728
Volume VII: Novos Estudos Gramática do Português Falado

Gramática do Português Falado(Para Lingüístas)

Embed Size (px)

Citation preview

Gramtica do Portugus FaladoVolume VII: Novos Estudos

1

USP UNIVERSIDADE DE SO PAULO Reitor Prof. Dr. Jacques Marcovitch Vice-Reitor Prof. Dr. Adolpho Jos Melfi

FFLCHFFLCH FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS Diretor Prof. Dr. Francis Henrik Aubert Vice-Diretor Prof. Dr. Renato da Silva Queiroz

UNICAMP UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Reitor Hermano Tavares Coordenador Geral da Universidade Fernando Galembeck Pr-Reitor de Desenvolvimento Universitrio Lus Carlos Guedes Pinto Pr-Reitor de Extenso, Cultura e Assuntos Comunitrios Roberto Teixeira Mendes Pr-Reitor de Graduao Angelo Luiz Cortelazzo Pr-Reitor de Pesquisa Ivan Emlio Chambouleyron Pr-Reitor de Ps-Graduao Jos Cludio Geromel

PUBLICA ES FFLCH/USP

IEL INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM Diretor Prof. Dr. Luiz Carlos da Silva Dantas Vice-Diretora Prof. Dr. Maria Augusta Bastos de Mattos

CONSELHO EDITORIAL ASSESSOR Presidente: Prof. Dr. Milton Meira do Nascimento (Filosofia) Membros: Prof. Dr. Lourdes Sola (Cincias Sociais) Prof. Dr. Carlos Alberto Ribeiro de Moura (Filosofia) Prof. Dr. Sueli Angelo Furlan (Geografia) Prof. Dr. Elias Thom Saliba (Histria) Prof. Dr. Beth Brait (Letras)

DIRETOR EXECUTIVO Luiz Fernando Milanez COODERNADOR-GERAL Carlos Roberto Lamari CONSELHO EDITORIAL Membros: Prof. Dr. Luiz Fernando Milanez Prof. Dr. Elza Cotrim Soares Prof. Dr. Milton Jos de Almeida Prof. Dr. Ricardo Luiz Coltro Antunes Prof. Dr. Sueli Irene Rodrigues Costa

Endereo para correspondncia Compras e/ou assinaturas HUMANITAS LIVRARIA FFLCH/USP Rua do Lago, 717 Cid. Universitria 05508-900 So Paulo SP Brasil Tel: 818-4589 e-mail: [email protected] http://www.fflch.usp.br SERVIO DE DIVULGAO E INFORMAO Telefax: 818-4612 e-mail: [email protected] EDITORA DA UNICAMP Caixa Postal 6074 Cidade Universitria Baro Geraldo 13083-970 Campinas SP Brasil Tel: (19) 788-1015 Telefax: (19) 788-1097 www.editora.unicamp.br

Humanitas FFLCH/USP dezembro/1999

Maria Helena de Moura Neves (Org.)

Gramtica do Portugus FaladoVolume VII: Novos Estudos

PUBLICA ES FFLCH/USP

1999

Copyright 1999 da Humanitas FFLCH/USP e da Editora da Unicamp proibida a reproduo parcial ou integral, sem autorizao prvia dos detentores do copyright Servio de Biblioteca e Documentao da FFLCH/USP Ficha catalogrfica: Mrcia Elisa Garcia de Grandi CRB 3608G 771 Gramtica do portugus falado / organizado por Maria Helena de Moura Neves. So Paulo: Humanitas/FFLCH/USP; Campinas: Editora da Unicamp, 1999. v. 1 -

Contedo: v. 7. Novos Estudos

ISBN 85-86087-45-9 / 85-268-0497-9

1. Portugus (Gramtica) 2. Portugus (Lngua) 3. Fonologia 4. Morfologia 5. Sintaxe I. Neves, Maria Helena de Moura II. Ttulo: Novos Estudos

CDD 469.5

HUMANITAS FFLCH/USP e-mail: [email protected] Tel.: 818-4593 Editor Responsvel Prof. Dr. Milton Meira do Nascimento Coordenao editorial M. Helena G. Rodrigues Diagramao Selma M. Consoli Jacintho Capa Adilton Clayton Santos Reviso Autores / Simone Zaccarias

In Memorian Giselle Machline de Oliveira e Silva

SUMRIO

APRESENTAO Maria Helena de Moura Neves ................................................................. 9 PARTE I GRUPO ORGANIZAO TEXTUAL-INTERATIVA Segmentao: uma estratgia de construo do texto falado (Ingedore G. V. Koch) ............................................................................ 29

A correo do texto falado: tipos, funes e marcas (Leonor Lopes Fvero, Maria Lcia C. V. O Andrade e Zilda Gaspar O. Aquino) ........ 5 3 O relevo no portugus falado: tipos e estratgias, processos e recursos (Luiz Carlos Travaglia) ........................................................................... 7 7 Funes textuais-interativas dos parnteses (Cllia Cndida Abreu Spinardi Jubran) .................................................................................... 131 A hesitao (Luiz Antnio Marcuschi) ................................................. 159 Aspectos basicamente interacionais dos marcadores discursivos (Hudinilson Urbano) ............................................................................. 195 Aspectos textuais-interativos dos marcadores discursivos de abertura bom, bem, olha, ah, no portugus culto falado (Mercedes Sanfelice Risso) .................................................................................................... 259

Anatomia e fisiologia dos marcadores discursivos no-prototpicos (Giselle Machline de O. e Silva) ........................................................... 297 PARTE II GRUPO SINTAXE I Estruturas coordenadas aditivas (Roberto Gomes Camacho) ............... 351 Estruturas coordenadas alternativas (Erotilde Goreti Pezatti) .............. 407 Os enunciados de tempo no portugus falado no Brasil (Maria Luiza Braga) .................................................................................................... 443 As construes causais (Maria Helena de Moura Neves) .................... 461 As construes condicionais (Maria Helena de Moura Neves) ............ 497 As construes concessivas (Maria Helena de Moura Neves) ............. 545 PARTE III GRUPO SINTAXE II Elementos nulos ps-verbais no portugus brasileiro oral contemporneo (Sonia Maria L. Cyrino) .............................................................. 595 PARTE IV GRUPO DE MORFOLOGIA DERIVACIONAL Adjetivos denominais no portugus falado (Margarida Basilio e La Gamarski) .............................................................................................. 629 PARTE V GRUPO DE MORFOLOGIA FLEXIONAL Correlao modo-temporal nas construes complexas: concessivas (ngela C. S. Rodrigues, Odette G. L. A. S. Campos e Paulo T. Galembeck) ........................................................................................... 653 O uso do futuro do pretrito no portugus falado (Luiz Carlos Travaglia) .............................................................................................. 673 PARTE VI GRUPO DE FONTICA E FONOLOGIA A slaba e seus constituintes (Leda Bisol) ............................................ 701 8

APRESENTAO

9

Este o Volume VII da srie Gramtica do Portugus Falado, que tem trazido a pblico os textos discutidos nos seminrios de pesquisa realizados anualmente pelos pesquisadores do grupo, a partir do final de 1988. A equipe, que abriga pesquisadores de todo o pas, sob a coordenao do Prof. Ataliba Teixeira de Castilho, vem estudando o material do Projeto NURC (Norma Urbana Culta), desde essa poca, com vistas a elaborar uma gramtica de referncia do portugus culto falado no Brasil.

1. O significado do empreendimentoOs seminrios anuais tm constitudo a instncia maior no processo de produo dos textos que vm sendo publicados na srie Gramtica do Portugus Falado, uma vez que nesses seminrios que os estudos preparados pelos diversos pesquisadores sofrem discusso, uma discusso extremamente rica, em primeiro lugar pela diversidade de formao dos componentes do grupo, mas, especialmente, pelo modo particular de interao que esse grupo desenvolveu, dispondo-se todos a ouvir todos, e, assim, a relativizar pontos de vista, a temperar a rigidez de convices assumidas, e, afinal, a reconhecer erros ou inadequaes, sem melindres. A sensao da apresentadora e organizadora deste volume que deve ser a de todos os outros componentes do projeto que poucas vezes se ter conseguido viver uma experincia como a que se viveu no interior do grupo, durante esses anos. Todos entraram no projeto achando que tinham sido convidados porque sabiam alguma coisa, e, no entanto, todos fizeram dele uma escola, sentando, estudando, falando, ouvindo, perguntando, respondendo,

pensando e remoendo, e, enfim, aprendendo como nunca. Quanto monstro sagrado se viu, nas atividades do projeto, desvestindo mscaras de altar, dando a face e abrindo o peito, expondo-se para ensinar, mas tambm para incorporar lies, com sabedoria, e principalmente com humildade afinal, com a sabedoria da humildade, e seguindo, alis, a postura do comandante, Prof. Ataliba. Todos disseram o que quiseram e ouviram o que lhes era dito, como se aquilo que ouviam fosse sempre o que queriam ouvir. Toda fala foi troca, e a troca foi saber, foi experincia, foi vida. Ningum, com certeza, saiu o mesmo dessa aventura. E, com certeza, muito dificilmente se ter outra oportunidade igual.

2. Um pouco de histriaA histria do funcionamento deste projeto est primorosamente traada no prefcio de Mary Kato ao volume V da srie, prefcio que compe um livro do Gnese do projeto: vai do caos (uma barafunda de gregos e troianos) ao cosmos ( inspirao para o ttulo desse volume V: Convergncias). Isso significa que h pelo menos trs anos a equipe se considera capaz de produzir uma obra em que as grandes diferenas inevitveis e benficas encontram um ponto de convergncia, embora (e felizmente) sem fazer reduo da riqueza de posies e de formao do grupo.

3. A natureza dos trabalhosA diversidade de posies tericas no impede, por exemplo, que se proponham fundamentos tericos e metodolgicos que possam encabear confortavelmente a gramtica a ser produzida: afinal com suas diferenas, todos os grupos envolvidos pretendem, a partir do tratamento dos dados da Norma Urbana Culta (NURC) em anlise, no s determinar regularidades como tambm especificar o funcionamento dos subsistemas envolvidos na produo dos enunciados, considerada, na base, a competncia comunicativa dos falantes. A partir dos pressupostos tericos assentados dentro de cada grupo de trabalho, e tambm a partir dos trabalhos produzidos dentro desses grupos, o assessor acadmico do projeto, Prof. Mlton do Nascimento, vem preparando o captulo da gramtica de referncia que explicitar tais pressupostos. Em discusses que ocupam sempre um perodo de cada reunio anual da grande equipe, esse texto vem sendo ferrenhamente discutido e rearranjado, para que possa constituir o real registro dos objetivos, das perspectivas e das propostas da obra que ser produzida. 12

4. Os princpiosNo ponto atual de sua elaborao, o texto do Prof. Mlton assim registra a srie de pressupostos adotados na construo do ponto de vista tericometodolgico que circunscreveu o objeto de estudo dos pesquisadores: 1) uma concepo de linguagem como uma atividade, uma forma de ao, a verbal, que no pode ser estudada sem se considerar suas principais condies de efetivao; 2) a pressuposio de que, na contingncia da efetivao da atividade lingstica do falante/ouvinte [na produo e recepo de textos] tem-se a manifestao de sua competncia comunicativa, caracterizvel a partir de regularidades que evidenciam um sistema de desempenho lingstico constitudo de vrios subsistemas; 3) a pressuposio de que cada um dos subsistemas constituintes desse sistema de desempenho caracterizvel em termos de regularidades observveis no texto e nas operaes envolvidas em sua produo, lugares onde possvel identificar os indcios do modo de funcionamento do sistema de desempenho lingstico dos falantes; 4) a pressuposio de que, sendo a linguagem uma atividade, uma manifestao dinmica da mente humana, para descrev-la e explic-la precisamos de um processo analtico que disponha de categorias processuais.

