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H “Hegel e a tradição hermética”, Glenn A. Magee POR LEONILDO TROMBELA JÚNIOR / FILOSOFIA, REVISTA / MAI 2014 Tradução da introdução a “Hegel and the Hermetic Tradition” (2001) “Deus somente é Deus enquanto conhece a si mesmo; Seu próprio autoconhecimento é, ademais, um autoconhecimento no homem e o saber do homem acerca de Deus que se prolonga até ao autoconhecimento humano em Deus.” — Hegel, Enciclopédia das ciências filosóficas. §564 Hegel como pensador hermético egel não é um filósofo. Ele não é amante ou buscador da verdade, pois ele acredita que já a encontrou. Hegel escreve no prefácio da Fenomenologia do Espírito: “Colaborar para que a filosofia se aproxime da forma da ciência – da meta em que deixe de chamar-se amor ao saber para ser saber efetivo – é isto o que me proponho”. No fim da Fenomenologia Hegel diz ter chegado ao Conhecimento Absoluto, que ele identifica como sabedoria. Notas Buscar no site BLOG LITERATURA FILOSOFIA HISTÓRIA ARTE AGENDA CONTATO

“Hegel e a Tradição Hermética”, Glenn A

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“Hegel e a Tradição Hermética”, Glenn A

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  • 06/05/2015 Hegel e a tradio hermtica, Glenn A. Magee | Terminal

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    H

    Hegel e a tradio

    hermtica, Glenn A. Magee

    POR LEONILDO TROMBELA JNIOR / FILOSOFIA, REVISTA / MAI 2014

    Traduo da introduo a Hegel and the

    Hermetic Tradition (2001)

    Deus somente Deus enquanto conhece a si mesmo;

    Seu prprio autoconhecimento , ademais, um

    autoconhecimento no homem e o saber do homem

    acerca de Deus que se prolonga at ao

    autoconhecimento humano em Deus.

    Hegel, Enciclopdia das cincias filosficas. 564

    Hegel como pensador hermtico

    egel no um filsofo. Ele no amante ou

    buscador da verdade, pois ele acredita que j

    a encontrou. Hegel escreve no prefcio da

    Fenomenologia do Esprito: Colaborar para que a

    filosofia se aproxime da forma da cincia da meta em

    que deixe de chamar-se amor ao saber para ser saber

    efetivo isto o que me proponho. No fim da

    Fenomenologia Hegel diz ter chegado ao Conhecimento

    Absoluto, que ele identifica como sabedoria.

    Notas

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    A afirmao de ter atingido a sabedoria

    completamente contrria concepo original grega da

    filosofia como amor sabedoria, isto , a busca

    incessante pela sabedoria em vez da possesso final

    dela. A afirmao dele, todavia, totalmente coerente

    com as ambies da tradio hermtica uma corrente

    de pensamento que deriva seu nome da chamada

    Hermetica (ou Corpus Hermeticum) , uma coleo de

    tratados e dilogos gregos e latinos escritos nos dois

    primeiros sculos da era crist e que provavelmente

    contm ideias que vm de muito antes. O lendrio autor

    dessas obras Hermes Trismegistus (Hermes, o trs

    vezes grande). O hermetismo representa uma vasta

    tradio de pensamento que surgiu dos escritos de

    Hermes e foi expandida e desenvolvida por meio da

    infuso de vrias outras tradies. Assim, a alquimia, a

    cabala, o lullismo e o misticismo de Eckhart e Cusa

    para citar apenas alguns exemplos passaram a ser

    entrelaados com as doutrinas hermticas. (Com efeito,

    o hermetismo usado por alguns autores para se

    referir somente alquimia. ) O hermetismo s vezes

    chamado de teosofia ou esoterismo; com menos

    preciso, frequentemente caracterizado como

    misticismo ou ocultismo.

    A tese deste livro de que Hegel um pensador

    hermtico. Mostrarei que h impressionantes

    correspondncias entre a filosofia hegeliana e a

    teosofia hermtica, e como essas correspondncias no

    so acidentais. Hegel estava diligentemente interessado

    no hermetismo: ele foi influenciado por expoentes

    desde a sua juventude, e ele mesmo se aliou a

    movimentos e pensadores hermticos ao longo da sua

    vida. E no que eu simplesmente defenda que ns

    possamos conhecer Hegel como um pensador

    hermtico assim como podemos conhec-lo como um

    pensador alemo da Subia. No. Eu defendo que

    1. Antoine Faivre. Access to

    Western Esotericism, vol. I

    (Albany: State University of

    New York Press, 1994), p. 35.

    1

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    devemos conhecer Hegel como um pensador hermtico

    ou no o entenderemos de maneira alguma.

    A vida e as obras de Hegel oferecem uma abundncia de

    exemplos para sustentar esta tese.

    H referncias ao longo dos escritos publicados e no

    publicados de Hegel endereados a vrias das figuras

    eminentes e movimentos da tradio hermtica. Essas

    referncias so em grande maioria aprobatrias. Isso

    particularmente verdadeiro no caso do tratamento que

    Hegel d a Eckhart, Bruno, Paracelsus e Bhme. Este

    ltimo o exemplo mais notvel de todos. Hegel

    concede-lhe um considervel espao em suas

    Conferncias sobre a Histria da filosofia mais

    espao, alis, do que ele concede a vrios dos principais

    pensadores da tradio filosfica.

    H, alm disso, numerosos elementos hermticos nos

    escritos de Hegel. Eles incluem, de modo geral, um

    subtexto manico de iniciao mstica na

    Fenomenologia do Esprito; um subtexto bhmiano

    no famoso prefcio da Fenomenologia; uma influncia

    cabalstica-bhmiana-lulliana na Lgica; elementos

    alqumicos-paracelsianos na Filosofia da Natureza;

    uma influncia do milenarismo cabalstico e joaquimita

    na doutrina do Esprito Objetivo e da teoria da histria

    do mundo hegelianas; imagens alqumicas e

    rosacrucianas na Filosofia do Direto; uma influncia da

    tradio hermtica da pansofia no sistema hegeliano

    como um todo; um endosso da crena hermtica na

    philosophia perennis; e o uso de formas simblicas

    hermticas perenes (como o tringulo, o crculo e o

    quadrado) como recursos estruturais e arquitetnicos.

    A biblioteca de Hegel inclua escritos hermticos de

    Agrippa, Bhme, Bruno e Paracelsus. Ele leu muito

    sobre mesmerismo, radiestesia psquica fenomenal,

    2. v. Ernst Benz, The Mystical

    Sources of German Romantic

    Philosophy, trad. Blair R.

    Reynolds e Eunice M. Paul

    (Allison Park, Pa.: Pickwick

    Publications, 1983), p. 2.

    3. Ibid., p. 2.

    4. Ibid., p. 2.

    5. A bibliografia (presente no

    final da obra) contm todas as

    informaes sobre todas as

    obras mencionadas nesta

    introduo. Em geral, eu

    mencionei apenas livros aqui.

    Na bibliografia, tanto livros

    quanto artigos esto listados.

    6. M. M. Cottier refere-se

    filosofia de Hegel como Une

    Gnose christologique [uma

    cristologia gnstica] em seu

    LAtheisme Du Jeune Marx:

    Ses Origines Hegeliennes

    (Paris: Vrin, 1969), pp. 20-30.

    Eric Voegelin tambm

    defendeu, de maneira crtica,

    que Hegel um pensador

    gnstico, por exemplo, em

    Science, Politics, and

    Gnosticism (Washington, D.C.:

    Regnery Gateway, 1968), pp.

    40-44, 67-80.

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    premonio e feitiaria. Ele se associou publicamente a

    conhecidos ocultistas, sendo um deles Franz von

    Baader. Ele estruturou sua filosofia de maneira idntica

    ao uso das correspondncias hermticas! Ele contou

    com histrias do pensamento que discutiam Hermes

    Trimegistus, Pico della Mirandola, Robert Fludd e Knorr

    von Rosenroth junto com Plato, Galileu, Descartes e

    Newton. Ele declarou em suas conferncias mais de

    uma vez que o termo especulativo significa a mesma

    coisa que mstico. Ele acreditava em um Esprito do

    Terra e se correspondeu com amigos tratando sobre a

    natureza da magia. Ele se aliou informalmente a

    sociedades hermticas, tais como a Maonaria e a

    Rosa-cruz. At mesmo os rabiscos de Hegel eram

    hermticos, conforme veremos no captulo 3, quando

    discutirmos o misterioso diagrama triangular.

