Governo Goulart e o Golpe de 64

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    UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDASERGIO FELIPE MORAES DA SILVA TEIXEIRA

    GOVERNO GOULART: 1961 a 1964

    RIO DE JANEIRO2007

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    UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDASERGIO FELIPE MORAES DA SILVA TEIXEIRA

    GOVERNO GOULART: 1961 a 1964

    Monografia apresentada como pr-requisito de

    concluso de curso de Histria, com habilitao em

    Licenciatura, do Instituto de Cincias Humanas e

    Sociais, da Universidade Veiga de Almeida.

    Orientador: prof Jos Roberto Reis

    RIO DE JANEIRO2007

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    Dedico minha me, av, Averaldo e

    minha noiva pelo apoio, compreenso e

    incentivo.

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    Agradeo ao prof Jos Roberto Reis

    pelas dicas proveitosas para a concluso

    deste trabalho monogrfico.

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    SUMRIO

    Introduo..............................................................................................................................6

    1- Renncia do Presidente Jnio Quadros e o Parlamentarismo...........................................132- O Retorno ao Presidencialismo.........................................................................................30

    3- O Desfecho da Crise: o Comcio do dia 13 de Maro de 1964........................................42

    Concluso..............................................................................................................................52

    Referncias Bibliogrficas....................................................................................................54

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    INTRODUO

    Este trabalho pertence ao mbito da Histria Poltica, pretendendo analisar o grau de

    responsabilidade do governo Joo Goulart no desencadear dos acontecimentos quedesembocaram no golpe de 1964 atravs da investigao de depoimentos e dos principais

    eventos polticos antecedentes ao golpe. A Histria Poltica e, sobretudo, a histria dos homens

    pblicos foram relegadas ao segundo plano pela historiografia. A histria poltica tradicional

    predominantemente factual, pouco analtica e centrada na biografia dos grandes homens perdeu

    o seu espao. Passou-se a enfatizar o poder nas suas outras modalidades, alm do mbito

    institucional. As modalidades de poder priorizadas sero os grupos de presso, os de esquerda e

    de direita, e o uso poltico do sistema de representaes.

    A organizao da pesquisa se estrutura a partir trajetria poltica de Joo Goulart,

    principalmente, na presidncia da Repblica de 1961-64 em trs momentos: O primeiro aps a

    renncia do presidente Jnio Quadros em agosto de 1961 e o perodo Parlamentarista, o segundo

    ser analisado o perodo Presidencialista e o terceiro sero os momentos finais do governo a

    partir do comcio da Central do Brasil no dia 13 de maro de 1964. Estes trs momentos

    caracterizam respectivamente: o momento da soluo negociada e limitao do poder executivo;

    o auge do apoio popular e de legitimidade de poder do governo; e por ltimo a perda

    progressiva da legitimidade do poder e limitao da capacidade de manipular os bens

    simblicos.

    O campo de investigao deste estudo ter a base na chamada Nova Histria Poltica. A

    abordagem pretendida ter a preocupao com a perspectiva globalizante, tendo o Estado, suas

    instituies, grupos de presso e organizaes de vis macropoltico um papel central, e com

    elementos da micro-histria ao valorizar a descrio dos detalhes da narrativa dando sustentao

    e embasamento s explicaes sobre o grau de responsabilidade do governo Joo Goulart no

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    golpe de 1964. As anlises priorizaro os principais eventos polticos antecedentes ao golpe e a

    investigao de depoimentos do arquivo pessoal de Goulart e das autoridades pblicas,

    principalmente as que ocuparam cargos pblicos relevantes neste perodo.Goulart exerceu grande relevncia no imaginrio poltico da poca, sendo reconhecido

    como um lder partidrio de grande penetrao na classe trabalhadora. A importncia que o

    governo Goulart tem para o entendimento do processo histrico pouca explorada nas

    pesquisas, ocupando lugar secundrio nos debates sobre o golpe de 64. Analisar este governo,

    atribuindo-lhe relevncia no desencadear do golpe de 1964 implica mudar perspectivas tericas.

    Interpretaes que colocam as estruturas econmicas na determinao de como se conformam

    os fenmenos superestruturais, inclusive os polticos, anlises muito comuns sobre este perodo,

    pouco explicam os eventos antecedentes ao golpe de 64. Arranjos polticos institucionais de

    ltima hora (opo ao parlamentarismo), alianas polticas heterogneas (Jango e o PCB) e

    confronto entre posies ideolgicas so fatos histricos ignorados por esta anlise.

    O grau de responsabilizao do governo Joo Goulart no desfecho dos acontecimentos

    que desencadearam o golpe de 1964 um tema de relevncia ao reconhecer a participao de

    determinados atores sociais esquecidos pela historiografia que discute este evento histrico.

    Marieta M. Ferreira (2006), em seu artigo: Joo Goulart: entre a memria e a histria, revela

    que em 2004, aps 40 anos do golpe militar, foram realizados vrios seminrios e novas

    pesquisas sobre este fato histrico vieram a pblico, contribuindo para o avano historiogrfico.

    Ao examinar o material produzido a figura e o governo de Goulart ocuparam lugar secundrio

    nos debates. As excees foram os trabalhos de Jorge Ferreira (2001 e 2005) e Marco Antnio

    Villa (2004).

    Ao examinar a trajetria da poltica brasileira no perodo Republicano podem-se

    observar as vrias tentativas de grupos direitistas na implantao de um Estado de exceo,

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    rompendo com as instituies democrticas, desde 1945 aps a sada de Vargas do poder

    poltico; em 1954, novamente com Vargas, forando-o ao suicdio; em 1956 na posse de

    Jucelino Kubitscheck; em 1961 na posse do vice-presidente Goulart aps a renncia dopresidente Jnio Quadros; e a concretizao do golpe militar em 1964. Estes fatos mostram que

    o golpe poderia ter ocorrido em quaisquer destes momentos, mas foi apenas em 1964 no final do

    governo Goulart. As vrias tentativas de golpe fracassadas evidenciam a importncia das

    circunstncias, da conjuntura poltica e dos atores sociais na conduo da histria. Este trabalho

    abandona perspectivas estruturalistas de nfase na inevitabilidade dos acontecimentos

    histricos, algo que ser analisado no decorrer do trabalho.

    A veiculao nos meios de comunicao de notcias referentes ajuda material, poltica

    e financeira dos EUA ao movimento militar brasileiro de 1964 e da influncia de Fidel Castro

    nas foras revolucionrias de esquerda brasileiras dos anos 60 trazem discusses mal digeridas

    na histria poltica brasileira. As reconstrues relacionadas a este perodo reduzem o golpe de

    64 ao paradigma: vtimas x culpados. Enfatizar o papel das consideradas vtimas,

    principalmente o governo Goulart, uma tarefa de grande risco, sendo imprescindvel afirmar

    categoricamente o que h de consenso: a conspirao de grupos direitistas contra a democracia e

    a implantao de uma ditadura na passagem de maro para abril de 1964 continua ocupando a

    centralidade dos acontecimentos.

    Identificar as principais aes e as percepes polticas deste governo a prioridade da

    investigao. A anlise desse processo deve inibir interpretaes personalistas que culpabilizam

    este ou outro ator social pelo desencadear de todo processo histrico. O enfoque se detm mais

    sobre o governo de Joo Goulart do que o privilgio na interpretao da personalidade deste

    indivduo. A preocupao central neste momento est alm da filiao a uma determinada

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    corrente historiogrfica, representa a busca pela melhor compreenso da realidade, um esboo

    reflexivo sobre o entendimento da Histria.

    Fico (2004) faz uma reviso historiogrfica das principais obras referentes ao golpe de64 e esta interpretao base, em algumas partes, para a discusso. Ao analisar o trabalho de

    Stepan (1969), Os militares na poltica: as mudanas de padres na vida brasileira afirma que

    as razes imediatas do que (descuidadamente) chama de revoluo derivaram da inabilidade

    poltica de Goulart em reequilibrar o sistema poltico. E diz que antes de 1964, teria havido no

    Brasil um padro de relacionamento entre os militares e os civis caracterizvel como

    moderador, isto , os militares somente eram chamados para depor um governo e transferi-lo

    para outro grupo de polticos civis, no assumindo efetivamente o poder.

    A singularidade da crise 1964 estaria precisamente na capacidade que teve de

    transformar tal padro, pois alm da percepo de que as instituies civis

    estavam falhando, os militares se sentiram diretamente ameaados em funo

    da propalada quebra da disciplina e da hierarquia, suposto passo inicial para a

    dissoluo das Foras Armadas, j que Goulart poderia dar um golpe com o

    apoio dos comunistas e, depois no control-los mais. Alm disso, critrios

    polticos para a promoo no exrcito sugeriam aos militares que Goulart teria

    a inteno de constituir, para fins golpistas, uma fora militar que lhe fosse leal

    (falava-se e, generais do povo e ecoavam boatos sobre exrcitos populares que

    no eram desmentidos pelo apoio de Goulart aos cabos, sargentos e

    suboficiais). Tudo isso teria levado mudana de padro, os militares passaram

    a supor a necessidade de um governo militar autoritrio que pudesse fazer

    mudanas radicais e eliminar alguns atores polticos (2004:31).

    Este tipo de interpretao apresenta deficincia ao buscar a personalizao dos grandes

    processos, reduzindo a Histria simples vontade, ou falta dela, dos grandes homens.

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    Culpabiliza um nico indivduo pelo desencadear do processo histrico, porm enfatizou,

    corretamente, a necessidade de se estudar os militares considerando tanto as interaes com a

    sociedade quanto suas caractersticas de grupo especializado. Ao analisar as aes do governoGoulart no tratamento dado s questes militares este trabalho importante, mesmo que esta

    justificativa de quebra da hierarquia e disciplina militar seja considerada por alguma

    interpretao como apenas um pretexto para dar um golpe de Estado.

    O trabalho de Wanderley G. dos Santos (2003), segundo Fico (2004), privilegia as

    variveis polticos-institucionais. A crise poltica deveu-se incapacidade do presidente Goulart

    de formar uma maioria parlamentar. Ele construiu um modelo em que apresenta como inevitvel

    a ruptura institucional. A grande contribuio de Santos, de mbito emprico, foi a ateno dada

    ao fenmeno da rotatividade ministerial, tendo as maiores taxas ocorridas no Brasil ps-1946. O

    presidente Goulart via as

    (...) esperanas de obter apoio parlamentar pelo prestgio dos homens que

    reunia sua volta, eram minadas pelas concesses que era compelido a fazer

    esquerda, as quais seguiam a dinmica de um leilo de promessas (...). Alm

    dos ministrios, tambm as presidncias de empresas e bancos estatais

    decisivos para o pas foram usados por Goulart como moeda poltica,

    diferentemente de seus antecessores, comprometendo iniciativas de

    planejamento que forosamente teriam de trabalhar com mdio e longo prazo

    (2003:328).

