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GT BIOPOLÍTICA E O COMUM I Coordenação: Lorena Martoni de Freitas e Luisa Carmen Lima Machado
Interpretações críticas sobre o uso do conceito de “comum”
Danton Fillipe Grossi Gangana1
Lucas Parreira Álvares2
A presente proposta de comunicação tem como pretensão propor um debate - ao mesmo
tempo em que já é um debate - sobre a relação do conceito de comum com o conceito de
comunismo. Os autores possuem visões divergentes sobre a centralidade e a configuração do
comum e pretendem, em conjunto, apresentar os pontos divergentes dessa querela em forma
de comunicação e, posteriormente, de um artigo.
Parte-se da análise crítica do conceito de comum nos autores Antonio Negri, Michael Hardt,
Pierre Dardot e Christian Laval. Os autores possuem algumas divergências sobre o conceito,
mas convergem na superação da dualidade: propriedade privada e propriedade pública/estatal.
Dardot e Laval propõem o comum enquanto um princípio político, enquanto Hardt e Negri
compreendem o comum como uma forma de relação com a produção e o produto, incluso,
aqui, o homem enquanto produto biopolítico.
Assim, a compreensão conjunta desses conceitos permeia o modo de produção, a distribuição
e as relações sociais. Os autores de Multidão propõem que, através do comum, o capitalismo
produz mais uma de suas contradições, e, na medida que o comum se torna central na
produção capitalista, principalmente devido às produções não-materiais, as condições e as
armas para um projeto comunista emergem.
Comunismo não seria apenas a abolição da propriedade privada, mas também, e talvez
centralmente, a afirmação do comum; a afirmação de uma produção biopolítica aberta e
autônoma. Assim – como aponta Hardt –, o que a propriedade privada representa para o
capitalismo, e o que a propriedade estatal é para o socialismo, o comum é para o comunismo.
Mas será que a narrativa contemporânea do comum não se manifesta meramente sob a forma
de uma disputa conceitual? O objetivo de tal narrativa e conceito não seria a superação do
termo “comunismo” embora ainda apresente características intimamente semelhantes ao
conceito que se disseminou no século XIX?
1 Mestrando na Faculdade de Direito e Ciências do Estado da UFMG.
2 Mestrando na Faculdade de Direito e Ciências do Estado da UFMG.
GT BIOPOLÍTICA E O COMUM I Coordenação: Lorena Martoni de Freitas e Luisa Carmen Lima Machado
Essa pergunta é o fundo central do debate que se propõe. Os alunos, que se alinham na
compreensão da necessidade de uma superação da forma de produção e, consequentemente,
das relações sociais dominantes no capitalismo, pretendem explorar e expor suas
convergências e querelas na presente comunicação.
GT BIOPOLÍTICA E O COMUM I Coordenação: Lorena Martoni de Freitas e Luisa Carmen Lima Machado
A Política Nacional de Assistência Social: deserções entre trabalhadores e usuários
Felipe Bucker Chittoni1
Diana Malito2
Kátia Faria de Aguiar3
No ano de 2004, promulga-se a Política Nacional de Assistência Social, e com ela, assiste-se a
uma veloz profusão de serviços, programas e benefícios socioassistenciais em todo território
nacional. A doutrina securitária de Proteção Social Integral, expressa em cadernos de
orientações técnicas destinadas aos trabalhadores sociais, propõe aos indivíduos, famílias e
comunidades, a construção de planos de acompanhamento familiar, com o intuito de prevenir
riscos e superar vulnerabilidades sociais. No entanto, em meio ao humanismo das boas
intenções, movido pelo discurso da garantia de direitos e superação da pobreza, ao gosto e
corte liberal das agências internacionais, emerge a recalcitrância dos ingovernáveis que
desertam de todas as inciativas de inclusão. Nas bordas do mar, em um pequeno trecho do sul
da Ilha de Santa Catarina, o termo “usuário”, sinônimo de assistido, pobre, ou cidadão, no
léxico desta política social, é performado com valor invertido: alguns manezinhos da ilha
servem-se dos recursos financeiros, e dos serviços disponibilizados pela rede, sem aderir às
normalizações propostas. A sistemática recusa ao empreendedorismo de si aciona moralismos
nas redes locais entre profissionais e equipes de serviços públicos, que experienciam suas
intervenções como fracasso: as prescrições emudecem, e as vidas não assumem as figuras que
os controles se esforçam por modular.