5. Os grupos de trabalhoComo do conhecimento do pblico, so seis os grupos de trabalho que vm preparando os textos de base para a produo da gramtica do portugus falado culto do Brasil, cada um deles investigando dentro de uma subrea: Fontica e Fonologia; Sintaxe I; Sintaxe II; Morfologia Derivacional; Morfologia Flexional; Organizao Textual-Interativa. Esses grupos esto organizados desde o incio do projeto e trabalham, em seu campo e em sua linha, no cumprimento do programa maior estabelecido para toda a equipe e no cumprimento das metas traadas. No ponto em que se encontram atualmente os trabalhos, cada um dos grupos tambm tem seu plano preliminarmente assentado para a gramtica de referncia que o fim ltimo do projeto. O Grupo Organizao Textual-Interativa prev uma introduo que explicite a proposta terica, a que devem seguir-se quatro captulos: o primeiro, 13

sobre a natureza da lngua falada: a especificidade de sua produo, as atividades de formulao textual, os fenmenos intrnsecos da oralidade (hesitao e interrupo); o segundo, sobre a organizao tpica: o conceito e as propriedades do tpico discursivo, o desenvolvimento tpico da conversao, o par pergunta / resposta na construo tpica, o relevo no processamento da informao; o terceiro, sobre as estratgias de construo textual: repetio, correo, parfrase, insero, segmentao, referenciao e progresso referencial; o quarto, sobre marcadores discursivos: traos definidores e funes textuais-interativas. O Grupo Sintaxe I, sob o tema geral A palavra: classes, processos e funes, projeta uma introduo que dar a perspectiva terica, e uma srie de oito captulos, referentes s classes de palavras: nome, artigo, verbo, adjetivo, advrbio, pronomes, conjunes e preposies. O Grupo Sintaxe II tambm projeta uma introduo terica sobre a questo da construo da sentena, seguindo-se quatro captulos: sobre adjuno, sobre padres de predicao, sobre complementao e sobre construes-Q. Os dois grupos de Morfologia devem analisar a construo morfolgica da palavra. O Grupo Morfologia Derivacional prev um texto em trs captulos que tratar dos seguintes temas: condies de produtividade e condies de produo; condies de produo de processos lexicais especficos: formaes prefixadas, formaes compostas, gradao e pejorativos, converso de adjetivos e marcadores conversacionais; condies de produtividade e produo de processos lexicais categorialmente definidos: a nominalizao de verbos e de adjetivos, adjetivos deverbais e adjetivos denominais, verbos denominais e verbos deajetivais. O Grupo Morfologia Flexional abriga em seu plano os seguintes estudos: da natureza e realizao da flexo do portugus; da expresso das categorias gramaticais; da estrutura do vocbulo flexionado; da flexo como processo de expresso (as relaes e os valores); da relao entre flexo e sintaxe (concordncia nominal e concordncia verbal); dos valores das formas verbais flexionadas (na palavra, na frase e no texto); da relao entre flexo e discurso. O Grupo Fontica e Fonologia resume sob o ttulo Construo fonolgica da palavra uma srie de seis captulos: sobre o acento; sobre a slaba; sobre vocalismo; sobre consonantismo; sobre a entoao, na variao regional; sobre a viso diatpica dos fenmenos. Esses captulos tambm sero introduzidos pelo texto que assenta as perspectivas tericas, prevendo-se, no final deles, a apresentao de um glossrio. 14

6. O contedo deste volumeOs textos que neste volume VII se apresentam foram discutidos na reunio de pesquisa realizada em dezembro de 1995, tendo sido reformulados e definitivamente redigidos durante o ano de 1996. Eles quase completam a agenda firmada de cada um dos grupos, chegando praticamente ao fim o cumprimento do programa estabelecido para essa fase bsica de produo dos estudos sobre os quais se vai consolidar a Gramtica do Portugus Falado do Brasil, que se far a seguir. Entretanto, verificadas algumas lacunas em determinados subcampos da investigao necessria a essa consolidao, o trabalho da equipe mantm-se em curso, prevendo-se, pois, dentro de um ano, a publicao do volume VIII, que ser o ltimo da srie. O Grupo Organizao Textual-Interativa apresenta oito textos. Cinco deles contemplam especialmente estratgias de construo do texto falado: a segmentao, a correo, o relevo, os parnteses, e a hesitao. Trs outros se centram no estudo dos marcadores discursivos, num aprofundamento da anlise j apresentada no volume VI da srie. O ltimo contempla um dos fenmenos intrnsecos da oralidade: a hesitao. A segmentao como estratgia de construo do texto falado tratada no texto de Ingedore G. V. Koch, que objetiva examinar, com base no corpus partilhado do PGPF, as diferentes formas de articulao tema-rema empregadas pelos falantes da norma culta do portugus brasileiro, bem como descrever os matizes de sentido que cada uma delas, quando posta em ao, viabiliza. A nfase especial vai para aquelas formas em que, em virtude de deslocamentos de constituintes, ocorre algum grau de segmentao sinttica do enunciado, casos em que o falante opta pela utilizao de estratgias de tematizao e de rematizao. O estudo mostra que, em termos da articulao tema-rema, particularmente em se tratando da lngua falada, existe, ao lado de casos de plena integrao sinttica (construes no-marcadas, em que o rema, portador de informao nova, sucede naturalmente ao tema, que veicula a informao dada), uma srie de padres expressivos em que se pode falar de segmentao e/ou de deslocamento de constituintes. A segmentao , ento, entendida com qualquer tipo de alterao da ordem no-marcada, devida extrao, ou mise-enrelief, de um constituinte do enunciado, dando origem a construes de tema ou rema marcados. A partir da noo j corrente de que a ordem dos constituintes que seria de esperar por razes de ordem sinttica freqentemente infringida por motivaes de ordem funcional, o trabalho focaliza, dentre a multiplicidade de funes possveis, aquelas que se afiguram mais relevantes. 15

O texto que estuda a correo como estratgia de construo do texto falado de autoria de Leonor Lopes Fvero, Maria Lcia C. V. O. Andrade e Zilda Gaspar O. Aquino. Operando com a noo de texto como produto que congrega e sinaliza o processo de produo e interao, o trabalho investiga a correo como estratgia de construo textual. Definida como procedimento empregado pelos interlocutores para suprir dificuldades e inadequaes emergentes durante o processamento discursivo, a correo examinada no s a partir da dinmica interacional que se reflete diretamente nos aspectos lingsticos e enunciativos, mas tambm quanto a sua operacionalizao, os principais tipos de marcas prosdicas e/ou verbais encontradas para indicar a reformulao e as funes estabelecidas. No artigo discutem-se, ainda, os possveis limites entre correo, parfrase, repetio e hesitao, procedimentos reveladores do carter criativo da atividade conversacional, que exige, constantemente, ajustes e reajustes por parte dos interlocutores na busca de cooperao e intercompreenso. O texto de Luiz Carlos Travaglia estuda o processo de estabelecimento de relevncia no texto falado, buscando determinar os tipos, estratgias e recursos desse processo, alm de suas funes. Relevo considerado o fenmeno de o falante dar destaque a determinados elementos do texto quando o constri e formula. Considera-se que o relevo: a) pode incidir sobre elementos unitrios do texto, ou sobre um conjunto deles, ou sobre um tipo de elemento; b) pode ser positivo (os elementos so colocados em um plano de destaque) ou negativo (h uma espcie de ocultamento dos elementos), o que afeta a percepo do interlocutor. Esse fenmeno inclui fatos que tm sido tratados como contraste entre figura e fundo, ou primeiro e segundo planos, organizao das informaes em essenciais e secundrias, relevncia pragmtica de uma situao ou de algo no texto para a situao presente ou para um ponto de referncia, fatos de focalizao. Estudam-se os seguintes recursos de estabelecimento de relevo: a) os recursos fnicos: entonao, altura da voz, silabao, velocidade da fala, alongamento, msica de fundo; b) os recursos lxicos: o uso de itens lexicais que funcionam como expletivos ou cujo semantema implica destaque de elementos do texto; c) os recursos morfolgicos e categoriais: o aspecto, o tempo; d) os recursos sintticos: topicalizao, repetio, uso de oraes principais cujo sentido implica destaque do que lhes est subordinado, uso de oraes reduzidas ou desenvolvidas, uso de oraes adjetivas; e) o uso de parnteses no texto; f) o uso de marcadores conversacionais; g) a mudana de cdigo (dialetos e registros); h) os recursos estruturais, como a posio dos elementos dentro dos 16

segmentos textuais. Quanto s funes do relevo, observa-se que a bsica dar proeminncia, derivando da vrias outras funes: enfatizar, intensificar, marcar um sentido especial, estabelecer contraste, reforar argumentos, marcar importncia dentro da estrutura ideacional do texto e marcar foco informacional. As funes textuais-interativas dos parnteses so tratadas por Cllia Cndida Abreu Spinardi Jubran, que apresenta uma classificao das funes textuais-interativas dos parnteses, com base nos critrios de desvio tpico e de introjeo dos processos formulativo e interacional no texto. O trabalho mostra que, ao longo de um contnuo, que leva em conta graus variveis do desvio da centrao tpica e da presena de dados da situao enunciativa nas inseres parentticas, so estabelecidas quatro classes de parnteses, de acordo com o elemento focalizado predominantemente por eles: (a) elaborao tpica do texto; (b) locutor; (c) interlocutor; (d) ato comunicativo. O estudo da hesitao, de autoria de Luiz Antonio Marcuschi, tem como objetivo mostrar que os estudos formais da lngua so redutores quando idealizam os materiais analisados, eliminando, por uma suposta irrelevncia, aspectos tipicamente discursivos tais como a hesitao. Ele se baseia na idia de que, embora tpica da fala, a hesitao no irrelevante como fenmeno lingstico. De tal modo, dizer que a hesitao faz parte apenas do uso e no do sistema formal da lngua tomar a lngua como uma entidade que existe em si e por si. Contudo, no se pode isolar, de um lado, um objeto tpico da lngua, a frase, e de outro, um objeto do uso da lngua, o discurso: ambos esto interligados e se codeterminam funcionalmente. A hesitao vista como parte da competncia comunicativa em contextos interativos de natureza oral, e no como uma disfuno do falante. Defende-se que ela desempenha papis importantes na fala (papis formais, cognitivos e interacionais) e que uma atividade textual-discursiva que atua no plano da formulao textual. Tambm se defende que a hesitao no se acha aleatoriamente distribuda, mas obedece a alguns princpios gerais de distribuio e serve como indicao de organizao sintagmtica da lngua. Ela constitui uma amostra de que, se o princpio da linearidade fundamental no uso da lngua, ele no pode ser entendido como simples seqenciao ininterrupta de enunciados da esquerda para a direita. Produzida tanto no nvel suprassegmental (pela prosdia) como no nvel segmental (com elementos formais da lngua), a hesitao a presena de atividades discursivas na materialidade lingstica, evidenciada numa transcrio fiel da fala. Hudinilson Urbano estuda aspectos basicamente interacionais dos marcadores discursivos com o objetivo especfico de observar suas subfunes, 17

