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Centro Universitário de Belo Horizonte – UNI-BH
BRUNO MORAES ANTUNES
GOVERNO FIGUEIREDO (1979 – 1985): FMI e Política Externa.
Belo Horizonte
2014
BRUNO MORAES ANTUNES
GOVERNO FIGUEIREDO (1979 – 1985): FMI e Política Externa.
Belo Horizonte
2014
Trabalho de conclusão de curso apresentado ao curso de Relações Internacionais do Centro Universitário de Belo Horizonte, como requisito parcial à obtenção do título de graduado em Relações Internacionais. Área de concentração: Política Externa Brasileira Orientador: Prof. Péricles Lima
Resumo
Este trabalho tem como objetivo analisar o cenário político internacional e
econômico do Brasil na década de 1980, bem como a política externa adotada pelo
governo Figueiredo, investigando suas evoluções e relações com o cenário
internacional. A crescente tomada de empréstimos junto às instituições financeiras, a
intervenção do FMI, Banco Mundial, elevação da inflação internamente, o
crescimento da dívida externa, estrutura política do regime que propunha uma
abertura, eram fundamentais para um novo rumo da Política Externa Brasileira. Esse
período foi de grande perda em todos os aspectos não só para o Brasil, mas
principalmente para a América Latina. Os países que passaram por crises
econômicas, associado a uma crise de petróleo internacional e instabilidade política,
buscaram apoio em instituições financeiras internacionais na tentativa de
estabilização econômica. Nos anos 80, com a ditadura um pouco “enfraquecida” e
com uma possível abertura política em vista, cede-se lugar a novos problemas que
agravavam e retardavam cada vez mais um possível progresso. A crise inflacionária
que assolava o país, altas taxas de juros, desemprego, falta de crédito e a dívida
perante o FMI mostravam que o país passava por uma instabilidade que parecia não
ter fim. É importante analisar dois fatores nesse período: o cenário doméstico frente
a uma crise política e econômica dentro um regime que tinha uma auto-percepção
positiva, onde o Brasil “potencia”, a oitava economia do mundo, na visão de seus
governantes passavam a ter uma auto-percepção negativa, tornando-se um país
endividado e vulnerável às pressões externas. O Itamaraty teve participação ativa
nesse período, porém, em paralelo às diretrizes do Governo na condução da política
externa. Os interesses do Itamaraty estavam em dissenso com o executivo, onde a
participação do Brasil era modesta, tendo em vista as crescentes pressões quanto
ao pagamento da dívida externa. Esse trabalho se insere num conjunto de
pesquisas que visam analisar a reflexão sobre as conexões entre regime político
interno, economia, Política Externa e o Itamaraty. Num contexto geral, pretende-se
abordar as características do período baseado na intervenção do FMI, múltiplos
atores e medidas quanto à condução da política exterior do Brasil.
Palavras chaves: Governo Figueiredo, Política Externa, Estados Unidos, FMI,
Endividamento, Crise do Petróleo, Itamaraty.
Abstract
This paper aims to analyze the international political and economic scenario in Brazil
in the 1980s, as well as foreign policy adopted by the government Figueiredo,
investigating its evolutions and relations with international scenario. The increased
borrowing from financial institutions, the IMF intervention, the World Bank, high
inflation domestically, the growth of external debt, the political structure of the regime
proposed an opening, were essential to a new direction of Brazilian Foreign Policy.
This period was one of great loss in every aspect not only for Brazil, but especially in
Latin America. The countries that have experienced economic crises, associated with
an international oil crisis and political instability, sought support in international
financial institutions in an attempt to stabilize the economy. In the '80s, with the
dictatorship a little "weak" and a possible political opening in sight, gives place to the
new problems that slowed aggravated and increasingly possible progress. The
inflationary crisis plaguing the country, high interest rates, unemployment, lack of
credit and debt to the IMF showed that the country was experiencing an instability
that seemed endless. It is important to consider two factors in this period: the
domestic front of a political and economic crisis within a regime that had a positive
self-perception, where Brazil "power", the eighth largest economy in the world, the
vision of its rulers have passed negative self-perception, becoming an indebted
country and vulnerable to external pressures. The Itamaraty was active during this
period, however, in parallel with the directives of the Government in the conduct of
foreign policy. The interests of the Foreign Ministry were in disagreement with the
executive, where the participation of Brazil was modest in view of the increasing
pressures on the foreign debt payments. This work is part of a series of studies
aimed at analyzing the reflection on the connections between the political system,
economy, foreign policy and the Foreign Ministry. In a general context, we intend to
address the characteristics of the period based on IMF intervention, multiple actors
and measures regarding the conduct of foreign policy of Brazil.
Keywords: Government Figueiredo, Foreign Policy, United States, IMF, Debt, Oil
Crisis, Itamaraty.
Lista de Siglas BIRD – Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento
BNH – Banco Nacional de Habitação
EUA – Estados Unidos da América
FED – Federal Reserve
FMI – Fundo Monetário Internacional
GATT – General Agreement on Tariffs and Trade (Acordo Geral sobre Tarifas e
Comercio)
MRE – Ministério das Relações Exteriores
ONU – Organização das Nações Unidas
OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
PEB – Política Externa Brasileira
PND – Plano Nacional de Desenvolvimento
UNCTAD – United Nations Conference on Trade and Development (Conferencia das
Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento)
URSS – União das Republicas Socialistas Soviéticas
SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................7
1 – O PATERNALISMO BRASILEIRO E A ATUAÇÃO DO FMI 1.1: DO DISCURSO ÀS PROPOSTAS ...................................................................... 10
1.2: CRISE INTERNACIONAL, PROBLEMAS INTERNOS ...................................... 11
1.3: FMI, CONTROLE DA ECONOMIA, INTERVENÇÃO IMPOSITIVA .................... 15
1.4: DÉCADA DE 80, O PAPEL DO FMI ................................................................... 18
2 – A REAÇÃO DO BRASIL EM MEIO A CRISE – INDÍCIOS DE AUTONOMIA ECONÔMICA E PRINCÍPIO DE DEMOCRACIA 2.1: RECUPERÇÃO, SINAL DE ESTABILIZAÇÃO ................................................... 22
2.2: SINAIS DE DEMOCRACIA, GRADUAL LENTA E PROGRESSIVA ................... 23
3 – O EXECUTIVO E O ITAMARATY – A AGENDA INTERNACIONAL E A INVERSÃO DE PAPÉIS 3.1: O UNIVERSALISMO DE FIGUEIREDO E A POSIÇÃO DO ITAMARATY ......... 25
3.2: O INSULAMENTO BUROCRÁTICO E O UNIVERSALISMO DE PROCEDIMENTOS .................................................................................................... 30
3.3: A VULNERABILIDADE BRASILEIRA, APELO INTERNACIONAL ..................... 33
CONCLUSÃO ............................................................................................................ 38
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 42
INTRODUÇÃO
O Presidente João Baptista Figueiredo, assumiu o poder em Março de 1979, em um clima de extrema desconfiança em relação à situação econômica do país.
Mesmo com um crescimento modesto dos últimos anos, o cenário que estava por vir
era completamente sombrio e preocupante, diante de diversos fatos ocorridos no
mundo, principalmente uma nova ordem mundial encabeçada pela segunda crise do
petróleo e a bipolaridade mundial, após o fim da URSS e a ascensão do liberalismo
norte americano.
O objetivo desse trabalho consiste em analisar o governo do último presidente
militar, onde seu governo foi marcado pela abertura política, graves crises
econômicas, problemas no cenário doméstico e internacional, intervenções do FMI e
a dualidade das atuações na agenda internacional entre o poder Executivo e o
Itamaraty.
A justificativa para elaboração deste trabalho e escolha do tema se insere
num contexto de estudo da década de 80, onde o governo Figueiredo em meio à
graves crises econômicas recorrentes, desequilíbrios regionais e surgimento de
novos atores internacionais, principalmente o FMI, foram fundamentais na condução
da política externa e atuação do Brasil no cenário internacional e doméstico. Nesse
período, o FMI ganhou grande destaque e teve atuação decisiva nos assuntos de
política externa de diversos países endividados e que recorreram aos credores
internacionais. No início da metade da década de 1980, o FMI sai de uma posição
meramente de especulador para um papel de negociador e controlador, aliado às
novas práticas norte americanas de supervalorização do dólar e parcelamento de
dívidas à altas taxas de juros.
A hipótese pela escolha do tema se dá através do declínio do regime militar e
atuação de atores internacionais, principalmente o FMI, onde se estabelece um novo
cenário doméstico e externo, onde este trabalho procurará fazer uma análise e
buscar-se-á compreender ou evidenciar se a intervenção do órgão foi fundamental
na condução na tomada de decisões da agenda internacional do Brasil, atuação nas
medidas econômicas, abertura política e fim do regime militar.
Este trabalho, está dividido em três tópicos e sub tópicos, onde o primeiro
consiste em uma análise do início da década de 80, que ficou marcada pelas
grandes crises econômicas, especificamente após o segundo choque do petróleo
em 1979, principalmente nos países latino americanos e as crescentes dívidas por
conta de empréstimos, gastos exagerados, moratórias por parte de alguns países e
calote aos credores internacionais.
Nessa época, o Presidente Figueiredo com sua política protecionista e
buscando dar continuidade ao projeto “Brasil Grande Potencia”, se viu mergulhado
em problemas internos que agravaram a situação financeira e imagem do país no
cenário doméstico e internacional.
No segundo tópico, trataremos os anos de 1980 e 1981, onde após mudanças
no cenário doméstico, especificamente no mistério da Fazenda, com a saída do
ministro, Mario Henrique Simonsen e retorno do ex-ministro Delfim Netto à pasta da
agricultura, houve uma sensível melhora na economia. Porém, tal fato nada mais foi
do que uma medida emergencial na tentativa de dar um fôlego na condução e
situação da economia do país, sendo que no ano seguinte e nos próximos, os
problemas se agravaram, onde o Brasil se viu obrigado a recorrer ao FMI.
Além da crise do petróleo, a política dos Estados Unidos, voltada para
valorização de sua moeda, o chamado “Dólar Forte”, agravou consideravelmente a
crise do Brasil e dos países do cone sul. Os credores, já não mais acreditavam
numa recuperação dos endividados e temendo um calote, o FMI assume o controle
onde elabora diretrizes e repasse de responsabilidades ao Brasil para pagamento e
comprimento das obrigações.
