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GT BIOPOLÍTICA E O COMUM I Coordenação: Lorena Martoni de Freitas e Luisa Carmen Lima Machado Interpretações críticas sobre o uso do conceito de “comum” Danton Fillipe Grossi Gangana 1 Lucas Parreira Álvares 2 A presente proposta de comunicação tem como pretensão propor um debate - ao mesmo tempo em que já é um debate - sobre a relação do conceito de comum com o conceito de comunismo. Os autores possuem visões divergentes sobre a centralidade e a configuração do comum e pretendem, em conjunto, apresentar os pontos divergentes dessa querela em forma de comunicação e, posteriormente, de um artigo. Parte-se da análise crítica do conceito de comum nos autores Antonio Negri, Michael Hardt, Pierre Dardot e Christian Laval. Os autores possuem algumas divergências sobre o conceito, mas convergem na superação da dualidade: propriedade privada e propriedade pública/estatal. Dardot e Laval propõem o comum enquanto um princípio político, enquanto Hardt e Negri compreendem o comum como uma forma de relação com a produção e o produto, incluso, aqui, o homem enquanto produto biopolítico. Assim, a compreensão conjunta desses conceitos permeia o modo de produção, a distribuição e as relações sociais. Os autores de Multidão propõem que, através do comum, o capitalismo produz mais uma de suas contradições, e, na medida que o comum se torna central na produção capitalista, principalmente devido às produções não-materiais, as condições e as armas para um projeto comunista emergem. Comunismo não seria apenas a abolição da propriedade privada, mas também, e talvez centralmente, a afirmação do comum; a afirmação de uma produção biopolítica aberta e autônoma. Assim como aponta Hardt , o que a propriedade privada representa para o capitalismo, e o que a propriedade estatal é para o socialismo, o comum é para o comunismo. Mas será que a narrativa contemporânea do comum não se manifesta meramente sob a forma de uma disputa conceitual? O objetivo de tal narrativa e conceito não seria a superação do termo “comunismo” embora ainda apresente características intimamente semelhantes ao conceito que se disseminou no século XIX? 1 Mestrando na Faculdade de Direito e Ciências do Estado da UFMG. 2 Mestrando na Faculdade de Direito e Ciências do Estado da UFMG.

GT BIOPOLÍTICA E O COMUM I · capitalismo, e o que a propriedade estatal é para o socialismo, o comum é para o comunismo. ... das relações sociais dominantes no capitalismo,

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Interpretações críticas sobre o uso do conceito de “comum”

Danton Fillipe Grossi Gangana1

Lucas Parreira Álvares2

A presente proposta de comunicação tem como pretensão propor um debate - ao mesmo

tempo em que já é um debate - sobre a relação do conceito de comum com o conceito de

comunismo. Os autores possuem visões divergentes sobre a centralidade e a configuração do

comum e pretendem, em conjunto, apresentar os pontos divergentes dessa querela em forma

de comunicação e, posteriormente, de um artigo.

Parte-se da análise crítica do conceito de comum nos autores Antonio Negri, Michael Hardt,

Pierre Dardot e Christian Laval. Os autores possuem algumas divergências sobre o conceito,

mas convergem na superação da dualidade: propriedade privada e propriedade pública/estatal.

Dardot e Laval propõem o comum enquanto um princípio político, enquanto Hardt e Negri

compreendem o comum como uma forma de relação com a produção e o produto, incluso,

aqui, o homem enquanto produto biopolítico.

Assim, a compreensão conjunta desses conceitos permeia o modo de produção, a distribuição

e as relações sociais. Os autores de Multidão propõem que, através do comum, o capitalismo

produz mais uma de suas contradições, e, na medida que o comum se torna central na

produção capitalista, principalmente devido às produções não-materiais, as condições e as

armas para um projeto comunista emergem.

Comunismo não seria apenas a abolição da propriedade privada, mas também, e talvez

centralmente, a afirmação do comum; a afirmação de uma produção biopolítica aberta e

autônoma. Assim – como aponta Hardt –, o que a propriedade privada representa para o

capitalismo, e o que a propriedade estatal é para o socialismo, o comum é para o comunismo.