    Jorge Ferreira (2004) rejeita a explicao sobre a imagem firmada de que a

    radicalizao poltica, a qual culminou no golpe civil-militar, foi patrocinada to somente por

    elementos conservadores e reacionrios, tendo como vanguarda o IPES-IBAD, enquanto as

    esquerdas defendiam apenas as reformas e a democracia(2004:182). Nesta concepo a

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    esquerda seria a vtima ao defender as instituies democrticas e o golpista de direita e o

    presidente da Repblica, os traidores do pas. O primeiro por ser o responsvel pela

    concretizao do golpe de 64 e o segundo pela deciso de no oferecer nenhuma resistncia.Para Ferreira deve ser considerada participao ativa dos grupos esquerdistas no processo de

    radicalizao poltica que resultou no colapso da democracia.

    Rodrigo Patto S Motta (2006) em seu artigo, Joo Goulart e a mobilizao

    anticomunista de 1961-64, menciona o motivo que

    provocou a unificao das elites contra Jango no foi uma oposio

    intransigente a reformas. Em essncia, a mobilizao antiGoulart surgiu do

    temor a estratgias que o presidente supostamente estaria disposto a usar para

    conseguir os seus objetivos. Temia-se a aliana de Goulart com os comunistas

    e a possibilidade de que estes abrissem seu caminho ao poder pela via do apoio

    poltica de reformas do presidente.

    Este artigo privilegia o reconhecimento de uma hiptese emprica sobre o perodo do governo

    Jango que pode ser interpretada como um pretexto para que o grupo direitista chegasse ao poder

    de forma legtima ou como uma possibilidade real, a qual foi utilizada para legitimar o

    desencadear do processo golpista de direita. Interpretaes que sero trabalhadas no captulo 3 e

    so importantes para se pensar a dimenso correta do grau de responsabilizao do governo

    Goulart no golpe de 64 e no reconhecimento da imprescindvel relao da histria-problema

    com a histria-narrativa.

    Argelina Figueiredo critica os determinismos, como as anlises de Fernando Henrique

    Cardoso. Este sugeriu que o processo de acumulao exigia o desmantelamento dos

    instrumentos de presso e defesa disposio das classes populares (1973:147). Era inevitvel

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    que o processo de acumulao de capital utilizasse governos autoritrios para reprimir as

    demandas populares. O autoritarismo era inevitvel porque

    se tornava necessrio reestruturar os mecanismos de acumulao em um nvel

    mais elevado, um nvel que ajustasse melhor aos avanos j obtidos no

    desenvolvimento das foras produtivas.

    Critica o determinismo econmico neste tipo de anlise, pois presume uma coincidncia perfeita

    entre requisitos estruturais e aes individuais ou grupais, sem especificar o mecanismo atravs

    do qual a necessidade se realiza na ao. O determinismo elimina os atores coletivos e seus

    conflitos, sendo assim, nem direitas e esquerdas atuaram, mas as estruturas. As explicaes de

    Figueiredo (2004) em seu artigo, Estruturas e escolhas: era o golpe de 1964 inevitvel?,

    apresentam uma preocupao maior em revelar hipteses empricas extremamente importantes,

    contestando leituras deterministas, do que desenvolver novas explicaes tericas. A

    inevitabilidade do golpe de 1964 abandonada, agregando valor s anlises que se baseiam e

    reconhecem a importncia das questes circunstanciais e s referentes aos acidentes com

    personalidades no desencadear do processo histrico. A discusso historiogrfica sobre o golpe

    de 64 bastante ampla, apenas carece de uma definio terica, uma anlise que contemple

    melhor a relao entre estrutura e eventos histricos. Esta pesquisa tem a pretenso maior de

    apresentar e analisar hipteses empricas do que propriamente construir novos referenciais

    tericos.

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    1- RENNCIA DO PRESIDENTE JNIO QUADROS E O PARLAMENTARISMO

    A renncia do presidente Jnio Quadros foi o evento poltico da Histria brasileira que

    marcou, para muitos historiadores, a gnese da Ditadura Militar, momento de mobilizao dasociedade e de radicalizao poltica em torno dos que defendiam a legalidade democrtica e

    dos que defendiam o Estado de exceo. Deve-se ponderar a idia de um desfecho preste a

    ocorrer a qualquer momento, considerando a importncia das aes, ou ausncia destas, e a

    imagem projetada sobre o governo Goulart como precipitadores dos eventos desembocados no

    golpe de 1964. A gnese da Ditadura Militar, representada pela renncia de Jnio, deve ser

    entendida como uma tendncia, com a possibilidade de ser concretizada ou no.

    Em 1960 Joo Goulart foi novamente eleito para a vice-presidncia da Repblica e Jnio

    Quadros para presidente. Ser vice-presidente da Repblica no Brasil naquele perodo de 1945 a

    1965 era um fenmeno de grande repercusso. Para compreender melhor o que significava ser

    vice-presidente preciso atentar para as regras eleitorais ento vigentes relatadas por Gomes e

    Ferreira (2007:111).

    Naquela Repblica, as eleies para presidente e vice-presidente eram diretas e

    independentes entre si, podendo ser eleitos candidatos de chapas distintas, cada

    qual concorrendo com seu projeto poltico-partidrio. Portanto a escolha de um

    candidato ao cargo de vice-presidente para uma chapa implicava aliana de

    grande peso, exigindo do vice o mesmo tipo de procedimento do concorrente

    ao cargo de presidente. (...) Alm disso, era o vice-presidente que assumia a

    presidncia do Senado Federal, o que lhe dava uma posio mpar como

    negociador entre os poderes Executivo e Legislativo. Mais ainda, cabia ao

    presidente do Senado funes de representao diplomtica, como as de

    receber chefes de Estados estrangeiros, entre outras. Ser vice-presidente,

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    portanto significava possuir espaos polticos prprios extremamente visveis e

    valiosos politicamente, o que foi perdido em funo das mudanas na

    legislao ocorrida posteriormente.

    Jango sabia que a relao com o presidente seria complicada, pois os ministros militares

    escolhidos pelo presidente eram contrrios ao iderio nacionalista, ficando bastante claro que

    sua poltica econmica seguiria os preceitos do FMI. Desde que assumiu o governo o presidente

    fazia questo de mostrar o seu distanciamento em relao ao seu vice. Surpreso, ficou Jango ao

    receber o convite para chefiar uma misso comercial brasileira China Comunista. No dia 25 de

    agosto, em Pequim, foi novamente pego de surpresa ao saber que o presidente renunciou.

    Apesar de necessitar de maiores investigaes, no h dvida de que o presidente planejou um

    golpe de Estado. Seu desejo (Jnio), embalado pela grande votao obtida, era provocar a

    reao popular e, sobretudo, a reao militar, analisa Gomes e Ferreira (2007:116).

    A imagem criada em torno de Joo Goulart de um lder trabalhista herdeiro do legado de

    Vargas, com grande influncia nas bases sindicais e no PCB era difundida por amplos setores

    civis e militares e vista como justificativa para o impedimento da posse de Jango, alm do

    prprio episdio referente passagem de Jango pela China Comunista. A resistncia posse de

    Goulart comeou a ser desencadeada dias depois. Logo no dia 26 de agosto, o pas j estava em

    estado de stio no oficial, o presidente da Cmara dos Deputados, Ranieri Mazzili surgiu como

    preposto de uma junta militar. Mazilli assumiu o poder e enviou de imediato mensagem oficial

    ao Congresso, notificando-o do veto dos Ministros Militares em 28 de agosto de 1961. Neste

    documento considerava como inconveniente o regresso de Jango e o justificava mediante a idia

    da segurana nacional.O objetivo de tal ao era obrigar o Congresso Nacional a votar o

    impeachment de Goulart, o que se constituiria em um autntico golpe de Estado (2007:116).

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    No Manifesto dos Ministros Militares de 30 de agosto de 1961 contra a posse de Jango,

    presente no livro: 5 anos que abalaram o Brasil de Jnio Quadros ao Marechal Castelo Branco

    de Victor (1965), so reveladas as justificativas e a gravidade da crise poltica que se instalarano Brasil. Os Ministros Militares, por meio do manifesto, afirmaram que

    (...) na Presidncia da Repblica, em regime que atribui ampla autoridade do

    poder pessoal ao Chefe da Nao, o Sr. Joo Goulart constituir-se-, sem

    dvida, no mais evidente incentivo a todos aqueles que desejam ver o pas

    mergulhado no caos, na anarquia, na luta civil. As prprias Foras Armadas,

    infiltradas e domesticadas transformar-se-iam, como tem acontecido noutros

    pases, em simples milcias comunistas.

    Entre os ltimos dias de agosto e os primeiros de 1961 o pas conheceu a possibilidade

    real de uma guerra civil. Os dois principais personagens polticos deste momento foram o

    governador do Rio Grande do Sul Leonel Brizola, lder da ala mais esquerdista do PTB, e

    Carlos Lacerda, lder direitista, governador do Estado da Guanabara e apoiador fervoroso do

    golpe promovido pelos Ministros Militares, segundo a perspectiva de Ferreira e Gomes (2007).

    O governador Leonel Brizola passou a liderar a resistncia pela ordem legal e pelo

    cumprimento da Constituio: a posse de Jango deveria ser garantida. No momento inicial

    obteve o apoio da populao gacha e da Brigada Militar. A Brigada Militar instalou ninhos de

    metralhadora no palcio Piratini, sede do governo de Brizola, e na catedral metropolitana. A

    populao gacha, disposta, mobilizada e ao mesmo tempo com um sentimento de desespero e

    pnico assumiu o comando militar, armas foram distribudas ao povo. A grande expectativa era

    a possvel adeso do III Exrcito, do general Jos Machado Lopes, a qual se concretizou depois

    na defesa da causa da legalidade.

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    Por meio de uma cadeia radiofnica Brizola denunciou ao pas e no exterior a tentativa

    de golpe de Estado.Este discurso se expandiu por todo o pas, conseguindo a adeso de grande

    parte dos setores organizados da sociedade brasileira, como a CGT; a UNE; CNBB(Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil); OAB; ABI, com exceo de alguns jornais (O

    Globo e Tribuna da Imprensa); de inmeros oficiais do Exrcito, dando apoio ao general

    Machado Lopez, comandante do III Exrcito. Ainda que a Junta Militar tenha determinado que

    a Fora Area Brasileira (FAB) bombardeasse o Palcio Piratini, sede do governo de Brizola, os

    pilotos no puderam alar vo: os sargentos desarmaram os avies de caa. A situao estava

    to crtica que todos os partidos polticos, inclusive a UDN, exigiram a posse de Goulart. O

    nico a apoiar abertamente ao golpe foi Lacerda, governador da Guanabara.

