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UNIVERSIDADE TIRADENTES
LUCIANO JOSÉ DE SANTANA TELES
HABEAS CORPUS COMO AÇÃO PREJUDICADORA DA CELERIDADE PROCESSUAL, FAVORÁVEL A
PRESCRIÇÃO E A IMPUNIDADE
Aracaju
2010
LUCIANO JOSÉ DE SANTANA TELES
HABEAS CORPUS COMO AÇÃO PREJUDICADORA DA CELERIDADE PROCESSUAL, FAVORÁVEL A
PRESCRIÇÃO E A IMPUNIDADE
Monografia apresentada à Universidade Tiradentes como um dos pré-requisitos para a obtenção do grau de Bacharel em Direito.
Profª. Priscila Formigheri Feldens
Aracaju 2010
LUCIANO JOSÉ DE SANTANA TELES
HABEAS CORPUS COMO AÇÃO PREJUDICADORA DA CELERIDADE PROCESSUAL, FAVORÁVEL A PRESCRIÇÃO
E A IMPUNIDADE Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade Tiradentes – UNIT, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito.
Aprovada em ____/____/______ Banca Examinadora
_____________________________________________________________ Profª. Priscila Formigheri Feldens – Orientadora
UNIT
_____________________________________________________________ Examinador 1
UNIT
_____________________________________________________________ Examinador 2
UNIT
Dedico este trabalho à minha querida família,
especialmente Rosana, Daniel, Vitor e Davi
por se constituírem diferentemente enquanto
pessoas, igualmente belas e admiráveis em
essência, estímulos que me impulsionaram a
buscar vida nova a cada dia, meus
agradecimentos por terem aceito se privar de
minha companhia pelos estudos, concedendo
a mim a oportunidade de me realizar ainda
mais.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, essência da minha vida, que sempre me iluminou
guiando os meus passos. Aos meus pais, irmãos, minha esposa, meus filhos e a
toda minha família que, com muito carinho e apoio, não mediram esforços para que
eu chegasse até esta etapa de minha vida. Quero agradecer de modo especial à
minha mãe, que sempre acreditou em mim, e a minha avó Nanzinha, que me amou
infinitamente de maneira preferencial.
Aos meus irmãos do Movimento dos Focolares, cuja convivência e
formação, fez com que me tornasse uma pessoa renovada, cujos ideais de
fraternidade e unidade encontram-se arraigados no meu ser, fazendo com que
enxergue de maneira nova o caminho para uma verdadeira justiça.
A todos da ENERGISA SERGIPE, empresa na qual trabalho,
particularmente nas pessoas dos Diretores, Antônio Medina, Marcelo Rocha e
Eduardo Mantovani, pelo grande apoio, possibilitando a realização deste curso. Luz
e Energia a todos vocês!
Agradeço a Universidade Tiradentes, pela oportunidade e pelo privilégio
que me foi dado em compartilhar tamanha experiência e, ao freqüentar este curso,
perceber e atentar para a relevância de temas que não faziam parte, em
profundidade, da minha vida. A todos os professores pelo carinho, dedicação e
entusiasmo demonstrado ao longo do curso. À professora e orientadora Priscila pela
paciência na orientação e incentivo que tornaram possível a conclusão desta
monografia. Aos amigos e colegas, em especial, Rosilany e Gabriel, pelo incentivo e
pelo apoio constantes, e a todos que não foram citados aqui, mas saibam que o meu
coração será sempre grato.
“Veja, eu sou uma alma que passa por este
mundo. Vi tantas coisas belas e boas e
sempre fui atraída somente por elas. Um dia
(dia indefinido) vi uma luz. Pareceu-me mais
bela do que as outras coisas belas e a segui.
Percebi que era a Verdade”.
Chiara Lubich
RESUMO
O trabalho é centrado no instituto do Habeas Corpus, fazendo uma
análise histórica desde o seu surgimento na Inglaterra, no ano de 1215, cuja
finalidade era garantir a liberdade física dos cidadãos ingleses contra os desmandos
e as prisões ilegais determinadas pelo Rei João Sem Terra e outros governantes. O
Habeas Corpus surgiu no direito brasileiro, com o código criminal do Império do
Brasil, no ano de 1830. Foi regulamento no Código de Processo em 1832. O Habeas
Corpus recebeu garantia constitucional a partir da Magna Carta de 1891, onde os
juristas destacaram a sua abrangência. Na Carta Constitucional de 1934, o Habeas
Corpus a sua abrangência foi ampliada, já que eliminou a expressão “locomoção” e
assim não estava restrito a ser usado nos casos de prisão. A Constituição de 1967,
a Emenda de 1969 e a atual Constituição brasileira, a de 1988, mantiveram o
Habeas Corpus como meio de defesa dos direitos à liberdade. O artigo 647 do
Código de Processo Penal se constitui a base normativa do Habeas Corpus em nível
de norma infraconstitucional, e o artigo 648, incisos I a VII, as hipóteses que
comportam a sua utilização, onde são examinadas com detalhes doutrinários e
jurisprudenciais. Em seguida o Habeas Corpus é utilizado como artifício para
postergar os julgamentos da Justiça, aplicado em recursos com fins protelatórios,
para tumultuar os processos, usado para fim de perpetuar a impunidade. A reforma
do Código de Processo Penal retorna a dignidade do Habeas Corpus, que será
concedido só com situação concreta de lesão ou ameaça ao direito de locomoção.
PALAVRAS-CHAVE: Habeas corpus; impunidade; protelatório
ABSTRACT
This paper is centered in the institute of Habeas Corpus, making a historical analysis
since its inception in England in the year 1215, whose purpose was to ensure the
physical liberty of British citizens against the excesses and illegal imprisonment
determined by King and John Landless other rulers. The Habeas Corpus came under
Brazilian law, with the criminal code of the Empire of Brazil, in 1830. Regulation was
in the Procedure Code in 1832. The constitutional guarantee of Habeas Corpus
received from the Magna Carta of 1891, where the lawyers stressed their scope. In
the Constitutional Charter of 1934, the Habeas Corpus its scope was expanded,
since eliminated the word "transportation" and thus was not restricted to be used in
cases of arrest. The 1967 Constitution, Amendment of 1969 and the current Brazilian
Constitution, the 1988 Habeas Corpus maintained as a defense of the rights to
freedom. Article 647 of the Code of Criminal Procedure constitutes the normative
basis of Habeas Corpus infra-level standard, and Article 648, items I to VII,
hypotheses involving the use, where they are examined in detail the doctrinal and
jurisprudential. Then the Habeas Corpus is used as a pretext to postpone the trials of
Justice, applied to resources with dilatory purposes, to disrupt the processes used to
order to perpetuate impunity. The reform of the Code of Criminal Procedure returns
the dignity of Habeas Corpus, which will be granted only in situations of injury or
threat to the right of locomotion.
KEYWORDS: Habeas corpus; impunity; delay.
SUMÁRIO
1. .................................................................................................... 12 INTRODUÇÃO
2. ............. 14 ASPECTOS HISTÓRICOS E CONCEITUAIS DO HABEAS CORPUS
2.1 .................................................................... 19 Habeas Corpus no Direito Brasileiro
2.2 ......................................................................... 24 Conceituação de Habeas Corpus
3.
...................................................................................................... 26
O HABEAS CORPUS NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E SUA
UTILIZAÇÃO
4.
............... 42
HABEAS CORPUS COMO AÇÃO PREJUDICADORA DA CELERIDADE
PROCESSUAL, FAVORÁVEL A PRESCRIÇÃO E A IMPUNIDADE.
4.1 .................................................. 47 Habeas Corpus ação meramente protelatória.
4.2 ................................................................. 50 A tese do “trancamento” do processo.
4.3 ........................................................................ 53 A banalização do Habeas Corpus
5.
................................................................................................................ 59
O HABEAS CORPUS DIANTE DA REFORMA DO CÓDIGO DE PROCESSO
PENAL
6. ..................................................................................................... 61 CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 65
12
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho trará como tema o Habeas Corpus delimitando-se à
observância do referido tópico como ação prejudicadora da celeridade processual,
favorável a prescrição e a impunidade.
O Habeas Corpus se reveste de uma importância assaz notória,
relevância que será descrita em análises e pesquisas referentes ao tema, de forma a
explicitar não só o problema – materializado na inadequada utilização do presente
instituto – mas também as questões norteadoras, cujo cerne delimita pontos a serem
pormenorizados, quais sejam, o Habeas Corpus, como instituto destinado à proteção
de direito de ir e vir contra atos da ilegalidade e abuso de poder que violem ou
ameacem esse direito. É um dos remédios para assegurar a garantia constitucional
do direito à liberdade, principalmente sobre o aspecto de liberdade de locomoção.
Como garantia individual que é, o Habeas Corpus também foi
recepcionado no ordenamento jurídico brasileiro, sendo colocado no rol das
cláusulas pétreas.
No que tange a metodologia, aplicar-se-á como método de abordagem o
indutivo, afinal serão agregadas posições de diversos autores. Além disso, no
âmbito procedimental, técnica de pesquisa bibliográfica.
Os recursos a serem usados serão livros, textos referentes ao tema
retirados da internet, legislação, jurisprudência e tudo que puder ser somado.
O cunho qualitativo da abordagem final será o empregado, posto que
serão colhidos diversos dados acerca da temática aplicada e uma posterior análise
descritiva e interpretativa desses elementos.
13
A estrutura será disposta em três capítulos, divididos em alguns
subcapítulos. A priori, será abordado o Habeas Corpus .através de sua digressão
histórica, resultado de uma lenta evolução, inclusive como instituto jurídico-social
que emana do povo romano, onde já se entrevia as primeiras garantias individuais,
sem deixar de consignar ter ele, efetivamente, se originado da denominada
“Common Law”, que teve por seu berço e seu próprio desenvolvimento a Inglaterra.
Na seqüência, será observada a base normativa do mandamus em nível
de norma infraconstitucional, as hipóteses que comportam a utilização do Habeas
Corpus conforme previsão normativa contida no Código de Processo Penal, a
distinção entre pedido preventivo e pedido liberatório, entre outros elementos
relacionados com o processo de habeas corpus
Em seguida o trabalho procura demonstrar a demora no encerramento do
processo judicial no Brasil focando o Habeas Corpus como ação prejudicadora da
celeridade processual, favorável a prescrição e conseqüentemente a impunidade. A
matéria é de certa forma, polêmica e não de fácil argüição, isto porque, segundo as
palavras de alguns juristas, a “jurisprudência brasileira em matéria de Habeas
Corpus é de uma inconseqüência deplorável”. Há tribunais que diverge
profundamente no entender este grande instituto de defesa individual.
No último capítulo será abordado o mandamuns diante da reforma do
Código de Processo Penal, onde a proposta restringe o habeas corpus, que
somente poderá ser concedido com situação concreta de lesão ou ameaça ao direito
de locomoção.
14
2. ASPECTOS HISTÓRICOS E CONCEITUAIS DO HABEAS
CORPUS
Inicialmente, cabe fazer uma breve introdução histórica acerca do instituto
do Habeas Corpus. Para alguns estudiosos, a origem do Habeas Corpus pode ser
encontrada no Direito Romano, onde o cidadão podia reclamar a exibição do homem
livre, detido ilegalmente, por meio de ação privilegiada, que se chamava interdictum
de libero homine exhibendo. No entanto, a maioria entende que o Habeas Corpus
originou-se no Direito Inglês.
Atualmente, na doutrina, é pacífico que o Habeas Corpus teve origem no
direito inglês e surgiu em virtude do descontentamento do clero, condes e barões
com as atitudes do monarca João Sem Terra.
Ensina Tourinho Filho1 que em geral, os doutrinadores entendem que a
origem do Habeas Corpus remonta a “Magna Carta Libertatum”, promulgada por
João Sem Terra, cedendo às pressões do clero, condes e barões.
Conta-se que por volta do ano 1200, na Inglaterra, o monarca João Sem
Terra (assim chamado porque seu pai, Henrique II, ao repartir as terras com seus
filhos, nada lhe atribuiu), um ano após a ascensão ao trono, estava cobrando
impostos em demasia e efetivando detenções injustas. Havia um despotismo sem
limites. A opressão não encontrava barreiras. A ruindade do monarca chegou a tal
ponto que foi excomungado pelo Papa Inocêncio III.
