HEMOCULTURA 2006

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Snia Maria de Souza Kitagawa

Hemocultura

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HEMOCULTURA Snia Maria de Souza Kitagawa* INTRODUO Sangue um espcime clnico muito importante a ser processado em laboratrio de microbiologia para auxlio diagnstico de diversos processos infecciosos severos. Mas, normas padronizadas para a coleta e semeadura em meios de cultivo adequados devem ser seguidas para o diagnstico microbiolgico. A cultura do sangue possibilita a identificao de bactrias ou fungos responsveis por bacteremia/ fungemia, sepse, infeco de vlvulas naturais ou prteses valvulares , tromboflebite supurativa e infeces de enxertos vasculares. A hemocultura tem sido indicada nas seguintes situaes: Aumento sbito no pulso e febre, ou hipotermia; Calafrios e alteraes no sistema sensorial, seguidos de prostao e hipotenso; Febre prolongada e intermitente associada a sons cardacos anormais (detectados na ausculta); Avaliao de crianas com inesperado dficit do crescimento, ou de idosos com queda sbita do estado geral, j que estes grupos podem no apresentar sinais tpicos e sintomas de septicemia. Sepse (ou septicemia) implica na presena de microrganismos no sangue, em associao com evidncia clnica e laboratorial de infeco, que se expressa por febre, calafrio, leucocitose (especialmente com desvio para formas granulocticas imaturas) ou leucopenia (granulocitopenia) e/ou sinais de comprometimento hemodinmico. Septicemia uma das mais importantes condies que comprometem a vida (taxa de motalidade = 20-50%), sendo assim primordial a deteco o mais precoce possvel das culturas positivas e identificao dos provveis patgenos Bacteremia um termo mais geral, significando a presena de bactrias na corrente sangunea e no necessariamente associada com sintomas ou toxicidade sistmica. A maioria dos clnicos, entretanto, usa os termos bacteremia e septicemia como se a situao fosse a mesma. Ainda se classificam as bacteremias como: Bacteremia transitria ou transiente Geralmente auto-limitada e resulta de: (1) manipulao de stios infectados, como por exemplo, furnculo, abscesso, celulite; (2) manipulao de stios com microbiota normal (pele e membranas mucosas), como ocorre em procedimentos dentrios (ex. extrao de dentes) e/ou procedimentos cirrgicos em tecido contaminado (odontolgico, cistoscopia, endoscopia), cateterizao vesical ou cateterizao venosa. *Professora de Microbiologia, Departamento de Patologia- CCS-UFES

Pode tambm ocorrer aps aborto por suco. Tais intervenes levam a uma bacteremia, que pode acarretar, como conseqncia, meningite, pneumonia, artrite sptica, endocardite e infeco do trato urinrio. Uma bacteremia transitria pode tambm ocorrer no curso de meningite, pneumonia e artrite sptica ou de outras infeces agudas. Nestes casos a hemocultura um exame complementar ao cultivo do LCR, lquido pleural, lquido sinovial, urina, etc. Bacteremia intermitente a que desaparece e recidiva uma ou mais vezes. Est geralmente associada a abscessos intra-abdominais (ocultos ou no drenados) causados por bactrias anaerbias. Bacteremia contnua est associada, geralmente, a infeces endoteliais ou intravasculares, especialmente em endocardite infecciosa, nas febres entricas (na fase inicial destas doenas) e na brucelose. O principal propsito da hemocultura detectar microrganismos que estejam circulando no sangue perifrico de pacientes com infeco no diagnosticada. Deve-se ter em mente que bactrias que no estavam associadas a infeces, por serem consideradas de baixa virulncia ou da microbiota normal, devem ser atualmente consideradas numa hemocultura quando isoladas em mais de uma das amostras de sangue, principalmente quando o paciente est imunodeprimido. A seguir so citados os patgenos mais comumente encontrados no sangue em processos infecciosos. Bactrias aerbias: Staphylococcus coagulase negativa, Staphylococcus aureus, Streptococcus pneumoniae, Enterococcus sp., bacilos gram-negativos da famlia Enterobacteriaceae, Pseudomonas sp., Haemophilus influenzae. Bactrias anaerbias: Bacteroides fragilis Fungos: Candida albicans Vrus: HIV (Vrus da Imunodeficincia Humana), vrus da hepatite B e da hepatite A (HBV e HAV), vrus citomeglico (CMV). COLETA DAS AMOSTRAS DE SANGUE E INOCULAO NO MEIO DE CULTURA Os espcimes do sangue devem ser colhidos antes da administrao de antimicrobianos (antibiticos), se possvel. Entretanto, existem disponveis meios de cultura contendo substncias para minimizar esses agentes. A colheita tambm deve ser feita antes do pico febril, porque a febre decorre de substncias liberadas durante a lise das bactrias e nesse momento o nmero de bactrias viveis baixo. Estudos demonstram que a melhor recuperao das bactrias ocorre 1 hora antes do pico. Na so mais raras, as isoladas geralmente so do grupo

