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GUIA DE ACESSO À JUSTIÇA AMBIENTAL GUIA DE ACESSO À JUSTIÇA AMBIENTAL

GUIA DE ASCESSO A JUSTIÇA AMBIENTAL

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GUIA DE ACESSO

À JUSTIÇA AMBIENTAL

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Edição: EURONATURA – Centro para o Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentado

Autoria: Isabel Andrade

Coordenação do projecto: Gonçalo Cavalheiro

Coordenação editorial: David Travassos

Grafismo e ilustração da capa: Miguel Félix

Impressão: Moinho Velho (Lisboa, 2005)

Tiragem: 1000 exemplares

Depósito Legal: 221 445/05

ISBN: 972-98932-3-3

Esta publicação foi impressa em papel Cyclus Print 100% reciclado

© EURONATURA – Centro para o Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentado

(www.euronatura.pt; [email protected])

Esta publicação contou com o apoio de:

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GUIA DE ACESSO À JUSTIÇA AMBIENTAL

ÍNDICE

I – Notas Introdutórias ......................................................................................................4

1.1. A origem do guia ......................................................................................................4

1.2. O papel da justiça na protecção do ambiente ......................................................4

1.3. A necessidade de um guia de acesso à justiça em matérias ambientais ............6

II – Direito e Ambiente ........................................................................................................8

2.1. Ambiente: um direito de todos e uma tarefa do Estado ....................................8

2.1.1. Direito de acesso à informação e de participação procedimental ............................9

2.2. As violações de normas ambientais e formas de reacção ................................11

III – Mecanismos Extra-judiciais ....................................................................................14

3.1. As reclamações e recursos dentro da Administração ......................................14

3.2. A queixa perante a Comissão de Acesso aos Documentos

Administrativos ......................................................................................................17

3.3. Os processos de contra-ordenação ......................................................................18

3.4. A mediação ambiental ............................................................................................21

IV – A Via Judicial ................................................................................................................23

4.1. Organização e funcionamento dos tribunais ......................................................23

4.1.1. Categorias de tribunais ......................................................................................24

4.1.2. A hierarquia dos tribunais e recursos jurisdicionais ..........................................25

4.2. Titularidade do direito de acesso aos tribunais para defesa

do ambiente ............................................................................................................28

4.2.1. Ministério Público ............................................................................................28

4.2.2. Autarquias locais ............................................................................................29

4.2.3. Cidadãos e organizações não governamentais de ambiente ..................................30

4.2.4. O regime especial de representação processual ....................................................32

4.3. Meios de tutela judicial ..........................................................................................35

4.3.1. Tutela provisória e urgente – os procedimentos cautelares ..................................35

4.3.2. Prevenção e cessação de actuações da Administração Pública

lesivas do ambiente ............................................................................................38

4.3.3. Prevenção e cessação de actividades de particulares lesivas do ambiente ..............42

4.3.4. Punição de crimes ambientais ............................................................................43

4.3.5. O caso especial da responsabilidade por danos ambientais ..................................44

4.4. Especialidades na tramitação da acção popular ................................................46

4.4.1. Poderes especiais do juiz ..................................................................................47

4.4.2. Publicidade da decisão ......................................................................................47

4.5. Custos associados ao recurso ao tribunal ..........................................................48

4.5.1. Custas judiciais ................................................................................................48

4.5.2. Patrocínio judiciário ..........................................................................................48

4.5.3. A recolha e apresentação de provas ..................................................................49

V – Quadro-síntese ............................................................................................................51

VI – Glossário ........................................................................................................................52

VII – Legislação Relevante ..................................................................................................58

VIII – Bibliografia ....................................................................................................................77

IX – Contactos e Fontes de Informação ........................................................................79

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I – NOTAS INTRODUTÓRIAS

1.1. A ORIGEM DO GUIA

A EURONATURA – Centro para o Direito Ambiental e Desenvol-

vimento Sustentado é uma associação sem fins lucrativos, equiparada a

organização não governamental de ambiente. Criada em 1997, a

EURONATURA funciona como um centro de investigação em Política e

Direito do Ambiente com ênfase nas questões internacionais.

Desde finais de 2002 tem vindo a trabalhar e desenvolver investigação na

área do acesso à justiça, tendo sido o parceiro português no âmbito de um

projecto internacional encomendado pela Comissão Europeia, o qual pre-

tendia diagnosticar, em oito Estados-membros, as condições de exercício

do direito de acesso à justiça por parte de cidadãos e organizações não go-

vernamentais em matéria de ambiente.

As conclusões deste estudo, que evidenciaram Portugal como sendo um

dos países com mais ampla possibilidade de acesso aos tribunais, mas,

simultaneamente, apresentando uma das mais baixas taxas de litigação,

levaram a EURONATURA a lançar um novo projecto, já de âmbito

nacional, com o objectivo de inverter a situação diagnosticada, através da

identificação dos obstáculos a um mais frequente e eficaz acesso à justiça

e da dinamização dos diversos agentes envolvidos. O presente guia consti-

tui um dos principais produtos deste segundo projecto tentando responder

a este último propósito.

Informação mais detalhada sobre a actividade da EURONATURA nesta

área está disponível em www.euronatura.pt.

1.2. O PAPEL DA JUSTIÇA NA PROTECÇÃO DO AMBIENTE

O ambiente, enquanto conjunto de bens e valores ecológicos que cons-

tituem o ecossistema ou, numa perspectiva mais ampla, englobando ainda

os factores económicos, sociais e culturais com efeito directo ou indirecto

sobre os seres vivos e a qualidade de vida do Homem, corresponde a um

valor que interessa a todos preservar e que o Estado assumiu como mere-

cedor de tutela jurídica. Um ambiente de vida humano sadio e ecologica-

mente equilibrado é um direito e um dever dos cidadãos.

A intervenção cívica em protecção dos bens ambientais pode ser feita a

vários níveis e de diferentes formas. A denúncia pública ou junto dos

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órgãos administrativos com competências de fiscalização consegue, em

muitas situações, ser suficiente para parar ou prevenir uma infracção.

A participação nos processos de tomada de decisão, nomeadamente nos

períodos de consulta pública, é outra forma de chamar a atenção dos

organismos da Administração Pública para as preocupações ambientais.

Em certos casos, porém, as normas que protegem o ambiente, como

muitas outras, não são acatadas voluntariamente. Como em todos os Estados

democráticos, de entre os vários mecanismos que pretendem assegurar o

cumprimento dessas regras, os tribunais assumem-se no nosso ordenamen-

to jurídico como o garante último do Direito. O princípio da tutela jurisdi-

cional efectiva ou da proibição da denegação de justiça, consagrado na

Constituição da República Portuguesa, significa que os tribunais, enquanto

órgãos que exercem a função jurisdicional, têm o dever de assegurar o cumpri-

mento da lei e o respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos.

A mais-valia das decisões judiciais vai muitas vezes para além da resolução

do caso concreto, contribuindo para uma melhor aplicação das normas

ambientais no futuro, ao tornarem-se um exemplo público a ser seguido,

tanto pelos tribunais, como pelas autoridades administrativas com com-

petência para fiscalizar e fazer aplicar essas leis. Quando essas decisões ga-

nham impacto mediático, o que é muito frequente em casos ambientais, con-

tribuem ainda para um aumento da consciencialização do público, induzin-

do modificações de comportamento e prevenindo futuras violações.

Um bom exemplo do que acima foi dito é-nos dado pelo célebre caso das

“andorinhas de Nisa”. O FAPAS (Fundo para a Protecção dos Animais

Selvagens) intentou uma série de procedimentos judiciais contra o Estado

porque este retirou todos os ninhos de andorinha que existiam nas paredes

exteriores do tribunal de Nisa e colocou espigões que impediram a nidifi-

cação das aves a partir desse momento. Numa decisão do Supremo

Tribunal de Justiça (que ainda não é a final) foi declarado o dever de não

perturbar nem impedir a normal nidificação das andorinhas, por serem

aves selvagens legalmente protegidas.

Posteriormente, noutras situações em que se pretendia remover ninhos

de um edifício público, surgiram várias denúncias públicas por parte de

cidadãos e o Instituto de Conservação da Natureza (que no caso de Nisa

não se opôs) tomou a iniciativa de iniciar um procedimento de contra-

-ordenação ao abrigo da referida legislação de protecção das aves selvagens.

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1.3. A NECESSIDADE DE UM GUIA SOBRE ACESSO

À JUSTIÇA EM MATÉRIAS AMBIENTAIS

A importância de garantir o acesso à justiça em matérias ambientais já foi

reconhecida a nível internacional e comunitário, justificando a celebração

de uma convenção internacional (Convenção sobre Acesso à Informação,

Participação Pública e Acesso à Justiça em matéria de Ambiente, concluída

em Aarhus, em Junho de 1998), já ratificada por Portugal, e a preparação

de uma directiva comunitária (actualmente em discussão).

Portugal já vai adiantado nesta discussão. O acesso à justiça para pro-

tecção de bens e valores ambientais está consagrado no nosso ordenamen-

to jurídico desde 1976 (Constituição da República Portuguesa) através da

figura da acção popular, que permite a todos, pessoalmente ou através de

associações de defesa dos interesses em causa, recorrerem a tribunal para

promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infracções

contra a saúde pública, a qualidade de vida, a preservação do ambiente e

do património cultural.

Em comparação com os restantes Estados-membros, Portugal é, de resto,

um dos países que permite um mais amplo acesso aos tribunais por parte de

cidadãos e organizações não governamentais de ambiente (ONGA) em

matérias ambientais. Contudo, e paradoxalmente, Portugal é um dos países

com um menor volume de acções judiciais, sendo de assinalar um número

ainda mais reduzido de acções bem sucedidas, conforme demonstrou um

estudo comparativo em que a EURONATURA recentemente participou1

.

A falta de informação e de recursos é indubitavelmente uma das dificul-

dades sentidas pelos membros das ONGA e pelos cidadãos em geral.

A complexidade que o mundo dos tribunais aparenta aos leigos é um dos

factores que os afasta e os impede de fazer valer os seus direitos. Este guia

pretende ser um contributo para contrariar esta realidade, dando a conhe-

cer os principais traços dos vários instrumentos a que o cidadão ou as

organizações não governamentais de ambiente podem recorrer para pre-

venir ou reprimir atentados ambientais.

Sendo os tribunais o garante último do Direito, a maior atenção será dada

aos mecanismos de tutela judicial do ambiente, designadamente, à figura da

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1

Os resultados deste estudo, encomendado pela Comissão Europeia e conduzido em oito Estados-

-membros (Alemanha, Bélgica, Dinamarca, França, Holanda, Itália, Portugal e Reino Unido) estão

disponíveis em www.euronatura.pt

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acção popular (o que é a acção popular, quem pode propor uma acção judi-

cial para defesa do ambiente, o que se pode pedir ao tribunal, a que tribu-

nal se deve recorrer, que meios e recursos são necessários, etc.).

A par dos meios judiciais, dão-se ainda a conhecer (de forma sumária)

outros mecanismos de reacção contra violações de normas ambientais de

que os cidadãos podem recorrer. É o caso das reclamações e recursos pe-

rante a Administração Pública, da queixa perante a Comissão de Acesso

aos Documentos da Administração, da denúncia da prática de contra-orde-

nações ou da mediação ambiental.

Destinado a cidadãos (juristas ou não) interessados em fazer algo mais pela

protecção do ambiente e com a preocupação de utilizar uma linguagem

acessível a todos (com sacrifício, portanto, de algum rigor terminológico e

detalhe na análise jurídica), o presente guia tentará fornecer aos leitores infor-

mação suficiente que lhes permita decidir como reagir perante uma infracção

ambiental, de forma a garantir o direito de todos a um ambiente sadio e eco-

logicamente equilibrado.

De fora deste guia ficam os mecanismos existentes a nível comunitário.

Face às dificuldades de agir nos tribunais portugueses, muitas vezes há a

ideia de que mais vale recorrer directamente a uma instância superior. No

entanto, é o próprio Direito Comunitário a exigir que se esgotem primeiro

todos os meios nacionais, considerando a intervenção das instituições

comunitárias como um último recurso.

Além do mais, o acesso dos cidadãos e organizações não governamentais

de ambiente à justiça comunitária é muito limitado: não há, em regra2

, aces-

so directo ao Tribunal de Justiça por parte de cidadãos e ONGA (apenas

podem apresentar uma queixa na Comissão Europeia); as instituições

comunitárias apenas actuam contra Estados-membros (e não contra par-

ticulares) e desde que haja violação do Direito Comunitário; sendo também

limitado o respectivo poder de actuação (se o Estado não respeitar a ordem

para se conformar com o Direito Comunitário, a Comissão pode sus-

pender eventuais fundos e o Tribunal aplicar multas).

2

Está actualmente em discussão um regulamento comunitário que permitirá o acesso (em termos

também limitados) de organizações não governamentais de ambiente de âmbito europeu ao Tribunal

de Justiça para contestar actos de instituições comunitárias ofensivos do Direito Comunitário do

Ambiente.

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II – DIREITO E AMBIENTE

2.1. AMBIENTE: UM DIREITO DE TODOS

E UMA TAREFA DO ESTADO

A Constituição da República Portuguesa de 1976, lei fundamental do país,

define a protecção do ambiente numa dupla vertente: como uma tarefa do

Estado e como um direito fundamental de todos.

No capítulo dos direitos e deveres sociais é proclamado o direito de todos

a “um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado”, bem

como o dever de todos de o defender (artigo 66º). Este é um conceito de

ambiente abrangente, que inclui o conjunto dos sistemas físicos, químicos e

biológicos bem como factores económicos, sociais e culturais.

A grande especificidade do direito ao ambiente assenta no facto de o

mesmo ter por objecto um bem que não é susceptível de apropriação indi-

vidual. O ambiente é um bem uno, usufruído e partilhado em igual medi-

da por um número indeterminável de pessoas. O ar limpo que respiramos

é de todos, assim como a riqueza biológica e a qualidade de vida que resul-

tam da existência de parques e reservas naturais.

Como é próprio dos direitos sociais, o direito ao ambiente além de

implicar o direito à abstenção, por parte do Estado e de terceiros, de acções

que lesem o ambiente, compreende ainda o direito a prestações do Estado

para defesa do ambiente.

Partindo do conceito de desenvolvimento sustentável, são impostas várias

tarefas ao Estado no âmbito da sua política de ambiente, como por exemplo,

prevenir e controlar a poluição, ordenar e promover o ordenamento do ter-

ritório, promover o aproveitamento racional dos recursos naturais, promover

a qualidade ambiental das povoações e da vida urbana, promover a inte-

gração de objectivos ambientais nas várias políticas de âmbito sectorial, etc.

As bases da política de ambiente foram definidas apenas em 1987, através

da Lei n.º 11/87, de 7 de Abril (Lei de Bases do Ambiente), que contém os

princípios e objectivos ambientais a serem prosseguidos pelo Estado.

Vale a pena realçar, como traços distintivos do Direito do Ambiente,

alguns dos seus princípios fundamentais:

• princípio da prevenção – apela a uma protecção antecipada, evitan-

do actuações que se prevêem como lesivas do ambiente;

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Vale a pena citar o Princípio 10 da Declaração do Rio, adoptada em 1992 na Conferência das

Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento: “A melhor maneira de tratar questões ambientais é asse-

gurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo deve ter

acesso adequado a informações relativas ao meio ambiente de que disponham autoridades públicas, inclusive infor-

mações sobre materiais e actividades perigosas nas suas comunidades, bem como a oportunidade de participar em

processos de tomada de decisão. Os Estados devem facilitar e estimular a consciencialização e a participação pública,

colocando a informação à disposição de todos. Deve ser propiciado acesso efectivo a mecanismos judiciais e administra-

tivos, inclusive no que diz respeito à compensação e reparação de danos.”

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• princípio do poluidor-pagador – impõe que o poluidor seja obriga-

do a corrigir ou recuperar o ambiente, suportando os respectivos custos;

• princípio da recuperação – apela à adopção de medidas que limitem

processos degradativos existentes e promovam a recuperação de áreas

degradadas;

• princípio da precaução – exige que se evitem actividades acerca das

quais haja dúvidas sobre os potenciais impactos ambientais (“in dubio

pro ambiente”);

• princípio da participação – apela ao envolvimento dos cidadãos,

individualmente ou através das suas organizações, na formulação e exe-

cução da política de ambiente, como forma de garantir a transparência

das decisões, a sua melhor aceitação e qualidade.

A protecção de cada um dos componentes ambientais – o ar, a água, o

solo vivo e o subsolo, a fauna, a flora – é feita através de uma quantidade

considerável de legislação avulsa, que foi surgindo essencialmente a partir

da transposição de directivas comunitárias, o grande motor do Direito do

Ambiente em Portugal.

Em termos genéricos, as normas de Direito do Ambiente disciplinam o

modo de utilização (directa e indirecta) dos recursos naturais, de modo a

evitar ou limitar os respectivos impactos negativos nos diferentes compo-

nentes ambientais, ou seja, visam compatibilizar as actividades humanas

com o direito a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado.

2.1.1. Direito de acesso à informação e de participação

procedimental (instrumentos de defesa do ambiente)

Para que se atinja um desenvolvimento sustentável são ainda necessárias nor-

mas e mecanismos que assegurem o acesso à informação e a participação do

público nos processos de tomada de decisão em matéria ambiental3

.

A Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (Lei n.º 65/93, de 26

de Agosto, alterada pelas Leis n.º 8/95, de 29 de Março, e 94/99, de 16 de

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Julho), garante a todos o acesso a documentos administrativos não nomina-

tivos4

, com origem ou detidos por órgãos do Estado e das Regiões Autó-

nomas que exerçam funções administrativas, órgãos dos institutos públicos e

das associações públicas, órgãos das autarquias locais, suas associações e fede-

rações, organismos que exerçam responsabilidades públicas em matéria

ambiental sob o controlo da Administração Pública e outras entidades no

exercício de poderes de autoridade, nos termos da lei. Este diploma só per-

mite, contudo, a consulta e reprodução de documentos constantes de pro-

cessos administrativos já concluídos (em que já houve decisão).

O conceito de documento administrativo é bastante lato. Com base nestas

normas, qualquer cidadão pode requerer a consulta e reprodução, por exem-

plo, dos documentos relativos à elaboração de um plano director municipal,

de actas de reuniões de órgãos administrativos colegiais (como as câmaras

municipais ou os conselhos consultivos), de listagens ou informações relati-

vas a licenciamentos concedidos (licença ambiental, licenças de descarga, etc).

Por outro lado, e no que respeita aos processos administrativos em curso,

o Código de Procedimento Administrativo (CPA) permite aos titulares de

direitos difusos5

intervir em procedimentos administrativos (processos pe-

rante órgãos da Administração Pública) para defender esses mesmos direitos,

reconhecendo-lhes, nomeadamente o direito a ser informados sobre o anda-

mento dos respectivos processos (artigos 53º e 61º e seguintes do CPA).

O mesmo CPA impõe, para todos os processos administrativos (indepen-

dentemente de estarem em causa questões ambientais ou outras), o dever de

audiência prévia (artigo 101º e seguintes do CPA). Ou seja, concluída a

instrução (a recolha e prova de todos os elementos e informações necessários

à decisão), o órgão da Administração encarregue de dirigir esta fase do pro-

cedimento administrativo (geralmente é também o órgão que vai decidir) deve

ouvir (através de uma audiência oral ou escrita) todos os interessados antes

que seja tomada a decisão final e informá-los sobre o sentido provável desta.

Diversas normas ambientais prevêem procedimentos específicos de par-

ticipação pública, nomeadamente no âmbito do processo de avaliação de

impacte ambiental, de atribuição das licenças ambientais, de elaboração de

planos de ordenamento do território, etc.6

4

A Lei de Acesso aos Documentos Administrativos define como documentos nominativos quaisquer

suportes de informação que contenham dados pessoais, ou seja, informações sobre pessoa singular,

identificada ou identificável, que contenham apreciações, juízos de valor ou que sejam abrangidas

pela reserva da intimidade da vida privada.

5

Ver no glossário a definição de “interesses difusos”.

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2.2. AS VIOLAÇÕES DE NORMAS AMBIENTAIS

E FORMAS DE REACÇÃO

Se os destinatários das normas não as acatam voluntariamente, o ordena-

mento jurídico dispõe de mecanismos para as impor coercivamente.

O Direito do Ambiente é um ramo de Direito transversal, por isso, as

infracções às normas ambientais podem ser muito diversas, consoante o

agente infractor e o tipo de norma em causa. Para cada violação (ilícito)

existem também vários modos de reacção. Os tribunais são o garante últi-

mo do Direito, mas existem outras alternativas extra-judiciais.

Quando é a própria Administração, no âmbito da sua actividade, a desres-

peitar as normas ambientais, emitindo, por exemplo, uma licença que viola

um plano director municipal, realizando uma obra pública sem a necessá-

ria avaliação de impacte ambiental ou negando o acesso a documentos

administrativos, estamos perante um ilícito administrativo. Para obrigar

a Administração a corrigir a situação, é possível recorrer tanto a mecanis-

mos de controlo interno, dentro da própria Administração, como de con-

trolo externo, pelos tribunais. No primeiro caso incluem-se as reclamações e

recursos administrativos, bem como a queixa perante a Comissão de Acesso

aos Documentos Administrativos (CADA). Trata-se aqui de pedir à própria

Administração (seja o órgão que praticou a infracção, um seu superior ou um

órgão independente, como a CADA) que reveja a decisão que pôs em causa

a protecção do ambiente. Em alternativa, ou em caso de insucesso no recur-

so a estes meios, a solução será recorrer aos tribunais administrativos.

Os modos de reagir às violações de normas ambientais praticadas por

particulares variam conforme se trate de um ilícito penal, contra-orde-

nacional ou civil (ver quadro-síntese na pág. 51).

O ilícito criminal (ou penal) corresponde a condutas que, por ofende-

rem com tal intensidade um bem protegido pela ordem jurídica, o legis-

lador definiu como crime.7

A resposta ao ilícito penal é a aplicação pelos

tribunais judiciais de uma sanção (pena de prisão ou multa).

Mais comum é a lei definir certas infracções como contra-ordenações

(no final da generalidade dos diplomas existe um capítulo final relativo à

fiscalização e sanções que tipifica as contra-ordenações). Nestes casos,

6

O “Guia Ambiental do Cidadão” (Lisboa, 2002) fornece uma boa perspectiva do funcionamento

dos mecanismos de acesso à informação e participação em matérias ambientais.

7

No glossário são elencados e definidos os principais crimes ambientais tipificados no Código Penal.

