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1. INTRODUÇÃO
Segundos dados do IBGE (2003), 17,7% das famílias brasileiras são constituídas
por homens ou mulheres com filhos que vivem sem a presença do cônjuge/companheiro.
Na literatura, tais famílias são chamadas de monoparentais e são um dos efeitos do
aumento do número de divórcios e separações e das mulheres e homens solteiros ou viúvos
que cada vez mais criam seus filhos (biológicos ou adotivos) sem necessariamente
constituir ou manter um relacionamento conjugal. Esse é um fenômeno crescente e indica
que algumas organizações familiares estão obtendo maior visibilidade no cenário
contemporâneo, como uniões estáveis, homoafetivas, famílias reconstituídas ou
recompostas, entre outras tantas possíveis, inclusive algumas cada vez mais conquistando
direitos que antes eram restritos aos casamentos civis.
Santos e Oliveira (2005) assinalam que, ao falar de família, é importante situar de
qual família se fala, de que época, cultura e condições sócio-econômicas, pois a forma
como se concebe a família é socialmente construída. Segundo as autoras:
Predomina na definição americana a imagem de família nuclear na qual outras gerações são incluídas apenas para traçar a árvore genealógica. Por outro lado, entre os italianos e outros povos latinos entende-se família de forma mais ampla, incluindo tias e tios, primos, avós. Estes tendem a envolver-se nas tomadas de decisões familiares e compartilham estreitamente os pontos de transição do ciclo de vida familiar. A definição de família para os chineses, por sua vez, inclui todos os ancestrais e descendentes. Tudo o que se faz leva em conta o conjunto inteiro das gerações, trazendo orgulho ou vergonha para toda a linhagem. (p. 51) No Brasil, por muito tempo, o modelo nuclear era o mais aceito e a divisão sexual
do trabalho prescrevia que o homem deveria prover o sustento da família e a mulher
possuía a responsabilidade pelo cuidado com a casa e filhos. Essa divisão também está
adquirindo novos contornos, com o número cada vez maior de casais que possuem dupla
renda e outros em que a mulher é a principal provedora da casa, ou até casais em que a
esposa tenha um trabalho externo e o homem cuide da casa e filhos.
Algumas estatísticas confirmam essas mudanças. O IBGE divulgou que, em 2005,
28,5% das famílias brasileiras já eram chefiadas por mulheres (IBGE, 2006). Dentro desse
percentual, 18,5% das mulheres contam com o cônjuge, mas assumem a responsabilidade
financeira da família. Apesar do quadro apresentado, uma pesquisa recente com homens
que estavam em situação de desemprego há mais de um ano indicou que, para estes, perder
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o papel de provedor provocou bastante desconforto, embora reconhecessem a importância
feminina no orçamento doméstico e no mercado de trabalho (Jimenez & Lefévre, 2004).
Esses dados confirmam que as instituições familiares, ao longo da história, estão
sujeitas a transformações. Alguns autores assinalam que a família nuclear urbana e a
instituição casamento passam por momentos difíceis e que profundas mudanças sócio-
econômicas e culturais “trouxeram o casamento contemporâneo a um estado caracterizado
como de crise, principalmente dado o aumento do número de separações”, como aponta
Jablonski (2005, p. 94). O mesmo autor, ao analisar a chamada “crise do casamento
contemporâneo” através dos dados do IBGE, constatou que o número de casamentos
registrados em cartório diminuiu 12% e o número de divórcios triplicou nos últimos anos.
Mas, apesar dessa “crise”, o próprio autor realizou uma pesquisa com jovens solteiros e
verificou que 86,1% dos entrevistados pretendiam se casar nos próximos 10 anos
(Jablonski, 2005).
O crescimento do número de separações e divórcios é considerado por Grzybowsky
(2002) como um dos diversos fatores que contribuem para a crise e mudança da família,
pois gera diversas transformações e uma reorganização da estrutura familiar, “de caráter
singular (famílias monoparentais) ou conjugal (famílias reconstituídas/recasadas)” (2002,
p. 40).
Biasoli-Alves (2000) analisa que as mudanças na instituição familiar e casamento
não devem ser tomadas como “crise”, pois a família, ao longo da história, nunca foi uma
instituição estável na sua estrutura e nos papéis desempenhados pelos seus membros
(homens, mulheres, jovens e crianças). A autora se propôs a estudar a família a partir do
relato da história de mulheres de várias gerações, desde 1890 até o final do século XX.
Através desses relatos, ela analisou as configurações familiares em seus padrões de
comportamentos, rotina de vida e modos de funcionamento em épocas diferentes, e
verificou que, apesar do século XX ter se caracterizado por constantes alterações em
valores, práticas e papéis, também podem ser evidenciadas continuidades em todos esses
aspectos, mesclando valores tradicionais e novos.
1.1. Relações de gênero, maternidade e paternidade
Com a entrada maciça da mulher no mercado de trabalho, os lugares de homens e
mulheres dentro da família e da sociedade foram questionados. Para Velásquez (2006),
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diversas mudanças sócio-culturais e econômicas contribuíram para que esse
questionamento ocorresse: o controle da natalidade através dos métodos contraceptivos, a
diminuição do número de filhos, os maiores níveis de escolaridade da população, a
inserção cada vez maior da mulher no mercado de trabalho e o alto índice de desemprego
dos homens.
O movimento feminista, principalmente na segunda metade do século XX, se
dedicou a denunciar a situação de opressão imposta a muitas mulheres, que ficaram
confinadas por séculos quase que exclusivamente ao ambiente doméstico, servindo a
marido e filhos. A luta contra a violência física, sexual e psicológica sofrida por elas nesse
modelo patriarcal, aliada à busca de igualdade de direitos e oportunidades frente aos
homens produziram importantes conquistas femininas, tais como a ampliação da presença
feminina no mercado de trabalho – embora ainda existam cargos e setores quase que
exclusivamente ocupados por mão de obra masculina (Nader, 1997).
O debate em torno da situação feminina se ampliou e gerou um campo de estudos
em torno das relações de gênero (Madeira, 1997; Oliveira, 1997). Nas palavras de Madeira:
A categoria gênero torna mais nítida a compreensão das formas e dos conteúdos que vêm tomando as relações entre as gerações, de onde vêm ocorrendo as mudanças e permanências dos ‘papéis sexuais’ na socialização de crianças e adolescentes e, o mais importante, apontando mecanismos de ruptura ou de revisão das hierarquias de gênero. (1997, p. 8) Torrão (2005) assinala que o conceito de gênero foi criado de forma a opor-se ao
determinismo biológico nas relações entre os sexos, inaugurando uma perspectiva social e
relacional. Assim, o conceito: “pode lançar luz sobre a história das mulheres, mas também
a dos homens, das relações entre homens e mulheres, dos homens entre si e igualmente
das mulheres entre si, além de propiciar um campo fértil de análise das desigualdades e
das hierarquias sociais” (p. 129). Utilizando a perspectiva de Scott, o autor evidencia que
a categoria gênero abrange o homem e a mulher em suas múltiplas conexões, hierarquias,
precedências e relações de poder.
A partir do gênero pode-se perceber a organização concreta e simbólica da vida social e as conexões de poder nas relações entre os sexos. (...) Pois o gênero se preocupa com a consolidação de um discurso que constrói uma identidade do feminino e do masculino, que encarcera homens e mulheres em seus limites, aos quais a história deve liberar. (p. 136)
O uso do termo gênero como categoria de análise, diferente do termo sexo (que se
refere a aspectos biológicos associados ao masculino e ao feminino) se propõe a pensar a
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elaboração cultural que cada sociedade e cada época constroem para os modelos sexuais de
homens e mulheres. Assim, podemos pensar as relações de gênero como uma “construção
cultural e social, e como tal, representa um processo contínuo da produção de lugares de
poderes do homem e da mulher em cada cultura e sociedade” (Oliveira, 1997, p. 04).
Na literatura, encontramos vários autores que analisam o modelo masculino e
feminino a partir da perspectiva de gênero, considerando-os como construções sócio-
históricas e ressaltando que esses modelos atuais já foram diferentes em outras épocas e em
outros contextos culturais (Badinter, 1985; Belotti, 1975; Madeira, 1997; Oliveira, 1997).
O padrão masculino hegemônico pressupõe a relação assimétrica entre gêneros, um
dos pilares do patriarcado. Tal padrão reúne características como a virilidade, o controle da
afetividade, a manutenção de vínculos afetivos distanciados em relação aos filhos e à
esposa, a independência financeira e emocional, a competitividade, a exigência constante
de sucesso, entre outras características de um universo masculino onde é permitido apenas
vencer, dominar, decidir (Barbosa, 1998; Da Matta, 1997; Garcia, 1998; Medina, 1992;
Muszkat, 1998; Nolasco, 1993, 1997; Velásquez, 2006).
Uma das esferas mais valorizadas e cobradas socialmente é o comportamento
sexual masculino. O homem deve ter uma vida sexual satisfatória e intensa, desde a sua
iniciação sexual. Nesse sentido, resultados interessantes são destacados por Olavarria
(1999) numa série de entrevistas com homens, com o objetivo de explorar a construção do
modelo de masculinidade. Nos relatos dos entrevistados, verifica-se que a iniciativa na
esfera sexual é estimulada e apreciada desde a infância, sendo considerada uma prova da
verdadeira masculinidade. O autor demonstra que no padrão preconizado para o masculino
ocorre uma dissociação entre o afeto e a sexualidade, sinalizando que ser homem significa
obter o maior número de conquistas sexuais sem o estabelecimento de qualquer vínculo
afetivo. Assim, as dicotomias sexo/rua e afeto/casa aparecem marcadas, assim como a
polarização público x privado, que por muito tempo foi determinante na distribuição do
espaço para homens e mulheres na sociedade (Giffin, 1994).
O modelo tradicional de masculinidade e conseqüentemente de paternidade
“implica em uma figura masculina que provê o sustento da família, que se mostra forte e
com poder de decisão nos momentos de crise, que comanda a família nas questões de
caráter instrumental” (Trindade, 1993, p. 538). Esse modelo tradicional é herança do
patriarcado e reforça o distanciamento afetivo entre pai e filho. Ao homem são delegadas
as responsabilidades pelo sustento da família e exemplo moral e à mulher as
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responsabilidades de educação e cuidados com os filhos. Tradicionalmente, então, da
mulher “espera-se uma postura receptiva, submissa, reações emotivas e sua realização na
esfera privada” (Nader, 1997, p. 92).
Rocha-Coutinho (1994) ilustra como as meninas, desde cedo, aprendem o que é ser
mulher, sendo encorajadas a desempenhar seus futuros papéis no lar e na família. Desta
forma, características como ser prestativa, organizada, tolerante e compreensiva são
ensinadas e valorizadas. Além disso, a maternidade passa a ser um elemento fundamental
da feminilidade, como descreve Nader (1997). A maternidade liga-se ao ideal da família
burguesa, sendo a mulher a guardiã do lar e responsável pela educação dos filhos. Ser mãe,
esposa e dona de casa era considerado o destino natural das mulheres no Brasil até a
década de 60/70, reforçado pelo discurso higienista reproduzido por revistas, igrejas,
família, medicina, entre outras instituições sociais, como bem exemplificam Bassanezi
(1997) e Matos (2003).
Mas nem sempre a maternidade foi central na constituição do modelo feminino.
Badinter (1985), ao analisar a sociedade francesa dos séculos XVII a XIX, verificou que a
mulher não só podia não querer ser mãe como também poderia assumir isso publicamente
sem qualquer sanção. Algumas mulheres citadas pela autora pertenciam à alta sociedade e
declaravam que não estavam dispostas a sacrificar seu lugar e posto na corte ou
simplesmente abdicar de sua vida social e mundana para criar filhos.
Ela destaca a metade do século XVIII como um período no qual começaram a
surgir uma série de discursos e movimentos médicos, morais, educativos e filosóficos que
ressaltavam a importância da devoção materna no cuidado dos filhos. A autora ressalta
que, naquele momento de pós Revolução Industrial era importante reverter os altos índices
de mortalidade infantil. Assim, a responsabilidade materna seria a de cuidar e transformar
as crianças em adultos trabalhadores e com boa índole, sendo esse discurso intensamente
reforçado pela Igreja, por filósofos, médicos e pelo Estado. Então as mulheres se voltaram
para o cuidado infantil (em um movimento que durou séculos para se estabelecer
fortemente), passando a cumprir um papel central e indispensável na família e obtendo um
reconhecimento social que quase nunca era alcançado. De adorno do lar a mulher passaria
a ter a nobre função de gerar, amamentar e educar os futuros cidadãos.
Essa situação se solidificou a tal ponto que hoje verificam-se várias referências no
cotidiano considerando o amor materno como natural e inerente à natureza feminina.
Trindade (1993) assinala que, tradicionalmente, existe uma supervalorização do papel
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materno no desenvolvimento infantil, enquanto o papel paterno é colocado como algo
secundário e de menor importância para o equilíbrio social e afetivo dos filhos, sendo o pai
valorizado apenas no papel de provedor.
A tomada de consciência do papel do homem na procriação e posterior ascensão do
patriarcado também foi uma construção histórica, sendo que, inicialmente, as sociedades se
organizavam de forma matrilinear. Segundo inúmeras pesquisas relatadas por Dupuis
(1989), “enquanto ignorava-se a existência da paternidade, era impensável organizar a
sociedade em função do pai. Como a função procriadora era reconhecida apenas na
mulher, a primeira organização social foi matrilinear” (p. 41).
De acordo com o autor, essa tomada de consciência durou milênios para se
estabelecer e não provocou, de imediato, uma revolução social. Gradualmente, a partir das
grandes guerras, objetivando a conquista de territórios e de poder, os homens passaram a se
tornar os senhores da sociedade como chefes de família, reis ou deuses. Toda a
estruturação da sociedade passou a girar em torno do sexo masculino e, embora
inicialmente os tios maternos tivessem grande influência sobre os bens e decisões
familiares, posteriormente foram os maridos que passaram a exercer esse papel,
comandando esposa e filhos e consolidando o patriarcado tal como o conhecemos.
Com isso diversas modificações ocorreram na estrutura da sociedade: a família
passou a ser organizada em função do grau de parentesco; uma nova moral religiosa se
estabeleceu, com a marginalização dos cultos orgiásticos e a masculinização do sacerdócio;
a sexualidade feminina passou a ser ordenada em função de sua relação com o marido.
Como ilustra Dupuis (1989):
Do ponto de vista social, é o estabelecimento, na família, de uma autoridade absoluta que antes não parece ter existido. O pai, tendo-se arrogado a propriedade da esposa e dos filhos, dispõe do direito de vida e morte sobre estes últimos. (...) A mulher, obrigada a dar filhos ao marido, é forçada a uma fidelidade absoluta, geralmente sob pena de morte. (...) Enquanto os homens conservam sua liberdade tradicional, a educação das moças impõe-lhes a submissão, a fidelidade ao esposo, o espírito de sacrifício. Uma ética da união conjugal reina sobre a nova sociedade. (p. 153).
Historicamente, o patriarcado e os modelos tradicionais de masculinidade
propiciaram a desvalorização do feminino. Ser homem passou a estar vinculado
diretamente à autoridade moral e financeira sobre a família e os filhos, à comprovação da
virilidade e ao distanciamento das características ditas femininas, como a expressão da
afetividade, por exemplo.
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Alguns autores discutem que as características da masculinidade hegemônica
propiciam maior vulnerabilidade aos homens e mulheres: eles pelo maior risco de morbi-
mortalidade em diversas situações como falta de cuidado com a saúde, envolvimentos em
situações de violência como autores ou vítimas, abuso de álcool e outras drogas; elas pela
exposição a situações de violência física, psicológica e sexual, além de outras formas de
dominação e assujeitamento (Sabo, 2000).
Em pesquisa realizada com profissionais de saúde mental (homens e mulheres),
Palácios (1997) identificou representações sociais predominantemente tradicionais de
masculinidade e feminilidade: para o termo feminilidade, as principais palavras referidas
foram beleza, doçura e delicadeza. Já para a masculinidade foram encontradas as palavras
fortaleza, virilidade e atividade. Dessa forma, a autora reconhece que, no padrão ocidental,
os homens são representados a partir de qualidades como fortaleza e capacidades
cognitivas; já as mulheres são representadas pela beleza e suas capacidades afetivas. Tais
representações, compactuadas e partilhadas no campo social, culminam por marginalizar
homens e mulheres quando estes não cumprem as expectativas sociais nas esferas públicas
e privadas, respectivamente.
Os dados da autora ainda indicam que as demandas para tratamento em saúde
mental também obedecem a essa dicotomia público/privado, já que se relacionam com as
expectativas sociais para cada sexo: as mulheres buscam auxílio para questões afetivas,
angústias, somatizações, dificuldades sexuais, solidão, insatisfação com seu papel e
conflitos com seu companheiro; os homens demandam auxílio para questões relacionadas
ao trabalho, estresse, dificuldades sexuais, angústias, perda de status e solidão. Por isso, a
autora ressalta a importância da categoria gênero, das representações sociais de feminino e
masculino baseadas nas concepções estereotipadas e suas implicações na prática
profissional, preocupação também mencionada por Trindade (1999) no âmbito da
paternidade e maternidade.
1.2. Divisão das tarefas domésticas e dos cuidados parentais: um exercício
possível?
A inserção maciça das mulheres no mercado de trabalho e sua (ainda em
andamento) busca por igualdade de direitos e deveres com os homens possibilitaram o
questionamento dos lugares sociais destinados a cada sexo. Arilha, Ridenti e Medrado
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(1998) relatam que os homens não ficaram fora desse movimento. Apesar de inicialmente
impulsionados pelos movimentos feminista e homossexual da década de 60, os autores
ressaltam que os estudos sobre a masculinidade ganharam espaço e possibilitaram a
reflexão sobre a condição masculina, questionando os lugares de poder impostos pelo
modelo hegemônico e buscando outras formas de os homens se relacionarem com o sexo
oposto, com outros homens e consigo mesmo.
Com a revisão do papel masculino, os homens passaram a ser cobrados por sua
participação na realização das tarefas domésticas. Mas esse movimento não ocorreu sem
conflitos. Um exemplo da dificuldade em reorganizar as responsabilidades domésticas
pode ser ilustrado pelo estudo de Roazzi (1999), que realizou um estudo com sujeitos de
classe baixa, divididos em moradores de uma favela e de um conjunto habitacional,
buscando identificar qual o nível de concordância de homens e mulheres sobre a
participação masculina em certas tarefas domésticas. O autor verificou que:
Dentre as tarefas onde se aceita a participação masculina estão as que se realizam principalmente fora de casa e se referem à educação e ao lazer dos filhos. De certo modo, estes tipos de tarefas não mexem tanto com a concepção tradicional do papel masculino por serem tarefas que têm a conotação de gratificação e prestígio, além de não deixarem de ser papéis externos à própria unidade do lar (p. 232).
Essa representação foi identificada tanto no grupo masculino quanto no feminino, o
que levou o autor a concluir que uma divisão igualitária de tarefas dentro de casa está
longe de ser alcançada, pois “só poderemos pensar numa real divisão de tarefas
domésticas... quando estas atividades forem consideradas apenas como necessárias para o
bem-estar de quem habita uma casa” (Roazzi, 1999, p. 233).
A pesquisa de Siqueira (1997) corrobora essa afirmação: ela investigou o cotidiano
familiar de um casal no qual, de comum acordo, a mulher exercia atividade remunerada
fora de casa e o homem cuidava dos filhos e das tarefas domésticas, por considerarem que
esse arranjo, naquele momento, correspondia às expectativas e necessidades da família. O
pai entrevistado relatou que, apesar de dividir as atividades domésticas em femininas
(cozinhar, limpar, cuidar dos filhos) e masculinas (realizar consertos e reformas), ele
realizava ambas porque eram ‘atividades da casa’, importantes para o bem-estar da família,
e, assim, não sobrecarregava sua mulher. A esse respeito, Braz, Dessen e Silva (2005)
também obtiveram dados que demonstram que um bom relacionamento marital favorece o
compartilhamento das atividades domésticas e cuidados com os filhos.
Algumas pesquisas indicam que, quando há participação masculina nas atividades
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domésticas, esta é vista como um auxílio ou concessão à mulher, demonstrando que essa
responsabilidade ainda é considerada feminina (DeSouza, Baldwin & Rosa, 2000;
Maridaki-Kassotaki, 2000; Perlin & Diniz, 2005). Mesmo que considerem importante a
divisão dessas tarefas, os homens ainda resistem a realizar determinadas atividades,
demonstrando dificuldades em assumir o cotidiano doméstico como parte da conjugalidade
(Sutter & Bucher-Maluschke, 2008).
Muitas vezes, as próprias mulheres tendem a assumir essa responsabilidade ou
colocar empecilhos à atuação masculina no ambiente doméstico, pois, mesmo que
indiretamente, elas preservam um lugar social que ainda confere poder e prestígio
(Bertollo, Vieira, Trindade, Milani & Brasil, 2007; Welzer-Lang, 2001). Apesar disso, elas
sentem-se sobrecarregadas pois, mesmo ampliando sua participação no mercado de
trabalho (antes restrita às mulheres das classes populares) ainda se cobram e são cobradas
pelo bom andamento da casa e dos filhos (Biasoli-Alves, 2000).
Segundo Velásquez (2006), tradicionalmente a paternidade envolve aspectos como
a provisão econômica, exercício da autoridade, proteção da família e transmissão de
valores aos filhos. Mas, na busca de relações igualitárias entre homens e mulheres, o
envolvimento masculino no cuidado com os filhos passou a ser uma expectativa bastante
presente. Só que essa também é uma área na qual a divisão igualitária, apesar de algumas
mudanças, ainda está longe de ser alcançada.
Wagner, Predebon, Mosmann e Verza (2005) investigaram a divisão das funções
desempenhadas por progenitores de classe média na criação e educação dos filhos em
idade escolar. Encontraram dois grupos principais: no Grupo I (49% da amostra) a mãe era
considerada a principal responsável por essas atividades e no Grupo II (51%) ambos os
pais participavam dos cuidados. Mesmo com mais da metade da amostra alegando dividir
igualitariamente as tarefas pesquisadas, o percentual de responsabilidade das mães ainda é
bastante alto, sendo as atividades de auxílio às tarefas escolares e cuidados com a
alimentação as mais mencionadas como realizadas pela mãe. Segundo os autores, no grupo
I verifica-se o predomínio da divisão tradicional de funções familiares, com indicação de
participação nula do pai nas tarefas de higiene e alimentação dos filhos e com baixa
indicação da mãe como principal responsável pelo sustento econômico dos filhos. No
grupo II podem-se identificar algumas mudanças nessa divisão, indicando uma tendência
ao compartilhamento dessas atividades, de forma a atender melhor as demandas educativas
e de cuidado dos filhos. Ainda assim, os autores ressaltam que as mudanças nos papéis e
10
funções familiares são descontínuas, necessitando de contextualização sobre as
necessidades e possibilidades de cada família.
1.3. Alguns estudos internacionais sobre a paternidade
Na década de 90 iniciou-se um movimento para inclusão dos homens na esfera da
saúde reprodutiva. A Conferência Internacional de População e Desenvolvimento,
realizada no Cairo, em 1994, ressaltou a importância da participação masculina e sua
mudança de comportamento no que diz respeito à disseminação de doenças sexualmente
transmissíveis, principalmente a AIDS, e ao controle da reprodução feminina, além da
participação masculina nos cuidados com os filhos (Arilha & cols., 1998; Unbehaum,
2000). Recentemente, para além da esfera da saúde sexual e reprodutiva do homem,
estudos sobre o exercício da paternidade vêm ganhando cada vez mais espaço no meio
acadêmico.
Na literatura podemos destacar alguns estudos sobre a paternidade realizados em
diversos países. Nos Estados Unidos pode-se citar a pesquisa sobre expectativas paternas
de Mackey, White e Day (1992) e sobre envolvimento paterno nos cuidados parentais
realizada por Bonney, Kelley e Levant (1999). Os primeiros autores entrevistaram pais
objetivando verificar, através de um questionário onde os sujeitos distribuíam pontos, em
ordem de importância, algumas possíveis motivações para a paternidade. Nos resultados,
44,6% dos homens alegaram motivações psicológicas, tais como satisfação emocional ou o
fato de um filho proporcionar laços amorosos e diversão para o pai. Já 19,4% dos homens
responderam ter motivações sociais, como o desejo da esposa em ter um filho e a
expectativa de amigos e familiares para que isso aconteça. Identifica-se, com esses dados,
que a expressão das motivações psicológicas para a paternidade está mais visível, sendo
que a esfera afetiva passa a ser demonstrada publicamente, ilustrando um rompimento com
o modelo tradicional de distanciamento pai-filho.
Os dados de Bonney e cols. (1999) indicam que a “aprovação materna” foi um
elemento considerado relevante para que os homens tivessem uma maior aproximação de
seus filhos, aliados a outros fatores como a adoção de papéis sociais de gênero e papéis
parentais diferentes dos tradicionais. Ou seja, se o papel paterno é visto de uma maneira
mais liberal, considerando a proximidade em relação aos filhos como um aspecto
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importante e se existe uma aprovação social para que essa aproximação ocorra, os homens,
então, vivenciam essa paternidade de forma “liberal”, na definição dos autores.
Na França, Frascarolo, Chillier e Robert-Tisson (1996) entrevistaram homens
franceses buscando identificar qual o modelo de paternidade adotado por eles. Os modelos
foram classificados pelos autores a partir de um questionário que visava identificar ‘novos’
e ‘velhos’ pais, através da quantidade e qualidade das tarefas desenvolvidas por eles junto
aos filhos. No discurso dos novos pais os modelos de paternagem e maternagem eram
considerados de igual importância para o desenvolvimento das crianças.
Devreux (2006) também realizou um estudo sobre as implicações práticas dos
homens nas responsabilidades parentais, utilizando dados da pesquisa Emprego do Tempo.
Realizada anualmente na França há mais de dez anos, a pesquisa investiga quais as
atividades profissionais, domésticas, sociais, parentais, lúdicas, entre outras, realizadas
durante um dia, por homens e mulheres. Analisando os dados, a autora constatou que, ao
longo dos anos, pouco se progrediu em termos de inserção masculina nos afazeres
domésticos. Quando não possuem filhos, os homens participam com 37% do trabalho na
família; com a chegada do primeiro filho esse percentual cai para 34% e, com o segundo
filho, os homens ampliam discretamente seu cuidado com os filhos e diminuem o tempo
com o serviço doméstico. Para a autora, isso demonstra o caráter inconstante e reversível
da participação masculina na rotina de manutenção da casa e no cuidado com os filhos. De
certa forma, apesar do discurso da ‘nova paternidade’, os homens continuam a escolher em
que momento e em quais condições se ocupam dos cuidados parentais, enquanto para as
mulheres essa não é uma escolha, mantendo a desigualdade de gênero:
Nesse contexto em evolução, os homens se revelaram mais e mais ofensivos para obter, em nome da igualdade entre os sexos, uma igualdade de direitos parentais com as mães, sem zelar por instaurar uma igualdade de responsabilidades parentais com relação a suas filhas e filhos em suas práticas cotidianas. (Devreux, 2006, p. 608)
Da mesma forma, os dados obtidos em uma população masculina na Grécia (nos
contextos urbano e rural) demonstraram que, apesar do discurso sobre compartilhar tarefas
presente em parte dos homens entrevistados, seu envolvimento nas atividades de cuidado
parental ainda era pequeno (menor ainda no grupo rural), além de ser considerado um
auxílio à esposa e não uma divisão igualitária de responsabilidades (Maridaki-Kassotaki,
2000). Para esses homens, a paternidade é considerada uma atividade prazerosa que a
partir da gestação já propicia a emergência de sentimentos como amor e felicidade, mas
12
que também demanda esforço psicológico e financeiro para cumprir os novos papéis
assumidos a partir do nascimento dos filhos.
Em Portugal, três gerações foram entrevistadas e a autora constatou que o pai da
primeira geração foi concebido como pouco presente, autoritário e com baixo
envolvimento emocional com os filhos (Balancho, 2004). Já o pai da geração atual tende a
ser visto (por ele mesmo, por seu pai e por seu filho) como compreensivo, presente, não
autoritário e lúdico, o que, segundo a autora, indica a concepção de um pai ‘renovado’,
envolvido com novas práticas na relação pai-filho.
Considerando a grande relação existente entre masculinidades e a paternidades,
também podemos citar alguns estudos nessas áreas desenvolvidos na América Latina.
Villamizar e Rosero-Labbé (2005) investigaram as representações sociais de paternidade e
maternidade de homens e mulheres na cidade de Bogotá, Colômbia. Identificaram três
grupos de resultados, que nomearam de tendência tradicional, em transição e de ruptura.
Na tendência tradicional, os homens representavam a paternidade através da
responsabilidade em prover a família e as mulheres referiam-se à maternidade como
plenitude e realização pessoal. No grupo de transição, existia uma maior aproximação dos
homens em relação aos seus filhos, participando de sua criação, destacando os sentimentos
positivos associados à paternidade e não somente seu papel como provedor; as mulheres
relatavam que a maternidade era uma experiência gratificante, mas buscavam conciliar
com outros projetos de vida, embora ainda houvesse referências ao instinto materno. Os
relatos incluídos na categoria ‘ruptura’ foram identificados principalmente nos sujeitos de
maior nível sócio-econômico e escolaridade. Nesse grupo, identificou-se a participação
masculina no cotidiano doméstico antes mesmo da paternidade, e após o nascimento,
relatos de aproximação afetiva com os filhos e envolvimento nos cuidados parentais. Já as
mulheres revelaram-se satisfeitas com a maternidade e buscavam formas de conciliá-la
com sua vida profissional, através da divisão de tarefas com o companheiro.
Hegg (2004) discute os resultados de algumas investigações realizadas em alguns
países da América Central (Costa Rica, Nicarágua, El Salvador e Honduras) acerca das
representações de masculinidade e paternidade. O autor ressalta que os estudos
relacionando masculinidade e paternidade ainda são poucos e recentes, enfocando,
principalmente, aspectos relacionados à saúde sexual e reprodutiva do homem. Hegg
também identifica três grandes grupos de representações de masculinidade e paternidade,
com uma classificação semelhante à exposta por Villamizar e Rosero-Labbé (2005), já
13
citada. Neste caso são: paternidade tradicional, paternidade moderna e paternidade em
transição. A paternidade tradicional ainda é dominante nos países pesquisados (50,67% dos
homens, sendo 60,5% em Honduras) e está presente principalmente entre os homens acima
de 50 anos, mas o autor observa que esta vem perdendo sua hegemonia e amplitude para a
paternidade moderna (veiculada por 39% dos homens no total). Na paternidade tradicional
estão presentes as concepções referentes à autoridade masculina sobre a família,
responsável por prover materialmente e manter a disciplina dos filhos, sendo que para
obter o respeito dos filhos o pai não deve se portar de maneira muito carinhosa ou
compreensiva. Na paternidade moderna, predominante entre os mais jovens e entre os
homens de Costa Rica (45,2%), a função de provedor é vista de maneira semelhante a
outras funções, como oferecer afeto, e o cuidado com os filhos deve ser partilhado entre
pai e mãe. A paternidade em transição ilustra os movimentos de mudança nas
representações, encontrando-se a convivência de aspectos da paternidade tradicional e
moderna.
As diversas formas de exercício da paternidade também foram identificadas por
Muzio (1998) nas pesquisas realizadas em Cuba: paternidade tradicional (autoridade moral
e disciplinadora, provisão financeira e eventual participação nos passeios familiares e
brincadeiras com filhos), paternidade com manifestações de mudanças (acrescentam-se ao
pai tradicional as funções de acompanhar tarefas escolares e atividades como banho,
alimentação, cuidados com saúde e transporte dos filhos para as atividades diárias) e pai
não tradicional (compartilhando funções com a mãe). Segundo a autora, as formas de
assumir a paternidade dependem de variáveis como idade, zona de residência urbana ou
rural, personalidade, relacionamento amoroso ou conjugal; as gerações mais jovens tendem
a adotar um modelo não tradicional de maternidade e paternidade, principalmente por
casais com semelhante escolaridade e inserção profissional.
No México, Velásquez (2006) investigou o processo de construção identitária da
masculinidade e sua relação com o exercício da paternidade em homens, pais, de nível
sócio-econômico médio-alto, com esposas também inseridas no mercado de trabalho e
filhos em idade escolar. Para eles, a responsabilidade familiar é um elemento fundamental
na masculinidade e refere-se à questão econômica e à responsabilidade pelos cuidados e
educação dos filhos. Ela se inicia na adolescência – responsabilidade com sua família de
origem – e continua no relacionamento conjugal – responsabilidade pela esposa e filho.
Mesmo quando as esposas possuíam uma remuneração maior, os homens entrevistados
14
enfatizavam que eles deviam ser os principais provedores da casa, o que, em algumas
situações, gerava situações de conflito no relacionamento e divisões assimétricas nas
demais atividades, como as tarefas domésticas e cuidados com filhos.
Também trabalhando com a população mexicana, Martinez (2006) identificou que
ainda se mantém a preferência dos homens por ter filhos do sexo masculino, justificada
pela maior facilidade de relacionamento que o pai possui com o filho, transmitindo a ele
suas experiências como homem e pelo desejo de perpetuar seu nome. Os dados da autora
também indicam que a orientação e educação dos filhos são aspectos importantes na
paternidade. Os pais dos setores populares tendem a utilizar mais punições verbais e físicas
do que os da classe média, que, por sua vez, priorizam o diálogo como forma de educar os
filhos, mas também não descartam os castigos com restrição de atividades e, em último
caso, as punições físicas.
No Chile, o trabalho de Gallardo, Gómez, Muñoz e Suárez (2006) abordou as
representações sociais de paternidade de jovens universitários sem filhos, constatando a
inclusão da questão afetiva na paternidade atual. Aspectos considerados positivos na
paternidade tradicional foram mantidos (como atuar como figura de autoridade e assegurar
qualidade de vida aos filhos), enquanto os aspectos negativos (rigidez, distanciamento
afetivo) foram deixados de lado.
Os resultados de quatro investigações realizadas com homens chilenos também
foram discutidos por Olavarria (2001). Os aspectos tradicionais da paternidade estavam
presentes nas concepções de paternidade identificadas: para eles ser pai significava ter
responsabilidade pelos filhos, sendo um guia, orientador e também provendo suas
necessidades. Para os homens de classe média, aparecem as preocupações com a
escolarização e inserção profissional dos filhos; nas classes populares, o desejo de ter uma
vida com melhores condições materiais que a sua ou de seus próprios pais. A aproximação
afetiva, o diálogo e o companheirismo são características que nem sempre eram tão
evidentes na relação pai-filho em sua família de origem, mas hoje são aspectos valorizados
na vivência de paternidade dos homens entrevistados.
La paternidad obliga a los varones a asumir responsabilidades para con los hijos y la pareja, que le señalan en gran medida su trayectoria futura: deberá proveerlos, entregarles protección, ser su autoridad, darles cariño, enseñarles. Responsabilidades con las cuales soñaron algunos varones antes de constituir su propia familia y que fueron sentidas como una importante obligación una vez que se tiene hijos. (Olavarria, 2001, p. 84)
15
Na Venezuela, o estudo de Mora, Otálora e Recagno-Puente (2005) buscou
identificar as representações de ser pai, ser mãe e ter filhos para homens e mulheres de
diferentes organizações familiares (casais com filhos e sem filhos, famílias monoparentais
e famílias extensas). Para as mulheres, ser mãe é considerado um dom divino, aspecto
ressaltado de forma idealizada pelas mulheres que possuem filhos e por aquelas que não
podem tê-los por questões biológicas. As mulheres sem filhos (por opção) ressaltam que a
maternidade não é um projeto de curto prazo, pois requer maturidade e estabilidade por
parte da mulher e até mesmo do casal. Já os filhos são vistos como uma fonte de
gratificação e realização pessoal, apesar das responsabilidades e modificações nos planos
profissionais que a maternidade traz para algumas mulheres. Além disso, os filhos
representam um projeto de vida e de continuidade, pela possibilidade de ser companhia
para os pais no futuro e aparecem referências à centralidade do filho no relacionamento
conjugal, mesmo que não seja suficiente para manter o relacionamento ou evitar a
separação. Para os homens, a paternidade é vista como um projeto de vida (embora não
central), que exige grande responsabilidade e é encarada como a possibilidade de ter uma
relação melhor que a vivida com seu próprio pai. Além disso, o filho impulsiona a busca
por diferentes condições de vida, mesmo que para isso sejam necessários alguns sacrifícios
(não somente financeiros), pois a educação e a profissionalização dos filhos são uma
preocupação constante para esses pais.
Os dados de Fuller (2000), obtidos junto a homens peruanos, indicam que a
responsabilidade material e moral pela família e filhos é um elemento central na
paternidade: “ser padre es ser responsable y ser responsable significa reconocer
públicamente la obligación de formar, orientar y proveer” (p. 51). Os filhos são uma prova
cabal da masculinidade e virilidade e também são vistos como aqueles para os quais o pai
transmite valores e conhecimentos, perpetuando o nome paterno e da família. A autora
ressalta que um verdadeiro homem assume os aspectos domésticos e públicos da
masculinidade:
Así, la paternidad es doméstica por cuanto constituye una familia y mantiene a una pareja junta. En este sentido, es definida por el amor, la característica que define el lazo familiar, y por la responsabilidad, el lado nutrício de la masculinidad. Es pública en tanto el rol del padre es proveer a la familia con los recursos materiales y simbólicos que acumula en la esfera pública y sobre todo vincular a sus hijos con el domínio público, al transmitirles las cualidades y valores que les permitan desenvolverse en el mundo exterior. (p. 46)
16
A paternidade também comporta a realização de sacrifícios - que neste contexto
significam os esforços diários dos pais para prover e educar os filhos, oferecendo o
“máximo de si”; a dimensão da afetividade, pois a paternidade também está ligada aos
sentimentos de amor e carinho na relação com o filho; e a figura de autoridade, já que o pai
deve educar e corrigir seus filhos. Além disso, os homens entrevistados reconhecem que,
devido às suas demandas de trabalho, não conseguem participar mais ativamente dos
cuidados com os filhos, apesar de almejarem maior aproximação, buscando uma relação
diferente da estabelecida com seu próprio pai.
A pesquisa de Balzano (2003), realizada na Argentina, também identificou que os
pais da geração atual se comparam com seus próprios pais ao avaliarem a forma de
educação escolhida para seus filhos. A maioria dos homens entrevistados revelou que seu
estilo de criação possuía diferenças positivas em relação à educação recebida: buscavam
oferecer maior liberdade aos filhos, mas sem deixar de impor limites e restrições em seu
comportamento, de forma a ampliar a comunicação, a expressão de afeto e de
companheirismo no relacionamento pai e filho.
Segundo Mora (2005) os estudos sobre paternidade indicam que está em andamento
um processo de transformação do modelo patriarcal, baseado no homem provedor,
responsável e dominante na família. Esse modelo em transformação possibilita uma maior
proximidade emocional dos homens nas relações com os filhos, além do compartilhamento
das responsabilidades e maior envolvimento nos cuidados parentais, o que provoca novas
definições na constituição familiar.
De certa forma, esse grupo de estudos sobre paternidade aqui relatados já ilustra
essa convivência entre valores tradicionais e novos no exercício da paternidade,
explicitando até mesmo diferenças intergeracionais nas formas de envolvimento do homem
na paternidade, como indicam as pesquisas de Balzano (2003), Hegg (2004) e Martinez
(2006). Tal como ressaltado por Hegg (2004), podemos falar em paternidades, no plural,
pois há diferentes formas de representá-las e exercê-las.
1.4. O campo de estudos da paternidade no Brasil
Navarro (2007) discute que, por muito tempo, os estudos e investigações sobre
relacionamento parental se centravam principalmente na relação mãe-filho, com pouca
ênfase na paternidade, contribuindo para que a maternidade ocupasse um lugar central no
17
desenvolvimento dos filhos e até mesmo promovendo a culpabilização materna quando
havia alguma dificuldade nesse processo. Ao mesmo tempo, a paternidade foi considerada
como secundária no desenvolvimento psicológico dos filhos, sendo as conseqüências da
ausência paterna os aspectos mais ressaltados.
Quando voltamos nosso olhar sobre a produção nacional verificamos que, da
mesma forma, a paternidade já era estudada na década de 50, portanto antes da eclosão do
movimento feminista, mas relacionava o pai ausente com a delinqüência e fracasso escolar
dos filhos, principalmente de camadas sociais mais pobres (Giffin, 2005).
Pesquisas recentes desenvolvidas no Brasil confirmam que as referências à
maternidade eram mais freqüentes que à paternidade, tanto em revistas e publicações
jornalísticas, quanto na literatura científica ou outros meios de comunicação. Através da
metodologia da análise de conteúdo, Rodrigues (2000) toma como objeto de estudo uma
revista publicada especialmente para orientar os pais no cuidado com os filhos, desde a
gravidez até o crescimento dos mesmos. Comparando exemplares da revista da década de
1960 e 1990, a autora assinala que a figura materna aparece com um número muito maior
de referências do que a paterna, principalmente nos artigos que ilustram os primeiros anos
de vida da criança e essa maior quantidade de citações independe do ano de publicação da
revista. À medida que a idade da criança vai aumentando, a participação masculina vai
sendo mais citada, mas ainda não ultrapassa as referências à figura materna.
Outra pesquisa (Rodrigues & Trindade, 1999) verificou como era descrita a
participação de pais e mães em um Manual de Psicologia do Desenvolvimento bastante
conhecido e utilizado na formação de psicólogos na década de 70. As autoras indicam que
a presença da figura paterna também era pouco expressiva. Novamente a mãe aparecia em
maior número, com uma responsabilidade acentuada no desenvolvimento da criança. Nas
palavras das autoras:
Isso demonstra, mais uma vez, a supervalorização do papel da Mãe no desenvolvimento infantil tendo como contrapartida a subvalorização do Pai. Ironicamente, o Pai só esteve significativamente mais presente nos textos quando se discutiam as conseqüências de sua ausência. (p. 155)
Levandowski (2001), ao realizar um levantamento sobre a literatura internacional
sobre paternidade no período de 1974 a 1999 (indexada à base de dados Psyclit), constatou
que há uma incidência em média três vezes maior de estudos sobre maternidade do que
sobre paternidade e isso também se repete em relação à maternidade e paternidade
18
adolescentes. A autora também verificou que, ao longo do período estudado, essa situação
não se modificou.
Alguns estudos revelam como a participação masculina é pouco enfatizada também
nos meios de comunicação, com uma subvalorização da paternidade no cuidado com os
filhos. Essa questão é ilustrada por Medrado (1998a), que realizou uma pesquisa sobre os
repertórios de masculinidade transmitidos pela mídia através da propaganda televisiva. O
autor verificou que homens e mulheres representavam papéis bem definidos nos
comerciais, com uma cristalização dos papéis masculinos ligados ao mundo do trabalho e
femininos ligados ao cuidado infantil. Um pequeno número de peças publicitárias invertia
esses papéis, mas nesse caso o homem não aparecia cuidando dos filhos e sim como
educador moral e provedor financeiro (numa propaganda de seguros). Assim:
Os repertórios sobre masculinidade que compõem as mensagens publicitárias associam-se, quase exclusivamente, a um padrão heteroerótico de relações e apontam para uma configuração tradicional de relacionamento em que há uma excludente divisão de papéis: homem como provedor-protetor ou líder instrumental da família e a mulher como dona-de-casa, dependente afetiva e líder expressiva da família. (Medrado, 1998a, p. 157)
Hennigen (2003) também analisou comerciais publicitários veiculados pela
televisão referentes ao Dia dos Pais no ano 2000, identificando como o tema paternidade
encontrava-se retratado nesse tipo de mídia. A autora escolheu um comercial específico,
no qual um homem, desajeitadamente, trocava as fraldas de seu filho no fraldário de um
shopping center, sendo que as pessoas que transitavam no lugar demonstravam reprovação
ou riam da situação.
Impulsionados pela reflexão sobre o papel masculino, surgem também no Brasil
estudos sobre a ‘nova paternidade’, que se desenvolve baseada em uma aproximação entre
pai e filho, com uma relação afetiva exteriorizada e o envolvimento do pai nos cuidados
diários de saúde, higiene e alimentação dos filhos. Essa nova paternidade não surge sem
conflitos, é cheia de avanços e retrocessos, mas está se constituindo em um modelo de
paternidade possível aos homens.
Entre os estudos brasileiros realizados recentemente na área, algumas áreas de
interesse podem ser destacadas: o envolvimento paterno durante a gestação, parto e
nascimento, a participação nos cuidados com os filhos, as expectativas e sentimentos
relacionados à paternidade, o relacionamento pai e filho durante a conjugalidade e após a
separação, as representações sociais de paternidade e maternidade, entre outros temas. A
seguir, uma pequena explanação sobre alguns estudos e pesquisas desenvolvidos na área,
19
demonstrando a diversidade de temas e formas de abordagem e, também, os resultados
obtidos até então.
Dentre os autores que investigaram a participação paterna durante a gestação,
Piccinini, Silva, Gonçalves, Lopes e Tudge (2004) entrevistaram homens cujas
companheiras estavam no terceiro trimestre da primeira gestação. Eles, em conjunto com
suas companheiras, participavam do Estudo Longitudinal de Porto Alegre: da Gestação à
Escola, coordenado pelo Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul. Nas entrevistas, os pais relataram que se sentiam envolvidos afetivamente e
materialmente com a gestação da companheira. O apoio emocional e material à gestante, o
acompanhamento às consultas e exames e o envolvimento nos preparativos para a chegada
do bebê foram as formas mais citadas de participação paterna na gestação. Ao relatarem as
preocupações com a gravidez, os homens até citaram as questões financeiras, mas estas
não foram predominantes.
Esse dado contesta a visão tradicional do pai como provedor material e pode indicar
uma mudança nos significados do papel paterno para esse grupo de sujeitos. Os homens
entrevistados também expuseram que o envolvimento paterno na gestação ainda encontra
algumas barreiras, como a dificuldade colocada pelas equipes de saúde para os homens
assistirem ao parto de suas companheiras. Os autores enfatizam que é necessário que as
equipes de saúde estejam preparadas para lidar com esse maior interesse dos pais na
gravidez e parto, evitando ações pautadas em estereótipos e preconceitos.
Levandowski e Piccinini (2006), em outra etapa, também analisaram dados desse
estudo longitudinal, mas selecionaram a amostra incluindo pais adolescentes e adultos.
Investigaram quais as expectativas desses homens em relação à paternidade e encontraram
diversos elementos positivos, com os pais imaginando-se presentes e atenciosos em relação
aos filhos, ressaltando a questão da afetividade e do companheirismo e, apesar de
aparecerem preocupações em cumprir o papel paterno com sucesso, os participantes
revelaram-se otimistas com seu futuro desempenho. Outras expectativas mencionadas
pelos pais foram a participação nos cuidados iniciais com o bebê e a orientação e
aconselhamento do filho quando ele crescer. A paternidade também foi vista como
provocando o aumento da responsabilidade masculina e redução da liberdade, citada tanto
pelos pais adolescentes quanto adultos.
A opinião materna sobre a participação masculina no parto foi investigada por
Motta e Crepaldi (2005). Através dos relatos das parturientes, as autoras categorizaram
20
alguns tipos de participação paterna: a presença passiva do acompanhante, que não
conseguia se envolver ativamente no trabalho de parto e possuía dificuldades em lidar com
os sentimentos de ansiedade propiciados pelo trabalho de parto, além de não ter
informações adequadas sobre esse processo; a referência familiar, na qual a ansiedade
ainda estava presente, mas o homem conseguia oferecer apoio emocional à parturiente; e o
acompanhante ativo, que conseguiu oferecer “segurança e conforto à mulher de forma
autônoma e espontânea” (p. 09). As autoras ainda enfatizam a importância do apoio e
orientação da equipe de saúde ao homem que acompanha o trabalho de parto, propiciando
uma participação mais efetiva, mas, também, respeitando os limites e desejos do homem
naquele momento, já que o acompanhamento do parto é um direito e não uma obrigação
paterna.
Bornholdt, Wagner e Staudt (2007) identificaram as expectativas de homens que
acompanhavam a gravidez de seu primeiro filho. As autoras observaram que, mesmo
aguardando o parto acontecer para efetivamente se sentirem pais, os homens entrevistados
revelaram seu desejo em aumentar sua proximidade e participação já durante a gestação e
posteriormente no desenvolvimento dos filhos. Além disso, a preocupação com o sustento
econômico da família estava bastante presente nas entrevistas desses pais, indicando que a
paternidade, para eles, é pautada tanto em aspectos afetivos e de participação nos cuidados
com os filhos quanto no aspecto tradicional de provedor financeiro, mesclando elementos
tradicionais e novos da paternidade.
Tronchin e Tsunechiro (2006) pesquisaram a vivência de homens cujos filhos
nasceram prematuramente, necessitando de cuidados especiais na Unidade de Terapia
Intensiva Neonatal (UTIN) e, posteriormente, em casa. Para os participantes, o fato de ter
um filho nascido prematuramente provocou sentimentos de insegurança e até mesmo de
surpresa e a internação do filho na UTIN desencadeou reações de choque, incredulidade e
sofrimento. Esses pais relataram que tornar-se pai trouxe maior responsabilidade e
seriedade, possibilitando transformações em suas vidas. Assim, os autores discutem que,
numa situação difícil como a internação do filho na UTIN, a equipe de saúde deve estar
preparada para inserir e tranqüilizar o pai no contexto hospitalar, fornecendo apoio
emocional para minimizar sua insegurança e sofrimento frente à situação.
Outro grupo de pesquisas caracterizou a participação paterna no cuidado com os
filhos. Silva e Piccinini (2007) utilizaram o conceito de envolvimento, que engloba a
interação com os filhos, disponibilidade física e psicológica e responsabilidade em garantir
21
cuidados e recursos para o filho. Ao entrevistar pais com filhos em idade pré-escolar, os
autores verificaram que a satisfação era um elemento presente no discurso daqueles
homens, que se avaliavam como bons pais e destacavam o relacionamento afetivo com os
filhos como uma dimensão importante da paternidade. A responsabilidade pela criação dos
filhos era considerada uma atividade compartilhada com a esposa, mas eles reconheciam
que sua participação nos cuidados básicos dos filhos era irregular, principalmente devido
ao trabalho. Assim, os autores identificaram que as demandas externas de trabalho dos pais
influenciavam diretamente em sua interação com os filhos, tornando-se um obstáculo para
que os participantes aumentassem seu envolvimento nesse cotidiano.
Dados semelhantes foram encontrados por Unbehaum (2000), que entrevistou
homens de camadas médias urbanas, com filhos e vivendo maritalmente. Ela verificou que
a participação masculina nas atividades doméstica e nos cuidados com os filhos estava
relacionada à rotina profissional e disponibilidade no trabalho dos pais e, utilizando esse
argumento, os próprios homens consideravam que cabia a eles decidir quando e como
participar.
Por outro lado, Toneli e cols. (2006) entrevistaram casais de classes populares e
encontraram práticas mais igualitárias na divisão das tarefas domésticas e no cuidado com
os filhos. Mas, mesmo partilhando essas responsabilidades, um dos casais considerava que
a participação masculina era menos efetiva que a feminina, como um auxílio à esposa,
embora ela estivesse inserida no mercado de trabalho e ele, desempregado, cuidasse da
casa e dos filhos.
A paternidade participativa foi conceituada por Sutter e Bucher-Maluschke como
“aquela que subentende o cuidado e o envolvimento constante no cotidiano dos filhos –
nos domínios da alimentação, higiene, lazer e educação” (2008, p. 75). Entrevistando
homens de classe média, pais de crianças com até oito anos de idade, as autoras
verificaram um maior envolvimento paterno nos cuidados com os filhos, de maneira
compartilhada com a mãe, embora existissem queixas de cansaço (principalmente quando
os filhos ainda eram bebês). Ainda assim, alguns pais se colocavam em posição secundária
em relação à mãe nos cuidados parentais, considerando-as mais detalhistas e centrais para
o bem-estar dos filhos. Já outros defendiam uma maneira própria de cuidar dos filhos, se
avaliando como mais práticos e lúdicos, sem a necessidade de reproduzir as atitudes
maternas (nesse caso reclamavam que as companheiras questionavam sua capacidade de
cuidado com os filhos). A paternidade é vista como uma passagem para a vida adulta, que
22
aumenta a responsabilidade e o investimento profissional devido à necessidade de prover
materialmente e proteger a família - apesar de haver questionamentos dessa função de
provedor. Nos dados obtidos também sobressaem os aspectos relacionados aos cuidados
com os filhos, o envolvimento afetivo e a decisão de participar de todas as etapas de
desenvolvimento do filho, procurando disponibilizar maior quantidade de tempo para ficar
com ele.
Em diversas pesquisas, os aspectos tradicionais da paternidade são ressaltados pelos
entrevistados, mas, de uma forma geral, elementos ligados à afetividade, relacionamento e
participação no cotidiano do filho também são identificados, ilustrando mudanças e
flexibilizações das responsabilidades paternas frente aos filhos, mesmo que ainda haja
predominância materna em algumas esferas. Os dados de Freitas, Coelho e Silva (2007),
entrevistando pais com filhos até o início da fase escolar, também evidenciam essa
convivência de aspectos referentes ao pai tradicional e à ‘nova paternidade’:
O modelo de paternidade em que o homem mantém-se distante da vivência da gestação, assumindo-se como pai pela função de provedor, convive com o do homem que busca ser um ‘novo pai’, cujo vínculo afetivo é valorizado desde a gestação, representando possibilidades efetivas de rupturas como modelo tradicional de pai (p. 143) Para os homens entrevistados por Bustamante (2005), um bom pai é “alguém que
assuma o filho, o que implica ser provedor e estar presente em sua vida” (p. 399). Apesar
do papel de provedor ser o mais importante para esses sujeitos, a proximidade afetiva,
mesmo com a falta de tempo, também foi considerada fundamental. Estar presente
significava mostrar a realidade para os filhos e impor limites. Para eles, os pais devem
estar preocupados em manter a integridade física e emocional de seus filhos, pois são
modelo para a sua formação moral; já as mulheres complementariam esse papel,
assumindo os cuidados corporais dos filhos. Na discussão dos dados, a autora verificou
que homens e mulheres possuem formas diferenciadas de cuidar dos filhos, baseadas na
divisão sexual do trabalho. Há um predomínio do papel tradicional do pai: deve ser
provedor, ser autoridade, estar perto dos filhos, sem necessariamente participar dos
cuidados com a criança, pois os próprios pais se colocavam em um papel secundário
quando o assunto era o cuidado com os filhos.
Para os participantes entrevistados por Braz e cols. (2005), um bom pai é
caracterizado a partir de três grandes grupos de valores: emocionais (afetividade, bondade
e suporte emocional), de personalidade e conduta (suporte material, honestidade e
23
participação nas atividades domésticas e parentais) e valores de socialização (orientação e
disciplina). Aspectos semelhantes são ressaltados ao caracterizar uma boa mãe: ela deve
orientar e conduzir os filhos, ser afetiva e participativa, oferecer suporte emocional e ser
responsável pelas atividades domésticas e cuidados com os filhos.
Entrevistando homens que constituíam famílias nucleares e monoparentais (com
guarda materna dos filhos), Ramires (1997) encontrou resultados que revelavam o desejo
de participação masculina nos cuidados com os filhos, denominado pela autora como a
capacidade de ‘maternar’. Os pais enfatizavam a importância de um bom relacionamento
com seus filhos, ampliando o diálogo e evitando posturas autoritárias e distantes como as
de seus pais. Os homens separados também relatam sentimentos de frustração por não
estarem diariamente com os filhos embora, em algumas situações, o relacionamento entre
pai e filhos tenha melhorado após a separação. Alguns pais indicam o ‘monopólio materno’
como uma barreira para se aproximar, mas também é recorrente a concepção de que a mãe
é mais importante na criação e no desenvolvimento dos filhos.