    H quatro grandes perodos durante a vida de Hegel aos

    quais ele parece ter estado sob forte influncia do

    hermetismo, ou pelo menos buscado ativamente esse

    hermetismo. Primeiro na sua juventude em Stuttgart,

    que foi de 1770 a 1788. Conforme discutirei mais

    detalhadamente no captulo 2, durante esse perodo,

    Wrttemberg era um grande centro de interesse

    hermtico, dado que muitos dos movimentos pietistas

    influenciados pelo bhmianismo e rosacrucianismo

    (Wrttemberg foi o centro espiritual do movimento

    Rosa-cruz). Os principais expoentes do pietismo J. A.

    Bengel e em particular F. C. Oetinger foram

    fortemente influenciados pelo misticismo alemo, pela

    teosofia bhmiana e pela cabala.

    Muitos dos estudiosos de Hegel consideraram

    desnecessrio considerar esse meio intelectual da

    juventude do alemo. Hegel quase universalmente

    conhecido como participante do contexto da tradio

    filosfica alem e s; como se fosse somente

    correspondente a Kant, Fichte e Schelling.

    7. J. N. FIndlay, Hegel: A Re-

    Examination (New York:

    Oxford University Press, 1958),

    p. 49.

    8. Eric Voegelin, Response to

    Professor Altizers A New

    History and a New but Ancient

    God em Collected Works of

    Eric Voegelin, vol. 12,

    Published Essays, 1966-1985,

    ed. Ellis Sandoz (Baton Rouge:

    Louisiana State University

    Press, 1990), p. 297.

    9. Eric Voegelin, On Hegel: A

    Study in Sorcery, Published

    Essays, 1966-1985, p. 222; cf.

    Science, Politics, and

    Gnosticism, p. 68-69 e em seu

    Order and History, vol. 5, In

    Search of Order (Baton Rouge:

    Louisiana State University

    Press, 1987), pp. 54-70.

    10. v. David Walsh, The Esoteric

    Origins of Modern Ideological

    Thought: Boehme and Hegel

    (Dissertao de Ph.D.,

    University of Virginia, 1978). v.

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    Desnecessrio dizer que as influncias de Kant, Fichte e

    Schelling foram importantes, mas essas no foram as

    nicas a serem exercidas sobre Hegel. Parte da razo de

    terem esquecido de mencionar ou ignorado as outras

    fontes que poucos estudiosos esto familiarizados

    com as complexidades da vida religiosa alem do sculo

    XVIII. Os que esto familiarizados so quase sempre

    oriundos de outras disciplinas no-filosficas e quase

    sempre alemes. (O estudo do pietismo alemo um

    terreno quase exclusivo dos germanfonos.) A vida

    religiosa e intelectual de Wrttemberg , portanto, o

    lugar bvio para se comear a entender as prprias

    origens intelectuais de Hegel, suas ideias

    caractersticas e seus objetivos.

    Hegel tem de ser entendido nos termos da tradio

    teosfica pietista de Wrttemberg ele no pode ser

    simplesmente visto como crtico de Kant. Com efeito,

    Hegel, conforme argumentarei, sempre foi um crtico

    de Kant e nunca um admirador sincero, precisamente

    por que ele foi logo cedo marcado pela tradio da

    pansofia, que estava muito viva em Wrttemberg e pelo

    ideal de Oetinger da verdade como um Todo (v. captulo

    2). Ele no pde aceitar o ceticismo de Kant, tampouco

    pde Schelling e por razes idnticas. Ainda assim,

    ambos reconheceram a fora do pensamento de Kant e

    trabalharam duro para partirem das premissas do

    pensador de Konigsberg at chegarem s suas prprias

    concluses com o objetivo de conseguirem fugir do

    ceticismo a qualquer custo.Tudo em nome do ideal

    especulativo de suas juventudes.

    De 1793 at 1801, Hegel trabalhou como tutor privado:

    primeiro em Berne e depois em Frankfurt. Conforme

    discutirei no captulo 3, o bigrafo de Hegel, Karl

    Rosenkranz, referiu-se a essa poca como a fase

    teosfica do desenvolvimento de Hegel. Nessa poca,

    Hegel parece ter se tornado familiarizado com as obras

    tambm The Mysticism of

    Innerworldly Fulfillment: A

    Study of Jacob Bhme

    (Gainesville: University

    Presses of Florida, 1983), The

    Historical Dialectic of Spirit:

    Jacob Bhmes Influence on

    Hegel em History and and

    System: Hegels Philosophy of

    History, ed. Robert L. Perkins

    (Albany: State University of

    New York Press, 1984), p. 28 e

    A Mythology of Reason: The

    Persistence of Pseudo-Science

    in the Modern World em

    Science, Pseudo-Science, and

    Utopianism in Early Modern

    Thought, ed. Stephen A.

    McKnight (Columbia:

    Universityof Missouri Press,

    1992).

    11. Alm dos escritos publicados

    de Hegel, as fontes primrias

    s quais recorri incluem

    cartas, manuscritos, notas

    tomadas em conferncias,

    notas de alunos e relatrios

    feitos por seus

    contemporneos acerca das

    observaes orais do prprio

    Hegel. As notas tomadas por

    alunos foram publicadas como

    Zustse na Enciclopdia das

    Cincias Filosficas e nas

    edies publicadas das

    conferncias de Hegel sobre

    histria da filosofia, arte,

    religio e histria do mundo,

    que em grande parte foram

    publicadas a partir de notas

    tomadas pelos alunos.

    12. Alm do uso da imagtica

    rosacruciana por Bacon, da

    procura que Descartes fez

    Rosa-cruz, da dvida de

    Spinoza cabala, da

    fascinao de Leibniz pelo

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    de Bhme, assim como as de Eckhart e Johannes Tauler.

    Tambm durante esse perodo, Hegel se envolveu com

    crculos manicos.

    Em Jena (1801-1807), o interesse de Hegel pela teosofia

    continuou. Ele realizou longas conferncias de tom

    aprobatrio sobre Bhme e Bruno. Ele comps vrios

    textos que s chegaram a ns de maneira

    fragmentada empregando linguagem e simbolismo

    hermticos (v. captulos 3 e 4). Suas conferncias sobre

    filosofia da natureza nessa poca refletem um

    duradouro interesse em alquimia. provvel que

    Schelling, que fora Jena pouco antes, tenha

    introduzido Hegel ao seu crculo de amigos, que inclua

    uma poro de romnticos fortemente interessados no

    hermetismo. O prprio Schelling era um vido leitor de

    Bhme e Oetinger e provavelmente encorajou esse

    interesse de Hegel.

    O ltimo perodo hermtico da vida de Hegel foi em

    Berlim, indo de 1818 at a sua morte em 14 de novembro

    de 1831. Isso vai contra o que se espera. Pode-se supor

    que o hermetismo de Hegel tenha sido uma mera

    aberrao de juventude superada pelo

    arquirracionalista conforme ele foi amadurecendo.

    Supreendentemente, parece que precisamente o

    contrrio. Em Berlim, Hegel formou uma amizade com

    Franz von Baader, o principal mstico e ocultista da

    poca. Juntos eles estudaram Meister Eckhart. O

    prefcio edio de 1827 da Enciclopdia das Cincias

    Filosficas em Compndio cita proeminentemente

    Bhme e Baader. Sua edio revisada de 1832 de A

    Cincia da Lgica corrige uma passagem para poder

    incluir uma referncia a Bhme. Seu prefcio edio

    de 1821 da Filosofia do Direito inclui imagens

    alqumicas e rosacrucianas. Em suas Conferncias

    sobre a Filosofia da Religio de 1831 v-se a influncia

    do mstico Joaquim de Fiore, assim como certas

    rosacrucianismo, cabala e

    alquimia e da fascinao que

    Newton tinha com o

    milenarismo e com a

    alquimia, h evidncias

    tambm de que Kant estava

    interessado nas vises de

    Emanuel Swedenborg; de que

    Schelling estava interessado

    em Bhme, Swedenborg e

    Mesmer; de que

    Schopenhauer estava

    interessado em Bhme,

    Swedenborg e Lavater; de que

    William James estava

    interessado em Swedenborg,

    Fechner, espiritualismo e

    percepo extra-sensorial; de

    que C. S. Peirce estava

    interessado em Swedenborg e

    Bhme; de que C. D. Broad

    estava interessado em

    percepo extra-sensorial; e,

    nos dias de hoje, de que

    Michael Dummett est

    interessado em cartas de tar

    (Michael Dummett, The

    Visconti-Sforza Tarot Cards

    [New York: G. Braziller, 1986]).