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compete às autoridades administrativas aplicar coimas (sanções pecuniárias)

e eventualmente ainda de sanções acessórias (como o encerramento de

instalação ou a perda dos utensílios utilizados na infracção) no âmbito de

um procedimento administrativo. Se o agente infractor não se conformar

com a decisão da autoridade administrativa, poderá recorrer para o tribu-

nal. Ao contrário dos crimes, tanto as pessoas singulares (físicas) como as

pessoas colectivas (empresas) podem ser responsabilizadas pela prática de

uma contra-ordenação.

Independentemente da responsabilidade penal ou contra-ordenacional, a

infracção pode constituir um ilícito civil, sempre que afecte os direitos e

interesses (mesmo que difusos) de outros particulares. Por exemplo, se uma

indústria realiza uma descarga ilegal para um rio, provocando a poluição das

suas águas e a morte de todos os peixes, além de se sujeitar à aplicação de

uma coima em processo de contra-ordenação, pode ter que responder pe-

rante todos os cidadãos que reivindiquem o seu direito a um rio limpo e

despoluído.

O único mecanismo criado pela ordem jurídica para reagir (prevenir ou

reprimir) perante um ilícito civil é o recurso aos tribunais judiciais. A

reposição da legalidade através do tribunal pode passar pela ordem dada

por este ao infractor para, por exemplo, adoptar ou abster-se de determi-

nado comportamento, pagar determinado dano causado e/ou repor a situa-

ção anterior ao dano. Quando nem mesmo as decisões judiciais são

acatadas, existem meios para as impor coercivamente. Se o tribunal conde-

na o infractor a despoluir um rio e aquele nada faz, o tribunal pode ordenar

que os trabalhos de despoluição sejam realizados por terceiro a expensas

do infractor, penhorando e vendendo, se necessário, bens do mesmo para

cobrir o respectivo custo.

Uma forma diferente, ou pelo menos uma primeira tentativa, para reso-

lução de conflitos ambientais poderá ser a mediação. Este é um método

alternativo de resolução de litígios que se baseia no diálogo entre as partes

em conflito, auxiliadas por um mediador, tendo por objectivo a procura de

soluções e consensos que satisfaçam os interesses de todas as partes.

A mediação está a dar os primeiros passos em Portugal, podendo ser

aplicada à resolução de diferentes tipos de conflitos, desde os familiares,

comerciais, laborais, de vizinhança, até aos comunitários e ambientais.

A mediação é um processo informal e privado, pelo que pode existir fora

dos esquemas institucionalizados pelo Estado.

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De seguida, tentar-se-á explicar o modo de funcionamento de cada um

destes mecanismos de reacção ao ilícito e a forma como os cidadãos e

organizações não governamentais de ambiente podem a eles recorrer.

Porque os tribunais são o garante último do Direito e geralmente a última

instância a que se recorre, a exposição começará pelos mecanismos extra-

-judiciais (reclamações e recursos administrativos, queixa perante a CADA,

processos de contra-ordenação e mediação), reservando-se os capítulos

seguintes para uma análise mais detalhada do modo como os tribunais se

organizam e funcionam e como podem ser postos ao serviço dos cidadãos

e da protecção do ambiente.

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III – MECANISMOS EXTRA-JUDICIAIS

3.1. AS RECLAMAÇÕES E RECURSOS

DENTRO DA ADMINISTRAÇÃO

Quando um órgão administrativo pratica um acto (ou seja, toma uma

decisão) que ofenda um qualquer direito ou interesse legalmente protegido,

como o direito ao ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, pode ser

pedida a modificação ou revogação dessa decisão ao próprio órgão ou a um

outro órgão administrativo que sobre ele exerça algum poder de controlo.

No primeiro caso estamos perante a figura da reclamação, no segundo, do

recurso administrativo8

.

Regra geral, as reclamações e os recursos podem ter por fundamento

tanto a ilegalidade (violação directa de uma norma legal) como a incon-

veniência (desrespeito de regras técnicas e de boa administração) do acto

administrativo impugnado. Uma decisão da Administração quanto à loca-

lização de uma determinada infra-estrutura pode ser ilegal se, por exem-

plo, o local em causa estiver incluído numa zona de Reserva Ecológica

Nacional onde é proibido construir. Mas, mesmo que não viole qualquer

norma jurídica, pode ser considerada mais ou menos acertada, mais ou

menos conveniente, consoante os interesses que satisfaz ou prejudica.

O mérito ou conveniência das decisões administrativas só pode ser con-

testado perante a própria Administração, no âmbito das reclamações e

recursos administrativos, o que pode ser uma boa razão para utilizar estes

instrumentos. Com efeito, por força do princípio da separação de poderes,

os tribunais não podem avaliar a conveniência das decisões administrativas,

pois isso seria assumir o papel da própria Administração9

.

A reclamação, ou seja, o pedido de revogação ou modificação do acto

administrativo perante o seu autor é um procedimento relativamente rápi-

do: deve ser apresentada no prazo de 15 dias a contar do conhecimento do

acto administrativo, sendo a decisão tomada no prazo de 30 dias. Trata-se

GUIA DE ACESSO À JUSTIÇA AMBIENTAL

8

As regras relativas à reclamação e recurso administrativos constam dos artigos 158º e seguintes do

Código de Procedimento Administrativo.

9

Convém sublinhar que será ilegal e não, inconveniente, um acto da Administração que, no âmbito

de poderes discricionários, viole os princípios gerais da actuação administrativa (igualdade, propor-

cionalidade, justiça, imparcialidade e boa-fé), pois estes princípios funcionam como limite à activi-

dade discricionária.

Page 16: GUIA DE ASCESSO A JUSTIÇA AMBIENTAL

de um mecanismo de verdadeiro auto-controlo, pois pede-se ao órgão que

já se pronunciou sobre a situação para reapreciar a sua própria decisão. A

imparcialidade desta reapreciação fica assim bastante limitada.

Já nas situações de interposição de recurso, o pedido é dirigido a um órgão

diferente, embora ainda integrado na Administração Pública. Consoante o

órgão competente para apreciar o recurso administrativo, podemos distinguir:

a) recurso hierárquico – apreciado pelo superior hierárquico do autor

do acto, ou seja, pelo órgão que sobre ele exerce um poder de direcção;

b)recurso hierárquico impróprio – decidido pelo órgão que exerça

poder de supervisão fora do âmbito da hierarquia administrativa sobre

o orgão recorrido;

c) recurso tutelar – apreciado pelo órgão que exerça o poder de tutela

ou superintendência, no caso de actos administrativos praticados por

órgãos de pessoas colectivas públicas diferentes, e ligadas por uma

relação de tutela ou superintendência;

As Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) são

serviços desconcentrados do Ministério das Cidades, Administração Local,

Habitação e Desenvolvimento Regional (pertencem à mesma pessoa colecti-

va), prosseguindo as suas atribuições na dependência e sob a direcção do

respectivo ministro. Assim, das decisões do presidente de uma CCDR cabe

recurso hierárquico para o ministro.

O recurso hierárquico impróprio existe, nomeadamente, no âmbito de

uma delegação de competências entre órgãos administrativos, pois um dos

efeitos da delegação é precisamente o de extinguir a relação hierárquica que

eventualmente exista entre delegante e delegado quanto ao exercício da

competência delegada (o órgão delegado pode praticar o acto como se

fosse o delegante), mantendo, contudo, o delegante um poder de super-

visão relativamente ao delegado. É comum os ministros delegarem nos

respectivos secretários de Estado algumas competências, cabendo portan-

to recurso hierárquico impróprio das decisões que estes venham a tomar

no exercício das competências delegadas.

Finalmente, classifica-se como tutelar o recurso dos actos do presidente

do Instituto da Conservação da Natureza apresentado perante o ministro

com a pasta do Ambiente, pois entre estes organismos existe uma relação

de superintendência.

No caso de recursos hierárquico ou hierárquico impróprio, o órgão que

aprecia o recurso pode confirmar ou revogar o acto recorrido e, se o acto

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não tiver sido praticado no âmbito de uma competência exclusiva do seu

autor, pode ainda modificá-lo ou substituí-lo. Outro resultado do recurso

poderá ser a anulação de todo o procedimento administrativo que condu-

ziu à prática do acto e a determinação da realização de nova instrução ou

de diligências complementares.

No âmbito do recurso tutelar só poderá haver modificação ou substitui-

ção do acto recorrido se a lei expressamente conferir poderes de tutela substi-

tutiva ao órgão que aprecia o recurso. Da mesma forma, também é

necessário que a lei expressamente determine a existência de uma tutela de

mérito, para que o recurso tutelar possa ter por objecto a conveniência e

não só a legalidade da decisão administrativa recorrida.

O requerimento de recurso administrativo pode ser entregue junto do

autor do acto administrativo ou junto do órgão que vai apreciar o pedido,

sempre dirigido a este último, devendo ser apresentado no prazo de 30 dias

a contar do respectivo conhecimento, caso se trate de recurso hierárquico

necessário, ou três meses se o recurso for facultativo. O procedimento é

um pouco mais longo, uma vez que tem de ser dada oportunidade ao autor

do acto para se pronunciar (tem para isso 15 dias).

Aos titulares dos interesses difusos é expressamente reconhecida a legiti-

midade para reclamar e recorrer dos actos administrativos que ofendam esses

interesses (artigos 160º n.º 2 e 53º n.º 2 e 3 do Código de Procedimento Admi-

nistrativo).

Articulação entre os recursos administrativos

e a interposição de acções judiciais

Saber se antes de impugnar judicialmente um acto administrativo, é

necessário esgotar primeiro as possibilidades de recurso perante a

própria Administração, é uma questão que já fez correr muita tinta dos

tribunais e da doutrina.

A lei (Código de Procedimento Administrativo) distingue entre os recur-

sos facultativos e os necessários, consoante se possa contestar o acto

administrativo em tribunal sem necessidade de passar previamente pelo

controlo interno da Administração, ou a interposição do recurso adminis-

trativo seja um requisito prévio e necessário à contestação judicial.

Actualmente, são raros os casos de recursos administrativos necessários.

A revisão da Constituição de 1997 consagrou como direito fundamental de

todos os administrados a possibilidade de recorrerem a tribunal para contes-

GUIA DE ACESSO À JUSTIÇA AMBIENTAL

Page 18: GUIA DE ASCESSO A JUSTIÇA AMBIENTAL

10

Antes de 1997 só era possível contestar em tribunal um acto administrativo que fosse “definitivo e

executório”, ou seja, que fosse a última palavra da Administração, em termos do andamento do pro-

cedimento e da hierarquia dos órgãos administrativos. Só depois do procedimento terminado e da

cadeia hierárquica do autor do acto se ter pronunciado, seria possível passar aos tribunais. A redacção

actual da lei apenas exige, como requisito para a imediata impugnação judicial, que o acto administrati-

vo possua eficácia externa (afecte a esfera jurídica de particulares) e seja susceptível de lesar direitos ou

interesses legalmente protegidos.

11

Trata-se da intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de cer-

tidões, que será descrita mais adiante, no âmbito dos meios de tutela judicial para prevenção e cessação

de actuações da Administração Pública lesivas do ambiente.

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tar qualquer acto administrativo lesivo dos respectivos direitos e interesses

legalmente protegidos, redacção utilizada também no novo Código de Pro-

cesso dos Tribunais Administrativos10

. Na prática, o recurso administrativo

só é necessário se a lei expressamente o determinar para a situação em causa.

Mesmo nos casos de recurso administrativo facultativo, se o mesmo for

interposto, suspende-se o prazo para a impugnação judicial, sendo ainda

possível recorrer aos tribunais durante a pendência do recurso administrati-

vo. O que significa que se garante a possibilidade de utilizar sucessiva ou

simultaneamente os dois mecanismos de controlo dos actos administrativos.

3.2. A QUEIXA PERANTE A COMISSÃO DE ACESSO AOS

DOCUMENTOS ADMINISTRATIVOS

Sempre que um pedido de acesso a um documento, formulado no âmbito da

Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (Lei n.º 65/93, de 26 de

Agosto, alterada pelas Leis n.º 8/95, de 29 de Março, e 94/99, de 16 de Julho),

seja recusado ou não obtenha resposta, o interessado pode dirigir uma queixa

à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA).

A CADA é uma entidade pública independente, que funciona junto da

Assembleia da República, criada para zelar pelo cumprimento da referida

Lei de Acesso aos Documentos Administrativos.

A queixa deve ser apresentada no prazo de 20 dias a contar da recusa

expressa ou do fim do prazo que a Administração tinha para responder (10

dias a contar do pedido). A CADA tem então um prazo de 30 dias para

emitir o seu parecer e enviá-lo a todos os interessados. Este parecer não é

vinculativo, a Administração apenas tem de o tomar em consideração numa

decisão em segunda leitura, que deve ser tomada num prazo de 15 dias.

Caso se mantenha a recusa ou não haja decisão final neste prazo, resta ao

interessado recorrer ao tribunal (existindo um processo específico para

esse fim, que tem uma tramitação urgente11

).

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O facto de os pareceres da CADA não possuírem força obrigatória é por-

ventura a maior fraqueza deste mecanismo de garantia do direito de aces-

so à informação.

3.3. OS PROCESSOS DE CONTRA-ORDENAÇÃO

As autoridades administrativas dispõem de um meio relativamente eficaz de

impor coercivamente as normas ambientais (e outras), o qual consiste na

aplicação de coimas (sanções pecuniárias) e eventualmente ainda de sanções

acessórias (como o encerramento de instalação ou a perda dos utensílios uti-

lizados na infracção) no âmbito de processos de contra-ordenação.

O regime geral das contra-ordenações consta de um diploma específico

(Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro), o qual define os pressupos-

tos gerais de aplicação das coimas e sanções acessórias bem como a trami-

tação do processo contra-ordenacional.

A generalidade dos diplomas que disciplina as actividades susceptíveis de

provocar impactes ambientais, essencialmente actividades económicas, contém

um capítulo relativo à fiscalização e sanções, no qual se identificam as enti-

dades com competência para fiscalizar a aplicação das normas daquele diplo-

ma, os comportamentos considerados como contra-ordenações, as coimas e

sanções acessórias aplicáveis e as entidades competentes para as aplicar.

As autoridades policiais têm uma competência genérica para tomar conta

de todos os eventos ou circunstâncias susceptíveis de implicar responsabi-

lidade por contra-ordenação e tomar as medidas necessárias para impedir

o desaparecimento de provas. Nestes casos levantam um auto de notícia,

que atesta a situação que indicia a infracção, e remetem-no para a autori-

dade competente para instruir o processo de contra-ordenação.

O Serviço de Protecção da Natureza e do Ambiente (SEPNA) da Guarda

Nacional Republicana e o Corpo Nacional da Guarda Florestal são os

órgãos de polícia criminal especialmente vocacionados para fiscalizar a

prática de contra-ordenações ambientais (tomam conhecimento da ocor-

rência e encaminham o processo para as entidades competentes).

A Inspecção-Geral do Ambiente é o serviço inspectivo central do

Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, sendo por

isso, em regra, a autoridade competente para instaurar, instruir e decidir os

processos de contra-ordenação nas áreas do ambiente, ordenamento do

território e conservação da natureza. Dependendo da matérias, pode ainda

haver outras entidades encarregues dos processos contra-ordenacionais.

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Entidades administrEntidades administraatitivvas comas com

poderpoderes pares para aa aplicaçãoplicação ÁrÁreas de intereas de inter vvençãoenção

de coimas (alguns ede coimas (alguns exxemplos)emplos)

Inspecção-Geral do Ambiente (IGA) Avaliação de impacte ambiental, licença

ambiental, resíduos, emissões de compos-

tos orgânicos voláteis, substâncias que

empobrecem a camada de ozono, emis-

sões provenientes de grandes instalações

de combustão, organismos genetica-

mente modificados, EMAS (Sistema

Comunitário de Ecogestão e Auditoria)

Inspecção-Geral da Administração Actividade das autarquias locais,

do Território (IGAT) nomeadamente no âmbito do urbanismo

e ordenamento do território

Instituto de Conservação Protecção da biodiversidade (espécies

da Natureza (ICN) e habitats)

Comissões directivas Actividades desenvolvidas nas áreas pro-

das áreas protegidas tegidas (parques, reservas, etc.)

Instituto dos Resíduos (INR) Resíduos (pilhas, pneus, óleos usados, etc.)

Instituto Regulador de Águas Água para consumo humano

e Resíduos (IRAR)

Comissões de Coordenação Ruído, emissões de compostos orgânicos

e Desenvolvimento Regional (CCDR) voláteis, águas residuais urbanas, utiliza-

ção do domínio hídrico, etc.

Câmaras municipais Ruído, exploração de massas minerais e

pedreiras, urbanismo, etc.

Além destes orAlém destes orgganismosanismos,, têm ainda competência partêm ainda competência para fa f iscalizar iscalizar

o cumprimento das noro cumprimento das nor mas ambientais (dando conhecimento mas ambientais (dando conhecimento

das infrdas infracções às autoridades competentes paracções às autoridades competentes para a aa a aplicação de coimas)plicação de coimas)

Serviço de Protecção da Natureza Conservação da natureza (fauna e flora,

e do Ambiente (SEPNA) parques e reservas naturais, caça e pesca,

incêndios florestais), contaminação do

meio ambiente (atmosfera, água, solo),

ruído, ordenamento do território, contro-

los sanitários, actividades extractivas,

actividades perigosas ou nocivas

(transporte de resíduos), etc.

Corpo Nacional da Guarda Florestal Protecção da floresta

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Qualquer pessoa pode dar conhecimento da prática de uma infracção que

constitua contra-ordenação a uma das entidades acima referidas. Essa

queixa dará, em princípio, origem à abertura de um processo de contra-

-ordenação, no qual a autoridade administrativa vai averiguar se existe ou

não infracção, investigando os factos que indiciam a prática da contra-

-ordenação, ouvindo testemunhas e peritos e realizando as demais diligên-

cias que entenda necessárias. O alegado infractor tem sempre o direito de

ser ouvido e pode ser representado por defensor. Caso a autoridade admi-

nistrativa considere provada a prática da contra-ordenação, aplicará uma

coima ao infractor, eventualmente acompanhada de sanções acessórias.

Sendo aplicada uma coima pela autoridade administrativa, o infractor

pode recorrer para os tribunais judiciais pedindo o reexame da decisão.

Os cidadãos e as organizações não governamentais de ambiente (ONGA)

não podem impugnar judicialmente a decisão administrativa nem tomar

parte, como assistentes (acusadores), quer na fase administrativa quer na

fase judicial.

As ONGA podem, contudo, acompanhar o processo contra-ordena-

cional, apresentando memoriais, pareceres técnicos, sugestões de exames ou

outras diligências de prova até que o processo esteja pronto para decisão

final (artigo 10º da Lei das ONGA – Lei n.º 35/98, de 18 de Julho).

Na prática, os valores das coimas são, muitas vezes, superados pelo bene-

fício económico que o infractor retira com a prática da contra-ordena-

ção, sendo também significativo o número de coimas que nunca chegam

a ser pagas voluntariamente nem cobradas coercivamente. O efeito dis-

suasor e punitivo dos processos contra-ordenacionais fica assim limitado.

De qualquer modo, é importante sublinhar que o facto de determinada

infracção constituir a prática de uma contra-ordenação, não significa que

apenas possa ser aplicada uma coima ao infractor.

A responsabilidade contra-ordenacional não exclui outros tipos de

responsabilidade: se tiverem sido causados danos ao ambiente o infractor

é ainda responsável pela reposição da situação anterior ou pela indemniza-

ção pelos danos (responsabilidade civil); se o comportamento em causa

constituir simultaneamente a prática de um crime, o infractor é punido pela

prática deste (em vez da contra-ordenação), podendo ser aplicáveis as

sanções acessórias previstas para a contra-ordenação.

GUIA DE ACESSO À JUSTIÇA AMBIENTAL

Page 22: GUIA DE ASCESSO A JUSTIÇA AMBIENTAL

A reposição da situação anterior pode ser ordenada pela própria autori-

dade competente para o processo de contra-ordenação (independente-

mente de serem ou não aplicadas coimas ou sanções acessórias), ou por um

tribunal a pedido dos cidadãos afectados (no âmbito de uma acção autóno-

ma do processo contra-ordenacional).

Quando a infracção constituir crime e contra-ordenação compete à

autoridade administrativa remeter automaticamente o processo para ser

julgado em tribunal.

3.4. A MEDIAÇÃO AMBIENTAL

Na mediação todo o processo é controlado pelas partes em conflito e não

por um terceiro exterior que vem impor a sua decisão, nisso se distinguin-

do do clássico modelo da resolução através do juiz ou de um terceiro

decisor.

O mediador funciona como um terceiro neutro e imparcial, tendo por

tarefa facilitar o diálogo e auxiliar os participantes a dialogar, a compreen-

der mutuamente os respectivos interesses e necessidades e a gerarem

soluções. É assim importante que as partes abandonem a tradicional pos-

tura adversarial e assumam um espírito colaborativo, construtivo e criativo,

de procura conjunta de soluções satisfatórias para todos. Por isso mesmo,

a mediação exige um particular empenhamento das partes, no sentido de

participarem activamente no diálogo, trazendo o máximo de informação

que possa ser relevante para conhecer todos os ângulos do conflito e todos

os interesses em jogo, e contribuir para a procura de consensos. A confi-

dencialidade de todo o processo e do conteúdo de todas as sessões de

mediação permite que as partes se sintam livres de constrangimentos exte-

riores e colaborem melhor.

O papel do mediador, um técnico especializado, é essencial, na medida

em que estrutura o diálogo, assegurando o respeito mútuo e estimulando

os participantes a partilhar informação importante e a buscar soluções cria-

tivas em conjunto, sem contudo interferir, ele próprio, no conteúdo dessas

soluções.

O acordo a que se consiga chegar como resultado de um processo de

mediação, sendo totalmente construído pelas partes terá assim maiores

garantias de ser cumprido e respeitado pelas mesmas.

Os conflitos em torno de bens ambientais não opõem apenas dois inte-

resses pessoais contrapostos, mas sim uma multiplicidade de partes e interes-

ses públicos e particulares, eventualmente locais e nacionais, sendo que as

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partes se apresentam muitas vezes através de representantes de grupos

e/ou comunidades. O processo de mediação destes conflitos multi-partes

é assim bastante complexo. No entanto, é possível chegar a soluções que

satisfaçam todos na medida em que atendam a alguns interesses de cada

uma das partes.

Em Portugal estes processos colaborativos não estão ainda muito divul-

gados. A mediação foi “oficialmente” adoptada nos Gabinetes de

Mediação Familiar e nos Julgados de Paz, como uma fase prévia à reso-

lução judicial dos conflitos. Se as partes quiserem tentar a mediação e

através dela chegarem a um acordo, o juiz poderá homologá-lo, ganhando

assim a força jurídica de uma sentença judicial. Os conflitos ambientais não

cabem, contudo, no âmbito de competência dos Julgados de Paz.