1 TOURINHO FILHO, Fernando da C. Prática de Processo Penal, 28 ed. ver. atual. e aum., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 682.
15
O povo inglês, sempre cioso de suas liberdades, não admitia aquela
situação e por isso o descontentamento ia crescendo. O arcebispo de Canterbury,
Etiene de Langton, por volta de 1213, na Igreja de São Paulo, em Londres, fez um
sermão que serviu para inflamar, ainda mais, os sentimentos libertários do povo
inglês.
Finalmente os barões, que tinham apoio dos clérigos, marcharam sobre
Londres e, no dia 15 de junho de 1215, João Sem Terra outorgou, nos moldes da
petição formulada pelos barões com o auxílio dos clérigos que dominavam o direito
e o latim, a “Magna Charta Libertatum seu Concordiam inter regem Johannen at
barones pro concessione libertatum ecclesiae et regni angliae (Grande Carta das
liberdades, ou Concórdia entre o rei João e os Barões para a outorga das liberdades
da Igreja e do rei Inglês)”2 .
Florêncio de Abreu diz que:
O Habeas Corpus decorre da common law, em virtude dos preceitos da magna Carta, capítulo XXIX, onde se determina que nenhum homem livre pode ser detido, nem preso (nullus líber home capiatur vel imprisionetur), sem que seja condenado por seus pares ou pelas leis do País (nisi per legale iudicium parium sourum, vel per legem terrae). Paladino da liberdade, o seu fim é evitar, ou remediar, quando impetrado, a prisão injusta, as opressões e as detenções excessivamente prolongadas.3
Também José Frederico Marques assegura que “a Magna Charta,
imposta pelos barões ingleses, em 15 de junho de 1215, ao rei João Sem Terra, foi
ato solene para assegurar a liberdade individual, bem como para impedir a medida
cautelar de prisão sem o prévio controle jurisdicional. O modo prático de efetivar-se
esse direito à liberdade – como lembra Costa Manso – foi estabelecido pela
2 COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. São Paulo, Ed. Saraiva, 1999. 3 ABREU, Florêncio de. Apud MOSSIN, Heráclito Antônio. Habeas Corpus. São Paulo: Atlas, 1955, p. 17.
16
jurisprudência: expediam-se mandados (writs) de apresentação, para que o homem
(corpus) e o caso fossem trazidos ao tribunal, deliberando este sumariamente sobre
se a prisão devia ou não ser mantida. Dos diversos writs, o que mais se vulgarizou
foi o writs of Habeas Corpus ad subjiciendum, pelo qual a Corte determinava ao
detentor ou carcereiro que, declarando quando e porque fora preso o paciente,
viesse apresentá-lo em juízo, para fazer, consentir com submissão e receber – ad
faciendum, subjiciendem et recipiendum – tudo aquilo que a respeito fosse decidido.4
A “Magna Charta Libertatum” foi criada como instrumento de proteção
contra os mandos e desmandos cometidos pelo governante João Sem Terra. Este
só instituiu a “Magna Charta Libertatum” por pressões exercidas pelos barões,
clérigos e a população.
O respeito a liberdade do indivíduo evidenciou-se ser de grande
importância com a “Magna Charta Libertatum” e era o Habeas Corpus que protegia a
população dos desmandos, perseguições e atrocidades do seu governante,
merecendo destaque o artigo 48 abaixo transcrito:
Art. 48. Ninguém poderá ser detido, preso ou desposado de seus bens, costumes e liberdade, senão em virtude de julgamento de seus pares, de acordo com as leis do país.
O Rei João Sem Terra revogou a Magna Charta, no ano de 1216, porém
antes mesmo da revogação, ela já era desrespeitada constantemente por tal
governante.
No mesmo ano, com a morte de João Sem Terra, o seu filho Henrique III
restabeleceu a Magna Charta, porém as arbitrariedades continuavam sendo
cometidas, e no ano de 1258, os barões se reuniram e criaram uma assembléia com
4 MARQUES, J.Frederico. Elementos do direito processual penal. v. IV. Rio de Janeiro: Forense, 1965, p.373.
17
224 membros, que recebeu o nome de parlamento. Redigiram as “Provisões de
Oxford” que foram juradas pelo Rei Henrique, mas, posteriormente, foram anuladas
pelo Papa.
Existiam conflitos de interesses entre os reis e os barões, onde os reis
sempre se utilizavam de artifícios para não obedecer às regras instituídas, fazendo
com que o povo se revoltasse contra os abusos cometidos e, no reinado de Carlos I,
os ingleses se revoltaram5.
Quando uma pessoa encontrava-se com sua liberdade tolhida de forma
ilegal, o meio competente para tentar reverter à prisão era o writ of habeas corpus,
conforme observa Frederico Marques:
Por meio do writ of habeas corpus, a pessoa que estivesse sofrendo uma restrição na sua liberdade pedia ao juiz a expedição de uma ordem, a fim de que o responsável pela ilegal detenção a apresentasse ao Magistrado (daí a expressão habeas corpus: que tomes o corpo e apresentes, vale dizer, apresenta, exibe a pessoa detida ao juiz), para se constatar a legitimidade, ou não, do encarceramento ou detenção. Mas esse writ of habeas corpus só era expedido quando se tratava de uma pessoa acusada de crime, não tendo aplicação nos demais casos de prisões ilegais. Entretanto, em 1816, surgiu o “H'abeas Corpus Act”, ampliando o anterior, aparando as arestas do instituto, estendendo-lhe a área de incidência para a defesa pronta e rápida da liberdade pessoal. Inclusive contra ato de particular.6
O “habeas corpus act” foi criado após ser observado que o Habeas
Corpus estava perdendo força e que o reconhecimento ao direito de ir, vir e ficar era
fundamental para que a sociedade se desenvolvesse com suas garantias individuais
e então o “habeas corpus act” originou-se para regulamentar processualmente e
criar regras claras para a solicitação e concessão do Habeas Corpus.
Com o passar do tempo, o Habeas Corpus act de 1679, passou a
apresentar imperfeições, já não atendendo aos fins para os quais foi criado,
surgindo, então, o “habeas corpus act” de 1816.
5 MIRANDA, Pontes de. Op. cit. p. 55 6 MARQUES, J.Frederico. Op. cit., p. 56.
18
A respeito do habeas corpus act de 1679 Pontes de Miranda apontou
suas imperfeições nos seguintes termos:
só se referia às pessoas privadas de liberdade por serem acusadas de crime, de sorte que não tinham direito de pedir habeas corpus as detidas por outras acusações, ou meros pretextos. Nem sequer havia outro remédio com que obtivessem das causas uma decisão qualquer sobre a legalidade de sua encarceração. Foi nesse sentido que providenciou o habeas corpus act de 1816. Desde aí, estando uma pessoa presa ou detida por outros motivos diversos da acusação criminal, começou a usar-se do habeas corpus para apresentar a decisão. Uma vez resolvida a questão da ilegalidade do constrangimento do impetrante, restituía-se-lhe a liberdade, como antes procedia relativamente às detenções ilegais por suspeita de crime.7
Percebe-se claramente que grande foi a luta e o idealismo do povo inglês,
quanto à preservação de um direito natural, da liberdade física, do direito de ir, vir e
ficar do ser humano, que em seu âmago não se pode adormentar, já que inerente à
natureza humana.
O Habeas Corpus teve sua origem no Direito Inglês, sendo que esta
notícia chegou até as colônias inglesas na América. Portanto os seus habitantes
começaram a exigir que seus direitos também fossem respeitados.
Os colonos norte-americanos já estavam de posse da legislação inglesa
que instituía o Habeas Corpus, então aguardaram que tal instituto fosse incluído nas
máximas constitucionais de 1787, mas, para surpresa e revolta, aconteceu
justamente o contrário. A Constituição suspendeu a utilização do Habeas Corpus.
Com a reforma constitucional, especificamente em seu artigo 5º, já era possível
identificar os princípios do Habeas Corpus, mesmo sem ser citado de forma
expressa, uma vez que o art. 5º dizia que, nenhuma pessoa pode ser privada da
vida, liberdade ou propriedade, sem o devido processo legal.
7 MIRANDA, Pontes de. Apud MOSSIN, Heráclito Antônio, op. Cit., p. 22-23.
19
2.1 Habeas Corpus no Direito Brasileiro
No Brasil, com a vinda de D. João VI, o Habeas Corpus foi introduzido,
mesmo que não de forma explícita, quando expedido o Decreto de 23 de maio de
1821, e neste decreto podem ser verificadas algumas características que se
assemelham ao Habeas Corpus.
Ainda, Pontes de Miranda em relação ao Habeas Corpus dizia:
Não se diga que o direito brasileiro ou português, desconhecia o instituto. O que não se usava era o nome. Pense-se, aliás, no “interdictum de liberis exhibendis”, elegendo a seguir medidas assecuratórias com sede nas Ordenações (...)8
A partir da Constituição Imperial de 1824 é que podem ser observadas
maiores garantias individuais para os cidadãos, conforme pode ser observado em
seus artigos abaixo transcritos:
Art. 174, inciso X – à exceção do flagrante delito, a prisão não pode ser executada senão por ordem escrita da autoridade legítima. Se esta for arbitrária, o juiz que a deu e a quem tiver requerido serão punidos, com as penas que a lei determinar.
Art. 179, § 8º - ninguém poderá ser preso sem culpa formada, exceto nos casos declarados em lei; e nestes, dentro de 24 horas contadas da entrada na prisão, sendo em cidades, vilas ou outras povoações próximas aos lugares da residência do juiz, e nos lugares remotos dentro de um prazo razoável que a Lei marcará atenta a extensão do território, o juiz por uma só nota por ele assinada fará constar ao réu o motivo da prisão, os nomes de seus acusadores e o das testemunhas, havendo-as.
No Parlamento, o Deputado José de Alencar, em 1870, dizia:
Senhores! Alguns pensam que o habeas corpus data do Código de Processo Criminal, minha opinião é contrária. Entendo que, embora caiba aos autores do Código de Processo a glória de terem compreendido e tratado de desenvolver o pensamento Constitucional, o habeas corpus está incluído, está implícito na Constituição, quando ela decretou a independência dos poderes e quando deu ao poder judiciário o direito exclusivo de conhecer de tudo quanto entende inviolabilidade pessoal.9
8 MIRANDA, Pontes de. Apud MOSSIN, Heráclito Antônio, op. cit., p.24. 9 MOSSIN, Heráclito Antônio. op. cit., p.43.
20
O Habeas Corpus passou a existir de forma expressa na legislação
brasileira, com a instituição do Código Criminal do Império do Brasil, mais
especificamente nos artigos 183 e 184.
Art. 183 – Recusarem-se os juízes, a quem permitido passar ordens – “Habeas Corpus” – concedê-las, quando lhes forem regularmente requeridas, nos casos em que podem ser legalmente passadas; retardarem sem motivo a sua concessão, o deixarem de propósito, e com conhecimento de causa as passar independente de petição nos casos que a Lei o determinar.
Com o Código de Processo Criminal de 1832, que em seu artigo 340
trazia:
Art. 340 – Todo cidadão que ele entender ou outrem sofre uma prisão ou constrangimento, em sua liberdade, tem direito de pedir uma ordem habeas corpus.
Mesmo antes do Código de Processo Criminal do Império (1832), após o
Decreto de 23 de maio de 1821, havia ação de desconstrangimento, sem o nome de
Habeas Corpus, mas classificável como tal, Juízes e Tribunais atendiam aos
pedidos de soltura.
O remédio estranho que em 1832 se adaptaria, foi conseqüência do
Direito Constitucional pátrio, que já considerava as liberdades individuais como
atributos do ser moral, conferidos ao homem, pela natureza, como partes integrantes
da entidade humana e não como privilégios reconhecidos ou oferecidos pela Coroa.
Com a promulgação da Constituição da República dos Estados Unidos do
Brasil, no ano de 1891, o Habeas Corpus recebeu um tratamento constitucional,
onde agora estava de forma expressa no texto da Carta Magna, mais precisamente
em seu art. 72, § 22:
21
Art. 72, § 22 – Dar-se-á habeas corpus sempre que o indivíduo sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer violência ou coação, por ilegalidade, ou abuso de poder.
