversificação e sofisticação da violência delitual nas grandes cidades, a disseminação do porte de armas de fogo, a generalização de uma “cultura da violência” e as grandes contradições sociais – especialmente o consumismo exacerbado em meio à restrição das oportunidades de inserção social via mercado de trabalho e às grandes desigualdades sociais – têm sido apontados como responsáveis por este quadro. Estes fatores concorreriam para conformar o cenário em que tanto a criminalidade juvenil quanto a vitimização fatal de jovens vêm crescendo no país. É notório, por exemplo, que à medida que cresce a criminalidade em geral, diminui a idade dos autores da violência delitual. As redes do crime organizado sintetizam esse fenômeno: desde que se estruturaram nos grandes centros urbanos do país a partir da década de 1980, em conexão com o narcotráfico, estas redes criminosas vêm operando por meio de um verdadeiro “exército” de jovens, que tem envolvido a participação crescente de crianças. O lado perverso disso é que o olhar da sociedade sobre os jovens dos setores populares quase que se restringe ao registro da criminalidade. Nesse sentido, o debate sobre juventude e violência não pode se furtar a analisar, en tre outros, a questão do recrutamento de jovens para atividades criminosas e as facilidades ainda vigentes para se obter arma de fogo no país, bem como o processo de educação e formação dos jovens em meio a um contexto de banalização da violência ou mesmo a uma dinâmica férrea da reprodução das desigualdades e da exclusão social. Entretanto, há que se considerar que, se esses fatores genéricos incidem de maneira especial sobre os jovens, determinando seu maior envolvimento e/ou vitimização pela violência, há algo na condição juvenil que a torna especialmente vulnerável ao seu apelo. Vários estudiosos têm apontado alguns dos aspectos envolvidos na conjugação entre juventude e criminalidade. Em geral, fica evidente que a perspectiva de ganhar dinheiro fácil e rápido com pequenos ou grandes delitos é um aspecto relevante, que pode seduzir alguns jovens pela possibilidade de adquirir os bens de consumo da moda – o passe para uma forma simbólica de inclusão na sociedade mais ampla que contrasta com a exclusão real a que está submetida grande parcela dos jovens brasileiros, especialmente os pobres e negros. No entanto, os estudos indicam também que muitos jovens são atraídos pela perspectiva de obter reconhecimento ao impor medo e insegurança quando ostentam armas de fogo ou de afirmar a sua masculinidade guerreira ao serem identificados como “bandidos”.

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Ora, a questão de fundo aqui não difere do que se afirmou anteriormente sobre o engajamento dos jovens em “comportamentos de risco”. No centro do problema está o processo de construção e afirmação de uma nova identidade e o papel que a violência pode exercer nesse contexto. Contudo, deve-se considerar que o envolvimento com a criminalidade e os homicídios de jovens são apenas a expressão extrema da violência que os afeta como autores ou como vítimas, mas não a única e, como se viu, nem sequer a mais comum. As lesões corporais dolosas são o delito pelo qual os jovens são mais freqüentemente identificados como responsáveis nos registros policiais e pelo qual são mais vitimados, conforme os dados do MJ. Isto revela que a presença da violência entre as pessoas desta faixa etária está primordialmente relacionada a eventos como brigas e ameaças – que muitas vezes resultam em mortes ou ferimentos graves – e, portanto, ao seu uso como instrumento de resolução de disputas e conflitos interpessoais. Se, conforme vários estudiosos têm apontado, observa-se na sociedade brasileira uma ampla aceitação da violência como instrumento legítimo para solução de conflitos, seja para “defender a honra”, seja para atestar o poder dentro de um determinado grupo, tal aceitação tenderia a repercutir de forma especialmente fértil entre os jovens, exatamente porque, do seu ponto de vista, a grande questão em jogo é a preservação da auto-imagem, de uma identidade em construção. Como em todo o processo de reconhecimento, a afirmação da identidade e a sua significação para o próprio jo vem só se fazem perante o outro e perante o grupo mais amplo, e necessita, portanto, ser defendida, ainda que por meio da violência. Não se quer com isso reduzir a violência à sua dimensão simbólica apenas. Afinal, se o fenômeno se alimenta da sobrevalorização social do ethos guerreiro, da frustração em relação à possibilidade de realização dos padrões sociais ou da simples necessidade de se fazer reconhecer pelo outro, ele também está relacionado, como já