Heidegger e a Metafísica Da Subjetividade

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  • 7/25/2019 Heidegger e a Metafsica Da Subjetividade

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    HEIDEGGER E A METAFSICA DA SUBJETIVIDADE 1

    HEIDEGGER E A METAFSICA DA SUBJETIVIDADE

    Uma reflexo sobre a investigao fenomenolgicaheideggeriana da metafsica moderna.

    Heidegger no toma o ttulo metafsica em sua significao tradicional, isto , como

    expresso de um conhecimento que se encaminha para o ente na totalidade, expresso esta, que

    para ele, problemtica. Ele assume a metafsica como o ttulo para um problema fundamental da

    prpria metafsica: O que a metafsica, o que a filosofia ? Heidegger compreende a metafsica a

    partir da noo de esquecimento do ser, do abandono do homem hodierno no meio dos entes. O

    filsofo mergulha em uma intensa anlise histrica e conceitual, que visa determinar o que a

    metafsica, o que o niilismo, e como eles se relacionam e definem a essncia do Ocidente. Talanlise permite ao filsofo investigar, em diferentes pocas na tradio da filosofia Ocidental, uma

    sucesso de princpios metafsicos, cuja a finalidade era garantir algum tipo de fundamento para a

    inteligibilidade do real, seno vejamos: eidos em Plato, ousa em Aristteles, esse em Santo

    Toms de Aquino, cogito, ergo sum em Descartes, sujeito transcendental em Kant, o logos

    em Hegel e finalmente, a vontade de poder em Nietzsche. Heidegger rejeita todos esses

    princpios epocais da metafsica, porque eles trazem pensamentos que querem tudo de modo

    absoluto com fundamento ltimo. Ele considera insatisfatrios todos esses princpios, uma vez que

    a tradio metafsica edificada desde Plato at Nietzsche, foi sustentada por princpios alheios

    verdadeira natureza do ser, porque a esqueceu. Na verdade, ele concebe a metafsica com a noo

    de acontecimento-apropriativo (Ereignis) que determina o modo como o ser se d em diferentes

    pocas, como a histria do esquecimento da diferena ontolgica entre ser e ente (dando primazia

    ao ente enquanto tal), e que a metafsica se determina como esquecimento, porque ela acontece

    efetivamente em um horizonte que j sempre traz consigo o esquecimento da verdade do ser. Para

    Heidegger, a filosofia Ocidental desviou-se do verdadeiro questionamento acerca do sentido do ser,

    buscando esse sentido num transcendentis, enquanto ele encontra-se no ente1que o prprio homem

    , um ente na totalidade dos entes, onde tudo nele, por ele e para ele.A isto corresponderia o

    inevitvel antropomorfismo, que at conseguiu sua justificao metafsica por meio da metafsica

    da subjetividade(a metafsica moderna), atingindo sua mxima saturao com a filosofia niilista

    de Nietzsche.

    ______________________________________

    1

    O termo ente, aparece na filosofia de Heidegger, para designar o ser que existe, o ser concreto. H uma confuso entre o ex istente(designado o homem) e o ente, designando tudo o que nos encontra, nos cerca, nos conduz, nos constrange, nos enfeitia e nospreenche, nos exalta e nos decepciona (Heidegger), sem nos apresentar o ser em si, o ser absoluto. Esse ente em geral se distinguedos entes particulares (objetos, astros, pedras etc.) por seu carter de totalidade. (JAPIASS, MARCONDES, 2001, p. 62)

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    Heidegger pensa que no momento mesmo em que a metafsica se instaura perguntando o

    que o ente, ela estabelece o primado do ente sobre o ser, uma vez que o ser concebido como um

    ente entre outros, como o sumamente ente, como o ente dotado da nica presena real. Mas essa

    alternativa no suficiente. Para Heidegger, a metafsica se fundamenta nessa diferena entre ser eente e jamais se pergunta pelo fundamento dessa diferena, pois perguntar por ela perguntar pela

    prpria natureza do homem. tambm perguntar pela prpria possibilidade da metafsica: Antes

    procuramos penetrar no fundamento da metafsica por que, assim, queremos experimentar a

    distino entre ser e ente, mais exatamente, aquilo que sustenta a prpria distino enquanto tal: a

    relao do homem com o ser (Nietzsche II, 245-246).

    Segundo Heidegger (Os Conceitos Fundamentais da Metafsica, 14), um telogo e

    filsofo do sculo XVI exerceu uma influncia imediata no desenvolvimento da metafsica moderna

    por ter interpretado novamente a metafsica aristotlica. Este foi o jezuta espanhol Franz Suarez

    que, segundo Heidegger, precisa ser colocado em uma posio mais elevada do que a do prprio

    Toms de Aquino. Suarez diz que a teologia natural ou filosofia primeira chamada metafsica

    porque ela trata de Deus, dando a esta expresso uma outra significao, diversa da estabelecida por

    Toms de Aquino, que utiliza o termo metafsica quando esta trata do ente in communi. Suarez, ao

    contrrio, diz que ela se chama metafsica porque teologia, e nota que este ttulo, Metafsica,

    no remonta ao prprio Aristteles, mas a seus intrpretes. Suarezesclarece o termo metafsica etraz tona um outro ponto de vista, que deveras significativo para a histria da filosofia: a

    metafsica trata do que sucede s coisas naturais. Desta forma, a metafsica diz respeito ao

    conhecimento do supra-sensvel que posterior ao conhecimento do sensvel, ou seja, o

    conhecimento metafsico est situado em uma posio posterior ao conhecimento do sensvel

    partindo do sensvel at o supra-sensvel. Esta concepo da metafsica conquistou, na viso de

    Heidegger, uma influncia determinante sobre o desenvolvimento da filosofia moderna, de tal

    forma que a Modernidade no mais partir desde Descartes da existncia de Deus e das provas daexistncia de Deus, mas sim da conscincia, do eu. Assim, o eu (o ego), a conscincia, a razo, a

    pessoa, o esprito encontram-se no centro da problemtica moderna, mas so de tal modo

    incorporados Metafsica que este eu no mais de forma alguma colocado em questo. Isto

    significa dizer que o eu e a conscincia so justamente tomados por base como o fundamento mais

    seguro e inquestionvel. E Heidegger conclui: Esta a conexo mais ntima, na qual a primazia

    do problema da subjetividade e da requisio por certeza se encontra com a pergunta de contedo

    da metafsica tradicional (Os Conceitos Fundamentais da Metafsica, 14, p. 66).

