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Atualidades Ornitológicas, 202, março e abril de 2018 - www.ao.com.br 33 Hans Staden: testemunha ocular da utilização da Ornis pelos Tupinambás, século XVI Marco Aurélio Crozariol 1 Resumo. Apresento abaixo uma análise das passagens do texto de Hans Staden, publicado pela primeira vez em 1557, onde as Aves ou seus produtos são mencionados. Staden conviveu como prisioneiro dos índios Tupinambás no litoral brasileiro, entre os estados de São Paulo e Rio de Janeiro por quase 10 meses. Essa convivência direta possibilitou que ele pudesse fazer excelen- tes observações sobre a cultura dos indígenas, o que incluiu o uso que eles faziam da fauna. Encontrei poucas Aves citadas ao longo do texto e, na maioria das vezes, elas estavam diretamen- te associadas ao uso indígena, principalmente suas penas como ornamentos pessoais ou materiais. A espécie que mereceu maior atenção de Staden foi o guará, Eudocimus ruber, sendo ele o primeiro europeu, que temos conhecimento, a mencioná-las e descrevê-las para o Brasil. Hans Staden (Figura 1) é daqueles personagens que, embora dispense grandes apresentações, não por pouca importância, mas pela fama que adquiriu ainda mesmo em seu tempo, no século XVI, possui ainda hoje biografia praticamente desconhecida. Nasceu aproximadamente no ano de 1525 na Alemanha e fa- leceu por volta de 1576, no mesmo país. Realizou duas viagens ao Brasil, a primeira entre janeiro e setembro de 1548 quando veio em navio português e visitou o nordeste e, a segunda, em navio espanhol com destino à região do Rio da Prata, chegando ao Brasil em novembro de 1549. Em sua segunda viagem visitou algumas regiões no litoral sul e sudeste do país, até que a embarcação em que estava naufra- gou, provavelmente na região próxima de São Vicente (Straube 2002). Staden se salvou e conseguiu um trabalho para proteger o vilarejo de São Vicente dos índios Tupinambás - inimigos dos portugueses, mas amigos dos franceses - com promessa de re- compensa realizada pelo próprio Tomé de Souza. Para isso, ele foi morar em Bertioga, onde os portugueses construíram o Forte de São Felipe. E foi durante uma de suas caçadas pela região de Bertioga, próximo desse forte, que Staden foi capturado pelos Tupinambás, no ano de 1553 (Campanário 1980). Os Tupinambás, etnia com a qual teve de conviver por quase 10 meses como prisioneiro, o levaram para uma aldeia numa região a que chamavam Uwattibi, que hoje chamamos Ubatuba, e que provavelmente ficava em algum lugar próximo de onde essa cidade se situa, ou pouco mais ao norte, já no estado do Rio de Janeiro. Durante o tempo em que conviveu entre os Tupinam- bás, a despeito de constante (quase diária) ameaça de ser comido pelos indígenas, Staden pôde aprender muito dos aspectos cultu- rais dessa etnia, tendo visitado e convivido com eles em diversos trechos entre os litorais paulista e fluminense. Para sua (e nossa) sorte, Staden foi resgatado pelos franceses em outubro 1554 e retornou para a Europa, lá chegando no ano seguinte. Na Europa publicou um livro com as memórias das suas duas viagens, apenas dois anos após o seu retorno (Staden 1557 - Figura 2). Hoje, podemos considerar esse texto como um dos raros e preciosos relatos existentes sobre os costumes dos Tupinambás, principalmente, mas também de outras tribos que viviam próximas, como os Tupiniquins e Guaianás. Tendo em vista a importância dos escritos de Staden sobre o Brasil em seu primórdio, das observações da fauna e da flora e, principalmente, dos costumes dos Tupinambás que foram rapi- damente dizimados e extintos ainda no século XVII, apresento aqui uma revisão das citações realizadas por esse cronista sobre as Aves entre os indígenas do litoral do sudeste do Brasil em meados do século XVI. É bem verdade que alguns poucos autores já haviam realiza- do curtos comentários sobre a fauna mencionada nos relatos de Figura 1. Hans Staden, por Hans Just Winkelmann (1664), baseado em xilogravura.

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Atualidades Ornitológicas, 202, março e abril de 2018 - www.ao.com.br 33

Hans Staden: testemunha ocular da utilização da Ornis pelos Tupinambás, século XVI

Marco Aurélio Crozariol1

Resumo. Apresento abaixo uma análise das passagens do texto de Hans Staden, publicado pela primeira vez em 1557, onde as Aves ou seus produtos são mencionados. Staden conviveu como prisioneiro dos índios Tupinambás no litoral brasileiro, entre os estados de São Paulo e Rio de Janeiro por quase 10 meses. Essa convivência direta possibilitou que ele pudesse fazer excelen-tes observações sobre a cultura dos indígenas, o que incluiu o uso que eles faziam da fauna. Encontrei poucas Aves citadas ao longo do texto e, na maioria das vezes, elas estavam diretamen-te associadas ao uso indígena, principalmente suas penas como ornamentos pessoais ou materiais. A espécie que mereceu maior atenção de Staden foi o guará, Eudocimus ruber, sendo ele o primeiro europeu, que temos conhecimento, a mencioná-las e descrevê-las para o Brasil.

Hans Staden (Figura 1) é daqueles personagens que, embora dispense grandes apresentações, não por pouca importância, mas pela fama que adquiriu ainda mesmo em seu tempo, no século XVI, possui ainda hoje biografia praticamente desconhecida.

Nasceu aproximadamente no ano de 1525 na Alemanha e fa-leceu por volta de 1576, no mesmo país. Realizou duas viagens ao Brasil, a primeira entre janeiro e setembro de 1548 quando veio em navio português e visitou o nordeste e, a segunda, em navio espanhol com destino à região do Rio da Prata, chegando ao Brasil em novembro de 1549.

Em sua segunda viagem visitou algumas regiões no litoral sul e sudeste do país, até que a embarcação em que estava naufra-gou, provavelmente na região próxima de São Vicente (Straube 2002). Staden se salvou e conseguiu um trabalho para proteger o vilarejo de São Vicente dos índios Tupinambás - inimigos dos portugueses, mas amigos dos franceses - com promessa de re-compensa realizada pelo próprio Tomé de Souza. Para isso, ele foi morar em Bertioga, onde os portugueses construíram o Forte de São Felipe. E foi durante uma de suas caçadas pela região de Bertioga, próximo desse forte, que Staden foi capturado pelos Tupinambás, no ano de 1553 (Campanário 1980).

Os Tupinambás, etnia com a qual teve de conviver por quase 10 meses como prisioneiro, o levaram para uma aldeia numa região a que chamavam Uwattibi, que hoje chamamos Ubatuba, e que provavelmente ficava em algum lugar próximo de onde essa cidade se situa, ou pouco mais ao norte, já no estado do Rio de Janeiro. Durante o tempo em que conviveu entre os Tupinam-bás, a despeito de constante (quase diária) ameaça de ser comido pelos indígenas, Staden pôde aprender muito dos aspectos cultu-

rais dessa etnia, tendo visitado e convivido com eles em diversos trechos entre os litorais paulista e fluminense.

Para sua (e nossa) sorte, Staden foi resgatado pelos franceses em outubro 1554 e retornou para a Europa, lá chegando no ano seguinte. Na Europa publicou um livro com as memórias das suas duas viagens, apenas dois anos após o seu retorno (Staden 1557 - Figura 2). Hoje, podemos considerar esse texto como um dos raros e preciosos relatos existentes sobre os costumes dos Tupinambás, principalmente, mas também de outras tribos que viviam próximas, como os Tupiniquins e Guaianás.

Tendo em vista a importância dos escritos de Staden sobre o Brasil em seu primórdio, das observações da fauna e da flora e, principalmente, dos costumes dos Tupinambás que foram rapi-damente dizimados e extintos ainda no século XVII, apresento aqui uma revisão das citações realizadas por esse cronista sobre as Aves entre os indígenas do litoral do sudeste do Brasil em meados do século XVI.

É bem verdade que alguns poucos autores já haviam realiza-do curtos comentários sobre a fauna mencionada nos relatos de

Figura 1. Hans Staden, por Hans Just Winkelmann (1664), baseado em xilogravura.