A opinião materna e o incentivo para que o homem participe dos cuidados com os
filhos também parece ser um elemento fundamental para que ocorra seu maior
envolvimento e satisfação nessa tarefa. Nesse sentido, os dados analisados por Crepaldi,
Andreani, Hammes, Ristof e Abreu (2006) indicaram que a maioria das mulheres
considerava o pai como participante nos cuidados com os filhos e tão afetuoso quanto elas
nesses contatos. As principais atividades realizadas pelos homens junto com os filhos eram
relacionadas aos aspectos lúdicos (45% das respostas), aos cuidados com higiene e
alimentação realizados na presença da mãe (35%) e os mesmos cuidados realizados apenas
pelo pai (20%). Dessa forma, as autoras ressaltam que, apesar da participação paterna em
atividades junto com os filhos, nem sempre estas se relacionam aos cuidados básicos, que
ainda permanecem como uma responsabilidade na maioria das vezes assumida pela mãe.
Perucchi e Beirão (2007) entrevistaram mulheres separadas e responsáveis pelo
sustento da casa. Para elas, a paternidade significava participar dos cuidados com os filhos,
estar presente e ser educador, com pouca referência à concepção tradicional de provedor.
Foi possível verificar que algumas mulheres sentiam-se sobrecarregadas por assumir
funções que, anteriormente, eram de responsabilidade do marido, evidenciando uma
distribuição de funções maternas e paternas baseadas na divisão tradicional de gênero:
As construções de gênero, baseadas no modelo patriarcal, ficaram evidentes na fala das informantes, relacionando a maternidade à sensibilidade e à submissão e a paternidade à
24
força e à atividade. O pai continua a ocupar, nessas concepções, um lugar de respeito e de autoridade sobre a família. (p. 63) Já na pesquisa de Grzybowsky (2002), apesar das dificuldades financeiras relatadas,
as mulheres não se queixavam dessa sobrecarga pois, como discute a autora, continuaram a
desempenhar uma função que era anterior à separação e tradicionalmente assumida pelas
mulheres: cuidadora da casa e dos filhos.
Pais que freqüentavam uma unidade básica de saúde em Florianópolis
acompanhando suas companheiras nas consultas de seus filhos foram entrevistados por
Resende e Alonso (1995). Nas entrevistas, os homens relataram seu interesse e efetiva
participação nos cuidados com a criança em relação à alimentação, saúde ou limpeza -
embora em certas atividades alguns deles se considerassem menos “jeitosos” do que a mãe,
como quando a criança chorava muito sem motivo aparente ou na troca de fraldas.
Segundo eles, nessas situações as mães sabiam como atender as necessidades dos filhos
sem machucá-los. Os participantes também indicaram que, às vezes, sentiam-se
discriminados pelas próprias companheiras ou profissionais dos postos de saúde, o que
dificultava seu maior envolvimento no cotidiano infantil.
Essa e outras pesquisas já citadas revelam que uma das dificuldades para os homens
ampliarem seu envolvimento com os filhos acontece também na relação com a
companheira ou mãe de seus filhos e profissionais de saúde. Nesse sentido, verifica-se que
tanto as mulheres quanto os profissionais que atuam na assistência à gravidez, partos e
cuidados infantis muitas vezes apresentam comportamentos baseados em concepções
tradicionais de maternidade e paternidade (Carvalho, 2003; Resende & Alonso, 1995),
mesmo quando os homens já demonstram um envolvimento mais efetivo ou informam que
a proximidade afetiva e os cuidados com o filho são importantes para eles. Como
demonstra Fonseca (1998): “os estudos sobre paternidade estão trazendo à tona as
condições criadas pela sociedade para facilitar ou dificultar o envolvimento de homens na
vida familiar” (p. 192).
A maternidade e a paternidade, a partir da perspectiva das representações sociais,
também foram tema de diversos estudos por um grupo de pesquisadores da Universidade
Federal do Espírito Santo. Trindade (1993) entrevistou a clientela atendida no Serviço de
Aconselhamento Genético da universidade, com suspeita de problemas nessa área, abortos
repetidos sem causa clínica ou receio de ter filhos com algum problema genético devido a
precedentes familiares. As representações sociais de maternidade das mulheres desse grupo
25
envolviam os elementos Identidade Feminina, Dádiva Divina, Supervalorização da Mãe,
Realização Pessoal, Filho Biológico, Sacrifício e Filho Normal. Já os homens
representavam a paternidade como Pai Provedor, Realização Pessoal, Identidade
Masculina, Filho Normal e Filho Biológico. A autora discute que tais representações
remetem aos padrões tradicionais de maternidade e paternidade e alguns elementos são
mais presentes de acordo com as situações vivenciadas pelos homens e mulheres (presença
ou ausência de filhos sem problemas genéticos e dificuldades para engravidar e/ou manter
a gravidez).
Outros estudos sobre a representação de maternidade e filho biológico no contexto
de infertilidade também encontraram referências aos elementos tristeza, incompletude,
frustração e autoconceito negativo (Trindade & Enumo, 2002), além da importância
atribuída ao filho biológico (Borlot & Trindade, 2004).
Em outra investigação, ao entrevistar homens adultos de diferentes gerações,
Trindade, Andrade e Souza (1997) encontraram os seguintes elementos das representações
de paternidade: Afeto, Relacionamento Positivo, Atributo, Orientação e Provedor. Apesar
de identificarem elementos mais ligados à afetividade entre pais e filhos, os autores
ressaltam que, no cuidado com os filhos, a divisão de atividades entre pais e mães ainda
permanece arraigada às concepções tradicionais. Entre os adolescentes entrevistados por
Trindade e Menandro (2002) as concepções de paternidade englobavam elementos como
prover as necessidades dos filhos, educar, dar carinho e atenção. Já a maternidade envolvia
cuidar, dar carinho e sacrificar-se pelo filho, além da mãe ser considerada a figura mais
importante para o filho.
As pesquisas desenvolvidas sobre o tema paternidade, tanto no Brasil quanto em
outros países, possuem diversos enfoques, mas, de uma maneira geral, trazem alguns
pontos em comum para reflexão. A paternidade, nesse grupo de pesquisas, quase sempre
foi relatada como uma vivência desejada pelos homens, que participaram, algumas vezes
de maneira mais tímida, dos preparativos e cuidados com a companheira e filhos durante a
gravidez, parto e nascimento. Além disso, muitas pesquisas demonstram que o homem está
buscando também se envolver nos cuidados com os filhos, embora ainda de maneira
parcial e descontínua – tal como ocorre no auxílio masculino nas tarefas domésticas, já
discutido anteriormente. Os modelos de paternidade vivenciados englobam aspectos tidos
como tradicionais na paternidade, tais como o pai provedor e educador moral, ao mesmo
tempo em que emergem discursos e práticas valorizando o relacionamento próximo e
26
afetivo entre pai-filho e a participação paterna nos cuidados com a criança. Por outro lado,
para que efetivamente o homem se envolva nos cuidados e criação dos filhos, parece que
alguns fatores devem estar presentes, tais como a valorização e incentivo à participação
paterna por parte das companheiras, familiares, profissionais e amigos.
1.5. Teoria das representações sociais
Como já exemplificado, diversos autores têm utilizado a Teoria das Representações
Sociais para estudar temas como relações de gênero, saúde reprodutiva, maternidade e
paternidade (Borlot & Trindade, 2004; Gallardo & cols., 2006; Palacios, 1997; Villamizar
& Rosero-Labbé, 2005; Trindade, 1993; Trindade & cols., 1997).
O fenômeno e a Teoria das Representações Sociais foram inicialmente estudados
por Sérge Moscovici, na década de 60, em um trabalho que objetivou compreender a
apropriação da população francesa dos conceitos da psicanálise em suas questões
cotidianas (La psychanalyse, son image et son public, publicada originalmente em 1961).
Partindo da crítica à psicologia norte-americana e sua tradição behaviorista e da crítica às
representações coletivas propostas por Durkheim, Moscovici propôs a mudança do foco da
análise, passando a considerar “como um fenômeno o que anteriormente era visto como um
conceito” (2005, p. 45).
As representações coletivas propostas por Durkheim abrangiam uma cadeia de
formas intelectuais que ocorriam na sociedade, incluindo ciência, religião, mito, emoções,
modalidades de tempo e espaço, mas, para Moscovici (2005), elas possuíam um caráter
estático; a representação coletiva, então, se colocava como uma realidade que se impunha
aos indivíduos (Herzlich, 2005). Com a proposta das representações sociais (RS),
Moscovici conseguiu articular a influência recíproca da estrutura social e de seu autor,
demonstrando que a representação social “é um modo de pensamento sempre ligado à
ação, à conduta individual e coletiva, uma vez que ela cria ao mesmo tempo as categorias
cognitivas e as relações de sentido que são exigidas” (Herzlich, 2005, grifos no original, p.
59).
Assim, diferentemente de Durkheim, Moscovici considerou as RS como fenômenos
dinâmicos e plásticos, que possibilitam mudanças nos sistemas de pensamento de forma a
dar sentido às vivências cotidiana em cada contexto histórico, político, científico e humano
(Moscovici, 2005).
27
Jodelet (2001) conceitua as RS como “uma forma de conhecimento, socialmente
elaborada e partilhada, com um objetivo prático, e que contribui para a construção de
uma realidade comum a um conjunto social” (p. 22). São modalidades de pensamento
prático, orientadas para a compreensão e domínio do ambiente social, sendo consideradas
“verdadeiras” teorias do senso comum, pelas quais ocorre a interpretação e construção das
realidades sociais. A autora destaca que as RS “nos guiam no modo de nomear e definir
conjuntamente os diferentes aspectos da realidade diária, no modo de interpretar esses
aspectos, tomar decisões e, eventualmente, posicionar-se frente a eles de forma defensiva”
(p. 17).
Assim, as RS orientam e organizam as condutas e as comunicações sociais,
intervindo em processos como a difusão e assimilação do conhecimento, o
desenvolvimento individual e coletivo, as identidades, expressões do grupo e
transformações sociais (Jodelet, 2001). Como ainda sugere a autora, observar as RS é
possível em diversas ocasiões, pois elas circulam nos discursos, nas mensagens, na mídia e
nos comportamentos.
Os fenômenos de representação social estão ‘espalhados por aí’, na cultura, nas instituições, nas práticas sociais, nas comunicações interpessoais e de massa e nos pensamentos individuais. Eles são, por natureza, difusos, fugidios, multifacetados, em constante movimento e presentes em inúmeras instâncias da interação social. (Sá, 1998, p. 21)
Podemos, então, pensar as RS como conjuntos de conceitos, afirmações ou
explicações de fenômenos com os quais as pessoas se deparam no seu cotidiano e sobre os
quais precisam pensar, compreender, opinar. São construídas a partir das questões que têm
relevância para os indivíduos em suas interações cotidianas, assim como constroem a
maneira como eles vão lidar com essas mesmas questões. Para Moscovici (2005), “a
finalidade de todas as representações é tornar familiar algo não-familiar, ou a própria
não-familiaridade” (p. 54).
Segundo a teoria, a matéria-prima para a elaboração das RS é o universo reificado,
considerado como o ambiente onde se produzem as ciências e o pensamento erudito. Já os
universos consensuais correspondem às interações cotidianas dos indivíduos, nas quais são
produzidas as RS (Sá, 1993). Ambos os universos (reificados e consensuais) atuam para
construir e moldar a nossa sociedade: o novo comumente é trazido pelos universos
reificados, são as novas teorias, concepções, tecnologias, descobertas. E como Sá discute:
“a exposição a esse novo é que introduz a não familiaridade ou a estranheza na sociedade
28
mais ampla” (1993, p. 36). Dessa forma, a realidade social é criada quando esse novo é
incorporado aos universos consensuais, passando a ser conhecido e partilhado socialmente.
Para compreender e assimilar essas novidades são geradas as RS.
Moscovici (2005) pontua que:
[A teoria das representações sociais] toma como ponto de partida a diversidade dos indivíduos, atitudes e fenômenos, em toda sua estranheza e imprevisibilidade. Seu objetivo é descobrir como os indivíduos e grupos podem construir um mundo estável, previsível, a partir de tal diversidade. (p. 79) O autor descreve que as RS sempre possuem duas faces, indissociáveis e
interdependentes: a face icônica e a face simbólica, ou seja, representação =
imagem/significação. Se por um lado as imagens se associam a conjuntos de significados,
por outro, os significados se condensam em imagens (Medrado, 1998b).
As RS, então, são construídas a partir das trocas e práticas dentro do contexto
histórico e fornecem subsídios para atitudes e julgamentos, servindo como pano de fundo e
para dar significado e coerência ao universo vivido pelos sujeitos (Espíndula & Santos,
2004). Banchs (2000) destaca que, para essa teoria, os indivíduos se constituem e
constituem suas representações sociais ao mesmo tempo em que constroem seu mundo
social, sua própria realidade e identidade pessoal.
As RS são criadas por dois mecanismos, a ancoragem e a objetivação (Moscovici,
2005). No primeiro mecanismo, busca-se ‘ancorar’ idéias novas e estranhas em categorias
e imagens comuns, introduzindo-as em um contexto familiar. Através da ancoragem, algo
estranho é incluído em nosso sistema particular de categorias e, com isso, ganha
significados dentro dessas categorias. Como o autor indica, ancorar é classificar e dar
nome ao que é estranho, fazendo com que ele fique familiar e, por conseguinte, não
ameaçador e possível de lidar. Ele ainda ressalta que classificar e nomear não são
simplesmente meios de rotular pessoas ou objetos; suas funções são justamente facilitar a
interpretação e compreensão de características, intenções ou ações.
Já a objetivação consiste em reproduzir um conceito em uma imagem, dando-lhe
materialidade, unindo a idéia de não-familiaridade com a de realidade. Medrado (1998b)
explicita a objetivação da seguinte forma:
No nível individual, o processo de apropriação das RS compreende a seleção de informações acerca de um dado objeto social e conseqüente descontextualização dos elementos retidos, configurando-se uma imagem ou núcleo figurativo, de modo que as idéias construídas são percebidas como algo concreto, objetivo, palpável. (parágrafo 13)
29
Moscovici (2005) sintetiza os mecanismos de ancoragem e objetivação:
Esses mecanismos transformam o não-familiar em familiar, primeiramente transferindo-o a nossa própria esfera particular, onde nós somos capazes de compará-lo e interpretá-lo; e depois reproduzindo-o entre as coisas que nós podemos ver e tocar, e conseqüentemente, controlar.” (p. 61) Para gerar representações o objeto deve ter suficiente relevância cultural ou
espessura social, de modo que se encontre implicado, de forma consistente, em alguma
prática do grupo - daí a necessidade de elaborar e partilhar seu significado (Sá, 1998). Ao
transformar situações não familiares em familiares, os sujeitos elaboram teorias e
significados que geram sentido para sua compreensão e, conseqüentemente, orientação de
suas práticas.
A respeito de RS e práticas, Rodríguez (2003) afirma que, tradicionalmente, a
teoria propõe duas funções para essa relação: as RS orientam e guiam as ações, mas
também cumprem um papel de justificação dos conhecimentos ou práticas; ou seja, as
pessoas atuam de acordo com suas representações, mas também as modificam de acordo
com suas práticas.
Sá (1998) ainda destaca que as RS sempre são de alguém (sujeito) e de alguma
coisa (objeto), sendo assim, não se pode falar de representações sem especificar quem são
os sujeitos que partilham tal representação (população ou conjunto social). É importante
ressaltar de que grupo social se trata, já que os comportamentos daquele grupo e a
necessidade de compreender, conversar e agir em determinado contexto são fundamentais
para a construção da própria representação. Dessa forma, a RS é um saber efetivamente
praticado pelo grupo, não devendo apenas ser suposto pelo pesquisador, mas sim detectado
através de comportamentos e comunicações que ocorram sistematicamente dentro daquele
grupo.
A partir da perspectiva proposta por Moscovici, outros desdobramentos surgiram,
como a teoria do núcleo central, inaugurada por Abric (Sá, 1998). Essa teoria ocupou-se
mais especificamente do conteúdo cognitivo das representações, concebendo-as como um
conjunto organizado e estruturado em um sistema central e periférico. Assim, é possível
compreender como as representações mostram-se, ao mesmo tempo, estáveis e mutáveis,
com aparentes contradições. Como discorre Sá (1998):
30
A teoria de Abric atribuiu aos elementos cognitivos do núcleo central as características de estabilidade/rigidez/consensualidade e aos elementos periféricos um caráter mutável/flexível/individualizado, de modo que o primeiro proporciona o significado global da representação e organiza os segundos, os quais, por seu turno, asseguram a interface com as situações e práticas concretas da população. Com isso, a teoria foi capaz de conciliar aquelas aparentes contradições em um todo estruturado e dinâmico. (p. 77) Spink (1993) destaca que, por serem interpretações da realidade, as RS são
necessariamente estruturas dinâmicas: tanto os conteúdos estáveis quanto os dinâmicos
convivem dentro da mesma representação, assinalando as contradições existentes no
discurso e nas práticas sociais. Nas palavras da autora:
Entretanto — e paradoxalmente —, o estudo empírico das representações sociais revela, freqüentemente, a concomitância de conteúdos mais estáveis e de conteúdos dinâmicos, mais sujeitos à mudança. As representações sociais, portanto, são tanto a expressão de permanências culturais como são o locus da multiplicidade, da diversidade e da contradição. (...) Ou seja, parece lícito afirmar que, se de um lado buscamos os elementos mais estáveis, aqueles que permitem a emergência de identidades compartilhadas, de outro trabalhamos com o que há de diferente, diverso e contraditório no fluxo do discurso social. (p. 305) Para Medrado (1998b) esse dinamismo das representações evidencia as
resignificações culturais e expressam suas próprias possibilidades de mudanças,
assimilando novos elementos:
Em outras palavras, sob o solo de uma representação concentram-se elementos que se contrapõem à lógica interna dessa representação, os quais podem emergir transformando-se em núcleo central, e adotando, por conseqüência, um caráter mais estável e resistente. Nas expressões humanas, das conversas do cotidiano às produções midiáticas, essa dinâmica pode ser apreendida através das freqüentes contradições, que indicam a presença do velho e anunciam a possibilidade constante do novo. (parágrafo 12) Cada grupo, então, partilha representações sobre algum aspecto da realidade, e
“este significado é relativamente capaz de se adaptar ao contexto imediato, mas, ao
mesmo tempo, é suficientemente estável para não aceitar que o significado já atribuído a
uma dada situação sofra alterações importantes, diante de alguma variação” (Espíndula
& Santos, 2005, p. 358).
Banchs (2000) procurou distinguir dois enfoques principais nos estudos das RS,
que denominou de enfoque processual, representado pelos estudos de Moscovici, Jodelet e
colaboradores, e enfoque estrutural, baseado na contribuição de Abric e colaboradores (o
enfoque preconizado por Willian Doise, da escola de Genebra, é reconhecido pela autora,
mas não foi contemplado em suas análises no artigo consultado).
31
Para a autora, o enfoque processual se caracteriza por compreender o ser humano
como produtor de sentido e focalizar a análise das produções simbólicas, dos significados e
da linguagem através dos quais os homens constroem o mundo. Os principais métodos de
análise privilegiados por esse enfoque são os métodos qualitativos e de triangulação
(combinação de variadas técnicas, teorias e investigadores) e o interesse focalizado pelo
objeto e suas vinculações sócio-históricas também são outras características da abordagem
processual. Já o enfoque estrutural desenvolve seus estudos no sentido de identificar a
estrutura ou núcleo das RS e explicar as funções dessa estrutura (Banchs, 2000), sendo que
as técnicas mais utilizadas dizem respeito a análises quantitativas e qualitativas, utilizando-
se de testes e tratamentos estatísticos (Sá, 1998).
Utilizando a teoria do núcleo central, Campos e Rouquette (2003) apresentaram
estudos exploratórios demonstrando que os significados das RS e a afetividade não se
encontram dissociados no interior da representação. Dessa forma, os autores consideram
pertinente a proposição que o núcleo central é resultado da partilha histórica de valores e
de emoções associadas a esses valores e práticas desenvolvidas, ou seja, “o sistema central
e elementos afetivamente carregados [compõem] uma estrutura sóciocognitivo-afetivo
coerente” (p. 444).
A teoria das RS continua em desenvolvimento, seja no enfoque de Moscovici e
Jodelet, seja na perspectiva do núcleo central ou da Escola de Genebra. No âmbito das
Ciências Sociais também várias críticas são feitas em relação a essas teorias, o que tem
propiciado um campo fértil para debate e desenvolvimento dos próprios campos teóricos.
Não é nosso propósito discutir essas críticas nesse trabalho e maiores informações sobre
esse debate podem ser encontradas nos trabalhos de Rodríguez (2003) e Herzlich (2005).
Pelas questões apresentadas e a diversidade de possibilidades de análises e
pesquisas, entendemos que o estudo das RS é capaz de favorecer a compreensão sobre a
mobilidade do discurso e das práticas sociais, conseguindo captar os movimentos de
mudança e ao mesmo tempo, identificando conteúdos estáveis considerados centrais para
aquela representação social.
Como já discutido, as demandas pela participação masculina no cuidado com os
filhos se modificaram, o discurso de igualdade de responsabilidades é cada vez mais
divulgado e essas mudanças no contexto sócio-histórico geram, a cada momento, a
necessidade dos sujeitos envolvidos nesse processo pensarem e significarem, a partir das
interações sociais, suas representações de maternidade e paternidade. E esse é o principal
32
tema que pretendemos focalizar nesse trabalho: as RS de homens que possuem a guarda
dos filhos e que constituem famílias monoparentais. Como esses pais representam a
paternidade e, a partir disso, orientam suas condutas? A teoria das RS servirá, então, como
instrumento para compreendermos tais questões relacionadas à guarda paterna.
33
2. JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS
Sabemos que os padrões masculinos e femininos e, conseqüentemente, de
maternidade e paternidade estão passando por mudanças significativas. Historicamente, os
modelos tradicionais foram sendo amplamente difundidos e fizeram parte da socialização
de muitas gerações. As lutas pelas mudanças, iniciadas pelos movimentos sociais, tiveram
o apoio da comunidade acadêmica e atualmente há grande produção científica sobre as
relações de gênero e suas diferentes configurações. Os sujeitos envolvidos na questão da
maternidade e paternidade não estão fora dessas discussões, que já estão sendo
amplamente divulgadas pelos meios de comunicação e já começam a subsidiar políticas
públicas. Como exemplo, podemos citar o direito da mulher de possuir o apoio de um
acompanhante no momento do trabalho de parto, parto e pós-parto, indicado por ela,
direito esse garantido pela Lei 11.108, de 07/04/2005 e a Lei 11.698, de 13/06/2008, que
institui e disciplina a guarda compartilhada.
Pensando em uma das possíveis formas de se exercer a paternidade, elegemos como
objeto de estudo a guarda paterna. Nesta pesquisa, buscamos compreender como se
representa a paternidade no contexto desse tipo específico de guarda, através dos relatos de
homens viúvos e separados que, por algum motivo ao longo de sua trajetória, assumiram a
criação dos filhos. Como critério para participação na pesquisa, elegemos homens que não
vivem com esposas, mães ou outras mulheres adultas. Assim, o interesse era verificar
como esses homens que constituem famílias monoparentais (residem com seus filhos sem a
presença da esposa ou mãe da criança) estão vivenciando a paternidade.
A questão de pesquisa que investigamos foi: Quais as representações sociais de
paternidade de homens que possuem a guarda dos filhos e constituem famílias
monoparentais?
Dentro do nosso tema de interesse – as práticas parentais - consideramos que a
teoria das RS é potente para compreender como os homens representam socialmente a
paternidade e como essas representações estão orientando suas práticas. Assim, utilizamos
a teoria como um instrumento para compreender as vivências e discursos partilhados por
esse grupo de pais.
Reconhecemos que, a partir das vivências propiciadas pela guarda dos filhos, os
pais constroem suas RS de paternidade, compartilhando práticas e significados dentro do
34
contexto social que estão inseridos. Buscamos compreender como esses homens atuam
quando estão diretamente em contato com seus filhos.
A esse respeito, faz-se necessário ressaltar o fato de que não terem sido
encontrados, na literatura pesquisada, estudos que contemplem o homem como detentor da
guarda dos filhos. Crepaldi e cols. (2006) sugerem que novas pesquisas sobre paternidade
abordem as vivências parentais em diversas configurações familiares, como famílias
recompostas ou monoparentais (chefiadas por mulheres ou homens), enfocando a
percepção paterna sobre sua vivência e sempre levando em consideração a análise dos
diferentes contextos socioculturais nos quais estão inseridas tais famílias.
2.1. Objetivo geral
Identificar as RS de paternidade e maternidade de homens que possuem a guarda
dos filhos e constituem famílias monoparentais.
2.2. Objetivos específicos
- Compreender como os participantes realizam os cuidados parentais, como
alimentação, higiene, saúde, educação, orientação e correção, atividades
escolares, entre outros;
- Identificar quais foram os fatores que influenciaram a decisão de assumir a
criação dos filhos;
- Verificar a avaliação que os homens fazem sobre sua vivência da paternidade,
incluindo fontes de satisfação e dificuldades nesse exercício;
- Identificar como os homens conciliam a paternidade com outras esferas de sua
vida, como trabalho, lazer e relacionamentos amorosos.
35
3. MÉTODO
3.1. Participantes
Participaram do estudo 15 homens com idade entre 40 e 57 anos, sendo que a média
de idade era de 45 anos. Quatro pais eram viúvos e onze eram separados. O estado civil
não foi um critério para seleção da amostra, por isso há essa grande diferença entre o
número de participantes em cada situação.
A maioria possuía entre dois e três filhos, com uma média de 2,5 filhos por
participante. Quando assumiram a guarda/responsabilidade, os filhos eram menores de 18
anos, com idades variando entre 01 e 17 anos. Dentre eles, 77,41% eram crianças até doze
anos e os demais eram adolescentes. Verificou-se que os pais, na maioria dos casos,
assumiram a guarda/responsabilidade quando os filhos ainda eram pequenos, com uma
média de nove anos de idade na época.
A escolaridade variava entre Ensino Médio Completo e Ensino Superior Completo
e as atividades profissionais referidas exigiam certo grau de qualificação, sendo necessária
formação técnica ou superior. Variavam entre profissionais liberais, professores,
autônomos e bancários e, além disso, um participante que anteriormente exercia atividades
administrativas estava aposentado por invalidez há mais de dez anos. O nível sócio
econômico concentrava-se na classe média, sendo que três participantes eram de classes
populares.
Os critérios utilizados para a inclusão na amostra foram os seguintes:
a) Ter sido responsável pela criação do(s) filho(s) sem a presença materna por no mínimo
um ano, independentemente de ter a guarda legalizada;
b) Nesse período mínimo não ter residido com esposa ou outro familiar adulto do sexo
feminino;
c) Ter assumido a responsabilidade de filhos menores de 18 anos de idade.
Tais critérios foram utilizados de forma a selecionar participantes que tivessem sido
responsáveis diretos por seus filhos em algum momento da vida, independente de a
situação perdurar até o momento da entrevista. Assim, também foram incluídos homens
que já estiveram nessa situação anteriormente pelo período mínimo estipulado e que não
residem mais com seus filhos. Nesse caso, as questões da entrevista focalizaram o período
36
vivenciado junto aos filhos. Essa situação ocorreu com dois pais, cujos filhos voltaram a
morar com familiares – um com a mãe e um com a avó materna.
A restrição à existência de companhia feminina (familiar ou companheira)
objetivou garantir que o pai seria o principal responsável pelo cuidado com os filhos, sem a
presença de outro familiar que pudesse exercer a função materna. Em duas situações os
pais casaram-se novamente, mas já haviam residido com seus filhos pelo tempo mínimo
estabelecido como critério. Em outras duas situações, eles residiram um período com seus
próprios pais após assumirem a guarda dos filhos (entre 6 meses e três anos) e quando
foram entrevistados já haviam se mudado e estavam sozinhos com os filhos há mais de um
ano, contemplando, também, o critério inicial.
Foram incluídos também os pais que contaram com o apoio de empregadas
domésticas (babás, empregadas, diaristas), considerando que esse tipo de contratação não
configura uma situação diferenciada. Embora tal função seja quase que exclusivamente
feminina e tais profissionais possam auxiliar no cuidado com os filhos, a contratação de
empregados é uma fonte de apoio bastante utilizada também por mulheres na mesma
situação e até mesmo por casais, principalmente quando esses estão inseridos no mercado
de trabalho. Assim, buscou-se identificar, nas entrevistas, qual o papel do pai e desse
profissional no cuidado dos filhos.
Dos pais entrevistados, oito relataram ter contratado empregadas domésticas com
jornada de trabalho integral em algum momento do período investigado, sendo que três
desses não contavam mais com esse serviço na época da entrevista. Outros três contavam
com o auxílio de diaristas, que exerciam trabalhos semanais ou quinzenais e quatro não
contratavam profissionais para realizar o trabalho doméstico.
Quanto à idade dos filhos na época da guarda, esse critério foi estabelecido por
entendermos que crianças e adolescentes necessitam de mais cuidados instrumentais por
parte do cuidador do que os jovens adultos (acima de dezoito anos). Dessa forma,
poderíamos avaliar qual o envolvimento paterno nessas atividades de cuidado cotidiano.
Todos os participantes entrevistados assumiram a responsabilidade pelos filhos quando
eles eram menores de idade e, no momento das entrevistas, sete participantes já possuíam
filhos maiores de idade e em cinco situações, os filhos continuavam residindo com o pai.
Apesar de não ser um critério para amostra, todos os participantes tiveram
relacionamentos conjugais ao longo de sua história e os filhos sob sua responsabilidade
37
eram provenientes dessas relações. No momento da entrevista nenhum participante estava
casado.
3.2. Instrumento de coleta de dados
Para a realização da entrevista, utilizou-se um roteiro semi-estruturado que
investigava aspectos da vivência da paternidade pelos participantes. O roteiro de entrevista
(Anexo II) abordou os seguintes núcleos de informação:
- Dados de caracterização do participante;
- Representações sociais de paternidade e maternidade;
- História do relacionamento (namoro, relacionamento conjugal, decisão por
filhos, separação/viuvez);
- Como ocorreu a obtenção da guarda/responsabilidade pelo filho;
- Cotidiano com os filhos;
- Relacionamentos amorosos do participante após viuvez/separação;
- Avaliações sobre o exercício de sua paternidade.
O roteiro foi utilizado apenas para direcionar as entrevistas, pois a pesquisadora
inseriu outras questões para melhor compreensão de acordo com os conteúdos que eram
abordados pelos participantes. Em alguns blocos as perguntas eram adaptadas ao estado
civil do participante.
3.3. Coleta de dados
Durante a realização da pesquisa, houve algumas dificuldades para localização dos
participantes. Inicialmente, planejou-se realizar contatos com instituições como a Vara de
Família e a APASE/ES – Associação de Pais Separados do Espírito Santo. O contato na
Vara de Família se deu através de uma promotora de justiça, que mostrou-se bastante
interessada em indicar participantes, inclusive já conhecendo algumas pessoas nessa
situação que haviam solicitado a guarda dos filhos e obtido êxito. Mas ao realizar o contato
com essas pessoas, quatro no total, os mesmos se recusaram a participar da pesquisa, pois
“não gostariam de falar sobre um assunto que já tinha trazido muito desgaste”. Segundo a
promotora, esses pais haviam passado por conflitos na solicitação da guarda, oriundos de
38
divergências com a mãe e, por isso, não se dispuseram a participar da entrevista. Nesse
caso, a pesquisadora não teve acesso aos participantes, pois todos os contatos foram
realizados pela promotora.
Na APASE/ES foram realizados vários contatos por telefone e e-mail, sem
resposta. Em contato com a APASE/RJ não havia informação sobre o funcionamento da
instituição no Espírito Santo. Como já previsto anteriormente, a seleção da amostra
também seria realizada através da rede de relacionamentos da pesquisadora. Essa
metodologia é conhecida como “amostragem por acessibilidade” (Meltzoff, 2001) e o
acesso aos participantes se dá a partir da rede de relacionamentos do pesquisador e dos
próprios pais entrevistados, através do procedimento conhecido como “bola de neve”
(Flick, 2004). Os critérios de participação foram divulgados para amigos, professores e
colegas de trabalho. Dos 18 participantes localizados através dessa técnica, 15 aceitaram
participar da pesquisa.
As entrevistas foram realizadas individualmente e em locais de conveniência dos
participantes, tais como suas residências, locais de trabalho ou restaurantes. O primeiro
contato foi por telefone e a pesquisadora explicitou os objetivos da pesquisa, confirmando
o interesse deles em participar do estudo. Na entrevista foi lido e explicado o Termo de
Consentimento para Participação em Pesquisa (Anexo I), que foi assinado por eles
autorizando, inclusive, a gravação em áudio da entrevista.
Os procedimentos obedeceram a normas éticas, não oferecendo riscos para os
participantes e preservando seu anonimato. Muitas vezes a entrevista focalizou situações
de conflito ou tristeza, o que emocionou alguns participantes – nesse momento, a
pesquisadora ofereceu suporte psicológico ao participante e retomou a entrevista apenas
quando ele se sentiu em condições de continuá-la.
3.4. Tratamento dos dados
Os dados foram submetidos à análise do software Alceste 4.6 e, de forma
complementar, à Análise de Conteúdo, na metodologia proposta por Bardin (1977). Sá
(1998) destaca que a metodologia de pesquisa das RS mais comum combina a coleta de
dados através de entrevistas em profundidade e a posterior análise de conteúdo.
Acrescentamos a análise do software Alceste, que explicitaremos a seguir.
39
3.4.1. Alceste - Análise Lexical por Contexto de um Conjunto de Segmentos de Texto
Trata-se de um método informatizado para análise de textos, que busca apreender a
estrutura e a organização do discurso, de forma a descobrir relações entre os mundos
lexicais mais freqüentemente enunciados pelo sujeito. O programa pode analisar conjuntos
de textos sobre um determinado tema tais como entrevistas, respostas de um questionário a
uma questão aberta, produção literária, artigos na imprensa, letras de música ou qualquer
outro material escrito.
Nascimento e Menandro (2006) ressaltam que o tratamento estatístico de dados
através de softwares tem sido cada vez mais freqüente, principalmente quando o conjunto
de dados a se analisar é volumoso. De Alba (2004) relembra que o Alceste foi criado por
Max Reinert, na década de 1980, na França, e foi desenvolvido a partir da necessidade de
investigadores sociais para análise de material discursivo.
O programa trabalha com a idéia de ‘mundo lexical’, que compreende “(...) um
conjunto de palavras principais que tem uma organização habitual (repetitiva) no discurso
e que se referem a algo similar” (De Alba, 2004, p. 1.4). Como ressaltam Nascimento e
Menandro (2006):
O objetivo do Alceste não é o cálculo do sentido, mas a organização tópica de um discurso ao colocar em evidência os ‘mundos lexicais’. No Alceste, o vocabulário de um enunciado constitui um traço, uma referência, um ‘funcionamento’, enfim, uma intenção de sentido do sujeito-enunciador. (p. 74)
Assim, busca-se apreender as estruturas significantes mais fortes através de
cálculos estatísticos de freqüência e co-ocorrência (Image, 2002).
Para analisar o texto corretamente, o programa necessita de duas condições: que o
conjunto de dados (denominado corpus) se apresente como um ‘todo’, guardando certa
coerência interna e que seja suficientemente volumoso (mais de 1000 linhas) para que as
análises estatísticas sejam efetuadas. Como o conjunto de dados, nessa pesquisa,
constituiu-se das respostas dos pais a questões e temas semelhantes e foram geradas cerca
de 230 páginas de transcrição, o corpus atende aos requisitos necessários para organização
através do programa.
Para inserir os dados no software, algumas regras devem ser obedecidas (Image,
2002):
40
- O corpus deve conter no mínimo 1000 linhas. A pontuação deve ser corrigida, pois o
programa baseia-se nisso para fragmentar o material para análise. Eventuais erros de
digitação também devem ser acertados. O corpus deve ser separado em parágrafos que
não ultrapassassem 1500 caracteres, mesmo quando se tratar da continuação da
resposta do sujeito.
- No decorrer do texto não devem ser utilizados sinais como apóstrofos, aspas, cifrões,
asteriscos ou sinais de porcentagens.
- As divisões naturais do corpus são denominadas Unidades de Contexto Inicial (UCIs) e
podem ser cada entrevista, cada letra de música, cada resposta à mesma questão em um
questionário, entre outros. As UCIs são reconhecidas pelo programa através da
inserção de uma linha com asteriscos da seguinte forma: quatro asteriscos, um espaço
simples, mais um asterisco e a identificação da UCI (exemplo: **** *suj_01). Nessa
linha de identificação o pesquisador também pode inserir as variáveis dos participantes,
caso sejam objeto da análise, bastando inserir mais um asterisco e a variável, como por
exemplo: **** *suj_01*estciv_01.
- O hífen (-) é reconhecido pelo Alceste para identificar as locuções. Mas caso o
dicionário do programa não reconheça a locução, a análise será realizada como duas
palavras diferentes. Para preservar o sentido das locuções, recomenda-se substituir o
hífen por traço baixo (_). Expressões consideradas pelo pesquisador como interessantes
para análise também podem ser unidas pelo traço baixo, para que o programa as
reconheça como tal. Nesse corpus, foram unidas as palavras bom_pai, boa_mãe,
ótimo_pai, ótima_mãe, pai_e_mãe, ser_pai, ser_mãe, dia_a_dia, fim_de_semana e
final_de_semana.
- As letras maiúsculas no início das frases são automaticamente convertidas pelo Alceste
em letras minúsculas. Caso a palavra inteira esteja em maiúsculo, o programa não a
modifica nem a analisa. Por isso, as siglas e palavras em maiúsculo que se desejar
analisar devem ser digitadas com letra minúscula (exemplo: UFES foi digitada como
ufes).
- As perguntas do entrevistador podem ou não ser analisadas pelo
Alceste. Em nosso corpus, as perguntas foram suprimidas, de forma a concentrar a
análise nas respostas dos participantes. Elas também poderiam ter ficado em letras
maiúsculas, dessa forma o programa não realizaria a análise das perguntas.
41
- O corpus deve estar em um único arquivo, editado no próprio Alceste EdImage ou
outro arquivo de texto. No caso, utilizou-se o programa Word e o corpus foi formatado
com fonte Courier New, tamanho 10, com espaçamento simples entre linhas, sem recuo
para parágrafos.
Após essa preparação, o corpus foi salvo em arquivo de texto (.txt, sendo que o
nome do arquivo não pode conter espaçamentos) e estava pronto para ser analisado no
Alceste. Ao inserir o arquivo, o programa verifica, primeiramente, a formatação do corpus.
Se houver erros, o programa solicita que sejam corrigidos pelo pesquisador. Se não houver
erros, o pesquisador segue a análise escolhendo o idioma (português, francês, espanhol ou
inglês) e dá o comando de início da análise. Em poucos minutos, o programa analisa os
dados e apresenta os relatórios.
As etapas de análise serão descritas resumidamente para melhor compreensão do
funcionamento do programa e dos dados gerados. Essas etapas foram retiradas do manual
do programa (Image, 2002) e mais detalhes podem ser encontrados nesse material.
Na primeira etapa de análise, o programa reconhece as UCIs através das linhas com
asteriscos e identifica o vocabulário do corpus, separando as palavras “plenas” ou “com
conteúdo” das palavras “com função”. As palavras “plenas” são, por exemplo, verbos,
substantivos, adjetivos, enquanto as palavras “com função” são os artigos, preposições,
verbos auxiliares, conjunções, entre outras. O programa trabalha principalmente com as
palavras “plenas, pois contêm o sentido dos discursos analisados. As palavras plenas são
agrupadas por seus radicais, gerando um dicionário de formas reduzidas, que auxiliam na
identificação das palavras agrupadas. Assim, a forma reduzida ajud+, nos resultados dessa
pesquisa, relaciona-se às palavras ajuda, ajudando, ajudar, ajudava, ajudei, ajudou. Essa
operação de substituição das palavras por suas formas reduzidas é chamada de
“lematização”.
Em seguida, o programa divide as UCIs em Unidades de Contextos Elementares
(UCEs). A UCE corresponde à idéia de frase ou trecho do texto, dimensionada em função
de seu tamanho e pontuação. A partir disso, o programa efetua a Classificação Hierárquica
Descendente (CHD), dividindo o material analisado em classes em função de suas relações
de proximidade e oposição, de forma que cada classe tenha vocabulários diferentes ligados
a ela e, preferencialmente, que esses vocabulários não apareçam também em outras classes.
Esse procedimento é repetido até que não haja novas classes a serem formadas.
42
A terceira etapa descreve cada classe através das formas reduzidas que a compõem,
a freqüência dessas palavras na classe e no corpus e seu grau de associação à classe,
através do cálculo do qui-quadrado. O programa também gera a Análise Fatorial de
Correspondência (AFC), que permite a visualização gráfica das relações entre as classes,
participantes e formas reduzidas.
A última etapa realiza os cálculos complementares das etapas anteriores, gerando,
para cada classe, a lista de formas reduzidas e respectivas palavras, as UCEs
representativas e os segmentos repetidos, entre outros. O programa, além de permitir a
visualização e exploração de todos esses resultados na tela do computador, ainda gera um
relatório detalhado de todas as etapas.
A terceira etapa é a que fornece as informações mais relevantes para o pesquisador,
pois é possível compreender a formação das classes, as formas reduzidas mais associadas e
as relações entre as classes.
3.4.2. Análise de conteúdo
Bardin (1977) conceitua a Análise de Conteúdo como um conjunto de técnicas que
objetiva identificar os conteúdos temáticos presentes em um material, através de
procedimentos sistemáticos e objetivos de codificação e categorização. A codificação
transforma os dados brutos do texto em uma representação de conteúdo e, a partir das
categorias apreendidas, o pesquisador busca compreender os temas que emergem no
material analisado.
Inicialmente, realiza-se a leitura flutuante do material a ser analisado, de modo a
formar as primeiras impressões sobre o conteúdo. A seguir, em novas leituras mais
detalhadas do corpus, realiza-se a pré-categorização, buscando-se incluir os elementos que
se destacam nas categorias gerais. Essas categorias gerais são desmembradas em
subcategorias, de acordo com sua semelhança e diferenciação e, por fim, busca-se
apreender os temas relevantes, as relações entre esses temas e o contexto de produção
desse material pelos participantes, de forma a apreender os significados presentes.
Os temas identificados na Análise de Conteúdo foram utilizados para complementar
a análise realizada pelo Alceste.
43
3.4.3. Conjugação dos procedimentos de análise
De Alba (2004) ressalta que a utilização conjugada do Alceste e da Análise de
Conteúdo tem por objetivo aprofundar a interpretação dos dados, através de uma
organização mais detalhada e apreendendo os significados mais relevantes. Nascimento e
Menandro (2006) também consideram que as duas metodologias podem ser utilizadas de
forma complementar. O Alceste realiza um mapeamento geral do corpus através dos
cálculos de freqüência e co-ocorrência de palavras e seus agrupamentos em classes e
através da Análise de Conteúdo são confirmadas categorias e temas que possuem
relevância no discurso do sujeito. Os autores sugerem que a Análise de Conteúdo seja
realizada primeiramente, uma vez que o contato com o material permite a correção de
erros de digitação e possibilita maior familiaridade com os dados, o que facilita a análise
do relatório do Alceste. Apesar disso, optou-se por iniciar a análise dos dados através do
Alceste, como realizado no trabalho de Cortez (2006). Isso possibilitou uma visão geral
dos dados, através dos eixos e classes mais significativos no discurso dos participantes,
facilitando o próprio trabalho da Análise de Conteúdo.
Através da CHD, as classes foram identificadas, analisadas e descritas, inclusive
utilizando a seleção de UCEs realizada pelo programa e analisando seus vocabulários
específicos. Com base nessas classes e nos elementos levantados nessa primeira etapa,
realizou-se a Análise de Conteúdo, complementando os temas identificados com o
cuidado de não criar novas classes ou distorcer os significados propostos pelo Alceste.
Assim, consideramos que a Análise de Conteúdo foi utilizada de forma complementar à
análise realizada pelo programa.
A utilização do Alceste possibilitou a identificação dos principais temas abordados
nas entrevistas e facilitou a realização da Análise de Conteúdo. Através do contato
exaustivo com o material obtido (realização e transcrição das entrevistas, preparação do
corpus para análise e leitura flutuante), durante a descrição das classes pode-se levantar
algumas categorias não destacadas pelo programa, mas que demonstravam bastante
coerência com os conteúdos pertencentes à classe. Por isso, essas categorias foram
acrescentadas às classes do Alceste, mantendo a coerência da análise do programa.
44
4. ANÁLISE DOS RESULTADOS
O corpus foi preparado para análise pelo Alceste de acordo com as regras já
mencionadas, sendo utilizada como variável a situação que propiciou a guarda paterna.
(viuvez x separação). Chamaremos o primeiro grupo de GV e este último de GS.
A CHD realizada pelo programa resultou em três classes. Ao analisar as classes
obtidas e a representação gráfica da AFC era possível observar que os dados
demonstravam conteúdos mais ligados a determinadas classes dependendo do estado civil
dos participantes, o que sugeria uma vivência diferenciada de paternidade e uma
valorização de diferentes aspectos para cada grupo. Nas entrevistas, os participantes do GS
relataram que os fatores que os levaram a buscar a guarda/responsabilidade estavam mais
ligados ao contexto da separação e ao relacionamento entre pai-filho e mãe-filho, sendo
que alguns pais inclusive entraram na justiça para obter a guarda. Já no GV todos os
participantes se viram sozinhos em decorrência do falecimento da esposa e avaliaram que a
responsabilidade pelos filhos deveria ser deles. Assim, conteúdos diferentes eram
enunciados pelos participantes, revelando uma vivência de paternidade e uma significação
marcada por essa história.
Por isso, decidiu-se realizar uma nova análise dos dados, desta vez preparando um
corpus com o GS (onze entrevistas) e outro com o GV (quatro entrevistas). Mesmo com
apenas quatro entrevistas, o corpus do GV possuía 2750 linhas, sendo, portanto, volumoso
o suficiente para o programa efetuar a análise.
Os dados da primeira análise, obtidos em um único corpus, não serão apresentados
nesse trabalho, a fim de nos atermos a aspectos mais detalhados e diferenciados sobre a
vivência da paternidade que os diferentes grupos proporcionaram. A seguir, seguem os
resultados de cada grupo, com a descrição dos participantes, a CHD e a AFC, sendo que os
temas não contemplados nos resultados do Alceste e que se mostravam importantes na
Análise de Conteúdo foram adicionados. Para preservar o anonimato dos participantes,
seus nomes foram substituídos: no GV foram escolhidos nomes iniciados com a letra V e,
no GS, com S. Outros nomes que foram citados na entrevista (familiares e amigos) também
foram trocados por nomes fictícios.
45
4.1. Grupo de pais viúvos
4.1.1. Descrição dos participantes
O GV contou com quatro pais. Havia mais dois participantes localizados nessa
condição, mas não aceitaram participar por questões pessoais: um por falta de tempo para
agendar a entrevista e outro por não querer falar sobre fatos ligados ao falecimento da
esposa.
A tabela abaixo sintetiza as principais informações sobre os pais e são relativos ao
período da coleta dos dados, entre maio e outubro de 2007.
Tabela 01: Dados pessoais do grupo de viúvos
* Os itens em negrito referem-se aos casamentos que resultaram na guarda dos filhos após o falecimento da esposa.
Valério possui 47 anos. É administrador de empresas, mas no momento da
entrevista estava desempregado havia três meses. Foi casado durante 15 anos, sua esposa
era psicóloga e trabalhava fora de casa em jornada integral. Tem duas filhas, com 16 e 14
anos, que são estudantes de ensino médio e fundamental, respectivamente. Sua esposa
faleceu há três anos, após dois anos de tratamento de câncer. Valério reside com suas duas
filhas e possui uma empregada doméstica em período integral, que já trabalhava para a
família antes do falecimento da esposa. Após o falecimento, Valério teve duas namoradas,
mas estava terminando seu relacionamento com a última.
Valter tem 46 anos, trabalha como técnico em edificações e reside com seus três
filhos, um rapaz de 16 anos e duas meninas de 19 e 05 anos. Os filhos mais velhos
Nome Idade Escolaridade Profissão Tempo de relacionamento e número de filhos
Tempo de guarda
Idade dos filhos no falecimento da
mãe
Valério 47 Ensino Superior Administrador Casado por 15 anos 02 filhas
03 anos 13 e 11 anos
Valter 46 Ensino Médio Completo
Técnico em Edificações
Casado por 20 anos 02 filhas e 01 filho
02 anos 17, 14 e 03 anos
Vilmar 57 Ensino Superior Comerciante e Médico
1º - Casado por 10 anos 02 filhos
2º - Casado por 20 anos 02 filhas e 03 filhos
05 anos 04, 07, 11, 14 e 16 anos
Vagner 42 Cursando Ensino Superior
Professor de música
Casado por 04 anos 01 filho
05 anos 08 anos
46
preparam-se para prestar o vestibular e a filha mais nova estuda em uma creche. Foi casado
durante 20 anos e sua esposa não trabalhava fora, cuidando da casa e dos filhos, apesar de
ter concluído sua graduação em Serviço Social. Em 1994, ela teve câncer de mama, mas
submeteu-se à cirurgia, quimioterapia e radioterapia com sucesso na época. Em 2004 o
câncer retornou em outra mama e, após um ano ela faleceu em decorrência de
complicações do próprio tratamento. Após o falecimento da esposa, Valter passou a
contratar empregadas domésticas, principalmente por causa da filha pequena, que tinha três
anos de idade. Na época da entrevista, Valter estava namorando há oito meses e pretendia
se casar no ano seguinte.
Vilmar tem 57 anos. Teve dois casamentos, o primeiro durante dez anos e resultou
em dois filhos, atualmente com 31 e 27 anos. Separou-se e a guarda dos filhos ficou com a
primeira esposa. No segundo relacionamento teve mais cinco filhos, sendo três rapazes
atualmente com 21, 19, 16 e duas meninas com 12 e 10 anos. Vilmar é médico e
comerciante, sendo que sua esposa o ajudava nos negócios. Foi casado durante 20 anos e
sua esposa faleceu há cinco, vítima de câncer de útero, após cerca de três anos de
tratamento. Todos os filhos eram menores de idade quando Vilmar assumiu a guarda. No
momento da entrevista, seu filho de 27 anos, da primeira relação estável, também residia
com o pai por escolha própria. Os filhos auxiliam no comércio do pai e ele também conta
com o trabalho de uma empregada doméstica mensalista. Após o falecimento da esposa,
Vilmar teve outros relacionamentos amorosos esporádicos, mas afirma que não pretende
assumir novo casamento.
Vagner tem 42 anos, é professor de música e está concluindo seu curso de
graduação, estudando à noite. Foi casado durante quatro anos, teve um filho e após esse
período separaram-se, ficando a guarda com a ex-esposa, principalmente devido à idade da
criança, como afirma Vagner. Durante algum tempo mantinha contato mais freqüente com
o filho, mas a ex-esposa mudou-se para outro estado, o que reduziu seu contato somente
para férias e alguns feriados durante o ano. Há cinco anos ela sofreu um acidente de carro e
ficou internada em situação grave. Naquele momento Vagner trouxe seu filho para o
Espírito Santo, aguardando a recuperação da ex-esposa. Ela faleceu e desde então Vagner
assumiu a responsabilidade pelo filho, que na época tinha oito anos. Durante os três
primeiros anos, Vagner residiu com seus familiares (mãe e tias) em busca de apoio para
cuidar do filho. Há dois anos mudou-se com o filho para outra cidade mais próxima de seu
trabalho, onde residem sozinhos. Vagner conta com o auxílio esporádico de uma faxineira
47
para cuidar da casa. Teve um relacionamento amoroso durante seis anos e havia terminado
recentemente, sem planos de iniciar novas relações. Tem mais dois filhos, que residem
com suas respectivas mães.
Verifica-se que todos os participantes assumiram os filhos após situações graves de
saúde que acometeram as esposas. Todos relatam que não tiveram dúvidas sobre sua
responsabilidade com a guarda após o falecimento dela, evitando buscar outros familiares
que pudessem assumir isso, como avós, tios, entre outros. Apenas Vagner, que não residia
com seu filho, voltou a morar com sua mãe, em busca de auxílio devido à sua rotina de
trabalho. Os demais assumiram imediatamente o cuidado, buscando ajustar questões como
o auxílio nas tarefas domésticas e a continuação da rotina dos filhos.
4.1.2. Classificação Hierárquica Descendente
O Alceste dividiu o corpus em 692 Unidades de Contexto Elementares (UCEs).
Dessas, aproveitou para análise 517 UCEs, ou seja, 74,71% do corpus. Percentuais acima
de 70% demonstram que houve bom aproveitamento dos dados, indicando que eles
possuem coerência interna suficiente para o tratamento analítico (Menandro, 2004).
A CHD resultou em seis classes, que foram agrupadas em dois eixos principais: o
Eixo 1, com 80,66 % das UCEs analisadas e o Eixo 2, com 19,34%.
No Eixo 01 as classes referem-se aos dados sobre a história dos participantes, desde
o convívio conjugal e com os filhos no período anterior ao falecimento da esposa,
passando pelas formas de enfrentamento dessa ausência e chegando às mudanças e
adaptações vivenciadas no cotidiano, referente aos cuidados com os filhos. Por isso, esse
eixo foi nomeado por Dinâmica Familiar: Preparação dos Filhos. Possui quatro classes
distintas, que se relacionam entre si:
Classe 01 – Enfrentamento e Apoio Social: Nessa classe os participantes relatam qual foi
o apoio social buscado e recebido na época do falecimento da esposa. Contam como
passaram a dedicar-se ao cuidado com os filhos, acompanhando-os e preparando-os para o
mundo. Nesse sentido, consideram que o pai deve ser forte para auxiliar os filhos a
enfrentar a ausência materna e manter a família unida e feliz, apesar de tudo. Essa classe
contém 13,93% das UCEs.
Classe 04 - Cuidados Instrumentais: Com forte ligação com a classe 01 (r = 0,72), essa
classe relata o cotidiano dos filhos, descrevendo as várias atividades que o pai acompanha
48
como escola, alimentação, higiene, horários, tarefas domésticas, ações corretivas e de
orientação. Verifica-se que os pais se preocupam e se envolvem nesse cotidiano, que
muitas vezes é bastante corrido, o que provoca certo cansaço ao fim do dia. A classe possui
15,67% das UCEs.
Classe 03 - Preocupações com os Filhos: Nessa classe, que contempla 9,28% das UCEs,
encontram-se os conteúdos ligados às preocupações paternas com os filhos, principalmente
relativas ao futuro educacional, ao tempo que os filhos ficam sozinhos em casa, à sua
saúde física e saúde emocional, essa última referindo-se aos sentimentos de tristeza e
saudade pela ausência materna.
Classe 06 – Aprendizado na Conjugalidade: Com o maior número de UCEs do Eixo,
41,78%, essa classe contempla as lembranças do sujeito sobre seu relacionamento
conjugal, desde o início do namoro, decisão por ficar juntos e ter filhos. Relembram como
a mãe agia em relação aos filhos e, através disso, orientam sua paternidade, valorizando e
continuando algumas práticas da esposa.
