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Henri Bergson - O Método Intuitivo - Uma Abordagem Positiva do Espírito

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DO ESPÍRITODO ESPÍRITODO ESPÍRITODO ESPÍRITODO ESPÍRITO

 Astrid Sayegh

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULOReitor: Prof. Dr. Jacques MarcovitchVice-Reitor: Prof. Dr. Adolpho José Melfi

FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANASDiretor: Prof. Dr. Francis Henrik AubertVice-Diretor: Prof. Dr. Renato da Silva Queiroz

CONSELHO EDITORIAL ASSESSOR DA HUMANITASPresidente:Prof. Dr. Francis Henrik Aubert

 Membros: Profª. Drª. Lourdes Sola (Ciências Sociais)Profª. Drª. Maria das Graças de Souza do Nascimento (Filosofia)Profª. Drª. Sueli Angelo Furlan (Geografia)Profª. Drª. Laura de Mello e Souza (História)Profª. Drª. Beth Brait (Letras)

© Copyright 1998 da autora.Os direitos de publicação desta edição são da Universidade de São Paulo

Humanitas Publicações – outubro/1998

C OMPRAS   E / OU   ASSINATURAS 

HUMANITAS LIVRARIA – FFLCH/USPRua do Lago, 717 – Cid. Universitária05508-900 – São Paulo – SP – Brasil

 Telefax: (011) 818-4589e-mail: [email protected]

http://www.usp.br/fflch/fflch.html

 Endereço para correspondência

 A  AUTORA

Rua Conselheiro Zacarias, 28301429-020 – São Paulo – SP – Brasil Tel: (011) 887-4321 / 887-1421

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O MÉTODO INTUITIVOO MÉTODO INTUITIVOO MÉTODO INTUITIVOO MÉTODO INTUITIVOO MÉTODO INTUITIVO:::::UMA ABORDUMA ABORDUMA ABORDUMA ABORDUMA ABORD  AGEM POSITIV   AGEM POSITIV   AGEM POSITIV   AGEM POSITIV   AGEM POSITIV  A  A  A  A  A 

DO ESPÍRITODO ESPÍRITODO ESPÍRITODO ESPÍRITODO ESPÍRITO

 Astrid Sayegh

PUBLICAÇÕESFFLCH/USP

ISBN 85-86087-35-1

1998

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Ficha catalográfica

 A S ÉRIE TESES  é uma publicação da Humanitas e tem como objetivo criar um novo espaço

para a divulgação de teses e dissertações produzidas no âmbito da Faculdade de Filosofia,Letras e Ciências Humanas, facilitando o acesso a nossa produção intelectual.

Sayegh, Astrid

Bergson: o método intuitivo: uma abordagem positiva do espírito / Astrid

Sayegh .– São Paulo: Humanitas / FFLCH/USP, 1998

182 p. (Teses, 1)

Originalmente apresentada como dissertação do autor (mestrado – Faculdade

de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – USP)

ISBN 85-86087-35-1

1.Bergson, Henri, 1882-1939 2. Filosofia 3. Memória I. Título II. Série

CDD 194.91

Ficha catalográfica elaborada por Márcia Elisa Garcia de Grandi – CRB 3608 SBD FFLCH USP

S 284

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 A 

 A SÉRIE TESES

publicação de teses e dissertações produzidas no âmbito da Faculda-de de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de SãoPaulo é uma iniciativa inédita, que responde a necessidades de vári-

as ordens. Apresentar e dar a conhecer à comunidade acadêmica a produção inte-lectual que, de outra forma, continuaria circunscrita ao círculo restrito de interessa-dos nas disciplinas que praticamos, é uma delas. Quer-se também facilitar o acessodos vários segmentos da sociedade civil, de organizações não-governamentais e deentidades governamentais aos resultados mais acabados de nossas atividades de pes-

quisa, de crítica e de reflexão. Trata-se, nesse caso, de atender à demanda crescentee, com freqüência, difusa por novas fórmulas de interação – e de interlocução – entreo mundo acadêmico, a sociedade, os governantes e os meios de comunicação.

Há, além disso, razões adicionais para dar início a essa série. Temos porcompromisso criar espaços novos para a publicação de teses de valor analítico, sejadescritivo, teórico ou ainda propositivo, credenciadas por equipe de pareceristas ex-ternos: as quais, de outra forma, permaneceriam intra-muros ou simplesmente ig-noradas – por não atender a critérios mercadológicos. O que é ainda mais relevantequando se leva em conta um viés que pode ser mais facilmente corrigido nos limitesde uma universidade pública. A natureza de nosso mercado editorial, extremamenteoligopolizado, ou o tipo de visibilidade, ocasional e precária, proporcionado pelamidia, reforçam a tendência a entregar ao público, preferencialmente, a produção deautores já estabelecidos.

Nesse sentido, a série que apresentamos é pensada como parte de uma polí-tica proativa e ao mesmo tempo compensatória de carências que, de outra forma,seriam insuperáveis – complementar àquela que vem sendo desempenhada pelas edi-toras universitárias. Com ela, pretende-se dar suporte material e construir um hori-zonte de incentivos morais aos alunos de pós-graduação e aos professores-orientado-res, para que continuem se empenhando em tornar disponível e a generalizar osconhecimentos produzidos em nossas disciplinas. Para que se disponham também atornar cada vez mais explícitos e transparentes os novos padrões de excelência – e de

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produtividade – que ambicionamos alcançar. Com um olho no estado das artes e no

saber já acumulado, que é nosso ponto-de-partida intelectual; e outro no interessepúblico, conforme tradição democrática, firmada por um longa linhagem de profes-sores, colegas e ex-alunos – que é o nosso legado.

Com essa nova Coleção, que nossa editora Humanitas traz a público, pre-tende-se dar a a conhecer, +também, e a estimular a contínua participação dosnossos professores aposentados nas atividades da Faculdade, onde um número signi-ficativo continua exercendo suas funções didáticas e, em particular, de orientação.

Lourdes Sola.

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 Ao meu pai,

Com inexcedível gratidão...

Na ausência... a saudade incontida

Na interioridade... a sempre presença

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Dois momentos marcam o itinerário da perfectibilidade:

No primeiro, os homens, enquanto tais, refletem

de forma intelectiva,

a imagem do universo exterior em si mesmos.

No segundo, por uma auscultação interior,

descobrem em si mesmos o objeto da verdade.

Neste momento, não apenas homens, mas deuses,

refletem, recriam, no próprio espírito,

 por intuição,

a imagem da totalidade do ser.

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ÍNDICE ÍNDICE ÍNDICE ÍNDICE ÍNDICE 

Introdução Introdução Introdução Introdução Introdução ..............................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................14

Cap. I – INTUIÇÃO E MÉTODO INTUIÇÃO E MÉTODO INTUIÇÃO E MÉTODO INTUIÇÃO E MÉTODO INTUIÇÃO E MÉTODO ................................................................................ 19

1. Descrição do Método ....................................................................................... 38

Cap. II – COL COL COL COL COL OCAÇÃO DO PROBLEMA OCAÇÃO DO PROBLEMA OCAÇÃO DO PROBLEMA OCAÇÃO DO PROBLEMA OCAÇÃO DO PROBLEMA ................................................................... 551. Problemas Mal Colocados ................................................................................ 58

2. Problemas Inexistentes .................................................................................... 62

Cap. III – INTEGRAÇÃO HUMANA INTEGRAÇÃO HUMANA INTEGRAÇÃO HUMANA INTEGRAÇÃO HUMANA INTEGRAÇÃO HUMANA : AS DIFERENÇAS NA : AS DIFERENÇAS NA : AS DIFERENÇAS NA : AS DIFERENÇAS NA : AS DIFERENÇAS NA TURAIS TURAIS TURAIS TURAIS TURAIS ...................................................................................................................69

1. Inteligência e Práxis ........................................................................................ 73

2. Inteligência e Sistema Nervoso ........................................................................ 79

3. Momento de Divisão ....................................................................................... 81

4. Diferenças de Natureza ................................................................................... 835. Linha Objetiva ................................................................................................ 87

6. Nascimento da Subjetividade ........................................................................... 89

7. Integração Humana: O “Tournant”................................................................ 104

a) Memória e Vida ............................................................................................. 106

b) Memória e Atividade Intelectual ..................................................................... 109

8. Patologia da Memória .................................................................................... 116

Cap. IV –  INTEGRAÇÃO ESPIRITU INTEGRAÇÃO ESPIRITU INTEGRAÇÃO ESPIRITU INTEGRAÇÃO ESPIRITU INTEGRAÇÃO ESPIRITU  AL: A UNID  AL: A UNID  AL: A UNID  AL: A UNID  AL: A UNID  ADE  ADE  ADE  ADE  ADE .......................................................................................................................................................................................................................129

1. Memória Ontológica ..................................................................................... 133

2. Intuição Sensível .......................................................................................... 140

3. Monismo ou Pluralismo? .............................................................................. 148

4. Intuição Vital................................................................................................ 152

5. Intuição Criadora .......................................................................................... 154

6. Processo Intuitivo ......................................................................................... 160

Conclusão Conclusão Conclusão Conclusão Conclusão ..................................................................................................................... 171

BibliografiaBibliografiaBibliografiaBibliografiaBibliografia ...............................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................179

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  Abreviações empregadas nas obras de Bergson  Abreviações empregadas nas obras de Bergson  Abreviações empregadas nas obras de Bergson  Abreviações empregadas nas obras de Bergson  Abreviações empregadas nas obras de Bergson

E.C.E.C.E.C.E.C.E.C. – L’Évolution Créatrice

E.D.I.C.E.D.I.C.E.D.I.C.E.D.I.C.E.D.I.C. – Essai sur les Données Immédiates de la Conscience

E.S.E.S.E.S.E.S.E.S. – L’Énergie Spirituelle

D.S.M.RD.S.M.RD.S.M.RD.S.M.RD.S.M.R..... – Les Deux Sources de la Morale et de la Religion

M.MM.MM.MM.MM.M. – Matière et Mémoire

PPPPP.M..M..M..M..M. – La Pensée et le Mouvant

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INTRODUÇÃO INTRODUÇÃO INTRODUÇÃO INTRODUÇÃO INTRODUÇÃO 

r adicionalmente, a metafísica propunha-se resolver os grandes pro-blemas, no que se refere à natureza do espírito, com a ajuda doraciocínio puro. Sem apoio na experiência, a metafísica kantiana

construía vastos sistemas, logicamente coerentes, porém incapazes de apresentar umaprova categórica para suas afirmações. Afirmava-se, portanto, a impossibilidade deconhecer a realidade além da experiência sensível que o mundo nos revela.

Contudo, ao lado da experiência que oferece à ciência seu objeto concreto,não vivemos uma experiência interior, tão direta, tão irrecusável quanto a primeira?O erro consiste em se fazer de faculdades estruturadas, em vista de uma vocação

pragmática, meio de se atingir a atividade espiritual. Ora, as operações finitas doentendimento não se prestam a um conhecimento profundo da realidade infinita. A consciência finita limita a si mesma o acesso ao ser infinito. O fato de se estabelecerrelações entre idéias ou conceitos convencionais não nos autoriza uma afirmação deespírito em sua natureza original, pois uma verdade metafísica somente pode serapreendida quando vivenciada no íntimo da consciência, em si mesma, e tal experi-ência somente é possível através da intuição.

O mérito de Bergson é justamente ter colocado em evidência esta forçaintuitiva, que nos permite transformar o abstrato verbal em uma experiência sólidae concreta. O espírito de sistema parte de idéias e conceitos em direção à realidade aser conhecida, porém, um método verdadeiro deve partir da realidade em si, viven-ciada no íntimo do próprio ser, para em seguida transformar-se em representaçõesexplicativas. Efetivamente, ao inserir-se na intuição, e a partir dela chegar à inteli-gência, a filosofia nos introduz na própria vida espiritual.

Se porventura o dogmatismo científico absorve o pensamento atual inteira-mente no mundo sensível, desinteressa-se, no entanto, da realidade do espírito, oqual é a verdadeira fonte, a natureza original, ilimitada e anterior a própria ciência.

*

Dissertação apresentada ao Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e CiênciasHumanas da Universidade de São Paulo, sob orientação do Prof. Dr. Franklin Leopoldo e Silva, comoparte de requisito para obtenção do título de Mestre em Filosofia.

T

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Contra essa demissão do espírito o pensamento de Bergson faz-se oportuno, en-

quanto forma de reabilitação da realidade do espírito e de sua natureza criadora.Importa nestes tempos de transição para a chamada civilização do espírito

uma ciência nova e restaurada, não a ciência das práticas rotineiras, dos métodosacabados e envelhecidos, mas uma ciência aberta a todas as investigações, à ciência doinvisível, a fortalecer a consciência e vivificar o espírito. O homem já está vitorioso nomundo visível, é mister que a atividade humana se dirija para os caminhos do espírito,no sentido de conhecer sua própria natureza e o segredo de seu esplêndido porvir. A ciência positivista será sempre insuficiente, se não for completada pela intuição, qualum músico surdo buscando raciocinar a respeito das regras de uma melodia.

Se a ciência nos promete o bem-estar, já a filosofia deve nos fornecer aalegria interior .1 Sendo o próprio objeto da filosofia a superação da condição huma-na, tal objeto somente torna-se possível através de um modo de conhecimento que sedê além do ponto em que o espírito está inserido na matéria, ou seja, através daintuição. O perfil adequado ao homem pós-moderno não é mais apenas o sujeitológico, mas o sujeito intuitivo. A experiência cognitiva deve consistir, portanto, noconhecimento do espírito pelo espírito, no conhecimento de realidades não sensí- veis, através de uma visão direta de seu objeto. Porém, ela vai mais além, na medidaem que implica não somente um modo de conhecimento, mas uma forma de trans-

cendência do próprio ser humano, o qual cede através dela a uma busca de ilumina-ção interior, pela criação de si mesmo.

 A realidade do espírito não consiste no repouso em um absoluto inerte, masna criação livre sob forma de especulação, assim como a vida animal é criação livresob forma de ação. Assim como existe um princípio vital, de cuja diferenciação surgea criação das espécies, há igualmente um princípio espiritual, que torna-se consciên-cia-de-si em nós. E o esforço intuitivo consiste, justamente, no movimento dessaconsciência-de-si, do espírito, que busca alcançar sintonia com uma realidade cada vez mais elevada, cuja visão imediata explicita-se em idéias e conceitos.