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Staden (e.g. Pinto 1979, Campanário 1980, Nomura 1996, Papa-vero & Teixeira 2007, Engels 2009, Straube 2011). Porém, após ter encontrado algumas inconsistências, ausências de menções e, ao mesmo tempo, pouca atenção dada às suas observações ornitológicas, seja na literatura zoológica ou mesmo antropoló-gica (ao menos no que diz respeito às artes plumárias e corretas identificações das espécies), decidi preparar este trabalho.

Para isso, revisei e comparei várias das diversas versões dis-poníveis em português (Staden 1892, 1900, 1930, 1942, 2000) e uma em alemão para consulta de algumas palavras (Staden 1941), sobre sua viagem, identificando nelas as passagens onde as Aves, ou seus produtos, são mencionados. O objetivo aqui não foi fazer uma comparação minuciosa e geral das distintas tradu-ções disponíveis em português, mas uma análise dos comentá-rios realizados pelos tradutores/editores e determinados sentidos utilizados nas frases que poderiam gerar informações dúbias ou errôneas; isso tudo, especificamente nos trechos sobre aves, como acima proposto. Também são indicadas sugestões das pos-síveis espécies citadas e comparações com outras já propostas. As análises das xilogravuras foram realizadas com base em uma versão digitalizada do livro original, disponível on-line (https://archive.org/details/warhaftigehistor00stad). Apenas uma ima-gem (Figura 9) foi retirada de outra versão, pois essa página está ausente na anterior (https://archive.org/details/staden).

ResultadosApresento abaixo, individualmente, seguindo a grafia origi-

nal de Staden (1557), as passagens sobre as Aves mencionadas ao longo do texto, acompanhadas dos comentários e discussões pertinentes.

Alkatrases

“Saímos, pois, do forte de Inbiassape que se acha no gráu 28, ao sul do Equinoxio, e chagámos cerca de dois dias depois da nossa partida a uma ilha chamada Alkatra-ses, mais ou menos a 40 milhas do logar onde saímos. Ali o vento se tornou contrario e nos obrigou a ancorar. Na ilha havia muitos pássaros maritimos chamados Alkatra-ses que são faceis de apanhar. Era tempo da incubação. Desembarcámos, para procurar agua potavel e encontrá-mos cabanas velhas e cacos de panellas dos selvagens, que lá tinham morado. Também achámos umas pequenas fontes na rocha. Ali matámos muitos daquelles passaros e lhe levámos os ovos para bordo, onde os cozinhámos.”

(Staden 1930; Livro I, Cap. 12, p. 50-51)

ou

“Deixamos o porto de Imbeaçã-pe, que fica a 28 graus e meio de latitude sul, e alcançamos, depois de dois dias pou-co mais ou menos e de uma viagem de cerca de 40 milhas, uma ilha, a dos Alcatrazes. Aí precisamos ancorar, porque recebíamos vento contrário. Na ilha havia muitas gaivo-tas marinhas, chamadas alcatrazes. Como era tempo de sua proceação, era fácil matá-las. Fomos a terra e na ilha demos busca à procura de água doce; encontramos ocas abandonadas, cacos de potes de índios que haviam outrora habitado esta ilha, descobrindo tambem uma pequena fonte numa rocha. Matamos então muitas gaivotas, trouxemos tambem ovos a bordo e cozinhamos aves e ovos.”

(Staden 1942; Livro I, Cap. 12, p. 67-68)

O trecho acima constitui a primeira referência de interesse ornitológico realizada por Staden, em sua grafia original Alka-trases. E, ao menos até onde se pôde encontrar, só foi alertado recentemente por Straube (2011), tendo passado despercebido por outros estudiosos da fauna nos relatos antigos (Pinto 1979, Nomura 1996, Papavero & Teixeira 2007).

O primeiro problema a resolver é a possível localidade da “Ilha dos Alcatrazes”. Existe no estado de São Paulo um arquipélago chamado “Alcatrazes” (24°06’03”S, 45°41’25”W), onde uma grande colônia de aves marinhas se reproduz. Um censo realiza-do por Muscat et al. (2014) obteve uma contagem com cerca de 1000 Larus dominicanus Lichtenstein, 1823, gaivotão, 3000 Sula leucogaster (Boddaert, 1783), atobá e 7000 Fregata magnificens Mathews, 1914, tesourão ou fragata, esta última com mais ou me-nos 2500 ninhos. O emprego do mesmo nome somado à utilização da ilha como área reprodutiva de aves marinhas, poderia facil-mente sugerir que Staden estivesse se referindo a essa localidade, fato que parece ter ocorrido quando Theodoro Sampaio comentou (vide nota 32 em Staden 1900): “(...Alkatrazes...) Ilha dos Alca-trazes fronteira á costa de S. Vicente e Santo Amaro.”. No entanto, esse mesmo trecho foi melhorado pelo próprio T. Sampaio, tam-bém em nota, na versão seguinte (Staden 1930: 51):

“(30) A ilha dos Alkatrazes, a actual, fica fronteira quasi à ilha de São Vicente. O autor [Hans Staden], po-rém, refere-se aqui a outra ilha muito mais ao sul, dis-tante cerca de 40 milhas do porto donde partira a nau, que ficava a 28° latitude sul, e S. Vicente lhe ficava a 70.

Figura 2. Frontispício da primeira edição do livro de Hans Staden (1557).

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Guardada a devida proporção para as milhas allemãs, essa ilha dos Alcatrazes pode ser algum dos ilhéos a al-tura de barra de Paranaguá.”

Realmente não nos parece fazer sentido a atual região de Alca-trazes ser a mesma mencionada por Staden. Primeiro, por estar a quase 50 km depois de São Vicente (que era o destino da tropa) para quem segue pelo litoral, vindo do sul do país; segundo, que ela está a mais de 30 km do continente, não concordando com o costume dos indígenas, que “Não remam mais que duas milhas mar afóra, mas ao longo da costa viajam longe” (Staden 1942). As milhas de Staden equivaleriam a aproximadamente 7,4 km (Staden 1942: 57), de forma que os indígenas não deveriam ir, normalmente, mais longe da terra do que 15 km.

Staden menciona que a localização dessa ilha está a cerca de 40 milhas de “Imbeaçã-pe”, atual cidade de Laguna, em SC. Isso daria cerca de 300 km, coincidindo realmente com as proximi-dades da Baia do Paranaguá, PR, conforme vimos acima. Strau-be (2011: 63), realizando essas mesmas medições e apresentan-do ótimos argumentos, que incluem a presença de colônias de aves marinhas como F. magnificens e S. leucogaster, indica que:

“Essa distância confere absolutamente, e com indiscu-tível precisão, ao Arquipélago dos Currais (25°44’11”S e 48°21’54”W), formação insular pedregosa, distancia-da a pouco mais de 10 km da linha de costa paranaense e pertencente ao município de Pontal do Paraná.”

Discutida a localização de Alkatrases, nos resta agora aventar sobre a provável espécie de ave que deu nome à ilha. Nomes não científicos, quando não vêm acompanhados de alguma des-crição do animal (ou planta) em questão, torna qualquer tipo de identificação apenas uma “sugestão”, muitas vezes até infelizes.

Ricardo Krul (2004: 41) menciona que:

“No litoral centro/sul está localizado o Arquipélago de Currais, que representa o principal ponto de reprodução de aves marinhas no litoral do Paraná. Neste arquipélago se reproduzem quatro espécies de aves marinhas e mais dois Ciconiiformes de hábitos coloniais, que são: o atobá, Sula leucogaster, o tesoureiro, Fregata magnificens, a gaivota, Larus dominicanus, a andorinha-do-mar-de-bico-verme-lho, Sterna hirundinacea, e ainda o socó, Nycticorax nycti-corax, e a garça-branca-grande, Casmerodius albus.”

Sabendo que, tanto S. leucogaster quanto F. magnificens se reproduzem durante o ano todo na área e em abundância (Krul 2004), não podemos descartar que Staden e, possivelmente, muitos outros que por ali passaram ou enfrentavam o oceano de modo geral, tenham utilizado o nome “alcatraz” de forma deliberada para várias espécies de aves marinhas.