    O desejo de Brizola era que Goulart voltasse imediatamente para o Brasil, porm Jango

    escolheu a negociao aconselhada por Amaral Peixoto, presidente do PSD. Em depoimento ao

    Programa de Histria Oral do Cpdoc/ FGV em 26-1-1977 a 7-2-1984, Ernani de Amaral Peixoto

    relata o recebimento da renncia por Goulart e sua moderao poltica ao retardar a volta ao

    Brasil.

    O Jango estava em Cingapura quando recebeu a notcia. O Dirceu di Pasa

    contou que foi ao quarto dele e disse: Senhor presidente.... O Jango se

    espantou: O que isso?. Ele disse O Jnio renunciou e o senhor

    presidente. O Jango no soube de mais nada, s da renncia. Mas ao longo da

    viagem, foi recebendo informaes. Arranjaram um avio, ele foi para Roma ede l para Paris.

    De Paris, Goulart foi para Nova York. Dali para o Panam e Lima e, a seguir, para Buenos ries e

    Montevidu. Ele percorreu este trajeto, pois esperava o momento certo em que a possibilidade de

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    guerra civil se esvaziasse, alm de no querer perder a oportunidade de assumir a presidncia do

    pas decorrente de uma atitude precipitada e impensada.

    Esta justificativa reflete uma prpria caracterstica da personalidade de Jango relatadopor Wilson Fadul, Ministro da Sade de Jango (1963-64) e por Raul Ryff, Secretrio da

    Imprensa da Presidncia da Repblica (1961-64). Em depoimento ao Setor de Histria Oral do

    Cpdoc/FGV em janeiro e fevereiro de 2002, Fadul expe a crena de Goulart na negociao

    como estratgia de conseguir o avanoprogressivo de ideais desejados, procurando evitar o

    conflito direto.

    Descrever Jango como um revolucionrio cometer o primeiro engano em

    relao personalidade dele; ele era reformista convicto de que as reformas

    favoreceriam a todo mundo e desenvolveriam o pas. Era a convico dele.

    Onde encontrasse resistncias, procurava evitar o conflito, porque isso poderia

    conduzir ao desastre total, a voltar estaca zero, como voltamos em 1964.

    Jango era um negociador, no sentido de fazer reformas negociadas com o

    objetivo de progredir...

    Em depoimento ao Cpdoc/ FGV em 18-5-1982 a 1-7-1982, Raul Ryff relata a caracterstica de

    Goulart de se informar sobre o assunto at exausto, consultando diversas pessoas, mesmo no

    sendo qualificadas para tal informao. Faz um paralelo com a origem do homem da vida rural e

    com Getlio Vargas, lder pelo qual tinha grande admirao e lealdade, principalmente aps

    1945 no Rio Grande do Sul quando Vargas sai do poder. Este relato evidencia a estratgia de

    negociao de Goulart realizada na prtica.

    (...) Jango era uma figura enigmtica. Uma de suas caractersticas era gostar de

    se informar sobre um assunto at a exausto, consultando vrias pessoas,

    algumas inclusive, no muito qualificadas para aquilo que o interessava.(...)

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    Agora no era um de externar ansiedades. Isso tambm muito o estilo do

    fazendeiro, do homem do campo que quer ouvir de tudo. H um pouco de

    mineirice nisso. No sei se conscientemente, mas com essa atitude ele ia

    criando fortes ligaes: Olha o Jango me consultou sobre isso. Ele tinha muito

    o estilo do Getlio: no tomar nenhuma deciso imediata diante de um

    problema que surgisse na hora; ser cauteloso, decidindo firmemente, mas s

    depois de ter uma idia bem exata.

    Esta moderao observada na atitude de Goulart em retardar a sua volta ao Brasil e

    posteriormente aceitar a soluo parlamentarista, aconselhada por diversas autoridades pblicas,

    e que restringiam consideravelmente os poderes do executivo, pode ser vista como uma

    fraqueza, debilidade e submisso caractersticas da personalidade deste lder.O pensamento da

    esquerda radical, sendo o maior expoente Brizola, governador do Rio Grande do Sul, se

    aproximou desta idia e da crena no conflito direto como forma de atingir os objetivos. As

    crenas da esquerda radical foram influenciadas pelas idias socialistas pregadas durante a

    Revoluo Russa e, principalmente, pela conjuntura internacional de Guerra Fria reforada pela

    experincia revolucionaria cubana ocorrida em 1959 e seu alinhamento declarado ao PC

    Sovitico posteriormente em 1961. O caso de Cuba exerceu grande impacto na Amrica Latina

    e exacerbou o sentimento nacionalista e anti-americano. Foi nesta conjuntura internacional de

    radicalizao poltica que Goulart chega ao poder como presidente do Brasil. A idia da

    negociao e do conflito so dois conceitos, vises de mundo, que sero objetos de disputa no

    perodo de 1961-64. Esta disputa comea a se delinear logo na negociao da posse de Jango.

    O depoimento ao Setor de Histria Oral do Cpdoc/FGV em 18-6-1986 a 29-7-1986 do

    General Jos Machado Lopes, comandante do III Exrcito no momento da tentativa de golpe de

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    Estado em 1961, relata a presena entre vises de mundo divergentes, de um lado Brizola,

    grande responsvel por abortar o golpe de 1961, e de outro Goulart.

    Jango me telefonou de Montevidu perguntando como eu o receberia se ele se

    apresentasse no Brasil. Respondi: Eu o recebo como vice-presidente que o

    senhor . Ele, ento, foi a Porto Alegre se entender comigo. Fechamo-nos em

    uma sala no Palcio Piratini e comeamos a conversar. Brizola foi posto

    margem; no entrou na sala, pois eu queria ter uma conversa com Jango.

    Lembro que mostrei a ele que a nica soluo possvel para a crise seria aceitar

    o parlamentarismo. Ele virou-se para mim e disse. Eu aceito, mas estou na

    dvida entre Tancredo Neves e o Santiago Dantas para primeiro-ministro.(...)

    Depois que o Jango concordou com o parlamentarismo, o Brizola se

    manifestou: Mas eu no concordo. Respondi: Quem o senhor para no

    concordar? Se o vice-presidente aceita o parlamentarismo, o senhor no tem

    nada com isso. Se o senhor no concordar vai ficar falando sozinho, porque eu

    vou apoiar o Jango nessa soluo. A ele disse: Eu sou contra, mas no vou

    fazer nada para impedir; se o Jango quiser aceitar o parlamentarismo, que

    aceite. E o Jango aceitou.

    No entanto, existia um elemento unificador do campo das esquerdas, radicais ou

    moderadas, que era o trabalhismo e esta ideologia1, tendo como grande referncia o legado de

    Vargas (1930 a 1945; e 1950 a 1954), impediu uma ciso profunda entre as esquerdas. Desde a

    dcada de 1950, afirma Ferreira (2005:119)

    (...) surgiu na sociedade brasileira uma gerao de homens e mulheres

    que partilhando de idias, crenas e representaes, acreditou que no

    nacionalismo, na defesa da soberania nacional, nas reformas das

    1 O conceito de ideologia presente neste trabalho entendido como um conjunto de crenas referentes sociedade, organizao da comunidade e ao controle poltico da mesma.

    19

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    estruturas socioeconmicas do pas, na ampliao dos direitos sociais

    dos trabalhadores do campo e da cidade, entre outras demandas

    materiais e simblicas, representariam os meios necessrios paraalcanar o real desenvolvimento do pas e o efetivo bem-estar da

    sociedade2.

    Para analisar a viso de mundo e a estratgia de intervir na realidade, a negociao,

    representada na figura de Goulart e a, representada na figura de Brizola, o conflito, torna-se

    necessrio mencionar como ficou ratificada a projeo nacional destes dois personagens

    histricos da esquerda brasileira. Brizola assumiu a sua posio de grande prestgio junto s

    esquerdas aps a sua participao primordial na Campanha pela Legalidade, defendendo com

    bastante coragem e veemncia o enfrentamento aos grupos golpistas. Objetivo era a preservao

    da legalidade democrtica no Brasil ameaada neste de agosto de 1961, logo aps a renncia do

    presidente Jnio Quadros. J Goulart assumiu grande projeo nacional quando era Ministro do

    Trabalho do 2 governo Vargas (1953-54) e introduziu prticas polticas inovadoras. Esta forma

    de lidar com os problemas polticos, as aes concretizadas e o status de ser o homem de grande

    confiana de Getlio Vargas lhe renderam a responsabilidade de ser a principal figura poltica

    com capacidade e legitimidade para continuar o legado de Vargas, principalmente aps o

    suicdio deste governante em agosto de 1954.

    Ferreira (2005) analisa o estilo de Goulart de lidar com os problemas polticos, sempre

    buscando o entendimento e a negociao entre os atores sociais conflitantes. Mesmo que a

    soluo para o problema no representasse o ideal, sempre buscava avanar e progredir nas

    negociaes, na defesa dos interesses dos trabalhadores. Este estilo de Jango assumiu projeo

    2 Deve-se considerar a existncia de trabalhistas no alinhados propriamente ao paradigma ideolgico, apenas ainteresses em cargos pblicos, caracterizando o fisiologismo partidrio.

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    nacional quando da nomeao feita por Vargas para o Ministro do Trabalho e Previdncia

    (1951-54). A partir deste momento a repercusso de suas aes, impactantes para a poca,

    inaugurou um novo estilo de relao entre Estado e sindicatos, contribuindo para aproximar oPTB do movimento sindical. Essas aes polticas de Goulart caracterizam a sua trajetria de

    vida e, principalmente, o seu governo (1961-64) que adotou desde o incio uma soluo poltica

    negociada, o Parlamentarismo. Uma breve descrio ser mencionada sobre esta experincia de

    Goulart no Ministrio do Trabalho e Previdncia no perodo Vargas, sendo importante no

    entendimento do comportamento poltico de seu governo (1961-64).