Noutros países, como por exemplo o Brasil ou a Argentina, já bastante

mais habituados a métodos alternativos de resolução de litígios como a

mediação, a conciliação ou a arbitragem, estes processos surgem desligados

dos tribunais e são objecto de uma actividade de profissionais indepen-

dentes. Por cá, esta prática privada surgiu com a aplicação dos métodos

colaborativos em processos de discussão pública, nomeadamente, de

planos municipais, pelo que poderemos esperar semelhante evolução.

Page 24: GUIA DE ASCESSO A JUSTIÇA AMBIENTAL

IV – A VIA JUDICIAL

O princípio da tutela jurisdicional efectiva e do acesso ao direito e aos tri-

bunais, essencial a qualquer Estado democrático, significa que os tribunais

são o garante último da aplicação do Direito e que a ninguém pode ser

denegada a justiça para protecção dos seus direitos e interesses legalmente

protegidos.

A possibilidade dos cidadãos recorrerem aos tribunais para defesa do

ambiente é garantida por força do direito de acção popular, consagrado na

Constituição desde 1976, mas apenas regulamentado desde 1985 na Lei de

Acção Popular.

Antes de saber quem pode recorrer aos tribunais e como pode fazê-lo

(ou seja, quais são os meios de tutela judicial), importa descrever sumaria-

mente de que modo funciona e se organiza o sistema judicial português.

4.1. ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DOS TRIBUNAIS

Recorrendo às palavras da Constituição, “os tribunais são os órgãos de

soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo”

(artigo 202º). Têm por função assegurar a defesa dos direitos e interesses

legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade

democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.

Os tribunais são absolutamente independentes dos demais órgãos do

Estado. Os juízes não podem ser responsabilizados pelas suas decisões,

embora elas possam ser controladas e revistas por tribunais superiores.

O Conselho Superior de Magistratura é o único órgão com poder discipli-

nar e de gestão sobre os juízes.

Não existe em Portugal a regra, típica dos modelos anglo-saxónicos, do

precedente, ou seja, da obrigatoriedade de julgar de acordo com decisões

anteriores em casos semelhantes. A jurisprudência (decisões dos tribunais)

não constitui uma fonte de Direito, ou seja, não pode ser um meio de criar

regras novas, contudo, é muito frequente os juízes socorrerem-se de

decisões anteriores para fundamentar as suas próprias decisões.

Um princípio fundamental no que respeita ao exercício da função dos

juízes é o dever de fundamentação das suas decisões. Todas as decisões,

excepto as de mero expediente, devem ser fundamentadas com base nos

factos e na lei. Contudo, deve referir-se que a apreciação dos factos e a sua

fixação como provados ou não provados assenta, geralmente, na livre con-

vicção do tribunal. O que não significa que não possa haver recurso para

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No conceito de Administração Pública incluem-se todos os organismos, órgãos e agentes da Adminis-

tração Central (directa e indirecta) e Local. Em algumas situações, também entidades privadas que estejam

investidas em funções públicas e poderes de autoridade – como as empresas privadas concessionárias de

serviços públicos – podem ficar sujeitas às regras do Direito Administrativo e à jurisdição administrativa.

um tribunal superior pedindo a revisão da matéria de facto que o tribunal

inferior considerou ou não provada.

4.1.1. Categorias de tribunais

Além do Tribunal Constitucional, cuja principal função é apreciar a

(in)constitucionalidade de normas, e do Tribunal de Contas, que fiscaliza a

legalidade das despesas e contas públicas, podemos distinguir duas grandes

categorias de tribunais, ou jurisdições:

a) jurisdição administrativa e fiscal, que compreende o Supremo

Tribunal Administrativo, os Tribunais Centrais Administrativos do Sul (se-

diado em Lisboa) e do Norte (sediado no Porto) e 16 Tribunais Adminis-

trativos e Fiscais espalhados pelo país que funcionam simultaneamente

como Tribunais Administrativos de Círculo e Tribunais Tributários (Al-

mada, Beja, Braga, Castelo Branco, Coimbra, Funchal, Leiria, Lisboa, Loulé,

Loures, Mirandela, Penafiel, Ponta Delgada, Porto, Sintra e Viseu);

b) jurisdição comum ou dos tribunais judiciais, onde se incluem o

Supremo Tribunal de Justiça, quatro Tribunais da Relação (Coimbra,

Évora, Lisboa, Porto) e umas centenas de tribunais de primeira instân-

cia distribuídos pelas várias comarcas de todo o país.

Esta divisão assenta numa distinção básica entre os tipos de litígios que

são apreciados numa e noutra jurisdição.

Tentando simplificar, pode dizer-se que os tribunais administrativos

são competentes para julgar conflitos quando esteja em causa uma relação

jurídico-administrativa, ou seja, uma relação entre algum sujeito e a

Administração Pública12

, agindo esta última no exercício das suas funções

de prossecução do interesse público, com poderes de autoridade. Incluem-

-se aqui todos os casos em que a Administração atribui licenças ou autori-

zações, adjudica empreitadas, elabora e executa planos ou programas que

são ilegais, ou se abstém de o fazer quando a lei o obrigava a tal.

Os tribunais judiciais dirimem os conflitos entre sujeitos de direito pri-

vado – indivíduos ou pessoas colectivas de direito privado – ou eventual-

mente entre estes e o Estado sempre que este não esteja a agir no âmbito

das suas funções públicas.

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A distinção nem sempre é fácil, sendo de resto numerosas as decisões

judiciais que se ficam só pela apreciação de qual a jurisdição competente.

No exemplo, já referido, em que o Estado como proprietário do edifício

do tribunal de Nisa, decidiu remover todos os ninhos de andorinha das

paredes exteriores e aí colocar espigões, o Estado agiu como se fosse um

qualquer particular relativamente à sua propriedade privada. Assim, e

porque essa actuação violava a legislação que protege as aves selvagens, o

FAPAS dirigiu-se ao tribunal judicial de Nisa pedindo a suspensão de tais

trabalhos e a declaração de ilegalidade dos mesmos.

Mas, por outro lado, para a execução dos trabalhos de remoção dos ninhos

e de colocação dos espigões, o Secretário-geral do Ministério da Justiça

recorreu aos serviços de um empreiteiro ao qual adjudicou as obras. Por se

tratar de um ente público, a escolha foi feita através de um acto de adjudi-

cação, um acto característico da actividade administrativa, pelo que o

FAPAS também diligenciou no sentido da abertura de um processo nos tri-

bunais administrativos. A mesma realidade – o dever de respeitar a nidifi-

cação das andorinhas – é assim apreciada pelas duas jurisdições.

É importante notar ainda que o facto de uma actividade de um privado

ter sido autorizada por uma licença administrativa não significa automati-

camente que apenas se possa recorrer aos tribunais administrativos. Por

diversas vezes os tribunais vincaram a distinção entre a impugnação da

licença administrativa, que deve ter por base um qualquer vício do processo

autorizativo e é da competência dos tribunais administrativos, por um lado

e, por outro, a contestação da actividade do particular que infringe normas

ambientais, que deve ser feita perante os tribunais judiciais.

Os tribunais judiciais julgam os ilícitos penais (a prática de crimes) e

civis (a violação de normas legais por parte de particulares, ofendendo os

direitos e interesses de terceiros).

Existem tribunais judiciais de 1ª instância de competência genérica, que

julgam tanto os ilícitos civis como penais. Nas comarcas (circunscrições

judiciais) já com alguma dimensão e movimento de processos, os tribunais

judiciais especializam-se em função da matéria, existindo por isso juizos

cíveis e criminais.

4.1.2. A hierarquia dos tribunais e recursos jurisdicionais

Os juízes não podem ser responsabilizados pelas suas decisões (como

forma de garantir a sua independência), mas isso não significa que as partes

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não possam pedir a respectiva revisão e controlo, caso não se conformem

com decisões que lhes sejam desfavoráveis.

No sentido de garantir a qualidade das decisões judiciais, os tribunais de

ambas as jurisdições (administrativa e comum) encontram-se hierarquiza-

dos para efeito de recurso jurisdicional13

(revisão) das suas decisões.

Instâncias Jurisdição comum Jurisdição administrativa Alçada

Supremo Tribunal Supremo Tribunal –

3ª de Justiça (STJ) Administrativo (STA)

Tribunais da Relação Tribunais Centrais € 14.963,94

2ª (TR) Administrativos (TCA)

Tribunais de 1ª instância Tribunais Administrativos € 3.740,98

1ª (ou tribunais de comarca) de Círculo (TAC)(ou tribu-

nais administrativos e fiscais)

Jurisdição comum (tribunais judiciais)

Dentro da jurisdição comum, os tribunais de 1ª instância (cíveis e crimi-

nais) são os primeiros a pronunciar-se sobre uma dada situação. Os tri-

bunais superiores funcionam como duas instâncias de apelo. Em regra, nas

acções para defesa de bens ambientais, a decisão do tribunal de 1ª instân-

cia, pode ser revista, sucessivamente, pela Relação e depois pelo Supremo

Tribunal de Justiça.

Com efeito, nas acções penais, por estarem em causa bens pessoais fun-

damentais (a liberdade do arguido ou os valores protegidos pelas normas

penais), o recurso das decisões proferidas pelo tribunal é, em regra, sem-

pre possível.

Nas acções cíveis, a admissibilidade do recurso depende do valor da

acção (tem de ser superior à alçada do tribunal do qual se recorre). Uma

13

Convém distinguir este termo de outros que parecem semelhantes mas têm significados bem distintos:

– o “recurso jurisdicional” é a revisão de uma decisão de um tribunal (cível, criminal ou administra-

tivo) por um outro tribunal hierarquicamente superior;

– a anterior lei processual administrativa designava como “recurso contencioso” a apreciação de

uma decisão de um órgão da Administração (acto administrativo) por um tribunal administrativo.

A lei actual classifica este meio judicial, de forma mais correcta, como acção de impugnação de

actos administrativos (já que não está em causa a revisão de uma decisão judicial);

– o “recurso administrativo” corresponde à revisão de uma decisão de um órgão da Administração

por outro órgão também da Administração, não sendo, portanto, um meio judicial mas um meca-

nismo de auto-controlo da Administração.

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vez que às acções sobre bens imateriais, como é o caso dos bens ambien-

tais, a lei atribui o valor da alçada da Relação mais um cêntimo, o recurso

será sempre possível, primeiro para a Relação e depois para o STJ.

Jurisdição administrativa (tribunais administrativos)

A organização dos tribunais administrativos não é tão linear, embora tenha

sofrido uma reestruturação e simplificação com a reforma legislativa que

entrou em vigor em Janeiro de 2004.

Os Tribunais Administrativos de Círculo (TAC) são, em regra, os tribunais

que conhecem em primeira instância todas as acções administrativas. Porém,

se estiver em causa a actuação de certos órgãos superiores do Estado

(Presidente da República, Assembleia da República, Conselho de Ministros,

Primeiro-Ministro ou Tribunais), a acção14

deve ser proposta directamente

junto do Supremo Tribunal Administrativo. Os actos de um ministro,

nomeadamente da pasta do Ambiente, não se incluem nesta categoria, pelo

que a acção deve ser intentada no TAC territorialmente competente.

No que respeita à admissibilidade dos recursos na jurisdição administra-

tiva, em regra existe apenas uma instância de recurso, que poderá ser di-

rectamente o Supremo Tribunal Administrativo (STA) ou o Tribunal Central

Administrativo (TCA)15

.

Excepcionalmente, poderá haver recurso para o STA das decisões do

TCA, proferidas em 2ª instância, quando esteja em causa a apreciação de

uma questão, que pela sua relevância jurídica ou social, se revista de

importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente

necessária para uma melhor aplicação do Direito (a verificação deste requi-

sito é objecto de uma apreciação preliminar sumária pelo próprio STA).

Quando o STA funciona como 1ª instância, as decisões são proferidas

pela Secção de Contencioso Administrativo deste tribunal, cabendo depois

recurso para o pleno da mesma Secção.

14

Ver glossário.

15

Da leitura conjugada dos artigos 151º e 34º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos

resulta a seguinte regra de competência para conhecimento dos recursos:

– das decisões de mérito (sobre o conteúdo do pedido) proferidas pelos TAC nas acções relativas a

bens imateriais (como o ambiente) ou que visem impugnar normas de planos urbanísticos e de ordena-

mento do território, cabe recurso directo para o STA se estiverem em causa apenas questões de direito

(se não se pretender contestar os factos que foram considerados provados), ou para o TCA caso se

pretenda pôr em causa os factos considerados provados pelo TAC.

– das decisões dos TAC que não se pronunciem sobre o mérito da causa, ou seja, que apenas apreciem

questões processuais, cabe recurso para o TCA.

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Dependendo do tipo de recurso, a lei processual geral (civil, penal e

administrativa), nem sempre confere eficácia suspensiva ao recurso, ou

seja, a interposição do recurso nem sempre impede que a decisão recorri-

da comece imediatamente a produzir efeitos e a ser executada. Contudo, a

Lei de Acção Popular prevê um regime especial neste ponto, permitindo

que o juiz confira efeito suspensivo a um recurso interposto no âmbito de

uma acção popular, quando entenda que tal é necessário para evitar dano

irreparável ou de difícil reparação (artigo 18º da Lei de Acção Popular).

Quando um tribunal recuse aplicar uma norma por a considerar incons-

titucional, ou aplique uma norma, tendo uma das partes (no decorrer do

processo judicial) invocado a respectiva inconstitucionalidade, poderá ser

interposto recurso da decisão final para o Tribunal Constitucional (é o

chamado processo de fiscalização concreta da constitucionalidade16

).

O Tribunal Constitucional apenas se pronuncia sobre a questão da con-

formidade da norma com a Constituição, fazendo regressar o processo ao

tribunal de origem para que este, se for o caso, reformule a sua decisão de

acordo com a decisão de (in)constitucionalidade da dita norma.

4.2. TITULARIDADE DO DIREITO DE ACESSO AOS TRIBUNAIS

PARA DEFESA DO AMBIENTE

Para alguém poder recorrer a tribunal em defesa de um determinado direi-

to ou interesse é necessário que a lei reconheça não só a existência desse

direito como também o interesse desse agente em estar em juízo a defendê-

-lo. Este é, em traços largos, o conceito de legitimidade processual.

4.2.1. Ministério Público

Junto de todos os tribunais funciona o Ministério Público, um órgão inde-

pendente do Estado que tem, entre outras, a função de defender em tribu-

nal a legalidade e os interesses públicos e colectivos, como o ambiente

sadio e ecologicamente equilibrado.

Significa isto que caso o Ministério Público, pelos seus próprios meios ou

na sequência de uma denúncia, tenha conhecimento de uma infracção à

legislação ambiental pode (e deve) propor uma acção em tribunal contra o

infractor. Esta competência e dever não está prevista na Lei de Acção Popu-

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16

O respectivo regime consta do artigo 280º da Constituição e artigos 69º e seguintes da Lei do Tribunal

Constitucional.

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lar mas noutros diplomas legais, nomeadamente na própria Lei de Bases do

Ambiente (artigo 45º) e no Código de Processo Civil (artigo 26º-A), pelo que

geralmente se recorre neste caso à expressão “acção pública”, em vez de

acção popular.

No âmbito da acção popular, ou seja, da acção proposta por cidadãos ou

ONGA (que têm legitimidade nos termos descritos nos números seguintes),

é reservado ao Ministério Público um papel de fiscalizador da legalidade e de

representante do Estado quando este for parte na causa, dos ausentes, dos

menores e demais incapazes, neste último caso quer sejam autores ou réus

(artigo 16º da Lei de Acção Popular). A fiscalização da legalidade traduz-se,

por exemplo, na possibilidade do Ministério Público tomar o lugar do autor

da acção quando entenda que este está a ter um comportamento lesivo dos

interesses ambientais em causa (utilizando o falso pretexto do interesse do

ambiente para alcançar outros fins com ele incompatíveis).

No caso dos crimes ambientais o Ministério Público tem um papel ainda

mais importante, uma vez que este órgão tem uma competência genérica para

o exercício da acção penal (nestes e em todos os crimes). Esta função traduz-

-se na investigação de factos que possam constituir um crime e na apresen-

tação da respectiva acusação em tribunal contra os responsáveis (os arguidos).

Durante algum tempo (até à entrada em vigor da Lei de Acção Popular

em 1995), o Ministério Público era, de acordo com estudos então realiza-

dos, o mais frequente autor de acções para defesa do ambiente, situação

que contudo deixou de se verificar, com uma clara predominância actual-

mente para as acções interpostas por ONGA.

Face às dificuldades, em termos de meios e capacidade técnica, de muitas

ONGA e mesmo dos cidadãos, seria desejável um papel mais interventivo

do Ministério Público, que fosse capaz de dar resposta e seguimento às

queixas e denúncias por aqueles apresentadas.

4.2.2 Autarquias locais

As autarquias locais também podem recorrer a tribunal para defender os

interesses ambientais de que sejam titulares os residentes na área da res-

pectiva circunscrição (artigo 2º da Lei de Acção Popular, 45º da LBA e 26º-

A do Código de Processo Civil).

Actualmente, as autarquias locais existentes no país são as freguesias e

municípios. Os órgãos destas autarquias com legitimidade para recorrer a

tribunal são a junta de freguesia e a câmara municipal, representadas pelos

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respectivos presidentes. No entanto, as câmaras municipais surgem muito

mais frequentemente como rés do que como autoras de acções para pro-

tecção do ambiente.

4.2.3. Cidadãos e organizações não governamentais

de ambiente

Um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado é, como já foi referido,

um bem insusceptível de apropriação individual, pois é uma realidade una

e indivisível, usufruída e partilhada em igual medida por um número inde-

terminável de pessoas.

Enquanto que numa acção que visa apurar as responsabilidades num aci-

dente automóvel cada interveniente está a defender os seus interesses pes-

soais (danos sofridos na sua propriedade privada ou integridade física),

ninguém tem um interesse especial e diferente dos outros para reivindicar um

ar limpo para respirar. O que não significa que ninguém o possa defender.

Muito pelo contrário, o facto de todos serem igualmente afectados por uma

ofensa ao ambiente legitima todos os interessados/afectados a defendê-lo.

Reconhecendo isso mesmo, a Constituição (artigo 52º) e a lei (artigo 2º

da Lei de Acção Popular, 45º da LBA e 26º-A do Código de Processo Civil)

consideram que têm legitimidade para recorrer a tribunal em defesa do

ambiente e de outros interesses difusos (como a saúde pública, a qualidade

de vida, a protecção do consumo de bens e serviços, o património cultu-

ral e o domínio público):

a) qualquer cidadão no gozo dos seus direitos civis e políticos

(individualmente ou em grupo),

b) associações e fundações defensoras dos referidos interesses,

desde que preencham os seguintes requisitos:

– terem personalidade jurídica, ou seja, serem uma pessoa colectiva

autónoma, constituída por escritura pública;

– incluírem expressamente nas suas atribuições ou nos seus objec-

tivos estatutários a defesa dos interesses em causa no tipo de acção

de que se trate, neste caso a protecção do ambiente;

– não exercerem qualquer tipo de actividade profissional concor-

rente com empresas ou profissionais liberais, ou seja, não prossegui-

rem fins lucrativos.

As organizações não governamentais de ambiente (ONGA) são as associa-

ções que preenchem estes requisitos, tendo por objectivo estatutário, exclu-

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sivamente, a defesa e valorização do ambiente ou do património natural e

construído, bem como a conservação da natureza.

Existe um estatuto próprio das ONGA (regulado na Lei n.º 35/98 de 18-07),

que as distingue das demais organizações não governamentais. Uma asso-

ciação é reconhecida como ONGA após o registo junto do Instituto do

Ambiente, o qual depende não só do preenchimento dos requisitos acima

descritos como também da existência de um número mínimo de 100 asso-

ciados.

De entre as várias prerrogativas decorrentes do estatuto de ONGA

vale a pena destacar as principais:

• direito de consulta e informação junto dos órgãos da Administração

Pública sobre documentos;

• direito de participar na definição da política e das grandes linhas de orien-

tação legislativa em matéria de ambiente;

• direito de representação em órgãos consultivos da Administração

Pública;

• legitimidade para iniciar e intervir em procedimentos administrativos

em defesa do ambiente;

• possibilidade de solicitar aos laboratórios públicos competentes a reali-

zação de análises sobre a composição ou o estado de quaisquer compo-

nentes do ambiente e divulgar os correspondentes resultados;

• legitimidade para recorrer a tribunal em defesa do ambiente;

• isenção do pagamento dos emolumentos notariais devidos pelas

respectivas escrituras de constituição ou de alteração dos estatutos;

• isenção do pagamento de preparos e custas pela intervenção em

procedimentos administrativos e processos judiciais.

As ONGA podem ser objecto de uma classificação de acordo com a sua

dimensão e âmbito geográfico de actuação (local, regional ou nacional).

Esta distinção releva, em primeira linha, para efeitos do direito de repre-

sentação (em órgãos consultivos locais, regionais ou nacionais) e dela não

depende a atribuição do direito de recorrer a tribunal.

No entanto, indirectamente, esta distinção pode repercutir-se, em deter-

minadas situações, também na legitimidade processual. Sempre que esteja

em causa uma actividade causadora de danos ambientais geograficamente

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delimitados, por exemplo uma descarga poluente num terreno de uma

freguesia do Algarve, uma ONGA local com um âmbito geográfico de

actuação distinto (a defesa do ambiente local de Freixo de Espada à Cinta),

poderá ver a sua legitimidade recusada pelo tribunal por não haver coin-

cidência entre o objecto da acção e os fins estatutários da associação.

A necessidade deste nexo geográfico (em casos de conflitos geografica-

mente localizados) não resulta tão claramente da lei quando o autor popular

é um ou mais cidadãos. Não sendo conhecidas decisões judiciais sobre esta

questão, são defensáveis ambas as posições. O silêncio da lei será um bom

argumento para a inexistência de qualquer restrição.

No sentido contrário pode invocar-se um raciocínio de maioria de razão,

uma vez que essa limitação existe para as autarquias locais (que apenas

podem defender os interesses dos residentes na respectiva circunscrição) e

em certa medida para as ONGA (nos termos acima descritos). Ou até

mesmo um raciocínio mais prático – a possibilidade de cada um dos 10 mi-

lhões de portugueses levarem a tribunal uma situação de poluição localizada

seria uma forte ameaça ao bom funcionamento dos tribunais e poderia origi-

nar o surgimento de profissionais do foro, cujo móbil deixaria de ser apenas

a defesa do ambiente17

.

