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A AGROI�DÚSTRIA CA�AVIEIRA ALAGOA�A: A TERRITORIALIZAÇÃO DO
CAPITAL �O CAMPO E SUAS IMPLICAÇÕES SOCIOESPACIAIS1
Ricardo Santos de Almeida2
Cirlene Jeane Santos e Santos 3
Resumo O presente estudo destaca a expansão da cultura canavieira e suas implicações no processo de territorialização do capital no campo em Alagoas. Para tal, buscou-se o embasamento teórico destacando a leitura de textos sobre o processo de produção capitalista na agricultura e no território nacional, representada por autores como Ariovaldo Umbelino de Oliveira, Beatriz Heredia, Manuel Correia de Andrade, Manuel Diegues Júnior e Ruy Cirne Lima; as bases metodológicas pautaram-se na coleta, sistematização e análise de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), do Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool no Estado de Alagoas (SINDAÇÚCAR-AL); buscou-se ainda, bibliografias que elucidassem os programas desenvolvidos pelo extinto Instituto do Açúcar e Álcool (IAA), o Programa Nacional de Melhoramento da Cana-de-açúcar (PLANALSUCAR) e Programa Nacional do Álcool (PROÁLCOOL). A inserção da cana-de-açúcar em Alagoas ocorreu em 1570, e foi favorecida pelos elementos naturais como clima e relevo. Estes elementos associados aos investimentos de capital holandês e inglês foram determinantes para ao longo desses 440 anos transformarem o estado em um dos maiores produtores de cana/tonelada, açúcar e etanol da Região Nordeste. Embora o estado ostente esse vigor econômico vinculado ao setor sucroalcooleiro, este não repercute no desenvolvimento social e na equidade da distribuição de riquezas, ao contrário, Alagoas se destaca por apresentar os piores índices do País. Na prática, a cultura canavieira é uma expressão da territorialização do agronegócio no campo alagoano e esta intrinsecamente vinculada à hegemonia dos grandes proprietários de terra, que direta ou indiretamente, são agentes concentradores de capital e de poder no estado seja no campo e/ou na cidade. Uma demonstração disso foi quando em 1988, Alagoas inicia o mergulho no caos financeiro em função do “Acordo dos Usineiros”. Um “acordo” político realizado entre o Governo do Estado de Alagoas e a Cooperativa Regional dos Usineiros de Alagoas que isentou os usineiros de pagamento do ICM durante 10 anos4. Esse “acordo” significou a falência e a desordem moral do estado, com sérias e inevitáveis conseqüências sociais para a população, que persistem até os dias atuais. A dependência e a hegemonia da econômica canavieira em Alagoas constituem-se em um entrave ao desenvolvimento socioeconômico a execução de políticas públicas, que viabilizem a reestruturação social, moral, financeira e fundiária do estado.
Palavras-chave: Territorialização, Agroindústria Canavieira, Dependência e a Hegemonia.
1 Essa pesquisa foi iniciada, em outubro de 2009 na disciplina Geografia Agrária, e ainda encontra-se em andamento vinculada ao Laboratório de Estudos Agrários (LEAG), do Instituto de Geografia Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal de Alagoas. 2 Aluno pesquisador do curso de Licenciatura em Geografia IGDEMA-UFAL. [email protected] 3 Professora do curso de Geografia IGDEMA-UFAL, Coordenadora do Laboratório de Estudos Agrários (LEAG) - Campesinato, Movimentos Sociais e Reforma Agrária. [email protected] 4 ICM corresponde ao atual ICMS, Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação, sendo de competência dos Estados e do Distrito Federal.
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1. Introdução
A cana-de-açúcar é o principal produto da economia alagoana, sendo este estado o
maior produtor de cana/tonelada, açúcar e etanol da Região Nordeste, em especial ao que
corresponde à safra 2007/2008. A territorialização da produção da cana-de-açúcar oscila
bastante, em uma constante realocação agrícola entre diversos municípios da chamada Zona
da Mata Alagoana. Assim, destaca-se que a ocupação do território do estado de Alagoas
inicia-se em 1570, quando este ainda era parte do estado de Pernambuco. Essa ocupação da
cultura canavieira foi financiada por capital holandês e judeu, e posteriormente inglês. Esses
colonizadores adquiriram escravos africanos, instalaram os engenhos bangüês e expandiram
os canaviais.