Mas será que a narrativa contemporânea do comum não se manifesta meramente sob a forma

de uma disputa conceitual? O objetivo de tal narrativa e conceito não seria a superação do

termo “comunismo” embora ainda apresente características intimamente semelhantes ao

conceito que se disseminou no século XIX?

1 Mestrando na Faculdade de Direito e Ciências do Estado da UFMG.

2 Mestrando na Faculdade de Direito e Ciências do Estado da UFMG.

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Essa pergunta é o fundo central do debate que se propõe. Os alunos, que se alinham na

compreensão da necessidade de uma superação da forma de produção e, consequentemente,

das relações sociais dominantes no capitalismo, pretendem explorar e expor suas

convergências e querelas na presente comunicação.

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A Política Nacional de Assistência Social: deserções entre trabalhadores e usuários

Felipe Bucker Chittoni1

Diana Malito2

Kátia Faria de Aguiar3

No ano de 2004, promulga-se a Política Nacional de Assistência Social, e com ela, assiste-se a

uma veloz profusão de serviços, programas e benefícios socioassistenciais em todo território

nacional. A doutrina securitária de Proteção Social Integral, expressa em cadernos de

orientações técnicas destinadas aos trabalhadores sociais, propõe aos indivíduos, famílias e

comunidades, a construção de planos de acompanhamento familiar, com o intuito de prevenir

riscos e superar vulnerabilidades sociais. No entanto, em meio ao humanismo das boas

intenções, movido pelo discurso da garantia de direitos e superação da pobreza, ao gosto e

corte liberal das agências internacionais, emerge a recalcitrância dos ingovernáveis que

desertam de todas as inciativas de inclusão. Nas bordas do mar, em um pequeno trecho do sul

da Ilha de Santa Catarina, o termo “usuário”, sinônimo de assistido, pobre, ou cidadão, no

léxico desta política social, é performado com valor invertido: alguns manezinhos da ilha

servem-se dos recursos financeiros, e dos serviços disponibilizados pela rede, sem aderir às

normalizações propostas. A sistemática recusa ao empreendedorismo de si aciona moralismos

nas redes locais entre profissionais e equipes de serviços públicos, que experienciam suas

intervenções como fracasso: as prescrições emudecem, e as vidas não assumem as figuras que

os controles se esforçam por modular.

Os manés parecem apenas aspirar à vida que já tem e, portanto, sua potência de agir insiste

justamente neste ponto: ser dono do seu próprio tempo para bem viver e cuidar de si. Criar

passarinhos, aprender piadas e alimentar o bom humor, pescar, nutrir pequenas roças,

desenvolver habilidades de autossuficiência em meio a redes de trocas, e garantir a

intermitência dos tempos de trabalho são alguns dos vetores pelos quais as práticas de

liberdade são cotidianamente relançadas no tempo do agora. De modo que a regulação

Biopolítica falha porque a miragem das promessas de consumo da cidadania dócil, embora

1 Psicólogo. Doutorando em Psicologia (Universidade Federal Fluminense).

2 Psicóloga. Doutoranda em Psicologia (Universidade Federal Fluminense).

3 Psicóloga. Doutora em Psicologia (PUCSP). Professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da

Universidade Federal Fluminense.

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convoque, é incapaz de produzir aderências, e mudanças de atitude, que seriam pressupostas

nos contratos de integração promovidos pelos dispositivos securitários da Proteção Social

Integral.

No entanto, as margens que permitem os movimentos de evasão são objeto de contínua

vigilância e estreitamento. Acossados pela polícia das famílias que busca ordenar sua

pacificação, e sendo igualmente necessárias as prestações setoriais ofertadas pela Política de

Assistência Social para a continuidade deste modo de vida, os sujeitos se veem diante da

necessidade de desenvolver a habilidade de escorregar por entre os serviços, no exercício de

um agonismo amistoso, e na recusa de se deixar conduzir. Portanto, com Nietzsche nos

perguntamos: como defender os fortes, que se recusam a deixar com que o valor da vida seja

definido por outrem, contra os fracos?

No pequeno relato que propomos, intuímos partilhar cenas destas pequenas heterotopias do

comum, gestadas em meio às tentativas de captura disciplinar desta política social.