se discutiu, à disponibilidade de armas de fogo, à impunidade, à precariedade do controle social sobre o jovem e à própria banalização social da violência. No entanto, é fundamental atentar para o fato de que o envolvimento dos jovens com as várias manifestações da violência (como autor ou como vítima) diz respeito também ao tortuoso processo de construção e afirmação da identidade juvenil. Levar este fator em consideração é um requisito essencial para o sucesso das ações na área de prevenção da violência, pois restringir a vitimização juvenil e o comportamento violento dos jovens requer muito mais do que atuar sobre a letalidade juvenil ou o recrutamento dos jovens pobres para o crime. Isto é especialmente relevante quando se considera que a juvenilização da violência se insere em um contexto sociocultural em que as categorias organizadoras do mundo adulto (instituições e papéis sociais, mecanismos de mobilidade etc.) perdem sua força agregadora e os problemas da dinâmica social potencializam a vulnerabilidade juvenil ao apelo da violência. 1.2.5 Juventude x Juventudes: diversidade e desigualdade entre os jovens Se há um componente geracional que permite definir a juventude pelo que há de específico à sua condição, é importante considerar que esta é vivida de forma diversificada e desigual entre os jovens de acordo com suas situações socioeconômicas específicas e com os padrões de discriminação e preconceito vigentes, que repercutem sobre as oportunidades efetivamente disponíveis a cada um. Em outras palavras, a duração e a qualidade desta etapa do ciclo da vida

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são mais ou menos favorecidas pelas características socioeconômicas dos jovens (a origem social, a renda familiar e o nível de desenvolvimento da região onde vivem) e pelas diferentes exigências relacionadas aos papéis/lugares que homens e mulheres ou indivíduos pertencentes a grupos raciais distintos tradicionalmente ocuparam na sociedade. Por isso, tornou-se usual empregar a expressão “juventudes” para enfatizar que, a despeito de constituírem um grupo etário que partilha várias experiências comuns, subsiste uma pluralidade de situações que confere diversidade às demandas e necessidades dos jovens. Essa pluralidade de situações deriva da combinação das várias dimensões socioeconômicas e se evidencia na análise dos indicadores sociais dos jovens brasileiros. Quanto à renda, por exemplo, 31,3% dos jovens podem ser considerados pobres, pois vivem em famílias com renda domiciliar per capita de até ½ salário mínimo (SM). Apenas 8,6% são oriundos de famílias com renda domiciliar per capita superior a 2 SMs, e cerca de 60,0% pertenceria ao extrato intermediário, com renda domiciliar per capita entre ½ e 2 SMs. Embora haja equilíbrio na distribuição dos jovens brasileiros por sexo (49,5% homens e 50,5% mulheres), a pobreza é ligeiramente superior entre as mulheres jovens (53,1%), tal como se dá para a população como um todo. Vale observar que os jovens de baixa renda estão concentrados na região Nordeste (50,8% do total do país), com destaque para o fato de que 20,6% da juventude nordestina é constituída de jovens pobres que vivem em áreas rurais. Note-se, ainda, que os jovens pobres são majoritariamente não-brancos (70,3%), enquanto os jovens brancos são 77,7% dos não-pobres – embora a distribuição dos jovens brasileiros entre os grupos branco e não-branco seja de 47,1% e 52,9%, respectivamente. Depreende-se daí que a faixa de rendimento mensal da família em que vive o jovem mantém estreita relação com a sua origem regional e com sua cor de pele, e que ser um jovem nordestino e não-branco (especialmente negro) no Brasil representa maior probabilidade de ser pobre. As desigualdades entre jovens brancos e negros (pretos e pardos) se fazem refletir nos mais diferentes aspectos da vida social, configurando menores oportunidades sociais para a juventude negra. No campo da educação, por exemplo, constata-se que o número de jovens negros analfabetos, na faixa etária de 15 a 29 anos, é quase três vezes maior que o de jovens brancos. A taxa de freqüência líquida (estudantes que freqüentam o nível de ensino adequado à sua idade) dos jovens negros é expressivamente menor que a dos jovens brancos, tanto no ensino médio como no superior. Na faixa de 15 a 17 anos, que corresponde ao período em que se espera que o jovem esteja cursando o ensino médio, os brancos apresentam uma taxa de freqüência líquida de 58,6%, contra 37,6% dos negros. No ensino superior a desigualdade entre jovens brancos e negros se torna ainda maior: na faixa etária de 18 a 24 anos, a taxa de freqüência líquida para os brancos é de 19,6%, enquanto