O Eixo 02 possui duas classes e contempla 19,34% das UCEs. Nelas, os
participantes relatam suas representações de paternidade e maternidade e avaliam suas
práticas e, dessa forma, constroem sua vivência como pai. Por isso, esse eixo foi nomeado
por Exercício da Paternidade: Avaliação e Mudança. As classes são:
Classe 02 – Paternidade e Maternidade: Nessa classe aparecem as reflexões dos pais
sobre as funções materna e paterna e como buscam amenizar a ausência da esposa através
do carinho e atenção, estando presentes e atentos às necessidades dos filhos. Relatam
também as dificuldades desse processo, principalmente pelo fato de tomarem sozinhos
diversas decisões. Contém 8,51% das UCEs.
Classe 05 – Conflitos e Avaliações: Com 10,83% das UCEs, os pais avaliam a
responsabilidade e complexidade de sua paternidade, considerando que devem ser
referência e exemplo para os filhos, ajudando-os a se constituir como seres humanos. Além
disso, o exercício da paternidade sem a presença materna leva os participantes a se
questionarem diariamente, na busca de formas de lidar com suas dificuldades.
A figura 01 apresenta o dendrograma resultante da CHD, com a distribuição dos
eixos e índices de proximidade (r), que apontam a força de relação entre as classes, além
das principais formas reduzidas associadas a cada classe. No próximo tópico cada eixo será
detalhado e serão discutidas as relações entre as classes.
49
Figura 01: Dendrograma do Grupo de Viúvos
r = 0,50
r = 0,72
Classe 01 72 uces (13,93%)
ENFRENTAMENTO E APOIO SOCIAL
Classe 03 48 uces (9,28%)
PREOCUPAÇÕES COM OS FILHOS Classe 04
81 uces (15,67%)
CUIDADOS INSTRUMENTAIS
DINÂMICA FAMILIAR: PREPARAÇÃO DOS FILHOS
filhos esp+ ajud+ cont+ irm+ famili+ Vânia incentivo gente arrum+ procur+ ministro consegu+ mant+ adapt+
fal+ Manuela men+ pesso+ Carina dia+ sab+ bonit+ perceb+ época precis+ alegr+ emocion+ fiqu+ Ana Maria acontec+
hora+ acord+ sair cansado+ dorm+ ir almoc+ geralmente lado err+ dar faço importo máximo
período curs+ Evandro área empreg+ sozinha doente fazendo Escola técnica São Paulo Maísa superior arte Mariana music+
fácil agir atento afeto form+ signific+ entend+ respeit+ cria+ d’água substituir figura vivenci+ pai e mãe copo relac+
conflit+ question+ experiência+ relac+ constru+ determin+ human+ diferente+ vida fundament+ constituindo assum+ lid+ constitui+ exemplo
Classe 05 56 uces (10,83%)
CONFLITOS E AVALIAÇÕES
Classe 02 44 uces (8,51%)
PATERNIDADE E MATERNIDADE
Classe 06 216 uces (41,78%)
APRENDIZADO NA CONJUGALIDADE
r = 0,36
r = 0,62
r = 0,02
EXERCÍCIO DA PATERNIDADE: AVALIAÇÃO E MUDANÇA
50
A) EIXO 01 - DINÂMICA FAMILIAR: PREPARAÇÃO DOS FILHOS
O Eixo 01 contempla as classes que representam a dinâmica familiar, desde o
período inicial do relacionamento do casal até as mudanças e reflexões vivenciadas pelos
pais sobre sua paternidade após o falecimento da esposa.
Para ilustrar cada tópico discutido serão utilizadas as UCEs selecionadas pelo
Alceste, identificadas pela presença do símbolo # antes das palavras que o programa
considerou relevantes na formação da UCE. Com a Análise de Conteúdo, outros extratos
de falas dos participantes foram selecionados e estão apresentados entre aspas. As palavras
assinaladas em negrito correspondem às formas reduzidas destacadas pelo Alceste como
significativas à classe e também foram marcadas para melhor compreensão dos dados.
A descrição e análise das classes serão iniciadas pela Classe 06 – Aprendizado na
Conjugalidade. Optou-se por essa classe por ela contemplar o início do relacionamento dos
participantes, o que facilitará a compreensão e discussão das demais classes.
Classe 06 - Aprendizado na Conjugalidade
Essa é a classe que agrega o maior número de UCEs, 216 no total, o que
corresponde a 41,78% do corpus. A tabela 02 apresenta as principais formas reduzidas
associadas à classe, de acordo com o valor do qui-quadrado (X2), além do número de
ocorrências na classe e no corpus (freqüência).
Tabela 02: Principais formas reduzidas associadas à Classe 06 - GV
Formas
reduzidas
Freqüência
na classe
Freqüência
no corpus X2
Formas
reduzidas
Freqüência
na classe
Freqüência
no corpus X2
fal+ 54 78 28,46 perceb+ 12 13 14,00
Manuela 19 19 27,49 época 17 21 13,81
men+ 27 33 23,23 precis+ 21 28 13,43
pesso+ 50 76 21,12 alegr+ 9 9 12,76
Carina 9 10 20,20 emocion+ 10 11 11,15
dia+ 33 45 20,18 fiqu+ 11 13 10,06
sab+ 34 49 16,96 Ana Maria 9 10 9,75
Bonit+ 12 13 14,00 *suj_01 164 191 242,01
51
Além dessas palavras, outras formas reduzidas aparecem com freqüência de 100%
na classe, ou seja, só aparecem ligadas a essa classe e também são significativas para a
compreensão das representações dos participantes. Algumas delas são: intensa+, lembr+,
maravilhos+, amizades, calm+, que evidenciam uma avaliação positiva do período.
Nessa classe são apresentados aspectos positivos da história do relacionamento dos
participantes com suas esposas, desde o namoro, casamento e relação com os filhos antes
do falecimento. Os pais valorizam esse período e, a partir dele, questionam e avaliam suas
práticas atuais na paternidade.
Analisando as palavras que compõem a classe, podem ser identificados alguns
temas que se relacionam fortemente. O relacionamento conjugal é relembrado como um
período de intenso companheirismo, diálogo, amor e aprendizado. As lembranças
positivas dessa época emocionam alguns participantes, como Valério e Valter. O
falecimento das esposas configurou uma nova situação familiar e assumir a criação dos
filhos foi considerado um processo natural. Eles consideram que o cuidado e educação
dos filhos devem continuar e se espelham na maneira como a esposa lidava com eles,
revelando aprender com suas atitudes. Buscam maior aproximação ao dia a dia dos
filhos, de uma maneira mais intensa do que antes da viuvez. Preocupam-se com o impacto
emocional dessa perda para os filhos, mas avaliam que estão conseguindo obter
equilíbrio na relação com eles, buscando cada vez mais ser uma boa pessoa e um bom
pai.
A palavra suj_01, que aparece no final da tabela 02, demonstra que principalmente
os conteúdos evocados por esse sujeito são mais ligados à classe. Trata-se de Valério, cuja
esposa faleceu devido ao câncer no intestino e deixou duas filhas adolescentes. Valério é o
sujeito que mais manifestou suas recordações do relacionamento conjugal durante a
entrevista, emocionando-se e chorando diversas vezes. Ele considera que sua relação com a
esposa era intensa e marcante, vendo de forma positiva suas atitudes e espelhando-se nela
para continuar a educação das filhas. Demonstra muito cuidado e preocupação com as
mesmas, cujos nomes, inclusive, também aparecem na tabela (Manuela e Ana Maria),
dada a freqüência de menções. O nome de Carina, sua esposa, também aparece com alto
valor de qui-quadrado.
Dos quatro participantes entrevistados, apenas Vagner era separado no momento
do falecimento. Apesar disso, valoriza a ex-esposa como mãe, mesmo não evocando
muitas lembranças desse relacionamento. Em sua entrevista, ele tende a relatar mais
52
detalhadamente o período após o falecimento e sua relação atual com o filho. Valério e
Valter lembram-se positivamente do que aconteceu naquela época, relatando como
conheceram sua esposa e como tomaram a decisão pelo relacionamento. Os trechos da
entrevista destacados abaixo sintetizam o início do relacionamento do casal, lembrado de
forma positiva:
E ai quando eu #olhei, que #vi no #ônibus eu #falei ah, é a #Carina. Aí #conversamos, dançamos, aí foi aquela coisa toda da conquista e foi muito legal e a partir dali nós #começamos a nos #encontrar, #conversar, a conviver... (Valério) “Ah, é uma história muito bonita. Ela não gostava que eu falasse isso não, porque eu jogava bola, então a bola era onde o pai dela morava. Então todo final de semana eu ia pra lá, era um lugar muito gostoso, perto de tudo. Então, mas eu namorei as meninas tudinho pra chegar e namorar ela.” (Valter)
Para os pais acima, a decisão pelo casamento foi uma conseqüência natural de um
relacionamento considerado positivo. Vilmar também relata um bom relacionamento
inicial, mas a decisão pelo casamento foi antecipada pela gravidez de sua companheira. Na
época eles enfrentaram dificuldades de aceitação do relacionamento pela família dela. Mas,
após essa dificuldade inicial, o casal continuou junto durante vinte anos e tiveram mais
quatro filhos, que foram recebidos sem novos conflitos. Vagner também optou pelo
casamento após a gravidez, mas relata que seu relacionamento com a esposa era bastante
conflituoso, resultando na separação quatro anos depois.
“Não, não tínhamos pensado em ter filhos, mas no momento que rola, a gente aceita (...) Somos naturalistas. Mais intuição do que razão.(...) Foi choque, porque a família dela não aceitava por eu ter sido casado e eu ser dezoito anos mais velho que ela. Então teve uma tremenda pressão que mais ela sentiu, entende?” (Vilmar)
“A decisão foi assim: namorava, né, ela ficou grávida, tudo bem. Aí a gente resolveu que ia... que ia... ó, é melhor a gente casar pra criar o filho, coisa e tal. Mas foi uma relação muito conflitante, entendeu, não foi muito tranqüilo, quer dizer, antes dessa separação definitiva tiveram mais duas separações”. (Vagner) Para Valério e Valter, a decisão por filhos ocorreu de forma tranqüila, como um
desdobramento esperado do relacionamento. Valério e sua esposa desejavam a gravidez,
mas não haviam planejado o momento que ela aconteceria. Apenas Valter planejou ter
filhos após voltar para o Brasil, pois na época trabalhava e morava no exterior junto com
sua esposa.
E #Ana Maria é um #sol. Ruivinha, #né, muito #bonita, simpática, #amiga, #alegre como a mãe, #sabe. Três anos depois nos tivemos #Manuela. Também não houve planejamento, foi uma coisa #natural. E o nome de #Manuela quem #escolheu foi #Ana Maria. (Valério)
Durante a gravidez, os participantes relataram sua participação ligada
principalmente ao acompanhamento dos exames e consultas da esposa. Acreditavam que a
53
presença do pai era sentida pela criança ainda na barriga da mãe e por isso buscavam estar
próximos e participativos no dia a dia, desde o pré-natal até o nascimento dos filhos.
“Senti muito legal. Curti muito e nos preparamos pra ter o nosso filho, entende. Sempre eu entendi que o pai também fica grávido. E daí eu acompanhei todos os pré-natais, os partos, eu que ajudei todos. Foi muito legal.” (Vilmar) “Então essa parte eu sempre procurei, eu sempre procurava viver o dia a dia da gravidez, acompanhar no hospital, fazer exame, ir no médico com ela, ficar não só nas horas ruins, mas nas horas boa também, acompanhar a gravidez. Depois é que eu sempre viajei”. (Valter)
Por causa de seu trabalho, Valter passava períodos em viagens fora do estado. Na
terceira gravidez da esposa, ele fez questão de não viajar, já que ela havia operado a mama
devido ao câncer e ele estava preocupado com um possível retorno da doença ou
dificuldades na amamentação.
Os cuidados com os filhos eram parcialmente partilhados entre mãe e pai. Embora
relatem participar de questões relativas à educação, higiene, lazer e alimentação dos filhos,
avaliavam que a responsabilidade maior cabia à mãe, mesmo quando ela também
trabalhava fora de casa. E relatam que essa carga ficou maior para eles após o falecimento
da esposa, admitindo que sua contribuição era menor comparada à responsabilidade
assumida por ela.
E desde aquele #dia então eu assumi esse papel, quer #dizer, eu nunca fui #omisso, eu sempre #participei muito, assim, diretamente da educação delas. Ela, a #Carina, fazia isso com, muito mais #intensamente do que eu, até pela #natureza dela, o jeito dela ser, #né. Ela era muito #amiga, muito #participativa, muito #alegre, e com #duas #meninas. (Valério) “O pai não saca nada. Eu só acordava pra trocar fralda à noite raramente. A mãe que cuidava. Depois que eu tive que assumir, foi diferente essa parte.” (Vilmar)
“Então ela que era, sempre foi, assim, a, motivadora, se tinha um trabalho de escola, sempre ela que era a referência aqui em casa.” (Valter)
Exceto Vagner, que tinha uma relação conflitante com a ex-esposa, os demais
participantes relatam um cotidiano familiar positivo, dedicado às esposas e aos filhos.
Valério considerava a esposa como uma grande fonte de apoio e de equilíbrio no
relacionamento e no cuidado com as filhas, principalmente por se considerar mais
introvertido e por ela ser mais calma e alegre. Os demais consideram que seu
relacionamento foi um período de aprendizagem e companheirismo, sem brigas ou
conflitos relevantes e com ênfase no diálogo.
Então era uma #festa, nossa vida até então era muito #boa, muito #rica. E aí, enfim, eu vivenciei esse #ambiente de riqueza, eu assimilei muito disso. A minha #natureza é uma #natureza mais introvertida, mas, assim, não #daquele tipo #omisso, #né, que se #fecha mais no canto. (Valério)
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“Super carinho, super relação amorosa”. (Vilmar) “Nós nunca tivemos... é, tipo uns problemas de opinião, esse negócio, que é normal no convívio de duas pessoas, mas nunca teve nada, briga séria, nada que ficasse e não passasse de uma, discussões mínimas, à noite tava tudo bem. Nunca acordamos de um dia pra outro com um problema mal resolvido do dia anterior. Nunca. Isso era nosso lema, a gente nunca deixava as coisas crescerem.” (Valter)
O falecimento da esposa foi vivenciado de forma bastante dolorosa por todos os
participantes e a decisão por ficar com os filhos foi imediata e considerada natural, sendo
que alguns já estavam se preparando para esse momento.
“E nos últimos dias nós conversamos lá no hospital, ela já em estado bem debilitado, né, e eu falava do meu medo exatamente de como é que eu ia fazer tudo sozinho, ia ter que cuidar das crianças sozinho. E Carina, Carina me disse o seguinte: ‘negão, (...) não fica triste, não fica preocupado não, as coisas vão se ajustando com o tempo’. Então foi um momento assim que Carina nos preparou, me preparou para essa jornada, resto de jornada.” (Valério) “Não, não cheguei a pensar em ficar sem eles. A coisa foi circunstancial. E daí eu fiquei. Naturalmente, nunca pensei que eles ficassem com outros.” (Vilmar)
Para o filho de Vagner, Maurício, o momento foi ainda mais difícil. Quando soube
do acidente com a mãe dele, Vagner foi acompanhar seu filho no hospital. Enquanto ela
estava internada, a avó de Maurício sofreu uma embolia pulmonar e faleceu. Vagner trouxe
Maurício para o Espírito Santo para aguardar a recuperação da mãe, mas, dois dias depois,
sua mãe também faleceu. Dessa forma, Maurício perdeu sua avó e mãe na mesma semana.
“Um dos piores momentos que eu já passei na minha vida foi ter que falar com meu filho, eu fiquei praticamente uma noite sem dormir, assim, olhando, olhava pra ele sem saber como é que eu ia falar isso pra ele, entendeu? Com oito anos é uma situação muito difícil.” (Vagner) As palavras falar e saber, na forma utilizada nos exemplos acima, indicam que os
participantes tiveram de expor seus sentimentos e medos e, ao mesmo tempo, comunicar
aos filhos o que havia acontecido, mesmo sem saber como reagir. Receber a notícia, falar
com os filhos, consolá-los e ao mesmo tempo assumir a continuidade da família foi um
período difícil para todos.
Nesse novo contexto, Valério buscou uma aproximação maior com as filhas. Mas
considera que, por elas serem mais próximas da mãe e por ele ser homem, nunca irá
alcançar a mesma intimidade e confiança que a mãe tinha. Valter também teve dificuldades
em se aproximar da filha mais velha, pois a mãe era a intermediária entre eles.
“Manuela, por exemplo, eu lembro de Manuela porque ela foi muito apegada à mãe, sempre. Então... mãe é aquela que, é porque de mulher pra mulher, existe uma intimidade de mulher pra mulher que não é a mesma coisa. Por mais que eu tente ser, eu não consigo.” (Valério)
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“E a Maísa, sempre ela foi muito calada em relação comigo porque a mãe que era a intermediária.” (Valter)
Diante disso, Valter tem procurado, desde já, não criar essa distância com a filha
mais nova, de cinco anos. Ele também se espelha nas atitudes da esposa para direcionar
suas relações com os filhos, tentando manter algumas formas de atuação dela e pedindo
para que os filhos preservem os valores e ensinamentos passados pela esposa.
“Então eu sempre conversei muito com eles que apesar da mãe deles não estar mais presente aqui, a idéia de família continua. O laço família é uma coisa que não acaba nunca. A mãe se foi, mas ficou a essência dela aqui.” (Valter)
A educação dos filhos é encarada como um processo que deve continuar. Para isso,
os pais buscam no convívio anterior o aprendizado necessário para atingir o equilíbrio na
relação com os filhos no presente. É o desejo de ser um bom pai que os faz refletir sobre
seu relacionamento familiar e buscar mudanças em seu comportamento.
Então eu quero cada vez mais ser uma #boa #pessoa para poder ser um #bom pai, #continuar sendo um #bom pai. Eu tô em #busca de ser uma boa pessoa. #Continuo em #busca, #sabe. De #saber perdoar, de #saber, é... De abraçar, #né, de ser mais carinhoso. Tudo dentro do #equilíbrio, #né. (Valério)
Ao falar de seus filhos, os pais também demonstram orgulho e satisfação,
considerando que estão no caminho certo na educação deles, o que demonstra, mais uma
vez, a predominância de conteúdos positivos relacionados a essa classe.
#Duas belezas que nós temos, #Ana Maria e #Manuela são #excelentes #meninas. (Valério) “O contato com eles. Tê-los por perto. Não são muitos como muita gente pensa que são muitos. Não são muitos. É muito gratificante tê-los.” (Vilmar) Valério avalia que seus novos relacionamentos amorosos também o auxiliam na
reflexão sobre sua paternidade. Como ele tem buscado se expressar mais afetivamente na
relação com suas namoradas, considera que também tem expressado esse carinho com suas
filhas, aproximando-se mais delas. Elas ainda não aceitam os relacionamentos do pai e, por
isso, ele ressalta a importância do equilíbrio entre sua relação com os filhos e com a
namorada, de forma a não magoar nenhuma das partes. Já Valter pretende casar-se
novamente, mas busca a aceitação e adaptação dos filhos a esse fato, principalmente da
filha mais velha. Assim, a aceitação dos novos relacionamentos amorosos por parte dos
filhos parece ser um fator importante para que esses pais retomem sua vida amorosa.
Eu #preciso #tomar cuidado #nesses #relacionamentos, até para não me ferir muito, para... para não ferir as #pessoas, #continuar #nessa linha de #equilíbrio, eu acho que eu sou um cara certo, #sabe. (Valério)
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“E em relação ao casamento, então é uma coisa que eu sempre gostei de deixar pra eles que o tipo de relacionamento que eu tenho com eles não pode mudar muito. E nem quero que a Marilda [namorada] mude com os filhos dela. Tem que ser uma coisa boa pra todos os seis. Os oito, no caso, né.” (Valter) Vagner terminou recentemente um relacionamento e acredita que há dificuldades
em conciliar a criação do filho quando há outra pessoa envolvida, pois pode haver
interferência nesse processo. Apesar disso, teve um relacionamento de seis anos, com boa
aceitação de seu filho. Vilmar não pretende envolver-se com outras pessoas no momento, e
suas filhas mais novas também não aprovam novos relacionamentos.
“Eu acho que sim, claro, claro, seria importante, é importante [o relacionamento amoroso]. Mas o difícil é... é... tipo assim, você se relaciona com uma pessoa que tem filhos, por exemplo, como eu tenho filhos. Então ela tem o universo dela. Eu, assim, fundir esses universos é complicado.” (Vagner) “Não, não. Pra mim já bastou. Duas vezes eu amei intensamente e fui amado intensamente. Não estou a procura de outra, entendeu, de uma companheira. Não preciso.” (Vilmar) É possível verificar, também, que para esse grupo ficar com os filhos também foi
uma opção, já que eles não repassaram essa responsabilidade para outros familiares. Da
mesma forma, quando buscaram novos relacionamentos amorosos, não tinham como foco
a busca de uma ‘mãe’ para seus filhos, mas de uma companheira para eles, o que reforça o
cuidado com os filhos sendo assumido como uma responsabilidade paterna.
Conforme se pode verificar, a partir do conteúdo acima, essa classe contempla
vários elementos positivos da história dos participantes, enfatizando como eles trouxeram
aprendizados da conjugalidade para suas relações atuais. Além disso, ter assumido a
criação dos filhos também foi avaliado positivamente pelos pais, que consideram que estão
obtendo êxito nesse processo.
Classe 01 – Enfrentamento e Apoio Social
Esta classe possui 72 UCEs (13,93% do material aproveitado) e seus conteúdos
estão fortemente associados ao suj_03, Valter, cujo nome da esposa também aparece na
tabela: Vânia.
Nessa classe encontram-se os conteúdos relativos à adaptação ao falecimento da
esposa, às fontes de apoio e o incentivo recebido para superar essa situação e às
dificuldades encontradas nesse processo, principalmente em relação aos filhos. Os
participantes enfatizam a importância da família, principalmente nesse momento, e relatam
seu esforço para conseguir mantê-la unida. Consideram que, como pais, devem se
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dedicar ao acompanhamento dos filhos, preparando-os para o futuro. E avaliam
também que estão conseguindo alcançar esses objetivos.
As principais formas reduzidas estão demonstradas na tabela 03.
Tabela 03: Principais formas reduzidas associadas à Classe 01 - GV
Formas
reduzidas
Freqüência
na classe
Freqüência
no corpus X2
Formas
reduzidas
Freqüência
na classe
Freqüência
no corpus X2
filhos 27 19 75,71 Arrum+ 6 9 21,25
esp+ 13 15 68,19 Procur+ 12 28 20,67
ajud+ 18 34 46,21 Ministro 3 3 18,65
cont+ 11 17 37,81 consegu+ 4 5 18,39
irm+ 10 15 35,85 mant+ 4 5 18,39
famili+ 16 35 31,65 adapt+ 5 8 15,99
vânia 5 5 31,20 forte+ 6 11 15,47
incentiv+ 6 8 25,28 *suj_03 55 143 99,27
gente 31 110 23,69
Para enfrentar a situação de perda e adaptar-se ao novo contexto, os pais relatam
ter buscado, principalmente, o apoio de grupos religiosos, de familiares e amigos, além de
ressaltar a importância do fortalecimento da família nesse momento.
Alguns participantes apoiaram-se em suas crenças religiosas para enfrentar a
situação e dar suporte aos filhos. Valter e sua esposa sempre participaram de trabalhos
religiosos, sendo ministros em sua igreja. Ele considera que esse envolvimento e o
entendimento de que a morte deve ser encarada como um chamado de Deus o ajudaram
nesse processo. Mesmo relatando momentos de revolta, o trabalho na igreja trouxe
conforto e contribuiu para aceitar o falecimento da esposa.
E também nunca, a #gente não deve ficar #procurando o porquê, né. A #gente tem que se #apoiar um #pouquinho na palavra e #procurar #viver cada vez mais, né. Então, nesse ponto, o meu #contato, a minha atividade na comunidade #da #igreja me #ajudou muito, porque em momento nenhum eu me #senti abandonado pelo pessoal, pelos amigos, o pessoal continuou. (Valter)
Vilmar, também por suas crenças espirituais, considera que a morte é um processo
natural, que deve ser visto como uma continuidade e não como sofrimento e acredita que
seus filhos também entendem dessa maneira. Já Valério e suas filhas passaram a freqüentar
uma igreja evangélica.
“Naturalmente. A morte, nesse processo da educação deles, eles aprenderam que era uma continuidade. Então foi fácil. Foi difícil, mas foi fácil. Não é doloroso em forma de apego. Sem apego, entendeu? Sem
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apego. Todos sentiram e sentem até hoje essa falta. Mas é normal. Sem traumático, sem processo traumático.” (Valmir)
“E nós temos, nós somos, nós somos da Igreja Cristã Maranata, a gente procura ir no culto todos os dias, às sete e meia estar lá. Tem sido um momento muito, muito rico pra nós também, muito importante. Eu tenho, sinto que tem dado muita sustentação pra nós, né, de encarar esse, essa dificuldade...” (Valério)
Para oferecer maior suporte ao filho após o falecimento de sua ex-esposa, Vagner
voltou a morar com sua mãe logo nos dois primeiros anos, possibilitando maiores cuidados
e companhias ao filho, já que ele próprio se ausentava de casa o dia inteiro devido ao
trabalho. Além disso, buscava oferecer apoio e carinho para o filho nos momentos em que
ele estava mais triste.
“Eu fui morar, voltei a morar com minha mãe, né, porque eu trabalhava e eu não podia deixar ele num momento desse só sem toda a facilidade, né, de pessoas que dessem estruturação pra ele. (...) Então essa foi uma das decisões que eu tomei, de voltar, a questão de ter uma relação afetiva de familiares.” (Vagner)
Após esse período, resolveu mudar com o filho para um local mais próximo de seu
trabalho, facilitando seu deslocamento e aumentando o tempo que passavam juntos.
Também havia algumas discordâncias em sua família relativas à educação de Maurício.
Quando tomou essa decisão, Vagner procurou fazer com bastante cuidado, para que seus
familiares e o próprio Maurício se acostumassem com essa mudança.
“E foi uma vontade dele quando eu coloquei pra ele: ó, tá difícil, até porque a gente tá se vendo pouco, porque às vezes eu saio cedo você tá dormindo, às vezes eu chego um pouco mais tarde, você tá dormindo também, então não tá legal isso não. E já estava havendo os conflitos, né, porque eu tenho uma forma de ver, de enxergar a vida, minha mãe tem uma outra, as tias tem outra.” (Vagner)
Vagner relata que sempre ouviu de familiares e amigos que seria muito difícil para
ele cuidar do filho sem o auxílio de outras pessoas, principalmente do sexo feminino.
Apesar de considerar que o filho ainda fica muito tempo sozinho em casa, avalia ter
conseguido ficar mais tempo com ele devido à proximidade de seu trabalho. Além disso, a
educação de Maurício seguiu sem a interferência de outras pessoas.
Valter recebeu bastante apoio dos amigos e familiares quando assumiu a
responsabilidade pelos filhos. Na entrevista ele sempre se refere a uma vizinha, Carminha,
que antes do falecimento de sua esposa era uma amiga que cuidava de seus filhos
esporadicamente, situação que ainda se mantém. Como os familiares também residem
próximos a ele, não encontrou dificuldades em obter ajuda tanto emocional quanto prática
para cuidar de seus filhos quando necessitou.
Ela [Carminha] é como se #fosse mesmo #da #família. A minha #esposa tinha o #costume de falar que ela era a segunda #mãe dos nossos #filhos, então isso ficou mais #forte. (Valter)
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Já Valério relata ter tido dificuldades em manter a proximidade com o restante de
sua família e a de Carina, que se afastaram após o falecimento dela, fato inesperado para
ele.
“Eu pensei até que eu teria naturalmente essa ajuda. Eu acho que eu imaginei que não precisaria nem pedir. Mas o... as pessoas mais próximas, assim, pais, meus pais, meu sogro na época, meu sogro, minha sogra, os tios, eles não, não se colocaram muito assim disponíveis não. (...) acho que pela lembrança, de viver aqui conosco a ausência da Carina, né.” (Valério)
Outro apoio social importante destacado principalmente por Valério é a presença de
uma empregada doméstica que já trabalhava com a família anteriormente. Ele considera
que, principalmente nos momentos em que está trabalhando, essa pessoa possui um
importante papel no cuidado diário das filhas.
“Todos os dias, cuida da casa. Ela cuida da casa pra gente, cuida da gente, né. Cuida da gente como um todo. É uma pessoa muito querida nossa e ela tem sido muito importante aqui pra gente.” (Valério)
Assim, podem ser identificadas várias fontes de apoio social buscadas pelos
participantes para enfrentar a perda, que permitiram a reorganização e adaptação do
cotidiano familiar à nova situação.
A dedicação aos filhos também é um conteúdo forte ligado a essa classe. Os
participantes relatam que, por opção, passaram a se dedicar mais à criação dos filhos,
colocando-os como prioridade e acompanhando-os de perto em suas dificuldades.
Valter informa que, quando a esposa era viva, os filhos já eram considerados prioridade
para o casal, inclusive ela deixou sua vida profissional para cuidar deles. Vagner precisou
mudar sua rotina para ficar mais perto do filho, também colocando-o como prioridade.
Se é errado ou certo, era #opção minha e dela, e nunca nos #arrependemos #disso. Então a #prioridade nossa sempre foi #os #filhos, né, então a #dedicação era #total. (Valter)
“Então, tudo que eu faço eu tenho que pensar nele primeiro. Ah, nós vamos ficar, sair com os amigos. Quer dizer, não dá, tem que estar tal hora em casa, não dá pra demorar muito. Ou não dá pra sair pra ele não ficar sozinho em casa, não deixar ele sozinho. Eu tenho que fazer minha vida em função disso aí.” (Vagner) Nesse sentido, o fortalecimento e a valorização da família aparecem como
estratégias para enfrentar a nova situação. Os participantes consideram que a convivência
e união da família são importantes para superar a perda do ente querido e continuar a vida.
As esposas tinham um papel fundamental nessa união, que agora os pais procuram
assumir, pedindo que cada membro da família cuide um do outro.
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E o #principal e que a unidade #da #família não ruiu com a perda #da #mãe. Foi uma coisa que a #gente se manteve muito, manteve #unido, né. Então eu acho que eu tô conseguindo, aos poucos, com #pai e #mãe #manter eles #unidos. (Valter) “A família, a relação familiar é tudo, cara. Em alguns momentos os filhos se sentem desorientados, em conflito, e é na família que eles buscam o apoio que eles precisam para superar essa dificuldade que eles tiveram, em determinado momento. Isso é normal. Por isso que é legal ter uma família, entende, consistente. Tudo de bom.” (Vilmar) O convívio entre os irmãos também é valorizado pelos pais, que cobram apoio
mútuo e carinho. Os irmãos mais velhos são solicitados a auxiliar os pais com os mais
novos, cuidando deles, servindo de exemplo e mantendo um bom relacionamento. Vagner
possui mais dois filhos de outros relacionamentos, que moram com suas respectivas mães,
mas também procura manter os filhos em contato freqüente, valorizando o convívio entre
eles.
“Mas a gente é muito coletivo. Eu... todos os filhos trabalham no comércio. Um ajuda o outro. Cuidar, eu não cuido sozinho. A gente divide. Um cuida, outro cuida, outro cuida. Os mais velhos vão cuidando dos mais novos.” (Vilmar) “Curioso é que Ana Maria de vez em quando me dá uns toques com relação à Manu: ‘pai, você não está sabendo lidar com essa situação, você está, Manu vai ficar sentida com isso, vai com calma’.” (Valério)
Os dados apresentados acima evidenciam que, para se adaptar ao contexto de
mudança trazido pelo falecimento, os pais buscaram diversas fontes de apoio social e,
principalmente, valorizaram a união da família. Ao adotarem os filhos como prioridade,
passaram a cuidar do direcionamento deles para o mundo, acompanhando-os de perto
nessa jornada. E avaliam que isso é um aprendizado diário, que requer dedicação e
mudanças de atitude.
Não, acho que o aprendizado, a #convivência #da #família no dia a dia a #gente vai procurando #melhorar. (Valter) “A gente erra muito, tropeça, né. Mas eu acho que faz parte também desse processo aí de conhecimento, de autoconhecimento.” (Valério)
Classe 04 - Cuidados Instrumentais
Nessa classe, representada por 81 UCEs (15,67%), aparecem os conteúdos
relacionados aos cuidados diários com os filhos como horários, higiene, alimentação, lazer,
tarefas domésticas, escola, orientação, ações corretivas, entre outros. Os pais relatam o seu
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envolvimento nas tarefas do cotidiano e como se esforçam para realizar de todas essas
atividades.
Na tabela 04 encontram-se as principais formas reduzidas associadas à classe.
Tabela 04: Principais formas reduzidas associadas à Classe 04 - GV
Formas
reduzidas
Freqüência
na classe
Freqüência
no corpus X2
Formas
reduzidas
Freqüência
na classe
Freqüência
no corpus X2
hora+ 18 24 67,06 err+ 7 11 19,57
acord+ 9 11 37,22 dar 11 24 17,33
sair 10 15 30,24 faço 7 12 16,93
cansado+ 5 5 27,18 importo 3 3 16,24
dorm+ 7 9 26,74 cama 3 3 16,24
ir 15 32 25,14 máximo 4 5 15,81
almoç+ 4 4 21,70 dia a dia 4 5 15,81
geralmente 4 4 21,70 bat+ 4 5 15,81
lado 7 11 19,57 com+ 4 5 15,81
O cuidado com os filhos é destacado, principalmente no que diz respeito às rotinas
do dia a dia. Os pais relatam preocupar-se e envolver-se com as tarefas do filho, os
horários a serem cumpridos, as questões relativas à escola, levá-los e trazê-los dos
compromissos, entre outros. Além disso, abordam como agem quando é necessário
corrigir o filho, buscando resolver os conflitos que surgem. Consideram que fazem o
máximo possível para atender as necessidades dos filhos e ficar a seu lado, embora essa
rotina seja bastante cansativa.
Todos os pais entrevistados possuem atividade profissional remunerada. Valério,
no momento da entrevista, estava desempregado há poucos meses, e por isso relatou que
sua rotina atual com a Manuela é bastante diferente do que quando ele está trabalhando.
Sua outra filha, Ana Maria, estava fazendo intercâmbio no exterior. A residência e o
comércio de Vilmar são no mesmo local, o que facilita o contato com os filhos durante o
dia, até porque eles também auxiliam o pai no trabalho. Valter trabalha durante o dia todo,
não costuma vir almoçar em casa e, algumas vezes, precisa viajar a trabalho, mesmo que
por períodos curtos. Vagner é professor e sempre que pode almoça em casa com o filho.
Mas faz faculdade à noite, ficando um tempo ainda maior fora de casa.
Ao relatar como é um dia típico com seus filhos, os participantes enfatizam
algumas preocupações com o cumprimento dos horários e compromissos dos filhos, como
acordar cedo, ir à escola ou não dormir tarde, por exemplo.
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Mas eu sempre #acordei os dois para #ir para #escola. Então eu #acordo antes #do meu #serviço. Tenho que #acordar cinco e quarenta chamar os dois. Eles até #acordam, mas eu sempre tenho que tá no quarto policiando: ó, tá na #hora! (Valter) Um dia típico, assim, o mais comumente, de manhã eu #acordo, eu #levanto sempre cedo, boto ele para #escola, vejo as #coisas para ele #ir para #escola, vejo o #uniforme, #faço alguma #coisa para ele #comer, isso todo dia, né. (Vagner) As atividades de lazer com os filhos são realizadas principalmente aos finais de
semana, pois são o maior tempo livre para todos. Os pais tentam oferecer e participar de
atividades de interesse dos filhos, na medida do possível, apesar de ser difícil agradar a
todos. Valter pede que a empregada também leve a filha mais nova para brincar, pois sabe
que é uma necessidade dela.
#Praia, #rock. #Os mais velhos eu #vou #pro #rock com eles. #Show, reggae. #Rock. #Os mais novos carecem de mais #atividade. Ontem, por #exemplo, #queriam #ir no #show #do Sandy e Junior, eu não fui. (Vilmar) “A gente sai sempre, até pra escola de música vai muito. Vai ao cinema, sai, praia, essas coisas assim. E como ele gosta de tocar também, aí eu chego em casa, ele toca violão, guitarra, tá tocando guitarra já.” (Valério) As tarefas domésticas são cumpridas, em geral, por empregadas. Mas Vagner
solicita auxílio ao filho também, pois considera que algumas responsabilidades devem ser
assumidas por este.
“Falo com ele também, seu uniforme você tem que lavar. Porque eu acho que é isso, algumas coisas ele tem que lavar, lavar o uniforme, fazer alguma coisa, arrumar a cozinha. Então eu tenho que lidar também, pô, lavar a louça, às vezes não dá tempo: ó, a louça você lava, faz isso. Porque é o que eu falo pra ele, nós estamos no mesmo barco aqui. Não dá pra eu fazer tudo, então ele tem que contribuir com essa, com essa atividade.” (Vagner)
Os cuidados com a saúde são destacados como um aspecto importante e que merece
atenção. Essa área sempre foi acompanhada principalmente pela esposa, que agendava e
levava os filhos aos exames e consultas com mais freqüência que os pais, exceto no caso
de Vilmar, que já assumia esse cuidado por ser médico. Após o falecimento dela, os
demais tiveram que assumir essa tarefa, embora alguns pais contem com o auxílio de
familiares e amigos nesse cuidado.
“Até a idade de dez anos da minha filha mais velha, enquanto a mãe tava viva, a mãe sempre que corria atrás disso aí. Eu sempre fui junto, mas ela que marcava, ela que acompanhava, via a necessidade. (...) A Maísa que vai ao ginecologista, então ela nunca vai aceitar eu entrar junto, com certeza, então isso aí a Carminha que é a mãe substituta. E pra Mariana também.” (Valter)
“Coisas normais, como garganta, né, tem que ter um cuidado maior, às vezes machucou um braço. Então nesse momento também você tem que, é... porque minha mãe tinha uma atenção muito grande, né, nisso aí eu tento um pouco olhar como é que era, né.” (Vagner)
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As atividades da escola também são acompanhadas, seja através da participação nas
reuniões, quando conseguem conciliar com o horário de trabalho, seja através dos
resultados, tarefas e anotações levadas pra casa.
“Então quando eu posso, com Mariana as reuniões dela é sempre na parte da tarde. Então pra mim é impossível. Então são meus filhos ou é Carminha. Mas eu chego em casa, olho a agenda dela, olho anotação, observação.” (Valter) “Então tem sido, continua sendo assim, eu tenho procurado estar junto. Ontem mesmo eu participei de uma reunião de pais e mestres na escola da Manuela, fui lá, conversei com as professoras, enfim.” (Valério) Vagner procura oferecer uma educação ao filho voltada para o questionamento das
situações e desenvolvimento de maior autonomia e criatividade. Mas encontra problemas
com a escola dele, que ele acredita ser disciplinadora e limitadora do potencial dos alunos.
“Então tem bastante conflito com a escola por ele, por ele questionar os professores, entendeu, por ele ser, às vezes, essa questão: ‘Ah, mas seu filho tá com cabelo muito grande, ah, seu filho usa brinco, seu filho traz o violão pra escola’.” (Vagner)
Outra tarefa que os pais também consideram muito importante é a orientação e
correção das atitudes dos filhos. Relatam poucos conflitos nessa área, mas acham que um
bom pai deve ficar atento às ações dos filhos e corrigi-las no momento certo, com firmeza.
Como formas de orientação os pais relatam principalmente a ocorrência do diálogo.
Quando é necessário corrigir uma atitude inadequada do filho, eles utilizam,
principalmente: punições verbais, a aplicação de castigos, restrição à realização de algumas
atividades e punições físicas.
Acho mais importante é (...) #corrigir na #hora que tem que #corrigir, não passar a mão quando #faz as #coisas erradas, porque #querendo ou não, não tem como uma pessoa a vida toda não #fazer nada de #errado. (Valter)
Conciliar seu trabalho com o acompanhamento diário dos filhos demanda uma boa
administração do tempo, mas eles consideram que é possível realizar as duas atividades.
Para isso, cobram autonomia e responsabilidade dos filhos, de forma a auxiliá-los também.
E eu correndo, #vou em #casa, #faço #almoço. Eu #dava aula de manhã, na #hora #do #almoço, #almoçava com ele. Às #vezes quando eu tava fazendo outra #coisa, não #dava tempo, não tinha como, né. (Vagner) “Então essa parte de trabalho, de vez em quando eu vou viajar, ficar três, quatro dias fora, então isso aí não tem como fugir, tem que tentar conciliar. Quando eu preciso de viajar, eu aciono primeiro minha filha mais velha: ó, esses três dias você vai ficar por conta dos seus irmãos à noite. Então ficar de olho, não é ficar na casa de Carminha. Mas vocês dois tem que se virar. Porque eu não posso deixar de trabalhar e ficar aqui.” (Valter)
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Só que essa rotina traz bastante cansaço aos pais. Algumas vezes, os participantes
relatam chegar a suas casas muito cansados para realizar certas atividades, principalmente
relativas à correção. Valter, por exemplo, tem enfrentado dificuldades para que sua filha
mais nova deixe de dormir no quarto dele, situação que se iniciou durante a doença da
esposa.
Aí eu #chego #cansado, pego no #pé dela quando precisa, às #vezes, tem alguma #coisa #errada, mas prefiro #deixar que ela vá para minha #cama, às #vezes eu durmo primeiro que ela, quando eu vejo ela já tá agarrada comigo na #cama. (...) E hoje eu procuro, tinha combinado com ela dela ficar um dia na minha #cama, outro na #cama dela, dois na #cama dela, dois na minha #cama, tentando. Mas aí uma semana eu jogo duro com ela, consigo #fazer isso, na outra semana eu #chego #cansado #do #serviço em #casa, e ela é dura de #dormir, ela sempre #dorme muito tarde. (Valter) Além disso, após jornadas de trabalho muito longas ou tensas, tende a não ter
paciência com os filhos, algumas vezes expondo de maneira inadequada sua insatisfação.
Tenho minhas falhas, lógico, porque... por #causa #do #dia a dia #do #serviço, às #vezes me falta a paciência, discuto, #brigo, depois me arrependo, volto atrás e #peço #desculpas. (Valter) Apesar de tudo, os participantes relatam não medir esforços para suprir as
necessidades dos filhos. Dedicam-se, elegem os filhos como prioridade e fazem o
máximo possível para acompanhar suas atividades diárias e auxiliá-los no que for preciso.
Não consideram sacrifício ou obrigação, mas uma atividade natural e necessária ao bom
desenvolvimento dos filhos, além de ser uma função paterna.
Se eu #tiver de ficar #acordado a noite toda para #poder ajudar eles na #escola eu não me #importo, tenho #certeza que a mãe também #faria a mesma #coisa. Não é que eu tô me sacrificando, eu tô ajudando, a gente vai fazendo uma parte que é necessária. (Valter) As Classes 01 (Enfrentamento e Apoio Social) e 04 (Cuidados Instrumentais)
possuem alto grau de correlação (r= 0,72). Através dos conteúdos descritos podem ser
verificadas as alterações no cotidiano familiar ocorridas após o falecimento da esposa.
Além de buscar apoio emocional e material para enfrentar a situação, os pais também
tiveram que adaptar sua rotina à dos filhos, buscando conciliar todas as atividades diárias.
Revelam que nesse novo contexto é importante valorizar a família, mantendo o apoio
mútuo e união entre pais e filhos. Nesse sentido, os pais se esforçam, emocionalmente e na
prática, para acompanhar a rotina e manter os filhos bem cuidados. Apesar de se queixarem
dessa sobrecarga, consideram que isso faz parte da função paterna, e que eles devem
assumi-la.
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Classe 03 – Preocupações com os Filhos
A classe 03 possui 48 UCEs, com 9,28% do material selecionado. Nela verifica-se
que, além de assumir os cuidados diários dos filhos, como já relatado na classe anterior,
outras questões também trazem preocupações para os pais.
Nessa classe, aparecem as preocupações que os pais demonstram em relação ao
tempo que os filhos ficam sozinhos em casa ou com empregadas, enquanto eles
trabalham. Essa preocupação fica maior quando os filhos ficam doentes e, nesse caso, os
pais buscam reforçar os cuidados com medicação e alimentação e procuram outras
pessoas para auxiliá-los nesse momento. Ficam atentos, também, à saúde emocional dos
filhos, principalmente em relação aos sentimentos de tristeza e saudade da mãe. Avaliam
que os filhos podem se sentir carentes ou necessitar de uma atenção maior, que nem
sempre os pais podem suprir no tempo disponível. Já em relação ao futuro educacional dos
filhos, a preocupação de Valter se sobressai. Ele incentiva os filhos a estudar e fazer um
curso superior, oportunidade que ele não teve anteriormente.
Na tabela 05 encontram-se as principais formas reduzidas relativas a essa classe. Os
principais participantes cujas entrevistas
Tabela 05: Principais formas reduzidas associadas à Classe 03 - GV
Formas
reduzidas
Freqüência
na classe
Freqüência
no corpus X2
Formas reduzidas Freqüência
na classe
Freqüência
no corpus X2
período 11 11 109,82 Escola Técnica 5 6 39,52
curs+ 10 10 99,64 são paulo 4 4 39,39
Evandro 8 10 60,55 Maísa 8 15 35,59
área 6 6 59,31 superior 4 5 29,98
empreg+ 5 5 49,33 arte 3 3 29,48
sozinha 5 5 49,33 Mariana 5 8 27,32
doente 6 7 49,22 music+ 4 6 23,73
fazendo 10 19 44,01
Nessa classe, trechos da entrevista de Valter são bastante freqüentes, pois ele relata
várias dificuldades e preocupações que enfrenta na criação dos filhos, Maísa, Evandro e
Mariana, que também aparecem na tabela com alto valor de qui-quadrado. Sua filha mais
nova tinha 03 anos quando sua esposa faleceu e passou a demandar maior atenção da
família, ficando bem mais próxima e apegada ao pai. É a filha que precisa de maior
acompanhamento em suas tarefas diárias como alimentação, higiene e escola, além do
66
lazer. Inclusive, logo após o falecimento da esposa, Valter demonstrou necessidade de
buscar orientação com um psicólogo sobre como lidar com o comportamento dessa filha,
que estava mais agitada e desobediente.
Valter preocupa-se também com o impacto do falecimento de sua esposa nos
estudos dos demais filhos. Maísa, filha mais velha, estudava na Escola Técnica (Valter
também estudou lá) e estava tentando o vestibular para Arquitetura. Nos últimos dois
anos, não obteve êxito. Ele credita esse desempenho à doença e falecimento da esposa e,
agora, está confiante que a filha poderá obter melhor resultado, apesar de não concordar
com alguns aspectos do namoro dela que podem atrapalhar seu rendimento. O filho
Evandro teve alguns problemas de disciplina na escola, mas que já foram acertados. Ele
também estava se preparando para o vestibular.
E esse #ano eu falei que ela tem que, é o #ano dela [Maísa]. Então ela tá bem. Ela tá tentando Arquitetura. Então por enquanto ela tá bem, tá #meio folgada, ela #trocou de #cursinho, e ela tá #fazendo #Escola Técnica, então ela falou que tá #gostando, já e uma #área já, ela tá #fazendo a #área construção, então já e uma #área #ligada à Arquitetura. (Valter) Estudar e ter uma formação superior são considerados aspectos extremamente
importantes para Valter, que possui formação de nível técnico. Sua esposa, Vânia,
formou-se em Serviço Social e não trabalhou na área, optando por cuidar dos filhos.
Quando iria retomar sua atividade profissional, descobriu sua doença e iniciou o
tratamento. Valter considera que ele não teve oportunidade de continuar estudando e sua
esposa não conseguiu se realizar profissionalmente, por isso não quer que isso se repita
com seus filhos.
Os filhos #tava maior, então já podia já #voltar, estruturar, né, porque querendo ou não era uma, uma coisa que faltava para ela. Aí por coincidência, #veio a #gravidez de #Mariana, aí deu mais um #tempo. Aí quando #Mariana #fez dois #anos, para três, ela se estruturou para poder #voltar, porque querendo ou não fazia muito #tempo que ela #tava fora na #área e foi quando ela #ficou #doente. (Valter)
Outra preocupação citada relaciona-se ao trabalho em jornada integral dos pais e o
tempo que seus filhos ficam sozinhos em casa. Na casa de Valter, como todos saem de
casa pela manhã para trabalhar e estudar, sua filha mais nova fica um período sozinha, no
início do dia até a chegada da empregada, e no final da tarde, até a chegada do pai ou
irmãos. Além disso, quando há outros compromissos como viagens, Valter também deixa
os filhos sozinhos e pede que os mais velhos sejam responsáveis pela irmã mais nova.
Apesar de organizar soluções para que os filhos não fiquem tanto tempo sozinhos em casa,
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ainda assim fica receoso com o que pode acontecer nesse período, principalmente por
causa da violência.
#Mariana fica sozinha em casa, a porta #fica fechada, a #vizinha tem a chave e ela sabe abrir a porta. Aí esse #período ela #fica realmente #sozinha. E à noite, se ela não quiser #ficar na casa da #Carminha, ela #fica aqui em casa #sozinha, #brincando, nunca #fez uma #arte. (Valter)
O filho de Vagner, de 13 anos, estuda pela manhã e passa o resto do dia sozinho, já
que eles não possuem empregada doméstica e Vagner trabalha durante o dia e estuda à
noite.
“Mas aí, quer dizer, é um novo processo, porque ele estava acostumado com pessoas o tempo todo, né, na casa da minha mãe ela que acordava, fazia, tinha o café, tudo pronto. (...) Tem a preocupação, às vezes eu tô aqui e tô preocupado com o fato dele estar em casa, chegar. Quando ele chegar em casa não vai ter ninguém em casa, pra uma criança de 12 anos, né? Não vai ter ninguém para fazer a comida, ver a roupa dele, coisa e tal. E eu correndo, vou em casa, faço almoço.” (Vagner)
Vagner considera que seu filho está carente e precisa de maior atenção, por isso
esforça-se para conseguir ficar mais tempo com ele em alguns momentos do dia. Dessa
forma, tenta amenizar o sentimento de solidão para o filho.
“Essa preocupação dele estar sozinho, o tempo que ele está sozinho... na questão do trabalho tudo bem, mas na questão da minha vida, do meu lazer, por exemplo, não dá pra determinar em função do que eu quero, é em função da minha responsabilidade que eu tenho com ele, do compromisso que eu sei que ele sente falta.” (Vagner)
Valter considera que um dos momentos mais difíceis que um pai pode enfrentar é
quando os filhos adoecem. Ele ressalta que nunca teve problemas para ser liberado de seu
trabalho quando necessário, mas ficou bastante preocupado quando seu filho Evandro
adoeceu recentemente. Pediu apoio à sua vizinha para levá-lo a alguns exames e consultas
e só se tranqüilizou quando teve certeza de que a situação estava controlada.
Tipo, quando o #Evandro #ficou #doente, #ficava em desespero porque eu tinha que ir #trabalhar, eu não podia #ficar #vigiando ele, se tá tomando #remédio #direito, se #tava se #alimentando, tinha que se #alimentar porque o #remédio era controlado. (Valter)
Valério também se preocupa com a possibilidade da doença da esposa se
desenvolver nas filhas, por isso busca fazer exames específicos de forma preventiva. Além
disso, preocupa-se com a saúde emocional das filhas.
“Com elas está tudo bem. A preocupação com o mal que a mãe teve, se vai ter alguma pré-disposição, Aninha fez os exames, tá tudo tranqüilo, só vai fazer daqui lá pra, daqui mais ou menos a cinco anos. A Manuela ainda não fez, mas porque não está na idade ainda de fazer. Quando chegar eu vou fazer também pra ela os exames específicos.” (Valério)
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“Me preocupo muito com Manuela, com a saúde emocional dela, né, fico preocupado com essa perda representativa, né. Pra mim foi difícil, imagina pra ela, filha, né.” (Valério)
Logo após o falecimento da esposa, Valter procurou certificar-se de que a escola
saberia lidar com sua filha de forma adequada, atitude também tomada por Valério, que
conversou com os professores para acompanhar o comportamento da filha na escola.
“No primeiro ano da, logo que a mãe faleceu, fui na escola, conversei bastante sobre, falei pra ela não se sentir uma criança diferenciada das outras por ela ter perdido a mãe. (...) Eu não queria que ela se sentisse discriminada por não ter mãe. Se tivesse de fazer lembrancinha pra mãe, ela vai fazer, independente de ter mãe, você vai fazer e dá pra sua tia, dá pra sua avó.” (Valter) “Ontem mesmo eu participei de uma reunião de pais e mestres na escola da Manuela, fui lá, conversei com as professoras, enfim. Ela falando dela hoje, como é que Manuela está, está muito bem, apesar da perda e tudo.” (Valério)
Vagner relata que enfrentou situações difíceis com seu filho logo após o
falecimento da ex-esposa, principalmente pela saudade e porque ele o comparava à mãe,
situação que ele teve que contornar.
“Aí veio todo o processo depois de adaptação, da falta da mãe, do choro diário da falta da mãe, entende? (...) No começo ele quis me comparar à mãe dele: ‘Ah, que minha mãe é melhor que você, que você’. (...) Você vai ter que conviver com a falta, porque não tem outro jeito. Então é um aspecto da vida. Então é... é sofrido...” (Vagner)
Após a descrição de todas as classes do Eixo 01 – Dinâmica Familiar: Preparação
dos Filhos – é possível constatar que os conteúdos presentes nesse eixo ressaltam as
modificações vivenciadas pelos participantes após assumirem a guarda dos filhos. Assim,
eles buscam, nas lembranças de seu relacionamento conjugal, elementos para nortear suas
atitudes com os filhos. Assumiram tarefas que antes eram realizadas prioritariamente pela
mãe, como o cuidado com a saúde, educação e acompanhamento da rotina dos filhos e
preocupam-se também com a saúde emocional dos mesmos, não medindo esforços para
atender as necessidades deles. Os pais ainda relatam quais foram as fontes de apoio que
buscaram principalmente no período inicial da guarda e ressaltaram a união da família
como uma forma de superar essas dificuldades. De uma forma geral, se avaliam de forma
positiva, considerando que estão conseguindo dar continuidade à educação dos filhos. Por
isso, pode-se considerar que \ dinâmica familiar apresentada aparece como o contexto no
qual emergem as representações de paternidade dos sujeitos, que serão mais detalhadas na
descrição e análise do Eixo 02.
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B) EIXO 02 – EXERCÍCIO DA PATERNIDADE: AVALIAÇÃO E MUDANÇA O Eixo 2 é dividido em duas classes: Paternidade e Maternidade (classe 02) e
Conflitos e Avaliação (classe 05). Nelas, os participantes fazem uma reflexão sobre
paternidade, maternidade e funções de gênero. Ressaltam suas mudanças de
comportamento no sentido de amenizar a falta que os filhos sentem da mãe e questionam
como as funções materna e paterna se mesclam em sua vivência. Analisam a paternidade
como um exercício em permanente construção e o fato de terem assumido os filhos
sozinhos os fizeram repensar sua própria experiência pregressa e buscar elementos para
melhor exercê-la atualmente. O coeficiente de co-relação entre as classes desse Eixo é
0,62, o que demonstra o alto grau de ligação entre elas.
Classe 02 – Paternidade e Maternidade As principais formas reduzidas associadas à classe estão representadas na Tabela
06.