propriedades e comportamentos interativos salientes. O estudo se apia em pesquisa maior sobre os marcadores e se centra nos marcadores que, em pesquisa anterior (publicada no volume VI da srie), foram classificados funcionalmente como basicamente orientadores da interao. Os aspectos textuais-interativos dos principais marcadores discursivos de abertura no portugus culto falado so estudados por Mercedes Sanfelice Risso. O trabalho parte de um assentamento de traos definidores dos marcadores discursivos, em geral, a ttulo de suporte para a investigao do padro de prototipicidade dos quatro marcadores de abertura (bom, bem, olha e ah) em questo, examinados preliminarmente sob a tica dos traos categoriais estabelecidos. A parte central do estudo ocupada pela caracterizao da funo de abertura promovida por esses marcadores na articulao interna do par adjacente pergunta-resposta e em outras instncias de organizao tpica do texto falado. Aspectos funcionais bsicos diferenciadores de seu foco na estrutura (inter)pessoal e ideacional do discurso so examinados luz das relaes com as respectivas fontes lexicais homnimas, sem estatuto de marcador. Desdobramentos e deslocamentos dessas diferenas so depreendidos na dinmica da tessitura textual-discursiva. A natureza e a distribuio dos aspectos gerais apurados oferecem elementos que auxiliam na diferenciao tipolgica entre as modalidades dos inquritos analisados. Valendo-se dos critrios propostos em Risso, Silva e Urbano (1995) Giselle Machline de Oliveira estuda, como marcadores no-protpicos, as formas: etc... e tal, (comparadas a formas similares, possveis alternantes tais como e tal e coisa, e tudo (o) mais); por exemplo, (comparada a como por exemplo, e um exemplo); digamos (vamos dizer (assim) digamos assim), assim. Os resultados so compatveis com o modelo da teoria dos conjuntos subjacente ao trabalho. O elemento encabeado por por exemplo (o exemplificante) prototpico: concreto, objetivo, real e disponvel. Pelo contrrio, os marcadores de procura de elementos como digamos, como assim, no so prototpicos e coocorrem com elementos abstratos, subjetivos e novos. Coocorrem tambm com hesitaes, evidenciando dificuldades de processamento do elemento e indicando uma funo de preenchimento de espao vazio na conversa durante esse processamento. As partculas de expanso etc. e tal (e as outras alternantes), tendem a fechar enumeraes de elementos concretos e objetivos. Descartou-se a hiptese de que sejam majoritariamente um produto de esquecimento moment18

neo dos elementos da enumerao, em favor da hiptese alternativa de que a partcula de expanso serve como coringa para enumeraes de pouca relevncia. Assim e digamos se assemelham, mas enquanto o digamos acumula outras funes alm da principal, o assim, que de procura de um elemento, exerce apenas essa funo. Malgrado essa diferena, parece haver certa distribuio complementar entre esses dois MDs, em relao a regies do pas estudadas e aos dois sexos. Se for tomado o verbo como medula espinhal do enunciado, os marcadores assim e digamos so encontrados quase que exclusivamente direita. Alm desse forte condicionamento estrutural, os fatores discursivos examinados justificam a posio direita, que prpria dos segmentos novos (qualidade que caracteriza esses dois MDs). J o exemplificante, que anuncia elemento disponvel, est situado preferencialmente na fronteira anterior ao sujeito. Confirma-se a pouca importncia discursiva do sujeito. O fato de a informao do complemento tender a ser nova e a do sujeito ser velha no basta para explicar essa propriedade: a varivel status informacional no atuou com tanta fora que desse conta dessa quase impossibilidade da presena de tais MDs nos sujeitos. A tendncia de os MDs estudados no se aglutinarem a outros no mostrou relao com a no-prototipicidade. Outro resultado foi que a demarcao prosdica dos no-prototpicos foi menor do que a dos MDs tomados globalmente (68,9%), fato que se pode creditar tendncia que esses MDs tm de no serem to marginais. O exame incipiente da fronteira entre MDs e alguns elementos no-MDs fez encontrar algumas diferenas dignas de estudos posteriores, como a especializao de funo do digamos que, diferente de seu alelo digamos, mas no evidenciou nenhuma fronteira drstica. O Grupo Sintaxe I, que investiga o uso dos diversos itens da lngua, partindo de sua organizao tradicional em classes, rene, neste volume, seus estudos sobre as diversas subclasses de conjunes, em nmero de seis. As tradicionalmente denominadas conjunes coordenativas so estudadas por Roberto Gomes Camacho e Erotilde Goreti Pezatti. Roberto Camacho estuda as estruturas coordenadas aditivas, com o propsito de fornecer uma classificao tipolgica dos usos da relao de conjuno, a partir de um exame empreendido nos diferentes nveis da gramtica do portugus falado. Na investigao dos usos diversos do juntivo e, o estudo assumiu um compromisso terico com o enfoque funcional-cognitivo, que os 19

trata como casos de ambigidade pragmtica. O universo da investigao constitudo por uma amostragem do corpus mnimo do Projeto de Gramtica do Portugus Falado, que sofreu tratamento quantitativo, mediante o uso de alguns programas do pacote Varbrul. O texto se organiza em duas partes. Na primeira, examina-se a coordenao de termos, em sua manifestao prototpica, estrutural, e em sua manifestao discursiva. Na segunda parte, examina-se a coordenao de oraes em estruturas simtricas e assimtricas, descrevendose os processos de juno que envolvem tambm procedimentos discursivos de natureza pragmtica. Observou-se que a necessidade de identidade semntica perpassa o juntivo e nos nveis sinttico, textual e pragmtico em que atua, incluindo-se os nveis da coordenao de termos e de oraes. Se extremamente visvel no nvel da juno simples de contedo, por outro lado no nvel epistmico e no ilocucionrio a visibilidade da identidade semntica se enfraquece, mantendo-se, porm, como inferncias e dedues a partir de esquemas referenciais e cognitivos. A principal direo para a qual apontam os resultados a confirmao de que o juntivo e atua: no nvel do contedo, como um mero coordenador de idias independentes; no nvel semntico, como um mecanismo para a construo do texto; no nvel pragmtico como um mecanismo interacional, seja com valor epistmico seja com valor ilocucionrio. Em razo disso, reconheceu-se a pertinncia do conceito de ambigidade pragmtica para um mapeamento adequado dos usos do juntivo e numa gramtica unificada, mas de condicionamentos multifuncionais. O estudo de Erotilde Pezatti fornece uma descrio do comportamento sinttico-semntico das conjunes coordenativas alternativas no portugus falado, ou, mais especificamente, da relao de disjuno, tradicionalmente denominada de alternncia. O fundamento terico da anlise das conjunes o funcional, particularmente a Gramtica Funcional de Dik. O texto se organiza em cinco partes. Na primeira discute-se a questo da disjuno, de uma perspectiva lgica e de uma perspectiva lingstica, procurando-se mostrar que o processo na linguagem natural nem sempre coincide com o que se prev na linguagem formal. Como um reflexo da primeira, na segunda parte discutem-se os dois tipos semnticos de disjuno, a inclusiva e a exclusiva, e as condies possveis para sua manifestao nos enunciados do corpus. Devido ao fato de a disjuno se dar em diferentes nveis, examina-se, na terceira parte, a coordenao de termos e a coordenao de oraes separadamente. Na quarta seo, afinal, examinam-se os usos pragmticos adicionais das ocorrncias da conjuno ou. As tradicionalmente denominadas conjunes subordinativas so estudadas por Maria Luiza Braga e Maria Helena de Moura Neves. 20

Maria Luiza Braga trata as oraes de tempo (na sua grande maioria introduzidas por quando), cotejando, inicialmente, o tratamento concedido pela abordagem gramatical tradicional e pela vertente funcionalista desenvolvida por Sandra Thompson. Consideram-se os dois argumentos apresentados por essa vertente para classificar as oraes de tempo como hipotticas, como no propriamente subordinadas. Examinam-se algumas propriedades formais dessas oraes: realizao do sujeito, ordem e correlao entre tempo e modo. Quanto realizao do sujeito, leva-se em considerao a posio, da orao e a correferncia entre o sujeito da ncleo e o da hipottica. Aps todos os cruzamentos, conclui-se que as oraes de tempo tendem a explicitar foneticamente o sujeito, comprovando-se, portanto, a hiptese de Haiman de que a explicitao constitui um trao das chamadas adverbiais. Quanto posio, mostra-se que a ordem no marcada a anteposio, um dos critrios alm do tipo de conectivos que distingue as oraes de tempo nos registros falado e escrito. Quando nessa posio, as oraes de tempo criam moldura temporal para os eventos que so codificados pela ncleo. Outras funes podem agregar-se a essa, tais como a sinalizao de incio de pargrafo (novo episdio) e a codificao de tpico. As oraes pospostas posio marcada so principalmente aquelas que funcionam como adendos, alguns dos quais exibem uma funo metalingstica, isto , parafraseiam um termo mencionado previamente. Verifica-se que muitas ocorrncias, quando descontextualizadas, admitem a alterao da ordem. Uma vez, porm, que se considere o contexto maior, a alterao da ordem ou se v totalmente bloqueada (casos de tpicos e adendos) ou , no mnimo, problemtica. Por fim, quanto correlao tempo-modo, conclui-se que as oraes de tempo tendem a exibir um leque mais ou menos variado de combinaes possveis. Maria Helena de Moura Neves apresenta o estudo de trs tipos de construes adverbiais: as causais, as condicionais e as concessivas. Nos trs casos, examinam-se construes do corpus selecionado do NURC, buscando-se discutir a noo de condicionalidade lato sensu e de causalidade lato sensu, em relao ao complexo de domnios envolvidos na produo dos enunciados. Assim, ao lado da reflexo sobre os esquemas lgico-semnticos implicados nas relaes causal, condicional e concessiva, busca-se uma definio pragmtica dos enunciados que se constroem sobre essas relaes, envolvendo-se especialmente a questo da distribuio da informao, qual se vincula a questo da ordem. O estudo das construes complexas considera, afinal, os diferentes domnios de interpretao semntica, conduzindo-se dentro da proposta funcionalista de organizao dos enunciados em camadas, e abrigandose, ainda, no modelo mais amplo que estabelece as metafunes da linguagem. 21