Como o Habeas Corpus agora era resguardado pela constituição, estaria
mais protegido contra qualquer interesse escuso em tentar descaracterizá-lo, ou
retirá-lo da legislação vigente, pois o processo legislativo para tal modificação, era
bem mais complexo, exigindo inclusive quorum especial, pelo fato de agora ser um
mandamento constitucional, sendo então um instrumento capaz de proteger a
população contra as arbitrariedades e desmandos, onde a liberdade era tolhida de
forma ilegal e ainda é clara a idéia de que o abuso ou despotismo foi e será por
demais utilizado por pessoas que não tem o compromisso com as liberdades
individuais dos cidadãos e o Habeas Corpus tem o poder para combater tais
ilegalidades.
Conforme pode ser verificado no art. 72, § 22 acima citado, não existia
qualquer referência à liberdade física do cidadão, e com isto foi criada uma grande
celeuma jurídica, pois era de importância fundamental saber se o Habeas Corpus
poderia ser utilizado apenas em matéria criminal onde a liberdade de locomoção
estaria atingida ou na iminência de ser atingida.
Dentre os juristas, destacava-se Rui Barbosa com o seu entendimento
após a interpretação do texto constitucional e dizia: “onde se der violência, onde o
indivíduo sofrer ou correr risco próximo de sofrer coação, se essa coação for ilegal,
se essa coação produzir-se por excesso de autoridade, por arbítrio dos que a
representa, o Habeas Corpus é irrecusável”.
Os que seguiam o entendimento de Rui Barbosa admitiam que o Habeas
Corpus pudesse ser utilizado para casos de natureza penal, bem como para casos
de natureza não penal, ampliando assim a sua área de aplicação. Esta corrente
22
doutrinária foi seguida pela Corte Suprema, admitindo-se o Habeas Corpus para
casos de natureza não penal, seja matéria civil, comercial, constitucional ou
administrativa, desde que fosse líquido e a liberdade de locomoção fosse necessária
para a aplicação destes direitos. Convém lembrar que o Mandado de Segurança
ainda não existia.
Rui Barbosa chegou a utilizar o Habeas Corpus para assegurar que seus
discursos no Senado da República pudessem ser publicados no jornal “O Imparcial”,
pois tinha sido proibido de publicá-los por um chefe de polícia local, mas o Supremo
Tribunal Federal concedeu a ordem de Habeas Corpus para que o seu direito de
publicação dos seus discursos fosse respeitado e não sofresse qualquer
constrangimento.
Segundo Galdino Siqueira10, o jurista Pedro Lessa tinha um entendimento
diferente, dizia que o Habeas Corpus não poderia ser utilizado de forma tão ampla, e
sim apenas nos casos em que “seja necessária à liberdade de locomoção para pôr
em proteção um direito de ordem civil, ou de ordem comercial, ou de ordem
constitucional, ou de ordem administrativa, deve ser-lhe expedido o Habeas Corpus,
sob a cláusula exclusiva de ser juridicamente indiscutível este último direito, o
direito-escopo”.
Na Constituição de 1926, o § 22 do artigo 72 recebeu a seguinte redação:
Art. 72, § 22 – Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer violência por meio de prisão ou constrangimento ilegal na sua liberdade de locomoção.
Com a nova redação, o artigo acima restringia a área de atuação do
Habeas Corpus, fazendo constar no próprio texto constitucional que a liberdade de
10 SIQUEIRA, Galdino. Curso de Processo Criminal. São Paulo: Magalhães, 1930, p. 388 e s.
23
locomoção era o foco de sua proteção, a divergência de posicionamentos existente
anteriormente em virtude das interpretações, ora extensivas ora restritivas, não tinha
mais razão de existir.
Na Carta Constitucional de 1934, o Habeas Corpus teve a sua área de
abrangência ampliada, uma vez que eliminou a expressão “locomoção” no seu texto
e assim não estava restrito apenas a ser usado nos casos de prisão:
Art. 113, 23 – Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade, por ilegalidade ou abuso de poder. Nas transgressões disciplinares, não cabe o habeas corpus.
Importante salientar que com a Constituição de 1934 foi criado o
Mandado de Segurança e algumas hipóteses que anteriormente era utilizado o
Habeas Corpus agora poderia ser utilizado o Mandado de Segurança para a
garantia dos direitos violados.
Apenas a Constituição Federal de 1946, em seu artigo 141, começou a
existir a proibição expressa em se conceder Habeas Corpus nos casos de
transgressões disciplinares militares.
Art. 141, §23 – Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. Nas transgressões disciplinares não cabe habeas corpus.
A Constituição de 1967, a Emenda de 1969 e a atual Constituição
brasileira, a de 1988, mantiveram o Habeas Corpus como meio de defesa dos
direitos inerentes à liberdade, deixando o Mandado de Segurança para a defesa dos
demais direitos subjetivos.
24
2.2 Conceituação de Habeas Corpus
Diante do exposto, atualmente a doutrina brasileira encontra-se robusta
de definições acerca do instituto do Habeas Corpus, limitando-se, este trabalho, a
apontar algumas definições de renomados doutrinadores.
Preleciona De Plácido e Silva11 que a palavra Habeas Corpus é uma
locução formada pelo verbo latino habeas (que vem de habeo significando ter,
tomar, andar, com) mais o substantivo corpus (que significa corpo), tendo,
literalmente, o sentido de “tenha o corpo”, ou “ande o corpo”, podendo-se, desta
forma, conceituá-lo como sendo um instituto jurídico que tem como finalidade
proteger a liberdade de locomoção e os direitos daquela decorrentes contra qualquer
ameaça ou efetiva ilegalidade ou arbitrariedade oriundas de atos de autoridades
públicas.
Para Hélio Tornaghi12 a palavra Habeas Corpus por sua raiz, por
antonomásia, designa o habeas corpus subjiciendum, ordem ao carcereiro ou
detentor de uma pessoa de apresentá-la, e de indicar o dia e a causa da prisão, a
fim de que ela faça (ad finiendum), de que se submeta (ad recipiendum) o que for
julgado correto, pelo juiz.
Discorrendo sobre o instituto do Habeas Corpus, Júlio Mirabete13, afirma
que:
a expressão habeas corpus indica a essência do instituto, pois, literalmente significa “tome o corpo”, isto é, tome a pessoa presa e apresente ao juiz, para julgamento do caso. Posteriormente passou a ser entendida a expressão também como a própria “ordem de libertação”.
11 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 370 12 TORNAGHI, Hélio. Direito Processual Penal. 7ª Ed, v. II, São Paulo: Saraiva, 1990, p.392. 13 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal. 14ª Ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 709.
25
Para o supramencionado doutrinador, o Habeas Corpus é garantira
individual, ou seja, um remédio jurídico destinado a tutelar a liberdade física do
indivíduo, a liberdade de ir, vir e ficar.
Ainda, segundo Mirabete, a pessoa pode, através da impetração do
Habeas Corpus, impugnar atos administrativos ou judiciários, inclusive a coisa
julgada, bem como impugnar atos particulares.
O autor refere também que o Habeas Corpus pode ser conceituado como
“um remédio judicial que tem por finalidade evitar ou fazer cessar a violência ou a
coação à liberdade de locomoção decorrente de ilegalidade ou abuso de poder”.
Idêntica conceituação é apresentada por Fernando Capez14 ao discorrer
sobre Habeas Corpus. Já Pinto Ferreira15 define o Habeas Corpus como sendo “um
remédio processual pelo qual a parte requer ao juiz a garantia da liberdade de sua
locomoção”. Segundo informa ainda Pinto Ferreira16, Rui Barbosa definiu o Habeas
Corpus da seguinte forma: “é a ordem dada pelo Juiz ao coator para fazer cessar a
coação”.
Vê-se, pelas definições supracitadas que o Habeas Corpus é uma
garantia constitucional ou, como queiram chamar outros, um “remédio processual”
que tem como finalidade resguardar ou proteger qualquer pessoa de uma ameaça
ou lesão ao seu direito de liberdade de locomoção.
14 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 2ª Ed., São Paulo: Saraiva, 1998, p. 439. 15 FERREIRA, Pinto. Manual de Direito Constitucional. 2ª Ed., Rio de janeiro: Forense, 1990, p.86. 16 FERREIRA, Pinto. op. cit., p.87
26
3. O HABEAS CORPUS NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E
SUA UTILIZAÇÃO
O Habeas Corpus tem por finalidade a proteção do direito constitucional
de locomoção da pessoa humana em face de constrangimento ilegal ou abusivo,
garantindo ao destinatário da mencionada proteção uma situação de paz individual e
tranqüilidade, e certificando de que não sofrerá coação ilegal ou ilegítima na sua
liberdade de ir, vir e ficar.
O Código de Processo Penal – CPP (Decreto-Lei nº. 3.689, de
3.10.1941), nos termos dos artigos 647 e 648, incisos, reza:
Art. 647 – Dar-se-á Habeas Corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar.
Art. 648 - A coação será considerada ilegal quando:
I - não houver justa causa;
II - alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei;
III - quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo;
IV - houver cessado o motivo que autorizou a coação;
V - não for alguém admitido a prestar fiança, nos casos em que a lei a autoriza;
VI - o processo for manifestamente nulo;
VII - extinta a punibilidade.
O Habeas Corpus pode ser preventivo ou liberatório. O preventivo é
impetrado se existir justo receio de que a liberdade de locomoção do indivíduo esteja
ameaçada. Pede-se um salvo-conduto para que a liberdade da pessoa não seja
constrangida por uma ameaça abusiva ou ilegal. O Habeas Corpus liberatório é
impetrado para sanar a violência ou coação cometida ilegal ou abusivamente contra
27
a liberdade ambulatória da pessoa. Em ambas as espécies, o Habeas Corpus pode
ser concedido liminarmente, inclusive sem a audiência prévia do agente ou órgão
constrangedor da liberdade de locomoção, nas hipóteses de perigo na demora
(periculum in mora) e de "fumaça do bom direito" (fumus boni juris), ou seja, de que
haja uma densa plausibilidade jurídica do pedido com o risco de sua ineficácia, se
houver demora na prestação jurisdicional.
O principal remédio processual de defesa da liberdade de locomoção do
indivíduo é o Habeas Corpus. Sempre que a liberdade estiver em risco ou violada,
pode ser manejado. Nos processos penais, não existindo qualquer outro meio
processual, pode-se lançar mão do Habeas Corpus contra a ilegalidade e contra os
constrangimentos sem justa causa17.
O Habeas Corpus pode ser impetrado por qualquer pessoa,
independentemente de capacidade postulatória processual. Ou seja, o autor da ação
de Habeas Corpus não pressupõe a representação de um advogado, nos termos do
artigo 654 do Código de Processo Penal e do §1º do artigo 1º da Lei 8.906, de
4.7.1994 – Estatuto da Advocacia. O primeiro dispositivo reza que:
Art. 654 - O habeas corpus poderá ser impetrado por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, bem como pelo Ministério Público.
O segundo enuncia que:
Art. 1º, § 1º - não se inclui na atividade privativa de advocacia a impetração de habeas corpus em qualquer instância ou Tribunal.
Paciente é a denominação dada ao destinatário da proteção do Habeas
Corpus, que vem a ser aquele que se encontra ameaçado ou coagido ou violado em
seu direito de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder. Impetrante é o
17 SOUZA, José Barcelos de. In Habeas corpus processual. Boletim do IBCCrim, 50. Jan/97, p. 3
28
provocador do Judiciário por meio do Habeas Corpus em seu próprio favor ou em
favor de outrem. O Ministério Público também pode impetrar Habeas Corpus, nos
termos do Código de Processo Penal18.
Para proteger juridicamente a liberdade ambulatorial existe a
possibilidade do Habeas Corpus de ofício, nos termos do §2º do art. 654 do CPP:
Art. 654, §2º - Os juízes e os tribunais têm competência para expedir de ofício ordem de habeas corpus, quando no curso de processo verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal.
Contra o agente ou órgão com poder de decisão que ameaça ou coage
ou viola ilegal ou abusivamente o direito de locomoção do paciente será impetrado o
Habeas Corpus.
Primeiramente, nesse contexto, o critério a ser analisado na hipótese de
ameaça ou coação ou mesmo de violência ilegal ou ainda abusiva da liberdade de
locomoção da pessoa, é verificar se não se trata de buscar a proteção policial em
situações tipificadas na legislação penal, sobretudo os artigos 146, 147, 148 e 149
do Código Penal – CP.
