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GT9 2750 GT 9 Museu, Patrimônio e Informação O GT 9 aborda Análise das relações entre o Museu (fenômeno cultural), o Patrimônio (valor simbólico) e a Informação (processo), sob múltiplas perspectivas teóricas e práticas de análise. Museu, patrimônio e informação: interações e representações. Patrimônio mu- sealizado: aspectos informacionais e comuni- cacionais.

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  • GT9 2750

    GT 9Museu, Patrimnio e Informao

    O GT 9 aborda Anlise das relaes entre o Museu (fenmeno cultural), o Patrimnio (valor simblico) e a Informao (processo), sob mltiplas perspectivas tericas e prticas de anlise. Museu, patrimnio e informao: interaes e representaes. Patrimnio mu-sealizado: aspectos informacionais e comuni-cacionais.

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    SUMRIOA TRAJETRIA DA FORMAO DA COLEO DE OBJETOS DE CINCIA & TECNOLOGIA DO OBSERVATRIO DO VALONGOMaria Alice Ciocca de Oliveira, Marcus Granato ........................................................................2753

    INTERATIVIDADE EM MUSEUS: UM ESTUDO CRTICO DO CONCEITO DE INTERATIVIDADE DE JORGE WAGENSBERGLuisa Maria Gomes de Mattos Rocha ...........................................................................................2768

    PRESERVAO DE CIANTIPOS DO FUNDO OBSERVATRIO NACIONAL DEPOSITADOS NO ARQUIVO DE HISTRIA DAS CINCIAS DO MASTAna Paula Corra de Carvalho, Marcus Granato, Marcos Luiz Cavalcanti de Miranda ............2785

    PATRIMNIO, A CIDADE E SUAS CAMADAS: A FORA DA ARTE NA CONSTRUO DOS ESPAOSCarlos Eduardo Ribeiro Silveira ..................................................................................................2803

    PAJELANA MUSEALIZADA: O MUSEU DO MARAJ E O IMAGINRIO MARAJOARALuiz Carlos Borges, Karla Cristina Damasceno de Oliveira ........................................................2818

    CULTURA MATERIAL, COLEO E MUSEU: NOTAS INTRODUTRIAS A BIOGRAFIA CULTURAL DA COLEO DE PRANCHAS DE MANOEL PASTANA DO MUSEU DE ARTE CONTEMPORNEA CASA DAS ONZE JANELAS EM BELM DO PARRosangela Marques Britto .............................................................................................................2834

    A HISTRIA DA ANTROPOLOGIA SOCIAL E A POLTICA DE PATRIMNIO CIENTFICO NO BRASIL EM MEADOS DO SCULO XXPriscila Faulhaber .........................................................................................................................2852

    O JARDIM BOTNICO DO RIO DE JANEIRO: INSTITUIO EMBLEMTICA NO PANORAMA DA CINCIA E DA MUSEOLOGIA BRASILEIRASLilian Mariela Suescun, Tereza Cristina Scheiner ........................................................................2867

    NAVIO-MUSEU BAURU E INFORMAO: TRAJETRIA HISTRICA E MUSEALIZAO SOB O FOCO DA DOCUMENTAO MUSEOLGICA Roseane Silva Novaes, Diana Farjalla Correia Lima ...................................................................2883

    MUSEU: NOVOS ASPECTOS INFORMACIONAIS, COMUNICACIONAIS E GERENCIAISRosane Maria Rocha de Carvalho .................................................................................................2901

    INFORMAO ESPECIAL NO MUSEU ACESSIBILIDADE: A INCLUSO SOCIAL DA PESSOA COM DEFICINCIA VISUAL Ana Ftima Berqu Berqu, Diana Farjalla Correia Lima ..........................................................2917

    MUSEUS E MUSEOLOGIA: NOVAS SOCIEDADES, NOVAS TECNOLOGIASMonique;Tereza Magaldi;Scheiner ................................................................................................2935

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    MUSEUS E PESSOAS NO MUSEU DA PESSOA: PENSANDO O VIRTUAL COMO SOCIAL.Monique;Tereza;Bruno Magaldi:Scheiner:Soares ........................................................................2954

    O PAPEL ESTRATGICO DAS COLEES CIENTFICAS NA CONSTRUO DA MEMRIA NACIONALMarcio Ferreira Rangel .................................................................................................................2970

    A JANGADA DA MEDUSA NAUFRAGA NA COSTA CHILENA: FRONTEIRAS FSICAS E CONCEITUAIS NA LEITURA DE UMA OBRA DE ARTE CONTEMPORNEANilson Alves Moraes ......................................................................................................................2982

    CURADORIA E AO INTERDISCIPLINAR EM MUSEUS: A DIMENSO COMUNICACIONAL E INFORMACIONAL DE EXPOSIESJulia Nolasco Moraes ....................................................................................................................2999

    A INFORMAO PATRIMONIAL E A CONSTRUO DA MEMRIA: UMA ANLISE DAS ESTRATGIAS DE PRESERVAO DA MEMRIA DO IPHAN E IPHAEPDanielle Alves Oliveira, Carlos Xavier Azevedo Netto .................................................................3015

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    C O M U N I C A O O R A L

    A TRAJETRIA DA FORMAO DA COLEO DE OBJETOS DE CINCIA & TECNOLOGIA DO

    OBSERVATRIO DO VALONGO

    Maria Alice Ciocca de Oliveira, Marcus Granato

    Resumo: Este trabalho apresenta a trajetria da formao da Coleo de Objetos de C&T do Observatrio do Valongo. Para isso, inicialmente, buscou-se a sua caracterizao como patrimnio da C&T do Brasil, situando-a como uma coleo histrica de ensino e pesquisa, no mbito das colees universitrias. Em seguida, foi construda a trajetria da formao da coleo, atravs do levantamento de informaes sobre os objetos que foram usados nas aulas prticas das disciplinas relacionadas Astronomia, Geodsia e Topografia, ministradas no Observatrio Astronmico da Escola Politcnica do Rio de Janeiro, nome anterior do Observatrio, nas aulas prticas e nas pesquisas realizadas no Curso de Graduao de Astronomia, no Observatrio do Valongo, unidade da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A pesquisa foi realizada a partir do final do sculo XIX, tendo como ponto de partida a fundao da Escola Politcnica do Rio de Janeiro em 1874, terminando nos primeiros anos do sculo XXI, quando a Coleo de Objetos de C&T do OV foi reconhecida como representante da memria institucional. Destacam-se aqueles momentos singulares identificados na trajetria construda: o momento inicial, quando foram adquiridos os primeiros objetos, antes da fundao do prprio Observatrio, a partir da criao da Escola Politcnica (1874); a fundao do Observatrio da Escola Politcnica (05/07/1881); a transferncia do Observatrio do Morro de Santo Antonio para a Chcara do Valongo (no Morro da Conceio - 1924 e 1926); o perodo de pouca utilizao Observatrio (1936-1957); a criao do Curso de Astronomia (1958); a aquisio do conjunto de instrumentos pelo acordo do MEC com pases do leste europeu (1970); a mudana de olhar para os instrumentos, marcada pelo desenvolvimento de projetos de preservao da memria institucional; a formao da coleo, a partir das atividades realizadas em parceria com o Museu de Astronomia e Cincias Afins.

    Palavras-chave: Museologia; Patrimnio cientfico. Colees. Observatrio do Valongo.

    Abstract: This paper presents the process by which a collection of science and technology (S&T) objects was formed at Valongo Observatory. First, the collection was characterized as being part of Brazils S&T heritage, and more particularly as a historical educational and research collection, within the broader context of university collections. Next, an understanding of how the collection was formed was built up by gathering information on the objects used in the practical lessons from the Astronomy, Geodesy and Topography disciplines given at Observatrio Astronmico da Escola Politcnica do Rio de Janeiro, the former name of Observatrio do Valongo, and in the practical lessons and research undertaken as part of the undergraduate course in Astronomy at the same place when it became part of the Federal University of Rio de Janeiro. The time frame for the research starts at the end of the 1800s with the founding of Escola Politcnica do Rio de Janeiro in 1874, and goes until the first decade of the 21st century, when the collection of S&T objects from Valongo Observatory was recognized as representing its institutional memory. Key moments in the course of

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    the collection are highlighted: the starting point, when the first objects were acquired even before the observatory was founded after the creation of Escola Politcnica (1874); the founding of the observatory (07/05/1881); its transfer from Santo Antonio hill to Valongo mansion (on Conceio hill -1924/1926); the period during which the observatory was little used (1936-1957); the creation of the astronomy course (1958); the acquisition of the set of instruments by an agreement between the Ministry of Education and Culture and Eastern European countries (1970s); the shift in the way the instruments are viewed, with the development of projects to preserve institutional memory (1996); and the formation of the collection through activities undertaken in partnership with MAST.

    Key-words: Museology, scientific heritage, collections, Observatrio do Valongo.

    INTRODUO

    A Coleo de Objetos de Cincia e Tecnologia (C&T) do Observatrio do Valongo (OV) uma coleo histrica de ensino e pesquisa, constituda por instrumentos, aparatos e acessrios cientficos

    fabricados nos sculos XIX e XX. Foram utilizados nas aulas prticas no ensino da astronomia, geodsia e topografia no Observatrio do Valongo, Instituto da Universidade Federal do Rio de Janeiro que, at

    a dcada de 1950, era denominado Observatrio Astronmico da Escola Politcnica. Este observatrio foi fundado em 1881, com a principal misso de ser utilizado para o ensino da Astronomia e da Geodsia dos alunos da Escola. Ficava inicialmente localizado no Morro de Santo Antonio, at ser transferido, na dcada de 1920, para a Chcara do Valongo, no Morro da Conceio, ambos localizados no centro da cidade do Rio de Janeiro, Brasil.

    A Coleo composta por cerca de 300 objetos e abrange as reas de Astronomia, Geodsia, Topografia, Qumica e Fotografia. Entre os seus objetos encontram-se lunetas, pndulas, comparador e

    medidor de placas siderais, crongrafos e muitos acessrios como objetivas, oculares e filtros. Forma

    um conjunto que se divide em dois grupos, de acordo com a sua atuao na histria da instituio.Um grupo formado por objetos fabricados no final do sculo XIX e incio do sculo XX.