4.2.4. O regime especial de representação processual

– os efeitos da acção popular sobre os demais interessados

que nela não participam

Uma vez que a qualquer cidadão, ONGA ou órgão de autarquia local é

reconhecida a legitimidade para, em tribunal, defender um interesse que é

de todos – o ambiente sadio e ecologicamente equilibrado – entende-se

que o autor (quem propõe a acção judicial) representa, sem necessidade de

mandato ou autorização expressa, todos os demais titulares do mesmo

interesse, ou seja, no caso da defesa de um interesse difuso como o am-

biente, os restantes 10 milhões de portugueses, incluindo as restantes

ONGA (artigo 14º da LAP).

Não se exige representatividade – quem propõe a acção não tem de

demonstrar que representa a vontade expressa de um determinado

número de interessados – e presume-se a representação – os demais

interessados consideram-se, em princípio, defendidos pelo autor da acção.

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17

Carlos Adérito Teixeira, “Acção Popular – Novo Paradigma” (Lisboa, 1996)

Page 34: GUIA DE ASCESSO A JUSTIÇA AMBIENTAL

Existe a possibilidade de auto-exclusão, ou seja, de recusa desta represen-

tação por parte dos demais interessados que, contudo, não faz muito sentido

para os casos de protecção do ambiente, em que a decisão do tribunal vai recair

sobre um bem único (o interesse difuso). Apesar de existir uma pluralidade de

titulares do interesse, este é uno e portanto passível de uma única regulação.

Situação diferente (mas também coberta pela Lei de Acção Popular) é a

dos interesses individuais homogéneos, ou seja, situações em que existe

uma pluralidade de indivíduos, cada um titular do seu direito individual,

sendo que todos estes têm conteúdo semelhante e uma fonte comum (por

exemplo os danos sofridos pelos pescadores quando se regista uma maré

negra). Por serem semelhantes, estes direitos podem ser apreciados con-

juntamente numa acção popular, mas sendo juridicamente distintos, tam-

bém poderão ser regulados separadamente e por isso se abre a oportu-

nidade de o respectivo titular se auto-excluir (e eventualmente propor uma

acção individual para o seu caso concreto).

Já numa acção relativa, por exemplo, a descargas poluentes, em que está

em causa um bem único, o ambiente, objecto de um interesse difuso, se o

tribunal decide que a actividade foi realizada ilegalmente e tem de cessar,

essa decisão é necessariamente válida para todos, não podendo mais tarde

vir a ser decidido de outra forma para outro interessado que não tenha par-

ticipado na primeira acção.

A representação processual no âmbito da acção popular tem várias con-

sequências:

1) ao nível da tramitação da acção:

a) recebida a petição inicial são citados, ou seja, chamados (por anún-

cio(s) tornado(s) público(s) através de qualquer meio de comunicação

social ou editalmente) os titulares dos interesses em causa na acção

de que se trate, e não intervenientes nela, para o efeito de, no prazo

fixado pelo juiz:

i) passarem a intervir no processo a título principal, aceitando-o

na fase em que se encontrar, ou

ii) declararem simplesmente se aceitam ou não ser representados

pelo autor (o silêncio vale como aceitação da representação, mas o

direito de auto-exclusão pode ainda ser exercido até mais tarde, ao

termo da produção de prova ou fase equivalente), sempre por

declaração expressa nos autos.

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Se a auto-exclusão, como foi acima explicado, não tem grande

aplicabilidade no campo da defesa do ambiente, já, por outro lado,

a possibilidade de intervenção posterior (após a propositura da

acção e dentro do prazo fixado pelo juiz) poderá revelar-se útil,

como uma oportunidade para conjugar esforços, adicionar novos

argumentos e, eventualmente, cumular um novo pedido, desde que

conexo com o primeiro e assim alargar o âmbito da discussão.

Porém, esta possibilidade aparentemente não tem sido usada.

2) ao nível dos efeitos da decisão (caso julgado):

a) em regra, a decisão final é aplicável e vincula todos os interessados

(mesmo os que não intervieram, a menos que se tenham expressa-

mente auto-excluído) – é o chamado caso julgado com eficácia ge-

ral, o que significa que mais nenhum titular do mesmo interesse (mes-

mo os que não intervieram) pode vir a propor nova acção com o

mesmo pedido e o mesmo fundamento;

b)a decisão só vincula as partes que efectivamente intervieram na

acção, ou seja, o caso julgado tem uma eficácia apenas entre as

partes quando:

i) a acção seja considerada improcedente por falta de provas (o

autor não cumpriu o seu ónus/obrigação de provar os factos ale-

gados), ou

ii) o juiz decida de forma diversa fundado em motivações próprias

do caso concreto (nomeadamente quando o tribunal chegue à

conclusão que o autor está a usar a acção popular como forma de

servir interesses próprios ocultos e não o interesse difuso alegado).

Nestas situações de limitação da eficácia do caso julgado, qualquer

outro titular do mesmo interesse, que não tenha participado na

acção, pode vir a iniciar um outro processo judicial exactamente

com o mesmo fim, o mesmo pedido e o mesmo fundamento.

A definição da eficácia do caso julgado de acordo com o resulta-

do da acção (secundum eventum litis) tem por objectivo evitar que

uma falta de diligência do autor, ou um eventual conluio deste com

o réu prejudique todos os interessados que não intervieram na

acção mas que se consideram legalmente representados.

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18

Ver glossário.

19

As acções principais, na dependência das quais são apresentadas as providências cautelares, são anali-

sadas nas secções seguintes.

20

Ver glossário.

4.3. MEIOS DE TUTELA JUDICIAL – FERRAMENTAS

PROCESSUAIS AO DISPOR DO AUTOR POPULAR

E DA PROTECÇÃO DO AMBIENTE

Os mecanismos de actuação judicial disponíveis variam consoante o resul-

tado que se pretende obter e o tipo de conflito para o qual se pede uma

resolução. Estas “ferramentas” que o autor popular pode utilizar são, em

regra, as mesmas que podem ser utilizadas para protecção de qualquer direi-

to ou interesse legalmente protegido.

Com efeito, o principal traço que distingue a acção popular não é tanto a

forma (tipo de pedido e tramitação processual) mas sim a delimitação ampla

do círculo de pessoas (singulares e colectivas) que a podem propor. As regras

gerais do processo civil, penal e administrativo são portanto aplicáveis, com

algumas adaptações decorrentes da especialidade do autor popular. Algumas

delas, como o chamamento de todos os interessados, ou a eficácia do caso

julgado, já foram assinaladas a propósito do regime especial de representação

processual na acção popular, outras serão apresentadas adiante.

4.3.1. Tutela provisória e urgente – os procedimentos cautelares

As lesões a bens ambientais são por vezes irreparáveis e irreversíveis, tor-

nando necessária e indispensável uma regulação urgente, ainda que pro-

visória, da situação, sob pena de, no final da acção judicial (que pode levar

anos) já não existirem os valores ambientais que se pretendiam acautelar.

Os chamados procedimentos cautelares18

constituem a forma de pedir

ao tribunal essa regulação urgente. Previamente à propositura da acção ou na

pendência da mesma, o seu autor pode apresentar um pedido ao tribunal

(distinto mas acessório do pedido principal), no sentido de serem tomadas

certas medidas que acautelem o efeito útil da decisão final que venha a ser

tomada na acção principal19

. Por exemplo, pode pedir ao tribunal que ordene

a suspensão de uma obra ou actividade, cuja licença ou autorização pretende

ver declarada ilegal no âmbito da acção principal.

No sentido de assegurar a efectividade da providência cautelar20

, a lei

prevê a possibilidade de ser fixada pelo tribunal uma sanção pecuniária com-

pulsória, ou seja, a obrigação do requerido pagar uma determinada quantia

diária até ao cumprimento integral da decisão do tribunal. No exemplo acima

citado, o dono da obra teria de pagar uma quantia diária por cada dia que con-

Page 37: GUIA DE ASCESSO A JUSTIÇA AMBIENTAL

tinuassem os trabalhos em violação da ordem de paragem. Além disso, o desres-

peito pela providência decretada constitui crime de desobediência qualificada.

Enquanto na acção principal as partes têm de tentar provar exaustivamente

todos os factos que invocam e convencer o tribunal do bem fundado da sua

pretensão, nos procedimentos cautelares basta que sejam demons-

trados um fundado receio de lesão grave e irreparável ao direito que se invo-

ca (no caso, o direito ao ambiente sadio e ecologicamente equilibrado) – per-

iculum in mora – e a probabilidade séria da existência desse direito – fumus bonus

iuris. Sendo feita esta prova sumária, a providência será decretada desde que

não cause à outra parte um prejuízo superior àquele que se pretende evitar.

Os procedimentos cautelares são urgentes, o que significa que a sua apre-

ciação tem prioridade sobre outros actos judiciais não urgentes, não se sus-

pendendo a sua tramitação no período de férias judiciais. Quando a audiên-

cia prévia da outra parte (o requerido) puser em risco sério o fim ou a eficá-

cia da providência cautelar, o tribunal pode decretar de imediato a

providência e só depois ouvir o requerido. De acordo com a lei, este tipo

de procedimentos deveria ser decidido em 1ª instância no prazo máximo

de dois meses, desde a apresentação do pedido (ou 15 dias no caso de a

providência ter sido decretada pelo tribunal sem audição da parte con-

trária), no entanto, este prazo é frequentemente ultrapassado.

Se o tribunal decidir decretar a providência cautelar, esta regulação man-

tém-se até que haja uma decisão final na acção principal (que até pode ter

o sentido absolutamente contrário). A providência caduca, contudo, em

algumas situações, nomeadamente, se a acção principal não for proposta

dentro de determinado prazo (30 dias a contar da notificação da decisão,

se o requerido tiver sido ouvido antes de determinada a providência).

A Lei de Bases do Ambiente (LBA) prevê uma modalidade específica de

procedimento cautelar para situações de lesão ou ameaça de lesão do

direito ao ambiente sadio e ecologicamente equilibrado – os embargos

administrativos. As normas em causa (artigo 42º e 45º da LBA) são

contudo insuficientes em termos procedimentais pois apenas referem

que “aqueles que se julguem ofendidos nos seus direitos a um ambiente sadio e eco-

logicamente equilibrado poderão requerer que seja mandada suspender imediatamente

a actividade causadora do dano”, devendo fazê-lo perante a jurisdição com-

petente (civil ou administrativa, consoante se pretenda a suspensão de

uma actividade da Administração Pública ou de particulares).

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À falta de regras especiais relativas à tramitação dos embargos adminis-

trativos, tem-se vindo a recorrer às normas gerais reguladoras dos pro-

cedimentos cautelares constantes do Código de Processo Civil, nomeada-

mente, as que regulam o designado “embargo de obra nova” (artigo 412º

e seguintes do Código de Processo Civil), pois este procedimento também

se destina a fazer cessar uma actividade lesiva de direitos do requerente.

No entanto, enquanto o embargo de obra nova permite que proprietários

possam pedir a suspensão de actividades de outros particulares lesivas dos

seus bens, os embargos administrativos permitem aos titulares do direito ao

ambiente sadio pedir a suspensão de actividades lesivas deste, sejam estas

conduzidas por particulares ou pela própria Administração (no primeiro caso

o tribunal competente será o judicial, no segundo o administrativo).

No caso de se tratar de uma situação que deva ser regulada pelos tribunais

administrativos, a doutrina21

tem considerado que a figura dos embargos

administrativos deve ser utilizada quando estejam em causa actuações pura-

mente materiais da Administração (ou seja, quando não exista nenhum acto

administrativo formal, nomeadamente um acto de licenciamento) e não haja

nenhuma providência especificamente adequada ao caso em concreto de

entre as tipificadas na lei de processo administrativo.

O Código de Processo nos Tribunais Administrativos prevê algumas

providências cautelares que podem ser usadas em prol da defesa do am-

biente, nomeadamente:

a. Suspensão da eficácia de um acto administrativo – tem por objecti-

vo impedir a execução material de uma decisão da Administração (por

exemplo a execução de uma obra pública), devendo ser pedida previa-

mente ou na pendência de uma acção principal para impugnar esse acto;

b. Suspensão da eficácia de uma norma – pretende evitar que uma

norma emitida no exercício de funções administrativas (constante, no-

meadamente, de um plano ou de um regulamento) produza imediata-

mente efeitos (entre em vigor), sendo um meio acessório da acção prin-

cipal de impugnação de normas;

c. Intimação para a adopção ou abstenção de uma conduta por

parte da Administração ou de um particular, designadamente um

concessionário, por alegada violação ou fundado receio de vio-

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Vide, por exemplo, Vasco Pereira da Silva, “Os Denominados Embargos Administrativos em Matéria

de Ambiente”, Revista Jurídica de Urbanismo e Ambiente, Junho/Dezembro de 1996.

Page 39: GUIA DE ASCESSO A JUSTIÇA AMBIENTAL

lação de normas de Direito Administrativo – o pedido é o de uma re-

gulação provisória, cabendo à acção principal a condenação (definitiva)

à adopção, abstenção ou cessação de condutas lesivas, praticadas em vio-

lação de normas, actos ou contratos administrativos.

Se a situação necessitada de regulação urgente não se encaixar no âmbito

dos embargos administrativos ou outro procedimento tipificado, será sem-

pre possível pedir uma providência com qualquer outro conteúdo adequado

a prevenir o risco de lesão existente (são as chamadas providências caute-

lares não especificadas, aplicáveis tanto na jurisdição civil como adminis-

trativa e reguladas nos artigos 381º e seguintes do Código de Processo Civil).

Uma prevenção importante deve ser feita: apesar de bastar uma prova

sumária para que o tribunal decrete uma providência cautelar, este mecanis-

mo judicial não deve ser utilizado com grande ligeireza. Se a providência for

considerada injustificada ou vier a caducar por facto imputável ao requerente

(porque, por exemplo, não propôs a acção principal dentro do prazo previs-

to na lei) e por falta de diligência do mesmo, será o requerente responsável

pelos danos culposamente causados ao requerido. Antes de se pedir, por

exemplo, a suspensão das obras de um grande projecto é, portanto, conve-

niente ter a certeza de que estão reunidas mais do que as provas sumárias

exigidas para o procedimento cautelar (pois na acção principal elas serão

necessárias) e que haverá meios para propor atempadamente a acção principal.

Com os procedimentos cautelares não se devem confundir os “proces-

sos urgentes” criados pela nova reforma do processo administrativo. Em

comum pode ser apontada a celeridade na tramitação, mas enquanto os

primeiros procuram uma definição provisória de uma situação, estando

dependentes de uma acção judicial principal, os segundos têm como resul-

tado uma resolução definitiva da questão que é submetida ao tribunal, não

sendo acessórios de outro meio processual. São, por isso, analisados na

secção seguinte, a propósito dos meios de tutela judicial para a prevenção

e cessação de actuações da Administração lesivas do ambiente.

4.3.2. Prevenção e cessação de actuações

da Administração Pública lesivas do ambiente

A tutela jurisdicional dos bens ambientais violados compete aos tribunais

administrativos e à respectiva jurisdição sempre que esteja em causa uma

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actuação da Administração Pública, no âmbito do exercício da sua autori-

dade pública, que cause danos ambientais.

A acção popular administrativa – interposta pelo autor popular contra a

Administração Pública – pode assumir qualquer das formas previstas na lei

geral do contencioso administrativo (regras de funcionamento dos tri-

bunais e do processo administrativo).

Em comparação, por exemplo, com as possibilidades de actuação no

âmbito da jurisdição civil, o contencioso administrativo era, tradicional-

mente, apontado como bastante rígido e complexo, assente nas formas

clássicas de actuação administrativa (o acto, o contrato e a norma adminis-

trativa), o que deixava sem protecção uma série de situações em que a ofen-

sa não cabia nesses parâmetros formais, sendo muito limitado o âmbito de

pedidos admissíveis em tribunal.

Com a entrada em vigor, a 1 de Janeiro de 2004, das novas regras do con-

tencioso administrativo (Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e

Código de Processo nos Tribunais Administrativos), passou a existir uma

maior diversidade de meios processuais e pedidos que podem ser apresen-

tados perante os tribunais administrativos, tendo por objectivo garantir que

a todo o direito e em cada situação caiba uma forma de protecção adequa-

da (é o princípio da tutela jurisdicional efectiva).

As novidades mais assinaláveis são a possibilidade de reagir perante

omissões da Administração (por exemplo a falta de fiscalização das activi-

dades de particulares) ou contra puras acções materiais (uma conduta da

Administração que não se seja um acto, regulamento ou contrato adminis-

trativo), a possibilidade de actuar preventivamente (evitando a prática de

actos ou condutas lesivas do ambiente), a possibilidade de, em determi-

nadas condições, actuar contra particulares e, finalmente, a introdução da

figura dos processos urgentes.

Recorrendo à panóplia de pedidos admissíveis nos tribunais administra-

tivos, enunciados sumariamente no quadro abaixo, será possível prevenir

lesões ambientais causadas por actuações formais ou materiais da

Administração ou mesmo, em determinadas condições, de particulares,

condenando-os a actuar de determinada forma ou a absterem-se de o fazer

desde que haja perigo de lesão futura. É ainda possível reagir perante lesões

actuais ou consumadas, obrigando à cessação de um comportamento lesi-

vo, à eliminação de um acto ou norma ilegal, à reconstituição da situação

anterior à lesão ou à indemnização pelos danos causados.

GUIA DE ACESSO À JUSTIÇA AMBIENTAL

Page 41: GUIA DE ASCESSO A JUSTIÇA AMBIENTAL

É importante sublinhar, uma vez mais, que o princípio da separação de

poderes impõe que os tribunais administrativos se limitem a controlar a legali-

dade da actuação da Administração. Uma sentença judicial apenas pode decla-

rar ilegal um acto ou uma omissão da Administração (quando esta esteja

legalmente obrigada a pronunciar-se) e não substitui a decisão administrativa,

criando apenas a obrigação para a Administração de corrigir a ilegalidade22

.

Esta limitação justifica-se pelo facto de a Administração actuar com base

num poder discricionário que os tribunais não podem controlar. Ou seja, a

decisão sobre um pedido de licenciamento de uma construção ou de uma

unidade industrial pode ser fiscalizada por um tribunal administrativo no

que respeita a determinados parâmetros definidos na lei (prazo de emissão

da decisão, proibições absolutas de construir na área em causa, verificação

dos requisitos que devem instruir o pedido, elementos essenciais que

devem constar da decisão, etc.).

Mas os tribunais já não podem pronunciar-se quando esteja em causa a

margem de apreciação, que geralmente a lei concede à Administração para

que esta avalie a conveniência do pedido e decida da forma mais adequada

ao caso concreto (por exemplo, defina para cada localização específica o

índice de construção dentro dos limites permitidos no plano director

municipal para aquela área, ou discrimine os métodos de monitorização das

emissões que devem ser adoptados numa dada unidade industrial).

Sintetizando as principais formas de acção e de processo administra-

tivo agora disponíveis, e com relevância para a defesa do ambiente,

encontramos:

1. Acção administrativa comum – categoria residual, onde cabem,

por exemplo, pedidos como:

a. condenação à adopção ou abstenção de comportamentos, de-

signadamente a condenação da Administração à não emissão de

um acto administrativo, quando exista ameaça de lesão futura;

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O artigo 71º do novo CPTA é bem elucidativo a este propósito ao definir os poderes de pronúncia do

tribunal administrativo nas acções de condenação à prática de acto administrativo devido. A criação desta

figura processual constitui em si mesma um alargamento da jurisdição administrativa, mas não deixa de

marcar a distinção entre poder administrativo e jurisdicional: ainda que o tribunal dê razão ao autor, o

resultado da acção não é uma sentença que substitui o acto omitido, mas sim a condenação da Adminis-

tração a adoptá-lo. Por outro lado, o tribunal pode determinar o conteúdo do acto que a Administração

deve adoptar desde que haja apenas uma solução legalmente possível, caso contrário (havendo discricio-

nariedade administrativa) o tribunal pode apenas explicitar as vinculações a observar pela Administração

na emissão do acto devido (ou seja, os limites legais ao poder discricionário).

Page 42: GUIA DE ASCESSO A JUSTIÇA AMBIENTAL

b. condenação da Administração à adopção das condutas necessárias

ao restabelecimento de direitos ou interesses violados;

c. responsabilidade civil das pessoas colectivas, bem como dos titu-

lares dos seus órgãos, funcionários ou agentes;

d. condenação ao pagamento de indemnizações decorrentes da im-

posição de sacrifícios por razões de interesse público;

e. condenação de particulares, nomeadamente concessionários, a

absterem-se ou cessarem condutas lesivas, praticadas em violação

de normas, actos ou contratos administrativos, sempre que, insta-

da a fazê-lo, a Administração não tenha adoptado as providências

adequadas para pôr cobro à situação.

2. Acção administrativa especial – seguem uma forma de acção pró-

pria os processos nos quais sejam formulados os seguintes pedidos:

a. anulação ou declaração de nulidade ou inexistência de um acto

administrativo (como, por exemplo, uma licença industrial, ou

uma autorização de construção) – corresponde ao antigo “recurso

contencioso de anulação”;

b. condenação à prática de acto legalmente devido (que tenha sido

ilegalmente omitido ou recusado);

c. declaração de ilegalidade de uma norma emitida no exercício de

funções administrativas, ou da omissão de uma norma que devesse

ter sido emitida para tornar exequíveis actos legislativos carecidos

de regulamentação – cabem aqui as normas constantes, por exem-

plo, de regulamentos administrativos, planos directores municipais

ou planos de ordenamento de áreas protegidas.

3. Processos urgentes – determinados pedidos, devido à sua urgência,

são apreciados seguindo uma tramitação mais célere que as restantes

formas de processo (sem que sejam considerados dependentes ou

acessórios de outros), designadamente:

a. intimação para a prestação de informações, consulta de

processos ou passagem de certidões – inclui-se aqui a tutela

jurisdicional do direito de acesso à informação ambiental conti-

da em documentos administrativos;

b. intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias

– uma vez que o direito a um ambiente sadio e ecologicamente

equilibrado pode, em determinadas condições, ser considerado

um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liber-

dades e garantias, este meio processual pode ser utilizado quando

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se revele como a forma indispensável para assegurar a sua pro-

tecção (por não ser possível ou suficiente o recurso a uma provi-

dência cautelar).

A intimação pode ser dirigida contra a Administração, pedindo ao

tribunal que imponha à Administração a adopção de uma condu-

ta ou que emita uma sentença que se substitua a um acto adminis-

trativo estritamente vinculado que foi emitido. Pode ainda ser dirigi-

da contra particulares, designadamente concessionários, pedindo

ao tribunal que supra a omissão, por parte da Administração, das

providências adequadas a prevenir, ou reprimir condutas lesivas

do direito ao ambiente sadio e ecologicamente equilibrado.