No estudo das relaes stricto sensu causais, verificou-se que as construes causais com a orao causal anteposta (representativamente as com como) e as construes causais com a orao causal posposta (representativamente as com porque) constituem diferentes organizaes das relaes causais, do ponto de vista informativo: as primeiras trazem a causa em funo temtica, representando basicamente informao compartilhada, enquanto as outras trazem a causa em funo remtica, representando basicamente informao nova. Considerando-se as diferentes camadas de constituio da frase (Dik, 1989) das construes causais, separam-se dois grandes grupos, o das causais de enunciado (em que se relacionam predicaes ou proposies) e o das causais de enunciao (em que se relacionam atos de fala). Verifica-se, ainda, que as construes causais encontradas no NURC apresentam predominantemente predicaes no-tlicas (86%) e no-dinmicas (70%). Predomina o tempo presente, especialmente nas predicaes de estado (mais de 80%, tanto nas oraes nucleares como nas oraes adverbiais), o que tem relao com o carter no-tlico das predicaes. No estudo das relaes stricto sensu condicionais, parte-se do esquema condicional bsico se x, y, em que se estabelece um possvel mundo x, que ser verdade apenas no caso em que y for verdadeiro nesse mundo x. Nessa definio se enquadram todos os esquemas condicionais, tanto os eventuais como os factuais e os contrafactuais. Considera-se que os esquemas eventuais constituem os hipotticos prototpicos, porque neles que se est em dvida sobre o mundo A, estando, pois, a orao condicional se x fazendo uma adio hipottica e provisria ao estoque de conhecimento partilhado entre falante e ouvinte. Essas construes por excelncia hipotticas so as mais utilizadas pelos falantes do corpus do NURC (66,66%). evidente que, quando o falante lana uma predicao condicionante para uma outra predicao, de se esperar que mais freqentemente esteja servindo ela como hiptese a ser verificada, j que, para condies resolvidas (que implicam causalidade, seja afirmada, como no caso das factuais, seja negada, como no caso das contrafactuais), a lngua dispe de outros recursos mais efetivos, como a prpria expresso de relaes causais. No estudo das construes concessivas, considera-se que, no seu esquema bsico (embora p, q), a relao lgico-semntica que se estabelece a de frustrao da implicao pressuposta, que pode ser uma implicao causal ou uma implicao condicional: em uma construo concessiva, a causalidade pressuposta na orao concessiva (p) negada na orao ncleo (q), e a condio pressuposta em (p), por sua vez, no suficiente para evitar (q), ou seja, 22

ineficaz para evitar o cumprimento de (q). A frustrao da implicao causal / condicional pressuposta est diretamente relacionada aos esquemas envolvidos no jogo de polaridade em que (q) positivo frustra a pressuposio negativa, e (q) negativo frustra a pressuposio afirmativa. Alm disso, verifica-se que, se, por um lado, so noes de natureza lgico-semntica que relacionam as construes concessivas causalidade e condicionalidade, por outro lado, a sua natureza essencialmente argumentativa que as aproxima das construes adversativas. Tanto as construes concessivas quanto as adversativas so essencialmente dialgicas, ou seja, envolvem a presena de dois locutores, e o jogo argumentativo entre falante e ouvinte implica, em muitos casos, um misto concessivo-adversativo. justamente essa natureza argumentativa e dialgica das construes concessivas que explica o fato de tais construes codificarem com maior freqncia a oposio no domnio epistmico e no domnio conversacional, com baixa freqncia no domnio do contedo. Dentro do Grupo Sintaxe II, que produz estudos de sintaxe formal, este volume apresenta o trabalho de Sonia Maria L. Cyrino sobre os elementos nulos ps-verbais no portugus brasileiro oral contemporneo. O estudo parte das concluses sobre os padres de complementao do portugus falado encontradas em Dillinger et alii (1996), que levam os autores a propor que haveria um fundo sinttico para a frase do portugus, que S-V-O. Continuando a anlise, o estudo focaliza o no-preenchimento ps-verbal, mostrando que o complemento nulo no homogneo. Desse modo, as ocorrncias do complemento nulo so classificadas em elipse de VP, objeto direto nulo e objeto indireto nulo. Os dados utilizados so os mesmos j codificados em Dillinger et alii (1996), com algumas alteraes na escolha dos grupos de fatores e com ampliao do corpus a fim de abranger todas as capitais. O Grupo de Morfologia Derivacional estudou os adjetivos denominais no portugus falado. O trabalho apresentado, de autoria de Margarida Baslio e La Gamarski, investiga, em duas subseces, a formao e as caractersticas de adjetivos denominais no portugus falado. Na primeira parte, focalizam-se questes gerais relacionadas formao e s funes de adjetivos denominais, determinando-se algumas condies gerais de produtividade e de produo de adjetivos denominais no portugus falado. Na segunda parte, focalizam-se anlises numricas especficas, e cotejam-se resultados relativos a adjetivos denominais, com resultados prvios obtidos para adjetivos deverbais no que tange s ocorrncias de adjetivo em posio adnominal ou predicativa nos diferentes tipos de inqurito do corpus pesquisado. Foram objeto de anlise apenas as formaes consideradas regulares, isto , as formaes fonolgica 23

e semanticamente transparentes. Dentre os resultados obtidos, destaca-se o que faz concluir que a formao de adjetivos denominais apresenta funo primria denotativa, sendo a predicativa uma funo de carter secundrio e circunscrita a processos particulares correspondentes a especificaes de carter semntico, ao contrrio do que ocorre na formao e no uso dos adjetivos deverbais, que apresentam sobretudo funo predicativa. No Grupo de Morfologia Flexional, produziram-se dois textos, ambos sobre tempos verbais. ngela C. S. Rodrigues, Odette G. L. A. S. Campos e Paulo T. Galembeck estudaram a correlao modo-temporal nas construes complexas concessivas. Investiga-se a manifestao formal das relaes que se estabelecem entre as oraes do complexo concessivo, um dos complexos subordinativos que no incluem estruturas encaixadas. A anlise dos dados coletados nos inquritos do corpus baseia-se em duas hipteses fundamentais: 1. Existe correlao entre o valor das construes concessivas e o esquema modo-temporal empregado para expresso desse valor. 2. Existe correlao entre os conectores e o jogo modo-temporal que se estabelece nas construes concessivas. Luiz Carlos Travaglia investigou o uso do futuro do pretrito no portugus falado. Nesse estudo, a partir da observao do corpus, prope-se um valor bsico para o futuro do pretrito, que o de posterioridade, do qual derivam os demais valores, sejam de natureza temporal, sejam de natureza modal. O valor temporal se subdivide em dois, cronolgico e polifnico, e o valor nocional se subdivide em quatro, que so condio, possibilidade, polidez e desejo. Quantificando-se o uso da forma com estes valores em inquritos do projeto NURC, verifica-se que os falantes a utilizam muito mais com valores nocionais do que com valores propriamente temporais. Dos valores nocionais, entre os quais esto os usos tradicionalmente chamados de modais, a maior freqncia para condio, seguindo-se possibilidade, polidez e desejo. Dos valores temporais, apenas o cronolgico apareceu no corpus, no havendo nenhuma ocorrncia do polifnico. O estudo revela que descrever o futuro do pretrito como uma forma verbal que marca futuro em relao a um momento do passado, entendendo-se esse valor temporal separado dos chamados valores modais, no uma descrio que encontre uma generalizao para todos os valores da forma. Parece mais conveniente descrev-lo como uma forma verbal cuja funo fundamental no funcionamento textual dentro da lngua marcar posterioridade, derivando da todos os valores propostos no estudo ou tradicionalmente levantados. Portanto, essa forma seria, antes de tudo, um seqen24

ciador de situaes dentro do texto, com uso tambm relacionado tipologia textual. O Grupo de Fontica e Fonologia apresenta o estudo de Leda Bisol sobre os constituintes prosdicos da slaba, que discute, inicialmente, os princpios de composio da slaba bsica, apresentados em forma de rvore, dos quais se depreende o padro silbico do portugus. Segue-se o desenvolvimento da idia de que o mapeamento da slaba tem como ponto inicial a identificao dos ncleos, e, por ordem, o mapeamento do onset e, finalmente, da coda. Certas operaes como apagamento do elemento no-silabado e epntese, consideradas como processos de legitimao de consoantes extraviadas, merecem especial ateno, em virtude de a aplicao de uma ou outra propiciar variaes silbicas. Admitindo-se que a silabao um processo contnuo, disponvel em qualquer etapa da derivao, a anlise, fundamentada nos princpios gerais da teoria, busca dar conta tanto das slabas que se encaixam no padro cannico como das formas variantes.

7. A outra face desta publicaoEste volume traz o resultado dessa srie de pesquisas que acima se resumiram, constituindo o repositrio de dois anos de investigao das diversas equipes, mas ele tem, ainda, um significado muito especial dentro da histria da vivncia do grande grupo. Dedicados a suas investigaes, como se de cada um dependesse a gramtica referencial do portugus falado culto do Brasil, no entanto todos os colegas de trabalho do Projeto GPF desenvolveram um notvel esprito de unio, enriquecendo a interao pessoal e criando uma comunidade de fortes sentimentos. Isso no apenas se deveu amizade que, naturalmente, cada vez mais foi unindo a todos, indiscriminadamente, mas se deveu, muito especialmente, ao papel de alguns elementos dotados de especial fora de aglutinao e brilho pessoal, que funcionaram como plos intensificadores de relaes positivas. Falo, especialmente, de Giselle Machline de Oliveira, que transitava como preferida, tanto para simples papos como para atuao em pesquisa, dentro de todos os grupos. Todos sempre achavam que tinham o que aprender com ela, e esperavam dela, inclusive, lies de vida, distribudas, sem negaceamento, a cada frase, a cada palavra, a cada gesto e atitude. de sua grande amiga Yonne Leite, que to bem a conhecia, um depoimento em que a curiosidade cientfica e o esprito de grande mestra que Giselle possua bem se evidenciam: biloga que ela era, no teve dvidas em, l pelos anos 70, provi25

denciar uma laringe de boi ou de vaca? para que o seu grupo de estudos de fontica, dirigido pela Yonne, pudesse observar o funcionamento das cordas vocais. Nesse mesmo depoimento, outra notvel caracterstica de nossa Giselle sua grande capacidade de liderana tambm encontra comprovao: Yonne, recm-chegada dos Estados Unidos, queria converter todos ao gerativismo, mas, sob a liderana da Giselle, tudo terminou num grupo de sociolingstica, que, instigado por ela, ouvia antroplogos, socilogos, demgrafos, abrindose sempre a novas indagaes. De Giselle, um outro amigo, Hudinilson Urbano, diz que tinha sensibilidade e carinho flor da pele. E isso foi o que, mais que tudo, nos marcou. Foi ela que simbolizou a dor da perda que o grupo teve com o passamento do colega Fernando Tarallo, em 1994: a fora de sua dor era bem a amostra do quanto ela era o prprio grupo. Agora estamos ns editando este volume VII da Gramtica do Portugus Falado em homenagem a Giselle Machline de Oliveira, extraordinria cientista, colega, amiga, mulher e me (como lhe chama o Hudinilson), falecida em 2 de abril de 1996. Faz parte do livro o ltimo trabalho que ela produziu e apresentou dentro do grupo, trabalho que tive o privilgio de debater, no nosso seminrio de 1995, em Campos de Jordo. Preparado para publicao por sua grande amiga Maria Luiza Braga, ele est aqui enriquecendo este volume VII, e adiando para o prximo volume a grande lacuna que agora se instalar no mbito das produes do grupo. Na prpria homenagem que aqui lhe fazemos, com toda a nossa fora de amigos e admiradores cativos, vai notar-se que ficar faltando aquela fibra que s uma homenagem que ela prpria Giselle encabeasse conseguiria ter. Afinal, na amizade no se herda, e no somos mais que plidos discpulos, que, acima de tudo, a ela agradecemos as inesquecveis lies de carter e de vida que nos deu.