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¡Oh, el autor! El miedo a la democracia en el siglo XXI

Francis García Collado

Resulta complicado encontrar hoy en día a algún poeta, pintor u otro artista que al ver

publicada su obra sin su nombre no sienta rechazo o enfado. “Yo soy el autor” es una frase

muy repetida. Del uso de las Creative Commons al Copyright queda establecida una relación

implícita entre creatividad y autoría. Sin embargo, ¿qué sentido tiene reclamar la autoría? ¿de

dónde surge la idea de autor tal como la entendemos en pleno siglo XXI? ¿Qué relación existe

entre las formas de gobierno actuales mayoritarias y la idea de autoría? Una lectura a Michel

Foucault, Toni Negri, Pierre Dardot y Christian Laval nos llevará a relacionar la idea de autor

con el miedo, que parece atávico, a la democracia. Entender la noción de autor, desde la

biopolítica, nos permitirá hablar de cambio político-social en nuestra época. Y es que nuestras

sociedades se encuentran ancladas en la persistencia de identificar a los gobiernos

representativos con la noción de democracia. La alternativa a esa solución, que pretende

presentarse como perpetua, solo es mostrada por el poder de turno como intercambiable con

formas totalitarias más explícitas. Sin embargo, el cuestionamiento de la noción de autor

permitiría acercarse a lo común y a formas de convivencia más horizontales.

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Biopolítica: o terror e os excessos da racionalidade política

Gabriel Vilarinho João do Prado1

A partir do pensamento de Michel Foucault, esta comunicação tem por objetivos abordar de

que maneira a biopolítica e suas tecnologias de poder, a governamentalidade, operam juntas

na gestão e administração da vida da população e, também, pensar mecanismos de resistência

a este tipo de poder que é, ao mesmo tempo, individualizante e totalizante. Será mostrado que

o exercício desse poder sobre a vida toma os corpos dos indivíduos, em um primeiro

momento, como lugar de adestramento e controle; e, em um segundo momento, como corpos

múltiplos e biológicos, como população, que devem ser atravessados por inúmeros saberes

para se produzir dados globais que ''governamentem'' a massa populacional de acordo com os

interesses das estruturas de poder estabelecidas. Por essa razão, vê-se a necessidade do

exercício de resistências a essa forma de poder a fim de que recusemos essa imposição sobre

nós e sejamos responsáveis, ao máximo, pelo sentido de nossas vidas.

Para isso, em primeiro lugar, será analisada a mudança, em meados do século XVIII, do poder

soberano, encarregado de ''fazer morrer e deixar viver '', para o do biopoder que, ao contrário,

''faz viver e deixa morrer'' acarretando extermínios e genocídios muito maiores do que o poder

soberano. Em seguida, veremos que este aparente paradoxo de uma promoção da vida que

impulsiona mortes em massa possui respaldo no modo de funcionamento da biopolítica, a

saber, a governamentalidade, por meio de técnicas de poder e de uma excessiva racionalidade

política cuja localização encontra-se, principalmente, no âmbito da burocracia e da

seguridade. Sob essa mesma linha de pensamento, também observaremos que a

governamentalidade carrega consigo um aspecto extremamente violento e suicida, o do golpe

de Estado, posto que o Estado suspende as próprias leis e a legalidade, excedendo o direito

comum e atuando de forma truculenta, para manifestar sua razão de Estado. Como exemplo

dessas medidas extremamente violentas, serão utilizadas passagens no Brasil: vide a recente

operação do exército e da PM do Rio de Janeiro na favela da Rocinha, bem como seus

ilegalismos; a desapropriação de moradores para as obras das Olimpíadas na zona portuária

no RJ; o caso do ''fazer viver e deixar morrer'' de atletas das Olimpíadas que poderiam passar

1 Estudante de graduação em Filosofia pela UFRJ.

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à frente de pacientes na fila dos hospitais públicos; os alimentos vencidos e ''ultraprocessados''

a serem distribuídos à população pobre da cidade de São Paulo; a arbitrária operação Lava-

Jato e o ''estancamento da sangria'' dos escândalos de corrupção.

Como conclusão, ressaltar-se-á a possibilidade de resistências a essa forma de poder através

do desenvolvimento de uma atitude crítica do indivíduo consigo e com o seu mundo, ou seja,

de um diagnóstico do presente como forma de organização de estratégias de um governo de si

em enfrentamento constante com o ''governamento'' das estruturas de poder moderno sobre os

indivíduos.