Por último, no terceiro tópico além das crises econômicas, a pressão da mídia
e submissão ao FMI, pressões da população para o fim da ditadura e abertura
política, o Itamaraty se viu completamente sem autonomia para atuar no cenário
internacional. Por vezes, é citada a inversão de papéis entre o executivo e
diplomacia, na participação e tentativa na condução de acordos e fóruns
internacionais. A percepção do Itamaraty em relação ao Brasil era de afirmação e
reconhecimento de que éramos sim um país de terceiro mundo e não alinhado. Ou
seja, mesmo com a prática do Universalismo do presidente Figueiredo, o Itamaraty
participava dos fóruns internacionais no intuito de denunciar os abusos e práticas
que os países envidados e dependentes de capital estrangeiro se sujeitaram.
O Itamaraty, ao avesso do executivo, passou a desempenhar um papel
de liderança entre os demais países de terceiro mundo e que não possuíam
tecnologias suficientes ou rumos econômicos e políticos. Essa atuação garantiu não
só ao Brasil, mas também à América do Sul, papel importante e reconhecimento no
cenário internacional. A essa altura, era preciso que o Brasil fosse cauteloso e
conciliasse sua atuação de parceria e liderança junto aos demais países,
evidenciando seu interesse em políticas econômicas x as pressões quanto ao
pagamento da dívida junto ao FMI.
Mesmo com as interferências e dualidade de papeis, houve o consenso e
atuação conjunta tanto por parte do Itamaraty quanto do executivo na condução da
agenda internacional e participações em fóruns internacionais, mesmo o Itamaraty
reconhecendo que os resultados diplomáticos seriam bem melhor sem a atuação do
executivo.
O Brasil dependente do capital estrangeiro, atuando em alternância entre o
poder executivo e o Itamaraty, além de assistir a atuação do FMI, teve que lidar
também com um novo organismo internacional, o GATT e outros atores
internacionais.
Esses assuntos, bem como os demais citados até aqui, serão tratados em
três tópicos, subdivididos, na tentativa de narrar os fatos históricos e acontecimentos
sobre a condução da política econômica e externa do Brasil e a atuação do FMI no
Governo Figueiredo.
10
1: O PATERNALISMO BRASILIERO E A ATUAÇÃO DO FMI
1.1 – DO DISCURSO ÀS PROPOSTAS
O presidente João Baptista de Oliveira Figueiredo tomou posse em 15 de
março de 1979. A proposta do então Presidente General, além de dar continuidade
ao processo de democratização iniciado com o General Geisel, seu antecessor,
visava também o crescimento econômico do país, modernizar a agricultura,
aumentar o poder de compra do salário mínimo, planejar um grande programa de
habitação, denominado como Banco Nacional de Habitação (BNH), diminuir a
dependência monetária de países estrangeiros e controlar a inflação que
assombrava a economia desde 1975. Em seu discurso de posse:
Reafirmo – é meu propósito inabalável – dentro daqueles princípios – fazer deste País uma democracia [...] Reafirmo a prioridade ao desenvolvimento agropecuário. Como meio de melhorar a alimentação do povo [...] Reafirmo – o combate à inflação é condição preliminar ao desenvolvimento [...] Reafirmo a decisão de promover o equilíbrio de nossas contas internacionais. Reafirmo o propósito de fazer da cidade um chão e teto habitáveis. Reafirmo a minha determinação de garantir a cada trabalhador a remuneração justa em relação ao trabalho produzido às suas necessidades [...] (FIGUEIREDO apud PIRES, 2010, pp. 219 – 220).
O propósito do presidente foi interrompido ou, o que podemos dizer, nem
mesmo foi iniciado. O mundo atravessava por uma grave crise econômica, por conta
“dos impactos do segundo choque do petróleo1 e do choque de juros2 profundos,
particularmente no que tange às contas externas do Brasil” (PIRES, 2010, p. 220),
provocada pela mudança no regime político Neoliberalismo, principalmente na
Inglaterra e EUA3.
A intenção de manter o modelo de desenvolvimento foi comprometido pelas
políticas de intenção do “crescimento com endividamento”. Essa prática é 1 Em Janeiro de 1979, o então Xá do Irã Reza Pahlevi, foi deposto gerando grave instabilidade no Oriente Médio, o que podemos identificar como a “Segunda Crise do Petróleo”. (PIRES, 2010, p. 219). 2 Por conta da crescente elevação nos preços do petróleo, o banco central americano elevou as taxas de juros, na tentativa para controlar a inflação. (PIRES, 2010, p. 219). 3 O Neoliberalismo ganhou grande destaque em 1979 com a vitória de Margaret Thatcher e 1980 com a eleição do presidente norte americano Ronald Reagan.
11
denominada de “paternalista”, onde as empresas nacionais competem com a
concorrência internacional e os juros provocados pelos serviços da dívida externa
são determinantes para o fracasso e comprometimento da desvalorização da
moeda. Essa prática impactou diretamente no poder de compra e amortização de
juros absurdamente acima do PIB nacional.
Esse período foi marcado pela grande influência do setor financeiro, que se
instaurava e se reproduzia rapidamente ligado diretamente à nova conjuntura
econômica do cenário econômico e político internacional. Como consequência,
houve grande variação para baixo nos produtos produzidos no Brasil e alta dos
importados por necessidade como, petróleo, grãos, etc., queda da renda per capta,
estagnação na produção das indústrias brasileiras, que não conseguiam competir
com as multinacionais, aliado à frustrada tentativa de manter os grandes
empreendimentos nacionais como ITAIPU e exploração marítima do petróleo.
O efeito da crise na qual o Brasil estava prestes a mergulhar profundamente
estava ligado à prática de manter o crescimento a partir da degeneração das contas
externas do país. Essa política de endividamento foi adotada para obter equilíbrio da
balança de pagamentos em curto prazo e figurar um papel importante no cenário
internacional de poder de compra complemente fictício.
A tomada de empréstimos a condições de juros flutuantes foi fator
fundamental a partir da ascensão dos governos militares que não deram tamanha
importância para o endividamento crescente. A consequência desta negligência
chegou ao fundo do poço quando em 1979 o Brasil estava impossibilitado e sem
credibilidade para tomar novos empréstimos. Seu crédito junto ao mercado
financeiro foi negado e interrompido, levando o controle econômico do país às mãos
do FMI.
1.2 – CRISE INTERNACIONAL, PROBLEMAS INTERNOS
O governo Figueiredo enfrentou graves crises econômicas, mudanças
políticas em meio a tantas propostas, na tentativa da manutenção dos
compromissos e crescimento do país. Porém, o problema econômico que o mundo
passava teve um acontecimento principal, que mudou os rumos nas esferas
econômicas e políticas internacionais.
12
Em Janeiro de 1979, ocorreu a segunda crise do petróleo, gerando
instabilidade na economia levando a intervenção do (Federal Reserve Board) FED4
na economia. Nessa época os recursos econômicos eram regrados pelos EUA, onde
a prática aplicada foi a elevação das taxas de juros astronômicos. É fato de que os
países subdesenvolvidos, como o Brasil em meados da década de 70 se
mantiveram através do financiamento dos petrodólares5, o problema é que essa
nova tomada de empréstimos era diferente das taxas praticadas entre 1974 – 1978.
O modelo econômico adotado pelos países desde o fim da segunda guerra foi
baseado na teoria Keynesiana6, esse modelo já não tinha mais espaço no contexto
atual da economia e o papel dos Estados era cada vez menor em meio às novas
instituições, pois o mundo passava por uma transformação, a dependência
Neoliberal. Essa corrente defendia cada vez menos a atuação dos Estados, já que
esses aplicavam políticas do assistencialismo e não influenciavam positivamente em
lucros estatais privados e níveis de empregos, gerando déficits e inflação.
Segundo os Neoliberais para o novo contexto, os Estados deveriam garantir
apenas a segurança nacional, direito de propriedade, cumprimentos dos contratos e
se afastar por completo da economia; “a prática era a implementação baseada nas
ideias de Friedman (1985), em seu Capitalismo e Liberdade ou laissez-faire7”.
(PIRES, 2010, p. 223). Exatamente o contrário da política do General Figueiredo,
contextualizando ao seu discurso de posse.
Os EUA tentavam controlar a inflação elevando as taxas de juros, controlando
a demanda do país internamente. Em consequência, houve o investimento de capital
estrangeiro, o que levou a estabilização da dívida e valorização do dólar. ”[...]
Capitais externos, foram utilizados para rolagem da dívida interna, para cobrir os
déficits na conta de transações correntes [...]” (PIRES, 2010, p. 223). 4 FED é o banco central dos Estados Unidos. Criado pelo congresso norte-americano em 1913. Ele opera o sistema nacional de pagamentos, distribui a moeda nacional, supervisiona e regulamenta o sistema bancário e serve como banco para o tesouro dos Estados Unidos. (G1, 2013) 5 Os petrodólares eram oriundos das exportações de petróleo. Em 1973, com a crise e a elevação do valor, os exportadores receberam grandes demandas. Porém devido às limitações econômicas internas, a matéria prima foi utilizada no mercado financeiro, gerando liquidez financeira. Em 1979, os EUA tiveram grande participação nessa mudança. (PIRES, 2010, p. 233). 6 Segundo Keynes (1926), o crescimento da demanda deveria ser igualado ao aumento da capacidade produtiva da economia, garantindo o pleno emprego, sem provocar o aumento da inflação. (GORDON, 2000) 7 Política que defende o livre comércio, sem interferência do governo.
13
A política norte americana influenciou negativamente nas contas externas do
Brasil. A recessão baixou consideravelmente as exportações de produtos como
matéria prima e alimentos, commodities e insumos dos países exportadores e o
Brasil era um deles. Somente em 1982, registrou-se 13,4% na queda das
exportações no Brasil, contra 8,2% nos demais países (PIRES, 2010, p. 224).
Os sinais de crise e recessão vieram à partir do primeiro choque do petróleo
em 1973, onde os países industrializados adiaram o resgate da lucratividade gerada
pelos ativos da matéria prima produzida. Como medida de injetar dinheiro na
economia com retorno garantido, esses países começaram a emprestar dinheiro
para os países que estavam em processo de desenvolvimento, sendo estes
exportadores e importadores. O Brasil se enquadrava nos importadores,
considerando a política do “Pragmatismo Responsável”8, pois utilizava os
empréstimos para acelerar seu parque industrial e aquecimento econômico interno.
Essa ação ajudou a minimizar os efeitos da recessão e os grandes financiadores da
época, os Bancos, liberavam cada vez mais empréstimos devido à alta lucratividade
quem nem mesmo o mais otimista dos economistas poderia prever e, aliado ao
pagamento em dia dos países solicitantes, com seus PIB’s em ascensão constante,
dava indícios de que tudo corria muito bem.