No período entre 1570 e 1630 foram instalados dezesseis engenhos bangüês, que
produziam açúcar escuro – mascavo, melaço e rapadura, ficando localizados ao norte e
centro-litorâneo do atual estado de Alagoas. Favorecidos pelo solo, o massapé e pela
proximidade de corpos d’água, inseriram a variedade crioula, que permaneceu até o final do
século XIX, quando devido às pragas que prejudicaram a produção, foi substituída pelos idos
de 1880, pelas variedades CB e PB geneticamente modificadas através de cruzamentos
controlados. Os bangüês persistiram aos engenhos centrais, financiados pelo capital
estrangeiro francês e inglês principalmente, e à criação da primeira usina em Alagoas – Usina
Brasileiro, em 1892, esta trouxe consigo a introdução de novas técnicas que permitiram o
melhor e maior aproveitamento da produção e expansão do cultivo para outras áreas.
Os engenhos bangüês, engenhos centrais e as usinas rivalizavam-se entre si, aliando-se
quando conveniente, em função das disputas no mercado internacional e dos privilégios e
manobras vinculadas ao poder nacional. Contudo, tiveram destinos distintos. Os bangüês
resistiram muito à inserção das novas tecnologias. A maioria faliu, apenas alguns geridos por
famílias tradicionais metamorfosearam-se em usinas, rendendo-se às novas técnicas de plantio
e colheitas, bem como às tecnologias de produção. Os engenhos centrais, por sua vez, foram,
gradativamente, desaparecendo. Já as usinas prevaleceram no território configurando-se como
responsáveis pelo desenvolvimento econômico, (de)formação da sociedade e centralização do
poder em Alagoas.
2. Alagoas: de quem é o poder?
O Estado brasileiro, segundo PEIXOTO & LIMA JÚNIOR (2006) sempre interveio na
economia canavieira concedendo empréstimos, perdoando dívidas, incentivando a produção
3
da cana e criando mecanismos de equilíbrio do mercado. Historicamente arcando com
prejuízos e tudo isso financiado pelos impostos pagos pelos contribuintes, que não receberam
os benefícios sociais, aos quais em retorno esses deveriam ser destinados.
A regulamentação da cultura canavieira ocorreu apenas em 1930, através do Instituto
do Açúcar e Álcool (IAA), e em 1933, foi promulgado o Estatuto da Lavoura Canavieira –
Decreto nº 3855, de 21 de novembro de 1941. Desde então, muitos foram os incentivos
públicos outorgados através dos programas: Programa Nacional de Melhoramento da Cana-
de-açúcar (PLANALSUCAR), criado pelo Decreto-Lei nº 4.186 de 1971 e 1.266 de 1973,
cujo objetivo era renovar o rol de variedades de cana-de-açúcar disponíveis, inserindo novas
variedades geneticamente modificadas; em 1975 foi lançado o Programa Nacional do Álcool
(PROÁLCOOL), um programa de substituição em larga escala dos combustíveis veiculares
derivados do petróleo por álcool, foi implementado na década de 1980.
Esses Programas em Alagoas repercutiram na manutenção e fortalecimento do poder
oligárquico das elites alagoanas, dos seus interesses políticos e econômicos que sempre
prevaleceram sobre os da maioria. Mesmo assim a produção de cana, açúcar e álcool na
Região Sudeste sobressaiu a Região Nordeste, por possuírem custos de produção mais baixos
e melhor aparelhamento tecnológico.
ANDRADE (1997 apud LIMA) destaca que o IAA equalizou custos entre 1974-84, no
total U$$ 2,2 bilhões, para os empresários nordestinos, os que mais receberam recursos,
totalizando 95,5%; aproveitando-se da crise gerada pelo aumento do preço do petróleo pela
Organização dos Países Produtores de Petróleo (OPEP), esses investimentos propendiam
barrar a introdução indiscriminada de novas variedades de cana e incrementar
tecnologicamente o processo de produção de cana, açúcar e álcool.
Os recursos do IAA e do PLANALSUCAR em Alagoas favoreceram a implantação do
aterro hidráulico que propiciou a estruturação terminal açucareiro e o comercial totalizando
750 m de cais em 1974 e constitui-se no maior terminal açucareiro do mundo, além de ser um
dos mais movimentados do Nordeste; transferência das usinas Maria das Mercês e Roçadinho
de Pernambuco para Alagoas – que significou a transferência de capital dos “usineiros”
pernambucanos para os alagoanos e gerou muitos conflitos e discussões; transferência de
usinas anteriormente localizadas na porção setentrional para a meridional do estado e a
instalação de novas usinas e diversas destilarias, além da expansão da cultura canavieira ao
sul alagoano, onde havia baixa densidade demográfica, favorecendo o crescimento de
algumas cidades e a criação de novos povoados.