    Foram, em sua maioria, importados da Europa, com poucas, porm importantes, excees de objetos fabricados no Brasil, como a luneta equatorial fabricada pela Oficina Jos Hermida Pazos.

    O outro grupo formado por objetos fabricados aps a dcada de 1950. So, na sua maioria, objetos fabricados pela firma Carl Zeiss, adquiridos por um convnio entre o Brasil e as Repblicas

    Democrtica Alem e Popular da Hungria (BRASIL, 1969), que ficou conhecido como Acordo MEC/

    Leste Europeu.1 Esses objetos esto expostos em diferentes locais dentro do Observatrio, como o hall de entrada, onde esto, entre outros, a luneta meridiana Julius Wanschaff e uma pndula astronmica Peyer Favarger e na cpula do telescpio T. Cooke & Sons.

    Outros objetos da coleo esto expostos no trreo do prdio da luneta Pazos, em uma vitrine

    1 BRASIL. Decreto-lei n 861 de 11 de setembro de 1969. Autoriza a contratao de emprstimos externos, no valor global equivalente a U$$30.000.000,00 em moeda-convnio, para aquisio de equipamentos e materiais de ensino na Repblica Democrtica Alem e Repblica Popular da Hungria, e d outras providncias. Senado Federal. Portal Legislao. Disponvel em: http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=94452. Acesso em: 30 de mai. 2010.

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    ao redor do pilar que sustenta a luneta, em sua maioria objetos que pertenceram ao Observatrio Astronmico da Escola Politcnica. A apresentao dos objetos em vitrines, ou fora delas, segue os procedimentos museolgicos relacionados exposio de acervos. No entanto, em funo da instituio no estar aberta ao pblico para visitao de forma continuada no se enquadra ainda como instituio museolgica, apesar de contar com uma coleo que est organizada segundo os preceitos da Museologia.

    A busca das informaes apontadas pelas marcas dos objetos da Coleo de C&T do OV foi orientada pela biografia cultural das coisas (KOPYTOFF, 2008; ALBERTI, 2005) e pela proposta,

    apresentada por Jim Bennett, de uso da abordagem prosopogrfica no estudo sobre colees, em

    que o objetivo estud-la como um conjunto, construindo uma biografia coletiva e no dos objetos

    individualmente. O estudo teve por base a trajetria do percurso pelos quais os objetos passaram, levantado atravs de um conjunto de questes padronizadas, sobre a origem, o uso, a produo e o destino dos objetos da coleo.

    As respostas foram dadas atravs das informaes obtidas nas produes bibliogrficas,

    para a fundamentao terica conceitual e nos documentos arquivsticos, para o levantamento dos fundamentos contextuais sobre a aquisio e uso dos objetos no ensino da Astronomia no Rio de Janeiro. Procurou-se utilizar os princpios da documentao museolgica para alcanar o resultado pretendido de traar a trajetria desse conjunto de artefatos. Esse processo constituiu a base para determinao de caractersticas formais e contextuais dos objetos

    Os documentos consultados foram os de carter administrativo, institucional e didtico, entre eles, atas, relatrios, ofcios, regulamentos, artigos cientficos, fotos, programas e currculo das disciplinas,

    relativos criao e administrao da Escola Politcnica, da Faculdade Nacional de Filosofia, da

    Escola Nacional de Engenharia e do Observatrio do Valongo. Foram pesquisados no Arquivo Nacional, no Museu da Escola Politcnica; na Biblioteca do Observatrio do Valongo; no Protocolo Histrico da Escola Politcnica, no Arquivo Geral da Cidade, na Diviso Patrimonial da UFRJ e em arquivos eletrnicos, onde foram localizados cerca de mil documentos com informaes relevantes para a pesquisa, de um conjunto inicial de milhares de documentos ligados Escola Politcnica e ao Observatrio.

    As informaes encontradas nesses documentos foram muito importantes para o conhecimento sobre como os objetos foram adquiridos ou para que foram usados, inclusive daqueles que no se tinha nenhum dado. A semelhana dos tipos de objetos citados nos documentos com os que so parte da coleo contribuiu para o conhecimento sobre seu possvel uso, como os acessrios ou objetos que eram partes de um conjunto.

    A anlise das notas de compra, relatrios de pesquisa, artigos e trabalhos cientficos, ofcios

    administrativos, currculos, processos de compra, entre outros, esclareceu o uso desses objetos, como as mquinas fotogrficas, as vidrarias de laboratrio, os chassis de placas fotogrficas, objetos fotogrficos

    e outras peas importantes no desenvolvimento das atividades de ensino e pesquisa no Observatrio,

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    como os instrumentos citados nas planilhas usadas nas aulas prticas do Observatrio, no Morro de Santo Antonio, na dcada de 1920, teodolito, cronmetro, barmetro e termmetro.

    O conhecimento dos projetos desenvolvidos nas dcadas de 1960 e 1970, sobre ocultaes de estrelas e manchas solares, esclareceu o uso dos acessrios presentes na coleo como oculares e filtros,

    usados em fotos lunares e solares. A citao de tipos de objetos nos temas apresentados nos currculos e os tpicos dos trabalhos desenvolvidos nas aulas tambm foram fundamentais para o conhecimento do uso desses objetos, os inventrios e listas de grupos dos objetos de alguns perodos contriburam para a compreenso das presenas e perdas na coleo. Outros dados interessantes foram conhecidos atravs dos documentos que revelaram a dinmica das atividades da instituio. Informaes sobre aquisies, transferncia, abandono, desgaste, modernizaes e sucateamentos. Aos poucos, durante o processo de pesquisa, cada objeto recebia uma explicao e se incorporava como elemento real da Coleo.

    Outra fonte importante de dados foram as marcas encontradas nos prprios objetos, algumas vezes determinantes para a continuidade da pesquisa devido a dificuldade de identificao dos objetos,

    uma caracterstica nesse tipo de coleo. Dessa forma, datas, nomes de fabricantes, carimbos e placas gravadas foram essenciais para a identificao e esclarecimento da importncia dos objetos na coleo,

    como a data de 1910, gravada na equatorial T. Cooke, a de 1880 gravada na equatorial Pazos ou o carimbo da Comisso Cientfica de Explorao, realizada no Cear, entre 1859 e 18612, em um calibrador de nvel de bolha.

    Os dados coletados formaram um quadro que apresentou os aspectos inerentes ao prprio objeto e ao seu uso no ensino e na pesquisa no Observatrio, assim como, informaes sobre as fontes de referncia dos dados apresentados. Aps analisados e inter-relacionados, esse dados demonstraram os percursos e os traos comuns aos elementos do grupo, estabelecendo caractersticas que contriburam para um conhecimento mais completo da coleo que permitiu a construo da trajetria da formao desse conjunto de artefatos. Neste trabalho, sero apresentados somente alguns desses fatos que traduzem parte dessa trajetria.

    2 A TRAJETRIA DA FORMAO DA COLEO NO MORRO DE SANTO ANTONIO

    A seguir sero apresentadas informaes referentes trajetria do conjunto de objetos do Observatrio no perodo em que esteve situado no Morro de Santo Antonio, no centro da cidade do Rio de Janeiro. Essa fase constitui o momento inicial de criao dessa instituio e, aqui nesse trabalho, foi dividida por temtica com informaes sobre a aquisio dos objetos e sobre o uso dos mesmos nas aulas prticas que aconteceram naquele local.

    2 A Commisso Scientfica de Explorao, tambm conhecida como Comisso Cientfica do Imprio ou Comisso das Borboletas, foi uma expedio cientfica organizada pelo Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro em 1856 e realizada entre os anos de 1859 e 1861, com o objetivo de reunir informaes sobre recursos naturais e sobre as populaes indgenas no interior do pas, cujo pesquisador responsvel, nas reas de Astronomia e Geografia, foi Giacomo Raja Gabaglia, matemtico e professor da Academia de Marinha. (BRAGA, 2004)

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    2.1 Sobre a Aquisio de Instrumentos

    A formao do conjunto instrumental que daria origem coleo de Objetos de C&T do Observatrio remonta a um perodo anterior sua fundao. Isso pode ser constatado atravs de documento encaminhado ao Ministrio do Imprio pelo diretor interino da Escola Politcnica, Ignacio da Cunha Galvo, contendo um pedido para a compra de uma luneta e um oramento3 de 1880. Nessa documentao vinha a indicao para a aquisio de uma luneta que fora examinada pelo Dr. Manuel Pereira dos Reis, correspondendo a um valor de 750$000 (setecentos e cinqenta mil ris) para a sua compra. interessante citar que um recibo simples de 24 de julho de 1880 acusa a compra de uma luneta astronmica no valor de 760$000 (setecentos e sessenta mil ris)4. A coincidncia da data dessa compra com a data gravada na luneta fabricada por Jos Hermida Pazos permitiu a suspeita de que a luneta seja a luneta Pazos, uma das principais peas da coleo, por sua originalidade e uso no Observatrio.

    Em 1906,5 uma nota de fornecimento de Carlos Raynsford atestou a compra de um prisma e o conserto de um nvel para a luneta meridiana acotovelada, o que trouxe luz ao processo de aquisio da luneta acotovelada Julius Wanschaff . Da mesma forma, um ofcio e uma nota fiscal de 1907 elucidaram

    o processo de aquisio do teodolito astronmico de Paul Gautier6 e de um crongrafo Peyer Farvager.7

    Parte da trajetria de outro instrumento da coleo, a luneta equatorial T. Cooke & Sons, tambm foi esclarecida pela proximidade da data presente em alguns documentos com a data (1910) gravada no prprio objeto, elucidando o seu processo de solicitao, compra, recebimento e instalao.

