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VARA DA AUDITORIA DA JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL 1 HABEAS CORPUS PREVENTIVO Nº 0025614-25.2015.8.16.0013 IMPETRANTE: MIGUELÂNGELO DOS SANTOS RODRIGUES LEMOS IMPETRADO: COMANDANTE GERAL DA POLÍCIA MILITAR DO PARANÁ PACIENTE: HENRI FRANCIS TERNES DE OLIVEIRA RELATÓRIO O advogado Miguelângelo dos Santos Rodrigues Lemos impetrou Habeas Corpus preventivo com pedido de liminar em favor de Henri Francis Ternes de Oliveira, alegando, em síntese, que: 1) o paciente responde atualmente ao FATD nº 1796/2013, estando sob direta ameaça de cumprir prisão disciplinar determinada de forma ilegal; 2) foi acusado no processo disciplinar de, no curso de ato de manifestação, convidar colegas a participar de movimento de mesma natureza, em atividade que teria cunho sindical e reivindicatório; 3) a ilegalidade da punição do paciente decorreria do fato de que, a manifestação da qual participou (em prol da implementação da EC Estadual nº 29), não constitui ato ilegal, representando tão somente o assegurado direito de livre manifestação do pensamento e reunião garantido constitucionalmente; 4) a legislação pátria e, na mesma toada, o Decreto Estadual nº 9192/2010 reconhecem o direito de policiais e bombeiros militares a participarem de movimentos reivindicatórios por melhorias de vencimentos e de condições de trabalho; 5) se encontra prescrita a pretensão punitiva em razão de não ter sido respeitado prazo para processamento da acusação de suposta transgressão disciplinar em desfavor do paciente. Solicitou, em liminar, a expedição de salvo-conduto para, reconhecendo a nulidade do procedimento administrativo, impedir o cumprimento da punição disciplinar de prisão. Juntou documentos. Vieram-me os autos conclusos. Documento assinado digitalmente, conforme MP nº 2.200-2/2001, Lei nº 11.419/2006, resolução do Projudi, do TJPR/OE Validação deste em https://projudi.tjpr.jus.br/projudi/ - Identificador: PJYY2 5SKSM A2R8C TPGFD PROJUDI - Processo: 0025614-25.2015.8.16.0013 - Ref. mov. 6.1 - Assinado digitalmente por Davi Pinto de Almeida:9349, 02/10/2015: CONCEDIDO O HABEAS CORPUS. Arq: sentença

HABEAS CORPUS PREVENTIVO Nº 0025614-25.2015.8.16.0013 ... · impetrou Habeas Corpus preventivo com pedido de liminar em favor de Henri Francis Ternes de Oliveira, alegando, em síntese,

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VARA DA AUDITORIA

DA

JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL

1

HABEAS CORPUS PREVENTIVO Nº 0025614-25.2015.8.16.0013

IMPETRANTE: MIGUELÂNGELO DOS SANTOS RODRIGUES LEMOS

IMPETRADO: COMANDANTE GERAL DA POLÍCIA MILITAR DO

PARANÁ

PACIENTE: HENRI FRANCIS TERNES DE OLIVEIRA

RELATÓRIO

O advogado Miguelângelo dos Santos Rodrigues Lemos

impetrou Habeas Corpus preventivo com pedido de liminar em favor de Henri

Francis Ternes de Oliveira, alegando, em síntese, que:

1) o paciente responde atualmente ao FATD nº 1796/2013,

estando sob direta ameaça de cumprir prisão disciplinar determinada de forma

ilegal;

2) foi acusado no processo disciplinar de, no curso de ato de

manifestação, convidar colegas a participar de movimento de mesma natureza,

em atividade que teria cunho sindical e reivindicatório;

3) a ilegalidade da punição do paciente decorreria do fato de

que, a manifestação da qual participou (em prol da implementação da EC

Estadual nº 29), não constitui ato ilegal, representando tão somente o assegurado

direito de livre manifestação do pensamento e reunião garantido

constitucionalmente;

4) a legislação pátria e, na mesma toada, o Decreto Estadual

nº 9192/2010 reconhecem o direito de policiais e bombeiros militares a

participarem de movimentos reivindicatórios por melhorias de vencimentos e de

condições de trabalho;

5) se encontra prescrita a pretensão punitiva em razão de

não ter sido respeitado prazo para processamento da acusação de suposta

transgressão disciplinar em desfavor do paciente.

Solicitou, em liminar, a expedição de salvo-conduto para,

reconhecendo a nulidade do procedimento administrativo, impedir o

cumprimento da punição disciplinar de prisão. Juntou documentos.