Em situações de especial urgência (quando seja patente no pedido

a possibilidade de lesão iminente e irreversível) a decisão final

poderá ser tomada em 48 horas.

4.3.3. Prevenção e cessação de actividades de particulares

lesivas do ambiente

Quando a lesão ou ameaça ao ambiente seja provocada por uma activi-

dade de um particular, ou pelo Estado desde que actuando desprovido de

poderes de autoridade (no âmbito da sua gestão privada, ou “interna”), é

possível recorrer a qualquer das formas de acção previstas no Código de

Processo Civil, propondo, perante um tribunal cível, a acção que seja ade-

quada a fazer reconhecer em juízo o direito ao ambiente sadio e ecologica-

mente equilibrado, a prevenir ou reparar a violação do mesmo e a realizá-

-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar

o efeito útil da acção.

O Direito Processual Civil é bastante flexível, definindo apenas espécies

de acções de acordo com o seu fim, permitindo, em qualquer delas, uma

grande variedade de pedidos. Assim, a defesa do ambiente pode ser efecti-

vada através da apresentação de pedidos como:

a. a declaração da existência do direito ao ambiente sadio e ecologica-

mente equilibrado;

b. a condenação na realização de determinada prestação ou na proibição

de uma actividade, com base na lesão ou perigo de lesão do direito ao

ambiente sadio;

Page 44: GUIA DE ASCESSO A JUSTIÇA AMBIENTAL

c. a declaração da responsabilidade civil por danos ao ambiente (o caso

especial da responsabilidade por danos ambientais será analisado mais

adiante).

4.3.4 Punição de crimes ambientais

Os crimes ambientais estão tipificados no Código Penal (danos contra a

natureza – artigo 278º, poluição – artigo 279º, e poluição com perigo comum

– artigo 280º23

), existindo ainda incriminações em diplomas avulsos, nomea-

damente na regulamentação da caça.

Sendo provada a prática de um crime, será aplicável uma pena de prisão ou

de multa.

As pessoas colectivas, como por exemplo, as empresas, não são respon-

sáveis criminalmente, apenas o podendo ser os indivíduos que agem em

seu nome, desde que quanto a eles se demonstrem preenchidos todos os

requisitos do tipo penal (ilicitude, dolo, culpa e punibilidade).

Os cidadãos e as ONGA podem intervir num processo-crime de diver-

sas formas (artigo 25º da Lei de Acção Popular):

a. apresentando uma denúncia, queixa ou participação ao Ministério

Público (este organismo tem o dever de abrir um inquérito para

averiguar se existem indícios da prática do respectivo crime);

b. constituindo-se assistentes (“acusadores particulares”) no processo,

o que lhes permite:

i. intervir em várias fases do processo oferecendo provas e reque-

rendo as diligências que se afigurarem necessárias;

ii. deduzir acusação e requerer abertura de instrução (fase proces-

sual que serve para rever a decisão de levar ou não o arguido a jul-

gamento);

iii. interpor recurso das decisões que os afectem.

Quando a prática de um crime provoca danos quantificáveis (patrimo-

niais ou morais) a lei prevê a possibilidade de, no âmbito do próprio

processo-crime, as pessoas que sofreram esses danos pedirem que o argui-

do (quem provocou os danos) seja condenado numa indemnização civil.

A Lei de Acção Popular não prevê expressamente a possibilidade de

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Uma descrição do conteúdo destes crimes pode ser encontrada no glossário.

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apresentar pedido de indemnização civil no âmbito do processo penal

quando se trata de uma acção popular. Alguns tribunais já têm, contudo,

recusado apreciar tais pedidos apresentados por ONGA ou cidadãos,

recorrendo a uma norma do Código de Processo Penal (artigo 82º) que

permite ao tribunal remeter as partes para tribunais cíveis, quando as

questões suscitadas forem susceptíveis de gerar incidentes que retardem

intoleravelmente o processo penal.

4.3.5. O caso especial da responsabilidade

por danos ambientais

Quando alguém com a sua conduta causa danos a terceiros, fica, em princí-

pio, obrigado a reparar esses danos. Segundo as regras gerais do Direito

Civil a reparação é feita reconstituindo a situação anterior ou, caso a recons-

tituição natural não seja possível ou seja demasiado onerosa, pagando uma

indemnização em dinheiro.

No domínio do Direito do Ambiente, a importância da manutenção do

equilíbrio ecológico exige que a indemnização só seja opção quando a

restauração natural não seja de todo possível. A Lei de Bases do Ambiente

(LBA) expressamente determina que os infractores são obrigados a

remover as causas da infracção e repor a situação anterior à mesma ou

equivalente. Não sendo possível esta reconstituição natural, os infractores

ficam obrigados a pagar uma indemnização especial a definir por legislação

e a realizar as obras necessárias à minimização das consequências provo-

cadas (artigo 48º da LBA).

Uma primeira dificuldade que se levanta quando alguém pretende pedir

uma indemnização por danos ambientais é a da quantificação destes em

termos económicos. Como se avalia monetariamente a extinção de uma

espécie ou o desaparecimento de um habitat? Quanto vale o ar despoluído

ou um ambiente tranquilo sem ruído? Apesar de serem valores “fora do

comércio” e por isso não lhes ser atribuído um valor económico imediato,

é possível chegar a uma quantificação, da mesma forma que isso é feito em

relação a danos morais. A vida é o melhor exemplo de um bem não com-

ercializável e os tribunais atribuem indemnizações pelo dano morte.

Tanto a Lei de Bases do Ambiente (artigos 40º e 41º) como a própria Lei

de Acção Popular (artigos 22º a 24º) expressamente prevêem a respon-

sabilidade subjectiva24

(com base na culpa/negligência) e também a

GUIA DE ACESSO À JUSTIÇA AMBIENTAL

24

Ver glossário.

Page 46: GUIA DE ASCESSO A JUSTIÇA AMBIENTAL

responsabilidade objectiva25

(por actividade perigosa e independentemente

de culpa). Com efeito, a obrigação de indemnização pode existir não só quan-

do os danos são causados por uma conduta ilícita (violadora da lei ou de um

contrato) mas também quando a actividade lesiva, sendo lícita, é perigosa,

devendo portanto o agente responder pelo risco associado a essa actividade.

Responsabilidade subjectiva

Determina a Lei de Acção Popular que nos casos de responsabilidade civil

subjectiva, a indemnização tem de ser pedida para todos os titulares do inte-

resse afectado. Se os titulares são indeterminados, ela é pedida globalmente

(não tendo de indicar um montante exacto e preciso); se, pelo contrário, hou-

ver titulares identificados, todos eles devem ser apresentados como tal.

A indemnização é fixada globalmente, cabendo posteriormente a cada um

dos interessados/lesados requerer que lhe seja atribuída a sua parte de acor-

do com os danos sofridos. O direito à indemnização prescreve no prazo de

três anos a contar do trânsito em julgado da sentença que o tiver reconhecido.

Os montantes não reclamados são entregues ao Ministério da Justiça que os

escriturará em conta especial, e os afectará ao pagamento de procuradoria e

ao apoio no acesso ao direito e tribunais por titulares de acção popular.

Como em outros pontos da Lei de Acção Popular, trata-se de um regime

processual aplicável no caso de haver interesses individuais homogéneos (situ-

ação em que cada indivíduo sofre um dano próprio e individualizável, embora

com causa comum, tendo portanto direito à correspondente indemnização),

não se adequando a danos ambientais não quantificáveis individualmente,

onde só faz sentido uma destinação colectiva da indemnização.

Haverá que preencher esta lacuna da lei e determinar qual deve ser essa

destinação, eventualmente equacionando a afectação destes valores a um

fundo especial para conservação da natureza. Não existem tão-pouco

regras específicas sobre o nexo de causalidade (imputação do dano a um

agente/actividade), problema muitas vezes difícil de resolver em situações

em que o dano ambiental não tem uma origem directa e imediata, havendo

um concurso de causas que eventualmente se potenciam entre si.

Responsabilidade objectiva

No que toca à responsabilidade objectiva há uma quase total inexistência

de regras substantivas (não é definido o conceito de “actividade objectiva-

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Ver glossário.

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mente perigosa”, que serve de base ao dever de indemnizar; remete-se para

lei posterior a fixação do quantitativo da indemnização), bem como proces-

suais (estabelece-se a obrigação de contratação de um seguro de responsa-

bilidade civil para o exercício de actividades que envolvam um risco anormal

para os interesses difusos protegidos pela LAP, remetendo-se a definição dos

seus termos para uma regulamentação posterior, ainda inexistente).

Responsabilidade da Administração

Os danos ao ambiente, geradores de responsabilidade, podem ser provo-

cados por uma actividade de um particular, mas também o podem ser pela

Administração Pública no âmbito de actos de gestão pública ou privada.

Neste último caso, são aplicáveis as mesmas regras, acima descritas, que

disciplinam a responsabilidade civil dos particulares. Quando se trata de

actividades de gestão pública, os danos causados por acções ou omissões

de uma pessoa colectiva pública que violem qualquer norma ambiental são

geradores de responsabilidade nos termos de um diploma específico – o

Decreto-Lei n.º 48051 de 21 de Novembro de 1967.

Este diploma regula a responsabilidade da Administração em termos

genéricos e não apenas por danos ao ambiente, enfermando portanto das

mesmas lacunas já apontadas quanto à especificidade dos danos ambien-

tais. Permite, contudo, responsabilizar a Administração pela omissão dos

seus deveres de fiscalização de actividades nocivas ao ambiente.

Haverá provavelmente que se aguardar pela aprovação e transposição da

directiva comunitária sobre responsabilidade por danos ambientais para

poder encontrar mais acções (e condenações) nos tribunais portugueses

por responsabilidade civil ambiental.

4.4. ESPECIALIDADES NA TRAMITAÇÃO DA ACÇÃO POPULAR

Como já foi referido, a acção popular segue as regras gerais do processo

civil, penal ou administrativo, ressalvadas algumas adaptações que se tor-

nam necessárias em função da situação especial do autor popular. Uma vez

que se trata de um indivíduo ou associação actuando em nome de um inte-

resse pertencente a uma generalidade de indivíduos, é importante garantir

que é efectivamente o interesse de todos que está a ser protegido. Por outro

lado, e porque muitas vezes do outro lado da barricada está uma grande

empresa ou o Estado, a manutenção do equilíbrio entre as partes exige

medidas adicionais.

GUIA DE ACESSO À JUSTIÇA AMBIENTAL

Page 48: GUIA DE ASCESSO A JUSTIÇA AMBIENTAL

4.4.1. Poderes especiais do juiz

Logo após a recepção da petição inicial, ouvido o Ministério Público e

feitas preliminarmente as averiguações que o juiz tenha por justificadas ou

que o Ministério Público ou autor solicitem, pode o juiz indeferir liminar-

mente, ou seja, rejeitar imediatamente o pedido, caso entenda que é mani-

festamente improvável a respectiva procedência (artigo 13º da LAP).

No momento de proferir a decisão final, o tribunal pode ainda decidir pela

improcedência do pedido fundado em motivações próprias do caso concreto

(por exemplo a utilização abusiva da acção popular pelo autor para obter be-

nefícios próprios), excluindo assim a eficácia geral do caso julgado26

, o que sal-

vaguarda os verdadeiros titulares do interesse em causa, pois significa que eles

podem vir a propor nova acção com o mesmo objecto (artigo 19º da LAP).

No que respeita ao apuramento dos factos, ainda que limitado às

questões fundamentais definidas pelas partes, o juiz tem iniciativa própria

em matéria de recolha de provas, sem estar vinculado à iniciativa das partes

(ao contrário do que acontece nas regras gerais de processo civil). Significa

isto que o juiz pode, por exemplo, ordenar peritagens que não tenham sido

pedidas pelas partes, caso considere isso importante para o apuramento

dos factos (artigo 17º da LAP).

Finalmente, outra excepção às regras processuais gerais é a já referida

possibilidade do juiz conferir eficácia suspensiva a um recurso, para evitar

dano irreparável ou de difícil reparação, ainda que a lei não preveja esse

efeito para o recurso. Isto significa que a decisão recorrida não produz

efeitos, ou seja, não é passível de ser executada até que seja proferida a

decisão final do recurso pelo tribunal superior (artigo 18º da LAP).

4.4.2. Publicidade da decisão

Uma vez que o objecto de uma acção popular diz respeito e interessa a uma

generalidade de indivíduos, as decisões judiciais aí proferidas são pu-

blicadas, a expensas da parte vencida, em dois dos jornais presumivelmente

lidos pelo universo dos interessados no seu conhecimento, à escolha do

juiz da causa, que poderá determinar que a publicação se faça por extracto

dos seus aspectos essenciais, quando a sua extensão desaconselhar a publi-

cação por inteiro (artigo 19º da LAP).

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Vide supra a secção sobre o regime especial da representação processual, onde se descrevem os efeitos

do caso julgado na acção popular.

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4.5. CUSTOS ASSOCIADOS AO RECURSO AO TRIBUNAL

A decisão de recorrer ao tribunal implica sempre uma ponderação entre

vantagens e desvantagens, proveitos e custos envolvidos.

Além de saber se há uma probabilidade séria, em termos de fundamento

legal, para que o pedido apresentado em tribunal obtenha vencimento, é

necessário estar bem consciente dos meios e recursos necessários antes de

optar pela via judicial.

4.5.1. Custas judiciais

Motivos económicos não devem ser um obstáculo ao acesso ao direito e,

nomeadamente, à utilização da acção popular. A lei que define o estatuto

das ONGA (Lei n.º 35/98, de 18 de Julho) isenta-as do pagamento de

preparos, custas e imposto do selo, pela sua intervenção nos processos que

intentem para a protecção do ambiente.

O novo Código das Custas Judiciais, que entrou em vigor em 1 de Janeiro

de 2004, alargou a isenção de custas a qualquer “cidadão, associação ou

fundação que seja parte activa em processos destinados à defesa de valores

e bens constitucionalmente protegidos, nos termos do n.º 3 do artigo 52º

da Constituição da República Portuguesa, salvo em caso de manifesta

improcedência do pedido” (artigo 2º n.º 1 d) do Código das Custas). Ficam

assim cobertos todos os casos de acção popular e ressalvam-se, simultanea-

mente, os casos de utilização abusiva deste meio processual.

4.5.2. Patrocínio judiciário

Em todos os processos judiciais para defesa do ambiente o autor popular

tem de estar representado por advogado.

A parte vencida numa acção está, em princípio, obrigada a reembolsar a

outra parte das quantias devidas a título de procuradoria – um valor que deve-

ria cobrir os encargos com o patrocínio judiciário (ou seja, com o advogado).

A Lei de Acção Popular expressamente determina que o juiz deve definir

o montante da procuradoria de acordo com a complexidade e o valor da

causa (artigo 21º). No entanto, na ausência de critérios objectivos os juízes

têm sido muito pouco generosos, não permitindo muitas vezes o reembol-

so de valores que minimamente correspondam às despesas com advogados

e outras.

Em cumprimento da exigência constitucional de proibição da denegação

da justiça por falta ou insuficiência de meios económicos, foi criado um sis-

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tema de acesso ao direito e aos tribunais, nos termos do qual o Estado se

obriga a promover e a conceder informação e protecção jurídicas.

O sistema de acesso ao direito e aos tribunais (regulado na Lei n.º

34/2004, de 29 de Julho) prevê:

• Informação jurídica – o Governo está obrigado a tomar a iniciativa

de divulgar e tornar conhecido o direito e o ordenamento legal.

• Protecção jurídica – que reveste as seguintes modalidades:

– Consulta jurídica: o Ministério da Justiça e a Ordem dos

Advogados comprometeram-se a criar gabinetes de consul-

ta jurídica com vista à gradual cobertura territorial do país.

– Apoio judiciário: no recurso ao tribunal pode ser concedida a

quem não disponha de meios económicos para tal:

• Dispensa total e/ou parcial, ou diferimento do pagamento da

taxa de justiça e demais encargos com o processo.

• Nomeação e pagamento de honorários de patrono ou paga-

mento de honorários a patrono escolhido.

No entanto, esta Lei que define o regime de acesso ao direito e aos tri-

bunais, remete para regulamentação posterior a definição dos esquemas

destinados à tutela de interesses difusos e dos direitos só indirecta ou

reflexamente lesados ou ameaçados de lesão. Esta regulamentação conti-

nua sem existir desde há bem mais de uma década, levantando a questão de

uma possível inconstitucionalidade por omissão.

A solução que tem vindo a ser encontrada por quem propõe acções popu-

lares é encontrar advogados dispostos a trabalhar gratuitamente, o que nem

sempre é fácil. A CIDAMB – Associação para a Cidadania Ambiental foi

constituída pela Liga para a Protecção da Natureza, Quercus e GEOTA

tendo como um dos principais propósitos apoiar e informar quem queira

actuar judicialmente em defesa do ambiente e encontrar uma “bolsa” de

advogados dispostos a patrocinar tais acções. Mais uma vez as ONGA

assumem uma tarefa que é do Estado.

4.5.3. A recolha e apresentação de provas

Em tribunal não basta alegar um facto, não é suficiente dizer que uma

determinada descarga poluiu um ribeiro e está a pôr em perigo a saúde

pública ou o ecossistema local. Ainda que no âmbito da acção popular o

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juiz possa tomar a iniciativa de investigar os factos por si próprio, é funda-

mental que todos os factos invocados sejam corroborados com documen-

tos, testemunhos de peritos, peritagens, etc.

Os processos judiciais sobre questões ambientais exigem, mais do que

todos os outros, um cruzamento de informações e conhecimentos de

várias áreas de modo a demonstrar o bem fundado do pedido apresentado

em tribunal. Mais uma vez se colocam problemas com os encargos com

peritagens e pareceres de técnicos. No entanto, as ONGA geralmente ou

dispõem de engenheiros, biólogos e outros peritos dentro dos seus

próprios corpos, ou vão conseguindo encontrar ainda alguma disponibili-

dade junto dos peritos que trabalham em universidades.

O estatuto das ONGA (Lei n.º 35/98, de 18 de Julho) consagra, entre os

direitos destas associações, a possibilidade de solicitar aos laboratórios

públicos competentes a realização de análises sobre a composição ou o

estado de quaisquer componentes do ambiente e divulgar os correspon-

dentes resultados.

Uma outra fonte importante de informação e de meios de prova é a

própria Administração. Existe uma obrigação legal de criação e manu-

tenção de uma base de dados integrada e sistematizada com informação

ambiental, com indicadores, fontes de poluição, estado do ambiente, etc.

Ainda estamos longe dessa realidade, mas vai sendo possível encontrar

alguma informação dispersa pelas várias instituições com responsabilidade

na área do ambiente e respectivos sítios na internet.

Por outro lado, como já se referiu por diversas vezes, tanto os cidadãos

como as ONGA têm direito de consultar e obter cópias dos documentos

administrativos (licenças e autorizações, processos de avaliação de impacte

ambiental, planos de ordenamento do território, etc.). É importante salien-

tar a existência de uma tabela onde estão fixados os valores que podem ser

cobrados pela reprodução de documentos administrativos, tabela essa obri-

gatória para todos os organismos da Administração Pública [aprovada pelo

Despacho n.º 8617/2002 (2ª Série) de 29 de Abril].

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IlícitoIlícito Mecanismos de rMecanismos de reacçãoeacção

InterInter vvenção dosenção dos

cidadãos ou ONGAcidadãos ou ONGA

RResultadoesultado

Contra-ordenacional

(infracção praticada por pessoas

singulares ou colectivas e tipificada

na lei como contra-ordenação)

Penal

(infracção praticada por pessoas

singulares, tipificada na lei como crime)

Civil

(violação de normas legais, praticada

por particulares, ofensiva de um direito

de terceiros)

Administrativo

(violação pela Administração das normas

que regulam o exercício da sua actividade

de prossecução dos interesses públicos,

actuando com poderes de autoridade)

Condenação da Administração à

adopção ou abstenção de condutas

(actos administrativos, normas regula-

mentares ou operações materiais)

e/ou ao pagamento de indemnização

por danos ambientais

Aplicação de coimas e, eventual-

mente, sanções acessórias

ao agente infractor

Processo de contra-ordenação

(processo administrativo, com

possibilidade de recurso para

os tribunais)

Denunciante

ONGA podem

acompanhar o processo

processo-crime perante os tribunais

judiciais (criminais)

Denunciante

e/ou assistente

Acção perante os tribunais

judiciais (cíveis)

Autor

Aplicação de penas de prisão

ou multas ao agente infractor

Condenação de particulares à adopção

ou abstenção de comportamentos

e/ou ao pagamento de indemnização

por danos ambientais

Emissão de parecer não vinculativo

pela CADA e decisão em segunda

leitura pelo órgão detentor do

documento administrativo

Revisão da decisão por órgão superior

(confirmação, revogação ou, em algumas con-

dições, modificação ou substituição da decisão)

Revisão da decisão pelo autor do acto

Autor

Queixoso

Recorrente

Reclamante

Acção perante os tribunais

administrativos

Queixa perante a CADA

(por violação do direito de acesso

a documentos administrativos)

Recurso administrativo

Reclamação

Controlo

interno

Controlo

externo

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VI – GLOSSÁRIO

Tentando descodificar alguns dos termos técnico-jurídicos mais utilizados

quando se fala de acesso à justiça em matérias ambientais, apresentam-se

algumas explicações simples que não pretendem ser definições completas

e absolutamente rigorosas, mas sim permitir uma primeira aproximação do

cidadão comum às realidades descritas.

Acção judicial – pedido apresentado em tribunal para que este se pronuncie

sobre a existência de um direito ou a viabilidade de determinada pretensão em face

das normas aplicáveis a uma determinada situação, de forma a resolver um confli-

to entre duas partes.

Acção popular – acção judicial proposta por cidadãos ou associações representa-

tivas de interesses difusos, como a saúde pública, o ambiente, a qualidade de vida,

a protecção do consumo de bens e serviços, o património cultural e o domínio

público, tendo por objecto a defesa destes mesmos interesses.

Acórdão – decisão final de um processo proferida por um tribunal colectivo.

Alçada do tribunal – limite de valor fixado para cada grau da hierarquia dos tri-

bunais, funcionando como critério geral para determinar a possibilidade de recur-

so em acções cíveis e administrativas: só é possível recorrer de uma decisão se o

valor da acção for superior à alçada do tribunal de que se recorre.

Arguido – pessoa a quem é imputada, no âmbito de um processo judicial, a práti-

ca de um crime.

Autor – quem propõe uma acção.