    A posse de Joo Goulart no Ministrio do Trabalho e Previdncia, em 17 de junho de

    1953, no deve ser entendida como um acontecimento poltico-administrativo como tantos

    outros do gnero, ocorridos anteriormente ou posteriormente. H, pelo menos, duas razes para

    isso. A primeira tem a ver com a escolha do nome do ministro, ou seja, com sua trajetria

    poltica e com o que ela representava. A segunda envolve as circunstncias em que ele chega ao

    cargo, ou seja, no bojo de uma reforma ministerial que provocou polmica na poca. Goulart

    toma posse num momento de uma grande reforma ministerial e em meio a uma crise que atingia

    especialmente o Ministrio do Trabalho. nomeado ministro quando Jos de Segadas Viana,

    outro petebista, pede exonerao do cargo, devido a discordncias relativas ao tipo de conduo

    poltica a ser dada a uma grande greve de martimos que paralisava os portos do Rio de Janeiro,

    Santos e Belm. Portanto, a substituio no s deixa clara a existncia de confrontos dentro do

    PTB no que dizia respeito s relaes com o movimento sindical, como explicita o apoio que

    Vargas estava disposto a dar a uma nova estratgia proposta por seu jovem ministro. Em lugar

    de convocar os reservistas da Marinha de Guerra para substituir os grevistas, que seriam

    considerados desertores se fosse usada uma legislao, nunca aplicada, da poca da Segunda

    Guerra Mundial, Jango estabelece negociaes com os sindicalistas e esvazia a greve. A

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    http://www.cpdoc.fgv.br/nav_jgoulart/htm/biografias/Joao_Goulart.asphttp://www.cpdoc.fgv.br/nav_jgoulart/htm/biografias/Jose_de_Segadas_Viana.asphttp://www.cpdoc.fgv.br/nav_jgoulart/htm/biografias/Jose_de_Segadas_Viana.asphttp://www.cpdoc.fgv.br/nav_jgoulart/htm/biografias/Joao_Goulart.asp
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    estratgia se demonstrou adequada, pois o governo no estava em grande popularidade junto aos

    trabalhadores.

    Um dos primeiros atos do novo ministro foi fazer, na prtica, uma medida

    inaugurada por Segadas Viana, abolindo, definitivamente, o atestado

    ideolgico, documento exigido aos sindicalistas para exercerem as suas

    atividades. Outra prtica suspensa, mas comum at a sua posse no Ministrio

    do Trabalho, eram as reivindicaes nos sindicatos. Segundo Raul Ryff, na

    poca o seu assessor de imprensa, diversos polticos e sindicalistas do PTB, ao

    perderem a diretoria de uma organizao para outros grupos, pediam a

    interveno ao ministro. De acordo com sua verso, nesses momentos Goulart

    era categrico: No tem nada que intervir! Quem tem que intervir so vocs.

    Vocs devem ir na assemblia discutir esse problema (...) Ainda segundo Raul

    Ryff, a poltica era de abrir a discusso com todas as correntes do movimento

    sindical, sem discriminaes ideolgicas, de esquerda ou de direita (2005:107)

    Num certo sentido, pode-se dizer que Jango se saiu muito bem. Cerca de dez dias depois

    de tomar posse, a greve estava encerrada. Houve reunies com o comando geral e o prprio

    ministro se encontrou com empregadores e trabalhadores para encaminhar uma soluo

    definitiva. Muitas demandas dos grevistas foram atendidas e o impopular presidente da

    Federao dos Martimos foi afastado. Uma ao rpida, que evidenciou o estilo poltico de um

    ministro que gostava de falar pessoalmente com lideranas sindicais e que intervinha

    diretamente na dinmica das negociaes dos conflitos trabalhistas. Interessante por um lado e

    assustador por outro, especialmente para setores conservadores e oposicionistas, como os

    militares e os udenistas, sempre dispostos a mobilizar o medo face ameaa do "continusmo"

    de Vargas e/ou de uma excessiva aproximao sua com a "massa trabalhadora". De fato, esse

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    o tom que marca a curta e ativa gesto de Jango na pasta do Trabalho: maior aproximao com

    setores sindicais e crescentes acusaes por parte de variados grupos polticos oposicionistas.

    Retomando o desencadear dos fatos que envolveram a concretizao da posse deGoulart, a sada negociada assumida por Goulart, o Parlamentarismo, teve a crtica de seu

    grande parceiro poltico e cunhado o governador Leonel Brizola. O que pode ser verificado

    neste depoimento do prprio Brizola.

    Antes de o presidente Joo Goulart chegar ao Brasil, os militares em parte

    recuaram. Ele vai assumir como presidente? Ento melhor no haver briga.

    Mas o deixaram assumir pela metade, nominalmente: criaram o

    parlamentarismo.Queriam um gabinete conservador com o Joo Goulart ali,

    como se fosse rainha da Inglaterra. Bom, eu no estava de acordo, outros

    tambm no, mas o fato que, em geral, todos achavam que seria melhor.

    Primeiro chegar l e, depois, manobrar a situao. Esse era o ponto de vista do

    presidente Joo Goulart. Para mim tinham rasgado a Constituio fazendo

    aquele parlamentarismo, e ns no podamos aceitar tal violncia. Mas tambm

    no tinha certeza. Joo Goulart afirmava, com boa f, que as coisas iriam

    seguir outro curso depois de sua posse.

    No dia 7 de setembro de 1961 Goulart tomou posse como presidente da Repblica junto

    do seu primeiro-ministro Tancredo Neves, do PSD, partido com maior representao na Cmara

    dos Deputados. O grande problema que assumiu como presidente sob grave crise militar, com

    as contas pblicas descontroladas e com poderes executivos abortados no regime

    parlamentarista. Alm de a conspirao civil-militar golpista dar continuidade. Era uma

    conjuntura socioeconmica, na qual a Guerra Fria exacerbava as relaes internacionais do

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    Brasil, no plano interno a elite udenista no esquecia o passado do presidente ungido e este no

    podia dizer para a sociedade que esquecesse seu passado trabalhista.

    Um evento de grande significado simblico ocorreu em novembro de 1961 com apresena do presidente Goulart, do primeiro-ministro Tancredo Neves e do governador de

    Minas Gerais Magalhes Pinto. Ocorreu, neste ms, o I Congresso Nacional de Lavradores e

    Trabalhadores Agrcolas. Este evento demonstrou o reconhecimento, por amplos setores do

    espectro polticos presentes, do campesinato como um novo ator e a legitimidade da reforma

    agrria. No encontro, mediram foras, sobretudo, dois grupos de grande presena entre os

    camponeses: a Unio dos Lavradores e Trabalhadores Agrcolas do Brasil (Ultab) e as Ligas

    Camponesas. As diferenas e as divergncias entre estes dois no fazem parte do eixo da

    pesquisa, porm a declarao final do Congresso apresentada por Francisco Julio advogado e

    lder das Ligas Camponesas foi a palavra de ordem que figurou, reivindicando justamente a

    realizao de uma reforma agrria radical na lei ou na marra. O que se observa que no

    decorrer do governo Goulart este tipo de reivindicao, incentivando uma poltica de confronto,

    vem sendo um instrumento de presso s aes deste prprio governo.

    A pregao da realizao das reformas de base como algo inadivel, evidenciado no

    evento, era caracterstico dos anos 60 e se baseava numa crena fundamentada teoricamente

    pela escola da Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Caribe (Cepal). Os economistas

    heterodoxos latino-americanos desta escola, no incio dos anos 60, se sentiram frustrados com a

    adoo de polticas ativas de substituio de exportaes amplamente empregada na Amrica

    Latina. Estas polticas buscavam utilizar seletivamente os limitados recursos externos dos pases

    agrrio-exportadores para empreender um progressivo e gradual processo de industrializao. O

    problema que esse desenvolvimento econmico na rea industrial no se refletiu na elevao

    dos padres de vida da populao a patamares semelhantes aos observados nos pases

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    industrializados s se concretizando para uma parcela reduzida da populao. E comeou-se a

    propagar uma crena de que a formao de uma sociedade heterognea e com pssima

    distribuio de renda limitaria a criao de mercados consumidores para bens de consumodurvel, de valor unitrio elevado. Ento a falta de distribuio de renda limitaria o crescimento

    da economia. A soluo seria introduzir reformas estruturais, principalmente a agrria, que teria

    efeitos diretos e indiretos. O efeito direto seria aumentar a produtividade, e portanto, a renda dos

    indivduos que permanecessem no campo e o indireto, prender o homem no campo e, assim,

    limitar sua migrao para a cidade, migrao que tinha impacto negativo sobre a formao do

    salrio urbano. Uma soluo que priorizava os resultados obtidos a longo prazo com a

    transformao das estruturas vigentes no pas.

    A situao econmica e social do pas estava bastante crtica, alm da prpria questo da

    dificuldade de conseguir uma estabilidade institucional, apenas legitimada sob um regime

    parlamentarista. Este pouco representava o desejo da maior parte da populao e era visto como

    uma soluo tampo, efmera. No livro: Joo Goulart: entre a memria e a histria (2006)

    so relatados alguns dados.

    A dvida externa brasileira em janeiro de 1961, denunciada por Jnio Quadros

    em seu discurso de posse, somava cerca de US$ 3 bilhes, dos quais US$ 2

    bilhes deveriam ser quitados no governo de 1961 a 1965; presena de dficit

    na balana de pagamentos; dficit pblico e uma inflao em torno de 26% no

    ano anterior (2006:81).

    Foi esta situao socioeconmica que Goulart teve em suas mos aps a renncia de Quadros. A

    escolha da poltica econmica e a nomeao da pasta da Fazenda era uma preocupao para os

    norte-americanos, principalmente numa conjuntura de Guerra Fria, e para a elite conservadora

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    brasileira. A indicao de Moreira Salles para a pasta da Fazenda conferia respeitabilidade ao

    governo na comunidade financeira internacional.

    A escolha de Moreira Salles juntou o til ao agradvel e minimizou as

    preocupaes da elite conservadora com uma possvel guinada esquerda da

    poltica econmica aps a posse de Jango. Moreira Salles tinha sido diretor

    executivo da Sumoc (Superintendncia da Moeda e do Crdito) de fevereiro de

    1951 a maio de 1952 (segunda administrao de Vargas) e cumprira, no

    primeiro semestre de 1961, uma exitosa misso financeira internacional

    (Ferreira, 2006:85).

    O ministro Moreira Salles planejou um programa de governo, exposto numa reunio

    ministerial, intitulado Ao de emergncia, no qual reconhecia como principal questo o

    baixo crescimento do PIB, devido a problemas de financiamento dos investimentos. Era

    preciso voltar a crescer taxa histrica do ps-guerra de 7,5% ao ano (Ferreira, 2006:86). Um

    programa que logo nos primeiros meses de 1962 no parecia dar bons resultados. Este ministro

    convenceu Goulart a ir a Washington para negociar com o presidente americano John Kennedy

    os problemas financeiros brasileiros, dvida externa e regulao do capital estrangeiro na

    economia nacional.