Após interessante resgate etimológico, que por isso não nos estenderemos mais aqui e indicamos a consulta do referido tra-balho para mais informações, Straube (2011) acata que Staden tenha aplicado o nome “alcatraz” ao atobá, S. leucogaster. De fato os pontos de distribuição dos ninhos dessa espécie no arqui-pélago facilitam a chegada dos humanos até eles (Krul 2004). Porém, Straube admite que “O termo ‘alcatraz’, no Brasil, alude tanto à primeira quanto à segunda espécie” e completa “mas, em Portugal, refere-se apenas aos representantes da família Su-

lidae” (Straube 2011: 64).Ihering (1968: 81) no seu famoso “Dicionário dos animais

do Brasil” cita: “ALCATRAZ - ou “tesoura” ou “grapira”, ou, no Rio de Janeiro, “joão-grande”. Ave oceânica da fam. Frega-tídeos, Fregata aquila [= F. magnificens]...”. Vale ainda men-cionar que Oviedo (1526) indicava que o nome “Alcatraz” era também aplicado para o pelicano-pardo Pelecanus occidentalis Linnaeus, 1766.

A que ponto na história a palavra “alcatraz” deixou de ser usa-da (ou continuou?) para Sulidae e passou a ser (ou já era?) usa-da para Fregatidae e/ou Pelecanidae? E mesmo que consigamos resgatar isso, como poderemos ter certeza da correta identifica-ção feita por Staden (ou dos seus colegas na embarcação), que não menciona nenhuma característica da ave ou de seus ovos?

Entre as tantas dúvidas, talvez nunca solucionáveis, achei me-lhor não propor que Staden tenha visto essa ou aquela espécie. E, ainda assim podendo errar, sugiro que ele possa ter, não só observado como também indicado o mesmo nome para as duas espécies de aves marinhas mais abundantes no local: F. magnifi-cens e S. leucogaster.

Uwara e Uwara PirangeLogo após ter sido capturado pelos Tupinambás, Staden relata:

“Perto da ilha, onde os Indios me tinham apreendido, está uma ilhota, onde as aves marinhas põem os seos ovos. Esta especie xama-se guará; tem as penas escar-lates. Os selvagens perguntaram-me, si os Tupinikins já tinham ahi estado este anno, e si tinham colhido os óvos durante a postura. Respondi, que sim; mas eles quize-ram certificar-se, pois apreciam muito as penas d’esses passaros. Quando os guarás são novos, as primeiras penas são alvadias; as que vêem depois são escuras, e emfim ao cabo de um anno tornam-se vermelhas como escarlate. Os Indios dirigiram-se pois para essa ilhota na esperança de apanhar aves;”

(Staden 1892; Livro I, Cap. 19, p. 289)

ou

“Ao pé da ilha, na qual fui aprisionado, ha uma outra ilha pequena, onde se aninham uns passaros maritimos de nome Uwara, que tem pennas vermelhas. Pergun-taram-me os indios si os seus inimigos Tuppin Ikins ti-nham estado lá este anno, para apanharem os passaros e os filhotes. Disse-les que sim, mas quizeram ver elles mesmos, pois estimam muito as pennas daquelles pas-saros, porque todos os seus enfeites são geralmente de pennas. A particularidade deste passaro é que suas pri-meiras pennas são pardacentas, ficando pretas quando começam a voar, tornando-se depois encarnadas, como tinta vermelha. Fôram então para a ilha, pensando en-contrar ahi os passaros.”

(Staden 1930; Livro I, Cap. 19, p. 62)

ou ainda

“Perto da ilha de Santo Amaro fica uma pequena ilha na qual fazem seus ninhos pássaros aquático de pluma-

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gem vermelha, chamados guarás ou garças. Os índios me perguntaram se os seus inimigos, os tupiniquins, já aí haviam estado nêsse ano, e se tinham apanhado pássa-ros, quando com seus filhotes. Disse que sim, mas apesar disso quiseram verificar, pois estimavam muito as penas destas aves. Todo seu ornato, como se sabe, era em geral confeccionado de penas. Os guarás novos têm a princí-pio penas branco-acinzentadas; depois quando já podem vôar, cinzento-escuras. Com esta plumagem permane-cem mais ou menos um ano, até que afinal se tornam tão vermelhos como a púrpura. Os índio dirigiram-se então para a ilha, esperando aí encontrar pássaros.”

(Staden 1942; Livro I, Cap. 19, p. 82)

Além desse relato encontrado no Livro I, Staden dedica um capítulo no Livro II exclusivamente para falar das Aves. Porém, esse breve capítulo basicamente menciona e repete as informa-ções acima já transcritas:

“CAPITULO XXXIIIDas aves do paiz

As aves d’essas regiões não são menos extraordinarias.Existe uma especie xamada guarápiranga, a qual ni-

difica em um roxedo perto do mar, onde axa alimento; é do tamanho de uma galinha; o bico é mui comprido, e as pernas são como as da garça, embora menos longas.

As primeiras penas d’esta ave são esbranquiçádas; cahidas estas, nacem pardas, e finalmente no termo de um anno a ave torna-se vermelha escarlata. As suas pe-nas são mui etimadas pelos selvagens.”

(Staden 1892; Livro II, Cap. 33, p. 356)

ou

“CAPITULO XXXVHa tambem muitos passaros singulares ali. Uma es-

pecie chamada Uwara Pirange tem seus pastos perto do mar e se aninha nas rochas, junto a terra. Tem o tama-nho de uma galinha, bico comprido e pernas como as da garça, mas não tão compridas. As primeiras pennas que sáem nos filhotes são pardacentas e com ellas vôam um anno; mudam então essas pennas e todo o passaro fica tão vermelho quanto possivel, e assim persiste. As suas pennas são muito estimadas pelos selvagens.”

(Staden 1930; Livro II, Cap. 35, p. 175)

ou ainda

“CAPÍTULO 36Dos pássaros da terra.

Tambem lá vivem muitos pássaros estranhos. Uma espécie, chamada guará-piranga, tem seu comedouro no mar, e nidifica nos recifes vizinhos da terra. É apro-ximadamente do tamanho de uma galinha, tem o bico longo e pernas como a garça, mas não tão compridas. O guará-piranga tem uma particularidade: as primeiras penas, que crescem nos filhotes, são cinza-claro. Quan-do já podem voar, são cinzento-escuro. Assim voam, ao que se sabe, durante um ano. Então mudam as penas, e todo o pássaro se torna tão rubro como a côr vermelha

máxima pode ser. E assim fica. Suas penas são muito apreciadas pelos selvagens.”

(Staden 1942; Livro II, Cap. 36, p. 194)

Como podemos perceber, Staden utilizou dois nomes para a mesma espécie e, nesse caso não temos dúvidas, pois as descri-ções de plumagem e comportamento são as mesmas: Uwara e Uwara Pirange.

A origem etimológica da palavra “guará” é das mais complexas e aqui não entraremos em detalhes, pois especialistas já o fize-ram (e.g.. Ihering 1968, Straube 1999), bem como interessantes compilações de citações dessa espécie em textos estão disponíveis (e.g.. Cunha 1978: 138-139 e anexo 1 em Straube 1999).

A espécie em questão trata-se do bem conhecido Eudocimus ruber (Linnaeus, 1758), que felizmente mantém até hoje o mes-mo nome dado pelos nativos sul-americanos, guará. Não é de estranhar que os primeiros cronistas do Brasil, alguns logo na sequência de Staden (Anchieta 1560, Gandavo 1576, Cardim 1584, etc.), tenham também relatado o guará. Essa espécie não apenas é linda aos olhos de quem a vê como era de grande im-portância aos usos indígenas, que utilizavam a sua plumagem. Mais adiante veremos sobre a importância das penas para os Tu-pinambás, segundo observações de Staden.