Enquadrando-se a situação fática em algum dos citados tipos penais, não
será necessária a impetração do Habeas Corpus, uma vez que o procedimento mais
adequado seja a comunicação às autoridades policiais, para que cesse essa
ameaça ou coação ou violência à liberdade de ir, vir e ficar do indivíduo.
Nesse caso, desde que haja poder de decisão autônoma em suas
escolhas e que não sejam condutas tipificadas penalmente, pode ser legitimado
passivo do Habeas Corpus tanto a autoridade pública quanto o agente privado.
18 TOURINHO FILHO, Fernando da C. Prática de Processo Penal, 28 ed. ver. atual. e aum., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 689.
29
Qualquer pessoa, inclusive o Ministério Público, pode patrocinar a petição
de Habeas Corpus em favor do signatário ou de outrem. Não há necessidade de
advogado no patrocínio da ação.
O § 1º do art. 654 do CPP determina que:
Art. 654, § 1º - A petição de Habeas Corpus conterá:
a) o nome da pessoa que sofre ou está ameaçada de sofrer violência ou coação e o de quem exercer a violência, coação ou ameaça;
b) a declaração da espécie de constrangimento ou, em caso de simples ameaça de coação, as razões em que se funda seu temor;
c) a assinatura do impetrante, ou de alguém a seu rogo, quando não souber ou não puder escrever, e a designação das respectivas residências.
O § 2º do aludido artigo declara que:
Art., 654, § 2º - Os juízes e os tribunais têm competência para expedir de ofício ordem de habeas corpus, quando no curso de processo verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal.
Tendo em vista ser possível qualquer pessoa impetrar o Habeas Corpus,
independentemente de conhecimentos técnico-jurídicos e também vir a ser
concedido de ofício pelo órgão judicial, a jurisprudência se mostra o menos formal
possível no conhecimento e julgamento dessa ação. O conhecimento do Habeas
Corpus subentende direito líquido e certo, não cabendo investigações ou dilações
probatórias, devendo estar pré-constituídas e juntadas aos autos as provas
documentais.
Ao vislumbrar que a ameaça ou coação ou violência à liberdade de
locomoção do indivíduo é ilegal ou abusiva, o órgão julgador deve conceder de ofício
a ordem de Habeas Corpus, independentemente dos pedidos feitos nos autos19.
O art. 656 do CPP dispõe que:
19 OLIVEIRA, Juarez Cordeiro de. Habeas Corpus Manual Comleto. São Paulo, Éfeta Editora, 1988. p. 45
30
Art. 656 - Recebida a petição de habeas corpus, o juiz, se julgar necessário, e estiver preso o paciente, mandará que este lhe seja imediatamente apresentado em dia e hora que designar.
No parágrafo único desse artigo está expresso que:
Parágrafo Único - Em caso de desobediência, será expedido mandado de prisão contra o detentor, que será processado na forma da lei, e o juiz providenciará para que o paciente seja tirado da prisão e apresentado em juízo.
A apresentação do "corpo" do paciente ao magistrado é da essência
original do Habeas Corpus, inclusive para verificar a integridade física do preso.
O art. 657 do CPP prevê que:
Art. 657 - Se o paciente estiver preso, nenhum motivo escusará sua apresentação, salvo:
I – grave enfermidade do paciente;
II – não estar ele sob a guarda da pessoa a quem se atribui a detenção;
III – se o comparecimento não tiver sido determinado pelo juiz ou pelo tribunal.
No parágrafo único desse artigo está explicitamente ordenado que:
Parágrafo Único - O juiz poderá ir ao local em que o paciente se encontrar, se este não puder ser apresentado por motivo de doença.
Nos termos do art. 658 do CPP, ao juiz deve ser comunicado sob a ordem
de qual autoridade encontra-se o paciente detido. Cessada a coação ilegal ou a
violência, o magistrado julgará prejudicado o pedido, conforme o art. 659 do Código
de Processo Penal.
O art. 660 do CPP estabelece que:
Art. 660 - Efetuadas as diligências, e interrogado o paciente, o juiz decidirá, fundamentadamente, dentro de 24 (vinte e quatro) horas.
Nos parágrafos desse artigo constam as seguintes prescrições legais:
§ 1º Se a decisão for favorável ao paciente, será logo posto em liberdade, salvo se por outro motivo dever ser mantido na prisão.
31
§ 2º Se os documentos que instruírem a petição evidenciarem a ilegalidade da coação, o juiz ou o tribunal ordenará que cesse imediatamente o constrangimento.
§ 3º Se a ilegalidade decorrer do fato de não ter sido o paciente admitido a prestar fiança, o juiz arbitrará o valor desta, que poderá ser prestada perante ele, remetendo, neste caso, à autoridade os respectivos autos, para serem anexados aos do inquérito policial ou aos do processo judicial.
§ 4º Se a ordem de Habeas Corpus for concedida para evitar ameaça de violência ou coação ilegal, dar-se-á ao paciente salvo-conduto assinado pelo juiz.
§ 5º Será incontinenti enviada cópia à autoridade que tiver ordenado a prisão ou tiver o paciente à sua disposição, a fim de juntar-se aos autos do processo.
§ 6º Quando o paciente estiver preso em lugar que não seja o da sede do juízo ou tribunal que conceder a ordem, o alvará de soltura será expedido pelo telégrafo, se houver, observadas as formalidades estabelecidas no artigo 289, parágrafo único, in fine, ou por via postal.
Na competência dos tribunais, a petição de Habeas Corpus será
apresentada ao órgão adequado, que requererá se entender necessário,
informações por escrito da autoridade indicada como coatora. Se da petição faltar os
requisitos formais de seu conhecimento, poderá ocorrer a possibilidade de sua
"emenda", sob pena de indeferimento, mediante a confirmação do órgão
competente, conforme os artigos 661 a 663, do Código de Processo Penal.
Nos tribunais o Habeas Corpus tem rito privilegiado. Não há a
necessidade, em regra, de sua inclusão na pauta de julgamentos, nem de intimação
previa, conforme reza o art. 644:
Art. 664 - Recebidas as informações, ou dispensadas, o Habeas Corpus será julgado na primeira sessão, podendo, entretanto, adiar-se o julgamento para a sessão seguinte.
Ordena o parágrafo único do citado artigo: "a decisão será tomada por
maioria de votos. Havendo empate, se o presidente não tiver tomado parte na
votação, proferirá voto de desempate; no caso contrário, prevalecerá a decisão mais
favorável ao paciente". Esse dispositivo favorece o princípio in dubio pro reo que é
um dos alicerces das garantias penais dos indivíduos.
32
No Supremo Tribunal Federal, a disciplina constitucional do Habeas
Corpus está regulamentada no artigo 102, alíneas “b”, “c”, “d” e “i” do inciso I, e na
alínea “a” do inciso II.
Já no Superior Tribunal de Justiça, a regulamentação constitucional do
Habeas Corpus encontra-se no artigo 105, alíneas “a” e “c” do inciso I e na alínea “a”
do inciso II.
Dos Tribunais Regionais Federais e dos juízes federais a competência
constitucional encontra-se disciplinada nos artigos 108 e 109. No inciso VII do artigo
109 está estabelecido que os juízes federais julguem o Habeas Corpus, em matéria
criminal de sua competência ou quando o constrangimento se origine de autoridade
cujos atos não estejam diretamente sujeitos a outra jurisdição.
As justiças trabalhista (art. 114, IV, CF), eleitoral (art. 121, CF) e militar
(art. 124, CF) processarão e julgarão o Habeas Corpus se o ato questionado
envolver matéria sujeita à sua jurisdição.
Já na justiça estadual, a competência será definida pelas Constituições
dos respectivos Estados e pelas suas leis de organização judiciária, respeitando os
princípios estabelecidos no art. 125 da Constituição Federal.
No Superior Tribunal de Justiça inexiste súmula sobre o Habeas Corpus.
Já no Supremo Tribunal Federal, as súmulas são várias. Eis algumas:
A Súmula 208 versa sobre a legitimidade do assistente de acusação para
recorrer. O doutrinador Paulo Lúcio Nogueira diz: “Quer-nos parecer que o Ministério
Público, em regra, não pode recorrer em favor do réu por lhe faltar legítimo interesse
33
e por não ser parte sucumbida, mesmo quando tenha pedido sua absolvição, pois o
real interesse é da defesa.”20 (Nogueira, 1995, p. 392).
Súmula 208: O assistente do Ministério Público não pode recorrer, extraordinariamente, de decisão concessiva de "habeas corpus".
Exime-se ao âmbito do habeas corpus o pedido de exclusão das custas
processuais, diante da ausência de colocação em risco ao direito de locomoção. É o
que determina a Súmula 395 do STF
Súmula 395: Não se conhece de recurso de "habeas corpus" cujo objeto seja resolver sobre o ônus das custas, por não estar mais em causa a liberdade de locomoção.
O habeas corpus, por sua própria natureza de remédio urgente, não se
sujeita a ritos que possam ensejar demora em seu julgamento, dispensando-se
publicação prévia em pauta nos colegiados. Não enseja, pois, nulidade o julgamento
de habeas corpus em que o defensor ou o paciente não foi intimado para seu
julgamento. É o que dispõe a súmula 431 do Supremo Tribunal Federal
Súmula 431: É nulo o julgamento de recurso criminal, na segunda instância, sem prévia intimação, ou publicação da pauta, salvo em "habeas corpus".
Proclama a Súmula 606 do STF que as decisões proferidas em sede de
habeas corpus, por qualquer das Turmas do Supremo Tribunal Federal, não se
expõem, pela via desse mesmo remédio heróico, ao controle jurisdicional do
Plenário da Suprema Corte.
Súmula 606: Não cabe "habeas corpus" originário para o tribunal pleno de decisão de turma, ou do plenário, proferida em "habeas corpus" ou no respectivo recurso.
O STF editou, em sessão plenária de 24.09.2003, a Súmula 690. No
entanto, não é esse o atual entendimento da Corte, que se posicionou no sentido de 20 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Curso Completo de Processo Penal. 9. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 392.
34
que tal competência cabe aos Tribunais de Justiça ou Tribunais Regionais Federais,
a depender da esfera de atuação. Trata-se de entendimento firmado no Informativo
395.
690: Compete originariamente ao Supremo Tribunal Federal o julgamento de "habeas corpus" contra decisão de turma recursal de juizados especiais criminais.
A Súmula 691 do STF dispõe que não compete à Suprema Corte
conhecer habeas corpus impetrado contra decisão de relator, ou de quem lhe faça
as vezes, que em outro habeas corpus, ainda em andamento no Tribunal Superior,
tenha indeferido o pedido liminar. As razões que orientam a Súmula 691 estão no
fato de que, se o STF examinar a controvérsia apresentada no novo habeas corpus,
sem o julgamento definitivo do writ impetrado no STJ, haverá supressão de instância
e, por conseqüência, ofensa aos princípios da hierarquia dos graus de jurisdição e
da competência jurisdicional
Súmula 691: Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de "habeas corpus" impetrado contra decisão do relator que, em "habeas corpus" requerido a tribunal superior, indefere a liminar.
Já a Súmula 692, do STF, visa assegurar que um habeas corpus contra
eventual constrangimento ocorrido na condução de processo de extradição somente
possa ser apresentado após o relator dessa mesma extradição ter conhecimento do
ato questionado.
692: Não se conhece de "habeas corpus" contra omissão de relator de extradição, se fundado em fato ou direito estrangeiro cuja prova não constava dos autos, nem foi ele provocado a respeito.
A Súmula 693 do STF firma o entendimento segundo o qual não é cabível
o habeas corpus para trancamento de processo cujo crime é apenado
exclusivamente com multa, pois não se estaria tutelando liberdade de locomoção, já
35
que inexiste a possibilidade de converter-se a pena pecuniária em privativa de
liberdade.
Súmula 693: Não cabe "habeas corpus" contra decisão condenatória a pena de multa, ou relativo a processo em curso por infração penal a que a pena pecuniária seja a única cominada.
O Habeas Corpus, expressa a Súmula 693 do STF, não é instrumento
idôneo para declarar a nulidade de procedimento administrativo que decreta a perda
do cargo e da patente de militar, uma vez que não há ofensa à liberdade de
locomoção
694: Não cabe "habeas corpus" contra a imposição da pena de exclusão de militar ou de perda de patente ou de função pública.
O Supremo Tribunal Federal publicou a Súmula 695, segundo a qual não
cabe habeas corpus, também por não haver possibilidade de ser tolhida a liberdade
de locomoção.