Apoio judiciário – benefício concedido pelo Estado, no âmbito do regime de

acesso ao direito e aos tribunais, através do qual se dispensa do pagamento das

custas judiciais e dos honorários de advogados aqueles que não disponham de

meios económicos para suportar estes encargos.

CADA (Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos) – entidade

pública independente, que funciona junto da Assembleia da República, criada para

zelar pelo cumprimento da Lei de Acesso aos Documentos Administrativos, tendo

competência para emitir pareceres sobre queixas que lhe sejam apresentadas sem-

pre que a Administração recuse o acesso a documentos administrativos.

Caso julgado – eficácia da decisão proferida num determinado processo com

determinado objecto, tornando-a indiscutível e impedindo que aqueles que estão

abrangidos pelo caso julgado venham a propor posteriormente nova acção com o

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mesmo pedido e o mesmo objecto. O caso julgado só se forma após o trânsito em

julgado, ou seja, quando já não é possível recorrer da decisão.

Citação – primeiro chamamento à acção de alguém que é convidado a tornar-se

parte na mesma (réu, arguido ou outras pessoas que possam tornar-se também

autores – no caso da acção popular, depois de apresentado o pedido, são citados

todos os demais interessados, de modo a que possam também assumir a posição

de autores).

Coima – sanção pecuniária aplicável no caso de prática de uma contra-ordenação

(ao contrário da multa pela prática de um crime, a coima não é convertível em dias

de prisão).

Contra-ordenação – infracção a uma regra legal, punível com a aplicação de uma

coima (sanção pecuniária), e eventualmente sanções acessórias, determinada por

uma autoridade administrativa, na sequência de um processo administrativo que

visa apurar a prática de tal infracção. Ao contrário dos crimes, a prática de uma

contra-ordenação implica uma conduta que não viola valores éticos fundamentais

à sociedade, podendo ser imputada tanto a pessoas singulares como a pessoas

colectivas (empresas, associações, etc.).

Crime – infracção a uma regra legal, que pune determinados comportamentos,

por atentatórios de valores fundamentais à sociedade, através da aplicação de pena

de prisão ou de multa (pagamento de uma determinada quantia pecuniária a uma

taxa diária, convertível em prisão). Para que determinada conduta seja punível

como crime é necessária a existência de uma norma penal que expressamente pre-

veja essa conduta e que o agente actue voluntariamente (sabendo que está a violar

a norma penal). Só as pessoas singulares/físicas podem ser punidas penalmente,

porque só quanto a elas se pode verificar este elemento de voluntariedade.

Crimes ambientais – além de algumas normas que prevêem crimes relacionados

com a ofensa de bens ambientais em legislação avulsa, o Código Penal prevê três

grandes tipos de crimes ambientais:

• Crime de danos contra a natureza (artigo 278º do Código Penal) –

incorre neste crime quem, violando normas legais ou regulamentares,

eliminar exemplares de fauna ou flora ou destruir habitat natural ou esgo-

tar recursos do subsolo, desde que actue de forma grave. A lei considera

que este último requisito está preenchido se a actuação do agente fizer

desaparecer ou contribuir para o desaparecimento de uma ou mais espé-

cies animais ou vegetais de certa região, se da destruição resultarem per-

das importantes nas populações de espécies de fauna ou flora selvagens

legalmente protegidas, ou se esgotar ou impedir a renovação de um recurso

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do subsolo em toda uma área regional. Este crime é punido com pena de

prisão até 3 anos ou com pena de multa até 600 dias.

• Crime de poluição (artigo 279º do Código Penal) – a descrição do

comportamento que corresponde a este tipo penal assenta no conceito de

“poluição em medida inadmissível”, o que significa que só será punido o

agente que: (a) poluir águas ou solos, ou por qualquer forma degradar as

suas qualidades, ou poluir o ar mediante a utilização de aparelhos técnicos

ou de instalações, ou provocar poluição sonora mediante a utilização de

aparelhos técnicos ou de instalações, em especial de máquinas ou de

veículos terrestres, fluviais, marítimos ou aéreos de qualquer natureza; (b)

desde que a conduta do agente viole prescrições ou limitações impostas

pela autoridade competente (por exemplo, no âmbito de uma licença ou

autorização de uma actividade) em conformidade com disposições legais

ou regulamentares e ainda (c) desde que essas prescrições ou limitações

tenham sido dadas sob cominação de que a sua violação implicaria a práti-

ca do crime de poluição. Este crime é punido com pena de prisão até 3

anos ou com pena de multa até 600 dias ou, se o agente actuar com negli-

gência, será punido apenas com pena de prisão até 1 ano ou com pena de

multa.

• Crime de poluição com perigo comum (artigo 280º do Código Penal)

– incorre neste crime quem, além de poluir águas, ou solos, ou provocar

poluição sonora, crie, com essa conduta, perigo para a vida ou para a inte-

gridade física de outrem ou para bens patrimoniais alheios de valor eleva-

do. Neste tipo penal o ambiente só indirectamente é protegido, pois é a

vida, a integridade física ou os bens patrimoniais que se pretendem salva-

guardar em primeira linha, e não só face a uma lesão efectiva mas mesmo

perante a simples criação de perigo. Este crime é punido com pena de

prisão de 1 a 8 anos se a conduta e a criação de perigo forem dolosas, ou

com pena de prisão até 5 anos se a conduta for dolosa e a criação de peri-

go ocorrer por negligência.

Cumulação de pedidos – possibilidade de apresentar na mesma acção judicial

vários pedidos distintos, desde que de alguma forma conexos.

Custas judiciais – despesas que as partes são obrigadas a pagar para suportar o

andamento do processo. O novo Código das Custas prevê isenção de custas para

quem proponha uma acção popular.

Decisão de forma – decisão que atende apenas à (in)existência dos requisitos for-

mais do pedido apresentado. No caso dos pedidos apresentados em tribunal, há

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uma decisão de forma quando o pedido é rejeitado, por exemplo, porque o tribu-

nal se considera incompetente ou declara uma das partes ilegítima.

Decisão de mérito – decisão que se pronuncia sobre o conteúdo do pedido apre-

sentado.

Discricionariedade administrativa – liberdade conferida pela lei a um órgão

administrativo para que este escolha e decida, de entre um número limitado ou

ilimitado de opções, aquela que melhor serve o interesse ou necessidade pública

que se pretende satisfazer numa dada situação. A escolha é feita com base num

juízo de conveniência e não estrita legalidade, embora o respeito pelos grandes

princípios que norteiam a actividade administrativa funcione como limite à

margem de discricionariedade (princípios da igualdade, proporcionalidade, justiça,

imparcialidade e boa-fé).

Documentos administrativos – quaisquer suportes de informação gráficos,

sonoros, visuais, informáticos ou registos de outra natureza, elaborados ou detidos

pela Administração Pública, designadamente processos, relatórios, estudos, pare-

ceres, actas, autos, circulares, ofícios-circulares, ordens de serviço, despachos nor-

mativos internos, instruções e orientações de interpretação legal ou de enquadra-

mento da actividade ou outros elementos de informação (definição legal dada pela

Lei n.º 65/93 de 26 de Agosto e válida para efeitos do exercício do direito de aces-

so aí previsto).

Doutrina – opiniões dos autores que se dedicam ao estudo do Direito.

Interesses colectivos – interesses cuja titularidade pertence a um conjunto deter-

minado e diferenciado de titulares, identificável em função de uma característica

objectiva comum que liga os seus membros, tendo por objecto um bem insus-

ceptível de apropriação individual e sendo, por isso, exercidos ou defendidos no

interesse desse grupo (por exemplo os interesses dos utentes de um serviço público).

Interesses difusos – interesses cuja titularidade pertence a um número tenden-

cialmente indeterminado e indiferenciado de sujeitos (a todos e a cada um dos

membros de uma comunidade, de um grupo ou de uma classe, não representados

organicamente), sem que, todavia, sejam susceptíveis de apropriação individual

por qualquer um desses sujeitos, sendo exercidos ou defendidos por qualquer

membro no interesse de todo o grupo ou colectividade (por exemplo, o interesse

na protecção de uma paisagem natural, na qualidade do ar que todos respiramos,

na preservação da biodiversidade e dos ecossistemas).

Interesses individuais homogéneos – interesses que, tendo uma origem comum,

têm uma tradução concreta individual pois o seu objecto é divisível e susceptível

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de apropriação individual, sendo em consequência exercidos no interesse indivi-

dual e próprio de cada titular. (Os exemplos mais típicos de interesses individuais

homogéneos encontram-se na área do consumo, como por exemplo, a protecção dos

interesses dos clientes de uma empresa de telecomunicações, em situações de violação

pela empresa das cláusulas de um contrato de adesão, comum a todos os clientes. Mas

os danos ambientais também podem criar situações deste género: uma maré negra

afecta interesses individuais homogéneos dos pescadores que actuam na área afecta-

da, no que respeita aos danos sofridos na respectiva actividade económica.)

Jurisprudência – decisões dos tribunais.

Patrocínio judiciário – representação das partes em tribunal por um advogado.

Pena de multa – uma das punições possíveis pela prática de crimes, consistindo

no pagamento de uma determinada quantia monetária, calculada com base numa

taxa diária, convertível em dias de prisão no caso de falta de pagamento.

Pena de prisão – uma das punições possíveis pela prática de crimes, consistindo

na privação de liberdade.

Procedimentos cautelares – processo judicial, acessório de uma acção principal,

no qual se pede uma regulação provisória e urgente de uma situação, objecto tam-

bém da acção principal, tendo por objectivo acautelar o efeito útil da decisão

definitiva que irá ser tomada no final da referida acção.

Procuradoria – importância paga pela parte que é condenada nas custas, destina-

da a indemnizar ou custear, ao menos parcialmente, a despesa efectuada pela outra

parte com o seu advogado.

Providência cautelar – decisão requerida no âmbito de um procedimento caute-

lar (ver acima).

Reclamação – pedido de revisão de uma decisão de um órgão administrativo

(acto administrativo) dirigido ao próprio autor dessa decisão.

Recurso administrativo (hierárquico ou tutelar) – pedido de revisão de uma decisão

de um órgão administrativo (acto administrativo) dirigido a um outro órgão adminis-

trativo. Consoante a relação entre os órgãos administrativos o recurso pode ser:

• Recurso hierárquico – apreciado pelo superior hierárquico.

• Recurso hierárquico impróprio – apreciado por um órgão que, fora da

hierarquia administrativa, exerce poder de supervisão sobre o órgão recorrido.

• Recurso tutelar – apreciado por um órgão de outra pessoa colectiva

que exerce poderes de tutela ou superintendência sobre a pessoa colecti-

va a que pertence o órgão recorrido.

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Recurso jurisdicional – pedido de revisão de uma decisão final proferida por um

tribunal inferior, dirigido e apreciado por um tribunal superior.

Responsabilidade objectiva ou pelo risco – obrigação de responder pelos

danos causados no âmbito de uma actividade perigosa (só existe quando a lei

expressamente a prevê, tipificando a actividade perigosa).

Responsabilidade subjectiva – obrigação de responder pelos danos causados

por uma actividade ilícita, ou seja, violadora de uma norma jurídica que protege

um direito ou interesse de terceiro, desde que o agente tenha actuado com culpa

(com consciência de que a sua conduta era ilícita).

Réu – pessoa (singular ou colectiva) contra quem é proposta uma acção judicial

cível ou administrativa.

Sentença – decisão final sobre um processo judicial proferida por um tribunal sin-

gular.

Trânsito em julgado – uma decisão transita em julgado quando já não é possí-

vel recorrer da mesma, pela ultrapassagem do prazo de recurso, pela inexistência

de tribunal superior ou pela inadmissibilidade de recurso da decisão em causa.

Tutela jurisdicional – protecção dos direitos através dos tribunais, realizada pela

declaração ou realização coerciva dos mesmos.

Valor da acção – valor que representa a utilidade económica do pedido e é fixa-

do de acordo com vários critérios definidos na lei (no caso de acções que versam

sobre interesses imateriais, considera-se que têm o valor da alçada da Relação mais

um cêntimo, ou seja, 14963,95 euros).

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VII – LEGISLAÇÃO RELEVANTE

Código das Custas Judiciais – aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26

de Novembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro.

Código de Procedimento Administrativo (CPA) – aprovado pelo Decreto-Lei

n.º 442/91, de 15 de Novembro, e com a última alteração introduzida pelo

Decreto-Lei n.º 6/96, de 31 de Janeiro.

Código de Processo Civil – aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44129 de 28 de

Dezembro de 1961, revisto e republicado pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de

Dezembro, com última alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 38/2003 de 8

de Março.

Código de Processo Penal – aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de

Fevereiro, com última alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 30-C/2000, de 15

de Dezembro.

Código de Processo nos Tribunais Administrativos – aprovado pela Lei n.º

15/2002, de 22 de Fevereiro, e alterado pela Lei n.º 4-A/203, de 19 de Fevereiro.

Convenção de Aarhus – Convenção sobre Acesso à Informação, Participação

Pública e Acesso à Justiça em matéria de Ambiente, concluída em Aarhus, em

Junho de 1998, ratificada por Portugal através do Decreto n.º 9/2003 de 25 de

Fevereiro, tendo entrado em vigor para Portugal em 7 de Setembro de 2003, con-

forme Aviso n.º 182/2003 de 24 de Julho.

Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais – aprovado pela Lei n.º

13/2002, de 19 de Fevereiro, e alterado pela Lei n.º 4-A/2003, de 19 de Fevereiro,

e pela Lei n.º 107-D/2003, de 31 de Dezembro.

Lei de Acção Popular (LAP) – Lei n.º 83/95 de 31 de Agosto, que regula o direito

de participação procedimental e de acção popular.

Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (LADA) – Lei n.º 65/93, de

26 de Agosto, alterada pela Lei n.º 8/95, de 29 de Março, e pela Lei n.º 94/99, de

16 de Julho.

Lei do Apoio Judiciário – Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho.

Lei de Bases do Ambiente (LBA) – Lei n.º 11/87, de 7 de Abril, alterada pela

Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro.

Lei das Organizações Não Governamentais de Ambiente – Lei n.º 35/98, de

18 de Julho.

Regime geral do ilícito de mera ordenação social – Decreto-Lei n.º 433/82,

de 27 de Outubro, com última alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 244/95,

de 14 de Setembro.

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I – LEI DE ACÇÃO POPULAR

Lei n.º 83/95 de 31 de Agosto

Direito de participação procedimental e de acção popular

A Assembleia da República decreta, nos termos dos artigos 52°, n.° 3, 164°, alínea d), e

169°, n.° 3, da Constituição, o seguinte:

CAPÍTULO I – DISPOSIÇÕES GERAIS

Artigo 1°

Âmbito da presente lei

1 – A presente lei define os casos e termos em que são conferidos e podem ser exercidos o

direito de participação popular em procedimentos administrativos e o direito de acção po-

pular para a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infracções previstas no n.° 3

do artigo 52° da Constituição.

2 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, são designadamente interesses protegi-

dos pela presente lei a saúde pública, o ambiente, a qualidade de vida, a protecção do con-

sumo de bens e serviços, o património cultural e o domínio público.

Artigo 2°

Titularidade dos direitos de participação procedimental

e do direito de acção popular

1 – São titulares do direito procedimental de participação popular e do direito de acção po-

pular quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos e as associações e fun-

dações defensoras dos interesses previstos no artigo anterior, independentemente de terem

ou não interesse directo na demanda.

2 – São igualmente titulares dos direitos referidos no número anterior as autarquias locais em

relação aos interesses de que sejam titulares residentes na área da respectiva circunscrição.

Artigo 3°

Legitimidade activa das associações e fundações

Constituem requisitos da legitimidade activa das associações e fundações:

a) a personalidade jurídica;

b) o incluírem expressamente nas suas atribuições ou nos seus objectivos estatutários a

defesa dos interesses em causa no tipo de acção de que se trate;

c) não exercerem qualquer tipo de actividade profissional concorrente com empresas ou

profissionais liberais.

CAPÍTULO II – DIREITO DE PARTICIPAÇÃO POPULAR

Artigo 4°

Dever de prévia audiência na preparação de planos ou na

localização e realização de obras e investimentos públicos

1 – A adopção de planos de desenvolvimento das actividades da Administração Pública, de

planos de urbanismo, de planos directores e de ordenamento do território e a decisão sobre a

localização e a realização de obras públicas ou de outros investimentos públicos com impacte

relevante no ambiente ou nas condições económicas e sociais e da vida em geral das populações

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ou agregados populacionais de certa área do território nacional devem ser precedidos, na fase

de instrução dos respectivos procedimentos, da audição dos cidadãos interessados e das enti-

dades defensoras dos interesses que possam vir a ser afectados por aqueles planos ou decisões.

2 – Para efeitos desta lei, considera-se equivalente aos planos a preparação de actividades

coordenadas da Administração a desenvolver com vista à obtenção de resultados com

impacte relevante.

3 – São consideradas como obras públicas ou investimentos públicos com impacte relevante

para efeitos deste artigo os que se traduzam em custos superiores a um milhão de contos

ou que, sendo de valor inferior, influenciem significativamente as condições de vida das

populações de determinada área, quer sejam executados directamente por pessoas colecti-

vas públicas quer por concessionários.

Artigo 5°

Anúncio público do início do procedimento para elaboração dos planos

ou decisões de realizar as obras ou investimentos

1 – Para a realização da audição dos interessados serão afixados editais nos lugares de esti-

lo, quando os houver, e publicados anúncios em dois jornais diários de grande circulação,

bem como num jornal regional, quando existir.

2 – Os editais e anúncios identificarão as principais características do plano, obra ou inves-

timento e seus prováveis efeitos e indicarão a data a partir da qual será realizada a audição

dos interessados.

3 – Entre a data do anúncio e a realização da audição deverão mediar, pelo menos, 20 dias,

salvo casos de urgência devidamente justificados.

Artigo 6°

Consulta dos documentos e demais actos do procedimento

1 – Durante o período referido no n.° 3 do artigo anterior, os estudos e outros elementos

preparatórios dos projectos dos planos ou das obras deverão ser facultados à consulta dos

interessados.

2 – Dos elementos preparatórios referidos no número anterior constarão obrigatoriamente

indicações sobre eventuais consequências que a adopção dos planos ou decisões possa ter

sobre os bens, ambiente e condições de vida das pessoas abrangidas.

3 – Poderão também durante o período de consulta ser pedidos, oralmente ou por escrito,

esclarecimentos sobre os elementos facultados.

Artigo 7°

Pedido de audiência ou de apresentação de observações escritas

1 – No prazo de cinco dias a contar do termo do período da consulta, os interessados de-

verão comunicar à autoridade instrutora a sua pretensão de serem ouvidos oralmente ou de

apresentarem observações escritas.

2 – No caso de pretenderem ser ouvidos, os interessados devem indicar os assuntos sobre

que pretendem intervir e qual o sentido geral da sua intervenção.

Artigo 8°

Audição dos interessados

1 – Os interessados serão ouvidos em audiência pública.

2 – A autoridade encarregada da instrução prestará os esclarecimentos que entender úteis

durante a audiência, sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes.

3 – Das audiências serão lavradas actas assinadas pela autoridade encarregada da instrução.

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Artigo 9°

Dever de ponderação e de resposta

1 – A autoridade instrutora ou, por seu intermédio, a autoridade promotora do projecto,

quando aquela não for competente para a decisão, responderá às observações formuladas e

justificará as opções tomadas.

2 – A resposta será comunicada por escrito aos interessados, sem prejuízo do disposto no

artigo seguinte.

Artigo 10°

Procedimento colectivo

1 – Sempre que a autoridade instrutora deva proceder a mais de 20 audições, poderá deter-

minar que os interessados se organizem de modo a escolherem representantes nas audiên-

cias a efectuar, os quais serão indicados no prazo de cinco dias a contar do fim do período

referido no n.° 1 do artigo 7°.

2 – No caso de os interessados não se fazerem representar, poderá a entidade instrutora

escolher, de entre os interessados, representantes de posições afins, de modo a não exce-

der o número de 20 audições.

3 – As observações escritas ou os pedidos de intervenção idênticos serão agrupados a fim

de que a audição se restrinja apenas ao primeiro interessado que solicitou a audiência ou ao

primeiro subscritor das observações feitas.

4 – No caso de se adoptar a forma de audição através de representantes, ou no caso de a

apresentação de observações escritas ser em número superior a 20, poderá a autoridade

instrutora optar pela publicação das respostas aos interessados em dois jornais diários e

num jornal regional, quando exista.

Artigo 11°

Aplicação do Código do Procedimento Administrativo

São aplicáveis aos procedimentos e actos previstos no artigo anterior as pertinentes dis-

posições do Código do Procedimento Administrativo.

CAPÍTULO III – DO EXERCÍCIO DA ACÇÃO POPULAR

Artigo 12°

Acção procedimental administrativa e acção popular civil

1 – A acção procedimental administrativa compreende a acção para defesa dos interesses

referidos no artigo 1° e o recurso contencioso com fundamento em ilegalidade contra

quaisquer actos administrativos lesivos dos mesmos interesses.

2 – A acção popular civil pode revestir qualquer das formas previstas no Código de

Processo Civil.

Artigo 13°

Regime especial de indeferimento da petição inicial

A petição deve ser indeferida quando o julgador entenda que é manifestamente improvável a

procedência do pedido, ouvido o Ministério Público e feitas preliminarmente as averiguações

que o julgador tenha por justificadas ou que o autor ou o Ministério Público requeiram.

Artigo 14°

Regime especial de representação processual

Nos processos de acção popular, o autor representa por iniciativa própria, com dispensa de

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mandato ou autorização expressa, todos os demais titulares dos direitos ou interesses em

causa que não tenham exercido o direito de auto–exclusão previsto no artigo seguinte, com

as consequências constantes da presente lei.

Artigo 15°

Direito de exclusão por parte de titulares dos interesses em causa

1 – Recebida petição de acção popular, serão citados os titulares dos interesses em causa na

acção de que se trate, e não intervenientes nela, para o efeito de, no prazo fixado pelo juiz,

passarem a intervir no processo a título principal, querendo, aceitando-o na fase em que se

encontrar, e para declararem nos autos se aceitam ou não ser representados pelo autor ou

se, pelo contrário, se excluem dessa representação, nomeadamente para o efeito de lhes não

serem aplicáveis as decisões proferidas, sob pena de a sua passividade valer como aceitação,

sem prejuízo do disposto no n.° 4.

2 – A citação será feita por anúncio ou anúncios tornados públicos através de qualquer meio

de comunicação social ou editalmente, consoante estejam em causa interesses gerais ou

geograficamente localizados, sem obrigatoriedade de identificação pessoal dos destinatários,

que poderão ser referenciados enquanto titulares dos mencionados interesses, e por refe-

rência à acção de que se trate, à identificação de pelo menos o primeiro autor, quando seja

um entre vários, do réu ou réus e por menção bastante do pedido e da causa de pedir.