O guará, atualmente considerado como “Em Perigo” de extin-ção no estado de São Paulo (Silveira et al. 2009), desapareceu por completo de registros nos finais do séc. XVI até ser nova-mente comprovado em 1961 (Olmos & Silva e Silva 2003) e seu reaparecimento só foi anunciado no meio acadêmico em 1987 (Bokermann & Guix 1987). Mais informações sobre o histórico da espécie no estado de São Paulo pode ser lido em Olmos & Silva e Silva (2003), que encontraram cerca de 500 exemplares na região dos manguezais de Santos-Cubatão e, posteriormente, mais de 700 em um dormitório por volta do ano de 2009 (Silveira et al. 2009). Se foram aves remanescentes do séc. XVI, se chegaram ali fazendo uma recolonização ou, ainda, se foram introduzidas, é uma incógnita (Olmos & Silva e Silva 2003: 162), ainda que atu-almente existam trabalhos buscando essa resposta, sem grandes resultados conclusivos (Santos et al. 2006, Gonçalves et al. 2010).

Bem verdade é que os portugueses muito se interessaram também pela plumagem do guará. Tanto que existem registros claros, do final do século XVIII, solicitando remessas das peles dessas aves para serem enviadas da “Casa dos Pássaros”, no Rio de Janeiro, para o Real Museu da Ajuda, em Portugal, prova-velmente provenientes de Santa Catarina (Papavero & Teixeira 2013). Nesse estado, aliás, a espécie foi considerada extinta e só foi registrada novamente se reproduzindo há poucos anos (Fink & Cremer 2015).

A solicitação do Museu da Ajuda, em 1791, dizia:

“Deve ter sempre dous soldados na caçada dos guarás, os quaes devem dar conta no fim de cada oito dias, e não consentirá que no verão matem os filhos que ainda não estão bem empennados e tem as pennas negras; devem só matar os que as tem todas vermelhas; e pelo inverno (que quando ha mais e com a cor perfeita) deve occupar mais um soldado n’essa diligencia. As sobreditas pelles devem ser penduradas em uma corda separadas umas das outras, e expostas à ventilação do ar, que lhes faz be-neficio, além de se pôrem ao sol de dous em dous dias.”

(Papavero & Teixeira 2013)

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Informação ainda mais preciosa nos é dada por Staden com re-lação aos hábitos reprodutivos do guará. A localização do ninhal, no entanto, é um pouco quanto confusa, ao menos nas traduções. Acreditamos que, na primeira passagem, quando Staden (1942) menciona “uma pequena ilha na qual fazem seus ninhos”, esta seja uma ilha de manguezal, comum para a espécie não apenas na região (e.g.. Olmos 2003) como em outros locais do Brasil (e.g. Rodrigues 1995), ao invés de uma ilha oceânica. Esse local deveria ser nas proximidades do forte de Bertioga (onde Staden trabalhava), talvez no próprio canal de Bertioga, entre os municípios de Santos, Ber-tioga e Guarujá. Olmos & Silva e Silva (2003: 156) sugerem que:

“Uma pequena ilha situada ao norte do Guarujá é até hoje conhecida como Ilha dos Guarás, e talvez seja a mesma que os Tupinambás e Tupiniquins visitavam para caçar os pássaros vermelhos, quatro séculos atrás.”

O verdadeiro problema, porém, se encontra na segunda passa-gem sobre os guarás, no capítulo dedicado às aves.

Tristão Araripe (Staden 1892) traduz que “nidifica em um ro-xedo perto do mar”, Theodoro Sampaio (Staden 1930) que “se aninha nas rochas, junto a terra” e, por fim, Guiomar Franco (Staden 1942) que “nidifica nos recifes vizinhos da terra”. Essa informação não procede, pois os ninhos de guará são reconheci-damente construídos sobre arbustos (Rodrigues 1995, Olmos & Silva e Silva 2001, 2003, Matheu et al. 2017).

Ainda sobre essa primeira passagem sobre os guarás, nos pa-

rece que apenas a tradução de 1942 apresenta melhor sentido. A versão de 1892 menciona sobre colher os ovos durante a postu-ra, a de 1930 sobre apanharem tanto os adultos quanto os filhotes e, por fim, a de 1942 se haviam os tupiniquins “apanhado pássa-ros, quando com seus filhotes”.

Campanário (1980: 58), discutindo sobre esse caso, parece cometer um erro, provavelmente induzido pelas traduções con-fusas nesse trecho, quando menciona:

“Deste modo eles [os tupinambás] poderiam abater as aves adultas e, ao mesmo tempo, levar muitos filhotes que, posteriormente, seriam criados em cativeiro, até que atingissem a fase em que as suas penas se tornam vermelhas e, portanto, aptas para vários ornamentos.”

Até onde sabemos os tupinambás não possuíam guarás como xe-rimbabo [embora Eurico Santos (1990: 77) comente que “valendo--se do testemunho de antigos exploradores e cientistas, asseveram que os tupinambás chegavam a manter guarás em domesticidade”] nem temos relatos do consumo dos seus ovos. Apenas as penas das aves adultas parecem ter realmente interessado para eles. Além do mais, a criação de guarás em cativeiro não seria facilitada devido ao tipo de alimento que depende (vide Olmos & Silva e Silva 2003 e Matheu et al. 2017). Em cativeiro a espécie tende a apresentar as penas com cores esmaecidas (obs. pess.), pois as obtém através da alimentação e, provavelmente, não poderiam ter entre os índios tais alimentos a não ser em estado selvagem.

Figura 3. Ontogenia do guará, Eudocimus ruber. A: filhote com cerca de 7 dias; B: filhote com aproximadamente 1 mês; C: jovem com cerca de 4 meses; D: sub-adulto com aproximadamente 1 ano; E: macho adulto em período reprodutivo. Imagens: Robson Silva e Silva.

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Finalmente, quanto à descrição da plumagem entre ninhegos, jovens e adultos, apresentada tanto na primeira parte ao longo do texto quanto no capítulo dedicado as Aves, provavelmente Staden aprendeu isso com os índios.

Campanário (1980: 58) menciona que Staden foi capturado em meados de janeiro, condizendo com o período onde filhotes ainda podem ser encontrados nos ninhos (Olmos & Silva e Silva 2003). Porém, as mudanças de plumagem, embora quase cor-reta, não está completamente exata, pois os ninhegos tendem a ser mais escuros do que os jovens que abandonaram os ninhos. Dependendo, no entanto, da fase que esses ninhegos estão no de-senvolvimento, suas plumas pretas são cobertas por outras mais claras, sendo assim o ninhego mais desenvolvido é mais claro do que o recém-nascido. Ainda assim, os jovens fora do ninho são mais claros do que os ninhegos, apresentando, inclusive, o ventre branco (Olmos & Silva e Silva 2003: 174-179).

Fato também interessante é que Staden indica que com cerca de um ano os guarás permanecem com a plumagem cinzenta e só então adquirem a coloração avermelhada. Nos manguezais de Santos-Cu-batão Olmos & Silva e Silva (2003) indicam que as penas vermelhas iniciam seu aparecimento, exatamente, com cerca de um ano de ida-de, ficando totalmente vermelhos com 22 ou 24 meses (Figura 3).

Não aceitamos como corretas as identificações de Uwara como sendo um colhereiro Platalea ajaja Linnaeus, 1758 (Sta-den 1900), ou uma simples “garça”, como mencionado em Sta-den (1942). O mesmo erro acontece com os flamingos (Phoeni-copteridae), que podem por vezes serem chamados de guarás em “algumas obras lexicográficas” (Straube 1999).

Analisando todas as imagens apresentadas por Staden, notamos que duas delas, provavelmente não por coincidência, aparecem justamente no momento em que se aproximavam do ninhal dos guarás, quando Staden havia a pouco sido aprisionado e estava na canoa dos Tupinambás (Figura 4). Os desenhos mostram aves com o bico e as pernas igualmente longas, tal como Staden descre-ve os guarás no texto. Assim, me encorajo a sugerir, por mais que as imagens sejam toscas e apenas alusivas, que estas iconografias

representam os guarás na região de São Vicente, SP. Campanário (1980) e Olmos & Silva e Silva (2003) já haviam também levanta-do essa hipótese, bem como Metcalf (2009) indica que essa inser-ção das aves na figura auxilia o leitor a entender a temporalidade do acontecimento com a história narrada. As outras imagens onde aves estão representadas serão discutidas mais adiante.