    13. Antoine Faivre escreve que o

    hermetismo passou a ser

    usado para designar a atitude

    geral do esprito [ou

    mentalidade] que subjaz a

    uma variedade de tradies

    e/ou correntes paralelas

    alquimia, tais como

    hermetismo [a religio do

    Corpus Hermeticum],

    astrologia, cabala, teosofia

    crist e philosophia oculta ou

    magia (no sentido que essas

    duas palavras adquiriram na

    Renascena, isto , de uma

    viso mgica da natureza que

    a entendia como um ser vivo

    repleto de sinais e

    correspondncias que

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    estruturas correspondentes ao pensamento de Bhme.

    Em suma, todas as evidncias indicam que, no ltimo

    perodo da sua vida, o interesse de Hegel pelas

    tradies mstica e hermtica se intensificou, alm de

    ele ter se tornado mais ousado ao se alinhar

    publicamente a movimentos e pensadores hermticos.

    As divises da filosofia de Hegel seguem um padro que

    tpico de vrias formas da filosofia e da mstica

    hermtica. A Fenomenologia representa um estgio

    inicial de purificao da ascenso do esprito acima

    do nvel do sensitivo e do mundano, uma preparao

    para a recepo da sabedoria. A Lgica a equivalente

    ascenso hermtica ao nvel da pura forma, do

    eterno, do Esprito Universal (Ideia Absoluta). A

    Filosofia da Natureza descreve uma emanao ou

    alienao do Esprito Universal na forma do mundo

    espao-temporal. Suas categorias cumprem uma

    transfigurao do natural: ns passamos a ver o mundo

    como reflexo do Esprito Universal. A Filosofia do

    Esprito efetua um retorno da natureza criada ao

    Divino por meio do homem, que pode se elevar acima

    do mero natural e atualizar Deus no mundo por meio

    das formas concretas de vida (e.g., o Estado e a religio)

    e pela filosofia especulativa.

    Os estudos sobre Hegel e a tradio hermtica

    importante salientar que essas afirmaes no seriam

    particularmente controversas nas dcadas que se

    seguiram morte de Hegel. Na dcada de 1840,

    Schelling acusou Hegel publicamente de ter extrado

    muito da sua filosofia de Jakob Bhme. Um dos

    discpulos de Hegel, Friedrich Theodor Vischer, uma

    vez perguntou: Vocs se esqueceram que a nova

    filosofia veio direto da escola dos antigos msticos,

    especialmente de Jakob Bhme? . Outro hegeliano,

    Hans Martensen, autor de um dos primeiros estudos

    poderiam ser decifradas e

    interpretadas). v. Faivre,

    Renaissance Hermeticism

    and Western Esotericism em

    Gnosis and Hermeticism, ed.

    Roelof van den Broek e Wouter

    J. Hanegraaf (Albany: State

    University of New York Press,

    1998), p. 110. Faivre faz uma

    distino entre

    hermeticismo e

    hermetismo, sendo que

    este ltimo designa o Corpus

    Hermeticum e seu meio

    intelectual.

    14. Nota do tradutor: salutar

    notar que isso na verdade seria

    o desmo. Na crena

    catlica tem-se a Igreja, que

    o Corpo Mstico de Cristo, e os

    Sacramentos que, mais do que

    prximos, vo at o mago de

    cada um.

    15. Hermetica, trad. Brian

    Copenhaver (Cambridge:

    Cambridge University Press,

    1992), p. 20

    16. Ibid., p. 30.

    17. Ibid., p. 56.

    18. Tuveson, entretanto, vai

    muito alm quando identifica

    essa posio com o

    hermetismo stricto sensu e

    rejeita outros aspectos tais

    como o interesse em alquimia

    e correspondncias como se

    fossem acidentais ou no

    verdadeiramente

    hermticos. Ernest Lee

    2

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    acadmicos sobre Meister Eckhart, observou que O

    misticismo alemo a primeira forma pela qual a

    filosofia alem se revelou na histria do pensamento

    (filosofia para os hegelianos geralmente significa a

    filosofia de Hegel) . Willhelm Dilthey observou a

    mesma continuidade entre o misticismo alemo e a

    filosofia especulativa.

    Possivelmente o mais famoso estudo sobre os aspectos

    hermticos em Hegel feito no sculo XIX foi Die

    christlich Gnosis (1835) de Ferdinand Christian Bauer.

    A obra de Bauer foi uma das primeiras a tentar definir o

    gnosticismo e distinguir suas diferentes formas. O

    termo gnstico usado de maneira muito dissoluta

    mesmo na nossa poca, e muito frequentemente o que

    seria mais apropriadamente nominado como

    hermtico acaba por ser taxado de gnstico.

    (Discutirei a diferena entre os dois na prxima seo).

    Aps uma longa discusso sobre o gnosticismo na

    antiguidade, Bauer argumenta que Jakob Bhme foi um

    gnstico moderno e que Schelling e Hegel podem ser

    vistos como herdeiros intelectuais de Bhme e,

    portanto, gnsticos. A obra Die christliche Gnosis a

    coisa mais prxima de um livro sobre Hegel e a tradio

    hermtica que foi publicado, embora, como j disse, o

    foco de Bauer tenha sido o gnosticismo e no o

    hermetismo . Em 1835, Ludwig Noack publicou uma

    obra em dois volumes, Die Christlich Mystik nach

    ihrem geschichtlichen Entwicklungsgange im

    Mittelalter und in der neueren Zeit dargestellt, onde ele

    trata os idealistas como representantes modernos do

    misticismo.

    Discusses ulteriores acerca da ligao de Hegel com o

    hermetismo so frequentemente ligadas a discusses

    similares acerca de Schelling. Acontece isso com a obra

    Mystical Sources of German Romantic Philosophy de

    Ernst Benz, que breve, mas considerada indispensvel

    Tuveson, The Avatars of Thrice

    Great Hermes: Na Approach to

    Romanticism (Lewisburg, Pa.:

    Bucknell University Press,

    1982), p. 15-16; p. 34.

    19. Copenhaver, p. 33.

    20. Ibid., p. 42.

    21. Garth Fowden, The Egyptian

    Hermes: A Historical

    Approach to the Late Pagan

    Mind (Princeton, N.J.:

    Princeton University Press,

    1986), p. 104.

    22. Nota do tradutor:

    precisamente a gratuidade,

    pelo menos no cristianismo, a

    essncia primeira do amor. O

    autor aparentemente quis

    deixar a entender que h

    aqueles que s acreditam em

    amor se houver algum

    interesse escuso.

    3

    4

    5

    6

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    pelos principais estudiosos da rea. Em 1938, o

    estudioso alemo Robert Schneider publicou Schellings

    und Hegels scbwbische Geistesahnen em Wrzburg.

    Muitas das cpias do livro de Schneider foram

    destrudas durante o bombardeio das tropas aliadas a

    Wrzburg em 16 de maro de 1945. Schneider foi

    destrudo junto com elas. Seu livro um valoroso

    estudo sobre o pietismo teosfico prevalecente em

    Wrttemberg durante as juventudes de Hegel e

    Schelling.

    Outras obras de autores alemes que lidam com a

    relao do misticismo ou hermetismo com o idealismo

    alemo e Hegel so Meister Eckhart der Vater der

    Deutschen Spekulation. Ein Beitrag zu einer Geschichte

    der deutschen Theologie und Philosophie der mittleren

    Zeit (1864) de Josef Back; Geschichte der Entdeckung

    der deutschen Mystiker, Eckhart, Tauler u. Seuseim 19.