Súmula 695: Não cabe "habeas corpus" quando já extinta a pena privativa de liberdade.
Eis algumas decisões do Supremo Tribunal Federal:
HC-QO 85.298 – Redator p/ Acórdão: Min. CARLOS BRITTO
EMENTA: HABEAS CORPUS. QUESTÃO DE ORDEM. PEDIDO DE
MEDIDA LIMINAR. ALEGADA NULIDADE DA PRISÃO PREVENTIVA DO
PACIENTE. DECRETO DE PRISÃO CAUTELAR QUE SE APÓIA NA
GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO SUPOSTAMENTE PRATICADO, NA
NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA "CREDIBILIDADE DE UM DOS
PODERES DA REPÚBLICA", NO CLAMOR POPULAR E NO PODER
ECONÔMICO DO ACUSADO. ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE PRAZO NA
CONCLUSÃO DO PROCESSO.
O entendimento do Supremo Tribunal Federal é pacífico no sentido de
não se admitir invocação à abstrata gravidade do delito como fundamento de prisão
36
cautelar. A gravidade do crime já é de ser considerada quando da aplicação da pena
(art. 59 do CP). O clamor popular como justificador da prisão cautelar não é aceito
pelo Supremo Tribunal Federal, mesmo porque a admissão desta medida tornaria o
Poder Judiciário refém de reações coletivas. O poder econômico do réu, por si só,
não serve para justificar a segregação cautelar, até mesmo para não se conferir
tratamento penal diferenciado, no ponto, às pessoas humildes em relação às mais
abastadas (caput do art. 5º da CF). No caso, não se está diante de prisão derivada
da privilegiada situação econômica do acusado, tratando-se, tão-somente, de impor
a segregação ante o fundado receio de que o referido poder econômico se
transforme em um poderoso meio de prosseguimento de práticas ilícitas. Também
justificada a custódia cautelar, em face dos fortes indícios da existência de temível
organização criminosa, com diversas ramificações e com possível ingerência em
órgãos públicos. Inexistente excesso de prazo, dada a verificação de término da
instrução criminal, encontrando-se os autos na fase do art. 499 do CPP. Demora na
conclusão do feito imputável unicamente à conduta protelatória da defesa, que não
pode se beneficiar de tal situação, por ela mesma causada. Indeferimento da liminar.
HC 82.424 - Redator(a) p/ Acórdão: Min. MAURÍCIO CORRÊA
EMENTA: HABEAS-CORPUS. PUBLICAÇÃO DE LIVROS: ANTI-
SEMITISMO. RACISMO. CRIME IMPRESCRITÍVEL. CONCEITUAÇÃO.
ABRANGÊNCIA CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE EXPRESSÃO.
LIMITES. ORDEM DENEGADA.
Constitui crime de racismo sujeito às cláusulas de inafiançabilidade e
imprescritibilidade (CF, artigo 5º, XLII), escrever, editar, divulgar e comerciar livros
"fazendo apologia de idéias preconceituosas e discriminatórias" contra a
comunidade judaica (Lei 7716/89, artigo 20, na redação dada pela Lei 8081/90).
37
Se os judeus não são uma raça, segue-se que contra eles não pode
haver discriminação capaz de ensejar a exceção constitucional de
imprescritibilidade. Com a definição e o mapeamento do genoma humano,
cientificamente não existem distinções entre os homens, seja pela segmentação da
pele, formato dos olhos, altura, pêlos ou por quaisquer outras características físicas,
visto que todos se qualificam como espécie humana. Não há diferenças biológicas
entre os seres humanos. A divisão dos seres humanos em raças resulta de um
processo de conteúdo meramente político-social. Desse pressuposto origina-se o
racismo que, por sua vez, gera a discriminação e o preconceito segregacionista.
Compatibilização dos conceitos etimológicos, etnológicos, sociológicos,
antropológicos ou biológicos, de modo a construir a definição jurídico-constitucional
do termo. Interpretação teleológica e sistêmica da Constituição Federal, conjugando
fatores e circunstâncias históricas, políticas e sociais que regeram sua formação e
aplicação, a fim de obter-se o real sentido e alcance da norma.
Discriminação que, no caso, se evidencia como deliberada e dirigida
especificamente aos judeus, que configura ato ilícito de prática de racismo, com as
conseqüências gravosas que o acompanham.
A liberdade de expressão é garantia constitucional que não se tem como
absoluta. O direito à livre expressão não pode abrigar, em sua abrangência,
manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal. As liberdades
públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira
harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição Federal (CF,
artigo 5º, § 2º, primeira parte). Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa
humana e da igualdade jurídica.
38
A ausência de prescrição nos crimes de racismo justifica-se como alerta
grave para as gerações de hoje e de amanhã, para que se impeça a reinstauração
de velhos e ultrapassados conceitos que a consciência jurídica e histórica não mais
admitem. Ordem denegada.
AI-QO 559.904 - Min. SEPÚLVEDA PERTENCE
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO: DESCABIMENTO. RECURSO
EXTRAORDINÁRIO, REQUISITOS ESPECÍFICOS E HABEAS CORPUS
DE OFÍCIO. DESCAMINHO CONSIDERADO COMO "CRIME DE
BAGATELA": APLICAÇÃO DO "PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA".
A falta de prequestionamento da matéria constitucional suscitada no RE
provocou a incidência das Súmulas 282 e 356. Em recurso extraordinário criminal,
perde relevo a inadmissibilidade do RE da defesa, por falta de prequestionamento e
outros vícios formais, se, não obstante - evidenciando-se a lesão ou a ameaça à
liberdade de locomoção - seja possível a concessão de habeas-corpus de ofício (v.g.
RE 273.363, 1ª T., Sepúlveda Pertence, DJ 20.10.2000). Para a incidência do
princípio da insignificância só se consideram aspectos objetivos, referentes à
infração praticada, assim a mínima ofensividade da conduta do agente; a ausência
de periculosidade social da ação; o reduzido grau de reprovabilidade do
comportamento; a inexpressividade da lesão jurídica causada (HC 84.412, 2ª T.,
Celso de Mello, DJ 19.11.04). A caracterização da infração penal como insignificante
não abarca considerações de ordem subjetiva: ou o ato apontado como delituoso é
insignificante, ou não é. E sendo, torna-se atípico, impondo-se o trancamento da
ação penal por falta de justa causa (HC 77.003, 2ª T., Marco Aurélio, RTJ 178/310).
IV. Concessão de habeas corpus de ofício, para restabelecer a rejeição da denúncia.
39
HC-QO 83.113 - Min. CELSO DE MELLO
E M E N T A: HABEAS CORPUS - IMPETRAÇÃO CONTRA O MINISTRO
DA JUSTIÇA - WRIT QUE OBJETIVA IMPEDIR O ENCAMINHAMENTO, AO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, DE PEDIDO EXTRADICIONAL
FORMULADO POR GOVERNO ESTRANGEIRO - INAPLICABILIDADE DO
ART. 105, I, "C", DA CONSTITUIÇÃO - COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - PEDIDO CONHECIDO.
Compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar,
originariamente, pedido de habeas corpus, quando impetrado contra o Ministro da
Justiça, se o writ tiver por objetivo impedir a instauração de processo extradicional
contra súdito estrangeiro. É que, em tal hipótese, a eventual concessão da ordem de
habeas corpus poderá restringir (ou obstar) o exercício, pelo Supremo Tribunal
Federal, dos poderes que lhe foram outorgados, com exclusividade, em sede de
extradição passiva, pela Carta Política (CF, art. 102, I, "g"). Conseqüente
inaplicabilidade, à espécie, do art. 105, I, "c", da Constituição.
A ocorrência de fato processualmente relevante - denegação, pelo
Governo brasileiro, de encaminhamento do pedido de extradição, por reputá-lo
inadmissível - gera situação de prejudicialidade da ação de habeas corpus, por
perda superveniente de seu objeto. A formal recusa do Governo brasileiro em fazer
instaurar, perante o Supremo Tribunal Federal, processo extradicional contra pessoa
constitucionalmente qualificada como titular de nacionalidade brasileira primária (CF,
art. 5º, LI), não obstante a existência, no caso, de típica hipótese de conflito positivo
de nacionalidades (CF, art. 12, § 4º, II, "a"), impede - considerada a superveniência
desse fato juridicamente relevante - o prosseguimento da ação de habeas corpus. O
brasileiro nato, quaisquer que sejam as circunstâncias e a natureza do delito, não
pode ser extraditado, pelo Brasil, a pedido de Governo estrangeiro, pois a
Constituição da República, em cláusula que não comporta exceção, impede, em
40
caráter absoluto, a efetivação da entrega extradicional daquele que é titular, seja
pelo critério do "jus soli", seja pelo critério do "jus sanguinis", de nacionalidade
brasileira primária ou originária. Esse privilégio constitucional, que beneficia, sem
exceção, o brasileiro nato (CF, art. 5º, LI), não se descaracteriza pelo fato de o
Estado estrangeiro, por lei própria, haver-lhe reconhecido a condição de titular de
nacionalidade originária pertinente a esse mesmo Estado (CF, art. 12, § 4º, II, "a"). -
Se a extradição não puder ser concedida, por inadmissível, em face de a pessoa
reclamada ostentar a condição de brasileira nata, legitimar-se-á a possibilidade de o
Estado brasileiro, mediante aplicação extraterritorial de sua própria lei penal (CP, art.
7º, II, "b", e respectivo § 2º) - e considerando, ainda, o que dispõe o Tratado de
Extradição Brasil/Portugal (Artigo IV) -, fazer instaurar, perante órgão judiciário
nacional competente (CPP, art. 88), a concernente "persecutio criminis", em ordem a
impedir, por razões de caráter ético-jurídico, que práticas delituosas, supostamente
cometidas, no exterior, por brasileiros (natos ou naturalizados), fiquem impunes.
As hipóteses de outorga da nacionalidade brasileira, quer se trate de
nacionalidade primária ou originária (da qual emana a condição de brasileiro nato),
quer se cuide de nacionalidade secundária ou derivada (da qual resulta o "status" de
brasileiro naturalizado), decorrem, exclusivamente, em função de sua natureza
mesma, do texto constitucional, pois a questão da nacionalidade traduz matéria que
se sujeita, unicamente, quanto à sua definição, ao poder soberano do Estado
brasileiro.
A perda da nacionalidade brasileira, por sua vez, somente pode ocorrer
nas hipóteses taxativamente definidas na Constituição da República, não se
revelando lícito, ao Estado brasileiro, seja mediante simples regramento legislativo,
seja mediante tratados ou convenções internacionais, inovar nesse tema, quer para
41
ampliar, quer para restringir, quer, ainda, para modificar os casos autorizadores da
privação - sempre excepcional - da condição político-jurídica de nacional do Brasil.
42
4. HABEAS CORPUS COMO AÇÃO PREJUDICADORA DA
CELERIDADE PROCESSUAL, FAVORÁVEL A PRESCRIÇÃO E A
IMPUNIDADE.
No Brasil, o excesso de recursos e a demora na conclusão de processos
judiciais são os principais responsáveis pela impunidade. Um processo, antes que
chegue ao fim, pode ter mais de uma dezena de recursos, reflexo de um sistema
recursal retrógrado que resulta na demora da prestação jurisdicional.
Os princípios da efetividade do processo, da instrumentalidade, da
isonomia, da celeridade e da praticidade estão longe de ser atendidos em sua
plenitude.
O princípio da efetividade do processo é princípio constitucional
decorrente da norma disposta no art. 5º, XXXV, que formalmente garante a todos o
livre acesso ao Poder Judiciário, mas que atualmente é interpretada de forma mais
ampla, atribuindo-se um conteúdo substancial, no sentido de não só garantir o
acesso ao judiciário, mas de impor ao Estado a efetiva prestação jurisdicional em
prazo razoável, de forma a preservar, verdadeiramente, os direitos e interesses
daquele que busca a tutela Estatal21.
A instrumentalidade significa uma avaliação coerente dos meios ao
alcance do estado, e um confronto do custo/benefício causado pela implementação
21 ÁVILA, Humberto Bergmann, Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios
jurídicos. 3ª ed. aum. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p.23.