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    Toda a fenomenologia heideggeriana, ao adentrar na histria da metafsica Ocidental, tendo

    como tarefa desvelar nela o fundamento que a sustenta, visa penetrar na relao do homem com o

    ser, porque nessa relao vela-se a raiz secreta da metafsica e na sombra dessa relao vela-se o

    motivo por que a metafsica se transformou no esquecimento do ser. Assim, Heidegger, sem definira metafsica, diz ser mais fcil apresentar a todos a prpria metafsica desenvolvendo uma questo

    que os situassem no seu interior: pode a metafsica relacionar-se consigo mesma e, ento, de sua

    parte, poder bastar na situao extrema a essncia da subjetividade ? Essa reflexo da metafsica

    sobre a metafsica seria ento a metafsica da metafsica (Nietzsche II, 244).

    Para Heidegger, a histria da metafsica tem seu comeo com o questionamento pela

    verdade do ente. Tal questionamento inaugura a histria da perspectiva que procura se assegurar de

    uma suposta verdade metafsica que o ente, a totalidade dos entes, e a realidade possuiriam. NaGrcia Antiga, a essncia do ente recebeu o nome de hypokemenon (aquilo que reside por si

    diante de ns), que literalmente indica algo que se encontrasobo ente, indicando um sustentculo.

    Com o mesmo sentido, a tradio medieval, e parte da modernidade, traduziram este nome por

    subiectum, aquilo com que algo diverso ainda pode contingentemente se juntar, aquilo que

    reside sob e aquilo que suposto e, com isso, antes de tudo como algo que continuamente,

    guardando a compreenso de ente real sobre o qual recaem determinaes predicveis. Assim,

    instituiu-se definitivamente a crena de que tudo que efetivamente real possui necessariamente umsuporte, um subiectum ou substans 2. Heidegger diz que se compreendermos por subjetividade o

    fato de a essncia da realidade efetiva ser em verdade isto , para a certeza de si da

    autoconscinciamens sive animus, ratio, razo, esprito, ento a subjetividade aparece como um

    modo da subiectidade.

    O nome subiectidade deve acentuar o fato de que o ser determinado, em verdade,a partir do subiectum, mas no necessariamente por meio de um eu. Alm disso, o

    ttulo contm ao mesmo tempo uma referncia ao hypokemenon e, com isso, ao

    comeo da metafsica, mas tambm um aceno prvio para o prosseguimento dametafsica moderna, que de fato requisita a egocidade e, antes de tudo, amesmidade do esprito como trao essencial da verdadeira realidade efetiva. (...)

    Em sua histria como metafsica, o ser de um ponto ao outro subiectidade. (...)onde a subiectidade se transforma em subjetividade, o subiectum insigne desdeDescartes, o ego, possui um primado carregado de mltiplos sentidos. O ego , porum lado, o ente mais verdadeiro, que em sua certeza o mais acessvel. Em seguida,porm, e de acordo com isso, ele aquele ente junto ao qual ns efetivamentepensamos, na medida que pensamos, o ser e a substncia, o simples e o composto

    (Monadologia, 30, Gerh. VI, p. 612). (...) Desde o comeo pleno da metafsicamoderna, ser vontade, isto , exigentia essentiae. A vontade guarda umaessncia multifacetada em si. Ela a vontade da razo ou a vontade do esprito, ela

    a vontade do amor ou a vontade de poder. (...) O nome subiectidadedenomina

    a histria una do ser desde a cunhagem essencial do ser como Ideia at aconsumao da essncia moderna do ser como vontade de poder. (HEIDEGGER.Nietzsche II, p. 348-349)

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    O trao fundamental da metafsica moderna, segundo Heidegger, a compreenso de

    substncia dessa essncia apropriada de outra maneira decisiva: aquela que pensa, pela primeira

    vez, osubiectum ou substans como sujeito.Na metafsica moderna, ou como Heidegger chama,

    na metafsica da subjetividade, osubiectumtorna-se o nome que designa tanto o sujeito na relaosujeito-objeto quanto o sujeito na relao sujeito-predicado, de modo que subiectum e

    ego,subjetividade e egocidade significam agora o mesmo. O ego, a res cogitans, o subiectum

    insigne, cujo esse, isto , a presena, satisfaz essncia da verdade no sentido da certeza

    (Nietzsche II, p. 333).

    Com Descartes, a essncia daquilo que se apresenta submetida a condio de sujeito

    autnomo, que pe o ente medida em que o representa (HEIDEGGER, 2000), ou seja, a realidade

    efetiva enquanto continuidade delimitada pela constncia (a durao da representao de algorepresentado) no sujeito: Enquanto estabelecimento do subiectum no sentido de sua fixidez. ()

    Como subjetividade transpe cada vez mais o mbito do ser-humano e este transforma-se em ()

    produtor e propriedade (HEIDEGGER, 2000).Tal interpretao tambm assumida por Kant,

    que concebe pela primeira vez a essncia da realidade efetiva, enquanto representidade, como o

    carter contraposto das coisas contrapostas (a objetividade do objeto) a representao produz a

    apresentao do encontrar-se contraposto do objeto (Nietzsche II, p. 333-334).