    Jahrhundert (1931) de Gottfried Fischer; Die

    idealistische Philosophie und das Christentum (1926)

    de Emanuel Hirsch; Philosophie und Theologie im

    Sptidealismus, Forschungen zur Auseinandersetzung

    von Christentum und idealistischer Philosophie im

    19.Jahrhundert(1919) eVon Jakob Boehme zu Schelling.

    Zur Metaphysik des Gottesproblems (1927) de Fritz

    Leese; Die Religion des Deutschen Idealismus und ihr

    Ende (1923) de Wilhelm Ltgert e Die Anfange der

    Philosophie des deutschen Idealismus (1930) de

    Heinrich Maier. H tambm um considervel nmero

    de obras holandesas tratando do assunto: Schelling,

    Hegel, Fechner en de nieuwere theosophic(1910) de G.

    J. R J. Bolland;Het mystieke karakter van Hegels logica

    de J. dAulnis de Bourrouills e Hegeliaansch-

    theosofische opstellen(1913) de H. W. Mook.

    Em francs, a obra Hegel Secret (1968) de Jacques

    dHondt um estudo extremamente importante sobre a

    relao de Hegel com as sociedades secretas

    23. Veja, por exemplo, Gerald

    Hanratty, Hegel and the

    Gnostic Tradition I,

    Philosophical Studies

    (Irlanda), p. 30 (1984): pp. 23-

    48; Hegel and the Gnostic

    Tradition II, Philosophical

    Studies (Irlanda), p. 31 (1986-

    1987), p. 301-325; Jeff

    Mitscherling, The Identity of

    the Human and the Divine in

    the Logic of Speculative

    Philosophy em Hegel and the

    Tradition: Essays in Honor of

    H. S. Harris, ed. Michael Baur

    e John Russon (Toronto:

    University of Toronto Press,

    1997), pp. 143-161. O

    entendimento que

    Mitscherling tem do

    gnosticismo deriva do

    Colquio de Messina sobre as

    Origens do Gnosticismo.

    Todavia, como observa Roelof

    van denBroek, o Colquio de

    Messina define o gnosticismo

    de maneira to ampla que

    ele perde toda a substncia

    concreta. V. Broek,

    Gnosticism and Hermetism

    in Antiquity em Gnosis and

    Hermeticism, p.4.

    24. Fowden, The Egyptian

    Hermes, p. 106.

    25. Giovanni Pico della Mirandola,

    Oration on the Dignity of Man,

    trad. A. Robert Caponigri

    (Chicago: Regnery Gateway,

    1956), p. 28.

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    hermticas, tais como a Maonaria, Illuminati e Rosa-

    cruz.

    H tambm em ingls um importante corpo de obras

    sobre Hegel e o misticismo, que comea com The

    Mystical Element in Hegels Early Theological Writings

    (1910) de George Plimpton Adams. Frederick Copleston

    tambm foi autor de um valioso artigo intitulado

    Hegel and the Rationalization of Mysticism [Hegel e a

    Racionalizao do Misticismo] em 1971. Provavelmente,

    o intrprete de lngua inglesa mais lido, J. N. Findlay,

    era ele mesmo um teosofista, e sua interpretao de

    Hegel est sintonizada com os aspectos msticos e

    hermticos da obra hegeliana. Na obra Hegel: A Re-

    Examination(1958), Findlay sugere tentadoramente que

    Hegel foi um representante no sculo XIX de parte da

    philosophia Germanica perennis . A biografia

    intelectual de dois volumes escrita por H. S. Harris

    intitulada Hegels Development (1972/1983) contm

    digresses acerca da relao de Hegel com Eckhart,

    Bhme, Baader e a alquimia. Recentemente, Cyril

    ORegan publicou um inovador estudo sobre as razes

    msticas da filosofia de Hegel intitulado The Heterodox

    Hegel (1994).

    At o momento, entretanto, a abordagem mais

    influente em lngua inglesa sobre o hermetismo de

    Hegel vem de Eric Voegelin. Em seu ensaio Response

    to Professor Altizers A New History and a New but

    Ancient God, Voegelin admite: Por um longo tempo

    eu evitei calculadamente tecer qualquer crtica sria

    sobre Hegel em minhas obras publicadas, pois eu

    simplesmente no conseguia entend-lo. Isso mudou

    quando Voegelin, em seu estudo sobre gnosticismo,

    descobriu que Hegel foi considerado pelos seus

    contemporneos um pensador gnstico. Voegelin

    segue e afirma que o pensamento de Hegel pertence

    contnua histria do hermetismo moderno que vem

    26. Joseph Campbell,

    Transformation of Myth

    Through Time (New York:

    Harper and Row, 1990), p. 189.

    27. Fowden, The Egyptian

    Hermes, p. 106.

    28. H.S. Harris, Hegels

    Development, vol. 2, Night

    Thoughts (Oxford: Oxford

    University Press, 1983), p. 191.

    29. Vondung, Millenarianism,

    Hermeticism, and the Search

    for a Universal Science. In

    Science, Pseudo-Science, and

    Utopianism in Early Modern

    Thought, ed. Stephen

    McKnight, (Columbia:

    University of Missouri Press,

    1992), p. 132.

    7

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    desde o sculo XV . A principal afirmao de Voegelin,

    entretanto, encontra-se no ensaio ferozmente

    polmico On Hegel: A Study in Sorcery [Sobre Hegel:

    Um estudo em feitiaria], onde ele se refere

    Fenomenologia do Esprito como um grimrio que

    deve ser tomado como uma obra de mgica, pois, com

    efeito, ela [a obra] uma das grandes performances de

    mgica .

    As afirmaes de Voegelin so mpares, na medida em

    que ele no diz simplesmente que Hegel foi

    influenciado pela tradio hermtica. Ele afirma que

    Hegel era parte da tradio hermtica e no pode ser

    bem compreendido como algum fora dela.

    Infelizmente Voegelin nunca desenvolveu

    adequadamente sua tese. Ele nunca pronunciou em

    detalhes de que forma Hegel era um pensador

    hermtico. Voegelin, contudo, encorajou outros

    estudiosos a desenvolver sua tese de maneira mais

    sistemtica (e sbria). David Walsh, por exemplo,

    escreveu uma importante tese de doutorado intitulada

    The Esoteric Origins of Modern Ideological Thought:

    Boehme and Hegel (1978) onde ele faz fortes colocaes

    acerta da dvida que Hegel tem com Bhme . Gerald

    Hanratty tambm publicou um extenso ensaio divido

    em duas partes intitulado Hegel and the Gnostic

    Tradition [Hegel e a tradio gnstica](1984-87).

    At a presente obra, apesar de toda essa atividade

    acadmica, ainda no houve um escrito sistematizado,

    do tamanho de um livro, sobre Hegel como pensador

    hermtico que levasse em conta no apenas sua

    evoluo intelectual, mas tambm todo o seu sistema j

    amadurecido.

    Considero esta obra no apenas uma continuao da

    tradio de estudos que citei acima, mas tambm uma

    contribuio para o contnuo projeto da histria das

    30. Copenhaver, p. 16-17; grifos

    meus.

    31. Karl Rosenkranz, Georg

    Wilhelm Friedrich Hegels

    Leben (Darmstadt:

    Wissenschaftliche

    Buchgesellschaft, 1969), p. 141.

    O fragmento referido por

    Harris e Knox como A

    Suposta Concluso do Sistema

    da Vida tica. V. H. S. Harris

    e T. M. Knox, System of

    Ethical Life and First

    Philosophy of Spirit (Albany:

    State University of New York

    Press, 1979), p. 178.

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    ideias cujos pioneiros foram Eric Voegelin, Frances

    Yates, Antoine Faivre, Richard Popkin, Allan Debus,

    Betty Jo Teeter Dobbs, Paul Oskar Kristeller, D. P.