O PROÁLCOOL beneficiou os grandes empresários de Alagoas, que do período de
sua criação a 1990 foram favorecidos pela realização de 7% dos projetos aprovados e 8,1%
4
destinados ao programa, configurando o estado mais beneficiado pelo programa que garantia
até 80% do financiamento do investimento fixo das destilarias, anexas e autônomas, com
juros de até 4% ao ano, pagamento em 14 anos e carência de três anos. Sem muitas regalias, o
PROÁLCOOL beneficiou, em menor escala, os pequenos proprietários de terra, plantadores
de mandioca, para dela extraírem álcool. A desaceleração do processo mobilizado pelo
PROÁLCOOL foi causada pelo decréscimo do preço dos derivados do petróleo em 1989, o
inverso de seu impulsionamento, o que provocou a diminuição da quantidade de usinas e
destilarias. Incentivados por essa pressão, os empresários flexibilizaram o emprego da mão-
de-obra visando minimizar os custos, com contratos por safra, geralmente, por seis meses.
Paulatinamente foram reduzindo as vilas de trabalhadores em suas terras, ou seja, expulsando-
os gradativamente, acentuando o êxodo rural; e em seguida expandindo os cultivos da cana
nos locais onde estavam as vilas.
Alagoas surgiu e cresceu atrelado ao poder emanado das famílias tradicionais e seus
sobrenomes, donas de engenhos, e posteriormente, das usinas e destilarias que sustentam a
sua economia. Essa oligarquia rural hegemoniza o poder e detém o domínio da cultura, da
política e da economia do estado, exercem esse domínio no atendimento de seus próprios
interesses e em detrimento das necessidades das massas populares.
3. O “acordo dos usineiros” e suas implicações socioespaciais
Entre 1986 a 1994 o comportamento das finanças do estado de Alagoas sofreu
oscilações consideráveis, levando em consideração o período entre 1975 a 2005, indo de
encontro à evolução da produção de cana-de-açúcar. Vinculados as crises locais, nacionais e
internacionais que incidiram sobre os produtos derivados da cana-de-açúcar, além da redução
de subsídios, maximizando o surgimento de uma problemática social mais complexa, quanto
ao funcionamento desse estado, em momento posterior.
Em 15 de julho de 1988 eclode uma estratégia dos “usineiros” que levou o estado à
calamidade pública, a lavratura do “Termo de Transação do Indébito da Cana Própria”, o
popularmente conhecido por “Acordo dos Usineiros”. Esse “acordo” configurou-se em uma
tentativa desesperada de obtenção de maior lucratividade e fuga da crise econômica na
produção de cana-de-açúcar motivada pela extinção do PROÁLCOOL e demais problemas
externos ligados a redução do valor internacional do Petróleo.
O “Termo” consistia no questionamento do por que pagar pela circulação da cana
plantada nas terras dos “usineiros”, já que as usinas e destilarias de destino para seu
beneficiamento também os pertenciam, trata-se da chamada “cana própria”. Assim, o grupo
5
de empresários da cana reivindicou o ressarcimento do então Imposto sobre Circulação de
Mercadorias (ICM) – atual Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) –,
sobre a “cana própria”, no período entre julho de 1988 a abril de 1989.
O primeiro acordo, em 1988, envolveu 19 empresas, quanto ao segundo acordo,
firmado em 1989, incorporou mais 12 empresas. Nesses acordos os “usineiros” reivindicaram
a devolução do imposto pago e como o estado não dispunha dos recursos, isentou os
“usineiros” do pagamento do ICM por 10 anos, benefício concedido de forma unilateral - o
que significou a falência e a desordem moral do estado, com sérias e inevitáveis
conseqüências sociais para a população. Firmaram o ressarcimento em 120 parcelas corrigidas
monetariamente pelos altos índices existentes na economia da época, período de altas taxas
inflacionárias, e ao minimizar a arrecadação, mesmo com pouca receita, o estado teve de
pagar juros sobre juros, maximizando assim a dívida interna.