    Um documento de 1907, com a solicitao de informaes ao fabricante T. Cooke & Sons foi o registro que deu incio trajetria desse objeto no Observatrio. Posteriormente, no Dirio Oficial e

    nos Relatrios da Diretoria da Escola Politcnica do Rio de Janeiro, em 1908, foram encontrados dados sobre a liberao de verba para a compra de um telescpio do mesmo tipo, entre 1908 e 1910, dados sobre a construo de uma torre para a instalao de um telescpio e, ainda em 1910, dados sobre a chegada e instalao de uma equatorial T. Cooke & Sons no Observatrio.

    Outros documentos, como esquemas de instalaes, por exemplo, para a transmisso da hora servindo o receptor do apparelho Morse do Chronographo, trouxeram informaes sobre os tipos de instrumentos e o seu uso, como pndulas, cronmetros, crongrafo, rel, bargrafo, trazendo grande contribuio para o entendimento da formao de parte da coleo.8

    3 Oramento datado de 2 de julho de 1880, encaminhado ao Ministrio do Imprio atravs do oficio n.59, de 3 de julho de 1880, da Diretoria da Escola Politcnica. AN IE3 82 (1880).4 Recibo manuscrito de 24 de julho de 1880 que acusa a compra de uma luneta astronmica no valor de 760$000 (setecentos e sessenta mil ris) (AN - IE3 82).5 Nota fiscal da Casa Raynsford. Rio de Janeiro, 18 de dezembro de 1906, no valor: R$185$000 (cento e oitenta e cinco Ris), referente ao conserto de um nvel e compra de um prisma (AN- IJ2 187).6 Solicitao manuscrita pedindo $5:600$000 contos de Ris, para a compra de uma luneta de passagem e um teodolito P. Gautier; e um Oficio de 26 de janeiro de 1907 da Escola Politcnica autorizando a compra.7 Nota fiscal da Casa Raynsford, datada de 20 de dezembro de 1907 no valor de $457:000 (quatrocentos e cinqenta e sete Ris) (AN- IJ2 183).8 Schema de Installao para a transmisso da hora servindo o receptor do apparelho Morse do Chronographo (UFRJ/OV/Biblioteca).

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    2.2 Sobre o uso dos Instrumentos nas Aulas Prticas

    A freqncia dos alunos e o contedo aplicado nas aulas prticas no Observatrio, entre os anos de 1896 e 1934, foram conhecidos atravs das informaes contidas em cinco livros de registro, que cobrem o perodo entre 1896 a 1934, onde eram anotados: o dia da aula e o contedo aplicado, assinado pelo preparador e pelo Lente da Cadeira. A anlise das informaes trouxe esclarecimento sobre os

    instrumentos da coleo e, tambm, sobre o uso de instrumentos similares, conforme pode se perceber nas citaes dos livros a seguir referentes aos perodos entre 1914-19169 e 1917-1918 10. Examinou-se a medir uma distncia zenithal e a determinar a hora no Chronometro. Assinado pelo Lente da

    Cadeira Amoroso Costa em 20 de agosto de 1914. Fizero-se leitura nos micrmetros do theodolito de Gauthier e mediro ngulos. Assinado pelo preparador da cadeira Orozimbo Lincoln Nascimento, em

    26 de agosto de 1914. Ensinou-se a manusear mappas do cu e descreveu-se a equatorial. Assinado

    pelo preparador da cadeira Orozimbo Lincoln Nascimento, em 23 de maio de 1917. Observou-se numa luneta meridiana, no theodolito e na equatorial (satlites e crateras). Assinado pelo Lente da

    Cadeira Francisco Bhering, em 02 de fevereiro de 1917. Outros detalhes sobre o uso de instrumentos como teodolito, cronmetro, barmetro e termmetro

    foram conhecidos atravs de algumas planilhas referentes a exerccios prticos de determinao da hora11 e de determinao da latitude12, realizados pelos alunos no Observatrio, em 1923, existentes no Fundo Amoroso Costa13 do Arquivo de Histria da Cincia do MAST.

    Neste perodo, as notas fiscais trouxeram conhecimentos sobre a aquisio de vrios

    instrumentos. No entanto, muitos no puderam ser localizados na coleo, uma vez que as informaes encontradas apresentavam somente o nome dos instrumentos sem dados dos fabricantes. Por outro lado, de alguns poucos, como o teodolito de Paul Gautier, a equatorial T. Cooke & Sons, a luneta acotovelada Julius Wanschaff, o crongrafo e a pndula Peyer Farvager, foi possvel conseguir informaes que confirmassem serem os objetos existentes hoje na coleo.

    No entanto, o conhecimento dos tipos de instrumentos e do seu uso nas aulas prticas, atravs dos relatrios de atividades e dos livros de freqncia, compuseram dados interessantes sobre a rotina das aulas, os contedos aplicados e a dinmica dos alunos. Alm disso, atravs das informaes sobre instrumentos semelhantes, encontrados nesses documentos, foi possvel correlacionar com o uso daqueles que se encontram na coleo, enriquecendo o conhecimento sobre os mesmos.

    9 Livro de freqncia dos alunos nas aulas prtica de Astronomia no Observatrio Astronmico da Escola Politcnica no Morro de Santo Antonio. Rio de Janeiro, 1914-1916. (UFRJ/OV/Biblioteca)10 Livro de freqncia dos alunos nas aulas prtica de Astronomia no Observatrio Astronmico da Escola Politcnica no Morro de Santo Antonio. Rio de Janeiro, 1917-1918 (UFRJ/OV/Biblioteca).11 Planilha de determinao da hora pelo mtodo Zinger. Observaes realizadas no Observatrio Astronmico da Escola Politcnica do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 1923 (MAST/Arquivo - AC.T.3.015 ).12 Planilha de determinao da latitude pelo mtodo Sterneck Observaes realizadas no Observatrio Astronmico da Escola Politcnica do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 1923 (MAST/ Arquivo - AC.T.3.016.).13 Lente Catedrtico da Cadeira de Astronomia e Geodsia, entre os anos de 1924 a 1930, no Observatrio Astronmico da Escola Politcnica.

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    3 A TRAJETRIA DE FORMAO DA COLEO NA CHACARA DO VALONGO SEO

    A seguir sero apresentadas informaes sobre a trajetria do conjunto de objetos do Observatrio no perodo a partir de sua transferncia para o Morro da Conceio, situado prximo ao Morro de Santo Antonio, ambos no centro da cidade do Rio de Janeiro. Essa fase foi dividida em duas temticas principais: o processo de transferncia do Observatrio em si e os fatos relacionados ao curso de Astronomia, ministrado nesse local at os dias de hoje, onde tambm se inserem as pesquisas ali realizadas.

    3.1 A Transferncia do Observatrio para a Chcara do ValongoEntre os anos de 1924 e 1926, o Observatrio foi transferido para a Chcara do Valongo, em

    funo da realizao de melhoramentos no Morro de Santo Antonio, local onde estava anteriormente situado. Para isso, os instrumentos foram desmontados e encaixotados, sendo transportados por veculo ou cabea, de um morro ao outro, atravs de uma distncia de aproximadamente 1km. Entre esses objetos, destacam-se as grandes lunetas equatoriais Hermida Pazos e T. Cooke & Sons.14

    O primeiro instrumento a ser montado foi a luneta Hermida Pazos, instalada em um prdio, onde se encontra at hoje, que guarda grande semelhana com o pavilho original no Morro Santo Antonio. Para a luneta equatorial T. Cooke & Sons foi construdo um pavilho de forma circular com 5,50m de dimetro, em dois pavimentos, onde ela est montada at hoje. Os outros instrumentos ficaram

    guardados nas caixas at a ocasio de serem instalados.A partir de 1926, o Observatrio Astronmico da Escola Politcnica passou a funcionar na

    Chcara do Valongo. As aulas prticas foram ministradas at 1936, pelo assistente da Cadeira de Astronomia, Orozimbo Nascimento, ano em que faleceu. Sendo posteriormente ministrada, de forma espordica, pelo lente da Cadeira Dr. Allyrio H. Mattos, Professor Catedrtico da Disciplina at 1954, quando se aposentou.

    Poucos registros e informaes foram encontrados entre 1936 e 1957. Contudo, ao se comparar o inventrio15 de 1920 com uma lista de instrumentos de 1957, foi constatada uma grande reduo no conjunto de instrumentos. Apesar de no terem sido encontradas provas documentais sobre os motivos dessa perda, o abandono do Observatrio, entre as dcadas de 1940 e 1950, aps a morte do Assistente, parece ser o provvel motivo. Outra lista, de 1967, onde foram relacionados instrumentos enviados para a Escola de Engenharia, na j Universidade Federal do Rio de Janeiro16, trouxe esclarecimentos sobre a ausncia de sete teodolitos e dois sextantes.

    14 Demonstrao dos servios executados no Morro de Santo Antonio para mudanas e instalao provisria do Observatrio da Escola Politcnica e das respectivas verbas obtidas para este fim, entre 1924-1926 (UFRJ/OV/Biblioteca). p.2415 Documento considerado uma pea preciosa do acervo histrico, um manuscrito onde esto relacionados os bens mveis e imveis, separados por categoria de materiais. Est dividido em trs partes: a primeira com os bens adquiridos at 1920, a segunda relaciona os itens adquiridos no ano de 1921 e a terceira apresenta fotografias relacionadas a alguns desses bens (UFRJ/OV/Biblioteca).16 Com a transformao da Universidade do Brasil em Universidade Federal do Rio de Janeiro, pelo decreto n 60.455-A de 13 de Maro de 1967 foi extinta a Faculdade Nacional de Filosofia e o Curso de Astronomia foi incorporado ao Instituto de Geocincias. O Observatrio do Morro do Valongo foi transformado em rgo Suplementar do Centro de Cincias Matemticas e da Natureza.