    Walker, Stephen McKnight e Alison Coudert (v.

    bibliografia). Esses estudiosos argumentam que o

    hermetismo influenciou vrios dos principais

    pensadores racionalistas, tais como Bacon, Descartes,

    Spinoza, Leibniz e Newton, e desempenhou at ento

    um papel pouco apreciado na formao das ideias

    centrais e ambies da filosofia moderna e das cincias,

    particularmente o projeto de investigao cientfica

    progressiva e do domnio tecnolgico da natureza.

    certamente uma das grandes ironias da histria que o

    ideal hermtico do homem como mago que atinge o

    conhecimento total e empunha poderes divinos a fim

    de trazer a perfeio ao mundo tenha sido o prottipo

    do cientista moderno. Ainda, conforme escreveu Gerald

    Hanratty, a disseminao do apelo s tcnicas mgicas

    e alqumicas inspiraram uma nova confiana nos

    poderes operacionais do homem. Em contraste com as

    atitudes passivas e contemplativas que geralmente

    prevaleciam durante os primeiros sculos, os

    alquimistas e magos da Renascena afirmaram seus

    domnios sobre todos os nveis do ser. O hermetismo

    substitui o amor sabedoria pelo desejo de poder.

    Conforme veremos, o sistema hegeliano a derradeira

    expresso dessa busca pelo controle.

    O que o hermetismo?

    Se Hegel pode ou no ser entendido como hermtico

    depende de como definido o hermetismo. Na verdade,

    o hermetismo difcil de se definir rigorosamente.

    Seus adeptos tendem a compartilhar certos interesses

    frequentemente classificados como ocultos ou

    esotricos que so mantidos juntos apenas por

    familiaridade. Em parte, meu argumento para o

    32. Fowden, The Egyptian

    Hermes, p. 77.

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    hermetismo de Hegel reside em demonstrar que os

    interesses de Hegel coincidem com a curiosa mistura de

    interesses tpicas dos hermticos. Dentre esses

    interesses podemos incluir alquimia, cabala,

    mesmerismo, percepo extra-sensorial,

    espiritualismo, radiestesia, escatologia, prisca teologia,

    philosophia perennis, lullismo, paracelsimo,

    joaquinismo, rosacrucianismo, maonaria, misticismo

    eckhartiano, sistemas secretos de simbolismo de

    correspondncias, vitalismo e simpatias

    csmicas.

    H, entretanto, um aspecto essencial que tomarei como

    definitivo do hermetismo. Ernest Lee Tuveson, na obra

    The Avatars of Thrice Greatest Hermes: An Approach to

    Romanticism sugere que o hermetismo constitui uma

    posio intermediria entre as concepes do deus

    pantesta e do Deus judaico-cristo. De acordo com a

    tradio de pensamento judaico-crist, Deus

    transcende completamente a criao e est distante

    dela . Alm disso, Deus totalmente autossuficiente e,

    portanto, no precisava ter criado o mundo, de modo

    que Ele no teria perdido nada se no o houvesse

    criado. Desta maneira, o ato da criao

    essencialmente gratuito e livre de qualquer interesse

    prprio. Deus cria da pura abundncia, no da

    necessidade. Essa doutrina se mostrou insatisfatria

    ou at mesmo perturbadora para muitos, pois

    segundo esses que se perturbam, isso torna a criao

    arbitrria e absurda. O pantesmo, ao contrrio, envolve

    totalmente o divino no mundo, de modo que tudo se

    torna Deus, at mesmo a lama, os pelos e o p, de

    maneira que o divino abstrado da sua exaltao e

    sublimidade. Sendo assim, o pantesmo igualmente

    insatisfatrio.

    O hermetismo uma posio intermediria, pois

    afirma tanto a transcendncia do mundo quanto seu

    33. v. Cyril ORegan, The

    Heterodox Hegel (Albany:

    State University of New York

    Press, 1994), p. 86.

    34. David Kolb, Critique of Pure

    Modernity: Hegel, Heidegger,

    and After (Chicago: University

    of Chicago Press, 1986), p. 42-

    43.

    35. Klaus Hartmann, Hegel: A

    Non-Metaphysical View in

    Hegel: A Collection of Critical

    Essays, ed. Alasdair MacIntyre

    (Notre Dame: University of

    Notre Dame Press, 1972), p.

    124.

    36. Os que fazem a leitura no-

    metafsica e antiteolgica

    devem arranjar uma maneira

    de explicar a seguinte

    passagem: Deus o nico

    objeto da filosofia. [O

    essencial dela ] se ocupar de

    Deus, de apreender tudo Nele,

    de levar tudo de volta a Ele,

    assim como obter tudo que

    prprio de Deus e justificar

    tudo apenas como originrio

    de Deus, como sustentado

    atravs da relao com Ele,

    como vivido pelo brilho Dele e

    como vivente no interior da

    prpria mente de Deus.

    Assim, filosofia teologia, e

    quando se trabalha com a

    filosofia ou melhor, na

    filosofia se est a servio de

    Deus (Lies Sobre a Filosofia

    da Religio: 84 e Lies Sobre a

    Filosofia do Direito I:3-4)

    13

    14

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    envolvimento nele. Deus metafisicamente distinto do

    mundo, mas ainda assim Ele precisa do mundo para se

    completar. Assim, o ato da criao no gratuito ou

    desinteressado, mas necessrio e racional, segundo o

    hermetismo. Considere esse trecho do Discurso de

    Hermes a Tat: O receptculo de mistura ou a mnada

    (Corpus Hermeticum IV): Se me forares a dizer algo

    mais atrevido, essencial [Deus] estar prenhe de todas

    as coisas para faz-las. Como impossvel que se crie

    algo sem um criador, tambm impossvel a esse

    criador no existir a menos que ele esteja o tempo todo

    criando tudo Ele prprio as coisas que so e aquelas

    que no so . Considere tambm o Corpus

    Hermeticum X: A atividade de Deus a vontade e Sua

    essncia querer que todas as coisas sejam .

    Finalmente, considere o Corpus Hermeticum XIV:

    Esses dois representam tudo que h: o que vem a ser e

    o que o faz; e impossvel separ-los um do outro.

    Nenhum criador pode existir sem algo que est por

    vir . Assim, de acordo com o hermetismo, Deus

    precisa da criao para ser Deus . Essa abordagem

    hermtica da criao central tambm ao pensamento

    hegeliano.

    Mas no para por a: os hermticos no s defendem

    que Deus requer uma criao, como tambm tornam

    uma criatura especfica, o homem, um agente crucial na

    auto-atualizao de Deus. O hermetismo defende que o

    homem pode conhecer Deus, e que o conhecimento do

    homem sobre Deus necessrio para a completude

    deste mesmo Deus. Considere as palavras do Corpus

    Hermeticum X: Deus, pois, no ignora a humanidade;

    ao contrrio, ele reconhece-se nela completamente e

    deseja ser reconhecido. Para a humanidade, essa a

    nica libertao: o conhecimento de Deus. a ascenso

    ao Olimpo . No Corpus Hermeticum XI pergunta-se

    Quem mais visvel que Deus? Eis por que ele fez

    37. Louis Dupr, prefcio ao livro

    The Heterodox Hegel de Cyril

    ORegan, p. ix

    38. Martin Heidegger, The Onto-

    Theo-Logical Constitution of

    Metaphysics in Identity and

    Difference, ed. bilngue, trad.

    Joan Stambaugh (New York:

    Harper and Row: 1969); Walter

    Jaeschke, Reason in Religion:

    The Formation of Hegels

    Philosophy of Religion, trad. J.