Desta forma, a filosofia, quando inserida nesse impulso criador gerado pelopróprio ser, imprime uma direção nova e transcendente a própria reflexão. Enquan-to ato de um pensamento puro, seu objeto consiste na intuição do absoluto, e suasidéias passam a ser a forma reflexiva, na consciência, da natureza original das coisas.

No entanto, numerosos são os contra-sensos cometidos sobre a natureza daintuição. Se a própria metafísica não conseguiu apreender a realidade do espírito,

1 P.M. (L’Int. Phil.) p. 142.

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assim como sua atividade intuitiva, isto deve-se ao fato de valer-se de operações

mentais estruturadas em função de necessidades naturais, para explicar realidadesque, no entanto, se dão além da condição humana. Conseqüentemente, acaba-sepor projetar a realidade espiritual e sua multiplicidade qualitativa em um espaçohomogêneo e divisível.

 A contradição que parece, portanto, minar o projeto da intuição metafísicaé simplesmente a tradução, a nível de uma linguagem instaurada pela práxis, datensão, do fluxo interior, da criação qualitativa, que caracterizam a vida do espírito.

Numerosas são as referências ao processo intuitivo, enquanto uma realida-de inatingível à condição humana. Algumas a definem por uma espécie de simpatia

confusa, uma inspiração, outros a tomam por um sentimento, uma espécie de adivi-nhação. Ora muito mais do que isso, a intuição, além de consistir em um método,um modo de conhecimento, cumpre com o fim superior da vida: a criação.

Sem dúvida, o próprio Bergson confessa dificuldade em explicitar o termodiscursivamente, dada a realidade movente, e não espacial, que a caracteriza. Qual-quer definição correria o risco de empobrecê-la; efetivamente Bergson procuraexpressá-la através de visões múltiplas, para que então seja possível apreender suarealidade, assim como a realidade do espírito em um ato simples e uno. – A própriaintuição consiste em uma integração de realidades, consideradas , no entanto, diver-

gentes pela consciência reflexiva.Pois bem, quais os aspectos múltiplos que definem a intuição? Como fun-

damentar a possibilidade do método intuitivo? Quais os passos do processo intuiti- vo? – Eis as questões a que se propõe desenvolver a pretendida reflexão.

Em I e II Introdução  a O Pensamento e o Movente , Bergson define aorigem de seu método, assim como a direção que a intuição imprime a sua pesquisa.Em Matéria e Memória, valendo-se da própria intuição, Bergson dedica-se a umestudo da memória em sua instância psicológica, assim como à indagação metafísicada relação corpo e espírito. Embora Bergson não o faça explicitamente, essa obranos fornece todo um fundamento científico para uma afirmação positiva do espírito,e por conseqüência, de sua atividade por excelência, a intuição.

O objeto do presente trabalho consistirá em, não somente demonstrar aaplicação do método por Bergson, mas sobretudo fundamentar sua possibilidade,explicitar o processo intuitivo que tacitamente revela-se nessa rica descrição bergso-niana.

Se a metafísica, para Bergson, não prescinde da ciência, mas ao contrário,os fatos científicos constituem uma condição prévia que lhe penetra o princípio, a

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psicologia – em seu estudo da memória e da vida interior – nos servirá de experiência

concreta, embora humana, para através dela atingirmos a intuição metafísica.Quanto ao itinerário a seguir, justifica-se por, uma vez feita a descrição do

método, nos inserirmos no fio condutor da intuição, articulando e seguindo-lhe ospassos múltiplos, nos quais se constitui o seu processo.

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IIIII

INTUIÇÃO INTUIÇÃO INTUIÇÃO INTUIÇÃO INTUIÇÃO 

E E E E E 

MÉTODO MÉTODO MÉTODO MÉTODO MÉTODO 

 A atividade espiritual mais bela, mais sublime entre os homens 

está no império da intuição pura, onde,

...a partir de uma atividade humana,

a consciência transcende,...transmite aos homens a verdade, porém vivendo-a em si mesmo;

contempla o objeto a conhecer, porém no próprio ser.

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P ensamos raramente por nós mesmos, refletimos geralmente os mil pensa-mentos incoerentes do meio em que vivemos. Poucos homens sabem vi-ver do próprio pensamento e haurir do reservatório imenso que portamem si mesmos. Existem potências infinitas em nosso interior que esperam

um chamamento, e que no entanto raras vezes se fazem ouvir; importa voltar para o lado

solene da realidade, e buscar a emoção criadora que caracteriza a natureza do espírito.O espírito oculta profundezas para onde o pensamento raramente se eleva, porque

mil objetos externos ocupam-no incessantemente. É a vocação pragmática do homem que oentorpece, impedindo-o de aprofundar-se no sentido da vida, de auscultar o lado espiritual darealidade. A própria filosofia pode nos conduzir a esta apreensão mais profunda da realidade, sedeslocar a atenção do ser do lado praticamente interessante do universo para retornar ao senti-do profundo do ser; e assim, através de um empirismo superior, aproximar-se ao máximo danatureza original da vida – é este empirismo verdadeiro, espiritual, que constitui a própriametafísica.

O progresso rápido e decisivo da ciência fez do mundo um colossal mecanismo ondecausas e efeitos encadeiam-se de forma fatal. A liberdade nada mais é que uma ilusão subjetiva,e o pensamento é apenas um lampejo que ilumina este implacável saber universal. Este dogma-tismo científico, ao absorver todo o seu pensamento no mundo exterior, desvia o ser de suanatureza original, desinteressa-se do espírito, o qual por sua vez é o verdadeiro criador daciência.

Contra esta demissão do espírito, o pensamento de Bergson surge como um protes-to, e toda a sua obra fez-se como forma de reabilitação, uma reafirmação do espírito e de sualiberdade criadora.

Vive-se uma civilização materialmente engrandecida, mas que não soube superar suasconcepções espirituais. A ciência, em sua função analítica, abarca uma parte da realidade, po-rém a outra parte deve pertencer a uma metafísica que, partindo igualmente da experiência,possa penetrar a realidade e não apenas pensá-la.

Muito embora possuam objetos e métodos diferentes, ciência e metafísica devemprestar-se mútuo apoio, para que seja possível uma ciência mais profunda e uma metafísicamais positiva.

 Assim como espírito e matéria desenvolvem-se em uma experiência comum, metafí-sica e ciência devem igualmente encontrar-se para uma apreensão mais profunda da realidade.Desta forma, os métodos científicos não podem prescindir de um método intuitivo. A própria

filosofia passa a ser assim mais precisa, na medida em que baseia-se na experiência científica eculmina em conseqüências metafísicas.

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 A superficialidade do utilitarismo, o imediatismo pragmático, desviam a socieda-

de do fim superior da vida. A maioria dos homens simplesmente reage às circunstânciasnaturais com respostas prontas, de maneira padronizada, tendo como critério de compor-tamento uma acomodação mental aos hábitos contraídos na esfera da ação. Ora, um gran-de pensador também reage as suas circunstâncias, porém o faz acrescentando sempre algode original a sua resposta; enfrenta a força petrificadora dos lugares comuns inovando,criando novos rumos, lançando novas perspectivas.

Vive-se, pois, uma época de anemia intelectual, causada pela procura abusiva dapalavra pela palavra, de conceitos que se apliquem a uma superfície cada vez mais ampla deobjetos ou idéias. É justamente contra esse intelectualismo verbal que eleva-se Bergson ao

propor uma experiência autêntica de conhecimento.Os signos, sem dúvida, possuem um papel evocador e ocasional que serve para

desencadear o processo de conhecimento. Mas, o verdadeiro ponto de partida para umaexperiência mais profunda é o espírito, o qual, em um processo centrífugo, busca em simesmo o contato regenerador, por uma simpatia com o objeto de conhecimento, para emseguida expressá-lo em representações explicativas. Eis, então, a necessidade de descartaro pensamento meramente conceitual em função de uma filosofia mais intuitiva.

Trata-se de penetrar a vida em sua plenitude luminosa, e não mais girar em tornodela. Essa experiência privilegiada a que Bergson nos convida, não será o mundo exteriorque nos fornecerá, mas sim um retorno para o íntimo do próprio ser.

Para tanto, faz-se necessária uma dilatação do espírito, para que seja possível re-fletir uma quantidade cada vez maior de detalhes do objeto, e para que se possa obter umavisão cada vez mais profunda do momento presente. Neste sentido, o ato de conhecerpassa a coincidir com o próprio engendramento do objeto, na medida em que é captadoem um momento anterior a sua própria formação.

O processo de conhecimento passa, efetivamente, a identificar-se com o processode criação do ser, na medida em que o sujeito gera também a si mesmo neste contato com agênese do objeto. E nisto consiste o fim supremo da vida: a criação . Sendo a própria naturezada realidade do espírito um movimento qualitativo, não existe alegria interior, senão a de umser que sente criar-se, acrescentando sempre novas dimensões a sua personalidade espiritual.

Deve-se, portanto, buscar alcançar a verdade por uma concentração do próprioespírito, por uma emoção que prolonga-se em representações explicativas na inteligência.Não se trata de combinar idéias, escolher conceitos, ou tomar partido em escolas, mas debuscar uma intuição única de onde se desce aos conceitos, porque se é colocado acima dadivisão das escolas.2

2 P. M. (Introduction à la Métaphysique ) p. 197.

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Somos, sem dúvida, seres inseridos na corporeidade, a qual constitui uma dimen-

são temporal menos tensa. No entanto, tal condição nada mais é que um estágio, necessá-rio à evolução espiritual, mas não um fim em si. Atrasamos a marcha evolutiva do espíritoao acomodarmo-nos em uma realidade incoerente com nosso destino. A estagnação emque vivemos não é própria do movimento da vida.

Enquanto seres, oriundos de um mesmo princípio inteligente, devemos igual-mente possuir como destino e fim o retorno às nossas próprias fontes . Não se trata deuma postura panteísta, muito menos de regressão, mas sim de progredir a partir do espíri-to. Trata-se de, uma vez superadas as concepções oriundas da percepção material, saltar davida psicológica para o plano ontológico, buscar em si mesmo a comunhão com a verdade,

através da própria transcendência de si. Eis, segundo Bergson, o objeto da filosofia: supe- rar a condição humana. No entanto, se por ventura vive o homem um dissídio entre suarealidade de ser espiritual e de ser natural, também a filosofia ainda permanece presa aoscondicionamentos de um entendimento mal articulado por falsas concepções do tempo edo espaço.

Se não conseguimos ainda viver a realidade de forma mais intuitiva, é porquevivemos divergências que nosso raciocínio mal formulado criou. Comumente tomamosdireções erradas para nossas concepções, no entanto isso não se faz arbitrariamente, maspela própria vocação utilitária de nossa inteligência, cuja estrutura tem fundamento na

tendência de responder aos desafios naturais da existência A fragmentação da realidadeque operamos é devido à função separadora de nosso entendimento, que divide a matéria eo tempo no espaço. Acaba-se assim por criar falsos problemas ou por colocá-los inadequa-damente, problemas estes que só se superarão quando encarados com a visão do espírito enão com a visão da matéria, quando se deixar inteiramente de lado a nossa interação causalcom o mundo da exterioridade.

Se, em nível de espaço, a consciência reflexa encontra uma ruptura entre a nossaexistência e a nossa essência, ao abordamos com o olhar do espírito veremos as articula-ções reais que identificam os seres entre si. Para tanto, não devemos buscar explicações nascoisas feitas, mas sim em seu estado fluente .

Se considerarmos a realidade em suas diferenças quantitativas, jamais conseguire-mos explicar a natureza de nossos estados psicológicos. Segundo Bergson, será apenas naapreensão da qualidade, que é essência pura, que conseguiremos apreender a harmoniainvisível que articula os diferentes níveis da realidade. O conhecimento legítimo é aqueleque transcende a fixidez dos conceitos, que transcende o olhar puramente humano.

Isso só é possível, na medida em que conseguirmos superar nossos limitados há-bitos mentais e inverter a marcha habitual de nosso pensamento , segundo a dialética berg-soniana. Para tal, faz-se necessário, não partir da realidade exterior para chegar à realidade

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interior, não ir dos conceitos ao pensamento, mas atingir a compreensão legítima que se

faz a partir do pensamento, criado ou reencontrado, para as palavras que o traduzem, emum movimento da intuição ao sistema, do interior ao exterior. O verdadeiro conhecimen-to é aquele que busca a significação das coisas além do ponto em que o espírito encontra-se inserido na matéria, para captá-lo em sua realidade virtual, movente e fluídica. Só assim,encontrar-se-á a razão ou fundamento para os questionamentos metafísicos.

Eis assim a intuição como única forma de transcendência do ser, como únicomeio de nutrir o espírito, em forma de emoção que vibra e palpita em um impulso para oalto, em um movimento centrífugo, que nos permite uma simpatia com a verdade buscada.

Sem dúvida, o conceito de sympathéia desde a antigüidade encontrou aplicação

tanto no mundo humano como no mundo físico. Mas, é principalmente a propósito domundo físico que ele foi aproveitado pelos filósofos antigos. Segundo o pensamento dePlotino:

 A simpatia é como uma corda esticada, que quando é tocada em uma das pon- tas, transmite o movimento também a outra ponta... E se a vibração passa de um instrumento para o outro por simpatia, também no universo há uma har- monia única...3

No entanto, Plotino fazia da simpatia o fundamento da magia, de onde provêmos encantamentos. Com o declínio da magia no mundo moderno, o significado de simpa-tia foi limitado a indicar a participação emotiva entre os indivíduos humanos. Hume foi oprimeiro a insistir na importância da simpatia para as relações humanas.

Nenhuma qualidade da natureza humana é mais importante do que a propen- são que temos para simpatizar uns com os outros, para receber por comunica- ção suas inclinações e seus sentimentos...4

Para Bergson, o termo passa a significar não simplesmente uma identificação, masantes uma união espiritual , pela qual o ser cria a si mesmo ao participar do movimento daprópria gênese do objeto. Trata-se sobretudo de uma forma de liberdade, pela qual o serlibera de seu íntimo sua original realidade. Simpatizar-se passa a ser captar o objeto  por dentro , em seu aspecto essencial, por meio de uma dilatação da própria consciência do sujei-to. É antes um conhecimento animado pelo próprio engendramento e criação de si mesmo.

