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GRUPO FOLKLORICO DE DANÇA SUL-AMERICANA FÊNIX:
A DANÇA UNINDO FRONTEIRAS1
BEVERLY BASSANI2
SONIA BRESSAN VIEIRA3
RESUMO: O presente artigo trata do Grupo Folklorico de Dança Sul-Americana
FÊNIX que é uma entidade independente, criada e coordenada pelos “Irmãos Bassani”, em
21 de fevereiro de 2010, e desde então, tem demonstrado um crescimento constante e de
expressão do folclore dos países do MERCOSUL em apresentações e festivais no Rio Grande
do Sul e em eventos internacionais. Tem acumulado láureas como o Prêmio Missões – Troféu
Destaque à Cultura; 1º lugar em Proyección Folklorica no "V Santiago Latinoamericano";
indicação pela Confederação Interamericana de Danças CIAD para representar as Missões
em Corrientes, na Argentina e como o melhor grupo de sua categoria, na modalidade “Sênior
– Folklore Latino-Americano de Proyección” no “XV São Borja em Dança”. O texto objetiva
demonstrar como o grupo promove o resgate da cultura gaúcha e evidencia o estilo
missioneiro através de danças folclóricas, estilizadas e de projeção folclórica, além de
difundir as principais danças que compõem o folclore dos povos latinoamericanos. A
metodologia do estudo envolve uma pesquisa bibliográfica e reflexões sobre o legado
histórico, artístico e cultural da dança que mescla a cultura Latinoamericana à identidade
missioneira. Espera-se com o presente estudo demonstrar como a dança pode contribuir para
a valorização e o resgate cultural gaúcho e do estilo regional das Missões unindo povos
irmãos da latino-américa.
PALAVRAS CHAVE: Cultura. Identidade. Fronteira. Dança.
1 INTRODUÇÃO
Este artigo trata da temática dança como elemento essencial de difusão e resgate do
legado histórico, artístico e cultural do folclore gaúcho, bem como para a valorização do
estilo regional presente na composição da identidade missioneira, marcas identitárias que se
sobrepõem às divisas e linhas demarcatórias.
1 GT 06: Direito, Cidadania e Cultura.
2 Acadêmica do 3º Semestre do Curso de Direito. Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das
Missões URI/SLG. Diretora Geral do Grupo Folklorico de Dança Sul-Americana FÊNIX. Email-
[email protected]. 3 Doutora em História pela PUC/RS. Professora da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das
Missões-URI-São Luiz Gonzaga. Email- [email protected].
O texto objetiva evidenciar como o grupo promove o resgate da cultura gaúcha e
enaltece o estilo missioneiro através de danças folclóricas, estilizadas e de projeção, além de
propalar as principais danças nativas e tradicionais que compõem o folclore dos povos da
América Latina.
Esta análise justifica-se pela relevante contribuição teórica que permitirá enriquecer
ainda mais o trabalho artístico e cultural desenvolvido pelo Grupo Folklorico de Dança Sul-
Americana FÊNIX, norteando fundamentalmente a pesquisa e a busca pelo conhecimento
acerca da diversidade étnico-cultural como elementos basilares na composição coreográfica
do grupo, bem como no método de produção da identidade e da essência na interpretação dos
folclores dançados.
O trabalho é dividido em seções, onde num primeiro momento é feita a apresentação
do Grupo Folklorico de Dança Sul-Americana FÊNIX, sendo ilustrado como o grupo
promove o resgate cultural gaúcho e evidencia o estilo regional das Missões através da dança
como elemento de comunicação e integração de culturas coirmãs; a sequência do trabalho
envolve uma referenciação teórica sobre conceitos fundamentais como Cultura, Identidade,
Fronteira e Dança.