Em 1979, a segunda crise do petróleo mostrou o que realmente deu errado
gerando a grande crise. A mudança da economia mundial, partindo pela cobrança
das altas taxas de juros, quebrou a liquidez e sufocaram de vez os países então
tomadores de empréstimos. Esses, sem recursos para arcar com a crescente dívida
externa, acumularam altos déficits acarretando na drástica queda em conseguir mais
dinheiro e acesso ao capital internacional9.
A crise tomou grandes proporções em 1982, devido ao descumprimento em
pagar as taxas de juros de alguns países devedores, onde estes não possuíam mais
condições de pagar suas dívidas e nem mesmo o acumulo de juros. O maior credor,
os EUA e os grandes bancos, estavam desconfortáveis e sem saída, caso não
procurassem agir rapidamente. Como ação imediata, quem assumiu o controle foi o
Federal Reserve, que teve o papel fundamental em organizar uma espécie de liga 8 A reação econômica do governo Geisel (1974 – 1979), implicava proceder a uma alteração significativa das relações exteriores, pois o capitalismo brasileiro atingira um nível de desenvolvimento que implicava num alto grau de inserção mundial. (PIRES, 2010, pp. 208 – 209) 9 Mesmo após o segundo choque do petróleo em 1979, o erro de percepção acerca da real extensão da crise ainda existia. (PIRES, 2010, p. 229).
14
ou comitê para controlar e ser o mediador de acordos para pagamento das dívidas
dos países devedores. Esse comitê contou também com o FMI e o Banco Mundial.
(PIRES, 2010, p. 225).
Com o Fundo Monetário Internacional (FMI) no controle, os países devedores
tiveram que seguir as exigências e regras do órgão. Para muitos, a “solução” se
transformou no estrangulamento total e endividamento contínuo. A desvalorização
cambial afetou muito as economias internas, pois a queda das taxas de câmbio
enfraquece a moeda nacional perante as demais. A desvalorização tem um efeito
“positivo” sobre as exportações, que se tornam mais competitivas.
Consequentemente, porém é negativa sobre as importações, funcionando como
instrumento corretor de desequilíbrios da balança de pagamentos. Segundo Bacha:
Era preciso antes mesmo da intervenção pesada do FMI, que a instituição analise a condição imposta. [...], deve-se verificar se a capacidade ociosa nas indústrias potencialmente exportadoras e substituidoras de importação. [...], procurar determinar se essa ociosidade se deve a falta de demanda externa ou à falta de competitividade. (BACHA, 1983, p. 10).
Ou seja, se um Estado não produz as matérias primas necessárias, sua
importação elevará frente à necessidade do consumo interno e direto. Isso eleva as
taxas de cambio10. (PASTORE, 2013).
Outra condição negativa imposta pelo FMI foram os controles de oferta
monetária, garantindo o controle da inflação e corte de orçamentos internos,
proporcionando o estímulo do investimento internacional. Esse último, aliado à
elevação de impostos internos para garantir a demanda de importações, equalizar
os preços internos junto ao padrão internacional, no intuito de garantir a integração
com a economia mundial.
As medidas impostas pelo FMI para a renegociação das dívidas
enfraqueceram totalmente as economias dos países devedores através dos juros
elevados. Basicamente os países não tinham saída: O descontrole do orçamento
interno impedia qualquer reação ou política de desenvolvimento a médio prazo. O
10 A depreciação toma as exportações mais competitivas, inibe as importações e eleva os lucros das empresas. Os lucros podem ser reinvestidos, aumentando os investimentos, fechando um círculo virtuoso”. (PASTORE, 2013).
15
descrédito e venda de títulos públicos eram para “garantir” a renegociação da dívida
e para pagar os juros diários.
1.3 – FMI, CONTROLE DA ECONOMIA, INTERVENÇÃO IMPOSITIVA
Antes da crise se instaurar nos países devedores, o FMI não se apresentava
como um organismo multilateral. Seu papel era meramente de instrumento para
pagamento de dividas de países considerados periféricos. “Os elementos restritivos
ao crescimento impostos pelo FMI visavam, basicamente, resgatar a capacidade de
pagamento do devedor”. (PIRES, 2010, p 237). Conforme citado anteriormente, o
FMI interviu fortemente na política nacional, porém, vale destacar os elementos e
acontecimentos fundamentais para identificar o “pedido” de ajuda ao FMI.
Em meio à crise (1978 – 1979), o descontentamento do presidente pelas
políticas contrárias ao seu propósito e a popularidade cada vez mais em baixa de
Figueiredo, em Agosto de 1979, nomeou Antônio Delfim Netto, a Ministro da
Fazenda11. Delfim retornou ao cargo de planejamento do país com bons olhos
perante a população de empresários e indústrias. A expectativa era a retomada do
milagre econômico12. De fato houve uma melhora significativa no crescimento do
PIB, algo em torno de 2,5% entre 1979 e 1980. (PIRES, 2010, p. 235).
Talvez ainda fosse muito cedo para que se retomasse o crescimento do país
através do financiamento estrangeiro. Mesmo com a sensível melhora na economia
praticada pelas políticas de Delfim, o governo continuou acelerando o crescimento
por conta das condições ruins do mundo naquele instante. Os EUA adotaram a
política contracionista13, reduzindo a oferta da moeda, elevando a taxa de juros e
reduzindo investimento no setor privado.
As políticas desenvolvimentistas adotadas por Delfim foram o estimulo às
exportações, desvalorização do cambio buscando a ampliação da capacidade de
exportação de produtos primários. O que podemos dizer da política expansionista é
11 Durante o regime militar, entre 1969 e 1974, foi Ministro da Fazenda e no governo Figueiredo, Ministro da Agricultura em 1979, Ministro do Planejamento entre 1979 a 1985. 12 Entre 1969 a 1973 o Brasil foi marcado pelo forte crescimento da economia, onde o investimento estatal, siderurgia, petroquímica e energia cresciam em grandes proporções, gerando lucratividade e empregos. (MOTA, 2000, p. 84). 13 Essa política monetária é aplicada quando a economia está inflacionada, visando reduzir demanda agregada aliado aos preços.
16
que ela comprometeu o crescimento da área de influência econômica brasileira,
justamente pela falta de importância dada no início do “contracionismo” norte
americano. A consequência foi a reversão onde os credores internacionais se
recusaram a “rolar” a dívida internacional. Houve contração na oferta monetária e
cortes nos investimentos para as empresas estatais e novamente o Brasil se viu
mergulhando numa incontrolável crise. “O resultado dessas políticas foi uma
impressionante queda de 4,3% do PIB em 1981 e 11% na produção industrial”.
(PIRES, 2010, p 236).
A implementação da política contracionista norte americana fechou
definitivamente as portas para os países do terceiro mundo – tomadores de
empréstimos. Entre 1981 e 1982 os países não se adaptaram às novas condições
internacionais. Em novembro de 1982 o governo se rendeu e pediu socorro ao FMI.
Em meio ao cenário e acontecimentos da época, o povo não via com bons olhos a
“ajuda” do FMI, temendo submissão e perda de autonomia doméstica.
A vulnerabilidade do Brasil em razão da crise da divida, que chegou a
grandes valores, paralelamente, contribuiu para visibilidade para barganhar no
aspecto econômico internacional. A condição de falência do México e Argentina fez
com que as atenções dos países e bancos internacionais credores (EUA
principalmente) voltassem para o Brasil temendo que sua iminente falência
causasse um efeito dominó.
Havia o discurso de que a situação do Brasil era ‘confortável’, perante o perfil da dívida, argumentando que o país possuía reservas consideráveis. O problema era que essas supostas reservas ao qual o Brasil contava, eram ativos de liquidez comprometedores. Ou seja, supostos créditos incobráveis junto à Polônia e obrigações de países latino-americanos e africanos. (BERTI, 1999, p. 27).
Com a crise financeira que assolava todos esses países dificilmente os
compromissos seriam cumpridos. Diante do risco, o presidente americano Ronald
Reagan, concedeu uma espécie de empréstimo no valor de U$ 1,2 bilhão de dólares
em respeito seriedade na condução da política econômica brasileira.
17
Após esse encontro, amadureceu-se a decisão de recorrer ao FMI14. “A
Gazeta Mercantil em reportagem de 07/04/1982 registrava que o governo americano
concluiu que ‘não poderia continuar mantendo uma atitude de indiferença (..)”:
(FRANCO, 2008, p. 95).
Washington percebe agora com clareza que a ampliação da crise internacional de pagamentos, multiplicando-se o número de países insolventes, minaria todo o sistema financeiro internacional, levando de roldão os bancos internacionais. Um Brasil insolvente, após ocorridos com México, Polônia e Argentina, poderia precipitar a catástrofe. (GAZETA MERCANTIL,1982 apud FRANCO, 2008, p. 95).
O então ministro Delfim Netto conseguiu um valor de $ 4,4 bilhões de dólares,
dividido em quatro parcelas. Porém, inicialmente apenas duas foram liberadas,
sendo que o Brasil deveria assumir um compromisso quanto à assinatura das
“cartas de intenções”.
A assinatura dessa carta, primeira de sete em 1983, fez com que novamente
o governo promovesse a maxidesvalorização do cruzeiro, assim como há quatro
anos. A segunda assinatura enviada ao FMI, o governo se compromete com
medidas para substituição das importações e estimulo aos setores exportadores. Em
decorrência disso, o governo equipara a variação cambial do país com a taxa de
inflação.
Em principio, a política do FMI foi a de aceitar as “cartas de intenções”, onde
Brasil se comprometia a ajustar a economia, através da diminuição das exportações,
elevação das importações para garantir o capital e entrada do setor privado externo,
redução no déficit público e desvalorizar os fatores cambiais, agravando a
recessão15. O acordo foi suspenso por duas vezes. Isso, pelo descumprimento em
não reduzir o déficit nominal do setor público e, em segundo também pelo
descumprimento em observar o déficit operacional do setor público. Entretanto, os
governantes brasileiros não deram muita importância aos compromissos repassados
14 O ano de 1982 foi bem mais agitado e auspicioso que os anteriores no sentido de melhorar as relações. Em primeiro lugar, o fato inusitado de ocorrem duas visitas presidenciais no mesmo ano – a de Figueiredo a Washington, em maio, e a de Reagan a Brasília, em fins de novembro e inicio de dezembro. (FRANCO, 2008, p. 38). 15 Em 18/02/1983, foi decretada uma maxidesvalorização de 30% da moeda nacional em relação ao dólar, que tornou inteiramente sem eficácia os limites quantitativos estipulados na primeira versão do acordo. (NOGUEIRA, 1984, p. 7)
18
pelo FMI, acatando nem todas as diretrizes16. É fato que, essa postura levou a
alguns ganhos para o país, tais como um leve suspiro quanto aos compromissos
orçamentários e pagamentos dos juros. Porém, ainda assim a economia do país
ficava cada vez mais estrangulada, devido à intervenção do FMI. Esse assunto será
tratado no próximo tópico.