Maria Helena de Moura Neves

26

PARTE I GRUPO ORGANIZAO TEXTUAL-INTERATIVA

SEGMENTAO: UMA ESTRATGIADE CONSTRUO DO TEXTO FALADO

Ingedore G. V. Koch (UNICAMP)

IntroduoO presente trabalho insere-se no temrio previsto no Projeto Organizao textual-interativa no portugus falado no Brasil, a saber, no item 3.1 Estratgias de construo. Essas estratgias fazem parte do subsistema de desempenho textual, pedra angular do sistema de desempenho lingstico (cf. Nascimento, 1993). sabido que cada lngua apresenta uma variedade de formas de expresso, abrindo-se, desta maneira, para o falante um amplo espao de formulao, isto , a possibilidade de escolha entre um leque de opes possveis. Assim, a construo dos sentidos no texto depende, em grande parte, das escolhas que ele realiza. As vrias possibilidades de efetivar, nos textos, a articulao temarema constituem um desses leques de escolhas significativas. Este estudo objetiva, portanto, examinar as diferentes possibilidades de articulao temarema, com nfase especial naquelas em que, em virtude de deslocamentos de constituintes, ocorre algum grau de segmentao sinttica do enunciado casos em que o falante opta pela utilizao de estratgias de tematizao e de rematizao (ou seja, de deslocamento do tema ou do rema) , bem como descrever as nuances de sentido que cada uma delas, quando posta em ao, viabiliza. Os conceitos de tema e rema em questo so aqueles postulados pelos autores da Escola Funcionalista de Praga (Dane, Firbas, Sgall, entre outros),

ou seja: do ponto de vista funcional, cada enunciado divide-se em (pelo menos) duas partes tema e rema , a primeira das quais consiste no segmento sobre o qual recai a predicao trazida pela segunda. Isto , tem-se um segmento comunicativamente esttico o tema oposto a outro segmento comunicativamente dinmico o rema, ncleo ou comentrio. No se trata aqui apenas de um critrio posicional (posio defendida, como se sabe, por muitos lingistas), mas de um critrio funcional, fortemente relacionado prosdia do enunciado (portanto, verificvel especialmente na fala) e, sob muitos aspectos, associado s noes de dado e novo. No dizer de Ilari (1992: 25), a Escola Funcionalista de Praga desenvolve em suma uma lingstica da fala (...) e insiste no fato de que se podem encontrar regularidades, que autorizam tentativas de organizao e descrio, mesmo no nvel da orao realizada (utterance). Ora, ao analisar oraes efetivamente realizadas, e no apenas oraes que sirvam de exemplo de boa formao sinttica, constata-se que, enquanto unidade comunicativa, a orao serve aos locutores para realizar uma dupla funo: a de estabelecer um elo com a situao de fala, ou com o texto lingstico que a precedeu, e a de veicular informaes novas. Assumindo tal posio, tomaremos como unidade bsica de anlise o enunciado ou a unidade comunicativa (Marcuschi, 1986: 62)1, embora, como ser ressaltado mais adiante, uma construo com tema marcado tenha, em muitos casos, a funo de delimitar segmentos tpicos ou indiciar a introduo ou a mudana de tpicos discursivos. Em termos da articulao tema-rema, particularmente em se tratando da lngua falada, tem-se, como mostram Koch & Oesterreicher (1991), ao lado de casos de integrao sinttica plena (construes no-marcadas, em que o rema, portador de informao nova, sucede naturalmente ao tema, que veicula a informao dada), uma srie de padres expressivos em que se pode falar de segmentao e/ou de deslocamento de constituintes. A segmentao ser aqui entendida como qualquer tipo de alterao da ordem no-marcada, devida a uma ciso ou modificao na ordem no-marcada dos constituintes, com vistas extrao ou mise-en-relief de um constituinte do enunciado, dando origem a construes de tema ou rema marcados. Dane (1967) j afirmava que a ordem dos constituintes que seria de se esperar por razes de ordem sinttica freqentemente infringida por razes de ordem funcional. Existem, assim, duas grandes modalidades de seqenciao tema-rema: 1. seqncias em que ocorre plena integrao sinttica entre elementos temticos e remticos, sem qualquer tipo de segmentao (construes no marcadas), que constituem o padro, sendo comuns oralidade e escrita; 30

2. construes com tema ou rema marcados (em conseqncia do emprego de estratgias de tematizao e de rematizao), com graus mais reduzidos de integrao sinttica, devidos ocorrncia de segmentao, nos termos acima definidos. Objetivamos, neste trabalho, aprofundar o estudo da segunda modalidade. Sero examinados casos de deslocamento (anteposio e posposio) de elementos temticos e remticos. Em se tratando de tematizao, sero examinados especialmente os exemplares de temas marcados representados por SNs. No se tratar, portanto, de todos os casos de anteposio de constituintes, como, por exemplo, a anteposio dos diversos tipos de construes adverbiais, a no ser que estas venham a assumir a forma de sintagmas nominais nopreposicionados (SPs sem cabea, na terminologia de Kato, 1989) ou a configurar o tipo especfico de tematizao marcada derivada da anteposio do que, nas gramticas tradicionais, se costuma denominar adjunto adverbial de assunto (cf. item 1.1, caso 1). Levar-se-o em conta, na anlise, os seguintes critrios: a. grau de integrao sinttica do enunciado, nos moldes postulados por Koch & Oesterreicher, 1991; b. procedimentos lingsticos utilizados para realizar a tematizao ou a rematizao (marcas); c. funes discursivas das construes resultantes de segmentao. Esta pesquisa situa-se, pois, na interface sintaxe-discurso.

1. Seqncias tema-remaO papel das construes segmentadas , em se tratando de construes com tema marcado, destacar um elemento do enunciado, colocando-o em posio inicial, com o objetivo de indicar para o interlocutor, desde o incio, aquilo de que se vai tratar, ou em posio final, para fornecer um esclarecimento a mais, uma complementao, um adendo. O emprego destas construes permite, assim, operar um tipo de hierarquizao das unidades lingsticas utilizadas, trazendo uma contribuio importante para a coerncia discursiva, da mesma forma que a anteposio do rema ao tema desempenha funes discursivas e interacionais relevantes, conforme ser visto a seguir. Passaremos, pois, a examinar as seqncias tema-rema de acordo com os critrios acima explicitados. 31

1.1 No que diz respeito aos graus de integrao sinttica, na acepo de Koch & Oesterreicher (1991), podemos destacar os seguintes casos: 1. construes com tematizao marcada, introduzidas por expresses do tipo quanto a..., no tocante a..., no que diz respeito a..., com referncia a.... etc., que so comuns s modalidades oral e escrita, sendo mais freqentes na comunicao relativamente formal. Alm do enunciado que introduz o presente item, vejam-se, por exemplo:(1) Em relao s bancadas, os quercistas sentem maiores dificuldades no Senado. Um grupo de senadores chegou a convidar o governador Luiz Antonio Fleury Filho (SP) para uma conversa anteontem, em Braslia.(FSP, 19/3/93, 1-9). ... e ns temos boas orquestras tambm ( )... inclusive na Tupi temos boas orquestras e temos... e no que tange a nossa msica popular eu acho que:: agora a televiso est abrindo as portas... para a nossa msica popuLAR coisa que o rdio no faz...

(2)

(NURC/SP D2 333: 335-339)(3) ento... sobre o problema do primrio... essa reforma do primrio e ginsio eu no estou muito a par no, n?

(NURC/SSA DID 231:17-19) Ilari (1992: 58) acrescenta a esse tipo de construo enunciados introduzidos mediante expresses como por falar em..., a propsito de..., j que voc tocou em / j que estamos tocando em... e outras, bastante comuns na interao informal face-a-face. 2. construes com tema marcado, em que ocorre a anteposio de um elemento do enunciado com funo sinttica bem definida, que depois confirmada pela presena de um elemento de retomada no interior do comentrio. Segundo Lambrecht (1981), a coocorrncia de um nome e de um pronome anaforizado nas construes deslocadas a manifestao formal de um princpio funcional: a codificao de uma relao tema-propsito na estrutura de superfcie do enunciado. 32

Riegel, Pellat & Rioul (1994) afirmam que a informao veiculada pela frase analisa-se em uma parte conhecida, o tema e uma parte nova, o comentrio (...). Um constituinte destacado em incio de frase e retomado por um pronome desempenha o papel de tema. Fala-se, ento, em tematizao. Blasco (1995), por sua vez, acusando de reducionistas as anlises puramente temticas ou discursivas, procura mostrar a importncia de se levarem em conta as propriedades morfossintticas dos elementos que entram nessas construes e, em especial, de se distinguir entre deslocamentos para diante do verbo e deslocamentos para depois do verbo, j que, para ela, tanto a posio como a forma morfolgica e a funo sinttica do elemento deslocado so indissociveis de seu valor informacional. Tais questes sero retomadas mais adiante. Limitamo-nos, por ora, a apresentar alguns exemplos do caso em tela:(4) ... ele vai ao jogo de futebol com o tio... porque o Nlson.... fins de semana ele estuda ento:: quase no sai com a gente...

(NURC/SP D2 360: 1356-1358)(5) ento o Japo... ele... desde o seu incio...((interferncia de locutor acidental)) desde o seu incio... ele tinha... ele contava como fora fundamental das suas cidades-colnias... os dois fatores ...

(NURC/RJ EF 379: 53-56)(6) esses Bicudos ... parece-me que um deles foi para:: regio de Itu ... e o outro entrou... para o vale do Paraba...

(NURC/SP DID 208: 551-553)(7) como assim? no entendi a sua dvida por exemplo o::... lemingue toda vez que tem superpopulao eles vo para o mar e:: se matam aos montes... (NURC/SP D2 343: 1466-1468) esse problema de puxar pela criana --- Ah, no deve puxar pela criana -- eu acho que isso no funciona muito

(8)

(NURC/SSA DID 231: 93-95) Cabe observar que, quando o elemento de retomada , como no exemplo (8), um pronome demonstrativo ou indefinido como isto, isso, aquilo, tudo, etc., ele remete, freqentemente, a seqncias significativas expressas ou su33

bentendidas no contexto precedente, que nem sempre so fceis de delimitar com preciso. 3. construes com tema marcado, sem retomadas pronominais, isto , com elipses (categorias vazias), mas em que a funo sinttica, no enunciado, do elemento tematizado , em geral, bem definida:(9) bebida alcolica... eu gosto muito (0) ... sabe? (NURC/RJ DID 328: 773) (10) mas eu:: ahn merenda escolar eu tenho pouca noo (0)... (NURC/RJ DID 328: 510-511) (11) ... eu no viajo nem num outro carro acima de oitenta ou noventa... de velocidade... a Kombi d pra fazer isso (0) de modo que eu vou tranqilo (NURC/SSA D2 98) (12) Olinda ningum mora (0)... ningum diz l que eu moro... no... diz l que eu pernoito (NURC/REC D2 05: 1094-1096) (13) as comidas baianas eu gostei muito (0) sabe? (NURC/RJ DID 328: 167-168) (14) ...ento a menopausa... ::... ns vamos notar uma diminuio considervel d/dos hormnios... dessas glndulas mamrias (0) ... (NURC/SSA EF 049: 62-64)

Casos dos tipos 2 e 3 so extremamente comuns em nosso corpus, nos trs tipos de inquritos, com o elemento tematizado exercendo as mais variadas funes sintticas no enunciado. H exemplos em que os dois tipos esto co-presentes, como em:(15) ... mas o campo deles eu acho que (0) est muito mais saturado do que o nosso... tanto que:: ... eu conheo ...em:: advogados que eles esto trabalhando como ...auxiliares na nossa prpria empresa entende?... (NURC/SP D2 62: 1199-1203)

34

Em outros casos, temos a coexistncia dos tipos 3 e 1, como se pode verificar no exemplo (3) acima. 4. construes com tema livre (tema pendens, hanging topic), antecedendo uma seqncia oracional, sem explicitao do nexo sinttico e/ou lgicosemntico:(16) agora H. ah:: filme... gua-com-acar -- digamos assim -- para a gente ver certas coisas que a gente v:: americanas principalmente... antes A Moreninha n?

(NURC/SP D2 333: 779-781)(17) ... o direito... o fenmeno jurdico... voc olha... o fenmeno jurdico ... atravs de uma perspectiva...