    Michael Steward e Peter

    Hodgson (Berkeley: University

    of California, 1990), Die

    Religionsphilosophie Hegels

    (Darmstadt:

    Wissenschaftliche

    Buchgesellschaft, 1983),

    Speculative and

    Anthropological Criticism of

    Religion: A Theological

    Orientation to Hegel and

    Feuerbach, Journal of the

    American Academy of Religion

    48 (1980): pp. 345-364; Emil

    Fackenheim, The Religious

    Dimension of Hegels Thought

    (Bloomington: Indiana

    University Press, 1967);

    Malcolm Clark, Logic and

    System: A Study of the

    Transition from Vorstellung

    to Thought in the Philosophy

    of Hegel (The Hague:

    Martinus Nijhoff, 1971); Albert

    Chapelle, Hegel et la religion,

    3 vols. (Paris: ditions

    Universitaires, 1964-1971);

    Claude Bruaire, Logique et

    religion chrtienne dans la

    philosophie de Hegel (Paris:

    ditions du Seuil, 1964);

    IwanIljin, Die Philosophie

    Hegels also contemplative

    15

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    todas as coisas: para que por meio de todas elas voc

    possa olhar para ele . Como observa Garth Fowden, o

    que Deus ganha da criao o reconhecimento: A

    contemplao humana de Deus de alguma maneira

    um processo de mo dupla. No apenas o Homem

    deseja conhecer Deus, mas Deus tambm deseja ser

    conhecido pela mais gloriosa das Suas criaes: o

    Homem . Resumidamente, o objetivo do homem

    conquistar o conhecimento de Deus (ou a sabedoria de

    Deus, teosofia). Ao fazer isso, o homem atende

    prpria necessidade de Deus de ser reconhecido. A

    sabedoria humana de Deus se torna o conhecimento de

    Deus de si mesmo. Desta maneira, a necessidade pela

    qual o cosmo criado a necessidade do

    autoconhecimento, atingido por meio do

    reconhecimento. Variaes dessa doutrina podem ser

    encontradas ao longo da tradio hermtica.

    importante entender o significado dessa doutrina na

    histria das ideias. Na abordagem judaico-crist da

    criao, a criao do mundo e a ordem de Deus para que

    a humanidade busque conhece-Lo e am-Lo parece

    arbitrria, pois no h razo para que um ser perfeito

    deva querer ou precisar de algo . Para os hermticos, a

    grande vantagem dessa concepo que ela nos diz

    porque o cosmos e o desejo humano de conhecer Deus

    existem em primeiro lugar.

    Essa doutrina hermtica da relao circular entre

    Deus e a criao e a necessidade do homem para a

    completude de Deus completamente original. No se

    acha essa concepo na filosofia. Todavia, ela

    recorrente no pensamento hermtico e a principal

    identidade doutrinal entre o hermetismo e o

    pensamento de Hegel.

    Com efeito, ele frequentemente descrito como um

    mstico; de fato, at ele mesmo se descrevia como um

    Gotteslehre (Berne: Francke,

    1946).

    39. Em uma carta de 3 de julho de

    1826 endereada a Friedrich

    August GottreuTholuch (1799-

    1877), Hegel escreve: Eu sou

    luterano e, por meio da

    filosofia, fui definitivamente e

    completamente confirmado

    no luteranismo. V. Hegel:

    The Letters, trad. Clark Butler

    e Christianne Seiler

    (Bloomington: Indiana

    University Press, 1984), p. 520;

    cf. Johannes Hoffmeister,

    Briefe von und an Hegel, 4

    vols. (Hamburg: Felix Meiner,

    1952-1961). Hoffmeister

    enumera as cartas. Esta a

    514a. Doravante, referncias

    s cartas de Hegel sero

    escritas da seguinte maneira:

    Butler, 520; Hoffmeister

    #514a. Em 1826 uma pequena

    controvrsia surgiu em Berlim

    quando um padre que

    compareceu a uma

    conferncia de Hegel

    reclamou ao governo acerca do

    contedo alegadamente

    anticatlico proferido por

    Hegel. O filsofo respondeu:

    Fosse para processar-me por

    causa das afirmaes que fiz

    do alto pdio que causaram

    perturbao aos alunos

    catlicos, os culpados seriam

    somente eles mesmos por

    comparecerem a conferncias

    filosficas em uma

    universidade protestante e

    perante um professor que se

    orgulha de ter sido batizado e

    criado como um luterano, o

    que por sinal ainda e

    continuar sendo (v. Butler,

    532). Em uma crtica no ano de

    1829 de K. F. Gschel,

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    (v. captulo 4). Mas o misticismo um conceito elstico

    que se insere em vrias ideias radicalmente diferentes;

    Todas as formas de misticismo buscam de alguma

    maneira o conhecimento, a experincia ou a unidade

    com o divino. Se nos perguntarmos que tipo de mstico

    Hegel , a resposta ser: um hermtico. O hermetismo

    frequentemente confundido com outra forma de

    misticismo: o gnosticismo (especialmente nos recentes

    estudos sobre Hegel) . Tanto o gnosticismo quanto o

    hermetismo acreditam que uma centelha divina est

    presente no homem, e que ele pode vir a conhecer

    Deus. Entretanto, o gnosticismo d uma abordagem

    absolutamente negativa da criao. Ele no considera a

    criao parte do ser de Deus ou como algo que d a

    completude a Deus, tampouco considera que Deus de

    alguma forma precise do homem para conhec-Lo. O

    hermetismo tambm frequentemente confundido

    com o neoplatonismo. Como os hermticos, Plotino

    considera que o cosmos um processo circular em que

    o Um emana e tudo a Ele retorna. Diferente dos

    hermticos, Plotino no considera que o Um completo

    pela contemplao que o homem faz Dele. (Sculos

    depois, porm, o neoplatonismo de Proclo e da

    Renascena foi influenciado pelo hermetismo.)

    Outro paralelo entre o hermetismo e Hegel o processo

    de iniciao pelo qual a poro intuitiva do intelecto

    treinada para ver a Razo inerente ao mundo. Como

    observa Fowden, a iniciao hermtica parece dividir-

    se em duas partes: uma lida com o autoconhecimento e

    a outra com o conhecimento de Deus . Pode ser

    facilmente mostrado no simples nvel terico que essas

    duas esto intimamente ligadas, segundo os

    hermticos. Conhecer verdadeiramente a si estar apto

    a fazer um discurso completo sobre as condies do

    prprio ser, e isso envolve falar sobre Deus e todo o Seu

    cosmos. Como coloca Pico della Mirandola, aquele que

    A Revista Terminal um

    projeto sem fins

    lucrativos que busca

    simplesmente reunir e

    divulgar bons trabalhos

    de traduo, ensaios,

    Aphorismen ber Nichtwissen

    und absolutes Wissen im

    Verhltnisse zur christlichen

    Glaubenserkenntnis, Hegel

    deixa claro que ele fica

    satisfeito ao ter sua obra

    tratada como filosofia

    crist. Berliner Schriften,

    1818-1831, ed. Eva Moldehauer

    e Karl Markus Michel

    (Frankfurt am Main:

    Suhrkamp, 1986).

    40. Em Lies sobre a Histria da

    Filosofia, Hegel observa que

    os arianos, por no

    reconhecerem Deus em Cristo,

    acabaram com a ideia de

    Trindade e,

    consequentemente, com o

    princpio de toda a filosofia

    especulativa (3:20). J. N.

    Findlay escreve que todo o

    sistema [de Hegel] pode ser de

    fato uma tentativa de ver os

    mistrios cristos em qualquer

    coisa, em todos os processos

    naturais, em todas as formas

    de atividade humana e em

    toda transio lgica (Hegel:

    A Re-Examination, p. 131).

    41. Em A Cincia da Lgica (vol. I

    Enciclopdia das Cincias

    Filosficas em Compndio)

    Hegel fala sobre o

    pensamento representativo:

    Quando se encontra

    deslocad[o] para a regio pura

    dos conceitos, no sabe onde

    est no mundo. (3)

    23

    24

  • 06/05/2015 Hegel e a tradio hermtica, Glenn A. Magee | Terminal

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    se conhece, conhece todas as coisas em si . Alm

    disso, no Oriente Prximo era comum retratar Deus

    como um ser pairando estranhamente entre a

    transcendncia e a imanncia. Nesses termos, a

    conquista da iluminao envolvia de alguma maneira

    ver o divino em si mesmo, tornando-se tambm o

    conhecedor neste mesmo ato [um ser] divino.

    Ns realmente no sabemos se o culto de Hermes

    empregou os textos hermticos como escritos

    sagrados. Sabemos pouco ou quase nada dos seus ritos

    de iniciao e de como eles viveram. Contudo, podemos

    dizer, por exemplo, que a iniciao hermtica se difere

    da iniciao aos mistrios eleusinos da Grcia Clssica.

    fato tambm que pouco sabemos sobre o que

    acontecia em Elusis, mas parece ser o caso que a

    iluminao l consistia na participao em algum tipo

    de experincia arrebatadora cuja inteno era mudar

    permanentemente o iniciado . No sabemos qual era

    essa experincia, mas sabemos que ela podia acontecer

    com jovens e velhos, ricos e pobres, educados e

    analfabetos. No esse o caso quando falamos da

    tradio hermtica. A salvao para os hermticos se

    d, conforme vimos, por meio da gnosis, ou seja, pelo

    conhecimento. Isso pode ser atingido somente por

    meio do trabalho duro e, portanto, s alguns

    conseguem. Hermes citado no Corpus Hermeticum

    XVI afirmando que seus ensinamentos mantm oculto

    o significado das palavras, escondido do

    discernimento daqueles que no merecem.