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Tanatopolítica oculta em condutas políticas

Igor Ramos Rosa1

Dandara Tamires Castro Rosa2

A estruturação moderna da sociedade fomenta a atuação da estrutura estatual como definidora

da vida, dos hábitos e das relações dos indivíduos pertencentes à sociedade. A vida natural

passa continua, então, incluída nos mecanismos e nos cálculos do poder estatal transformou a

política em biopolítica, e o soberano no tutor da vida e da morte. Assim, vida e morte, apesar

de estarem no indivíduo, são consideradas questões políticas da atuação do Estado-governo.

Michel Foucault tratou da biopolítica, o cálculo que o poder faz sobre a vida, junto da

tanatopolítica, cálculo do poder sobre a morte. Nas sociedades autoritárias, tanto quanto nas

democracias nascentes, governos regulamentam pela pena de morte ou pela gestão da guerra o

momento em que grupos ou populações inteiras devem morrer, decisão que poderá ser

camuflada sobre argumentos de purificação ou proteção. No Brasil, à exclusão de camada

populacional apresentam-se como fato construído pela realidade e ações dos indivíduos, e

mantida e estruturada pelas ações estatais com os mais diversos fundamentos. Apesar de não

definida através da morte, a exclusão dos indesejáveis/ não integráveis acontecerá através de

ações estatais que impedem que o individuo apresente à sociedade. Dentre as formas

estatizadas de exclusão é possível perceber o cárcere, a forma com que é tratado o cárcere no

Brasil impede que o individuo que, por algum motivo, tenha integrado ao sistema carcerário

estará não mais passível de integração ao sistema social. Uma análise histórico-jurídico leva a

crer que o sistema de penas por meio de restrição da liberdade deseja a ressocialização,

entretanto, e sobretudo após o julgamento da ADPF 347, é possível perceber que a atuação

situação do sistema prisional brasileiro subverte a ordem natural da busca da ressocialização e

apresenta em uma verdadeira estrutura de negação de direitos e violação da dignidade da

pessoa humana. O presente estudo busca refletir sobre a situação de parcelas populacionais,

como a população carcerária, submetidas a situações de negação de direitos, o que pode

1 Mestre em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá, Advogado, Professor de Direito da Universidade

Estadual de Montes Claros – Unimontes Professor de Direito da Faculdade de Direito Santo Agostinho de

Montes Claros-MG. Email: [email protected] 2 Mestranda em História Social pela Universidade Estadual de Montes Claros-MG UNIMONTES, Bacharel em

Direito pelas Faculdades Santo Agostinho de Montes Claros-MG. Email: [email protected]

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refletir na criação de subdivisões sociais que permite a existência de seres descartáveis (vidas

matáveis) por não serem integráveis. Dessa forma, utilizando Giorgio Agambem (Homo

sacer, 2010) questionamos se a negação sistêmica de direitos fundamentais a grupos

compreendidos politicamente como não integráveis, vidas nuas, é uma forma de tanatopolítica

contemporânea e oculta.

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Apresentação de “Em busca do Direito dos Comuns: Amor, Arte, Ciência e Política”

(II): o Comum e os Cercamentos.

Jose Mauro Garboza Junior1

O presente trabalho tem por objetivo continuar o projeto de dissertação de mestrado por meio

da apresentação parcial dos resultados obtidos ao longo da pesquisa realizada no ano de 2017.

Apresentar e discutir alguns princípios e perspectivas analíticas em vista de encetar novas

possibilidades de reflexão e composição de uma Teoria do Direito na atualidade parece ser

um campo compartilhado por muitos pensadores contemporâneos (curiosamente, não

juristas), como, por exemplo: Alain Badiou, Antonio Negri, Giorgio Agamben, Peter

Sloterdijk, Roberto Esposito. Além de esses autores terem em comum a construção de

grandes edifícios teóricos, grandes narrativas – o que chamamos de “era das trilogias” –,

todos eles podem estar agrupados, respeitando suas singularidades, do ponto de vista da

definição voluntária ou involuntária de “Comum”. A questão primordial está em torno da

proposta de fundo biopolítica da emergência e manutenção de um novo Corpo Social. No

entanto, sua definição pode aparecer, no máximo, pela via negativa, por aquilo que ele não é.