Os manés parecem apenas aspirar à vida que já tem e, portanto, sua potência de agir insiste
justamente neste ponto: ser dono do seu próprio tempo para bem viver e cuidar de si. Criar
passarinhos, aprender piadas e alimentar o bom humor, pescar, nutrir pequenas roças,
desenvolver habilidades de autossuficiência em meio a redes de trocas, e garantir a
intermitência dos tempos de trabalho são alguns dos vetores pelos quais as práticas de
liberdade são cotidianamente relançadas no tempo do agora. De modo que a regulação
Biopolítica falha porque a miragem das promessas de consumo da cidadania dócil, embora
1 Psicólogo. Doutorando em Psicologia (Universidade Federal Fluminense).
2 Psicóloga. Doutoranda em Psicologia (Universidade Federal Fluminense).
3 Psicóloga. Doutora em Psicologia (PUCSP). Professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da
Universidade Federal Fluminense.
GT BIOPOLÍTICA E O COMUM I Coordenação: Lorena Martoni de Freitas e Luisa Carmen Lima Machado
convoque, é incapaz de produzir aderências, e mudanças de atitude, que seriam pressupostas
nos contratos de integração promovidos pelos dispositivos securitários da Proteção Social
Integral.
No entanto, as margens que permitem os movimentos de evasão são objeto de contínua
vigilância e estreitamento. Acossados pela polícia das famílias que busca ordenar sua
pacificação, e sendo igualmente necessárias as prestações setoriais ofertadas pela Política de
Assistência Social para a continuidade deste modo de vida, os sujeitos se veem diante da
necessidade de desenvolver a habilidade de escorregar por entre os serviços, no exercício de
um agonismo amistoso, e na recusa de se deixar conduzir. Portanto, com Nietzsche nos
perguntamos: como defender os fortes, que se recusam a deixar com que o valor da vida seja
definido por outrem, contra os fracos?
No pequeno relato que propomos, intuímos partilhar cenas destas pequenas heterotopias do
comum, gestadas em meio às tentativas de captura disciplinar desta política social.
GT BIOPOLÍTICA E O COMUM I Coordenação: Lorena Martoni de Freitas e Luisa Carmen Lima Machado
¡Oh, el autor! El miedo a la democracia en el siglo XXI
Francis García Collado
Resulta complicado encontrar hoy en día a algún poeta, pintor u otro artista que al ver
publicada su obra sin su nombre no sienta rechazo o enfado. “Yo soy el autor” es una frase
muy repetida. Del uso de las Creative Commons al Copyright queda establecida una relación
implícita entre creatividad y autoría. Sin embargo, ¿qué sentido tiene reclamar la autoría? ¿de
dónde surge la idea de autor tal como la entendemos en pleno siglo XXI? ¿Qué relación existe
entre las formas de gobierno actuales mayoritarias y la idea de autoría? Una lectura a Michel
Foucault, Toni Negri, Pierre Dardot y Christian Laval nos llevará a relacionar la idea de autor
con el miedo, que parece atávico, a la democracia. Entender la noción de autor, desde la
biopolítica, nos permitirá hablar de cambio político-social en nuestra época. Y es que nuestras
sociedades se encuentran ancladas en la persistencia de identificar a los gobiernos
representativos con la noción de democracia. La alternativa a esa solución, que pretende
presentarse como perpetua, solo es mostrada por el poder de turno como intercambiable con
formas totalitarias más explícitas. Sin embargo, el cuestionamiento de la noción de autor
permitiría acercarse a lo común y a formas de convivencia más horizontales.