PEIXOTO & LIMA JÚNIOR (2006) destacam que em 1990 visando minimizar os
custos, o Governo Federal, extingue o IAA, e sem os subsídios oferecidos por ele, os
empresários encontram uma nova saída, recorreram às linhas de créditos dos Bancos do Brasil
e do antigo Banco do Estado de Alagoas (PRODUBAN), este último faliu, pois as dívidas do
setor sucroalcooleiro chegaram a 75,6 milhões de dólares.
A ilegalidade dos acordos é afirmada com base no artigo 166 do Código Tributário
Nacional, sobre pagamentos indevidos, sendo este reproduzido pelo artigo 80 da Lei Estadual
nº 4.418/82, a saber: a restituição de tributos que competem, por sua natureza, transferência
do respectivo encargo financeiro, somente será feita a quem prove haver assumido o referido
encargo, ou, no caso de tê-lo transferido à terceiro, estar por este expressamente autorizado a
recebê-lo (Lei Estadual nº 4.418/82).
Alagoas viu-se entre 1996-1997 em seu momento mais crítico, em função do aumento
crescente da crise financeira e administrativa, foi impedido de contrair empréstimos,
agravando o sucateamento dos serviços básicos à população, como saúde, educação e
segurança pública. Visando minimizar gastos da máquina pública, o estado alagoano criou o
Programa de Demissão Voluntária (PDV), que teve uma adesão significativa, os professores
da rede estadual, por exemplo, dos 21.000 professores, 13.000 aderiram ao PDV.
Considerando que os salários estavam atrasados a mais de oito meses, sem previsão de
quitação, bem como, eram baixíssimos.
Considerando que em 1988 a contribuição dos donos de usinas de açúcar e álcool
representava 60% da arrecadação do estado alagoano, em 1997 não alcançou 10%. Segundo o
Jornal Vale do Paraíba, de 28 de julho de 1997, Fernando Collor de Mello, então Governador
do Estado em 1988, reconheceu um débito com o setor de R$ 125 milhões, referentes ao
6
recolhimento indevido durante cinco anos do ICM da “cana própria”. Todavia, faltando um
ano para acabar o acordo, os “usineiros” ainda alegavam ter direito a um crédito de R$ 248
milhões, isso porque os valores foram reajustados pelos maiores índices inflacionários do país
na época, como já dito.
Em 1998 o então governador Manuel Gomes de Barros, ajuizou Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADIM) no Supremo Tribunal Federal (STF), por considerar que as
cobranças dos valores não pagos aos “usineiros” não eram automáticas. Em 14 de abril de
1998, o governador promulgou a Lei nº 6.004, que validava a quitação da dívida com o setor
sucroalcooleiro, e em seu artigo 4º, dizia que Estado de Alagoas e “usineiros” não deviam
nada um ao outro. Todavia o recolhimento dos pagamentos aos “usineiros” continuou por
mais três anos, acentuando a dívida pública alagoana, principalmente pela ausência, na época
da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e de órgãos que fiscalizassem a gestão pública.
Porém o que se sabe é que os cofres públicos foram lesados em mais de R$ 1,3 bilhão
de reais. CABRAL (2005) detalha as receitas e despesas realizadas, por categoria e
arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), entre 1972 a
2000, evidenciando a importância e a dependência do ICMS oriundo da produção
sucroalcooleira (ver quadro 1).
Quadro 1. Receitas e Despesas Arrecadada realizada, por categoria e arrecadação em Alagoas de ICMS (1972, 1980, 1991, 2000)5.
A�O RECEITA DESPESA
ICMS Corrente De capital Total Corrente De capital Total
1972 159.316 35.771 195.087 156.281 31.893 188.174 135.138
1980 6.355.203 2.117.533 8.472.736 6.077.885 2.070.220 8.148.105 4.267.130
1991 168.047.564 18.726.427 186.773.991 147.958.099 28.761.252 176.719.351 68.842.218
2000 1.314.450 2.024 1.316.474 1.141.925 138.932 1.280.857 517.601
FONTE: CABRAL (2005) adaptada por ALMEIDA, R. S. (2010).
O “Termo de Transação do Indébito da Cana Própria” foi finalmente anulado em 2001
por decisão da 1ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de Alagoas e segundo PEIXOTO &
LIMA JÚNIOR (2006), deu-se a ilegalidade do indébito.