para os pardos é de 6,4% e de 6,3% para os pretos, uma diferença de quase três vezes em favor dos jovens brancos. Pode-se lembrar ainda o fato de que os jovens negros estão sobre-representados no seguimento de jovens que não trabalham e nem estudam, além de sua inserção no mercado de trabalho estar caracterizada por condições de maior precariedade que a dos jovens brancos. Os jovens negros são, também, as maiores vítimas da violência: enquanto os jovens brancos do sexo masculino apresentam uma taxa média de 145,6 mortos por causas externas para cada grupo de 100 mil habitantes, as taxas dos jovens pretos e dos pardos são, respectivamente, de 228,7 e 221,0. Quando analisadas exclusivamente as mortes por homicídio, a taxa encontrada para os jovens

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brancos do sexo masculino foi de 69,2 por 100 mil habitantes, ao passo que para os jovens pretos essa taxa foi de 148,8, e para os pardos, 140,9. Considerando-se apenas a faixa etária de 18 a 24 anos, o grupo mais vitimado entre os jovens, a juventude branca do sexo masculino apresenta uma taxa de mortalidade por homicídios de 79,10 para cada grupo de 100 mil habitantes, enquanto para os jovens pretos essa taxa é de 172,56 e para os jovens pardos, de 161,14 – ou seja, para cada jovem branco morto por homicídio morrem, em média, dois jovens negros. Há grande disparidade também na realidade dos jovens que vivem em áreas urbanas – 84,9% do total, sendo cerca de ¹/³ em áreas metropolitanas e de ²/³ em áreas não-metropolitanas – e daqueles que habitam o campo (15,1%). Por um lado, os jovens urbanos convivem com uma rotina marcada por altas taxas de desemprego, pela violência, pela crescente segregação espacial e pela qualidade de vida deteriorada. Cite-se, por exemplo, o fato de que, do total de jovens urbanos, 33,6% vivem em moradias inadequadas fisicamente. Como reflexo das restrições ao acesso à habitação nas grandes cidades brasileiras, observa-se que cerca de 2 milhões de jovens entre 15 e 29 anos moram em favelas, sendo que a maior parte dessa população é negra (66,7%) e vive em famílias com renda domiciliar per capita de até ½ SM (42,5%). Por outro lado, os jovens das áreas rurais têm de se defrontar com questões muito específicas, como o esforço físico que a atividade agrícola requer, as dificuldades de acesso à terra, as expectativas em relação à reprodução da agricultura familiar e o celibato – contrariamente ao que acontece no meio urbano, as jovens rurais são minoritárias em relação aos homens, especialmente na faixa etária de 18 a 24 anos. Além disso, é notório que a juventude rural está submetida a dificuldades de acesso aos equipamentos públicos e a condições de vida precárias, concentrando 29,5% dos jovens pobres do país. Evidência das desigualdades em detrimento dos jovens rurais podem ser verificadas no campo educacional: o nível de escolaridade dos jovens rurais é 50% inferior ao dos jovens urbanos, pois subsiste o entendimento de que, para ser agricultor, não é necessário estudar; o analfabetismo atinge 9% dos jovens que vivem no campo, enquanto esta proporção é de 2% para os que vivem em áreas urbanas; a qualidade do ensino rural é pior do que o urbano, padecendo, quase como regra, de instalações, materiais e equipamentos insuficientes e inadequados. Também é possível identificar situações bastante diversas entre os jovens conforme a condição civil e a posição no domicílio, especialmente no que diz respeito à freqüência à escola e à inserção laboral. Em geral, entre os jovens prevalecem os solteiros, na condição de filhos; no entanto, encontra-se uma significativa proporção de pessoas que já constituiu domicílio próprio, ocupando a posição de chefe de domicí lio e/ou de cônjuge – 38,4% do total, sendo que as mulheres estão majoritariamente na condição de cônjuges. Esta proporção varia muito conforme o grupo etário a que pertence o jovem, sendo de 6,2% no grupo de 15 a 17 anos, de 33,1% no grupo de 18 a 24 anos, e chegando aos 67,0% no grupo mais velho, indicando que a maioria expressiva dos jovens nesta última faixa já assumiu as responsabilidades ligadas à provisão do seu próprio domicílio e enfrenta a pressão real de encontrar uma inserção no mercado de trabalho que lhe garanta um rendimento suficiente. Curioso notar, contudo, que, se 84,4% dos jovens de 15 a 17 anos permanece na condição de filho, contando com a solidariedade de sua família de origem e possivelmente experimentando as vivências típicas desta faixa etária, entre aqueles que são chefes de domicílio ou cônjuges 87,6% são mulheres, entre as quais 47,4% pertencentes ao grupo de renda domiciliar per capita inferior a ½ SM.

