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Rua Clóvis Bueno de Azevedo, 176 – Ipiranga São Paulo – SP – 04266-040 – Tel.: 0800 11 1170 www.universodoconhecimento.com da Academia Brasileira de Letras e um dos grandes pensadores brasileiros no campo do desenvolvimento social e político, que muito enriquecerá o tema escolhido para este fórum. Muito obrigada. MC – Senhoras e senhores, esta noite a Universidade São Marcos tem a honra de receber o sociólogo Hélio Jaguaribe. Decano emérito e presidente do Instituto de Estudos Políticos e Sociais, Hélio Jaguaribe é diplomado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e é doutor honóris causa da Universidade de Mainz na Alemanha, da Universidade de Buenos Aires e da Federal da Paraíba, por sua contribuição às ciências sociais. Foi professor visitante das universidades de Harvard, Stanford e do Instituto de Tecnologia de Massachussetts. Eleito para a Academia Brasileira de Letras em março de 2005, Hélio Jaguaribe é autor de ampla obra publicada em diversas línguas. Destacam-se entre seus últimos livros Urgências e Perspectivas do Brasil e O Custo do Homem no Cosmos. Senhoras e senhores, com a palavra o sr. Hélio Jaguaribe. HÉLIO JAGUARIBE – Muito boa noite. Queria inicialmente agradecer à senhora Luciane Miranda de Paulo o amável convite para participar deste debate que vem sendo em boa hora empreendido pela Universidade São Marcos, a respeito dos problemas mais urgentes e imperativos do nosso tempo. A minha palestra se referirá à questão da humanidade no século XXI. Todos os séculos se defrontam com problemas que lhes são próprios, a que se agregam problemas herdados do passado, em geral do século precedente. Não vou retroagir para essa breve introdução a períodos remotos, mas me limitarei a uma breve referência ao século XVIII e ao que se segue. O século XVIII, “o século da ilustração”, o “século das luzes”, foi o sucessor de um século marcado pelo autoritarismo monárquico, pelo absolutismo monárquico e por um forte dogmatismo religioso que levou à Guerra dos 30 Anos, à perseguições religiosas, à luta entre protestantes e católicos, em suma a uma carnificina de proporções alarmantes e em razão de discussões de fé religiosa. Isso levou o século XVIII, sob a inspiração inicial de Fontenelle, que foi um intelectual brilhante que viveu 100 anos e passou da metade do século XVII para a metade do século XVIII, a se tornar o século da tolerância, o século da racionalidade, o século do exame crítico, em oposição ao dogmatismo e ao voluntarismo irracional do século que o precedeu. Com isso, creio que o século XVIII me marcou como um dos grandes momentos da História do Ocidente. Se eu tivesse que salientar momentos particularmente relevantes na História do Ocidente, começando naturalmente pela Grécia de Péricles e pelo período áureo do Império Romano que vai de Augusto a Marco Aurélio, eu mencionaria o vigor intelectual do século XIII nas universidades francesas, o Renascimento e depois esse período extraordinário que foi o século XVIII, que submeteu o conjunto de dogmas religiosos e políticos que vinham de períodos anteriores ao escrutínio tranqüilo e absolutamente severo da pura razão. Foi o século que levou ao máximo a demanda e o exercício da racionalidade. Esse século foi seguido por um século que teve como principal característica, continuando a dedicar maior importância a racionalidade e a razão, a aplicação dessa racionalidade ao desenvolvimento científico. Foi o século que formulou, construiu e desenvolveu a quase totalidade das ciências com as quais nós ainda hoje lidamos. Foi, portanto, o século da organização científica e foi também o século que formulou grandes projetos para a humanidade, o projeto hegeliano e o projeto de Marx, além do projeto de Conti. Esse século foi marcado por um final ceticismo com a reflexão cética de Nietzsche. E isso nos leva ao século XX. O século XX é um século apenas recentemente terminado, que caracterizou-se pela mais importante ascensão científica de toda a História. UNIVERSIDADE SÃO MARCOS FÓRUM UNIVERSO DO CONHECIMENTO CONFERÊNCIA: HÉLIO JAGUARIBE “A HUMANIDADE NO SÉCULO XXI”

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da Academia Brasileira de Letras e um dos grandes pensadores brasileiros no campo do desenvolvimento social e

político, que muito enriquecerá o tema escolhido para este fórum. Muito obrigada.

MC – Senhoras e senhores, esta noite a Universidade São Marcos tem a honra de receber o sociólogo

Hélio Jaguaribe. Decano emérito e presidente do Instituto de Estudos Políticos e Sociais, Hélio Jaguaribe é

diplomado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e é doutor honóris causa da

Universidade de Mainz na Alemanha, da Universidade de Buenos Aires e da Federal da Paraíba, por sua

contribuição às ciências sociais. Foi professor visitante das universidades de Harvard, Stanford e do Instituto de

Tecnologia de Massachussetts. Eleito para a Academia Brasileira de Letras em março de 2005, Hélio Jaguaribe é

autor de ampla obra publicada em diversas línguas. Destacam-se entre seus últimos livros Urgências e

Perspectivas do Brasil e O Custo do Homem no Cosmos. Senhoras e senhores, com a palavra o sr. Hélio

Jaguaribe.

HÉLIO JAGUARIBE – Muito boa noite. Queria inicialmente agradecer à senhora Luciane Miranda de

Paulo o amável convite para participar deste debate que vem sendo em boa hora empreendido pela Universidade

São Marcos, a respeito dos problemas mais urgentes e imperativos do nosso tempo. A minha palestra se referirá à

questão da humanidade no século XXI. Todos os séculos se defrontam com problemas que lhes são próprios, a

que se agregam problemas herdados do passado, em geral do século precedente. Não vou retroagir para essa

breve introdução a períodos remotos, mas me limitarei a uma breve referência ao século XVIII e ao que se segue.

O século XVIII, “o século da ilustração”, o “século das luzes”, foi o sucessor de um século marcado pelo

autoritarismo monárquico, pelo absolutismo monárquico e por um forte dogmatismo religioso que levou à Guerra

dos 30 Anos, à perseguições religiosas, à luta entre protestantes e católicos, em suma a uma carnificina de

proporções alarmantes e em razão de discussões de fé religiosa. Isso levou o século XVIII, sob a inspiração inicial

de Fontenelle, que foi um intelectual brilhante que viveu 100 anos e passou da metade do século XVII para a

metade do século XVIII, a se tornar o século da tolerância, o século da racionalidade, o século do exame crítico,

em oposição ao dogmatismo e ao voluntarismo irracional do século que o precedeu. Com isso, creio que o século

XVIII me marcou como um dos grandes momentos da História do Ocidente. Se eu tivesse que salientar momentos

particularmente relevantes na História do Ocidente, começando naturalmente pela Grécia de Péricles e pelo

período áureo do Império Romano que vai de Augusto a Marco Aurélio, eu mencionaria o vigor intelectual do

século XIII nas universidades francesas, o Renascimento e depois esse período extraordinário que foi o século

XVIII, que submeteu o conjunto de dogmas religiosos e políticos que vinham de períodos anteriores ao escrutínio

tranqüilo e absolutamente severo da pura razão. Foi o século que levou ao máximo a demanda e o exercício da

racionalidade.