Staden, até onde sabemos, foi a primeira pessoa a relatar o guará para o Brasil.

EnduapEnduap (Figura 5), ou Enduape como grafam alguns autores,

segundo descreve Staden, era um acessório utilizado pelos tupi-

Figura 4. Guarás nas xilogravuras de Staden (1557). A) canto inferior; B) canto direito.

Figura 5. Enduape ou Enduap, feito com penas de Rhea americana.

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nambás em algumas atividades importantes, ligadas basicamen-te à guerra e aos rituais de antropofagia (vide também, Figuras 6 e 7). Esse ornato é de interesse aqui, visto que eram feitos com penas de ema, Rhea americana (Linnaeus, 1758):

“Fazem de penas de avestruz uma especie de ornato de forma redonda, que atam nos quadris, quando vão á guerra, ou a alguma festa solene; a este enfeite xamam enduape.”

(Staden 1892; Livro II, Cap. 15, p. 342)

ou

“Usam elles mais um enfeite de pennas de avestruz, enfeite grande e redondo, que amarram na parte de tráz, quando vão á guerra contra os seus inimigos, ou fazem alguma festa. Chama-se Enduap.”

(Staden 1930; Livro II, Cap. 15, p. 149)

ou ainda

“Além disso usam um ornato, feito com plumas de ema, que é uma cousa grande e redonda, que amarram às cadeiras, quando marcham para a guerra contra o seu inimigo, ou quando têm uma festa. Chama-se enduape.”

(Staden 1942; Cap. 16, p. 169)

Precisamos lembrar aqui que Staden foi capturado e permane-ceu na região litorânea, entre São Paulo e Rio de Janeiro. Essa região, tanto nas partes mais altas da Serra do Mar como nas baixadas, eram quase que totalmente cobertas por matas. Sendo assim, o ambiente não apoiaria a ocorrência de emas na região, conhecidamente uma espécie que habita áreas abertas, em espe-cial o Cerrado, mas igualmente a Caatinga e os Pampas.

Também no século XVI, Gandavo (1576) mencionava que os exemplares dessa espécie “nunca andam, senam em campinas onde se achem desempedidas de matos e arvoredos” e Cardim (1584) completa “Nesta terra ha muitas Emas, mas não andão senão pelo sertão dentro.”.

Então, como poderiam os tupinambás obter as penas dessas aves? A resposta pode ser amparada por um precioso relato de Jean de Léry (1578 [1926]: 74-75):

“Utilizam-se tambem no vestuario de pennas de aves-truz, obtidas das tribus visinhas, o que indica existirem no paiz essas grandes aves que não cheguei a ver. São plumas pardas que elles ligam pela haste central, deixando soltas as pontas, as quaes se encurvam como rosas, formando um grande pennacho de nome arasoiá. Usam-no á cinta, atado por cordel, e quando assim se adornam direis que trazem na cintura uma capoeira de frangos.”

Staden descreve o arasoiá (com algumas variações de escrita)

como sendo outro tipo de adorno, também feito de penas, utili-zado pelos tupinambás, como falaremos mais adiante. Aqui, no entanto, a informação mais chamativa para o que estamos ana-lisando está exatamente no fato dessas penas serem adquiridas por troca com as tribos indígenas vizinhas. Sem dúvidas isso faz bastante sentido, já que algumas tribos do interior teriam contato com os ambientes de paisagem aberta do Cerrado.

Para finalizar, vejamos o que nos deixa relatado o padre Ivo D’Evreux (1874:22) após ter questionado sobre o uso desse utensílio entre as tribos indígenas do nordeste brasileiro:

“Quiz saber por intermedio do meu interprete porque

traziam sobre os rins estas pennas de ema: responde-ram-me, que seos paes lhes deixaram este costume para ensinar-lhes como deviam proceder na guerra, imitando a ema, pois quando ella se sente mais forte ataca atre-vidamente o seo perseguidor, e quando mais fraca abre suas azas, despede o vôo e arremessa com os pés areia e pedras sobre seos inimigos: assim devemos fazer, accres-centavam elles.”

Figura 6. Indígena da direita com Enduape amarrado na cintura e Kanittare na cabeça. O da esquerda segura o Iwera Pemme. É provável que as marcações feitas nos

corpos dos indígenas na xilogravura sejam penas coladas.

Figura 7. Indígena com Enduape apontando para Hans Staden, amarrado. No canto superior estão presentes dois Psittacídae em voo.

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Staden não forneceu o nome utilizado pelos indígenas para a ema, escrevendo em alemão “Straußfeddern” = penas de aves-truz (vide Staden 1941).

MackukawaStaden, mais uma vez, não menciona diretamente essa ave,

mas apenas a utilização de seus ovos para enfeitar a arma (ou material de sacrifício), chamada Iwera Pemme (traduzidos como Ibirapema, iverapeme e ibira-pema; um tipo de tacape) que era utilizada para sacrificar o inimigo a ser comido.

“Na vespera do día, em que começam a beber, amar-ram no pescoço do prizioneiro a corda xamada mussura-na, e pintam a clava xamada iverapeme, com a qual deve ser morto. Esfregam esta clava com certa materia gluti-noza; tomam depois cascas de ovos de uma ave xamada macuco, os quaes são pardacentos, os reduzem a pó, e com este pó salpicam a clava. Vem depois uma mulher raspar o pó, e emquanto entrega-se a essa ocupação, as companheiras cantam em redor da oficiante.

Quando a iverapeme está preparada e enfeitada com frócos de pena, a dependuram em uma cabana dezabi-tada, e cantam nas proximidades durante toda a noite.”

(Staden 1892; Livro II, Cap. 28, p. 352).

ou

“Dias antes de começarem beber, amarram a mussurana ao pescoço do prisioneiro. No mesmo dia, pintam e enfeitam o bastão chamado Iwera Pemme, com que o matam [...].

Tem este mais de uma braça de cumprido e o untam com uma substancia que gruda. Tomam então cascas pardas de ovos de um passaro chamado Mackukawa, e moem--nas até reduzil-as a pó, que esfregam no bastão. Uma mulher então risca figuras nesso pó adherente ao bastão, e emquanto ella desenha, as mulheres todas cantam ao redor. Uma vez promto o Iwera Pemme com os enfeites de pennas e outras preparações, penduram-no em uma ca-bana desoccupada e cantam ao redor delle toda a noite.

Do mesmo modo pintam a cara do prisioneiro, e emquan-to uma das mulheres o está pintando, as outras cantam.”

(Staden 1930; Livro II, Cap. 28, p. 162).

ou ainda

“No dia, véspera de começarem a beber, amarram a mussurana em torno do pescoço do prisioneiro e pintam a ibirapema com que o pretendem matar. [...] Tem mais de uma braça de longo. Os selvagens a untam com uma substância grudenta. Tomam então cascas de ovo dum pássaro, o macuguá, que são cinzentas, reduzem-nas a pó, e espalham isto sobre o tacape. Depois se assenta uma mulher e garatuja nesta poeira de cascas de ovo, que está grudada. Enquanto ela desenha, rodeiam-na, cantando, muitas mulheres. [...]

Do mesmo modo pintam o rosto do prisioneiro, e en-quanto uma mulher o pinta, cantam as outras.”

(Staden 1942; Livro II, Cap. 29, p. 179-180). Corretamente traduzido em Staden (1892), essa espécie trata-

-se do macuco Tinamus solitarius (Vieillot, 1819). Outros au-tores quinhentistas europeus descreveram o Mackukawa, uma coletânea das variações na grafia utilizada por eles pode ser vista em Papavero & Teixeira (2014).

Staden indica que os ovos do Mackukawa eram “pardos” ou “cinzentos”. Sabemos que os ovos frescos do macuco são de cor muito bonita (Figura 8A), verde-azulado ou turquesa (Cabot et al. 2017). Essa cor, aliás, é descrita corretamente, por exemplo, por Gabriel Soares de Sousa (1587 [1879]: 207) e pelo padre D’Abbeville (1874).