Tabela 06: Principais formas reduzidas associadas à Classe 02 - GV
Formas
reduzidas
Freqüência
na classe
Freqüência
no corpus X2
Formas reduzidas Freqüência
na classe
Freqüência
no corpus X2
fácil 7 8 65,11 d’água 3 3 32,44
agir 5 5 54,27 substituir 3 3 32,44
atento 6 8 46,14 figura 5 8 30,42
afeto 6 8 46,14 vivenc+ 5 9 26,04
form+ 13 33 43,18 pai e mãe 3 4 22,89
signific+ 6 9 66,67 copo 3 4 22,89
respeit+ 5 7 36,08 relac+ 12 43 22,66
cri+ 5 7 36,08 *suj_02 36 156 60,88
Nessa classe, os participantes discorrem acerca dos papéis parentais, dos
significados de ser pai e ser mãe e sobre como a vivência dessa monoparentalidade os
levam a refletir e aprender novas atitudes para lidar com os filhos. Relatam que, quando
assumiram sozinhos os cuidados com os filhos, aprenderam a ficar atentos a pequenas
situações no cotidiano, estando mais disponíveis para entender certas necessidades e agir
quando necessário. Na busca de amenizar a falta da esposa, passaram a expressar para
seus filhos maior afeto, carinho e confiança, atitudes mais presentes inicialmente em sua
70
esposa. Discutem se é possível ser pai e mãe ao mesmo tempo e alguns consideram que
nunca irão substituir a figura materna, pois existe uma relação mãe-filho que se
estabelece anteriormente e que sempre estará presente, mesmo na ausência física dela. Por
fim, consideram que esse tipo de paternidade não é fácil e que estão em um processo de
constante construção e aprendizado.
As UCEs retiradas da entrevista do suj_02, Vagner, estão bastante relacionadas a
essa classe. Verifica-se que, por sua formação acadêmica em andamento na área de
Ciências Humanas, Vagner enfatiza a paternidade como uma construção que se dá no meio
social, reforçando a questão do aprendizado nesse contexto.
SER PAI
Ao analisar mais atentamente o conjunto das entrevistas, verifica-se que alguns
elementos estão mais presentes nas RS de paternidade dos participantes. Podemos dividir
em cinco categorias: Responsabilidade e Acompanhamento, Afetividade e
Companheirismo, Orientação e Correção, Provedor Material e Equilíbrio.
Responsabilidade e Acompanhamento
Os pais relatam que assumir a criação dos filhos foi um processo natural. O
falecimento da maioria das esposas ocorreu após tratamentos de saúde prolongados, o que,
de certa forma, possibilitou a eles momentos de reflexão sobre como ficaria a dinâmica
familiar caso elas falecessem.
“[Esposa disse] ‘Você vai precisar delas pra algumas coisas, elas vão precisar de você pra outras, né. Muito mais elas de você. Então fica calmo, devagarzinho as coisas vão se ajustando’. E eu me emocionei muito quando nós tivemos aquela conversa, mas entendi que a verdade era aquela e que... E desde aquele dia, então, eu assumi esse papel.” (Valério)
Assim, os pais assumiram a responsabilidade por seus filhos porque é ‘preciso
continuar’ e também por se considerarem as pessoas mais capazes de cuidar e ser uma
referência para eles, não repassando essa tarefa para outros familiares.
“Continuei morando com os filhos, com certeza. Isso aí porque a vida continua, não tem jeito, né.” (Valter)
“Então quando eu cheguei lá, a primeira coisa que eu fiz, é, comuniquei à família que eu que tinha que dar conta do meu filho, acho que não tinha ninguém mais, melhor, em melhores condições nem pra ficar com ele ali e dar o apoio que ele precisava, e falar as coisas, uma situação bem delicada.” (Vagner)
71
Verifica-se que a responsabilidade é um elemento bastante presente nas
representações de paternidade dos participantes. Ser responsável pelos filhos significa
orientar, acompanhar seu desenvolvimento e ter compromisso com suas necessidades.
“Ser pai é uma responsabilidade muito grande.” (Valério) “Então acho que a paternidade é você assumir a responsabilidade que as suas escolhas dizem respeito a constituição do outro, não só a sua.” (Vagner) Como Vagner ressalta, o compromisso com o filho passa a ser primordial na
relação que o pai estabelece com ele. Não basta ter gerado ou reconhecido o filho, é
preciso se comprometer com ele, de forma a assumi-lo como filho e, a partir disso, se
constituir como pai.
“Então a paternidade não é uma função biológica nem legal. E nem de convívio, porque você pode estar convivendo diariamente e não também não assumir a paternidade. Achar que não precisa de ter relação, pode não ter compromisso, pode não ter responsabilidade. Então paternidade é uma responsabilidade. É uma aceitação e é o reconhecimento de que você tem o outro que existe.” (Vagner) Uma vez assumido esse compromisso, é importante participar do cotidiano do filho.
‘Estar presente’, então, significa se envolver nesse cotidiano, acompanhando-o em suas
tarefas e atividades e atendendo às necessidades dos filhos, agindo imediatamente quando
necessário.
“Tem que participar, não, não tem lugar pra essa coisa de omissão, de ser omisso, tem que participar, um bom pai tem que participar de tudo. (...) Então ser pai é ser participativo, mesmo.” (Valério) E aí tem que tá #atento a uma tosse, a um movimento anormal para estar #agindo prontamente. (Vilmar) Apesar de passar grande parte do dia fora de casa, os pais procuram acompanhar, de
alguma forma, o dia a dia dos filhos seja através do telefone, passando em casa
rapidamente no intervalo entre seus compromissos ou no final do dia.
“Então eu ligo do serviço, sempre ligo pra cá: ‘como é que tá aí, tudo tranqüilo?’ Agora não, agora Mariana já tem telefone, então ela já liga pra mim, aí já está mais tranqüilo. (...) Agora alimentação, eu sempre ligo do serviço pra empregada: ‘E Mariana tá comendo direito?’” (Valter) Os pais relatam que a responsabilidade pelos filhos ficou maior após o falecimento
das esposas. Antes eles podiam compartilhar a criação dos filhos, apesar de reconhecerem
que a maior parte desse acompanhamento era feito por elas. Agora, mesmo com o apoio de
amigos e familiares, observam que se tornaram os principais responsáveis e a maior
referência para os filhos. A constatação desse fato traz outras preocupações, como o receio
de deixar os filhos sozinhos.
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“Eu sou responsável pela, pelo caminhar delas até a independência delas aqui, eu tenho que #cuidar delas e que elas têm que #entender isso.” (Valério) “E eu também, a gente nunca tinha preocupação: ‘ah, eu vou morrer’, nunca tive essa preocupação, hoje eu já tenho. Eu fico mais precavido, não que eu era de fazer essas coisas, mas procuro dirigir mais ... Eu sei que não vai poder mudar muita coisa não, mas também não... essa parte eu sou mais de, mais viva essa preocupação de vir a faltar, deixar eles sozinhos, então essa parte hoje eu já penso mais do que pensava antigamente.” (Valter)
Afetividade e Companheirismo
Nessa categoria estão presentes elementos ligados à afetividade e aos
relacionamentos entre pais e filhos. Para eles, ser pai é uma escolha afetiva, que requer
envolvimento, amor e carinho. Essa dimensão da afetividade é bastante ressaltada pelos
participantes, que consideram que o carinho e o amor devem ser primordiais na relação. É
preciso ser compreensivo e demonstrar atenção, mesmo que alguns pais relatem suas
dificuldades nessa área.
“Eu acho que é uma, é uma, é um envolvimento afetivo e uma responsabilidade. Sem tirar fora a responsabilidade oficial, legal, é um envolvimento e uma responsabilidade afetiva.” (Vagner) ‘Estar presente’ também aparece como um elemento nessa categoria, significando
‘estar atento’ às necessidades dos filhos. É preciso estar disponível para as situações que
envolvam os filhos, buscando interpretar e atender suas necessidades. Ser pai, então, é
estar atento a pequenos detalhes no relacionamento familiar, que podem indicar alguma
necessidade afetiva. Assim, alguns gestos e atitudes do pai passam a ter outros
significados, demonstrando carinho e atenção, mesmo que algumas vezes tenham dúvidas
se estão conseguindo atender as necessidades dos filhos.
Por quê? Porque é um #gesto de, de #atenção, de #carinho. Toda hora ele vai: pai, pega um #copo #d’água para mim, tô #sentindo uma #dor de cabeça. Aí às vezes não tá #sentindo, às vezes é nada. Mas isso é um #gesto de #afeto também, #entendeu, o fato de você ir lá, colocar o prato, entregar na mão e ele comer, ou pegar um #copo #d’água, #entendeu? ou tá #sentindo uma #dor, #sei lá, fazer um #carinho. Ah, toma o remédio aí. Não é só isso que tá #envolvido. (Vagner) Os pais também relatam que é preciso estar atento à saúde emocional dos filhos
principalmente nos aspectos relacionados ao falecimento da esposa, oferecendo apoio e
compreensão.
“Eu comecei a conversar muito com os dois, ver o que que tava sentindo, se tava com muita saudade, essas coisas para conversar, e se ela quisesse chorar, não tivesse problema, chorava todo mundo junto.” (Valter) “Eu até preciso, eu te falei que eu preciso ajudar a Manu nesse processo de estruturação.” (Valério)
73
Além disso, procuram oferecer atenção em outros momentos do cotidiano dos
filhos, demonstrando carinho.
“E a gente vê que isso aí, às vezes... todos gostam, quando não tão se sentindo bem, você recebe um carinho, uma atenção maior, isso faz bem. A gente gosta, todo ser humano tem necessidade disso, né. E eu tento fazer isso. Eu busco sempre fazer isso aí.” (Vagner) “E a pequena, sempre que eu chego em casa ela procura chamar minha atenção. Então eu procuro, por ter passado aquele problema com ela, de carência, quando a mãe tava doente, então eu procuro me dividir em três, não dar mais atenção a um do que o outro.” (Valter) A amizade e o companheirismo são aspectos importantes na relação pai e filho.
Conversar sobre os problemas, conhecer melhor o filho e ser amigo e companheiro são
elementos presentes na definição de paternidade desse grupo de pais. Não basta estar
próximo do filho, convivendo na mesma casa. É necessário também estabelecer vínculos
de confiança, para que os filhos enxerguem no pai um amigo com o qual podem contar.
“Dar essas coisas. O carinho, a compreensão, o ser amigo.” (Vilmar) “A parte acho que essencial de um pai é carinho, tentar conversar quando necessário, trocar idéias, experiências, coisas que acho que eu fiz errado, agi errado.” (Valter) Com exceção de Vagner, todos os outros pais tinham filhas e relataram algumas
dificuldades para se aproximar delas. Consideram que a relação delas com a mãe era de
amizade e companheirismo, conversando sobre diversos assuntos, inclusive relacionados à
afetividade e sexualidade. E essa relação de proximidade com as filhas é considerada
difícil de ser alcançada pelos pais entrevistados, o que não acontece na relação com os
filhos (no caso de Valter e Vilmar).
“Aquela conversa de mãe pra filha, de mulher pra mulher, então eu sei que ela nunca vai chegar e vai conversar abertamente comigo.” (Valter) “Então é isso, acho que se fosse um menino seria, eu acho que eu estaria mais à vontade, sabe, nesse momento da, da criação, da continuidade aí, não sei.” (Valério) A mãe era considerada a intermediária entre o pai e as filhas, o que gerou certo
distanciamento que, agora, os pais vêem a necessidade de diminuir.
“Então, teve uma hora que eu tive que estudar isso, de chegar até ela, eu tive que procurar, até hoje eu tenho que chegar sempre e estar futucando, estar sempre tocando no assunto necessário, o que que você acha disso, o que que você acha daquilo...” (Valter) “A gente entra nas lojas pra comprar calcinha e sutiã, pra elas escolherem. Eu não tenho aquela vergonha de ser, ser um pai na seção feminina não, sabe. Eu vou junto, não tenho essa dificuldade. Se for pra ir pra, à ginecologista junto eu vou lá, sabe, pra participar.” (Valério)
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Apesar das dificuldades relatadas, de uma forma geral os pais consideram que o
relacionamento com os filhos é positivo e eles têm procurado formas de se aproximar e
conseguir um bom convívio familiar, algumas vezes buscando mudanças em sua própria
forma de se relacionar.
“Mas acho que isso aí é uma coisa que a gente tem, tá tentando aprender bem. Essa convivência dos quatro.” (Valter) “Eu sou muito contido. E na paternidade a gente precisa ser, tem que ser mais espontâneo, tem que ser, porque favorece a participação na vida como um todo, né, na casa, na escola, no trabalho, nas relações que os filhos vão ter com o mundo, né.” (Valério) Orientação e Correção
A dimensão da orientação e correção também está bastante presente na
representação social de paternidade. Ser pai é saber orientar e corrigir os filhos, não
abrindo mão da autoridade e da punição quando necessário. Eles enfatizam que o diálogo
é muito importante na orientação, sendo também a primeira opção na hora de corrigir os
filhos. Se o filho agir de forma inadequada, é preciso admitir isso e corrigir imediatamente.
“Porque eu não conheço outro caminho de conversar com ele, explicar as coisas da maneira mais aberta possível.” (Vagner) “Então é corrigir na hora certa, não tentar tapar o sol com a peneira, errou então vamos corrigir o que errou e tocar a bola pra frente. Eu nunca deixei passar, qualquer um que tenha feito uma quantidade de coisa errada, eu procuro corrigir.” (Valter) “Limite. Tem que ter o limite, não pode tudo. Tem coisa que não pode. Entendeu? Isso aí eu sou rígido também. Bastante rígido. Sem dar agressão. Só na conversa, só na conversa. Não pode, não pode.” (Vilmar) Outros tipos de correção também são mencionados pelos pais, como castigos
referentes à restrição de realização de atividades ou punições físicas.
“Castigo das coisas que eles gostam. Corta computador, corta de sair. Todos eles.” (Vilmar) “E elas entendem isso e quando eu falo, elas confiam, até de usar do chinelo, dar umas palmadas mesmo, né. Não gostei de fazer aquilo, me senti extremamente mal de fazer aquilo, orei pedindo perdão a Deus por ter me excedido daquela forma, não queria ter feito nunca aquilo, mas foi preciso fazer.” (Valério)
Os pais julgam que, às vezes, é preciso ser mais severo nesse aspecto, o que pode
gerar algumas discussões com os filhos. Em alguns momentos, os pais admitem agir de
maneira mais impositiva mas justificam que, nessa hora, os filhos devem saber quem
possui o controle da situação, ressaltando a figura de autoridade que, no caso, é
representada pelo pai.
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“E quando percebo que elas estão assim, é... não estão vendo mais a figura da autoridade, que elas extrapolam um pouco, aí eu chamo a, a, né, a atenção: ‘Vem cá, o que que você está pensando, não é assim que acontecem as coisas’. Faço intervenção como um pai realmente, minha intervenção é direta, eu falo claramente.” (Valério) “Não, tem alguns momentos que são bem, é... que chega assim, a ter bastante conflito. Mas é questão de ele querer impor a vontade dele, de fazer, né. Então eu tenho o que que eu posso fazer e o que que eu não posso. Tem coisa que eu não posso fazer isso porque senão eu vou virar meio assim, ficar só à mercê da vontade dele, entendeu. Então algumas vezes a gente tem que ter umas discussões ásperas, de colocar, dele querer e eu colocar de alguma maneira.” (Vagner) Quando consideram que extrapolam, os próprios pais também procuram fazer uma
reflexão sobre a adequação de sua atitude.
“A partir do momento que eu passei da linha então eu tenho que me rever também. Então eu também me construo dentro disso aí, não tem nada pronto. Eu tenho que analisar os fatos e refletir sobre isso aí, agir e tentar o equilíbrio nisso aí, tenho que saber o que é próprio dele, o que é próprio meu, o que é nosso nesse jogo, o que não é, entendeu.” (Vagner) “Mas quando não, o dia a dia, essas faltas, acaba prejudicando a conversa no momento, a conversa na hora errada, você acaba falando o que não quer, discutindo o que não deve.” (Valter)
Eles consideram que a esposa tinha um importante papel no momento da orientação
e correção, muitas vezes sendo a moderadora entre pais e filhos. Por isso, sentem falta
desse auxílio e buscam, de alguma forma, suprir essa necessidade, seja conversando com
outras pessoas, seja relembrando as atitudes da esposa.
“E quando eu acho que eu não tenho condição, quando eu não sei o que falar, eu procuro ajuda. No início eu tava tendo, no centro de saúde a psicóloga, né. E depois eu comecei a conversar com o pessoal, procurar passar o mesmo processo que eu passei, de ficar sozinho.” (Valter) “Carina até, ela era assim muito a, a... a moderadora, né. Ela me fazia pensar com relação a algumas coisas, isso eu sinto falta hoje. Ela percebia algumas coisas do meu relacionamento com elas que ela sinalizava: ‘negão, você tá, eu tô percebendo que você tá dando muita atenção a Aninha e está esquecendo Manuela. Olha lá, ela vai sentir isso’. (...) Então só o fato de eu pensar já me levava a uma situação de equilíbrio.” (Valério)
Mas Vagner enfatiza que, em alguns momentos, a opinião de outras pessoas não é
tão válida pois quem não participa do cotidiano com o filho não possui elementos
suficientes para julgar ou opinar sobre uma atitude do pai.
“É claro que, de #repente eu #posso #agir de uma #forma e que quem tá fora achar que é #mau. E de outra #forma #agindo, e... É sempre uma corda bamba.” (Vagner)
De uma forma geral, verifica-se que a orientação e correção são bastante presentes
na representação de paternidade, sendo que os pais buscam equilíbrio nesse aspecto através
da reflexão e avaliação de suas atitudes frente aos filhos.
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Provedor Material
Outro elemento presente na representação de paternidade diz respeito à questão
material. O pai como provedor já era considerado uma função estabelecida e assumida por
eles desde o período anterior ao falecimento das esposas, apesar delas também trabalharem
(exceto a de Valter). Os participantes ressaltam que essa preocupação se mantém, agora
reforçada pelo fato de serem os únicos provedores dos filhos.
Ao responder à questão ‘o que é ser pai’, apenas Valter inclui a questão material e
financeira, mas enfatizando que isso não deve ser o primordial na relação com os filhos.
Nesse sentido, considera que dar as coisas para os filhos é uma forma de demonstrar
carinho.
“Ser pai? Bem, ser pai não é só dar bem material, no meu ponto de vista, né, é dar carinho, corrigir na hora que precisa. Eu nunca fui de... eu não, eu não bebo, bebo assim a não ser social, mas eu nunca bebi uma cerveja se eu não pudesse dar um refrigerante pros meus filhos. Então eu nunca fiz nada pra mim se eu não pudesse fazer pra eles. Comprar uma roupa pra mim e não comprar pra eles. Então, é... é... a parte do carinho.” (Valter) Durante vários momentos da entrevista, Valério demonstrou bastante desconforto e
preocupação com o fato de não estar trabalhando, relatando seu esforço em conseguir uma
nova colocação no mercado de trabalho. Além disso, considera que sua situação atual de
desemprego contribui para algumas dificuldades entre ele e suas filhas, principalmente
referentes à rejeição delas em relação à sua namorada. Ressalta, ainda, que o equilíbrio no
orçamento familiar possibilitaria buscar auxílio profissional para sua filha mais nova, que
está demonstrando sentimentos de tristeza que ele não considera saudáveis.
“Ela assim, ela não... Eu não sinto ela muito bem. Eu sinto ela meio, assim... (faz fisionomia triste). Ela nunca fica comigo, é séria. Eu preciso fazer, tô doido pra trabalhar até pra ter uma grana extra, sobrando aí. Sobrando eu não digo, mas dentro do orçamento que possibilitasse colocar ela numa terapia, num acompanhamento, acho que vai ser muito bom pra ela.” (Valério)
Dessa forma, verifica-se que Valério credita não somente o sustento material à sua
inserção no mercado de trabalho, mas também considera que outros aspectos de sua vida e
de suas filhas também poderão ser resolvidos com isso. Pra ‘ser feliz novamente’ e cuidar
da família é preciso estar trabalhando, indicando a importância do trabalho na constituição
de sua masculinidade e, conseqüentemente, de sua paternidade e capacidade para enfrentar
as dificuldades no dia a dia.
“Eu pretendo voltar, quero e preciso voltar ao mercado de trabalho. Eu tô lá, só eu sei, né, então eu tô buscando isso, né, pra poder voltar a trabalhar e ser feliz novamente.” (Valério)
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Essa questão do trabalho paterno também é enfatizada quando eles relatam seu
esforço em conciliar seu trabalho com a paternidade. Como a maioria dos pais trabalha em
jornada integral (apenas Vilmar trabalha e reside no mesmo ambiente), passam grande
parte do dia longe dos filhos. Nesse sentido, julgam que é importante passar mais tempo
com os filhos, mas, ao mesmo tempo, assinalam que o tempo que passam no trabalho
também é importante para garantir o sustento material da família.
“[Eu falo pro meu filho:] Olha só, no capitalismo tem que ter dinheiro, pra poder bancar o aluguel, bancar a comida, bancar a coisa assim, comprar as coisas pra você. Então para eu ter um ganho, eu tenho que trabalhar. Então pra isso também me obriga a ficar um tempo fora, entendeu.” (Vagner)
Esse período fora de casa traz preocupações para os pais, que buscam amenizar o
fato dos filhos ficarem muito tempo sozinhos em casa, aspecto já assinalado em classes
anteriores e que aparece novamente nessa classe.
A principal é a questão de, é... no meu caso, do tempo que ele fica muito, muito #sozinho, em #função do meu trabalho, do meu estudo. E de como eu diminuir isso aí, como eu #amenizar o fato dele tá #sentindo muita #falta. (Vagner)
Com isso, identifica-se que a preocupação com o trabalho (e o sustento material que
este possibilita) está bastante presente na representação de paternidade, além de ser
considerada uma demonstração de carinho.
Equilíbrio
A partir dos elementos descritos acima – Responsabilidade e Acompanhamento,
Afetividade e Companheirismo, Orientação e Correção e Provedor Material – chega-se à
questão do equilíbrio. Ser um bom pai é conseguir equilibrar todos esses elementos: Ser
amigo & ser figura de autoridade, trabalhar & estar presente no cotidiano, bens materiais &
aspectos afetivos, entre outras situações.
“Então é isso, pai é dar liberdade com responsabilidade, é saber participar, estar presente, ser amigo, saber usar da autoridade.” (Valério) “E sempre demonstrei que o bem material é uma coisa menos importante no relacionamento de uma família. O mais importante é a convivência, é a união, é a unidade da família, sempre valorizando muito, muito em termos de família, acho que a família é tudo.” (Valter)
Mesmo buscando ser amigo dos filhos e priorizando o diálogo na sua orientação,
algumas vezes os pais relatam que é necessário ser mais severo na correção. Mas é preciso
estar atento para não ‘extrapolar’. Dessa forma, a ponderação passa a ser a chave para ser
um ‘bom pai’, aquele que consegue ser companheiro, amigo, orientar os filhos e ao mesmo
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tempo, corrigi-los e puni-los, quando necessário. Valério, inclusive, considera que esse
equilíbrio é um grande desafio que ele vivencia, pois busca se aproximar afetivamente cada
vez mais de suas filhas, mas sem perder sua função de autoridade, que não teme enfatizar
quando avalia que é preciso.
“Acho que a grande dificuldade está nisso aí, conciliar essas duas coisas para que não haja uma confusão, eu diria, que não confunda a criança, o filho, né. Que é preciso, a figura da autoridade do pai ela é inquestionável. Essa figura, ela tem que estar presente ao mesmo fim. Mas ao mesmo tempo eu não posso exagerar na dose sendo pai, figura de autoridade e deixar de ser amigo, de buscar o contato, de falar de amenidades, de saber do dia a dia, de trocar, de falar abobrinha, de brincar”. (Valério)
Poder oferecer bens materiais também é considerado importante para os pais, sendo
também uma demonstração de carinho. Mas conciliar seu trabalho com o tempo que
passam com os filhos também é ressaltado por eles ao falar de sua função de provedor.
“É uma coisa que é meio complicado porque eu sempre achei família é tudo. Mas também eu preciso do meu emprego também, no sentido de que se eu não tiver emprego, trabalhar, eu não tenho como dar o mínimo possível pra eles, que é o estudo, o sustento, que é, querendo ou não, a oportunidade de dar o bem material.” (Valter)
Assim, o equilíbrio é buscado entre os diversos elementos da paternidade. Quando
eles conseguem esse equilíbrio, se avaliam como ‘bons pais’, pois estão conseguindo
atender as necessidades materiais e afetivas dos filhos, além de orientá-los e corrigi-los,
com moderação.
SER MÃE
Nas RS de maternidade aparecem os seguintes elementos: Centralidade da Mãe,
Aspectos Biológicos, Participação nos Cuidados, Afetividade, Igual à Paternidade e
Superior à Paternidade. Logo abaixo, seguem as descrições de cada categoria.
Centralidade da Mãe
Ao serem questionados sobre o que é maternidade, todos os participantes
responderam que a mãe é uma figura central na vida de um filho, sendo um ponto de
referência e uma experiência única e grandiosa.
“Ah, maternidade é tudo. (...) Eu acho que mãe é tudo.” (Valter) “Só o fato de existir a mãe já é uma, já traz uma, um consolo, assim, uma é um ponto de, ser mãe é tudo, é ser ponto de referência. Pro homem ou pra mulher, a mãe é um ponto de referência.” (Valério) “Porque a maior ligação que existe do ser humano é a mãe. Não tem outra.” (Vilmar)
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Ao explicar a centralidade da maternidade, tanto para a mãe quanto para os filhos,
Valter relata um exemplo no qual enfatiza que uma mãe é capaz de fazer sacrifícios pelo
bem-estar de suas gerações.
“Eu, graças a Deus tenho minha mãe ainda, apesar de que, nesse ponto tenho um colega que ficava horrorizado quando ele me perguntou, né, se você tivesse numa situação de ter de escolher, em ter que ir pra algum lugar e só vai uma pessoa, sua mãe ou sua esposa? Aí eu falei: ‘só vai minha esposa. Porque ela é mãe dos meus filhos’. E minha mãe, eu tenho certeza que ela ia entender porque que eu faria essa opção.” (Valter)
Por isso, no exemplo acima, Valter enfatiza a importância da presença da esposa
para seus filhos, ao mesmo tempo em que avalia que sua própria mãe entenderia sua
escolha, pois ela também é mãe e se sacrificaria pelo bem estar dos filhos. Da mesma
forma, Valter se sacrificaria, pois deixaria de conviver com sua mãe para que os filhos não
perdessem o convívio materno.
Aspectos biológicos
Vagner explica a grandiosidade de ‘ser mãe’ através de aspectos biológicos. Ele
enfatiza a maternidade como uma experiência única, que começa a se constituir no corpo
materno e que essa ligação corpórea traz modificações hormonais e sentimentos diversos.
“Então eu acho assim, poucas experiências devem ser tão radicais quanto a maternidade porque como lidar com uma coisa que está dentro de você, te modifica toda, depois sai, tá ali, é uma coisa que você sente.” (Vagner)
Ao mesmo tempo, se questiona sobre como uma experiência tão complexa pode
não surtir efeitos em algumas mães que rejeitam a gravidez ou os filhos. Para ele, como a
gestação provoca modificações diretas no corpo materno, naturalmente deveria ficar
estabelecida uma relação entre a mãe e a criança, mas que não se concretiza em algumas
situações.
“E outra coisa que é a figura que nega isso aí também, que é uma outra coisa. Não estou condenando mas também eu acho uma, um ato assim, muito... estranho, quem gestou fala: ‘não tenho nada a ver com isso’. Nega. É um outro fator também.” (Vagner)
Participação nos Cuidados
Vilmar considera que ser mãe é ser disponível, bem mais do que o pai consegue ser.
E que essa disponibilidade ele só foi compreender quando ela faleceu e ele assumiu os
cuidados com os filhos.
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“Que ser mãe é estar disponível, entendeu? Ter disponibilidade. Tem que ter mais com... mais atividade, mais disponibilidade. Os cuidados que são cruéis, cara. E a mãe que assume isso. Geralmente é assim, geralmente a mãe que assume.” (Vilmar) Valério justifica a maior participação da esposa por características próprias dela, já
que ele se considera mais tímido. E, após o falecimento da esposa, ele procurou estar mais
presente no cotidiano das filhas, ficando mais próximo e participativo.
Afetividade
Os aspectos afetivos da maternidade também estão presentes na representação dos
participantes. Para Valério, a afetividade é uma característica inata, que já nasce junto com
a maternidade; para Vagner, é construída no cotidiano:
“Uma boa mãe eu acho mãe que é aquela que.. porque uma boa mãe, toda mãe é boa.(...) Ser uma boa mãe, não precisa fazer muita coisa pra ser uma boa mãe, não. Mãe assim, ser mãe já é um estado de bondade permanente. É difícil você ouvir alguém falando mal da mãe ‘que minha mãe não vale’, eu não me lembro, nunca ouvi alguém falar da mãe assim.” (Valério) Sua mãe, você tem ela porque você tem mãe. Você tem mãe porque você tem toda uma relação de #carinho que você #criou. Ela te #deu #afeto, ela te #deu #carinho, ela te #amamentou, ela te carregou no colo. (Vagner)
Como a relação mãe e filho também é considerada por Vagner como uma
construção social, ele enfatiza que seu filho continua estabelecendo uma relação com a
mãe, mesmo na ausência dela.
“Porque ela pode não estar ali, mas tem uma significação. Não é tanto o pai, pode não estar presente assim, mas ele pode ter uma significação importante, pode ter uma significação. Se ele tem uma significação, ele pode estar presente também, mesmo que não seja de uma forma... então preservar essa significação que a mãe tem é uma coisa que eu tento sempre, né.” (Vagner)
Maternidade é Igual à Paternidade
Vagner é o único participante, nesse grupo, que considera a maternidade como
igual à paternidade. Quando avaliamos melhor, essa igualdade se refere ao aspecto da
responsabilidade e acompanhamento dos filhos. Ele pondera que ser mãe, tal como ser pai,
é ser responsável pelos filhos, assumindo o seu desenvolvimento e construindo uma
relação afetiva com eles.
“Pra mim [maternidade] seria a mesma coisa [que paternidade], só que do lado feminino. Maternidade é construção de uma relação de um e do outro. Uma aceitação do outro, se constituindo em função disso daí.” (Vagner)
Maternidade é Superior à Paternidade
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Na representação de maternidade também aparecem elementos que a diferenciam
da paternidade, quase sempre qualificando a relação materna como superior e mais central
para os filhos do que a relação paterna. Vilmar ressalta a superioridade da esposa na
disponibilidade para os filhos:
“Ser mãe é estar superdisponível. Mais do que o pai.” (Vilmar)
Por essa superioridade, Valter considera que a ausência da esposa é pior para os
filhos do que caso ele tivesse falecido. Mais uma vez Valter remete-se ao sacrifício que o
pai, se possível fosse, deveria fazer pelos filhos.
“Numa família acho que, meu filho não gosta muito que eu falo isso não, mas eu tenho certeza que eles sentem, mais pra eles, pros três, acho que a falta da mãe é maior do que a minha. Com certeza. Porque eu acho que mãe é o estepe de tudo, mãe é...[sujeito se emociona]. A gente não pode escolher, né, mas se eu pudesse que escolher, eu daria a minha vida por ela. Pros meus filhos acho que seria melhor.” (Valter)
Vagner também enfatiza a diferença entre a percepção materna e paterna, indicando
que a mãe possui uma percepção maior em relação ao filho do que o pai consegue obter.
Não considera essa diferença inata, pois o convívio mais próximo com o filho leva ao
desenvolvimento dessa percepção. Nesse ponto, ele ressalta que o pai também pode e deve
desenvolver essa percepção, de forma a identificar melhor as necessidades dos filhos.
“É, depende, tem, tem alguns aspectos que, que nesse caso a figura feminina, ela é mais... na mãe, por exemplo, ela se preocupa, tem um olhar, né, porque... assim, eu acho que a mãe tem um olhar no convívio com o filho que é mais, a percepção maior, a percepção maior. Então você tem que desenvolver também isso aí, né.” (Vagner) Além disso, ele também enfatiza que, devido a gestação, não há nenhuma outra
experiência que seja tão grandiosa ou extrema quanto à maternidade. Mesmo não fazendo
comparação à paternidade, pode-se identificar, em sua afirmação, que a maternidade possui
um status diferenciado nas relações parentais.
“A relação da maternidade, da gestação, da concepção, ela é muito radical, é muito grandiosa. Não tem nada que eu veja assim, que consiga transmitir isso aí.” (Vagner)
Como a mãe é considerada central na vida do filho, sendo superior à própria relação
estabelecida com o pai, os próprios pais buscam amenizar a ausência dela no cotidiano dos
filhos. Como já relatado em classes anteriores, essa é uma preocupação bastante presente
na vivência dos participantes, que buscam maneiras de diminuir a falta que os filhos
sentem da mãe, sem a pretensão de substituí-la.
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Eu falei: ‘ó, você não me #compara a sua mãe em #respeito a mim e em #respeito a ela, porque eu não vou #substituir ela nunca. (Vagner) “Procuro dar o máximo, assim, de carinho pra irmã, que é a pequena, né, que é na realidade, dos quatro é a que mais sente a falta. Porque pelo menos os outros tiveram um período, eu sei que é curto, quanto mais tempo melhor, pelo menos tiveram um tempo maior de convivência com a mãe, né.” (Valter)
SER PAI E MÃE
Durante a entrevista também investigou-se como os participantes avaliavam a
expressão ‘eu sou pai e mãe’, que, no senso comum, é bastante utilizada por mães que se
encontram na situação de criar os filhos sozinhas, sem a presença paterna. Quando os
participantes não faziam nenhuma referência espontânea a essa expressão durante a
entrevista, a pesquisadora questionava sua opinião sobre o assunto.
Alguns pais se identificaram espontaneamente com essa expressão quando foram
perguntados sobre suas concepções de paternidade. Vilmar foi um dos que, logo de
imediato, se intitulou ‘pai e mãe’. Como ele considera que a disponibilidade é um elemento
forte tanto na maternidade quanto na paternidade, para ser pai e mãe é necessário ‘estar
disponível’ para atender as necessidades dos filhos. Inicialmente, sua esposa era mais
disponível, fato que ele constatou apenas após seu falecimento.
Agora eu sou #pai e mãe. Então o que é ser #pai e mãe? É estar #disponível. É esse que eu fui #entender só depois que ela partiu. (Vilmar) Ao ser questionado sobre a expressão, Vagner afirma que, apesar de tentar repetir
algumas ações da esposa, nunca poderá substituí-la, pois, mesmo ausente, ela não deixa de
ser uma referência para o filho. Por isso, considera que o pai deve fazer um esforço para
desenvolver uma percepção semelhante à materna, assim como a mãe, em seu lugar,
deveria fazer o mesmo esforço – para ele, isso é considerado ser pai e mãe. Ressalta que o
objetivo de ser ‘pai e mãe’ não é substituir ou apagar a referência do outro, mas oferecer os
cuidados que o filho precisa, independente de quem as realiza.
“É, eu acho, eu acho assim meio perigosa, meio complicada você assumir, assim... eu falo, você tem que ter o olhar, é... o olhar da mulher é diferente, eu acho que é algo que é importante. Mas eu acho que você pode ser pai e mãe e na verdade a mãe pode ser pai e mãe também.” (Vagner) Vagner também relata que, logo que assumiu a guarda, seu filho comparava-o à
mãe, considerando-a melhor. Logo de imediato, Vagner achava que o filho estava certo.
Mas, depois, avaliou que não é possível substituí-la. Procurou ficar mais atento às
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necessidades do filho, tal como a mãe fazia, e passou a enfatizar para o filho que não tinha
a pretensão de substituir ou apagar a imagem da mãe dele, mas que ele deveria conviver
com a ausência e lembranças que possuía dela.
“O que é complicado é você querer substituir uma figura, apagar ela, o que acontece às vezes. Eu nunca quis apagar a figura da mãe dele, e nunca vou tentar, eu sempre falei: ‘é sua mãe, cara, é sua mãe’.” (Vagner)
Valério afirma que não é possível para o homem ‘ser mãe’, principalmente porque
há questões de gênero fortemente envolvidas. Para ele, entre as mulheres existe um grau de
intimidade e aproximação que é muito difícil obter com o pai. Por isso, ele não se
considera pai e mãe, já que só possui filhas e relata suas dificuldades em se aproximar
delas. Valter também apresenta sua dificuldade em se relacionar com a filha mais velha, o
que, em sua opinião, o impede de ser ‘pai e mãe’.
“No relacionamento mulher pra mulher você estabelece códigos ali, não sei, entre filhos, de liberdade de expressão que não é fácil de ter isso com o pai. Então por mais que eu tente, eu acho que eu não vou conseguir nunca ser mãe. Porque essa intimidade não se estabelece, assim, por mais que o pai seja participativo, amigo, não se estabelece.” (Valério) “Mas hoje essa parte de ser pai e mãe é mais pros outros dois [filhos] do que Maísa, porque pra Maísa está sendo um pouco mais difícil chegar, conversar, porque ela sempre fazia isso com a mãe.” (Valter)
Assim, para esse grupo, ser ‘pai e mãe’ envolve os seguintes aspectos: espelhar-se
nas ações da esposa para atender às necessidades dos filhos; buscar aproximar-se e obter
intimidade e confiança principalmente das filhas e tentar amenizar a ausência da esposa,
sabendo que não é possível substituí-la.
“Então eu costumo suprir, suprir o máximo possível a ausência da mãe. Eu sei que eu não vou conseguir nunca isso, né, é uma coisa que, principalmente com a Maísa.” (Valter) “Acho que é a maior bobagem: ‘ah, eu vou fazer sozinho, eu vou assumir sozinho’. Assumir porque assumir não é só presença física ou não, no sentido psicológico, da significação que aquela figura tem, entendeu. Porque ela pode não estar ali, mas tem uma significação.” (Vagner)
SOCIALIZAÇÃO E GÊNERO
Ao serem questionados sobre as vivências de socialização em sua família de
origem, os participantes relatam experiências que, de certa forma, influenciaram sua
relação atual com os filhos. Os pais, em vários casos, eram descritos como pessoas mais
autoritárias, sérias, que conversavam pouco com seus filhos. As mães eram vistas como
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mais afetivas, que acompanhavam de perto os filhos, estando próximas e apoiando-os
quando necessário.
“A minha mãe é uma pessoa bem afetiva, calma. O meu pai era uma pessoa muito autoritária, meu pai era militar, né, ex-combatente da guerra. Então é normal e ele é bem autoritário, de querer as coisas muito, muito regradas, bem do jeito dele, tinha pouca escuta pros filhos. Era afetivo até certa idade e daí a pouco, pá, chegava perto da adolescência, ele era muito radical, não aceitava as mudanças, né, tinha que ser do jeito dele.” (Vagner)
“O nosso dia a dia era sempre com mamãe. Porque meu pai só no final de semana mesmo, porque viajava muito e o mais contato era com a mãe. Sempre ela era que recorria, quando precisava de alguma coisa do papai.” (Valter)
A infância de Valério foi marcada por diversos conflitos entre seus pais, que
discutiam e brigavam com freqüência, algumas vezes resultando em agressões físicas.
Nesses momentos, ele buscava ficar ao lado de sua mãe, não entendendo porque seu pai
agia daquela maneira. De certa forma, ele considera que essa convivência conflituosa o fez
desejar uma forma diferente de se relacionar com a sua esposa, evitando conflitos ou
brigas.
“É isso, que, eu acho que esse momento deles foi só deles, sabe. Não me acarretou algum tipo de... acho que me ensinou a não ser aquilo. No meu exercício de marido, né, de pai e de marido. Eu e Carina tínhamos discussões, assim, dentro da normalidade, sem excesso.” (Valério)
Ainda assim, Valério relata momentos positivos no relacionamento com seu pai, em
que ele o auxiliava nas tarefas escolares ou o levava para atividades de lazer. Com a mãe,
participava de atividades como os cuidados com alimentação e com as tarefas domésticas.
Verifica-se claramente a divisão de tarefas entre seus pais, refletindo as concepções
tradicionais de gênero nas quais a mulher cuida do ambiente doméstico e o homem faz as
atividades relacionadas ao ambiente externo. Mesmo assim, Valério considera que
aprendeu coisas positivas com seus pais, apesar das brigas vivenciadas.
“Acho que eu aprendi muito com ele e com ela, né. As coisas boas que cada um tinha eu absorvi bem.” (Valério)
Valter também pondera que o relacionamento com seu pai influenciou sua vivência
atual, principalmente em relação ao distanciamento com sua filha mais velha.
“Nessa parte eu passei um pouco pra Maísa, porque lá em casa também a gente sempre teve muito conversa com minha mãe. Com meu pai, não é que ele não conversava, mas ele sempre foi muito calado.” (Valter)
Vagner e Vilmar relatam conflitos, principalmente com seus pais. Nas situações de
conflito, as mães acolhiam os filhos, compreendendo-os e tentando mediar a situação.
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“Eu sempre fui diferente então... sempre fazia as coisas fora dos padrões. E minha mãe sempre era o apoio, o alicerce mesmo, que dava toda a proteção, segurava as ondas. [Com o pai era] um tanto conflitante por essa rebeldia, mas de forma normal. Era mais achegado a minha mãe.” (Vilmar)
Vagner relata que, a partir das atitudes do seu pai, buscou agir de forma diferente
com seu filho, privilegiando o diálogo. E a partir de sua mãe, tenta ser mais atento às
necessidades do filho, buscando ter um ‘olhar materno’.
“Porque minha mãe tinha uma atenção muito grande, né, nisso aí eu tento um pouco olhar como é que era, né. Quando ficava doente ela vinha, dava remédio e fazia suco e, entendeu, fazia chá, entendeu.” (Vagner)
Em outros momentos das entrevistas também podem ser identificadas as
representações de gênero dos participantes, muitas vezes acentuando as diferenças entre
homens e mulheres.
“Aí, sim, a identidade, a questão da identidade, né. Mãe que brinca de boneca junto, né, pai joga bola. (...) Agora, brincar de boneca, menina brincando com menina, é bonito, é meigo, é delicado, é da índole da mulher, aqueles cuidados todos, das roupinhas da boneca. E de pai pra filho não, é jogar bola, é correr.” (Valério) “A menina é muito mais chegada, muito mais carinhosa, muito mais de paparico, vem paparicar você. Os meninos são na dele. Mas é legal também. As duas formas são legais.” (Vilmar) “O homem pela criação, assim, normal, é claro, não existe nenhum absoluto, mas ele é que cobra mais, tem uma função mais de, de ser mais duro o lado dele, de cobrar.” (Vagner) A partir de suas vivências, os pais avaliam que vivenciam um processo de
descoberta e aprendizado. Sabem que não há regra para a criação dos filhos e consideram
que é necessário sempre reavaliar suas atitudes e pensamentos e, assim, construir seu
relacionamento com os filhos da melhor forma possível.
É uma coisa que você #aprende #vivendo. É #vivência. Não tem uma fórmula, uma receita de #bolo para #seguir, não tem nada. Tem que viver, estar #atento, ter uma atitude reflexiva em relação às coisas, #tentar #adequar da melhor #forma #possível a #situação, mas não é #fácil não, realmente. (Vagner)
Classe 05 – Conflitos e Avaliações
Na classe 05 encontram-se os conteúdos ligados às fontes de satisfação e de
dificuldade vivenciadas na paternidade. A paternidade é considerada um processo em
construção, que não se dá sem conflitos. As experiências vivenciadas no relacionamento
pai e filho são fundamentais para a constituição de cada um, por isso enfatiza-se o
aprendizado obtido na paternidade.
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Os relatos do suj_02, Vagner, se destacam nessa classe. Ele se questiona
permanentemente sobre o exercício de sua paternidade, fornecendo esses questionamentos
como exemplo para seu filho, apesar disso trazer algumas dificuldades principalmente na
escola e nas relações familiares. Na tabela 07 estão descritas as principais formas reduzidas
ligadas à classe.
Tabela 07: Principais formas reduzidas associadas à Classe 05 - GV
Formas
reduzidas
Freqüência
na classe
Freqüência
no corpus X2
Formas reduzidas Freqüência
na classe
Freqüência
no corpus X2
conflit+ 12 20 52,07 Vida 11 26 28,08
question+ 7 8 49,45 fundament+ 4 5 25,01
experiência+ 7 9 42,50 constituindo 3 3 24,84
relac+ 17 43 40,01 assum+ 4 6 19,59
constru+ 7 10 36,96 lid+ 6 13 17,23
determin+ 7 10 36,96 Constitui+ 3 4 17,19
human+ 6 8 34,64 Exemplo 6 14 15,28
diferente+ 9 17 32,27 *suj_02 52 156 117,12
Vagner possui uma postura em relação à educação de seu filho diferenciada dos
outros pais. Tenta ser mais flexível e incentivar que o filho faça questionamentos sobre
atitudes e valores que são cobrados socialmente. Esse grau de criticidade gera algumas
dificuldades, principalmente no contexto familiar, sendo esse um dos motivos para que
Vagner e seu filho se mudassem da casa de seus familiares.
E já estava havendo os conflitos, né, porque eu #tenho #uma forma de ver, de enxergar a #vida, minha mãe tem #uma outra, #as tias tem outra. Então tava muito #conflitante, por #exemplo, ele #queria colocar um brinco com onze, doze anos. A minha mãe era contra. Deixar o #cabelo #crescer, a tia não #achava legal aquilo. (Vagner) No início, sua família teve algumas dificuldades em aceitar essa mudança, pois já
estava acostumada com esse convívio e ressaltava que seria difícil para ele assumir sozinho
uma casa.
“É claro que eu ouvi falar o seguinte, que seria complicado:‘mas vai ser complicado, vocês dois, o apartamento fica sujo, fica isso’, entendeu? (...) Todos colocaram: ‘é pesado’, aquela coisa, é complicado, vai ser duro.” (Vagner)
Através dos relatos, verifica-se que o cuidado com os filhos ainda é considerado
uma tarefa feminina pelo grupo social no qual ele se insere. Vagner é o único pai que não
possui empregada doméstica todos os dias em casa, que poderia auxiliar no cuidado com
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os filhos. Por isso o grupo social ressalta que a ausência da figura feminina em casa pode
trazer complicações relativas ao andamento das tarefas domésticas ou o compartilhamento
dos cuidados parentais. Ele também ouve muitas pessoas dizerem que, por ser
questionador e não ser criado pela mãe, seu filho terá diversos problemas de
comportamento no futuro.
“As pessoas falam: ‘certamente você vai ter problemas com seu filho depois, não sei o que, por causa disso e daquilo’. Existe sempre isso aí. Mas eu acho que eu posso ter problemas e posso não ter. Como poderia ter também em outra situação.” (Vagner)
Na escola, Vagner também enfrenta algumas dificuldades. Como ele também é
professor, trabalhando com crianças com necessidades especiais, considera que a escola
não consegue lidar com as situações que fogem da regra, não conseguindo valorizar a
vivência do aluno para auxiliar no aprendizado.
Aí eu falei: se ele tá trazendo o #violão, porque não usa o #violão para dar #aula, a #experiência dele? Mas é muito, entendeu. Eu #tenho muito #conflito com a escola e vou lá, até esses dias o #professor tirou ele da sala de #aula porque ele #questionou o #professor lá. (Vagner) Ele demonstra orgulho em relação à postura do filho, pois entende que através
desses questionamentos é possível reavaliar opiniões, mudar comportamentos e se
constituir como um ser humano melhor. Por isso, busca ser mais flexível com essas
situações, acompanhando as atitudes do filho e agindo com equilíbrio nesse processo.
Porque ele está se #constituindo, ele está buscando #uma, #uma #construção mais forte, começa a #questionar o mundo, #questionar #as #opiniões, me #questionar, então. O que é próprio e #determinante da #vida dele, eu não #tenho como negar isso aí. Vou ter que ficar acompanhando porque ele está se #fundamentando, tá se #questionando, tá se inserindo e os questionamentos são normais e são próprios e são #dignos, né. (Vagner) Preocupa-se também com o fato da escola considerar que todos esses
questionamentos do filho são conseqüência da falta da mãe. Nesse ponto, Vagner é
bastante rígido com o filho e com a própria escola, enfatizando que o filho tem que
aprender a lidar com a ausência da mãe e a escola também deve compreender que, mesmo
nessa situação, o filho possui diversas outras referências femininas, como avó, tias, entre
outras.
É dessa forma que a #vida para você se #constitui, a partir disso daí. Você tem que se elaborar a partir disso aí, a partir do #fato de não ter a #presença de #uma mãe, isso não #quer dizer que meu #filho não #tenha #uma #referência feminina, porque é #diferente, ele tem. Mas... senão vira uma muleta, tudo é porque não tem mãe, porque não tem mãe.” (Vagner)
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Valter também relata algumas dificuldades enfrentadas no cotidiano. Uma delas diz
respeito à diferença de idade entre seus filhos. Como os mais velhos têm suas próprias
atividades, nem sempre ele solicita ajuda para cuidar da filha mais nova, ao mesmo tempo
em que se sente sobrecarregado com a atenção que ela solicita.
“Às vezes eu tento fazer os dois é, se preocupar com a pequena mas pra eles é mais difícil, querendo ou não, eles tem a vidinha deles, eles querem também viver, estão descobrindo o mundo agora, então eu não posso ficar cobrando muito isso deles.” (Valter)
Além disso, Valter está acompanhando de perto o namoro da filha mais velha, por
avaliar que essa relação tem atrapalhado os estudos dela.
“Porque eu pego um pouco, um pouco no pé dela porque eu acho que a prioridade é o estudo. Você vai, eu nunca proibi dela que ela namorasse, mas eu sempre pedi que ela primeiro desse preferência aos estudos pra depois começar a namorar. Depois ela fazia o que quisesse.” (Valter) Outras dificuldades levantadas por Valter dizem respeito aos seus planos de casar-
se novamente. Alguns familiares têm receio dessa decisão afetar o relacionamento familiar.
Sua filha mais velha, inclusive, queria morar sozinha quando o pai se cassasse. Mas esse é
um ponto que Valter não abre mão: quer toda a família junto, morando na mesma casa.
“No início ela [filha] queria ficar sozinha no apartamento, e ela queria bater as asinhas, lógico. Eu falei: ó, negativo. Se não for pra ficar todo mundo junto, não tem casamento nunca, nem agora nem nunca. Pra mim a família não se divide.” (Valter)
Vilmar e Valério também se preocupam com a aceitação dos filhos em relação aos
seus relacionamentos amorosos. Mesmo sem plano de casamento, Vilmar continua se
relacionando com namoradas, mas não deixa que suas filhas mais novas saibam disso, pois
elas demonstram rejeição. As filhas de Valério também não aceitam suas namoradas e até
mesmo sua família está preocupada com isso.
“Não tô dizendo: eu sou ficante, eu tenho várias! Sabem, as menores falam que rejeitam. Falam que não querem, entende. (...) Só que eu não deixava ver, ver alguma atitude, é. Elas percebiam, obviamente. E hoje, quando a gente fala alguma coisa, elas sabem.” (Vilmar)
“Carina foi uma pessoa maravilhosa. E além de ser uma pessoa maravilhosa é difícil você enxergar uma outra, ainda mais ocupando o mesmo espaço que ela ocupou, vai ser sempre uma, um, como que fala, um ponto estranho, né. E se a gente não tiver um cuidado nisso aí, eu com as meninas, eu com os familiares, de introduzir essa pessoa com um certo cuidado, vai ter rejeição direta.” (Valério)
Apesar desses conflitos e dificuldades, ao avaliar suas vivências os participantes
demonstram satisfação. Consideram que estão conseguindo cumprir suas próprias
expectativas em relação à criação dos filhos, resolvendo os problemas que vão surgindo.
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Para cada pai, a satisfação se dá de forma diferente, seja pelo interesse nos estudos, pelo
bom relacionamento ou por outras atitudes consideradas importantes por eles.
Para mim a #satisfação é ver que meu #filho, é... ele se #sente... plenamente, é... #interessado #pela #vida, #interessado em #constituir #as coisas. #Sentir orgulho dele como ser #humano, de tudo que #constitui, das #relações comigo, com a minha família, com os irmãos dele, com a #sociedade, com o #fato de fazer coisas e aprender coisas e estar, estar #interessado em fazer e se #construir como ser #humano. (Vagner) “É ver eles gostando do estudo, a gente sabe que é uma fase muito difícil e eu vejo que eles estão respondendo bem isso, né. E eu carrego isso comigo, a gente vê que é apoio, não é uma coisa, fingimento, é uma coisa, sentimento, é uma coisa vivida.” (Valter) “Não se envolvem em drogas, entendeu. São muito legais os meus filhos.” (Vilmar) “Eu penso, meu Deus, que benção que eu tive. Que eu tenho, né, que a herança está aí, são as, são as duas e a lembrança de Carina é permanente. Então foi realmente uma, uma... um presente de Deus pra nós”. (Valério)
Também relatam alguns pontos que mudariam nessa vivência, de forma a conseguir
melhorar seus relacionamentos e ser um pai melhor.
“Botar a gente como prioridade. E acho que querendo ou não, um pouco da doença dela também foi que esse lado dela profissional, dela não poder ter se, se envolvido no lado profissional ou não, então eu acho que foi uma coisa que, querendo ou não, sempre foi uma frustração. Eu acho que isso eu mudaria. Eu teria incentivado mais ela a viver isso...” (Valter)
“E na paternidade a gente precisa ser, tem que ser mais espontâneo, tem que ser, porque favorece a participação na vida como um todo, né, na casa, na escola, no trabalho, nas relações que os filhos vão ter com o mundo, né. De pode ser pra eles, pra eles, elas no caso, um bom ouvinte. De poder ser um bom, uma pessoa com, com conteúdo suficiente e de qualidade pra poder aconselhar, né.” (Valério)
Atualmente, os pais demonstram avaliar constantemente suas experiências e
atitudes, na tentativa de encontrar pontos falhos e acertá-los, proporcionando um bom
relacionamento familiar. Exercitam e avaliam sua paternidade no cotidiano, a partir das
situações vivenciadas e das soluções encontradas. Por isso muitos relatos nessa classe
dizem respeito a esse processo de construção e aprendizado, no qual acontecem acertos e
erros, que sempre são reavaliados pelos pais.
Porque isso é um #exercício de #vida muito, muito forte e muito #importante, né. Porque isso me, me #fundamenta em todas #as minhas #relações #afetivas, tudo isso aqui, entendeu? (Vagner) Eu #tenho #sentido #desejo de buscar um #espaço para fazer essa avaliação com mais freqüência. É muito #importante. (Valério) “Então nada acontece por acaso, nada, nada, é, veio como um castigo, pelo contrário, é um aprendizado, é um crescimento. Então eu acho que isso aí a gente vai ter que também estar pensando junto, estar tentando conciliar...” (Valter) De forma geral, avaliam que estão cumprindo bem seu objetivo: dar continuidade à
educação dos filhos. Isso é bastante valorizado pelos pais, que demonstram orgulho e
90
satisfação por estar contribuindo para a continuidade da vida familiar, em um processo de
constante aprendizado.
“Então a gente vê ali que, de alguma forma, né, a continuidade realmente está em andamento, a gente, a gente vive bem aqui em casa, não tem, assim, elas não estão em crise, vivenciando ainda uma perda” (Valério) “Eu aprendi, fui aprendendo, vou aprender sempre, vou errar de novo, outras vezes, tenho que refletir sobre isso.” (Vagner) Assim, no Eixo 2 - Exercício da Paternidade: Avaliação e Mudança – identificam-
se elementos fortemente ligados à representação de maternidade e paternidade dos
participantes, ressaltando principalmente como a paternidade é uma experiência em
construção, da qual a reavaliação constante passa a ser um elemento fundamental. Algumas
concepções de gênero também podem ser identificadas nesse eixo, fundamentando as
próprias vivências de paternidade dos participantes.