    Seria um erro, contudo, tratar a iniciao hermtica

    como algo puramente intelectual. A iluminao no

    ocorre ao simplesmente aprender um conjunto de

    doutrinas. O iniciado no deve apenas conhecer a

    doutrina, mas tambm deve ter a experincia real da

    verdade da doutrina. Ele deve ser cuidadosamente

    guiado iluminao; com efeito, ele deve explorar os

    poemas e contos. Entre

    em contato conosco e

    envie o seu.

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    http://revistaterminal.com.br/hegel-e-a-tradicao-hermetica-glenn-a-magee/ 18/26

    becos escuros que prometem a iluminao, mas no a

    do. Apenas dessa maneira, ir a verdadeira doutrina

    significar algo; apenas dessa maneira mudar de fato a

    vida do iniciado. Fowden afirma que a iniciao

    hermtica encarada como uma experincia

    verdadeira que expande todas as capacidades daqueles

    que embarcam nela e cita o Corpus Hermeticum IV,

    que diz que um caminho extremamente tortuoso

    abandonar aquilo a que se est acostumado e se possui

    agora para e retraar os prprios passos rumo s

    antigas coisas primordiais . Veremos no captulo 4

    que Hegel preserva tanto a importncia intelectual

    quanto a emocional dessa concepo hermtica de

    iniciao.

    A iluminao, tanto para os autores da Hermetica

    quanto para Hegel, no apenas um evento intelectual:

    espera-se que ela mude a vida do iluminado. A filosofia,

    para Hegel, trata-se de ser vivenciada . Em suma, o

    homem que atinge a Selbstbewusstsein o homem que

    se torna selbstbewusst: confiante, auto-atualizado e

    no mais um ser humano ordinrio. Klaus Vondung

    escreve que O hermtico no precisa escapar do

    mundo para se salvar. Ele quer adquirir conhecimento

    do mundo para poder expandir a si mesmo e utilizar

    esse conhecimento para penetrar no eu divino. O

    hermetismo uma gnosis positiva, por assim dizer,

    devota ao mundo . Saber tudo de alguma maneira ter

    controle sobre tudo. isso que eu chamo do ideal do

    homem como mago, concepo nica da Hermetica.

    Veja, por exemplo, o Corpus Hermeticum IV: Todos

    aqueles que ouviram a proclamao e se imergiram no

    esprito [nous] participaram do conhecimento e se

    tornaram perfeitos [ou completos, teleioi], pois

    receberam esprito. Mas aqueles que perderam o ponto

    de proclamao so pessoas de razo [ou discurso,

    logikon] porque no receberam o [dom do] esprito e

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    tambm no conhecem o propsito ou os agentes da

    sua ida ao nous . Em outras palavras, os homens de

    completo autoconhecimento que conhecem at mesmo

    o propsito ou os agentes do seu devir so seres

    humanos perfeitos. Se Hegel no acreditava que o

    homem podia literalmente se tornar Deus, ele

    certamente acreditava que o homem sbio era

    daimnico: um participante muito mais do que

    meramente humano na vida divina.

    No Corpus Hermeticum, encontramos uma posio de

    ligao entre o ocultismo egpcio e o hermetismo

    moderno de Hegel e outros. Em vez de conceber as

    palavras como portadoras de poderes ocultos, elas

    passaram a ser vistas como portadoras de um tipo de

    capacitao existencial. O ideal da teosofia hermtica se

    torna a formulao de um discurso completo (teleeis

    logos, discurso perfeito ou talvez discurso

    enciclopdico, que significa, evidentemente, discurso

    circular). Quando adquirido, o discurso completo que

    trata do todo da realidade, transformar e capacitar a

    vida do iluminado. Assim escreve Hegel em um

    fragmento preservado por Rosenkranz:

    Todo indivduo um elo cego na cadeia da absoluta

    necessidade ao longo do qual o mundo se desenvolve.

    Todo indivduo pode elevar-se para dominar uma

    grande parte dessa cadeia, mas apenas se ele

    compreender o objetivo dessa grande necessidade e,

    por virtude do seu conhecimento, aprender a falar as

    palavras mgicas que evocam sua forma. H um

    conhecimento para simultaneamente absorver e se

    elevar acima da energia total do sofrimento e da

    anttese, que dominou o mundo e todas as formas do

    seu desenvolvimento por milhares de anos; esse

    conhecimento pode ser obtido somente na filosofia.

    Outro paralelo entre o hermetismo e Hegel a anlise

    30

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  • 06/05/2015 Hegel e a tradio hermtica, Glenn A. Magee | Terminal

    http://revistaterminal.com.br/hegel-e-a-tradicao-hermetica-glenn-a-magee/ 20/26

    do divino em um conjunto de modos ou

    momentos. Os hermticos no se contentam com a

    ideia de um Deus incognoscvel. Em vez disso, eles

    buscam penetrar no mistrio divino. Eles afirmam que

    possvel conhecer Deus de maneira fragmentada

    quando passa-se a entender os diferentes aspectos do

    divino. O melhor exemplo a Cabala, tanto na sua

    forma judaica quanto na crist. Llio, Bruno,

    Paracelsus, Bhme, Oetinger e vrios outros na tradio

    hermtica sustentam essa crena.

    Outro paralelo entre o hermetismo e Hegel a doutrina

    das relaes internas. Para os hermticos, o cosmos

    no est frouxamente conectado ou, para usar uma

    linguagem hegeliana, disposto em um conjunto

    externamente relacionado de particulares. Ao

    contrrio, segundo essa doutrina, tudo est

    internamente conectado, uma coisa entrelaada com a

    outra. Mesmo que o cosmos possa vir a estar

    hierarquicamente disposto, h foras que se sobrepe a

    isso e unificam todos os nveis. Foras divinas

    conhecidas ora por energia e ora por luz

    percorrem o todo . Este princpio est expresso mais

    claramente na Tbua Esmeraldina de Hermes

    Trimegistus, que logo na segunda linha tem a frase O

    que est embaixo como o que est em cima. Essa

    mxima se tornou o dogma central do ocultismo

    ocidental, dado que ele formou a base para uma

    doutrina da unidade do cosmos por meio de simpatias e

    correspondncias entre seus vrios nveis. A

    implicao mais importante dessa doutrina a ideia de

    que o homem o microcosmo onde o todo do

    macrocosmo refletido. O autoconhecimento,

    portanto, leva necessariamente ao conhecimento do

    todo.

    Em resumo, as doutrinas da Hermetica que se tornaram

    caractersticas constantes na tradio hermtica podem

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  • 06/05/2015 Hegel e a tradio hermtica, Glenn A. Magee | Terminal

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    ser listadas da seguinte maneira:

    1. Deus requer a criao para poder ser Deus.

    2. Deus , em algum sentido, completado [pelo

    homem] ou tem uma necessidade de ser preenchido

    pela contemplao do homem a Ele.

    3. A iluminao trata-se de capturar o todo da realidade

    em um discurso completo e enciclopdico.

    4. O homem pode se aperfeioar atravs da gnosis: ele

    ganha poder por meio da posse do discurso completo.

    5. O homem pode conhecer aspectos ou momentos

    de Deus.

    6. Necessita-se de um estgio inicial de purificao

    para purificar o iniciado de falsos pontos de vista

    intelectuais antes de receber a verdadeira doutrina.

    7. O Universo um todo internamente relacionado que

    pervagado por energias csmicas.

    Para deixar claro os paralelos entre essas doutrinas e a

    de Hegel, eis uma antecipao do que se ver no

    restante do livro:

    1. Hegel afirma que o ser de Deus envolve a criao:

    esse o assunto da sua Filosofia da Natureza. A natureza

    um momento do ser de Deus.