A dívida pública estadual chegou aos patamares de R$ 1 bilhão e 200 milhões, em
2005, motivados pelos juros cobrados ao longo dos anos e a rolagem das Letras Financeiras
do Tesouro Estadual (LFTE). Revogado o pagamento aos “usineiros”, Alagoas inicia um
processo lento e gradual de recuperação das finanças públicas, iniciando através do Programa
de Apoio a Modernização dos Estados Brasileiros (PNAFE) a capacitação de servidores
5 Unidade monetária: 1972 = Cr$ 1.000, 1980 = Cr$ 1.000, 1991 Cr$ 1.000 e 2000 = R$ 1.000.
7
fazendários; acesso e implantação de tecnologia da informação e demais recursos; busca da
minimizando a sonegação fiscal e em 2005 por pouco não foram equalizadas as receitas e
despesas, ainda existindo déficit, devido à crescente despesa.
Com a ausência de investimentos nos setores básicos, Alagoas ostenta os piores
Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil, reflexo do perverso processo de
territorialização canavieira. É notável um lento e insuficiente crescimento dos índices
comparando-se os dados de 1970 a 2005, ainda assim, continua um dos mais baixos índices
brasileiros (ver gráficos 1, 2, 3 e 4).
Gráfico 1. Evolução IDH Alagoas– Longevidade
0
0,2
0,4
0,6
0,8
1
1970 1980 1991 2000 2005
Gráfico 2. Evolução IDH Alagoas – Educação
1970 1980 1991 2000 2005
0
0,2
0,4
0,6
0,8
1
Gráfico 3. Evolução IDH Alagoas – Renda
0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
0,9
1
1970 1980 1991 2000 2005
Gráfico 4. Evolução IDH Alagoas
19701980
19912000
2005
0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
0,9
1
FONTE DOS DADOS: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). ELABORAÇÃO: Ricardo Santos de Almeida
4. A cultura da cana-de-açúcar e o impedimento a diversificação econômica em Alagoas
Dos 102 municípios alagoanos, 54 cultivam cana-de-açúcar, correspondendo a
aproximadamente 453 mil ha (ver mapa 1). Alagoas ocupa o quarto lugar no ranking nacional,
e primeiro na Região Nordeste, em produção da tonelada/cana, configurando-se como um dos
maiores produtores de cana, açúcar e álcool exportando produtos para os Estados Unidos da
América. Possui atualmente em seu território 23 usinas e 20 destilarias. A participação da
indústria canavieira na economia do estado atinge 45%. As outras atividades com
8
contribuição significativa são o turismo, com 23%, a indústria alimentícia, com 20% e a de
química e mineração, com 12%.
No contexto da formação socioeconômica alagoana, a atividade comercial surge lado a
lado com a cana, nas casas comerciais e barracões, já a inserção industrial, segundo
PEIXOTO & LIMA JÚNIOR (2006), ocorreu em 1857, com a Companhia União Mercantil,
em Maceió, beneficiadora de algodão. Motivada pela crise no setor canavieiro, expandiu-se na
década de 1880, com a abertura de novas fábricas, além de impulsionar a construção de
ferrovias, facilitando o transporte não apenas para as beneficiadoras de algodão, mas
principalmente de pessoas.
Mapa 1. Municípios em que predomina o cultivo da cana-de-açúcar 2010.
Em 1914, no atual município de Delmiro Golveia, é inaugurada a Companhia Agro-
Fabril Mercantil, atual Fábrica da Pedra S/A Fiação e Tecelagem, por Delmiro Golveia,
exportando carretéis de linha para países da América do Sul inicialmente, sendo salva em
1992 por um grupo de “usineiros” que a comprou.
Com a descoberta do petróleo em 1957 a PETROBRAS instala em Maceió a primeira
torre de perfuração, posteriormente instala o poço de Jequiá da Praia. Contudo, motivados
pela ausência de investimentos, a empresa desloca-se na década de 1970, seus escritórios para
Sergipe.
9
E mesmo possuindo seis Distritos Industriais, a lógica contraditória capitalista da
hegemonia da oligarquia usineira, impede a inserção de empresas de grande porte em
Alagoas, tornando o lugar desvalorizado para o crescimento de empresas capitalistas, estas só
utilizariam espaço físico, pois descartaria a mão-de-obra local por esta ser desqualificada para
desempenhar atividades complexas.