A hipótese defendida parte de três marcos teóricos diferentes: 1. A narrativa quase-mítica da

nomogênese Ocidental a partir do conceito de tomada da terra/apropriação da terra

[Landnahme] de Carl Schmitt; 2. A tese da formação dos mercados e das mercadorias

fictícias (trabalho, terra, dinheiro) defendida por Karl Polanyi; 3. A construção de Alain

Badiou a respeito das condições da filosofia (amor, arte, ciência e política). Essa montagem

permite-nos identificar dois processos diametralmente simétricos: o processo de constituição

dos Comuns através das quatro condições apresentadas como resistência à sua privatização; e

o processo de seqüestro, de captura dos Comuns através dos seus “Cercamentos”

[Enclosures]. Não há quem fale dos comuns (James Boyle, Peter Linebaugh, Elinor Ostrom,

1 Graduado em Ciências Sociais (2016) e História (2017) pela Universidade Metropolitana de Santos –

UNIMES, graduado em Direito (2016) pela Universidade Estadual do Norte do Paraná – UENP, Mestrando do

Programa de Pós-Graduação em Ciência Jurídica da Universidade Estadual do Norte do Paraná – UENP.

Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES sob a orientação do prof.

Dr. Mauricio de Aquino e sob a co-orientação do prof. Dr. Oswaldo Giacoia Jr.. Coordenador do Círculo de

Estudos da Ideia e da Ideologia – CEII. (http://ideiaeideologia.com/). Contato eletrônico:

[email protected]. O presente trabalho é a continuação de uma apresentação realizada no dia 26 de

outubro de 2017 no III Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política: a desigualdade e

a reconstrução da democracia social em Curitiba – PR.

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Susan J. Buck) e deixe de tratar dos cercamentos. Diante desse cenário, o que se quer

estabelecer são condições para um novo Direito que esteja paralelamente atrelado às

indicações teóricas apresentadas neste trabalho: incorporar as condições que movem o desejo

pela filosofia a um projeto de Direito abrangentemente consistente e capaz de combater o

império dos cercamentos em direção aos Comuns.

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ANTI-DE CORPORE: a carne monstruosa da multidão contra a república da

propriedade

Joyce Karine de Sá Souza1

Esta comunicação tem por objetivo central apresentar a crítica desenvolvida por Hardt e Negri

acerca das identidades fixas e sua assimilação pela república da propriedade, assim como

analisar a tese da "carne monstruosa da multidão" que, segundo os autores, está em oposição

ao conceito de corpo político constitucional, uma vez que possibilita a compreensão do

comum. Se, conforme explica Agamben, com o constitucionalismo moderno a vida é inscrita

no ordenamento jurídico do Estado-nação, nesse momento o horizonte biopolítico do poder

soberano se revela e são criadas identidades juridicamente abstratas que produzem formas de

vida despotencializadas. No mesmo sentido, as capacidades produtivas humanas passam a ser

colonizadas pelo modo de vida capitalista que produz subjetividades alienadas. Para Hardt e

Negri, quando a construção social e política de identidades que se referem, por exemplo, ao

sexo, ao gênero ou à raça são naturalizadas como propriedade, ocorre a normatização de uma

“natureza” humana a partir de dicotomias rígidas: homens e mulheres, feminino e masculino,

branco e negro. Por conseguinte, a luta por libertação se torna estanque e se resume em um

simples problema de reconhecimento, expressão e tolerância de identidades em um âmbito

institucional. Assim, o primado da propriedade se evidencia na medida em que a identidade é

vista um direito fundamental constitucional, ao passo que a política identitária encerra as lutas

em um corpo jurídico-político institucionalizado. Hardt e Negri ainda alertam que o

fundamento da república da propriedade é a produção do ser humano enquanto mercadoria.