3 PLOTINO, Enn., IV, 4, 40 (in: ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia).4 HUME, Treatise of Human Nature, 1738, II, I, 11(Ibid.).

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Visivelmente uma força trabalha diante de nós, que procura libertar-se de seus 

entraves e também ultrapassar a si mesma, e dá primeiramente tudo o que elatem e em seguida tudo o que ela não tem: como definir de outra forma o espírito? E por onde a força espiritual, se ela existe, se distinguiria das outras,senão pela faculdade de tirar dela mesma mais do que contém? 5

Ora, a própria intuição implica em criação, na medida em que a aderência ao ob-jeto ou à verdade ocorre sempre contemporaneamente a uma interiorização desta verdade.Intuir é criar na medida em que dilatamos nossa consciência, na medida em que superamosa nós mesmos por uma tensão cada vez maior de nosso espírito. Criar é gerar em si mesmoa emoção única, nascida da coincidência com a verdade ou com o princípio gerador doobjeto. A alma que se abre, que supera o lado prático da vida, que diferencia-se a cadamomento, sente uma alegria interior indefinível. Gerar a si mesmo.... eis o aspecto triunfalda alegria legítima! Se o espírito, por sua vez, é mais rico que a matéria porque armazenatodo o seu passado, o homem, ao apoiar-se na totalidade de seu passado pode possuir umfuturo muito mais rico e criativo.

Ora, o que sou enquanto espírito, senão a minha história interior? O espíritonada mais é que uma memória que, no fluxo de um tempo que acrescenta-se a si mesmo,interioriza todos os momentos contínuos que vivencia. Se eu olhar para o meu interior,sentirei não somente que mudo a cada instante, mas percebo em mim uma vida interior

que passa de um estado a outro. Percebo um eu que dura e que flui. Sou uma memória queliga todos os instantes uns aos outros em uma interpenetração recíproca, segundo umritmo de duração. Disto decorre a necessidade de coincidir com a duração do objeto quedesejo conhecer. Intuir é, com efeito, coincidir o ser e o tempo.

Pois bem, se a intuição bergsoniana consiste em um processo de aderência dosujeito ao objeto, como se explica esta interação? De que forma é possível a intuição?

Em sua carta a Hoffding, Bergson mesmo diz ter por longo tempo hesitado emdefinir o termo. Ora, não se pode definir uma realidade movente por meio da rigidez dossímbolos ou conceitos. Além disso, intuição não designa aqui, como acontece por vezes na

linguagem corrente, um pressentimento vago, uma adivinhação arbitrária, nem uma im-pressão puramente subjetiva. Ela não designa, como na filosofia de Kant, uma faculdade deperceber fora dos sentidos ou da consciência.6 Intuição, segundo Bergson, é um ato dereflexão profunda que, descendo em direção à ação e à realidade atual, antes de qualquerapelo às faculdades da razão e para além da linguagem, apreende diretamente a realidadepor um esforço de tensão do espírito.

5 E. S. ( A Consciência e a Vida) p. 22.6 M. M. p. 237.

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É um ato do pensamento que ultrapassa o entendimento ou, como nos define

Bergson:

... espécie de simpatia intelectual pela qual se transporta ao interior de umobjeto para coincidir com o que ele tem de único e inexprimível. 7

O próprio ato de filosofar passa a ser algo como sintonizar-se, afinar-se com arealidade buscada, de forma direta, imediata, sem intermediários de qualquer ordem.

Eis a única forma de se captar a realidade em essência, ao vivenciarmos o tempo,não enquanto momentos fragmentados, mas enquanto um fluir contínuo, seja de mo-mentos repetitivos – como no caso da matéria –, seja de um incessante engendramentode qualidade e mudança – no caso do espírito –, onde apreenderemos em um ato único astendências constitutivas do objeto ou do ser. Não se trata de realidades feitas, mas derealidades fazendo-se , que sugerem ao espírito o sentimento de infinitude, de contínuoacrescentar, de novidade e criação. Criar passa, pois, a ser ao mesmo tempo criar-se, namedida em que não mais se distinguem a consciência do objeto e a consciência de si mes-mo; na medida em que, através da duração constitui-se nossa bagagem temporal de cresci-mento interior, de novidades, que se superam mas que ao mesmo tempo permanecem emnossa memória – não psicológica, mas desta vez espiritual e ontológica. Conhecer passa a

ser, não ver com as dimensões de nossa imaginação, mas viver a si mesmo no objeto.Intuir passa a ser não somente captar ou simpatizar, mas simpatizar-se com e na nature-za original do objeto, naquilo que ele possui de único e inexprimível.

O sujeito bergsoniano deve, portanto, possuir uma participação direta no campoem que atua. Se o objeto de intuição for a matéria, o sujeito a apreende imediatamente emuma espécie de redução do campo de imagens . Se o objeto de intuição for o espírito, arelação do sujeito com o objeto não se faz por ordem de grandeza, mas por uma alteração de qualidade , de nível e de tensão no tempo. Seja, portanto, por uma redução do mundoexterior ou por uma mudança de nível da consciência virtual, o sujeito é sempre artífice desi e partícipe do todo.

Conhecer é unir-se a uma coisa e, em certo sentido, tornar-se a própria coisa; écoincidir o conhecimento do objeto com o conhecimento de si mesmo. Nesse sentido, osujeito de intuição não é apenas receptor, mas autor, pois recebe e engendra o seu objeto,que passa a ser ele próprio. Identificam-se, pois, a consciência do objeto com a consciênciade si. No entanto, o fato de sujeito e objeto coincidirem não implica em passividade porparte do sujeito. Sabemos que para poder refletir é necessário que o espírito abandone a si

7 P. M. (II Introd.), p. 181.

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mesmo, porém este abandonar-se significa antes desviar a atenção do lado prático da vida

para, por um esforço ativo de concentração, mergulhar no mundo interior do objeto e desi mesmo.

É buscar em si mesmo o sentimento de plenitude de uma consciência presente asi mesma, que conduz o espírito, a partir de um impulso interior, a atuar, a criar, a inventar.

 A teoria do conhecimento, nós o sabemos, não é substancialmente anterior ao conhecimento propriamente dito; o filósofo é colocado não do ponto de vistado espectador, mas do ponto de vista do autor: ele é portanto, como se costu- ma dizer, imediatamente engajado. A falsa ótica do intelectualismo, vem emgrande parte, do fato de o espírito se desdobrar perpetuamente e projetar lon- ge de si uma imagem de sua própria atividade a fim de contemplá-la objetiva- mente. 8

Para ser possível, portanto, a sintonia desejada com o objeto, é necessário que aconsciência tome partido: daí o fato de a intuição ser um esforço penoso, pois é necessárioque abandonemos a superficialidade de nossos hábitos mentais, adquiridos da mesma formaque a contingência de nossas funções corporais. Disto decorre a necessidade de elevação doser, de buscar uma consciência cada vez mais rica em qualidade, para se alcançar a adequadasintonia com as manifestações da totalidade. Diante de um problema, real e bem formulado,

a nossa alma toda entra em jogo; e a própria exigência de sintonia nos mostra que não se tratade um problema qualquer, mas de algo em que estamos engajados inteiramente.

Trata-se de nós mesmos, de re-viver e de re-criar, através da própria consciência.Se existe a parte do filósofo nisto tudo, quando esta parte está sintonizada com o lado reale original do todo e da vida, sua consciência parcial passa a viver uma imparcialidade deordem superior; ela passa a identificar-se com a consciência da totalidade, que constituisua própria gênese. É o momento em que o autor, uma vez superado seu papel de especta-dor distante, passa a viver o espetáculo todo em si mesmo. E quando, livre dos desdobra-mentos de sua inteligência redutora, sua consciência passa a ser Consciência, onde em

meio a um campo transcendental, a sua presença interna passa a ser Presença9

; é quando,de uma instância psicológica em vias de atualização, passa-se a uma instância ontológica emetafísica em direção ao virtual.

8  JANKÉLEVITCH, V. Henri Bergson. P. U. F., 1959, p. 29.9 PRADO JÚNIOR, B. Presença e Campo Transcendental . A presença interna refere-se a uma cons-

ciência qualitativa e livre enquanto a Presença significa uma consciência coextensiva à vida. Cabe a estapresença interna conduzir-se à presença absoluta – ...e reunir-se a si mesma através da complementaridade dos diferentes, reunião esta que consciência humana é capaz de captar quando se faz intuição e que se efetua na própria vida como impulso a voltar para junto a si. p. 15/16.

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Mas, poderíamos dizer que a intuição nestes termos só é possível para Deus e que o

homem jamais conseguiria praticá-la. Pois bem, não se nega o fato de a obra filosófica serempresa de uma consciência finita. Bem sabemos que a empresa humana, mesmo depurada eespiritualizada, jamais libertar-se-á de sua limitação. O que se quer demonstrar é que o pro-cesso da intuição é justamente essa dilatação da consciência que, liberta da escravidão de umainteligência utilitária e repetitiva, conduz o ser a contrair-se cada vez mais em si mesmo, emseu passado, em sua consciência, em função de uma experiência cada vez mais rica. Uma vezconscientes das diferenças de natureza entre esta realidade finita e a realidade infinita, deve-se prolongar o lado essencial desta divergência para visualizar a natureza original da qualpartem ambas as realidades. Comumente parte-se de uma realidade atual ou mista para expli-car o virtual, e por isso, jamais atingir-se-á a maturidade necessária para se chegar ao espírito. Além disso, não se trata de uma experiência impossível, pois trata-se antes de eliminar oobstáculo que se interpõe entre as consciências e a Consciência da totalidade.

Conforme veremos mais adiante, o espírito é uma realidade independente do cor-po, e está ligado diretamente a outros espíritos e ao Espírito:

Entre nossa consciência e as outras consciências a separação é menos rígidaque entre nosso corpo e outros corpos, pois é o espaço que faz divisões claras. A simpatia e antipatia irrefletidas (...) testemunham uma interpenetração pos- sível entre as consciências humanas; a consciência nos introduz assim em uma

consciência em geral.10

Vemos assim que Bergson passa insensivelmente da consciência à Consciênciaem geral. Ora, de uma realidade pelo menos eu tenho certeza: o meu eu interior. Sinto emmim mudanças de estado que fluem ininterruptamente; por que não poderia sintonizar-me com o meu eu profundo e original, ou mesmo com um estado preexistente a minhaprópria subjetividade? Ater-nos-emos a esta questão mais adiante, mas importa ainda afir-mar que, quanto mais distantes estivermos do eu presente e superficial, mais próximosestaremos do eu virtual e, portanto, espiritual . Virtual aqui não é o logicamente possível,mas o que é cronologicamente real. E são essas virtualidades ou tendências que cabe ao

filósofo buscar. Se existem vários planos da nossa consciência voltados para a atualizaçãoou presentificação da realidade, existem, analogamente, vários níveis do inconsciente pas-sado, nos quais encontraremos fundamento para a atividade intuitiva.

E por que esta consciência se faz no tempo, ou seja, na duração ? Ora, referindo-nosà matéria, ela obedece à lei do determinismo, pois no instante presente posso prever o ins-tante seguinte. Se a matéria não possui memória, todos os seus momentos são iguais, ou seja,

10 P. M. (II Introd.), p. 28.

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ela é sempre repetição de si mesma; não existe sucessão, mas apenas instantaneidades. Pode-

mos dizer assim, que a matéria é a ipseidade do tempo. Quando porém falamos de espíritos,ou seja, seres dotados de uma memória que arquiva em si todo o seu passado, essa memóriaconstituir-se-á no próprio ser, o qual mais se enriquece quanto mais conseguir aprofundar-seem seu passado em função do presente. A duração segundo Bergson não consiste, portanto,apenas em uma dimensão temporal, mas possui um caráter ontológico.

Não há estado de alma que não mude a cada instante, porque não há consciênciasem memória; não há continuação de um estado sem adição de lembranças de momentospassados ao presente; e nisto consiste a duração. Ela é vida contínua de uma memória queprolonga o passado no presente. Neste sentido, a temporalidade do ser passa a ser um contí-

nuo acrescentar de novidades e conseqüentes mudanças nos momentos que se sucedem.Desta forma, o homem é o seu próprio tempo, criado e criador, e não a ipseidade

do tempo. Ele constitui a si mesmo como um contínuo devir encarnado, ou seja, umatemporalidade ambulante. O tempo é consubstancial ao ser, ou seja, é a única essência deum ser cuja realidade é mudar e criar-se a todo momento. Desta forma, é o ser inteiro queinsere-se no presente encarnado, variando o nível de tensão de seu espírito nesse movi-mento do devir; daí a noção do tempo como instância ontológica.

Eis aí a liberdade de um espírito que pode criar-se, renovar-se a cada instante.Liberdade esta que não consiste na escolha entre dois possíveis, mas em uma escolha origi-

nal fundamentada no sentimento de plenitude do próprio ser, ao intuir a si próprio e a suanatureza original.

 A intuição passa, assim, a ser uma forma de transcendência e criação, através deuma sintonia direta do ser com a realidade visada. A simpatia existe; cabe agora ao serescolher entre o céu e a terra, ou seja, viver somente, ou ter a alegria incomparável de umser que participa do princípio gerador de todas as coisas, que recria-se a cada momento,que sente tirar de si mais do que tem, que sente dilatar-se o espírito:

a) Se buscarmos a terra, ou seja, movimentar nosso espírito em direção à matéria,como pode a consciência estabelecer esta coincidência com o objeto dado, uma vez queconstituem realidades de naturezas diferentes? Como pode a qualidade da subjetividadeaderir à matéria, se esta é apenas quantidade e extensão? Haveria uma intuição no espaço?Haveria possibilidade de intuir a matéria? Como veremos mais adiante, Bergson nos des-creve toda uma metafísica da matéria:

Seu domínio próprio sendo o espírito, ela (a intuição) quereria apreender nas coisas, mesmo materiais sua participação na espiritualidade.11

11 P. M. (II Introd.), p. 29.

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Ora, não se pode explicar o processo intuitivo sem antes passar pelo que a reali-

dade possui de mais superficial para que então, analogamente ao processo de evolução danatureza – e portanto do próprio método – seja possível atingir a realidade do espírito.

b) Se, ao contrário, buscamos a intuição no tempo, a intuição por excelência,devemos nos subtrair às necessidades humanas para, por um aumento de tensão e do níveldo espírito, poder atingir mais profundamente nosso espírito e o espírito em geral.