2 GRUPO FOLKLORICO DE DANÇA SUL-AMERICANA FÊNIX – UMA
TRAJETÓRIA DE RESGATE DA CULTURA E IDENTIDADE MISSIONEIRA
O Grupo Folklorico de Dança Sul-Americana FÊNIX, coordenado pelos “Irmãos
Bassani”, foi criado em 21 de fevereiro de 2010 e vem consolidando um reconhecido
histórico na arte da dança folclórica em São Luiz Gonzaga, demonstrando um crescimento
constante ao expressar o folclore dos países do MERCOSUL, a cultura gaúcha e a identidade
missioneira em apresentações e festivais no Rio Grande do Sul.
O Grupo Folklorico de Dança Sul-Americana FÊNIX, é uma entidade independente,
sem fins lucrativos, que se mantém através de iniciativa própria e do esforço de seus
dançarinos e familiares, não estando vinculado a nenhum órgão, entidade ou departamento.
Representa São Luiz Gonzaga e seu legado histórico, artístico e cultural, através de
danças folclóricas, estilizadas e de projeção, que mesclam a cultura latino-americana à
identidade missioneira, miscigenação que originou a formação do povo gaúcho.
O grupo realiza apresentações em diversas cidades da região e nos principais eventos
do município, além de participar de festivais, representando São Luiz Gonzaga, inclusive em
eventos internacionais. Desde 2010, ano de sua criação, vem acumulando premiações e
láureas, sendo agraciado com o Prêmio Missões – Troféu Destaque à Cultura; Em 2011, 1º
lugar em Proyección Folklorica no "V Santiago Latinoamericano"; Em 2012, foi indicado
pela Confederação Interamericana de Danças CIAD a representar as Missões em Corrientes,
na Argentina; E em 2014, consagrou-se como o melhor grupo de sua categoria, na
modalidade “Sênior – Folklore Latino-Americano de Proyección” no “XV SÃO BORJA EM
DANÇA”.
Desde 2011, o Grupo Folklorico de Dança Sul-Americana FÊNIX desenvolve o
projeto “Campeando Origens, Preservando Tradições” com o objetivo de promover o
resgate da cultura gaúcha e missioneira, bem como, a difusão das danças folclóricas dos
povos latinoamericanos, ministrando – gratuitamente – aulas de dança folclórica a crianças, a
partir dos cinco anos de idade, jovens e adultos, organizados em três grandes categorias:
Mirim, Juvenil e Adulta.
3 CULTURA, IDENTIDADE, FRONTEIRA E DANÇA – UMA SIMBIOSE DE
CONCEITOS BASILARES NA ATUAÇÃO DO GRUPO DE DANÇAS
Envoltos por um contexto que define, mas ao mesmo tempo transfere aos conceitos de
Cultura, Identidade, Fronteira e Dança um caráter de homogeneidade, é possível perceber o
impasse em oferecer afirmações conclusivas acerca de tais elementos, por se tratarem de
conceitos indissolúveis, providos de aspectos complexos e múltiplos fatores.
Nesse prisma, identidade, cultura e dança revelam-se como elementos dinâmicos;
movem-se, percorrem e redefinem fronteiras. Possuem atributos que nascem em um território
e migram, intensificando caracteres e/ou incorporando-se a cultura receptora. O trabalho
artístico do Grupo Folklorico de Dança Sul-Americana FÊNIX, leva em conta que nesse
processo de “desterritorialização” no lugar de anular ou suprimir aspectos fundamentais,
ocorre uma espécie de reafirmação de identidades culturais, afinando-se a ideia de
comunicação entre marcas identitárias.
Cabe destacar que no presente estudo, o conceito de cultura reveste-se de considerada
importância, tendo em vista o que observa Canclini acerca da possibilidade de ver a cultura
“como parte de la socialización de las clases y los grupos en la formación de las
concepciones políticas y en el estilo que la sociedad adopta en diferentes líneas de
desarrollo” (CANCLINI, 1987, p. 25 apud CANEDO, 2009, p.6).