1.4 - DÉCADA DE 80, O PAPEL DO FMI
Conforme dito anteriormente, o FMI, não era considerado um organismo
multilateral. É importante ressaltar a forte participação e recorrência ao Fundo pelas
economias na década de 80. Em 1979, onde Paul Volcker17 inicia sua política do
Dólar Forte onde defendia a elevação da taxa de juros. De acordo com Santos:
No final da década de 70, mais uma vez o rearranjo da política monetária e financeira dos EUA influenciou decisivamente a trajetória do endividamento, latino-americano. Porém, dessa vez, as políticas do governo norte-americano inverteram a situação, ou seja, ao invés de uma nova liquidez no mercado financeiro internacional, o que se viu foi uma crise de liquidez decorrente do aumento significativo das taxas de juros dos EUA. (SANTOS, 2007, p. 91).
A consequência de crescentes endividamentos está ligada aos grandes
empréstimos tomados pelos países em desenvolvimento a partir da década de 70,
através da oferta dos petrodólares possibilitando o desenvolvimento continuo dessas
economias. O problema era o fato de que a tomada desses empréstimos
contratados, eram com prazos menores e com juros flutuantes, sendo esta uma
imposição dos credores devido à nova política econômica adotada pelos EUA,
alterando os valores a cada vez que a dívida era rolada.
Outro ponto a ser considerado foi a queda nas exportações de commodities,
onde o fator sobre o balanço de pagamentos é considerável, já que esses países
principalmente Brasil, são extremamente dependentes dessa condição. Aliado a
16 “[...] nós procuramos testar o mercado com relação ao Brasil, mediante uma série de operações “club deals”, usando nossas principais empresas estatais”. (LANGONI, 1982, pp. 65 – 66). 17 O então presidente do Federal Reserve (Banco Central dos EUA), Paul Volcker, deu inicio, em outubro de 1979, à Política do Dólar Forte, promovendo uma brutal majoração da sua taxa de juros, que possibilitou a canalização do capital circulante mundial para os EUA. (SANTOS, 2007, p. 91).
19
diminuição nas exportações, de acordo com Santos (2007), houve a elevação do
preço do petróleo gerando um grande rombo na balança comercial dos países
dependentes desse bem: Essa política que durou até 1985, além de permitir aos EUA atraírem excedentes financeiros da Europa e Japão, que passaram a financiar dos déficits norte-americanos, levou também a explosão das dividas dos países devedores latino-americanos, que, de receptores de recursos financeiros externos, se transformaram em remetentes de recursos para o exterior, particularmente para os EUA, a uma taxa de juros exorbitante. (SANTOS, 2007, p. 91).
A partir daí, os países do terceiro mundo mantiveram elevados déficits em
conta, já que os empréstimos eram para manter suas contas “estabilizadas” e pagar
suas dívidas cada vez crescentes18.
Diante dos fatos, o que se pensava então era como o FMI retornaria como
ator principal, atuando no cenário econômico mundial. Os bancos não possuíam
capital suficiente para manter ou controlar a dívida e tentavam evitar um colapso
total onde precisavam providenciar o capital para que os países devedores
continuassem “reciclando” suas dívidas. Eis que a única saída era recorrer ao FMI.
O temor de que a generalização de moratórias nos países endividados provocasse um colapso do sistema financeiro internacional levou os governos dos países credores a retomar o fluxo de capitais para os países devedores. Entre 1983 e 1985 os países devedores receberam empréstimos ponte de instituições financeiras como o FMI e Banco Mundial. (SANTOS, 2007, p. 92).
O FMI, por ser agora tratado como um ator e instituição relevante no cenário
internacional era a única saída, tendo em vista sua capacidade de controlar e
fornecer informações mais detalhadas dos países endividados. Não apenas uma
instituição controladora, mas também, “[...] o FMI exerceu o papel de “negociador”
ao invés de credor, assim como os bancos” (PIRES, 2010, p. 237), ou seja, as
informações organizadas e coletadas pelo fundo possibilitou a formação de um
grupo de “devedores controlados e cadastrados”. Isso, como melhor alternativa para
18 A alta dos juros nos EUA também aumentou as dividas de empresas e bancos privados latino-americanos que haviam tomado empréstimos no exterior. Entre 1978 e 1979, esses bancos e empresas pagaram essas dívidas em moeda nacional aos seus governos, que assumiam as dívidas em dólares. “[...] À partir da década de 80, as instituições financeiras internacionais passaram a exigir dos países devedores a estatização das dívidas privadas”. (SANTOS, 2007, p. 93).
20
os bancos era fundamental, temendo que a falta de controle gerasse a suspensão
dos pagamentos das dívidas.
Com a intervenção do FMI, a renegociação da dívida e a possibilidade da
tomada de novos empréstimos era quase certa para os países mergulhados na
recessão e na dívida contínua. Porém, esse não era o propósito da instituição. Por
traz, haviam poderosos interesses políticos e financeiros, acompanhados por
recessões, custos sociais, impossibilidade de exportação de matéria prima e alta
inflação para privilegiar o mercado financeiro internacional.
[...] os países devedores foram estimulados a adotar uma política econômica recessiva marcada por desvalorizações cambiais para gerar superávits comerciais [...]. (SANTOS, 2007, p. 92).
Os programas do FMI eram arquitetados no intuito de ajustar o balanço da
economia e não resolver os problemas econômicos dos países endividados. Os
problemas que surgiram mediante as imposições orientadas pelo FMI, foram em
decorrência das dívidas cumulativas do passado, oriunda da pobre estruturação do
modelo de crescimento econômico adotado pelas autoridades brasileiras. É fato que
pagou-se um preço muito alto em função da necessidade e pressão americana em
tornar o dólar uma moeda forte, juntamente com a prospecção do cenário
econômico americano naquele momento.
A intervenção do FMI e outras instituições como o Banco Mundial foram
medidas e ações provenientes dos bancos e órgãos reguladores para que estas
mesmas instituições se “salvassem” e se mantivessem na posição de credor solúvel.
O fato é que os problemas de endividamento não foram solucionados e o Brasil e
demais países terceiro-mundistas, entrariam em uma nova fase e rodada de
negociações, como explica Bacha:
O Fundo Monetário Internacional é uma instituição destinada a auxiliar países que apresentem problemas no balanço de pagamentos. No caso de um país altamente endividado no exterior, onde boa parte de sua dívida refere-se à conta de juros, o grosso do ajuste deve ser efetuado através da balança comercial... [...] o FMI é, portanto uma melhoria na balança comercial. (BACHA, 1983, p. 6).
O novo cenário internacional, com a figura do FMI articulado, negociador e
impositivo, a crise da dívida se torna cada vez mais insolúvel e fora do controle das
21
autoridades brasileiras. Os bancos e credores se beneficiaram da intervenção do
FMI para que os compromissos dos países devedores fossem mantidos e
garantidos. Porém, algumas ações no cenário doméstico dava sinais de que haveria
uma mudança favorável, mesmo que momentânea. Assunto esse, que será tratado
no próximo tópico.
22
2: A REAÇÃO DO BRASIL EM MEIO A CRISE – INÍCIO DE AUTONOMIA ECONÔMICA E INDICIOS DE DEMCRACIA 2.1 – RECUPERAÇÃO, SINAL DE ESTABILIZAÇÃO
Abordamos anteriormente as práticas e imposições por parte do FMI, Banco
Mundial, etc. As taxas de crescimento esperadas nas exportações ficaram aquém,
se considerarmos que a economia mundial estava estagnada no início da década de
80, somado aos crescimentos negativos de alguns países. Mesmo com o
desempenho ruim de todos os setores, inclusive da economia internacional, o Brasil
superou as expectativas e cumpriu as metas junto ao setor externo.
O bom desempenho do externo amenizou a gravidade da situação em 1983. O superávit de US$ 6,5 bilhões em 1983 contra US$ 780 milhões em 1982 foi o resultado principalmente da queda de 20% no valor das exportações em relação ao ano anterior, enquanto as exportações cresceram 8,5%. (BAER, 1989, p. 186).
A partir desse momento o Brasil assinou mais três cartas de intenção, todas
agressivas, estipulando metas para os anos de 1984 e 1985, muito
comprometedoras por parte do FMI para a situação instável do país. Com isso o
então presidente do Banco Central, Carlos Langoni, se demitiu por não concordar e
duvidar dos acordos propostos.
Em 1984, já com o fantasma da crise e dívida controlada, o Brasil dava sinal
de recuperação e superação quanto ao problema do balanço de pagamentos. Viu-se
que houve a concentração e elevação de superávits, elevando a exportação
principalmente de setores com alta necessidade externa e diminuição de
importação. O Brasil diminuiu a quantidade de importações e foi favorecido com a
melhora do desempenho comercial internacional. A expansão das exportações dos
produtos manufaturados possibilitou o país a ter maior poder de negociação junto
aos credores, pois o excelente resultado alcançado garantiu o pagamento de dívidas
atrasadas, melhorou a credibilidade no cenário e reservas internacionais, eliminando
a eventual necessidade de capital privado. A prática foi vista com bons olhos pelo
23
FMI, que enxergou otimismo quanto ao crescimento da Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Em continuidade, o Brasil passou a dispensar os empréstimos externos para
financiar as importações de produtos e serviço. Diferentemente do cenário da
tomada de empréstimos, o país acelerou a exportação como parte do pagamento
dos juros. O Brasil passou por tanto, a acumular saldos crescentes na balança
comercial através da produção e concentração de exportação de produtos setoriais.
As imposições do FMI e dos credores internacionais impuseram suas práticas
e sanções ao Brasil. O planejamento nacional para implementação de tecnologia de
ponta, consolidação da indústria através da transformação, foram boicotadas
perante tais regras. As imposições estrangularam o processo financeiro, controlando
a dependência, limitando a aproximação aos demais países19.