Existe, assim, dupla possibilidade do homem: a materialidade ou a espiritualidade.Cabe-lhe escolher a si mesmo. Se, através da percepção , podemos transcender os limitesdo espaço e do corpo, será através da intuição que transcenderemos o tempo em direção à

espiritualidade. Entre estes dois limites extremos, matéria-espírito , percepção-memória,efemeridade-eternidade , ipseidade-criação , a intuição move-se; e este é o próprio movi-mento da metafísica, o qual será objeto do presente estudo.

Cabe ao ser, de acordo com o seu grau evolutivo, permanecer apegado à ação outranscender-se em direção à espiritualidade. Attachement et détachement, voilá les deux  pôles entre lesquels la moralité oscile...12 Sem dúvida, se não nos apegarmos à vida, todonosso esforço ficará sem intensidade; porém se não colimarmos a espiritualidade, nossavida ficará sem direção, sem enriquecimento interior, sem a luz que gera a si mesma. Se porum lado, o equilíbrio é necessário para que o espírito possa usufruir ao máximo da ação e

do mundo material no qual está inserido, para que dele se possa fazer condição de liberda-de, deve-se no entanto fazê-lo de forma a buscar sempre ultrapassar a ação, de forma asuperar a condição humana. E quanto maior a tensão do espírito, mais rica será sua experi-ência atual. Quanto maior a força interior gerada por este contato com a experiência vir-tual, maior será a energia espiritual, e conseqüentemente maior o grau de liberdade.

 Assim sendo, se limitados apenas às nossas faculdades perceptivas, reduz-se omundo e portanto empobrece-se o nosso eu; ao contrário, através do movimento do espí-rito, alarga-se nossa consciência, e expande-se nossa memória espiritual por uma ligaçãocada vez mais rica com a consciência de si, com as consciências ou com a Consciência, em

um processo de criação de si mesmos, de iluminação interior. Como isso torna-se possí-vel? Eis o que desenvolveremos mais adiante.

Existiria, então, mais de um objeto de intuição além do espírito? Como delimitarseu objeto? O que pode-se intuir? Para melhor esclarecer no que consiste este termo, quealiás não cabe nos esquemas conceituais, vejamos a variedade de funções e aspectos daintuição, tal qual Bergson a descreve em La Penseé et le Mouvant:

12 Bulletin de la Societé Française de Philosophie , 2 Mai 1901, p. 57.

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Intuição significa portanto primeiramente consciência, mas consciência ime- 

diata, visão que mal distingue-se do objeto visto, conhecimento que é contato e mesmo coincidência.

Mas, o que significa, para Bergson, consciência? Ora, o filósofo recusa-se a defi-ni-la, pois qualquer definição seria menos clara que ela própria; no entanto caracteriza-apelo seu traço mais aparente: consciência significa primeiramente memória,13 pois se nãohouvesse memória não haveria consciência – que é o caso da matéria. Ora, se em todos osnossos momentos presentes é consultada a bagagem de nosso espírito para aclarar umasituação, se todos os nossos momentos são interiorizados em nossa memória, toda cons- ciência é pois memória – conservação e acumulação do passado no presente .14 Mais adiante

Bergson fornece uma descrição da intuição em seus vários aspectos:

1. Intuição do espírito pelo espírito 1. Intuição do espírito pelo espírito 1. Intuição do espírito pelo espírito 1. Intuição do espírito pelo espírito 1. Intuição do espírito pelo espírito 

– É em seguida consciência alargada, pressionando sobre a borda de um incons- ciente que cede e que resiste, que se dá e que se retoma: através das alternâncias rápidas de obscuridade e de luz, ela nos faz constatar que o inconsciente aí está;

contra a estrita lógica ela afirma que o psicológico com razão, volta-se para o consciente, há no entanto um inconsciente psicológico.15

2. Intuição de si mesmo, de outras consciências e da Consciência em geral 2. Intuição de si mesmo, de outras consciências e da Consciência em geral 2. Intuição de si mesmo, de outras consciências e da Consciência em geral 2. Intuição de si mesmo, de outras consciências e da Consciência em geral 2. Intuição de si mesmo, de outras consciências e da Consciência em geral 

– Não vai ela mais longe? Não é senão a intuição de nós mesmos? Entre nossaconsciência e as outras consciências a separação é menos truncada que entre nossos corpos e outros corpos, pois é o espaço que faz as divisões claras. A 

simpatia e antipatia irrefletidas, que são tão freqüentemente adivinhadoras,testemunham uma interpenetração possível das consciências humanas. Have- ria portanto fenômenos de endosmose psicológica. A intuição nos introduzi- ria na consciência em geral.16

13 E. S. ( A Consciência e a Vida), p. 5.14 Idem.15 P. M. (II Introd.), p. 27.16 Idem, p. 28.

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17 P. M. (II Introd.), p. 28.18 Idem.19 D. S .M. R., p. 268.

3. Intuição do vital 3. Intuição do vital 3. Intuição do vital 3. Intuição do vital 3. Intuição do vital 

– Mas simpatizamo-nos apenas com consciências? Se todo ser vivo nasce, vive,morre, se a vida é uma evolução e se a duração é aqui uma realidade, não há também uma intuição do vital, e conseqüentemente uma metafísica da vida,que prolongará a ciência dos seres vivos? Certamente, a ciência nos fornecerá cada vez mais a psicoquímica da matéria organizada; mas a causa profundadesta organização (...) não a atingiríamos ao reapreender pela consciência o élan de vida que está em nós? 17

4. Intuição da matéria4. Intuição da matéria4. Intuição da matéria4. Intuição da matéria4. Intuição da matéria

Vamos ainda mais adiante. Além da organização, a matéria inorganizada nos aparece sem dúvida como decomponível em sistemas sobre os quais o tempo desliza sem neles penetrar, sistemas que vieram da ciência e aos quais o enten- dimento se aplica. Mas o universo da matéria, em seu conjunto, faz nossa cons- ciência esperar; ele próprio espera. Ou ele dura ou ele é solidário a nossa dura- ção. Quer ele adira ao espírito por suas origens ou por sua função, tanto emum caso como em outro ele resulta da intuição por tudo o que ele contém de mudança e de movimentos reais.18

5. Intuição mística5. Intuição mística5. Intuição mística5. Intuição mística5. Intuição mística

Trata-se aqui de uma experiência privilegiada pela qual o homem entraria em co- municação com um princípio transcendente.19 Cabe um parêntese aqui, pois a experiênciafilosófica tem muito a ser enriquecida pela experiência mística, a qual projeta uma luz àteoria do conhecimento:

Em primeiro lugar, importa salientar, o termo místico aqui não significa, comoordinariamente nossa cultura considera, uma devoção contemplativa ou uma experiênciaestática de união com a divindade, mas refere-se antes à vida espiritual, que é acima de tudodinamismo e criação.

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20 D. S. M. R., p. 52: C’est toujours dans un contact avec le principe générateur de l’espéce humaine qu’ons’est senti puiser la force d’aimer l’humanité.

21 Idem, p. 263-64.

 A intuição, para Bergson, é uma participação na essência divina. No êxtase há já

uma união estreita, onde a alma se absorve em Deus pelo pensamento e pelo sentimento,onde a alma crê sentir-se em presença de Deus e o contempla por uma sorte de iluminação.No entanto, um misticismo que se limita ao êxtase é apenas um esboço do verdadeiromístico. O êxtase interessa apenas à nossa faculdade de ver e de sentir, mas a união comDeus só pode ser real e definitiva se ela estender-se à vontade, pois Deus é essencialmenteatividade, força criadora. Deus sendo essencialmente Amor, a alma mística não pode apreen-der de forma imediata a natureza, isto é, coincidir parcialmente com ela ou dela participar,senão na condição de ser ela mesma apreendida e como que consumida pelo amor. Não setrata, portanto, de um amor contemplativo ou estático.

Mas, qual a relação da intuição mística com a intuição filosófica?Sendo a intuição mística da mesma natureza que a intuição filosófica, elas pres-

tam-se mútuo apoio. Daí a necessidade de, quando possível, o filósofo também apelar paraa comunicação com um princípio transcendente. É necessário que o sentimento seja apoiadopela experiência ou pelo raciocínio, e que o conhecimento seja gerado por uma vivênciainterior. Vejamos em que elas se apóiam mutuamente:

1º) A intuição mística é um prolongamento da intuição filosófica:

... é sempre um contato com o princípio gerador da espécie humana

que se sentiu haurir a força de amar a humanidade.20

Ora, a própria coincidência com o esforço gerador da vida culmina em uma mo-ral, em um impulso que, por sua vez, culmina na exigência da criação. Por uma intensifica-ção de nossa vida interior atingimos as raízes de nosso ser e o princípio da vida em geral.

2º) Ambas se complementam: a experiência mística fornece informações à filo-sofia, e esta lhe retribui sob forma de confirmação.

Ora acontece precisamente que o aprofundamento de uma certa ordem de 

 problemas, diferentes do problema religioso, nos conduziram a conclusões que tornaram provável a existência de uma experiência singular, privilegiada,tal qual a experiência mística. Por outro lado a experiência mística, estudada por ela mesma, nos fornece indicações capazes de juntar-se aos ensinamentos obtidos em um outro domínio, por todo um método. Há portanto aqui refor- ço e complemento recíprocos.21

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22 DÉNIS, Léon. O Grande Enigma, p. 172.23 D. S. M. R., p. 268.

3º) Possuem mesma origem e mesma direção: ambas devem partir de um ponto

situado fora do plano intelectual para ali encontrar a direção, a inspiração para a criaçãoque é objeto de ambas. Trata-se de voltar a um ponto da alma, acima do plano intelectual esocial, de onde parte uma exigência de criação . É um ponto onde sentimos uma força de  propulsão , e que não pode derivar da inteligência, muito menos da massa dos hábitos, aosquais a vida social incorporou sua busca. Esta força de propulsão tem seu princípio emuma emoção . Somente que emoção aqui não deve ser tomada no sentido banal que a lin-guagem corrente lhe atribui, isto é, uma agitação superficial desencadeada pelo choque deuma representação sobre nossas tendências. Trata-se de uma emoção que vem de dentro,gerada por uma elevação da alma inteira; é um entusiasmo que nos eleva acima de nósmesmos.

Há momentos de êxtase em que a alma se transporta fora de seu invólucro e abraça o infinito; horas de intuição e entusiasmo em que o influxo divino nos invade como uma onda irresistível, em que o pensamento supremo vibra e  palpita em nós, em que brilha, por um instante, a centelha do gênio. 22

Há portanto, segundo Bergson, duas espécies de emoção, uma infra-intelectual que é apenas a repercussão de nossas representações no campo da sensibilidade, e queportanto é consecutiva a uma idéia ou a uma imagem. Outra é a emoção supra-intelectual ,

que precede a idéia, e que é mais que idéia, mas que se manifestaria em idéias se quisesse,alma toda pura, se dar um corpo.23

O verdadeiro filósofo não é aquele que compõe segundo a inteligência deixada aela mesma, mas sim aquele que tira de si mesmo a emoção original, única, nascida da sim-patia com a verdade, de uma intuição. Ora, a inteligência nada cria, ela apenas combinaidéias preexistentes. O trabalho puramente intelectual é um trabalho frio, superficial, ondeo espírito apenas aceita e rejeita, ou atêm-se a uma crítica. Já a intuição é criadora, elainventa, e suas idéias são geradas por um esforço de concentração do espírito. Ela consistena elevação e dilatação da consciência que se interessa por um objeto para vibrar em sinto-

nia com ele. Ela não parte mais de uma multiplicidade de elementos preexistentes, mastransporta-se a uma representação única e indivisa, gerada por uma emoção que posterior-mente se articula em palavras.

Em suma, ao lado da emoção que é efeito da representação, há aquela que precedee gera uma representação. É esta emoção que o filósofo deve buscar como inspiração paraa sua criação. Ele deve buscá-la além do ponto em que o espírito está flexionado na maté-

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24 D. S. M. R., p. 248.25 Alocução pronunciada em 27 de Dezembro de 1923 por ocasião da celebração do trintenário da Revista

de Metafísica. (in: HOUSSON, L. L’intellectualisme de Bergson, p. 193).

ria; buscar um sentimento de qualidade e nele buscar inspiração. Neste ponto reside uma

emoção indizível que a inteligência ajuda a tornar explícita em sua obra.Esta emoção, sem dúvida, é parecida com o amor que para o místico é a essência

de Deus, mas que para o filósofo é desencadeadora de pensamento. É este, na verdade, oprimeiro momento do processo centrífugo que leva ao conhecimento.

Pois um tal amor está na própria raiz da sensibilidade e da razão, como do resto das coisas.24

Para tanto, é necessário vontade por parte do filósofo, elevação de seu espírito e

uma superação cada vez maior da materialidade. É assim que o filósofo cria a partir de simesmo. Ele deve voltar a um plano, além do intelectual e social, onde a alma sente neces-sidade de criar.

Esta emoção, que implica uma concentração do espírito que vibra em sintoniacom o objeto desejado, nada mais é que a própria intuição. É esta atividade superior quevitaliza os elementos intelectuais, e que gera idéias.

Todo trabalho filosófico fecundo nasce de uma concentração do pensamento com, em sua base, uma emoção pura.25

Vimos até agora cinco aspectos da intuição: primeiramente ela é descoberta, sobforma de consciência, em o Pensamento e a Movente . EmMatéria e Memória, ela foi alargadaao inconsciente psíquico. Vimos ainda como intuir é, conforme A  Evolução Criadora,coincidir com a força criadora do universo, ou seja, com o impulso vital. E por fim, umanova forma de intuição é descrita em As Duas Fontes da Moral e da Religião , na qual seobtém o sentimento de entrar em contato com um ser transcendental, e que seria a fontede todas as coisas.