Nesse sentido, consome-se identidades fixas, lucra-se com identidades fixas e, no campo

jurídico, esquemas legalizados de segregação são desenvolvidos. Em primeiro lugar, deve-se

compreender que identidade é propriedade, fundamento do corpo político assentado na ideia

de soberania. Em segundo lugar, é preciso compreender que a política identitária tem um lado

positivo na medida em que visibiliza as violências naturalizadas pelos poderes de exclusão e

hierarquia. Todavia, a transformação de identidades fixas em singularidades múltiplas é

urgente e, somente um processo social e político de abolição das identidades poderá

1 Doutoranda em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.

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compreender questões sobre o que se é e o que se pode vir a ser em um contexto democrático.

Nesse sentido, Hardt e Negri propõem que a construção de um novo mundo baseado em

relações radicalmente opostas às relações sociais proprietárias somente poderá ser

desenvolvido pela revolução monstruosa da multidão. A multidão é um ser sem corpo, pura

carne amorfa e que não se enclausura em fórmulas identitárias, ou seja, a multidão é um anti-

corpo. É fundamental que se transponha para uma topopolítica da carne multitudinária para

que a tríade identidade-propriedade-soberania seja substituída por singularidade-o comum-

revolução. Esta é a tarefa que a carne monstruosa da multidão coloca na ordem do dia.

GT BIOPOLÍTICA E O COMUM I Coordenação: Lorena Martoni de Freitas e Luisa Carmen Lima Machado

Repensando o comum através da impropriedade: notas para uma ideia de sujeito

político expropriativo a partir da filosofia política de Roberto Esposito

Leonardo Monteiro Crespo de Almeida1

Os múltiplos colapsos de várias comunidades no século vinte, especialmente por conta de

conflitos internos, a exemplo dos Balcãs, Ruanda, Serra Leoa, dentre outros, levaram a vários

autores repensar o significado de comunidade e da vida em comum. Essa preocupação teórica

se encontra explícita em autores como Maurice Blanchot (La Communauté inavouable), Jean-

Luc Nancy (La Communauté désouvrée, Être singulier pluriel), Giorgio Agamben (A

comunidade que vem) e Roberto Esposito (Communitas, Immunitas, Bios). Cada autor, ao seu

modo, coloca em questão o significado da comunidade e do viver com o outro frente ao

conjunto de disposições normativas implementadas pelos poderes políticos estabelecidos.

Tomando como fio condutor as considerações de Esposito sobre o comum, a imunidade e a

comunidade a partir de uma investigação sobre a subjetividade, pretendemos interrogar o

vínculo constitutivo entre o sujeito político e o conjunto de operações jurídico-políticas

responsáveis por integrá-lo à comunidade. Para tanto, evitaremos conceber a comunidade

como um agregado individual de sujeitos que partilham entre si tradições, valores,

identidades, a exemplo dos autores comunitaristas norte-americanos, para uma que repense o

sentido do comum através da renúncia progressiva do que existe de mais próprio (a

identidade) frente ao outro, um fardo que cada um precisa sustentar frente ao próximo. Em

contraposição ao comum, a imunidade representa a exceção à situação comum, o que, sob

uma perspectiva biológica, implica na capacidade de um corpo resistir a vírus e infecções

através da produção dos seus próprios anticorpos, e em uma perspectiva jurídica, a ausência

de sujeição a uma certa autoridade que, ademais, estende-se aos outros. Se a comunidade

dissolve o indivíduo através da sua abertura para o outro, a imunidade, por sua vez, opera o

seu reestabelecimento mediante a exclusão do comum. Até certo ponto, a imunidade é

necessária para a manutenção da comunidade, mas, levada ao extremo, coloca em risco

também a sua existência. A imunidade é, portanto, bivalente, contém em si as duas

possibilidades: proteção e aniquilação. Neste panorama, conceber um sujeito político

1 Doutor em Direito pela UFPE.

GT BIOPOLÍTICA E O COMUM I Coordenação: Lorena Martoni de Freitas e Luisa Carmen Lima Machado

expropriado implica, por sua vez, inseri-lo na constituição da comunidade concebida como

artifício voltado para a promoção e defesa da vida frente a ameaças externas. Esse artifício é

estabelecido através de uma relação – tensa e paradoxal – com os mecanismos imunitários: a

inclusão na comunidade só é possível através de mecanismos de exclusão. O cerne deste

trabalho consiste em situar o lugar da subjetividade política, situada na interseção entre

comunidade e imunidade, na tendência contemporânea de biologização do político que

Esposito investiga em sua obra Bios.