    Segundo Heidegger (Nietzsche II, p. 104), por meio de Descartes e desde Descartes, o

    homem, o eu humano, se torna sujeito de maneira predominante, de modo que a subjetividade

    passa a significar o mesmo que egocidade. O sujeito aquilo que se acha na base para um outro e

    dessa forma fundamento. Para a fundamentao da metafsica da modernidade, a metafsica de

    Descartes o comeo decisivo (Nietzsche II, p. 108). Heidegger viu neste comeo da metafsica

    moderna, o nascimento do dualismo sujeito-objeto revestido de epistemologia e, posteriormente,

    por meio das filosofias de Kant e de Hegel, baseados neste modelo cartesiano de metafsica, o

    enfraquecimento da filosofiao desvio de seu caminho autntico, isto , o desvio de toda a reflexo

    ocidental, o desvio do verdadeiro questionamento acerca do sentido do ser. Quanto a filosofia de

    Nietzsche, Heidegger entrev um motivo condutor que tece as suas doutrinas capitais (vontade de

    potncia, eterno retorno do mesmo, transvalorao de todos os valores, niilismo e alm-do-homem)

    em uma trama homognea ligada tradio metafsica Ocidental.

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    2Subiectume substansdesignam o mesmo, o propriamente contnuo e efetivamente real, que suficiente para a realidade efetiva epara a continuidade, e que, por isso, se chama substantia. Logo se interpreta a partir da substantia a essncia do hypokemenon(daquilo que reside por si diante de ns) tal como ela determinada no comeo. A ousa, a presena, pensada como substantia. Oconceito de substncia no grego, mas domina juntamente com a actualitasa cunhagem da essncia do ser na metafsica posterior.(HEIDEGGER. Nietzsche II. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 2007. p. 331).

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    A nica razo para as exposies inadequadas da doutrina nietzschiana do alm-do-homem o fato de no ter conseguido levar a srio at aqui a filosofia davontade de poder enquanto metafsica e conceber metafisicamente as doutrinas doniilismo, do alm-do-homem e, antes de tudo, a doutrina do eterno retorno domesmo como elementos constituintes necessrios, o que significa, porm, pens-las

    a partir da histria e da essncia da metafsica ocidental.(HEIDEGGER. Nietzsche

    II, p. 93)

    A gnese da subjetividade moderna implica uma modulao do conceito de verdade como

    presena constante, porque provm diretamente de uma reduo da presena constante dos entes em

    geral presena constante do sujeito posicionador das proposies verdadeiras como um todo

    (Nietzsche II, p. 391-397). Pois, segundo Heidegger (Nietzsche II, p. 144), a metafsica moderna,

    transformou em obviedade a opinio de que a essncia da verdade e a interpretao do ser so

    determinadas pelo homem enquanto o sujeito propriamente dito. Tal obviedade foi questionada porHeidegger, e a busca pela refutao desse fato tornou-se objeto de confrontao do filsofo com

    esta metafsica. O erro apontado por Heidegger era o seguinte: no interior da metafsica moderna, a

    subjetividade se determina a partir da essncia da verdade enquanto certezae a partir do ser

    enquanto representidade. Heidegger afirma (Nietzsche II, p. 174) que a metafsica kantiana o

    ponto central desta interpretao, uma vez que a posio metafsica fundamental de Kant exposta

    no princpio que diz: As condies de possibilidades da experincia em geral so ao mesmo tempo

    as condies de possibilidade dos objetos da experincia.Segundo o filsofo, as condies depossibilidades,chamadas por Aristteles e Kant de categorias,so as determinaes essenciais

    do ente enquanto tal, isto , a entidade, o ser; aquilo que Plato concebe como Ideias.Assim, o

    ser foi concebido como a possibilidade do ente, ele a sua entidade: entidade e ser constituem a

    representidade, a essncia da objetividade, e esta, a essncia do ser, ou seja, o prprio representar

    a essncia do ser. Desse modo, o princpio supremo da metafsica de Kant : o ser

    representidade.Pensando assim, Heidegger diz que a metafsica moderna define o homem como

    um ser racional, e que a ideia de logosno sentido de representidade como essncia do ser e o

    fundamento da verdade como objetividade, noo hoje transformada em razo instrumental, a

    incorreta compreenso da expresso logos. Para ele, logosno razo, discurso, interpretao.

    A racionalidade no trabalha com discurso, mas com construo lgica de unidades de percepo de

    pensamento (representidade), as quais compem a Cincia. Para Heidegger, isto invlido. O

    fundamento do ser humano est ligado ideia de compreenso e no de razo. O fato do homem

    se tornar realizador, administrador e at mesmo portador da subjetividade no demonstra de

    maneira alguma que ele o fundamento essencial da subjetividade, e que a essncia do homem

    nunca poder ser determinada de maneira suficientemente originria por meio da interpretao

    do homem at aqui, ou seja, por meio da interpretao metafsica do homem como animal rationale.

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    Na metafsica moderna a natureza humana definida pela razo. Os filsofos defendem a

    ideia que toda essncia humana racional. Com Kant, por exemplo, essa razo vai ser a sntese da

    percepo, e isto um passo alm de Descartes. Para Descartes, o ser humano uma coisa que

    pensa (cogito ego, ergo sum), mas o homem no s uma coisa que pensa, segundo Kant, pois umser que tem a capacidade de perceber antes mesmo de pensar, ou seja, tem a capacidade, por meio

    da razo, de perceber o seu prprio pensar. O Criticismo, desenvolvido por Kant, tinha como

    objetivo mostrar as condies de possibilidades que um sujeito tem para conhecer um objeto

    avana fazendo uma crtica dos limites de um sujeito que se lana ao conhecimento dos entes ,

    confirmando, no sentido do idealismo subjetivo, a fundao necessria para a consumao da

    metafsica. Com Descartes e Kant, nasce a figura da subjetividade e do sujeito respectivamente, as

    quais no existiam antes na Filosofia. Com Nietzsche, que pensa o ser, a entidade do ente, enquanto

    vontadede poderconcebe o ser como a liberao do poder em sua essncia, de tal modo que o

    poder, vigorando incondicionadamente, estabelece o ente como o objetivamente efetivo no primado

    exclusivo contra o ser e faz com que o ser caia em esquecimento (Nietzsche II, p. 3) , ocorre a

    posio final histrica da metafsica ocidental.