É fato que após a significativa reação ao condicionamento da dívida externa,
em meados de 1980, como citado acima, o Brasil caminhou para democracia,
entrando em novo processo de integração buscando o desenvolvimento tecnológico
e padronização de seu parque industrial, além da participação ativa da agenda
internacional, situações promovidas a partir dos protocolos de 198620.
2.2 – SINAIS DE DEMOCRACIA, GRADUAL, LENTA E PROGRESSIVA
Ao fim do ano de 1982, especulações e visitas entre os presidentes brasileiro
e norte americano, Figueiredo em maio e Reagan em dezembro, ocorreram no
intuito de se recuperar ou criar uma “nova” relação entre os dois países. É verdade
que a ida de Figueiredo quase não ocorreu pela situação e posição do Brasil e EUA
em relação à guerra das Malvinas21, onde o Brasil teve papel fundamental no que se
pode dizer do cessar fogo entre Argentina e Inglaterra, pois, o Brasil apoiava a
Argentina e o EUA por razões históricas, tinha a posição pró-Inglaterra. 19 Desde 1980, o FMI e credores internacionais diminuíram a capacidade brasileira de influir sobre o sistema internacional, pela adequação de fins e resultados, passando o país à categoria de agente passivo de influencias, com dificuldade até mesmo de manter os avanços já alcançados. (CERVO e BUENO, 2002, p. 394). 20 Acordo assinado entre Brasil e Argentina (12 protocolos), que visavam a integração econômica e área de livre comércio entre os dois países. 21 A Guerra das Malvinas (abril-junho de 1982) teve origem na disputa pelas ilhas Malvinas/ Falklands, no Atlântico Sul, travada desde o século XIX pela Inglaterra e a Argentina, onde a Inglaterra abriria mão da soberania do território, mas não do controle administrativo. (DINSTEIN, 2004, p. 396).
24
Para muitos essas visitas eram meras especulações por parte norte
americana, cobrar do Brasil uma posição definitiva e maior participação na Guerra
Fria em troca de ajuda econômica. Para outros, era importante essa reaproximação
para garantir a imagem do Brasil. O fato é que ao final, a imprensa e críticos viram
com bons olhos a rodada de encontros:
Em um mundo que cada vez mais se caracteriza pela institucionalização da insanidade (...) é consolador verificar que a visita do presidente Figueiredo aos Estados Unidos projetou internacionalmente uma imagem do Brasil que gostaríamos que fosse projetada todos os dias. O Brasil apareceu como um país maduro e cônscio de suas responsabilidades – (...). (JORNAL DA TARDE, 1982 apud FRANCO, 2008, p. 87).
Em meio a apoios e críticas, fato é que ambas as visitas foram favoráveis
para mitigar a “indigestão” entre os dois países por conta de posições contrárias em
relação à guerra das Malvinas e, pela visão norte americana, constatou-se que o
Brasil tinha um papel muito importante e de peso no âmbito regional do sul, junto
aos demais países.
As constantes visitas e relações bilaterais do Brasil mostravam sinais
favoráveis quanto à imagem do país. Devido o fato de Figueiredo buscar e promover
a reabertura política pode-se dizer que a influência internacional teve papel
importante nesse processo, pelos constantes apoios de líderes norte americanos
quanto à conduta do governo brasileiro. Porém, há de se considerar que os EUA já
vinham pressionando quanto à abertura política, reconhecendo o Brasil como ator e
potência importante no sul. Com a ameaça do comunismo afastada na América
Latina, ocorreram as eleições diretas para governadores22, onde os eleitores
puderam eleger os representantes dos estados, mais o Distrito Federal.
O grande destaque não era somente a eleição direta para governadores dos
Estados, mas sim, mesmo com o momento delicado vivido por problemas
econômicos no país, as atenções da mídia e do povo se voltaram para as eleições,
sendo considerado um grande avanço na democracia.
22 Em 15/11/1982, ocorreram as primeiras eleições diretas (desde o golpe de 1964) para governadores com participação efetiva do povo. (NICOLAU, 2012, p. 140).
25
3: O EXECUTIVO E O ITAMARATY – AGENDA INTERNACIONAL E A INVERSÃO DE PAPEIS
3.1 – O UNIVERSALISMO DE FIGUEIREDO E A POSIÇÃO DO ITAMARATY
Até aqui, o propósito deste trabalho foi mostrar todo o cenário e
acontecimentos no governo Figueiredo, em meio às graves crises econômicas
internacionais, segunda crise do petróleo, surgimento do neoliberalismo,
dependência do capital estrangeiro e privado, intervenção do FMI, elevação da taxa
de juros no intuito de supervalorizar o dólar e pressões populares quanto à
redemocratização do país. Porém, cabe aqui destacar como a política do
universalismo, política externa do Chanceler Ramiro Saraiva Guerreiro23, se
comportou em meio a todos esses episódios. Principalmente pelo fato do Brasil ter
agravado seu processo de endividamento, ocorreram mudanças de Ministros da
Fazenda e constantes participações na agenda internacional.
A situação no mundo quanto à questão da bipolaridade era cada vez mais
agressiva por parte dos EUA. O intuito com a Guerra Fria era o enfraquecimento da
extinta URSS, minando cada vez mais a possibilidade de relações multilaterais,
desarticulando uma possível atuação dos países do terceiro mundo.
No mesmo período ocorria a guerra das Malvinas entre Inglaterra e Argentina,
evidentemente pelo passado histórico os EUA apoiavam a Inglaterra e o Brasil
mesmo com sua política de “não alinhado”, de forma indireta apoiou a Argentina. A
partir de então era perceptível por parte não só do governo brasileiro, mas também
da diplomacia, a perda de autonomia dos países médios do terceiro mundo.
A política externa do Chanceler Ramiro Saraiva Guerreiro autodenominou-se de Universalismo, e esforçou-se por manter a autonomia do Brasil em um cenário crescente desfavorável. (VISENTINI, 2013, p. 81).
Apesar da crescente afirmação por parte do governo brasileiro em elevar os
patamares do país à grande potência industrializada, o Itamaraty “entendia” o Brasil
como um país de terceiro mundo e assim sustentava suas participações nos fóruns
internacionais. Através de sua posição de país não alinhado, denunciava os abusos
23 Ministro das Relações Exteriores do governo João Batista Figueiredo entre 1979 – 1985.
26
políticos e econômicos do qual, países dependentes de capital estrangeiro estavam
sujeitos.
Além das participações internacionais, o Brasil também integrou grupos de
apoio, G-824 e mantinha um bom relacionamento com os países Árabes e países
asiáticos. Isso elevou a importância da América do Sul por conta da condução da
diplomacia e política externa do Brasil.
A afirmação de país terceiro-mundista era um tanto quanto “desconfortável”
para alguns. Até mesmo era indigesto aceitar essa condição para o Brasil. O que, na
realidade era de fato uma condição reconhecida e afirmativa por parte dos países
desenvolvidos. De acordo com Visentini:
A categoria de Terceiro Mundo, em que pese sua diversidade, agregava países, ‘importadores líquidos de capital e de tecnologia e que não haviam atingido um nível de desenvolvimento autossustentável’. (VISENTINI, 2013, p. 83).
Em relação à diplomacia do Brasil com a URSS, China e Países Árabes, era
reconhecido que esses “votavam” com o terceiro mundo, o que não significava uma
ligação política direta entre eles. Porém, conforme narra Guerreiro:
[...] o Brasil seguia uma política alinhada com os Estados Unidos, talvez até 1961. Mesmo nesse período, o Brasil divergia quando se percebia interesse nacional com o caráter claramente específico, diversificado. (GUERREIRO, 1992, p. 14).
Nessa fala de Guerreiro, podemos destacar a década de 1960, onde o
Comunismo se estendia pelo mundo e, os EUA, com receio do avanço e adesão do
Brasil ao movimento, intervia substantivamente tentando evitar. Naquele momento, a
importância do Brasil como uma potência regional e caráter de liderança, era
fundamental para que o capitalismo ganhasse força no cone sul e enfraquecesse o
comunismo. Dependendo dos rumos políticos e econômicos tomados pelo Brasil,
este seria um reflexo para a condução e tomada de decisões dos demais países da
América do sul. Diferentemente, na década de 1980 onde o comunismo já não era
mais uma ameaça, os interesses passaram a ser fortemente econômicos, aliado às
pressões quanto ao pagamento da dívida junto ao FMI.
24 O G8 reúne países do Grupo dos 8 (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão, Reino Unido e Rússia), mais os 5 países emergentes: (África do Sul, Brasil , China, Índia e México).
27
Figueiredo assumiu o poder já com a premissa de ser o “presidente da
abertura”, com um novo modelo de política externa, onde o “Pragmatismo
Responsável25” cede lugar ao “Universalismo”, pregando a “dignidade nacional e boa
convivência”, conforme seu discurso ao congresso nacional:
Nossa política nacional caracteriza-se pela presença, cada vez mais marcante dos interesses nacionais em várias regiões do planeta e na ampla gama de temas em debate no plano internacional. [...] o universalismo da política externa se expressa pela ampla disposição ao diálogo, com base no respeito mútuo e no principio de não intervenção. O Brasil procura afirmar um novo tipo de relações internacionais, de natureza aberta e democrática, horizontal, sem subordinações nem prepotências. O Brasil assume integralmente a sua condição de país latino-americano. Acredita que, em conjunto, as nações latino-americanas devem buscar as mais aperfeiçoadas formas de integração regional, que permitam não só acelerar o desenvolvimento e o intercâmbio entre elas, com o realismo e a atenção às potencialidades e necessidades de cada país, senão também que lhes facilite presença mais hegemônica nas negociações econômicas com os países desenvolvidos. (FIGUEIREDO apud VISENTINI, 2013, pp. 81 – 82).
A nova conjuntura internacional vivia momentos delicados entre os blocos e
pólos políticos. A tensão entre o capitalismo norte americano e o comunismo
soviético, são o centro das discussões que envolviam o tema de segurança
internacional. Em principio, com o fim da détente26 as relações entre os países
ficavam cada vez mais estreitas, no sentido de melhor aproximação uns com os
outros. O Brasil não se manifestava quanto à prática norte-americana, mas
condenava ações intervencionistas.
Com a nova Guerra Fria substituindo a détente, a situação internacional se caracterizava pela reativação das tensões. Os problemas que não puderam ser resolvidos sob regime da détente, reapareceram de forma agravada. A tendência à confrontação reafirmava a dimensão Leste-Oeste na política mundial, com crescentes riscos para a segurança nacional. (VISENTINI, 2013, p. 85).