Dentro desta perspectiva enunciada, o autor sugere a compreensão acerca da definição
de Política Cultural como:
El conjunto de intervenciones realizadas por el estados, las
instituciones civiles y los grupos comunitarios organizados a fin de orientar
el desarrollo simbólico, satisfacer las necesidades culturales de la población
y obtener consenso para un tipo de orden o transformación social. Pero esta
manera nesecita ser ampliada teniendo en cuenta el carácter transnacional de
los procesos simbólicos y materiales en la actualidad” (CANCLINI, 2001, p.
65).
Parece pertinente ressaltar ainda o que menciona José Afonso da Silva:
A Constituição Federal Brasileira deu acentuada importância à cultura, tomado esse termo em sentido abrangente da formação educacional
do povo, expressão criadora da pessoa e das projeções do espírito humano
materializadas em suportes expressivos, portadores de referência à
identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade
brasileira, formando aquilo que se denomina ordem constitucional da cultura,
ou Constituição cultural, constituída pelo conjunto de normas que contém
referências culturais e disposições consubstanciadoras dos direitos sociais
relativos à educação e à cultura (SILVA, 2015, p. 315).
Tais considerações são notadamente percebidas no desenvolvimento do trabalho do
grupo de danças, servindo as definições dos autores citados, como suporte teórico-prático
para a consolidação do Grupo Folklorico de Dança Sul-Americana FÊNIX e norteando as
atividades de criação, composição e aperfeiçoamento da expressão artística do mesmo.
Em Identidade Cultural e Diáspora (1996), Stuart Hall apresenta o conceito do que
denomina identidades culturais “como aspectos de nossas identidades que surgem de nosso
pertencimento a culturas étnicas”. O autor defende ainda que:
(...) nossas identidades culturais refletem as experiências históricas em comum e os códigos culturais partilhados que nos fornecem, a nós, com
um “povo uno”, quadros de referência e sentido estáveis, contínuos,
imutáveis por sob as divisões cambiantes e as vicissitudes de nossa história
real (HALL, 1996, p.68).
Dentro deste conceito de identidades culturais de Hall, a dança pode evidenciar
elemento fundamental de comunicação entre estas culturas. Isto retrata reconhecidamente a
essência da existência do grupo de danças, que demonstra notável versatilidade em expressar
a diversidade cultural e as manifestações folclóricas distintas, tanto ao evidenciar o local por
meio das danças folclóricas gaúchas e o estilo missioneiro, bem como ao interpretar as mais
populares danças nativas da América Latina.
Ernst Fischer em sua obra A Necessidade da Arte, define dança como:
Veículo de representação de algo. Como arte, a dança é condicionada ao tempo e espaço que habita, porém, ao mesmo tempo supera este
condicionamento, na medida em que envolve a criação, incita a ação
reflexiva e se torna necessária ao homem que a constrói e a aprecia
(FISCHER, 1987).
Em sua obra “Esta terra tem dono!”, Ceres Karan Brum refere que:
A memória da experiência missioneira no Rio Grande do Sul remete a episódios e personagens, sendo expressa através de uma pluralidade de
narrativas como o artesanato dos grupos guaranis e manifestações dos
habitantes das regiões próximas aos antigos povoados missioneiros,
narrativas de temática missioneira (designadas pelos folcloristas e
regionalistas no Rio Grande do Sul como mitos e lendas), produção musical
e poética e composições coreográficas relacionadas aos grupos
tradicionalistas e artistas nativistas, designação/nominação de Centros de
Tradições Gaúchas e grupos folclóricos, publicidade veiculando as Missões,
religiosidade popular em torno da figura de Sepé Tiaraju e turismo, entre
outros. Em suma, elaborações de representações que traduzem a recriação do
passado missioneiro no presente, permeadas de diversas maneiras pelo mito
das Missões como a Terra da Promissão (BRUM, 2006, p. 14 e 15).