3 – Quando não for possível individualizar os respectivos titulares, a citação prevista no

número anterior far-se-á por referência ao respectivo universo, determinado a partir de cir-

cunstância ou qualidade que lhes seja comum, da área geográfica em que residam ou do

grupo ou comunidade que constituam, em qualquer caso sem vinculação à identificação

constante da petição inicial, seguindo-se no mais o disposto no número anterior.

4 – A representação referida no n.° 1 é ainda susceptível de recusa pelo representado até ao

termo da produção de prova ou fase equivalente, por declaração expressa nos autos.

Artigo 16°

Ministério Público

1 – O Ministério Público fiscaliza a legalidade e representa o Estado quando este for parte

na causa, os ausentes, os menores e demais incapazes, neste último caso quer sejam autores

ou réus.

2 – O Ministério Público poderá ainda representar outras pessoas colectivas públicas quan-

do tal for autorizado por lei.

3 – No âmbito da fiscalização da legalidade, o Ministério Público poderá, querendo, substi-

tuir-se ao autor em caso de desistência da lide, bem como de transacção ou de comporta-

mentos lesivos dos interesses em causa.

Artigo 17°

Recolha de provas pelo julgador

Na acção popular e no âmbito das questões fundamentais definidas pelas partes, cabe ao juiz

iniciativa própria em matéria de recolha de provas, sem vinculação à iniciativa das partes.

Artigo 18°

Regime especial de eficácia dos recursos

Mesmo que determinado recurso não tenha efeito suspensivo, nos termos gerais, pode o

julgador, em acção popular, conferir-lhe esse efeito, para evitar dano irreparável ou de difí-

cil reparação.

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Artigo 19°

Efeitos do caso julgado

1 – As sentenças transitadas em julgado proferidas em acções ou recursos administrativos

ou em acções cíveis, salvo quando julgadas improcedentes por insuficiência de provas, ou

quando o julgador deva decidir por forma diversa fundado em motivações próprias do caso

concreto, têm eficácia geral, não abrangendo, contudo, os titulares dos direitos ou interes-

ses que tiverem exercido o direito de se auto-excluírem da representação.

2 – As decisões transitadas em julgado são publicadas a expensas da parte vencida e sob

pena de desobediência, com menção do trânsito em julgado, em dois dos jornais presumi-

velmente lidos pelo universo dos interessados no seu conhecimento, à escolha do juiz da

causa, que poderá determinar que a publicação se faça por extracto dos seus aspectos essen-

ciais, quando a sua extensão desaconselhar a publicação por inteiro.

Artigo 20°

Regime especial de preparos e custas

1 – Pelo exercício do direito de acção popular não são exigíveis preparos.

2 – O autor fica isento do pagamento de custas em caso de procedência parcial do pedido.

3 – Em caso de decaimento total, o autor interveniente será condenado em montante a fixar

pelo julgador entre um décimo e metade das custas que normalmente seriam devidas, tendo

em conta a sua situação económica e a razão formal ou substantiva da improcedência.

4 – A litigância de má-fé rege-se pela lei geral.

5 – A responsabilidade por custas dos autores intervenientes é solidária, nos termos gerais.

Artigo 21°

Procuradoria

O juiz da causa arbitrará o montante da procuradoria, de acordo com a complexidade e o

valor da causa.

CAPÍTULO IV – RESPONSABILIDADE CIVIL E PENAL

Artigo 22°

Responsabilidade civil subjectiva

1 – A responsabilidade por violação dolosa ou culposa dos interesses previstos no artigo 1°

constitui o agente causador no dever de indemnizar o lesado ou lesados pelos danos causados.

2 – A indemnização pela violação de interesses de titulares não individualmente identifica-

dos é fixada globalmente.

3 – Os titulares de interesses identificados têm direito à correspondente indemnização nos

termos gerais da responsabilidade civil.

4 – O direito à indemnização prescreve no prazo de três anos a contar do trânsito em jul-

gado da sentença que o tiver reconhecido.

5 – Os montantes correspondentes a direitos prescritos serão entregues ao Ministério da

Justiça, que os escriturará em conta especial e os afectará ao pagamento da procuradoria,

nos termos do artigo 21°, e ao apoio no acesso ao direito e aos tribunais de titulares de direi-

to de acção popular que justificadamente o requeiram.

Artigo 23°

Responsabilidade civil objectiva

Existe ainda a obrigação de indemnização por danos independentemente de culpa sempre

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que de acções ou omissões do agente tenha resultado ofensa de direitos ou interesses pro-

tegidos nos termos da presente lei e no âmbito ou na sequência de actividade objectiva-

mente perigosa.

Artigo 24°

Seguro de responsabilidade civil

Sempre que o exercício de uma actividade envolva risco anormal para os interesses prote-

gidos pela presente lei, deverá ser exigido ao respectivo agente seguro da correspondente

responsabilidade civil como condição do início ou da continuação daquele exercício, em ter-

mos a regulamentar.

Artigo 25°

Regime especial de intervenção no exercício da acção penal dos cidadãos

e associações

Aos titulares do direito de acção popular é reconhecido o direito de denúncia, queixa ou

participação ao Ministério Público por violação dos interesses previstos no artigo 1° que

revistam natureza penal, bem como o de se constituírem assistentes no respectivo proces-

so, nos termos previstos nos artigos 68°, 69° e 70° do Código de Processo Penal.

CAPÍTULO V – DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS

Artigo 26°

Dever de cooperação das entidades públicas

1 – É dever dos agentes da administração central, regional e local, bem como dos institu-

tos, empresas e demais entidades públicas, cooperar com o tribunal e as partes interve-

nientes em processo de acção popular.

2 – As partes intervenientes em processo de acção popular poderão, nomeadamente,

requerer às entidades competentes as certidões e informações que julgarem necessárias ao

êxito ou à improcedência do pedido, a fornecer em tempo útil.

3 – A recusa, o retardamento ou a omissão de dados e informações indispensáveis, salvo

quando justificados por razões de segredo de Estado ou de justiça, fazem incorrer o agente

responsável em responsabilidade civil e disciplinar.

Artigo 27°

Ressalva de casos especiais

Os casos de acção popular não abrangidos pelo disposto na presente lei regem-se pelas nor-

mas que lhes são aplicáveis.

Artigo 28°

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no 60° dia seguinte ao da sua publicação.

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II – LEI DE ACESSO AOS DOCUMENTOS ADMINISTRATIVOS

Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 8/95, de 29 de

Março e pela Lei n.º 94/99, 16 de Julho.

Regula o Acesso aos Documentos da Administração

CAPÍTULO I – DISPOSIÇÕES GERAIS

Artigo 1°

Administração aberta

O acesso dos cidadãos aos documentos administrativos é assegurado pela Administração

Pública de acordo com os princípios da publicidade, da transparência, da igualdade, da

justiça e da imparcialidade.

Artigo 2°

Objecto

1 – A presente lei regula o acesso a documentos relativos a actividades desenvolvidas pelas

entidades referidas no artigo 3.º e transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva do

Conselho n.º 90/313/CEE, de 7 de Junho de l990, relativa à liberdade de acesso à infor-

mação em matéria de ambiente.

2 – O regime de exercício do direito dos cidadãos a serem informados pela Administração

sobre o andamento dos processos em que sejam directamente interessados e a conhecer as

resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas consta de legislação própria.

Artigo 3°

Âmbito

1 – Os documentos a que se reporta o artigo anterior são os que têm origem ou são deti-

dos por órgãos do Estado e das Regiões Autónomas que exerçam funções administrativas,

órgãos dos institutos públicos e das associações públicas e órgãos das autarquias locais, suas

associações e federações e outras entidades no exercício de poderes de autoridade, nos ter-

mos da lei.

2 – A presente lei é ainda aplicável aos documentos em poder de organismos que exerçam

responsabilidades públicas em matéria ambiental sob o controlo da Administração Pública.

Artigo 4°

Documentos administrativos

1 – Para efeito do disposto no presente diploma, são considerados:

a) documentos administrativos: quaisquer suportes de informação gráficos, sonoros, visuais,

informáticos ou registos de outra natureza, elaborados ou detidos pela Administração

Pública, designadamente processos, relatórios, estudos, pareceres, actas, autos, circulares,

ofícios-circulares, ordens de serviço, despachos normativos internos, instruções e orien-

tações de interpretação legal ou de enquadramento da actividade ou outros elementos de

informação;

b) documentos nominativos: quaisquer suportes de informação que contenham dados pes-

soais;

c) dados pessoais: informações sobre pessoa singular, identificada ou identificável, que con-

tenham apreciações, juízos de valor ou que sejam abrangidas pela reserva da intimidade da

vida privada.

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2 – Não se consideram documentos administrativos, para efeitos do presente diploma:

a) as notas pessoais, esboços, apontamentos e outros registos de natureza semelhante;

b) os documentos cuja elaboração não releve da actividade administrativa, designadamente

referentes à reunião do Conselho de Ministros e de Secretários de Estado, bem como à sua

preparação.

Artigo 5°

Segurança interna e externa

1 – Os documentos que contenham informações cujo conhecimento seja avaliado como

podendo pôr em risco ou causar dano à segurança interna e externa do Estado ficam

sujeitos a interdição de acesso ou a acesso sob autorização, durante o tempo estritamente

necessário, através da classificação nos termos de legislação específica.

2 – Os documentos a que se refere o número anterior podem ser livremente consultados,

nos termos da presente lei, após a sua desclassificação ou o decurso do prazo de validade

do acto de classificação.

Artigo 6°

Segredo de justiça

O acesso a documentos referentes a matérias em segredo de justiça é regulado por legis-

lação própria.

Artigo 7°

Direito de acesso

1 – Todos têm direito à informação mediante o acesso a documentos administrativos de

carácter não nominativo.

2 – O direito de acesso aos documentos administrativos compreende não só o direito de obter

a sua reprodução, bem como o direito de ser informado sobre a sua existência e conteúdo.

3 – O depósito dos documentos administrativos em arquivos não prejudica o exercício, a

todo o tempo, do direito de acesso aos referidos documentos.

4 – O acesso a documentos constantes de processos não concluídos ou a documentos

preparatórios de uma decisão é diferido até à tomada da decisão, ao arquivamento do

processo ou ao decurso de um ano após a sua elaboração.

5 – O acesso aos inquéritos e sindicâncias tem lugar após o decurso do prazo para even-

tual procedimento disciplinar.

6 – Os documentos a que se refere a presente lei são objecto de comunicação parcial sem-

pre que seja possível expurgar a informação relativa à matéria reservada.

7 – O acesso aos documentos notariais e registrais, aos documentos de identificação civil e

criminal, aos documentos referentes a dados pessoais com tratamento automatizado e aos

documentos depositados em arquivos históricos rege-se por legislação própria.

Artigo 8°

Acesso aos documentos nominativos

1 – Os documentos nominativos são comunicados, mediante prévio requerimento, à pessoa

a quem os dados digam respeito, bem como a terceiros que daquela obtenham autorização

escrita.

2 – Fora dos casos previstos no número anterior os documentos nominativos são ainda

comunicados a terceiros que demonstrem interesse directo, pessoal e legítimo.

3 – A comunicação de dados de saúde, incluindo dados genéticos, ao respectivo titular faz-

-se por intermédio de médico por ele designado.

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Artigo 9°

Correcção de dados pessoais

1 – O direito de rectificar, completar ou suprimir dados pessoais inexactos, insuficientes ou

excessivos é exercido nos termos do disposto na legislação referente aos dados pessoais

com tratamento automatizado, com as necessárias adaptações.

2 – Só a versão corrigida dos dados pessoais é passível de uso ou comunicação.

Artigo 10°

Uso ilegítimo de informações

1 – A Administração pode recusar o acesso a documentos cuja comunicação ponha em

causa segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna das empresas.

2 – É vedada a utilização de informações com desrespeito dos direitos de autor e dos direi-

tos de propriedade industrial, assim como a reprodução, difusão e utilização destes docu-

mentos e respectivas informações que possam configurar práticas de concorrência desleal.

3 – Os dados pessoais comunicados a terceiros não podem ser utilizados para fins diversos

dos que determinaram o acesso, sob pena de responsabilidade por perdas e danos, nos ter-

mos legais.

Artigo 11°

Publicações de documentos

1 – A Administração Pública publicará, por forma adequada:

a) todos os documentos, designadamente despachos normativos internos, circulares e orien-

tações, que comportem enquadramento da actividade administrativa;

b) a enunciação de todos os documentos que comportem interpretação de direito positivo

ou descrição de procedimento administrativo, mencionando, designadamente, o seu título,

matéria, data, origem e local onde podem ser consultados.

2 – a publicação e o anúncio de documentos deve efectuar-se com a periodicidade máxima

de seis meses e em moldes que incentivem o regular acesso dos interessados.

CAPÍTULO II – EXERCÍCIO DO DIREITO DE ACESSO

Artigo 12°

Forma do acesso

1 – O acesso aos documentos exerce-se através de:

a) consulta gratuita, efectuada nos serviços que os detêm;

b) reprodução por fotocópia ou por qualquer meio técnico, designadamente visual ou

sonora;

c) passagem de certidão pelos serviços da Administração.

2 – A reprodução nos termos da alínea b) do número anterior far-se-á num exemplar,

sujeito a pagamento, pela pessoa que a solicitar, do encargo financeiro estritamente corres-

pondente ao custo dos materiais usados e do serviço prestado, a fixar por decreto-lei ou

decreto legislativo regional, consoante o caso.

3 – Os documentos informatizados são transmitidos em forma inteligível para qualquer

pessoa e em termos rigorosamente correspondentes ao do conteúdo do registo, sem pre-

juízo da opção prevista na alínea b) do n.° 1.

4 – Quando a reprodução prevista no n.° 1 puder causar dano ao documento visado, o

interessado, a expensas suas e sob a direcção do serviço detentor, pode promover a cópia

manual ou a reprodução por qualquer outro meio que não prejudique a sua conservação.

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Artigo 13°

Forma do pedido

O acesso aos documentos deve ser solicitado por escrito através de requerimento do qual

constem os elementos essenciais à sua identificação, bem como o nome, morada e assi-

natura do interessado.

Artigo 14°

Responsável pelo acesso

Em cada departamento ministerial, secretaria regional, autarquia, instituto e associação

pública existe uma entidade responsável pelo cumprimento das disposições da presente lei.

Artigo 15°

Resposta da Administração

1 – A entidade a quem foi dirigido o requerimento de acesso a um documento deve, no

prazo de 10 dias:

a) comunicar a data, local e modo para se efectivar a consulta, efectuar a reprodução ou

obter a certidão;

b) indicar, nos termos do artigo 268° n.° 2, da Constituição e da presente lei, as razões da

recusa, total ou parcial, do acesso ao documento pretendido;

c) informar que não possui o documento e, se for do seu conhecimento, qual a entidade que

o detém ou remeter o requerimento a esta, comunicando o facto ao interessado;

d) enviar ao requerente cópia do pedido, dirigido à Comissão de Acesso aos Documentos

Administrativos, para apreciação da possibilidade de acesso à informação registada no docu-

mento visado.

2 – A entidade a quem foi dirigido requerimento de acesso a documento nominativo de ter-

ceiro, desacompanhado de autorização escrita deste, solicita o parecer da Comissão de

Acesso aos Documentos Administrativos sobre a possibilidade de revelação do documen-

to, enviando ao requerente cópia do pedido.

3 – O mesmo parecer pode ainda ser solicitado sempre que a entidade a quem foi dirigido

requerimento de acesso tenha dúvidas sobre a qualificação do documento, sobre a natureza

dos dados a revelar ou sobre a possibilidade da sua revelação.

4 – O pedido de parecer formulado nos termos dos n.ºs 2 e 3 deve ser acompanhado de cópia

do requerimento e de todas as informações e documentos que contribuam para conveniente-

mente o instruir.

Artigo 16°

Direito de queixa

1 – O interessado pode dirigir à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, no

prazo de 20 dias, queixa contra o indeferimento expresso, a falta de decisão ou decisão

limitadora do exercício do direito de acesso.

2 – A Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos tem o prazo de 30 dias para

elaborar o correspondente relatório de apreciação da situação, enviando-o, com as devidas

conclusões, a todos os interessados.

3 – Recebido o relatório referido no número anterior, a Administração deve comunicar ao

interessado a sua decisão final, fundamentada, no prazo de l5 dias, sem o que se considera

haver falta de decisão.

Artigo 17°

Recurso

A decisão ou falta de decisão podem ser impugnadas pelo interessado junto dos tribunais

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administrativos, aplicando-se, com as devidas adaptações, as regras do processo de inti-

mação para consulta de documentos ou passagem de certidões.

CAPÍTULO III – DA COMISSÃO DE ACESSO

AOS DOCUMENTOS ADMINISTRATIVOS

Artigo 18°

Comissão

1 – É criada a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), a quem cabe

zelar pelo cumprimento das disposições da presente lei.

2 – A CADA é uma entidade pública independente, que funciona junto da Assembleia da

República e dispõe de serviços próprios de apoio técnico e administrativo.

Artigo 19°

Composição da CADA

1 – A CADA é composta pelos seguintes membros:

a) um juiz conselheiro do Supremo Tribunal Administrativo, designado pelo Conselho

Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, que preside;

b) dois deputados eleitos pela Assembleia da República, sendo um sob proposta do grupo

parlamentar do maior partido que apoia o Governo e o outro sob proposta do maior par-

tido da oposição;

c) um professor de Direito designado pelo Presidente da Assembleia da República;

d) duas personalidades designadas pelo Governo;

e) um representante de cada uma das Regiões Autónomas, designados pelos respectivos

Governos das Regiões;

f) uma personalidade designada pela Associação Nacional dos Municípios Portugueses;

g) um advogado designado pela Ordem dos Advogados;

h) um membro designado, de entre os seus vogais, pela Comissão Nacional de Protecção de

Dados.

2 – Todos os titulares podem fazer-se substituir por um membro suplente, designado pelas

mesmas entidades.

3 – Os mandatos são de dois anos, renováveis, sem prejuízo da sua cessação quando ter-

minem as funções em virtude das quais foram designados.

4 – O presidente aufere a remuneração e outras regalias a que tem direito como juiz con-

selheiro do Supremo Tribunal Administrativo.

5 – À excepção do presidente, todos os membros podem exercer o seu mandato em acu-

mulação com outras funções.

6 – Os direitos e regalias dos membros da CADA são fixados no diploma regulamentar da

presente lei, sendo aplicáveis à CADA as disposições do n.º 1 do artigo 11º, dos n.ºs 2, 4 e

5 do artigo 13º, do artigo 15º, das alíneas a) e c) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 16º e do n.º 1

do artigo 18º da Lei n.º 43/98, de 6 de Agosto.

7 – Nas sessões da Comissão em que sejam debatidas questões que interessam a uma dada

entidade pode participar, sem direito de voto, um seu representante.

8 – Os membros da CADA tomam posse perante o Presidente da Assembleia da

República nos 10 dias seguintes à publicação da respectiva lista na l.ª série do Diário da

República.

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Artigo 20°

Competência

1 – Compete à CADA:

a) elaborar a sua regulamentação interna;

b) apreciar as queixas que lhe sejam dirigidas pelos interessados ao abrigo da presente lei;

c) dar parecer sobre o acesso aos documentos nominativos, nos termos do n.º 2 do artigo

15º, a solicitação do interessado ou do serviço requerido;

d) dar parecer sobre a comunicação de documentos nominativos entre serviços e organis-

mos da Administração em caso de dúvida sobre a admissibilidade dessa revelação, salvo nos

casos em que o acesso deva ser autorizado nos termos da Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro;

e) pronunciar-se sobre o sistema de classificação de documentos;

f) dar parecer sobre a aplicação do presente diploma e bem como sobre a elaboração e apli-

cação de diplomas complementares, a solicitação da Assembleia da República, do Governo

e dos órgãos da Administração;

g) elaborar um relatório anual sobre a aplicação da presente lei e a sua actividade, a enviar

à Assembleia da República para publicação e apreciação e ao Primeiro-Ministro;

h) contribuir para o esclarecimento e divulgação das diferentes vias de acesso aos docu-

mentos administrativos no âmbito do princípio da administração aberta.

2 – O regulamento interno da CADA é publicado na 2.ª série do Diário da República.

3 – Os pareceres são elaborados pelos membros da CADA, que podem solicitar para tal

efeito o adequado apoio dos serviços.

4 – Os pareceres são publicados nos termos do regulamento interno.

Artigo 21°

Cooperação da Administração

Os agentes da Administração Pública estão sujeitos ao dever de cooperação com a CADA,

sob pena de responsabilidade disciplinar.

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III – LEI DAS ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS

DE AMBIENTE

Lei n.º 35/98 de 18 de Julho

Define o estatuto das organizações não governamentais de ambiente (revoga a Lei n.º

10/87, de 4 de Abril).

A Assembleia da República decreta, nos termos dos artigos 161º, alínea c), e 166º, n.º 3, e

do artigo 112º, n.º 5, da Constituição, para valer como lei geral da República, o seguinte:

CAPÍTULO I – DISPOSIÇÕES GERAIS

Artigo 1º

Objecto

A presente lei define o estatuto das organizações não governamentais de ambiente, adiante

designadas por ONGA.

Artigo 2º

Definição

1 – Entende-se por ONGA, para efeitos da presente lei, as associações dotadas de persona-

lidade jurídica e constituídas nos termos da lei geral que não prossigam fins lucrativos, para

si ou para os seus associados, e visem, exclusivamente, a defesa e valorização do ambiente

ou do património natural e construído, bem como a conservação da Natureza.

2 – Podem ser equiparados a ONGA, para efeitos dos artigos 5º, 6º, 13º, 14º e 15º da pre-

sente lei, outras associações, nomeadamente sócio-profissionais, culturais e científicas, que

não prossigam fins partidários, sindicais ou lucrativos, para si ou para os seus associados, e

tenham como área de intervenção principal o ambiente, o património natural e construído

ou a conservação da Natureza.

3 – Cabe ao Instituto de Promoção Ambiental , adiante designado por IPAMB, proceder,

no acto do registo, ao reconhecimento da equiparação prevista no número anterior.

4 – São ainda consideradas ONGA, para efeitos da presente lei, as associações dotadas de

personalidade jurídica e constituídas nos termos da lei geral que não tenham fins lucrativos

e resultem do agrupamento de várias ONGA, tal como definidas no n.º 1, ou destas com

associações equiparadas.