GT BIOPOLÍTICA E O COMUM I Coordenação: Lorena Martoni de Freitas e Luisa Carmen Lima Machado
Biopolítica: o terror e os excessos da racionalidade política
Gabriel Vilarinho João do Prado1
A partir do pensamento de Michel Foucault, esta comunicação tem por objetivos abordar de
que maneira a biopolítica e suas tecnologias de poder, a governamentalidade, operam juntas
na gestão e administração da vida da população e, também, pensar mecanismos de resistência
a este tipo de poder que é, ao mesmo tempo, individualizante e totalizante. Será mostrado que
o exercício desse poder sobre a vida toma os corpos dos indivíduos, em um primeiro
momento, como lugar de adestramento e controle; e, em um segundo momento, como corpos
múltiplos e biológicos, como população, que devem ser atravessados por inúmeros saberes
para se produzir dados globais que ''governamentem'' a massa populacional de acordo com os
interesses das estruturas de poder estabelecidas. Por essa razão, vê-se a necessidade do
exercício de resistências a essa forma de poder a fim de que recusemos essa imposição sobre
nós e sejamos responsáveis, ao máximo, pelo sentido de nossas vidas.
Para isso, em primeiro lugar, será analisada a mudança, em meados do século XVIII, do poder
soberano, encarregado de ''fazer morrer e deixar viver '', para o do biopoder que, ao contrário,
''faz viver e deixa morrer'' acarretando extermínios e genocídios muito maiores do que o poder
soberano. Em seguida, veremos que este aparente paradoxo de uma promoção da vida que
impulsiona mortes em massa possui respaldo no modo de funcionamento da biopolítica, a
saber, a governamentalidade, por meio de técnicas de poder e de uma excessiva racionalidade
política cuja localização encontra-se, principalmente, no âmbito da burocracia e da
seguridade. Sob essa mesma linha de pensamento, também observaremos que a
governamentalidade carrega consigo um aspecto extremamente violento e suicida, o do golpe
de Estado, posto que o Estado suspende as próprias leis e a legalidade, excedendo o direito
comum e atuando de forma truculenta, para manifestar sua razão de Estado. Como exemplo
dessas medidas extremamente violentas, serão utilizadas passagens no Brasil: vide a recente
operação do exército e da PM do Rio de Janeiro na favela da Rocinha, bem como seus
ilegalismos; a desapropriação de moradores para as obras das Olimpíadas na zona portuária
no RJ; o caso do ''fazer viver e deixar morrer'' de atletas das Olimpíadas que poderiam passar
1 Estudante de graduação em Filosofia pela UFRJ.
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à frente de pacientes na fila dos hospitais públicos; os alimentos vencidos e ''ultraprocessados''
a serem distribuídos à população pobre da cidade de São Paulo; a arbitrária operação Lava-
Jato e o ''estancamento da sangria'' dos escândalos de corrupção.
Como conclusão, ressaltar-se-á a possibilidade de resistências a essa forma de poder através
do desenvolvimento de uma atitude crítica do indivíduo consigo e com o seu mundo, ou seja,
de um diagnóstico do presente como forma de organização de estratégias de um governo de si
em enfrentamento constante com o ''governamento'' das estruturas de poder moderno sobre os
indivíduos.
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Tanatopolítica oculta em condutas políticas
Igor Ramos Rosa1
Dandara Tamires Castro Rosa2
A estruturação moderna da sociedade fomenta a atuação da estrutura estatual como definidora
da vida, dos hábitos e das relações dos indivíduos pertencentes à sociedade. A vida natural
passa continua, então, incluída nos mecanismos e nos cálculos do poder estatal transformou a
política em biopolítica, e o soberano no tutor da vida e da morte. Assim, vida e morte, apesar
de estarem no indivíduo, são consideradas questões políticas da atuação do Estado-governo.