O pensamento da autora acima citada sugere que estas
(...) referências à experiência missioneira ocorrem em situações ritualizadas específicas, a partir da geração de mitos em torno do passado
missioneiro. Esses processos de mitificação visam criar uma consciência
histórica individualmente concebida, relacionando a produção de
imaginários relativos às Missões a identidades individuais e grupais
acionadas através do pertencimento ao “ser missioneiro” (BRUM, 2006, p.11).
Brum prossegue relatando que “afirmações como o ‘ser missioneiro’, a região das
Missões, o gauchismo missioneiro, a música missioneira, a energia percebida nas ruínas” e os
mistérios que guardam a memória de suas emblemáticas pedras, “demarcam fronteiras entre
os grupos e sujeitos através da produção da referência ‘missioneira’ ou ‘Missões’, como
fronteira móvel de interesses nacionais, regionais, latino-americanos e individuais”.
Embasado nas leituras de Brum, a construção do termo missioneiro, “se configura
como um delimitador de espaços, gerador de identidade e pertencimentos, correspondendo a
um conjunto de elementos dotados de especificidades locais”, forte característica percebida
nas apresentações do Grupo Folklorico FÊNIX. Ao discorrer sobre o tema, a autora ainda
sugere a compreensão de que estes elementos estão “relacionados a território, sendo acionado
como marca identitária valorizante para a afirmação de uma memória coletiva”.
Ocorre que a expansão dessas identidades reivindicadas ultrapassa as fronteiras
geopolíticas gaúchas e brasileiras, as quais no passado não existiam, mas que no presente,
embora existam, mesclam-se como marcas do regional às identidades nacionais forjadas a
partir das fronteiras com o Uruguai, Argentina e Paraguai. Desta forma, continua a autora sua
afirmativa, de que há um imaginário missioneiro que transcende às fronteiras geopolíticas dos
povoados e que se expressa a partir de leituras de um passado comum, autorizando a
relacionar as Missões com a questão fronteira.
Para Priscila Faulhaber em A fronteira na antropologia social: as diferentes faces de
um problema (2000, p. 119) “fronteira é um local de constituição de múltiplas identidades ao
se constituir em tema de um código cultural comum”. No entanto, o código não é construído
exclusivamente como uma denominação que ultrapassa a esfera do nacional, ele também se
mescla ao nacional, e o ser missioneiro é enfocado nos diferentes locais de Missões de
maneira diversa.
Sob esta linha de reflexão, BRUM (2006, p.33) discorre que enquanto “no Paraguai,
as Missões são representadas como mito fundador daquele estado-nação”, no Rio Grande do
Sul “a evocação do passado missioneiro pode ser percebida como identidade regional, dadas
as constantes referências dos movimentos regionalistas que a apontam como mito da origem
do gaúcho”.
Acerca da concepção deste sujeito denominado gaúcho, Tiago Costa Martins (2011,
p.19) cita em sua obra Vida de Gaúcho Campeiro – cultura regional, mídia e
desenvolvimento que “a imagem desses indivíduos não é mera coincidência ao ‘tipo’ de
gaúcho mitificado pelo Movimento Tradicionalista Gaúcho e pela mídia, são semelhanças de
um modelo cultuado que encontra no homem do campo um espelho ou, quem sabe, um
reflexo”.
As análises feitas por BRUM (2006, p.34) remetem ao entendimento de que “as
Missões também são representadas em relação à experiência integracionista sul-americana
como a porta de entrada do Mercosul”, por constituírem um passado comum entre seus
Estados-Parte.
Tratado na maioria das vezes, com notável destaque, como união aduaneira de
integração econômica, o Mercosul reuniu em Fortaleza (Brasil) no ano de 1996, seus
“Estados-Parte” – Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, para formalidade de assinatura do
“Protocolo de Integração Cultural do Mercosul” – oficializando uma prática que identifica
povos através dos tempos, por meio da reciprocidade e intercâmbio cultural.