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prtica ele pode ser colhido imediatamente antes do pico, se existe uma curva trmica do paciente. Brucelose uma exceo, porque a recuperao das bactrias do sangue s possvel nos perodos febris. 1. Venipuntura e execuo das tcnicas a) Identificar (apalpar) previamente a melhor veia perifrica a ser puncionada. b) Calar luvas esterilizadas e fazer a anti-sepsia do stio da puno: - limpar (anti-sepsia) o stio com lcool a 70%, utilizando um chumao de algodo ou um swab estril, fazendo movimentos concntricos, de dentro para fora; - com a mesma tcnica fazer a anti-sepsia com alcool iodado a 1-2%, ou soluo de iodo-povidine a 10%, ou ainda clorexidina alcolica a 05%. Deixar agir por 1 a 2 minutos (deixar secar). Obs.: se o paciente apresentar hipersensibilidade ao iodo, realizar a anti-sepsia com dupla aplicao de lcool a 70%. No apalpar mais a veia neste ponto. Isto evita a introduo de contaminantes da pele. c) Fazer a venipuntura e inocular o sangue imediatamente nos frascos com meio de cultura apropriados. (Veja abaixo os volumes a serem coletados em cada puno, como desinfetar a rolha e inocular os frascos de cultura). d) Depois da puno remover o iodo da pele, com lcool. O sangue deve ser introduzido imediatamente no frasco de cultura para evitar que coagule na seringa. Para isto a tampa de borracha do frasco deve ser desinfetada antes da introduo da agulha, utilizando-se para isto um algodo com lcool a 70%. O sangue assim inoculado, em um meio de cultura apropriado, j contendo anti-coagulante adequado, ser mantido em temperatura ambiente (20 a 25C) e dever ser transportado imediatamente ao laboratrio, ou conservado em estufa bacteriolgica entre 35-37C. NOTA: Quando se coleta sangue, em casos suspeitos de bacteremia por microrganismos anaerbios, os cuidados devem ser redobrados para no expor o sangue ao oxignio. Para isto o mbolo da seringa deve estar bem comprimido no momento da venipuntura, e tambm evitar a entrada de ar durante a introduo do sangue no frasco com o meio de cultura (este frasco j se apresenta a vcuo, em condies anaerbicas). Este o frasco que deve ser inoculado primeiro.

VOLUME DE SANGUE A SER COLETADO E NMERO DE AMOSTRAS Est na dependncia da idade do paciente e do volume de meio de cultura presente no frasco. A relao sangue / meio deve ser respeitada e a mais adotada a diluio de 1:10 no mtodo manual, e nos sistemas automatizados 1:5. A diluio reduzir os efeitos bactericidas do sangue (componentes do sistema do complemento, fagcitos, lizozima, anticorpos, etc.), bem como diminuir a quantidade dos agentes antimicrobianos para uma concentrao no inibitria. O volume total de sangue de cada coleta muito importante para a recuperao do patgeno. Na bacteremia, no adulto, h cerca de 1 a 10 bactrias/ml (=UFC/ml) de sangue; enquanto na criana h mais microrganismos por mililitro de sangue (mais de 100 UFC/ ml). Para a deteco de bacteremia ou fungemia necessrio que no mnimo um microrganismo vivel esteja presente na amostra inoculada. IDADE Adulto Criana VOLUME SANGUE 10 - 20 ml* 1 5 ml** VOLUME MEIO CULTURA 90 180 ml 9 45 ml

Alguns sistemas vem trabalhando com 5 ml de sangue, embora o conceito geral de que volumes maiores (at 20 ml) sejam mais produtivos. Nunca deve ser puncionado mais do que 30 ml em cada colheita de sangue, porque poderia levar o paciente a uma anemia. Estudos tm demonstrado que o volume de sangue coletado parece ser mais importante do que o nmero de espcimes obtidos.