    Para Heidegger, Hegel o ltimo e o mais importante dos cartesianos; o supremo

    racionalista que dissolveu a Ontologia em lgica, e que viu o homem como infinito, destinado a ver

    a realidade pelos olhos de Deus. Hegel, em sua Fenomenologia do Esprito, determina o modo deser do sujeito na forma de conscinciaque descobre-se a si mesmo com a verdade do real (o real

    racional), compreendendo o movimento de determinao do ser como histria, como devir.

    Mas Heidegger no vai aceitar pura e simplesmente isso.

    Para Heidegger, tanto Hegel como Nietzsche, concebem a filosofia como metafsica da

    subjetividade incondicionada, embora no no mesmo sentido. No sentido hegeliano, saber e

    vontade constituem a essncia da razo (Nietzsche II, p. 1), e a sua filosofia se define como a

    metafsica da subjetividade incondicionada da vontade que sabe a si mesma (isto , do esprito); de

    maneira correspondente, o modo de ser da incondicionalidade determina-se a partir da essncia da

    razo que em si e por si e que Hegel pensa incessantemente como unidade entre saber e vontade

    (Nietzsche II, p. 149). No sentido Nietzschiano, a filosofia se define como a metafsica da

    subjetividade incondicionada da vontade de poder, ou seja, a subjetividade incondicionada como

    subjetividade do corpo, isto , das pulses e dos afetos, em suma, da vontade de poder (Nietzsche II,

    p. 149). Portanto, tanto em Hegel como em Niezsche, a subjetividade (como esprito absoluto e

    como vontade de poder, respectivamente) algo incondicionado, e a essncia do homem e daverdade so diferentemente determinadas. Entretanto, dir Heidegger: A metafsica no sabe nada

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    e no pode mesmo saber nada sobre o fato de e o modo como a essncia da verdade e do ser, assim

    como a ligao com o ser determinam a essncia do homem, de tal forma que nem a animalidade,

    nem a racionalidade, nem o corpo, nem a alma, nem o esprito, nem todos eles juntos so suficientes

    para conceber a essncia do homem (Nietzsche II, P. 146).

    Enquanto Hegel realiza o primeiro passo em direo suspenso da oposio entre devir e

    ser em favor do devir, e concebe o devir a partir do supra-sensvel, a partir da ideia absoluta (do

    esprito absoluto), Nietzsche, que inverte o platonismo (o sensvel transforma-se no mundo

    verdadeiro; o supra-sensvel, no mundo aparente), transpe o devirpara o interior do vivente

    (Nietzsche II, p. 11). Para Heidegger, Nietzsche pensa a totalidade a partir da dinmica da vontade:

    ele compreende vida como vontade de poder. Ou seja: A inverso a transformao do mais

    baixo, do sensvel, na vida no sentido da vontade de poder (...) (Nietzsche II, p. 9); (...) ainverso do platonismo se torna transvalorao de todos os valores (Nietzsche II, p. 14). Tal

    suspenso da oposio entre ser e devir por meio de sua inverso constitui a consumao da

    metafsica propriamente dita (Nietzsche II, p. 11), pois uma vez que a metafsica comea

    expressamente com a interpretao da entidade do ente como Ideia e, em sua forma moderna, se

    torna princpio da razo e esse princpio, valor, a inverso do platonismo se torna transvalorao

    de todos os valores. No resta outra coisa seno a submisso ao fim da metafsica na figura da

    transvalorao de todos os valores (Nietzsche II, p. 14).Essa transvalorao consiste, por sua vez,na descoberta do princpio de uma nova instaurao de valores, um princpio que Nietzsche

    reconhece como a vontade de poder(Nietzsche II, p. 66).

    A histria da metafsica, portanto, a histria do esquecimento do ser. Quem subverteu a

    misso originria da metafsica, acusa Heidegger, foi Plato, pois a histria das ideias no Ocidente

    vive sob a gide do platonismo, ou seja, do Idealismo. So mltiplas as faces do idealismo, mas

    todas esto refletidas no espelho platnico.

    Por meio da interpretao do ser como ideia, Plato distinguiu pela primeira vez o

    ser com o carter do a priori. (...) De acordo com o seu carter a priori, contudo, o

    ser reside para alm do ente. Para alm de e por cima de significam em grego

    met. O conhecimento e o saber sobre o ente, o essencialmente a priori o

    precedente so anteriores segundo a natureza. Dessa forma, visto a partir dos

    entes, dos fsica, eles precisam ir alm destes, ou seja, o conhecimento do ser

    precisa ser met t fsica, precisa ser metafsica. De acordo com a significao

    substancial, esse termo no diz outra coisa seno o saber acerca do ser do ente, um

    ser que distinto por meio do carter a priori e que foi concebido por Plato como

    ideia. Com a interpretao platnica do ser como ideia comea, portanto, a

    metafsica. Para o tempo subseqente, ela marca a essncia da filosofia Ocidental.Desde Plato at Nietzsche, a sua histria a histria da metafsica. E como a

    metafsica comea com a interpretao do ser como ideia e como essa

    interpretao permanece normativa, toda a filosofia deste Plato idealismo no

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    sentido inequvoco da palavra, no sentido de que o ser buscado na ideia, naquilo

    que conforme ideia e no ideal. Por isso, visto a partir do fundador da metafsica,

    tambm se pode dizer: toda a filosofia Ocidental platonismo. Metafsica,

    idealismo e platonismo significam, em essncia, o mesmo. Eles tambm

    permanecem normativos l, onde se fazem valer contramovimentos e inverses. Na

    histria do Ocidente, Plato torna-se o arqutipo do filsofo. Nietzsche nodesignou apenas a sua filosofia como uma inverso do platonismo. O pensamento

    de Nietzsche foi e um nico dilogo, com freqncia muito dissonante, com Plato

    (HEIDEGGER. Nietzsche II, 165-166)