91
4.2. Grupo de pais separados
4.2.1. Descrição dos participantes
A tabela 08 sintetiza as principais informações relativas aos participantes deste
grupo.
Tabela 08: Dados pessoais do grupo de separados
PAI IDADE ESCOLARIDADE PROFISSÃO TEMPO DE RELACIONAMENTO E FILHOS
Saulo 41 Superior completo Professor Casado por 10 anos – 02 filhos
Sávio 56 Superior completo Professor 1º - casado por 06 anos – sem filhos 2º - casado por 06 anos – duas filhas
3º - casado por 06 anos – um filho e uma filha
Sandro
50 Ensino Médio Completo
Comprador 1º - casado por 12 anos – duas filhas 2º - casado por 09 anos – uma filha
Sílvio 41 Ensino Médio Completo
Técnico em Proces. Dados
Casado por 17 anos – um filho e uma filha
Samir 51 Ensino Médio Completo
Aposentado por invalidez
Casado por 05 anos – dois filhos
Santiago 41 Superior completo Professor 1º - casado por 05 anos – uma filha falecida
2º - casado por 02 anos – sem filhos 3º - casado por 03 anos – um filho
Sérgio 47 Superior completo Bancário
Casado por 12 anos – duas filhas e um filho
Saul 37 Superior completo Coordenador de
Projetos 1º - casado por 01 ano – um filho 2º - casado por 01 ano – sem filhos
Sidney 44 Superior completo Advogado Casado por 06 anos – um filho e uma filha
Samuel 36 Ensino Médio Completo
Protético Casado por 08 anos – dois filhos
Silas 40 Ensino Médio Completo
Fotógrafo 1º - casado por 04 anos – uma filha 2º - casado por 01 ano – sem filhos
* Os itens em negrito referem-se aos casamentos que resultaram na guarda dos filhos após a separação.
92
Na tabela 09 são apresentados alguns dados referentes à guarda paterna.
Tabela 09: Dados sobre a guarda paterna - GS
PAI TEMPO
DE GUARDA
TIPO DE GUARDA
IDADE DOS FILHOS NA ÉPOCA DA GUARDA/ RESPONSABILIDADE
IDADE ATUAL DOS
FILHOS
AINDA RESIDE COM OS FILHOS?
Saulo 09 anos Provisória 15 e 08 anos 25 e 16 anos
Sim
Sávio 05 anos Informal 05 e 2,5 anos * 20, 18 anos
Não
Sandro 16 anos Definitiva 09 e 05 anos 25 e 21 anos
Sim
Sílvio 01 ano Informal 11 e 12 anos 13 e 12 anos
Sim
Samir 05 anos Informal 05 e 06 anos 12 e 11 anos
Sim
Santiago 03 anos Informal 07 anos 10 anos
Sim
Sérgio 05 anos Definitiva 11, 07 e 05 anos 16, 12 e 10 anos
Sim
Saul 04 anos Informal 01 ano 05 anos
Sim
Sidney 08 anos Definitiva 12 e 12 anos * 21 e 20 anos
Sim
Samuel 04 anos Informal 10 e 06 anos 14 e 10 anos
Sim
Silas 02 anos Definitiva 13 anos 20 anos
Não
* Os filhos de Sávio e Sidney foram morar com eles em idades diferentes. O filho mais velho de Sávio foi morar com ele dois anos antes do filho mais novo. O filho mais velho de Sidney foi morar com o pai quando tinha 12 anos. Um ano depois, quando a irmã completou 12 anos, ela também foi morar com o pai. Saulo possui 41 anos, é professor e foi casado durante dez anos. Sua esposa já
possuía um filho de outro relacionamento, que foi criado por Saulo e, além disso, tiveram
mais um filho juntos. Separaram-se e os filhos foram residir com a mãe por decisão do
casal. A guarda materna foi formalizada e Saulo passou a efetuar o pagamento de pensão
alimentícia. Tempos depois, os próprios filhos optaram por residir com o pai, ficando
acordado entre pai e mãe que a pensão seria repassada de volta para Saulo, o que não foi
cumprido. Por isso, há cerca de dois anos, ele entrou na justiça para obter a guarda
definitiva do filho mais novo (o mais velho não é registrado como seu filho e já é maior de
idade), conseguindo, por enquanto, a guarda provisória.
93
Sávio, 56 anos, também professor, teve três casamentos. Em seu segundo
casamento teve duas filhas, que passaram a residir com ele após a separação, já que a mãe
mudou-se para uma cidade do interior onde tinha pouco acesso a serviços de saúde e
educação. Sávio ficou com as filhas durante cinco anos e não legalizou a guarda. Quando
ele se casou novamente, a ex-esposa voltou a assumir o cuidado com as filhas.
Sandro, 50 anos, comprador, teve duas filhas do primeiro casamento. Separou-se da
mulher após ter descoberto um relacionamento extraconjugal e, como tinha melhores
condições financeiras e materiais, ficou com a guarda das filhas, legalmente. Morou
sozinho com elas durante cinco anos e casou-se novamente após esse período, sendo que
sua segunda esposa auxiliou-o no cuidado com as filhas. Separou-se após nove anos e a
filha mais nova, resultante do último casamento, foi morar com a mãe em outro estado.
Sandro vive atualmente com as duas primeiras filhas, que já são maiores de idade.
Sílvio possui 41 anos, trabalha com processamento de dados e foi casado durante
17 anos. Separou-se há um ano, devido a diversas brigas e divergências no relacionamento
conjugal, segundo ele por problemas de saúde mental da esposa. Os filhos pediram que a
mãe saísse de casa e ficaram morando com o pai, que não formalizou a guarda.
Samir, 51 anos, aposentado por invalidez, foi casado durante cinco anos, com dois
filhos resultantes dessa relação. Quando se separaram os filhos ficaram com a mãe que,
após um tempo, alegou não ter condições financeiras para cuidar deles. Ela pediu que o pai
assumisse os filhos por um pequeno período, situação que se estende há cinco anos.
Atualmente, Samir prefere ficar com os filhos, pois considera que eles foram vítimas de
negligência quando estiveram com a mãe.
Santiago, 41 anos, professor, foi casado por três vezes. Na primeira relação teve
uma filha, que adoeceu com dois anos de idade e faleceu aos cinco. Depois disso teve um
segundo relacionamento, sem filhos e, por fim, namorava uma aluna quando ela
engravidou sem o planejamento do casal. Na época terminou o namoro, reatando e
casando-se quando o filho tinha quatro anos. Separou-se três anos depois e ficou com a
guarda do filho devido ao bom relacionamento entre eles e desejo da própria criança.
Atualmente reatou o namoro com sua ex-esposa e continua morando com o filho.
Sérgio possui 47 anos, é bancário e foi casado durante doze anos. Possui três filhos
e separou-se há cinco anos. Sua esposa foi para o exterior e por isso a guarda ficou com
ele. Devido a problemas de relacionamento com a filha mais velha, Sérgio pediu que a avó
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materna cuidasse dela, e continuou residindo com os outros dois filhos, situação que se
mantém até hoje.
Saul, 37 anos, é coordenador de projetos sociais. Teve um filho de uma gravidez
não planejada, pois não namorava a mãe da criança. Após esse episódio casou-se com ela,
situação que durou cerca de um ano. Na separação, a ex-esposa saiu de casa com a criança
e não entrou em contato durante seis meses. Retornou alegando não ter condições
financeiras de cuidar dela e o pai assumiu a guarda, não legalmente. Atualmente seu filho
possui cinco anos.
Sidney, 44 anos, advogado, foi casado durante seis anos. Quando se separaram, a
mãe mudou para o interior e ficou com a guarda dos dois filhos. Cerca de seis anos depois,
os filhos quiseram voltar a morar na Grande Vitória para ter acesso a serviços de educação
e lazer que não tinham no interior. A guarda foi formalizada pelo pai há oito anos e hoje
seus filhos já são maiores de idade, mas continuam residindo com ele.
Samuel possui 36 anos, é protético e possui dois filhos de um casamento que durou
oito anos. Após a separação a primeira guarda foi materna, principalmente porque o casal
concordava que uma criança pequena deveria ficar prioritariamente com a mãe. À medida
que os filhos foram crescendo, preferiram residir com o pai. Há quatro anos, os filhos
residem com o pai na maior parte da semana e ficam com a mãe durante um ou dois dias,
mas não há guarda formalizada.
Silas, 40 anos, fotógrafo, foi casado durante quatro anos. Quando se separou, a mãe
ficou com a guarda e casou-se novamente. Após algum tempo, a avó paterna suspeitou que
a neta tivesse sofrido algumas tentativas de abuso sexual por parte do padrasto e pediu a
guarda dela na justiça. Silas também entrou com o pedido de guarda e ganhou o processo.
Sua filha residiu com ele durante dois anos e o abuso sexual nunca foi confirmado pela
menina nem pelos profissionais que a atenderam. Quando o avô paterno faleceu, ela pediu
para morar com a avó e tanto Silas quanto a mãe permitiram.
Após essa pequena descrição da história de cada participante, algumas
considerações podem ser destacadas:
- Das 11 separações, na maioria (seis situações) a primeira guarda foi materna, e em
muitos casos de comum acordo entre os pais, principalmente porque ambos
concordavam que uma criança pequena deveria ser cuidada pela mãe.
- Nos casos em que a primeira guarda foi paterna, os principais motivos alegados foram:
mudança da mãe para outra cidade/país (2 casos), melhor relacionamento entre pai e
95
filhos do que com a mãe (2) e melhores condições materiais e financeiras para cuidar
dos filhos (1).
- Quando a guarda posteriormente foi assumida pelo pai, em três situações os fatores de
decisão diziam respeito às melhores condições materiais, financeiras ou de acesso a
determinados serviços que os pais possuíam.
- Mesmo em alguns casos em que o fator material e financeiro foi preponderante para
determinar a guarda paterna, a boa relação entre pai e filho também foi ressaltada como
importante para a decisão.
- Apesar da situação de Samuel se assemelhar à guarda compartilhada, ele afirma que a
responsabilidade com os filhos é dele, pois passa a maior tempo com eles e assume
todas as despesas deles, exceto o plano de saúde.
A seguir, na análise das classes, retomaremos outros tópicos específicos da história
de cada pai entrevistado.
4.2.2. Classificação Hierárquica Descendente
O programa dividiu o corpus relativo ao GS em 1504 UCEs, selecionando 1174
dessas para análise, o que corresponde a 78,06 % do corpus. Isso indica um bom
aproveitamento do material analisado, conforme já explicado anteriormente. O material
utilizado para análise nesse grupo é bem maior que o GV, o que explica a quantidade bem
maior de UCEs divididas e selecionadas. Mas como ambos os corpora possuíam volume de
dados suficiente para análise e obtiveram percentual de aproveitamento acima de 70%,
considera-se que ambos tinham coerência interna para o tratamento analítico.
A Classificação Hierárquica Descendente (CHD) agrupou as UCEs em dois eixos
distintos e cinco classes. O Eixo 1 - nomeado de A Nova Paternidade: Escolha e
Responsabilidade - contempla 43,23% das UCEs e foi dividido pelo programa em duas
classes:
- Classe 01 - Paternidade e Maternidade: Com 29,13% das UCEs, nessa classe são
relatadas as representações de maternidade e paternidade dos participantes, inclusive
ressaltando as expectativas e julgamentos sociais em relação à guarda materna ou paterna.
Parte dos relatos evidencia que, diferente das representações tradicionais, as funções
parentais podem ser exercidas por outras pessoas que não sejam pai ou mãe e, por isso,
alguns participantes se vêem exercendo uma paternidade não tradicional.
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- Classe 03 - Avaliações: Nessa classe são expostas as avaliações e dificuldades no
exercício dessa paternidade. É necessário que o pai tenha maturidade e equilíbrio para lidar
com essa situação complexa, mas possível de se administrar. Essa classe contempla
14,14% do material analisado.
No Eixo 2, com 57,32% do material analisado, encontram-se os conteúdos relativos
à guarda dos filhos, desde o início até a situação atual, relatando como obtiveram a
guarda/responsabilidade pelos filhos e atualmente como organizam o cotidiano com eles,
inclusive relatando algumas preocupações paternas em relação a essa vivência.
Nesse Eixo - nomeado de Dinâmica Familiar: Conflitos e Soluções - foram obtidas
as seguintes classes:
- Classe 05 - União, Separação e Guarda: Relata a história do relacionamento desde o
namoro até a decisão para o casamento, gravidez e nascimento dos filhos. Os participantes
também relatam como foi o processo de separação e os fatores que influenciaram a decisão
pela guarda dos filhos e posterior adaptação à nova situação. Essa classe contém 27,17%
das UCEs analisadas.
- Classe 02 - Conflitos e Preocupações: Com 15,50% das UCEs, essa classe indica as
principais preocupações vivenciadas pelos pais em função de um contexto familiar com
conflitos e brigas constantes, principalmente com a ex-esposa e que, em algumas situações,
permaneceu após assumirem a guarda dos filhos.
- Classe 04 - Cuidados Instrumentais: Nessa classe encontram-se os conteúdos relativos
ao cuidado diário dos filhos, ressaltando como os pais organizam o cotidiano familiar e
cumprem as tarefas instrumentais relativas à alimentação, sono, higiene, escola, transporte
e lazer. Contempla 14,65% das UCEs.
Na figura 02 apresentamos o dendrograma do GS, com seus respectivos eixos e
classes:
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Figura 02: Dendrograma do Grupo de Separados
r = 0,58 r = 0,7
Classe 01 342 uces (29,13%)
PATERNIDADE E MATERNIDADE
Classe 03 166 uces (14,14%)
AVALIAÇÕES E DIFICULDADES
ach+ mulher+ homem filhos pai vej+ cuid+ diz+ bom pai mãe ser pai sej+ paternidade cois+ foss+
Pedro Mateus fal+ carro+ port+ bairro+ rua+ peg+ porcari+ vem dinheir+ tadinho+ adão ajeit+ encantado+
cri+ viv+ consegu+ mundo vida ide+ financeira+ interess+ indivíduo+ form+ dur+ frustr+ sozinho+ saberia maturidade
almoc+ dia+ trabalh+ acord+ de manhã comid+ cas+ à tarde banho domingo escol+ lazer lev+ ir sai+
ano+ tav+ mor+ separ+ mês+ veio gravid+ namor+ nov+ teve fic+ Vitória termin+ justiça volt+ casamento
Classe 05 319 uces (27,17%)
UNIÃO,
SEPARAÇÃO E GUARDA Classe 04
165 uces (14,65%)
CUIDADOS INSTRUMENTAIS
Classe 02 182 uces (15,50%)
CONFLITOS E
PREOCUPAÇÕES
r = 0,3
r = 0,02
DINÂMICA FAMILIAR: CONFLITOS E SOLUÇÕES
A NOVA PATERNIDADE: ESCOLHA E RESPONSABILIDADE
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A seguir, será realizada a descrição detalhada de cada Eixo e suas respectivas
classes, bem como a análise da relação entre elas. Optou-se por iniciar a análise pelo Eixo
2, porque nele se encontram os dados relativos à história do relacionamento dos
participantes e os acontecimentos que culminaram na guarda paterna, assim como a
descrição da vivência atual dessa paternidade. Após, serão detalhadas as classes do Eixo 1,
que remetem às representações de paternidade e maternidade e às avaliações dessa
vivência por parte dos pais. Sendo descritos dessa forma, os eixos e classes acompanharão
a ordem de apresentação utilizada para o GV, o que possibilitará, posteriormente, a
comparação entre os dados e identificação de diferenças entre as vivências dos
participantes.
A) EIXO 2 - DINÂMICA FAMILIAR: CONFLITOS E SOLUÇÕES
Neste Eixo são relatados os conteúdos relacionados à dinâmica familiar, desde o
início do relacionamento até a separação e guarda dos filhos. Os dados serão descritos da
mesma forma utilizada no GV: serão apresentadas as tabelas com as principais formas
reduzidas associadas àquela classe, os principais tópicos destacados pelo Alceste e a
complementação com os dados obtidos através da Análise de Conteúdo. Em cada tópico,
as formas reduzidas pertencentes ao vocabulário da classe serão destacadas em negrito.
Para exemplificar, serão apresentados extratos das falas dos sujeitos selecionados pelo
programa e pela pesquisadora na Análise de Conteúdo. As UCEs estarão representadas
pelo símbolo # junto às suas principais palavras associadas e os extratos retirados na
Análise de Conteúdo serão apresentados entre aspas.
A Classe 05 será apresentada primeiramente por conter o início do relacionamento
dos participantes, facilitando a compreensão das demais classes.
Classe 05 - União, Separação e Guarda
Nessa classe são relatados os conteúdos relativos ao começo do relacionamento,
incluindo como o casal se conheceu, como foi o namoro e a decisão para o casamento,
além da notícia da gravidez e nascimento dos filhos. A partir de então, alguns
relacionamentos enfrentaram um período conturbado, com brigas e ameaças que
resultaram na separação/divórcio. Em parte das situações, o término do relacionamento
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ocorreu de forma amigável. Em outras foi preciso a interferência da justiça,
principalmente em relação à guarda dos filhos, todos menores de idade na época.
A tabela 10 representa as principais formas reduzidas associadas a esta classe, que
possui 319 UCEs.
Tabela 10: Principais formas reduzidas associadas à Classe 05 - GS
Formas
reduzidas
Freqüência
na classe
Freqüência
no corpus X2
Formas
reduzidas
Freqüência
na classe
Freqüência
no corpus X2
ano+ 87 142 94,90 nov+ 37 60 38,02
tav+ 80 134 80,89 teve 37 61 36,45
mor+ 76 129 73,79 fic+ 118 290 35,56
separ+ 42 59 60,82 vitória 16 19 31,75
mês+ 35 45 60,52 termin+ 16 20 28,69
veio 29 39 45,39 justiça 11 12 25,48
gravid+ 20 23 42,37 volt+ 37 70 24,82
namor+ 35 53 42,37 casamento 18 26 23,77
Outras palavras, apesar de não figurarem na tabela acima, também são
representativas dessa classe, pois apresentam freqüência de 100%, só aparecendo ligadas a
ela. São elas: ambiente+, conturb+, doença, impedi+, remédio, retorn+, visit+, entre outras.
O início do relacionamento é relatado por alguns participantes de uma forma
positiva. Eles descrevem os sentimentos existentes entre o casal que levaram ao namoro e
posterior decisão para o casamento.
#Começamos a #namorar depois, aos quinze, dezesseis anos. Fomos #namorando, com dezoito anos ela #engravidou. Casamos, #ficamos sete #anos casados, eu tinha #vinte e um, ela dezoito. Resolvemos. Aliás, era bem #apaixonado na #época, menino #novo, #apaixonado. Ah, foi bem legal, na verdade, que a #gente era #apaixonado um pelo outro. (Samuel) Ela já #vinha, já tinha experiência de um #casamento, eu não. E aí a #gente, #engraçado, acho que nós nos #conhecemos assim, tipo #num #mês e três #meses já estávamos #morando junto. (Saulo) No caso de Saul e Samir, a decisão pelo casamento decorreu da gravidez da
parceira, não planejada pelo casal, que se conhecia há pouco tempo e não tinha planos de
ficar juntos. Já Silas e a namorada planejaram a gravidez para que a família concordasse
com o casamento, já que ela era menor de idade.
“Não, a gente saiu pouquíssimas vezes e aí ela engravidou. Aí foi aquela coisa. Eu amava a Maira, minha namorada, mas o que que eu ia fazer? Eu também não podia deixar um pedaço de mim por aí. Eu tinha que assumir o filho. Não tinha jeito. Aí eu terminei com a Maira, por e-mail. Olha que coisa horrível: por e-mail. Mas eu não tive coragem de ligar.” (Saul)
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“É, o fato foi esse, no nosso casamento o que aconteceu foi isso. Falaram que a gente não podia namorar porque a gente tava muito novo, tinha que fazer faculdade, crescesse, aprendesse da vida... (...) Aí eu e ela começamo a procurar qual seria a maneira. Qual que seria a maneira? Os pais assinando, os responsáveis assinando. Então ninguém assinou. Qual seria a outra? Gravidez.” (Silas)
De forma geral, a notícia da gravidez foi recebida de maneira positiva pela maioria
dos pais. Eles relatam que, durante a gestação, procuraram estar próximos de sua esposa,
principalmente através da participação em consultas e exames. O nascimento dos filhos
também foi vivenciado de forma positiva. Para muitos, a gravidez foi planejada e desejada,
sendo a continuação de uma relação conjugal satisfatória. Para outros pais, a gravidez e
nascimento dos filhos eram considerados a continuação natural do casamento, sem a
necessidade de muitos planos ou comemorações.
Nossa, parecia que eu #tava #grávido junto. Eu participei em tudo, fui nas consultas, nos #exames, comprei as coisas. (Saul)
“A gravidez foi supertranqüila, foi muito gostosa, a gente curtiu muito, assim, teve todo aquele aparato da família, dos amigos, de tudo, foi muito legal. A gravidez foi muito gostosa. O nascimento dele também foi uma alegria, uma festa, pra gente, pra família inteira, pros amigos.” (Saulo)
“Pela própria natureza, a gente não tinha, assim, muito calor em relação a isso. Eu não sei, hoje a gente vê isso de forma diferente, com mais maturidade. Naquela época, a gente tinha pouca maturidade, a gravidez era uma coisa normal dentro do casamento. Foi tranqüilo.” (Sandro)
Santiago e Sílvio não aceitaram a gravidez de imediato. A namorada de Santiago
engravidou no início do relacionamento, mas isso não precipitou o casamento. Santiago
não queria ter mais filhos, por isso terminou a relação e acompanhou a gravidez à
distância, reaproximando-se dela e do filho somente após o nascimento.
“Ela falou: ‘tô grávida’, eu falei: ‘tô fugindo’. Foi mais ou menos por aí. Eu não esperava. Eu não esperava, eu não tinha preparação nenhuma, eu achava que não tinha mais estrutura pra ser pai. Eu afundei quando minha filha morreu, eu perdi um casamento quando minha filha morreu, inclusive com a única mulher que eu posso dizer que eu amei, foi complicado. Então eu fiquei apavorado.” (Santiago)
Sílvio não queria ter filhos e considerava que essa era uma decisão comum ao casal.
Planejava fazer vasectomia, quando sua esposa engravidou. Isso provocou a primeira
separação do casal seguida de muitas outras durante os 17 anos que ficaram juntos.
“Aí uma época eu peguei dinheiro, aí falei: opa, separei, era uma rescisão boa, ‘vou fazer a vasectomia’. Aí ela controlava com remédio, aí parou de tomar remédio, engravidou: ‘estou grávida e vou ter. Se não quiser eu vou ter sozinha, não sei o que’. (...) Aí eu falei: vou relevar e vou, de todo jeito tentar abortar, fiz tudo que podia pra não ter. Mas ela bancou que teria sozinha e tal. Essa história de sozinha eu sei como é que é. Filho é pro resto da vida.” (Sílvio)
Em relação à participação no cuidado com os filhos, alguns pais ressaltam que,
desde o início, assumiam responsabilidades diferentes das esperadas tradicionalmente dos
101
homens. Por isso, consideram que havia uma divisão de atividades antes mesmo da
separação, o que facilitou o cotidiano quando assumiram a guarda.
“Mas foi fácil me adaptar a rotina de um bebê. Porque mesmo quando eu morava com ela, como eu te falei, eu já cuidava dele. Dava banho, mamadeira, levava pra passear. Então foi fácil.” (Saul) “No segundo casamento, a mãe não tinha muita, muito talento em pegar criança, então eu que ensinei a dar banho, a fazer essas coisas todas. E desde as minhas filhas, as mais velhas eu, quer dizer, participava, ia comprar roupas pra elas, comprar fraldas, fazer as coisas, entendeu? O enxoval, o vestir as crianças, o cuidar, a comida que dava, e noite quem levanta pra pegar pra fazer dormir, por causa da cólica pra... não era uma tarefa exclusiva da mãe. Então eu sempre participei muito dessa, dessa divisão.” (Sávio)
Já outros pais relatam que sua participação nos cuidados com os filhos era mais
restrita a determinados aspectos tidos como necessários, ou em tarefas que
tradicionalmente são esperadas de um pai, como atividades realizadas fora do ambiente
doméstico (lazer e transporte foram as mais citadas).
“E eu não sou aquele negócio de ficar ninando muito. E... aquele que baba, eu não sou assim. Eu não sou assim não. É fazer o que é necessário fazer. Assim, cuidar, é um cuidado, tem que pegar e levar ao médico, vamos levar. Na hora de pegar no colo, na hora de dar mamadeira, a hora de trocar fralda, tudo isso eu fiz, obviamente. Mas não é aquele negócio, né, ficar chocando o tempo todo.” (Sérgio)
“Olha, eu sempre fui um pai presente, né. E, desde que, quando eu morava com a mãe deles, eu era o pai que passeava com as crianças, que levava na praia e que andava na rua, né. Fazia tudo.” (Sidney)
Ao relembrar seu relacionamento conjugal, alguns homens relatam que os conflitos
já existiam desde o princípio. Por isso, há relatos de diversas rupturas e retornos no
relacionamento, demonstrando as tentativas do casal de acertar sua vida conjugal, nem
sempre com sucesso.
“Aí veio, me procurou, conversou comigo, arrependida depois de duas semanas, pediu pra voltar, aí eu coloquei minhas condições. Aí nós ficamos um mês, bem, voltou a questão do ciúmes, briga, briga, briga, eu falei: ‘olha, não vou brigar com você porque não é isso que eu quero pra minha filha, que ela cresça num ambiente de briga. Então é melhor a gente se separar’. Aí eu, eu tomei a decisão de separar.” (Silas) “É sempre assim, a relação você vê se ela for mal construída, você não planeja, não decide, às vezes acontece, ela começa errado e a tendência é sempre dar errado, você não conhece a pessoa.” (Sílvio)
Alguns motivos para a ocorrência de brigas e conflitos foram surgindo após certo
período de relacionamento, motivados por situações como ciúmes, relacionamentos
extraconjugais e até mesmo divergências nos planos do casal ou na criação dos filhos. Com
isso, os sentimentos positivos foram se dissipando, resultando na última separação, que em
poucas situações ocorreu de forma amigável.
E aí antes que a #gente #fizesse, tipo, ela se #apaixonar por outro e eu me #apaixonar por outra, antes que isso acontecesse a #gente resolveu #terminar o #relacionamento. (Saulo)
102
“É... olha, eu divido isso aí em três fases. A fase de casado, com um relacionamento razoável pra bom, seis pra sete anos. (...) Aí depois começaram os conflitos, principalmente a partir do terceiro filho começaram os conflitos, certo, e nós vivemos uma relação ruim, tá, dentro de casa. Vivendo dentro de casa, mas praticamente separados. E isso perfez cinco anos. Aí ela foi embora, aí foi separação de casa. Aí foi separação de casa a partir daí e depois veio a oficial.” (Sérgio) “Pois é, depois de sete, seis anos, assim, não sei se é desgaste de muito tempo de convívio, muitos erros também, né, os dois casaram muito imaturos. Mas aí aconteceu da gente separar. No começo foi bem difícil. Infelizmente nós separamos, eu saí de casa no dia que o mais novo tava fazendo três anos de idade. E aí foi, não teve mais volta.” (Samuel)
A separação foi vivenciada com alívio por vários participantes, pois finalizava um
período conturbado na vida do casal. Na avaliação de Sílvio, esse período de brigas,
separações e retornos produziu alguns reflexos negativos na vida de seus filhos.
#Pô, aí #brigando, #brigando, aí #separou. E isso, essa #separação #conturbada, a menina absorve isso, e #nasce uma criança hiperativa, uma criança com sistema nervoso abalado. Quando ela chegou aqui, depois de dois #anos, dois #anos e pouco, porque #engravidou eu #vim para cá, aí depois a #gente chegou a um acordo, a menina sentindo falta, o menino sentindo falta, aí vamos tentar #voltar, eles não #pediram para #nascer, então eu vou... (Sílvio)
Outros pais também se preocuparam com o impacto da separação na saúde
emocional dos filhos, mas consideram que foi uma decisão acertada, pois puderam
melhorar o relacionamento com a mãe das crianças e o convívio familiar.
“O mais velho tinha por volta de 14 anos e até que ele, ele já tinha acompanhado um pouco o clima e a gente conversava muito com ele. Pra ele, já era uma coisa esperada, mas o outro ficou surpreso, era muito novinho. Ficou um tanto quanto surpreso, mas a gente ficou ainda junto um tempo pra ele entender melhor a situação, que a gente tava apenas, ia deixar apenas de morar junto, que ela ia ser a mãe dele pra sempre, eu ia ser o pai pra sempre.” (Saulo) “E aí ela [a filha mais velha] fez toda a sabatina que era a sabatina: quer dizer, ‘eu vou ser cuidado, você vai me dar atenção?’ Quer dizer, em suma era tudo que ela tava perguntando, né. Quando ela viu que não ia ter perda ela: ah, ficou numa boa. A Marcela, não, a Marcela não conseguiu verbalizar a dificuldade dela, era pequenininha, dois anos e meio. Já tinha parado de fazer cocô na fralda, voltou. Deu uma regredida braba.” (Sávio)
A decisão pela guarda levou em consideração aspectos como a idade dos filhos, as
condições materiais e financeiras do pai ou mãe e o relacionamento entre pais e filhos,
segundo a tabela 11.
103
Tabela 11: Motivos que influenciaram a decisão pela guarda - GS
Participante Primeira Guarda
Motivo Guarda atual Motivo
Saulo Materna Idade dos filhos
Paterna A pedido dos filhos – filho mais velho tinha melhor relacionamento com o pai
do que com a mãe Sávio
Paterna Mudança de cidade da mãe
Materna Novo casamento do pai e nascimento de outros filhos
Sandro Paterna Melhores condições materiais e financeiras do pai
Paterna Melhores condições materiais e financeiras do pai
Sílvio
Paterna Problemas de relacionamento entre mãe e filhos
Paterna Problemas de relacionamento entre mãe e filhos
Samir
Materna Idade do filho Paterna Melhores condições materiais e financeiras do pai
Santiago
Paterna A pedido do filho – bom relacionamento entre pai e
filho
Paterna A pedido do filho – bom relacionamento entre pai e filho
Sérgio
Paterna Mudança de país da mãe Paterna Mudança de país da mãe
Saul
Materna Idade do filho Paterna Melhores condições materiais e financeiras do pai
Sidney
Materna Idade dos filhos Paterna Melhores condições materiais do pai
Samuel
Materna Idade dos filhos Paterna A pedido dos filhos - bom relacionamento entre pai e filhos
Silas Materna Idade dos filhos
Paterna Suspeita de abuso sexual pelo padrasto
Muitos casais consideravam que, como as crianças eram muito pequenas, era
importante o convívio com a mãe nessa primeira fase do desenvolvimento, por isso
optaram pela guarda materna logo após a separação.
“Olha, eu acho que foi mais uma questão da pressão social. O mais novo é... aquela coisa: a criança menor, a mãe, a figura da mãe, que vai precisar da mãe, né, a concepção era muito essa.” (Saulo) “Nessa fase, eu, nessa fase, eu nem questionei a guarda das crianças, né. Eu, assim, sempre acreditei, naquela fase... não só naquela fase, mas depois, na fase da adolescência, a mãe fez muita falta, né. Mas eu sempre pensei que a criança tinha que ficar com a mãe, né, naquele período, né. E só vieram morar comigo porque preferiram mesmo.” (Sidney) “Não, na época o que eu fiz: como era uma criança de quatro anos, por se tratar, até a psicóloga falou que o certo é ficar perto da mãe, geralmente é assim que acontece no nosso país. Eu consenti por quê? Poderia ter os momentos da visita, tinha todo esse, essa questão.” (Silas)
104
No caso de Sávio, após algum tempo seus filhos optaram por morar com ele,
situação que se estende até hoje. Atualmente, Saulo disputa na justiça a guarda definitiva
do filho mais novo e o reembolso da pensão recebida indevidamente pela ex-esposa. Essa
situação tem gerado bastante desgaste para ele, que relata a morosidade da justiça e a
dificuldade para obter a guarda definitiva.
E aí mesmo assim a #guarda #ficou com ela porque foi uma coisa acordada, eles foram #morar comigo, a #guarda #ficou com ela e ela #continuava #recebendo a #pensão, na conta bancária dela, e o #combinado foi dela tá repassando para mim, mas isso não aconteceu. (Saulo)
Curiosamente, o enteado de Saulo tem uma relação melhor com ele do que com a
própria mãe, tendo pouco contato com ela. Já o filho mais novo não tem dificuldades de
relacionamento com ela, a vê com freqüência mas também prefere morar com o pai. Saulo
enfatiza que quer cumprir a vontade dos filhos, mas não os impede de ver a mãe e, se assim
desejarem, algum dia podem voltar a morar com ela.
“Mas de minha parte eu nunca disse pra eles escolherem. Eu disse que sempre seria o pai deles e ela sempre seria a mãe, então se eles querem morar com ela, a qualquer momento podem morar e querem morar comigo, a qualquer momento também moram. Mas até o momento eles preferiram ficar morando comigo.” (Saulo)
Saul relata que sua ex-esposa saiu de casa com seu filho logo após a separação e,
seis meses depois, retornou alegando não ter condições financeiras para cuidar dele. Ela
ficou vários períodos sem fazer contato com o filho, reaparecendo esporadicamente e,
atualmente, não o vê com tanta freqüência, apesar de incentivada por Saul.
“Na verdade, às vezes ela passava meses sem ver nem telefonar pra ele. Eu achava isso horrível, porque ele adora a mãe! Às vezes fica esperando ela ligar.” (Saul)
Samuel enfatiza o bom relacionamento que tinha com os filhos como um fator
preponderante para ele assumir a guarda posteriormente. Os filhos, que antes passavam
apenas os fins de semana com o pai, gradualmente aumentaram esse período, sendo que,
atualmente, vêem a mãe cerca de duas vezes por semana, residindo os outros dias com o
pai. Ele relata que a ex-esposa não gostou dessa mudança e não admite que os filhos
prefiram ficar com o pai, apesar dessa situação já durar quatro anos.
“Na verdade, eles, pra eles [família dela], eles não aceitam, não assumem. Por exemplo, se ela tivesse no meu lugar aqui, ela não iria assumir que isso acontece, ela ia falar que ela cuida das crianças. Mas enfim, como minha amiga te falou, ela e outras pessoas vivem e vêem isso acontecendo na minha vida. As crianças lá direto, eu cuidando...” (Samuel)
105
Em cinco situações, a guarda ficou inicialmente com o pai, embora poucos tenham
formalizado essa situação. Os principais motivos alegados estavam ligados à mudança de
cidade pela mãe e a existência de um relacionamento entre pai e filho melhor do que com
ela.
Sávio e Sérgio alegam que essa mudança de cidade foi o fator fundamental para
assumirem a guarda, o que foi decidido com as ex-esposas sem a ocorrência de conflitos.
“Mas, é, na verdade, o que determinou na época a separação foi, foram motivos, mais ou menos assim técnicos. A mãe queria ficar com as crianças mas naquela cidade não tinha creche, não tinha escola e... ela estava construindo uma pousada com outra pessoa e... E de fato ficava melhor para as crianças ficar aqui em Vitória.” (Sávio)
Sérgio também assumiu os filhos quando a esposa foi trabalhar no exterior.
Inicialmente ficou com os três filhos, mas, após uma fase de muitos conflitos com a filha
mais velha, decidiu, junto com a mãe, que a avó materna assumiria a criação dela. Segundo
Sérgio, a situação entre ele e a filha estava insustentável, mas depois que foi residir com a
avó não houve mais problemas nesse sentido. Atualmente reside com os outros dois filhos
e relata não ter conflitos no convívio familiar. A mãe vem ao Brasil a cada seis meses para
visitar os filhos, sendo que, na época da entrevista, ela estava passando férias com eles no
interior.
Como possuía melhores condições financeiras e materiais, Sandro e sua ex-esposa
definiram que a guarda paterna teria menor impacto na vida das filhas, já que elas eram
pequenas e estavam acostumadas com a rotina da casa e com a empregada que ajudava a
cuidar delas. Dessa forma, consideravam que o cotidiano das crianças seria parcialmente
mantido, resultando em melhor adaptação por parte delas.
“É porque a mãe, ela fez essa proposta da separação, ela conheceu outra pessoa e como ela não tinha recursos para levar as crianças para esse relacionamento e eu tenho uma relação estável, com casa, enfim, a estrutura dela ficou aqui, pra... a gente concluiu que seria menos agressivo pra elas se elas permanecessem na casa...” (Sandro)
Com o tempo, as filhas foram se distanciando da mãe, principalmente após o
segundo casamento de seu pai. Márcia, a segunda esposa de Sandro, era chamada de mãe
pelas meninas, tendo uma relação bastante próxima com elas. Sandro considera que,
quando ele se separou de Márcia, suas filhas sentiram mais falta dela do que da própria
mãe. Após essa separação, suas filhas retomaram o contato com a mãe.
Santiago e Sílvio alegam que os próprios filhos decidiram morar com eles devido
ao bom relacionamento.
106
“Olha, eu acredito que a gente tem uma identidade muito grande, uma cumplicidade muito grande. Desde novinho, ele se espelha em mim, quer ser igual a mim, veste igual a mim, fala igual a mim, me imita muito.Pelo fato de eu ter perdido um filho, eu sou completamente fissurado nele. Acho que isso ajuda. (...) Quando a gente se separou, eu e a mãe dele, ele quis ficar comigo.” (Santiago)
Os problemas emocionais da ex-esposa de Sílvio levavam a atitudes impulsivas que
geravam muitos conflitos, principalmente com os filhos. Com um convívio familiar
conturbado e a separação do casal cada vez mais próxima, os próprios filhos pediram que a
mãe saísse de casa e optaram por continuar morando com o pai.
“Ela tem distúrbios, problemas, é hiperativa e aí eles criaram um atrito com ela muito complicado. Desde criança, conflitante. Aí, tentei assim administrar e tal, mas ela era muito impulsiva e isso é muito e acabava que eles ficavam constrangidos, com a situação de tensão. (...) Eles falaram que ia ficar comigo e que ela fosse pra onde ela quisesse ir.” (Sílvio)
Outros motivos alegados para guarda paterna dizem respeito à avaliação negativa
que os pais faziam do desempenho materno. A queixa em relação às atitudes maternas é
freqüente nesse grupo. Alguns consideram que as mães não tinham muita preocupação
com os filhos, não se esforçando para estar próximas e, algumas vezes, negligenciando as
necessidades das crianças, colocando em risco a própria saúde delas. Nesse sentido, os pais
se consideravam mais preocupados com os filhos do que as mães, criticando suas ações e
assumindo a guarda também com o objetivo de cuidar melhor deles.
"Mas veja só, eu sempre tive uma... a questão da preocupação com as crianças sempre foi maior em mim do que na mãe. Ela é uma pessoa mais leve, mais tranqüila, mais despreocupada. Então isso também acabou determinando que elas ficassem comigo de certa maneira. Foi isso.” (Sávio)
“Financeiras, ela alegou. Mas na verdade ela também não tinha muito cuidado com ele. Ela também queria viver a vida dela e uma criança modifica muito a rotina. Aí quando eu vi meu filho daquele jeito, eu fiquei doido. Magro, com anemia, cheio de piolho. Piolho que não acabava mais. Horrível. Uma criança que parecia maltratada, com a saúde cheia de problemas.” (Saul)
Verifica-se que até mesmo eles se surpreendem com essa ‘falta de habilidade’
materna, o que reforça a representação tradicional de maternidade na qual a mãe é
considerada a cuidadora natural do filho, tarefa que deve exercer com atenção e dedicação
máximas.
“E ela é assim, ela não fica com os filhos. Ela quer viver a vida dela, sem preocupações. Então já deixou a menina [outra filha] na casa da avó.” (Saul)
Samir também relata alguns descuidos da ex-esposa com a saúde dos filhos, além
de criticar a maneira como ela lhe repassou a responsabilidade de cuidar deles, sem antes
explicar para as crianças o que estava acontecendo.
107
“E vivia o menino desnutrido, cagando, nossa vida! Ela ficava com ele, arrumava uns trabalhos e ia e deixava o menino comigo de manhã. (...) E eu notava que o menino chegava de manhã com a mesma fralda que eu colocava no outro dia que ela pegou, hoje à noite, o menino chegava. Então é um descuidado danado. Ela tem essa característica.” (Samir)
Silas reclama da postura da mãe frente à suspeita de abuso sexual sofrido pela filha.
Segundo ele, a mãe não se empenhou em esclarecer os fatos e também não brigou na
justiça pela guarda da filha.
“Minha filha acha que a mãe dela abandonou ela, que a mãe dela deveria ter lutado até a última conseqüência pra não, sabe, mostrar que amava. Eu consegui a guarda. Pra mim não foi difícil conseguir a guarda. Eu não precisei usar nenhuma arma, nada, só usei o meu amor, foi a única coisa que eu usei.” (Silas) Em algumas situações, as mães procuraram trazer os filhos para morar com elas,
mas os próprios pais não permitiam facilmente e, mesmo quando consentiam, a nova
situação não se consolidava.
“E eu fiz uma confusão danada, porque não queria e tal. Eu me lembro que ela encheu o saco na casa de um marido, fez armário pras meninas, fez não sei o que e tal. É... mas no primeiro, no primeiro, na primeira briga com a Nayara, que foi Sabrina e Nayara, que era filha do marido dela na época, ela me devolveu as crianças [filhas de Sávio]. Não ficaram 15 dias. Então, quer dizer, de fato, eu me sentia e realmente estava mais estruturado para prover um cotidiano mais estável pras crianças.” (Sávio) “Aí nós fomos pro CRAS [Centro de Referência de Assistência Social] do bairro. Fomos pra lá e aí falaram assim: ‘ó, o Pedro quer ir morar com a mãe e a mãe disse que ia. Pode morar com Pedro, o Pedro morar contigo hoje?’ Ela falou: ‘hoje não dá não, mas daqui a uns seis meses eu vou ajeitar lá que dá. Fazer uma puxadinha, não sei o que das portas’. Mas ficou só no, só de falar.” (Samir)
Apenas cinco pais haviam formalizado a guarda paterna. Quando questionados
sobre o assunto, os demais pais não viam necessidade de solicitar na justiça a guarda dos
filhos. Justificavam que, caso necessário, comprovariam através de testemunhas que a
responsabilidade pelos filhos era deles, inclusive consentida pela própria mãe. Apesar
disso, em alguns casos a ameaça das mães em solicitar a guarda dos filhos na justiça era
uma constante.
Aí ela, a #gente, é tudo #amigável, nunca #brigamos por nada disso. A mãe dele, a mãe dele, ela consentiu e nós alteramos a #guarda na #justiça. Sempre também tudo no papel. Desde a #separação oficial, #divórcio, papel, tudo. (Sidney) “Na verdade, nem eu nem ela. Nós registramos a criança. Eu conversei com um juiz e ele falou que não é necessário formalizar a guarda. Na verdade, como ele está comigo, o meu amigo juiz disse que a guarda natural é minha, sem precisar formalizar.” (Saul) “Tanto que uma vez nós brigamos pelo telefone, aí quebramos o pau e uma vez ela falou assim que eu não ia mais pegar as crianças. Aí eu liguei pro meu advogado na mesma hora, ele falou: ‘você vai lá na escola, pega as crianças agora e bota dentro de casa’. Aí eu fui lá na escola, peguei as crianças e botei dentro de casa. Mas, enfim, nunca tive problemas mais sérios que isso.” (Samuel)
108
“Eu não entrei com um pedido de posse de guarda na justiça justamente porque ela não se opôs. É lógico que nas nossas brigas ela sempre ameaçava tomar a guarda e tal. Mas eu tinha plena consciência que ela não conseguiria, primeiro porque ele não quer.” (Santiago)
No vocabulário específico da classe também aparece o nome de algumas
localidades como Vitória, Colatina, Brasil, Portugal, Salvador, Espanha. Além desses,
os participantes também fazem referência a outros locais, como Rio de Janeiro, São Paulo,
Minas Gerais, Anchieta, Guarapari, Aracruz e Estados Unidos. Tais localidades aparecem
nessa classe porque indicam as mudanças de moradia de pais e mães durante o
relacionamento e principalmente após a separação. Dessa forma, verifica-se que algumas
mudanças de cidade promoveram o afastamento entre pai e filho, principalmente quando as
mães assumiram a guarda logo no início da separação e mudaram-se para outros locais.
Mas outras mudanças foram preponderantes na aproximação entre eles, como nas situações
em que a viagem das mães propiciou a guarda paterna ou surgia a necessidade dos filhos
residirem em outros locais com maior acesso aos serviços. Por isso a referência a
localidades diferentes apareceu no vocabulário dessa classe, dando a dimensão dessa
movimentação e sua influência no relacionamento familiar e decisão pela guarda em cada
momento.
Ela foi para Minas Gerais #morar junto com o pai dela. E... mas aí foi quando os meninos #voltaram, primeiro o mais #velho, depois o mais #novo #voltaram a #morar comigo. E aí ela #ficou, ela #ficou durante muito tempo #morando, eu lá em #Salvador com os garotos e ela #morando aqui no #Rio. E depois eu #vim para #Vitória e aí ela já tinha #terminado o #mestrado, eu também. (Saulo)
De forma geral, nessa classe estão presentes conteúdos que contam a história do
relacionamento dos participantes, desde o namoro até a separação e guarda dos filhos. Os
principais motivos alegados para a guarda paterna estavam relacionados ao relacionamento
entre pais e filhos, às melhores condições materiais paternas, viagens e mudanças das mães
e até mesmo a uma auto-avaliação de que o pai tinha maior preocupação com os filhos,
criticando o cuidado materno. Dessa forma, verifica-se que muitos pais se consideram mais
capazes de cuidar dos filhos do que as mães, assumindo ativamente o cuidado, mesmo
quando elas não concordavam com isso.
Classe 04 – Cuidados Instrumentais
Como se pode verificar na tabela 12, nessa classe aparecem os conteúdos relativos
ao cotidiano familiar.
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Tabela 12: Principais formas reduzidas associadas à Classe 04 - GS
Formas
reduzidas
Freqüência
na classe
Freqüência
no corpus X2
Formas
reduzidas
Freqüência
na classe
Freqüência
no corpus X2
almoç+ 18 20 97,15 banho 7 7 43,06
dia+ 47 113 78,50 domingo+ 10 13 43,01
trabalh+ 33 68 71,02 escol+ 23 51 42,54
acord+ 15 22 54,38 lazer 8 9 42,05
de manhã 10 11 54,30 lev+ 30 80 39,07
comid+ 11 13 54,18 ir 22 51 37,33
cas+ 59 195 50,82 sai+ 18 38 36,08
à tarde 9 10 48,16 cheg+ 28 78 33,00
As formas reduzidas acima e as demais que fazem parte do vocabulário específico
da classe referem-se às atividades que são realizadas diariamente e que os pais têm a
responsabilidade de acompanhar. Assim, aparecem referências aos horários (acord+,
dorm+, de manhã, à tarde); à educação (escol+, creche, estud+, faculdade); ao
transporte dos filhos, que muitas vezes é realizado pelos próprios pais (lev+, ir, cheg+);
alimentação (almoç+, comid+, cozinh+, mamadeira, jant+); higiene e vestuário (banho,
roup+, frald+); tarefas domésticas (faxin+, secretari+, limp+); atividades de lazer (sai+,
domingo+, final de semana, brinc+, férias) e à conciliação do trabalho (empreg+) com
todas essas atividades.
O cotidiano é acompanhado de perto pelos pais. Acordar os filhos no horário certo
e prepará-los para a escola são, na maioria das vezes as primeiras atividades do dia. Após
esse contato inicial, eles saem para o trabalho, deixando as tarefas e orientações para os
filhos ou para as empregadas e babás.
Hoje eu #saí de #casa de manhã, um foi para #escola, eu #levei para #escola porque a #topic hoje não #passou e o outro eu #deixei #dormindo porque a minha #secretária #chega, cuida dele, #bota ele para #escola. (Samuel) Ah, #acordamos, #normal. #Acordo ele no mesmo #horário que eu #vou #trabalhar. #Dou #café a ele. Aí ele fala: ‘pai, #vou para #casa #da #vó ver TV’. É que ele #estuda à tarde. Aí eu #vou me arrumar para #ir pro #trabalho, #vou pro #trabalho. (Saul) #Normalmente tem um pessoa para #ir lá #fazer o #almoço, #fazer uma #faxina, #faz o #almoço, #dou #almoço #às crianças e #levo para #escola, #levo #Daniela para #creche, cinco #horas eu pego e nos vamos para #casa. (Sávio)
Esse auxílio doméstico é considerado muito importante, principalmente para os pais
que possuem filhos pequenos. À medida que eles vão crescendo, a tendência é que esses
passem a contratar apenas serviços semanais de limpeza, pois os filhos conseguem realizar
110
mais atividades sozinhos, principalmente referentes ao auto-cuidado. Por isso, nesse grupo,
apenas dois pais ainda contavam com empregadas em período integral, sendo que outros
quatro já tiveram esse auxílio quando os filhos eram menores.
Aí hoje só tem #duas #vezes na semana. Ela vem, #faz a #faxina num #dia, no outro #dia ela vem e #dá uma #limpada na #casa e #passa #roupa. Mas já tive muitos anos, de ficar o #dia todo. (Sidney)
Já os participantes que possuem orçamento mais restrito contam com outras fontes
de apoio, como o auxílio de familiares ou vizinhos, quando necessário e apenas enquanto
os filhos são pequenos. Nas folgas das empregadas ou na ausência desse tipo de serviço, os
próprios pais cuidam das tarefas domésticas, contando, quando possível, com a ajuda dos
filhos.
Quando a #empregada estava no #trabalho dela e eu fora, ela que #fazia. Quando ela tinha folga, eu que #fazia. Tanto que um período logo depois #da separação mudou para cá um #sobrinho meu para #estudar, ele também #participava, #ajudava. (Sidney)
“Eu junto com eles. Eu mesmo cozinho, ajeito a casa, peço pra eles ajudarem a botar o lixo pra fora, arrumar a cama, não deixar bagunçar muito. Então eu mesmo faço tudo com eles.” (Samir)
A alimentação é acompanhada de perto por alguns pais, que fazem questão de
cozinhar para os filhos, pelo menos nos finais de semana.
Mas #faço questão de #cozinhar para eles, de dar #almoço para eles no #domingo. Não #deixo ficar para cima e para #baixo, sou enjoado. (Samuel) “Eu cozinho muito bem, muito bem. Deixo as coisas preparadas pra ele. E quando eu não cozinho, a gente vai em restaurante.” (Santiago)
Levar e buscar os filhos dos compromissos também é uma atividade constante. Isso
demanda uma boa administração do tempo e disponibilidade para conciliar os horários do
seu trabalho com escola e outras atividades extracurriculares dos filhos, gerando bastante
correria e cansaço ao fim do dia.
Aí #chegava em #casa era aquela #correria: segunda e #quarta é #levar filha pro #balé e #terça e quinta #levar filho pro #jiu jitsu. #Tomava o #tempo todo, só tinha descanso #final de semana. (Sidney)
Aí eles #chegam em #casam, lancham, #brincam, #tomam #banho. Tem #dia que o Mateus tem a fonoaudióloga, que eu consegui de graça no posto de saúde. Aí nesse #dia eu #levo ele cedo, Pedro fica em #casa, #às #vezes o Pedro traz, quando eu não posso. Depois vamo até o terminal para #almoçar e de lá ele volta para #escola à tarde porque não #dá #tempo de #ir em #casa. (Samir)
Quando eu não #dou #aula à tarde eu volto com ele, #almoço junto com ele, ele vai #fazer #as #atividades que ele tem à tarde, vai para #internet, jogar #bola, vai #tocar guitarra, que é #as coisas que ele #faz. (Santiago)
111
Atualmente, mesmo não tendo mais a guarda dos filhos, Sávio organiza seu tempo
de forma a sempre estar em contato com eles, acompanhando-os em suas atividades.
Então segunda, #quarta e #sexta de dez #às onze é natação de Daniela. Na #terça à tarde, de #cinco e meia #às oito #horas #da #noite eu estou com os dois, Daniela e Carlos. Na quinta-feira de manhã eu pego e ficam comigo até a #sexta de manhã. #Dormem comigo, toda, toda quinta-feira. #As outras mais velhas eu também tenho um #horário exclusivo. (Sávio)
O desempenho escolar dos filhos é acompanhado de duas maneiras principais:
orientação e cobrança das tarefas escolares e a participação dos pais nas reuniões e eventos
da escola.
“Mas aí eu cobro a questão dos exercícios, dever de casa, isso aí eu tento cobrar. E o meu menino tem dado um pouquinho de problema no colégio. Mas agora, no momento não, mas até dois meses atrás ele tem tido, dado poucos problemas. Então aí tinha de olhar todo dia os cadernos, pra ver se ele tinha anotação, né, isso aí.” (Sérgio)
“No começo eu até ajudava, né. Porque eu já dei aula de matemática oito anos, né. Então eu procurava ajudar, tirar dúvida, essas coisas assim. E depois eu percebi que tava, tipo assim, amolecendo um pouquinho, porque tinha o pai que ensinava em casa, eu cortei. Falei assim: ‘aprenda com outra pessoa, porque eu só vou tirar dúvida, não vou te ensinar’.” (Sidney) “Eu não sou muito de sentar pra ensinar não. Acho que a maior parte que eu peco mais é isso aí, eu não tenho muita paciência de sentar pra ensinar. Eu tento mostrar pra ele que aquilo ali é o mais importante pra ele. Não adianta eu ficar atrás deles vigiando eles não, que eu não sou nenhum guarda costas deles. Mas tá dando certo.” (Samuel)
Os pais ressaltam que a escola é um ambiente tradicionalmente acompanhado pelas
mães, principalmente em reuniões e comemorações escolares. Alguns pais participam
dessas atividades, apesar de avaliar que outras pessoas estranham sua presença naquele
espaço:
“Escola eu acompanho tudo. Vou nas reuniões, vejo tarefas. Só não vou em reuniões irrelevantes, tipo pra definir a cor da parede da escola. Aí eu não vou. Mas as outras coisas eu sempre vou. Às vezes é meio constrangedor, só tem eu de homem. Poucos pais vão nas reuniões, só vai mulher. Então as pessoas olham diferente.” (Saul)
“Aí a professora achou engraçado porque como eu entrei naquela sala cheia de mulheres, né, era o único homem, né, as mulheres olhavam, né. Tinha que participar, pai.” (Silas)
Vários pais consideram que a saúde dos filhos é uma preocupação constante, apesar
de não terem passado por situações complicadas depois que assumiram a guarda dos filhos.
Nas palavras de Sérgio, “doença é o momento mais difícil, sem sombra de dúvida. O resto
é administrável.”
“[Tenho medo] de perdê-lo, porque eu não suportaria. Toda vez que um carro passa mais acelerado, eu levanto e olho pela janela. Se o carro freia, eu me apavoro, entendeu? Quando ele tem uma febrezinha por conta de uma gripe ou uma virose, eu fico apavorado. Eu penso nele. É uma coisa que um pai normal não tem, né. Perder um filho é antinatural, enterrar um filho é muito difícil.” (Santiago)
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Nas situações mais difíceis, os pais relataram seu empenho em acompanhar os
filhos e fazer o esforço necessário para que eles ficassem bem. Quando ocorreu algo que
necessitava de maior atenção, a maioria dos pais afirmou que as mães estiveram presentes,
exceto no caso de Samir e Saul, que inclusive se queixaram da falta de cuidado que as
esposas demonstravam com a saúde dos filhos.