(NURC/REC EF 33) Em (17), acumulam-se dois segmentos tematizados, o primeiro o direito um hanging topic e o segundo o fenmeno jurdico do tipo 2, com as peculiaridades que sero apontadas no item 1.2. 5. construes com deslocamento para o final de um elemento do enunciado que, no interior deste, introduzido apenas por meio de um pronome ou de uma categoria vazia. Trata-se de um procedimento bastante produtivo, em que o SN deslocado convalida, precisando-o melhor, ou chamando a ateno sobre, o referente da forma pronominal ou da categoria vazia, desambigizando a mensagem e facilitando a compreenso. Lambrecht (1981) chama a ateno para a importncia, no francs no-standard, dessas construes, que denomina antitpicos, exemplificadas, entre muitas outras, pelo grito de guerra de Astrix: Ils sont fous, ces romains. Vejam-se os seguintes exemplos, extrados do nosso corpus: (18) L1 e... depois volto para casa mas chego j apronto o outro para ir para a escola... o menorzinho... e fico naquelas lides domsticas...(NURC/SP D2 360: 157-159) (19) ... ento os ingleses esto importando os filas naciona/brasileiros... Para... amansarem isso2 que lindo a contribuio do Brasil para a paz ((risos) --

35

no digo entre os povos mas pelo menos entre os ces -- para amansar os ces de guarda... ingleses que eram muito ferozes... (NURC/SP D2 333: 1057-1062)

Na terminologia de Blasco (1995), temos aqui o deslocamento para depois do verbo. Segundo a autora, nesses casos, o elemento lexical deslocado para depois do verbo sempre uma espcie de lembrete (rappel) lexical, referencial e sinttico. Para ela, o referente do sintagma deslocado no pode ser pressuposto: ser sempre um referente conhecido e dado pelo contexto anterior. Acontece, porm, que, em muitos casos, o referente, mesmo tendo sido mencionado ou indiciado, de alguma forma, no contexto anterior, difcil de determinar, de modo que o uso desse tipo de construo tem por fim, justamente, deixar claro para o interlocutor, precisando-o melhor, o referente de que se trata, como o caso em (18). 6. construes em que se justapem os dois blocos de informao, sem qualquer ligao sinttica. Por exemplo:(20) e os amigos... nada... (embora se trate de um exemplo criado, so construes extremamente comuns na fala espontnea) (21) porque a telenovela... como feita aqui um gnero ... que o estrangeiro... o estrangeiro... de bom nvel intelec/intelectual que chega ao Brasil... se enamora das boas novelas bem entendido ento Gabriela ... conversei com um professor francs que disse que jamais isso veria nada parecido em Paris... que achava a televiso que se fazia l... do ponto de vista ficcional... era... infinitamente pior... porque... eles no tem:: eles/ eh em matria de fico so os velhos filmes no ? (NURC/SP D2 333: 385-394)

Poder-se-ia, assim, definir os seis tipos aqui apresentados por meio da combinao dos seguintes parmetros:3

36

QUADRO 1 CASO direo do desloc. ligao sinttica pres. de pron.sombra caso 1 esquerda explcita ou inexistente sim/no caso 2 esquerda explcita sim caso 3 esquerda no explcita-intuvel no caso 4 esquerda no h no caso 5 direita explicta ou intuvel sim/no caso 6 sem deslocamento no h no 1.2 Quanto aos procedimentos lingsticos utilizados, podem-se, pois, arrolar os seguintes: 1.2.1 deslocamento direita do SN extrado a. com presena de uma forma pronominal no lugar do elemento extrado; b. sem a presena de qualquer forma pronominal marcando o lugar do elemento extraposto (categoria vazia). 1.2.2. deslocamento esquerda: a. com o uso de expresses tematizadoras (exs. 1 a 3); b. com retomada do elemento tematizado no interior do enunciado (exs. 4 a 8); c. sem retomada do elemento tematizado no interior do enunciado (exs. 9 a 14); d. atravs de mera justaposio, acompanhada de entonao especfica (exs. 20 e 21). Nos casos de deslocamento com retomada do elemento tematizado, interessante examinar a natureza do elemento deslocado (funo sinttica e categoria sintagmtica), bem como a do elemento utilizado como repetidor e, ainda, as diferenas que ocorrem conforme os vrios casos. 1. Quanto funo sinttica do elemento deslocado (co-indexado): a. sujeito: (22) ... a glndula mamria... como vocs esto vendo... ela representa a forma de uma semiesfera... de uma semiesfera... (NURC/SSA EF 049: 41-42) 37

(23) ento a minha de onze anos... ela supervisiona o trabalho dos cinco... (NURC/SP D2 360: 61) b. sujeito da subordinada: (24) medicina voc sabe que (0) prtica (NURC/SSA DID 231: 145) (25) ... a Air France a gente s ouve falar que (0) d prejuzo... (NURC/RJ D2 355: 1203-1204) c. complemento: (26) inclusive o tal pato no tucupi eu achei (0) muito ruim ((rindo)) sabe... (NURC/RJ DID 328: 140-141) (27) mas eu... ahn... merenda escolar eu tenho pouca noo (0) (NURC/RJ DID 328: 512) (28) doce em calda ... eu no vi (0) no... (NURC/RJ DID 328: 287-288) d. complemento da subordinada: (29) essas outras peas que eu tenho assistido eu no acho que o pblico se manifestasse assim aplaudindo (0) (NURC/SP DID 234: 116) e. adjunto (indexado posio no-V-argumental), dando origem a SPs sem cabea: (30) Paris eu no pago hotel... Paris... eu fico na casa de um amigo... apartamento de um amigo... (NURC/RJ- D2 335: 83) (31) Drama j basta a vida (NURC/SP DID 234: 155) 38

(32) o Amazonas impressionante o nmero de frutas (NURC/RJ DID 328: 85) 2. quanto categoria sintagmtica do elemento deslocado: a. SN simples ou complexo: veja-se, por exemplo, (27), (28), (29), (30) b. pronome pessoal ou ditico: (33) eles tambm eles comem muitas coisas... (NURC/RJ DID 328: 171) (34) Olhe isso eu repito (0)... (NURC/REC EF 337: 140) (35) ... isso eu j estou sabendo a causa (0) (NURC/SP D2 343: 625) Caso interessante o seguinte, que parece ir contra as regras de anaforizao, j que o pronome vem antes de seu referente, ou seja, age cataforicamente: (36) L. ... inclusive o pato no tucupi eu achei muito ruim... sabe... eu no gostei realmente... achei ruim demais... no... no sei se por que no ... eles acham aquilo maravilhoso... n... mas pro meu gosto [Doc. como ... voc sabe? ] L. o pato assim... ele vem o pato cozido feito uma espcie de canja... (NURC/RJ DID 328: 140-147). Talvez se pudesse classific-lo como um deslocamento direita, mas no me parece ser este o caso. Seria algo como: Nesse prato (pato no tucupi) o pato vem cozido... ou Ele (o pato) vem cozido. c. SP: (37) De primeira classe hoje em dia aqui ns temos poucas 0 (NURC/SSA D2 98: 194) 39

d. SP sem cabea: (38) ... o Amazonas impressionante o nmero de frutas... (NURC/RJ DID 328: 90-91) 3. Quanto categoria sintagmtica do elemento co-indexado interno ao enunciado: embora se costume dizer que o caso mais comum a retomada atravs de um pronome-cpia ou pronome-sombra (pessoal, demonstrativo, partitivo), so mais freqentes em nosso corpus as retomadas atravs da repetio integral ou parcial do prprio elemento lexical anteposto, como foi tambm constatado por Koch (1992) e Callou, Moraes, Leite, Kato et al.(1993) e se pode ver nos exemplos abaixo: (39) ... ento a salada pro... pro pessoal de Buenos Aires a salada se resume a alface e tomate... (NURC/RJ DID 328: 231-232) (40) Doc. a que se deve esse hiato que o senhor mencionou? Inf. o qu? Doc. esse hiato Inf. esse hia::to olha um pouco difcil de se estabelecer assim:: a ... causa desse hiato porque ... o...essa... () o Orfeu do Carnaval se eu no::estou bem lembrada da data... mas me parece que foi num momento... (NURC/SP D2 333: 698-704) (41) no... tu vs... por exemplo... o peixe ... peixe aqui no Rio Grande eu tenho impresso que se come peixe exclusivamente na Semana Santa... (NURC/POA D2 291: 25-26) (42) um arquiteto que se forma, o salrio inicial de arquiteto (es)t em torno de quatro mil e quinhentos cruzeiros... (NURC/RJ D2 335: 265-267) Questo interessante, que j tem sido objeto de estudos na rea da sintaxe (cf. por exemplo, Kato, 1989) e na interface sintaxe/discurso (cf. Pontes, 40

1987), a do SP sem cabea: em sendo o elemento tematizado um adjunto adverbial introduzido por preposio, ao operar-se o deslocamento para a esquerda, a preposio , com grande freqncia, omitida na fala. Isto me leva a discordar de Ilari (1992: 56), quando afirma haver uma compulso para preposicionar o tpico quando falta um pronome-sombra no comentrio(o que explicaria, inclusive, o uso do objeto direto preposicionado), mesmo porque tal uso fica praticamente limitado linguagem escrita ou fala altamente formal. Relevante lembrar, como o faz tambm Blasco (1995: 53), que os elementos lexicais deslocados para diante do verbo, mesmo que j tenham sido mencionados no contexto precedente, nem sempre correspondem a entidades dadas, no sentido de informao velha, de modo que se faz preciso distinguir entre retomada lexical e retomada referencial. H casos, por exemplo, em que se antepe ao verbo um SN genrico, que depois retomado no interior do enunciado por um pronome ou um SN definido, que refere membros da classe, sendo, pois, ao mesmo tempo, novo e previsvel, devido relao semntica que mantm com o SN j mencionado, como em (43): (43) como assim? no entendi a sua dvida por exemplo o::... lemingue toda vez que tem superpopulao eles vo para o mar e:: se matam aos montes (NURC/SP D2 343: 1466-1468) Outras vezes, o SN anteposto retomado apenas parcialmente (cf. ex.42); ou, ento, expande-se, por ocasio da tematizao, um SN presente no contexto imediatamente anterior (em exemplos como O motor novo; um motor novo, ele necessita de um tempo de amaciamento). Pode ocorrer, tambm, a tematizao de um elemento lexical que designa um domnio de referncia (frame), sendo o elemento de retomada um dos elementos desse domnio (em exemplos do tipo O nibus, o pneu estava furado.), isto , o elemento de retomada pode remeter a algum conhecimento pressuposto pelo SN tematizado. Tambm aqui, o elemento deslocado , ao mesmo tempo, novo e previsvel, em funo do nexo semntico que mantm com um elemento precedente4. H, ainda, casos como o do ex. (17), em que o hanging topic o direito , em seguida, especificado por outro elemento tematizado o fenmeno jurdico , sendo este retomado no interior do enunciado. 41

Interessante tambm o exemplo (44) abaixo, em que o SN complexo tematizado retomado por outro elemento tambm tematizado, no caso, o demonstrativo aquilo: (44) aquelas matrias todas que publicam ali aquilo at eu coleciono (0) (NURC/SP D2 255: 1176-1177) Outro caso em que o elemento tematizado no veicula necessariamente informao dada aquele em que dois enunciados so ligados por conectivos semnticos. Reinhart (1980) defende a posio de que, ao relacionarem dois enunciados, os conectivos semnticos abrem a possibilidade de se introduzir, no tema (marcado) do segundo, informao nova. Seria o caso de: (46) L1 agora eu vou por isso s... porque eu tenho que fazer esse negcio e vou aproveitar pra uma coisa que h muito tempo desejava ver... que o Maquin... L2 L1 Maquin... ... tem uma visita gruta do Maquin... porque Ouro Preto eu j conheo j tive l... Congonhas tambm... de modo que minha pretenso agora essa... (NURC/SSA D2 98: 110-117) Contudo, a informao aqui introduzida nova apenas com relao ao contexto imediatamente precedente: levando-se em conta que o tpico desse segmento viagens e que o locutor est falando de Maquin, local turstico do Estado de Minas, Ouro Preto e Congonhas fazem parte do mesmo frame ou domnio de referncia.