Esse século foi seguido por um século que teve como principal característica, continuando a dedicar

maior importância a racionalidade e a razão, a aplicação dessa racionalidade ao desenvolvimento científico. Foi o

século que formulou, construiu e desenvolveu a quase totalidade das ciências com as quais nós ainda hoje

lidamos. Foi, portanto, o século da organização científica e foi também o século que formulou grandes projetos

para a humanidade, o projeto hegeliano e o projeto de Marx, além do projeto de Conti. Esse século foi marcado

por um final ceticismo com a reflexão cética de Nietzsche. E isso nos leva ao século XX. O século XX é um século

apenas recentemente terminado, que caracterizou-se pela mais importante ascensão científica de toda a História.

UNIVERSIDADE SÃO MARCOS FÓRUM UNIVERSO DO CONHECIMENTO

CONFERÊNCIA: HÉLIO JAGUARIBE “A HUMANIDADE NO SÉCULO XXI”

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O primeiro terço do século XX foi marcado por extraordinários progressos da física teórica, levando à relatividade

de Einstein e à cosmologia contemporânea. Foi marcado pelo desenvolvimento da psicologia a partir da

psicanálise de Freud e dos seus seguidores. Foi o século de uma extraordinária inovação científica, à qual na

segunda metade dele seguiu-se a não menos extraordinária inovação tecnológica, que prossegue até nosso

tempo.

Uma característica do período final do século XX foi uma crítica de todas as grandes concepções

herdadas do século XIX. O século XIX era um século de certezas tranqüilas, certezas supostamente matemáticas

que apresentavam uma visão do mundo muito estruturada, muito organizada. O século XX começou a criticar a

validade de muitos dos pressupostos do século anterior, iniciando aquilo que usualmente se tem denominado de

movimento de desconstrução. Esse movimento adquiriu a sua forma mais exacerbada e mais ativa com o

pensamento francês de (Gilles) Deleuse, (Jacques) Deridas, (Jean) Baudrillard, todo um processo em que as

convicções do século XIX e de princípios do século XX foram submetidas a uma severa crítica, destruindo a

validade dessas convicções. Isso conduziu a cultura ocidental a uma posição de hipercriticismo e, a partir deste

hipercriticismo, à denegação da validade de valores absolutos ou mesmo de valores confiáveis. Não se sabia mais

o que era verdade, tudo ficou relativizado, tudo ficou submetido a uma crítica desestruturadora que tornou a área

das ciências humanas insuscetível de formas afirmativas de verdade e de consenso, um problema de

hipercriticismo. Esse hipercriticismo se transferiu para o nosso século. E agora? (Pitirim A.) Sorokin, em seu

estudo sobre essa questão, mostrou como existe uma tendência a um encaminhamento cíclico dessa matéria. As

culturas emergem para a História com afirmações marcadas por uma total convicção do sagrado. Elas emergem

através de uma mitologia dos deuses, uma mitologia da origem do mundo. Tudo é visto sob o ponto de vista de

uma metodologia divina. Esse período inicial é seguido, segundo Sorokin, por uma fase inicial de racionalização

em que o mitológico se converte em teológico. Não se trata mais de um conjunto de mitos a respeito dos deuses,

da formação do mundo, etc. Mas se trata de uma tentativa de combinar a visão religiosa, a visão do sagrado com

a visão da racionalidade, o que converte a mitologia em teologia. Essa será a característica do período que se

segue, a fase mitológica do mundo. Como mostra Sorokin, a racionalidade crítica continua se exercendo sobre as

convicções que se vão acumulando no curso de uma emergente cultural e conduzem a uma exigência de critérios

muito rigorosos de caráter empírico. Então se passa de uma crítica racional para uma crítica empírica e se entra

num processo que conduz a crescente relativização.

O século XX termina com uma exasperação, se se pode usar essa expressão, do relativismo e da

relativização. A partir dos pós-modernos não se pode mais afirmar a validade de quase nada no campo das

ciências humanas e das humanidades. Será possível continuar com uma visão totalmente desestruturada,

totalmente destituída de critérios suscetíveis de apuração de verdades no domínio das humanidades? Esse é o

problema com o qual se defronta o nosso século. Nós estamos herdando do século que recém terminou um

hipercriticismo que tornou praticamente impossível afirmações dotadas de validade universal e genericamente

aceitas pelos estudiosos em quase tudo o que diz respeito as disciplinas humanas. Eu creio, como é a observação

de Sorokin a esse respeito, que será uma tarefa inevitável desse século que estamos começando o esforço de

reconstrução de formas de credibilidade e de objetividade dentro das ciências humanas. Não creio que esse

retorno ao esforço de se poder dizer que isso é verdade e isso não é verdade, isso é certo e isso não é certo, se

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realize mediante formas que sejam apenas a reprodução das antigas formas de aferição da verdade, ou seja,

filosofias como o neokantismo, culturalismo e a fenomenologia provavelmente não serão restauradas nas formas

originais que elas ostentaram no trânsito do século XIX para o século XX. Mas me parece que é indubitável a

necessidade, na área das ciências sociais, de se retornar a critérios que permitam dizer o que é verdadeiro e o

que não é, o que é certo e o que não é.

De que maneira essa nova afirmatividade da objetividade numa área extremamente suscetível de

relativização se possa fazer? Não creio que seja um retorno às idéias antigas, mas creio que, sim, será uma

tendência a se transferir para o plano das ciências humanas os critérios que eu denominaria de certezas

estocásticas que marcaram a física contemporânea, ou seja, formas probabilísticas não arbitrárias, mas não

suscetíveis a nenhum determinismo rígido, que permitem, não obstante, dentro de um universo de probabilidades

suscetíveis de aferição, chegar-se a conclusões probabilísticas importantes. Assim está operando a ciência física

contemporânea, e eu creio que esse será o caminho que vão seguir as ciências sociais. Então eu diria que o

característico desse nosso século que começa é o imperativo com o qual se defrontam os scholars de estabelecer

algum critério de validade para as afirmações que se realizam no plano das ciências sociais. Se tudo é totalmente

relativo e totalmente incerto, as ciências sociais desaparecem, passa a ser um sistema arbitrário de alegações,

insuscetível de saber o que é verdade e o que não é, o que é correto e o que não é. Essa fase me parece que está

caminhando para uma superação e, como já tive ocasião de antecipar, eu creio que essa superação será, aliás

como o próprio Sorokin estava prevendo, a adoção adaptada às condições das ciências sociais das áreas

humanas, do critério estocástico que determina as possibilidades de certeza de verdades nas ciências exatas.