“Saúde, até que graças a Deus não teve nada que eu possa falar, ó... e quando teve, realmente, os casos mais graves ela tava aí ainda. Depois, graças a Deus, não teve mais não. O meu filho mesmo, ele teve cirurgia quando tinha sete meses de idade.” (Sérgio)
O maior tempo livre ocorre somente no fim do dia ou nos finais de semana. Nesse
tempo, o lazer é a atividade mais desenvolvida, variando de acordo com a idade e a
necessidade dos filhos.
Agora o nosso contato maior #às #vezes é #final de semana, porque eu #vou para #casa de #praia, na praia e aí todo mundo vai. #Fazemos churrasquinho, #às #vezes a gente convida outras pessoas, aí a gente #faz, #dia de #domingo, a gente #faz #almoço, #comida no fogão a lenha, essas coisas, todo mundo #participando. (Sidney)
A gente #gosta muito. É, a gente #gosta muito de viajar, de #ir para #restaurante #juntos, de #almoçar #juntos, de #jantar fora. Claro que sempre não #dá para #fazer sempre isso, mas sempre que #dá, sempre que #sobra, a gente #faz uns #programinhas a três. (Saulo)
Aí vamos #fazer alguma coisa #juntos: #brincar, ver TV, dar uma volta na #praia, #faço #comida, qualquer coisa. #Faço a #tarefa com ele, se tiver, jogamos vídeo game. (Saul)
#Acorda junto, #toma #banho junto, joga #bola junto, #lazer, ouve rock junto, #gosta de ouvir os #mesmos grupos, o mesmo #gosto musical, #sai comigo. (Santiago)
Nessa classe, então, pode ser identificada a rotina dos pais com seus filhos,
ressaltando seu esforço em conciliar todas essas atividades. Como exemplificado abaixo,
muitas mudanças foram necessárias para que os pais acompanhassem essa rotina:
“É verdade que eu tive que abrir mão de muita coisa. Na época eu estava cuidando de convênios internacionais, orientação, muita aula, ah... projeto de pós graduação muita atividade, de fato. (...) E eu tive que dar um basta, dar um limite meio estrito na minha atividade profissional. Eu parei de produzir cientificamente algum tempo pra poder me ocupar das crianças...” (Sávio) “Eu fiz mais que podia, abri mão de muita coisa da minha vida. Abri mão do, de muita coisa da minha vida pra poder me dedicar a essa situação.” (Sílvio)
Nesse sentido, eles se queixam da pequena disponibilidade das mães para auxiliar
no cuidado com os filhos e até mesmo do pouco contato que elas mantêm com eles.
Consideram que os filhos sentem falta disso e, muitas vezes, reclamam.
113
Mas eu acho que também um pouco de #serviço também, ela #trabalhava muito. Vamos, vamos dizer que era o #serviço. Muito #serviço, não #dava #tempo. Eu #trabalho muito. Mas, mesmo assim, eu, sempre eles lá perto de #casa, eu #chego do #serviço, #vou #fazer #janta, mesmo que, eu quero eles lá. (Samuel)
“Minhas filhas, quando iam pra pousada da mãe, eu chamei a atenção da mãe delas várias vezes. A gente ia pra lá, ela estava super ocupada, entende? Porque no verão tocar restaurante e pousada é muito complicado. E também não perdia um forró! Às vezes passava o dia inteiro... Então, quer dizer, a Sabrina ficava lá chorando: ‘ah, eu tô de férias, minha mãe não tá de férias’. Então ela sentia que a mãe dela não dava essa atenção.” (Sávio)
Mesmo assim, alguns pais consideram que os filhos devem amar suas mães
incondicionalmente, apesar das ausências, como fica explicitado no relato de Saul, logo
abaixo.
“Eu explico que às vezes ela não tem tempo, mas que ela gosta dele. Eu, sabe, não fico falando mal da mãe pra ele, apesar disso que ela faz. Eu sempre falo que ela é a mãe dele, ele tem que gostar dela. De qualquer jeito. E ele entende isso.” (Saul)
Classe 02 – Conflitos e Preocupações
Bastante ligada à classe 04, referente ao cotidiano dos filhos, na classe 02 os pais
detalham os conflitos vivenciados no cotidiano familiar. Dados da história de Samir e
Sílvio são evidentes nessa classe, pois indicam situações conflituosas ocorridas antes e
depois da separação. Na tabela 13 estão as principais formas reduzidas da classe.
Tabela 13: Principais formas reduzidas associadas à Classe 02 - GS
Formas
reduzidas
Freqüência
na classe
Freqüência
no corpus X2
Formas
reduzidas
Freqüência
na classe
Freqüência
no corpus X2
Pedro 30 33 147,39 vem 14 28 26,06
Mateus 27 37 66,67 dinheir+ 11 21 22,20
fal+ 84 247 81,78 tadinho+ 4 4 21,88
carro+ 13 15 58,74 ajeit+ 4 4 21,88
port+ 10 11 48,20 encantado+ 4 4 21,88
bairro+ 13 18 44,90 val+ 6 8 21,77
rua+ 11 14 43,03 ônibus 6 8 21,77
porcari+ 5 5 27,37 *Suj_05 84 127 278,77
Os pais relatam as dificuldades com a ex-esposa principalmente no início da guarda
dos filhos, como os conflitos de relacionamento entre pais e filhos e as soluções que
conseguiram para melhorar o convívio familiar. Formas e palavras como ‘caos’,
‘confusão’, ‘bagunç+’, ‘judiar’, ‘porcari+’, ‘apavor+’ fazem parte do vocabulário dessa
114
classe, representando as dificuldades vivenciadas nesse período. Já as formas e palavras
‘agüentar’, ‘ajeitar’, ‘arrumar’, ‘melhorar’ e ‘arranjar’ representam as soluções
encontradas pelos pais para superar essas dificuldades. Na tabela 13 encontram-se as
principais formas reduzidas associadas à classe.
Uma das principais preocupações de Samir diz respeito à maneira como os filhos
vivenciaram o cotidiano familiar durante as diversas vezes que ele e sua ex-esposa
alternaram a responsabilidade pelas crianças. Samir relata uma época conturbada, na qual a
mãe levava os filhos para morar com ela e logo em seguida trazia-os de volta para a casa
do pai, o que aconteceu em diversas ocasiões. Essa situação, nomeada por ele como uma
‘confusão’, produzia bastante desconforto e os filhos consideravam isso uma rejeição por
parte da mãe.
Aí me #ligaram #falando que #ia #pegar os #meninos, ela #ligou e #falava que #ia #mandar #pegar os #meninos. E aí eu, eles sentiam. Eles percebiam, o #Pedro percebia quando eu pedia assim:‘ó, vocês se #ajeitam aí, fica mais ou menos atento, para não ficar fugindo, né, para casa da #tia, ficar todo sujo, porque #vem buscar’. (Samir)
Além disso, essa situação indefinida também atrapalhava a educação dos filhos,
pois as referências e orientações maternas e paternas eram diferentes.
“Aí ficou esse descontrole, esse descompasso todinho, entendeu? Eu ajo de um jeito, lá é de outro. Lá em casa tem que lavar as mãos. Lá não precisa, lá é tudo... aí eu falei: é, tá difícil, tá complicado.” (Samir)
Sílvio também reclama das idas e vindas e diversas mudanças de cidade de sua ex-
esposa, pois, mesmo estando separados, gostaria que ela conseguisse emprego e moradia
perto dos filhos, para manter o contato mais próximo.
“E acabou que no fim da história voltou pra Brasília. Aí brigou, saiu ameaçando, chantagem, um dia vai, um dia não vai. Aí teve uma hora que eu falei assim: ‘ó, isso prejudica mais os meninos do que ajuda. Ou você decide estar aí e gera uma certa estabilidade e segurança, ou se gerar insegurança, é melhor ir’.” (Sílvio)
Ele relata diversos conflitos entre mãe e filhos, considerando esse período como
bastante turbulento e confuso, cuja única solução - inclusive sugerida pelos próprios filhos
- foi a mudança de moradia da mãe. Mesmo Sílvio tentando amenizar a situação, verificou
que para os filhos estava se tornando insustentável.
“Ela... o clima era horrível. Ela foi embora e eles:’ mãe, vai embora’. Eles. E eu segurava, conversei: ‘agüenta, sua mãe tá passando por uma fase, um problema’. E eles: ‘mas ninguém agüenta’. Ela ia na escola deles, entrava na sala de aula pra saber como é que eles estavam. Expunha ao ridículo, expunha demais. Então eles odeiam, odiavam isso e... (...) Eles forçaram a barra, pra você ter idéia, eles forçaram a barra pra que ela fosse embora.” (Sílvio)
115
Sílvio preocupava-se com o aspecto emocional dos filhos expostos a essa situação.
Hoje, ele considera que a saída da ex-esposa de casa e a mudança dela para outra cidade
proporcionaram maior estabilidade emocional aos filhos.
“Ah, foi um alívio, foi um alívio. A situação tava ameaçando demais, demais. Pra você hoje, hoje, eles cresceram, é uma figura super, a menina dá pra ver a felicidade, assim, todo dia ela coloca a felicidade que ela está, né. Porque não tem, tudo que eles têm problema, eles vêm e conversa comigo. Eu ouço, limpo o terreno, então, assim, você vai destruindo os monstros.” (Sílvio)
Nessa classe, também aparece a preocupação de Samir com seu filho, Mateus, que é
portador de necessidades auditivas e visuais especiais e já teve problemas cardíacos,
situação que o pai acompanha de perto desde o nascimento. Levá-lo ao médico,
fonoaudiólogo, psicólogo, conseguir professor que atenda as necessidades dele na escola
regular - todas essas são preocupações de Samir, que ele tenta suprir buscando atendimento
público, já que não possui condições financeiras para arcar com serviços de saúde
privados. Por isso, também, os nomes de seus filhos – Mateus e Pedro – também aparecem
na tabela com alto valor de qui-quadrado.
“O Pedro tem uma saúde boa, e o Mateus agora tá bem, levo sempre na fono, levo na Escola de Libras, pra ele aprender os sinais, levo no psicólogo. Eu sempre acompanho, só dessas últimas vezes que o Pedro levou.” (Samir)
Samir queixa-se da negligência materna em relação aos cuidados com a saúde dos
filhos, principalmente de Mateus. Em seu relato, ele considera importante buscar
tratamentos para seu filho e se empenhar em cuidar dele no dia a dia, aspecto no qual a
mãe não se envolve.
Com a mãe, ele vivia doente. Eu nunca #falei isso para ela, não #adianta #falar, #entendeu. (...) Eu #ia #falar para ela? Nem #falo, nem #falei. Eu #falei: olha, cuida #do #braço #do #Mateus, tá, não fica #carregando ele de mau #jeito não, que ele pode torcer de novo, esse #negócio #deu um transtorno... (Samir)
Mesmo com os conflitos entre Samir e a ex-esposa, ele considera importante que
ela fique perto dos filhos. Outros pais também enfatizam que, apesar de tudo, os filhos têm
o direito de ficar perto da mãe toda vez que for possível.
“Então é isso que eu, assim, pelos bastidores da vida, tem gente que fala que eu não deveria abrir mão dos meninos pra mãe porque a mãe, do jeito que faz, que eu falo que faz, se ela fizer metade que você fala, pai, ela não tem direito. Eu acho que ela não tem direito, mas os meninos têm direito de estar com ela, agora que ela abre mão e que eles querem. Eu não posso fazer isso não porque o Pedro e o Mateus morre de amor pela mãe.” (Samir)
“Porque ficando aqui perto, ela conseguindo um emprego, ela tem como ter contato com eles direto. Os meninos ficava comigo, de repente. Depois se quisesse ficar com ela pode ficar, ela se organizando, mas, ela não tem isso, é difícil.” (Sílvio)
116
“Porque ele adora a mãe, tem verdadeira paixão por ela. Mesmo quando ela some, quando aparece parece que ele esquece de tudo. Mas eu não falo pra ele: ‘sua mãe some, não vem te ver, nem liga, etc’. Não, toda vez que ela liga eu falo: ‘filho, sua mãe ligou, quer falar com você, vem falar com ela’. Quando ela pede pra ficar com ele eu deixo, numa boa, nunca coloquei impedimento nisso.” (Saul)
As formas reduzidas carro+, rua+, condomínio+, port+, bairro+, porcari+, que
constam no vocabulário da classe, também estão ligadas à questão da orientação. Os pais
referem-se às situações de violência ou de exposição a outras dificuldades que os filhos
possam passar e como resolver isso. Por isso, preocupam-se em orientá-los a resolver
certos problemas, não freqüentar determinados lugares ou se envolver com companhias
avaliadas como ruins, entre outras situações que indicamos abaixo, resumidamente:
Ficava em casa, ficava com amiga. Não tinha problema porque era #condomínio #fechado. Então ela #chamava uma amiga para ficar, dormir junto com ela, ou até mesmo dormir na casa da amiga dentro #do #condomínio, eu chegava, #ligava e #falava: ‘ó, #cheguei’. (Silas) “E eu não sei como vai ficar minha cabeça se, eu sabendo que você foi irresponsável com o carro, eu deixar o carro com você pra você se matar com ele. Aí eu tomei. Tomei e depois que eu tomei, hoje em dia ele mesmo diz pra mim que ainda bem que eu tomei o carro dele, porque ele parou de sair à noite com aquele monte de bagunça com amigo e arrumou uma namorada fixa e terminou a faculdade e hoje passou na prefeitura, já tá com o salário dele, já tá com o cargo dele.” (Sidney)
Os dados presentes na classe revelam, então, algumas preocupações dos pais em
relação à saúde física e emocional dos filhos, ressaltando a participação materna nos
conflitos vivenciados no cotidiano familiar e as maneiras de superar essa situação.
Assim, no Eixo 2 temos as classes que abordam desde a história do relacionamento
conjugal, separação e decisão pela guarda, até o convívio atual do pai com seus filhos, seu
cotidiano e dificuldades. No próximo eixo, temos as representações sociais de paternidade
e maternidade e as avaliações que os pais fazem de sua atuação.
B) Eixo 1 – A Nova Paternidade: Escolha e Responsabilidade
Classe 01 – Paternidade e Maternidade
Nessa classe predominam mais alguns conteúdos referentes às representações de
paternidade e maternidade dos participantes. Eles descrevem quais seriam as funções
maternas e paternas e o que é ser um bom pai e uma boa mãe, sendo que alguns pais
enfatizam que essa divisão entre homem e mulher não deve existir, pois existe uma
função parental que se sobrepõe a isso.
117
Os pais relatam, ainda, o apoio recebido quando assumiram a guarda dos filhos e a
avaliação que o grupo social faz dessa situação, tanto em relação à capacidade do pai para
cuidar quanto à atitude da mãe de ter deixado a guarda com ele. Apesar de o grupo social
ressaltar constantemente as dificuldades que um homem pode passar ao cuidar dos filhos,
os pais foram bem avaliados nessa tarefa. Já a mãe é avaliada negativamente pelos pais na
maioria dos casos, pois a maternidade é considerada uma experiência muito íntima e
prazerosa, causando estranheza o fato de uma mãe não ficar perto dos filhos.
As principais formas reduzidas associadas a essa classe estão na tabela 14:
Tabela 14: Principais formas reduzidas associadas à Classe 01 - GS
Formas
reduzidas
Freqüência
na classe
Freqüência
no corpus X2
Formas
reduzidas
Freqüência
na classe
Freqüência
no corpus X2
ach+ 149 251 141,33 bom pai 15 16 32,81
mulher+ 43 49 85,12 mãe 102 239 26,68
Homem 33 35 74,18 ser pai 15 19 23,21
Filhos 61 89 72,44 sej+ 11 12 22,97
Pai 83 146 62,05 paternidade 12 14 85,71
vej+ 31 38 52,33 cois+ 104 255 21,43
cuid+ 47 73 46,86 foss+ 16 22 20,64
Diz 46 74 41,74 dificuldade 24 40 19,11
SER PAI
As RS de paternidade desse grupo possuem os seguintes elementos:
Responsabilidade e Acompanhamento, Afetividade e Companheirismo, Orientação e
Correção, Provedor Material, Igual à Maternidade e Equilíbrio.
Responsabilidade e Acompanhamento
Ser pai é considerado uma grande responsabilidade, que só é sentida por quem
assume realmente o filho. Para isso, não basta ter gerado o filho, é preciso estabelecer um
compromisso com ele, no sentido de ser responsável por atender às suas necessidades.
“Ser pai é muita responsabilidade.” (Sérgio) “É quando a criança nasce ou quando você tem um filho, você sentir um vínculo, um apego, um cuidado, uma responsabilidade muito grande em relação a aquela pessoinha ali, entendeu? Então quando você sente que você tem esse compromisso, você é pai. Se você não tem esse compromisso você não é pai. Então ser pai é só isso: é compromisso com, com essa criança.” (Sávio)
118
“Paternidade... é assumir os ônus e bônus da coisa. Porque assim, botar no mundo é muito fácil. Reproduzir é muito fácil. Mas assumir, acompanhar e ser responsável pela vida é muita coisa. É pesado pra caramba.” (Sílvio)
Para cumprir esse compromisso, é preciso ‘estar presente’ na criação do filho,
participando do seu cotidiano e de seus cuidados diários, como escola, saúde, lazer, entre
outros.
“Bom, as funções que eu acredito é... cuidar, assim, acompanhar o desenvolvimento dos filhos.” (Saulo)
“Pai é você ser um anjo da guarda, que vai cuidar do filho.” (Silas)
“Ser pai... Mas eu só não tive mais filhos porque eu não quero ter filho pra não estar perto, não ajudar a cuidar. Pra eu ter filho, eu quero ajudar a cuidar, eu quero ficar perto.” (Sidney)
Apesar de não ter planejado ter filhos, Sílvio também considera que a paternidade é
uma grande responsabilidade que precisa ser assumida, pois os filhos não têm culpa das
decisões dos pais. Por isso, quando se separou definitivamente de sua esposa e os filhos
pediram para que a mãe saísse de casa, Sílvio continuou sozinho com eles, pois “... criança
botou no mundo, ela, assim, não pede pra nascer”.
“É um compromisso, responsabilidade muito grande. É melhor você não colocar no mundo algo que você não pode criar e que vai jogar pros outros, transferir pros outros essa responsabilidade. Porque se o outro não cuida bem, não tem capacidade, não tem estabilidade, isso aí pode gerar problemas não só pra você, mas pra toda sociedade.” (Sílvio)
Alguns pais afirmam que, na paternidade, é preciso colocar os filhos como
prioridade. E isso demanda certo sacrifício em conciliar as suas necessidades com as
necessidades dos filhos, pois é preciso reorganizar a rotina e, algumas vezes, até mesmo
mudar planos de vida em função dos filhos.
“E pra isso, exige muito sacrifício, né. E eu, com toda a exigência de filho, as coisas que você tem que abrir mão, a privacidade e tudo mais, às vezes você sonha com uma coisa pra eles e acontece outro. Mesmo assim, eu gosto, eu gosto de ser pai.” (Sidney)
“Eu faço o que eu posso. Eu faço mais, muito mais do que eu posso. Deixo um monte de coisa, tem gente que fala: ‘pô, mas você não pode isso’. Eu falo: ‘gente, eles não pediram pra nascer’.” (Sílvio)
De forma geral, eles consideram que, para acompanhar de perto o cotidiano dos
filhos foi preciso abrir mão de algumas atividades, como diminuir o tempo de trabalho ou
os momentos de lazer, de forma a organizar melhor a rotina familiar.
“Eu tive que dar uma guinada na minha vida social, por exemplo, pra poder ficar perto dele. Minha relação com amigos, porque ele passou a não querer ir pra casa da mãe dele. A cobrança era tipo assim: ‘ah, você aceitou ficar comigo, agora segura as ondas. Então você não vai sair, você não vai sair com seus amigos, você vai ficar comigo’. Cansei de marcar com meus amigos, de repente ele não ia pra casa da mãe dele e começava a chorar e eu ficava.” (Santiago)
119
Afetividade e Companheirismo
Os aspectos afetivos também são elementos fortes na representação de paternidade
desse grupo de pais. Eles enfatizam os sentimentos positivos que a paternidade traz, como
amor, carinho e satisfação, por exemplo, e colocam os filhos como algo central em suas
vidas.
“Ser pai é maravilhoso. É um sentimento de responsabilidade, de carinho, uma afeição enorme. Eu hoje não me imagino sem ser pai. Todo mundo sabe que eu sou pai. Todos os meus amigos, namoradas, eu já me apresento e apresento que sou pai. Já faz parte de mim.” (Saul)
“É tudo. Tudo. Hoje em dia é o que norteia a minha vida. Minha vida deu uma guinada.” (Santiago)
“Como eu disse, é um sentimento tão forte que, se pra ele viver eu tivesse de amamentar, eu acho que a minha vontade de vê-lo bem é tão grande que o leite até saía! É exagero, mas é esse sentimento que eu tenho, que eu faço tudo por ele.” (Saul)
Nesse contexto, a paternidade provocou mudanças na vida dos participantes e uma
nova dimensão afetiva nos seus relacionamentos. Apesar de considerarem-se
sobrecarregados com essa escolha, consideram que o convívio e a relação afetiva entre pai
e filhos é uma forma de retribuição desse esforço.
“Sei lá, eu fiquei bobo mesmo depois que eu tive filho, eu parei de sair. O negócio é eles, só pra eles. O pouquinho que eu posso fazer é pra eles. Eu não sairia pra comer uma pizza. Mas por eles eu saio, vou lá comer a pizza. Eles. Aí como é que define isso, né... difícil.” (Samir) “E quando o filho retribui isso é muito bom. Meu filho faz desenhos pra mim, fica muito grudado. Isso é muito bom. Não me vejo não sendo pai.” (Saul) “Ser pai é muito bom, é, ó, não tenho nem assim o que falar, mas você ouvir o seu filho te chamar de pai é muito bom. É muito, ele fala: pai. Nossa, sem explicação. É tudo, é muito bom ser pai.” (Samuel)
O companheirismo também é citado como um aspecto importante. Ser pai é
também ser amigo, estabelecendo uma relação de confiança com eles. A partir do diálogo e
da orientação, os pais se aproximam dos filhos e conseguem auxiliá-los em suas
necessidades.
“Ah, acho que é ser amigo, né. O primeiro passo, eu sempre falo pro meu filho: ‘meu filho, ó, eu tô te falando essas coisas assim, assim e assim, porque eu confio em você e eu sou seu amigo’. É por isso. Acho que é ser amigo, ser parceiro dele, mesmo.” (Samuel)
“Pai tem que ser amigo, principalmente, se quiser ter atenção, não é atenção dele, de querer ter a atenção do filho, mas atenção de você ter uma proximidade maior e ganhar a confiança do filho. Se você for aquele pai carrancudo, chato, que só dá castigo e só fala não, seu filho ao invés de vir te procurar pra falar quando ele mais precisa de você, ele não vai te procurar.” (Silas)
“É manter sempre uma proximidade muito grande com eles, tentar ampará-los nas dificuldades e apoiá-los nas decisões...” (Saulo)
120
Alguns pais avaliam que poderiam ser mais carinhosos com os filhos. Ressaltam
sua dificuldade nessa área e gostariam de melhorar, apesar de justificarem que a mulher
possui mais facilidade em expressar seus sentimentos do que o homem.
“Eu também, como eu disse, em face da criação, eu realmente sou meio bronco. Eu tenho que, tenho que mudar, né. Tenho que começar a mudança em mim. (...) Isso também com as crianças, tá. Ser mais, é... elogiar mais, ser mais carinhoso, né.” (Sérgio)
“A única coisa é que eu acho que eu poderia ter dado um pouco mais de atenção, mas é aquela estória: a mulher é mais afetiva do que o homem.” (Silas) Orientação e Correção
Nas representações de paternidade também aparecem elementos referentes às ações
de orientação e correção praticadas pelos pais na educação de seus filhos. Os pais afirmam
que esses aspectos fazem parte da função paterna e que eles devem ficar atentos nessa área,
pois não é uma tarefa fácil.
“Ah, isso eu faço. Não tenho problema nenhum em fazer. Se precisar, eu falo, oriento, coloco de castigo. Não tenho nenhum problema com isso. Pra mim, isso é uma responsabilidade inerente a situação de ser pai. Se eu tenho de corrigir, eu faço.” (Saul)
“Pra mim, eu encaro como uma tarefa normal. Ossos do ofício. Não, não me traumatizo.” (Santiago) “Ser pai... pergunta muito difícil, né!! Acho que é um guia, um orientador.” (Sandro) “Mas é um trabalho árduo que você tem que educar pra vida, tem que educar pra escola e educar a parte religiosa, que eu faço questão.” (Sérgio)
O diálogo é considerado uma primeira estratégia para corrigir erros dos filhos.
Nesse ponto, os pais enfatizam que é preciso saber negociar algumas coisas, não sendo
autoritário, mas também é preciso saber falar ‘não’ quando necessário.
“Mas eu acho que, além de ser pai, é não ser aquele pai mandão. Lógico, tem que repreender certas coisas, você tem que saber falar o ‘não’ necessário pro crescimento da personalidade da criança que tá crescendo, do adolescente. Muitas vezes o adolescente tá pedindo pra que você dê um não e os pais não verificam isso, né. É um pedido de socorro e você tem que tá sempre atento a isso.” (Silas)
“É... quando eles fazem alguma coisa que eu acho que não está certo eu chamo mesmo, tenho uma conversa muito séria e... só saio, só deixo, só termino a conversa quando eu sinto que realmente eles sentiram o que eu quis dizer, né, eles passaram o que eu quis dizer.” (Saulo)
As punições também são consideradas estratégias válidas para orientação dos
filhos, sendo que as principais ações mencionadas são a punição verbal e a imposição de
algumas restrições nas atividades dos filhos, como deixar de ver televisão, brincar ou sair
de casa.
121
“Falava: ó, tá errado por isso, isso, isso e isso. Então você tem que assumir o seu erro. Eu não voltava atrás enquanto não assumisse o erro. Então a questão era a base de castigo. Castigo o que era? Era o quarto. Vai estudar, vai ler, vai fazer qualquer coisa. No seu quarto. Sem televisão. Eu pegava no, nos pontos que eu sabia que eu ia atingir pra ter o meu resultado.” (Silas)
“Pego pesado. Não dou mole não. Pego pesado mesmo. E, igual eu te falei, mostro pra ele que ele tá errado, mostro pra ele que eu sou amigo dele, eu tô falando aquilo ali não é pra brigar. Não bato. Não adianta bater. Mas eu acho que um pregão bem dado, um esporro bem dado é melhor do que bater. Dou esporro, boto de castigo.” (Samuel)
Algumas vezes, os pais recorrem às punições corporais, enfatizando que isso ocorre
quando o filho passa dos limites e as demais ações não surtiram efeito.
“Porque eu não tenho esse negócio de não bater, não punir. Eu coloco sempre pra eles: a vida tem punição, a vida tem toda ação tem conseqüência. Tem que aprender isso desde agora. Então converso uma, converso duas, converso três. Numa quarta vez eu jogo duro. E eles sabem disso.” (Sílvio) “Quando eu chego às vias de fato, porque teve vezes que eu dei umas palmadas nele, aí eu me sinto mal pra caramba, fico uns dois dias malzaço. Agora quando eu dou esporro nele, não.” (Santiago)
“Eu sempre corrigi. Era difícil corrigir porque eu não sou aquela pessoa de, de, violento, de bater, nada. Eu sempre acabo me estressando porque fico conversando e ás vezes, num, a conversa não ajuda muito, né. Teve momentos, raríssimos, que aconteceu de eu dar uma chinelada.” (Sidney)
Os pais verificam que precisam ampliar o diálogo com seus filhos, orientando-os
melhor. Mas sentem-se mais à vontade conversando com os filhos do que com as filhas.
Assim, nesse grupo também aparece a questão de gênero como uma dificuldade para a
aproximação entre pai e filhas. Consideram que é mais difícil conversar com as meninas e
que essa é uma tarefa que as mães deveriam cumprir com maior freqüência.
“Agora tem aquele negócio, né, minha menina, por exemplo, tá com dez anos, tá crescendo, tá se tornando mocinha. E, quer dizer, precisava de uma orientação mais da mãe, estar perto. É, é diferente. Porque eu acho que mulher tem mais afinidade com mulher pra efeito de dizer as coisas, pro, né, se abre mais, tem mais abertura com mulher.” (Sérgio)
“Então aquela questão, quando ela entrou na, na menstruação, seria muito mais fácil se fosse a mãe que tivesse visto, certo. Pra mim eu encarei tranquilamente, mas... pra ela, pra ela se abrir comigo é mais difícil. Por ser uma menina. Se fosse um menino, a história era outra.” (Silas)
Além disso, alguns pais queixam-se da participação das mães na orientação aos
filhos, considerando que elas não partilham essa responsabilidade ou, quando participam,
agem de maneira equivocada.
“Mas não, eu tô vendo a hora que eu vou ter que chegar, botar os dois sentados [o filho e a namorada] e já pensou, eu falo pra menina: ‘menina, o negócio é assim’. Então é complicado. É a hora que eu acho que a mãe tinha que puxar mais um pouco. E essa hora, é assim é meio complicado.” (Samuel)
“Igual a mãe, mesmo, já, às vezes atrapalhou muito eu cuidar deles, porque eu cortava algumas coisas pra educar, ela, por sentimento de culpa por estar longe, mandava, até mandava escondido dinheiro pra eles
122
pelas mãos de colegas dele, né. E me atrapalhava em algumas coisas. Então eu cortava algumas coisas no sentido de educar e ensinar a buscar e ela atrapalhava assim, né.” (Sidney)
Outros estão satisfeitos com a participação das mães, avaliando que elas estão
cumprindo bem essa tarefa, auxiliando-os nas correções e orientações necessárias. Avaliam
que puderam contar com elas nos momentos mais difíceis, como relata Sávio - “Eu não
vejo que teve nenhum momento difícil, o que eu tive eu dividi com a mãe. Sozinho nunca
teve” - e Santiago:
“Ela me ajuda bastante hoje em dia. Pela gente tá junto como namorado, ela me ajuda bastante. Principalmente em questão de, de, afirmação de valores ela é bem mais rígida do que eu. Eu sou manteiga. Ela não passou pela perda de um filho, eu passei, então eu sou mais... eu acho que aquilo ali vai dar uma compensada, e tal. Ela não entende isso. O que eu deixo pra lá, ela segura.” (Santiago)
Sandro ainda teve o auxílio de sua segunda esposa, que ajudou a criar suas filhas
principalmente durante adolescência. Ela era a amiga e companheira das filhas, orientando-
as e corrigindo-as no dia a dia. Mas, quando a situação ficava mais complicada, Sandro
assumia o controle, sendo mais rigoroso do que ela, o que causou certo distanciamento no
relacionamento entre pai e filhas.
“Eu sei que de vez em quando, elas, ainda hoje elas estão tendo dificuldades em tocar em determinado assunto ou pedir uma coisa sem constrangimento. Não tem aquele, aquele, como eu já vejo pais e filhos, mais, é, apego não de pai pra filho, mas de amigos, né. Isso eu sinto que eu não consegui desse jeito. Eles me vêem mais como ditador do que como amigo.” (Sandro)
Provedor Material
Apenas Santiago se refere diretamente à função de provedor material quando fala
sobre a paternidade: “cara, de pai é prover, é ser exemplo, é ser espelho”.
Também poucos pais se referiram aos aspectos financeiros durante outros
momentos da entrevista. Samuel menciona sua impossibilidade em oferecer bens materiais
para os filhos quando estava desempregado e Silas relembra o momento em que sua filha
ficou doente e ele não mediu esforços para custear o tratamento.
“Mas quando você não tem situação financeira é muito difícil. É muito difícil você querer comprar uma coisa pro seu filho e não poder, querer fazer, é muito difícil.” (Samuel)
“Mas o médico falou: olha, eu não vou enganar vocês, o caso dela é um em um milhão. Ela pode voltar, se ela voltar vai ter seqüelas, como pode nunca mais voltar. Então é... é até eu falo, o amor que eu tive foi muito maior que fez ela voltar. Eu não ia desistir nunca. Eu acho que é por isso que a vó dela, a mãe dela me respeita muito. Quando lembra dessa situação. Eu não tive, pra mim não existia obstáculo. Eu lutei muito, daí eu levei ela pro melhor hospital, paguei, fiz empréstimo, gastei o dinheiro que eu não tinha pra ver ela bem. Daí ela ficou bem.” (Silas)
123
Sidney também pondera que ensinar os filhos a lidar com o dinheiro é uma forma
de educá-los para a vida. Nesse sentido, ele teve algumas dificuldades para impor limites,
mas vem tentando ser mais firme.
“Então eu, eu, até hoje, às vezes eles ficam com raiva de mim, hoje tem demais. Ficam querendo que eu dê uma coisa pra eles: ‘mas o senhor pode, fica fazendo miséria’. Eu disse assim: ‘eu posso, mas eu não estou te educando se eu tiver, se eu te der isso aí. Então eu quero que você aprenda’.” (Sidney)
A questão do trabalho externo é enfatizada quando os pais relatam as dificuldades e
soluções encontradas para conciliar seu tempo livre com a paternidade, já que a maioria do
grupo trabalha em atividades externas e em jornadas integrais. Alguns pais não vêem
dificuldade em conciliar os cuidados com os filhos e o trabalho, considerando uma tarefa
normal e que acontece também quando as mães estão na mesma situação, sem a presença
paterna.
“Como conciliar? Conciliar você organiza a sua vida de modo que você consegue contornar isso. Como eu lidei? Durante o dia elas ficaram ou na escola ou então em casa com a empregada, né. E à noite ou o final de semana, quando a gente tava em casa, a gente tentava fazer o papel de pai. Pra nós, pra mim e eu acredito que pra elas também, elas conheceram a gente com essa rotina e eu acho que isso se tornou uma rotina normal, isso aí não poderia ter sido diferente conciliar uma coisa com a outra.” (Sandro)
“As coisas rolaram, né. As soluções foram aparecendo, à medida que os problemas foram surgindo, a soluções iam aparecendo. Então, deu pra levar, então até hoje dá. (...) não é difícil não você conciliar a paternidade, o exercício da paternidade com o trabalho não é uma coisa tão complicada assim não. Ela é mais complicada no discurso, né, de tanto dizerem pros homens que é difícil eles acabam acreditando e acabam realmente achando que não podem fazer isso.” (Saulo) “Conciliar? é... olha só, veja só, como é que a mãe que trabalha concilia maternidade com trabalho? Essa pergunta, é, ela não tem sentido. Não existe conciliação, existe só divisão de tempo.” (Sávio)
Para outros, essa conciliação demanda certo esforço e, em algumas situações, falta
tempo para cuidar de suas próprias necessidades ou do seu lazer.
“Em algumas horas você até reclama, porque você fica saturado também. Mas é, mas é muito bom, pelo outro lado, né, de eles estarem ali, de você ver tá vendo que tá fazendo um sacrifício por eles. Você deixar de fazer, igual eu, vamos supor, me considero bastante jovem ainda, saio, tenho amigos, viajo, e aí você tem que deixar de fazer um monte de coisas, porque tem que fazer pra eles.” (Samuel)
“Falta um pouco mais ficar presente com eles. Mas eu também preciso de tempo pra mim. Primeiro que eu preciso de tempo pro trabalho. E tem os outros afazeres, ou seja, de trabalho, de estudo, tem as minhas saídas. Então eu não posso ter tempo integral pra eles, não tem condição nenhuma.” (Sérgio) “Assim, muito cansaço, com vontade de deixar eles com alguém pra passar um pouco fora... eu tinha dificuldade pra viajar, pra passear, eu tinha dificuldade em ficar de férias, eu tinha dificuldade de até viagem, fazer viagem de serviço porque os meninos arranjava tanta encrenca pra chamar atenção pra eu não sair de casa que aquilo atrapalhava, entendeu.” (Sidney)
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Paternidade é Igual à Maternidade
Poucos pais representaram a paternidade como igual à maternidade. Em alguns
momentos da entrevista tais pais reconhecem que as tarefas de cuidado com os filhos
podem ser exercidas tanto pelo pai quanto pela mãe, mas nessa categoria estão presentes os
relatos que igualam a paternidade à maternidade.
“[Ser pai] É... eu vou além porque eu fui pai e mãe, então é ser mãe também, né.” (Silas) “Olha, paternidade pra mim é a mesma coisa que maternidade. Pra mim não existe diferença não. Assim, é aquela pessoa que... eu acho que se a gente for pegar os cuidados maternos e os cuidados paternos, eu acho que a função paterna e a função materna não se colam a homem e a mulher.” (Saulo) Equilíbrio
O equilíbrio aparece como um elemento importante na paternidade. Para ser um
bom pai é preciso ter equilíbrio entre todos os elementos já apresentados: responsabilidade,
cuidado, carinho, compreensão, orientação, educador financeiro.
Mas eu me #considero um #bom pai. Sou #presente, #atento, #carinhoso, dou #limites. (Saul) “Um bom pai... é aquele que consegue equilibrar o carinho, a atenção com a dureza, com a orientação.” (Sílvio) Samir e Sandro destacam algumas questões importantes para ser um bom pai, como
o companheirismo e a compreensão.
“Olha, ser um bom pai é ser paciente e compreensivo. Com a fraqueza dos filhos, com a fortaleza. Seria, seria ser compreensivo, ter compreensão. Porque senão, mete os pés pelas mãos às vezes.” (Samir) “É difícil você perguntar, é difícil saber como seria um bom pai. Acho que compreensivo, amigo, orientando, oferecendo o colo, você dá.” (Sandro) Já Sávio e Sérgio enfatizam o compromisso e a participação no cotidiano dos
filhos:
“Um bom pai? Veja só... é...um bom pai é você preencher esse compromisso, quer dizer, eu acho que um bom pai é o tamanho do compromisso que você tem, tá certo?” (Sávio) “Bom pai, acho que todo mundo acha que é, né, da maneira que ele entende. Eu acho que é aquele que está sempre presente em todos... as etapas da vida do filho, tá. Mas é, eu tenho que confessar que eu não tenho uma convivência boa com minha filha mais velha. Daí inclusive que ela foi pra casa da avó. Ela não, quer dizer, pra ela eu não devo ser bom pai.” (Sérgio)
Silas e Sidney ressaltam a questão dos limites. Um bom pai sabe oferecer as coisas
aos filhos, mas também sabe negar quando necessário ou para que valorizem o que estão
recebendo.
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“Ah, eu acho que é como eu falei, bom pai seria um pai que sabe ser amigo e falar não também. Isso é ser um bom pai.” (Silas) “Eu acho que um bom pai é aquele que, é... cuida do filho mas não pensando assim em dar muito.... dar muita coisa de mão beijada, mas preparando ele pra vida.” (Sidney)
Assim, pode-se identificar que o equilíbrio é um fator importante para ser um bom
pai, equilíbrio esse buscado por diversos participantes nesse grupo.
SER MÃE
Nas RS de maternidade podem ser identificados elementos como Estar Presente,
Afetividade e Companheirismo, Aspectos Biológicos, Superior à Paternidade, Igual à
Paternidade, Não Abandonar os Filhos e Equilíbrio.
Estar Presente
Para os participantes, a mãe deve estar presente no cotidiano dos filhos,
preocupando-se com eles e participando dos seus cuidados diários.
“Eu acho que a mãe tinha de tá ali naquele momento, fazer questão de fazer aquele almoço, botar comida na mesa, botar todo mundo sentado junto. Tá ali, bem presente, todas as horas.” (Samuel) “Então eu acho que uma boa mãe tem que querer estar perto, acompanhar os filhos, ver como eles estão.” (Saul)
‘Estar presente’, nesse contexto, significa acompanhar o cotidiano dos filhos e
também seu desenvolvimento, estando atentos às suas necessidades.
“É estar presente, estar junto do filho, né. Nas dificuldades, nas alegrias, no sucesso, nas tristezas, isso é o papel da mãe. Estar sempre junto.” (Sérgio) “Eu acho que a mãe, ela tem que preocupar, assim, com muitas coisas. Não só voltada pro filho, mas ficar atenta, né, sempre nas pequenas coisas, nos detalhes. Pra investir no filho, né. O filho sofre uma pneumonia, uma sinusite aí, por conta muitas das vezes do relaxo da mãe.” (Samir)
Afetividade e Companheirismo
Os elementos relacionados à afetividade também estão presentes na representação
de maternidade. Alguns pais relatam que a mãe deve ser afetuosa com os filhos,
demonstrando carinho e atenção.
“Acho que ser mãe também é isso, é esse sentimento de carinho, cuidado. Querer ver o filho bem, fazer por onde, isso aí.” (Saul)
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“É, uma boa mãe... eu acho que assim, toda mãe já é uma boa mãe.” (Silas)
Relacionar-se bem com os filhos também é destacado como um aspecto importante,
sobressaindo o companheirismo.
“Ó, boa mãe é aquela que se dá bem com os filhos. E se dá bem com os filhos porque cada um tem um método, tem um jeito, tem uma maneira de ser. É uma boa mãe.” (Sérgio) “Olha, eu acredito que ser mãe é você ser companheira, tá. Ser companhia pros seus filhos. Porque os filhos normalmente ficam mais apegados à mãe, né.” (Sidney) “Ó, a boa mãe tem que ser muito companheira, estar sempre atenta com essas coisas também.” (Samir)
Aspectos biológicos
Alguns pais representam a maternidade a partir das questões biológicas
relacionadas à gravidez e ao parto. Assim, a ligação entre mãe e filho se inicia na gestação,
de uma forma bem mais íntima do que a ligação que será estabelecida com o pai. Silas, por
exemplo, ressalta que uma mulher, pelo fato de gerar uma criança, já pode ser considerada
uma boa mãe.
E, #mãe é #uma #coisa que é muito mais #íntima do que o #pai. Eu #acho que #mãe, é, começa desde o encontro do esperma do #homem com o óvulo da #mulher. A #partir daí a #mãe já sabe que é #mãe. (Silas) Além disso, o instinto materno também é apontado como um fator importante na
maternidade, apesar de que, em algumas mães, ele ‘não aparece’.
“Então eu acho que ela não, não floresceu esse instinto materno, de querer cuidar dos filhos. Eu acho que ela não floresceu isso. Porque mesmo quando a gente tava junto, quem cuidava mais do meu filho era eu. Dava mamadeira, dava banho, acordava de noite, trocava fralda.” (Saul)
Maternidade é Superior à Paternidade
Justamente por estarem presentes na maternidade os aspectos biológicos
relacionados à gestação, alguns participantes a consideram superior à paternidade.
“Eu acho que mãe, mãe acho que é tudo, mãe acho que é tudo na vida da criança, porque na verdade saiu de dentro dela, né. Mãe eu acho que é superior a pai, não tem jeito. Saiu de dentro dela, né.” (Samuel) “Só que esse apego da questão gestação, nove meses, a questão do #parto, aquela #coisa toda que a #mulher passa, #né, que é #uma #coisa #única, infelizmente o #homem não pode passar isso.” (Silas) Então #mãe é tudo, para mim eu #acho que #ser mãe é muito mais do que #ser pai. (Silas)
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Maternidade é Igual à Paternidade
Alguns pais também julgam que a maternidade é igual à paternidade, sendo que as
mesmas características e responsabilidades que a mãe possui também podem ser paternas.
Assim, igualam a maternidade à paternidade, como nos exemplos abaixo:
“Ah, a #diferença, eu #acho que #nesse #aspecto não tem #diferença de #pai para #uma #mãe.” (Sandro) “É igual ao pai, eu não defini não sei bem como pai, mas teria que ser prudente, compreensiva.” (Samir) “Olha, eu acho que é a mesma coisa.” (Sávio)
Não abandonar os filhos
Na opinião de alguns pais, a mãe não deve deixar seus filhos para outras pessoas
cuidarem, devendo ser capaz de sacrifícios para ficar com eles. Afirmam que, se fossem
mães, jamais deixariam de ficar com a guarda dos filhos.
“Eu acho que a mãe deveria ter um filho e não esquecer dele como eu citei.” (Samir) “Ah, acho que tivesse, mesmo que falasse assim: ‘ah, eu não tenho tempo’. Mas quer arrumar, arruma o tempo. Tem que ter tempo pra criança. Tempo pra poder sentar pra estudar, tempo pra fazer assim, aquele almoço de domingo, acho que isso tem que ter.” (Samuel) “Responsabilidade, compromisso, entendeu? É prioridade. A prioridade da minha mãe sempre foi os filhos.” (Santiago)
Nos relatos da maioria dos pais aparece uma avaliação negativa em relação às mães
que ‘permitiram’ que os filhos fossem criados por eles, numa clara referência à
maternidade como algo central na vida de uma mulher e do qual ela não deve abdicar,
ainda que passe por dificuldades.
“Eu acho que no lugar dela eu não deixaria acontecer isso. Nunca. Tem mãe que acho que não exerce aquele papel intenso de mãe. Enquanto têm outras que não, têm outras que...” (Samuel)
“Eu acho que se eu fosse mãe no lugar e a minha mulher homem, eu nunca deixaria ter, deixado, chegar nesse ponto, de eu estar criando mais a criança.” (Samuel) “[Boa mãe] é aquela que não deixa o filho. Acho que, apesar dos problemas, você tem ex-mulher, ex-marido, mas não tem ex-filho. Você se separa, mas não dos filhos. Então eu acho que uma boa mãe tem que querer estar perto, acompanhar os filhos, ver como eles estão.” (Saul)
Equilíbrio
Para ser uma boa mãe, também é preciso equilíbrio. Uma boa mãe deve
acompanhar e facilitar o desenvolvimento do filho, mas ao mesmo tempo deve incentivar
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sua autonomia. Também deve oferecer as coisas aos filhos e colocar limites quando
necessário.
“Então boa mãe é aquela que sabe acolher, cuidar do filho, mas deixar ele andar com as próprias pernas. Isso aí é uma boa mãe.” (Silas) “Olha, eu acho que uma boa mãe é aquela que não passasse tanto a mão na cabeça, tá”. (Sidney) “Uma boa mãe teria que estar atenta, né, ansiosa, né. Seria, seria juntar essas coisas aí. Essas coisas todas, da vigilância, certos cuidados.” (Samir)
Ficando atenta às necessidades dos filhos, uma boa mãe consegue orientá-los
adequadamente, não permitindo que ‘a coisa desande’, como exemplifica Sidney logo
abaixo.
“Ah, uma boa mãe tem que, ela tem que tá em sintonia com o que tá acontecendo com o filho e com a comunidade, com tudo em geral, pra poder fazer o papel dela, não deixar, não deixar que a coisa desande, né.” (Sidney) SER PAI E MÃE
Essa frase é vista de uma maneira particular pelos participantes. Um pequeno grupo
considera que os filhos precisam de cuidado e atenção, que podem ser dispensados tanto
pelo pai quanto pela mãe, ou ainda por alguma outra pessoa que se disponha a isso. Dessa
forma, cuidar dos filhos passa a ser uma função parental, que pode ser exercida por
qualquer pessoa que assuma essa responsabilidade.
#Independente se você é #pai ou se você é #mãe. Porque a #dificuldade que eu #tenho para #educar ela também teria se tivesse fazendo esse #papel. Então esse #papo de #pai e #mãe, a #palavra em si não #quer #dizer nada. Eu não #vejo #diferença #nisso. (Sandro) Eu #acho que tanto um #homem como #uma #mulher pode #cuidar de seus #filhos, tanto #dos deles quanto #dos #filhos #dos outros. Isso. Se a #pessoa se dispuser a #cuidar, pode #cuidar do seu #filho legítimo, #dos seus #filhos não legítimos, #dos #filhos #dos outros. (Saulo) Sávio, por sua vez, admite que realiza ambas as funções, por considerar que os
filhos precisam de cuidados, independente de quem os faça:
“Tudo que a criança precisa é de quem cumpra os papéis. Criança quer sabe o seguinte: quem vai atender a minha demanda? Ok? Se é o papel, se é o pai que faz o papel do pai ou faz o papel da mãe, isso não importa. Pra ela, ela precisa de cuidado, de carinho, proteção e tudo. E precisa de quem faça esse papel.” (Sávio)
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Nos exemplos abaixo, Saulo indica que existe uma função que é tradicionalmente
esperada para cada gênero. Contrariando essas expectativas, ele busca exercer ambas as
funções, pois acredita que isso é importante para o desenvolvimento dos filhos.
Eu #acho que um #homem pode #exercer a #função #materna e #paterna, assim como #uma #mulher pode #exercer a #função #materna e #paterna. Não #acho que seria #uma #coisa que se possa confundir. Eu #acho que um #homem pode #ser mãe, #pai, #uma #mulher pode #ser mãe... (Saulo) A #única #coisa que eu posso #dizer é que eu gosto muito de #ser mãe, eu gosto muito de estar com #os meus #filhos, eu gosto muito de #cuidar deles. (Saulo)
Já um segundo grupo se assume explicitamente como ‘pai e mãe’, mesmo com
algumas ressalvas iniciais:
“No meu caso eu fui pai e mãe, né” (Silas). “Eu acho que é. Eu acho que é uma frase que ela funciona mesmo. É ser pai e mãe mesmo. Porque criar filho não é fácil.” (Samuel) “Ser mãe... Não sei. Porque eu não sou mãe. Eu sou pai. Mas às vezes eu faço as duas coisas... Sei lá. (...) É. Eu sou pai e mãe. Eu tenho sempre que estar atento, vendo tudo, corrigindo, dando carinho, me vigiando pra não ficar muito tempo longe de casa, porque eu sou a maior referência dele, eu sei que ele precisa de mim por perto. Então eu acho que eu sou pai e mãe.” (Saul)
Nos relatos desse grupo de pais, pode-se novamente identificar a existência de uma
divisão entre tarefas maternas e paternas. Nessa divisão, a mãe cuida dos aspectos
instrumentais e afetivos da relação com os filhos e os pais são os responsáveis pelas
questões financeiras e de educação, principalmente quando a mãe não consegue mais
corrigi-los. Nesse caso, quando um dos pais não assume sua parte no cuidado com os
filhos, o outro deve fazê-lo, o que muitas vezes gera sobrecarga para quem cuida.
“Pai: Eu, na verdade sou ‘pãe’, tenho que fazer a parte da mãe também. Pesquisadora: Qual seria a parte da mãe? Pai: Olha, é, mãe, ela tem que tá presente, tem que educar, tem que fazer aquilo que eu tô sendo obrigado a fazer. Obrigado não, né, faço com prazer. Tenho que fazer, né.” (Sérgio)
“Eu tento fazer o que eu posso. Ou mais. O que eu acho que ela não é, eu tento fazer um pedaço da parte dela.” (Samuel) “Eu sou pai e mãe. Eu faço tudo que eu posso pelos meus filhos. Me sacrifico. E não quero saber se a mãe faz o mesmo, porque ela não faz. Por isso que eu não meço esforços pra isso.” (Samir)
“Então mostrar pra eles que falta a mãe e eu tenho que fazer o papel dos dois. E pra fazer não é fácil, não é mole.” (Sílvio)
Sendo assim, verifica-se que uma parte dos pais considera que devem cumprir
ambas as tarefas devido à ausência da mãe e não por considerarem que isso é uma função
parental, que poderia ser cumprida por qualquer pessoa.
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“Apesar de que eu não posso tirar o mérito da mãe dele, mas eu sou pai e mãe e adoro. Cara, de pai é prover, é ser exemplo, é ser espelho. E de mãe, é umas tarefas que eu nunca pensei em realizar tipo: levar ao shopping, levar para passear, trazê-lo na escola, fazer comida, lavar as cuecas dele, brigar com ele porque ele usou três mudas de roupa, pedir pra ele me ajudar lavando a louça, eu acho que é uma coisa mais maternal, entendeu?” (Santiago) “Olha só, desde, desde, assim, o primeiro ano que eles moravam comigo, eu levantava de manhã, fazia questão de levantar mais cedo do que eles, pra poder preparar o café da manhã, aquela coisa bem mãezona, entendeu. (...) Aí chegou num ponto que eu falei assim: não são crianças mais. Vou deixar tudo na geladeira, cada um, você levanta, pega, pega todynho, pega o que vocês quiserem, tá. Não, aí parei. Eu já, já deixei essa parte de mãe.” (Sidney) “Às vezes a mãe, a mãe tem um coração mais mole, né e se deixa enrolar, às vezes sabendo ou não sabendo. Então eu, eu não permiti muito isso não, viu. Eu acho que eu fui mais pai mesmo.” (Sidney)
GUARDA PATERNA E APOIO SOCIAL
A reação das mães à guarda paterna foi bastante diversificada. Para os casais que
fizeram acordos a reação materna foi tranqüila. Apenas Sérgio relatou que a mãe sentiu
saudades dos filhos, mas é importante ressaltar que ela estava fora do país e as demais
mães mantinham contato, mesmo que esporádicos, com os filhos.
“Foi tranqüilo, foi através de conversa, não houve conflito, a separação foi consensual, não teve, foi tudo consentido.” (Sandro) “Acho que com tranqüilidade. Justamente, ela é uma pessoa que, que... abria mão dessas coisas com mais facilidade do que eu. Eu sou mais apegado do que ela.” (Sávio)
“Ah, eu soube também que no início foi muito difícil pra ela. Depois ficou bem. Contato a gente tem. Contato via telefone a gente tem. Depois também instalei a câmera, aí ficou mais fácil pra eles.” (Sérgio)
Quando a decisão partiu dos filhos, as mães consideraram-se preteridas e, nesses
casos, os pais relatam sentimentos de não aceitação ou tristeza por parte delas.
“Mal. Mal, mas mal assim, introspectivamente. Ela não questionou, não brigou. Ela só ficou deprimida, altamente deprimida. Ela não, não esperava.” (Santiago) “Nem tinha o que discutir, a relação deles era impossível.” (Sílvio)
“Meio não, completamente chateada. Mas ela achou até melhor, porque daí ela teve um relacionamento mais, posso dizer, privado com o marido.” (Saul) “Isso pra mãe foi um terror, né, porque os pais dela acharem que os filhos tinham que ficar comigo e os próprios amigos, assim, foram com...” (Saulo) “Olha, a princípio, o menino foi, logo no começo foi difícil porque ela... Aquela sensação de achar que tava tomando o filho dela. Mas na realidade não era, ele que tinha decidido, ele que decidiu.” (Sidney)
A reação do grupo social à guarda paterna foi bastante heterogênea, variando da
reprovação inicial à aceitação da nova situação. Em muitos casos, o próprio grupo de
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familiares e amigos desaprovou a atitude materna, alegando que uma mãe não deveria
deixar os filhos, independente do motivo alegado. Saulo e Sérgio buscaram manter-se
neutros nessa avaliação, como se pode observar abaixo:
“Mas ela, ela.. enfim, não impediu. Não, não impediu. E isso provavelmente deu margem que as pessoas interpretassem a ela muito mal. Eu, durante muito tempo, eu evitei fazer esse tipo de interpretação.” (Saulo)
“E tem muita gente que acha isso absurdo até. Cai no campo do absurdo, certo. A mãe não poderia ter deixado um dia, tem que gente que acha isso. Eu, particularmente não acho não. Acho que tudo bem. Ela optou por isso.” (Sérgio)
Os familiares de Samuel, Sandro e Saul encararam a guarda paterna com
tranqüilidade, incentivando-os e não vendo problemas no fato da mãe não ficar com os
filhos.