43
da medida através do aparato legal (especialmente o criminal) e o que poderia ser
garantido por outras formas não legislativas. Neste mesmo sentido, a avaliação
instrumental pode aconselhar uma utilização conjunta de dispositivos legais com
outras medidas sociais, o que significaria imputar a lei papel totalmente diferente que
nos casos que ela atua sozinha. O princípio da instrumentalidade está
consubstanciado nos artigos 154 e 244, do CPC.
O princípio da isonomia está consagrado na Constituição Federal, em seu
artigo. 5º caput: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.
Encontra-se em vários outros dispositivos constitucionais, haja vista a preocupação
da Carta Magna em concretizar o direito a igualdade. A isonomia deve ser efetiva
com a igualdade da lei, ou seja, a lei não poderá fazer nenhuma discriminação, e o
da igualdade perante a lei, onde não deve haver discriminação na aplicação da lei
Esta não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador
da vida social que necessita tratar eqüitativamente todos os cidadãos22.
Com a Emenda Constitucional nº 45, positivado no ordenamento jurídico,
no artigo 5º, inciso LXXVIII da Constituição Federal, o principio da celeridade
prenuncia que os processos devem desenvolver-se em tempo razoável, de modo à
garantir a utilidade do resultado alcançado ao final da demanda.
Implícito na Constituição Federal, o Princípio da Praticidade ou
Praticabilidade, norteia a atuação do legislador no sentido de escolher sempre o
procedimento mais simples para impor o comportamento que se deseja dos
participantes da sociedade. A praticidade é um princípio geral e difuso, para tornar a
norma exeqüível, cômoda e viável, a serviço da praticidade.
22 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 9-10
44
Pois bem, mudanças ideológicas no Supremo Tribunal Federal (STF)
levaram a que prevalecesse a tese de que o réu tem direito de recorrer em liberdade
até a última instância. Os ministros do STF decidiram um caso concreto, no qual
prevaleceu majoritariamente o entendimento de que o réu tem direito a recorrer em
liberdade em caso de decretação de prisão, até que estejam esgotadas todas as
possibilidades de recurso, ainda que já tenha condenação em segunda instância.
Por sete votos a quatro, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF)
concedeu, no dia 5/2/09, o Habeas Corpus (HC 84.078) para permitir que um réu já
condenado - pelo Tribunal do Júri da Comarca de Passos (MG) à pena de sete anos
e seis meses de reclusão, em regime inicialmente fechado recorra dessa
condenação, aos tribunais superiores, em liberdade. Ele foi julgado por tentativa de
homicídio duplamente qualificado (artigos 121, parágrafo 2.º, inciso IV, e 14, inciso II,
do Código Penal)23.
A tese do relator ministro Eros Grau, seguido pelos ministros Cezar
Peluso, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello, Carlos Ayres Britto, Março Aurélio de
Mello e Gilmar Mendes, é de que a prisão, antes do julgamento de todos os recursos
cabíveis, ofende frontalmente o Artigo 5º , Inciso LVII, da Constituição, que dispõe
que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória". Para o ministro Grau, a prisão durante a apelação pode ser
caracterizada até como um cerceamento do direito de defesa. "A regra é a liberdade.
Ninguém será preso senão em flagrante delito", defendeu o ministro Ayres Britto24.
Ficaram vencidos na discussão os ministros Menezes Direito - que deu
voto, após ter pedido vista dos autos -, Joaquim Barbosa, Carmem Lúcia e Ellen
23 SOALHEIRO, Marco Antonio. STF diz que condenado em segunda instância não pode ser preso até fim de recursos. Revista Âmbito Jurídico, Nº 74 - Ano XIII - Março/2010-ISSN-1518-0360 24 Idem, Idem
45
Gracie. Em sua argumentação, Barbosa chegou a dizer existir no Brasil "um sistema
penal de faz de conta, que carece de eficiência. Se tivermos que esperar os
deslocamentos de recursos, o processo jamais chegará ao fim. Não conheço
nenhum país que ofereça aos réus tantos meios de recursos como o nosso”25.
Graças a isso, criminosos estão soltos há anos mesmo depois de terem
sido condenados por homicídio. Segundo Laura Diniz26, o fato de quase todos os
novos ministros serem liberais levou a que uma tese passasse a prevalecer nas
decisões do tribunal: o princípio da presunção de inocência, segundo o qual
ninguém será considerado culpado antes que todos os recursos da defesa sejam
julgados.
Em países como os Estados Unidos, este princípio não é absoluto, o que
quer dizer que não se aplica, por exemplo, a réus confessos. Quem confessa abre
mão desse princípio.
Nos Estados Unidos, a maioria dos julgamentos de crimes não dura mais
de seis meses. O sistema é rápido e rígido, quem é condenado à prisão pode
recorrer, mas tem de continuar na cadeia enquanto sua apelação é julgada. James
Jacobs afirma que lá, há mecanismos que permitem ao Ministério Público, em
conjunto com juízes, combinar com o réu as acusações pelas quais ele será
processado e a pena que cumprirá. Esse tipo de acordo reduz o tempo do processo,
assegura rapidez na punição e diminui a carga de trabalho no Judiciário27.
25 SOALHEIRO, Marco Antonio. STF diz que condenado em segunda instância não pode ser preso até fim de recursos. Revista Âmbito Jurídico, Nº 74 - Ano XIII - Março/2010-ISSN-1518-0360 26 DINIZ, Laura. Quase uma década de impunidade. Revista Veja, São Paulo, ano 42. nº 38, p. 74, set. 2009. 27 JACOBS, James. Privilégio e impunidade. Revista Época, São Paulo, Edição 581, jul. 2009.
46
Na Alemanha, a possibilidade de recursos é menor. Isso dá velocidade
aos processos. Lá, a média de duração é de apenas dois. A ação penal alemã é
concentrada. Existem atos que são verbais, a rapidez é maior28.
O sistema brasileiro é inspirado na tradição européia de dar prioridade às
formalidades legais que garantem o amplo direito de defesa. É um princípio correto,
ampliado pela Constituição de 1988, feita para expurgar os desmandos do período
de ditadura militar. Mas ele acabou sendo deturpado29.
No Brasil, um processo pode durar décadas. A lei estimula as manobras
processuais que geram a impunidade. A lógica é a seguinte: o juiz de primeira
instância condenou um acusado? Cabe recurso ao tribunal de segunda instância.
Nova condenação em um Tribunal Regional Federal? Há possibilidade de contestar
a decisão no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Se o STJ decidir que o réu é
culpado, há ainda uma escapatória: recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF). Em
muitos casos, o processo se prolonga tanto que a pena prescreve e o crime não
pode ser mais julgado. Os recursos contra as sentenças não passam de manobras
protelatórias para impedir a punição. Não é raro um processo atravessar mais de
uma década sem que o julgamento do acusado chegue ao fim.
Os advogados contam com um arsenal quase infinito de artifícios para
postergar os julgamentos da Justiça. Há recursos, exceções, liminares, Habeas
Corpus, embargos, agravos, apelações, ações rescisórias e toda a sorte de
instrumentos cujo significado pode ser resumido da seguinte forma: são capazes de
manter qualquer acusado fora da cadeia, desde que ele tenha recursos financeiros
para bancar bons advogados por anos a fio que arrastem seus processos. “Quanto
28 JACOBS, James. Privilégio e impunidade. Revista Época, São Paulo, Edição 581, jul. 2009. 29 ARAGÃO, Eugênio. Privilégio e impunidade. Revista Época, São Paulo, Edição 581, jul. 2009.
47
mais recursos (financeiros) tiver o cliente, mais recursos (judiciais) haverá no
processo”, diz uma sentença corrente entre os advogados brasileiros30.
A noção de que aqueles que têm poder devem ter mais direitos que os
outros tem raízes históricas no Brasil, uma sociedade fundada na desigualdade, e
não na igualdade. O historiador José Murilo de Carvalho enquadra a sociedade
brasileira em quatro camadas. “A primeira reúne as pessoas “acima da lei”, formada
pelos cidadãos de primeira classe (são os “doutores”: brancos, ricos e com
educação superior). A segunda é formada por pessoas que “não podem fugir da lei”:
elas a respeitam e a temem, mas não são beneficiadas por causa das dificuldades
de acesso à Justiça. A terceira reúne as pessoas “abaixo da lei”, no campo e nas
grandes metrópoles. É formada por subcidadãos analfabetos ou que mal escrevem
ou lêem. Finalmente, há a quarta camada: as pessoas que “não podem ignorar a
lei”. Ela é formada pela classe “média média”. São os cidadãos que têm menos
oportunidade de burlar a lei que os cidadãos de primeira classe, mas a burlam
sempre que podem. A maioria dos condenados presos é de classe baixa, como
desempregados, motoristas e autônomos. No Brasil, a punição obedece ao critério
da capacidade financeira do réu, não de sua culpabilidade”31.
4.1 Habeas Corpus ação meramente protelatória.
No tempo da supremacia conservadora no Supremo Tribunal Federal,
entendia-se que uma condenação em segunda instância era suficiente para que o 30 CARVALHO, José Murilo de. Privilégio e impunidade. Revista Época, São Paulo, Edição 581, jul. 2009 31 CARDOSO, Fernando Henrique / MOREIRA, Marcílio Marques / CARVALHO, José Murilo. Cultura das Transgressões no Brasil – Lições da História, 2ª ed São Paulo: Saraiva, 2008
48
réu pudesse ser preso. Agora, com a hegemonia garantista, desde que ele tenha
dinheiro para pagar bons advogados e entrar com sucessivos recursos na Justiça,
poderá ficar solto até a palavra final do Supremo Tribunal Federal, ainda que isso
leve décadas.
Um exemplo é o caso do jornalista Pimenta Neves que matou Sandra
Gomide, sua ex-namorada, com dois tiros disparados à queima-roupa em 20 de
agosto de 2000. O princípio da presunção da inocência já livrou o jornalista da
cadeia em três ocasiões. Em 2001, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso
de Mello, concedeu-lhe o Habeas Corpus onde o principal argumento usado foi o
princípio da presunção de inocência32.
Foi condenado pelo Tribunal do Júri de Ibiúna a dezenove anos de prisão,
em 2006, porém o juiz permitiu que apelasse em liberdade, citando jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal baseada na presunção de inocência. No mesmo ano, os
desembargadores mandaram prendê-lo quando sua condenação foi confirmada pelo
Tribunal de Justiça de São Paulo e, novamente escorada na presunção de
inocência, seus advogados conseguiram-lhe um Habeas Corpus no Superior
Tribunal de Justiça.
O princípio que sustenta a liberdade de Pimenta Neves norteia as
constituições mais modernas do mundo. Ele existe para garantir que o réu não
cumpra uma punição injustamente. Em países como os Estados Unidos, porém, ele
não é absoluto – o que quer dizer que não se aplica, por exemplo, a réus confessos.
"Lá, a presunção de inocência existe no grau máximo só quando não há indícios de
32 DINIZ, Laura. Quase uma década de impunidade. Revista Veja, São Paulo, ano 42. nº 38, p. 75, set. 2009.
49
que o acusado cometeu o crime. Quem confessa abre mão desse princípio", diz o
promotor Marcelo Cunha de Araújo33.
"Na maioria dos países democráticos, o acusado já estaria preso", afirma
o criminalista Ricardo Alves Bento. De fato, no que se refere ao jornalista Pimenta
Neves, que inocência há para presumir, uma vez que ele próprio admitiu que matou
a ex-namorada Sandra? "Nesse caso, as garantias da lei estão sendo usadas como
recurso meramente protelatório", diz a procuradora Luiza Nagib Eluf34.
Se os réus não pudessem entrar com dezenas de recursos para tumultuar
os processos e a Justiça fosse mais célere, aberrações como a de Pimenta Neves
não existiriam. Recursos jurídicos servem para evitar que o acusado seja vítima de
arbitrariedades. Mas, no Brasil, freqüentemente são usados para fim bem menos
nobre: o de perpetuar a impunidade.
Outro exemplo: O Tribunal de Justiça de São Paulo negou Habeas
Corpus em que a defesa de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, pai e
madrasta de Isabella Nardoni, pretendia adiar o júri popular do casal. O pedido foi
apresentado pelo advogado Roberto Podval, que alegou cerceamento de defesa.
Segundo o desembargador Luís Soares de Mello, da 4ª Câmara de Direito Criminal
o Habeas Corpus tem “nítido caráter protelatório”. Por isso, negou o adiamento do
júri35.