Passando da área científica para um aspecto mais amplo, eu diria que uma das características desse

século que está começando, do século XXI, é o fato de que nele a humanidade está se defrontando com desafios

extremamente sérios, desafios com os quais na verdade pela primeira vez ela se está confrontando. Comecemos

por essa coisa extremamente séria que é a relação do homem com o seu ambiente. Até alguns decênios atrás, o

percurso do homem no seu ambiente natural, no planeta Terra e nos elementos que caracterizam o planeta Terra,

era de apropriação da natureza para seus fins de ser, como diz a Bíblia, o senhor da natureza. De senhor da

natureza, o homem passou a ser um dominador da natureza, um utilizador da natureza, na verdade um explorador

da natureza, além da capacidade de restauração por via espontânea dos equilíbrios naturais. Um dos grandes

desafios com os quais se defronta a humanidade neste período que estamos vivendo é o fato de que os efeitos da

civilização industrial e tecnológica, da poluição do ar, da água e de outros elementos estão conduzindo o planeta a

perder habitabilidade, se não se tomar medidas extremamente sérias que reduzam os devastadores efeitos da

poluição. O mal acumulado já é de tal ordem que se considera que, ainda que fossem totalmente suspensas as

atividades poluidoras, o acumulado até agora teria um efeito residual por pelo menos 50 anos e isso conduziria à

inevitabilidade de um certo aquecimento do planeta. Os senhores podem notar isso, as geleiras estão

desaparecendo, as áreas geladas dos dois pólos estão se restringindo, ou seja, o mundo está condenado pelo

passado dos últimos decênios a ter uma elevação da temperatura média do planeta, que será pelo menos de um a

dois graus, eventualmente podendo chegar a três. O que tem muitos efeitos porque, embora pareça uma coisa

pequena, essas pequenas alterações da temperatura no sentido de agregar mais calor ao planeta conduzem à

fusão de geleiras, à redução das áreas geladas dos dois pólos, com o correspondente incremento do nível dos

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oceanos, ou seja, há uma tendência a que o nível médio do oceano suba de um a dois metros, o que é uma coisa

extremamente grave porque vai inundar algumas áreas como a Holanda, que serão quase impossíveis de

sobreviver se não fizerem medidas extremamente drásticas para a contenção. Mesmo em países como o nosso as

nossas belas praias vão desaparecer, invadidas pelo mar. Ou seja, há efeitos já acumulados de aquecimento do

planeta extremamente graves, que tornarão o planeta inabitável até o fim do século se não forem adotadas

medidas muito severas de contenção da poluição do ar, da água e de outros efeitos.

Alguns outros problemas extremamente graves com os quais nos defrontamos, vou enunciá-los muito

sucintamente. Eu mencionaria dentro dessa nova ordem de problemas a questão extremamente séria da ordem

mundial. O mundo somente muito recentemente ficou unificado. A tecnologia do século XX, através de

comunicações quase instantâneas e de formas de transporte extremamente velozes e suscetíveis de uma

abrangência para o conjunto do planeta, gerou o fenômeno da globalização e nesse fenômeno da globalização

existe um imperativo insuscetível de ser ignorado, de uma organização satisfatoriamente racional e

desejavelmente eqüitativa da ordem mundial. O mundo somente agora está realmente unificado. Em virtude de,

como falei, das comunicações instantâneas, de transporte, etc. hoje nós somos um só mundo, uma grande aldeia,

como já foi dito. Esse mundo unificado requer uma ordem mundial razoável que permita formas pacíficas de

convivência de culturas, de povos, etc. Como fazer isso? Até agora não foi possível fazer. A tentativa mais

importante de estabelecer isso, sem falar na primeira tentativa depois da Primeira Guerra Mundial, foi a das

Nações Unidas depois da segunda. As Nações Unidas são realmente, institucionalmente, uma resposta adequada

para imprimir à ordem mundial uma racionalidade satisfatória e um razoável nível de equidade. Ocorre, entretanto,

que as Nações Unidas não têm um poder efetivo correspondente ao seu nível de legitimidade. Existe uma

superpotência, que são os Estados Unidos, que dispõe de um poder que torna inócuas freqüentemente as

resoluções das Nações Unidas. O mundo contemporâneo está confrontado com esse conflito entre o sistema de

poder detido pelos Estados Unidos e o sistema da legalidade e da legitimidade detido pelas Nações Unidas. O

conflito entre poder e legalidade, poder e legitimidade é um conflito que não pode durar muito, ou bem a

legitimidade se impõe sobre o poder e o poder se enquadra dentro das normas da legitimidade ou, ao contrário,

desaparece a legitimidade e o poder se torna arbitrário. Esse é o grande problema com o qual o mundo

contemporâneo está se defrontando.

Que tendências parecem se anunciar? Eu creio que se pode dizer que há duas tendências. Uma

tendência, que é a mais óbvia, é a de que o império americano se consolide, universalize e passe o mundo a

depender não mais de uma tentativa de uma instituição supranacional regulatória como as Nações Unidas, mas

apenas daquilo que for decidido pelos dirigentes dos Estados Unidos. Os dirigentes dos Estados Unidos passarão

a ser imperadores do mundo. Essa é uma possibilidade. A segunda possibilidade, que também apresenta sinais

manifestos e que a meu ver acusa uma probabilidade de ocorrência um pouco maior que essa primeira, é a de que

a extraordinária expansão da China, que desde Deng Chiao Ping no curso dos últimos 30 anos tem tido um

crescimento do seu PIB à espantosa taxa de 10% ao ano, o Brasil tem 2 ou 3%, a China com 1,3 bilhão de

habitantes tem uma taxa de crescimento de 10% ao ano. Essa extraordinária capacidade de crescimento fez com

que a China de um país mais pobre do mundo já esteja hoje entre a quarta e a terceira economia mundial e tudo

indica que dentro de alguns decênios a China economicamente ultrapassará em termos de PIB os Estados

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Unidos. A China, portanto, está se encaminhando para ser uma segunda superpotência, o que significaria que, em

lugar de no futuro dessa nossa Terra termos o império americano universal, teríamos um regime bipolar, duas

superpotências, Estados Unidos e China, se equilibrando reciprocamente. Evidentemente, isso contém um

elemento de perigo absoluto, porque são superpotências dotadas de capacidade nuclear, uma fração apenas da

qual aniquilaria a vida do planeta. Se, entretanto, admitirmos que nesse provável bipolarismo sino-americano

prevalecer, como aconteceu no bipolarismo americano-soviético, um mínimo de bom senso que evite a

deflagração de um conflito, teremos um longo período em que duas superpotências vão manter uma relação de

equilíbrio vigiada, uma guerra fria que, se não houver um desenlace fatal, tenderá no curso do tempo a se

institucionalizar.