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Estes números evidenciam que, a despeito de a inatividade ser alta nesse grupo etário como um todo, existe um grande ônus na constituição de um domicílio para as jovens de 15 a 17 anos, especialmente pela ocupação em atividades domésticas e o cuidado com os filhos. Isto é tanto mais grave quando se considera que 71,2% destas jovens não estudam, o que tende a comprometer suas chances futuras no mercado de trabalho. As desigualdades entre os jovens do sexo masculino e do feminino, de todas as faixas etárias, no que diz respeito à condição de atividade e de estudo, refletem, de um lado, a manutenção dos papéis tradicionais de gênero. Cabe aos homens, por mais jovens que sejam, trabalhar para garantir a subsistência da família – daí o fato de procurarem mais cedo o mundo do trabalho ou permanecerem na inatividade (estudando ou não) quando não são chefes de domicílio. Assim, 27,1% dos jovens de 15 a 17 anos conciliam os estudos com o trabalho e 11,3% só trabalham, enquanto entre as jovens estas proporções são, respectivamente, de 17,5% e 4,9%. As jovens mulheres, por sua vez, apresentam melhores taxas de freqüência escolar líquida, embora ainda tendam a assumir o trabalho doméstico e o cuidado dos filhos quando se casam; com isso, a proporção de jovens mulheres que não estudam nem trabalham é crescente de acordo com a faixa etária, passando de 12,3% entre as jovens de 15 a 17 anos a 31,7% e 32,7% entre aquelas de 18 a 24 e de 25 a 29 anos, respectivamente. De outro lado, percebem-se duas novas tendências contrárias a essa divisão tradicional do trabalho. Em primeiro lugar, há uma proporção cada vez maior de mulheres que não abandonam o mundo do trabalho ou a ele retornam, mesmo depois do casamento e/ou da maternidade – especialmente quando são as únicas provedoras; e, em segundo, cresce a proporção de jovens homens que, apesar de chefes, não são capazes de manter a família com a renda do trabalho, dependendo, portanto, de benefícios sociais ou de doações de familiares. Diante dessa diversidade de situações, muitas das quais evidências de profundas desigualdades entre os jovens brasileiros, está claro que são diferentes as demandas e necessidades de cada grupo desse segmento. Estas diferenças devem ser consideradas na formatação das políticas públicas, de modo que os objetivos de promover e garantir o bem-estar e a integração social dos jovens sejam alcançados com efetividade e eqüidade.

A guisa de síntese As diversas formas de tematizar a juventude, bem como as questões usualmente associadas à condição juvenil vêm orientando, com peso ora mais decisivo, ora menos, as ações direcionadas aos jovens. Tradicionalmente, estas ações se concentraram nas áreas de educação e emprego – sob a perspectiva da juventude como fase preparatória da vida – ou de saúde e segurança pública – com o viés da juventude como etapa crítica. Em geral, tais ações não se estruturaram como elementos de uma “política de juventude”, mas como estratégias de atuação da sociedade para orientar a formação dos jovens e minimizar seu envolvimento em situações de “risco”. Mais recentemente, o tema ganhou novos contornos no Brasil, o que tem ampliado os focos anteriormente existentes e colocado novas questões e desafios para a construção de diagnósticos e ferramentas de trabalho para a atuação pública junto aos jovens. O próprio aparecimento de organizações e grupos juvenis com representação em campos diversos (não apenas da vida

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estudantil e político-partidária, mas também da cultura, da vida comunitária, de estratégias inovadoras de geração de renda, entre outras) impulsionou o reconhecimento das questões específicas que os afetam. E novas demandas ganham vulto em um cenário no qual a dedicação exclusiva à formação e a postergação da entrada no mundo do trabalho não é a trajetória única (nem sequer a prevalente) entre os jovens, e onde os “problemas” que os afetam se revelam cada vez mais como problemas da própria organização social, que se fazem perceber de maneira especialmente agravada entre os jovens precisamente porque jovens. É o caso, por exemplo, da possibilidade de vivenciar formas próprias de diversão e expressão nos espaços públicos, da necessidade de exercitar livremente possibilidades de escolha no mundo do trabalho ou de freqüentar espaços de discussão específicos e gerar pautas novas dentro dos movimentos sociais mais amplos. No limite, essa mobilização política resultou na demanda pela formulação de