No Habeas Corpus, a defesa do casal pediu produção de novas provas a
serem apresentadas aos jurados. Entre elas, nova reprodução simulada ou
33 DINIZ, Laura. Quase uma década de impunidade. Revista Veja, São Paulo, ano 42. nº 38, p. 76, set. 2009 34 Idem, idem. 35 SÃO PAULO. Justiça nega pedido do casal Nardoni para adiar júri popular em SP. UOL Notícias, Rosanne D'Agostino. Disponível em http://noticias.uol.com.br. Acesso em 12/05/2010.
50
reconstituição do crime. Os Nardoni não participaram da primeira, realizada durante
o inquérito.
Segundo o advogado, havia uma terceira pessoa no apartamento, e não
realizar essa reconstituição traria "vício insanável" ao júri. “A simples alegação da
presença de um terceiro, sem a discriminação de suas supostas condutas, inviabiliza
a realização de qualquer simulação", escreveu o desembargador36.
Já sobre o pedido para que seja feita uma animação gráfica com a
hipótese da terceira pessoa (o advogado requereu ou uma ou outra possibilidade), o
desembargador afirma que "a defesa pode produzi-las por seus próprios meios"37.
4.2 A tese do “trancamento” do processo.
Os advogados buscam a defesa em dois planos: no plano do processo e,
simultaneamente, junto aos tribunais superiores. No processo alegam inocência e
indicam centenas de provas que serão produzidas. Nos tribunais fazem a “escalada”
de Habeas Corpus que fatalmente desaguarão no Supremo Tribunal Federal, aqui
com a tese de que a denúncia é “inepta” e que a ação penal “não tem justa causa”
porque não existem indícios suficientes de que o réu praticou a conduta descrita. E
geralmente pedem liminar para que o processo original fique suspenso até a decisão
do Habeas Corpus. Se algum tribunal –estadual ou federal – conceder a liminar, o
processo fica aguardando.
36 SÃO PAULO. Justiça nega pedido do casal Nardoni para adiar júri popular em SP. UOL Notícias, Rosanne D'Agostino. Disponível em http://noticias.uol.com.br. Acesso em 12/05/2010. 37 Idem, idem
51
E o julgamento da “justa causa” é motivo para que se promova, na
verdade, um prejulgamento açodado dos elementos do inquérito por instâncias que
não estão fazendo o processamento da causa. Não ganhou Habeas Corpus no
primeiro tribunal? Impetra no tribunal seguinte.
Observe-se também que o julgamento do Habeas Corpus “salta” a
instância original e também “salta” a participação do Ministério Público que ofereceu
a denúncia, que conduz o processo e, portanto tem maior conhecimento da causa.
Muitas vezes o processo original que já tem sentença condenatória, após
a produção de todas as provas acusatórias e defensivas, é anulado retroativamente
por uma dessas “iluminadas” decisões, justamente porque, para a denúncia, não
havia “justa causa”.
O remédio constitucional, criado para proteger o cidadão contra a prisão
arbitrária, vem-se tornando, na prática dos tribunais, verdadeira ação de
conhecimento do mérito da ação penal. O habeas-corpus foi desvirtuado de sua
feição original38.
Transformado em ação de conhecimento de toda a ação penal, fica claro
o prejuízo para a Justiça, porque o seu rito célere e sem formalidades acarreta o
julgamento antecipado da ação penal em instância única, podendo ocorrer
resultados não desejados pelo Estado, quais sejam, a insegurança jurídica, a
injustiça ou a não proteção da vítima e da sociedade39.
Mesmo que praticamente em todas as decisões de trancamento de ação
penal digam que não cabe, via de regra, a ordem, quando não está em perigo o
38 AYDOS, Marco Aurélio Dutra. O remédio abortivo da ação penal: reflexões sobre o abuso da ação constitucional de hábeas corpus. Disponível em: http://www.anpr.org.br/boletim26/remédio.htm. Acesso em: 04/05/2010 39 Idem, idem
52
direito de ir e vir, a verdade é que toda ação penal envolve constrangimentos ao
acusado. É sobre o terreno do constrangimento de ver-se processar, que se abre
espaço legítimo para conhecimento do Habeas Corpus. O intérprete do direito terá
de elaborar em que casos o alegado constrangimento será ilegal e em que casos
não se tratam de ilegalidade, mas de absolvição sumária40.
Tem-se aberto, na prática, espaço excessivo para esse Habeas Corpus
desnaturado. Para tal, considera-se, muitas vezes, que os fatos já estão
incontroversamente provados, passando-se a um exame sumário da prova, fato não
querido pela legislação penal, que visa a proteger à sociedade.
A tentação de julgar a causa antecipadamente, abreviando uma decisão
que em sede recursal o próprio órgão jurisdicional talvez viesse a tomar, ainda que
possa ter a boa intenção de descongestionar o Poder Judiciário, traz, todavia, para o
sistema acusatório sérios gravames41.
É preciso que aqueles que conhecem da ação constitucional de Habeas
Corpus tenham igual consciência do perigo de diminuir-se a dignidade do instituto. É
necessário que se saiba que a prescrição abusiva do remédio pode causar um mal
social, criar demandas, deixar situações criminais sem o cimento pacificador da
sentença proferida em devido processo legal, com a garantia do duplo grau de
jurisdição e dos recursos ordinários, seja para condenar, seja para absolver. É
preciso que se tenha sempre em mente que o Judiciário tem como fundamento de
legitimidade, diferentemente dos demais poderes que se amparam no voto popular,
apenas a autoridade de seus julgados: autoridade que nasce da maturidade de seus
juízos, da rigorosa legalidade, da absoluta transparência e obediência aos princípios 40AYDOS, Marco Aurélio Dutra. O remédio abortivo da ação penal: reflexões sobre o abuso da ação constitucional de hábeas corpus. Disponível em: http://www.anpr.org.br/boletim26/remédio.htm. Acesso em: 04/05/2010 41 Idem, idem
53
constitucionais e de Direito, especialmente na matéria penal, em que corre perigo a
liberdade, o maior bem que o ser humano possui42.
4.3 A banalização do Habeas Corpus
O Habeas Corpus é um remédio jurídico-constitucional que tem por
objetivo garantir a liberdade individual de locomoção, ou seja, ao direito de ir, vir e
ficar. Refere-se à locomoção física, corpórea do indivíduo, cimentada pela história
de sua construção e edificação.
Muitas vezes o instituto do Habeas Corpus é banalizado, sendo utilizado
para todas e quaisquer causas, desde problemas respiratórios, locomoção virtual,
decisão judicial que proíbe jornal de publicar notícias, entre outros.
Por exemplo, o juiz Joemilson Donizetti Lopes, da 2ª Vara Criminal de
Uberlândia, em Minas Gerais, indeferiu o Habeas Corpus impetrado pela advogada
Laine Moraes Souza, que visava garantir seu direito de locomoção no espaço
cibernético43.
Como usuária dos serviços de provimento de acesso à Internet da AOL
Brasil, a advogada foi surpreendida com o fato de que a empresa "vem cerceando a
liberdade dos seus usuários de navegar em diversos sites gratuitos (webmail, salas
de bate papo, etc.) disponíveis livremente na Internet, e acessíveis aos usuários de
42 AYDOS, Marco Aurélio Dutra. O remédio abortivo da ação penal: reflexões sobre o abuso da ação constitucional de habeas corpus. Disponível em: http://www.anpr.org.br/boletim26/remédio.htm. Acesso em: 04/05/2010 43 KAMINSKI, Omar. Juiz indefere HC para garantir direito de locomoção no ciberespaço Disponível em: http://www.conjur.com.br/ Acesso em: 17/05/2010
54
qualquer outro provedor concorrente, quer seja de acesso discado ou banda larga,
ou até mesmo via cable modem"44.
Ela entende cabível o Habeas Corpus "todas as vezes que uma pessoa
for cerceada em seu direito de locomoção, seja ele material ou virtual, tendo em
vista que nem mesmo a Carta Magna restringiu tal remédio para a locomoção física".
Neste caso, ela se sentiu ofendida em não poder se locomover no ciberespaço,
devido a bloqueios não expressos impostos pela empresa coatora. "Restringir o
direito de ir e vir no ciberespaço é uma violação gravíssima do direito constitucional
de locomoção", afirmou na inicial45.
Ora, o Habeas Corpus é concedido quando pressupõe ofensa a liberdade
física ou ameaça de violação ao direito de locomoção, por ato ilegal ou abuso de
poder.
Celso Ribeiro Bastos46, assim conceitua o instituto:
O habeas corpus é inegavelmente a mais destacada entre as medidas destinadas a garantir a liberdade pessoal. Protege esta no que ela tem de preliminar ao exercício de todos os demais direitos e liberdades. Defende-a na sua manifestação física, isto é, no direito de o indivíduo não poder sofrer constrição na sua liberdade de locomover-se em razão de violência ou coação ilegal.
O termo “liberdade de locomoção corresponde à liberdade física da
pessoa, sua liberdade corporal”, definem assim Roberto Geraldo Coelho Silva e
Mauro Cunha:47
Alexandre de Moraes48 declara que:
44 KAMINSKI, Omar. Juiz indefere HC para garantir direito de locomoção no ciberespaço Disponível em: http://www.conjur.com.br/ Acesso em: 17/05/2010. 45 Idem, idem 46 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20. ed.atual. - São Paulo Saraiva, 1999, p. 234 47 SILVA, Roberto Geraldo Coelho / CUNHA, Mauro. Habeas corpus no direito brasileiro, Rio de Janeiro: Aide, 1990, p. 150.
55
O sentido da palavra alguém no habeas corpus refere-se tão somente à pessoa física.
“O direito de navegação pela internet não corresponde ao direito de ir e vir
vale dizer, ao direito à locomoção virtual, mas sim ao direito de receber informações.
Afinal, a Internet nada mais é do que uma rede de computadores interligados, por
meio da qual são armazenadas e trocadas diversas informações”, é o que diz a
sentença49.
Outro exemplo. O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal,
arquivou um pedido de Habeas Corpus contra a decisão judicial que proibiu o jornal
“O Estado de São Paulo” de publicar notícias sobre a operação Faktor da Polícia
Federal. Celso de Mello considerou que o Habeas Corpus não é o instrumento
jurídico adequado para questionar a decisão.
A investigação tem como principal alvo o empresário Fernando Sarney,
filho do senador José Sarney. Ambos foram flagrados em interceptações telefônicas
da operação, posteriormente divulgadas pelo jornal, negociando um cargo no
Senado para o namorado de uma neta de Sarney50.
Depois da publicação dos grampos, o desembargador Dácio Vieira, do
Tribunal de Justiça do Distrito Federal, atendeu ao pedido de Fernando Sarney e
determinou a censura prévia do jornal “O Estado de São Paulo” e de seu site na
Internet.51
48 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 4ª ed., rev. e ampl., São Paulo: Atlas, 1998, p. 122 49 KAMINSKI, Omar. Juiz indefere HC para garantir direito de locomoção no ciberespaço Disponível em: http://www.conjur.com.br/ Acesso em: 17/05/2010. 50 MAIA, Wilson. Supremo arquiva habeas corpus contra censura ao “Estadão” no caso Sarney. Disponível em http://ultimainstancia.uol.com.br/autor.php?idConteudo=956. Acesso em: 04/05/2010. 51 Idem, idem;
56
E foi exatamente o veto à livre informação na rede mundial de
computadores que baseou o pedido do advogado Miguel Arcanjo César Guerrieri.
Atuando em causa própria, ele argumentou que a decisão de Dácio Vieira impôs um
obstáculo ilegal a sua “liberdade de locomoção pelos sítios informativos”.
Segundo o decano do Supremo Tribunal Federal, entretanto, “a ação de
Habeas Corpus destina-se, unicamente, a amparar a imediata liberdade de
locomoção física das pessoas”. Para Celso de Mello, o Habeas Corpus tem
finalidade específica, proteger o direito de ir e vir, e não pode ser utilizado para
defender o “corpo eletrônico, virtual ou psíquico”, como descreveu Guerrieri no
pedido.
Mais um exemplo. Prostituição não é fato tipificado como crime e nem
contra contravenção penal, o mesmo se dizendo do trottoir. Prostituição e trottoir não
são a mesma coisa. A primeira é negociar o próprio corpo, enquanto que a segunda
é andar, estacionar, rodar a bolsinha, sem prejudicar ninguém e sem afrontar a lei.