Obs.: A cultura do sangue no dever ser rejeitada por ter um volume inadequado, exceto quando for usado o Sistema Isolator, no qual h fatores que inibem o crescimento de microrganismos, necessitando de um volume mnimo de sangue para a hemocultura por tal mtodo. ** Em crianas difcil obter volume maior do que 5 ml em cada coleta, embora alguns manuais recomendem colher at 10 ml de sangue. Dependendo tambm da idade, e do peso corporal, no indicado colher mais de 5 ml de sangue de cada vez. Em alguns pacientes, como por exemplo, em recm-nascidos, mesmo 1 ml de sangue , algumas vezes, de difcil obteno. Dados significativos tm mostrado que 2 coletas do sangue (e se possvel 3) para a cultura so suficientes por episdio sptico. Em cada coleta deve ser obtido 20 ml de sangue (em adulto), usualmente 2 a 3 amostras, sendo cada uma dividida para inocular em dois frascos, um para aerbios e outro para anaerbios (10 ml de sangue em cada) ou em 3 frascos, sendo um para anaerbios e dois para aerbios, com um deles contendo CO2 para os capnoflicos ( 7,ml de sangue em cada). Tambm tem sido sugerido que a maioria dos patgenos humanos so bactrias anaerbias facultativas e que estas crescem bem nos frascos para anaerbios. As punes devem ser feitas em veias de stios diferentes, mas todas as

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venipunturas podero ser realizadas em sequncia. Em endocardite os intervalos entre as colheitas so maiores (de 24h ou de 48h) porque neste caso o nmero de bactrias no sangue bastante pequeno. Alguns trabalhos tm mostrado que a possibilidade de se encontrar o microrganismo com apenas uma coleta (amostra) de sangue se situa em 80%; com duas amostras de 88% e com 3 amostras de 99%.Entretanto, recomenda-se fazer outra venipuntura apenas 3 dias aps a obteno destas primeiras amostras, caso a cultura incubada esteja negativa. Isto porque a maioria dos patgenos so recuperados nos caldos de cultivo nas primeiras 48h de incubao e alguns estudos demonstram que 95% das bacteremias j so detectadas com as 2 primeiras amostras. Em pacientes com endocardite, em neutropnicos, ou naqueles que j estejam em uso de antibiticos ou quando se deseja recuperar um microrganismo fastidioso, podem ser necessrias amostras adicionais (4 a 6 amostras, no total). MEIOS DE CULTURA E OS MTODOS UTILIZADOS Na hemocultura de rotina so usados meios de cultura ricos que permitem o crescimento dos microrganismos mais exigentes, geralmente um caldo, por exemplo, o BHI (brain-heart infusion) ou o TSB (tryptic soy broth), embora o prprio sangue a ser cultivado venha a enriquecer o meio. A estes caldos adicionado, previamente, o anticoagulante SPS (polianetol sulfonato de sdio) a 0,03% (variando de 0,025 a 0,05%). A adio de um anticoagulante importante porque a fibrina impede, ou dificulta, o crescimento dos microrganismos presentes no sangue. Os meios a serem inoculados so previamente esterilizados e os frascos contm rolhas de borracha que vedam bem, e so lacrados. Quando h suspeita de anaerbios, embora esses microrganismos sejam raramente causade sepse, os frascos com meio de cultivo apresentam vcuo e CO 2, podendo ser usados, alm dos caldos acima mencionados, o caldo tioglicolato enriquecido ou o caldo peptona suplementado (com hemina e menadiona). O SPS, alm de ao anticoagulante, inativa tambm fatores bactericidas do soro (precipita beta-lipoprotenas, fibrinognio, componentes C3 e C4 do complemento e IgG), e ainda inibe os aminoglicosdeos e a polimixina, quando o paciente est em uso desses antibiticos. Mas o crescimento de certas bactrias pode ser inibido em meios com SPS, como ocorre, por exemplo, com Neisseria meningitidis, Neisseria gonorrhoeae, Streptobacillus moniliformis e vrios anaerbios, incluindo Peptostreptococcus. No caso de Neisseria spp. tal efeito pode ser revertido pela incorporao de 1% de gelatina ao meio de cultura. Sangue lisado, como utilizado em determinados mtodos (ex.: Sistema de lise celular, ex. Isolator), tambm neutraliza a toxicidade do SPS. No caso dos anaerbios o SPS no deve ser adicionado ao meio. Outro processo para diminuir a ao inibitria de antimicrobianos presentes no sangue o uso de meios de cultura contendo resinas catinicas ou carvo ativado, para neutralizar os antibiticos. Alguns sistemas automatizados comerciais fazem uso de tais resinas (ex.: BACTEC).