Vê-se, assim, ser impossível definir em termos fixos uma realidade movente emtoda sua extensão. Mais constrangedor ainda é delimitar seu objeto, visto que não existe

divisão ou separação da realidade. Não se pode reconstituir por palavras uma realidade quenão se divide em componentes. Não se pode descrever com conceitos acabados uma reali-dade que se faz continuamente. Não se recompõe por fragmentos a realidade espiritual,mas sim por um sentimento de unidade, de tendência, de virtualidade. Não se trata debuscar princípios explicativos , mas princípios agentes . Muito embora uma variedade de

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26 FÉNART, M. Les Assertions Bergsoniennes , p. 274, Paris, 1936.27 P. M. (Introduction à la Métaphysique ), p 207.

definições seja dada, o sentido fundamental da intuição é instalar-se na duração, ou seja, no

tempo enquanto fluir contínuo. Não busquemos, pois, uma idéia do tempo, mas busque-mos sim, de toda nossa alma e não apenas de todo o nosso entendimento, o sentir de umtempo que flui, ou melhor, que está fluindo em nós.

Há, no entanto, aqueles que, qual Michel Fénart, não conseguem apreender amensagem bergsoniana, justamente por não conseguirem inserir-se no fluxo contínuo darealidade, em seu estado movente:

0 que torna obscura sua teoria da intuição não é o sentido que ele dá a esta palavra, e que parece bem ser o sentido habitual de “conhecimento imediato”;

são os papéis múltiplos que atribui à intuição e que ela não parece capaz de  preencher.26

Ora, não se pode expressar a realidade espiritual senão por visões múltiplas, com-plementares e não equivalentes, para então fazê-las convergir a partir de um ponto comume de natureza essencial. Veremos então que os vários aspectos da intuição não se excluem,mas uma vez instalados no fio condutor do tempo e do espírito, percebe-se a cadeia deseus intermediários integrada em unidade. Se conseguirmos atingir o ponto virtual e mo-vente anterior à condição humana, veremos uma realidade pura, única, cujas diferenças detensão imprimem diferentes direções ao movimento de atualização na vida material.

Limitemo-nos a demonstrar como a intuição da qual falamos não é um ato único, mas uma série indefinida de atos, todos do mesmo gênero sem dúvida,mas cada um de uma espécie muito particular, e como esta divergência de atos corresponde a todos os graus do ser.27

Se Bergson, por um lado, através de visões múltiplas nos oferece meios de apre-ender a verdade em um ato simples e uno, é porque na verdade todo seu esforço é de,partindo de realidades divergentes, buscar uma integração destas realidades no tempo e noespírito. E se, em determinado momento, Bergson nos coloca os vários objetos de intui-

ção, vemos que tais objetos prolongam-se uns nos outros, pois que não são objetos fixosou imóveis. Examinemos o início de cada período em que Bergson descreve os diferentesaspectos de intuição e veremos o encadeamento, não só de idéias, mas de realidades que seinterpenetram.

Mas, perguntaremos, de onde deve o filósofo partir para a resposta a seus ques-tionamentos metafísicos?

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28 P. M., p. 182.29 Idem (II Introd.), p. 98.30 ...o esforço de intuição distinta seria impossível a quem não tivesse reunido e  confrontado um grande 

número de análises psicológicas , P.M. (Introduction à la Métaphysique ), p. 226.

Para ultrapassar as dificuldades da metafísica de forma a obter fundamentos con-

cretos e científicos, um único caminho torna esta experiência particular possível: a psico- logia; e é assim que o estudo da vida interior nos servirá de fio condutor. Há pelo menos uma realidade que eu conheço e posso apreender de forma imediata, diz Bergson, o meu euinterior .28

Nossa iniciação do verdadeiro método filosófico data do dia em que rejeita- mos as soluções verbais, tendo encontrado na vida interior um verdadeiro campo de experiência.29

 Assim compreendida, a filosofia passa a ser um retorno consciente e reflexivo àexperiência interna. A existência da qual estamos mais seguros e que mais conhecemos é anossa. Disto decorre que, para intuirmos, temos necessidade de nos percebermos, de nosconhecermos interior e profundamente. Quando reflito sobre mim mesmo, constato queminha vida interior está sempre em mudança e que estou a todo momento passando de umestado a outro. Eu não posso dizer quando um estado termina e quando inicia o seguinte.Cada estado dependerá daquilo que sou, de meus hábítos, lembranças e de meu caráter.Ora, meu presente se faz em função do que fui no passado, ou seja, a cada momento éconsultada a bagagem de minha memória, iluminando a situação presente – memória estaque se conserva e acumula o passado em um presente contínuo.

Como vimos, consciência significa memória, portanto minha subjetividade se fazpelo conjunto original de minhas lembranças. Todo o meu ser é a condensação de todauma história que teve início a partir do momento em que o princípio inteligente inseriu-sena corporeidade e passou a constituir uma subjetividade. E é esta subjetividade ou memó-ria que necessito dilatar para poder entender o espírito em sua faculdade por excelência: aintuição.

Se, segundo afirma Bergson, a filosofia deve ser antes de tudo uma psicologia quedeve se prolongar em metafísica30, será em Matéria e Memória que encontrar-se-á as con-dições psicológicas e psicofísicas para a intuição metafísica, através do fio condutor da

memória.Eis assim as questões que pretende-se fundamentar no presente trabalho, de modo

a demonstrar a possibilidade da intuição enquanto uma experiência real e concreta. Se atéhoje não pudemos apreender sua realidade em sua plenitude, é porque não conseguimos

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nos furtar às enganadoras divisões do espaço, às rigidas e simbólicas relações da lógica, ao

fascinante e cômodo mundo das idéias. Intuir é ver, não através das dimensões do nossoentendimento, mas ver significa, aqui, sentir a luz dentro de si mesmo. Transcender-se nãosignifica ultrapassar os limites do espaço até onde nossa sensibilidade alcança, mas dilatara própria consciência na dimensão qualitativa do tempo.

É necessário uma purificação de si mesmo e de seus hábitos para poder enxergarà luz da interioridade, e poucos conseguem esforçar-se para tal. Trata-se de uma experiên-cia tão rigorosa, que Bergson a descreve em um método constituído de regras e atos múl-tiplos – os quais desenvolveremos a seguir.

Muito embora trate-se de uma experiência imediata, o método intuitivo não pres-

cinde de um método científico que lhe dê fundamento. Sabemos que Bergson distingueCiência e Filosofia quanto ao objeto e ao método, no entanto elas não se excluem. Aocontrário, prestam-se mútuo apoio. Uma metafísíca que não se fundamentasse na ciênciacorreria o risco de ser frágil e imprecisa. O método científico, a análise , é a operação quereduz o objeto a elementos já conhecidos, isto é, comuns ao objeto em questão e a outros.Ela decompõe a realidade em elementos estáveis e portanto invariáveis, e portanto operasobre o imóvel. Já a intuição apreende imediatamente a mobilidade em sua duração. Noentanto, a intuição não prescinde de uma minuciosa análise, assim como ela não dispensaos dados da ciência: um conhecimento científico  e preciso dos fatos , afirma Bergson, é a

condição prévia da intuição  metafísica que lhe penetra o princípio . É assim que, para supe-rar os dualismos entre a realidade material e a realidade espiritual, Bergson apóia-se napsicologia e na fisiologia, mais especificamente nas doenças de memória.

Em Matéria e Memória Bergson aplica seu método à questão psicológica da memó-ria e, conseqüentemente, ao problema metafísico da relação corpo-espírito. Muito emboraBergson não o faça explicitamente, esta obra nos fornece toda uma base para afirmar a inde-pendência do espírito em relação ao corpo, assim como uma metafísica que fundamente seumétodo. O objeto da pretendida reflexão consiste justamente em explicitar o processo dométodo intuitivo, o qual revela-se tacitamente nesta rica descrição bergsoniana.

1. DESCRIÇÃO DO MÉTODO DESCRIÇÃO DO MÉTODO DESCRIÇÃO DO MÉTODO DESCRIÇÃO DO MÉTODO DESCRIÇÃO DO MÉTODO 

 Ao analisar o papel da intuição no curso da história, Bergson nos demonstra queela foi sempre mal concebida, pois buscavam-na em um campo da experiência inadequadoa sua realidade; serviam-se de meios ou métodos aplicáveis à fragmentação da matéria no

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espaço, visando atingir o espírito. Ora, a duração não pode ser objeto de representação no

espaço; para ser apreendida em sua realidade movente ela requer uma percepção imediataque lhe penetre e que lhe siga o devir movente.

É assim que a duração, que é qualidade, só pode ser representada no tempo. Aoriginalidade de Bergson é ter mostrado que a mudança de estados de alma não é seme-lhante à sucessão de cenas variadas em uma peça de teatro. Trata-se de uma mudança qua-litativa de estados que se interpenetram em um progresso dinâmico. No entanto, a filoso-fia antiga somente soube atuar sobre o aspecto quantitativo da realidade, fazendo de todaação uma contemplação mais fraca. Já a filosofia kantiana fez da metafísica uma realidadeimpossível, na medida em que, colocada fora do tempo, impedia-se qualquer acesso ao

conhecimento absoluto. Tanto o empirismo quanto o dogmatismo vivenciaram uma expe-riência irreal e desarticulada, na medida em que estabeleciam uma unidade fictícia das su-postas partes da realidade. Voltados para as exigências da vida prática, nunca souberamseguir as linhas da estrutura das coisas.

Ora, jamais a marcha da pesquisa filosófica poderia se fazer em sentido contrárioao processo da criação e da evolução. Disto decorre a necessidade, não só de re-tornar aoponto original, mas de tornar a nossa visão além do ponto em que o espírito se flexionapara inserir-se na matéria, ponto este, anterior a nossa subjetividade, onde a realidade espi-ritual diferencia-se, e onde passa a atualizar suas naturezas, a partir de então divergentes.

Sem dúvida, é uma tarefa difícil para o filósofo, pois ele deve fazer um esforçoconsigo mesmo para romper todas as operações mentais, cujas estruturas são decorrentes denossas funções corporais e de nossas necessidades naturais. O início de seu processo é bas-tante obscuro, e é necessário ao filósofo que pressente a intuição seguir pacificamente suasetapas. Se partirmos em busca da realidade do espírito é necessário que nos purifiquemos detoda e qualquer idéia feita ou pré-conceito que favoreça à preguiça do espírito. É necessáriover a coisa por dentro e não apenas ler a coisa, e para tanto faz-se necessário libertar o enten-dimento de suas rígidas operações mentais decorrentes do mundo da ação, para penetrar noobjeto real, e não apenas pensá-lo. Este processo de purificação nada mais é que a superaçãode sua humanidade; é buscar explicar a dispersão que a inteligência opera diante do objeto,

através da unificação no espiritual e indiviso. Para que o método seja possível, porém, faz-senecessário superar a visão pragmática da realidade e passar de uma instância psicológica eatual a uma instância ontológica e virtual. E como chegar a isso?

O campo primeiro da experiência intuitiva é o eu interior. Se voltarmos para nos-sa interioridade, veremos que ela é constituída de momentos e estados de alma que secontinuam uns aos outros. Sinto em mim uma corrente, um fluxo, uma continuidade semfim, que está sempre mudando e acrescentando-se 31. Este meu pensamento na duração

31 P. M. (Introduction à la Métaphysique ), p. 182.

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32 P. M. (Introduction à la Métaphysique ), p. 218, * nota.33 Idem, p. 227.

dilata a minha experiência e amplia a minha consciência de tal modo que, em determinado

momento, a minha consciência humana e finita passa a ser acesso a uma consciência ilimi-tada, geral e desumanizada. É o momento em que o virtual passa a ser o ponto original, arazão e o ponto de partida das diferentes naturezas e momentos que compõem a realidade,antes de sua cisão. O meu tempo, a minha duração, que é minha interioridade, passa entãoa coincidir com outras consciências, com a consciência em geral, enfim com a realidade domeu ser espiritual, por um esforço de tensão de meu próprio ser, de minha memória, deminha bagagem espiritual.

Para atingir o seu objetivo o espírito filosófico, tal qual o do artista, deve serespontâneo, isto é, partir de uma maneira virginal de pensar e de sentir. Só assim compre-

ender-se-ão as articulações reais da natureza e apreender-se-á as diferenças que existementre o fato e sua representação ou signo, para então, por um prolongamento do ladoessencial da verdade, intuir o objeto desejado. Não se trata, portanto, de rearranjar idéias,mas de criar criando-se, de ação incessante, de renovação e ajustamento a cada nova situa-ção, em um quase que violento esforço de tensão intelectual. Trata-se de um método emque o filósofo deve engendrar e não apenas compreender.

O esforço da filosofia passa a ser, assim, buscar, além do que é dito, aquilo que éexperimentado pela própria interioridade. Filosofar consiste em passar da letra ao espíritoe não do signo ao significado, ou de percepções imagéticas a relações abstratas. O verda-

deiro conhecimento faz-se de sentido a sentido, por uma visão de espírito a espírito. É istoque Matéria e Memória exprime, conforme veremos mais adiante, ao descrever uma con-cepção circular do movimento intelectivo. O processo legítimo de apreensão da verdadefaz-se a partir do espírito em direção à letra ou às palavras, e não o inverso. É buscar não osfatos tão somente, mas o sentido dos fatos em direção àquilo que os transcende.

Para tanto, o rigor e a precisão constituem a exigência maior para que o método sejapossível. A crítica maior de Bergson à metafísica tradicional refere-se à carência de precisão que desvia o acesso ao verdadeiro saber. Porém a precisão nos termos bergsonianos possuium duplo significado. Em primeiro lugar, se levarmos em consideração a apreensão da reali-dade em si, esta não se pode fazer sem uma adequação ao objeto, e a tudo aquilo que ele

possui de particular. Por outro lado precisão significa rigor através da manipulação dos fatos.Sabemos que o objeto da ciência é a matéria e o da metafísica é o espírito. No

entanto, o conhecimento da vida do espíríto é científico, na medida em que também faz apelo aos mesmos métodos que a investigação da matéria, e o conhecimento da matériaserá dito filosófico na medida em que também utiliza a intuição pura 32. Com isso nãoteremos uma metafísica em geral, mas uma metafísica integral 33. Porém, não se trata sim-

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plesmente de assimilar os fatos marcantes, e sim de fundi-los em uma massa onde se neu-

tralize toda a idéia pré-concebida, para que se possa então isolá-los de sua materialidadebruta.

Não se pode entender o contato com a vida interior, sem antes reunir e confron-tar análises psicológicas. Porém, o método não se reduz à simples síntese destes fatos. Paraexplicar a intuição, assim como para aplicá-la, deve-se primeiramente saber colocar o pro-blema, e então estabelecer linhas de fatos onde, de um lado se terá a realidade objetiva ematerial, e de outro a realidade espiritual e subjetiva.