Michel Foucault tratou da biopolítica, o cálculo que o poder faz sobre a vida, junto da
tanatopolítica, cálculo do poder sobre a morte. Nas sociedades autoritárias, tanto quanto nas
democracias nascentes, governos regulamentam pela pena de morte ou pela gestão da guerra o
momento em que grupos ou populações inteiras devem morrer, decisão que poderá ser
camuflada sobre argumentos de purificação ou proteção. No Brasil, à exclusão de camada
populacional apresentam-se como fato construído pela realidade e ações dos indivíduos, e
mantida e estruturada pelas ações estatais com os mais diversos fundamentos. Apesar de não
definida através da morte, a exclusão dos indesejáveis/ não integráveis acontecerá através de
ações estatais que impedem que o individuo apresente à sociedade. Dentre as formas
estatizadas de exclusão é possível perceber o cárcere, a forma com que é tratado o cárcere no
Brasil impede que o individuo que, por algum motivo, tenha integrado ao sistema carcerário
estará não mais passível de integração ao sistema social. Uma análise histórico-jurídico leva a
crer que o sistema de penas por meio de restrição da liberdade deseja a ressocialização,
entretanto, e sobretudo após o julgamento da ADPF 347, é possível perceber que a atuação
situação do sistema prisional brasileiro subverte a ordem natural da busca da ressocialização e
apresenta em uma verdadeira estrutura de negação de direitos e violação da dignidade da
pessoa humana. O presente estudo busca refletir sobre a situação de parcelas populacionais,
como a população carcerária, submetidas a situações de negação de direitos, o que pode
1 Mestre em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá, Advogado, Professor de Direito da Universidade
Estadual de Montes Claros – Unimontes Professor de Direito da Faculdade de Direito Santo Agostinho de
Montes Claros-MG. Email: [email protected] 2 Mestranda em História Social pela Universidade Estadual de Montes Claros-MG UNIMONTES, Bacharel em
Direito pelas Faculdades Santo Agostinho de Montes Claros-MG. Email: [email protected]
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refletir na criação de subdivisões sociais que permite a existência de seres descartáveis (vidas
matáveis) por não serem integráveis. Dessa forma, utilizando Giorgio Agambem (Homo
sacer, 2010) questionamos se a negação sistêmica de direitos fundamentais a grupos
compreendidos politicamente como não integráveis, vidas nuas, é uma forma de tanatopolítica
contemporânea e oculta.
GT BIOPOLÍTICA E O COMUM I Coordenação: Lorena Martoni de Freitas e Luisa Carmen Lima Machado
Apresentação de “Em busca do Direito dos Comuns: Amor, Arte, Ciência e Política”
(II): o Comum e os Cercamentos.
Jose Mauro Garboza Junior1
O presente trabalho tem por objetivo continuar o projeto de dissertação de mestrado por meio
da apresentação parcial dos resultados obtidos ao longo da pesquisa realizada no ano de 2017.
Apresentar e discutir alguns princípios e perspectivas analíticas em vista de encetar novas
possibilidades de reflexão e composição de uma Teoria do Direito na atualidade parece ser
um campo compartilhado por muitos pensadores contemporâneos (curiosamente, não
juristas), como, por exemplo: Alain Badiou, Antonio Negri, Giorgio Agamben, Peter
Sloterdijk, Roberto Esposito. Além de esses autores terem em comum a construção de
grandes edifícios teóricos, grandes narrativas – o que chamamos de “era das trilogias” –,
todos eles podem estar agrupados, respeitando suas singularidades, do ponto de vista da
definição voluntária ou involuntária de “Comum”. A questão primordial está em torno da
proposta de fundo biopolítica da emergência e manutenção de um novo Corpo Social. No
entanto, sua definição pode aparecer, no máximo, pela via negativa, por aquilo que ele não é.
A hipótese defendida parte de três marcos teóricos diferentes: 1. A narrativa quase-mítica da
nomogênese Ocidental a partir do conceito de tomada da terra/apropriação da terra
[Landnahme] de Carl Schmitt; 2. A tese da formação dos mercados e das mercadorias
fictícias (trabalho, terra, dinheiro) defendida por Karl Polanyi; 3. A construção de Alain
Badiou a respeito das condições da filosofia (amor, arte, ciência e política). Essa montagem
permite-nos identificar dois processos diametralmente simétricos: o processo de constituição
dos Comuns através das quatro condições apresentadas como resistência à sua privatização; e
o processo de seqüestro, de captura dos Comuns através dos seus “Cercamentos”
[Enclosures]. Não há quem fale dos comuns (James Boyle, Peter Linebaugh, Elinor Ostrom,
1 Graduado em Ciências Sociais (2016) e História (2017) pela Universidade Metropolitana de Santos –
UNIMES, graduado em Direito (2016) pela Universidade Estadual do Norte do Paraná – UENP, Mestrando do
Programa de Pós-Graduação em Ciência Jurídica da Universidade Estadual do Norte do Paraná – UENP.
Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES sob a orientação do prof.
Dr. Mauricio de Aquino e sob a co-orientação do prof. Dr. Oswaldo Giacoia Jr.. Coordenador do Círculo de
Estudos da Ideia e da Ideologia – CEII. (http://ideiaeideologia.com/). Contato eletrônico:
[email protected]. O presente trabalho é a continuação de uma apresentação realizada no dia 26 de
outubro de 2017 no III Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política: a desigualdade e
a reconstrução da democracia social em Curitiba – PR.
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Susan J. Buck) e deixe de tratar dos cercamentos. Diante desse cenário, o que se quer
estabelecer são condições para um novo Direito que esteja paralelamente atrelado às
indicações teóricas apresentadas neste trabalho: incorporar as condições que movem o desejo
pela filosofia a um projeto de Direito abrangentemente consistente e capaz de combater o
império dos cercamentos em direção aos Comuns.
GT BIOPOLÍTICA E O COMUM I Coordenação: Lorena Martoni de Freitas e Luisa Carmen Lima Machado
ANTI-DE CORPORE: a carne monstruosa da multidão contra a república da
propriedade
Joyce Karine de Sá Souza1
Esta comunicação tem por objetivo central apresentar a crítica desenvolvida por Hardt e Negri
acerca das identidades fixas e sua assimilação pela república da propriedade, assim como
analisar a tese da "carne monstruosa da multidão" que, segundo os autores, está em oposição
ao conceito de corpo político constitucional, uma vez que possibilita a compreensão do
comum. Se, conforme explica Agamben, com o constitucionalismo moderno a vida é inscrita
no ordenamento jurídico do Estado-nação, nesse momento o horizonte biopolítico do poder
soberano se revela e são criadas identidades juridicamente abstratas que produzem formas de
vida despotencializadas. No mesmo sentido, as capacidades produtivas humanas passam a ser
colonizadas pelo modo de vida capitalista que produz subjetividades alienadas. Para Hardt e
Negri, quando a construção social e política de identidades que se referem, por exemplo, ao
sexo, ao gênero ou à raça são naturalizadas como propriedade, ocorre a normatização de uma
“natureza” humana a partir de dicotomias rígidas: homens e mulheres, feminino e masculino,
branco e negro. Por conseguinte, a luta por libertação se torna estanque e se resume em um
simples problema de reconhecimento, expressão e tolerância de identidades em um âmbito
institucional. Assim, o primado da propriedade se evidencia na medida em que a identidade é
vista um direito fundamental constitucional, ao passo que a política identitária encerra as lutas
em um corpo jurídico-político institucionalizado. Hardt e Negri ainda alertam que o
fundamento da república da propriedade é a produção do ser humano enquanto mercadoria.
Nesse sentido, consome-se identidades fixas, lucra-se com identidades fixas e, no campo
jurídico, esquemas legalizados de segregação são desenvolvidos. Em primeiro lugar, deve-se
compreender que identidade é propriedade, fundamento do corpo político assentado na ideia
de soberania. Em segundo lugar, é preciso compreender que a política identitária tem um lado
positivo na medida em que visibiliza as violências naturalizadas pelos poderes de exclusão e
hierarquia. Todavia, a transformação de identidades fixas em singularidades múltiplas é
urgente e, somente um processo social e político de abolição das identidades poderá
1 Doutoranda em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.
GT BIOPOLÍTICA E O COMUM I Coordenação: Lorena Martoni de Freitas e Luisa Carmen Lima Machado
compreender questões sobre o que se é e o que se pode vir a ser em um contexto democrático.
Nesse sentido, Hardt e Negri propõem que a construção de um novo mundo baseado em
relações radicalmente opostas às relações sociais proprietárias somente poderá ser
desenvolvido pela revolução monstruosa da multidão. A multidão é um ser sem corpo, pura
carne amorfa e que não se enclausura em fórmulas identitárias, ou seja, a multidão é um anti-
corpo. É fundamental que se transponha para uma topopolítica da carne multitudinária para
que a tríade identidade-propriedade-soberania seja substituída por singularidade-o comum-
revolução. Esta é a tarefa que a carne monstruosa da multidão coloca na ordem do dia.