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    3.2 O Curso de Astronomia no Observatrio do ValongoEm 29 de novembro de 1957, foi aprovada pela Congregao da Faculdade Nacional de Filosofia

    (FNFi) da Universidade do Brasil17, o Curso de Graduao em Astronomia18. As aulas iniciaram em 1958 e o Observatrio do Morro do Valongo, ento parte da Escola Nacional de Engenharia, da Universidade do Brasil, passou a ser a sede das aulas prticas do curso, disponibilizando suas instalaes e equipamentos para uso dos professores e dos alunos.19

    No currculo aprovado (CURSO, 1960, 2) para o desenvolvimento do curso, as atividades referentes prtica astronmica eram ministradas na terceira e na quarta sries, onde eram estudados os instrumentos e os seus usos: nvel, teodolito, luneta meridiana, cronmetro, crongrafo, pndulas, sextantes, telescpio, observaes visuais, fotogrficas, fotomtricas, espectroscpicas, termoeltricas

    e polarimtricas.O uso dos instrumentos, nesta fase do observatrio, gerou produes acadmicas e cientficas,

    algumas foram divulgadas em publicaes do prprio Observatrio.Em 1960, o Observatrio do Morro do Valongo publicou o primeiro fascculo do Boletim do

    Curso de Astronomia, de um conjunto de cinco fascculos publicados entre os anos de 1960 e 1966, com o objetivo de dar [...] conhecimento dos trabalhos didticos e fornecer os resultados das observaes astronmicas realizadas pelos professores e alunos do Curso de Astronomia [...], conforme palavras

    do Professor Luis Eduardo da Silva Machado, ento, Diretor do Observatrio. (MACHADO, 1960). Os trabalhos identificados neste Boletim trouxeram esclarecimento sobre o uso dos instrumentos

    e acessrios da coleo. Por exemplo, pode se constatar o uso do cronmetro Peyer Farvager em um artigo sobre a determinao das coordenadas geogrficas das cpulas das equatoriais Pazos e T. Cooke

    & Sons, (ENGEL, 1960, p.20).Dentre as inovaes, no Valongo, destaca-se a montagem de um pequeno, mas funcional,

    laboratrio fotogrfico, instalado para revelao das fotografias obtidas nas observaes astronmicas

    realizadas nas pesquisas e para as aulas da disciplina de tcnicas fotogrficas, ministradas pelo professor

    Guilherme Wenning, oriundo do Instituto Militar de Engenharia. Essa informao esclareceu a presena na Coleo dos objetos ligados a rea de Fotografia.

    Diante da nova estrutura estabelecida com a criao do Curso de Graduao, o Observatrio, a partir de 1961, passou a participar de programas internacionais de observao e pesquisa astronmica, envolvendo atividades20 como: registros fotogrficos da fotosfera solar, registro fotogrfico da superfcie

    17 Em 1920 a Escola Politcnica do Rio de Janeiro, a Faculdade Nacional de Direiro e a Escola Nacional de Medicina, compuseram a Universidade do Rio de Janeiro, que depois foi denominada Universidade do Brasil e, mais tarde, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Nesta instituio foi fundado o Observatrio Astronmico da Escola Politcnica que, posteriormente, ficou conhecido como Observatrio do Valongo.18 Ata da reunio, extraordinria, realizada no dia 29 de novembro de 1957 na Faculdade Nacional de Filosofia - FNFi (UFRJ/PROEDES/Arquivo).19 Ata da sesso da Congregao da ENE da FNFi da UB, realizada em 8 de abril de 1959. 4f. (UFRJ/Museu da Escola Politcnica).20 [Relatrio] de 19 de setembro de 1962, dos Professores do curso e astronomia da FNFi e os integrantes do grupo de trabalho que opera no Observatrio do Valongo da Universidade do Brasil. Resumo das atividades do curso de astronomia e os resultados obtidos no OV desde 1959. Para Presidente do Conselho Nacional de Ensino e Pesquisa da Universidade do Brasil. Processo n.4.643/62 (UFRJ/

  • GT9 2761

    lunar, registro fotogrfico das superfcies planetrias, observaes micromtricas de estrelas duplas,

    observaes relativas astrometria meridiana, registro fotogrfico de eclipses do Sol e da Lua, registro

    de ocultaes de estrelas pela Lua,21 registro de posio de cometas.Os resultados dessas observaes geraram trabalhos publicados nos nmeros do Boletim de

    Curso de Astronomia e numa srie denominada Contribuies do Observatrio do Valongo, entre 1966 e 1972. Esses dados eram apresentados em tabelas mensais que eram enviadas s instituies receptoras das contribuies dos centros de cooperao internacional dos programas de observao astronmica, como Observatrio Federal de Zurich, o Royal Greenwich Observatory e a Yale University.

    Um ofcio datado de 1965, enviado ao Presidente do Conselho de Pesquisa da Universidade do Brasil, esclareceu e confirmou o uso dos seguintes instrumentos nesses projetos:

    [...] o observatrio do Morro do Valongo conta com o material mnimo para a execuo do programa de observaes: Telescpio foto-visual Cooke-12; Telescpio Pazos 116mm; Micrometro filar de posio Cooke; Cmeras fotogrficas especiais; Crongrafo de fita; Bateria de cronmetros; Material fotogrfico, filmes, chapas e drogas; Dois rdios receptores e Laboratrio fotogrfico.

    A partir da dcada de 1970 e at a dcada de 1990, o Curso de Astronomia passou por algumas reformas curriculares que tinham por finalidade atualizar o ensino da Astronomia. Essas reformas

    tambm determinavam alteraes do seu conjunto instrumental, ocasionando modernizaes, aumento e diminuio do nmero de objetos desse conjunto.

    As reformas curriculares passaram a destacar tcnicas fotogrficas, aplicadas aos mtodos de

    observao e reduo astronmica, o uso da informtica, impulsionando a substituio dos equipamentos por outros mais adequados s novas tecnologias. (CAMPOS, 1995, p.4).

    Na dcada de 1970, o conjunto instrumental do Observatrio teve um importante acrscimo com o recebimento de equipamentos provenientes do acordo MEC/Leste Europeu (BRASIL, 1967a). A partir da, recebeu e instalou em seu Campus um telescpio refrator Coud, importante para pesquisa sobre o Sol, quatro telescpios portteis para uso no ensino e nos projetos de extenso universitria22; um visor de cometa; um fotmetro rpido GII com acessrios; um projetor de espectros modelo SP-II com acessrios; um comparador de placas siderais Blink; uma objetiva acromtica; um aparelho de medio de coordenadas (coordenatgrafo) modelo Ascorecord, para uso nas redues e interpretaes dos dados resultantes de observaes astrogrficas.

    Esses equipamentos e seus acessrios, como chassis e suportes de placas, fazem parte da Coleo. Quando em uso, foram empregados no ensino do Curso de Astronomia, nas pesquisas realizadas no

    OV/Biblioteca).21 Ocultaes rasantes de estrelas pela Lua.A ocultao de uma estrela pela Lua se verifica quando esta em virtude do seu movimento orbital ao redor da Terra interpe-se entre o observador e a estrela. O estudo desse fenmeno feito com o intuito quase que exclusivo de fixar a posio do centro da Lua, relativamente ao campo estelar vizinho.A presena do relevo lunar, montanhas e crateras, ocasionam nas ocultaes rasantes, uma srie de reaparies e desaparies da estrela. O rigoroso registro desses sucessivos instantes permite o levantamento da topografia lunar junto aos seus plos.(MACHADO, 1973, p.6-7).22 Relatrio das atividades do OV no ano de 1973 (Datilografado) (UFRJ/OV/Biblioteca).

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    Observatrio do Valongo e em atividades de extenso, como nas observaes voltadas para o pblico externo. Destacam-se os estudos ligados rea de astrometria, desenvolvidos entre 1980 e 1990, em conjunto com o telescpio astromtrico, instalado no Observatrio de Capricrnio, em Campinas,23 o coordenatgrafo e o comparador de placas astrogrficas, que formaram um conjunto cujo uso resultou

    em trabalhos acadmicos e cientficos publicados.

    No curso de graduao, foram usados na realizao de trabalhos de iniciao cientfica e na

    pesquisa,24 entre eles, em projetos sobre astrometria, fotometria de asterides e cometas, na obteno da posio precisa dos corpos celestes em placas fotogrficas. Tambm foram usados na reduo de

    dados das placas astrogrficas obtidas pelos astrnomos do OV em observaes no European Southern

    Observatory - ESO - La Silla, nos Andes Chilenos, e na Estacin de Altura El Leoncito, Observatrio Astronmico da Universidade de San Juan, nos Andes Argentinos (MACHADO, 1984, p.3).

    Foram, tambm, usados nos projetos de integrao com a comunidade, quando eram montados os telescpios de campo para observaes astronmicas de eventos como eclipses e passagens de cometas. Na passagem do Cometa Halley, em 1986, o evento foi observado pelo pblico visitante nos telescpios portteis, incluindo entre eles os quatro telescpios portteis Zeiss/Jena e, tambm, a luneta astronmica Zeiss/Jena, que foi colocada no Po de Acar para observao do fenmeno, pelo pblico.

    4 NOVAS TRAJETRIAS

    A partir da dcada de 1990, com as inovaes tecnolgicas, muitos equipamentos usados no Observatrio foram sendo substitudos, alguns foram guardados por pessoas que viam neles algum tipo de valor. Outros permaneceram intocados, talvez pelo seu tamanho, o que dificultava seu descarte.

    No final da dcada de 1990, a preocupao com a preservao dos elementos referentes

    memria institucional despertou o interesse para a recuperao desses objetos que refletiam o passado.

    Dessa forma, em 1996, um levantamento realizado com o objetivo de conhecer quais os objetos que ainda existiam e que podiam ser considerados histricos, constatou a necessidade de se adotar medidas para sua recuperao e preservao. Dessa forma, entre 1997 e 2005, foi desenvolvido em trs fases o projeto Preservao da Memria Astronmica do Observatrio do Valongo, quando foram recuperados alguns instrumentos e cpulas e preparados lugares especficos para expor os instrumentos

    restaurados. A partir desses resultados, entre 2007 e 2008, foram iniciados outros dois projetos, quando foi recuperado outro espao para exposio dos objetos. Ainda em 2008, foi firmado um convnio com

    o Museu de Astronomia e Cincias Afins - MAST, para a recuperao, identificao, documentao e

    organizao dos objetos.