Os Distritos Industriais estão localizados em: Marechal Deodoro às margens da BR
424 km 12. O Distrito é destinado ao setor Químico, e administrado por uma empresa de
capital privado, a Companhia Alagoas Industrial – CINAL; Maceió o Distrito Industrial
Governador Luiz Cavalcante, situado em Maceió, no Tabuleiro dos Martins, BR 104 km 12, é
administrado pela Associação das Empresas do Distrito – ADEDI; Arapiraca às margens da
rodovia AL 115 km 5, atualmente comporta indústrias de refrigerantes, cereais, resina e
plásticos; Pilar, em Chã do Pilar, às margens da BR 316. Rio Largo, situado a 27 km de
Maceió, está no Tabuleiro da Mata do Rolo às margens da BR 104; Murici, às margens da BR
104, esse distrito possui uma área de 150.000 m², dividido em duas glebas, A e B, com lotes
medindo entre 500 m² e 2000 m², para atrair empreendimentos à prefeitura de Murici dotou o
núcleo industrial de leis de incentivos fiscais, lei de tributação simples (micro e pequenas
empresas), redução e/ou isenção de impostos municipais de acordo com a capacidade
empregatícia de cada empresa e inserção de empresas no Programa de Desenvolvimento
Industrial de Alagoas (PRODESIN).
Todos os Distritos Industriais estão ociosos, considerando a sua capacidade de
ocupação, a cada nova gestão no Governo do Estado, um novo e mirabolante projeto ou
programa é estruturado, mas a efetivação dos mesmos, com a captação de novas indústrias e
empresas visando o dinamismo econômico do estado nem sempre sai do papel. O município
de Murici é o que apresenta melhor dinamismo, fruto dos incentivos que ofereceu, conseguiu
atrair pequenas e médias empresas.
A Empresa Brasileira de Turismo (EMBRATUR), hoje Instituto Brasileiro de
Turismo, teve as suas diretrizes reformuladas a partir de 2003 com a criação do Ministério do
Turismo. Via o Programa de Desenvolvimento do Turismo no Nordeste (PRODETUR/NE I e
II), criou um programa de crédito para o setor público (Estados e Municípios) que foi
concebido tanto para criar condições favoráveis à expansão e melhoria da qualidade da
atividade turística na Região Nordeste, quanto para melhorar a qualidade de vida das
populações residentes nas áreas beneficiadas. O PRODETUR/NE é financiado com recursos
do BID e tem o Banco do Nordeste como órgão executor.
A área de abrangência do PRODETUR/NE ocorreu por meio do financiamento de
obras de infra-estrutura (saneamento, transportes, urbanização e outros), projetos de proteção
10
ambiental e do patrimônio histórico e cultural, projetos de capacitação profissional e
fortalecimento institucional das administrações de estados e municípios. Em Alagoas apostou-
se nessa alternativa nos “piores anos” presenciados no estado, possibilitando a ampliação de
investimentos nos setores de comércio e serviços, sendo esses os mais estáveis durante a
década de 1990 em Alagoas.
Com recursos do PRODETUR/NE, foi realizada a modernização do Aeroporto
Internacional de Maceió Zumbi dos Palmares, fator que dinamizou o turismo, atraindo,
principalmente, o turismo doméstico. No momento o estado presencia um forte investimento
de capital estrangeiro na aquisição de terras nas áreas litorânea do eixo norte e sul do estado,
bem como, é volumoso o investimento em redes de hotéis e resorts. Este processo demanda
um estudo especifico e mais aprofundado da (re)produção do capital e do consumo do espaço
no território alagoano.
A indústria têxtil e a agricultura algodoeira estagnaram-se há algum tempo no estado.
Neste destacaram-se as indústrias de extração de mármore e amianto; manufatureiras, como as
alimentícias; óleos vegetais; fumo; laticínios; refrigerantes; além de móveis de madeira e
metal; mesmo não estando ligadas diretamente à indústria canavieira sofreram impactos da
crise interna e externa, principalmente durante a década de 1990 e muitas faliram.
A Salgema Indústrias Químicas S/A destinava a sua produção ao mercado interno e
externo fornecendo PVC, soda cáustica, dicloretano (DCE), hipoclorito de sódio e ácido
clorídrico, porém em 1997 o estado vendeu sua participação a um grupo estrangeiro e a
Salgema passou a chamar-se Trikem, posteriormente, foi incorporada a Braskem. Esta por sua
vez, tem contribuído no processo de captação de novos empreendimentos no setor da indústria
de plásticos para o estado, com o objetivo de impulsionar incentivos diferenciados para a
Cadeia Produtiva Química e Plástico (CPQP), que visam minimizar seus custos e aumenta os
lucros através de análises logísticas para Alagoas, movimentando a economia, mas não
aproveitando sua mão-de-obra, já que esta é desqualificada para atuar nesse setor.