    Essa viagem ( Washington) foi realizada em abril de 1962, mas Jango voltou

    de mos vazias, e a direita se aproveitou para criticar ainda mais o governo. A

    negociao exigia um alto preo: ruptura das relaes diplomticas e

    comerciais com Cuba, liberdade na remessa de lucros e dividendos para as

    empresas americanas, garantia desses investimentos, compra da companhia de

    eletricidade Amrica Foreign Power Company (Amforp),3 e nenhuma relao

    3 Essa empresa, estabelecida no Brasil desde 1928, era responsvel pelo abastecimento de eletricidade a cidadesmenores nos estados de So Paulo e Rio de Janeiro, e s cidades de Porto Alegre, Pelotas, Curitiba, Salvador, Natale Vitria.

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    com os pases socialistas. Estes termos impediram que as negociaes

    avanassem, pois o passado e o presente do Presidente Jango no lhe

    permitiam pagar o preo proposto pelos norte-americanos.

    Os diretores do FMI no consideravam Jango capaz de levar adiante um duro programa

    de combate inflao e o governo norte-americano no aceitava negociar as indenizaes das

    empresas nacionalizadas, como a ITT. Apesar dos poucos resultados produtivos a posio

    americana permaneceu apenas vigilante4, primeiro por questes estratgicas de no tomar uma

    atitude precipitada e fortalecer ainda mais reaes anti-americanas, e segundo porque Goulart

    ainda no tinha assumido publicamente uma posio de repulsa ou de cooperao efetiva entre

    os dois pases, esta atitude do presidente brasileiro teve o efeito de inibir direcionamentos

    golpistas promovidos pelos norte-americanos e ao mesmo tempo equilibrar o apoio dos

    movimentos sociais de esquerda, o que se refletiu no sucesso eleitoral do plebiscito ocorrido em

    janeiro de 1963.

    O objetivo dos americanos durante o governo de Jango, pelo menos at maro de 1964,

    foi procurar mudar a orientao poltica e econmica deste Governo. A orientao poltica

    americana foi formalizada atravs de um documento preparado para a reunio do Conselho de

    Segurana Nacional em 11 de dezembro de 1962 em Washington. Lincoln Gordon (2002)

    apresenta esta idia de forma detalhada.Os americanos, representados no Departamento de

    Estado e o presidente Kennedy, atravs deste documento viam como importante

    (...)criar um bom relacionamento pessoal entre o presidente Kennedy e

    o presidente Goulart, com repetidas abordagens do presidente Goulart

    em nome do presidente Kennedy; (...) tentativa de influenciar os

    4 Significa que os EUA no realizaram um apoio aberto ao golpe, apesar de o prprio Lincoln Gordon (2002:329)reconhecer que os EUA financiaram a campanha de candidatos afinados como discurso americano nas eleies de1962 e menciona que o efeito eleitoral do financiamento foi pequeno.

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    principais conselheiros de Goulart receptivos aos nossos pontos de vista

    (americanos); (...) pressionar o presidente Goulart no sentido de que ele

    assuma posies pblicas em temas decisivos para cooperao entre osdois pases (...) (2002:335).

    No plano interno existiam presses de variados setores de esquerda socialistas,

    trabalhistas, comunistas exigindo o incio da realizao das reformas de base, incluindo

    bancria, fiscal, urbana, tributria, administrativa, universitria, agrria e reforma da Lei

    Eleitoral, com direito de voto estendido a todos os cidados, inclusive a soldados e analfabetos,

    alm da legalizao do PCB. No Congresso a discusso sobre a reforma agrria provocou uma

    ciso na base aliada do governo, PTB e PSD. A concluso desta questo enfrentava forte

    oposio da elite rural brasileira, mas o PSD parecia disposto a realizar uma reforma agrria

    considerada moderada. A principal discusso era em torno do art. 141 da Constituio brasileira,

    de 1946, que previa o pagamento de indenizao justa e prvia, em dinheiro, para as

    desapropriaes por interesse pblico.

    Para os trabalhistas e as esquerdas, tratava-se de procedimento inaceitvel. A

    Constituio, para eles, tinha que ser alterada. J o PSD concordava com as

    indenizaes, desde que fossem com ttulos da dvida pblica, e aceitava que as

    desapropriaes atingissem apenas o latifndio improdutivo (Gomes e Ferreira

    2007:140).

    Este direcionamento do PSD evidenciado no documento sobre os limites da reforma agrriaaceitvel aprovado pela IX Conveno do partido em 15-17 de maro de 1962.

    O PSD lutar pela Reforma Agrria dentro dos seguintes pressupostos: (...)Ter-

    se- em vista, com relao ao regime da propriedade agrcola, a recomendao

    constitucional de uma justa distribuio da propriedade, com igual

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    oportunidade para todos, o objetivo que se deve alcanar sem abandono dos

    princpios de justia inerentes concepo democrtica dos direitos do homem.

    Ter-se- ainda em vista, na mesma ordem de idias, que a grande propriedade

    s se configurar como latifndio condenvel se permanecer inculta ou com

    insuficiente ou inadequada explorao (Hippolito, 1985).

    Desde o incio do governo Goulart as esquerdas formaram uma coalizo radical pr-

    reformas. Para os grupos nacionalistas e de esquerda as reformas de base tratavam-se de um

    conjunto de medidas que visavam alterar as estruturas econmicas, sociais e polticas do pas,

    permitindo o desenvolvimento econmico autnomo e o estabelecimento da justia social. Eram

    elas as Ligas Camponesas, o Partido Comunista Brasileiro PCB, o bloco parlamentar

    autodenominado Frente Parlamentar Nacionalista, o movimento sindical representado pelo

    Comando Geral dos Trabalhadores CGT, organizaes de subalternos das Foras Armadas,

    como sargentos da Aeronutica e do Exrcito e marinheiros e fuzileiros da Marinha, os

    estudantes por meio da Unio Nacional dos Estudantes UNE e, tambm uma pequena

    organizao trotskista. Embora com orientaes diversas, para os grupos que formavam a

    coalizo radical pr-reformas a palavra de ordem tornou-se reforma agrria na lei ou na

    marra. Este posicionamento sinalizava que se fosse preciso prescindiria dos mecanismos

    institucionais para atingir os objetivos, porm no configurava uma atitude golpista. Nem toda

    mobilizao de grupos sociais e a utilizao da ao direta como forma de atingir metas so

    atitudes golpistas. Aes golpistas necessariamente devem apresentar a possibilidade deutilizao do dispositivo militar, como a existncia de articulaes nos meios militares para este

    fim. Ao analisar este perodo histrico no foram observadas evidncias de que as esquerdas e o

    governo tenham tomado uma atitude golpista com articulao nos meios militares.

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    Neste momento os grupos reformistas perceberam que sob o regime parlamentarista

    dificilmente aprovariam as Reformas de Base pregadas. Passaram a utilizar duas oportunidades

    no futuro imediato de ampliar o seu poder e, dessa forma, aumentar a probabilidade de obterreformas mais significativas. Essas duas oportunidades eram o prprio retorno ao

    presidencialismo atravs de um plebiscito e as eleies de 1962, quando podiam e de fato

    conseguiram ampliar a sua representao no Congresso. Desse modo, influenciar cada vez mais

    as decises de Goulart. A idia era obrigar Goulart a um comprometimento mais firme com o

    programa de reformas no momento em que os poderes presidenciais fossem restabelecidos.

    2- O RETORNO AO PRESIDENCIALISMO

    As propostas reformistas defendidas pela esquerda indicavam para uma poltica de

    confronto, atravs da ao direta e mobilizao dos trabalhadores nas ruas para exigir do

    governo medidas radicais e imediatas e pressionar o parlamento para que realizasse a reforma

    agrria e definisse a data do plebiscito concomitante s eleies de outubro de 1962. A principal

    figura a pressionar o Congresso, demonstrando a inviabilidade do regime parlamentarista era o

    prprio Goulart. Em junho todos os ministros do gabinete de Tancredo Neves pediram demisso

    devido a discordncias quanto ao rumo da poltica agrria do presidente Jango. Goulart tentou

    substitu-lo por San Tiago Dantas, esquerdista moderado, porm o Congresso rejeitou. A

    atuao de Dantas no Ministrio das Relaes Exteriores, onde levantou a bandeira da poltica

    externa independente, desagradavam as bancadas do PSD e da UDN; desse modo, os dois

    partidos se uniram e vetaram o seu nome. O nome escolhido foi Brochado da Rocha, gacho

    adepto das reformas e, sobretudo, amigo de Brizola.

    O Gabinete Brochado era uma mistura de integrantes do PSD e do PTB com

    alguns nomes sem militncia poltica. Os ministros militares foram substitudos,

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    e a luta pelo plebiscito se radicalizou. O movimento social tambm cresceu, e

    greves por melhores salrios eclodiram por todo pas. (...) Esse Gabinete no

    teve vida longa. Boa parte de seus esforos se concentrou em derrubar a emenda

    parlamentarista e em obter poderes especiais para implementar algumas

    reformas, como a tributria (...) Todavia, um ato do general Jair Dantas Ribeiro

    precipitou os acontecimentos. Este enviou um telegrama ao presidente,

    comunicando-lhe no ter condies de conter a rebelio popular gacha caso o

    Congresso Nacional no aprovasse o plebiscito para as eleies de outubro

    daquele ano (1962). O general Nelson de Melo, ministro da Guerra, embora

    favorvel ao plebiscito, quis punir o general e, para evitar a punio, o Gabinete

    Brochado da Rocha renunciou. A crise estava instalada (Ferreira, 2006:93).

    Uma emenda foi apresentada ao Congresso Nacional, apesar da oposio de alguns

    parlamentares da UDN, PSD e do PSP, fixando a data do plebiscito para o dia 6 de janeiro de

    1963. No era o desejo do governo, pois queria aproveitar as eleies de 3 de outubro de 1962

    para pronunciamento popular. Novamente a definio negociada da data do plebiscitoevidenciava dois fatores: um sinalizava para a fora poltica do governo e das esquerdas o outro

    caracterizava a importncia dos elementos de centro e de direita nas decises polticas do pas.

    Retornar ao Presidencialismo era um desejo de Goulart, atual presidente, do ex-presidente do

    Brasil Jucelino (PSD) e do governador da Guanabara Lacerda (UDN), potenciais candidatos a

    presidncia no ano de 1965. Isso significa dizer que a conquista do retorno ao presidencialismo

    no foi uma vitria nica das esquerdas como estas a pensaram. Figuras do mais amplo espectro

    poltico se demonstraram favorveis, portanto foram essenciais nesta deciso do parlamento.