A gestão de Guerreiro, em seus seis anos, sempre foi de posicionar as
intenções do Brasil como um país pacífico e de cooperação. Por diversas vezes, em
seus discursos, o Chanceler deixava claro as intenções de manutenção da paz entre
25 Uma política externa que repudiava discussões semânticas e que afasta os extremos. Política externa implementada pelo governo Geisel em seu governo (1974 – 1979). (VISENTINI, 2013, p. 79). 26 O equilíbrio do terror atômico, a corrida espacial e a “queda de braço” entre Washington e Moscou durante grande parte da década de 1960 demonstraram que os esquemas da coexistência ainda persistiam. Fase mais madura do relacionamento entre as superpotências só se verificou no final dos anos 60 e início da década de70. (SARAIVA, 2001, p. 65).
28
os Estados, igualdade para todos, justiça e não à dominação. Defendia o surgimento
de “uma nova ordem mundial”, onde todos os gastos e esforços com corridas
armamentistas e guerras eminentes fossem destinados à tecnologia, crescimento e
progresso. Os acordos unilaterais com países da África, países árabes, países
asiáticos e uma tímida aproximação comercial com a URSS, deram destaque para
América latina.
O crescente e lucrativo relacionamento comercial com o Oriente Médio e com a Ásia construía elementos dessa política, ainda que com relação à África Subsaariana os resultados fossem modestos. (VISENTINI, 2013, p. 87).
Mesmo com o destaque e posição do país, sob a ótica das relações
internacionais, os crescentes conflitos entre o eixo leste-oeste, davam a
oportunidade ao Brasil de se distanciar desse foco improdutivo e cuidar de seus
interesses para com seus vizinhos, ou seja, o Brasil saía da condição de negociador
intermediário ou prestador de serviços de interesses maiores, para atuar junto aos
demais de mesma condição.
[...] a diplomacia brasileira pretendia, quanto a essa questão, reforçar o que já existia, conferindo uma nova dimensão aos laços tradicionais que uniam o Brasil aos países do Terceiro Mundo e ao Ocidente industrializado. (VISENTINI, 2013, p. 87).
Isso porque a condição da cooperação sul-sul, não propunha os propósitos
economicamente traduzidos entre norte-sul:
A cooperação sul-sul, além de seu valor intrínseco, poderia vir a reforçar o poder de barganha brasileiro em negociações econômicas globais, sobretudo se esta passasse de uma solidariedade de dimensão retórica para outra dimensão concreta e econômica. (VISENTINI, 2013, p. 87).
O Brasil também se destacou no apoio político e cooperação econômica com
a África (particularmente Angola), referente à troca de petróleo por produtos e
serviços, além de condenar o apartheid27 sul-africano. O Brasil foi tentado pelo
governo americano a cooperar contra os países africanos, devido aos crescentes e
27 Regime de segregação racial adotado entre 1948 a 1994, por políticos brancos partidários do Partido Nacional na África do Sul, onde os diretos da população negra eram ignorados.
29
recorrentes conflitos. “[...] o Itamaraty recusava as propostas recorrentes durante o
Governo Reagan, de militarização (sobretudo naval) do Atlântico Norte.”
(VISENTINI, 2013, p. 87).
Além dos acordos com a África, o Brasil mantinha excelentes relações com os
países do Oriente Médio. O Brasil com sua indústria armamentista estatal em
desenvolvimento passou a exportar armas, carros de combate, mísseis, aviões,
produtos agropecuários e serviços, isso, como pagamento da importação de
petróleo. O Brasil também manteve relações bilaterais com a China, provenientes de
acordos nucleares, satélites e repasse de recursos para avanço tecnológico. Isso,
em menor escala, despontou interesses de potências médias, como União Soviética
e de periférica como Índia.
A diplomacia brasileira ganhava destaque, além de a América Latina
caminhar para uma cooperação entre Estados e incomodar a potência hegemônica,
os Estados Unidos, que pressionavam pelo fim dos regimes e cumprimento dos
pagamentos da dívida. Como explica Visentini:
O Brasil observava com extrema inquietação a crescente pressão americana pela redemocratização no Cone Sul, interpretando o fenômeno como uma estratégia de desarticulação das potências médias e de busca de legitimação do pagamento da dívida externa destas. (VISENTINI, 2013, p. 88).
Na concepção do governo, o Brasil deveria construir uma posição de potência
como Estado, mas entendendo que a expectativa de alcançar uma posição superior
na hierarquia internacional, não seria a curto prazo. Porém, era sabido que a
inserção do país e interesses nacionais deveria ir além e que só seria possível
através do desenvolvimento econômico e conquista de espaço de autonomia
nacional.
Os objetivos em curso da política externa brasileira estavam fora do contexto
da conjuntura internacional, ou seja, o desenvolvimento buscado pelos militares
acabou sendo ineficiente por conta da estratégia adotada junto aos demais países
do sul e leste. De acordo com Cervo e Bueno:
É nesse contexto extremamente adverso que a diplomacia brasileira tentou formular uma política externa de cunho universalista, buscando reavivar o multilateralismo como forma de tentar superar a crise. (CERVO e BUENO apud FERREIRA, 2006, p. 120).
30
O Universalismo de Figueiredo promoveu a exposição do Brasil a diversas
relações internacionais e inserção no cenário internacional e não a um alinhamento
incondicional com os EUA. De fato, o Brasil naquele período conseguiu bons
acordos e visibilidade externa com suas relações norte-sul e sul-sul, intentando-se
como uma potência industrializada do ocidente desenvolvido. Porém, o
Universalismo em sua essência, causa contradições e desconformidades quando
adotado por países como o Brasil, recém-industrializado e que oscilava de acordo
com os acontecimentos internacionais, sendo ora dependente, ora autônomo.
3.2 – O INSULAMENTO BUROCRÁTICO E O UNIVERSALISMO DE PROCEDIMENTOS
A proposta desse trabalho é mostrar como a influência e acontecimentos de
um regime que visava a garantia do progresso de um país se comportou frente ao
desequilíbrio externo com elevadas taxas de juros praticadas pelos EUA e
instituições financeiras e instabilidade no cenário doméstico, em decorrência do
endividamento. A atuação diplomática e o poder executivo por vezes se
confrontavam com diferentes interesses, atuações e objetivos incomuns.
Com relação ao regime militar, podemos considerá-lo fechado, que buscava
garantir o equilíbrio e controle através da força, sem intervenção externa nas
práticas ou meios utilizados para garantir o objetivo final. Em síntese, a grande
intervenção “de fora para dentro”, foi a administração do FMI e instituições
financeiras, no cenário doméstico, na crise dos países subdesenvolvidos entre 1979
– 1985 e aumento das taxas de juros.
A definição de insulamento no contexto de autonomia dentro de um regime
proporciona o Itamaraty o título de ministério ilhado, cercado pelos demais
ministérios onde não há interferência do executivo; ou seja, trata-se de uma
estrutura criada por um corpo de burocratas que visam defender os interesses
nacionais do Estado, porém, através de uma atuação despolitizada, sem
interferência popular ou através de votos.
Dentro do Ministério das Relações Exteriores existem outras esferas
independes do executivo, como a Secretaria Geral das Relações Exteriores, porém,
diferentemente das demais secretarias ministeriais. Conforme explica Soares:
31
A Secretaria Geral das Relações Exteriores é diferente das secretarias executivas dos ministérios. É a única que tem denominação própria; seria equivalente, talvez, ao Estado-Maior dos militares. (SOARES, 2006, p. 51).
Mesmo com a autonomia decisória do Itamaraty, este pode sofrer
interferências de certas ações no ambiente doméstico/internacional ou diferentes
atores governamentais e sociais. Guerreiro, em sua gestão no governo Figueiredo,
teve que lidar com constantes intervenções por parte do FMI e discussões de
política externa entre o governo brasileiro e americano e fóruns multilaterais.
Em tese, a crescente pressão quanto à liberalização do Estado, fim do regime
militar a agenda internacional era cada vez mais aberta para atores nacionais e
transnacionais. O governo observava com certa inquietude as constantes pressões
dos EUA quanto à redemocratização dos países da América Latina, paralelo aos
compromissos do Brasil no cenário internacional.
Alguns acontecimentos podem abalar ou interferir negativamente na atuação
diplomática. Em sua essência, a atuação de outras instituições sendo por
interferência direta do executivo ou por atores transnacionais e/ou terceiro setor,
podem desconstruir e comprometer a atuação da diplomacia. De acordo com
Przeworski, dentro de um regime militar, a atuação de outros organismos
independentes ou com autonomia reconhecida, não são tolerados, a partir do
momento em que estas fossem adversas aos interesses comuns do regime gerando
um dissenso:
[...] ditaduras: elas não podem tolerar organizações independentes, pois quando não houver alternativas disponíveis em termos coletivos, as ações individuais não adquirem importância significativa para o governo. (PZREWORSKI apud FERREIRA, 2006, p. 123).
Quando as intenções diplomáticas se cruzam com os interesses do executivo,
os objetivos da agenda se pulverizam e o papel do Itamaraty torna-se meramente
participativo em meio às ações e diretrizes do executivo.
O período aqui estudado 1979 – 1985 demonstra as atuações aliadas do
Poder Executivo e do Itamaraty, na condução da agenda internacional, onde o
consenso de ambos às vezes era difuso.
32
Mesmo com a interdependência entre o Itamaraty e o Governo, observou-se a
participação conjunta de ambos, nas questões financeiras internacionais buscando a
resolução de problemas e relação entre economistas e diplomatas.
Apesar do Ministério das Relações Exteriores ser independente ou insulado,
ou seja, separado do poder Executivo, o governo Figueiredo desempenhou um
papel importante na escolha do chanceler Ramiro Saraiva Guerreiro. Seu convite
para o mais alto cargo das relações exteriores foi narrado assim:
Fui convidado pelo presidente eleito a assumir a função de ministro de Estado das Relações Exteriores. Na ocasião, sua excelência me disse, inter alia, que me conhecia mais do que eu supunha e desejava prosseguir, com as adaptações aconselháveis, na política externa do governo anterior. (GUERREIRO apud FERREIRA, 2006, p. 121).
Com a indicação do General Presidente, de acordo com a narrativa de
Guerreiro, no início, havia certa indigestão por parte do chanceler em dar
continuidade ao modelo da política externa sugerida por Figueiredo:
Embora estivesse de acordo com meu chefe com a linha geral de uma política que se denominava de PRAGMATISMO RESPONSÁVEL, como Ministro, creio não haver usado a expressão mais do que uma vez, e ainda no principio. Não tinha objeção de substância, mas até por temperamento, me parecia que podia prestar-se a equívoco”. (GUERREIRO apud FERREIRA, 2006, p. 122).