Desejaria ainda referir a alguns outros severos problemas com os quais estamos nos defrontamos, que

vêm do fato de que no curso da História foi se acumulando o intervalo entre os países desenvolvidos e os países

subdesenvolvidos. Até algo como o século XVI, o conjunto da humanidade apresentava, excetuadas as áreas

muito primitivas do mundo, mas o conjunto do planeta onde existiam culturas superiores apresentava níveis muito

equivalentes. Havia uma equivalência significativa entre o mundo chinês e o mundo indiano, o mundo europeu, o

mundo tinha um nível de vida e de renda muito aproximadamente semelhante e de capacidade de efetivação de

meios técnicos semelhantes. Entretanto, o desenvolvimento da ciência e da tecnologia no Ocidente a partir do

século XVII foi aumentando cada vez mais a diferença que ainda não existia ou, melhor dizendo, criando uma

diferença entre o mundo ocidental e o mundo oriental, diferença essa que foi se acentuando com a revolução

mercantil, acentuando-se muito mais ainda com a revolução industrial e de uma forma exponencial com a

revolução tecnológica da segunda metade do século passado. Razão pela qual, enquanto as grandes culturas

mundiais apresentavam um nível de equivalência no século XVI, hoje a diferença entre as culturas desenvolvidas

e as não desenvolvidas é de um para 100, uma diferença extraordinária. Não obstante, o mundo acusa um outro

fenômeno que era insuspeitável até algum tempo atrás. Tudo parecia indicar que as culturas ou as civilizações que

tinham perdido os prazos históricos para seu desenvolvimento estavam condenadas a uma estagnação

permanente. Eis que, entretanto, depois de séculos de estagnação, a China começa a ter um desenvolvimento

vertiginoso, ao qual se está seguindo, embora num ritmo ligeiramente menos acentuado, o desenvolvimento

indiano. Essas duas grandes culturas que estavam condenadas até princípios do século XX a uma posição de

absoluta marginalidade, secundária e dependência total do Ocidente estão emergindo com um vigor

extraordinário, ao ponto, como já tive ocasião de mencionar nessa minha breve exposição, de que há indicações

de que China até meados desse século atinja um nível não diria de igualdade, mas de eqüipolência com os

Estados Unidos, gerando um mundo bipolar. Então há um desenvolvimento importante nas relações de força que

marcam a ordem mundial.

Eu gostaria de assinalar dois outros aspectos que me parecem muito sérios no nosso tempo. Um é o fato

de que o extraordinário desenvolvimento da tecnologia a partir do não menos extraordinário desenvolvimento da

ciência, que marcou o primeiro terço do século XX e marcou esse desenvolvimento tecnológico o último terço

desse mesmo século, está conduzindo a uma configuração de todos os países muito distinta das que

prevaleceram anteriormente. De um lado nós temos hoje uma sociedade globalizada, onde as multinacionais

operam como fator endógeno de globalização de todos os países do mundo e onde a importância dos Estados

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Unidos e da China na sua área de influência opera como fator de globalização exógeno. Essa situação é uma

situação distinta do que existia em períodos anteriores e ela está levando a uma crescente funcionalização da

atividade humana. Estão praticamente desaparecendo as atividades liberais, as atividades autônomas e cada vez

mais o setor produtivo, o setor alocativo e o setor de poder, os grandes setores que influenciam a vida humana,

são setores controlados por grandes entidades corporativas, por grandes sistemas corporativos. Esses grandes

sistemas corporativos são sistemas que funcionalizam os seus respectivos agentes, de tal maneira que cada vez

mais, desde o operário até o presidente da República, o exercício de cargos na sociedade contemporânea se está

convertendo em algo puramente funcional, muito despersonalizado. Essa despersonalização está conduzindo a

um fenômeno novo extremamente grave, que é a criação do homem descartável, o funcionário A é substituído

pelo funcionário B, pelo funcionário C, ou seja, os titulares das funções A, B e C são descartáveis. Todas as

pessoas no mundo hiper-funcionalizado e hiper-homogeneizado se convertem em potencialmente descartáveis, o

que é uma coisa de uma suprema gravidade.

Gostaria de terminar esse aspecto da minha palestra mencionando duas outras características desse

nosso tempo. Uma delas é a crise das ideologias. As ideologias vêm operando desde que o homem existe sob

múltiplas formas, mas elas se tornaram marcadas pela sua propensão à universalidade a partir do século XIX.

Com a formação de uma sociedade democrática capitalista surgiu uma ideologia de democracia capitalista que

passou a ter caráter universal. Por outro lado, em contraposição, a partir das idéias originais de Marx, surgiu uma

ideologia socialista que também passou a ter caráter universal e essa se subdividiu, como os senhores sabem, em

dois ramos importantes, o socialismo soviético, marcado pela idéia de que a concentração do poder no Estado é

condição necessária para que o socialismo real funcione efetivamente, e por outro lado formas descentralizadas

de socialismo democrático, que conduziram sobretudo os países europeus ao que veio a se designar de social

democracia. Essas grandes ideologias comandaram o século XX, mas ao se aproximar o século XX do seu

término começaram a acusar sinais de declínio. Houve um forte declínio do socialismo real, que terminou com a

implosão da União Soviética em 1991, afetando o poder de mobilização da social democracia européia. E por

outro lado a democracia americana, em sua versão capitalista democrática, tornou-se uma versão dominante

como estilo de mundo, mas com pouca capacidade motivadora para o restante do planeta, ou seja, perdeu poder

de convicção ideológica, embora tenha adquirido crescente influência configurativa de condutas reais. Então nós

estamos diante de uma época marcada pelo declínio das ideologias. Isso tem uma gravidade maior do que possa

parecer, pelo fato de que as grandes ideologias sociopolíticas se constituíram no curso do final do século XIX e no

curso do século XX em parciais substitutivos das convicções religiosas. Na medida em que as convicções

religiosas foram declinando por uma série de razões que agora me permitira não detalhar, a motivação de uma

ação humana dotada de sentido deixou de se referir para a idéia de um mandamento religioso e passou a se

referir para a idéia de um mandamento social. Atuar de uma maneira socialmente responsável era o lema das

ideologias socialistas e de uma outra maneira também das ideologias democráticas. O declínio do poder

ideológico está afetando a humanidade, no sentido de lhe retirar motivações superiores de condutas dotadas de

racionalidade, deixando o homem à deriva, enquanto não se formar, o que eu creio que vai acontecer, um novo

sistema de motivações.

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Gostaria de terminar essa fase da minha palestra mencionando os efeitos do hiper-relativismo que

marcaram o final do século XX. O século XX, sobretudo na sua segunda metade, se caracterizou por uma

extraordinária obra de desestruturação, de desconstrução, desconstrução da beleza artística com Picasso e a

Demoiselle de Avignon, desconstrução da beleza musical com o atonalismo de Schoenberg, desconstrução das

convicções ideológicas, desconstrução da possibilidade de se submeter as disciplinas sociais a critérios

universalmente admitidos de verdade e de erro. Portanto, criando um mundo onde, tanto em nível da ação

humana como no nível do pensamento, se perderam formas válidas e universais de critério do que é bom e do que

é mau, do que é justo e do que é injusto, do que é certo e do que é errado. Esse tipo de desconstrução não pode

permanecer indefinidamente, porque a verdade é que as sociedades humanas são muito mais reguladas pela

internalização de normas sociais por parte dos seus membros do que por leis e decretos emitidos pela autoridade.