1.3 Quanto s funes da tematizao:Vimos acima que, ao lado das seqncias em que h integrao plena entre elementos temticos e remticos, sem segmentaes ou retomadas pronominais as construes no-marcadas, que constituem um padro neutro em relao a oralidade/escrita tm-se os procedimentos de tematizao marcada, alguns tambm comuns aos textos falado e escrito (em geral aqueles em que se 42

verifica maior integrao sinttica!), outros tpicos apenas da modalidade oral. Pode-se dizer que, de modo geral, ao recorrer s construes com tema marcado, o falante seleciona um elemento (estado de coisas, propriedade, relao, coordenada espacial ou temporal, indivduo ou grupo de indivduos etc.) que deseja ativar ou reativar na memria do interlocutor e sobre o qual seu enunciado dever lanar nova luz, para apresentar a seguir algo que considera desconhecido por este, que deseja enfatizar ou com o qual pretende estabelecer algum tipo de contraste. por esta razo que o elemento tematizado desempenha papel relevante no processamento pragmtico-cognitivo do sentido, na medida em que esta forma de organizao determinada quer por questes ligadas continuidade ou mudana de tpico, quer por fatores como facilitao do processamento do texto, interesse, relevncia, expressividade, necessidade de ganhar tempo para o planejamento da parte restante do enunciado, entre outros. Vejamos um exemplo em que, atravs da tematizao, se introduz um novo segmento tpico: (46) Doc. agora aquela zona ali do Paran... eu tenho parentes l... as sobremesas deles voc teve oportunidade de... L. ah... sobremesas... no... ns no ficamos muito tempo em Curitiba ns... fomos a/ viemos.... quando ns voltamos da Argentina ns fizemos pernoite s em Curitiba e viemos...entende? (NURC/RJ DID 328: 252-258) Em (47), por sua vez, a tematizao do SN bebida alcolica na resposta do informante assinala a mudana de tpico induzida pela pergunta do doc. (47) Doc.e bebida alcolica? L. bebida alcolica... eu gosto muito... sabe... e domingo tambm eu s vezes me dou ao luxo... eh...s vezes a gente pe assim um vinhozinho ... ento a gente toma vinho de acordo tambm com o tipo de comida... se carne... aqueles hbitos que a gente tem... se carne vinho tinto... se peixe a gente usa vinho branco... (NURC/RJ DID 328: 772-778) O exemplo(4), aqui retomado como (48), um exemplo em que, atravs da tematizao, ocorre a retomada de um tpico anterior (Nelson, marido da locutora, havia constitudo o tpico de um segmento anterior do dilogo): 43

(48) ... ele vai ao jogo de futebol com o tio... porque o Nlson... fins de semana ele estuda ento:: quase no sai com a gente (NURC/SP D2 360: 1356-1358) Em (49), temos um caso semelhante: o documentador apresenta um quadro tpico derivados do leite cujos diversos itens a locutora passa a desenvolver para, no final, atravs de um aposto resumitivo, reiterar o tpico que lhe foi oferecido, sob forma de um antitpico: (49) Doc. h um derivado da:: do leite... que (assenta) bem em regimes... dependendo do tipo n?... L. o queijo de Minas... eu o uso:: de manh s vezes eu como um pedao de queijo Minas... e quando eu h quando eu sinto que vou passar (um) perodo do dia... fora de casa que eu no vou chegar a tempo pra comer meio-dia... eu ento levo um pedao de queijo de Minas... o que eu uso e/ uso tambm muita ricota... . ... gosto muito de ricota... sa/ iogurte s vezes eu em vez de tomar caf com leite... eu tomo iogurte ou coalhada tambm... que eu gosto... sabe?... eu gosto muito de coalhada... iogurte esses produtos derivados do leite eu... mas s... queijos brancos... eu s como queijos brancos (NURC/RJ DID 328: 610-623) Outra funo que costuma ser atribuda tematizao de estabelecer contraste entre a informao veiculada pelo elemento tematizado e alguma informao apresentada anteriormente ou qual a primeira se ope. Veja-se, por exemplo: (50) L2 ... os outros mesmos no se incumbem de coloc-la no lugar dela? L1 L2 L1 L2 L1 44 bom... com uns TApas... s vezes ela se coloca ahn [mas com palavras ela no se coloca porque ela [ ahn aumenta a voz com os irmos... no ? ... (NURC/SP D2 360: 258-234)

Doc. ah t... L

Funo interessante aquela apontada por Blasco (1995: 52). Segundo ela, o deslocamento do SN para diante do verbo funciona como um dispositivo que permite retomar, em posio associada ao sujeito, um elemento lexical com todo o seu peso referencial. Assim, de uma parte, o elemento lexical se desloca no interior do discurso de uma posio construda pelo verbo regente (argumental) a uma posio no construda (no-argumental); de outra parte, esse deslocamento permite retomar o elemento j citado no contexto anterior em posio associada ao sujeito, podendo-se, assim, dizer que se trata de uma articulao sinttica que organiza a repetio. A par de tudo o que foi discutido acima, pode-se afirmar, de conformidade com Van Dijk (1982, 1983) que, ao estabelecer o quadro geral de referncia no interior do qual o contedo proposicional do enunciado se verifica, a estratgia da tematizao desempenha papel de relevo na construo da coerncia, tanto no nvel local, quanto no nvel global do texto.

2. Seqncias rema-temaAo lado das estratgias de tematizao acima descritas, existem, tambm, as estratgias de rematizao, responsveis pela marcao do elemento focal, freqentemente com a anteposio do rema ao tema. 2.1 Tambm aqui podem-se observar diferentes graus de integrao sinttica, nos termos de Koch & Oesterreicher(1991): 1. casos em que se verifica um alto grau de integrao sinttica o de algumas das oraes, comuns fala e escrita, denominadas cindidas por Ilari (1992: 43), nas quais ocorrem partculas de realce ou construes gramaticais utilizando oraes relativas que desdobram a orao em duas partes. Tais oraes so tambm denominadas na literatura de clivadas (cf., por exemplo, Kato et al. 1995; Braga,1991), podendo apresentar configuraes sintticas bastante diferentes. Em (51), que clivada, bem como em (52), que constitui clivada com inverso (cf. Kato et al., 1995), antepe-se o elemento focal, ocorrendo, portanto, a rematizao: 45

(51) o tal problema que a gente sente (NURC/SP D2 62: 325-326) (52) ... isso que eu acho entende? (NURC/SP D2 62: 436 D2 343: 1571-1573) J (53) consiste em exemplo do que se tem denominado pseudo-clivada em que ocorre rematizao: (53) o que me revolta profundamente o programa Cinderela (idem). (NURC/SP D2 333: 1117) 2. construes com rema anteposto, marcado apenas prosodicamente, especficas da modalidade oral. Segundo Ilari (1992: 43-44), a expresso do rema est sempre associada a algum tipo de proeminncia entoacional. Assim, ao papel de rema estaria ligado um invariante fonolgico que permite o seu reconhecimento nas diferentes posies da orao em que possa ocorrer5. Vejamse alguns dos exemplos extrados de nosso corpus: (54) ..passei ali em frente :: Faculdade de Direito... ento estava lembrando... que eu ia muito l quando tinha sete nove onze... (com) a titia sabe?... e:: est muito pior a cidade... est... o aspecto dos prdios assim bem mais sujo... tudo acinzentado n? (NURC/SP D2 343: 20-24) (55) L1 L2 L1 ... e toda segunda noite eu passo ali do lado da faculdade certo? quando voc vai pra:: para Aliana n? [ quando eu pego o carro... e:: tambm horrvel o aspecto... (parece) assim montoeira de concreto... sem nenhum aspecto humano certo? (NURC/SP D2 343: 28-33) (56) ... Lins por exemplo no assim n? voc tem... tem um aspecto de::... de acho que parece bairro a cidade n? (NURC/SP D2 343: 58-59) 46

(57) Doc. vocs acham ento que o noticirio em TV tem melhorado bastante [ tem pode melhorar mais nesse ponto o o:: telejornal nosso... pode aprimorar bastante... eu acho... bastante (NURC/SP D2 333: 988-902) Interessante notar que, no exemplo acima, tem-se um caso de doublebind sinttico (cf. Frank, 1986): o tema o o:: telejornal nosso, posposto ao rema, torna-se, por sua vez, o tema (no marcado) do rema seguinte pode aprimorar bastante . (58) ento o cara a ... analogia n? o cara est no carro mas... o que querem?... tribal a coisa n? (NURC/SP D2 343: 701-702) (59) e o pato assim... ele vem o pato cozido feito uma espcie de canja... sque o caldo justamente uma gua misturada com uma farinha eu acho

que ... ta/ tacac se no me engano o nome da farinha que eles usam... (NURC/RJ DID 328: 133-136) 3. seqncias formadas dos dois blocos rema-tema sem verbo, apenas justapostos sem vnculo sinttico, em que ocorre um aumento da expressividade, a par de um menor esforo de planejamento6: (60) ...eu gostei um filme de amor... umas cenas maravilhosas... lindo o filme... eu assisti faz tempo j...(NURC/SP DID 234: 335-337)

4. seqncias em que se antepe um elemento remtico que repetido imediatamente na seqncia (cf. Castro, 1994). Trata-se de repetio que incide quase sempre sobre um substantivo, adjetivo, advrbio ou verbo, tendo, como uma das principais funes, enfatizar o significado essencial do termo ou, muitas vezes, questionar a adequao de seu emprego naquela situao Por exemplo, almoar, no almocei ainda; s comi um sanduche na cantina; bom bom, s achei 47

o ltimo captulo) Todavia, no exemplo (61), extrado do nosso corpus, no me parece ser esta a funo, mas algo como voc me pergunta se evoluiu, e eu me apresso a responder ou, ento, preciso reconhecer que evoluiu: (61) Doc. voc acha que o teatro evolui::u? como que est? Inf. evoluir evoluiu... evoluiu muito o teatro principalmente no Brasil... (NURC/SP DID 161: 625-627) 2.2 Quanto aos procedimentos lingsticos utilizados, tem-se, basicamente, o deslocamento esquerda . Este pode ocorrer acompanhado apenas de marcas prosdicas (casos 2 e 3), ou com a utilizao de determinadas marcas sintticas que caracterizam as oraes cindidas (caso 1), a saber: a. expresso que(foi que) delimitando o rema anteposto b. expresso que(foi(o) que/ que) seguindo o rema anteposto c. construes gramaticais usando oraes adjetivas, como o que(me) ... /foi, podendo o pronome relativo vir elidido . 2.3 Quanto s funes que desempenham as construes com anteposio do rema, verifica-se que esto diretamente ligadas expressividade e ao envolvimento do falante com o assunto e com o interlocutor, sendo, por isso, mais freqentes na fala do que na escrita, especialmente em situaes de interao menos formais. A anteposio do rema ao tema constitui expresso de alto envolvimento. Na perspectiva do falante, permite-lhe antecipar na formulao aquilo que constitui a meta de sua comunicao; do ponto de vista do interlocutor, tal seqncia, normalmente acompanhada de acentuao entonacional do rema, sentida como marcada relativamente seqncia tema-rema e, portanto, veiculadora de algum tipo de informao discursiva adicional, o que, sem dvida, compensa o seu duplo custo operacional: o rema fora de sua posio sinttica normal e de sua posio em termos da estrutura informacional dado/novo. Assim, no caso das oraes cindidas, em que comumente a parte focal representa informao nova e a parte pressuposicional, informao dada, a funo enfatizar o rema anteposto. Desta forma, um importante fator determinante do uso das cindidas seria o propsito do falante de assinalar uma 48