A maioria dos meios de cultura utilizados na rotina adequada ao crescimento dos mais comuns patgenos presentes no sangue, desde que incubados em condies apropriadas a cada caso. Um sistema adequado deve incluir: (a) um frasco para anaerbios (feito vcuo, com suplemento indicado); (b) um frasco aerado, para aerbios, (c) e um aerado e incubado em atmosfera com 10% de CO2 para as bactrias capnoflicas, tais como Haemophilus spp. e Brucella spp., sendo esta condio tambm favorvel ao crescimento de Neisseria, Escherichia, Klebsiella, etc. A cultura para anaerbios j faz parte da rotina da hemocultura em alguns laboratrios. Em outros, entretanto, ela realizada somente quando h suspeita clnica de uma bacteremia por anaerbios, como naquela que se segue a uma infeco gastrintestinal ou plvica ou aps uma cirurgia em tais stios. Os sistemas automatizados comerciais fornecem os vrios tipos de meios, em frascos separados. A durao da incubao das culturas poder ser orientada pela informao clnica. Em geral, na maioria dos casos de sepse, os patgenos significantes so detectados em at 7 dias de incubao. Nos sistemas automatizados (exs. BACTEC e BacT/Alert) a deteco pode ser feita em at 5 dias. Vrios microrganismos fastidiosos, capazes de causar infeco na corrente sangunea, s so isolados pela hemocultura se a incubao se prolongar por 2 semanas e s vezes mais tempo, justificando-se neste caso um sub-cultivo terminal. Dentre tais microrganismos se encontram Haemophylus aphrophilus, Actinobacillus actinomycetemcomitans, Cardiobacterium hominis, Eikenela corrodens e Kingella kingae (muitos deles patgenos oportunistas, que atualmente tm sido associados a casos de endocardite). Tais culturas devero ser examinadas diariamente nos primeiros sete dias e ento novamente a intervalos de 7 dias. Bartonella henselae (uma causa de endocardite crnica) difcil de ser recuperada do sangue, mas possvel isol-la em alguns sistemas de hemocultura, como por exemplo o Isolator. Para isso o sangue processado dever ser plaqueado em agar enriquecido (agar chocolate), recentemente preparado, e incubado a 35C por 4 semanas, sob condies de elevado teor de CO2 e umidade. Fungemia tem se tornado um problema crescente, especialmente em pacientes imunocomprometidos e naqueles com cateterizao prolongada, e em indivduos usurios de drogas injetveis. Quando h suspeita clnica de fungemia necessrio informar o laboratrio de microbiologia, para que sejam utilizados meios de cultura apropriados e mais longos perodos de incubao. Leveduras, como Candida spp., por exemplo, so geralmente detectadas nos mtodos de rotina da hemocultura, se forem feitos sub-cultivos peridicos. Mas, Cryptococcus neoformans produz pouco CO2 e pode no ser detectado nos sistemas automatizados que tm por base a monitorao deste gs (por exemplo, o sistema BACTEC). Fungos dimrficos e os filamentosos requerem especial ateno no cultivo. Para isolamento de fungos dimrficos o melhor mtodo o de lise e centrifugao (exs. sistema Isolator hemolisobac). No caso de suspeita de fungemia

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por Histoplasma capsulatum, a incubao da cultura dever se prolongar pelo menos por 3 semanas. Os meios de cultura para os fungos dimrficos so tambm especficos. Em situaes clnicas apropriadas, tais como pacientes que so infectados por HIV, culturas para fungos e micobactrias devem ser consideradas, pois tais microrganismos so mais freqentemente cultivados nesses casos. Espcies do gnero Mycobacterium . no so isoladas pela tcnica de rotina da hemocultura. Para recuperar tais bactrias podem ser usados os mtodos de lise e centrifugao, seguidos da inoculao do sedimento do sangue em um meio slido (exs.: Middlebrook 7H11 ou 7H10, Lowenstein-Jensen), Hemolisobac ou o meio ESPII, ou ainda a inoculao direta do sangue no meio BACTEC 13 ou o Bac/Alert MB. Geralmente duas culturas semanais do sangue so adequadas para diagnstico de micobacteremia e a incubao deve ser mantida por pelo menos 6 semanas. Nos casos de bacteremia pelo complexo Mycobacterium avium-intracellulare o microrganismo tem sido detectado em 85-90% dos pacientes, com apenas uma cultura do sangue; mas a positividade chega a 100% quando so feitas duas culturas. Para o isolamento de Brucella spp., por exemplo, usado um meio bifsico (mtodo de Castaeda) que emprega um meio slido inclinado junto com uma fase lquida, constitudos do mesmo meio TSB. A incubao em atmosfera com maior teor de CO2 . O sub-cultivo semanal e mantido por 4 a 6 semanas. Em pacientes com clnica de endocardite, e com repetidas hemoculturas negativas, deve-se pensar em Legionella spp., ou Coxiella, ou fungos. No caso de Legionella, a deteco usualmente requer sub-cultivo do frasco da hemocultura para gar extrato de levedura tamponado com carvo, ou outro meio adequado para esse microrganismo. A cultura do sangue para o diagnstico da leptospirose no segue as tcnicas, nem os mtodos adotados para a hemocultura, sendo usados meios de cultura especficos. Para o isolamento de Leptospira interrogans, dever ser colhido sangue fresco ou sangue com anticoagulante heparina ou oxalato de clcio,, na primeira semana da doena, e desta amostra sero inoculadas uma a duas gotas, em trs a quatro tubos de um meio semi-slido, tal como o meio de Fletcher e col., ou o Ellinghausen e col., ou ainda o Polisorbato 80. As culturas devero ser incubadas temperatura ambiente por cerca de 6 semanas. Examinadas semanalmente por microscopia 40X, em campo escuro (entre lmina e lamnula vedadas)