Toda sociedade requer um mínimo de regulação autoritária, autoritária no sentido de ser procedente da

autoridade, digamos, melhor falando, de regulação pública. Todas as sociedades requerem um mínimo de

regulação pública. Mas a pura regulação pública não sustenta uma sociedade. Se não houver valores

internalizados, a regulação pública não basta. As sociedades, mais do que por regulação pública, são reguladas

pela internalização por parte dos seus membros de valores compatíveis com a vida social. Isso é exatamente o

que entrou em crise no final do século XX, os valores internalizados que permitem a convivência social adequada,

a convivência social civilizada. É absolutamente claro que as sociedades não podem persistir se não houver uma

reconstrução dos valores internalizados que assegurem, ademais da regulação pública, a regulação da conduta

por internalização de valores por parte dos membros da sociedade. Esse é o problema com o qual nos

defrontamos. Não creio que um novo código de valores admitidos seja uma mera reprodução do precedente. Creio

que algo de novo tem que ser inventado, mas esse algo de novo tem que ser inventado, senão a sociedade não

sobrevive. As sociedades não sobrevivem a longo prazo se elas não tiverem um mínimo de valores regulatórios

internalizados por seus membros. Quais serão esses valores regulatórios? Ainda é um pouco cedo para se dizer.

As sociedades a longo prazo e sobretudo genericamente não se suicidam, as sociedades serão compelidas pela

sua necessidade de manter coerência social em seus respectivos territórios a encontrar normas internalizadas de

conduta compatíveis com a vida social. Eu suponho que o mais provável não seja um retorno às religiões

tradicionais, mas sim a formação de um novo humanismo. Eu creio que uma das coisas que está se exigindo do

mundo é que uma visão humanista com consciência ecológica se generalize e que restaure a confiança na

dignidade humana a partir de um humanismo social. Esse é o problema do século XXI, gerar como condição

necessária para assegurar a integridade da vida social um conjunto de valores internalizados de uma maneira

ampla pelos membros da sociedade. Esse conjunto de valores a meu ver tenderá a ser um novo humanismo. Mas

isso é algo que ainda está in the making. Há enunciações por parte de intelectuais eminentes formulando projetos

humanísticos, como Casíria(?) e vários outros, mas ainda não se pode dizer que exista um movimento social de

ampla margem, de ampla extensão, que tenha conduzido setores relevantes das sociedades contemporâneas a

incorporar os valores do humanismo social. Creio que isso é algo que tenderá a acontecer, sob pena de uma crise

social sem precedentes.

Bem, caminhando para uma fase final da minha exposição, quais são os desafios que têm que ser

respondidos como condição absolutamente necessária para a sobrevivência da vida no planeta e da coesão das

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sociedades humanas. Desde logo, a primeira coisa que salta à vista é o fato de que, se nós não protegermos a

biosfera de uma maneira extremamente séria o mais rapidamente possível, vamos nos suicidar planetariamente.

Se os dinossauros foram exterminados pela colisão de um grande meteorito na Terra, que gerou condições que

impediram a sobrevivência desses super-animais, nós homens vamos nos exterminar à semelhança dos

dinossauros, onde, em vez dos meteoritos, será a poluição criada por nós próprios que vai tornar o planeta

inabitável. A urgência de adoção de medidas que compatibilizem a produção industrial e a sociedade moderna

com a biosfera é absoluta. E aí estão começando a surgir algumas indicações favoráveis. Há estudos que indicam

que a substituição do petróleo, de carvão e de outros minerais altamente poluidores por combustíveis eólicos,

como o vento, ou aproveitamento das marés ou mesmo biocombustíveis, como o etanol e o biodiesel, serão

elementos que reduzirão significativamente a margem de poluição da atmosfera, preservando a continuidade da

civilização industrial dos riscos de alto extermínio.

Mencionaria ainda a respeito da civilização industrial algo que é menos conhecido e menos mencionado,

que é o fato de que a civilização industrial tal como nós a conhecemos se baseia, entre outras coisas, na utilização

de minerais raros, tungstênio, monolidênio, urânio, zinco. Esses minerais já estão sendo utilizados a uma taxa

20% superior à reposição, ou seja, eles estão caminhando para a exaustão. Se não houver por parte da civilização

industrial uma revisão muito significativa dos seus modos de produção, que substitua esses minerais escassos e

não suscetíveis de reprodução por outras modalidades tecnológicas de obtenção do mesmo produto, a civilização

industrial entrará em severa crise no último terço do século XX.

Gostaria de agregar antes de encerrar esta palestra algumas considerações a respeito da questão da

ordem mundial. O mundo nunca teve uma ordem mundial estável, porque o mundo não era unificado. O mais que

se aproximou dessa ordem mundial estável foi a ordem romana, que entretanto era apenas uma região em torno

do Mediterrâneo, deixando de fora a maior parte do planeta. A verdade é que agora, como já tive ocasião de dizer,

as intercomunicações instantâneas e a capacidade de deslocamento físico em altíssima velocidade unificaram

completamente o mundo. Esse mundo unificado requer uma ordem mundial adequada. Evidentemente, o ideal

seria que houvesse um consenso mundial em torno de algo como uma revitalização das Nações Unidas, que

permitisse através de formas representativas das várias culturas e dos vários regimes políticos se chegasse a um

consenso ordenador do mundo. É desejável, mas é provável. O que é provável é que nós nos defrontemos com

duas alternativas: a formação de um império mundial americano ou o retorno ao bipolarismo, que seria nesse caso

sino-americano. Eu gostaria de assinalar em relação ao império mundial americano o fato de que ele se diferencia

completamente dos impérios históricos. Há uma linha de processos imperiais que vai de Roma ao império

britânico, marcada pelo fato de que esses vários impérios se caracterizaram pelo exercício formal da sua

autoridade sobre as áreas na dependência deles, sobre suas províncias ou colônias, através de um procônsul, de

um vice-rei, de um representante da metrópole apoiado por equipes militares e burocráticas da metrópole,

dominavam e regulavam as áreas sob sua influência. Assim operou o império britânico até recentemente. O

império americano é algo completamente diferente, ele não conduz à formação de um sistema de domínio formal

das áreas sob sua influência. Ele não é um império no sentido clássico, mas é um campo, como nós falamos

campo magnético ou campo gravitacional. É um campo em que através de constrangimentos extremamente

eficazes, constrangimentos financeiros, econômicos, culturais, políticos e, quando necessário militares, os Estados