LIRA (1997) relata que entre 1939 e 1994, mesmo com aumento da renda per capta
em 6,2% entre das décadas de 1970 e 1980, a distribuição de renda mediante os salários
caíram em contrapartida ao aumento da concentração de renda nas mãos de grupos
agroindustriais e destaca o aumento do desemprego no setor privado, elevando o setor público
como principal empregador entre 1990-1996.
A escassez de investimentos estruturais no setor público bem como incentivos a
empresas impulsionam o emprego informal, ou seja, sem vínculos empregatícios, tornando o
estado dependente em 65,1% de repasses do governo federal, na década de 1990.
11
O aumento do emprego informal deu-se pela escassez das oportunidades de emprego
em indústrias e no setor terciário, estes sofreram impactos da concorrência acirrada de
empresas de outros estados e/ou das poucas instaladas em Alagoas oriundas de outros estados,
durante o período entre 1939 e 1994.
A falta de oportunidades de ocupação engrossou em 1993 a informalidade no campo e
na cidade, levando crianças, mulheres e adolescentes a situações constrangedoras, como
afastarem-se das salas de aula, a prostituição, submissão a altas cargas de jornadas de trabalho
para sobreviverem, impulsionando a sociedade alagoana a uma crise estrutural e conjuntural.
5. Considerações Finais
A cultura canavieira é uma expressão da territorialização do agronegócio no campo
alagoano que contém não apenas as relações de poder, mas esta intrinsecamente vinculada ao
desenvolvimento social, político, econômico e cultural dessa sociedade, destacando a
hegemonia dos grandes proprietários de terra, que direta ou indiretamente, são agentes
concentradores de capital e de poder no estado seja no campo e/ou na cidade. O IAA,
PLANALSUCAR e PROÁLCOOL serviram, principalmente, para o fortalecimento sócio-
político-econômico dos “usineiros” em Alagoas. Em 1988, com o “Acordo dos Usineiros”,
realizado entre o Governo do Estado de Alagoas e a Cooperativa Regional dos Usineiros de
Alagoas, o estado mergulhou no caos financeiro, político e social sem precedentes.
Os indicadores sociais em Alagoas refletem as lacunas ocasionadas pelo decréscimo
da arrecadação do ICMS no período de 15 anos, o elemento central do “Acordo dos
Usineiros”, somente favoreceu o enriquecendo e fortalecimento político-econômico desses. E
mesmo com o fim do acordo, a pobreza persiste, os baixos índices de desenvolvimento
sociais, como altos índices de mortalidade infantil e altas taxas de analfabetismo. A
dependência e a hegemonia econômica canavieira em Alagoas constitui-se em um entrave a
execução de políticas públicas, que viabilize a reestruturação financeira e fundiária do estado.
Entende-se assim, que a (de)formação socioeconômica alagoana explicita a carência
de reais políticas públicas que integrem a sociedade, não a tornando submissa direta ou
indiretamente às mãos de restritos grupos econômicos. Como ponto de partida o estado
necessita de planejamento, de projetos eficazes e exequíveis que visem melhorar a
distribuição de renda, não se restringindo apenas a programas com feições assistencialistas,
compensatórias e vinculadas ao cultivo da cana-de-açúcar, que não necessariamente
transforme a ordem econômica, mas que tenha como prioridade recuperar a dignidade social
de sua população, minimizando o determinismo exacerbado, da continuidade das mazelas
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causada ao longo dos anos, aproveitando as potencialidades do estado, como o turismo
responsável e a diversificação de cultivos.
Esta leitura torna-se importante, pois ao transformar a mentalidade da sociedade
alagoana, ao refletir sobre o passado, vivenciar o presente e pensar o futuro, aprende-se a não
apenas cumprir seus deveres, mas também, a cobrar seus reais direitos contidos na
Constituição Federal de 1988, resgatando a dignidade, a auto-estima e qualidade de vida do
seu povo. (Re)Escrevendo a sua história, refletindo e (re)conhecendo Alagoas enquanto
território de poder do povo e não dos grupos econômicos que o espoliam desde a sua criação.
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