Vieram-me os autos conclusos.

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MOTIVAÇÃO

Desnecessária a requisição de informações da autoridade

impetrada, eis que a prova documental trazida é suficiente para a análise do

mérito.

O art. 5º inciso XXXV da Constituição Federal dispõe que a

lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário, lesão ou ameaça a direito.

Por sua vez, o art. 5º LXVIII da Constituição Federal

estabelece os requisitos para a concessão do habeas corpus. CF.

CF. Art. 5º. LXVIII - conceder-se-á habeas corpus sempre que

alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou

coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso

de poder;

Cabe esclarecer, preliminarmente, que a Constituição

Federal garante aos cidadãos o direito à livre manifestação e à reunião pacífica,

conforme artigo 5°, incisos IV e XVI da Carta Magna.

Embora o militar exerça função importante de caráter

especialíssimo, regido pelos princípios da hierarquia e disciplina, não pode ter

relegado seus direitos básicos de cidadão.

O que a Constituição da República veda aos militares, a

priori, é a sindicalização e a greve (art. 142, parágrafo 3°, inciso IV), o que

difere da manifestação pacífica, ordeira e em horário de folga ou de outra

forma que não prejudique a prestação do serviço público, em busca de

direitos que julgam legítimos, como por exemplo, aqueles que objetivam

melhores e justos salários ou pagamento de diárias e indenizações.

Assim, não devem ser criados obstáculos prévios à

participação dos militares de folga em manifestações pacíficas. Também seria

inadmissível aceitar eventuais perseguições posteriores com a instauração de

procedimentos disciplinares ou criminais contra militares, pelo simples fato de

terem participado de atos públicos ordeiros.

A questão da livre manifestação do pensamento foi tratada

como um direito e garantia fundamental do indivíduo, verdadeiro tesouro para o

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exercício da cidadania e preservação da dignidade da pessoa humana (art. 1º, I e

II da CF).

O legislador constitucional consagrou algo que é da essência

de qualquer ser humano, o que seja, o livre pensar. Interpretando a contrário

senso, temos como regra geral, a repulsa da sociedade brasileira à

implementação de instrumentos de controle e censura da manifestação do

pensamento.

Etimologicamente, pensar significa avaliar o peso de

alguma coisa. Em sentido amplo, podemos dizer que o pensamento é avaliador

da realidade.

Pensar permite aos seres humanos o aperfeiçoamento de seu

mundo e a modificação de seu destino.

No célebre paralelo traçado por Platão entre realidade,

conhecimento e discurso, o pensamento é um dos modos de conhecimento

empregado pelo homem (A República). Nesta perspectiva, a alma e não o corpo

é o que há de mais precioso para o indivíduo.

Segundo Descartes (1596-1650), “a essência do homem é

pensar". Por isso dizia: "Sou uma coisa que pensa, isto é, que duvida, que

afirma, que ignora muitas, que ama, que odeia, que quer e não quer, que

também imagina e que sente. Assim, quem pensa é consciente de sua existência,

"penso, logo existo."

[A liberdade de pensamento – segundo Sampaio Dória – “é

o direito de exprimir, por qualquer forma, o que se pense em ciência, religião,

arte, ou o que for”. Trata-se de liberdade de conteúdo intelectual e supõe o

contato do indivíduo com seus semelhantes, pela qual, “o homem tenda, por

exemplo, a participar a outros sobre suas crenças, seus conhecimentos, sua

concepção do mundo, suas opiniões políticas ou religiosas, seus trabalhos

científicos”.

Nesses termos, ela se caracteriza como exteriorização do

pensamento no seu sentido mais abrangente. É que, no seu sentido interno, como

pura consciência, como pura crença, mera opinião, a liberdade de pensamento é

plenamente reconhecida, mas não cria problema maior.

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Pimenta Bueno já dizia que a “liberdade de pensamento em

si mesmo, enquanto o homem não manifesta exteriormente, enquanto o não

comunica, está fora de todo poder social, até então é do domínio somente do

próprio homem, de sua inteligência e de Deus”.

Pimenta Bueno ainda arremata que “(...)o homem porém

não vive concentrado só em seu espírito, não vive isolado, por isso mesmo que

por sua natureza é um ente social. Ele tem a viva tendência e necessidade de

expressar e trocar suas ideias e opiniões com os outros homens, de cultivar

mútuas relações, seria mesmo impossível vedar, porque fora para isso

necessário dissolver e proibir a sociedade”.1

Negar ao homem o direito de pensar, e consequentemente,

manifestar livremente o seu pensamento, constitui violência odiosa, só

imaginável nos regimes de poder mais cruéis e infames.