O preâmbulo do referido protocolo especifica que:
Conscientes de que a integração cultural constitui um elemento
primordial dos processos de integração e que a cooperação e o intercâmbio
cultural geram novos fenômenos e realidades; Inspirados no respeito à
diversidade das identidades e no enriquecimento mútuo; e cientes de que a
dinâmica cultural é fator determinante no fortalecimento dos valores da
democracia e da convivência nas sociedades (...) Acordam os Estados-Parte
em promover a cooperação e o intercâmbio entre suas respectivas nações,
com o objetivo de favorecer o enriquecimento e a difusão das expressões
culturais e artísticas do Mercosul (PROTOCOLO DE INTEGRAÇÃO
CULTURAL DO MERCOSUL, 1996, Fortaleza).
Neste sentido, as menções de Brum levam a compreensão de que “as referências à
experiência missioneira passada, vão além da região das Missões, ultrapassando limites” de
territórios e fronteiras. Desenvolve a autora que é possível dizer que Missões é muito mais
uma delimitação cultural do que divisas geopolíticas. Segundo a autora, estas referências:
(...) fazem parte da própria história do gauchismo no Rio Grande do Sul, do culto às tradições gaúchas resgatadas no século XIX, pois estão
presentes, conforme a autora citada, em obras de João Cezimbra Jacques –
patrono do Movimento Tradicionalista Gaúcho e do escritor João Simões
Lopes Neto, maior autor regionalista do Rio Grande do Sul, bem como nos
textos de folclore e história de Barbosa Lessa – filósofo pesquisador do
movimento tradicionalista (BRUM, 2006, p.40)
As afirmações da autora revelam que “a literatura regionalista, a historiografia e a
memória popular” ressaltam atuações emblemáticas que compõem a identidade missioneira,
como no caso “da figura mitológica de Sepé Tiaraju, a quem se atribui a expressão Esta terra
tem dono”.
Um dos quadros artísticos mais simbólicos dançado pelo Grupo Folklorico FÊNIX,
revela a composição do espetáculo “MISSÕES – A Saga Jesuítico-Guarany”, inspirado neste
memorável evento histórico que integra o sentimento do “ser missioneiro” e revela a
relevância mítica deste herói missioneiro e nacional para a constituição do próprio gaúcho.
Neste sentido, Brum destaca que:
(...) esta referência atávica – o grito de Sepé, como é conhecido – vem sendo citada ao longo do processo histórico sulino, em inúmeros episódios
para justificar uma gama de atitudes que denotam a construção de
representações tendentes a ressaltar a bravura dos gaúchos, descendentes do
índio Sepé (BRUM, 2006, p. 14).
Sepé Tiaraju, revelado na epopeica “Guerra Guaranítica” – um dos mais célebres e
sangrentos episódios de nossa história liderou e lutou com o exército guarani, contra os
desdobramentos históricos oriundos das disputas territoriais entre Portugal e Espanha, que
acabou separando a zona missioneira. Porém, a história comum ligada às reduções se mantém
viva independentemente do país que se analise, tanto Brasil, quanto Argentina e Paraguai.
Devido ao fato de o território missioneiro, abranger três países, alguns autores o
tratam como “transfronteiriço”. Carneiro Filho e C.R. Santos (2012) afirmam que a área é
coberta de peculiaridades, mesmo assim, acontecem propostas conjuntas de exploração
turística através de roteiros, como é o caso do Circuito Turístico Integrado Missões Jesuítico
Guarani, assinado em 1995 por Brasil, Argentina e Paraguai.
Segundo Carneiro Filho e C.R. Santos (2012: 156) a região possui uma riqueza
histórica que acaba conferindo uma identidade regional para a área transfronteiriça. Os
autores afirmam que a cultura tem papel crucial nesse sentido, pois permite a cooperação nas
esferas política e econômica, facilitando os contatos, promovendo diversas relações entre as
partes que constituem a área de fronteira, principalmente a área histórica missioneira
proposta, que é considerada um dos principais corredores histórico-culturais do mundo.