A Política Externa Brasileira – PEB, buscava se manter na posição de reflexo
do consenso nacional quanto à condução da política no ambiente internacional,
mesmo com a dúvida sob sua continuidade e intenção de mudança independente.
De acordo com Guerreiro:
Procuramos fazer que a atividade diplomática sirva de ponto de união de brasileiros, de coesão política e social, e não a interesses localizados e transitórios. (GUERREIRO apud FERREIRA, 2006, p. 123).
O Itamaraty e seus diplomatas apesar de autônomos enquanto burocratas
tiveram apoio de Figueiredo quanto à condução da Política Externa brasileira. Os
resultados positivos e constantes participações em fóruns e compromissos da
agenda internacional fizeram Figueiredo manter a política do Universalismo e apoio.
Mesmo com a transição para abertura política no país, à época, o então Ministro das
33
Relações Exteriores, Saraiva Guerreiro, estava ciente das possíveis implicações
para a Política Externa. Ele entendia que a cooperação e o principio da não
interferência do executivo, proporcionaria resultados melhores, havendo a amplitude
da atuação das diferentes esferas.
Havendo o insulamento ou não, o certo é que o Itamaraty e sua política
externa ganharam destaque no cenário internacional proporcionando a atuação
participativa e importantes tomadas de decisões nas questões internacionais. Em
decorrência desses acontecimentos e da transição histórica, os compromissos
diplomáticos passaram a ser também tarefa do executivo participativo e cada vez
mais decisório nos assuntos da Política Externa.
3.3 – VULNERABILIDADE BRASILEIRA, APELO INTERNACIONAL
Conforme dito anteriormente, na década de 1980, o governo Figueiredo
enfrentou graves crises econômicas e estagnação do desenvolvimento nacional e
externo. Conforme explica Cervo e Bueno, duas situações importantes contribuíram
para a permanência nessa condição, onde a atuação dos responsáveis pela política
proporcionava a inversão dos papeis:
Em primeiro lugar, políticas econômicas internas marcadas por elevado grau de instabilidade contiveram o ritmo de crescimento, comprometeram a credibilidade do governo e minaram as expectativas sociais diante do Estado; em segundo lugar, a decisão da área econômica em conduzir por si as negociações da dívida externa, de acordo com a imposição dos credores, de forma permanente, contabilista, empírica e despolitizada, sem articulação com o Congresso e da chancelaria. (CERVO, BUENO, 2002, p. 427).
O Brasil, incapacitado de negociar a seu favor no cenário internacional se
tornava submisso e passivo, sem condições de atuar incisivamente no sistema
internacional frente às imposições e dificuldades produzidas pelos EUA e instituições
financeiras como o FMI.
Na percepção do Itamaraty, no inicio dos anos oitenta o cenário internacional
estava fragilizado tanto na esfera política quanto na econômica. A instabilidade
cambial, crises, imperialismo norte-americano, “bipolarismo” e protecionismo, eram
fatores fundamentais que conciliavam para a dependência de países como o Brasil.
34
Já na segunda metade da década de oitenta, os problemas ainda
continuavam e se agravavam, tendo em vista a consolidação da divisão
internacional do trabalho, crise do multilateralismo e crescentes divergências com os
Estados Unidos e Europa, onde os países ricos “sugavam” os recursos produzidos
pelo Terceiro Mundo.
A situação era de extrema inquietação e a diplomacia brasileira passou a
desempenhar um papel importante no cenário internacional, participando de foros
internacionais no intuito de “denunciar” os abusos e mazelas proporcionadas pelos
países e instituições financeiras, sugerindo mudanças no sistema internacional,
conforme alguns acontecimentos a seguir narrados por Cervo e Bueno (2002):
a) V UNCTAD, Manila, maio de 1979: o chefe da delegação brasileira exerceu pressão pelo desenvolvimento, protestou contra as salvaguardas unilaterais dos ricos ao comércio internacional, contra o protecionismo. b) XI Assembleia Geral Especial da ONU, 1980: onde o Brasil empenhou-se por “Negociações Globais” a nova fórmula do diálogo Norte-Sul. c) XXXVII Assembleia Geral da ONU, setembro de 1982: pela primeira vez o chefe de Estado brasileiro abriu a sessão. [...] Criticou a ordem internacional que preservava as estruturas do poder em detrimento dos fracos, a cooperação internacional que não promovia o desenvolvimento, a interdependência que administrava a desigualdade, os órgão internacionais (FMI, BIRD, GATT) que só tinham ouvidos para os ricos, as taxas de juros que inviabilizavam o crescimento das nações atrasadas. d) Reunião do Grupo dos 77, Rio de Janeiro, dezembro de 1983: ante o fracasso global das negociações Norte-Sul (Cancun, GATT, UNCTAD), Guerreiro reagiu com a proposta de uma estratégia de cooperação Sul-Sul. (CERVO e BUENO, 2002, p. 429).
Mesmo com as participações e denúncias nos foros internacionais, o Brasil
procurava estabelecer suas relações com a América Latina visando o progresso e
aliança entre o bloco, onde os governantes procuraram ser cautelosos em relação
aos acordos e negociações das instituições financeiras e reguladoras do comércio,
principalmente tratando-se do Norte-Sul. Porém, é importante destacar que tanto a
economia brasileira quanto a sociedade e o crescente endividamento externo,
prejudicaram o Ministério das Relações Exteriores do Brasil. De acordo com Cervo e
Bueno, a participação do Itamaraty e do Executivo foram ausentes no processo de
negociações, relacionado aos acordos e negociações internacionais, como narra os
autores:
35
As negociações foram conduzidas pelos economistas da Fazenda, do Planejamento e do Banco Central, à revelia da sociedade e de outros órgãos que a representavam. (CERVO e BUENO, 2002, p. 435).
A participação do Itamaraty em sintonia com o executivo seria de suma
importância nos assuntos internacionais, principalmente ligado ao problema
financeiro brasileiro, onde as negociações e rolagem de dívida mostravam cada vez
mais a submissão e dependência do país. Fatos históricos demonstram que os
problemas de endividamento externo enfrentados por países socorridos por
instituições credoras, são submetidos à regulação impositiva do credor, “como os
que foram concedidos à Alemanha no entreguerras”. (CERVO E BUENO, 2002, p.
436).
A imposição das instituições financeiras sendo FMI no caso brasileiro, nos
remete a identificar que o Fundo participou ativamente na regulação da situação
econômica externa brasileira e nas diretrizes quanto à condução da política externa
do Brasil. Ainda de acordo com Cervo e Bueno, a situação do Brasil era de
aceitação às medidas preconizadas pelo FMI:
A tendência do pensamento político e diplomático brasileiro, expressa na ONU e em outros foros internacionais, apontava para essa solução, distinta das receitas recessivas do FMI e da comunidade financeira internacional, aceitas pela área econômica dos governos brasileiros. (CERVO e BUENO, 2002, p. 435).
Mesmo com as intenções do Itamaraty em negociar a dívida na tentativa de
exigir uma reforma da ordem internacional, o governo brasileiro interferiu na
condução e negociações junto ao FMI, “apoiando” a atuação dos economistas sem a
participação ativa do Itamaraty:
Foi a visão dos economistas, inclinados a soluções monetaristas negociadas bilateral e diretamente com a comunidade financeira. Para não demonstrar falta de coordenação, o governo brasileiro inibiu a chancelaria, liberando a área econômica [...]. (CERVO e BUENO, 2002, p. 436).
A interferência do governo quanto aos papeis de atuação do Ministério das
Relações Exteriores (MRE) e dos ministérios econômicos, tendia para o lado do
imediatismo sem planejamento e medidas emergenciais. De acordo com Visentini:
36
Se, por um lado, nas decisões de curto prazo, os ministérios econômicos tinham um grande peso, por outro o MRE criava alternativas de médio e longo prazos, acompanhando politicamente a agenda econômica e procurando enfrentar os conflitos mais imediatos na área diplomática, de modo a salvaguardar o projeto nacional de então. (VISENTINI, 2013, p. 82).
As elevadas taxas de juros praticadas pelos EUA submeteram o Brasil à
recessão e recorrência a empréstimos e rolagem para pagamento da dívida. Não
obstante, o uso das empresas estatais como instrumento para tomada de novos
empréstimos culminou em um estrangulamento total da economia interna e externa.
O mais grave dessa situação, era a posição “estática” do congresso e do próprio
Itamaraty. Como instrumentos de controle social do governo, esses, “assistiam” ao
desenrolar dos acontecimentos, onde deveriam atuar de maneira consciente na
tentativa de evitar ou abrandar o colapso da economia externa e comprometimento
da política externa brasileira. A inversão de papéis, onde os economistas
executaram o papel dos diplomatas, mostra a dependência brasileira do capital
estrangeiro que culminou na aceitação das mudanças na condução da política
interna e externa. Conforme narra Cervo e Bueno:
[...] durante o governo Figueiredo (março de 1979 a março de 1985), o ministro Delfim Netto e sua equipe optaram por submeter-se as exigências dos credores, representados pelo FMI. (CERVO e BUENO, 2002, pp. 437-438).
Outra analise feita por Sônica de Camargo, afirma que em meio às mudanças
do sistema internacional e com a “necessidade” do Itamaraty se adaptar, às
negociações econômicas internacionais, a política externa tornou-se despolitizada e
não apenas conduzida pelo MRE:
[...] o Ministério das Relações Exteriores no que diz respeito às decisões de política externa foi de certa forma afetado pelo agravamento da crise de 1982, que trouxe absoluta prioridade às negociações econômicas no campo internacional. [...] os ministros econômicos disputaram o monopólio das negociações, dificultando que as questões econômicas fossem politizadas e, portanto, conduzidas pelo Itamaraty. (CAMARGO apud VISENTINI, 2013, p. 83).
O Governo Figueiredo promoveu uma “adaptação” na política externa
brasileira em face aos novos ambientes externo e doméstico. Por conta das
constantes mudanças do sistema internacional, o “Universalismo” foi a alternativa
para condução da política exterior do Brasil. O fator principal estava relacionado à
37
crise da dívida, onde o Itamaraty também se viu obrigado a adaptação e condução
de seu poder decisório. O cenário ou percepção do Governo Figueiredo
proporcionava a atuação alternada, mas desordenada por parte dos policymakers28.