“Ah, todo mundo achou muito bom, porque eles sabem como é que eu sou louco pelos meninos. Então quando eles não estão lá, eles até estranham, na verdade. ‘Cadê as crianças? Ah, tá com fulano, tá com a mãe, tá com a avó’.” (Samuel)
“E a minha família me apoiou na época, falou que era pra eu pegar mesmo.” (Saul)
Também alguns familiares da mãe apoiaram essa decisão, como no caso de Sandro:
“A família da minha parte torcia pra que isso acontecesse. Eles sempre, inclusive foi uma mesma coisa da família num todo, por causa das circunstâncias dela sair, a família sempre torceu pra que eu tomasse essa decisão. E os pais da, a mãe dela, no caso, ela se ofereceu, ofereceu ajuda se eu precisasse, eu acho que foi positivo.” (Sandro)
A família da ex-esposa de Sidney teve receio de que ele afastasse os filhos do
convívio com os demais parentes:
“Então teve aquele tititi que, ah, que não vai dar certo. Mas eu acredito que eles tinham medo de as crianças virem morar comigo e eu fazer igual a alguns pais, não deixar visitar e tal.” (Sidney)
Dentre as ressalvas, familiares e amigos alertavam que cuidar dos filhos era uma
tarefa muito difícil para ser realizada sem a presença de outras pessoas, principalmente do
sexo feminino. Assim, incentivavam os pais a encontrarem namoradas ou companheiras,
que auxiliariam no cuidado dos filhos.
Mas #existia muito essa #coisa, era muito #estranho ver, no nosso círculo de relacionamento, o #homem ficar #cuidando #dos #filhos. Mas na cabeça #das #pessoas isso era muito #estranho. Eles #achavam que não, que eu não tinha aquele quê, #né, que só as #mães é que tem, que a #mulher nasceu para isso, a #função #materna, o #pai não é, é mais aquele provedor, #né. (Saulo)
“No início, meus amigos achavam que eu tinha que arrumar uma mãe pra ele. Eu tinha que arrumar uma companheira, porque ele era muito pequeno, tinha que ter uma mulher perto. E eu falava que não. Ele tinha mãe. Essas outras coisas eu podia me virar.” (Saul)
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Isso acontecia, principalmente, quando eles tinham a guarda de filhas. Nessa
situação, a companhia materna era ainda mais enfatizada, sendo que o grupo familiar
também reforçava as dificuldades que um pai poderia ter na educação da filha,
principalmente quando ela chegasse à adolescência.
Isso seria mais #estranho. #Parece que a #sociedade aceita menos um #pai #cuidar de #uma #filha sem a #presença #materna, #principalmente depois que ela cresce, como é que ela vai menstruar, esse #tipo de #coisa. (Saulo)
“A família dela apoiou a ida dela pro exterior em princípio totalmente. Aí depois, em face já da minha filha maior já tá no período de, entrando na praia da adolescência, aí eles começaram a pressionar um pouco pra que ela voltasse.” (Sérgio)
Como resposta a essas questões, Saulo e Sandro ressaltam que as dificuldades para
criar filhos poderiam surgir tanto na guarda paterna quanto na materna, independente de
quem assuma o cuidado.
“Não, não tem diferença. A única diferença que seria é você educar um filho a dois ou educar um filho sozinho. Independente se você é pai ou se você é mãe.” (Sandro) “Então todo mundo achava: ‘Mas você vai ter muito trabalho.’ E eu dizia: ‘olha, o trabalho que eu vou ter é o mesmo que uma mãe tem. Qual é a diferença? Do mesmo jeito que ela vai criar, ela iria cuidar, eu também vou cuidar do mesmo jeito, vou me preocupar com as mesmas coisas, quando tiver doente levar pro médico, as mesmas coisas, não vejo’...” (Saulo) Apesar disso, não descartam que, em alguns momentos, foi desconfortável
enfrentar essa avaliação de que um pai não tem condições de criar suas filhas e identificam
até mesmo preconceito em várias situações. Mesmo com essas questões, também nesse
grupo observa-se que os novos relacionamentos amorosos dos pais não priorizavam a
busca de uma mãe para seus filhos, mas de uma companheira.
“Então eu sentia algumas situações de constrangimento, de sair com elas e ir em determinados lugares com elas, uma festa, por exemplo. Eu chegar lá com duas meninas vestidas de ‘maria chiquinhas’, sem apoio, então isso era um pouco constrangedor pra mim.” (Sandro) “Mas eu acho que a sociedade impõe muito, muita, muita restrição. Eu tive muita dificuldade de ser pai de duas meninas. Sabe por quê? Por causa do preconceito. Grande, em grande parte das mulheres. Primeiro: as mulheres olhavam pra minha cara, a maioria das namoradas queria intervir no meu cotidiano. Definir a minha maneira de lidar com minhas crianças. E era um transtorno.” (Sávio)
Os pais avaliam que, atualmente, amigos e familiares vêem de forma positiva a
relação entre pais e filhos, mesmo não tendo incentivado essa situação desde o início.
“A família dela é que teve o problema, porque não queria que os filhos viessem, essas coisas todas, né, mas que foi tudo superado, porque tinha uma visão diferente sobre o que poderia acontecer, né. Que hoje, a própria mãe dela falou assim: olha, ainda bem que os meninos estão morando com você, deu tudo certo, e tudo mais.” (Sidney)
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“A família dela, no início achou um absurdo. Depois viu que ela não tinha condições de cuidar, que era melhor pra ele ficar comigo.” (Saul)
“E aí, com pouco tempo tudo se reverteu. Porque aí todos os nossos amigos: ‘é, realmente os meninos estão melhor com o pai do que com a mãe’.” (Sávio)
Apesar de não se considerarem ‘pais especiais’ por cuidar sozinhos dos filhos,
sabem que fazem parte de um pequeno grupo que assume a guarda. Por isso, são
constantemente elogiados pelo exercício de sua paternidade:
Eu #sei que eu não sou #uma #pessoa, #nesse #sentido, eu não sou #uma #pessoa que bate com o que se vê #geralmente na #sociedade, #né, mas eu não #vejo #nisso nada de #especial. (Saulo)
Então o #pessoal #dizia que eu era um #paizão, #né. Na verdade é que eu estava fazendo meio #pai e meio #mãe. Minha namorada #dizia que eu era #uma #mãezona. (Sávio) “O meu superintendente mesmo, ele cansa de me elogiar cada vez que ele tem oportunidade, no meio de qualquer grupo que ele está. E as pessoas, essa minha amiga mesmo fala: eu te admiro demais.” (Sérgio)
“O pessoal sempre admira, só admira. O pessoal, principalmente os vizinhos, meus amigos, meus alunos aqui, que são um ciclo grande de amigos que eu tenho. Todo mundo fica bem assim, vê que é bem legal.” (Samuel)
“Eu faço o que posso, as pessoas elogiam, acham que eu sou um ótimo pai. Eu realmente faço o que posso, mas acho que é minha obrigação. É meu filho, eu tenho que cuidar, ficar junto. É minha obrigação. Não é nada de mais.” (Saul)
A partir dos dados apresentados nessa classe verifica-se que as RS de paternidade
agregam tanto elementos tradicionais – pai provedor e educador moral - quanto os
presentes na ‘nova paternidade’ – pai afetivo e cuidador, ressaltando a participação em
tarefas ligadas ao ambiente doméstico, como saúde, alimentação e higiene dos filhos,
aspectos tidos tradicionalmente como femininos. Já a representação de maternidade é
composta principalmente de elementos que remetem aos papéis tradicionais, como a
referência à questão biológica, à afetividade naturalmente presente na mulher e à
maternidade como central para o sexo feminino, da qual ela não deve abdicar. O grupo
social também tende a reforçar os cuidados com os filhos como uma função principalmente
feminina que, mesmo que o pai assuma, ele terá várias dificuldades.
SOCIALIZAÇÃO E GÊNERO
Nessa classe também aparecem conteúdos relativos à socialização dos participantes
em sua família de origem. A divisão tradicional de papéis sociais entre pai e mãe foi o
modelo de socialização mais vivenciado pelos participantes. Nessa divisão, o pai era
retratado como uma figura séria, por vezes autoritária, e que sempre trabalhava fora de
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casa para garantir o sustento familiar, o que também gerava certa ausência do cotidiano dos
filhos. A mãe era mais próxima deles, principal cuidadora e protetora, também retratada
como autoridade moral na ausência do pai. Em algumas famílias, quando a mãe não
conseguia resolver a situação o pai assumia o controle.
“O relacionamento com minha mãe, minha mãe era assim, era aquela mãe. É o que eu acho que mãe tem que ser, do jeito que minha mãe era, mãezona mesmo, de cuidar. Meu pai viajava muito, eu só não tive um relacionamento muito aberto com meu pai como eu gostaria de ter tido. Ele viajava muito, eu via meu pai só no final de semana, na infância.” (Samuel)
“Minha mãe, meu pai era diferente saía de manhã, de tarde dava comida, coisa antiga, a comida em casa, casa, comida e roupa tá bom. Minha mãe já tava mais perto, mas é aquela mãe galinha, de proteger, de todo jeito, acobertar tudo, o dela tá certo, os outros estão errados.” (Sílvio) “Minha mãe principalmente, porque minha mãe tem muita... um jeito muito parecido com o meu. Mais independente, de gostar de fazer as coisas sozinha, de gostar de cuidar das coisas. Meu pai era mais do tipo conservador, militar. Ele que faz o dinheiro da casa e tal, um pouco mais assim.” (Saulo) “Só que o que a mãe não conseguia contornar, o pai contornava, era por aí, mas era tudo no ‘chicotão’, não tinha diálogo não.” (Sandro)
No relato dos participantes, a ausência paterna é justificada por sua função de
provedor material da família. Para alguns, o tempo que eles passavam com seus pais
realizando algumas atividades de lazer ou pequenos consertos, de certa forma, amenizava
essa ausência.
“Minha mãe não, minha mãe era aquela mãezona, mesmo, corujona, de cuidado, de proteção. Não deixava ninguém tocar. Agora meu pai não, meu pai era um pouco mais... Não porque ele queria, porque ele é um paizão. Mas pelo serviço dele mesmo. Aí passava muito tempo...” (Samuel)
“Então, realmente os momentos de estar com ele, quer dizer, quando ele ia no rio consertar lá a bomba d’água e me levava, eram momentos assim muitos gostosos, estar com ele era muito legal. (...) Bem, então eu acho o seguinte: eu não acho que o meu pai tenha sido um mau pai por não ter tido muito tempo pra ficar com a gente. Eu acho que ele se sentia ou sabia que a gente tava bem naquele melê todo, naquela coisa, naquela confusão, né.” (Sávio)
Santiago não conviveu com seu pai biológico devido a conflitos entre seus pais. Foi
criado a partir da adolescência por seu padrasto e considera que essa vivência foi
determinante para lidar de forma diferente com seu filho. Por isso, tentou não afastar o
filho do convívio com a mãe, mesmo durante o tempo em que eles não estavam casados ou
namorando.
“Cheguei a conhecer, minha mãe se recusou se casar com meu pai. Quer dizer, uma coisa muito complicada, meu pai queria conviver comigo e ela não deixava. (...) Então esse negócio de paternidade pra mim é muito complicado. Mas eu tive uma noção breve, a partir de quinze anos, que me deu, tipo assim, vislumbrou o mundo da paternidade muito bem. Eu chamo ele [padrasto] de pai e o amo como se fosse meu pai. É até hoje. É meu ídolo, é a pessoa que me ensinou a viver.” (Santiago)
135
Outros participantes relatam vivências diferentes da paternidade tradicional em sua
família de origem, que possibilitaram a reflexão sobre sua própria paternidade. Sávio relata
que cuidar de seus irmãos na infância possibilitou um envolvimento maior no cuidado com
suas filhas desde que nasceram. Sidney, por sua vez, passou a residir com seu pai após a
separação, tendo contatos esporádicos com sua mãe. De certa forma, ele repete essa
história com seus filhos, que vieram morar com ele e esporadicamente viam a mãe, mesmo
quando ela ainda morava no país.
“Veja só: eu tenho uma história de paternidade precoce que é anterior aos meus filhos. (...) Na roça era ordem do irmão ou das irmãs tomarem conta uns dos outros. E lá o escolhido fui eu (...) E eu que dava banho, trocava fralda, dava comida, fazia tudo, quer dizer, essas coisas na roça as crianças aprendem a fazer, aprendem a participar e a colaborar. Então eu acho que vem daí, digamos, o meu desembaraço em lidar com criança.” (Sávio)
“Aí minha mãe não tava tendo condição de cuidar da gente, mandou chamar meu pai pra cuidar. Aí meu pai chegou, com toda a simplicidade dele lá do interior, que ele era analfabeto, né, era meieiro lá na fazenda, ele disse: ‘eu só fico se for com todos’. Aí ficamos todos morando com o meu pai.” (Sidney)
Saul também relata uma vivência diferente da tradicional, na qual seu pai era mais
próximo afetivamente e sua mãe era a autoridade moral, pouco afetiva com os filhos.
“Ah, minha relação foi mais com meu pai. Minha mãe era mais fechada. Tinha vindo do interior, era mais fechada, brava, não conversava muito. Já meu pai era diferente. Tinha mais instrução, era mais carinhoso, conversava mais com a gente, era mais afetivo, menos bravo.” (Saul)
Dessa forma, verifica-se que a socialização vivenciada na família de origem tende a
ser importante para a maneira como os pais lidam com seus filhos atualmente, seja
repetindo alguns padrões de comportamento ou buscando agir de maneira diferente,
conforme os exemplos citados acima.
Classe 03 – Avaliações
Nessa classe, encontram-se os conteúdos referentes às avaliações que os
participantes fazem de sua paternidade, ressaltando as dificuldades e fontes de satisfação
encontradas. Muitos pais avaliam de maneira positiva sua paternidade, principalmente
porque estão conseguindo alcançar seu objetivo de criar os filhos oferecendo-lhes uma
formação considerada adequada.
“Não é que eu seja perfeito, mas eu acho que eu tô no caminho certo. Quando eu digo no caminho certo é porque são figuras que todo mundo admira, não é só com minha mãe e meu pai. Me mostre uma criança, me mostre, e isso assim desde pequeno até a adolescência, que não se nega a fazer nada, não se nega a ajudar, são figuras solidárias pra caramba, muito bonito isso.” (Sílvio)
136
Na tabela 15 estão as principais formas reduzidas associadas à classe:
Tabela 15: Principais formas reduzidas associadas à Classe 03 - GS
Formas
reduzidas
Freqüência
na classe
Freqüência
no corpus X2
Formas
reduzidas
Freqüência
na classe
Freqüência
no corpus X2
cri+ 26 45 73,40 individuo+ 8 9 41,74
viv+ 19 28 68,18 form+ 21 45 40,78
consegu+ 22 38 61,93 dur+ 9 12 36,99
Mundo 31 70 55,72 frustr+ 6 6 36,62
Vida 27 57 54,49 sozinho+ 14 26 34,53
ide+ 13 18 50,80 saberia 5 5 30,49
financeira+ 11 14 48,45 maturidade 5 5 30,49
interess+ 11 15 43,85 visão 6 7 29,72
As principais fontes de satisfação que os pais ressaltam dizem respeito aos próprios
filhos, como vê-los saudáveis, com capacidade de fazer suas escolhas e seguir seus
próprios caminhos em busca de sua independência.
“Talvez por ter dado referência pra elas, eu considero, pelo que eu disse, elas são maduras, eu considero saudáveis. A minha referência, do meu ponto de vista, pra elas foi positiva.” (Sandro)
“É você vir também sendo alguém na vida, né. Correndo atrás e ir buscando, sempre buscando, aí você tem a sensação de que fez alguma coisa boa.” (Sidney)
“Mas eu acho que eu consegui alcançar meu objetivo, que eu criei um ser humano que pelo menos não é revoltado, tem base, sabe o que quer da vida, sabe escolher as coisas. (...) A base eu dei. Isso eu não me cobro, que eu sei que a base eu dei. Eu preparei ela pra vida. Isso eu sei, eu tô tranqüilo nessa parte.” (Silas)
Os sentimentos positivos relacionados à paternidade também são enfatizados como
uma fonte de satisfação. Inclusive, alguns pais avaliam que os filhos reconhecem seu
empenho, tratando-os como ‘pai e mãe’, o que também traz realização.
“Eu acho que a paternidade é legal, eu gosto de ser o pai assim, eu acho legal quando as pessoas chegam e falam: ‘pô, você é um paizão’. Isso me agrada, me deixa mais, mais legal ainda. Eu sair com meu filho, nossa! Sair com meu filho é perfeito!” (Samuel) “Ah, ver o filho chamando de pai, tá. Chamando de pai. Ter orgulho do pai, você vê, conversando sobre os amigos, falando bem do pai: meu pai fez isso, meu pai fala isso, meu pai me orientou nisso. Isso é muito bom.” (Sidney) “Ah, satisfação é vê-lo bem, sorrindo, feliz. Ele traz presente pra mim no dia das mães. Eu ganho presente no dia das mães, sabia? Esses dias ele fez vários presentes de dia das mães e me trouxe todos. Aí eu tenho até que controlar: filho, leva esse aqui pra sua mãe, me dá só um e deixa o resto pra sua mãe, leva pra ela, ela é sua mãe.” (Saul)
137
“Olha, fontes de satisfação, minha paternidade pra mim, como fonte de satisfação é plena, eu me realizo. Eu me sinto uma mãe, sou pai e mãe, ele me dá presente de dia das mães, eu me sinto uma mãe. Como aprendizado é muito importante. Se eu fosse dar uma nota pra mim eu daria dez. Se eu fosse dar uma nota pra ele como filho eu daria dez.” (Santiago)
“Eu tô há dez anos com ele, apaixonado. Eu sempre falo: se eu perder meu filho, acaba minha vida.” (Santiago)
De forma geral, os pais demonstram alívio porque seus filhos não tiveram
problemas de comportamento, apesar de o grupo social enfatizar que essa era uma
possibilidade devido à ausência da mãe.
“Então as pessoas olham diferente. Acham que porque ele não é criado com a mãe, ele vai ter problema, vai dar problema, vai ser uma criança com problema. Mas eu não acho isso. Ele tem mãe, ela não só não ta aqui perto. Mas não vai dar problema. É uma criança adorável, tá crescendo bem. Isso é preconceito das pessoas.” (Saul) Mas nenhuma delas me deu #problemas. Até agora não. Eu entendo que foi uma #referência positiva, foi #equilibrada, então eu não tive #conflitos. (Sandro)
Além disso julgam que, emocionalmente, os filhos não apresentam dificuldades que
possam ser atribuídas à separação dos pais e à guarda paterna, como o grupo social
alertava:
“Eu sei que eu tô fazendo tudo e meus filhos vão crescer bem tranqüilos, bem legais.” (Samuel) “Ah, o que me deixa feliz é saber que eu consegui alcançar um objetivo, mesmo não tendo uma mãe do lado, na relação da minha filha. Eu consegui alcançar o meu objetivo, que era demonstrar pra ela que ela pode ser uma pessoa feliz, pode constituir uma família e se não der certo ela não vai ser infeliz, porque ela tem sempre um lugar.” (Silas) “Então ela tá aí, uma pessoa inteira, né, e que tá caminhando rápido pra independência dela e que aparentemente não tem muito, muito trauma, né. A Marcela, também eu acho que vai, né, não tão estável e tranqüila como a Sabrina, mas vai. Os outros meninos, (...) eles mostram um certo nível de felicidade razoável. Vão bem na escola, brincam bem, tem amigos, estão integrados, não tem dificuldades nenhuma, estão bem de saúde.” (Sávio)
Apesar de estarem satisfeitos com a situação atual de seus filhos e com seu
desempenho como pais, Samuel e Silas consideram que os casais, na medida do possível,
devem optar por criar junto os filhos, não se separando. Esse aspecto é interessante nesse
grupo, pois todos os participantes se separaram de suas esposas e, inclusive em alguns
casos, se avaliavam como mais preparados e capazes de cuidar dos filhos do que as
próprias mães.
“Não sei se a gente conseguiria, né, porque às vezes a gente não consegue viver junto por causa de filho, né. Como muito casal tenta viver aí por causa de filho. Às vezes é infeliz por causa de filho. Mas se pudesse ter uma escolha, eu acho que não deveria separar a família. Não é nem pelo marido e pela mulher não. É pelos filhos mesmo. É muito bom o filho que crescer ao lado do pai e da mãe.” (Samuel)
138
“Lógico, eu consegui mostrar pra ela que não, que não é porque tinha os pais separados que ela não poderia ser feliz e contar com cada um. Mas seria mais fácil, tendo o pai e a mãe, seria mais fácil ela enxergar isso, lógico, ela ia enxergar muito mais claro e ia saber que a vida a dois não era fácil, né, mas não é impossível.” (Silas)
Já Sávio ressalta que, mesmo não morando com os filhos, a mãe é bastante presente
na criação deles, não sendo necessário ‘estar casado’ para ‘criar junto’ os filhos. Sérgio
também valoriza a participação da ex-esposa na criação dos filhos, mesmo em outro país.
“Olha: não, porque eu acho que a presença feminina, da mãe, por exemplo, mesmo não estando, morando junto, conta. Ela está sempre ali em contato com eles, então eles têm, eles têm da avó, eles têm das minhas amigas, das tias, enfim. Eles convivem com muitas mulheres.” (Saulo)
“Inclusive eu não tenho nada a reclamar da minha ex-esposa. Pra mim ela é uma boa mãe. Ela só está distante.” (Sérgio) Já as dificuldades relatadas dizem respeito principalmente às preocupações com a
saúde e educação dos filhos, apesar de a maioria dos pais não ter passado por problemas
graves nesse aspecto. Eles relatam os momentos em que a mãe não esteve presente e que
estavam inseguros para tomar decisões sozinhos.
“Você se sente vulnerável a tudo, você sente insegurança principalmente na situação da criança adoentada, ou coisa assim, você se sentia inseguro em tomar decisões.” (Sandro) “Ah, dificuldade é na doença. Quando o filho fica doente a gente perde o chão. É uma preocupação. Nesse momento é difícil ser pai sozinho, pelo menos minha família agora tá perto.” (Saul) “Já maduro, mas graças a Deus já maduro. Porque já pensou, eu com vinte e poucos anos cair numa dessa? Seria inseguro, pra mim seria um desastre.” (Samir) Outra dificuldade encontrada diz respeito à conciliação do tempo disponível com as
atividades e necessidades dos filhos, que também aparece nas classes anteriores.
“Dificuldade é o fato de trabalhar, trabalhar muito, em horário bem estendido e não poder estar mais tão presente em todos os momentos.” (Sérgio) “Eles não querem saber se eu tô com alguma dificuldade, se eu tô com enxaqueca, se eu tô com dor de cabeça, se eu tô sem tempo, não. Eles pedem e solicitam o tempo todo.” (Sávio)
Ser um pai presente exige ‘desprendimento’ e tempo dedicado aos filhos, mas,
quando eles crescem, surge um sentimento de ‘tarefa cumprida’. Por isso os pais ressaltam
a questão do compromisso e sacrifício.
“Aquilo é um exercício de obrigação temporário, cujo objetivo é que aquelas pessoas com a quais você está, tem compromisso, primeiro: elas não têm compromisso com você e segundo: elas vão se libertar de você. E esse é o objetivo a ser alcançado porque quando elas se libertam de você, também de certa maneira te alivia um compromisso.” (Sávio) “E é um investimento que você faz num filho pra eles mesmos. Eu nunca faço nada pros meus filhos pensando em troca. Seria, é investimento pra eles.” (Samir)
139
“Porque criar filho não é fácil. Tem hora que a gente... nossa, dá trabalho, tem hora que você tem que abrir mão de um monte de coisa mesmo. Em algumas horas você até reclama, porque você fica saturado também. Mas é, mas é muito bom, pelo outro lado, né, de eles estarem ali, de você ver, tá vendo que tá fazendo um sacrifício por eles.” (Samuel) Os conteúdos enfatizados por Sílvio estão bastante ligados a essa classe. Ele
ressalta sua decisão de não ter filhos e, até mesmo, as dificuldades financeiras e no
relacionamento acarretadas pela gravidez da esposa. Não esconde dos filhos sua vontade
de que a esposa fizesse um aborto e considera que a paternidade frustrou muitos de seus
planos. Apesar disso, afirma que assumiu os filhos porque a mãe não tinha condições
emocionais de cuidar deles e, uma vez pai, deveria assumir esse compromisso.
#Olha, eu #vivo numa crise. Como eu falei com eles, assim, eu #jogo bem #claro, eles têm #clareza #disso que eu cheguei a, queria #abortar. Por mim teria #abortado. Porque a #vida é assim, se você não veio, não está aqui, o outro, quem é #abortado não tem nem #idéia de onde veio, onde foi. Mas quem tá no #mundo tem que ser #tratado bem. A #relação é assim. (Sílvio) Sílvio ainda reforça a questão da responsabilidade frente aos filhos, mesmo tendo
pensado em não tê-los.
Nasceu, através de nossos erros e aí essa #questão de #assumir a paternidade, ou seja, aí você #abre #mão de um #monte de coisa, sua #visão de #mundo #vai para... (Sílvio)
Já Sávio ressalta que, uma vez tendo filhos, é preciso cuidar deles:
“O risco de ter um filho, você não consegue pensar é, em não tê-lo, em não ter, quer dizer, na não presença dele. É, não, uma vez que você tenha, acabou. É como você ter um outro braço, uma outra perna, uma outra orelha, sei lá. Quer dizer, ele tá ali e você, você, você vai ter que conviver com aquilo. Bom, eu na melhor maneira possível, da maneira que você acha que é correto. Agora, o que eu poderia mudar seria simplesmente não tê-los.” (Sávio)
Ao se avaliarem, a maioria dos pais tem uma auto-imagem positiva, considerando-
se bons pais. Alguns apontam pequenas falhas, que procuram superar. Essas falhas dizem
respeito à falta de tempo para ficar com os filhos e à vontade de ser mais afetivos no
contato familiar. Apesar disso, avaliam que não tiveram muitas barreiras no
relacionamento com os filhos, construindo uma boa relação.
“Acho que você deveria perguntar ao meu filho, mas eu me considero um bom pai. Sou presente, atento, carinhoso, dou limites. Mas não é difícil lidar com ele não. Ele é uma criança muito compreensiva, carinhosa.” (Saul) “É que eu sou muito fechadão, muito, enérgico comigo e com as pessoas até, né. Mas eu acho que... eu sei porque elas, elas cresceram isso sem, sem barreiras. Não vejo da parte delas uma rejeição, uma coisa dessa natureza. Eu me considero que seja um bom pai, agora seria pergunta adequada se fosse pra elas.” (Sandro)
140
Finalizando os conteúdos presentes nessa classe, de uma forma geral verifica-se um
alto nível de satisfação com o exercício da paternidade para os homens desse grupo, até
mesmo para Sílvio e Sávio, apesar das informações indicadas acima. A paternidade é
considerada uma tarefa complexa, que exige dedicação e responsabilidade, mas que traz
bastante satisfação para a maioria dos pais entrevistados. Ao serem questionados sobre
mudanças que fariam em sua história, vários pais indicaram satisfação com seu percurso.
“Particularmente, pra mim não tem dificuldade nenhuma não. Ah, pra mim, eu, por mim, eles ficavam é cem por cento lá em casa, não deixava nem um pedacinho pra mãe!” (Samuel) “Mudaria, teria pego ele desde o primeiro dia. Teria raptado ele, desde o primeiro dia. Se eu soubesse que ia ser tão bom, eu teria raptado ele!” (Santiago) “Absolutamente nada. Foi ótimo, assim, todos os percalços, com todas as alegrias, com todas, assim, tudo de bom e de ruim que aconteceu foi tudo legal pra gente estar onde está hoje. Eu não reclamo de nada, foi bom demais, está sendo bom, mesmo. Não mudaria absolutamente nada. Nada.” (Saulo) “É... sei lá. Acho que tudo aconteceu como tinha que ser. Eu perdi o grande amor da minha vida, a minha ex-namorada. Mas ganhei outro. O Almir é outro grande amor. Eu não saberia viver sem ele. Tudo que tinha que acontecer, aconteceu. Acredito nisso. Essa é a vida que eu tive e tenho e eu tenho que aceitá-la. E foi muito boa. Hoje eu não me imagino sem ele.” (Saul)
141
4.3. Análise Fatorial de Correspondência
O programa Alceste também gera o gráfico da Análise Fatorial de Correspondência
(AFC), que permite a visualização das relações entre as classes de maneira mais clara. As
classes e algumas de suas formas reduzidas são representadas graficamente a partir da
proximidade entre elas. Para facilitar a visualização, em cada classe foi utilizada uma cor
diferente, de acordo com a legenda.
4.3.1. Grupo de viúvos
A figura 03 corresponde à AFC do GV. Nela, pode-se identificar as seis classes
contidas no dendrograma, já descritas anteriormente, distribuídas entre os eixos X e Y e
respectivos quadrantes. Ao avaliar o Eixo Y (na vertical), identifica-se uma concentração
de classes no quadrante superior do gráfico e apenas a classe 06 (Aprendizado na
Conjugalidade) no quadrante inferior. Como a classe 06 contém a história do
relacionamento até o falecimento da esposa, verifica-se que o quadrante inferior concentra
o período anterior à perda e o quadrante superior contém as vivências posteriores. Por isso
o Eixo Y representa a Dinâmica Familiar: a partir desse eixo, os quadrantes inferiores
contêm os Aspectos Idealizados – o relacionamento familiar na presença da esposa – e os
quadrantes superiores contêm os Aspectos Vivenciados, através dos relatos da vivência dos
participantes após o falecimento da esposa.
Nos quadrantes superiores localizam-se as demais classes desse grupo. No lado
direito pode-se identificar as classes que representam as fontes de apoio, preocupações e
soluções encontradas pelos pais para acompanhar o cotidiano dos filhos (cores laranja,
violeta e azul). No lado esquerdo localizam-se as classes relativas à reflexão sobre a sua
vivência, ressaltando-se suas RS de paternidade e maternidade e as avaliações dos
participantes acerca de sua paternidade (cores vermelho e verde). Assim, o Eixo X
(horizontal) foi nomeado de Exercício da Paternidade, sendo que no lado direito temos os
relatos do Cotidiano com os Filhos e no lado esquerdo as Reflexões e Avaliações sobre a
paternidade.
142
Figura 03: Análise Fatorial de Correspondência do Grupo de Viúvos
+-----|---------|---------|---------+---------|---------|---------|-----+
17 | poss+
16 | norm+propria+
15 | entend+ tent+
14 | exist+ falt+
13 |
12 | funcaoide+ cri+facilmae+ atividade+
11 | agir+ nisso banh+estud+
10 | assum+relac+ .sentindoatentopequen+ comidaescol+
9 | afetoform+viv+.figura constru+ cab+ carminhafase
8 | constitui+ tenh+vivenci+ com+filhoschor+mostr+ .. .separ+
7 | lid+ vez+ adapt+ filh+ lado . pro+ logico .... .acab+
6 | situac+ ..vida .determin+ hora+ .lev+ .consegu+ . . .area
5 | conflit+question+ cont+ forte+ ..arrepend+ fez ..tivercheg+
4 | fato+ experiencia+acord+almoc+ . . dia dia . . dava
3 | quest+human+voudiferente+ camaerr+famili+ arrum+serv+
2 | educacao os sair music+
1 |maternidadeach+ da dificuldade+ dorm+ajud+ igrejafic+veio deix+
0 +---------as------------------------crianca+faco-bat+--------------------------------+
1 | ir faz+brinc+ tir+tav+
2 | important+ponto gente teve
3 | sent+ fiz+
4 | unsano+
5 |
6 | vao
7 |
8 | roup+
9 |
10 | cas+
11 |
12 |
13 |
14 |
15 | pesso+
16 | ne
17 | perd+ sab+epoca
18 | acontec+vem .. ana_clara reform+ precis+
19 | lembr+emocion+ . .fiqu+ .carinabonit+mes+
20 | fal+amig+men+passe+alegr+
21 | decis+
+-----|---------|---------|---------+---------|---------|---------|-----+
As classes presentes nos quadrantes superiores estão bastante relacionadas entre
si, não sendo possível, inclusive, identificar onde inicia ou termina o conteúdo de cada
Cl.6
Cl.2
Cl.5 Cl.4 Cl.1
Cl.3
Legenda
Classe 02 – Paternidade e Maternidade
Classe 05 - Conflitos e
Avaliações
Classe 06 – Aprendizado
na Conjugalidade
Classe 01 – Enfrentamento
e Apoio Social
Classe 04 – Cuidados
Instrumentais
Classe 03 – Preocupações
com os Filhos
Exercício da
Paternidade
Cotidiano
com os filhos
Reflexões e
Avaliações
Aspectos
Idealizados
Dinâmica
Familiar
Aspectos
Vivenciados
Eixo X
Eixo Y
143
classe. A seta tracejada indica um continuum entre elas: as representações de paternidade e
as avaliações que os pais fazem desse exercício estão intimamente ligadas às suas práticas
no cotidiano com os filhos, desde a sua decisão por assumir o cuidado, passando pelas
preocupações e dificuldades encontradas nesse processo. Se ser pai é ser responsável e
comprometido, isso se traduz na participação do pai no cotidiano, preocupando-se com as
necessidades atuais e futuras dos filhos. Da mesma forma, como a afetividade e o carinho
são dimensões presentes na representação de paternidade, os pais devem zelar pelo
equilíbrio emocional dos filhos, auxiliando-os a enfrentar, a cada dia, a ausência da mãe.
Concluindo a análise do gráfico pode-se identificar um distanciamento entre a
classe 06 e as demais classes. Assim, a idealização das ações anteriores da esposa são
como um espelho, um ideal de parentalidade que os pais buscam vivenciar mas que julgam
não conseguir efetivar, gerando descontinuidade entre os quadrantes, já que não é possível
substituir a mãe. Por outro lado, as demais classes relacionam-se em um continuum que
demonstra as RS de paternidade dos participantes: pai cuidador, educador e afetivo, que
deve atender às necessidades físicas e emocionais dos filhos.
4.3.1. Grupo de separados
Avaliando a figura 04, a seguir, verifica-se uma boa distribuição das classes nos
quadrantes. Os quadrantes inferiores contêm as classes que evocam a existência de
conflitos na história dos participantes, como apresentado na classe 05 (União, Separação e
Guarda) e 03 (Avaliações e Dificuldades). Já nos quadrantes superiores encontram-se as
demais classes, descrevendo o cotidiano com os filhos e as reflexões sobre paternidade e
maternidade (classes 04 - Cuidados Instrumentais, 01 - Paternidade e Maternidade e 02 -
Conflitos e Preocupações).
A classe 05 (rosa), situada no quadrante inferior esquerdo está relacionada ao
relacionamento conjugal, com as brigas e conflitos que resultaram na separação, bem como
os fatores de decisão para a guarda paterna que, em alguns casos, também resultaram de
discordâncias entre o casal.
144
Figura 04: Análise Fatorial de Correspondência do Grupo de Separados
+-----|---------|---------|---------+---------|---------|---------|-----+
19 | dou
18 | as
17 | hora+escol+ tir+roup+
16 | sobr+dorm+ noiteserv+ |
15 | cheg+ir sai+ cafe frald+televisao
14 | brinc+vez+vou almoc+igual+cozinh+comid+ajud+
13 | daquipeg+ ..bot+ .. .. assist+precis+reuni+
12 dia+pass+ faz+pag+ .trabalh+domingo+
11 | lev+vo ônibus final_de_semaguent+
10 | dav+gost+ show concili+ rapaz+ particip+
9 | cas+ faculdadeteatro creche+
8 | fest+ concord+port+
7 | carro+ mar+ curs+braco+ carreg+err+cois+exist+ diz+
6 | estud+ rua+ pedro calm+lingu+melhor+ ser maesei
5 | tom+empreg+val+ sint+cuid+dig+ tenh+
4 | mateus mand+normal+arranj+ pap+sentido+ ..sociedade
3 | repente bairro+coleg+ mãe+ vej+homem
2 | vemdan+ pes+ mulher+papel ....justamente
1 | fez mont+ach+boa_mae. .pesso+
0 +--------------------dinheir+--------------+------mao+---filhos---cort+-tip+--pai+
1 | fal+ men+ jog+ maneira+matern+dificuldade+
2 | sozinho+ mundo+
3 | motivo+ lid+ dos+
4 | velh+ cri+ conflit+
5 | individuo+ .. . . dur+visao
6 |volt+fic+ planej+assum+ viv+ . . consegu+pel+
7 | administr+ financeira+ trat+
8 | banc+ide+ vida relac+
9 | ve
10 | dificil+ control+ uma+
11 | tav+ mor+gente coloc+enxerg+
12 | semana+ doutor+ nov+
13 | grau riohospitaltermin+ realidade+
14 | sabendoano+ .mês+namor+vitoria condic+
15 | febre+veio .. . interior doent+situac+
16 | doenca gravid+justicapublic+
17 | apaixon+viaj+ teve visit+ separ+relaciona+
18 | epoca+almir perdicasamento
19 | guarda
+-----|---------|---------|---------+---------|---------|---------|-----+
Cl.5
Cl.3
Cl.4
Cl.1
Cl.2
Legenda
Classe 02 – Conflitos e Preocupações
Classe 05 – União, Separação
e Guarda
Classe 01 – Paternidade e
Maternidade
Classe 04 – Cuidados
Instrumentais
Classe 03 – Avaliações e
Dificuldades
Dinâmica
Familiar
Conflitos e
Avaliações
Aspectos
Vivenciados
Atualmente
Eixo X
Exercício da
Paternidade
Reflexões e
Avaliações
Cotidiano
com os filhos
Eixo Y
145
Já na classe 03 (verde) os participantes fazem uma avaliação de sua guarda atual,
ressaltando os fatores positivos e também as dificuldades que enfrentam nesse processo,
em alguns casos enfatizando a inexistência de auxílio materno na divisão das
responsabilidades com os filhos. As classes 04 (azul) e 02 (violeta) representam as
preocupações relacionadas aos cuidados instrumentais com os filhos, e a classe 01 ilustra
as representações sobre as relações parentais.
Visualizando a partir do Eixo Y (na vertical), os quadrantes inferiores representam,
então, os Conflitos e Avaliações e os quadrantes superiores evidenciam os Aspectos
Vivenciados Atualmente. Por isso, o Eixo Y foi denominado Dinâmica Familiar.
A partir do Eixo X (horizontal), identificam-se no quadrante direito as
representações de paternidade e maternidade dos participantes (classe 01) e no quadrante
esquerdo encontram-se os relatos sobre o cotidiano (classe 04) e as preocupações paternas
com os filhos (classe 02). Como esse Eixo representa as Reflexões e Avaliações (à direita)
e o Cotidiano com os Filhos (à esquerda), foi nomeado de Exercício da Paternidade.
A linha tracejada no gráfico indica um continuum entre as classes 04, 02 e 01, nas
quais podem ser identificados os principais elementos das RS de paternidade dos pais
entrevistados. Assim, ser pai é responsabilizar-se pelos cuidados com os filhos, preocupar-
se em atender suas necessidades, dispor de tempo para ficar com eles, entre outros aspectos
presentes em todas essas classes.
Os gráficos da Análise Fatorial de Correspondência revelam algumas diferenças em
relação aos grupos. As classes evidenciam conteúdos semelhantes, exceto pelo fato de o
GS não possuir classe com conteúdo relacionado à Classe 01 do GV (Enfrentamento e
Apoio Social). O GV refere-se com freqüência ao processo de adaptação ao falecimento da
esposa, o apoio social encontrado em amigos e familiares e seu empenho em proporcionar
um ambiente emocionalmente saudável para os filhos. Como o GS não vivenciou a perda
da esposa, a guarda dos filhos ocorreu em função de uma escolha: do pai, dos filhos ou do
casal. Dessa forma, para esse grupo aparecem alguns conteúdos referentes aos conflitos
que antecederam a separação e até mesmo a decisão pela guarda dos filhos, principalmente
na classe que conta a história do relacionamento. Se para o GV essa história era vista de
maneira idealizada e saudosista, no GS o fim do relacionamento conjugal era uma situação
desejada, que proporcionou, na maioria das vezes, um ambiente familiar mais saudável,
com menos brigas e discussões.
146
Apesar da Classe 05/GS – União, Separação e Guarda – também estar situada no
quadrante inferior, tal como a Classe 06/GV – Aprendizado na Conjugalidade, no GS essa
classe é vista como um período ‘conturbado’, que faz parte do passado, sobre o qual os
homens ressaltam, principalmente, as atitudes maternas que consideram negativas. Assim,
a guarda paterna trouxe tranqüilidade para um ambiente familiar conflituoso. Já a Classe
06/GV aparece como uma idealização, um modelo a ser buscado, se contrapondo a uma
vivência presente com dificuldades devido à ausência da esposa. Nesse caso, a guarda
paterna é uma necessidade e não uma escolha, que é exercida com certa insegurança e,
talvez, mais dificuldades.
Nas demais classes existem semelhanças. Ambos os grupos referem-se aos
cuidados instrumentais com os filhos como parte da rotina familiar. Também preocupam-
se com a saúde emocional dos filhos, sua educação e futuro profissional. Quando
representa a paternidade e maternidade, o GV tende a referir-se à questão da
responsabilidade pelo acompanhamento dos filhos, que agora ocorre sem a presença da
esposa, mas espelhando-se em suas atitudes. E esse grupo também ressalta que, mesmo
buscando suprir as necessidades dos filhos, não conseguirão substituir a mãe.
Por sua vez, o GS divide-se: uma parte enfatiza a função parental como uma função
que pode ser assumida tanto pelo pai quanto pela mãe e outra parte considera que está
realizando tarefas que são de responsabilidade da mãe (na ausência dela, assumem a
função materna).
147
5. DISCUSSÃO
Conforme vários autores discutem, na paternidade tradicional o homem cumpre,
principalmente, as funções de provedor material e educador moral da família, com pouca
participação no cotidiano doméstico e no cuidado com os filhos (Hegg, 2004; Muzio,
1998; Ramires, 1997; Ridenti, 1998;). Nessa concepção, a responsabilidade pelos cuidados
com os filhos é considerada uma tarefa materna ou de outros cuidadores, geralmente do
sexo feminino (avós, tias, irmãs, babás, empregadas, entre outras), ligando estes cuidados
parentais à mulher, principalmente devido à questão da concepção.
Por isso, a participação do pai nesses cuidados é tema de diversos estudos e um dos
principais aspectos analisados ao se falar da ‘nova paternidade’. Rezende e Alonso
discutem que esse novo processo de paternagem propicia “um envolvimento maior dos
homens-pais nos cuidados dos filhos, acentuando as relações de afeto, a subjetividade e a
liberdade no relacionamento familiar” (1995, p. 67). Esse envolvimento paterno pode
iniciar-se na gestação, com o suporte dado à mãe da criança e ao bebê até o seu nascimento
e posterior participação nos cuidados com o filho (Carvalho, 2003; Freitas & cols., 2007;
Motta & Crepaldi, 2005; Piccinini & cols., 2004; Silva & Piccinini, 2007; Sutter &
Bucher-Maluschke, 2008; Tronchin & Tsunechiro, 2006; Unbehaum, 2000).
No presente estudo, a gravidez e o nascimento dos filhos foram vivenciados de
forma positiva pela maioria dos pais. Apenas Sílvio mencionou seu desejo em não ter
filhos no início do casamento, sendo que a gravidez da esposa provocou uma das diversas
separações do casal durante seu relacionamento. A maioria desejava ter filhos, embora
alguns não tivessem ainda definido o momento em que isso ocorreria. Mesmo assim, os
pais cujas companheiras engravidaram sem o planejamento do casal assumiram as
responsabilidades pela paternidade quase sempre através do início do relacionamento
conjugal, com exceção de Santiago, que se casou quando o filho tinha três anos.
Em relação a essa questão, Freitas e cols. (2007) discutem que, para que um homem
se ‘sinta pai’ é necessário que alguns fatores estejam presentes: a paternidade deve ser um
projeto de vida, deve haver aceitação por parte do homem, proximidade física e
envolvimento afetivo com o filho. Os pais entrevistados por Bustamante (2005) e
Velásquez (2006) também tinham a paternidade como um projeto de vida, mesmo que não
tivessem ainda definido o momento em que ela ocorreria. Da mesma forma, verifica-se que
148
os homens entrevistados nesta pesquisa ‘escolheram’ ser pais: quando planejaram a
gravidez com sua companheira definiram em que momento isso ocorreria e, quando não
houve planejamento, escolheram assumir esse filho, muitas vezes através do casamento ou
evitando a separação por um período inicial. Por outro lado, a maternidade parece ser vista
por eles como algo natural à mulher e sempre desejado por ela, pois vários participantes
julgavam negativamente a postura materna de afastamento em relação aos filhos,
afirmando que eles próprios jamais se afastariam dessa forma. Vista dessa forma, a
paternidade parece ser voluntária, às vezes com um período necessário para
amadurecimento dessa decisão; já a maternidade é vista como natural e obrigatória para a
mulher (Costa, 2002; Trindade, Menandro, Perim & Gianórdoli-Nascimento, 2003), sendo
que ela quase sempre sofre sanções sociais quando nega essa maternidade, seja através do
aborto ou quando decide não engravidar ou não criar os filhos.
Devreux (2006) ressalta que, no pensamento social, a paternidade é uma vivência
quase sempre planejada, pois os homens escolhem quando e como desejam ser pais - não
se podem esquecer as diversas situações nas quais a paternidade não é assumida
legalmente ou afetivamente. Thurler (2006) argumenta que o poder patriarcal confere
simbolicamente aos homens essa possibilidade de recusar ou deixar de reconhecer os
filhos. Como exemplo, ela cita algumas legislações: no Brasil o estabelecimento da filiação
paterna é feito pelo homem, mas, em outros países da América Latina é permitido que a
mãe indique o nome do pai da criança no momento do registro, sendo que existe um
período para que o homem se manifeste contrariamente. Essa última forma legitima a
palavra materna e permite ao homem contestar sua paternidade posteriormente, cabendo a
ele comprovar a não filiação.
Ao serem questionados sobre a participação na gravidez e no nascimento dos filhos,
a maioria dos pais que entrevistamos referiu-se principalmente ao acompanhamento em
exames e consultas e ao envolvimento nos preparativos materiais para a chegada do bebê.
Os demais relataram outras formas de participação e envolvimento afetivo, como Saul e
Vilmar, que se sentiam ‘grávidos’ também. Apenas Sandro, Valério e Sérgio consideravam
que a gravidez era um acontecimento normal dentro do casamento e não ficaram
‘mimando’ a esposa e o filho, apesar de acompanharem o pré-natal e os preparativos para a
chegada do bebê. A respeito dessas diferenças durante a gestação, Freitas e cols. (2007)
ressaltam que “o ‘novo pai’ visita o pai tradicional, mas afasta-se dele, dotando a
149
paternidade de sentido mais amplo, percebendo-a desde a gravidez, iniciando ainda nessa
fase a construção de vínculos afetivos que se firmarão com o nascimento” (p. 143).
O envolvimento material e afetivo na gestação também foi encontrado por Piccinini
e cols. (2004): os pais relataram que se sentiam envolvidos afetivamente e materialmente
com a gestação e as formas de participação mais citadas foram o apoio emocional e
material à gestante, o acompanhamento às consultas e exames e o envolvimento nos
preparativos para a chegada do bebê. Em nossa pesquisa, alguns pais referiam-se como
grávidos, aspecto também encontrado por Bornholdt e cols. (2007) e o envolvimento
paterno na gestação e no parto também foi identificado nos estudos de Maridaki-Kassotaki
(2000), Motta e Crepaldi (2005), Silva e Piccinini (2007) e Unbehaum (2000).
5.1. Cuidados com os filhos e guarda paterna
Após o nascimento dos filhos, a participação paterna adquire outros contornos. Nos
dados coletados em nossa pesquisa, a maioria dos pais assumia os cuidados com os filhos
em diversas situações durante o relacionamento conjugal, desde a alimentação, higiene,
escola, saúde, até as atividades de lazer e orientação. Mas, na maioria dos casos, os
próprios pais admitiam que essa atuação era um ‘auxílio’ à esposa, ficando a maior
responsabilidade por conta dela.
Proporcionalmente, essa situação é mais evidente no GV. Nele, todos os pais
auxiliavam nos cuidados parentais, mas consideravam que a esposa tinha maior
responsabilidade e envolvimento. A inserção masculina ocorria de maneira parcial e em
algumas tarefas específicas, como o lazer e acompanhamentos escolares.
Esses dados nos permitem avaliar que, apesar da inserção da mulher no mercado do
trabalho e do discurso de divisão igualitária de tarefas dentro e fora do ambiente
doméstico, pouco se avançou nesse aspecto. A mulher ainda continua sobrecarregada,
assumindo trabalhos externos e, ao mesmo tempo, sendo a principal cuidadora dos filhos e
da casa (Biasoli-Alves, 2001; Braz & cols., 2005; Féres-Carneiro, 2001; Jablonski, 2005;
Negreiros & Féres-Carneiro, 2004; Perlin & Diniz, 2005 e Perucchi & Beirão , 2007).
Nas pesquisas realizadas por Silva e Piccinini (2007) alguns pais reconheciam
participar dos cuidados com os filhos de maneira irregular e em tarefas específicas, ficando
a maior responsabilidade com sua esposa. Para os homens entrevistados por Unbeahum
(2000) a participação nos cuidados com os filhos e a divisão das tarefas domésticas
150
dependia de sua rotina profissional e sua disponibilidade no trabalho, sendo que muitas
vezes eles reconheciam que não auxiliavam. Fuller (2000) também encontrou dados que
indicavam que a participação masculina dependia de sua inserção no trabalho e de aspectos
culturais, sendo que as atividades domésticas e parentais eram vistas pelos homens como
ligadas ao sexo feminino, tal como ressaltado pelos homens entrevistados por Maridaki-
Kassotaki (2000). A esse respeito, Muzio (1998) discute que variáveis como a presença
física ou a responsabilidade pelos filhos são mais determinadas pela divisão social do
trabalho e organização da sociedade. Em outras investigações, os próprios pais se
colocavam em uma posição secundária em relação à mulher (Sutter & Bucher-Maluschke,
2008; Toneli & cols., 2006), aspecto muitas vezes também reforçado pelas mães (Resende
& Alonso , 1995; Bustamante, 2005).
Os dados de Roazzi (1999), obtidos nos segmentos de classes populares brasileiras,
revelaram uma divisão de tarefas socialmente aceitas para cada sexo: as mulheres
realizavam atividades relacionadas à limpeza e alimentação, inclusive dos filhos, e os
homens envolviam-se em atividades como a realização de consertos domésticos, levar
filhos para escola ou lazer e acompanhar as tarefas escolares. Nessa divisão, as atividades
femininas relacionam-se ao atendimento das necessidades fisiológicas dos filhos e
funcionamento da casa e as masculinas às habilidades manuais e intelectuais e à interação
em ambientes externos à casa. Nas palavras do autor:
Essas tarefas não mexem tanto com a concepção tradicional do papel masculino por serem tarefas que têm a conotação de gratificação e prestígio, além de não deixarem de ser papéis externos à própria unidade doméstica. (Roazzi, 1999, p. 32) Em uma pesquisa francesa os dados também apontam nessa direção: o tempo do
homem com seus filhos é preenchido com jogos, trabalhos escolares ou passeios, ou seja,
em tarefas que não entram em contradição com outros domínios de suas atividades, como o
trabalho profissional e relacionamentos sociais (Devreux, 2006). As atividades lúdicas
também foram as práticas parentais mais citadas pelos homens nos estudos de Crepaldi e
cols. (2006) e Trindade e Menandro (2002). Dessa forma, assim como no GV, obedece-se
à dicotomia histórica e tradicional: mulher nos espaços privados e homem nos espaços
públicos, mesmo quando interagem com os filhos.
No GS essa situação se repete, mas em menor escala. Sidney, Sérgio e Sílvio
relatam que, antes da separação, participavam principalmente das atividades relacionadas à
escola, lazer ou transporte dos filhos, quase sempre realizadas fora de casa, como na
151
divisão tradicional de gênero discutida acima. Os demais pais tinham uma vivência
diferenciada. Antes mesmo da separação, eles já se consideravam bastante envolvidos no
cuidado com os filhos, muitas vezes de forma mais ativa que a mãe. Saul, Sávio, Samir e
Saulo, por exemplo, informam que sempre foram mais preocupados com o cuidado e bem-
estar dos filhos do que a própria esposa, sendo que isso se acentuou após assumirem a
guarda. Os dados obtidos por Ramires (1997) também apontam para uma participação
efetiva dos homens nos cuidados parentais, durante e após a separação. No caso do GS,
mesmo a guarda sendo materna, os entrevistados pela autora mantinham o contato e os
cuidados com os filhos, sendo que algumas vezes esse relacionamento havia se
intensificado após a separação.
Em nossa pesquisa verificou-se que, para a maioria do GS, a participação nos
cuidados parentais já era mais presente durante o relacionamento conjugal. Havia um
maior interesse paterno nos cuidados com os filhos e, de certa forma, alguns consideraram
que essa familiaridade com o cotidiano infantil os auxiliou a tomar a decisão pela guarda.
No caso do GV, a guarda foi uma conseqüência do falecimento da esposa. Foi preciso
assumir o cotidiano doméstico e parental de alguma forma e a maneira encontrada por
esses pais foi contar com auxílio profissional de empregadas domésticas. Esse tipo de
auxílio também é bastante comum em casais que trabalham fora de casa (Braz & cols.,
2005; Moreira & Biasoli-Alves, 2007; Unbehaum, 2000) e em mães solteiras ou separadas
(Perucchi & Beirão , 2007), garantindo o cuidado com os filhos durante a jornada de
trabalho. Apesar disso, ressalta-se que, muitas vezes, o viúvo é incentivado a buscar o
convívio com outras mulheres (avós, tias, namoradas) e até mesmo a deixar os filhos sob a
responsabilidade delas. Nesse ponto, foi uma escolha nos pais viúvos cuidarem de seus
filhos, já que grande parte do grupo social questionou, em um primeiro momento, a
capacidade masculina de cuidar dos filhos.
Para o GS isso ocorreu de forma diferente: eles contratavam empregadas quando os
filhos eram pequenos (seis homens no total) e, à medida que os filhos cresciam, as tarefas
domésticas eram divididas entre os membros da família, dispensando auxílio externo. Na
época da entrevista apenas dois pais ainda mantinham empregadas em casa, três
contratavam faxineiras semanais e os outros seis assumiam integralmente as tarefas
domésticas, solicitando o auxílio dos filhos. Contando ou não com auxílio profissional, a
maioria dos pais buscaram maneiras de conciliar as responsabilidades parentais com sua
jornada de trabalho, estudo e lazer.
152
Os homens do GV queixavam-se da dificuldade nessa conciliação, preocupando-se
com o tempo que os filhos ficavam sozinhos em casa ou com empregadas. Sentiam-se
sobrecarregados, mas consideravam que faziam um sacrifício necessário para o bem-estar
dos filhos e eram os únicos que deviam fazê-lo, já que a esposa havia falecido.
No GS essas questões também apareceram e vários pais enfatizaram as mudanças
que fizeram em sua vida profissional e social após assumirem a guarda dos filhos.