    Ainda em agosto de 1962, o ministro da Fazenda Moreira Sales pediu renncia, pois o governo

    deixara de apoiar seus esforos no sentido da responsabilidade fiscal. Algo at compreensvel

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    Algumas medidas foram concretizadas por Goulart antes do plebiscito, tendo o foco nas

    suas convices nacionalistas e no prprio resultado eleitoral. Implantou a Eletrobrs; assinou a

    Lei de Remessas de Lucros para o Exterior, votada na Cmara; criou o Grupo de Coordenaodo Comrcio com os Pases Socialistas e a Zona de Livre Comrcio da Associao Latino-

    Americana de Livre Comrcio. Na rea de Educao, fundou a Universidade de Braslia (Unb) e

    promulgou a LDB, que determinava que 12,45% do oramento federal fossem investidos em

    educao. O efeito dessas medidas e o prprio desejo da populao de retorno ao regime

    presidencialista, ao qual verdadeiramente teriam a garantia de participao na escolha de seu

    governante, foram determinantes para a vitria de Goulart na eleio do dia 6 de janeiro de

    1963, ocorrendo o retorno ao regime presidencialista.

    Seu prestgio, naquele momento, era imenso. Em 24 de janeiro de 1963

    empossou seu primeiro ministrio presidencialista. A estratgia era unir o

    centro pessedista e a esquerda trabalhista e, com a maioria no Congresso

    Nacional e o reforo da tradicional aliana entre o PSD e o PTB, implementar

    um programa de reformas via parlamentar. Para Jango e para alguns setores do

    PTB, o PSD era um partido conservador, mas no reacionrio ou golpista,

    encontrando-se disposto a discutir, inclusive, uma reforma agrria, desde que

    moderada (Gomes e Ferreira 2007:142).

    Grupos de esquerda, com destaque a FMP (Frente de Mobilizao Popular), achavam

    essa estratgia presidencial um equvoco: a palavra negociao neste momento histrico

    assumiu um carter pejorativo e muitas vezes se associava idia de traio. A Frente de

    Mobilizao Popular, criada no incio de 1963, sob a liderana de Leonel Brizola, era a reunio

    das principais organizaes de esquerda que lutavam pelas reformas de base. Esta

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    (...) procurava convencer Goulart a implementar as reformas de base

    unicamente com seu apoio poltico, desconhecendo outras organizaes do

    leque partidrio brasileiro, inclusive os de centro (Ferreira 2004:189).

    A esquerda radical e de pregao revolucionria minou a autoridade do presidente e

    abriu caminho para a sua prpria deposio, sendo Brizola o seu maior representante. A direita

    j conspirava de forma aberta e suas principais organizaes j eram de grande conhecimento, o

    complexo Ips-Ibad e que se aproveitaram da ciso dos grupos esquerdistas e,

    conseqentemente, do desgaste do governo para ganhar mais espao e legitimidade poltica na

    opinio pblica.

    A estratgia inicial de Goulart foi desarmar seus opositores conservadores, procurando

    ampliar a sua base poltica com os grupos ao centro, sobretudo o PSD e ao mesmo tempo

    manter o apoio das esquerdas. No primeiro momento buscou mostrar a total inviabilidade de se

    governar neste sistema parlamentarista montado e depois implementar as reformas negociadas e

    pactuadas no Congresso Nacional. O principal conflito entre as esquerdas e os conservadores

    girou em torno de como implementar a reforma agrria. Qualquer proposta que inclusse

    indenizao prvia, como exigia a Constituio, foi considerada inaceitvel pelas esquerdas.

    Dentro desta conjuntura de radicalizao poltica, o governo Goulart iniciou um ciclo de

    experincias contrastantes, uma liderada pelos ministros San Tiago Dantas, da Fazenda, e Celso

    Furtado, do Planejamento. E, depois de julho de 1963, tendo o comcio do dia 13 de maro de

    1964 o seu momento crucial, um esforo de Goulart em promover as reformas de base a partir

    da mobilizao popular. O segundo foi frustrado pelo golpe militar.

    Os americanos demonstraram um entusiasmo nesta primeira experincia logo no incio

    do governo presidencialista. Momentos ruins para os americanos, como a demisso forada do

    gabinete de Tancredo Neves, em junho de 1962, at o plebiscito de janeiro de 1963 e que

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    resultou na nomeao de primeiros-ministros (Brochado da Rocha e Hermes Lima) situados

    bem esquerda de Tancredo Neves foram ofuscados por este novo momento poltico. Lincoln

    Gordon (2002) menciona com detalhes este posicionamento americano.(...) Essa (mencionada acima) foi uma fase claramente negativa, que incluiu

    muitas manifestaes de hostilidade aberta aos Estados Unidos por

    funcionrios brasileiros graduados. No Brasil, o Congresso aprovou uma lei

    muito restritiva da remessa de lucros por investidores estrangeiros, e a

    promessa feita pelo ministro das Relaes Exteriores de que a maioria das

    clusulas mais severas seria vetada no foi cumprida por Goulart. Naquelemomento algumas autoridades de Washington e alguns grupos de empresrios

    americanos recomendaram a suspenso da assistncia econmica ao Brasil,

    mas o governo Kennedy aceitou a minha recomendao de evitar um

    rompimento explcito, na esperana de que um melhor relacionamento bilateral

    poderia ser restaurado depois que Goulart voltasse a ter plenos poderes

    presidenciais. Kennedy adiou sua visita ao Brasil, marcada para agosto de1962. Como h muitos anos j foi reconhecido publicamente, eu tambm fui

    favorvel proposta de dar atravs da Agncia Central de Inteligncia (CIA)

    alguma assistncia financeira aos candidatos ao Congresso que tinham uma

    atitude amigvel com relao aos Estados Unidos (Gordon 2002: 102).

    Est claro que os EUA no apoiaram abertamente o golpe e que financiaram

    candidaturas de simpatizantes s propostas americanas. O prprio discurso ao afirmar evitar o

    rompimento explcito j possibilita o entendimento de que havia um certo rompimento, porm

    no era explcito. Estava em curso uma forma de minar o governo de Goulart, desde o

    financiamento de candidaturas para as eleies de 1962 at nas dificuldades de conseguir

    assistncia para os problemas macroeconmicos. As condies impostas eram muito severas,

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    principalmente para um lder trabalhista como Goulart. verdade que os EUA tentaram uma

    conciliao com o governo do Brasil, propondo auxlio financeiro, porm no retiraram algumas

    das condies apresentadas nas negociaes em abril de 1962 em Washington e acabaramcontribuindo indiretamente para o processo de radicalizao poltica no Brasil.

    Os Estados Unidos ficaram entusiasmados com a atitude do governo Goulart, aps

    restabelecer os poderes presidenciais, de nomear um novo Ministrio, encabeado por San

    Tiago Dantas, ministro da Fazenda, e Celso Furtado, ministro extraordinrio do Planejamento.

    Estes formularam um projeto de governo, o Plano Trienal que inclua polticas ortodoxas, a

    exemplo das medidas de estabilizao monetria negociadas com o FMI, e polticas

    progressistas, como a reforma da estrutura fundiria do pas. Com tantas crticas, Jango com trs

    meses depois, abandonou o Plano Trienal. As esquerdas atacaram duramente o programa

    lanado pelo governo uma semana antes do plebiscito. O Plano Trienal, formulado pelo ministro

    do Planejamento Celso Furtado tinha como meta combater a inflao sem comprometer o

    desenvolvimento econmico, e num segundo momento implantar as reformas de base.

    Embora os objetivos propostos por Celso Furtado fossem praticamente

    consensuais, avalia Argelina Figueiredo, eles implicavam uma restrio

    salarial, limitao do crdito e dos preos, bem como cortes nas despesas

    governamentais, afetando assim, interesses de capitalistas e trabalhadores. O

    plano passou a ser visto pela esquerda como antipopular, antinacional e pr-

    imperialista (Figueiredo 1993: 91).

    Ao ceder s presses dos grupos de esquerda, Goulart comeou a perder de vez o pouco

    apoio dado pelos EUA, a capacidade de governar ao resolver a curto prazo os problemas

    econmicos e o poder de manipular os bens simblicos em proveito de seu governo. Um grande

    questionamento se impe ao analisar esta deciso do governo de demitir um gabinete formado

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    por pessoas, como Dantas e Furtado, do maior gabarito para esta funo. Como Goulart

    conseguiria a prpria sobrevivncia poltica, se os efeitos estruturais das mudanas no sentido

    do capitalismo brasileiro contidas nas reformas de base apenas seriam sentidos a mdios elongos prazos? As esquerdas, por convico ideolgica, ignoravam este problema, pois

    desconsideravam a importncia de quaisquer foras polticas do centro e de direita na aprovao

    das reformas. Alis, nem acreditavam no regime democrtico como princpio essencial para a

    implementao das decises de Estado, segundo Ferreira 2005 (detalhes no captulo 3). A

    direita golpista, tambm via a democracia de forma instrumental, mas esta atitude no era

    novidade no Brasil, desde 1945 ansiava chegar ao poder atravs de um golpe de Estado.

    Lincoln Gordon (2002) menciona que o Plano Trienal tinha sido bem aceito nos EUA,

    pois parecia um esforo tremendo em conter as presses inflacionrias e equilibrar a balana de

    pagamentos. Era um elemento importante na negociao da provvel ajuda financeira dos EUA.

    Esse (Plano Trienal) serviu de base para negociaes abrangentes sobre

    assistncia a longo prazo, realizadas em Washington em abril de 1963, com o

    lado brasileiro dirigido por San Tiago Dantas (...) O acordo resultante parecia

    criar os fundamentos para o apoio macroeconmico dos Estados Unidos, com

    emprstimos programticos e assistncia microeconmica mediante

    emprstimos a projetos, ao lado de compromissos assumidos pelo Brasil de

    adotar uma poltica fiscal antiinflacionria e empreender vrias reformas

    sociais(2002:103).

    O governo Goulart, ao abandonar o Plano Trienal, perdeu a oportunidade de negociar

    uma ajuda financeira importante com os EUA ou, de pelo menos, neutralizar uma conspirao

    golpista que vinha desde o incio do governo ganhando fora, adeptos e legitimidade para o

    desenvolvimento de suas aes, manipulando os bens simblicos de acordo com os seus

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    interesses. As dissidncias internas no governo favoreciam isso. Pior do que voltar atrs numa

    deciso aps alguns meses de lanado o projeto foi preparar um plano de governo que

    dificilmente considerava ser possvel sustentar politicamente dentro das esquerdas. Esta decisoo fragilizou no plano externo, dificultando o apoio dos EUA e no interno, ao no ser

    considerado capaz de apresentar resultados em curto prazo e de sustentar as presses da

    esquerda radical, principalmente do seu lder Brizola.

    No seu depoimento ao Setor de Histria Oral do Cpdoc/ FGV em 06/04/1977 a

    07/07/1977, Abelardo Jurema, ministro da Justia (1963-64), comenta sobre essa deciso de

    Goulart de romper com o Plano Trienal e de abandonar a idia da composio de ministrios de

    alto gabarito. Alm de justificar a necessidade desta composio dentro da conjuntura poltica

    da poca.