As afirmações de Reichel (1995) remetem a compreensão de que a região platina
esteve sempre envolvida em várias fronteiras político-administrativas, devido as constantes
disputas ibéricas que alteravam cotidianamente a zona fronteiriça conforme seus interesses. A
autora comenta ainda que, a fronteira no contexto analisado, ganha significativa importância,
sendo a mesma, experimentada em dois sentidos, tratando-se de uma linha que separa e ao
mesmo tempo une os povos, aspecto tomado como cerne pelo grupo de danças.
Dentro desta perspectiva, o Grupo Folklorico FÊNIX traz a dança folclórica como
reveladora de importante relação com a promoção de intercâmbio cultural e aproximação
identitária entre os povos latino-americanos, considerando tal manifestação como expressão
que transcende fronteiras geopolíticas de um país, identificando culturas semelhantes situadas
em diferentes territórios.
A dança é considerada a mais completa das artes, pois envolve elementos artísticos
como a música, as artes cênicas, a pintura, a escultura e a expressão corporal, sendo capaz de
exprimir tanto a mais simples quanto a mais forte das emoções. O significado da dança vai
além da expressão artística, podendo ser vista como um meio para adquirir conhecimentos e
desenvolvimento da criatividade, como importante forma de comunicação e intercâmbio
cultural.
Tendo forte influência nas sociedades ao longo dos tempos, a dança tem sua origem
nas sociedades aborígenes e primitivas. Os povos primitivos iniciaram a arte de dançar e a
praticavam em diferentes ocasiões: no período de colheitas, nos rituais a deuses e divindades,
na época das caçadas, em comemorações festivas. O índio dança para celebrar atos, fatos e
feitos relativos à vida e aos costumes. Dançam enquanto se preparam para a guerra; quando
voltam dela; para celebrar um cacique; safras; o amadurecimento de frutas; uma boa pescaria;
para assinalar a puberdade de adolescentes ou homenagear os mortos em rituais fúnebres, em
momentos de alegria ou tristeza, ou ainda, em homenagem à mãe natureza “Pachamama”.
Neste sentido, cabe ressaltar o que diz Lúcia Gaspar (2011) ao referir-se que “os
índios, criados em contato íntimo com a natureza – em meio a matas exuberantes, rios
caudalosos, fauna e flora ricas e diversificadas – são impregnados pelos seus mistérios onde
paira o misticismo. Nos seus rituais e crenças, a dança e a música têm um papel fundamental
e uma grande influência na sua vida social”.
Agrega-se a esta essência inerente das sociedades indígenas, a peculiaridade das
Missões evidenciada na estratégia de ocupação territorial por parte da coroa espanhola,
através da proposta de reduzir os índios Guarani à fé cristã por meio da catequização, sendo
aí introduzida e somada à cultura autóctone, a melodia Sacra Cristã, origem da música
missioneira e do legado que denota um pertencimento ao “ser missioneiro”, resultando no
desenvolvimento de habilidades artísticas que ainda hoje são percebidas e cultuadas, criando
identidades e afirmando uma memória coletiva.
Nos diversos documentos que guardam relatos dos padres da Companhia de Jesus à
Coroa Espanhola, revela-se que na cultura guarani, os índios possuíam intima e genuína
relação com a música e a dança, elementos sempre presentes nos rituais e celebrações de suas
vidas cotidianas, utilizando-se os jesuítas, deste artifício da arte como meio de aproximação
com os indígenas.
E não obstante, ainda hoje como via de socialização e disseminação de cultura, a
dança proporciona ao mundo o conhecimento sobre a diversidade cultural dos diferentes
povos, especialmente através das danças folclóricas.
Existe um número tão grande de danças folclóricas, em se tratando não só de Rio
Grande do Sul, mas de toda a latino-américa, que se tornaria dispendioso apresentar uma lista
completa de todas elas, não pretendendo o presente trabalho, esgotar o assunto, apenas
evidenciar algumas das danças realizadas pelo Grupo Folklorico de Dança Sul-Americana
FÊNIX em suas apresentações.