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A lei de biossegurança no brasil e sua efetividade bioética

Lívia Campos de Aguiar1

A Lei de Biossegurança vigente no Brasil, nº 11.105/05, revogou a Lei nº 8.974/95 e

regulamentou o art. 225,§1º, II a V da CF/88. O artigo irá verificar as influências dos

principais tratados e convenções mundiais sobre temas bioéticos, na legislação brasileira

sobre biossegurança, tais como: Convenção sobre os Direitos Humanos e Biomedicina,

adotada pelo Conselho da Europa em 19.11.96, Declaração Universal do Genoma Humano e

dos Direitos do Homem pela UNESCO em 1997, Convenção das Nações Unidas sobre a

Diversidade Biológica de 1992, Declaração sobre a Utilização do Progresso Científico e

Tecnológico no Interesse da Paz e em Benefício da Humanidade, proclamada pela ONU em

1975, e o Relatório de Belmont de 1979, com a contribuição dos princípios da bioética, feito

pela Comissão Nacional para a Proteção dos Seres Humanos de Pesquisa Biomédica e

Comportamental de 1974, nos Estados Unidos.

A formação da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBIO, a destinação de

embriões para pesquisa e terapia de células-tronco embrionárias humanas, e a ligação dos

alimentos transgênicos com o aumento do consumo de agrotóxicos serão os problemas a

serem enfrentados pela perspectiva da biopolítica e noopolítica.

O artigo será concluído com a aplicação dos princípios da bioética, quais sejam: beneficência

ou não maleficência, autonomia e justiça, na Lei de Biossegurança no Brasil, nº 11.105/05,

como proposta de melhoria aos problemas apresentados.

Bibliografia Inicial:

LIVROS

BAUMAN, Zigmunt. Modernidade e Ambivalência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999.

BAUMAN, Zygmunt. Vidas para Consumo. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Zahar: Rio de Janeiro,

2008.

1 Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva – 2006. Especialista em Direito de Empresa pelo

Centro Universitário Newton Paiva – 2008. Mestra em Bioética e Aspectos Jurídicos da Saúde pela

Universidad del Museo Social Argentino – 2012 – Revalidado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Professora de cursos de graduação e pós-graduação. Advogada sócia do escritório Corrêa e Aguiar Advocacia e

Consultoria.

GT BIOPOLÍTICA E O COMUM I Coordenação: Lorena Martoni de Freitas e Luisa Carmen Lima Machado

BERGEL, Salvador y otros. Bioética y Derecho. 1 ed. Buenos Aires: Rubinzal Culzoni, 2005.

FOUCALT, Michel. Nascimento da Biopolítica. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979.

MALUF, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus. Curso de bioética e biodireito. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2015.

NORMAS

Constituição Federal de 1988.

Código Civil de 2002.

Comissão Nacional para a Proteção dos Seres Humanos de Pesquisa Biomédica e Comportamental de 12 de

julho de 1974. Relatório de Belmont de 18 de abril de 1979. Belmont (USA). Princípios bioéticos básicos.

Convenção das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica - ONU - 1992.

Convenção sobre os Direitos Humanos e Biomedicina - Conselho da Europa – 1996.

Declaração sobre a Utilização do Progresso Científico e Tecnológico no Interesse da Paz e em Benefício da

Humanidade - ONU - 1975.

Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos do Homem - UNESCO - 1997

Lei 11.105/05.

Lei 8.974/95.

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Do Estado de Bem-estar Social à governance: novo terreno da crise

Luiz Felipe Teves1

A presente proposta de comunicação (e futuro artigo) se orienta pela análise das

transformações contemporâneas do direito, principalmente no cenário da governance – um

grande campo de estudos que surge na década de 1980 – como resposta aos abalos no regime

de funcionamento do Estado de Bem-estar Social. Parte-se da centralidade de uma ideia de

Estado social e da sua constitucionalização formal inerente (de um direito frente ao Estado,

funcionando como provedor), que possuiria por engrenagens: o arquipélago disciplinar das

instituições de confinamento (na produção de corpos dóceis e úteis); as reivindicações do

operário-massa na tensão salarial; e a pactualização de apaziguamento do keynesianismo