Em terceiro lugar deve-se prolongar o lado essencial da realidade até confundir-secom o próprio objeto. O processo intuitivo consiste em um impulso que lança a espírito

sobre um caminho onde ele reencontra os ensinamentos que havia recolhido, porém sobuma ótica menos densa e mais movente; ele apreende o ato que unifica e que gera o objeto. A consciência deve regredir a um tempo anterior a sua materialização, para captar o movi-mento que lhe deu o nascimento, ou seja, captar a tendência que o anima. Não se trata maisde captar o objeto feito da experiência científica, mas captá-lo fazendo-se em sua pulsação,em sua continuidade movente. Se para a apreensão imediata da matéria devemos superar anossa subjetividade, ao contrário, a transcendência do espírito implica a morte da práxis, asuperação da objetividade, para que se possa coincidir com a vida interior no que ela possuide singular.

É necessário passar do eu superficial, daquele que se exterioriza no tempoinautêntico e espacializado, àquele que se interioriza no vir-a-ser. Se a tarefa do filósofo étocar o espírito ou o ser metafísico, não deve buscá-lo na realidade atual ou presente, poisesta é o nível menos contraído da realidade; deve antes buscar a verdade na realidade vir-tual que constitui o ser. Não que o virtual seja o irreal, mas pelo contrário, ele consisteapenas em uma realidade não presentificada, não solidificada, e portanto muito mais ricaem movimento e qualidade.

Sendo o espírito este movimento qualitativo no tempo que interioriza-se a cadainstante, este movimento não se constitui da justaposição das paradas do tempo, mas sim de

uma continuidade melódica que se enriquece indefinidamente. O próprio movimento doespírito consiste nesta sugestão dos momentos passados e virtuais que estão continuamentebuscando aderir-se ao momento presente, e quanto mais rica de momentos esta sugestão,mais enriquecida será sua ação. É esse caráter sugestivo que, enquanto movimento, faz oespírito gerar-se mais e mais, em um processo infindável e por isso mesmo tão gratificante: aemoção de tirar de si o que não tem ou o que não estava ainda revelado. Toda realidaderepetitiva, ou seja, que se esgota, não pode alimentar o espírito e nem mesmo tocá-lo. É opróprio sentimento de um futuro crescente pelas múltiplas possibilidades que o passadooferece, que faz do presente um momento mais fecundo que o próprio futuro.

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34 E. D. I. C., p. 11.35 Idem.

E por isso que o espírito é mais feliz na expectativa que na posse de algo, na

tendência que no finito e acabado. É antes no sentimento de um passado que se revela nodevir, do que em um passado feito, que está o sentido dos nossos momentos. É o própriomovimento do espírito que nos traz a alegria interior pela direção e orientação de nossosestados virtuais em direção ao futuro. É o sentir a intervenção progressiva de lembranças eelementos novos a ponto de se dar que constitui a própria essência da alegria interior.

Compare-se o movimento do espírito de um filósofo ao sentimento de um admi-rador de arte. Ao percebermos o objeto de arte, as forças ativas e resistentes de nossa personalidade adormecem e nos conduzem a um estado de docilidade onde nos simpatiza- remos com o sentimento exprimido 34. Da mesma forma, o pensador, ao subtrair-se do

lado prático da vida e ao elevar seu espírito por uma dilatação de si mesmo, simpatiza-secom a tendência que anima o seu saber, que gera a objeto, que o impele a criar. E no caso damúsica, porque possui ela tamanho poder sobre nós?

... é que a natureza limita-se a exprimir os sentimentos, enquanto a música os sugere. 35

Ora, é este caráter sugestivo que nutre o espírito, enquanto movimento inesgotá-vel de si mesmo. É por isso que ele encontra alegria na criação. Esse poder explica-se pelo

fato de que na música, tanto quanto na criação, o dado é também vivido pelo sujeito, aopasso que na natureza nossa consciência capta o que está acabado e explícito. Se a objetivi-dade supõe exterioridade entre sujeito e objeto, para intuir faz-se necessário por fim a estaobjetividade. É necessário captar a tendência anterior à objetivação e considerar o objeto,tal qual no sentimento estético, aberto para a futuro. É nesse impulso, nesta captura pordentro do objeto que podemos encontrar o procedimento do espírito que intui. Assimcomo a emoção estética está no sentimento sugerido e não causado, também a emoção dofilósofo está na tendência sugestiva que anima a criação.

Toda obra de um artista exprime ou sugere parte de sua história. Da mesma formao filósofo deve colocar-se no movimento de sua consciência virtual, e nela buscar umabagagem mais e mais rica de pensamentos, idéias ou lembranças, para uma obra mais pro-funda e elevada. É assim que as potências de nosso espírito despertam, tomam consciênciade si mesmas, percebem-se em obra. Assim é o espírito restituído a sua interioridade, aconsciência humana superada por si mesma, e que constitui o máximo de precisão a seratingido pelo método bergsoniano.

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36 P. M. (Introduction à la Métaphysique ), p. 214.

Se o objeto da filosofia consiste em apreender o uno que se encontra além das

partes que o pensamento científico recorta, sua precisão, porém, consiste na própria ine-xatidão, na medida em que capta o objeto em sua realidade movente e não cristalizada. Nocaso da ciência, Bergson a tem por imprecisa, pelo fato de aplicar conceitos exatos, rígidos,que generalizam e que portam apenas uma imitação do real. No caso da intuição filosóficatrata-se antes de uma precisão dinâmica, em oposição à precisão estática da ciência. O que ela (a metafísica) perderá com relação à ciência em utilidade e rigor, ganhará em bagagem e extensão 36. É justamente por constituir uma realidade dinâmica e sempre a ponto de fazer-se, que jamais devemos pretender uma certeza final e acabada.

Quanto mais se caminha, mais se descobre, pois a intuição não é uma coisa, mas

uma incitação ao movimento . Por isso, não esperemos nunca soluções definitivas, masantes dissoluções dos falsos problemas. Não busquemos idéias prontas, mas um senti-mento incessante de novidade e criação. Não pretendamos pois escolas, mas antes umarepresentação una e indivisa, da qual partem todas as realidades. Não busquemos sistemas,mas sim a flexibilidade que permite uma adequação a cada objeto em sua singularidade.

Se a ciência e suas linhas de fatos nos fornecem condições para ultrapassar a expe-riência de forma consciente através de um empirismo, mas de um empirismo superior, já aprecisão da intuição nos permite romper com toda a distância do objeto ou ausência de si,por um alargamento da consciência virtual, que nos conduz a uma probabilidade superior,

a qual nos leva a um estado de plenitude que equivale à certeza.Pois bem, mas como proceder para ultrapassar a experiência? Como simpatizar-

se com o objeto? Em que consiste este empirismo superior ou probabilidade superior?Enfim, como aplicar o método?

 Antes, porém, de responder à questão, importa lembrar que, conforme nos relataBergson em La Pensée et le Mouvant , toda sua pesquisa consistia, na época, na busca dotempo concreto, que ele denominou tempo psicológico; foi assim que a duração e a me-mória passaram a ser o alicerce da realidade espiritual. Contudo, não basta analisar o tem-po real, mas é necessário vivê-lo em si mesmo. Foi antes para apreendê-lo que Bergson

criou um método. Se não houvesse o método, a duração seria apenas uma realidade intui-tiva ou psicológica. Foi justamente para estabelecer a precisão da filosofia que Bergsonarticulou todo um processo, o qual possui diferentes regras e momentos.

Ora, mas como pode um conhecimento imediato ter mediações? Não é o próprioBergson que descreve a intuição como um ato simples? Sem dúvida, porém simplicidadenão exclui multiplicidades qualitativas nem diversidade de direções para sua atualização. Ocontato sim é um ato simples e único, mas os passos que o antecedem, assim como o

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37 M. M., p. 205 – Ce serait d’aller chercher l’experience à sa source, ou plutôt au – dessus de ce “tournant” decisif oú, s’inflechissant dans le sens de notre utilité, elle devient proprement humaine.

38 P. M. (Introduction à la Métaphysique ), p. 215.

processo de atualização que lhe segue, são constituídos de diferentes momentos. Não

podemos partir de uma consciência finita para uma consciência infinita, sem antes sintoni-zar aquela como a lado infinito da realidade; não podemos atingir o virtual sem antesinserir nossa consciência presente no ponto movente. Não podemos tocar o espírito senão afinarmos a consciência com a realidade que antecede a própria formação da subjetivi-dade na evolução dos seres naturais. Eis o momento principal do método:

Seria ir buscar a experiência em sua fonte, ou melhor, acima dessa “virada” decisiva em que ela, flexionando-se no sentido de nossa utilidade, torna-se  propriamente a experiência humana. 37

Porém, antes de sintonizar-se com o lado espiritual da vida, faz-se necessáriosaber diferenciar o que é material e o que é espiritual, o objetivo e o subjetivo, o presente eo passado, para então coincidir com a linha da essência.

Em um terceiro momento devemos nos inserir neste lado legítimo da realidade,onde encontraremos o ponto virtual e portanto original, o qual constitui a razão do seratual, ou seja, o ponto de unificação anterior à divisão.

Em suma, vemos nestes momentos da intuição um dos princípios sobre os quaiso método repousa:

Um dos objetos da metafísica é operar diferenciações e integrações qualitativas.38

Como explicar tal princípio?

Bergson nos define de forma explícita os passos para a aplicação deste método emsua conferência sobre A Consciência e a Vida; porém é sobretudo em Matéria e Memóriaque podemos ver seu método aplicado, embora de forma implícita, na determinação quefaz da relação psico-fisiológica entre espírito e matéria. Três espécies de ato compõemassim as regras do método:

I – COLCOLCOLCOLCOLOCAÇÃO DO PROBLEMA.OCAÇÃO DO PROBLEMA.OCAÇÃO DO PROBLEMA.OCAÇÃO DO PROBLEMA.OCAÇÃO DO PROBLEMA.

II – DESCOBERDESCOBERDESCOBERDESCOBERDESCOBERTTTTT A D A D A D A D A D AS VERD AS VERD AS VERD AS VERD AS VERD ADEIR ADEIR ADEIR ADEIR ADEIR AS DIFERENÇAS. AS DIFERENÇAS. AS DIFERENÇAS. AS DIFERENÇAS. AS DIFERENÇAS.

III – INTEGRINTEGRINTEGRINTEGRINTEGR AÇÃO NA AR AÇÃO NA AR AÇÃO NA AR AÇÃO NA AR AÇÃO NA ARTICULAÇÃO REAL: NO TEMPOTICULAÇÃO REAL: NO TEMPOTICULAÇÃO REAL: NO TEMPOTICULAÇÃO REAL: NO TEMPOTICULAÇÃO REAL: NO TEMPO.....

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Objetiva-se aqui, efetivamente, demonstrar como Bergson desenvolve tais etapas

em Matéria e Memória, como é possível o método intuitivo fundamentá-lo com a própriarelação corpo e espírito, assim como afirmar positivamente a independência do espíritoem relação ao corpo físico. Ao mesmo tempo em que elucidaremos o emprego da intuição,fundamentaremos sua possibilidade buscando sempre permanecer fiéis ao método e se-gui-lo no desenvolvimento da presente reflexão.

0 bergsonismo é uma destas raras filosofias, nas quais a teoria da pesquisaconfunde-se com a própria pesquisa, excluindo esta espécie de desdobramen- to reflexivo que engendra as gnoseologias, as propedêuticas e os métodos.39

I. Colocação do problemaI. Colocação do problemaI. Colocação do problemaI. Colocação do problemaI. Colocação do problema

Colocar à prova os verdadeiros e os falsos problemas: eis, segundo a dialéticabergsoniana, o primeiro passo do método. Antes de buscar solução para um problemadevemos nos questionar se trata-se realmente de uma questão, ou se seria apenas umamiragem de nosso entendimento. Por vezes, uma questão bem colocada já suscita a res-posta por si só. A própria tomada de consciência disto já é uma conquista de liberdade. E

como colocar bem um problema?Uma história do pensamento humano nos mostraria a quanto vivenciou-se pre- 

conceitos na filosofia, que na verdade estavam ligados ao estado de sociabilidade do ho-mem, e que por isso mesmo impediram a prova da realidade do espírito e conseqüente-mente da intuição.

 Além disso, vive-se uma época de acomodação mental, em que recebe-se infor-mações prontas, métodos de estudo dirigido repetitivos, devido aos quais os espíritosamoldam-se na passividade de simples combinações de idéias prontas. Não se aprende apensar por si mesmo, mas vive-se a superficialidade da soma de concepções adquiridas; eis

já o início de preconceito a que a sociedade nos conduz. A verdadeira liberdade está nopoder de criação. Não podemos nos preocupar apenas em resolver uma questão dada, poisbuscar a solução é uma operação aplicada a termos estáticos. Descobrir ? Sim, mas a desco-berta consiste ainda em colocar aquilo que já existia virtual 40 ou atualmente. Porém, inven- tar, criar é suscitar engendrando-se na realidade dinâmica do espírito. É criar a si mesmo,inserindo-se na articulação natural da realidade do espírito, somente assim encontraremos

39 JANKÉLÉVITCH, V. Henri Bergson, p. 5.40 Virtual não significa o que é logicamente possível, mas o que é cronologicamente real.

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a liberdade, ou seja, este poder de decisão semi divino, de criação, de atualização do verda-

deiro.No entanto, muitos contentam-se com a possibilidade ou a impossibilidade de

uma solução. Ora, possibilidade implica em negação, ausência, e a verdade espiritual nãopode ter vazios. A questão é que, condicionados a pensar em termos de espaço, passamosa buscar problemas que nem sequer existem; ou se colocamos algum problema real nãosabemos como articulá-lo. Temos assim dois tipos de falsos problemas: a)  problemas inexistentes , b) problemas mal colocados .