De acordo com Camargo:
Essa dualidade, na verdade, marca a ação da diplomacia brasileira nos foros internacionais, pois o estrangulamento do modelo de ajuste exterior com a crise da dívida acarretou na necessidade premente de negociações com as agências financeiras e com os bancos credores [...]. (CAMARGO apud VISENTINI, 2013, p. 83).
O sistema internacional se tornava cada vez mais adverso às preposições do
Brasil, limitando sua possibilidade em negociar e barrando seus acordos multilaterais
com os demais países do Terceiro Mundo. Conseqüentemente, a inevitável
reaproximação econômica ou medidas conciliatórias (sem alternativa) com os EUA e
com os organismos internacionais como o GATT e o FMI, “facilitaram” a aceitação
por parte do governo brasileiro, em acatar decisões impostas pelos credores.
É fato que o FMI como entidade reguladora, ganhou relevância principalmente
no período (1979 – 1985), regulamentando e interferindo nas economias do Terceiro
Mundo que a ele recorriam. Porém, sua atuação estava representada pela
interferência dos Estados Unidos, sendo ator principal nas regulamentações e
orientações frente à instituição, de acordo com Cervo e Bueno (2002), “através da
instalação de sindicâncias por parte do FMI, ameaçavam dificultar as negociações
da dívida às instituições oficiais”.
28 Responsáveis pelas diretrizes políticas / formuladores de política
38
CONCLUSÃO
Este trabalho se propôs discutir e identificar a atuação do FMI junto aos
acontecimentos de 1979 – 1985, em meio às graves crises econômicas, pressões
internas e externas quanto à estabilização da economia brasileira, controle da
inflação e fim do regime militar. O surgimento e adoção ao neoliberalismo no final
dos anos oitenta e início da década de noventa, por parte dos países credores e a
liberalização da atuação das instituições financeiras, afetaram consideravelmente as
economias até então em crescimento, como o caso do Brasil. Para o governo
brasileiro, a proposta neoliberal ia à contra mão do regime político implantado em
1964. A situação financeira do Brasil conduziu o país a recorrer ao FMI, sendo o
capital externo uma saída apesar de estrangular a economia brasileira.
De acordo com Bacha (1983), o FMI atuou como órgão regulador da balança
de pagamentos, onde os interesses em ajustar a balança comercial do mundo
prevaleceram por conta das altas taxas de juros praticadas naquele momento.
Casos como o aceite do Brasil, como as cartas de intenções, visando empréstimo
em longo prazo com comprometimento do pagamento fora da realidade nacional, foi
a alternativa escolhida para sair da condição de estagnação e crise econômica. De
acordo com Nogueira (1984), essa medida provocou uma grande desvalorização da
moeda nacional, próximo aos 30%, tornando ineficaz o acordo entre Brasil e o FMI.
Destacamos as medidas impositivas e sanções do FMI que vieram a influenciar na
economia e política externa brasileira. Visentini (2013), destacou o boicote nos
acordos multilaterais entre os países subdesenvolvidos e troca de tecnologia entre
países em desenvolvimento ou os considerados “não alinhados” por parte dos EUA.
Por outro lado, procuramos analisar e apresentar momentos em que o Brasil,
diante da crise e imposições norte americanas e do FMI, conseguiu desempenhar
um papel de crescimento e reversão da situação negativa. De acordo com Baer
(1988), a elevação das exportações em 1983, promoveu uma leve ascensão na
economia e queda na dependência do capital externo.
Nesse contexto, pode-se concluir que o FMI agindo como um ator multilateral,
regulador da economia brasileira e da política externa naquele momento garantiu,
em paralelo os anseios dos EUA em aplicar suas políticas protecionistas e
unilaterais. Podemos ainda supor que em meio às coordenadas promovidas pelos
Estados Unidos, o FMI estipulou regras e pôde conduzir com autonomia as medidas
39
para condução da situação delicada ao qual se submetera o Brasil. A atuação da
instituição, mesmo sendo reflexo dos interesses dos EUA e demais instituições
financeiras, proporcionou instabilidade e dualidade no campo diplomático e
executivo. Visentini (2013), destacou essa dualidade no cenário interno e externo da
condução da política externa, onde a atuação e negociações dos economistas eram
por vezes mais importantes que a condução do Itamaraty.
Paralelo as esses acontecimentos, Camargo (1988), explica que a prioridade
ou “legitimidade” concedida para os economistas, levaram a negociação das
questões econômicas diretamente com as instituições financeiras. Conclui-se que
não apenas a situação econômica era discutida, mas também com grande
relevância, a política externa brasileira.
Através desses acontecimentos podemos identificar a mudança no curso da
política externa brasileira frente aos acordos emergenciais e desarticulados
influenciados pelo FMI.
Conclui-se que a política externa brasileira sofreu interferência do governo
(executivo), onde se priorizava as medidas emergenciais e de rápida implementação
e que por vezes surtiram pouco efeito, ao invés de uma elaboração de uma política
externa baseada em analise e discussões politizadas. O “Universalismo” como
destaca Visentini (2013), se tornou uma alternativa frente às mudanças do cenário
internacional. Porém, a crise da dívida se tornou assunto relevante e passou a ser
fundamental na agenda internacional do Brasil, tendo como tomadores de decisões
as atuações dos economistas e menos dos diplomatas.
O modelo de política externa promovida pelo governo Figueiredo junto ao
congresso nacional ocorria de maneira sistemática, e não era propriamente
adequada para aquele momento.
Destacamos que naquele momento, houve duas condições distintas para o
Brasil: a primeira, um Brasil dependente de um acordo (unilateral) promovido pelos
EUA, regrado pelo FMI, onde o país visava sua tentativa de reinserção como
“grande potencia”, desenvolvimentista aliada aos países capitalistas detentores do
recurso financeiro e estrangulador; a segunda, um Brasil participativo e proativo,
mostrando sua capacidade de negociar, liderar missões e blocos interessados em
desenvolvimento sem submissão ao capital estrangeiro. O cenário internacional
estava submisso frente às ações impositivas dos EUA, que aproveitavam a situação
delicada no mundo, criando um alinhamento unilateral, promovendo a intervenção
40
do FMI, onde este cerceava a possibilidade dos demais países subdesenvolvidos
criarem acordos multilaterais e autoajuda para equilíbrio na balança de poder. Tanto
a URSS quanto a ONU, fragilizadas pela situação financeira, não tinham condições
para atuar contra o imperialismo norte americano imposto aos países
subdesenvolvidos.
A hipótese para análise e elaboração deste trabalho, baseia-se nos
acontecimentos e situações apresentadas que mudaram a atuação do executivo e
da chancelaria no período em tela. De acordo com Cervo e Bueno (2002), durante o
governo Figueiredo, o ministro da economia, se submeteu às exigências do FMI
protelando cada vez mais o problema e rolagem da dívida. Os trâmites e situações
internacionais ao qual o Brasil se inseriu, contribuíram para uma mudança contínua
e recorrente na política externa brasileira. O FMI, já consolidado como um ator
multilateral atuou e influenciou incisivamente nos temas da discussão da política
interna e externa. O período 1979 – 1985, promovia diversas áreas e temas para
atuação e inserção da agenda internacional, porém, no caso do Brasil o tema se
concentrava estritamente na solução do problema das crescentes dívidas. O fato é
que a situação caminhou para uma tentativa da resolução não apenas relacionado
aos empréstimos junto ao FMI, mas também como o Brasil se comportaria daquele
momento em diante para os assuntos de política externa.
Respondendo as indagações iniciais, se a condução e as medidas
preconizadas pelo FMI repercutiram na condução da PEB, concluímos que sim,
sendo este fator importante nos rumos e decisões da política exterior brasileira no
período. Considerando a negatividade por parte da instituição, no ambiente
doméstico, o FMI causou grande abalo e desestruturação da economia, agravado
pelas frustradas tentativas de recuperação e falhos planos econômicos. Com o
agravamento da crise, uma mazela do Estado, do governo e da economia, o Brasil
se viu obrigado a abandonar o caminho desenvolvimentista que buscou em seu
processo de industrialização. O Brasil se viu poucas vezes comprometido com a
superação do subdesenvolvimento e quase sempre conservador, a política ou
longos ciclos de investimentos, cedeu lugar ao curto prazo e condição de um tipo de
política voltada para necessidades de ajuste de estrutura interna, fraco destaque
internacional e constantes mudanças na condução da política externa. Por outro
lado, não se pode afirmar que o FMI atuou de forma incisiva para o fim do regime
militar e abertura política. Nesse quesito, o que se pôde observar foi o desgaste de
41
um modelo de governo e políticas protecionistas e nacionalistas que não suportou as
pressões principalmente externas, oriundas das demandas econômicas que ora
emergiam dos países detentores de capacidade de barganha e adaptação de
mercado, ora geravam desequilíbrios e falência de países sem estrutura e
fragilizados política e economicamente, dependentes do capital externo.
Além das pressões externas, as pressões no cenário doméstico eram
extremamente desfavoráveis para o governo dos militares, que já mostrava sinais de
fragilidade desde o início da década de oitenta. Diante de todos os fatos,
principalmente a recorrência e dependência do FMI, a dificuldade de atuação no
cenário externo e cumprimento da agenda internacional, assim como os crescentes
apelos e protestos da população quanto ao fim do regime militar para eleições
diretas, o Brasil inicia em 1985, seu processo de transição política, proporcionado
principalmente pelo cenário econômico e externo.
O Brasil que mantinha uma matriz de política baseada na aliança
internacional por interesses e avanços controlados pelo Estado, construída nos anos
setenta por Geisel, passa a ser com Figueiredo, estritamente doméstica em
contraposição da política externa “Universalista”.
Esse trabalho se restringe ao período 1979 – 1985, época de graves crises
econômicas e negociações junto ao FMI. Porém, vale ressaltar que as medidas
implementadas, tomadas de decisão e a condução da política externa promovida
durante o Governo Figueiredo, refletiram nos governos seguintes, principalmente no
governo Collor (1990 – 1992), onde a adesão do Brasil ao neoliberalismo e abertura
econômica ocorreu definitivamente devido aos acontecimentos da década anterior.
Por fim, este trabalho não tem a pretensão de esgotar os debates e diversas
possibilidades de pesquisa e análise que abrangem o tema. Este trabalho buscou
mostrar através de leituras e estudos escritos da época e atuais, possibilitando uma
abordagem de hipóteses quanto ao desempenho do Brasil frente às mudanças
econômica, política e sociais, da década de 1980 em meio à ascensão e
crescimento do FMI e demais organismos internacionais.
42
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