políticas específicas para a juventude, com espaços para a participação e influência direta dos jovens. Do diálogo desses grupos com os poderes públicos, os movimentos sociais, os partidos políticos, as organizações não-governamentais (ONGs) e outros atores estratégicos, configurou-se uma agenda que busca ir além das ações tradicionais. Conceitualmente, essas “políticas de juventude” associam os aspectos de proteção social com os de promoção de oportunidades de desenvolvimento: de um lado, visam à garantia de cobertura em relação às várias situações de vulnerabilidade e risco social que se apresentam para os jovens; de outro, buscam oferecer oportunidades de experimentação e inserção social múltiplas, que favoreçam a integração social dos jovens nas várias esferas da vida social. Essas idéias ganharam maior densidade no país a partir de 2004, quando se iniciou, em nível federal, um amplo diálogo sobre a necessidade de se instaurar uma política nacional voltada para esse público. No início de 2005, foram criados a Secretaria Nacional de Juventude (SNJ), o Conselho Nacional de Juventude (Conjuve) e um “programa de emergência” voltado para jovens entre 18 e 24 anos que estavam fora da escola e do mercado de trabalho. Este arranjo institucional pretendeu atender a três objetivos: i) articular as ações federais voltadas ao público juvenil (majoritariamente destinadas aos jovens de baixa renda); ii) promover a participação dos representantes dos vários grupos e organizações de jovens na reflexão e formulação da política de juventude; e iii) melhorar as condições de vida dos jovens em situação de vulnerabilidade social extrema, por meio de transferências de renda e de ações de elevação dos índices de alfabetização e de escolaridade e de qualificação profissional – escopo original do Programa Nacional de Inclusão de Jovens (ProJovem) –, na perspectiva de melhorar suas chances de inserção no mundo do trabalho. Em 2007, a partir da avaliação dos resultados obtidos nas diversas frentes de atuação, propôs-se uma reformulação da política nacional, com os objetivos de ampliar a integração entre as ações de cunho emergencial e destas com as ações vinculadas às áreas de educação, saúde, esporte e cultura, bem como de aumentar a sua escala de cobertura para todo o universo de jovens brasileiros socialmente excluídos – agora incluindo os jovens de 18 a 29 anos que não concluíram o ensino fundamental, não trabalham e vivem em domicílios com renda per capita de até ½ SM. A reformulação, no entanto, não implicou a extinção ou readequação das ações anteriores; elas foram abrigadas sob a rubrica de um único programa (o novo ProJovem), com gestão compartilhada entre a SNJ e os ministérios diretamente envolvidos.

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Não obstante a relevância política desse aparato institucional no que concerne à inserção da temática juvenil na agenda pública e à atenção aos jovens socialmente mais vulneráveis, o desafio que está colocado para o país hoje é o de ampliar consideravelmente o escopo da Política Nacional de Juventude, de modo que ela possa beneficiar com efetividade todas as juventudes brasileiras. A aceleração da aprendizagem, a transferência de renda e a qualificação profissional, como frentes de atuação emergenciais para favorecer a inserção dos jovens no mercado de trabalho, não devem restringir os objetivos de uma política nacional para jovens, tendo em vista um cenário de demandas multiplicadas, no qual o trabalho tal como tradicionalmente concebido perde força como mecanismo central de inserção social dos indivíduos. Ainda assim, é fundamental aprimorar a gestão das iniciativas existentes, para resolver problemas como as superposições ou a ausência de coordenação e integração entre elas e garantir chances de maior efetividade. Ademais, faz-se necessário fomentar a incorporação do olhar atento às especificidades dos jovens na formulação e execução das ações nas várias áreas, de tal forma que as estruturas de apoio, os serviços e programas possam lidar com o público jovem de maneira adequada em suas rotinas. De outra parte, cumpre envolver, de maneira cada vez mais próxima, outras instituições e políticas na atuação integrada em torno das questões da juventude, pois a sua complexidade extrapola o âmbito meramente setorial e o seu enfrentamento requer o respeito à concepção hodierna deste grupo social como sujeito de direitos que se encontram em fase de experimentação de múltiplas possibilidades de inserção na vida social, política, econômica e cultural do país.