Dentre as variadas pesquisas temáticas de resgate das danças folclóricas, nativas e
tradicionais latino-americanas que norteiam o trabalho de estudos e composição coreográfica
dos quadros dançados pelo Grupo Folklorico de Dança Sul-Americana FÊNIX, podemos citar
obras de renomados autores como Pedro Berruti: Manual de Danzas Nativas – Coreografía,
Historia y Texto Poético de las Danzas (Buenos Aires, Argentina, 22ª edición, 2010).
A obra apresenta em suas trezentas e vinte páginas, o resgate de estudo e pesquisa das
danças nativas e tradicionais, conteúdo organizado por BERRUTI (2010) em três partes: 1)
Noções Gerais de Folclore; Resenha Histórica das Danças Folclóricas; Classificação das
Danças; Noções Coreográficas; Elementos (posição para castanholas, utilização e
movimentos com o lenço); Figuras de Sapateios e Sarandeios; e ilustrações com setenta e oito
gravuras. 2) Descrição das danças com suas respectivas histórias, classificação e significado;
Variantes; Coreografia gráfica completa; Desenhos das principais figuras e texto poético. 3)
Apêndice com os trajes tradicionais e principais instrumentos musicais crioulos e indígenas
dos povos da latino-américa.
Desta forma, é possível caracterizar a originalidade de danças folclóricas gaúchas ou
“gauchas” que estão difundidas em diversos folclores dos povos da região platina, bem como
danças genuinamente indígenas, que presentes no processo de miscigenação de raças,
transformaram-se com o decurso do tempo e com a interferência de outras culturas, como por
exemplo, a dança ritualística dos índios Guarani, denominada “Acyigua” – Dança mística
destinada a resgatar a alma do índio que é morto em combate, sendo executada pelo pajé
auxiliado pelo melhor guerreiro caçador da tribo.
Além dessa, cita-se a Dança “El Gato”, que também tem origem indígena e trata-se
de uma história totêmica, onde o gato (homem/varón) corteja a perdiz (mulher/dama) com
um sapateado e volteios ao entorno dela. A perdiz esquiva-se das intenções do conquistador.
Dança conhecida no sul do Brasil, trata-se de ritmo bastante popular, ainda nos tempos atuais,
na Argentina, Uruguai e regiões da Bolívia.
Na segunda parte da obra Coreografías de Danzas Nativas Argentinas – Tomo I, de
Berruti et al (4ª edición, 1998), o autor Carlos Cárdemas apresenta um apêndice sobre um
ritmo genuinamente gaúcho, o “Chamamé” – dança com origem que integra raízes culturais
dos povos indígenas guarani e dos criollos argentinos da tribo indígena "Kaiguá", situada em
território que corresponde a atual divisa entre Rio Grande do Sul (Brasil) e Corrientes
(Argentina). Era dança conhecida como “Polkakirei”, uma polca movida em ritmo ágil. Além
de ritmo popular nestes dois países, o chamamé se expande também pelo Paraguai, norte do
Uruguai, oriente ou região del Chaco da Bolívia, pelo sul do Chile e ainda, pela região
centro-oeste do Brasil (CÁRDEMAS, 1998: 135).
Ainda com base no conteúdo apresentado pelos autores citados, outros ritmos
decorrentes da amálgama entre a cultura guarani e a europeia, são a Polka Paraguaya e
Guarania (Guarañia), ritmos decorrentes e similares aos cantos e às danças praticadas pelos
guarani na época pré-colonial e também durante o período das reduções jesuíticas.
Cabe mencionar que Berruti (2010) revela como uma das danças folclóricas mais
populares entre as culturas do Mercosul, a Chacarera, dança folclórica oriunda de Santiago
del Estero, na Argentina, também muito difundida na região do Chaco na Bolívia, no Uruguai
e região fronteiriça do Rio Grande do Sul, remete ao termo “chácara”, fazendo uma alusão ao
modo de vida rural e lides campeiras do gaúcho, personagem mítico identificado tanto no
Brasil, como nos demais países do Mercosul (BERRUTI, 2010).