É possível que Staden tenha visto o ovo já moído e, portanto, com as cores alteradas pelo processo de trituração e mistura com a colo-ração branca da parte interna da casca. Uma segunda hipótese é que os tupinambás estocassem esse pó por longo tempo; sabendo que o macuco nidifica apenas alguns meses do ano (por volta de outubro e janeiro), esses ovos deveriam aos poucos ir perdendo a coloração, tal como acontece com os ovos da espécie em coleções. Fotografei, para o leitor comprovar, dois ovos antigos presentes na coleção do Laboratório de Ornitologia do Museu Nacional/UFRJ (Figura 8B).

Figura 8. A) Ninho com ovos frescos de Tinamus solitarius, Joinville/SC, 26 de outubro de 2014, Luciano Moraes. B) ovos de T. solitarius desbotados com o tempo; coleção do Setor de Ornitologia do Museu Nacional/UFRJ.

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Carvalho (1999) indica que o Mackukawa seja o Falconidae acauã Herpetotheres cachinnans (Linnaeus, 1758). Indicação que não posso concordar, visto que alguns autores do mesmo período descreveram relativamente bem a morfologia e compor-tamento da espécie (e.g. de revisão em: Cunha 1978 e Papavero & Teixeira 2014). Tendo Carvalho (1999) considerado o acauã, muitas de suas discussões sobre a utilização do ovo da espécie nos rituais antropofágicos devem ser consideradas inverídicas, além do mais, o autor menciona que o acauã “cuja distribuição hoje se limita à Amazônia e ao Brasil Central (Magalhães, 1939: 134), mas que, como se vê no relato de Hans Staden, existia tam-bém no litoral atlântico mais para o sul.”. Na realidade parece ter acontecido o contrário, pois na Mata Atlântica do sudeste do Brasil essa espécie deve ter chegado apenas por volta da década de 1940 (vide Sick 1997: 263), hoje ocorrendo em todo território nacional.

Staden, até onde sabemos, foi a primeira pessoa a mencionar o macuco, mesmo que indiretamente, para o Brasil. Podemos encontrar algumas xilogravuras onde o Iwera Pemme está pre-sente: a Figura 9 mostra essa arma na totalidade, com a parte superior desenhada com a casca do ovo do macuco e na parte inferior alguma arte plumária; na Figura 10 aparecem índias pre-parando o Iwera Pemme com as cascas de ovos do macuco no canto inferior e no canto superior o índio que será sacrificado; a Figura 11 mostra o Iwera Pemme finalizado e aguardando, sus-penso em uma pequena cobertura, o momento do sacrifício; por último, essa arma aparece na Figura 12, que ilustra o momento que ocorrerá o abate do inimigo, que encontra-se amarrado pela cintura com a Mussurana.

Arte Plumária dos TupinambásHans Staden em muitas passagens do texto comenta sobre a

utilização de penas pelos Tupinambás. Algumas vezes descre-vendo suas características e cores, a situação em que usavam bem como os nomes indígenas aplicados em alguns desses or-namentos. Apresento abaixo inicialmente aqueles que Staden mencionou o nome:Figura 9. Iwera Pemme (vide texto).

Figura 10. Canto inferior, as mulheres pintando o Iwera Pemme com a casca do ovo de Tinamus solitarius. Canto superior, as mulheres

preparando o inimigo que será abatido em ritual antropofágico.

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ArasoyaStaden, após ser capturado pelos Tupinambás, foi levado para

a aldeia. Lá chegando, após alguns tipos de maltrato que ele in-dica ter recebido, descreve a seguinte situação:

“Formaram um círculo ao redor de mim, ficando eu no centro, com duas mulheres; amarraram-me numa perna umas coisas que chocalhavam e na nuca collocaram-me uma outra coisa, feita de pennas de passaros, que exce-dia a cabeça e que se chama na lingua delles Arasoya

(67). Depois começaram as mulheres a cantar e, confor-me um som dado, tinha eu de bater no chão com o pé, em que estavam atados os chocalhos, para chocalhar em acompanhamento do canto.”

[Nota de T. Sampaio]: “(67) Arasoya é o vocabulo tupi - araçoyá ou araçoyaba, especie de turbante feito de pennas multicôlores. Era, em verdade, o chapéo do selvagem em occasiões solennes.”.

(Staden 1930; Livro I, Cap. 23, p.70-71)

ou

“Do lugar onde me haviam raspado as sobrancelhas, conduziram-me as mulheres em frente da choça em que estavam os seus ídolos, os maracás, e fizeram uma roda em volta de mim. Fiquei no meio. Duas mulheres amar-raram-me com um cordel alguns chocalhos a uma perna e por detrás, no pescoço, de modo que ficasse acima da cabeça, um leque quadrangular de penas da cauda de papagaios, que êles chamam araçoiá. Depois começa-ram elas todas a cantar. De acordo com seu compasso, devia eu bater o pé com a perna à qual estavam atados os chocalhos, de modo que chocalhasse acompanhando o seu canto.”

(Staden 1942; Livro I, Cap. 23, p.91)

Vimos anteriormente que Jean de Léry (1578 [1926]: 74-75) chamou de arasoya ou araroyé (Léry 1961) o que Staden cha-mou de Enduap, sendo esse último ligado à região da cintura em Staden. Cunha (1978: 59) comenta que araçóia é uma “Espécie de saiote de penas de cores variegadas, usado pelas índias”. Na realidade existe certa confusão entre os nomes indígenas aplica-dos, além de vários textos terem sido escritos de memória após o retorno dos cronistas e, portanto, uma confusão entre esses nomes ser também esperada.

Plínio Ayrosa (em nota, 164: Léry 1961) apresenta interessan-te discussão sobre essa confusão:

“Arasoái, ou araçoáia, significa, no tupi da costa, rabo de ave ou de pássaro qualquer. (...) [...] Parece--nos que a confusão provém de certa similitude fonética das palavras asoiába (ahoiháb), substantivo participal de asoí (ahoí), cobrir, tapar, encobrir, e arasoái (ará--soái), rabo de ave. Gabriel Soares (op. cit., 337); Yves ‘Evreux (Voyage dans le nord du Brésil, Paris, 1864, 23); Simão de Vasconcelos (op. cit. cap. LXXX); Bar-léu, Gaspar (Brasilianische Geschite, etc. 1659,700) e numerosos outros autores fazem referências interes-santes a este adorno. Claude d’Abbeville (Histoire de la Mission des Pères Capucins en 1’lsle de Maragnan et terres circonvoisines, fl. 274) em outro passo de sua obra fala de Assoyaue, ‘manteaux, etc., tissus a divers plumages’. Açoyába, acrescenta Rodolfo Garcia, é ‘es-pécie de turbante feito de penas, usado nas solenida-des’. (P. A.).”

Independente da problemática ainda a ser solucionada com nitidez sobre esse caso, está bastante claro que Staden interpre-tou e mencionou o Arasoya como o adorno que colocaram em sua cabeça. Esse adorno, aliás, pode ser visto nas xilogravuras

Figura 11. Tupinambás em ritual antropofágico ao redor do Iwera Pemme antes do momento do abatimento do inimigo.

Figura 12. O inimigo amarrado pela cintura com a Mussurana no momento de ser abatido. O Iwera Pemme, pintado e enfeitado, está na mão do guerreiro que irá sacrificá-lo.

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de seu livro, onde ele próprio aparece utilizando-o conforme os acontecimentos acima apresentados (Figura 13).

KanittareAlém do Arasoya, Staden descreve um segundo tipo de orna-

mento utilizado na cabeça, em capítulo intitulado “O que usam os homens como ornato, como se pintam e que nomes têm” (Sta-den 1942).

“Têm mais um ornato feito de pennas vermelhas, a que chamam Kanittare (122) e que amarram em roda da ca-beça.”

[Nota]: “(122) Kanittare é do tupi - acanitara, ou acan-gatara, que quer dizer - ornato da cabeça.”.

(Staden 1930; Livro II, Cap. 15, p. 148)

ou

“Além disso fabricam para si um enfeite de penas verme-lhas, que se chama acangatara e que amarram à cabeça.”