 Antes de referir-se a eles, vejamos as causas desses preconceitos, que Bergsondenomina sociais , e que impedem que compreendamos a intuição:

O fio condutor que jamais podemos perder de vista é a biologia. A generalização,a imaginação, as falsas concepções, não existem por acaso. As exigências da vida são análo-gas nos homens, nos animais, e mesmo nas plantas. Todo ser vivo generaliza, classifica,isola, para poder colher do meio as partes ou elementos que poderão satisfazer tal ou talnecessidade. Assim, conceber e perceber generalidades é próprio da estrutura do espíritono estágio de ser natural. Sem que uma reflexão intervenha, uma semelhança pode serextraída dos elementos ou objetos. Esta semelhança ou repetição de qualidade da matériaque percebemos faz com que obtenhamos de nossos corpos a mesma reação, a mesma

atitude e os mesmos movimentos diante destes objetos.É assim que a reflexão – uma vez elevadas as representações ao pensamento puro –

formará, por imitação, idéias gerais mas que serão apenas idéias; fará da linguagem, criadaem função da matéria, meio de conhecer o espírito; tirará da faculdade da percepção suasfalsas concepções para o espírito e a intuição. É assim que os automatismos que constitu-em a inteligência do corpo iniciam o espírito à inteligência do determinismo, enquantoimpõem na submeter-se em parte. Ora, é decifrando a matéria e fabricando instrumentosque a consciência humana tornou-se inteligente.

Com efeito, essas falsas concepções da realidade espiritual não são gratuitas, mas

pertencem à própria estrutura do espírito enquanto inserido na matéria. É por isso que,para intuir a verdade faz-se necessário ir além deste ponto de flexão na materialidade, paraentão inverter a marcha do pensamento natural, proveniente dos hábitos, em direção àabstração.

O fato primitivo em um processo de conhecimento legítimo não é uma idéiageral, mas sim um sentimento de qualidade que, ao invés de associar-se, engendra o conhe-cimento por uma dissociação de si mesmo. A própria associação de idéias é um processode conhecimento centrípeto, aplicado ao reconhecimento da matéria, e não à criação doespírito, visto que constitui uma faculdade de origens utilitárias.

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O empobrecimento de imagens necessário para que a percepção se dê é inadequa-

do ao processo centrífugo e intuitivo que, ao contrário, busca o enriquecimento por umaalteração de si mesmo. Não se pode por uma análise redutora restaurar uma totalidadeindivisível. Se a inteligência adequa-se às necessidades materiais, ela não se presta, portan-to, à criação ou compreensão das questões espirituais. Eis então a necessidade de descartaro pensamento conceitual em função de uma filosofia mais intuitiva.

Uma vez vistas as causas, vejamos quais são os falsos problemas :

a) Problemas inexistentes 

São aqueles problemas insolúveis, que não se preocupam com o ser mas com anão ser .

 A preocupação do metafísico é explicar Deus, espírito e matéria. Para tanto, bus-ca-se a causa primeira de todas as coisas, porém nossa imaginação acaba por fugir da verti-gem diante do abismo das causas.

Questiona-se ainda, por que o mundo obedece a uma ordem. Acontece que paratanto deve-se necessariamente admitir a possibilidade da desordem.

Estas questões todas não existiriam, se não tivéssemos em nosso entendimento o

fantasma do nada, ou a miragem da ausência, segundo expressão do profº Bento Prado Jr.Imaginamos que o nada pré-existe a Deus e ao ser, e que Deus veio sobrepor-se a estenada; da mesma forma, imaginamos que o caos precedia a ordem do mundo. No entanto,apenas através da intuição dissiparemos essas ilusões, ao sentirmos que:

...uma vontade ou um pensamento divinamente criador é bastante pleno de si mesmo em sua imensa realidade para que a idéia de uma desordem ou de umaausência do ser possa aflorar.41

É por isso que até hoje concebeu-se, devido ao fantasma do nada, a imitação daliberdade. Ao colocar a liberdade como opção entre dois possíveis, vivemos uma ilusãofundamental: o movimento retrógrado do verdadeiro. A inteligência procura representarno futuro anterior a forma como as coisas deveriam se passar, para que elas estejam emconformidade com o próprio esquema de imobilidade. A ilusão retrospectiva consiste emdeixar o fazendo-se para colocar-se após a fato, e em praticar a posteriori uma reconstru-ção justificativa. Isto nada mais é que uma forma de simular uma conquista de liberdade.

41 P. M. (II Introd.), p. 66.

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Não se trata de possuir o livre arbítrio, esta indiferença concebida pelos clássicos,

hesitação entre dois possíveis, mas antes da liberação de nossa mais íntima e mais originalpreferência. Somos livres quando nossos atos emanam de todo o nosso espírito, quandocriamos pela indefinível emoção da simpatia com o objeto.

b) Problemas mal colocados 

Em primeiro lugar, há uma tendência de nosso entendimento em colocar os pro-blemas em termos de espaço. O espaço é o objeto ideal da representação, pois é privado detodo devir, como de toda a unidade concreta; ele pode ser composto e recomposto confor-

me queiramos – ele é sempre o mesmo.Ora, o tempo real não é próprio a ser representado no espaço, assim como os

estados da alma, que são indivisíveis, e estão em contínua mudança. Jamais conseguiremosapreender a realidade do espírito, jamais vivenciaremos o processo intuitivo se mantiver-mos uma representação simbólica da essência.

 A qualidade, tanto quanto a duração, não podem ser objetos de representação,mas somente de experiência. Só podemos conhecer a essência pura, não por meio de idéias,mas por apreensão direta e intuitiva. No espaço a representação tem por objeto natural umpassado separado do presente, isto é, parcialmente isolado de sua compenetração qualita-

tiva com o presente, colocando à parte a memória do espírito, no seio da qual se perseguea atividade criadora. Em Matéria e Memória Bergson esforça-se por estabelecer que a re-presentação no espaço constitui apenas um esquema ideal e não real.

O segundo tipo de problema mal colocado refere-se à questão de mistos malanalisados, nos quais agrupam-se arbitrariamente as coisas que, na verdade diferem emnatureza. Ora, se um problema não segue a articulação natural das coisas, ele é falso. Éassim que Bergson denuncia a intensidade como um tal misto impuro. Simplesmente con-funde-se a qualidade de uma sensação com a quantidade de sua causa exterior. Coloca-se aintuição como sendo uma percepção mais fraca. Na verdade, não se trata de uma diferençade grau, pois espírito e matéria são realidades heterogêneas. Se o espaço nos coloca dife-renças de grau, inseridos no tempo real perceberemos diferenças qualitativas – conformeveremos no próximo capítulo.

Contra esta tendência intelectual, só podemos reagir, suscitando ainda na inteli-gência, uma outra tendência. De onde vem esta outra tendência? Só a intuição pode suscitá-la e animá-la, porque ela comunica à inteligência uma representação original e indivisa, quepermite distinguir o falso do verdadeiro

Em suma, um método que se proponha só é compreendido quando aplicado. Nocaso: como afirmar a realidade do espírito? Como dar condições ao processo intuitivo?

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É necessário irmos acima do ponto em que nossa consciência está inserida no

espaço, para captá-la no tempo. Deixemos, portanto, de lado a suposta justaposição denossos estados de espírito, e as hesitações de nosso entendimento. Passemos para o senti-mento interior do fluxo qualitativo de nosso ser temporal. Busquemos, para tanto, umamaneira virginal de encarar a questão. Busquemos a duração de nossa própria memória,essa melodia contínua e indivisa, cujo tema varia, segundo o grau de tensão de nosso espí-rito. Não busquemos uma representação intelectual, caso contrário ela nos escapará.

II. Da descoberta das verdadeiras diferenças II. Da descoberta das verdadeiras diferenças II. Da descoberta das verdadeiras diferenças II. Da descoberta das verdadeiras diferenças II. Da descoberta das verdadeiras diferenças  Ao inverso dos objetos situados no espaço, a realidade espiritual, assim como a

duração e a qualidade, não devem ser apenas objetos de representação, mas sobretudo deexperiência no sentido integral. Efetivamente o tempo do espírito não pode ser percebidopela consciência sob forma de aumento ou diminuição, ou sob forma de grandeza, como ofaz a psicofísica. Toda mudança qualitativa implica uma heterogeneidade de momentosque formam um todo com o dinamismo do qual resulta. A representação no espaço, aojustapor e, portanto, separar o passado do presente, impede toda visão da compenetraçãoqualitativa do espírito. Como as qualidades não possuem forma inteligível, só podemos

apreender a essência autêntica por apreensão direta, isto é, por um ato de intuição pura. Aexperiência pura nos instrui mil vezes melhor que os raciocínios:

 A verdade é que uma existência não é jamais dada senão em uma experiência.42

E o que se faz necessário para vivenciarmos essa experiência pura? Tratar-se-ía devivermos uma vida de contemplação ou adoração por aquilo que idealizamos? Tratar-se-iaainda de buscar estados mais intensos da alma? Essas todas são questões bastante cômodasque as doutrinas dogmáticas, e mesmo a metafísica tradicional, oferecem para satisfazer a

busca de facilidades de nosso entendimento, mas que nada possuem de experiência real.Para vivermos uma experiência legítima e pura é necessário antes passarmos da experiênciapara as condições desta experiência.

Para tanto, importa, primeiramente, distinguirmos na realidade aquilo que é deordem material do que é espiritual. É necessário buscarmos as verdadeiras diferenças denatureza dos dois planos de nossa evolução. O erro da metafísica foi justamente partir deum misto impuro e ver uma diferença de grau entre um tempo espacializado e uma eterni-

42 P. M. (II Introd.), p. 50.

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dade suposta primeira. Se a psicologia vê as lembranças de nossa espírito como sendo

percepções mais fracas, jamais apreenderá o espírito como uma realidade independente.Faz-se das diferenças de grau justaposições de uma suposta unidade, impura e

simbólica, quando na verdade faz-se necessário estabelecermos diferenças de natureza parapodermos captar uma unidade pura e real distinta da matéria.

Conforme demonstrado no capítulo seguinte, o esquecimento das diferenças denatureza entre percepção e afecção, entre percepção e memória, engendra todo tipo defalsos problemas, fazendo-nos crer em um caráter inextensivo de nossa percepção.

 A própria descrição do processo perceptivo da matéria nos mostra o manejo daintuição como sendo também um método de divisão. Ele trata primeiramente de dividir arepresentação em elementos que a condicionam em presenças puras e tendências , para quedesta forma seja possível atingir seu ideal de precisão.

Podemos notar em Bergson um gosto muito grande pelos dualismos: memória-  percepção , espírito-matéria, subjetivo-objetivo , distensão-contração , etc. Eis a decompo-sição da representação em duas direções divergentes, ou seja, duas linhas de fatos . Noentanto, o sentido destes dualismos é justamente permitir uma harmonia entre as diver-gentes realidades.

Se, no entanto, a psicologia opera tal divisão a partir de uma condição impura ounatural, é porque sempre operou suas análises com vistas no caráter utilitário de nossasfunções mentais, essencialmente voltadas para a ação.

 Já à metafísica, tendo como objeto o espírito, cabe-lhe dividir a realidade a partirdo virtual, do essencial, em um momento anterior à condição humana, para então estabe-lecer a gênese, que é a própria razão e constituição das divergências de natureza. Estabele-cer dualismos é, portanto, a via de acesso às condições da experiência para, uma vez feita adivisão, prolongar-lhe o lado essencial e nele se inserir.

Eis a segunda parte deste segundo momento do processo intuitivo: buscar a ex-  periência em sua fonte, ou seja, acima do “tournant” em que o espírito flexiona-se namatéria43.

Este segundo momento consiste ainda em duas etapas. Primeiramente, a deter-minação das linhas de fatos implica em uma contração da consciência, onde os fatosagrupam-se segundo suas afinidades de natureza. Uma vez determinada a linha de fatosde natureza espiritual, resta prolongá-la além deste ponto em que o espírito se tornaconsciência na matéria, e por uma expansão da consciência, captar as tendências em seuestado puro – a percepção pura idêntica a toda matéria, a memória pura idêntica à totali-

43 M. M., p. 205.

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dade do espírito ou de seu passado. Portanto, divergência e convergência caracterizam

estes dois atos.Sabemos que Bergson não faz da filosofia uma sabedoria propriamente humana,

mas a direção da filosofia é – por mais que nossa condição seja a de sermos mistos malanalisados – a vida espiritual, ou seja, a origem e destino do ser. A direção da filosofia nãodeve ser outra senão a da própria criação e evolução. Contudo, não devemos buscar essasdireções nas concepções impuras de nosso entendimento, nem na consciência presentificadade seres limitados pela corporeidade, mas a partir da experiência pura e virtual de um espí-rito liberto.

Se a nossa existência na corporeidade é apenas uma passagem onde o espírito

reconquista a si mesmo, para então retornar à realidade espiritual, também no processo deconhecimento intuitivo o dualismo constitui apenas um momento que deve reformar-seno monismo.

Podemos falar assim de um tornar-se na matéria e de um re-tornar-se 44 ao espíri-to: não se trata de voltar ao espírito, mas sim de conhecer a partir do espírito. No primeirocaso, temos a experiência na matéria que leva o ser a conquistar sua liberdade, e no segun-do temos a experiência espiritual de um ser que vive esta liberdade na sempre criação infi-nita de si mesmo.

É assim que, através da divergência de linhas de fatos inicia-se um empirismo de

ordem superior; e através da convergência de fatos uma realidade cada vez mais rica emprobabilidades, um probabilismo superior.

Esta regra nos demonstra como um problema bem colocado tende a resolver-sepor si mesmo. Por exemplo, o problema da memória: Bergson parte do misto lembrança-  percepção e o divide em duas linhas divergentes, espírito e matéria. Em seguida busca umadilatação dessas linhas, mas a solução dá-se somente no ponto em que essas duas linhas seconvergem novamente: no ponto em que a lembrança insere-se na percepção, no pontovirtual que é razão do ponto de partida. Voltaremos a isto mais adiante, importa pelo mo-mento demonstrar os momentos do método, assim como a precisão que lhes é conseqüente.

III. Da integração no tempo III. Da integração no tempo III. Da integração no tempo III. Da integração no tempo III. Da integração no tempo 

Esta regra nos dá o sentido fundamental da intuição: pensar na duração, colocar-se na memória, que é a totalidade do espírito.

44 tournant et retournement .

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Se após a diferenciação o método implica na integração de diferentes realidades,

também após uma contração e expansão da consciência, segue-se uma unificação das li-nhas de fatos na realidade fluente e espiritual do tempo, e que constitui a própria pré-realidade destas divergências. Portanto, o método não é constituído de um único ato dedivisão mas, uma vez inseridos na realidade virtual, partimos agora para um outro dualismo,produto da diferenciação de uma realidade pura. Temos assim, em um primeiro momento,um dualismo visto com os olhos humanos – dualismo refletido , e em um segundo mo-mento um dualismo visto com os olhos do espírito – dualismo intuído .