Como nenhuma das figuras se constitui em infração, ninguém pode ser preso por
prostituição ou trottoir, seja prostituta ou travesti. Para os moralistas o trottoir é
contravenção de vadiagem. Se uma pessoa faz da prostituição o seu sustento, não é
vadio. Prostituição e trottoir não são desculpa para prisão.52
Inserimos algumas ementas de jurisprudência para ilustrar a inadequação
do remédio constitucional53.
Na ementa abaixo se percebe a inadequação de habeas corpus
preventivo já que se trata de fato atípico uma vez que o trottoir não se configura
52 NUNES, Rodrigues. Habeas Corpus. 2 ed., São Paulo: R.G. Editores Ltda, 1997. p. 29. 53 OLIVEIRA, Juarez Cordeiro de. Habeas Corpus Manual Completo. São Paulo: Éfeta Editora, 1988.
57
como crime e nem como contra contravenção penal, alem de não vislumbrar,
qualquer violência ou ameaça de coação no direito de locomoção.
Hipótese de trottoir – RT 555/323. HABEAS CORPUS PREVENTIVO – Hipótese de “trottoir” – Audição de testemunhas arroladas pelo juiz – Inadmissibilidade – Decisão anulada – Recurso provido – Inteligência do art. 660 do CPP (Ement.).
Na ementa seguinte, verifica-se a impetração do Habeas Corpus em
matéria de natureza civil, referente a guarda e posse de filhos menores. Não
conhecido, devido a não existência da possibilidade de alguém sofrer ou se achar na
iminência de sofrer violência ou coação ilegal em sua liberdade de ir e vir
Guarda e posse de filhos menores – RT 545/307.
HABEAS CORPUS – Não conhecimento – Matéria de natureza eminentemente civil nele argüida – Guarda e posse de filhos menores – agravo de instrumento já interposto – Inteligência do art. 647 do CPP.
Absurdamente utiliza-se do remédio constitucional visando pleitear
medidas que atentam contra a natureza do instituto e sem fundamento legal.
Pedido prolixo e sem fundamento legal – RT 537/415. HABEAS CORPUS – Pedido prolixo e sem fundamento legal – Medidas pleiteadas que atentam contra a natureza do instituto – Não conhecimento – Inteligência dos arts. 647 e 648 do CPP.(STF – Ement.).
Aqui se tenta suprir recurso não interposto, utilizando-se
inadequadamente do célere remédio, com intuito de corrigir uma falha.
Pedido que visa a suprir recurso não interposto - RT 550/407. HABEAS CORPUS – Pedido que visa a suprir recurso não interposto – Inadmissibilidade – Não conhecimento – Inteligência do art. 119, II, “c” da CF.(STF – Ement.).
A seguir verifica-se a pretensão de trancamento da ação penal, utilizando-
se do instituto do Habeas Corpus que tem por finalidade combater o abuso ou
58
ilegalidade que venha privar o ser humano do seu direito à liberdade, fato
inadmissível, inaplicável ao caso, uma vez que o paciente não se encontra preso.
Pretendido trancamento de ação penal - RT 544/408. HABEAS CORPUS – Pretendido trancamento de ação penal – Exame de provas - Inadmissibilidade – Paciente que, ademais, não se encontra preso – Ordem denegada,(TJMS).
Teríamos tantos outros para demonstrar que a prescrição abusiva do
remédio causa um mal social, pois as demandas se arrastam por longos tempos,
resultando na demora da prestação jurisdicional, abarrotando o judiciário e
conseqüentemente em injustiças.
Tem-se abusado do Habeas Corpus pretendendo fazê-lo remédio para
todos os males, esquecidos os recursos específicos postos na lei e que
proporcionam amplo exame fático da matéria.
.
59
5. O HABEAS CORPUS DIANTE DA REFORMA DO CÓDIGO DE
PROCESSO PENAL
O projeto sobre recursos na reforma penal também tem por objetivo a
racionalização e agilização do processo penal, sempre enfocado na dupla
perspectiva da eficácia e das garantias. Na atualidade, o sistema recursal do Código
de Processo Penal é bastante confuso. Em regra, contra as sentenças cabe
apelação; contra algumas decisões cabe recurso em sentido estrito.54
Uma das modificações de maior repercussão diz respeito ao efeito
suspensivo da apelação. De outro lado, desvinculou-se esse recurso da prisão.
Nada impede que o juiz, desde que haja motivação concreta, decrete a prisão
cautelar (preventiva) do condenado, porém, essa prisão está desvinculada de
eventual recurso de apelação. Consagra-se, com isso, o duplo grau de jurisdição no
âmbito penal, tal como previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos,
artigo 8, 2, "h")55.
A proposta restringe o Habeas Corpus, que somente poderá ser
concedido com situação concreta de lesão ou ameaça ao direito de locomoção.
O Habeas Corpus passa a ter restrição no projeto de código, pois
somente poderá ser deferido se realmente existir situação concreta de lesão ou
ameaça ao direito de locomoção. O objetivo é evitar a concessão desse recurso nos
casos em que a prisão ainda não tenha ocorrido. Além disso, para impedir a 54 GOMES, Luiz Flávio. Reformas penais: recursos. Disponível na internet: www.ibccrim.org.br, 02.12.2003 55 Idem, idem.
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utilização do Habeas Corpus como substituto a outros recursos, o projeto de código
estabelece que ele não poderá ser admitido nas hipóteses em que seja previsto
recurso com efeito suspensivo56.
Possibilita-se que o impetrante indique a necessidade de intimação para a
sessão de julgamento, o que não ocorre hoje, trazendo sérios prejuízos para aquele.
Ele e a revisão criminal, doravante, passam a compor um título autônomo,
denominado "ações de impugnação". Com isso fica clara a natureza jurídica desses
institutos, que são verdadeiras ações, e não recursos.
O projeto transforma o atual recurso em sentido estrito em agravo,
atendendo aos reclamos da doutrina em se uniformizar a impetração do agravo para
todas as decisões interlocutórias, no âmbito civil ou penal. Inclusive, traz para o
Código de Processo o recurso de agravo contra decisão proferida pelo juiz da
execução que, atualmente, é regulado pela Lei das Execuções Penais.57
Importante inovação é o cabimento do agravo quando o juiz declarar lícita
ou ilícita a prova, o que tem sido objeto de manejo de Habeas Corpus para obter o
desentranhamento das provas ilícitas. É claro que o interessado, em muitos casos,
deixará de usar o agravo para substituí-lo pelo Habeas Corpus sempre que houver
restrição da liberdade ou risco de uma condenação injusta, embora futura. Nos
casos de negar fiança, indeferir liberdade provisória, manter a prisão em flagrante ou
indeferir medidas cautelares, bem como indeferir pedido de extinção da punibilidade,
é óbvio que o interessado irá manejar o Habeas Corpus que é um meio mais
expedito de obter a tutela jurisdicional de resguardo da liberdade.
56 Senado. Comissão de Constituição e Justiça – CCJ. Código de Processo Penal – CPP. Novo código é aprovado. Disponível em: http://www.legjur.com/news/visualiza.php?id=1074. Acesso em 13/05/2010 57 GOMES, Luiz Flávio. Reformas penais: recursos. Disponível na internet: www.ibccrim.org.br, 02.12.2003
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6. CONCLUSÃO
Em arremedo conclusivo do presente trabalho, foi possível, por intermédio
da pesquisa detalhada, contribuir para o entendimento de que o Habeas Corpus é
um dos remédios constitucionais à disposição de todo indivíduo para assegurar o
exercício do seu direito de liberdade de ir e vir. Dele pode fazer uso qualquer pessoa
que se ache na iminência de sofrer uma ameaça ou violência, por abuso ou
ilegalidade, na sua liberdade de locomoção.
A palavra Habeas Corpus é uma locução de origem latina, formada pelo
verbo latino habeas e o substantivo corpus, que literalmente tem o sentido de “tenha
o corpo” ou “ande com o corpo”, ou seja, em outras palavras, implica dizer tome a
pessoa e apresente-a ao juiz para julgamento do caso.
É definido como uma garantia ou remédio constitucional com o objetivo de
proteger a liberdade física do indivíduo, a liberdade de locomoção.
No seu surgimento, havia divergência entre os doutrinadores, afirmando
uns que a sua origem era oriunda do direito romano, outros diziam que o instituto do
Habeas Corpus era de origem inglesa, estando atualmente superada esta polêmica,
ficando pacificada a corrente doutrinária que defendia ser sua origem do Direito
Inglês.
No Direito Pátrio, com o advento do Decreto de 23 de maio de 1821,
observaram-se algumas características próprias do, entretanto, somente com a
Constituição Imperial de 1824 é que o instituto do Habeas Corpus foi regulamentado,
sendo reconhecida expressamente como uma garantia individual.
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Com a promulgação da Constituição Republicana de 1981, o Habeas
Corpus foi erigido à categoria de remédio constitucional, ficando, desta maneira,
protegido contra possíveis manobras políticas, no sentido de alterar a sua finalidade
ou até mesmo retirá-lo da legislação, através de processo legislativo.
Existiu uma fase na qual o Habeas Corpus teve ampla aplicação, por
força de interpretação do texto constitucional, sendo utilizado para proteger direitos
de natureza penal e não penal.
A impetração do Habeas Corpus era admitida nos casos de natureza não
penal, seja em matéria civil, administrativa, comercial ou constitucional, exigindo-se
apenas que o direito fosse líquido e que a liberdade de locomoção para o exercício
desse direito fosse necessária.
O ilustre Ruy Barbosa foi um dos defensores da aplicação do Habeas
Corpus de forma ampla. Opinião acolhida pelo Corte suprema.
Já Pedro Lessa defendia tese contrária, entendendo que o Habeas
Corpus não podia ser usado de maneira ampla, devendo apenas servir para os
casos nos quais fosse necessário proteger a liberdade de locomoção.
Com a Constituição Brasileira de 1934, que criou o mandado de
segurança, algumas situações que antes eram objeto de impetração de Habeas
Corpus, foram substituídas pelo instituto do mandado de segurança.
Posteriormente, com a Constituição de 1967 e a Emenda Constitucional
de 1969, foram mantidos os institutos do mandado de segurança e do Habeas
Corpus, como meios de defesa dos direitos individuais, destinando-se o primeiro à
proteção de direito líquido e certo não abrangido pelo segundo, ficando este se
limitando a proteger o direito de liberdade de locomoção.
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A Constituição Federal de 1988 manteve os referidos institutos com as
mesmas finalidades acima expostas.
O Habeas Corpus está inserido na Constituição Federal de 1988 no Título
II, que trata dos direitos e garantias fundamentais e está regulamentada no Código
de Processo Penal vigente.
Importa fazer menção acerca do Habeas Corpus como um remédio
jurídico-constitucional que tem por objetivo garantir a liberdade individual de
locomoção, ou seja, ao direito de ir, vir e ficar, admitido pelo Estado Democrático de
Direito a todos os seus membros. E como a própria história de sua construção e
edificação, como instituto máximo de proteção aos direitos do homem indica, refere-
se à locomoção física, corpórea do indivíduo
Vale salientar que muitas vezes o remédio constitucional é aplicado
abusivamente em recursos com fins exclusivamente protelatórios, sem qualquer
cabimento, desvirtuando-se o habeas corpus de sua feição original, tumultuando os
processos e comprometendo sua celeridade.
Recursos jurídicos servem para evitar que o acusado seja vítima de
arbitrariedades. Mas, no Brasil, freqüentemente são usados para fim bem menos
nobre: o de perpetuar a impunidade. É preciso que aqueles que conhecem da ação
constitucional de Habeas Corpus tenham igual consciência do perigo de diminuir-se
a dignidade do instituto. Que se busque o equilíbrio e se resguarda a transparência
dos atos, garantindo a todos os direitos a que fazem jus.
Por fim, verifica-se que o Habeas Corpus tem por finalidade proteger a
liberdade de locomoção do cidadão, sendo um instrumento rápido e eficaz para
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combater o abuso ou ilegalidade que venha privar o ser humano do seu direito à
liberdade.
Com a presente monografia possamos, ao menos um pouco, contribuir
para a formação jurídica de jovens que, corações e mentes voltadas para o justo,
saem das universidades com seus sonhos de fraternidade, igualdade e justiça,
oferecendo-lhes uma razão para também se apaixonarem pelas garantias
individuais, grande marco da liberdade.
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