    23 Devido falta de condies apropriadas, tanto atmosfricas quanto do terreno, esse equipamento no pode ser instalado no OV. Foi enviado para Campinas, SP, Brasil, onde foi construdo um prdio para receb-lo no Pico das Cabras, uma regio favorvel que foi considerada favorvel para a instalao, que foi realizada a partir de um convnio entre a UFRJ, a Prefeitura de Campinas, a UNICAMP e PUCC, estabelecendo um Programa de cooperao tcnico-cientfica, principalmente em pesquisas astromtricas.24 Ofcio n. 58/87, datado de 11 de junho de 1987, da Diretoria do OV para a Reitoria da UFRJ (UFRJ/OV/Biblioteca).

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    Como resultado dessas iniciativas, foi preservado um conjunto de documentos que representam a memria institucional e parte da histria da prtica de ensino da Astronomia no Brasil, em especial no Rio de Janeiro. Constituindo, tambm, parte do patrimnio universitrio e da Cincia e Tecnologia do Brasil. Esse conjunto inclui a Coleo dos Objetos de C&T do OV.

    5 CONSIDERAES FINAIS

    A construo da trajetria da formao da coleo permitiu identificar vrias etapas pelas quais

    os objetos passaram, nas quais esses objetos transitaram de teis a obsoletos e abandonados, at serem percebidos como reflexo de um passado que precisava ser recuperado, quando foram ento reunidos

    e tratados transformaram-se em testemunhos reconhecidos das prticas realizadas no Observatrio. importante destacar que o aporte de conhecimentos e metodologias realizado pela Museologia foi fundamental para chegar ao resultado obtido, seja atravs das informaes obtidas a partir dos objetos em si, seja em funo dos procedimentos de documentao utilizados que propiciaram um melhor conhecimento dos objetos e do seu conjunto, seja atravs da teoria museolgica relacionada ao estudo das colees.

    A construo da trajetria trouxe mais do que o conhecimento sobre as aquisies, usos, produes e destino desses objetos, contribuiu para a caracterizao da coleo como patrimnio da Cincia e Tecnologia do Brasil, transformando-a em um conjunto portador de referncias memria do grupo que a detm. Ela traz potencialidades onde se reconhecem prticas, representaes, expresses, conhecimentos e tcnicas gravadas nas marcas de seus objetos e que, pouco a pouco, ao serem conhecidas, formaram suas identidades.

    Conforme a trajetria dos objetos era conhecida, cada objeto ou grupo de objetos da coleo recebia explicaes que o confirmava como participante das atividades realizadas no Observatrio.

    Durante o processo de construo da trajetria da coleo foi interessante compreender que o mais importante no era provar que um objeto da coleo era o que estava citado nos documentos, mas perceber que as informaes os caracterizavam como itens reais daquela coleo, no s pelo seu uso, mas, principalmente, por terem sido importantes na construo da identidade institucional e elementos ativos no desenvolvimento da C&T brasileira.

    No mbito da Museologia, alm das contribuies j mencionadas, os esforos que levaram formao da coleo permitem vislumbrar futuramente sua transformao de coleo visitvel em uma coleo museolgica25, j que possvel que o Observatrio se constitua, no futuro, em um museu. Quando, ento, as informaes obtidas sobre os objetos da coleo possam ser usadas para a construo de narrativas sobre o ensino da Astronomia em exposies abertas ao pblico, assim como, utilizadas

    25 Art. 1o da lei n 11.904, de 14 de janeiro de 2009. Consideram-se museus, para os efeitos desta Lei, as instituies sem fins lucrativos que conservam, investigam, comunicam, interpretam e expem, para fins de preservao, estudo, pesquisa, educao, contemplao e turismo, conjuntos e colees de valor histrico, artstico, cientfico, tcnico ou de qualquer outra natureza cultural, abertas ao pblico, a servio da sociedade e de seu desenvolvimento.

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    para as atividades desenvolvidas como extenso universitria. Ainda nesse mbito, esses dados serviro para complementar as informaes que compem a documentao da coleo, disponibilizada na Base de Dados Minerva26 do Sistema de Documentao da UFRJ.

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    C O M U N I C A O O R A L

    INTERATIVIDADE EM MUSEUS: UM ESTUDO CRTICO DO CONCEITO DE INTERATIVIDADE DE JORGE

    WAGENSBERG

    Luisa Maria Gomes de Mattos Rocha

    Resumo: Este trabalho tem por objetivo realizar uma reflexo critica sobre o conceito de interatividade proposto pelo fsico Jorge Wagensberg, tendo como fundamentao terica a teoria crtica de Jrgen Habermas e os estudos sociais de Bruno Latour. nfase ser dada ao experimento como recurso interativo museolgico para a divulgao e a aprendizagem informal em cincia e tecnologia, uma vez que conceito central da teoria do fsico. A anlise realizada constitui um olhar sobre os conceitos de Wagensberg que evidencia a necessidade de assumirmos a complexidade do dilogo entre cincia e sociedade no campo museolgico.

    Palavras-chave: interatividade; museus; experimento; Jorge Wagensberg.

    Abstract:This work aims to make a critical reflection on the concept of interactivity proposed by physicist Jorge Wagensberg, from the critical theory of Jrgen Habermas and the social studies of Bruno Latour. Emphasis will be given to the experiment as a museological interactive resource for the scientific dissemination and informal learning in science and technology, since it is a central concept of the physical theory. The analysis is a look at the concepts of Wagensberg which highlights the need to assume the complexity of the dialogue between science and society in the museum field.

    Key words: interactivity; museums; experiment; Jorge Wagensberg

    1. Introduo Os conceitos podem assumir diferentes significados em outras reas do conhecimento ou em

    diferentes contextos socioculturais, na medida em que no seu desenvolvimento histrico ao cruzar fronteiras, disciplinares ou ontolgicas, se redefiniram pela associao com outros conceitos, teorias

    e prticas, em funo de novos problemas. O conceito de interatividade tem sido objeto de discusso em diferentes reas, mas sua aplicao na rea de museus encontra na divulgao cientfica um campo

    frtil de problematizao e anlise. A partir de algumas consideraes histricas sobre o experimento como recurso interativo

    das exposies de museus de cincia, apresentaremos o conceito de interatividade proposto pelo fsico e diretor do Museu de Cincia Cosmocaixa de Barcelona, Jorge Wagensberg, que defende uma Museologia baseada na emoo como elemento fundamental para transmisso do conhecimento cientfico e apia-se no experimento como recurso principal interativo. Pretendemos discutir os

  • GT9 2769

    conceitos do fsico atravs do suporte terico conceitual da teoria crtica de Habermas e dos estudos sociais de Bruno Latour.

    Especial nfase ser dada ao experimento como recurso interativo museogrfico para a

    divulgao e a aprendizagem informal em cincia e tecnologia.

    2. Consideraes histricas sobre o experimento

    Desde o surgimento do Exploratorium de So Francisco em 1969, com a proposta didtica do fsico Frank Oppenheimer (1912-1985) de criar uma coleo de experimentos sobre os fenmenos cientficos para ser manuseada pelo pblico, que se iniciou um movimento nos museus de cincia em

    prol da implantao de exposies que propiciassem a interatividade atravs dos experimentos.

    Contudo, a idia de apresentar estes experimentos tem sua prpria historicidade. Na viso de Jan Rupp (1995, p.488), a idia de demonstrao e apresentao didtica de

    fenmenos cientficos tem sua origem no teatro de anatomia pblica. Ele se inicia na Itlia e na

    Alemanha no sculo XVI, como palestras anuais sobre os segredos da natureza apresentados a uma

    audincia de homens e mulheres de diferentes classes sociais utilizando-se da tcnica da dissecao de cadveres, do uso de microscpios e de outros experimentos em animais.

    Na perspectiva de Robin Rider (1983, p. 129) o teatro de anatomia pblica se reporta, no sculo XV, s dissecaes anatmicas para estudantes ocorridas nos cursos de medicina. O fato que no sculo seguinte estes adquirem o carter teatral com o demonstrador exercendo um duplo papel, de cirurgio e de condutor do espetculo.

    Reconhecendo as suas vantagens pedaggicas, os professores de filosofia experimental, no

    sculo XVII, adotam a prtica de demonstrar verdades cientficas para seus alunos. As demonstraes

    teatralizadas ganharam as preferncias dos alunos ao invs dos experimentos, o que direcionou mais tarde s apresentaes para a magia natural (RIDER, 1983, p.133).

    A consolidao do caminho se manifesta na fundao do museu do Collegio Romano pelo professor de matemtica, filosofia natural e lnguas, Athenasius Kircher, que mesmo sendo um

    defensor do mtodo experimental praticava a magia. Esse museu era dedicado a curiosidades e magia natural, e tinha uma abordagem museogrfica baseada no entretenimento atravs de jogos de magia

    natural e experimentos demonstrativos da cincia popular (RIDER, 1983, p.116). Outras instituies, como a Royal Society de Londres realizavam demonstraes a partir dos experimentos descritos e desenhados na publicao da Academia Del Cimento, com o intuito didtico de mostrar a natureza em ao como forma de ensinar aos seus membros necessitados de experincia cientfica como

    arrancar os segredos da natureza (RIDER, 1983, p.112).

    No sculo XVIII, as conferncias pblicas da cincia se no apelavam para a magia buscavam na apresentao de fenmenos eltricos o assombro e o entretenimento capaz de mobilizar o pblico. Quem realiza este experimento o fabricante de instrumentos cientficos, Jean Antoine Nollet, que

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    na qualidade de conferencista tinha que agradar seu pblico baseado na sua reputao e na escolha do assunto e da atrao. Desta forma, como afirma Rider (1983, p.114),

    Os museus que requerem a participao do pblico seguem o vivo exemplo dos conferencistas pblicos e dos fabricantes de instrumentos do sculo XVIII, que levaram os experimentos demonstrativos s esquinas das ruas e aos sales. Comum a todos seu apreo pela surpresa e mistrio no experimento como espetculo.