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Unidos como nação ou através desses seus decisivos agentes de influência que são as multinacionais operam no

sentido de condicionar os países a seguirem uma linha compatível com as demandas do império. O corpo do

império americano não é propriamente o continente americano, o corpo do império americano é o mercado

mundial e dentro do mercado mundial o mercado financeiro mundial. É através da inserção dos velhos sistemas

financeiros nacionais no mercado financeiro internacional, a inserção irrestrita, absoluta, como ocorre no caso do

Brasil e de tantos outros países, que os ministros da Fazenda dos países cujos sistemas financeiros se inseriram

irrestritamente no sistema internacional são compelidos a atuar em conformidade com as demandas e as regras

do sistema financeiro internacional. Então, a partir de uma inserção irrestrita do sistema financeiro doméstico no

sistema financeiro internacional, o ministro da Fazenda e o presidente do Banco Central passam a ser,

independentemente da vontade deles, gestores dos interesses do sistema financeiro internacional, porque a

discordância entre o sistema financeiro doméstico inserido e o internacional seria fatal para o sistema financeiro

inserido. Somente podem ter distâncias regulatórias com relação ao sistema financeiro internacional aqueles

países cujos próprios sistemas financeiros não estejam irreversivelmente absolutamente inseridos no sistema

financeiro internacional. Esse é claramente o caso da China, da Índia, de alguns poucos países e até certo ponto,

embora de uma maneira muito menos acentuada, da União Européia. Dos outros países os sistemas financeiros

domésticos estão totalmente inseridos no sistema financeiro internacional e, portanto, os dirigentes desses

sistemas financeiros são compelidos, queiram ou não, a seguir os ditames do sistema financeiro internacional.

Esse é um problema com o qual o mundo está se defrontando e que faz de sorte a que tudo caminhe para que se

configure um sistema financeiro internacional regulado pelos Estados Unidos. Os Estados Unidos operam a esse

respeito de duas maneiras, por via indireta, mas a mais importante, através de multinacionais. As multinacionais,

não apenas americanas, mas multinacionais não americanas que, entretanto, obedecem ao regime peculiar ao

das multinacionais e portanto operam como se fossem multinacionais americanas, condicionam os mercados

domésticos a se ajustarem ao mercado financeiro internacional. Essa é a linha central do império. Por outro lado,

os Estados Unidos como potência intervêm eventualmente no sentido de corrigir situações que não sejam da sua

conveniência, através de várias modalidades de intervenção. Mas a grande intervenção não se faz de uma

maneira à moda antiga, através de mandar os marines ocuparem o mar, a grande intervenção se faz através da

compulsão dos sistemas financeiros domésticos de seguirem o sistema financeiro internacional, através da

atuação das multinacionais que predominam na economia dos países, de sorte a que o sistema financeiro

internacional, que é o corpo dos Estados Unidos, comande o conjunto do mundo. A única exceção a isso, nesse

momento dotada de certa importância, é a da China. Em que medida esse extraordinário crescimento da economia

chinesa, que nos últimos 30 anos tem se desenvolvido à taxa da ordem de 10%, conduzirá a China dentro de

alguns decênios a uma situação de eqüipolência? É possível e nesse caso o mundo será dividido entre uma área

totalmente submetida ao sistema financeiro internacional pelos motivos que já expliquei e uma outra área que será

a área da influência chinesa, que terá regras próprias e independência em relação a esse sistema, gerando uma

nova bipolaridade, com todos os perigos que uma bipolaridade apresenta, mas também com o fato de que isso

permite um espaço para formas alternativas de cultura e de valores que uma hegemonia indisputada não tornaria

possível.

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Eu quero terminar essas considerações mencionando que dentro do quadro que desenhei o mundo está

tendendo a uma hierarquização muito clara. Existem países que são dotados de plena soberania. Existem países

que são dotados de plena soberania, Estados Unidos e cada vez mais a China e dentro de certa medida a União

Européia, em virtude da fusão dos vários países europeus num sistema único que é o da união. Mas a União

Européia é uma união economicamente forte e politicamente débil. Os países europeus não têm políticas externas

comuns e isso tornou-se muito mais claro a partir da entrada dos países da Europa Oriental, onde os 15 viraram

25, 27. Aí a União Européia é um gigante econômico e um anão político. Nesse caso, a União Européia não tem

alternativas regulatórias e proposicionais para o mundo que sejam distintas das norte-americanas. A política

externa européia é comandada pela política externa e isso pode se tornar muito claro no recente episódio em que

a França está se tornando a agente européia das preocupações americanas com relação ao Irã. Os Estados

Unidos não precisam mais ameaçar, a própria França declara que se o Irã não se comportar de certa forma há um

risco de guerra. Isso demonstra que, à medida que os países da União Européia não têm uma política externa

própria, estão satélites politicamente dos Estados Unidos. Agora, evidentemente, algo distinto ocorre com a China.

Na medida em que o poder chinês se ampliar, voltamos àquela hipótese que eu já mencionei, que é o

unipolarismo americano ser substituído por um perigoso bipolarismo sino-americano.

Me parece que seria interessante terminar essa discussão voltando à questão do relativismo da cultura

ocidental e da cultura mundial. Na desconstrução que se verificou no final do século XX, notadamente a partir da

influência dos chamados pós-modernos, Deridas, Deleuse, Boudrillard, sobretudo um grupo de intelectuais

franceses atuou no sentido de desacreditar os critérios usuais de afirmação do certo e do errado, do verdadeiro e

do falso na área das humanidades. A relativização absoluta introduzida pela desconstrução destruiu a

possibilidade de um juízo de valor cognitivo na área social. Isso, evidentemente, não se pode perdoar. Ou seja, se

continuasse o desconstrutivismo que foi introduzido por essas forças, as ciências sociais deixariam de ser

ciências, se converteriam em meras artes. Uma arte que cada um faz como acha não tem mais critério universal

de validade, não tem mais critério de determinação do verdadeiro e do falso, do certo e do errado. Mas como tudo

é relativo, depende de cada artista, de cada área, etc. Eu creio que as exigências da cultura contemporânea são

de que importa para que ela sobreviva que se assegure uma satisfatória compatibilidade entre as ciências exatas

e as ciências sociais. Não podemos ter ciências exatas funcionando perfeitamente com critérios nítidos de

determinação do certo e do errado e ciências sociais entregues ao arbítrio artístico de cada pessoa ou de cada

grupo. Isso não vai funcionar. De sorte que eu creio que o desconstrutivismo francês será substituído para a

preservação das exigências internas do homem, que dependem de certas modalidades de ciências sociais, por

novas modalidades de verdade e de erro, de certo e errado na área do social. Essas novas modalidades a meu

ver dificilmente serão uma reprodução das que ocorreram em período anterior. Eu não creio num retorno das

verdades religiosas e nem creio também num retorno das verdades neokantianas, das verdades fenomenológicas,

das verdades que estão subsumidas em determinados sistemas filosóficos do século XX. Creio que vamos ter que

construir uma nova metodologia nas ciências sociais, que seja marcada pela apropriada conversão das ciências

sociais ao regime estocástico que caracteriza as ciências exatas. Uma sociologia estocástica, uma economia

estocástica, uma ciência política estocástica serão provavelmente as novas modalidades de ciências sociais, que

permitam dentro de um relativismo não absoluto, um relativismo contido dentro de certas esferas de probabilidade,

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acertar o que é certo e o que não é certo, dizer o que é verdade e o que não é verdade. Nesse conjunto de

problemas, todos os países têm algo que fazer. O Brasil e as universidades brasileiras têm uma tarefa a cumprir.

