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GRANULOMA EOSINÓFILO DE LOCALIZAÇÃO VERTEBRAL ROLANDO A. TENUTO * OSWALDO R. CRUZ ** Lichtenstein 8 , em excelente revisão bibliográfica, procurou unificar o conceito clínico de certos processos xantomatosos — granuloma eosinófilo do osso, moléstia de Letterer-Siwe e síndrome de Hand-Schüller-Christ:an — considerando-os como manifestações evolutivas da mesma entidade. Michael e Norcross 1 0 publicaram dois casos de granuloma eosinófilo do osso, um dos quais de localização vertebral com manifestações neurológicas. Dundon e col. 4 , numa revisão de 53 casos de granuloma eosinófilo do osso, assinalaram a percentagem da localização raqueana (12,5%) nas formas disseminadas, não figurando nenhum de forma isolada. Recentemente, Laurence e col. 7 registraram novo caso de granuloma eosinófilo do osso, forma disseminada, com lesões vertebrais. Delcoulx e col. :i observaram, numa criança de 2 e meio anos de idade, a localização vertebral da moléstia; Clâsteman 12 , pouco tempo depois, registrou caso idêntico. Digna de consideração, segundo Fairbank 5 , seria a possível identidade existente entre a granulomatose de localização vertebral e a moléstia de Calvé 1 , descrita inicialmente como osteocondrite do corpo vertebral e ulte- riormente denominada de "vertebra plana"; entretanto, Fairbank considerou que a vertebra plana não constitui entidade clínica individualizada, devendo ser considerada como manifestação localizada da granulomatose. Pouyanne 1 1 revelou, pela biópsia, a existência de lesões * típicas do granuloma eosinófilo do osso num caso de vertebra plana em concomitância com outras lesões cra- nianas. Compere e col.* obtiveram idênticos resultados em outros 4 casos de vertebra plana, sendo que, em dois deles, o material para exame histo- patológico foi retirado da vertebra alterada. Embora outros autores não partilhem dessa opinião e admitam para a moléstia de Calvé uma etiologia diversa, qual seja a de necrose avascular do corpo vertebral, a razoável in- cidência desta lesão vertebral e sua verificação em casos típicos de granulo- matose eosinófila leva a pensar que ela seja identificável ao granuloma eosi- nófilo vertebral. Entretanto, o caso que passamos a relatar não parece con- firmar esse ponto de vista. Trabalho da Clínica Neurológica da Fac. Med. da Univ. de São Paulo (Prof. A. Tolosa). * Chefe do Serviço de Neurocirurgia; ** Plantonista do Pronto Socorro de Neuro- cirurgia;

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GRANULOMA EOSINÓFILO DE LOCALIZAÇÃO VERTEBRAL

R O L A N D O A . T E N U T O *

O S W A L D O R . C R U Z * *

Lichtenstein 8, em excelente revisão bibliográfica, procurou unificar o

conceito clínico de certos processos xantomatosos — granuloma eosinófilo do

osso, moléstia de Letterer-Siwe e síndrome de Hand-Schüller-Christ:an —

considerando-os como manifestações evolutivas da mesma entidade. Michael

e Norcross 1 0 publicaram dois casos de granuloma eosinófilo do osso, um dos

quais de localização vertebral com manifestações neurológicas. Dundon e

col.4, numa revisão de 53 casos de granuloma eosinófilo do osso, assinalaram

a percentagem da localização raqueana (12,5%) nas formas disseminadas,

não figurando nenhum de forma isolada. Recentemente, Laurence e col.7

registraram novo caso de granuloma eosinófilo do osso, forma disseminada,

com lesões vertebrais. Delcoulx e col.: i observaram, numa criança de 2 e

meio anos de idade, a localização vertebral da moléstia; Clâsteman 1 2 , pouco

tempo depois, registrou caso idêntico.

Digna de consideração, segundo Fa irbank 5 , seria a possível identidade

existente entre a granulomatose de localização vertebral e a moléstia de

C a l v é 1 , descrita inicialmente como osteocondrite do corpo vertebral e ulte-

riormente denominada de "vertebra plana"; entretanto, Fairbank considerou

que a vertebra plana não constitui entidade clínica individualizada, devendo

ser considerada como manifestação localizada da granulomatose. Pouyanne 1 1

revelou, pela biópsia, a existência de lesões * típicas do granuloma eosinófilo

do osso num caso de vertebra plana em concomitância com outras lesões cra­

nianas. Compere e col.* obtiveram idênticos resultados em outros 4 casos

de vertebra plana, sendo que, em dois deles, o material para exame histo-

patológico foi retirado da vertebra alterada. Embora outros autores não

partilhem dessa opinião e admitam para a moléstia de Calvé uma etiologia

diversa, qual seja a de necrose avascular do corpo vertebral, a razoável in­

cidência desta lesão vertebral e sua verificação em casos típicos de granulo­

matose eosinófila leva a pensar que ela seja identificável ao granuloma eosi­

nófilo vertebral. Entretanto, o caso que passamos a relatar não parece con­

firmar esse ponto de vista.