(Staden 1942; Livro II, Cap. 16, p. 168)

Aparentemente existe diferença entre o Arasoya e o Kanittare, embora ambos usados para ornamentar a cabeça. A impressão que temos ao ler as descrições e comparar as xilogravuras é que o Arasoya teria mais o formato de um “leque” e ficava disposto na parte de trás da cabeça (Figura 13). Já o Kanittare ficaria amarrado ao redor da cabeça, em forma de “coroa” (Figura 6).

Ornamentos geraisAlém dos já mencionados Enduap, Arasoya e Kanittare, Sta-

den menciona a utilização de penas (sem nomeá-las) pelos Tupi-nambás em muitas passagens do texto. Uma xilogravura (Figura 14), pouco comentada, mostra vários enfeites feitos com penas sendo usados pelos Tupinambás.

As passagens mais importantes sobre o uso de penas, sem no-mes mencionados, são:

“Atam nos braços ramalhetes de flôres, pintam-se de preto, branco e vermelho; colam penas ao corpo com certa rezina de arvores, com que untam as partes do cor-po onde querem colocar esses ornatos; as penas pren-dem-se ahi. Pintam as vezes um braço de encarnado, e outro de preto, e da mesma maneira mosqueam o corpo.”

(Staden 1892; Livro II, Cap. 15, p. 342)

ou

“Amarram tambem feixes de pennas nos braços; pin-tan-se de preto e também com pennas vermelhas e bran-cas, misturadas sem ordem; estas, porém, grudadas no corpo com substancias que tiram das arvores e que pas-sam nas partes onde querem pôr as pennas; applicando então estas de modo a ficarem adherentes.”

(Staden 1930; Livro II, Cap. 15, p. 148)

Assim como se pintam e se enfeitam com penas, o fazem com o inimigo capturado em ritual, antes de abatê-lo:

“Quando trazem para casa os seus inimigos, as mulhe-res e as crianças os esbofeteiam. Enfeitam-n’os depois com pennas pardas; cortam-lhes as sobrancelhas; dançam em roda delles, amarrando-os bem, para que não fujam. [...]

“ajuntam feixes de pennas que amarram no bastão com que os hão de matar.”

(Staden 1930; Livro II, Cap. 28, p. 160-162)

ou

“Quando trazem para casa um inimigo, batem-lhe as mulheres e as crianças primeiro. A seguir colam-lhe ao

Figura 13. Hans Staden no centro da roda dançando e usando o Arasoya, enfeite de penas da cabeça.

Figura 14. Tupinambás com distintos tipos de ornamentos emplumados.

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corpo penas cinzentas, raspam-lhe as sobrancelhas, dansam-lhe em torno e amarram-no bem, a-fim-de que não lhes possa escapar.” [...]

“Alem disso fazem borlas de penas, que amarram ao tacape com que o matam.”

“Estando o ibirapema como o deve, ornado com bor-las de penas e outros enfeites, será pendurado acima do chão, numa vara, numa choça vazia. Os selvagens can-tam então, através da noite toda, em volta desta choça. Do mesmo modo pintam o rosto do prisioneiro, e en-quanto uma mulher pinta, cantam as outras.”

(Staden 1942; Livro II, Cap. 29, p. 179-180)

As penas eram usadas também para serem diferenciados quan-do iam para a guerra, diminuindo assim o risco de machucarem um dos seus. Essas penas eram de coloração vermelha (Staden 1930: 158, Staden 1942: 178), assim como o Kanittare.

Difícil saber ao certo se havia um espécie exclusiva para isso. Sabemos, como relatado por Staden, que as penas dos guarás adultos eram utilizadas, inclusive em maravilhosos mantos (Fi-gura 15). Mas, relatos de usos de penas vermelhas de outras aves, como as de araras, do peito do pavó Pyroderus scutatus (Shaw, 1792) e do tiê-sangue Ramphocelus bresilius (Linnaeus, 1766) eram também utilizadas (Léry 1578 [1926]). Interessante relato, ainda sobre o uso de penas vermelhas e que chama a aten-ção, é dado por Léry (1578 [1926]: 73) quando comenta que:

“Criam os selvagens grande quantidade de gallinhas communs, cuja raça foi alli introduzida pelos portugue-zes. Os indios depennam as brancas e reduzem o frouxel a picadinho; depois tingem esse cotão com tinta de pau--brasil e o grudam ao corpo por meio de certas resinas; ficam assim vermelhos e emplumados como pombos re-cem-nascidos. Talvez seja de vel-os assim que certos via-jantes de observação apressada espalharam na Europa que os selvagens são pelludos.”

O próprio manto de guarás apresentado na figura anteriormen-te indicada (Figura 15), parece conter algumas penas de galinhas tingidas (vide o ótimo texto de Velden 2012).

De qualquer forma, comentários aleatórios do uso de penas estão por todo o texto de Staden (e.g. Staden 1930: 72, 88, 140, 154; Staden 2000: 141, 150) e seu uso, como vimos acima, é empregado em quase toda situação e/ou ritual, inclusive os mais importantes como os de antropofagia e guerra (vide Fernandes 2006). O mesmo ocorre com suas armas, sendo o Iwera Pemme ao qual matam a vítima e mesmo o Tammaraka, enfeitados com penas (Staden 1930: 154, Staden 2000: 157). Em especial esse último artefato, na maioria das vezes grafado como “maracá”, eram tratados pelos indígenas como um tipo de “objeto de ado-ração” ou “santo”:

“Entre eles [os Tupinambás], há alguns homens a que dão o nome de pajé. Trata-se de adivinhos, que são muito estimados por todos, da mesma maneira como aqui. Uma vez por ano eles andam pelas terras da tribo contando que lhes apareceu um espírito vindo de lugares muito distantes. Tal espírito teria dado a eles o poder de fazer com que todas as maracás falem e de lhes emprestar esse seu poder quando quiserem. Basta pedir a eles. Natural-

mente, todos desejam que seu chocalho receba o poder e preparam uma grande festa, em que cantam e dançam. Os pajés prevêem o futuro e realizam muitas cerimônias bizarras. Após a festa, o adivinho escolhe uma cabana que precisa ser abandonada em determinado dia. Ne-nhuma mulher nem criança tem permissão para ficar lá dentro. Eles ordenam que todos os homens venham com suas maracás; depois de pintá-las de vermelho e en-feitá-las com penas, então os chocalhos devem receber o poder de falar. Quando os homens já estão reunidos na cabana, os adivinhos sentam-se lá dentro, na parte mais alta, e fincam suas maracás no chão, ao seu lado. Os outros homens os imitam. Cada um dá presentes aos pajés, como por exemplo arcos e flechas, penas ou brin-cos, para que sua maracá não seja esquecida.”

(Staden 2000: 157)

As penas eram também constantemente usadas como moeda de troca com os europeus, fato mencionado em vários trechos ao longo do texto, ao lado de outros animais e produtos da ter-ra, como, por exemplo (Staden 1930: 100): “trocavam com os selvagens pimenta, macacos e papagaios.”; (Staden 1930: 116): “[...] algodão, pennas, macacos, papagaios e muitas outras coi-sas [...]”. Outros exemplos podem ser lidos em Staden (2000: 67, 84, 98, 116).

Figura 15. Manto de Eudocimus ruber. Origem Tupinambá, proveniente de Pernambuco. Dimensão: 127 x 54 cm. As penas são, principalmente, perten-centes ao guará. Esse manto está depositado no Departamento de Etnografia

do Museu Nacional da Dinamarca, “Nationalmuseet Copenhagen”.

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Para finalizar esse tópico, veremos o que escreveu o próprio Hans Staden sobre o uso das penas pelos Tupinambás:

“CAPITULO XXQuaes são as suas riquezas

“Não ha divisão de bens entre elles. Nada sabem de dinheiro. Suas riquezas são pennas de passaros; e quem tem muitas é que é rico. Quem traz pedras nos labios, entre elles, é um dos mais ricos.”

(Staden 1930; Livro II, Cap. 20, p. 152).

ou

“CAPÍTULO 21Quais são os seus bens.

Não existe entre êles propriedade particular, nem co-nhecem dinheiro. Seu tesouro são penas de pássaros. Quem as tem muitas, é rico e quem tem cristáis para os lábios e faces, é dos mais ricos.”