GT BIOPOLÍTICA E O COMUM I Coordenação: Lorena Martoni de Freitas e Luisa Carmen Lima Machado
Repensando o comum através da impropriedade: notas para uma ideia de sujeito
político expropriativo a partir da filosofia política de Roberto Esposito
Leonardo Monteiro Crespo de Almeida1
Os múltiplos colapsos de várias comunidades no século vinte, especialmente por conta de
conflitos internos, a exemplo dos Balcãs, Ruanda, Serra Leoa, dentre outros, levaram a vários
autores repensar o significado de comunidade e da vida em comum. Essa preocupação teórica
se encontra explícita em autores como Maurice Blanchot (La Communauté inavouable), Jean-
Luc Nancy (La Communauté désouvrée, Être singulier pluriel), Giorgio Agamben (A
comunidade que vem) e Roberto Esposito (Communitas, Immunitas, Bios). Cada autor, ao seu
modo, coloca em questão o significado da comunidade e do viver com o outro frente ao
conjunto de disposições normativas implementadas pelos poderes políticos estabelecidos.
Tomando como fio condutor as considerações de Esposito sobre o comum, a imunidade e a
comunidade a partir de uma investigação sobre a subjetividade, pretendemos interrogar o
vínculo constitutivo entre o sujeito político e o conjunto de operações jurídico-políticas
responsáveis por integrá-lo à comunidade. Para tanto, evitaremos conceber a comunidade
como um agregado individual de sujeitos que partilham entre si tradições, valores,
identidades, a exemplo dos autores comunitaristas norte-americanos, para uma que repense o
sentido do comum através da renúncia progressiva do que existe de mais próprio (a
identidade) frente ao outro, um fardo que cada um precisa sustentar frente ao próximo. Em
contraposição ao comum, a imunidade representa a exceção à situação comum, o que, sob
uma perspectiva biológica, implica na capacidade de um corpo resistir a vírus e infecções
através da produção dos seus próprios anticorpos, e em uma perspectiva jurídica, a ausência
de sujeição a uma certa autoridade que, ademais, estende-se aos outros. Se a comunidade
dissolve o indivíduo através da sua abertura para o outro, a imunidade, por sua vez, opera o
seu reestabelecimento mediante a exclusão do comum. Até certo ponto, a imunidade é
necessária para a manutenção da comunidade, mas, levada ao extremo, coloca em risco
também a sua existência. A imunidade é, portanto, bivalente, contém em si as duas
possibilidades: proteção e aniquilação. Neste panorama, conceber um sujeito político
1 Doutor em Direito pela UFPE.
GT BIOPOLÍTICA E O COMUM I Coordenação: Lorena Martoni de Freitas e Luisa Carmen Lima Machado
expropriado implica, por sua vez, inseri-lo na constituição da comunidade concebida como
artifício voltado para a promoção e defesa da vida frente a ameaças externas. Esse artifício é
estabelecido através de uma relação – tensa e paradoxal – com os mecanismos imunitários: a
inclusão na comunidade só é possível através de mecanismos de exclusão. O cerne deste
trabalho consiste em situar o lugar da subjetividade política, situada na interseção entre
comunidade e imunidade, na tendência contemporânea de biologização do político que
Esposito investiga em sua obra Bios.