T r a b a l h o da Clínica N e u r o l ó g i c a da Fac . Med. da Univ . de São Pau lo (P ro f . A . T o l o s a ) .

* Chefe do Serv iço de Neuroc i ru rg ia ; ** Plantonis ta do P r o n t o Socorro de Neu ro ­ci rurgia ;

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OBSERVAÇÃO — Ε. Z., 13 anos, branco, sexo masculino, examinado e m 20-7-1955. Molés t ia iniciada há um ano, com dores na r eg i ão cerv ica l i r radiadas para o o m b r o dire i to e borda ex te rna do braço e antebraço a té a base do 1* metacarp iano; impos­sibi l idade de abduzir o m e m b r o superior d i re i to . Nessa ocasião um e x a m e rad io ló-gico mostrou sinais de lesões osteol í t icas discretas na apófise t ransversa de C 3 à d i ­re i ta ( f i g . I A ) ; f o r am fei tas apl icações f is ioterápicas e t ração cerv ica l , com o que houve acentuada melhora . H á um mês, r ec id iva da s in tomato log ia com as mesmas caracter ís t icas ac ima relatadas.

Exame clínico-neurológico — Diminuição da ampl i tude dos movimen tos de de-f l exão da cabeça, que desper tavam intensa dor i r radiada para o ombro direi to e membro superior h o m ó l o g o ; idênt ico t ipo de i r radiação na ro tação da cabeça para a esquerda. Manobras de N a f f z i g g e r e N e r i posit ivas, com exacerbação da dor. N a d a mais de anormal ao e x a m e neuro lóg ico .

Exames complementares —· Hemograma: 8% de eosinófi los. Dosagem de coles-terol no sangue: 281 mg /100 ml . Exame radiológico da coluna cervical: intensa osteólise com caracter ís t icas de benignidade, interessando o processo t ransverso de C. à direi ta e parcial invasão do corpo ver tebra l de C. ( f i g . I B ) .

Intervenção cirúrgica — Rea l i zada com f im diagnóst ico, tendo sido encontrada, ao n íve l das apófises t ransversas de C 4 e C 5 , uma fo rmação tumora l de aspecto ne-crót ico, contendo a lguns f ragmentos ósseos. O e x a m e h is topa to lógico reve lou tra­tar-se de processo hiperplást ico consti tuído de reação hist ioci tár ia , sob fo rma de blocos epi tel ióides ou células vacuol izadas , e m meio das quais se a c h a v a m acúmulos de leucócitos eosinófi los. F o r a m encontradas células mult inucleadas, com caracteres de corpo estranho. Diagnóstico: g ranu loma eosinófi lo ( f i g s . 2 e 3 ) .

O pós-operatório decorreu sem anormal idades e o paciente t e v e a l ta no 7* dia, sem dores e com e x a m e c l ín ico-neuro lógico normal .

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GRANULOMA EOSINôFILO DE LOCALIZAÇÃO VERTEBRAL

Fig. 3 — Caso Ε. Z. Aumento maior de um setor da f igura 2 ( H . E . Leltz oc. 10. obj. 43).

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C O M E N T Á R I O S

Das publicações de Compere e col. e Pouyanne poder-se-ia deduzir que

não deve ser considerada como rara a incidência vertebral do granuloma eosi-

nófilo, pois a vertebra plana (moléstia de C a l v é ) , que é bastante freqüente,

nada mais seria do que uma seqüela do granuloma eosinófilo; rara seria a

verificação da lesão em período ativo, sem os caracteres da vértebra plana.

A nosso ver, entretanto, não é possível identificar o caso que relatamos com

os de vertebra plana, cuja principal característica é representada pelo achado

radiológico de um corpo vertebral achatado. Realmente, no caso aqui rela­

tado a lesão osteolítica interessava exclusivamente o processo transverso da

vertebra. O quadro clínico, sugestivo de compressão radicular, provavelmente

não se agravou em vir tude dos caracteres da massa tumoral, que era fr iável

e necrótica. Êsse caráter benigno, sem tendência invasiva, j á de muito ob­

servado no granuloma eosinófiló do osso, coincide com a idéia de que sua

formação é aditiva e não neoplástica. Dos exames subsidiários, a eosinofilia

de 8% e o aumento da taxa de colesterol no sangue não permitem conclusões

particulares.