    Preocupado com a relao entre cincia e pblico, Jan Rupp (1995, p. 495/502) analisa que as academias reais europias, constitudas a partir do sculo XVII, institucionalizam a cincia e a transformam em um negcio, com posies assalariadas para os curadores de experimentos e

    procedimentos para o acesso pblico a verdade e validade dos mesmos atravs da discusso entre testemunhas da demonstrao experimental. Na sua viso, entre os sculos XVIII e XIX no ocidente europeu, criou-se uma esfera pblica voltada para a experimentao, teste e discusso de conceitos

    da nova cincia, manifesta como um campo social altamente diversificado, contestado e complexo.

    Os principais problemas na construo desta esfera pblica foram seleo dos participantes no debate e a incluso de um pblico heterogneo na cena experimental. Para contornar estes problemas Rupp (1995, p.503) enfatiza o estabelecimento de regras poltico-morais como, por exemplo, nos teatros de anatomia, a origem do sujeito de dissecao (presos), a queima dos seus restos e os cdigos de comportamento durante a dissecao (autocontrole, tolerncia, modstia e polidez do pblico e dos participes da discusso).

    Na sua perspectiva, a esfera pblica tem que criar as suas prprias regras enfatizando o interesse comum, pois quanto mais heterogneo o background dos debatedores e testemunhas e mais variada as suas opinies, autocontrole e tolerncia mtua so requeridos para o desenvolvimento do debate. Para o autor regras similares so prescritas para comportamento nos museus, igrejas, concertos e parques pblicos criados no fim do sculo XIX (RUPP, 1995, p.503).

    Desde 1794, com a criao do Muse National de Tchnique na Frana, j eram concebidas exposies a partir de algumas premissas conceituais que atualmente configuram o conceito de

    interatividade, bem como as reas do conhecimento que a sustentam: Educao e Cincia (VALENTE; CAZELLI; ALVES, 2005, p.192).

    Naquela poca, os objetos de cunho tcnico e cientfico, ainda que tivessem um valor

    documental por serem instrumentos criados no processo de construo do conhecimento humano, eram apresentados em perfeito estado de funcionamento para demonstrao ou manuseio do visitante. Tal ao adquiria um carter prtico-pedaggico associando tanto o desenvolvimento de competncias tcnicas quanto importncia do papel da cincia e da tecnologia no progresso da humanidade.

    Como afirma Robert Fox e Pietro Redondi (1998, p.92-98), o museu tinha como finalidade no apenas

    agrupar mquinas, mas realizar cursos sobre teoria e prtica das artes industriais e de ofcio. Por

    isso mesmo, seu oramento previa gastos com experimentaes e com professores de cada profisso.

    Em sua poltica de coleo estava manifesto a necessidade de abrigar numa sala as novas invenes, na qual os cidados devero aos poucos se iluminar com os bons modelos e iluminar os artistas pela

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    justeza de suas observaes (1998, p. 129).

    No sculo XIX, inicia-se na Frana o processo de vulgarizao1 com o objetivo de colocar a cincia na vida das pessoas e com isso inserir-lhe no mbito poltico, econmico e literrio

    (BENSAUDE-VINCENT, 1993, p.49/50). A presena da cincia na vida social se amplia pelas exposies universais, sendo a primeira em 1851, no Palcio Cristal em Londres. O cientista francs Louis Figuier entendia que a vulgarizao tinha como objetivo no somente colocar a cincia como o centro do sistema cultural2, mas tentar provar sua caracterstica pedaggica e formadora. Para tal, desenvolveu um mtodo de exposio que conferia um fio narrativo s descobertas da cincia,

    descrevendo invenes, ilustrando sua utilizao e tornando compreensveis e familiares os novos objetos e materiais que as exposies universais apresentam (1993, p.22). Refora essa viso a

    anlise de Bensaude-Vincent (2001, p.102/104), na qual as exposies universais inseriram-se nessa misso educacional incentivando a apropriao do conhecimento cientfico e tcnico atravs das

    mquinas em funcionamento numa celebrao ao progresso.

    O movimento propiciou o surgimento de diversos museus de cincia na segunda metade do sculo XIX, nos quais a cincia era apresentada como sendo prtica, til, divertida, recreativa, popular e entretenimento (BENSAUDE-VINCENT, 2001, p.103). Destacamos que ambas as vises

    evidenciam que o experimento, entendido aqui desde a demonstrao da cincia biolgica at das

    novas tecnologias, tem uma trajetria histrica como recurso expositivo ou de apresentao, capaz de subsidiar em diferentes contextos histricos e culturais a sua utilizao como soluo para o dilogo cincia e pblico.

    No sculo XX, segundo Lins de Barros (1997, p.3), uma maior nfase foi dada aos princpios por detrs das mquinas como forma de educar, divulgar e inserir o cidado no mundo do conhecimento: a cincia se faz com o experimento, embora no esteja a ele restrito. Ou seja, no basta experimentar; mas no se pode ingressar na linguagem da cincia ps-galileana sem que se experimente ou sem o conhecimento do resultado da experincia (1997, p.4). No se pode esquecer que a origem do

    conceito de interatividade est na rea da Fsica que, pela sua influncia nas prticas e mtodos no

    mundo cientfico, propiciou uma rpida propagao nos espaos institucionais museolgicos.

    As exposies passam a ter como exigncia apresentao de objetos museais, histricos ou construdos, direcionados para a manipulao ou participao fsica do sujeito, denominada de interatividade hands on. Percebemos, assim, a tentativa de colocar em prtica a idia do contato fsico com o objeto de conhecimento como uma etapa do processo de aprendizagem.

    No fim de 1960, segundo Lins e Barros (1997, p.4/5), o conceito de experimento foi revisto,

    de forma a no mais se apoiar no objeto museolgico nem exclusivamente em atividades de apertar botes, mas no desenvolvimento de aparatos interativos capazes de evidenciar um princpio ou

    conceito cientfico, ainda que para isso se fragmente o experimento em diversos aparatos. O caminho

    1 A autora esclarece que antes do sculo XIX j existia um processo de difuso cientfica voltado para o mbito literrio que se distingue da vulgarizao pela caracterstica desta de colocar a cincia na vida social (BENSAUDE-VINCENT, 1993, p.53). 2 Figuier utilizava a metfora do sol (BENSAUDE-VINCENT, 2001, p.102).

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    foi forma encontrada de contornar as chamadas caixas pretas em que diversas aes e conceitos

    intermedirios de um dado experimento agiam como um obstculo para a sua compreenso por no serem de domnio pblico.

    3. A teoria da interatividade de Jorge Wagensberg

    Escolhemos enfocar o conceito de interatividade proposto pelo fsico e diretor de museu, Jorge Wagensberg, a despeito da existncia de outras teorias, em funo da ancoragem na cincia e no mtodo cientfico, em particular no experimento.

    Na atualidade, Jorge Wagensberg (2003a; 2003b) defende uma Museologia baseada na emoo como elemento fundamental para transmitir conhecimento cientfico para o pblico. O desafio da rea

    seria a construo de elementos emblemticos que fiquem na memria coletiva do cidado sem,

    contudo, perder o rigor cientfico. Afastando-se do enfoque clssico da pedagogia, Wagensberg (2003b)

    denomina sua forma de interessar a diferentes pblicos pela cincia como interatividade emocional.

    Ela estaria relacionada conversao: Experimentar conversar com a natureza. Pensar conversar consigo mesmo. E um bom museu propicia tambm a conversa entre os visitantes. Os elementos

    museogrficos teriam a funo de prover estmulos interatividade, que poderia ser classificada em

    trs tipos: a interatividade manual ou da emoo provocadora (hands on); a interatividade mental ou da emoo inteligvel (minds on) e a interatividade cultural ou da emoo cultural (heart on).

    Na sua viso, a interatividade manual introduziria o sujeito no problema cientfico, abrindo a

    possibilidade de conversao, na medida em que poderia sugerir uma nova manipulao ou suscitar questes a serem feitas e respondidas pelo sujeito. Contudo, Wagensberg (2003b) entende que a interao baseada no ato de pressionar um boto para acionar um processo pr-programado constitui-se numa caricatura. Isso porque os aparatos considerados interativos, apesar de gerarem uma

    atividade fsica, limitam a interao por apresentar um resultado nico e fechado e um conhecimento pronto e acabado. A interao no asseguraria um envolvimento mental.

    A interatividade mental significa, para Wagensberg (2003b), praticar a inteligibilidade

    da cincia, distinguir o essencial do acessrio, descobrir as convergncias e divergncias. As convergncias seriam as mais difceis porque se baseiam no que h de comum entre os diferentes

    objetos e/ou fenmenos e as reas do conhecimento, alm de correlacionar a sua essncia - o comum - com a vida cotidiana. A interatividade cultural prioriza as identidades coletivas dos museus, trabalhadas na interao social entre os visitantes atravs da explorao de experincias afetivas, cognitivas e culturais, desencadeando um processo de compreenso do contedo cientfico e de construo de

    conhecimento (WAGENSBERG, 2003b).Wagensberg (2003b) faz ainda referncia ao mtodo da emoo inteligvel, que se baseia

    no prazer de descobrir convergncias como forma de despertar emoes sobre a inteligibilidade

    do mundo. A cincia e seu mtodo cientfico constituem a base do processo de divulgao cientfica,

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    que se apia em trs princpios: objetividade, inteligibilidade e dialtica. A objetividade reside na escolha da forma mais direta e isenta de observao do objeto. A inteligibilidade na elaborao de uma representao mais densa e resumida que o objeto representado. E a dialtica reside na possibilidade do conhecimento ser modificado pela experincia.

    O fsico enfatiza que o elemento museolgico e museogrfico prioritrio a realidade,

    entendida como o fenmeno ou objeto real cientfico. O fsico pretende mobilizar o sujeito para a

    busca por conhecimento atravs de estmulos, despertando tambm o interesse pela prtica cientfica

    (WAGENSBERG, 2003b).