    O Jango sempre teve ministros de bom gabarito. Ele no nomearia qualquer

    um, e isso que mostra a transio. O pas saa do parlamentarismo, e procurou

    demonstrar, com esse ministrio, que a mudana para o presidencialismo no

    traria o caos. Da ter apresentado um ministrio de alto gabarito, com a

    preocupao tpica de quem procurava impressionar a nao (...) Essa transio

    foi muito favorvel a Jango. No entanto, se ele tivesse uma personalidade mais

    definida, teria feito, com esse ministrio, uma boa poltica de consolidao de

    sua fora. Por isso muita gente comeou a querer saber por que,

    paradoxalmente, com um ministrio dessa envergadura, Jango entrou num

    processo de esvaziamento.

    A explicao para esta deciso pode se concentrar numa caracterstica provvel da

    personalidade de Goulart como: a sua debilidade ou tibieza nas decises polticas. Porm a

    escolha desta atitude condicionada por dois fatores intimamente dependentes: a primeira est

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    relacionada preocupao de no perder a liderana popular ameaada constantemente por

    Brizola, maior lder da esquerda radical e deputado federal pela Guanabara, adotando medidas

    restritivas aos trabalhadores, a segunda era o receio de que assumisse predicados de traidor,imperialista e entreguista os quais no refletiam suas convices polticas nem sua trajetria de

    vida. E ainda tinha um outro agravante alm da conjuntura de crise econmica e poltica. O

    Jango teve que se preocupar diretamente com os problemas dos trabalhadores, pois no tinha

    um grande nome para lidar com estas questes. Isto ameaava ainda mais a sua liderana,

    anlise feita pelo depoente Abelardo Jurema (2007:179).

    O Juscelino teve um Jango para resolver os problemas dos trabalhadores, Jango

    no tinha ningum para fazer isso. Se o Jango, na presidncia da Repblica,

    tivesse o PTB na mo de um Pasquallini (um dos mais importantes tericos do

    trabalhismo brasileiro), se no fosse ele prprio o presidente do PTB, teria

    sobrevivido. Porque, no tempo de Jucelino, quando surgiam as crises, Jango

    que resolvia, pedindo aos trabalhadores para ceder (...) Por exemplo, quando a

    greve dos bancrios j se prolongava h algum tempo, Jucelino chamou o Jango

    e lhe disse: preciso acabar com a greve; ela est minando o meu governo. O

    jango foi l e acabou com a greve. Mas o Jango no tinha um homem para

    chamar e dizer: Acabe com isso.

    O clima de radicalizao tomou nova dimenso com o episdio ocorrido resultante da

    homenagem ao comandante do I Exrcito, general Osvino Ferreira Alves, os sargentos em maio

    de 1963, promoveram um evento na sede de um instituto de aposentadorias e penses. A aliana

    operrio-estudantil-militar se fortalecia. Os discursos ressaltaram o apoio s reformas de base e

    o repdio ao imperialismo e ao FMI. Em certo momento, o subtenente pra-quedista Gelcy

    Rodrigues Correia fez um pronunciamento radical. No dia seguinte , com o apoio de 51

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    generais, o Ministro de Guerra ordenou a priso de Gelcy e mais tarde foi transferido para Ponta

    Por, Mato Grosso. Este evento estimulou o Supremo Tribunal Federal em 11 de setembro de

    1963 a julgar e considerar inelegveis os sargentos eleitos no ano anterior. O episdio dainsurreio dos sargentos em Braslia e, principalmente, aps o Inqurito Policial Militar

    instaurado, apurou-se que dois deputados brizolistas estavam envolvidos, enfraquecendo

    bastante o governo.

    A partir de setembro de 1963 cresceu um processo de radicalizao a desestabilizar o

    governo. E neste momento teve papel preponderante a mobilizao anticomunista no processo

    de arregimentao dos grupos adversrios ao governo, fornecendo o principal argumento a

    unificar os setores da oposio para dar legitimidade a uma provvel tomada de poder. Ser

    comunista era considerado um grande problema para a sociedade, era sinnimo de mau,

    subversivo e outras associaes pejorativas bem dentro do clima de Guerra Fria, disputas

    ideolgicas entre Capitalismo, EUA, e Comunismo, URSS. Como o Brasil apresentava relaes

    diplomticas bem estabelecidas com os EUA h muito tempo e este pas apoiava indiretamente

    o golpe de Estado a difuso da idia golpista ficou mais facilitada.

    Outra crise poltica foi provocada pelo governador Lacerda ao conceder uma entrevista

    ao correspondente do Los Angeles Times, denunciando a infiltrao comunista nos sindicatos,

    no governo Goulart, nomeaes polticas presentes desde o abandono do Plano Trienal, e

    pedindo uma interveno norte-americana no pas. Os ministros militares, indignados, pediram a

    Goulart a decretao do estado de stio. Pouco tempo depois, 4 de outubro de 1963, o pedido

    chegaria ao Congresso. As reaes vieram de todos os lados. Os conservadores, a direita e a

    esquerda isolaram o governo.

    Enquanto isso, o minoritrio grupo civil-militar golpista comeou a ganhar terreno no

    plano conspiratrio. Os rgos de imprensa: Globo, Jornal do Brasil e Tupi criaram a Rede da

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    Democracia Com discursos unificadores, denunciavam o perigo comunista, a poltica

    econmica do governo e o prprio Goulart. As esquerdas, naqueles anos, fabricaram e

    disseminaram imagens ressaltando a lgica do desfecho ou a idia de que se vivia num perodode vspera, outras imagens difundidas eram a diviso da populao brasileira em povo e

    antipovo e o perigo do gorila, um fenmeno latino-americano, fascista, anticomunista e

    subserviente aos ditames do Pentgono.

    No fim de 1963, o governo Goulart chegara ao final de um ciclo poltico. A estratgia de

    confronto passou a ser prioridade tanto das foras de direita como de esquerda. O caminho pela

    via parlamentar, com o apoio do PSD e de importantes fraes do PTB, no mais produziria

    resultados, a radicalizao poltica era meta dos atores polticos. Ao observar esta tendncia

    (...) o presidente comeou a abandonar as suas tentativas de negociao,

    aproximando-se das organizaes que, ao longo do tempo, mais abertamente o

    sustentaram: o movimento sindical e as esquerdas radicais. Assim, pediu ao

    presidente da Superintendncia da Poltica Agrria um decreto que permitisse a

    desapropriao de 20 km de cada lado das rodovias e ferrovias federais, bem

    como dos audes e rios navegveis (Gomes e Ferreira 2007:144).

    O decreto da Supra, como ficou conhecido, tinha os seguintes objetivos: ser um marco no seu

    governo, sair da condio de isolamento poltico e representar uma atitude simblica de

    fidelidade s convices pregadas, demonstrando que o governo estava defendendo os interesses

    dos trabalhadores. O efeito poltico foi o inverso, incentivando aes de promoo da ruptura da

    legalidade democrtica. Este desprezo, promovido por grande parte dos atores polticos e

    econmicos de correntes ideolgicas distintas, foi decorrente dos fracassos na consolidao do

    apoio para a implementao das reformas de base, sobretudo a agrria, sob regras democrticas.

    A responsabilidade pela no aprovao da reforma agrria no parlamento foi prpria dos

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    parlamentares, portanto, as convices ideolgicas pesaram neste momento. O governo Goulart

    e a idia de democracia foram debilitados.

    3- O DESFECHO DA CRISE: O COMCIO DO DIA 13 DE MARO DE 1964

    No incio de 1964, a conspirao das direitas avanava de maneira acelerada. Diante

    desse quadro poltico San Thiago Dantas, liderando um grupo de polticos moderados do PTB e

    de outros partidos, formou a Frente Progressista de Apoio s Reformas de Base.

    A Frente Progressista, qualificada pelo prprio Dantas de esquerda positiva,

    para diferenci-la da esquerda negativa, referindo-se, certamente, FMP de

    Leonel Brizola, procurava impedir o crescimento da conspirao da direita

    civil-militar reagrupando as foras de centro-esquerda no sentido de apoiar o

    governo (Ferreira 2004:200).

    A idia de isolar a direita e a esquerda radical, realizar as reformas por vias democrticas,

    unindo o centro e a esquerda moderada no obteve sucesso. O grupo de sindicalistas no

    aceitava qualquer moderao em termos polticos; o PSD alegou que deveria ser excludo da

    Frente Progressista e exigia medidas concretas do presidente; e a FMP no acreditava nas

    mudanas econmicas e sociais pelas vias institucionais.

    importante salientar que ao analisar o comportamento poltico de Goulart,

    principalmente aps o comcio na Central do Brasil em 13 de maro, no se deve procurar

    personalisar todo o processo histrico, mas enfatizar que os agentes histricos fazem as suasescolhas de acordo com as circunstncias apresentadas no momento e, com as convices, estas

    mediadas pela prpria experincia (econmica, poltica e social) e pela trajetria de vida, muita

    das vezes sendo acidental. Existe certa resistncia terica neste tipo de abordagem, Lincoln

    Gordon (2002:82) apresenta esta disputa entre correntes tericas, de um lado os cientistas

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    sociais latino-americanos, principalmente nos anos 1960-70, com forte corrente marxista, e do

    outro a tradio terica anglo-saxnica.

    (...) os jornalistas que acompanham os acontecimentos contemporneos, assim

    como alguns historiadores, do um peso muito maior aos acidentes com as

    personalidades e circunstncias envolvidas, atribuindo um amplo grau de

    liberdade s pessoas responsveis pelas decises polticas, embora as

    conseqncias de suas decises possam freqentemente ser inesperadas. A

    forte corrente marxista que orientou a formao dos cientistas sociais latino-

    americanos levou a maioria deles a adotar nesse perodo o determinismo

    histrico, em lugar da tradio anglo-saxnica, mais emprica, indutiva e

    antidoutrinria, no s em economia como tambm na cincia poltica e na

    sociologia.