    A investigao fenomenolgica sobre a histria da metafsica possibilitou a Heidegger

    mostrar a substancializao e a subjetividade do ser, que, sobre as quais, o filsofo se levanta

    contra. em torno do desvelamento da subjetividade que Heidegger procura um ponto fixo na

    histria da metafsica que lhe permita iniciar o passo de volta, tendo como referncia um pensador.Este Nietzsche. Nele Heidegger v o clmax da subjetividade, o clmax da histria do

    esquecimento do ser, a consumao da metafsica. Assim, a estrutura autorreflexiva da

    subjetividade moderna o trao decisivo da tese heideggeriana de que a vontade de poder

    nietzscheana seria a consumao da subjetividade moderna. Nietzsche , portanto, o momento de

    deciso de Heidegger para o retorno. Era preciso voltar ao incio, ao fundamento da prpria

    filosofia do Ocidente.

    Assim, para Heidegger, ao identificar o ser do ente enquanto tal como fundamento de cada

    ente como o fundado, esquece-se o ser mesmo em termos de sua diferena ontolgica. Este modo de

    pensar rege todo o pensamento ocidental, na medida em que ele se constituiu como histria da

    metafsica. Na histria da metafsica, Heidegger encontra vrias concepes de verdade

    privilegiando o ente como o objeto primordial da metafsica. Em Santo Toms de Aquino, na Suma

    Teolgica, encontra a afirmao de que a compreenso do ser est perfeitamente contida em tudo

    aquilo que apreendemos do ente. Em Descartes, a sentena ego cogito, ergo sum (eu penso, logo

    sou), a sentena de todas as sentenas e o princpio da metafsica (Nietzsche II, 117), uma vezque a entidade do ente significa o mesmo que a representidade por meio de e para o eu-sujeito

    (Nietzsche II, 142), haja vista que a verdade significa o mesmo que a apresentao segura daquilo

    que representado no interior da representao que se representa; verdade certeza (Nietzsche II,

    142). Em Kant, na medida em que o prprio projeto crtico se confunde com a necessidade de

    reduzir o conhecimento em geral ao conhecimento humano finito, s condies de possibilidades do

    sujeito, aos fenmenos e s condies transcendentais de pensabilidade dos fenmenos. Em Hegel,

    na medida em que a no-verdade se torna um grau e um modo de ser da prpria verdade; e issosignifica: a subjetividade em seu colocar-se sobre-si-mesma dotada de uma tal essncia que ela

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    suspende a no-verdade e a ala ao incondicionado do saber absoluto (Nietzsche II, 147). E em

    Nietzsche, na medida em que a vontade de poder, por mais que no possua mais nenhuma relao

    com a ideia de uma subjetividade egoica privilegiada, j sempre se assegurou de que tudo aquilo

    que venha a se dar sempre em sintonia com o modo de ser de vida como vontade de poder.

    Enquanto Descartes antecipou o fundamento metafsico da modernidade (cogito, ergo

    sum), Nietzsche d para Heidegger o ltimo passo no acirramento da subjetividade moderna,

    porque ele depura essa subjetividade de todos os elementos desnecessrios que obstruam at ento

    em ltima instncia a concretizao de sua essncia propriamente dita. No interior da subjetividade

    da vontade de poder, essa subjetividade no mais condicionada por nada, no est mais presa ao

    sujeito egoico humano, mas traga at mesmo esse sujeito para o cerne de seu movimento em torno

    de si mesmo. Com a filosofia de Nietzsche, Heidegger v o extremo da subjetividade: Asubjetividade dosubiectum, que nada tem em comum com a singularizao egica, consuma-se na

    calculabilidade e na possibilidade de uma disponibilizao de todo vivente, na rationalitas da

    animalitas, na qual o alm-do-homem encontra a sua essncia (Nietzsche II, p. 17). A

    representao do subiectum como ego, como eu, ou seja, a interpretao egica do subiectum,

    ainda no para Nietzsche suficientemente subjetivista. s com a doutrina do alm-do-homem

    como a doutrina do primado incondicionado do homem no interior do ente que a metafsica

    moderna chega determinao extrema e consumada de sua essncia (Nietzsche II, p. 44).

    Se Hegel via uma evoluo no pensamento Ocidental, medida que progredia a

    subjetividade, o esprito absoluto, Heidegger v, nesse processo, uma involuo do pensamento

    Ocidental. Se Hegel pode seguir, desde os gregos, os lampejos do logos em direo ao telos,

    Heidegger retrocede, mediante o desvelamento do impensado nos pensadores, at os gregos, em que

    reside o primeiro comeo, a partir do fim do primeiro incio da metafsica com o advento da

    metafsica de Nietzsche. Tambm a metafsica de Hegel completamente lgica: isto , ela realiza

    a essncia da metafsica ocidental at seu acabamento. Restou apenas o passo em direo sua

    inessncia incondicionada; este passo foi levado a termo por Nietzsche (HEIDEGGER, 2000).