    2. Hegel afirma que Deus de alguma maneira

    completo ou atualizado (tornado em ato) pela

    atividade intelectual da humanidade: a filosofia o

    estgio final na atualizao do Esprito Absoluto. Hegel

    sustenta a concepo circular de Deus e do cosmos a

    que me referi anteriormente, aquela que envolve Deus

    retornando a Si e verdadeiramente tornando-se Deus

    atravs do homem.

  • 06/05/2015 Hegel e a tradio hermtica, Glenn A. Magee | Terminal

    http://revistaterminal.com.br/hegel-e-a-tradicao-hermetica-glenn-a-magee/ 22/26

    3. A filosofia de Hegel enciclopdica: para todos os

    efeitos, ele busca finalizar a filosofia capturando o todo

    da realidade em um discurso completo e circular.

    4. Hegel acredita que ns nos elevamos acima da

    natureza e tornamo-nos mestres de nossos prprios

    destinos por meio da profunda gnosis provida por esse

    sistema.

    5. A Lgica de Hegel uma tentativa de descobrir os

    aspectos ou momentos de Deus como um sistema de

    ideias. Em uma famosa passagem da Cincia da Lgica,

    Hegel afirma que a lgica deve ser entendida como um

    sistema de razo pura, como a esfera do puro

    pensamento. Essa esfera a verdade como ela , sem

    vus, em sua prpria natureza absoluta. Pode-se dizer,

    portanto, que esse contedo a exposio de Deus tal

    como Ele em sua essncia eterna, antes da criao da

    natureza e de um esprito finito.

    6. A Fenomenologia do Esprito de Hegel representa, no

    sistema hegeliano, um estgio inicial de purificao ao

    qual aquele que quer ser filsofo purificado dos falsos

    pontos de vista intelectuais para que assim possa

    receber a verdadeira doutrina do Conhecimento

    Absoluto (lgica-natureza-esprito).

    7. A abordagem da natureza feita por Hegel rejeita a

    filosofia mecanicista. Ele sustenta o que os seguidores

    de Bradley mais tarde chamariam de doutrina de

    relaes internas, contra o entendimento

    tipicamente moderno mecanicista das coisas, que so

    tratadas em termos de relaes externas.

    Hegel: Um olhar metafsico

    Dada a evidncia do lugar que Hegel ocupa na tradio

    hermtica, parece surpreendente que to poucos

  • 06/05/2015 Hegel e a tradio hermtica, Glenn A. Magee | Terminal

    http://revistaterminal.com.br/hegel-e-a-tradicao-hermetica-glenn-a-magee/ 23/26

    estudiosos de Hegel tenham percebido isso. O assunto

    logo deixado de lado como se fosse algo sem

    importncia ou desinteressante (no nenhuma das

    duas coisas). Costumeiramente, ele tratado como

    relevante apenas juventude de Hegel (o que falso).

    Certamente uma das razes dessa atitude a

    especializao disciplinar. Poucos estudiosos da

    histria da filosofia chegam a estudar os pensadores

    hermticos. Outra razo a recente tendncia entre os

    influentes estudiosos de Hegel que dizem ser um

    disparate tratar Hegel como algum que tivesse

    qualquer interesse srio em metafsica ou teologia; o

    que dir ento o envolvimento em algum tipo de

    metafsica e teologia exticas que encontramos no

    hermetismo. Essa a dita leitura no-metafsica de

    Hegel. Como observou Cyril ORegan, ela anda de mos

    dadas com a leitura antiteolgica . Por exemplo,

    David Kolb escreve: Eu quero acima de tudo evitar a

    ideia de que Hegel fornea uma cosmologia que inclui a

    descoberta de uma nova e maravilhosa super-entidade,

    um eu csmico ou esprito do mundo ou super-

    mente . Mas exatamente isso que Hegel faz.

    A frase leitura no-metafsica parece ter sua origem

    em Klaus Hartmann, que em seu influente artigo de

    1972, Hegel: Uma leitura no-metafsica, identificou

    o sistema de Hegel como uma hermenutica de

    categorias . Dentre outros conhecidos propositores

    dessa abordagem que Hartmann d, h tambm Kenley

    Royce Dove, William Maker, Terry Pinkard e Richard

    Dien Winfield.

    A leitura no-metafsica/antiteolgica consiste em

    ignorar ou no considerar um assunto digno de ser

    tratado as vrias passagens francamente metafsicas,

    cosmolgicas, teolgicas e teosficas nos escritos e

    conferncias de Hegel . Assim, a leitura no-

    metafsica passa a ser mais uma reviso de Hegel que

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  • 06/05/2015 Hegel e a tradio hermtica, Glenn A. Magee | Terminal

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    uma interpretao. Seus defensores admitem isso

    (Hartmann, por exemplo), mas com frequncia eles

    oferecem sua leitura como oposio s outras

    interpretaes de Hegel. Alm disso, no acidental

    que os mesmos autores finalizem suas

    interpretaes atribuindo uma poltica de esquerda a

    Hegel, pois eles so, na verdade, os herdeiros

    intelectuais dos jovens hegelianos do sculo XIX que

    tambm faziam interpretaes no-metafsicas e

    antiteolgicas de Hegel. A leitura no-metafsica

    simplesmente trata de um Hegel sem tudo aquilo que

    possa parecer ofensivo ao esprito moderno, secular e

    liberal. Isso, entretanto, no significa que estou

    oferecendo uma leitura hegeliana de direita como

    alternativa. Estou simplesmente lendo Hegel. Ao fazer

    isso, espero contribuir com a anlise apartidria,

    histrica e textual do pensamento de Hegel,

    preconizada por Louis Dupr.

    Estou convencido de que tal leitura coloca

    inequivocamente a filosofia de Hegel na tradio da

    metafsica clssica. Ao dar esse olhar, estou em

    consonncia com a interpretao amplamente

    ontoteolgica que Martin Heidegger que cunhou o

    termo e por estudiosos como Walterjaeschke, Emil

    Fackenheim, Cyril ORegan, Malcolm Clark, Albert

    Chapelle, Claude Bruaire e Iwan Iljin . A

    ontoteologia refere-se equao entre o Ser, Deus e

    o logos. A abordagem que Hegel d ao Absoluto

    estruturalmente idntica que Aristteles faz do Ser

    como Substncia (ousia): o que h de mais real,

    independente e autossuficiente. Hegel identificou o

    Absoluto com Deus tanto publicamente (em livros e

    conferncias) como privadamente (em notas): em

    ambos os casos de modo franco e direto, sem margem

    para interpretaes muito diferentes . Hegel no

    oferece as categorias da sua lgica como meros

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    O AUTOR

    Leonildo Trombela Jnior

    dispositivos hermenuticos, mas sim como formas

    eternas, momentos ou aspectos da Mente Divina (Ideia

    Absoluta). Ele trata a natureza como se ela estivesse

    expressando as ideias divinas em formas

    imperfeitas. Ele fala de um Esprito do Mundo e o usa

    para explicar como a radiestesia e o magnetismo

    animal funcionam. Ele estrutura toda a sua filosofia em

    volta da Santssima Trindade crist e afirma que com o

    cristianismo, o princpio especulativo da filosofia foi

    revelado para a humanidade . Ele nos diz

    novamente de forma direta que o Estado Deus na

    Terra.

    No vejo razo para no levar a srio as palavras de

    Hegel em qualquer desses assuntos. Mesmo porque

    estou interessado apenas no que Hegel pensou, no em

    que Hegel deve ter pensado. Indubitavelmente, o

    sentido que Hegel d metafsica clssica e ao

    cristianismo transformador, pois ele no foi um mero

    fiel. Contudo, seus comprometimentos metafsicos e

    religiosos no eram exotricos. Ele acredita que o

    Absoluto e o Esprito do Mundo, etc. so seres reais;

    eles s no so reais no sentido em que as concepes

    tradicionais, devotas e representativas tm deles .

    Se Hegel se aparta da tradio metafsica em qualquer

    momento, para tirar o seu ar de falsa modstia. Hegel

    no afirma ser um mero buscador da verdade. Ele

    afirma que j a encontrou.

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