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embasado no referencial teórico que serviu como arcabouço para a produção do
presente trabalho, torna-se evidente que as danças folclóricas – manifestações espontâneas e
reveladoras de marcas identitárias de determinado povo, podem ser específicas de um
território ou próprias de uma cultura, de um pensar antropológico, resultado de um
pertencimento coletivo.
O estudo mostrou a dança folclórica, como matéria de estudo e de difusão das origens
e da projeção de representações de identidades evidenciadas pelo Grupo Folklorico de Dança
Sul-Americana FÊNIX e propiciou a relação entre a arte e o resgate de mitificações do “ser
missioneiro”, de Missões e de gauchismos, mesclando cenografia, caracterização e
interpretações coreográficas dentro de temáticas singulares de expressão artística.
A análise reafirmou aspectos da história missioneira, salientando fatos como a de que,
as ruínas formadoras do complexo dos Trinta Povos, somadas ao folclore ainda vivo e
inflamado pelos sujeitos descendentes desta cultura transfronteiriça, reproduzem um legado
étnico através das artes e manifestações culturais dos antigos povoados missioneiros,
proporcionando uma integração entre os países ou ao menos das regiões que fizeram parte de
uma mesma história e embora separadas por fronteiras geopolíticas, evidenciam uma
identidade comum e peculiaridades próprias de um povo.
Ainda, os remanescentes dessa história atuam afirmando uma identidade missioneira
na área em questão, a qual também é pontuada por símbolos históricos ligados ao período,
que faz com as que populações locais, vivam coletivamente a mesma história.
Portanto, a valorização do passado tornou a área transfronteiriça como única, dotada
de um significado que ultrapassa a questão fronteira, que age fortemente no local, porém não
apaga marcas de um passado comum entre os povos, que cada vez mais tentam se interligar
para perpetuidade histórica das Missões.
O patrimônio histórico-cultural, por meio da representação na arte da dança e do
folclore, atua de maneira significativa nesse sentido, fazendo constante alusão ao passado, o
qual pode ser valorizado e resgatado cada vez mais através de pesquisas, como no caso do
presente artigo, bem como de iniciativas privadas, o que se evidencia no trabalho
desenvolvido pelo Grupo Folklorico de Dança Sul-Americana FÊNIX e ainda por meio de
políticas públicas culturais, reconhecendo o legado histórico, artístico e cultural das Missões
no fortalecimento da identidade de um povo.
Acerca das reflexões abordadas no presente artigo, o Grupo Folklorico de Dança Sul-
Americana FÊNIX, vale-se da dança como expressão de arte e cultura, para promover a
valorização e o resgate cultural gaúcho e do estilo regional das Missões, presentes na mescla
de elementos que se entrelaçam para traduzir a natureza de um povo detentor de pujante
Cultura, cuja singular Identidade aproxima tribos de traços similares, unindo e transcendendo
as Fronteiras geopoliticamente demarcadas por meio da autêntica arte da Dança.
REFERÊNCIAS
1) Obras Citadas
BRUM, Ceres Karan. “Esta terra tem dono”: representações do passado missioneiro no
Rio Grande do Sul. Santa Maria/RS, 2006.
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CANCLINI, Nestor Garcia. (2001). Definiciones em transición. In: MATO, Daniel (org.).
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BERRUTI, Pedro. (2010). Manual de Danzas Nativas – coreografia, historia y texto
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GASPAR, Lúcia. Danças indígenas do Brasil. Pesquisa Escolar Online, Fundação Joaquim
Nabuco, Recife. Disponível em: http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/. [Acessado em:
29 de junho de 2016].
3) Documentos
PROTOCOLO DE INTEGRAÇÃO CULTURAL DO MERCOSUL (1996). Congresso
Nacional. Comissão Parlamentar Conjunta do Mercosul. Fortaleza.