    Com a noo de acontecimento-apropriativo (Ereignis)3, enquanto linguagem que

    determina o modo como o ser se d em diferentes pocas (Ideia em Plato, ousa em

    Aristteles, esse em Toms de Aquino, representidade em Descartes e Kant,esprito______________________________________________________

    3A interpretao de Heidegger acerca dos pensadores procura no s o modo de pensar dos pensadores, mas como suas teorias fundamentam um

    mundo de tal forma que podemos dizer: mundo platnico, tomista, cartesiano, etc. Assim sendo, a maneira como as ontologias histricas seapresentam tem a ver com o Ereignis que na semntica dessa palavra contm Eigen (prprio) e ugen (ver), assim as ontologias histricas seestabelecem como um modo prprio de ver os entes. Desse modo, a polmica interpretao heideggeriana de Nietzsche enquanto ltimometafsico atenta para a forma como os conceitos fundamentais, vontade de poder e eterno retorno, se institucionalizaram na nossa poca,provocando uma imagem de mundo, quer dizer, metafsica. (.Cf. O Eterno Retorno do Mesmo e a Vontade de Poder. In: Nietzsche II).

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    absoluto em Hegel e vontade depoderem Nietzsche), Heidegger quer dizer que no curso da

    histria da metafsica at aqui, a metafsica o acontecimento-apropriativoda desapropriao do

    ser e de concesso de todo poder ao ente, ou seja, a metafsica sempre procurou entificar o ser e

    esqueceu a diferena ontolgica entre ser e ente. No entanto, diz ele, experimentamosacontecimentos apropriativos histricos e tomamos conhecimento de relatos historiolgicos como

    se se tratasse de algo bvio (Nietzsche II, p. 154). Por isso, Heidegger concebe a Ontologia de uma

    maneira to ampla que ela indica pura e simplesmente um acontecimento apropriativo, a saber: um

    ente interpelado discursivamente enquanto tal, isto , em seu ser(Nietzsche II, p. 156). Ora,

    como o ser no pode ser apreendido na sua totalidade, j que ele, na medida em que se essencializa

    no ente retrai em si mesmo, o Niilismo, na poca da consumao da metafsica, advm para a

    metafsica como a falta de fundamento ao ente, determinando um modo de pensamento que procede

    em vista apenas do ente, abandonando a questo do ser. Desse modo, o prprio Niilismo

    acontecimento-apropriativo (Ereignis), uma vez que concebe metafisicamente a ausncia deste

    fundamento guiando-se apenas pelo ente enquanto tal, esquecendo o ser.

    Assim, o pensamento de Nietzsche, aquele que se configura como momento final das

    possibilidades da metafsica, se insere tambm no processo histrico e na essncia da metafsica

    Ocidental, apenas como mais uma determinidade categrica desta essncia agora determinada.

    Entretanto, no mais como o ego sum(isto , um sujeito que, qiditativamente, , aos moldescartesianos), mas agora, como um ego volo, ou seja, um sujeito cujo modo de ser consiste em um

    ato volitivo, em um ato de vontade, a ponto de colocar-se no lugar do fundamento. Nietzsche

    concebe os valores como condies de possibilidade da vontade de poder, isto , do carter

    fundamental do ente (Nietzsche II, p. 170). Portanto, quando Nietzsche trata das determinaes do

    ente, determinaes que ele concebe como valores cosmolgicos, ento ele fala a a interpretao

    metafsico-moderna da determinao do ser do ente como categorias da razo, de modo que as

    categorias da razo aparecem agora como valores supremos (Nietzsche II, p. 82).

    Para Heidegger, toda metafsica Ocidental foi construda em funo do papel normativo do

    homem no interior do ente na totalidade (Nietzsche II, p. 95). Assim, se estabeleceu a relao do

    homem com o ente enquanto tal: o pensamento que dominou a metafsica desde os antigos at os

    modernos, foi o pensamento antropolgico, que exige que o mundo seja interpretado segundo a

    imagem do homem e a metafsica seja substituda pela antropologia (Nietzsche II, p. 95-96).

    Entretanto, Heidegger considera que a metafsica como antropomorfismo a configurao e a

    apreenso do mundo de acordo com a imagem do homem no nos leva a um saber autntico, nem

    mesmo casos extremos de pontos de vistas metafsicos particulares, a exemplos de Descartes (ego

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    cogito, ergo sumsobre o homem enquanto o sujeito de toda objetividade) e Nietzsche (a vontade

    de poder sobre o homem no papel da medida incondicionada e nica para todas as coisas),

    podem se tornar a regra segundo a qual a essncia da metafsica e de sua histria deve ser

    determinada (Nietzsche II, p. 96).

    Os modernos, imaginando terem se libertado da metafsica e este era o ideal positivista

    teriam sucumbido a uma nova forma de metafsica, aquela em que o projeto cartesiano seria o

    modelo par excellence. Heidegger, chamando a metafsica moderna de metafsica da

    subjetividade, diz que a modernidade teria reduzido a filosofia a uma discusso sobre a relao,

    tipicamente epistemolgica, entre sujeito e objeto. Segundo Heidegger, o sujeito foi definido como

    o substrato, o que subjaz a tudo, capaz ento de gerar ele prprio o objeto. O objeto, por definio,

    s objeto para um sujeito. O sujeito representa para si e em si o objeto ou como algo que

    descoberto ou como algo que criado pelo sujeito.

    Com a aliana da metafsica com o antropomorfismo, houve o domnio do sujeito na

    modernidade. O sujeito passou a ser o homem, e o objeto o mundo. Tudo que se faz no mundo se

    faria para o homem enquanto sujeito; ou melhor dizendo: o homem seria o palco do mundo e, ao

    mesmo tempo, o legitimador de tudo que efetivamente existe. O que existe no existiria por si, mas

    apenaspara o homem-sujeito e nohomem-sujeito. O mundo todo teria passado a ser no mais o que

    se faz presente, mas o que re-presentado no palco chamado homem. Este, o sujeito, seria o

    fundamento de tudo. O mundo todo teria se transformado, ento, em concepo do

    mundoou imagem do mundo aquilo que o homem produz para si mesmo, em seu palco que,

    enfim, seria o prprio mundo.