GT BIOPOLÍTICA E O COMUM I Coordenação: Lorena Martoni de Freitas e Luisa Carmen Lima Machado
A lei de biossegurança no brasil e sua efetividade bioética
Lívia Campos de Aguiar1
A Lei de Biossegurança vigente no Brasil, nº 11.105/05, revogou a Lei nº 8.974/95 e
regulamentou o art. 225,§1º, II a V da CF/88. O artigo irá verificar as influências dos
principais tratados e convenções mundiais sobre temas bioéticos, na legislação brasileira
sobre biossegurança, tais como: Convenção sobre os Direitos Humanos e Biomedicina,
adotada pelo Conselho da Europa em 19.11.96, Declaração Universal do Genoma Humano e
dos Direitos do Homem pela UNESCO em 1997, Convenção das Nações Unidas sobre a
Diversidade Biológica de 1992, Declaração sobre a Utilização do Progresso Científico e
Tecnológico no Interesse da Paz e em Benefício da Humanidade, proclamada pela ONU em
1975, e o Relatório de Belmont de 1979, com a contribuição dos princípios da bioética, feito
pela Comissão Nacional para a Proteção dos Seres Humanos de Pesquisa Biomédica e
Comportamental de 1974, nos Estados Unidos.
A formação da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBIO, a destinação de
embriões para pesquisa e terapia de células-tronco embrionárias humanas, e a ligação dos
alimentos transgênicos com o aumento do consumo de agrotóxicos serão os problemas a
serem enfrentados pela perspectiva da biopolítica e noopolítica.
O artigo será concluído com a aplicação dos princípios da bioética, quais sejam: beneficência
ou não maleficência, autonomia e justiça, na Lei de Biossegurança no Brasil, nº 11.105/05,
como proposta de melhoria aos problemas apresentados.
Bibliografia Inicial:
LIVROS
BAUMAN, Zigmunt. Modernidade e Ambivalência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999.
BAUMAN, Zygmunt. Vidas para Consumo. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Zahar: Rio de Janeiro,
2008.
1 Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva – 2006. Especialista em Direito de Empresa pelo
Centro Universitário Newton Paiva – 2008. Mestra em Bioética e Aspectos Jurídicos da Saúde pela
Universidad del Museo Social Argentino – 2012 – Revalidado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Professora de cursos de graduação e pós-graduação. Advogada sócia do escritório Corrêa e Aguiar Advocacia e
Consultoria.
GT BIOPOLÍTICA E O COMUM I Coordenação: Lorena Martoni de Freitas e Luisa Carmen Lima Machado
BERGEL, Salvador y otros. Bioética y Derecho. 1 ed. Buenos Aires: Rubinzal Culzoni, 2005.
FOUCALT, Michel. Nascimento da Biopolítica. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979.
MALUF, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus. Curso de bioética e biodireito. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2015.
NORMAS
Constituição Federal de 1988.
Código Civil de 2002.
Comissão Nacional para a Proteção dos Seres Humanos de Pesquisa Biomédica e Comportamental de 12 de
julho de 1974. Relatório de Belmont de 18 de abril de 1979. Belmont (USA). Princípios bioéticos básicos.
Convenção das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica - ONU - 1992.
Convenção sobre os Direitos Humanos e Biomedicina - Conselho da Europa – 1996.
Declaração sobre a Utilização do Progresso Científico e Tecnológico no Interesse da Paz e em Benefício da
Humanidade - ONU - 1975.
Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos do Homem - UNESCO - 1997
Lei 11.105/05.
Lei 8.974/95.