(planificação econômica constante). Nessa dinâmica, as relações de forças sobre as quais se

baseava esse funcionamento, permitia na representação (partidos) e na mediação (sindicatos)

a existência de algo como um povo – que Deleuze reconheceria no cinema clássico, no

sentido tanto revolucionário como conservador ou como algo a ser chamado para o trabalho

ou para a guerra. Entretanto, a partir das revoluções moleculares de 1968 (epônimo de um

ciclo revolucionário de longa duração), esse funcionamento teria sido abalado e o que teria se

instalado no lugar seria um diagrama que operaria a partir de um controle: produção de uma

sociedade atomizada de interações entre empreendedores de si – rompe-se assim no diagrama

algo como um povo –; com a produção de valor se deslocando do chão da fábrica para toda a

sociedade – produção biopolítica e dinâmicas contemporâneas do capitalismo de plataforma –

; e, ordenada a partir de um regime modular do algoritmo e das finanças (com as bolsas de

valores se tornando a nova esfera pública) – nos termos de Lapoujade, correias de transmissão

no mercado único mundial a partir da confecção de mônadas moduladas. Nesse momento,

alguns autores preferem falar de um direito líquido (Giovanni Messina), de uma

constitucionalização societal (Gunther Teubner) ou de um controle modulado da excedência

(Antonio Negri), identificando a transformação das fontes e de todo o funcionamento das

próprias cartas ainda reconhecidas como sociais. Por fim, o que se colocaria como questão

1 Doutorando em Direito na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) na linha de Teoria e Filosofia do

Direito. Mestre pela mesma Universidade e linha, com a dissertação sobre Bioprodução, Constituição e

Trabalho. É também pesquisador associado à Rede Universidade Nômade.

GT BIOPOLÍTICA E O COMUM I Coordenação: Lorena Martoni de Freitas e Luisa Carmen Lima Machado

atual seria que essa passagem de uma então governamentalidade neoliberal e de um novo

regime de produção de normatividade e de direito por fora do Estado teria entrado novamente

em crise, principalmente após a crise de 2008-09 (subprimes e dos papéis soberanos dos

países europeus), bem como de todo o ciclo de lutas de 2011-16. Acerca desse trajeto, de

maneira geral, serão trabalhados autores como Michel Foucault, Gilles Deleuze, David

Lapoujade, Antonio Negri (seus escritos da década de 1960, 1970 e posteriores) e outros

autores que trabalham na tradição pós-operaísta e com a noção de governance.

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Três sentidos do termo biopolítica: confrontação e defesa da abordagem de Foucault

Luiz Felipe Martins Candido1

O termo “biopolítica” possui vários sentidos. Formulado no início do século XX, depois de

passar um tempo esquecido, ele reapareceu em áreas variadas como a filosofia, a ciência

política e o ativismo político. Em suas diversas aparições, ele ganhou definições diferentes, de

acordo com o tipo de pesquisa ou de inclinação teórica dos indivíduos que o utilizaram.

Baseando-nos na reconstrução histórica realizada por Thomas Lemke em sua introdução ao

problema da biopolítica e aprofundando alguns pontos que julgamos mais relevantes ou

interessantes para a compreensão das questões, neste ensaio pretendemos elucidar três formas

nas quais a biopolítica foi pensada. A primeira forma é a da política baseada na vida, uma

compreensão biologizante, naturalizadora da política. A segunda é a forma que assume como

um princípio normativo a necessidade de a política tomar para si a responsabilidade sobre a

própria vida, sob a forma de um cuidado ou de uma gestão das diferentes formas de relação

com a natureza e as leis que a governam, como o problema da crise ambiental, uso de recursos

escassos, entre outras. A terceira forma que abordaremos, de maneira sucinta, é a forma

desenvolvida por Foucault de maneira a fazer um contraste com as duas primeiras abordagens

apresentadas, elucidando as principais características de sua noção historico-crítica de

biopolítica. A partir deste contraste pretendemos esboçar uma reflexão defendendo uma

preferência pela abordagem de Foucault, mesmo com seus limites e dificuldades, baseada em

seu caráter aberto e sua possibilidade de fomentar uma resistência capaz de valorizar modos

de existência plurais.

1 Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais, linha de

pesquisa de Filosofia Política.