CAPÍTULO II – ESTATUTO DAS ONGA

Artigo 3º

Atribuição do estatuto

O estatuto concedido às ONGA pela presente lei depende do respectivo registo, nos ter-

mos dos artigos 17º e seguintes.

Artigo 4º

Utilidade pública

1 – As ONGA com efectiva e relevante actividade e registo ininterrupto junto do IPAMB

há pelo menos cinco anos têm direito ao reconhecimento como pessoas colectivas de uti-

lidade pública, para todos os efeitos legais, desde que preencham os requisitos previstos no

artigo 2º do Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de Novembro.

2 – Compete ao Primeiro-Ministro, mediante parecer do IPAMB, reconhecer o preenchimento

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das condições referidas no número anterior e emitir a respectiva declaração de utilidade pública.

3 – A declaração de utilidade pública referida no número anterior é publicada no Diário da

República.

4 – Será entregue às ONGA objecto de declaração de utilidade pública o correspondente

diploma, nos termos da lei geral.

5 – As ONGA a que se referem os números anteriores estão dispensadas do registo e

demais obrigações previstas no Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de Novembro, sem prejuízo

do disposto nas alíneas b) e c) do artigo 12º do mesmo diploma legal.

6 – A declaração de utilidade pública concedida ao abrigo do disposto no presente artigo e

as inerentes regalias cessam:

a) com a extinção da pessoa colectiva;

b) por decisão do Primeiro-Ministro, se tiver deixado de se verificar algum dos pressupos-

tos da declaração;

c) com a suspensão ou anulação do registo junto do IPAMB.

Artigo 5º

Acesso à informação

1 – As ONGA gozam, nos termos da lei, do direito de consulta e informação junto dos

órgãos da Administração Pública sobre documentos ou decisões administrativas com

incidência no ambiente, nomeadamente em matéria de:

a) planos e projectos de política de ambiente, incluindo projectos de ordenamento ou

fomento florestal, agrícola ou cinegético;

b) planos sectoriais com repercussões no ambiente;

c) planos regionais, municipais e especiais de ordenamento do território e instrumentos de

planeamento urbanístico;

d) planos e decisões abrangidos pelo disposto no artigo 4º da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto;

e) criação de áreas protegidas e classificação de património natural e cultural;

f) processos de avaliação de impacte ambiental;

g) medidas de conservação de espécies e habitats;

h) processos de auditoria ambiental, certificação empresarial e atribuição de rotulagem

ecológica.

2 – A consulta referida no número anterior é gratuita, regendo-se o acesso aos documentos

administrativos, nomeadamente a sua reprodução e passagem de certidões, pelo disposto na

lei geral.

3 – As ONGA têm legitimidade para pedir, nos termos da lei, a intimação judicial das

autoridades públicas no sentido de facultarem a consulta de documentos ou processos e de

passarem as devidas certidões.

Artigo 6º

Direito de participação

As ONGA têm o direito de participar na definição da política e das grandes linhas de orien-

tação legislativa em matéria de ambiente.

Artigo 7º

Direito de representação

1 – As ONGA de âmbito nacional gozam do estatuto de parceiro social para todos os feitos

legais, designadamente o de representação no Conselho Económico e Social, no conselho

directivo do IPAMB e nos órgãos consultivos da Administração Pública, de acordo com a

especificidade e a incidência territorial da sua actuação, com vista à prossecução dos fins

previstos no n.º 1 do artigo 2º.

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2 – As ONGA de âmbito regional ou local têm direito de representação nos órgãos con-

sultivos da Administração Pública regional ou local, bem como nos órgãos consultivos da

Administração Pública central com competência sectorial relevante, de acordo com a

especificidade e a incidência territorial da sua actuação, com vista à prossecução dos fins

previstos no n.º 1 do artigo 2º.

3 – Para efeitos do direito de representação previsto no presente artigo, entende-se por:

a) ONGA de âmbito nacional – as ONGA que desenvolvam, com carácter regular e per-

manente, actividades de interesse nacional ou em todo o território nacional e que tenham

pelo menos 2000 associados;

b) ONGA de âmbito regional – as ONGA que desenvolvam, com carácter regular e per-

manente, actividades de interesse ou alcance geográfico supramunicipal e que tenham pelo

menos 400 associados;

c) ONGA de âmbito local – as ONGA que desenvolvam, com carácter regular e perma-

nente, actividades de interesse ou alcance geográfico municipal ou inframunicipal e que te-

nham pelo menos 100 associados.

4 – O disposto no número anterior aplica-se também às ONGA que resultem do agrupa-

mento de associações, relevando apenas, para apuramento do número de associados, as

associações que preencham os requisitos fixados no n.º 1 do artigo 2º.

5 – O exercício do direito de representação pelas ONGA que resultem do agrupamento de

associações exclui o exercício do mesmo direito pelas associações agrupadas.

6 – Cabe ao IPAMB, no acto do registo, a atribuição do âmbito às ONGA.

Artigo 8º

Estatuto dos dirigentes das ONGA

1 – Os dirigentes e outros membros das ONGA que forem designados para exercer funções

de representação, nos termos do artigo 7º, gozam dos direitos consagrados nos números

seguintes.

2 – Para o exercício das funções referidas no número anterior, os dirigentes das ONGA que

sejam trabalhadores por conta de outrem têm direito a usufruir de um horário de trabalho

flexível, em termos a acordar com a entidade patronal, sempre que a natureza da respecti-

va actividade laboral o permita.

3 – Os períodos de faltas dados por motivo de comparência em reuniões dos órgãos em que

os dirigentes exerçam representação ou com membros de órgãos de soberania são consi-

derados justificados, para todos os efeitos legais, até ao máximo acumulado de 10 dias de

trabalho por ano e não implicam a perda das remunerações e regalias devidas.

4 – Os dirigentes das ONGA referidos no n. 1 e que sejam estudantes gozam de prerrogativas

idênticas às previstas no Decreto-Lei n.º 152/91, de 23 de Abril, com as necessárias adaptações.

Artigo 9º

Meios e procedimentos administrativos

1 – As ONGA têm legitimidade para promover junto das entidades competentes os meios

administrativos de defesa do ambiente, bem como para iniciar o procedimento administra-

tivo e intervir nele, nos termos e para os efeitos do disposto na Lei n.º 11/87, de 7 de Abril,

no Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro, e na Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto.

2 – As ONGA podem solicitar aos laboratórios públicos competentes, por requerimento

devidamente fundamentado, a realização de análises sobre a composição ou o estado de

quaisquer componentes do ambiente e divulgar os correspondentes resultados, sendo estes

pedidos submetidos a parecer da autoridade administrativa competente em razão da matéria

e atendidos antes de quaisquer outros, salvo os urgentes ou das entidades públicas.

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Artigo 10º

Legitimidade processual

As ONGA, independentemente de terem ou não interesse directo na demanda, têm

legitimidade para:

a) propor as acções judiciais necessárias à prevenção, correcção, suspensão e cessação de

actos ou omissões de entidades públicas ou privadas que constituam ou possam constituir

factor de degradação do ambiente;

b) intentar, nos termos da lei, acções judiciais para efectivação da responsabilidade civil rela-

tiva aos actos e omissões referidos na alínea anterior;

c) recorrer contenciosamente dos actos e regulamentos administrativos que violem as dis-

posições legais que protegem o ambiente;

d) apresentar queixa ou denúncia, bem como constituir-se assistentes em processo penal

por crimes contra o ambiente e acompanhar o processo de contra-ordenação, quando o

requeiram, apresentando memoriais, pareceres técnicos, sugestões de exames ou outras

diligências de prova até que o processo esteja pronto para decisão final.

Artigo 11º

Isenção de emolumentos e custas

1 – As ONGA estão isentas do pagamento dos emolumentos notariais devidos pelas

respectivas escrituras de constituição ou de alteração dos estatutos.

2 – As ONGA estão isentas de preparos, custas e imposto do selo devidos pela sua inter-

venção nos processos referidos nos artigos 9º e 10º.

3 – A litigância de má fé rege-se pela lei geral.

Artigo 12º

Isenções fiscais

1 – As ONGA têm direito às isenções fiscais atribuídas pela lei às pessoas colectivas de utili-

dade pública.

2 – Nas transmissões de bens e na prestação de serviços que efectuem as ONGA benefi-

ciam das isenções de IVA previstas para os organismos sem fins lucrativos.

3 – As ONGA beneficiam das regalias previstas no artigo 10º do Decreto-Lei n.º 460/77,

de 7 de Novembro.

Artigo 13º

Mecenato ambiental

Aos donativos em dinheiro ou em série concedidos às ONGA e que se destinem a finan-

ciar projectos de interesse público previamente reconhecido pelo IPAMB será aplicável,

sem acumulação, o regime do mecenato cultural previsto nos Códigos do IRS e do IRC.

Artigo 14º

Apoios

1 – As ONGA têm direito ao apoio do Estado, através da Administração central, regional

e local, para a prossecução dos seus fins.

2 – Incumbe ao IPAMB prestar, nos termos da Lei n.º 11/87, de 7 de Abril, e dos regula-

mentos aplicáveis, apoio técnico e financeiro às ONGA e equiparadas.

3 – A irregularidade na aplicação do apoio financeiro implica:

a) suspensão do mesmo e reposição das quantias já recebidas;

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b) inibição de concorrer a apoio financeiro do IPAMB por um período de três anos;

c) responsabilidade civil e criminal nos termos gerais.

4 – O IPAMB procede, semestralmente, à publicação no Diário da República da lista dos

apoios financeiros concedidos, nos termos da Lei n.º 26/94, de 29 de Agosto.

Artigo 15º

Direito de antena

1 – As ONGA têm direito de antena na rádio e na televisão, nos mesmos termos das asso-

ciações profissionais.

2 – O exercício do direito de antena pelas ONGA que resultem do agrupamento de associações,

nos termos do n. 4 do artigo 2., exclui o exercício do mesmo direito pelas associações agrupadas.

Artigo 16º

Dever de colaboração

As ONGA e os órgãos da Administração Pública competentes devem colaborar na realiza-

ção de projectos ou acções que promovam a protecção e valorização do ambiente.

CAPÍTULO III – REGISTO E FISCALIZAÇÃO

Artigo 17º

Registo

1 – O IPAMB organiza, em termos a regulamentar, o registo nacional das ONGA e

equiparadas.

2 – Só são admitidas ao registo as associações que tenham pelo menos 100 associados.

3 – As associações candidatas ao registo remetem ao IPAMB um requerimento instruído

com cópia dos actos de constituição e dos respectivos estatutos.

4 – O IPAMB procede anualmente à publicação no Diário da República da lista das associa-

ções registadas.

Artigo 18º

Actualização do registo

1 – As associações inscritas no registo estão obrigadas a enviar anualmente ao IPAMB:

a) relatório de actividades e relatório de contas aprovados pelos órgãos estatutários compe-

tentes;

b) número de associados em 31 de Dezembro do ano respectivo.

2 – As associações inscritas no registo estão obrigadas a enviar ao IPAMB todas as altera-

ções aos elementos fornecidos aquando da instrução do processo de inscrição, no prazo de

30 dias a contar da data em que ocorreram tais alterações, nomeadamente:

a) cópia da acta da assembleia geral relativa à eleição dos órgãos sociais e respectivo termo

de posse;

b) cópia da acta da assembleia geral relativa à alteração dos estatutos;

c) extracto da alteração dos estatutos publicada no Diário da República;

d) alteração do valor da quotização dos seus membros;

e) alteração da sede.

Artigo 19º

Modificação do registo

O IPAMB promove a modificação do registo, oficiosamente ou a requerimento da interessada,

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sempre que as características de uma associação registada se alterem por forma a justificar

classificação ou atribuição de âmbito diferente da constante do registo.

Artigo 20º

Fiscalização

1 – Compete ao IPAMB fiscalizar o cumprimento da presente lei, nomeadamente através

de auditorias periódicas às associações inscritas no registo.

2 – O IPAMB pode efectuar auditorias extraordinárias às associações inscritas no registo

sempre que julgue necessário, nomeadamente:

a) para verificação dos dados fornecidos ao IPAMB no acto de registo;

b) no âmbito da prestação do apoio técnico e financeiro.

3 – Das auditorias pode resultar, por decisão fundamentada do presidente do IPAMB, a sus-

pensão ou a anulação da inscrição das associações no registo quando se verifique o incumpri-

mento da lei ou o não preenchimento dos requisitos exigidos para efeitos de registo.

CAPÍTULO IV – DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS E FINAIS

Artigo 21º

Transição de registos

1 – As associações de defesa do ambiente inscritas no anterior registo junto do IPAMB

transitam oficiosamente para o novo registo nacional das ONGA e equiparadas quando

preencham os requisitos previstos na presente lei.

2 – O IPAMB, no prazo de 30 dias a contar da entrada em vigor da presente lei, notifica as

associações interessadas da transição referida no número anterior.

3 – Se da aplicação da presente lei resultar a alteração da classificação ou do âmbito a

atribuir, ou o não preenchimento dos requisitos exigidos para efeitos de registo, o IPAMB

notifica desse facto as associações interessadas, concedendo-lhes um prazo de 180 dias para

comunicarem as alterações efectuadas.

4 – Na falta da comunicação das alterações a que se refere o número anterior, considera-se,

consoante os casos, automaticamente modificado o registo nos termos da notificação feita

pelo IPAMB ou excluída a associação do registo nacional das ONGA ou equiparadas.

Artigo 22º

Regulamentação

A presente lei será objecto de regulamentação no prazo de 90 dias após a data da sua pu-

blicação.

Artigo 23º

Revogação

É revogada a Lei n.º 10/87, de 4 de Abril.

Artigo 24º

Entrada em vigor

1 – Na parte que não necessita de regulamentação esta lei entra imediatamente em vigor.

2 – As disposições da presente lei não abrangidas pelo número anterior entram em vigor

com a publicação da respectiva regulamentação.

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VIII – BIBLIOGRAFIA

– ALMEIDA, Mário Aroso de, “O Novo Contencioso Administrativo em Matéria de

Ambiente”, Revista Jurídica de Urbanismo e Ambiente, n.º 18/19, Dezembro 2002/Junho 2003.

– ALMEIDA, Teresa, “A Jurisprudência das Relações em Matéria de Direito do

Ambiente”, Anuário de Direito do Ambiente, Ambiforum, Lisboa, 1995.

– AMARAL, Diogo Freitas do, “Análise Preliminar da Lei de Bases do Ambiente”, Textos

– Ambiente e Consumo, Centro de Estudos Judiciários, 1994.

– ANTUNES, Nuno Sérgio Marques, O Direito de Acção Popular no Contencioso

Administrativo Português, Lex, Lisboa, 1997.

– BENJAMIM, António Herman V., “A Insurreição da Aldeia Global Contra o Processo Civil

Clássico”, Textos – Ambiente e Consumo, II Volume, Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 1996.

– FERREIRA, Jaime Octávio Cardona, “Direito do Ambiente: Jurisprudência do

Supremo Tribunal de Justiça”, Anuário de Direito do Ambiente, Ambiforum, Lisboa, 1995.

– FERREIRA, M. Manuela Flores, “Responsabilidade Civil Ambiental em Portugal –

Legislação e Jurisprudência”, Textos – Ambiente e Consumo, II Volume, Centro de Estudos

Judiciários, Lisboa, 1996.

– FREITAS, José Lebre, “A Acção Popular ao Serviço do Ambiente”, Ab Uno ad Omnes: 75

Anos da Coimbra Editora 1920-1995, organiz. Antunes Varela et al, Coimbra Editora, 1998.

– GOMES, Carla Amado, “Acção Popular e Efeito Suspensivo do Recurso: Processo

Especial ou Especialidade Processual? Anotação ao Acórdão do Tribunal Constitucional

n.º30/2000 (Proc. n.º 1132/98)”, Revista Jurídica de Urbanismo e Ambiente.

– GOMES, Manuel Tomé Soares, “A Responsabilidade Civil na Tutela do Ambiente –

Panorâmica do Direito Português”, Textos – Ambiente e Consumo, II Volume, Centro de

Estudos Judiciários, Lisboa, 1996.

– MACHADO, J. M. Pires, “A Jurisprudência Administrativa”, Anuário de Direito do

Ambiente, Ambiforum, Lisboa, 1995.

– MARTINS, Antonio Payan e JÚDICE, José Miguel (introduction), Class Actions em

Portugal? Para uma Análise da Lei 83/95 de 31 de Agosto (Lei de Participação Procedimental e Acção

Popular), Edições Cosmos, Lisboa, 1999.

– NEVES, Manuel Andrade e LACASTA, Nuno, “Brief Analysis of the Rights to

Petition and of Popular Action (“Actio Popularis”) in the Portuguese Constitution”, Nota

preparada em resposta a várias questões formuladas pela Environmental Protection Unit

(EPU) da Administração de Transição de Timor Leste (ETTA), Janeiro, 2001.

– NOGUEIRA, Bernardo G. Fischer de Sá, “A Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça

em Termos de Direito do Ambiente”, Anuário de Direito do Ambiente, Ambiforum, Lisboa, 1995.

– PUREZA, José Manuel; FRADE, Catarina; DIAS, Cristina Silva, Tribunais, Natureza

e Sociedade: O Direito do Ambiente em Portugal, Centro de Estudos Sociais, Lisboa, 1997.

– SENDIM, José Cunhal (coordenação), Guia Ambiental do Cidadão, CIDAMB, D. Quixote,

Lisboa, 2002.

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– SERRADO, João e LACASTA, Nuno Sanchez, “A Jurisprudência Ambiental:

Tribunais Comuns de 1ª instância”, Anuário de Direito do Ambiente, Ambiforum, Lisboa, 1995.

– SILVA, Vasco Pereira da, “Os Denominados Embargos Administrativos em Matéria de

Ambiente”, Revista Jurídica de Urbanismo e Ambiente, separata dos n.º 5/6, Junho/Dezembro

1996.

– SILVEIRA, Luís Lignau, “A Acção Popular”, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 448, 1995.

– SOUSA, Miguel Teixeira, “A Protecção Jurisdicional dos Interesses Difusos: Alguns

Aspectos Processuais”, Textos – Ambiente e Consumo, I Volume, Centro de Estudos

Judiciários, 1996.

– SOUSA, Miguel Teixeira, “A Tutela Jurisdicional do Consumo e do Ambiente em

Portugal”, inédito.

– TEIXEIRA, Carlos Adérito, “Acção Popular – Novo Paradigma”, Boletim de Interesses

Difusos, Lisboa, 1996.

– TORRES, Mário José de Araújo, “Contencioso Administrativo”, Textos – Ambiente e

Consumo, II Volume, Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 1996.

– ZIGUE, Nuno, “As Questões Ambientais no Tribunal Administrativo de Círculo de

Lisboa”, Anuário de Direito do Ambiente, Ambiforum, Lisboa, 1995.

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IX – CONTACTOS E FONTES DE

INFORMAÇÃO

Perante a recusa de um pedido escrito de acesso a um documento detido pela

Administração...

Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos

Rua de São Bento, n.º 148, 2.º andar

1200-821 Lisboa

Tel.: 21 393 3570

Fax: 21 395 5383

E-mail: [email protected]

Denúncias e queixas de infracções a normas ambientais...

Serviço de Protecção da Natureza e Ambiente

da Guarda Nacional Republicana (SEPNA)

Comando – Geral da Guarda Nacional Republicana

SEPNA – 3ª Repartição

Largo do Carmo

1200-092 Lisboa

Tel.: 21 321 7000

Fax: 21 321 7153

E-mail: [email protected]

Portal na internet: www.gnr.pt/portal/internet/sepna/

Inspecção-Geral do Ambiente

Rua de ‘O Século’, n.º 63

1249-033 Lisboa

Tel.: 21 322 5500

Fax: 21 343 2777

E-mail: [email protected]

Linha SOS Ambiente – 808 200 520

(criada pelo Ministério do Ambiente em 2002, funciona em permanência recebendo queixas

e denúncias, encaminhando-as para as entidades competentes)

Fontes de informação úteis na internet...

www.cada.pt – sítio da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, onde estão

disponibilizados a maioria dos pareceres já emitidos pela CADA

www.diramb.gov.pt – sistema de informação documental sobre Direito do Ambiente

(SIDDAMB), que disponibiliza legislação, doutrina e jurisprudência ambiental

www.dgsi.pt – bases jurídico-documentais do Instituto das Tecnologias de Informação na

Justiça, que incluem bases de dados com acórdãos dos tribunais superiores

www.euronatura.pt – sítio da EURONATURA – Centro para o Direito Ambiental e

Desenvolvimento Sustentado, onde é possível encontrar informações detalhadas referentes

ao trabalho que tem vindo a ser realizado por esta associação na área do acesso à justiça em

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matérias ambientais (nomeadamente um relatório sobre as condições de acesso à justiça em

oito Estados-membros, encomendado pela Comissão Europeia)

http://civitas.dcea.fct.unl.pt – sítio do Centro de Estudos Sobre Cidades e Vilas

Sustentáveis da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa,

unidade do Departamento de Ciências e Tecnologia que, além da investigação, presta

serviços no âmbito do planeamento para a sustentabilidade, nomeadamente ao nível da

Agenda 21 Local e Planos Municipais de Ambiente utilizando metodologias de participação

e geração de consensos.

www.mediadoresdeconflitos.pt – sítio da Associação de Mediadores de Conflitos que

exercem mediação nos Julgados de Paz

Organizações não governamentais de ambiente...

CIDAMB – Associação Nacional para a Cidadania Ambiental

(constituída com o objectivo de promover e apoiar cidadãos e outras associações no exer-

cício dos seus direitos de cidadania com vista à protecção do ambiente)

Rua Eng.º Ferreira Mesquita, Bloco C – 1.º D.to

1070-116 Lisboa

Tel.: 21 385 0136

E-mail: [email protected]

GEOTA – Grupo de Estudos de Ordenamento

do Território e Ambiente

Travessa do Moinho de Vento, n.º 17 – Cv D.ta

1200-727 Lisboa

Tel.: 21 395 6120

E-mail: [email protected]

Site: www.geota.pt

LPN – Liga para a Protecção da Natureza

Estrada do Calhariz de Benfica, n.º 187

1500-124 Lisboa

Tel.: 21 778 0097

E-mail: [email protected]

Site: www.lpn.pt

Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza

Rua Eng.º Ferreira Mesquita, Bloco C – 1.º D.to

1070-116 Lisboa

Tel.: 21 381 5930

E-mail: [email protected]

Site: www.quercus.pt

Fapas – Fundo para a Protecção dos Animais Selvagens

Rua Alexandre Herculano, n.º 371 – 4.º D.to

4000-055 Porto

Tel.: 22 200 2472

Fax: 22 208 7455

E-mail: [email protected]

Site: www.fapas.pt

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