Nós não somos necessariamente imitadores e copiadores daquilo que se faça na Europa e nos Estados Unidos.

Sobretudo na área das ciências sociais, onde o Brasil, para citar o nosso país como referência, adquiriu particular

relevância, é possível que o pensamento social brasileiro elabore por conta própria novas modalidades de

estabelecer uma superação do hiper-relativismo dos pós-modernos, sem voltar a uma repetição mecânica das

formas de verdade herdadas do século XIX. Eu creio que nós caminhamos para uma ciência social estocástica e

que o Brasil pode dar uma contribuição importante a esse respeito e que uma universidade como essa é um dos

participantes desse processo. Muito obrigado.

MC - Antes de iniciarmos os debates, gostaríamos de registrar e agradecer a presença do ministro José

Gregori, presidente da Comissão Municipal de Direitos Humanos. Daremos início então às perguntas, pedimos

àqueles que ainda tenham perguntas que, por favor, dirijam as nossas recepcionistas. A primeira pergunta vem do

Tiago Assis. Professor, politicamente quais são os pontos positivos e negativos que a humanidade adquiriu com o

passar do tempo?

HÉLIO JAGUARIBE – Eu creio que essa coisa tem uma área de consenso, que é o fato de que o curso

da História, sobretudo a História mais recente, conduziu a uma praticamente universal constatação de que a única

forma legítima de governo é o governo democrático. Portanto, essa generalização da democracia tornou-se muito

importante, porque num certo período histórico relativamente recente havia uma certa confusão entre democracia

e capitalismo e se considerava que a democracia era somente possível no regime do capitalismo de tipo

americano, logo o capitalismo implicava na democracia. A verdade é que as duas coisas são bastante distintas e

isso hoje é matéria de consenso, está se caminhando visivelmente para transformações cada vez mais

democratizantes nos regimes autoritários como o chinês e há um democratismo de tipo diferente do ocidental num

grande país como a Índia. Eu creio que o democratismo tornou-se uma conquista típica do final do século XX.

- Pergunta da Paula. Um hiper-ceticismo proveniente do século XX inviabilizou sim qualquer afirmação

relacionada à humanidade ser entendida como certa. Mas isso não é algo bom, não significa contestar o status

quo do que sempre nos foi imposto? Em relação a educação, por exemplo, isso proporciona a discussão sobre

educação democrática ao invés de tradicional. Isso não foi algo bom?

HÉLIO JAGUARIBE – Repita o começo da questão. Como é que ela formula?

- Um hiper-ceticismo proveniente do século XX...

HÉLIO JAGUARIBE – Ah, hiper-ceticismo ou hiper-sensualismo. Perfeito. Evidentemente, isso é uma das

características da cultura contemporânea, o hiper-sensualismo ou hiper-ceticismo, e isso veio exatamente dessa

coisa que foi muito bem estudada por Sorokin, quando ele mostra que as culturas emergem historicamente como

culturas do sagrado, depois vão se convertendo em culturas de sagrado racionalizado, depois de uma

racionalização empírica, depois descambam no hiper-empirismo que torna qualquer verdade impossível e se

autodestróem. As culturas não subsistem se não tiverem referências da verdade e do erro, do bem e do mal. Não

sobrevivem e a sociedade necessita para sobreviver de ter esses critérios. Como tive ocasião de dizer na minha

palestra, as sociedades não podem ser reguladas exclusiva ou mesmo predominantemente por normas públicas,

normas externas. Elas só podem funcionar se houver um mínimo satisfatório de internalização por parte dos

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membros da sociedade naquelas normas fundamentais que tornam o funcionamento da sociedade possível. Então

isso vai acontecer de uma forma ou de outra. A História mostra que as normas internas de regulação social

modificaram-se no curso do tempo, desde aquelas que determinaram pelas religiões antigas, pelo cristianismo,

pelo humanismo, etc. Nós vamos ter que encontrar uma nova forma, que eu creio está em formação, que será o

humanismo social e ecológico.

MC - Próxima pergunta do José Aparecido. A ONU poderá ser esse organismo que organizará essa nova

ordem mundial, mesmo com a interferência americana? Se sim, como se dará tal ocorrido?

HÉLIO JAGUARIBE – Eu creio que nós estamos no momento atual, côo tive ocasião de dizer na minha

palestra, assistindo a um conflito entre o sistema predominante de poder e o sistema predominante de

legitimidade. A ONU é uma legitimidade destituída de poder e os Estados Unidos, enquanto tal, são um poder

destituído de legitimidade. Como isso vai se compor? A questão comporta várias dimensões. Desde logo, o fato de

que a longo prazo a perda de vigência de um sistema de legitimidade o priva de legitimidade, ou seja, a ONU

perderá a legitimidade se o sistema de poder manifestar-se totalmente isento da influência da ONU. Então ela

desaparece, fica um sistema retórico. Mas não creio que o mundo esteja caminhando para o monopolarismo

americano. Como tive ocasião de dizer, o mundo mais provavelmente está caminhando para um bipolarismo em

virtude da extraordinária ascensão da China, que já é a quarta ou terceira economia do mundo e terá uma

economia superior à americana na segunda metade desse século, se as coisas continuarem na tendência em que

está. Então esse bipolarismo vai modificar completamente o regime de poder e aí vai ser necessário nesse

equilíbrio difícil de duas potências hostis, mas privadas da capacidade de usar meios violentos porque seria um

suicídio para ambas, de ter formas organizatórias desse convívio, que são aquilo que as Nações Unidas podem

proporcionar.

MC - Dentro ainda do assunto China, o senhor acha que a China ainda se sustenta? O senhor acha que

é um crescimento sustentado, uma vez que hoje nós temos problemas diversos na China, como a mão-de-obra

escrava, problemas com o meio ambiente, obras que desabam? O senhor acha que a China chega a ser uma

segunda potência? O senhor acha que nós teremos que inverter a sigla BRIC, Brasil, Rússia, Índia e China, para

CRIB, China, Rússia, Índia e Brasil?