    Segundo Heidegger (Nietzsche, p. 175), o pensar metafsico no sentido de valores, isto , a

    interpretao do ser como condio de possibilidade, preparado por diversos nveis em seus traos

    essenciais: por meio do comeo da metafsica em Plato (ousacomo ideia, ideia como ousia), pormeio da transformao em Descartes (ideia comoperceptio) e por meio de Kant (ser como condio

    de possibilidade da objetividade dos objetos). Nietzsche, por sua vez, interpreta a essncia do valor

    como consistindo no fato de ele ser condio. Valor , ento, apenas um outro nome para

    condio de possibilidade. Para Heidegger, Nietzsche como o filsofo que advoga a

    transvalorao de todos os valores, lembremos a sentena de Protgoras (O homem a medida de

    todas as coisas), concebe o pensamento como fixao de valores e o valor como expresso do til,

    ao mesmo tempo que caracteriza o homem como o ser, par excellence, que mede. No valor, o que

    avaliado e estimado em seu valor pensado enquanto tal (Nietzsche II, p. 176). Ora, em que o

    pensamento de Protgoras se difere do pensamento de Nietzsche ? Protgoras chama de verdade a

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    avaliao segundo a utilidade dada pelo homem, enquanto Nietzsche, interpreta esta verdade-til, o

    valor, como erro-til e ope-lhe uma verdade verdadeira: O tomar-por-verdadeiro e o tomar e

    posicionar como um valor se mostram como o avaliar (Nietzsche II, p. 176). O avaliar, no

    sentido de razo calculadora ou contar com base em um homem seguro de si (contarconsiderando as foras efetivas e as circunstncias), visa a representao e a apresentao da

    condio de possibilidade do ser do ente, de modo que o ser da condio possui o carter do valor

    (Nietzsche II, p. 176-177). Assim, Nietzsche concebe o ser como valor e o avaliar como vontade

    (vontade calculadora), e ao avaliar o ente na totalidade como vontade de poder (a essncia da

    vontade), isto , como o carter fundamental do ente, percebe que toda a fundamentao supra-

    sensvel relacionado ao ente est em desvalorao. Portanto, Nietzsche identifica a desvalorao de

    todos os valores como Niilismo, onde o nada se manifesta como sentido aos valores dados at

    ento como indubitveis.

    Para Heidegger, a interpretao nietzschiana de toda a metafsica a partir do pensamento

    valorativo enraza-se na determinao fundamental do ente na totalidade enquanto vontade de poder

    (Nietzsche II, p. 80). Mas o que significa o domnio do pensamento valorativo na metafsica ?

    Segundo Heidegger (Nietzsche II, p. 80), esse domnio conduz, inicialmente, para o fato de

    Nietzsche conceber a tarefa da metafsica futura como uma transvalorao de todos os valores, e

    ao mesmo tempo pressupe, que toda a metafsica at aqui, toda a metafsica que precedehistoricamente a metafsica da vontade de poder, tambm foi uma tal metafsica da vontade de

    poder. Isto significa dizer, que o delineamento prvio para o pensamento do valor foi levado a cabo

    no comeo da metafsica, continuou com a metafsica moderna e, agora, torna-se a realizao da

    consumao da metafsica. Diz Heidegger: O prprio pensamento valorativo, contudo, no menos

    estranho a Plato do que a interpretao do homem como sujeito (Nietzsche II, p. 171)

    Portanto, na viso de Heidegger, o pensamento valorativo interrogou sempre o ente

    enquanto ser, mas identificando-o como um princpio, desde Plato, com a presena do presente. Na

    ltima poca da metafsica, a moderna, como ltimo passo da consumao, o ser pensado como

    ser-representado por um sujeito representante, o que quer dizer que todo objeto se funda na

    possibilidade de ser representado por um sujeito. Como se sabe, para Heidegger, Nietzsche no

    pode ser considerado como um pensador da diferena ontolgica entre ser e ente, posto que em sua

    filosofia se consuma a metafsica, isto , o pensamento objetivador no qual se esqueceu

    completamente o ser e sua diferena com o ente. Isto se sucede quanto Heidegger interpreta a noo

    de vontade de poderque o mesmo Heidegger traduz como vontade de vontade. Se se aceita

    isto, a relao de Nietzsche com a diferena seria somente negativa e Nietzsche teria terminado o

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    plano comeado por Plato e continuado por Hegel. Mas a noo mesma de consumao j

    problemtica, dado que ela implica ao mesmo tempo trmino e comeo, quer dizer, transio. Neste

    sentido, Nietzsche consuma e comea ao mesmo tempo, transita de um lugar para o outro.

    Como afirmamos em linhas acima, a partir da mudana essencial da verdade integrada

    certeza moderna, o sujeito moderno est seguro de suas representaes. O objeto est assegurado na

    representao do sujeito. Desta perspectiva, o sujeito quer tal representao, isto , a vontade de

    representao. O que move a representao a vontade, assim a representao concebida como

    produto da vontade de poder que violenta o real. Isto o que vem luz em Nietzsche segundo a

    interpretao heideggeriana. O que o sujeito representa em si mesmo e para si mesmo se converte

    na entidade do ente, ou melhor, se converte na objetividade do objeto. Agora tudo vontade de

    poder. A vontade de poder consuma a metafsica moderna enquanto pensa a substncia comovontade de poder e como sujeito; por isso Heidegger interpreta o alm-do-homem como o homem

    guiado pela vontade de poder, o homem que escravo e senhor de todo o real enquanto consumao

    da tecnocincia, e tudo isso para se dar segurana (todo tipo de manipulao tecnocientfica).