    4. Anlise crtica da teoria de Jorge Wagensberg

    Nesse subitem pretendemos analisar criticamente, sob o prisma comunicacional, a teoria de interatividade de Jorge Wagensberg pontuando algumas questes e desafios para o conceito nos

    museus. Num primeiro olhar percebemos que a abordagem da interatividade emocional do fsico

    est baseada no conceito de experimento. Um experimento para Ziman (1925, p.47), uma observao passvel de ser reproduzida.

    Nesse sentido, o autor explica que em circunstncias determinadas a experincia pode ser repetida inmeras vezes at que os seus resultados o convenam da sua validade, desta forma, a prova experimental passaria a ser de conhecimento pblico. Tal definio aponta para os prprios padres

    da cincia para validao do conhecimento que, neste caso, passaram a repousar nas evidncias ou provas obtidas atravs do mtodo experimental, que aps a sua formulao e realizao, prescinde de um sujeito determinado, visto que pode ser substitudo alcanando o mesmo resultado. As regras e padres cientficos foram constitudos histrica e culturalmente, como pode ser evidenciado na

    obra Galileu Galilei de Bertolt Brecht. Nesta, Galileu precisou de provas e, mais do que isso, ele

    teve de mudar o prprio critrio de validade da cincia, evidenciando que o experimento poderia produzir bases seguras para a cincia, assim como a tecnologia - no caso o telescpio - poderia ser um instrumento de amplificao do olhar humano.

    O pensamento cientfico contemporneo, segundo Chau (2005, p.221, 232/240), estaria

    baseado na demonstrao e na prova, fundadas nos procedimentos cientficos. A teoria cientfica

    resultaria das observaes e dos experimentos, uma vez que estes, atravs de mtodos experimentais rigorosos, teriam a funo de produzir e verificar conceitos. Tal como mencionado por Ziman, as

    caractersticas do experimento residem na observao e na possibilidade de verificao. Muoz-

    Martinez (2003, p.15) o relaciona ao recurso da repetio, a comprovao de conjecturas e hipteses e ao modo de verificao. Chau (2005, p.232/233) introduz outros aspectos importantes relativos ao

    mtodo cientfico como a relao causa e efeito, a objetividade, o instrumentalismo e a linguagem

    especfica e prpria.

    No mbito da cincia, ao optar pelo experimento como base da interatividade Wagensberg

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    se apia no mtodo cientfico das cincias experimentais, com regras e padres especficos de

    validao do conhecimento. Contudo, essas regras e padres por se apoiarem na racionalidade dos procedimentos para a validao de contedos tendem a reduzir os problemas manipulao metodolgica da realidade, descolando-se dos problemas prtico-morais da vida social. Como afirma

    Lins e Barros (1997, p.6): a cincia introduzida por Galileu levou-nos a um aparente distanciamento do mundo. O experimentador recorre a um instrumento, olha atravs de um aparato o mundo e, dessa forma, dele se distancia.

    Analisando sob o prisma da cincia reconstrutiva de Habermas, ter como base o experimento constitui ocultar o prprio processo dialtico de produo do conhecimento que est baseado num processo simultaneamente subjetivo e objetivo, onde no se pode separar a verdade e o mtodo, isto , as condies de possibilidade do conhecimento de suas condies de verificabilidade (2002,

    p.93). Retiradas as condies de possibilidade do conhecimento, advindas do sujeito formulador

    e apresentando apenas as suas condies de verificabilidade, estamos deixando a tarefa de construir

    uma teoria para o pblico da exposio que, neste caso, no compartilha do mesmo contexto que o cientista que a produziu, alm de no saber na prtica as regras e os jogos de linguagem que interagem na comunidade cientfica. Ao contrrio, a experincia3, caracterstica dos espaos museolgicos, pressupe um sujeito ancorado no tempo e no espao, com uma identidade e uma histria, indicando que as suas condies iniciais so sempre diversificadas, incorporando as variaes biogrficas

    como formao e pertencimento a coletivos culturais e sociais. Assim, enquanto o experimento est ligado a construo do saber cientfico, o con ceito de experincia est associado a um processo de

    acolhimento de todas as possveis dimenses do real, lidando com emoes e com sentido, sem se preocupar com explicaes ou causalidade.

    No experimento do museu, subtrai-se da sua reproduo o contexto da descoberta, da demonstrao4 e da aplicao, privilegiando-se um aparato mecnico ou analgico que em si no contm todas as articulaes prvias de sentidos: contexto histrico, cientfico (hipteses, buscas,

    erros e acertos, resultados e suas variaes, contexto de uso e de justificao) e cultural. Subtrai-se,

    a dimenso da compreenso e se aposta na observao, ainda que sob a forma de uma apresentao dinamizada. Tal substituio do sujeito-cientista por um sujeito qualquer se torna uma pea chave para entender porque o aparato interativo das exposies torna cada vez mais o museu de cincias em

    3 Entendemos a experincia museolgica a partir da definio de Museologia de Waldisa Russio Camargo Guarnieri:a relao profunda entre o homem, sujeito que conhece, e o objeto, parte da realidade qual o homem tambm pertence e sobre a qual tem o poder de agir, relao esta que se processa num cenrio institucionalizado, ou o museu (1990, p.7). Essa definio foi apresentada pela autora no Encontro do ICOFOM/ICOM em Estocolmo, no ano de 1981 e, at hoje, constitui um dos marcos tericos da Museologia brasileira, em funo da correlao que estabelece entre homem, objeto e realidade, no espao museolgico. No plano relacional, a autora menciona a importncia da percepo, do seu registro e da memria. No humano, os aspectos filosficos, ticos, psicolgicos e cognitivos, incluindo as relaes inter-humanas e sociais, considerando seus aspectos sociolgicos e polticos. No objeto, tanto os seus aspectos materiais, em funo da sua conservao, quanto aqueles decorrentes da construo e comunicao do conhecimento. No espao museolgico, a relao homem e objeto, essencialmente sob o prisma da comunicao (GUARNIERI, 1990, p.7). Assim, a experincia museolgica ocorreria na interao desses trs elementos, tendo como locus privilegiado o espao museogrfico, visto na sua dimenso comunicacional. 4 O contexto da demonstrao pressupe a reproduo de uma parte do experimento para um pblico especializado.

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    um museu de dois segundos5 ao invs de um espao de comunicao. A reproduo do experimento como aparato interativo de uma exposio, ainda que esteja inserida no mbito do museu, no contempla a definio de experincia, uma vez que objetivam resultados fechados, formatados e

    consolidados, no permitindo ao sujeito ancorado no tempo e no espao, numa identidade e uma histria a diversificao oriunda dos seus coletivos culturais e, portanto, a formatao de sua prpria

    experincia.A cientista da informao Gonzlez de Gmez (2006, 55/58), ao discorrer sobre a questo da

    narrao apia-se em Agambem (2005) para analisar o empobrecimento do homem moderno pela reformulao dos parmetros da experincia. Na viso de Agambem: o homem, expropriado de sua biografia e sua experincia, torna-se incapaz tanto de ouvir como de narrar. Como coloca a autora,

    as experincias no teriam deixado de existir, mas elas se efetuariam fora do homem:Uma visita a um museu ou a um lugar de peregrinao turstica , desse ponto de vista, particularmente instrutiva. Posta diante das maiores maravilhas da terra [...] a maioria esmagadora da humanidade recusa-se hoje a experiment-las: prefere que seja a mquina fotogrfica a ter a experincia delas (AGAMBEM, 2005c, p. 23 apud GONZLEZ DE GMEZ 2006, p.58).

    Gonzlez de Gmez (2006, p.58) evidencia que frente ao espetculo generalizado - nos termos de Desbord - aparentemente s ficaria como sada a recusa da experincia empobrecida,

    uma vez que: O que o homem moderno encontraria todos os dias, pelo contrrio, seria um bazar abarrotado de imaginrios e experincias formatados, encenando uma sociedade de abundncia.

    O experimento uma aposta numa dimenso cognitiva dissociada de uma prtica social, ou seja, uma experincia formatada modelizada e digerida para uma apresentao de dois segundos

    ao grande pblico. Na viso de Habermas (2004, p.19), uma experincia deveria ser analisada da perspectiva de um ator envolvido, no contexto que pe a prova as aes guiadas pela experincia. (...) sem a possibilidade de um recurso ao material no interpretado das sensaes, a experincia sensvel perde sua autoridade inquestionvel.

    Nesse sentido, no contexto museolgico, se no temos um arsenal cultural que nos permita identificar tanto a ordem do sensvel quanto a sua origem, ainda que nos parea claro sensorialmente,

    no se constitui um dado a partir do qual podemos inferir suas possveis causas (MUNOZ-

    MARTINEZ, 2003, p.46). Por outro lado, a experincia est condicionada por um sistema de associaes e inferncias prvias, crenas e pr-conceitos, que se torna difcil de ser interpretada

    sem o domnio do contexto de pr-compreenso de determinadas regras e normas que regem o processo de investigao cientfica, as experincias prvias, a tradio e o horizonte de expectativas

    da comunidade cientfica (MUNOZ-MARTINEZ, 2003, p.18).

    Numa comunicao pessoal a Rolando Garcia, Piaget mencionou que no conhecemos

    5 Museu de dois segundos: esta frase foi cunhada em comunicao pessoal por um profissional de museu se referindo ao tempo necessrio para que um aparato interativo produzisse um movimento ou reao sem que o visitante se deslocasse para outro aparato para apertar um novo boto.

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    o que vemos; vemos o que conhecemos e, com isso, elucidou que no podemos entender algo

    que se constitui apenas por uma pura sensao sem dar lugar a uma percepo (interpretao). Exemplificando, podemos preparar um corte histolgico do tronco de uma rvore para ser observado

    no microscpio em uma exposio, mas um sujeito qualquer ao v-lo, identificar apenas manchas

    e cores sem qualquer significado. Depois de estudar o tema e observar as preparaes das lminas

    talvez este sujeito entenda o que deve ver e o ver, pois j o conhece ao menos em seus aspectos genricos. Como afirma Piaget, a informao no se obtm a partir de objetos particulares ou fsicos,

    mas das prprias aes que exercemos sobre eles e esta constri pouco a pouco o nosso conhecimento (MUNOZ-MARTINEZ, 2003, p.52).