sutil oposio ou contraste. Segundo Hupet & Costermans (1982: 280), ao usar uma estrutura cindida, a inteno do falante contrastar sua mensagem com qualquer outra proposio que poderia invalid-la. Os autores acabam por concluir que, em termos dos componentes pragmticos determinantes desse uso, as cindidas podem ser vistas como motivadas pela discordncia que o falante supe existir entre a sua posio e aquela que ele se sente autorizado a atribuir ao seu interlocutor. importante essa ressalva: no se trata da real posio do interlocutor, mas daquela que o falante lhe atribui, isto , das crenas que, correta ou incorretamente, o falante atribui ao seu parceiro. Hupet & Costermans ressaltam, ainda, que h casos em que a orao cindida enfatiza no um elemento que poderia ser visto como no partilhado pelo interlocutor, mas um elemento sobre o qual o prprio falante no tinha total certeza at alguns minutos atrs. Aqui seria como se o falante falasse com seus botes, corrigindo seu ponto de vista anterior. Ao contrrio das estratgias de tematizao, que tm sido objeto de ampla gama de investigaes, as estratgias de rematizao, excetuando-se o caso das oraes clivadas e pseudo-clivadas, constituem um domnio ainda pouco explorado, pelo menos no que diz respeito ao portugus (ressalve-se, contudo, o trabalho de Ilari, 1987/1992).

Consideraes finaisO grupo de estratgias que estamos estudando sob o rtulo de segmentao tem interferncia direta na produo do sentido e exerce, portanto, papel relevante na construo do texto e da coerncia textual. As marcas de redundncia implicadas na formao das construes segmentadas, conforme ressalta Lbre (1987: 129), constituem, para o locutor, um meio de remediar os inconvenientes da linearidade da fala, j que nesta qualquer retorno impossvel, bem como acrescentar ao seu enunciado ndices que, sem elas, no lhe seria possvel inserir. Freqentemente, as construes segmentadas, por vezes precedidas ou seguidas de hesitaes ou de marcadores discursivos como enfim, quer dizer, bom, bem, entre outros, so resultantes de estratgias de reformulao ou correo do texto falado. Alm disso, como bem mostra Lbre, a segmentao permite ao locutor proceder a uma espcie de hierarquizao das unidades lingsticas utiliza49

das, e apresentar um ponto de vista pessoal, modalizando destarte seu enunciado. Desta forma, tais construes constituem marcas da inscrio do enunciador no discurso. Ao destacar um elemento do enunciado, estabelece-se uma oposio entre ele e outros elementos, que pode ser explcita ou implcita. As oposies implcitas, que so apenas sugeridas pelo elemento destacado, revelam a presena de um no-dito: Faire dun objet quelconque un thme marqu, lisole et par l mme le dfinit comme quelque chose dont le commentaire ne peut sappliquer qu lui. Il y a une exclusion implicite dans toute topicalisation, et dans tout thme marqu, il y a toujours, implicite, un autre. (Laparra, 1982: 222, apud Lbre, 1987). Alm disso, salienta Lbre, as construes segmentadas desvelam um no-dito de certa forma inerente elaborao de toda e qualquer produo de linguagem, j que permitem distinguir entre o que posto e o que pressuposto e estabelecem as prprias condies de existncia do discurso. Assim, para o interlocutor, as construes segmentadas so tambm o ndice de uma confrontao ou de uma aproximao no explicitamente marcada entre os propsitos explicitamente apresentados e outras produes discursivas, o que vem comprovar a afirmao de Bakhtin (1929: 113) de que toda comunicao verbal, toda interao verbal, desenrola-se sob a forma de um intercmbio de enunciados, isto , sob a forma de um dilogo. So as aproximaes implcitas que permitem relacionar a expresso destacada, isolada do enunciado, temtica global de um discurso, estabelecendo um liame entre seus diferentes segmentos. Isto explica por que, muitas vezes, o emprego de construes segmentadas coincide com a passagem de um segmento tpico a outro, isto , marca uma mudana ou um deslocamento do tpico discursivo. Outra funo importante das construes segmentadas em que se desloca para a direita o elemento extrado , como foi dito, a de desambigizar o enunciado e facilitar a compreenso: a redundncia assegurada pela retomada contribui para a melhor interpretao do texto e para a construo de sua coerncia. Por todas estas razes a par de outras que no puderam ser aqui destacadas que se pode afirmar que as estratgias de segmentao desempenham papel de relevncia na construo e na compreenso do texto falado. Embora muitas delas j tenham merecido bastante ateno da parte de muitos sintaticistas e semanticistas, as abordagens textuais-discursivas so ainda 50

pouco numerosas em nosso pas, especialmente em se tratando das estratgias de rematizao, embora, evidentemente,se deva ressalvar, a par de outros, os autores citados neste trabalho.

NOTAS1

A expresso unidade comunicativa aqui tomada (cf. Rath, 1979) como substituto conversacional para frase, ou seja, a expresso de um contedo que pode dar-se, mas no necessariamente, numa unidade sinttica tipo frase. (Marcuschi, 1986: 61/ 62). Observe-se que isso, neste exemplo, parece funcionar, simultaneamente, como anafrico e catafrico, isto , remete tanto ao que o precede, como ao que vem na seqncia. Este quadro me foi sugerido por Rodolfo Ilari, mas, infelizmente, acho que no consegui dar-lhe o aspecto sintetizador por ele proposto. Tais entidades entram na categoria das inferveis, na classificao proposta por Prince (1981). Muitos autores tratam tais exemplos como casos de deslocamento direita. Ilari, por exemplo (comunicao pessoal) os enquadraria como antitpicos; Kato (1989) os considera como exemplos de deslocamento direita do tpico, que supem um sujeito nulo. Prefiro, contudo, sustentar a tese da rematizao e acredito que uma anlise prosdica mais acurada que pretendo empreender com o auxlio de um fonlogo dever vir a reforar esta posio. o que Kato (1989) denomina free small clauses.

2

3

4

5

6

REFERNCIAS BIBLIOGRFICASBAKHTIN, M. (1981) Marxismo e Filosofia da Linguagem. Trad. bras. So Paulo, Hucitec, 2. ed. (original russo: 1929) BLASCO, M. (1995) Dislocation et thematisation en franais parl. Recherches sur le franais parl 13, Aix-Marseille, Publications de lUniversit de Provence, p. 45-65. BRAGA, M.L. (1991) As sentenas clivadas no portugus falado no Rio de Janeiro. Organon 18, Porto Alegre, UFRS, p. 109-125. CALLOU, D.; MORAES, J.; LEITE, Y.; KATO, M. et alii. (1993) Topicalizao e deslocamento esquerda: sintaxe e prosdia. In: CASTILHO, A.T. (org.). Gramtica do Portugus Falado, v. III: As abordagens. Campinas, Edunicamp/ Fapesp, p. 315-362. CASTILHO, A.T. & PRETI, D. (1995) A linguagem falada culta na cidade de So Paulo. Vol.1: Elocues formais. So Paulo, T.A.Queiroz/FAPESP. 51

________ (1987) A linguagem culta falada na cidade de So Paulo. Vol.2: Dilogos entre dois informantes. So Paulo, T.A.Queiroz/FAPESP. DANE, F. (1967) Order of elements and sentence intonation. In: To honor Roman Jakobson I. Haia, Mouton, p. 499-512. ________ (1974) (ed.). Papers on Functional Sentence Perspective. Praga, The Hague. FRANCK, D. (1986) Sentenas em turnos conversacionais: um caso de doublebind sinttico. Cadernos de Estudos Lingsticos 11, IEL-Unicamp, p. 9- 20. HUPET, M. & COSTERMANS, J. (1982) A functional approach of language processing. In: NY, Le & KINTSCH (eds.), Language and comprehension, Amsterd, North-Holland. ILARI, R. (1991) Perspectiva Funcional da Frase Portuguesa. 2.ed. revista, Campinas, Ed. da Unicamp. KATO, M. (1989) O estatuto sinttico e semntico da noo de tpico no portugus do Brasil. Conferncia proferida em concurso para Professor Titular. Campinas, Unicamp, (mmeo). ________ (1989) Sujeito e tpico: duas categorias em sintaxe? Cadernos de Estudos Lingsticos 17, IEL-Unicamp. KOCH, I.G.V. (1992) Markierte Topik-Konstruktionen im Brasilianischen Portugiesich. Folia Linguistica XXVI/1-2, p. 65-74. KOCH, P. & OESTERREICHER, W. (1990) Gesprochene Sprache in der Romania: Franzsich, Italienisch, Spanisch. Tbingen, Niemeyer. LAMBRECHT, K. (1981) Topic, Antitopic, and Verb-Agreement in Non-standard French. Amsterd, Benjamins. LEBRE, M. (1987) Lcoute-analyse des documents sonores et leur utilisation en classe de langue. Thse Nouveau Rgime, Paris III, Sorbonne Nouvelle. MATEUS, M. et al. (1983) Gramtica da Lngua Portuguesa. Coimbra, Almedina. NASCIMENTO, M. Prolegmenos Gramtica do Portugus Falado. (mmeo) PONTES, E. (1987) O tpico no portugus do Brasil. Campinas, Pontes. PRETTI , D. & URBANO, H. (1988) A linguagem falada culta na cidade de So Paulo. Vol.III: Entrevistas. So Paulo, T.A.Queiroz/FAPESP. REINHART, T. (1981) Pragmatics and Linguistics: an analysis of sentence topics. Philosophica 27, (1): 53-94. VAN DIJK, T.A. (1982) Text and context: explorations in the semantics and pragmatics of discourse. 2.ed., Londres, Longman. ________ (1983) La Ciencia del Texto. Barcelona, Paids. 52

A CORREO NO TEXTO FALADO: TIPOS, FUNES E MARCAS

Leonor Lopes Fvero Maria Lcia da Cunha Victrio de Oliveira Andrade Zilda Gaspar Oliveira de Aquino (Universidade de So Paulo)

1. Objeto da Pesquisa e CorpusO presente trabalho integra o projeto maior da Gramtica do Portugus Falado que se prope a elaborar uma gramtica referencial da lngua falada no Brasil. Nesse sentido, investigar-se- um dos processos de formulao do texto falado a correo, como contribuio para que se possam explicitar quais os mecanismos de construo desse tipo de texto. O corpus restringe-se, predominantemente, ao material do Projeto Norma Urbana Culta (NURC), englobando as trs modalidades de inqurito: Dilogo entre dois informantes (D2), Dilogo entre informante e documentador (DID) e Elocuo formal (EF), no excluindo o exame de conversaes espontneas, coletadas em situaes e contextos variados. As gravaes espontneas no utilizaram video-tape (da mesma forma que o material do Projeto NURC), j que no se considerou a configurao no-verbal (gestos, mmica e outros). A escolha das trs modalidades deveu-se ao fato de que se julgava possvel encontrar uma fre