    Assim, Heidegger tambm pe em relao a noo de eterno retorno que o modo de

    realizar a vontade de poder, j que a manipulao tcnica, desenvolvimento que implica mais

    desenvolvimento, at o infinito, devir que no tem direo, se repete constantemente como o

    mesmo, e o alm-do-homem aquele homem capaz de assumir a vontade de poder, lugar em que ahistria da metafsica o colocou para dominar o mundo em sua totalidade atravs da tecnocincia

    moderna. O ser representado coincide, agora, com o ser posto por um sujeito. As coisas so

    enquanto so produzidas e organizadas pela atividade (vontade) do homem. Em conseqncia, as

    sociedades modernas se apresentam cada vez mais integradas em sua organizao produtiva e mais

    controladas, ao mesmo tempo. O homem mesmo capital disponvel, matria para o trabalho. O

    homem tornou-se manipulador do prprio homem.

    Nos dias de hoje, ns mesmos somos testemunhas de uma lei secreta dahistria, uma lei segundo a qual um povo no consegue mais fazer frente metafsica que emergiu de sua prpria histria no instante justamente em queessa metafsica se transforma no incondicionado. Agora se mostra o queNietzsche j reconhecera metafisicamente, o fato de a economia maquinalmoderna, o clculo total de todo agir e planejar em sua formaincondicionada, exigir uma outra humanidade, que vai alm do homem ataqui. No suficiente que se possuam tanques, avies e aparelhos decomunicao, tambm no suficiente que se disponha de homens emcondies de servir a tais coisas; no suficiente nem mesmo que o homemapenas domine a tcnica, como se ela fosse algo em si indiferente e estivesse

    para alm de utilidade e prejuzo, algo til para qualquer um e para qualquerfinalidade. (HEIDEGGER. Nietzsche II, p. 123)

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    CONSIDERAES FINAIS

    Como vimos, a investigao fenomenolgica heideggeriana no se ocupa com a metafsicacomo uma cincia que estuda o ser enquanto ser, como uma cincia que investiga os princpios

    iniciais e as causas ltimas, como filosofia primeira, fixada pela tradio como a parte mais

    importante no estudo da filosofia, como o discurso sobre a essncia do existente, sobre a natureza

    ltima da realidade. Seu intuito outro. Sua investigao se volta para a maneira como a metafsica

    tem sido concebida ao longo da histria e dos meios mutiladores que tal concepo trouxe cultura

    Ocidental. Pois, para Heidegger, a multilao resulta, a partir de Plato, em ter se tornado uma

    cincia que se engana continuamente de objeto: em vez de perguntar pelo ser, ela pergunta pelo

    ente. Ela pensa o ente enquanto tal. Isso a faz permanecer junto do ente, quando, na verdade,

    deveria se voltar para o ser. Assim, a filosofia Ocidental desnaturou sua mxima questo

    ontolgica. Ela s tem perguntado pelo ente ela esqueceu o ser. Tal esquecimento foi e tem sido

    danoso, na perspectiva de Heidegger.

    Com esta reflexo sobre a histria da metafsica, Heidegger deixa claro que, como

    fenomenlogo hermenutico, suas intenes movem-se num espao em que se busca o compreender

    e no o fundamentar. Aqui, vem claramente delimitada a inteno fundamental de Heidegger ao sevoltar sobre a histria da metafsica Ocidental. Como j dissemos, ele procura desvelar nela o

    fundamento que a sustenta. Sobre este, a metafsica nunca interrogou. A metafsica funda uma poca,

    enquanto lhe d o fundamento de sua forma essencial, por meio de uma determinada explicao do ente e

    atravs de uma determinada concepo da verdade. Esse fundamento perpassa todas as manifestaes que

    caracterizam uma poca(HW 69).

    Heidegger criticou todos os modos de fundamentao como sendo modos de entificao do

    ser das diversas pocas da metafsica e os denominou de princpios epocais. Para Heidegger, apoca atual representa o mximo de desenvolvimento da subjetividade, tanto na explicao do ente

    como na concepo da verdade. Por isso, em Carta sobre o Humanismo (2005, p. 16), ele diz: A

    linguagem abandona-se ao nosso puro querer e nossa atividade, como instrumento de dominao

    sobre o ente. Este prprio ente aparece como o efetivamente real, no sistema de atuao de causa e

    efeito. Abordamos o ente como o efetivamente real, tanto quando calculamos e agimos, como

    quando procedemos cientificamente e filosofamos com explicaes e fundamentaes. A elas

    tambm pertence o garantir que algo seja inexplicvel. Com tais afirmaes pensamos estar diantedo mistrio. Como se j estivesse estabelecido que a verdade do ser se pudesse fundamentar, de

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    qualquer modo, sobre causas e razes explicativas, ou, o que d no mesmo, sobre a impossibilidade

    da sua apreenso.E por isso nela, na metafsica da subjetividade, a metafsica chegou ao fim. O

    fim da metafsica significa, para Heidegger, o instante histrico, no qual as possibilidades

    essenciais da metafsica so esgotadas (Nietzsche II, 150), e envolve a supresso de toda equalquer presena do ser e a reduo do todo do ente a um nada de presena.

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    REFERNCIAS

    CASANOVA, Marco Antnio. Compreender Heidegger.2. ed. Petrpolis, RJ: Vozes, 2010.

    HEIDEGGER.Nietzsche: Metafsica e niilismo. Trad. Marco Antnio Casanova. Rio de Janeiro:Relume Dumar, 2000. p.294.

    ___________. O Nietzsche de Heidegger. Rio de Janeiro: Pazulin, 2000.

    ___________. Os conceitos fundamentais da metafsica: mundo, finitude e solido. Trad. MarcoAntnio Casanova. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 2006.

    ___________.Nietzsche II. Trad. Marco Antnio Casanova. Rio de Janeiro: Forense Universitria,2007.

    ___________. Carta sobre o humanismo. 2. ed. Trad. Rubens Eduardo Frias. So Paulo: Centauro,2005.

    STEIN, Ernildo.Heidegger. In: Os Filsofos: Clssicos da Filosofia, v. II: Rossano Pecoraro (org.)Petrpolis, RJ: Vozes; Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2008.