    Latour e Woolgar (1997, p.36) ampliando esta anlise abordam a posio do observador em um laboratrio cientfico: O sentido que nele procuramos encontrar no vem do fato de que esta ou

    aquela montagem experimental nos sejam familiares, mas da possibilidade que temos de faz-las corresponder a conhecimentos e experincias anteriores. O experimento como aparato interativo museolgico inscreve-se numa abordagem de causalidade, na qual supostamente seria possvel a deduo direta da causa pelo efeito. Se no conseguirmos obter o conhecimento do qu como

    chegaramos ao porqu a partir do efeito de um aparato? Por exemplo, do choque proveniente do

    gerador Van der Graff ao conceito de eletrosttica empregada na Fsica Nuclear. Segundo David Ross (1987, p.73/74), temos conhecimento do qu e no do porqu

    em duas situaes: quando nossas premissas no so imediatas, seno que elas mesmas requerem demonstrao, e quando inferimos a causa do efeito, o mais inteligvel do mais familiar. Logo, se algo no nos familiar, se no conseguimos interpretar ou produzir sentido, como conseguiremos fazer o caminho de volta e chegar ao inteligvel desta suposta relao linear direta causal. O autor esclarece que no conseguiremos alcanar o conhecimento do porqu em funo da violao de regras

    precedentes estabelecidas pela cincia, a saber, que devem ser imediatas (contexto da descoberta) e combinadas para se chegar a concluses mediatas (contexto de justificao). Por isso mesmo,

    na viso de Ross (1987, p.73/74), O conhecimento do qu no , assim, a cincia propriamente dita. Como afirma Habermas (2004, p.104): Saber o qu est ligado a saber porqu e, portanto,

    a possibilidade de ser criticado e fundamentado. Ou ainda, nas palavras de Paulo Freire (1992,

    p.68): Entre compreenso, inteligibilidade e comunicao no h separao, na medida em que so

    momentos simultneos de um mesmo processo ou ato. Coadunam com esta viso Piaget e Garcia (1992, p.9 apud ANTN, 2003, p.141) quando

    afirmam que no processo de conhecimento, no somente os estgios sucessivos de construo das

    diferentes formas de saber so seqenciais, na medida em que respondem as possibilidades abertas do anterior e condicionam os posteriores, como cada novo estgio inicia com a reorganizao, em outro nvel, das principais aquisies anteriores resultando numa integrao.

    Antn (2003, p.141) esclarece que a dicotomia entre o contexto da descoberta e da justificao

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    provm da concepo linear do desenvolvimento do conhecimento, o qual se agrega por justaposio6 de vrias etapas. Decorre da que se os caminhos do conhecimento so diferenciados, percepes, esquemas operatrios, sentidos compartilhados, relao sujeito-objeto constituem partes de um processo nico para cada indivduo que, numa ao comunicacional, desempenham um papel definitivo na compreenso de um contedo.

    Ao comparar com a abordagem Wagensberg (2003a), em particular o mtodo cientfico e o

    experimento como possibilidade de comunicao com o pblico dos museus, conclumos que ele se apia numa determinada prtica cientfica, de domnio de um determinado grupo, para interagir

    com outros grupos que no necessariamente a dominam. Quando fora do domnio dos instrumentos, sentidos e teorias propostas numa comunicao torna-se difcil o entendimento, ainda mais quando se prope reconstruir inversamente a relao causal da cincia. No se pode esquecer que chegar a causa construir uma teoria e esta envolve estabelecer um sistema de relaes a partir da interpretao das regularidades observadas. O sistema no procede da experincia, nem diretamente observvel a partir das percepes: construdo pelo sujeito em sua interao com o objeto (ANTON, 2003,

    p.153). No segundo empiricismo, Latour tambm prope outra compreenso da percepo que

    tenta superar duplamente o objetivismo e o subjetivismo. A percepo marca e define o evento, no

    podendo ser eliminada, mas antes agregada experincia. Da mesma forma, ela constitui aquilo que remete a um ponto de vista, a um lugar, entendido aqui no como algo subjetivo, mas como aquilo que apropriado por estar incrustado nas circunstncias da experincia. Por tudo isso, a percepo tanto define o seu olhar quanto o desvia para um mundo que se apresenta (2005 apud, GONZLEZ DE GMEZ, 2006, p. 60).

    Quando Wagensberg (2003a) estabelece os princpios da objetividade e da inteligibilidade est referendando a posio de uma observao direta e isenta do objeto e de uma representao baseada na sntese promovida por um grupo de especialistas que compartilham sentidos. Essa discusso nos remete a posio do observador baseada na experincia sensorial e a experincia comunicativa baseada na compreenso.

    A observao apia-se em coisas perceptveis e utiliza a descrio cientfica dos fatos para

    explicar os fenmenos, constituindo-se numa atividade individual em que se opera sozinho, quer compartilhe ou no com uma comunidade um sistema conceitual em que as experincias se baseiam. A compreenso direciona-se para o sentido da proposio, existindo uma intersubjetividade de sentido que, uma vez suposta, possibilita o seu entendimento (HABERMAS, 2002, p.66).

    No caso, apoiando-se na neutralidade, objetividade e inteligibilidade da cincia, Wagensberg retira o que existe de comum, o mundo de vida, e termina por isolar ambos da realidade social. No se pode esquecer que realidade e linguagem esto entrelaadas de tal forma que a segunda atua como um filtro, atravs do significado, no acesso a primeira. Isso porque os atores compartilham o mesmo

    6 Justaposio: uma etapa substitui a anterior e tem certa relao com ela, mas no tem conexo com as anteriores.

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    mundo no qual realizam a sua prxis, quer sejam aes de interveno ou de comunicao, mas aonde no existe intersubjetividade de sentidos no pode haver comunicao (HABERMAS, 2004, p. 44). Wagensberg exclui o sujeito cognoscente e sua capacidade de propor e criticar, na medida em que torna os dois mundos incomensurveis.

    O experimento como uma representao simblica de um determinado conceito cientfico

    insere-se em uma dupla perspectiva. A primeira refere-se a um processo de musealizao baseado numa racionalidade instrumental7, na qual o museu se reveste do poder de escolher um objeto de um determinado contexto de produo para retir-lo e inclu-lo num espao de representao simblica do mundo da vida8.

    A segunda est ligada ao potencial de comunicao do experimento, ou seja, reside no plano da racionalidade comunicativa. Isso porque o experimento apresenta um enfeixamento de sentidos oriundos do seu contexto social, histrico e cultural capaz tambm de potencializar outros sentidos. Contudo, os sentidos so produzidos na ao dos sujeitos no mundo da vida e, portanto, um experimento produzido por um determinado grupo social com sua significao atrelada ao contexto cultural da

    poca, quando apresentado dissociado de seu contexto de origem e numa relao de causalidade tende a no produzir qualquer sentido a outro grupo social em outro contexto histrico e cultural. Mais do que isso, visto como uma representao simblica na qual apoiados e retirados s bases para a proposio acerca dos estados de coisas no mundo, as suas regras de produo imbricadas no seu contexto histrico-cultural so constitutivas e definidoras sob o ponto de vista de uma ao

    comunicativa. Assim, Latour e Woolgar (1997, p.20) fazem uma crtica a forma de apresentar o contedo

    cientfico, uma vez que isola a dimenso cognitiva dos fatores sociais que a circundam, ou seja,

    no se efetua a unio entre esses dois conjuntos - o contedo cientfico e o contexto social, quando

    muito se realiza uma justaposio de ambos. Os autores desenvolvem o conceito de circunstncias,

    rompendo com a viso tradicional do que est em volta, ou seja, algo independente da prtica

    da cincia, para assegurar que esto ligadas, mais que isso, imbricadas na prtica (LATOUR; WOOLGAR, 1997, p.269). Contudo, alertam quanto opacidade dessas circunstncias ao final da

    construo do fato cientfico, uma vez que os fatos so construdos de modo a que, uma vez resolvida

    a controvrsia, eles sejam tomados como fatos adquiridos (LATOUR, 1999, p.202).

    Para superar a opacidade, os museus geralmente optam por apresentar o experimento e o

    7 Na viso de Habermas (2002, p.44), a cincia alcanou o status de nico conhecimento verdadeiro, e a metodologia cientfica constitui-se na base de anlise da validade dos procedimentos para produo de conhecimento. A razo passa a ser determinada apenas pelo seu aspecto formal, sendo a racionalidade dos contedos dependente da racionalidade dos procedimentos a validade dos contedos submete-se dos resultados. Essa racionalidade instrumental tem sua instncia de legitimidade reduzida aos problemas surgidos na manipulao metodolgica da realidade, descolando-se dos problemas prtico-morais da vida social.Na viso de Chau (2005, p.237) a razo instrumental compreende a transformao de uma cincia em ideologia e mito social e a concepo da cincia como instrumento de dominao, controle e poder sobre a natureza e sociedade. 8 Esclareo que entendo este processo como um determinado olhar que transcende a materialidade do objeto e, por isso mesmo, pode ser pensado em termos de idias, conceitos ou teorias. Isto no quer dizer que no defenda a importncia do objeto real museolgico nas exposies.

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    seu sentido originrio fechado, coisificado, congelado no tempo, naturalizado como uma coisa-

    em-si. Ento, Latour e Woolgar (1997, p.131) chamam ateno que na opacidade torna-se difcil no gerar a falsa impresso de que a cincia trata da descoberta (mais do que da criatividade e da construo). Acreditamos que evidenciar o enfeixamento de sentidos da poca de produo do

    experimento constitui um movimento que busca delimitar o domnio de sua construo especfica.

    Indo mais alm, a reconstruo das circunstncias imbricadas na prtica cientfica que originou este

    experimento significa ampliar o processo de compreenso na medida em que localiza e especifica-o

    num determinado contexto histrico-cultural e, por isso mesmo, possibilita a sua superao, pois evidencia