SISTEMAS UTILIZADOS NA HEMOCULTURA I- SISTEMAS MANUAIS I.1. Mtodo Manual em caldo recupera a maioria das bactrias (inclusive as anaerbias). Utiliza um caldo enriquecido (TSB ou BHI) e dois frascos so inoculados com o sangue, sendo um deles incubado em aerobiose e outro em anaerobiose (neste ltimo foi feito vcuo e contem suplemento para produo de CO2 , N2 , H2).

Os frascos so incubados a 35C por 7 dias, sendo examinados diariamente para evidncia de crescimento microbiano, o que pode ser visualizado por: (a) turvao do caldo; havendo, entretanto microrganismos que no turvam o meio, como por exemplo Haemophilus (b) hemlise, quando as bactrias so hemolticas (c) produo de gs (d) mais raramente pela presena de microcolnias na superfcie da camada de sangue. Nestas situaes retirada uma alquota (com seringa e agulha estreis) do frasco da hemocultura para confeco de um esfregao para bacterioscopia pelo mtodo de Gram (a sensibilidade do Gram est entre 105 a 106 UFC/ml) e para subcultivo. Neste caso sero semeadas duas placas com meio enriquecido (gar- sangue ou gar-sangue chocolate), uma incubada em aerobiose e a outra em microaerofilia. A colorao do esfregao em lmina corado com laranja de acridina parece apresentar maior sensibilidade na deteco de bactrias (103 a 104 UFC/ml). Mesmo no se observando alterao no meio de cultura, nas primeiras 24 horas (6-18h) deve ser feito um sub-cultivo cego em placa de gar-sangue chocolate do frasco incubado em aerobiose. Os dados preliminares ento obtidos devem ser informados ao mdico para orientar a teraputica. Utilizar sempre condies asspticas ao manusear o frasco de hemocultura, usando agulha e seringa estreis para retirar a alquota. Todo sub-cultivo deve ser acompanhado de bacterioscopia. Quando a bacterioscopia positiva e h ausncia de crescimento no subcultivo; ou quando o microrganismo recuperado apenas do frasco em anaerobiose, deve se suspeitar de anaerbios. Geralmente, os anaerbios esto em pequeno nmero na hemocultura. No necessrio sub-cultivo de rotina do frasco de anaerobiose. Alguns estudos mostram os anaerbios de significado clinico, em sua maioria, detectados pela inspeo visual seguida pelo sub-cultivo. H microrganismos que morrem rapidamente na cultura do sangue, devido a produtos de seu prprio metabolismo, como o caso do Streptococcus pneumoniae. Em pacientes com suspeita de infeco pneumoccica, o sobrenadante da hemocultura pode ser usado para deteco de antgeno pneumoccico, pela aglutinao em ltex ou por outra tcnica. Relatar resultado final aps 7 dias de incubao em aerobiose (exceto em casos especiais, como especificado anteriormente). No caso de hemoculturas positivas, relatar o nmero de amostras de sangue de culturas positivas e o respectivo perodo de incubao. Para culturas de anaerbios, incubar o frasco por 48-72 h e fazer o sub-cultivo e bacterioscopia de modo semelhante ao citado, mas a placa de gar-sangue com suplemento para anaerbios