GT BIOPOLÍTICA E O COMUM I Coordenação: Lorena Martoni de Freitas e Luisa Carmen Lima Machado
Do Estado de Bem-estar Social à governance: novo terreno da crise
Luiz Felipe Teves1
A presente proposta de comunicação (e futuro artigo) se orienta pela análise das
transformações contemporâneas do direito, principalmente no cenário da governance – um
grande campo de estudos que surge na década de 1980 – como resposta aos abalos no regime
de funcionamento do Estado de Bem-estar Social. Parte-se da centralidade de uma ideia de
Estado social e da sua constitucionalização formal inerente (de um direito frente ao Estado,
funcionando como provedor), que possuiria por engrenagens: o arquipélago disciplinar das
instituições de confinamento (na produção de corpos dóceis e úteis); as reivindicações do
operário-massa na tensão salarial; e a pactualização de apaziguamento do keynesianismo
(planificação econômica constante). Nessa dinâmica, as relações de forças sobre as quais se
baseava esse funcionamento, permitia na representação (partidos) e na mediação (sindicatos)
a existência de algo como um povo – que Deleuze reconheceria no cinema clássico, no
sentido tanto revolucionário como conservador ou como algo a ser chamado para o trabalho
ou para a guerra. Entretanto, a partir das revoluções moleculares de 1968 (epônimo de um
ciclo revolucionário de longa duração), esse funcionamento teria sido abalado e o que teria se
instalado no lugar seria um diagrama que operaria a partir de um controle: produção de uma
sociedade atomizada de interações entre empreendedores de si – rompe-se assim no diagrama
algo como um povo –; com a produção de valor se deslocando do chão da fábrica para toda a
sociedade – produção biopolítica e dinâmicas contemporâneas do capitalismo de plataforma –
; e, ordenada a partir de um regime modular do algoritmo e das finanças (com as bolsas de
valores se tornando a nova esfera pública) – nos termos de Lapoujade, correias de transmissão
no mercado único mundial a partir da confecção de mônadas moduladas. Nesse momento,
alguns autores preferem falar de um direito líquido (Giovanni Messina), de uma
constitucionalização societal (Gunther Teubner) ou de um controle modulado da excedência
(Antonio Negri), identificando a transformação das fontes e de todo o funcionamento das
próprias cartas ainda reconhecidas como sociais. Por fim, o que se colocaria como questão
1 Doutorando em Direito na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) na linha de Teoria e Filosofia do
Direito. Mestre pela mesma Universidade e linha, com a dissertação sobre Bioprodução, Constituição e
Trabalho. É também pesquisador associado à Rede Universidade Nômade.
GT BIOPOLÍTICA E O COMUM I Coordenação: Lorena Martoni de Freitas e Luisa Carmen Lima Machado
atual seria que essa passagem de uma então governamentalidade neoliberal e de um novo
regime de produção de normatividade e de direito por fora do Estado teria entrado novamente
em crise, principalmente após a crise de 2008-09 (subprimes e dos papéis soberanos dos
países europeus), bem como de todo o ciclo de lutas de 2011-16. Acerca desse trajeto, de
maneira geral, serão trabalhados autores como Michel Foucault, Gilles Deleuze, David
Lapoujade, Antonio Negri (seus escritos da década de 1960, 1970 e posteriores) e outros
autores que trabalham na tradição pós-operaísta e com a noção de governance.
GT BIOPOLÍTICA E O COMUM I Coordenação: Lorena Martoni de Freitas e Luisa Carmen Lima Machado
Três sentidos do termo biopolítica: confrontação e defesa da abordagem de Foucault
Luiz Felipe Martins Candido1
O termo “biopolítica” possui vários sentidos. Formulado no início do século XX, depois de
passar um tempo esquecido, ele reapareceu em áreas variadas como a filosofia, a ciência
política e o ativismo político. Em suas diversas aparições, ele ganhou definições diferentes, de
acordo com o tipo de pesquisa ou de inclinação teórica dos indivíduos que o utilizaram.
Baseando-nos na reconstrução histórica realizada por Thomas Lemke em sua introdução ao
problema da biopolítica e aprofundando alguns pontos que julgamos mais relevantes ou
interessantes para a compreensão das questões, neste ensaio pretendemos elucidar três formas
nas quais a biopolítica foi pensada. A primeira forma é a da política baseada na vida, uma
compreensão biologizante, naturalizadora da política. A segunda é a forma que assume como
um princípio normativo a necessidade de a política tomar para si a responsabilidade sobre a
própria vida, sob a forma de um cuidado ou de uma gestão das diferentes formas de relação
com a natureza e as leis que a governam, como o problema da crise ambiental, uso de recursos
escassos, entre outras. A terceira forma que abordaremos, de maneira sucinta, é a forma
desenvolvida por Foucault de maneira a fazer um contraste com as duas primeiras abordagens
apresentadas, elucidando as principais características de sua noção historico-crítica de
biopolítica. A partir deste contraste pretendemos esboçar uma reflexão defendendo uma
preferência pela abordagem de Foucault, mesmo com seus limites e dificuldades, baseada em
seu caráter aberto e sua possibilidade de fomentar uma resistência capaz de valorizar modos
de existência plurais.
1 Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais, linha de
pesquisa de Filosofia Política.