HÉLIO JAGUARIBE – O futuro de qualquer sociedade tem uma margem de previsibilidade evidente e

para qualquer operador da China não pode deixar de surgir a constatação de que dificilmente ela manterá para os

próximos 30 ou 40 anos a taxa de crescimento que ela acusou nos últimos 30 anos. Eu não vejo a possibilidade da

China continuar com crescimento per capita de 10% ao ano durante mais 30 anos, não é possível. Todo

crescimento per capita tende a uma curva assintótica a partir de um certo momento. Mas não é necessário que a

China continue tendo um crescimento de 10% para que ela atinja o ponto de eqüipolência com os Estados Unidos

em meados do século, basta que ela mantenha uma elevada taxa de crescimento. Eu vejo a China com toda a

possibilidade de manter taxas de crescimento superiores a 5%, embora não a 10. A partir de um patamar já

alcançado, esse crescimento é muito superior ao americano, que é de 2%. Então a China tenderá de qualquer

maneira, embora com taxas menores do que as históricas, a se aproximar economicamente de uma eqüipolência

com os Estados Unidos. A outra questão, entretanto, é em que medida as formas institucionais da China se

adaptem a esse crescimento. É uma pergunta complexa. Eu tenho tendência a achar que sim, que há uma grande

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inteligência na liderança chinesa e uma certa renovação por critérios meritocráticos que tornam provável, embora

não certo, que a China adapte as suas instituições aos patamares crescentes de desenvolvimento que ela está

atingindo, senão ela terá um colapso, evidentemente.

MC - O crescimento global tem impacto profundo na cultura humana, independentemente de suas

classes sociais. O que se pode fazer para atender as necessidades geradas por esse crescimento para melhor

atender as classes de pessoas menos favorecidas?

HÉLIO JAGUARIBE – O grande problema do mundo realmente no fundo é o problema do contraste entre

os setores afluentes e os setores miseráveis. Esse contraste é em parte geográfico, norte e sul, mas quem sabe o

mais grave é o que se dá em nível de cada sociedade, notadamente o que se dá no próprio sul. Um país como o

Brasil é um exemplo disso, em que há um setor super afluente e um setor com miséria só comparável à indiana.

Esse desequilíbrio é inviável, não poderá se manter. De sorte que eu creio que, apesar das tendências a que os

setores afluentes mantenham parcelas significativas de sua preponderância, serão compelidos pelo processo

inevitável da exigência das grandes massas, por via democrática ou por via revolucionária, a uma redistribuição de

renda. O segredo da redistribuição de renda para os países subdesenvolvidos é muito menos uma questão de

pura e simples redistribuição de renda do que uma redistribuição de capacitações. É preciso compreender o

seguinte: a principal causa da miséria em países como o Brasil é a ignorância. O Brasil é mais ignorante do que

pobre e é pobre por ignorante. De sorte que a verdadeira maneira de se fazer a redistribuição da riqueza consiste

em fazer a redistribuição do saber.

- Qual deve ser o futuro do Brasil no mundo globalizado? Teremos espaço para agir? Não falta um

projeto estratégico para a Nação?

HÉLIO JAGUARIBE – Este é um problema que me angustia diariamente, porque acontece o seguinte. Eu

tenho sustentado em diversos escritos e constitui um dos elementos das minhas convicções na área social a

questão dos prazos históricos. A História é uma sucessão de etapas e em cada etapa certas coisas são possíveis

e outras deixam de ser. Os países que perderam a etapa da navegação transoceânica ficaram atrasados, como

aconteceu com a China e a Índia, em detrimento dos ibéricos e depois franceses, ingleses e holandeses. Os que

perderam a revolução industrial ficaram atrasados. Muito bem, o Brasil está atrasado em relação a quase tudo.

Teremos capacidade, enquanto é viável recuperar, de elevar o nosso nível econômico e tecnológico para atingir

uma redução das desigualdades sociais a níveis satisfatórios? É uma incógnita. Eu não creio que nós

disponhamos para isso de um prazo muito grande, porque, se o Brasil daqui a 30 anos ostentar os desequilíbrios

que ainda atualmente ostenta, ele terá muita dificuldade de poder se afirmar como um país independente e

autônomo. Ele será convertido em segmento indiferenciado do mercado internacional, embora apresentando as

aparências da soberania. Uma coisa grave que está acontecendo no mundo é que um número crescente de

países mantêm bandeiras, etc., mas na verdade eles se convertem em segmentos indiferenciados do mercado

internacional, eles são comandados pela conivência indissolúvel entre o seu sistema financeiro doméstico inserido

irrestritamente no sistema internacional. Aí eles passam a ser comandados pelo sistema financeiro internacional,

independentemente da vontade das pessoas. Se o Brasil não conseguir um incremento da sua autonomia em

matéria financeira, que é a principal, embora menos falada, dentro de um prazo não excessivamente longo, ele

terá dificuldade de fugir ao destino de ser um grande segmento do mercado internacional.

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- Dada a falta de uma ideologia predominante, que está levando a um vácuo na autoridade pública

nacional, não estaria na hora de se estabelecer novamente o Conselho de Notáveis para mudar este quadro

letárgico social e político?

HÉLIO JAGUARIBE – O Conselho de Notáveis é uma possibilidade, entre outras. O que me parece não

é tanto a questão de uma agência específica que faça isso, mas a absoluta necessidade a prazo relativamente

curto, bastante curto, de que se retome um projeto nacional de desenvolvimento. O Brasil perdeu a idéia de projeto

nacional de desenvolvimento, em parte exatamente por causa da sua inserção irrestrita no mercado financeiro

internacional. Agora, há consciência por parte de amplos setores do nosso país da necessidade de um projeto

nacional e eu creio que essa consciência é de tal ordem que, dentro de um prazo que me parece que não será

excessivamente remoto, ela se fará sentir. Creio que algo de uma demanda de projeto nacional vai comandar a

sucessão do presidente Lula e será, portanto, uma primeira indicação de uma revigoração de um projeto nacional.

O provável candidato vitorioso à sucessão de Lula o será, a meu ver, na medida em que seja capaz de sustentar

um movimento nacional orientado para um projeto.

- Devido à exigüidade de tempo, nós temos aqui uma última pergunta, do Artur. Há muitos anos atrás,

num artigo publicado nos jornais, o senhor falava que os morros descerão até as praias. Qual a perspectiva hoje?

A solidariedade pode fazer a diferença?

HÉLIO JAGUARIBE – Bem, a verdade é a seguinte: o Brasil é um país, digamos, astuto e encontrou uma

forma extraordinária de evitar a descida do povo para a praça, que é o Bolsa Família. A Bolsa Família está

alimentando com dinheiro público 50 milhões de brasileiros, os mesmos iriam à praça se não tivessem bolsa.

Agora, evidentemente, a Bolsa Família é algo de absolutamente correto, dentro das condições do Brasil, mas ela

não está corrigindo a miséria, está apenas atenuando os efeitos da miséria, ou seja, está contendo a miséria

dentro da cidadania. É preciso que, sem prejuízo de continuar a Bolsa Família, se complemente os esforços da

Bolsa Família através de um esforço de redução da miséria. Redução da miséria significa somente duas coisas:

educação e pleno emprego.

(Final)

Transcrição: Central de Eventos F. 3961.3549 – [email protected] (Roberto Maciel)