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incubada em jarra de anaerobiose por 48-72h. Caso no haja crescimento, nos primeiros 7 dias, novos sub-cultivos devem ser feitos aos 7-14 dias de incubao. Devem ser anotados os tipos morfolgicos e a reao ao Gram das bactrias encontradas nas alquotas colhidas do frasco da hemocultura e tambm das colnias crescidas nas placas de sub-cultivo (em aerobiose e anaerobiose). A identificao dos microrganismos isolados do caldo da cultura positiva, feita atravs de testes bioqumicos, ou por outros mtodos e levar ao diagnstico da infeco sistmica, devendo ser processada com rapidez. O sistema manual em caldo tem a vantagem de ser de baixo custo; mas bem trabalhoso, alm de aumentar o risco de contaminao porque vrias manipulaes so necessrias. I. 2. Mtodos manuais bifsicos Sistema Septi-Chek (BBL) Este mtodo um sistema bifsico que utiliza um meio de cultura slido em lmina, em uma segunda cmara plstica que acoplada ao frasco com caldo de hemocultura padro. O sangue inoculado no caldo e a cmara para laminocultivo contendo trs faces de meio slido (agar chocolate, agar MacConkey e agar malte) adicionada, formando o conjunto a ser usado. Aps 4 a 6 horas de incubao a 35C, a lmina banhada com o caldo, por inverso do frasco (sendo assim inoculado como um sub-cultivo), sem a necessidade de abertura do frasco. A lmina e o caldo so inspecionados visualmente para evidncia de crescimento.

O sistema funciona bem para recuperao de aerbios e facultativos (anaerbios so recuperados com um frasco separado, sem a juno dos dois meios). O mtodo menos trabalhoso que o manual em caldo e as colnias j so disponveis para testes de identificao e testes de sensibilidade a antimicrobianos. Um sistema semelhante ao Septi-Chek disponvel em nosso meio, o Hemobac Trifsico (PROBAC do Brasil). Este sistema apresenta tambm uma cmara com laminocultivo com 3 faces (meio gar chocolate, meio Sabouraud e um indicador de CO2 (viragem de cor), acoplada ao frasco com caldo enriquecido e serve para detectar bactrias e fungos. Aps 2 horas, feita a semeadura primria por inverso do caldo para banhar os meios do laminocultivo. Frente ao crescimento bacteriano e/ou viragem do indicador, realizada a identificao do microrganismo e o antibiograma. Caso no seja detectada a presena de microrganismos, nova inverso do frasco permite nova semeadura dos meios em lmina.

I. 3. Mtodo de lise e centrifugao (Sistema Isolator, Dupont e Hemolisobac, Probac ) um outro mtodo manual, disponvel comercialmente. til para recuperar microrganismos fastidiosos ou de crescimento lento, tais como fungos dimrficos e fungos filamentosos, Malassezia furfur, Legionella spp. e Mycobacterium spp.. Este sistema consiste de um tubo contendo o anticoagulante EDTA e o agente de lise saponina, que lisa as clulas brancas e hemcias do sangue. O tubo inoculado com 7,5 a 10 ml de sangue, o qual ento agitado por pela inverso do tubo vrias vezes e ocorre a lise das clulas sanguneas. O tubo centrifugado a 3.000 rpm por 15 minutos aps 16 horas da inoculao para concentrar qualquer microrganismo que possa estar presente. Aps centrifugao o sedimento aspirado e subcultivado em meios apropriados. Este sistema tambm o mtodo de escolha quando culturas quantitativas do sangue so desejadas. As UFC/ml podem ser calculadas do volume de sangue processado e do nmero de colnias presentes na superfcie do gar. Esta tcnica resulta em deteco mais rpida de bacteremia (por aerbios e facultativos) e fungemia, mas relativamente dispendiosa. No funciona to bem como outros sistemas para a recuperao de Streptocooccus pneumoniae, outros estreptococos, Pseudomonas aeruginosa e anaerbios. Sua principal desvantagem o risco de contaminao da cultura , por haver muita manipulao durante o processamento. Uma das sugestes para minimizar a contaminao fazer todo o processamento das amostras em cmara de fluxo laminar. II- SISTEMAS AUTOMATIZADOS E COMPUTADORIZADOS Os sistemas funcionam de modo semelhante, sendo os frascos de cultura incubados em um equipamento (aparelho), onde so continuamente monitorados (em