A evolução favorável , com remissão quase imediata dos sintomas após a

intervenção cirúrgica, v e m corroborar a opinião da maioria dos autores que,

em casos de granuloma eosinófilo do osso, observaram pronta resposta a essa

terapêutica seguida de radioterapia adicional. E m nosso caso, tendo a inter­

venção consistido em curetagem e aspiração da massa tumoral, não nos foi

possível confirmar os excelentes resultados obtidos por Flozi e co l 6 com o

emprego do A C T H no tratamento dessas lesões e das xantomatoses tipo

Hand-Schüller-Christian.

R E S U M O

Os autores apresentam um caso de granuloma eosinófilo do osso, de lo­

calização vertebral, com distúrbios de tipo radicular, em paciente do sexo

masculino, com 13 anos de idade. Discutem a possível relação que existiria

entre esse processo e a moléstia de Calvé (ver tebra p lana) . Assinalam, nesse

caso, a benignidade do processo, verificado do ponto de vista radiológico e

cirúrgico.

S U M M A R Y

Eosinophylic granuloma of vertebral localization.

Case report of vertebral localization of eosinophylic bone granuloma,

with radicular compression in a male pacient 13 years old; the authors discuss

the probable relation between the vertebral localization of this process and

the Calve's disease (ver tebra p lana) . In their case there was good improve­

ment under surgical treatment.

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B I B L I O G R A F I A

1. C A L V É , J. — Loca l i zed af fec t ion of the spine sugges t ing osteochondri t is of the ver tebra l body, w i t h the cl inical aspects of Pot t ' s disease. J. Bone a. Joint Surg., 7:41 ( j a n e i r o ) 1925. 2 . C O M P E R E , E. L . ; J O H N S O N , W . E.; C O V E N T R Y , Μ . B. — Ver tebra plana (Ca lve ' s disease) due to eosinophylic g ranu loma. J. Bone a. Joint, 36A:969 (ou tub ro ) 1954. 3. D E C O U L X , P. ; V A N D E N D O R F , F.; S O U L I E R , Α . ; G O D E ¬ F R O Y - V A U D E V I L L E , Y . — Granuloma eosinophil ique du rachis. J. de Radio l , et d 'Electrol . , 35:90, 1954. 4 . D U N D O N , C. C ; W I L L I A M S , Η . Α . ; L A I P P L Y , T . C. — Eosinophyl ic g ranu loma of bone. R a d i o l o g y , 47:433 ( n o v e m b r o ) 1946. 5. F A I R B A N K , R . — Recen t knowledge of affect ions of the skeleton in children. J. Bone a. Joint Surg., 35:496, 1953. 6. F L O Z I , A . Z.; O L I V E I R A , L . M . ; I N F A N T E , O.; P E D A L I N I , L . L . — Granuloma eosinófi lo t ra tado pelo A C T H . Estudo cl inico, h i s to lógico e ra­d io lóg ico . R e v . Paul is ta de Med., 42:132 ( f e v e r e i r o ) 1953. 7. L A U R E N C E , G.; P O C H ¬ C A N T Z , Α . ; M A S S E , P. ; D U B O I S , Μ . — Granu lome eosinophil ique dissemine à début ver tébra l . Arch , de Pédiat . , 10:288, 1953. 8. L I C H T E N S T E I N , L . — Hist iocytosis X . In tegra t ion of eosinophil ic g ranu loma of bone, L e t t e r e r - S i w e disease and Schtil ler¬ Christ ian disease, as re la ted manifestat ions of a s ingle nosologic ent i ty . Arch . Pathol . , 56:84, 1953. 9. M A R C O N D E S D E S O U Z A , J. P.; E L E J A L D E , G.; O L I V E I R A , W . C ; T H E M U D O L E S S A , Z. ; J A M R A , M . A . — Granuloma eosinóf i lo da coluna ver tebra l . Considerações sobre um caso com perturbações neurológicas . R e v . Paul is ta de Med., 36:25 ( j a n e i r o ) 1950. 10. M I C H A E L , P . ; N O R C R O S S , Ν . C. — Eosinophylic g ranuloma of bone. U.S. N a v y Bull. , 45:661, 1945. 11. P O U Y A N N E , L . — Ver tebra plana; loca­lisation rachidienne du g ranu lome eosinophil ique. R e v . de Chir. ( P a r i s ) , 40:125 ( j a -ne i ro -março) 1954. 12. Case records of Massachusetts General Hospi ta l (case 40342). N e w England J. M., 251:9 ( a g ô s t o ) 1954.

Clínica Neurológica. Hospital das Clínicas da Fac. Med. da Univ. de São Paulo — Caixa Postal 31)61 — São Paulo, Brasil.