(Staden 1942; Livro II, Cap. 21, p. 172)

Caça de AvesMesmo o uso de penas sendo frequente, Staden não menciona

diretamente (com exceção no caso dos guarás) onde ou como eles as conseguiam. Provavelmente obtinham de muitas formas, reti-rando das aves que criavam na aldeia, pela troca ou mesmo dos animais que abatiam para consumo ou apenas para essa finalidade.

Pierre Belon (1555, em Teixeira 2013 e Teixeira & Papavero 2014) comenta:

“Os selvagens do Brasil, que possuem grande habili-dade em atirar bem com arco, têm flechas muito longas em cuja extremidade colocam uma bola de algodão, a fim de que – ao atirar nos papagaios – possam abatê-los sem feri-los, para que não deixem de se recuperar depois de aturdidos pelo golpe.”

Staden também comenta, em determinada passagem, sobre os índios que viviam na serra do Mar, que ele chamou de Waygan-na, os Guaianás:

“Sabem também imitar a voz dos animaes e o canto dos passaros, para melhor apanhal-os e matal-os.”

(Staden 1930; Livro II, Cap. 3, p. 133-134)

ou

“Os índios conhecem geralmente o grito dos animais e o canto dos pássaros e valem-se disto para assim melhor empreitá-los e atirá-los.”

(Staden 1942; Livro II, Cap. 3, p. 153)

Fica um pouco duvidoso, pelas traduções, se os Guaianás imi-tavam ou usavam do conhecimento do som para caçar os animais. Provavelmente as duas coisas. O que chama a atenção é que Staden não comenta sobre isso para os Tupinambás. Para estes, Staden diz:

“Por onde andam, quer na mata quer na agua, levam sempre comsigo o seu arco e as suas flechas. Andando na matta, caminham de cabeça erguida, a examinarem as arvores para descobrirem algum passaro grande, maca-co ou outro animal, que vive sobre as arvores, para o ma-tar, e o perseguem até que o matam. Raras vezes aconte-ce ir alguem á caça e voltar sem trazer coisa alguma. ”

(Staden 1930; Livro II, Cap. 7, p.138)

ou

“Para onde quer que vão, seja no mato ou nágua, sem-pre levam consigo arco e flechas. Quando andam pela floresta, voltam o rosto fixamente de tempos em tempos para o alto das árvores. Percebendo algum indício de pássaros grandes, macacos ou outros animais, que nelas vivem, dão-lhes caça, esforçando-se por atirá-los e per-

Figura 16. Notam-se dois Psittacidae no canto superior esquerdo da imagem. Também vemos os Tupinambás chegando com peixes e, mais acima, peixes sendo assado no moquém. Staden encontra-se deitado com a perna ferida. Figura 17. Um Psittacidae em voo no canto superior direito.

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seguem-nos até conseguí-los. Raras vezes vem de mãos vazias aquele que vai à caça.”

(Staden 1942; Livro II, Cap. 8, p.159)

Análise das Xilogravuras de Staden (1557)Das 52 imagens disponíveis na publicação de Staden, oito

delas apresentam aves. Sobre as duas primeiras (Figura 4), já tratamos na parte sobre o guará.

Todas as outras (Figuras 7, 16, 17, 18, 19 e 20) apresentam aves com bico robusto e adunco, bem como a cauda relativa-mente longa. Devido ao aspecto geral podemos sugerir, e com boa certeza, que se trata de Psittacidae.

As imagens que mostram os psitacídeos em voo (Figuras 7, 16 e 17) estão bem caracterizadas por um comportamento chama-do por Whitney (1996) de “appression”, onde as asas estão mais próximas ao corpo. Isso pode ser comumente visto em muitas es-pécies de psitacídeos (obs. pess.). Somando isso com uma cauda longa, como a apresentada por Staden, e levando em consideração as observações realizadas por ele, podemos citar os gêneros: Ara, Primolius, Psittacara (Figura 21A), Aratinga, Pyrrhura (Figura 21B) e Brotogeris (Figura 21C). Não é possível propor qualquer espécie e, provavelmente, não foi essa a intenção de Staden, pois em nenhuma parte do texto descreve psitacídeos. Dessa forma não podemos concordar com Campanário (1980: 122), que menciona:

“Trata-se, provavelmente, da tiriba, gênero ‘Pyrrhura’, de porte entre a arara e o tuim. Há várias espécies de tiriba. Uma das mais comuns é a ‘Pyrrhura vittata’ [atual P. frontalis] cuja distribuição zoogeográfica ao longo dos Estados litorâneos é muito vasta”.

As outras três imagens (Figuras 18, 19, 20) também demonstram psitacídeos com caudas longas, porém pousados próximo das aldeias, indicando uma possível presença dessas aves como xerimbabo.

Hans Staden é sem dúvidas um dos mais conhecidos cronistas do Brasil do século XVI. Tanto que mereceu um filme [(“Hans Staden”, Lapfilme do Brasil 1999; direção: Luiz Alberto Perei-ra). Não entraremos aqui nos detalhes (discussões em Fonseca 2010 e Lima 2014), porém é bom ressaltar que algumas vozes de aves que estão inseridas nele estão equivocadas. Exemplo: a estranha voz do pássaro-boi ou maú, Perissocephalus trico-lor (Statius Muller, 1776), espécie amazônica que ocorre qua-se exclusivamente na margem esquerda do rio Amazonas (Sick 1997), bem distante da área onde Staden esteve].

Quanto às Aves, Hans Staden não foi o primeiro a mencioná-las sobre o Brasil (vide Teixeira 2013 e Teixeira & Papavero 2014) e, na realidade, podemos dizer que de informação ornitológica, propriamente dita, ele descreve apenas o guará, Eudocimus ru-

Figura 18. Um Psittacidae pousado sobre morada Tupinambá. Poderia sugerir que fossem usados como xerimbabo.

Figura 19. Psittacidae pousado no canto superior direito, não muito visível. Mais uma vez, próximo da aldeia.

Figura 20. Psittacidae pousado, pouco acima do centro da figura.

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ber. Todas as outras espécies são apenas rapidamente citadas e em contextos de informações secundárias, como servindo de ali-mento, xerimbabo, ornamentos etc. Chega mesmo a nos chamar a atenção a pouca descrição da natureza do Brasil feita por ele.

Já as informações sobre os Tupinambás e seus costumes são bastante exaltadas. Essa parece ser realmente a impressão prin-cipal que pretendia passar Staden, focada constantemente no “selvagem” e nas formas como se salvou dos nativos tantas ve-zes com a ajuda de Deus. Com isso, Staden deixa a natureza do Brasil em plano secundário, apenas a utilizando como uma espécie de “cenário” para suas narrativas.

Ainda assim, Hans Staden parece ter sido o primeiro euro-peu a descrever o guará e, também, a sucessão de plumagem ao longo da ontogenia dessa espécie. Foi igualmente o primeiro a mencionar a ema e o macuco, embora não os descreva e para a primeira também não indique o nome indígena.

Os relatos de Staden possuem valor principalmente antropo-lógico, onde podemos aprender um pouco sobre a importância das aves e de seus produtos para os Tupinambás, indígenas que foram rapidamente extintos pelas doenças e pela escravidão im-postas pelos europeus (Hemming 1978).

AgradecimentosSou muito grato a Fernando Costa Straube, Luiz Fernando de

Andrade Figueiredo e Sérgio Almeida pelos comentários feitos em uma versão anterior do trabalho. A Daniel Firme e Fernando C. Straube pelo auxílio bibliográfico. Agradeço ao Robson Silva e Silva, Luciano Moraes, Vanilce Souza, Ivan Brondani e Ro-seanne Almeida por gentilmente cederem suas belas fotografias para ilustrar o trabalho. Por fim, agradeço à “Nordesta Refores-tation & Education” que atualmente tem me agraciado com uma bolsa para pesquisas.

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Figura 21. Psittacidae em voo. A) Psittacara leucophthalmus periquitão-maracanã, Presidente Figueiredo/AM, Vanilce Souza; B) Pyrrhura frontalis tiriba-de-testa-vermelha, Itaara/RS, Ivan Brondani; C) Brotogeris tirica periquito-rico, Santa Cruz Cabrália/BA, Roseanne Almeida.

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