Diminuíram algumas atividades profissionais e o tempo de lazer sem os filhos, de forma a
aumentar sua disponibilidade. Muitos se queixavam da pouca participação materna nos
cuidados com os filhos, gerando sobrecarga para os pais. Mas eles também enfatizavam
que cuidar dos filhos foi uma opção e, por isso, sentem-se satisfeitos com sua atuação,
mesmo sem alguém para partilhar essas responsabilidades e com pouco tempo para suas
próprias atividades. Nos dados de Unbehaum (2000) a paternidade é considerada como
uma tarefa árdua, que exige dedicação e também renúncia ou readequação dos projetos e
compromissos sociais e pessoais e Fuller (2000) também ressalta que a paternidade
demanda sacrifícios para prover, educar e formar os filhos. Apesar de também relatada por
alguns pais separados, essa noção de sacrifício é mais marcada no GV. Para eles, a
ausência da esposa aumenta sua responsabilidade, já que passaram a ser os únicos
responsáveis pelos filhos. Por isso, alguns pais relatam se sacrificar pelos filhos, mesmo
sabendo que nunca estarão próximos à atuação da sua esposa. Já no GS, os pais
‘sacrificam’ e conciliam seu tempo de forma a ficar mais presentes no cotidiano, mas não
mencionam preocupações com a possibilidade de seus filhos ficarem sozinhos caso ele
faleça, pois, apesar de tudo, sabem que a mãe ainda poderá estar presente.
Ainda sobre esse sobrecarga, podem-se citar os resultados das pesquisas de
Perucchi e Beirão (2007) e Grzybowski (2002) com famílias monoparentais femininas. As
primeiras autoras verificaram que as mulheres queixavam-se da sobrecarga de tarefas
domésticas, trabalho externo e cuidados com os filhos, considerando que assumiam
algumas atividades que seriam próprias do pai, numa referência à divisão sexual do
trabalho. Já na pesquisa de Grzybowski (2002), contrariando a literatura pesquisada pela
autora, as mulheres entrevistadas não reclamaram de sobrecarga no cuidado com os filhos
após o divórcio. Ela explica os dados a partir de duas possíveis perspectivas: muitas vezes
as mulheres tendem a assumir o papel de principal cuidadora desde o casamento, situação
que se mantém após o divórcio e, por outro lado, o ideário do amor materno impede que as
153
mães reclamem dos cuidados com os filhos, pois ser mãe demanda sacrifício e amor
incondicional.
Retornando aos dados da nossa pesquisa, os homens de famílias monoparentais
entrevistados, apesar das queixas, justificam e valorizam essa sobrecarga: para o GV, eles
precisam assumir a função da esposa no cuidado dos filhos; para o GS a guarda foi uma
opção e, apesar de reclamarem do cansaço que isso traz, relatam que alguém precisa
assumir esse cuidado para que os filhos fiquem bem.
Quando analisamos a formalização da guarda paterna, verificamos que, no GS,
menos da metade dos homens havia formalizado e, nos casos em que a primeira guarda foi
materna, apenas três participantes haviam revertido judicialmente esse quadro. Muitos
assumiram a responsabilidade de maneira informal, embora a ameaça da mãe em ‘tomar’
os filhos estivesse presente em muitas situações.
Os dados do IBGE (2006) informam que, no Espírito Santo, menos de 8% das
separações judiciais e divórcios resultam na guarda paterna. No Brasil, isso ocorre em 5%
das separações e 6% dos divórcios. Na França, os dados demonstram que 14% das famílias
monoparentais são compostas pelo pai (Devreux, 2006). É possível que o número de
homens que assumem a guarda dos filhos seja ainda maior, já que, como em nossa
pesquisa, muitas situações não são formalizadas.
Mesmo sendo um fenômeno crescente, a guarda paterna ainda enfrenta uma série
de dificuldades. Os entrevistados ressaltaram que os profissionais envolvidos na separação
e seus próprios familiares priorizavam a mãe na hora de definir a guarda. Assim, o
imaginário social ainda reforça o cuidado com os filhos como responsabilidade materna,
aspecto também presente no discurso masculino. Ridenti (1998) encontrou dados
semelhantes ao questionar se, em caso de separação, os homens entrevistados solicitariam
a custódia de seus filhos. Apenas dois responderam afirmativamente e os demais
ponderaram que a idade dos filhos influenciaria em sua decisão, reforçando que a presença
da mãe era fundamental para o desenvolvimento dos filhos. Em nossa amostra alguns pais
também relataram que a idade dos filhos foi um fator importante na decisão para que a
primeira guarda fosse materna.
Outras dificuldades enfrentadas ao assumir a guarda paterna foram relacionadas ao
apoio social recebido. Foi comum vários homens ouvirem de familiares e amigos que não
possuíam capacidade de criar um filho sozinho. Por isso, receberam diversas sugestões e
incentivos para que tivessem um novo relacionamento ou ficassem perto da família, de
154
forma que uma mulher pudesse acompanhar a criação dos filhos. Verifica-se, assim, que a
participação paterna tende a ser desvalorizada ou negada em diversas situações e esse
discurso tende a ser reforçado por diversos atores sociais, como demonstram as pesquisas a
seguir.
Hennigen (2003) e Medrado (1998a), por exemplo, demonstraram como alguns
comerciais veiculados pela mídia reforçam estereótipos de gênero, tais como o homem
‘desajeitado’ para cuidar de uma criança ou apenas assumindo o papel de provedor
material da família. Essa situação também se repetiu na análise da participação masculina
nos cuidados infantis numa creche (Cruz, 1998). Na área da saúde algumas pesquisas
também podem ilustrar essa questão. Rezende e Alonso (1995) observaram que os
profissionais de uma unidade de saúde interagiam prioritariamente com as mães, mesmo
com o pai presente às consultas; Siqueira, Mendes, Finkler, Guedes e Gonçalves (2002)
verificaram que os programas de atendimento pré-natal não possuíam atividades dirigidas
para os homens e Carvalho (2003) e Piccinini e cols. (2004) identificaram que a
participação paterna no parto das companheiras é desvalorizada e pouco incentivada pelas
próprias equipes de saúde. Diversos autores também discutem como as políticas de saúde
reprodutiva muitas vezes são voltadas apenas para as mulheres, o que exclui a participação
masculina nessa esfera e reforça que a reprodução é uma preocupação feminina (Figueroa-
Perea, 1998; Sabo, 2000).
Em nossa pesquisa, os pais sentiam-se desconfortáveis em alguns ambientes
tradicionalmente femininos, como a escola, por exemplo. Vagner relatou que passou por
conflitos com os professores pois, algumas vezes, as dificuldades de seu filho eram
justificadas pelo corpo docente pelo fato de sua mãe ter falecido. Outros pais, como Saul,
também ouviam freqüentemente que a ausência da mãe no cotidiano da criança poderia
produzir traumas ou problemas de comportamento. Na opinião dos pais, essas questões não
se confirmaram, pois eles demonstraram um alto grau de satisfação com o
desenvolvimento de seus filhos, que, segundo suas palavras, estão crescendo saudáveis,
estáveis e sem ‘traumas’.
O equilíbrio emocional dos filhos após a separação conjugal foi estudado por Souza
(2000), que entrevistou 15 adolescentes cujos pais (pai e mãe) se separaram em sua
infância. A autora relata que, apesar dos sentimentos de tristeza e solidão e das mudanças
vivenciadas a partir da separação, há um novo equilíbrio nas relações familiares após certo
período (pelos relatos dos adolescentes isso ocorreu após cerca de quatro anos) e “as
155
reações negativas iniciais não necessariamente refletem um comprometimento a longo
prazo” (p. 210). Apesar de ser um elemento de tensão e estresse infantil, todos os
adolescentes pesquisados afirmaram que o divórcio foi uma boa solução para a família. Em
nossa pesquisa, Sílvio afirmou que seus filhos ficaram aliviados após a separação, pois as
brigas do casal diminuíram consideravelmente. Outros entrevistados também mencionaram
sua preocupação com o impacto da separação para os filhos, como também citado pelos
pais separados entrevistados por Ramires (1997).
No GV a preocupação com os aspectos emocionais dos filhos se sobressai, pois foi
citada por todos os pais nessa condição. Existe uma preocupação com as conseqüências
emocionais surgidas após o falecimento da esposa, que poderiam atrapalhar os estudos e os
relacionamentos sociais de seus filhos. Por isso, os pais enfatizam suas ações no sentido de
minimizar a ausência da esposa, ‘fazendo o possível’ para atender as necessidades dos
filhos e articulando seu cotidiano de forma a passar mais tempo com eles. Bromberg
(1996) ressalta que em famílias onde um dos genitores falece há uma sobrecarga dentro do
sistema familiar para o outro responsável, pois ele deve lidar com o próprio luto, o luto dos
filhos e ainda desenvolver novas habilidades e atividades. Assim, “a reação da mãe ou do
pai sobrevivente é de importância vital, pois dá ou não à criança a possibilidade de
entender e lidar com sentimentos de tristeza, culpa ou surpresa” (p. 113).
Avaliando a partir desse ponto de vista, pode-se compreender porque o
relacionamento conjugal é relatado de forma até mesmo idealizada pela maioria do GV. Ao
relembrar as ações da esposa, os pais buscam nortear suas próprias atitudes com os filhos,
de forma a resgatar uma forma de funcionamento familiar abalada com o falecimento.
Como ressaltado pela autora: “quando o vínculo é rompido, os recursos de que o indivíduo
dispõe para elaborar o luto devem ser buscados na qualidade do vínculo anteriormente
existente” (Bromberg, 1996, 103). Essa preocupação ficou evidente nos relatos dos
participantes, que demonstraram seu esforço para se equilibrar emocionalmente e manter a
família unida nessa nova etapa.
5.2. Representações sociais de paternidade e maternidade
As RS de paternidade dos grupos englobam tanto elementos tidos como tradicionais
(aspectos financeiros e de autoridade moral), quanto os descritos pela literatura como
pertencentes à ‘nova paternidade’ (pai envolvido afetivamente e nos cuidados com os
156
filhos). No GV os elementos presentes nas RS de paternidade foram: Responsabilidade e
Acompanhamento, Afetividade e Companheirismo, Orientação e Correção, Provedor
Material e Equilíbrio. No GS, as representações são as mesmas, com pequenas variações
em seus significados, e ainda aparece um novo elemento: Igual à Maternidade.
Para o GV, ser pai é considerado uma grande responsabilidade, principalmente após
o falecimento da esposa, já que se tornaram os principais cuidadores dos filhos. A partir do
falecimento, passaram a estar mais presentes no cotidiano dos filhos, atendendo suas
necessidades diárias e acompanhando seu desenvolvimento. Já no GS, a maioria afirmou
que seu envolvimento nos cuidados com os filhos já existia antes da separação e que isso
se intensificou quando ficaram com a guarda, apesar do discurso de outras pessoas de que
não seriam capazes de cumprir com essas atividades. Tais aspectos se ligam à
representação do pai cuidador, cuja participação nos cuidados parentais é bastante
enfatizada nas pesquisas sobre paternidade.
Nesse sentido, os pais casados entrevistados por Bustamante (2005) relatam que,
com a paternidade, aumentam as responsabilidades e acaba o período de ‘curtição’. O
aspecto da responsabilidade também é fortemente encontrado nos dados de Fuller (2000),
Mora e cols. (2005), Olavarria (2001) e Velásquez (2006). Apesar desse aumento da
responsabilidade, Ramires (1997) e Rezende e Alonso (1995) também encontraram vários
relatos sobre como a participação paterna no cotidiano dos filhos é desejada e vista de
maneira positiva pelos homens entrevistados.
A afetividade foi uma dimensão destacada pelos participantes dos dois grupos, que
buscavam ser carinhosos e atenciosos com seus filhos, estabelecendo vínculos de confiança
e companheirismo. Muitos não eram tão próximos de suas filhas, justificando que a relação
mãe e filha é bem diferente do que com o pai, mas reconhecem que estão buscando
mudanças em sua maneira de se relacionar com elas. Em pesquisas recentes, verifica-se
que os homens também buscam ampliar o afeto, a partilha e o diálogo em seu
relacionamento com os filhos (Balancho, 2004; Belzano, 2003; Crepaldi & cols., 2006;
Fuller, 2000; Gomes & Resende, 2004; Olavarria, 2001; Sutter & Bucher-Maluschke,
2008), apesar de relatarem algumas dificuldades em se aproximar das filhas (Silva &
Piccinini, 2007). Da mesma forma, os dados de Braz e cols. (2005) enfatizam que a
afetividade é um dos pilares para ser um ‘bom pai’, além de ser um aspecto valorizado
pelas próprias mães/mulheres (Crepaldi & cols., 2006; Perucchi & Beirão , 2007).
157
A proximidade maior entre mãe e filha como um aspecto naturalmente estabelecido
também foi encontrada por Bustamante (2005). Os homens entrevistados relataram suas
preocupações com as filhas, consideradas por eles como mais carinhosas e frágeis, e
mencionaram sua maior facilidade em se relacionar com os filhos, principalmente ao falar
sobre sexualidade e ao partilhar momentos de lazer. Nos dados de Martinez (2006), a
preferência pela aproximação dos homens com os filhos também fica evidenciada, sendo
justificadas pela realização de atividades de lazer pertinentes ao universo masculino e à
concepção de que as mulheres têm maior responsabilidade pela criação das filhas.
Nolasco (1997) complementa essa questão, enfatizando que as RS de
masculinidade impõem restrições para o homem estabelecer relações de intimidade, pois,
no processo de socialização, essa é considerada uma esfera feminina: “Em nossa cultura, a
denominação ‘intimidade’ está associada ao universo da mulher: íntimo; que está muito
dentro; que atua no interior, muito cordial, afetuoso; ligado por afeição e confiança” (p.
20).
No GS, a maioria dos pais relatou suas dificuldades em se aproximar das filhas e
certo desconforto ao tratar de assuntos como sexualidade e menstruação. Poucos referiram
se sentir à vontade para fazer essas orientações, sendo que a maioria considerava que esse
tipo de assunto deveria ser tratado de mulher para mulher, nesse caso queixando-se da
pouca participação materna. Já no GV, apenas Valério informou que acompanhar a filha no
ginecologista era uma situação natural, sem sentir-se desconfortável com isso. Valter via
dificuldades nessa área, principalmente relativas ao namoro de sua filha; Vilmar não fez
menções ao assunto, talvez porque suas filhas ainda eram crianças. Verifica-se, mais uma
vez, que a sexualidade feminina é vista como uma área que não diz respeito ao homem ou
que ele tem dificuldades em lidar, mesmo estando preocupado com o bem-estar da filha ou
esposa.
As questões relativas à Orientação e Correção, que remetem ao pai educador,
também aparecem em outras pesquisas sobre a paternidade (Balzano, 2003; Braz & cols.,
2005; Martinez, 2006; Olavarria, 2001; Perucchi & Beirão , 2007; Trindade & Menandro,
2002). Em nossa pesquisa os participantes mencionaram, principalmente, o diálogo, as
punições verbais, a aplicação de castigos e as punições físicas como as formas de
orientação e correção. Os pais do GV relatam que as esposas eram as moderadoras nesse
processo, auxiliando-os a tomar decisões. Já a maioria do GS queixou-se da pouca
158
participação materna nessa área, sentindo-se sobrecarregados com a função de educar os
filhos, apesar de considerarem essa uma tarefa inerente à paternidade.
Considerado um dos principais pilares da paternidade tradicional, o pai provedor
aparece ligado diretamente ao trabalho remunerado dos participantes, visto que este
proporciona o sustento material da família. Para eles, poder arcar financeiramente com as
despesas domésticas e dos filhos é uma necessidade e, algumas vezes, o dinheiro é uma
forma de demonstrar carinho ou estabelecer limites. Por isso alguns pais manifestaram seu
desconforto quando, por algum motivo, encontraram-se desempregados e não puderam
prover financeiramente algumas necessidades dos filhos. Em nossos dados, o pai provedor
não foi o elemento mais importante ao representar a paternidade, sendo possível identificá-
lo em outros momentos da entrevista e ligado a outros aspectos. Esse desconforto em
relação ao desemprego relatado por Valério e Samuel remete-se não tanto às questões
financeiras, mas ao trabalho sendo visto como parte da identidade masculina. Nesse
sentido, é importante destacar que, em uma família monoparental, o aspecto material é uma
responsabilidade que não é questionada, pois já é assumida ‘naturalmente’ por homens e
mulheres nessa condição. Talvez por isso o aspecto material não seja um elemento
preponderante, abrindo espaço para que outros elementos se destaquem.
Já na literatura pesquisada, o pai provedor ou a responsabilidade por prover a
família apareceram prioritariamente no discurso dos pais entrevistados por Bustamante
(2005), Velásquez (2006), Trindade (1993) e Trindade e Menandro (2002) e nas
representações de paternidade tradicional relatadas por Villamizar e Rosero-Labbé (2005).
Também foi mencionado em outras pesquisas sobre a paternidade, dessa vez não como
prioritário, mas como importante (Bornholdt, Wagner & Staudt, 2007; Costa, 2002; Sutter
& Bucher-Maluschske, 2008). Assim, verifica-se que a responsabilidade tradicional
masculina ainda é fundada no trabalho e na virilidade (Negreiros & Féres-Carneiro, 2004),
estando o papel de provedor ainda ligado à masculinidade e à paternidade (Fuller, 2000;
Jimenez & Lefréve, 2004).
Apesar de considerarem o trabalho como uma atividade fundamental, os pais de
ambos os grupos também enfatizaram que, por isso, possuem pouco tempo para ficar com
os filhos. Relatam seu desconforto por trabalhar fora e, ao mesmo tempo, reservar tempo
para ficar próximos do filho, confirmando os resultados de outras pesquisas (Bustamante,
2005; Fuller, 2000; Martinez, 2006; Silva & Piccinini, 2007). Devido a essa situação, tanto
os homens do GV quanto do GS relataram as estratégias utilizadas para conciliar trabalho e
159
paternidade: alguns diminuíram seu tempo para lazer e outras atividades pessoais, fazendo
‘sacrifícios’ para atender a todas as demandas; outros não viam dificuldade nessa
conciliação, ressaltando que essa era uma situação comum às mães que também possuem a
guarda dos filhos. Os dados de Mora e cols. (2005) também evidenciaram que a
paternidade demanda certo esforço e sacrifício por parte dos homens e, assim como
ressaltado por Fuller, “la noción de ‘sacrifício’, a su vez, es la expresión moral de los
esfuerzos diários realizados por los padres en la tarea de proveer y formar” (2000, p. 44).
Diversas pesquisas também mencionam que conciliar trabalho e maternidade é uma
preocupação feminina que gera desgaste e sobrecarga, principalmente quando, casadas ou
separadas, elas ainda são as principais responsáveis pelos cuidados domésticos e parentais
(Peruchi & Beirão, 2007; Romito, 1997; Schirmer, 1997; Sarti, 1997).
Quando representam o que é ser um bom pai, a questão do Equilíbrio também é
ressaltada. Assim, é necessário conciliar todos os aspectos da paternidade: pai cuidador,
pai afetivo, pai educador moral e pai provedor, de forma a alcançar o equilíbrio nessas
esferas.
Igual à Maternidade foi um elemento citado por poucos pais, somente no GS, mas
que, qualitativamente, demonstra a percepção de que os cuidados com os filhos são
importantes e podem ser realizados tanto pelo pai quanto pela mãe. Dados semelhantes
foram encontrados por Frascarolo e cols. (1996) ao analisar as práticas de maternagem e
paternagem de pais na França e por Trindade e Menandro (2002), em entrevistas com
jovens pais.
De forma geral, as RS de paternidade presentes no GV e GS foram encontradas em
diversas outras pesquisas sobre o tema, com outros enfoques teóricos, contendo um ou
vários elementos já mencionados, com exceção da categoria Igual à Maternidade, pouco
mencionada na literatura. Nos dados de Trindade e Menandro (2002) o pai provedor
aparece prioritariamente, mas também com referências ao pai cuidador, afetivo e educador
moral. Na pesquisa de Braz e cols. (2005), um bom pai deve ser afetivo, participativo,
provedor de suporte emocional, orientador e disciplinador. O pai também pode ser
caracterizado por sua postura de ser responsável pelos filhos, o que significa ser provedor
material e estar presente no cotidiano deles, participando dos cuidados instrumentais e de
sua formação (Bustamante, 2005; Costa, 2002; Fuller, 2000; Gallardo & cols., 2006).
Freitas e cols. (2007) também discutiram que o pai provedor pode conviver com o pai
afetivo, iniciando o vínculo com seu filho desde a gestação.
160
Ainda na literatura pesquisada, os principais elementos de representações de
paternidade encontradas por Balancho (2004) são: ser compreensivo/manter o diálogo,
estar presente, partilhar o poder conquistando a autoridade e ser descontraído e lúdico. Já
Trindade e cols. (1997) encontraram elementos como o ‘Afeto’, ‘Relacionamento
Positivo’, ‘Orientação’ e ‘Provedor’ nas RS de pais de diferentes gerações e níveis de
escolaridade, além da categoria ‘Atributo’ (referente a qualidades como ser honesto e
trabalhador). Neste último trabalho, os cuidados com os filhos aparecem na categoria
Outras, mas com freqüência bem menor do que os demais elementos. Essa combinação de
traços tradicionais e aspectos mais voltados para o relacionamento afetivo e participação
nos cuidados diários também foram encontrados nas representações identificadas e
denominadas por alguns autores como paternidade em transição e ruptura (Villamizar &
Rosero-Labbé , 2005), paternidade moderna e em transição (Hegg, 2004) e pai com
manifestações de mudança e pai não tradicional (Muzio, 1998).
As RS dos pais entrevistados nesta pesquisa também envolvem elementos da
paternidade tradicional e da ‘nova’ paternidade. Assim, a ênfase na afetividade e
companheirismo, nos cuidados e na ampliação do tempo que passam com os filhos são
representativos de uma vivência paterna diferenciada da tradicional, reforçada pela
presença do elemento ‘Igual à Maternidade’ e pela reduzida presença do elemento pai
provedor. Sobre a ‘nova paternidade’, Peruchi e Beirão (2007) entrevistaram mulheres e
verificaram que, entre elas, esses elementos também estão presentes:
Os relatos das informantes sobre a paternidade, de modo geral, demonstram uma tentativa de superação do papel de pai como provedor da família, o que sugere que estas mulheres demandam uma maior participação do pai de seus filhos (seja pai biológico ou pai social) na dinâmica sócio-afetiva da família. (p. 64) As RS de maternidade desse grupo também possuem elementos tradicionais e
novos, sendo mais evidentes as diferenças entre o GV e GS. No GV os elementos presentes
foram: Centralidade da Mãe, Aspectos Biológicos, Disponibilidade e Participação,
Afetividade, Igual à Paternidade e Superior à Paternidade. Para o GS, ser mãe engloba:
Aspectos Biológicos, Estar Presente, Afetividade e Companheirismo, Igual à Paternidade,
Superior à Paternidade, Não Abandonar os Filhos e Equilíbrio.
A Centralidade da Mãe é um elemento que somente aparece no GV. Assim, eles
consideram que a mãe é um ponto central na vida de um filho, uma referência, e, no relato
de Valter, uma pessoa capaz de fazer sacrifícios por seus filhos. Rodrigues (2000), ao
161
analisar publicações voltadas para pais e mães, também identificou que havia uma
valorização da importância materna no processo de socialização infantil, havendo poucas
referências ao pai, questão também ressaltada por Navarro (2007). Pais adolescentes e
adultos entrevistados em outros contextos também mencionaram a centralidade da mãe na
relação com os filhos, embora expressassem seu desejo de maior participação (Trindade &
Menandro, 2002; Ramires, 1997; Sutter & Bucher-Maluschke, 2008).
A referência aos Aspectos Biológicos na representação de maternidade está
presente nos dois grupos. A maternidade, nesse sentido, inicia-se com uma ligação natural
entre mãe e filho ainda na gestação, resultando em uma relação bem mais íntima do que
poderá ser estabelecida com o pai. O instinto materno também é citado como explicação
para essa ligação entre mãe e filhos, apesar de que, em algumas mulheres, ele parece não
‘florescer’. Dessa forma, os aspetos biológicos parecem, imperativamente, determinar que
as mulheres devem gerar e cuidar das futuras gerações (Rocha-Coutinho, 1994). Luna
(2002) e Navarro (2007) observam que a gestação ainda está ligada a uma maternidade
sacralizada, assim como apontado por Ridenti (1998):
A maternidade – e conseqüentemente a maternagem -, pela ligação com o corpo, é ainda um elemento muito forte em nossa cultura, determinando que cuidar seja uma atribuição exclusiva do gênero feminino. As responsabilidades parentais são pois definidas considerando como principal referência a mãe, a partir do princípio biológico de que é no corpo dela que o bebê é concebido. (p. 169). Costa (2002) discute que, em algumas teorias sobre concepção, o fato do embrião
desenvolver-se no corpo materno dá uma dimensão diferenciada a essa relação, durante e
após o nascimento:
No meu entender, é justamente essa desigualdade contida na teoria duogenética, marcada pela gravidez, que informa as noções de amor natural materno, de ligação natural e automática da mãe com o filho. Isto é, a gravidez tomada como a responsável por estabelecer esse amor e essa ligação natural da mãe com o filho, pois confere à mãe uma experiência exclusiva de intimidade com a criança. (p. 350) Por outro lado, a paternidade tem sido considerada como uma questão social e não
biológica, como afirma Fonseca (2004):
Há homens que, por não terem afinidades com a mulher, rejeitam qualquer relação com o filho; e, contrariamente, existem homens (em particular padrastos) que assumem o status paterno, mesmo sabendo que não existe fundamento biológico nenhum para essa relação. Ao que tudo indica, a biologia nunca foi o sine qua non da paternidade – certamente não da perspectiva dos homens. (p. 19)
162
Nesse sentido, pode-se citar o exemplo de Saulo, que criou o enteado como filho, e,
após a separação, continuou assumindo a responsabilidade por ele e pelo filho mais novo,
que é biológico. Santiago também se referiu ao seu padrasto como o verdadeiro pai,
reforçando sua relação afetiva com ele. Mas, em algumas pesquisas com homens e casais
em tratamento contra a infertilidade, o filho biológico aparece como um elemento
importante tanto a para paternidade quanto para a maternidade (Costa, 2002; Borlot &
Trindade, 2004).
O elemento Disponibilidade e Participação, que apareceu no GV, contém conteúdos
comuns a Estar Presente, do GS, mas sentidos diferentes. No GV, a mãe é vista de maneira
idealizada e no GS os pais se queixam da pouca participação materna no cotidiano dos
filhos: ou seja, é importante que ela esteja presente, mas suas ex-esposas não participavam
e nem demonstravam disponibilidade – por isso as categorias foram nomeadas de forma
diferente. De forma geral, os pais consideram que a mãe deve participar do cotidiano dos
filhos, acompanhando seu desenvolvimento e estando disponível para atender suas
necessidades. A partir da literatura da área verifica-se que, historicamente, esse papel foi se
construindo como uma prerrogativa feminina. A mulher era a principal cuidadora do lar e
dos filhos, situação que ainda se mantém nos contextos sociais, apesar da inserção
feminina no mercado de trabalho.
A Afetividade também é um conteúdo presente em ambos os grupos. Para os
grupos, é como se ela fosse naturalmente presente na maternidade, pois “toda mãe é boa”
e, “normalmente, os filhos tendem a se apegar mais à mãe do que ao pai”. Mas a relação
afetiva estabelecida pela maternidade também é citada por alguns pais como fruto de uma
construção cotidiana, através da busca do diálogo e convívio com os filhos - por isso a mãe
deve buscar ser esposa e amiga. Esse dado também pode ser encontrado na concepção
tradicional de gênero, na qual a mulher é considerada mais afetiva e compreensiva, sendo
esse comportamento ainda ensinado e esperado socialmente (Belotti, 1975; Nader, 1997;
Rocha-Coutinho, 1994).
No GV, apenas um pai representou a maternidade como sendo Igual à Paternidade;
no GS isso foi mencionado por três pais. Verifica-se que essa igualdade é relativa à
responsabilidade por acompanhar os filhos no cotidiano, tarefa que, para eles, pode e deve
ser cumprida por ambos, pai e mãe. Quando avaliamos os demais elementos da RS pode-se
verificar que não há igualdade pois aparece uma maior valorização da mãe, considerada
163
‘central’ para a vida do filho. De forma semelhante, esse elemento também é pouco citado
na literatura pesquisada: apenas encontramos referência nos dados de Frascarolo e cols.
(1996) e Trindade e Menandro (2002). Nesse último estudo, dos oito adolescentes
entrevistados, dois mencionaram que tanto o pai quanto a mãe possuem a mesma
importância para o desenvolvimento dos filhos.
Já as referências à maternidade como Superior à Paternidade são mais freqüentes
tanto nos nossos dados quanto na literatura pesquisada. O GV enfatiza a ligação
estabelecida na gestação como uma experiência única e grandiosa. Como a mãe é
considerada central na vida dos filhos, sua ausência é mais sentida por eles do que a
ausência paterna, já que o pai nunca poderá substituí-la. Além disso, a percepção materna
sobre as necessidades do filho é considerada bem mais apurada que a paterna, apesar de
ressaltarem que essa capacidade é desenvolvida no cotidiano e também pode ser buscada
pelo homem. Já no GS aparece apenas a afirmação de que a mãe é superior ao pai devido à
gestação ocorrer no corpo materno, o que dá uma dimensão única a essa experiência.
Rodrigues e Trindade (1999) constataram a supervalorização da mãe no
desenvolvimento infantil, com conseqüente subvalorização do pai, nos conceitos
difundidos em um manual sobre Psicologia do Desenvolvimento da década de 1970. Já os
pais entrevistados por Ramires (1997), mesmo considerando-se participativos e
preocupados com os filhos, também relataram a importância da relação mãe-filho,
mencionando que nada substitui essa relação. Nas pesquisas de Resende e Alonso (1995),
os pais se colocaram de maneira secundária em relação às mães e os homens entrevistados
por Sutter e Bucher-Maluschke (2008), apesar de algumas vezes se colocarem nessa
posição, ao mesmo tempo questionam essa supervalorização materna e buscam
reconhecimento sobre sua forma própria de cuidar e se relacionar com o filho.
Entrevistando mulheres, verifica-se que também elas tendem a superdimensionar sua
função como mães: na amostra de Trindade (1993), a supervalorização da mãe aparece
como um dos elementos definidores da RS de maternidade e as mães entrevistadas por
Dias e Lopes (2003) também valorizam sua função materna, embora tenham receio de não
dar conta de todas as exigências que elas mesmas se estabelecem.
Também presente somente entre o GS, o elemento Não Abandonar os Filhos refere-
se à questão da guarda ter ficado com o pai, algumas vezes sem que a mãe tivesse tentado
impedir. Quatro pais consideraram que uma mãe deve fazer sacrifícios para criar seus
filhos, mesmo alegando falta de condições financeiras, materiais ou de tempo. Nesse
164
sentido, julgam de maneira negativa a postura de sua ex-esposas afirmando que, em seu
lugar, não teriam abdicado da guarda dos filhos. A esse respeito, estudos indicam que,
socialmente, a maternidade é vista como uma meta natural e esperada para toda mulher
(principalmente por estar ligada aos aspectos biológicos) e necessária para a realização
pessoal feminina, ao passo que na paternidade o homem tende a escolher quando e como
exercerá sua paternidade (Costa, 2002; Devreux, 2006). Nesse sentido, como já ressaltado,
a questão do sacrifício aparece mais fortemente no discurso dos viúvos pois, apesar de seus
esforços, não se consideram capazes de se igualar à mãe.
Trindade (1999) ressalta que existe certa condenação social às mulheres que não
ficam com seus filhos, independente do motivo alegado. A esse respeito, Thurler (2006)
encontrou dados que indicam que, em caso de abandono de bebês (sozinhos em casa,
esquecidos dentro do carro, entre outros casos retratados pela mídia), havia um tratamento
desigual aos pais e mães: a identidade do pai autor do abandono quase sempre era
protegida e as próprias autoridades e profissionais envolvidos eram benevolentes com os
homens, justificando esses ‘esquecimentos’. Quando a situação ocorria com as mães, elas
eram freqüentemente expostas a julgamentos severos e condenações, sem atenuantes.
Longe de justificar qualquer ato de abandono e negligência em relação aos filhos, a autora
buscou demonstrar como as RS de maternidade e paternidade são fundamentais ao se
avaliar o descuido parental. Navarro (2006) também discute que a centralidade materna no
desenvolvimento infantil acaba por reforçar sua culpabilização quando acontece algum
problema na criação dos filhos, como dificuldades de relacionamento, envolvimento com
drogas, entre outros.
De certa forma, essa culpabilização materna também aparece em nossa pesquisa.
Mesmo escolhendo ficar com a guarda dos filhos e, muitas vezes sentindo-se mais capazes
como cuidadores, muitos pais entrevistados em nossa pesquisa ainda assim julgavam
negativamente a atitude materna, avaliando-a como abandono dos filhos.
Equilíbrio é um elemento que aparece apenas no GS, definindo o que seria uma boa
mãe. Para isso é preciso somar vários aspectos, como ser afetuosa, estar presente para
acompanhar os filhos e impor limites, por exemplo.
De uma forma geral, as RS de maternidade dos grupos tendem a reproduzir o
modelo tradicional: a maternidade está ligada ao aspecto biológico, representada pela
gestação e pelo parto. O vínculo mãe-filho tende a ser supervalorizado, sendo a mãe
percebida como um elemento central na vida dos filhos. A afetividade e a participação nos
165
cuidados e orientações tendem a ser esperadas, pois uma mãe deve sempre ficar com os
filhos, mesmo que para isso tenha que fazer sacrifícios. Esses elementos estão em
consonância com os dados de Braz e cols. (2005): uma boa mãe deve orientar e conduzir
os filhos, ser afetiva, participativa e responsável pelos cuidados parentais.
Em nossa pesquisa as representações de maternidade somente contemplam
principalmente os aspectos tradicionais, não sendo mencionados elementos semelhantes ao
grupo de ruptura discutido por Villamizar e Rosero-Labbé (2005), para o qual a
maternidade é considerada uma experiência gratificante mas que deve e pode ser
conciliada com as atividades profissionais da mulher, pois não é central para sua
identidade.
Por outro lado, da mesma forma que ocorreu com as RS de paternidade, a
combinação de elementos tradicionais e novos também ocorre quando os pais se referem à
expressão ‘pai e mãe’, ou ‘pãe’, como alguns espontaneamente afirmam. Há algumas
diferenças até mesmo dentro do mesmo grupo sobre as representações de ser ‘pai e mãe’.
Para o GV, ‘pai e mãe’ assume alguns sentidos. Como a mãe é considerada uma
figura central no desenvolvimento dos filhos, os pais se espelham nas atitudes dela para
definir e refletir sobre sua atuação, e, dessa forma, buscam amenizar essa ausência, sentida
principalmente pelas filhas, que eram ‘naturalmente’ mais próximas dela. Mas, mesmo
com seu esforço, os pais afirmam que nunca poderão substituir a esposa, pois a relação
mãe-filho é única. Verifica-se, novamente, a centralidade da figura materna e, mesmo com
os pais assumindo o cuidado com os filhos, eles próprios afirmam que a mãe é mais
importante.
No GS aparecem elementos diferentes: primeiramente, parte dos homens discute
que o cuidado parental pode ser realizado por qualquer pessoa, até mesmo não sendo pai
ou mãe. Essa representação relaciona-se com o senso de responsabilidade pelos filhos,
através dos pais assumindo atividades que consideram importantes para seu bem-estar,
independente de qualquer divisão de gênero presente tradicionalmente em relação aos
cuidados parentais. Assim, os pais se envolvem em todos os cuidados instrumentais e ainda
assumem o papel de provedores e educadores morais, sem deixar de buscar envolvimento
afetivo com os filhos. Na literatura atual, essa participação no cuidado parental caracteriza
a ‘nova paternidade’ que, nesse caso, também é monoparental – uma característica que a
diferencia dos homens que dividem os cuidados diários com a esposa.
166
Outro elemento também presente no GS considera que, no cuidado parental,
existem funções que devem ser desenvolvidas pelo pai e, separadamente, outras funções
que dizem respeito à mãe. Esses pais assumem ambas as funções, sendo que parte deles
avalia de forma natural a não participação materna e outra parte queixa-se disso, pois
sentem-se sobrecarregados ao fazer uma tarefa que ‘não é sua’, já que as esposas não
participam do cuidado com os filhos e, quando o fazem, é de maneira descontínua.
Curiosamente, essa sobrecarga é destacada na literatura como sentida tradicionalmente
pelas mulheres, que, por sua vez, sempre reclamaram da pequena participação dos homens
nos cuidados parentais, como já destacado anteriormente.
Quando relatam que o cuidado parental pode ser assumido por qualquer pessoa,
independente de quem o faça, os pais consideram que as necessidades dos filhos são
importantes e que devem ser supridas. Verifica-se, então, que nessa representação as
fronteiras entre as responsabilidades maternas e paternas são menos rígidas, indicando uma
responsabilidade que é parental e não apenas do pai ou da mãe. Mas, apesar de assumir os
cuidados parentais e suas RS de paternidade conterem elementos não tradicionais, muitos
pais ainda fazem referência à divisão tradicional de gênero. E eles, por sua vez, cobram
uma distribuição igualitária de tarefas entre homens e mulheres no cuidado com os filhos,
invertendo uma luta que, historicamente, foi travada pelas mulheres.
Como discute Nóbrega (citado por Trindade,1999), existe um discurso social de
que tanto o pai quanto a mãe são importantes para a criança, mas os lugares de cada um no
desenvolvimento infantil são diferentes e específicos, ligados à divisão tradicional de
gênero e isso parece se repetir no relato de vários pais entrevistados em nossa pesquisa. As
mulheres chefes de família entrevistadas por Perucchi e Beirão (2007) também
reclamavam por realizar as tarefas maternas e paternas, baseando-se, dessa forma, na
concepção tradicional de gênero.
Em outros momentos da entrevista, os pais também fizeram referências às
representações tradicionais de gênero, seja ao falar de seus filhos ou de si próprios. Assim
como eles se referem à identificação presente entre mãe e filha, consideram que os homens
também se identificam com os filhos, exercendo atividades próprias ao sexo masculino,
como jogar bola, fazer consertos domésticos, cuidar do jardim ou quintal, entre outras. Os
meninos também são vistos como menos afetivos e mais práticos, sendo essa mesma
representação ligada à auto-imagem de alguns pais, que mencionaram sua dificuldade em
ser mais próximos das filhas. Nesse sentido, outros autores demonstram que as RS
167
tradicionais de gênero valorizam a afetividade como uma característica feminina (Nolasco,
1997), o que também aparece nos dados de Bustamante (2005).
Ao falar de sua relação com seus próprios pais, novamente aparecem as
representações tradicionais de gênero. As mães eram consideradas mais afetivas, próximas
do cotidiano dos filhos e os pais eram mais autoritários, sérios, distantes afetivamente e,
muitas vezes, fisicamente, devido a viagens ou trabalho. Apesar de terem vivenciado esses
modelos em sua família de origem, muitos homens em nossa pesquisa consideram que isso
os fizeram refletir sobre sua própria paternidade, aprendendo com as atitudes positivas de
seus pais e mães e buscando não reproduzir uma postura distante e autoritária.
Outras pesquisas também apontam que, mesmo vivenciando em sua socialização os
modelos tradicionais de paternidade e maternidade, os homens buscaram aprender com
essa vivência, valorizando e repetindo as atitudes que consideravam positivas, ao mesmo
tempo em que rejeitavam e se diferenciavam do que achavam negativo. Como exemplo,
pode-se citar os homens entrevistados por Gomes e Rezende (2004), Freitas e cols. (2007),
Balzano (2003), Balancho (2004) e Bucher e Sutter-Maluschke (2008), que se referiram ao
distanciamento afetivo de seus pais e ao autoritarismo como um modelo que não gostariam
de repetir.
Dois participantes relataram vivências diferenciadas, que, acreditam, influenciaram
positivamente para que assumissem a guarda: Sávio e Sidney. Desde criança Sávio cuidava
dos irmãos mais novos, assumindo responsabilidades com a alimentação, higiene, escola e
lazer – no estudo de Bustamante (2005) e Levandowski e Piccinini (2006), os pais
relataram que sua experiência no cuidado de irmãos também serviu como uma preparação
para a paternidade. Sidney, junto com os irmãos, foi criado somente por seu pai, já que sua
mãe separou-se e como não tinha condições financeiras de ficar com os filhos pediu que o
ex-esposo ficasse com as crianças. De certa forma, essa história se repetiu com ele que, por
sua vez, também se separou e assumiu a guarda dos filhos por ter melhores condições
materiais que a ex-esposa. Além disso, Santiago foi criado por seu padrasto e acreditava
que isso foi uma importante referência em sua paternidade. Após a separação dos pais, sua
mãe o impediu de conviver com o pai, o que fez emergir sentimentos de rancor e
distanciamento afetivo por parte de Santiago. Quando sua mãe casou-se novamente, ele
estabeleceu uma relação de admiração, carinho e confiança com seu padrasto, que descreve
como sendo seu verdadeiro pai. Devido ao distanciamento de seu pai biológico após a
168
separação, Santiago não quis que isso se repetisse com seu filho, e, entre outros fatores,
solicitou a guarda logo que se separou.
De forma geral, os pais avaliam de forma positiva sua paternidade. Estão satisfeitos
com seu próprio desempenho, sua capacidade de superar as dificuldades da paternidade
monoparental e com o direcionamento que têm fornecido aos seus filhos. Em diversas
pesquisas, a satisfação no relacionamento com os filhos também é ressaltada (Ramires,
1997; Silva & Piccinini, 2007), sendo a paternidade considerada uma realização pessoal e
possibilitadora de relações afetivas mais enriquecedoras (Rezende & Alonso, 1995). Ter
sucesso na criação dos filhos também é uma expectativa referida na literatura (Fuller,
2000; Levandowski & Piccinini, 2006; Mackey & cols., 1992), bem como ver os filhos
saudáveis e felizes com suas escolhas (Braz & cols., 2005).
Apesar de relatarem sua satisfação, dois participantes do GS consideram que, se
possível, os pais deveriam evitar a separação e fazer um sacrifício para criar juntos os
filhos. Esse relato indica uma concepção idealizada da família nuclear, que circula no
pensamento social e ainda é desejada, apesar de outras configurações familiares estarem
cada vez mais presentes (Jablonski, 2005; Negreiros & Féres-Carneiro, 2004; Santos &
Oliveira, 2005).
De forma geral, os dados apresentam representações tradicionais de maternidade,
paternidade e parentalidade, ao mesmo tempo em que, principalmente no caso da
paternidade e parentalidade, indicam a emergência de elementos novos que remetem à
questão da ‘nova paternidade’. A própria vivência desses homens, enfrentando dificuldades
e preconceitos sociais ao assumir a monoparentalidade já apresenta uma forma não
tradicional de exercer a paternidade. Esta baseia-se no desejo de assumir o cuidado com os
filhos, seja após a separação ou o falecimento da esposa, e estabelecer uma relação de
afetividade, cumplicidade e orientação, bem além do que simplesmente prover
materialmente os filhos.
169
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O exercício da paternidade está intimamente relacionado às questões de gênero,
sobretudo à construção do que é ser homem e ser mulher em nossa sociedade, por sua vez
determinada pelo poder e pela divisão sexual do trabalho ao longo de nosso processo
sócio-histórico. Vivemos em um processo de questionamentos desses lugares construídos e
na busca de igualdade nas questões de gênero, dentre as quais a saúde sexual e reprodutiva
e a parentalidade são temas cada vez mais freqüentes, agora com a inclusão masculina na
discussão de seus direitos e deveres nessa área.
Na paternidade, essa discussão tem colocado em pauta, principalmente, a
responsabilidade masculina pelos cuidados com os filhos uma vez que, como já discutido,
a responsabilidade financeira e autoridade moral já são aspectos assumidos
tradicionalmente pelo homem no seu exercício de ser pai. Como ilustra Velásquez (2006):
La paternidad es una relación social compleja, que va más allá del hecho de engendrar un ser humano y que generalmente comprende otras dimensiones, como las de proveer económicamente, ejercer autoridad, proteger, formar y transmitir valores y saberes de padres a hijos e hijas. Asimismo, la participación masculina en la crianza y cuidado de sus pequeños es un aspecto que también se considera central en el ejercício de la paternidad cuando se extienden los valores democráticos en la familia y se busca el logro de una mayor equidad de género. (p.168) Segundo a autora, há uma forte relação entre a masculinidade e a paternidade, já
que “una forma de ser padre tiene que ver con una forma de ser hombre” (p. 155). Assim,
se na masculinidade hegemônica não se incentiva a expressão dos sentimentos e a
responsabilidade masculina está baseada no trabalho remunerado e externo ao ambiente
doméstico, pode-se compreender porque a paternidade tradicional está baseada na
responsabilidade econômica e na autoridade moral sobre a família.
Aspectos como a expressão da afetividade e o companheirismo já se configuram
como dimensões bastante citadas nas pesquisas recentes, principalmente nos resultados
obtidos com as novas gerações. Alguns autores têm destacado que muitas vezes os sujeitos
mais jovens tendem a assumir práticas de paternidade não-tradicionais ou ‘em transição’,
em consonância com a ‘nova paternidade’ (Hegg, 2004; Gallardo & cols., 2006; Martinez,
2006; Villamizar & Rosero-Labbé , 2005).
170
Mas, como já exposto anteriormente, a responsabilidade pelo cuidado com os filhos
ainda é pouco compartilhada entre pais e mães. A participação masculina ainda é parcial e
descontínua quando comparada às mulheres, mesmo quando elas também possuem
atividade profissional externa ao lar. Em nossa pesquisa também encontramos tais
resultados, pois grande parte dos participantes reconhecia que durante o relacionamento
conjugal sua esposa era mais responsável pelos cuidados parentais. Por outro lado, também
encontramos homens que, durante o casamento, se consideravam mais participativos que
as próprias esposas, situação que se manteve após a separação pois vários pais se queixam
da pequena participação materna.
Diante da diversidade de atuações dos homens e das RS identificadas nessa
pesquisa podemos destacar, tal como Hegg (2004), que não se pode falar em paternidade,
mas em paternidades, uma vez que são plurais as formas de relacionamento e
responsabilização assumidas pelos pais.
Quando avaliamos as RS identificadas nos grupos, verificamos vários aspectos
tradicionais, como a responsabilidade, a orientação e correção e o pai provedor. Ao mesmo
tempo, identificamos a presença de discursos e práticas que indicam que a expressão da
afetividade e o companheirismo são aspectos também importantes. Por outro lado, ainda
timidamente e somente no GS, aparece o elemento Igual à Maternidade. A partir da teoria,
podemos identificar os elementos estáveis e mais ‘duros’ da representação – autoridade
moral e financeira sobre a família – mas também verificar a emergência de conteúdos que
são mais flexíveis e indicativos de mudanças na representação – a afetividade e,
principalmente, o elemento Igual à Maternidade – que ainda estão mais periféricos. Nesse
caso podemos considerar que a afetividade é indicativa de mudança porque, na maioria das
vezes, a vivência da paternidade com seu próprio pai era mais rígida e menos afetiva. Além
disso, diversos pais relataram suas dificuldades e esforços para se relacionar de forma mais
íntima, principalmente com suas filhas, indicando suas dificuldades nesse processo.
As RS de maternidade também indicam esse movimento: os conteúdos mais
estáveis dizem respeito aos aspectos biológicos e de centralidade e superioridade da mãe,
além da maternidade não ser vista como opção feminina, mas como um imperativo. Por
outro lado, elementos que indicam mudanças periféricas são aqueles relacionados à
maternidade ser Igual à Paternidade.
O convívio de diferentes elementos, indicando inclusive contradições dentro das
mesmas representações também foi encontrado quando os sujeitos representaram o que é
171
ser ‘pai e mãe’. Nesse ponto há maior convívio de elementos diversos, demonstrando como
a guarda paterna faz os homens pensarem e construírem, conjuntamente, suas
representações, em um processo dinâmico e contínuo. Ser pai e mãe, mas sem substituir a
mãe porque ela é central no desenvolvimento dos filhos, é uma representação que remete
às RS tradicionais de maternidade dos grupos. Nesse ponto, também aparecem conteúdos
tradicionais da divisão de gênero, quando os homens relatam haver atividades específicas
ou mais propícias de serem realizadas pelo pai e outras cuja responsabilidade deve ser
materna. Por outro lado, elementos de transição podem ser observados nos discursos de
que tanto o pai quanto a mãe podem ser responsáveis, da mesma forma, pelos filhos.
O debate sobre a participação masculina é amplo e diversas ações estão sendo
desenvolvidas por associações, institutos de pesquisas e ONGs diversas, buscando
incentivar e envolver os homens nas questões relacionadas à sua saúde e ao exercício da
paternidade.
Por exemplo, podemos citar o Instituto PAPAI1, no Recife: trata-se de uma ONG
feminista que desenvolve ações educativas, informativas e políticas junto a homens e
mulheres, objetivando desconstruir a cultura machista, bem como desenvolver estudos e
pesquisas no campo dos estudos de gênero e masculinidades. O Instituto Promundo
desenvolve ações de intervenção, pesquisa e capacitação nos campos de gênero e saúde e
prevenção da violência contra a mulher, com a implementação de programas que buscam
promover comportamentos e atitudes mais igualitárias entre homens jovens. O Instituto
ECOS é uma ONG que atua na consolidação dos direitos sexuais e reprodutivos de
mulheres, jovens e adolescentes, abordando a gravidez na adolescência, masculinidades,
participação juvenil e prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, uso de drogas e
violência. A Associação de Pais Separados – APASE – também é uma ONG que
desenvolve atividades voltadas à igualdade de direitos entre homens e mulheres após a
separação e divórcio, principalmente no que diz respeito à guarda dos filhos.
Recentemente, a APASE esteve fortemente envolvida na aprovação da Lei 11.698, de 13
de junho de 2008, que altera alguns artigos do Código Civil para instituir e disciplinar a
Guarda Compartilhada.
Segundo o texto da Lei:
1 Maiores informações sobre as instituições citadas nessa sessão em seus respectivos sites:
www.papai.org.br, www.promundo.org.br, www.ecos.org.br, www.apase.org.br.
172
Art. 1º. Os arts. 1.583 e 1.584 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, passam a vigorar com a seguinte redação: "Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada. § 1o Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5o) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns. " A redação anterior da lei não esclarecia quais os tipos de guarda que poderiam ser
definidos, apenas indicando que, em caso de separação ou divórcio, a guarda deveria ser
acordada entre os pais e, caso não houvesse consenso, o juiz a atribuiria a quem tivesse
melhores condições de obtê-la. Na nova redação da lei, quando não houver consenso entre
os pais o juiz aplicará, sempre que possível, a guarda compartilhada.
Os dados já discutidos anteriormente demonstram que, na vigência da lei anterior, a
guarda materna era preponderante - apenas 5% das separações e 6% dos divórcios
resultavam em guarda paterna formalizada, segundo o IBGE (2006). Nesse sentido,
devemos lembrar alguns aspectos que contribuem para que apenas uma pequena parte dos
homens solicite ou obtenha a guarda: no senso comum circula fortemente o discurso de que
os filhos, principalmente quando pequenos, devem ficar aos cuidados das mães, que são
consideradas mais habilidosas e centrais para o desenvolvimento infantil. Lembramos que
esse ideário é confirmado nas pesquisas desenvolvidas por Ramires (1997) e Ridenti
(1998). Em nossa pesquisa também pudemos constatar a idealização e centralidade
materna em dois momentos: quando o casal optou pela primeira guarda ser materna,
justificada pela idade dos filhos e, ao assumirem a guarda, quando os pais foram
questionados por amigos e familiares sobre sua capacidade de cuidar dos filhos.
Alguns autores também vêm discutindo a Síndrome de Alienação Parental
(Navarro, 2007; Segura, Gil & Sepúlveda, 2006), situação na qual o detentor da guarda cria
obstáculos e conflitos para que o outro genitor se relacione com o filho, muitas vezes
difamando sua imagem ou impedindo visitas. Como discutem os autores:
Sin embargo, hay situaciones en las que existen obstaculizaciones por parte de uno de los progenitores a las relaciones de sus hijos e hijas con el otro progenitor que desembocan en el Síndrome de Alienación Parental, una de las formas más sutiles de maltrato infantil, casi desconocida hasta ahora, pero que está cobrando vigencia día a día y que produce un grave daño en el bienestar emocional y en el desarrollo de los menores que lo sufren. (Segura, Gil e Sepúlveda, 2006, p.117)
173
Como relembrado por Féres-Carneiro (1998), os interesses dos filhos devem se
sobrepor aos conflitos do casal: “quem se separa é o par amoroso, o casal conjugal. O
casal parental continuará para sempre com as funções de cuidar, de proteger e de prover
as necessidades materiais e afetivas dos filhos” (parágrafo 25).
Com essa nova legislação, é possível que assistamos a modificações nas relações
familiares após a separação ou divórcio. Em nossa pesquisa, Sidney já agia em um
princípio de guarda compartilhada, já que seus filhos passavam períodos semelhantes na
casa do pai ou da mãe. Mas nos demais aspectos de divisão de responsabilidades
(financeiras e educativas), Sidney queixou-se da pequena participação de sua ex-esposa e
se considerava o principal responsável pelos filhos. Nesse sentido, lembramos que a nova
lei dispõe sobre a similitude de direitos e deveres parentais, situação que, na opinião de
Sidney, não ocorria.
Também é possível que, ao representar a paternidade com elementos não
tradicionais, mesmo que incipientes, os pais contribuam com o exercício da paternidade
das próximas gerações que, convivendo com modelos mais permeáveis e menos rígidos,
poderão estabelecer novos sentidos para suas práticas parentais.
Escolhemos, para essa pesquisa, um grupo pouco estudado pela literatura e
pudemos observar mudanças em relação ao exercício tradicional da paternidade, já que
Dantas, Jablonski e Féres-Carneiro (2004) analisaram diversas pesquisas nas quais o
distanciamento no relacionamento pai e filho após a separação (sendo a guarda materna) é
bastante freqüente. No nosso caso, a aproximação foi desejada e, mesmo não formalizando
a guarda, esbarrou em diversas barreiras impostas pelo grupo social.
Outras configurações familiares também têm buscado ampliar seus direitos em
relação à paternidade e maternidade, lutando contra preconceitos e solicitando sua inclusão
nas políticas públicas e legislações. Como exemplo, podemos citar a legalização civil das
uniões homoafetivas e a parentalidade desejada por esses casais e até mesmo por pessoas
solteiras, seja através da concepção utilizando tecnologias reprodutivas, seja através da
adoção.
Como citado por Negreiros e Féres-Carneiro (2004):
É importante manter uma postura crítico-reflexiva e não preconceituosa sobre as novas configurações familiares, na medida em que as novas famílias estão abrindo mão de uma dimensão maniqueísta, que opõe masculino e feminino, o que sem dúvida pode contribuir para o estabelecimento de uma nova ótica e de uma nova ética das relações entre homens e mulheres no contexto sócio-familiar contemporâneo. (p. 45)
174
A família monoparental masculina é apenas mais uma forma de organização
familiar que, dentro das contínuas transformações nos valores e modos de vida
contemporâneos, foi considerada como uma vivência satisfatória pelos homens
entrevistados. Novos estudos envolvendo outros componentes dessa rede social - como as
ex-esposas, filhos e demais familiares - podem ser desenvolvidos, de forma a trazer novas
informações sobre o exercício da paternidade nesse contexto específico da
separação/viuvez ou em outros contextos da conjugalidade ou de pais solteiros. Ouvindo
homens e mulheres, esses estudos podem contribuir para um efetiva divisão das
responsabilidades parentais, com a qual os ganhos poderão ser percebidos por todos os
envolvidos.
175
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