Felizmente, a crueldade e a infâmia da restrição ao livre

pensamento só não são maiores do que a inutilidade e ineficácia da tentativa da

restrição, eis que é do espírito humano pensar, é da natureza dos seres vivos ser

livre.

Convém lembrar que as organizações sociais, entre elas o

Estado, não constituem um fim em si mesmo.

O Estado existe para o homem e não o contrário.

O gênero humano precede todas as formas de organização

estatal. As cidades-estado da Grécia, a república e o posterior império de Roma,

os feudos, os Estados absolutistas, os comunistas, os totalitaristas, os teocráticos

fundamentalistas, os ditos democráticos de poder tripartido, todos sem exceção,

desapareceram ou desaparecerão antes que o homem deixe de pensar.

Não obstante o que já consignei nesta e em decisões

similares anteriores, é induvidoso que diante dos preceitos excepcionais que

norteiam a vida castrense, de sobremaneira a hierarquia e disciplina, é de se

admitir certa ressalva à liberdade de expressão dos militares, quando necessária

a manter os valores especialíssimos da caserna e a respeitabilidade da instituição

perante a sociedade.

1 José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28ª ed. Editores Malheiros. 2006. Pág. 241

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O direito à livre manifestação do pensamento, em hipótese

alguma, deve ser interpretado como uma “carta branca” ou autorização para o

cometimento de ilícitos penais ou administrativos.

O legislador constitucional agiu com sapiência ao vedar o

anonimato na divulgação do pensamento, providência indispensável para

assegurar a eventual prejudicado o direito de resposta proporcional ao agravo e

indenização pelo dano sofrido (art. 5º V da CF).

A indispensabilidade de apuração e punição de delitos é

decorrência lógica do comando previsto no art. 5º XXXIX da CF. Não há dúvida

que a palavra escrita ou falada pode ser instrumento hábil e eficientíssimo para a

prática de ilícitos.

É certo que o excesso agressivo da linguagem, seja em

manifestação reivindicatória ou qualquer outro lugar, não contribui para a

harmonia daqueles que vivem e integram o Estado Democrático de Direito

denominado República Federativa do Brasil (art. 1º da CF).

Como alertado alhures, nosso Estado Democrático de

Direito tem como um dos fundamentos a dignidade da pessoa humana (art. 1º III

da CF).

Devemos preservar a dignidade daquele que tem o direito de

expressar-se livremente, bem como da pessoa natural ou jurídica que venha a ser

ofendida pelo desmando do pensamento exposto. Somente com esta cautela

poderemos construir uma sociedade livre, justa e solidária, promovendo o bem

de todos (art. 3º I e IV da CF).

É perfeitamente razoável exigir do Estado que não se omita

ao ter conhecimento da prática de um ilícito derivado da manifestação do

pensamento.

Em defesa da ordem democrática, não podemos discordar

das sábias palavras do Excelentíssimo Comandante-Geral da PMPR, Coronel

QOPM Maurício Tortato, que com o brilhantismo que lhe é peculiar, nos

brindou com os seguintes ensinamentos:

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E prossegue:

Portanto, quando se pretende aferir o comportamento de um

militar que, em tese, excede os limites da liberdade de expressão, impõe-se uma

análise acuradíssima do caso em concreto, por mais trabalhosa que esta tarefa

possa apresentar-se à administração militar ou ao poder judiciário.

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Nesta análise, a balança de Themis deve operar com

precisão absoluta, sendo que a ponderação de princípios deve esclarecer quando

haverá prevalência de um em detrimento do outro.

Na hipótese em tela, infere-se que o ora paciente foi

submetido a procedimento FATD e punido.

Repassando minuciosamente o processo disciplinar – em

especial a decisão final exarada pelo Comandante-Geral – verifica-se que o

comportamento tido como ilícito pela autoridade administrativa, foi o de o

militar estadual Henri Francis Ternes de Oliveira ter participado de manifestação

em prol do subsídio, bem como, ter conclamado seus pares a participar da

mesma reinvindicação.

Transcrevo trecho da fundamentação do ato punitivo:

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Consigno que na avaliação deste magistrado, o item 103 do

anexo do RDE está em pleno vigor e coexiste com as disposições do art. 5º da

Constituição Federal.

Transgressão 103. Autorizar, promover ou tomar parte em

qualquer manifestação coletiva, seja de caráter

reivindicatório ou político, seja de crítica ou de apoio a ato

de superior hierárquico, com exceção das demonstrações íntimas

de boa e sã camaradagem e com consentimento do homenageado.