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intervalos de 10 em 10 minutos) para a produo e/ou consumo de gs. Os dados resultantes so transmitidos a um computador e analisados para a rpida deteco do crescimento microbiano. Cada sistema utiliza um mtodo no invasivo para monitorar o crescimento; como por exemplos, mtodo colorimtrico, fluorescente, ou manomtrico para a deteco de CO2 ou de outros gases. Os sistemas oferecem uma variedade de meios de cultura. H frascos com meios para recuperao de aerbios e anaerbios, meios contendo resinas que absorvem os antibiticos, e aqueles para uso em pacientes peditricos. Estes sistemas tm sido bastante avaliados e os estudos indicam como sistemas alternativos confiveis, sendo uma incubao de 5 dias suficiente para recuperar do sangue a maioria das bactrias. O sub-cultivo terminal desnecessrio quando o resultado liberado como negativo. Das culturas detectadas pela produo de CO2 devem ser feito bacterioscopia e sub-cultivo e os dados obtidos devem ser repassados imediatamente ao clnico. A identificao dos microrganismos segue as mesmas normas dos sistemas manuais. Dentre os sistemas automatizados destacam-se o BACTEC (Becton Dickinson), o BacT/Alert (Organon Teknika) e TREK ESP II (TREK Diagnostic Systems). II. A. - O BACTEC se apresenta de trs modos: (1) Radiomtrico (sistema BACTEC 403) em que o meio de cultura contm substncias onde um dos tomos de carbono 14C. Quando ocorre o crescimento bacteriano, h produo de dixido de carbono (14 CO2), onde o carbono marcado. O sistema detecta este 14CO2 e a mquina d o resultado, indicando qual frasco requer sub-cultivo. H igual sensibilidade entre este sistema e o de hemocultura convencional, mas o tempo de deteco de cultura positiva bem mais rpido pelo BACTEC. Este sistema Tambm bom para detectar fungemia. Devese ter em mente que certas leveduras, como por exemplo, Cryptococcus neoformans, produzem pouco CO2 e podem no ser detectadas em tais sistemas. H tambm um sistema BACTEC modificado para detectar crescimento de micobactrias, principalmente no diagnstico de infeco disseminada em aidticos. Para isto, palmitato 14 C incorporado a um meio de cultura para micobactrias. (2) Sistema no radiomtrico, em que o dixido de carbono produzido pelas culturas em crescimento detectado usando um infravermelho (BACTEC MR-660); (3) o sistema mais recente apresenta um sensor qumico sensvel ao CO2 que est separado da mistura caldo-sangue por uma membrana semipermevel ao CO2 unidirecional e depositada no fundo do frasco. Na presena de CO2 ocorre uma mudana de cor. A vantagem deste mtodo a monitorao contnua das culturas, reduzindo o tempo para um diagnstico positivo. II. B. - O sistema BacT/Alert semelhante ao descrito para o tipo (3) do

BACTEC, em que uma membrana separa o meio do frasco de cultura do sensor colorimtrico para o CO2. O incubador (com temperatura controlada para 35C), o agitador e os mecanismos de deteco do gs se encontram na mesma unidade (aparelho) e esto ligados a um computador. O frasco colocado em uma clula no instrumento para monitorao. O crescimento de microrganismos no frasco de hemocultura avaliado a cada 10 minutos. Crescimento e metabolismo de bactrias produzem CO2. Quando h produo de CO2 o sensor colorimtrico muda de verde escuro para amarelo (observado no fundo do tubo). Um refletmetro do instrumento detecta mudana de cor, e um sofisticado programa de computador integrado a um cdigo de barra no fundo do frasco designa qual frasco est marcado. H tambm discriminao entre produo microbiana de CO2 e atividade de CO2 celular. H menos risco de contaminao com esses sistemas porque eles no so invadidos durante a avaliao. H frascos com vrias formulaes de meios, inclusive para anaerbios e aerbios e tambm com resina inativadora de antibiticos. As rolhas tm cores diferentes, para facilitar a identificao. O meio de cultura o caldo TSB ou o BHI, contendo o anticoagulante SPS. Cada frasco, para adultos, contm 40 ml de meio de cultura e deve ser inoculado com 10 ml de sangue; enquanto o frasco para uso peditrico contm 20 ml de meio a ser inoculado com o mximo de 4 ml de sangue; portanto uma diluio de 1:5. O sistema automatizado II TREK ESP difere dos outros dois anteriores no seguinte: 1) A produo de CO2 monitorada manometricamente 2) Tanto o consumo de gs como a produo so monitorados 3) Mudanas nas concentraes de H2 e O2, em adio ao CO2 so detectados. Aps a inoculao de cerca de 10ml de sangue venoso, cada frasco ajustado a um conector disponvel que inclui uma agulha que penetra o septo do frasco, sendo o conector ligado a um sensor no topo de cada posio. Uma leitura feita a cada 12 minutos. Quando alterao na leitura excede um valor delta, luzes acendem, indicando a posio de cada frasco positivo. Teste para mltiplos gases uma vantagem terica para o sistema ESP, especialmente para deteco de microrganismos assacarolticos que podem no produzir CO2 suficiente para acionar o indicador.