    Este autor tem uma anlise relevante no questionamento das interpretaes baseadas no

    determinismo histrico. Apresenta uma clara preferncia pela corrente anglo-saxnica, esta

    apresenta uma contribuio positiva ao reconhecer o grau de liberdade das pessoas responsveis

    pelas decises polticas. Lincoln Gordon exagera na interpretao sobre os acontecimentos que

    desencadearam o golpe de 1964 no Brasil. Ele culpabiliza a figura de Goulart pelo desfecho do

    golpe de 1964 por no ter tomado as decises polticas corretas no seu governo. Este tipo de

    anlise abre margem para a idia de que o personagem Goulart poderia ter evitado as

    atrocidades presentes aps do golpe de 1964. Toda personalizao do processo histrico um

    equvoco de interpretao, o que no impede de atribuir um grau de responsabilizao ao

    governo Goulart na sua relao com os demais atores sociais. importante dizer o limite da

    responsabilidade que pode ser imputada ao governo Goulart na sua relao com o desfecho do

    golpe. O governo Goulart apresenta um grau de responsabilidade apenas sobre a perda da

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    disputa poltica com os grupos direitistas e conservadores, no tendo nenhuma relao com as

    atrocidades cometidas aps a instalao da ditadura militar em abril de 1964, muito pelo

    contrrio, tentou reverter este processo histrico atravs da formao da Frente Ampla

    6

    .A realizao do comcio na Central do Brasi,l em 13 de maro, simbolizou para a

    opinio pblica a escolha do presidente pela poltica de radicalizao pregada pelas esquerdas, a

    qual pretendia sair vitorioso. Neste dia s 18:00 teve incio o comcio que concentrou mais de

    200 mil pessoas, sendo uma mobilizao fantstica. A presena da primeira-dama Maria

    Thereza Goulart evidenciava a legitimidade, a importncia e o temor relacionado ao evento.

    Leonel Brizola, em nome da FMP exigiu de Goulart o fim da poltica de conciliao, o que

    significava o abandono da via parlamentar e se baseava nica e exclusivamente no apoio

    popular para a aprovao das reformas de base. A FMP passou a exigir um plebiscito sobre a

    necessidade de convocao de uma Assemblia Nacional Constituinte para realizar as reformas

    de base. Goulart no seu discurso, falando praticamente de improviso, anunciou a encampao de

    refinarias de petrleo particulares e referiu-se a uma mensagem que enviaria ao Congresso

    Nacional exigindo a realizao imediata das reformas de base.

    (...) Dentro de 48 horas vou entregar considerao do Congresso Nacional a

    mensagem presidencial deste ano. Nela, esto claramente expressas as intenes

    e os objetivos deste ano. (...) Mas tambm, trabalhadores, quero referir-me a um

    outro ato que acabo de assinar, interpretando os sentimentos nacionalistas deste

    pas. Acabei de assinar, antes de dirigir-me para esta grande festa cvica, o

    decreto de encampao de todas as refinarias particulares7.

    6 A Frente Ampla foi um movimento significativo, que, entre 1966 e 1968, reuniu lderes polticos ideologicamentedspares (Lacerda, Goulart e Jucelino) em torno de um projeto comum de redemocratizao do pas por meio deaes polticas legais.7 Fonte: SILVA, Hlio. 1964: golpe ou contragolpe? Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1975.

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    Logo depois, como havia prometido, o presidente enviou uma mensagem ao Congresso

    Nacional prestando contas do seu governo e propondo a aprovao das reformas de base, sendo

    elas universitria, urbana, eleitoral (direito de voto aos analfabetos e sargentos) e reformaagrria, suprimindo o artigo 141 da Constituio. As idias que mais assustaram os

    Congressistas foram as que previram a delegao de poderes do Legislativo ao Executivo; a

    aprovao de um plebiscito para que o povo se manifestasse sobre as reformas de base; e a

    alterao do captulo da Constituio sobre as inelegibilidades. Este ltimo possibilitava que

    Brizola, cunhado de Goulart, se tornasse presidente e Goulart pudesse se reeleger nas eleies

    de 1965. O medo dos conservadores e de grupos de direita da possvel existncia de uma

    ditadura de esquerda com participao ativa dos comunistas era algo realmente possvel no

    futuro bem prximo. Sendo assim, o que provocou a unificao das elites contra Jango no foi

    uma oposio intransigente a reformas. Em essncia, a mobilizao antiGoulart surgiu do temor

    a estratgias que o presidente supostamente estaria disposto a usar para conseguir os seus

    objetivos.

    O comcio foi um sucesso de mobilizao popular e ao mesmo tempo a senha para a

    articulao coesa do golpe de Estado. A legitimidade das aes oposicionistas passou a ser

    desenvolvido no argumento: a defesa da democracia exigia a ruptura das regras democrticas.

    Por outro lado Jango comeou a acreditar numa outra forma de sustentao de governo, a

    mobilizao popular. O que posteriormente se demonstrou aps o golpe de 1964 em um

    movimento desorganizado, portanto, incapaz de manter o presidente no poder. Esta ciso entre

    as esquerdas foi um fator importante para enfraquecer o governo, facilitando a vitria da direita

    no Brasil.

    Em depoimento ao Setor de Histria Oral do Cpdoc/FGV em 06/04/1977 a 07/07/1977,

    Abelardo Jurema chama a ateno para uma questo que o presidente descuidou diferentemente

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    de Juscelino, o controle das Foras Armadas. E a explica mediante a crena intransigente de

    Jango na presso popular como forma de sustentao de governo e de atingir os objetivos

    polticos.Jango acreditava muito em povo. Ele raciocinava que, em primeiro lugar, a fora

    popular que ele tinha era invencvel. J Juscelino era o contrrio. Tinha uma

    frase lapidar: No Brasil, a gente governa olhando para o Exrcito(...) Naquele

    comcio da Central do Brasil, por exemplo, havia 200 mil pessoas e o Exrcito

    ali. Jango achou que nunca cairia, vamos ser claros. Eram 200 mil pessoas na

    frente e o exrcito atrs(...) Em plenos dias de revoluo, os generais se reunirame propuseram a ele a nomeao imediata de Lott8 para o Ministrio da Guerra.

    Foi at por meu intermdio, e ele no aceitou9.

    A estratgia principal era enfraquecer o Congresso, incitando a populao contra ele. As

    esquerdas, em maro de 1964, pensaram em repetir agosto/setembro de 1961. Neste primeiro

    momento de vitria da esquerda lutava-se pela manuteno da ordem jurdica e democrtica e os

    setores direitistas perdiam a legitimidade ao pregarem abertamente o golpe de Estado.

    Em maro de 1964, no entanto os sinais se inverteram. Os conservadores

    passaram a proferir discursos de defesa da ordem legal e as esquerdas,

    diversamente, estimulavam a desobedincia s instituies democrticas.

    Inebriadas pela vitria de 1961, as esquerdas acreditaram que poderiam

    repeti-la em 1964. No perceberam a importncia da questo democrtica e,

    sobretudo, nem a consideraram (Ferreira 2004:200).

    Esta interpretao de Ferreira de que houve pouca preocupao com a preservao da legalidade

    democrtica por parte das esquerdas devido a sua prpria supervalorizao das reais foras

    8 Marechal Lott fazia parte da ala legalista, nacionalista e anticomunista do exrcito. Foi o principal responsvelpela garantia da legalidade democrtica no ano de 1955, permitindo a posse de Jucelino como presidente.9

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    polticas bastante perspicaz. E deve ser complementada com uma evidncia histrica,

    utilizando como objeto de anlise os discursos de Goulart durante o seu governo. Em nenhum

    destes discursos foram observadas palavras sinalizadoras de que um golpe militar estava empleno desenvolvimento. Palavras como golpe e conspirao sequer chegaram a ser

    mencionadas nos discursos mais prximos dos momentos crticos da administrao, segundo

    semestre de 1963 at o golpe de 31 de maro de 1964. Os exemplos so referentes ao comcio

    de 23 de agosto de 1963 do CGT pelo aniversrio da morte de Vargas10; ao discurso de Goulart

    em 3 de outubro de 1963 sobre a conjuntura da crise 11 e o discurso no comcio do dia 13 de

    maro de 196412. Somente no discurso durante reunio de sargentos no Automvel Clube em 30

    de maro de 1964 que Goulart chega a mencionar palavras que lembram um golpe de Estado.

    Mencionou as seguintes: defensores do golpe de Estado e dos regimes de emergncia ou de

    exceo, ditadura fascista e outras semelhantes. Relembrando, o golpe de Estado ocorreu em

    31 de maro de 1964.

    O governo Goulart parecia ignorar ou tinha receios de mencionar em seus discursos a

    existncia de uma conspirao golpista em curso, principalmente aps 1961, atravs do

    complexo Ips/Ibad. O golpe e a conspirao no pareciam ser realidades provveis. Os

    discursos de Goulart se caracterizavam por apresentar as realizaes do governo; defesa das

    convices trabalhistas e por justificar o porqu uns grupos apoiavam as reformas de base e

    outros as condenavam. Mencionar palavras desta ordem em seus discursos, comprovando-as

    atravs de investigaes feitas pelo governo ajudariam a melhorar sua imagem. Observa-se a

    perda progressiva da capacidade de manipular os bens simblicos em seu proveito,

    conseqentemente diminuindo a legitimidade de seu poder. O receio de no ser qualificado de

    10 Fonte: Correio da Manh, 24 de agosto de 1963.11 Fonte: BRANCO, Carlos Castello. Introduo Revoluo de 1964. Tomo 2. A queda de Joo Goulart. Rio deJaneiro: Artenova, 1975.12 Fonte: SILVA, Hlio. 1964: golpe ou contragolpe? Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1975

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    traidor, imperialista e direitista foi contemplado. De fato, permaneceu fiel a seus princpios

    trabalhistas e de continuidade do legado de Vargas. Conforme foi trabalhado, as vises de

    mundo representadas na figura de Goulart, poltica da conciliao, e na de Brizola, poltica deconfronto, embora tivessem a mesma filiao ideolgica trabalhista, protagonizaram mais

    momentos de dissensos do que de consensos.

    Abelardo Jurema, no mesmo depoimento ao Cpdoc/ FGV, menciona a presso que

    Brizola fazia ao governo Goulart. Ele justifica a atitude do presidente ao ceder s presses da

    esquerda radical, representada na figura de Brizola, como se fosse uma fraqueza ou tibieza

    inerentes a personalidade dele. As razes para estas atitudes podem ser explicadas da mesma

    forma como as, do abandono do Plano Trienal: receio de perder apoio popular ameaado pela

    liderana de Brizola e de que assumisse predicados pejorativos os quais no refletiam as

    prprias crenas.

    (...) o Jango tinha um defeito: a copa e a cozinha(...) Copa e cozinha so os

    freqentadores da mesa do presidente e so chamados assim porque, s vezes,

    os encontros se do na prpria copa. Eu combinava as coisas com o presidente,

    ele jantava com o Brizola e, no dia seguinte havia mudado de opinio. (...) O

    maior copa e cozinha do Jango era Brizola, seu cunhado, que entrava para falar

    com ele a qualquer hora do dia e da noite.

    Os setores polticos antijanguistas logo se mobilizaram tambm. As principais bandeiras

    deles era o anticomunismo e a resistncia quebra da legalidade constitucional por par