Ocorre que interpretando o tipo disciplinar à luz do art. 5º,

incisos IV e XVI da Constituição Federal, não podemos concordar que a mera

manifestação coletiva reivindicatória seja absolutamente vedada aos militares

das forças estaduais ou da união.

Imagine-se a hipótese de um militar, de forma pacífica, sem

armas e em local público, como reza a constituição, participe de reunião onde se

reivindica o fim da corrupção nos órgãos públicos ou a melhoria dos sistemas

públicos de saúde e educação.

Pergunta-se. Estaria este militar sujeito a punição

disciplinar?

Não me parece que esta tenha sido a intenção do

constituinte, ou mesmo, do legislador ordinário.

Portanto, insisto, como já aduzido anteriormente, ainda que

a linha entre o que venha a ser livre manifestação e transgressão aos valores

militares seja bastante tênue, devemos nos debruçar atentamente ao

comportamento concreto praticado pelo militar.

É certo que existem muitas situações em que a participação

em manifestação coletiva poderá, repito, poderá constituir infração disciplinar,

como por exemplo, dar-se-ia, caso o paciente tivesse concitado os pares

escalados em serviço a “cruzarem os braços”.

Todavia, com as mais sinceras escusas e respeitando os

posicionamentos diversos, não consegui concluir que a reivindicação pela

implantação de subsídio aos militares estaduais do Paraná, tenha caracterizado

ofensa aos valores e princípios castrenses.

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Principalmente, porque o próprio legislativo paranaense

reconheceu, através de emenda constitucional e da Lei Estadual nº 17169/2012,

que o sistema remuneratório dos militares estaduais seria estabelecido por meio

de subsídio.

Como todos sabem, o Chefe do Poder Executivo sancionou

a Lei Estadual nº 17169/2012, que está em vigor até os dias de hoje.

Inclusive, convém recordar que a implantação do subsídio

promoveu à época uma considerável melhoria das condições remuneratórias de

todos os militares paranaenses

Além disso, no que diz respeito ao exercício do direito do

pensamento, convém destacar que no Paraná vigora o Decreto Estadual nº

9.192/2010, que veda a instauração de processos administrativos nas hipóteses

que especifica.

Do seu artigo 1º se extrai que:

Por este ato, fica vedada a instauração de processos,

sindicâncias e quaisquer outros procedimentos análogos,

formais ou informais, de natureza disciplinar contra agentes

públicos ou empregados da Administração Pública Direta e

Indireta do Estado do Paraná em razão do exercício do direito

de pensamento, consciência, crença religiosa, convicção

filosófica ou política, expressão da atividade intelectual,

artística, científica e de comunicação, reunião, associação,

protesto, palavra, opinião, voto, crítica, testemunha,

representação, denúncia, defesa de direitos, ou contra

legalidade e abuso de poder, ainda quando eventualmente

desfavoráveis a autoridades, sem prejuízo de eventual apuração

de responsabilidade na sede judicial.

A alteração promovida pelo Decreto Estadual nº 8827/2013,

excluindo os militares, entrou em vigor apenas após a prática dos fatos

imputados ao paciente, donde razoável conceber que o militar estava amparado

pela redação original, acreditando que contra ele não seria instaurado processo

disciplinar.

Por fim, sobre a alegação de que a instauração do FATD

estaria prescrita, não assiste razão ao Impetrante.

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O Regulamento Disciplinar do Exército (RDE) ao

estabelecer prazo para solução e processamento da sindicância o faz de forma a

viabilizar que a apuração das transgressões disciplinares não dure eternamente.

O prazo do art. 12 § 6º do RDE é impróprio. Tanto é

verdade que o § 7º do mesmo artigo permite a prorrogação. Trata-se de

interregno instituído para proteção da administração pública militar e o seu

descumprimento não acarreta prejuízo direto ao suposto infrator.