INTERPRETAO DOS RESULTADOS DA HEMOCULTURA O laboratrio de Microbiologia necessita de um rigoroso controle de qualidade e todas as condutas devem ser seguidas criteriosamente, porque a hemocultura est sujeita a interferncias que alteram o seu resultado, como pode ocorrer com uma contaminao no frasco da cultura, mesmo antes de chegar ao laboratrio. Alguns estudos tm demonstrado que microrganismos contaminantes tm sido encontrados em cerca de 12% das hemoculturas.

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Hemocultura

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A contaminao da cultura pode ocorrer no hospital ou no laboratrio. A principal possibilidade de contaminao ocorre quando o sangue retirado para a cultura. Se a rolha no antes desinfetada, os microrganismos contaminantes podem tambm ser introduzidos quando o sangue injetado no frasco com meio de cultura. O risco de contaminao da hemocultura no laboratrio aumenta com o nmero de manipulaes a que a cultura submetida. Sub-culturas deveriam ser manipuladas em cmaras de biossegurana (Classe I ou Classe II). Culturas falso-positivas acarretam teraputica antibitica desnecessria (levando a seleo de estirpes microbianas mais resistentes), repetidas culturas que demandam tempo, prolongam a hospitalizao e aumentam o custo. Assim, por exemplo, se so isolados difterides (aerbios ou anaerbios), Bacillus spp. ou Staphylococcus epidermides, usualmente significam contaminao, exceto se esto presentes em grandes nmeros e em mltiplas culturas. Tambm de significado incerto o isolamento, em uma nica cultura, de estreptococos alfahemolticos ou no hemolticos (exceto quando se trata de Streptococcus do grupo D). Entretanto, tem significado clnico um nico isolamento de um dos seguintes microrganismos: Bacteroides spp., Fusobacterium spp., bacilos da famlia Enterobacteriaceae, Pseudomonas aeruginosa, Acinetobacter spp., Haemophilus spp., Staphylococcus aureus, Streptococcus pneumoniae e leveduras. Tambm tem sido relatada bacteremia polimicrobiana em cerca de 21% dos episdios spticos, comprovados microbiologicamente, sendo neste caso associada a uma mortalidade mais alta do que nas infeces monomicrobianas. O diagnstico de uma hemocultura contaminada pode ser feito somente aps uma avaliao clnica da condio do paciente. Atualmente, com as modernas prticas mdicas, muitos pacientes so imunocomprometidos ou podem estar em uso de dispositivos protticos ou com cateter de demora, e estes podem ser colonizados por microrganismos da pele ex. S. epidermides ou outros-. Antes que tais microrganismos sejam considerados contaminantes o paciente deve ser avaliado, principalmente em relao presena de febre ou outros sinais clnicos relevantes. Deve ainda ser investigado se o sangue foi obtido por venipuntura ou atravs de um cateter intravenoso, e se foi feita uma anti-sepsia adequada da pele. Para evitar erros o laboratrio poderia distribuir aos mdicos um protocolo com as normas de procedimento correto para a colheita do sangue. COMO RELATAR OS RESULTADOS DA HEMOCULTURA 1. Bacterioscopia pelo mtodo de Gram Por exemplo, se so observados cocos gram-positivos, seu tipo de arranjo, etc. 2. Cultura Resultado parcial se no for observado crescimento aps 24h de incubao emitir resultado parcial

Resultado final informar o resultado de cada amostra de sangue coletada Resultado positivo relatar o microrganismo isolado (gnero e espcie) e o stio da coleta (sangue perifrico ou obtido atravs de cateter). Horrio da colheita e, se possvel, a temperatura do paciente no momento da obteno do espcime clnico. Resultado negativo = no houve crescimento de microrganismos. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS Elekes SS, Weinstein MP. Blood cultures. Infect Dis Clin 7 (9):221-233, 1993. Gillespie SH. Medical Microbiology Illustrated. 1st ed., ButterworthHeinemann ltd, Oxford. 1994. Li J, Plorde JJ, Carlson LG. Effects of volume and periodicity on blood cultures. J. Clin. Microbiol. 32 (11) : 2829-2831, 1994. Murray PR, Baron EJ, Pfaller MA et al. Manual of Clinical Microbilogy. 7th ed., ASM Press, Washington, DC. 1999. Strand CL, Wajsbort RR, Sturmann K. Effect of iodophor vs iodine tincture skin preparation on blood culture contamination rate. JAMA 269 (8): 10041006, 1993. Winn Jr W, Allen S, Janda W, Koneman E, Procop G, Schreckenberger P, Woods G. Konemans Color Atlas and Textbook of Diagnostic Microbiology, 6th ed., Lippincott Williams & Wilkins, Philadelphia, PA, 2006.