Convém mencionar que o processo administrativo alcançou

sua finalidade, o que, de acordo com a jurisprudência recente do Egrégio

Tribunal de Justiça do Paraná, importa mais do que o atendimento ao prazo

previsto na lei:

APELAÇÃO CÍVEL - PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO- CONSELHO DE DISCIPLINA - PRAZO PARA CONCLUSÃO INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE - REANÁLISE DA FUNDAMENTAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO PELO PODER JUDICIÁRIO IMPOSSIBILIDADE ATO REPUTADO LEGAL, CONFORME OS PRECEITOS CONSTITUCIONAIS - RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1) O prazo previsto no Código da Polícia Militar para conclusão dos trabalhos do Conselho de Disciplina deve ser analisado com parcimônia, observando-se o princípio da razoabilidade, atendendo-se à finalidade do procedimento administrativo. 2) A análise do mérito do ato administrativo pelo Poder Judiciário é

possível somente em casos de ilegalidade do ato, o que no caso não ocorre, eis que respeitados todos os requisitos legais e constitucionais. (TJPR - 4ª C.Cível - AC 0711899-8 - Foro Central da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Des. Luís Carlos Xavier - Unânime - J. 01.02.2011)

Ainda, levando-se em conta que o autor não demonstra de

maneira nenhuma a ocorrência de qualquer prejuízo decorrente da solução

intempestiva do FATD.

Assim, não há como prosperar a pretensão anulatória

formulada na exordial, em razão do princípio da “pas de nullité sans grief”, que

condiciona a decretação de nulidade do processo administrativo à existência

evidente de prejuízo.

Nesse sentido, é pacífica a jurisprudência:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. MAGISTRADO.

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. CONCLUSÃO. PRAZO.

EXTRAPOLAÇÃO. PREJUÍZO. DEMONSTRAÇÃO. FALTA. NULIDADE.

INOCORRÊNCIA. AFASTAMENTO. DIREITO DE DEFESA. EXERCÍCIO.

DELONGA. PRORROGAÇÃO. LEGALIDADE.

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I - A extrapolação do prazo para conclusão do processo

administrativo disciplinar não acarreta a sua nulidade, se, em

razão disso, não houver qualquer prejuízo para a defesa do

acusado. Aplicação do princípio pas de nullité sans grief.

Precedentes.

II - Também não enseja a nulidade do processo administrativo

disciplinar a extrapolação do prazo de afastamento preventivo

do indiciado, considerando-se, ademais, que o art. 6º,

parágrafo único, da Resolução n.º 30/2007 do Conselho Nacional

de Justiça - CNJ, autoriza a prorrogação nas hipóteses de

delonga decorrente do exercício do direito de defesa.

Recurso ordinário desprovido. (RMS 28.968/MT, Rel. Ministro

FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 16/06/2009, DJe

03/08/2009)

(...) 3. Inexiste nulidade sem prejuízo. Se é assim no

processo penal, com maior razão no âmbito administrativo. A

recorrente teve acesso aos autos do processo administrativo

disciplinar, amplo conhecimento dos fatos investigados,

produziu as provas pertinentes e ofereceu defesa escrita, o

que afasta qualquer alegação relativa à ofensa ao devido

processo legal e à ampla defesa. Eventual nulidade no processo

administrativo exige a respectiva comprovação do prejuízo

sofrido, hipótese não configurada na espécie, sendo, pois,

aplicável o princípio pas de nullité sans grief. (...)

RMS 32.849/ES, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA,

julgado em 26/04/2011, DJe 20/05/2011)

Assim, com as mais sinceras escusas ao nobre e justo

Comandante-Geral da PMPR, concluo que a sanção disciplinar imposta ao ora

paciente deve ser considerada nula, e assim ser definitivamente arquivado o

FATD nº 1796/2013.

DISPOSITIVO

Pelo exposto, com fulcro no art. 5º LXVIII da Constituição

Federal, CONCEDO A ORDEM DE HABEAS CORPUS para determinar o

cancelamento da pena de 02 (dois) dias de prisão aplicada ao Sd. QPM

HENRI FRANCIS TERNES DE OLIVEIRA, no FATD nº 1796/2013, com

a consequente anulação do processo administrativo disciplinar destacado.

Intime-se o Comandante-Geral da Polícia Militar do Paraná

da presente decisão e para que coloque o militar, caso esteja preso, em

liberdade.

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Encaminhe-se cópia da presente decisão ao Comando do 1º

Grupamento de Bombeiros Militares do Paraná, eis que consta que o Soldado

cumprirá a penalidade no referido GBM, conforme evento 1.3. dos autos.

Intime-se o Estado do Paraná, através de seu órgão de

representação, oportunizando a interposição de recurso voluntário.

Ciência ao Ministério Público.

Intime-se o Advogado impetrante.

Caso não haja recurso voluntário, remetam-se os autos ao

Egrégio Tribunal de Justiça para reexame necessário (art. 574, I, do CPP).

Publique-se. Registre-se.

Curitiba, 2 de outubro de 2015.

DAVI PINTO DE ALMEIDA

Juiz de Direito

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02/10/2015: CONCEDIDO O HABEAS CORPUS. Arq: sentença