No primeiro caso, nossa reflexão provinha da decomposição de um misto impuro,agora ele se fez a partir de uma realidade pura, ou seja, a partir da realidade virtual. É nesse

sentido que o processo intuitivo é centrífugo, e não centrípeto como dele o fazem comumente.Veremos que a verdade se dá antes por uma dissociação do movimento do espírito, do que poruma associação de idéias prontas e fragmentadas. É nisto que consiste a inversão da marchahabitual do pensamento: através de um movimento do espírito, através de um sentimento dequalidade, instalar-se no processo dinâmico de constituição do objeto ou do ser, e a partir distoatualizar seu conhecimento manifestando-o pelos meios da matéria. É buscar em nosso espíri-to – que é memória integral e que está ligada sem obstáculos a tantas outras quanto sua afinida-de alcançar – a apreensão da verdade em um enriquecimento de si mesmo. Não se trata, noentanto, de retornar ao passado, mas tornar a ser a partir de nosso passado espiritual, em umatensão de si mesmo, para então atualizar a realidade intuída em expressões verbais. Eis assim os

seguintes momentos do método intuitivo:

1..... Dualismo refletido Dualismo refletido Dualismo refletido Dualismo refletido Dualismo refletido 

a) Contração 

– Estabelecer afinidades grupais segundo divergências de natureza.

b) Expansão 

– Buscar a linha de fatos espiritual, e nela dilatar a consciência

2.2.2.2.2. Monismo ou integração no tempo: Dualismo intuído Monismo ou integração no tempo: Dualismo intuído 

Monismo ou integração no tempo: Dualismo intuído Monismo ou integração no tempo: Dualismo intuído Monismo ou integração no tempo: Dualismo intuído – Convergir linhas de fatos na duração.

– Inserir-se na duração ou memória.

a) Contração 

– Estabelecer divergências segundo graus ou níveis de tensão.

b) Expansão 

– Dilatar a memória por uma tensão cada vez maior do espírito.

Dualismo refletido Dualismo refletido Dualismo refletido Dualismo refletido Dualismo refletido 

Monismo ou integração no tempo: Dualismo intuído Monismo ou integração no tempo: Dualismo intuído Monismo ou integração no tempo: Dualismo intuído Monismo ou integração no tempo: Dualismo intuído Monismo ou integração no tempo: Dualismo intuído 

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45 E. S. ( A Consciência e a Vida), p. 2.

Ora, e o que constitui a criação senão a própria diferenciação de uma realidade

pura com vistas à atualização?Porém, qual a natureza da diferenciação desta vez? É necessário que nosso pró-

prio espírito, enquanto um todo virtual, crie as linhas diferenciantes, segundo as quais opensamento atualiza-se. Como veremos mais adiante, se o presente corresponde ao passa-do, cada linha de atualização consiste em um nível virtual do espírito. Porém, deve a cons-ciência a cada vez inventar a figura desta correspondência, e criar meios para desvelar o queestava velado. Não há uma direção neste processo, pois ela não pré-existe feita e acabada,mas ela mesma se faz na medida do ato que a percorre. Conforme dizia Antonio Machado:Não há caminhos, o caminho se faz ao andar ; ou como diz ainda Bergson:

Se o caminho que procuramos é realmente instrutivo, deve dilatar nosso pen- samento, e qualquer análise prévia do mecanismo do pensamento só poderá nos mostrar a impossibilidade de ir tão longe .45

Vemos, assim, que apenas no homem o atual se faz adequado ao virtual. Somenteo homem é capaz de reencontrar todos os níveis de tensão que coexistem no todo virtual.Basta para isso procurar traçar uma direção aberta, isto é, superar seu plano, sua naturanaturata para manifestar, enfim, a sua natura naturans, ou seja, a unidade substancial infi-nita.

E como isso é possível? Busquemos primeiramente na percepção as linhas de fatoque nos serão oferecidas para que possamos, ao tocar a realidade do espírito, demonstrar apossibilidade, assim como o próprio processo do método intuitivo.

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II II II II II 

COL COL COL COL COL OCAÇÃO OCAÇÃO OCAÇÃO OCAÇÃO OCAÇÃO 

DO DO DO DO DO 

PROBLEMA PROBLEMA PROBLEMA PROBLEMA PROBLEMA 

 À luz da interioridade e do ser,

não há espaço para o não-ser.

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 A 

46 P. M. (II Introd.), p. 51.

Mas a verdade é que se trata, em filosofia e mesmo alhures, de encontrar o  problema e conseqüentemente de colocá-lo, mais do que resolvê-lo .46

intuição, enquanto impulso interior que nos permite apreender a reali-dade de forma imediata, consiste em uma experiência direta que nos con-duz ao interior das coisas e mesmo além de sua condição natural. E essa

experiência integral confunde-se com a própria filosofia, cujo objeto é conhecer o ser alémdo ponto em que ele encontra-se flexionado na matéria.

Dada a própria natureza imediata da intuição, filosofar passa a ser um ato simples ,e a própria essência da filosofia consiste neste espírito de simplicidade. Não se trata deuma simplicidade ingênua, mas de uma simplicidade sábia, concreta e, pode-se dizergenealógica, a qual é dada em uma experiência vivida. Em oposição a uma simplicidadeabstrata, que nada mais é que o empobrecimento do real, reduzido à uniformidade, trata-se de uma simplicidade concreta e criativa, a qual supõe uma infinita complexidade e umamultiplicidade de passos para que seja atingida. Não se pode simplesmente dar soluções aquestões que, na verdade, não existem, e nem definir problemas em termos que represen-tam uma falsa concepção da realidade.

 Assim considerada, a simplicidade do espírito filosófico consiste em uma questão

de bom senso, que constitui o fundo, a essência mesma do espírito. Trata-se porém de umbom senso superior, na medida em que nos conduz às mesmas conclusões do senso comum,porém por um retorno consciente e reflexivo, que submete-se ao controle dos fatos.

Tal qual a realidade do espírito, a filosofia exige uma adaptação sempre renovadaa situações sempre novas, um esforço incessante de tensão intelectual. Dada a essênciamovente da realidade, a filosofia não pode prender-se a idéias  feitas, pois constituem ape-nas resíduo inerte de um trabalho intelectual.

 Ao se pretender compreender realidades, e não simplesmente esclarecer conven-ções, não se pode colocar em termos artificiais questões que concernem a natureza origi-

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nal das coisas. A dificuldade principal, quando deixamos o domínio da matéria pelo do

espírito, consiste na desarticulação do real operada pelo nosso entendimento, o qual con-cebe a realidade segundo a esfera pragmática, segundo as exigências fundamentais da vida,as quais ele transfere para a esfera do pensamento.

Os falsos problemas, segundo a dialética bergsoniana, decorrem da atividade or-dinária em vista do útil que, fora de propósito, é transportada para o domínio do conheci-mento puro.

 Assim como na atividade perceptiva faz-se necessário extrair semelhanças de objetospara que se possa apreender a matéria, igualmente nosso entendimento acaba por generalizar,classificar. Com efeito, a consciência reflexiva formará por imitação idéias gerais que serão

apenas idéias, e fará da linguagem um conjunto de conceitos criados segundo uma visão estáti-ca e fragmentada da realidade, e portanto inadequada ao conhecimento do espírito.

Qualquer que seja a natureza da matéria, o ser vivo a fragmenta, estabelecendouma descontinuidade, em função da satisfação de suas necessidades naturais. Ora, um co-nhecimento profundo da realidade requer seja ela apreendida em sua continuidade, em seuestado menos denso, ou seja, em um momento anterior a sua própria cristalização. Noentanto, nosso entendimento simplesmente transfere tal fragmentação para a esfera doconhecimento. Assim como nós dividimos a extensão material em coisas, corpos, fenô-menos no espaço, também nossa inteligência pratica esta operação superficial em função

de realidades muito mais profundas.Devido a essa concepção artificial, nosso entendimento acaba por conceber: pro- 

blemas mal  colocados , ou ainda, problemas inexistentes .

1.1.1.1.1. PROBLEMAS MAL COLOCADOS 

Primeiramente, há uma tendência muito grande de se colocar questões, que sereferem à realidades além da condição material, em função do espaço.

Ora, o espaço é o reino da uniformidade, nele podemos praticar recortes arbitrários,pois constitui o objeto ideal de nossas representações. Ao levar-nos a introduzir formas, distin-ções extrínsecas, homogêneas e descontínuas, o espaço acaba por conservar apenas ainstantaneidade da realidade, a qual por sua vez é mobilidade incessante. Enquanto esquema dedivisibilidade da matéria ele apresenta unicamente diferenças de grau entre seus componentes,pois atua no campo da extensão composto de partes homogêneas e justapostas.

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Desta forma, as coisas exteriores são representáveis e analisáveis, porque sua subs-

tância e suas qualidades revestem aproximativamente a forma do extenso . Sendo o espaçoprivado de todo devir, como de toda unidade concreta, ele constitui o objeto ideal darepresentação. Ele pode ser composto e recomposto conforme queiramos, pois ele é sem-pre o mesmo. Por isso, fiel às nossas idéias, a matemática é a rainha das ciências, na medidaem que é dócil à representação.

Porém, quando nos referimos a realidades de ordem espiritual, ou seja, além doponto em que a matéria encontra-se sólida e aparentemente estática, além da condição deseres inseridos em um corpo material, não podemos representá-las em um espaço unifor-me e divisível.

Estaríamos colocando mal a questão do espírito, se o definíssemos em função deuma ótica espacializante, pois a realidade da essência, da qualidade, do fluxo do tempo, nãopode ser objeto de representação, mas somente de experiência. Jamais poderemos apren-der a realidade espiritual por meio de idéias ou conceitos, mas somente vivenciando-a emnós mesmos, ou seja, por meio da intuição.

Vejamos quais as conseqüências de um problema metafísico mal colocado, ouseja, colocado em termos de espaço .

a) Segundo Bergson, a realidade do espírito é essencialmente memória, a qualconserva todos os seus momentos em uma duração ininterrupta, e os prolonga em direçãoao presente. Desta forma, o espírito constitui veículo de um passado carregado de lem-branças, idéias, conhecimentos impalpáveis e sutis, no qual cada conteúdo é rico e profun-do por tudo o que supõe de alusões implícitas e de experiências acumuladas. O espíritotestemunha, portanto, um passado contínuo, no qual acrescentam-se silenciosamente inu-meráveis experiências da pessoa.

Ora, ao colocar-se no espaço – que é essencialmente divisão – a realidade do espí-rito, conceber-se-á naturalmente um passado separado do presente, isto é, parcialmenteisolado de sua compenetração qualitativa com o presente. Efetivamente tornar-se-á im-possível admitir a realidade da memória, no seio da qual desenvolve-se toda a vida e ativi-dade do espírito.

b) ao projetar no espaço homogêneo a multiplicidade heterogênea da memória,favorece-se ainda uma outra ilusão: substitui-se a percepção concreta, toda ela carregadade um passado, por uma percepção fechada no presente, e absorvida unicamente na tarefade moldar-se sobre o objeto exterior.

E é efetivamente por não ter distinguido tudo o que a memória acrescenta à per-cepção, que fez-se da percepção inteira uma espécie de visão interior e subjetiva, que dife-riria da memória apenas por sua maior intensidade.

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Não há percepção que não seja impregnada de lembranças, porém estas lembran-

ças são de natureza diversa da percepção. O erro, segundo Bergson, consiste justamenteno fato de se conceber apenas diferenças de grau entre percepção e espírito, o que tornaimpossível uma abordagem do espírito enquanto realidade, coexistente, porém de nature-za diversa e independente do corpo físico.

Esta concepção da percepção, enquanto uma realidade mais fraca que o espírito,gera a ilusão que fez de nossa condição humana a de seres, sem dúvida mistos, poréminanalisáveis: confunde-se a qualidade da sensação com o espaço muscular que lhe corres-ponde, ou com a quantidade da causa física que a produz. A noção de intensidade acabapor implicar, com efeito, uma mistura impura entre determinações que, na verdade, dife-

rem em natureza.Ora, a realidade material consiste em um campo homogêneo, o qual estende-se

no espaço, cujas partes, idênticas umas às outras, diferem somente em seu aspecto quanti-tativo, e portanto permanecem sempre as mesmas. Já a realidade espiritual consiste em umcampo indivisível e heterogêneo, cujas partes diferentes umas as outras, variam em funçãode suas qualidades. Matéria e memória consistem, portanto, em realidades diferentes e,conforme ver-se-á mais adiante, possuem direções opostas.

O mal disso tudo é que, ao fazer do tempo uma representação penetrada peloespaço, nós não mais conseguimos distinguir nesta representação os dois elementos, ou

seja, as duas presenças puras da duração da memória e da extensão da matéria.Ordinariamente mede-se a realidade humana com uma unidade ela mesma impu-

ra e mista. No entanto, deve-se sempre, segundo Bergson, dividir o misto segundo suasarticulações naturais, para que se possa apreender a realidade do espírito em sua pureza e,conseqüentemente, intuí-lo. Não se pode partir de uma realidade impura para se atingir oideal da intuição; neste sentido, o método intuitivo inicia por ser um método de divisão,no qual isola-se a linha da essência da linha da matéria.

Para bem colocar-se uma questão, para que se dê o contato da intuição, deve-seprimeiramente purificar a realidade, dividindo-a segundo suas diferenças qualitativas, e

qualificá-las segundo o próprio modo em que se combinam duração e extensão – em suamobilidade e no tempo.

Porém, o que é dito puro , só difere naturalmente, quando captado em seu movi- mento, em seu estado ainda de tendência, anterior à sua realidade de objeto-constituído.

Vejamos ainda como o fato de projetarmos a realidade a ser intuída no espaçoimpede-nos de captá-la em seu aspecto movente.

c) Nossa percepção da matéria recorta, na continuidade da extensão, corpos es-colhidos de tal maneira que possam ser tratados como invariáveis, estáveis e de contornos

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definidos. Toda maneira de perceber e de falar implicam, com efeito, no fato de a imobili- 

dade e a imutabilidade serem realidades de direito, e que o movimento e a mudança acres-centam-se como acidentes. A própria substância seria assim uma estabilidade.

Mais uma vez o espaço é o grande enganador de nossa visão da realidade: geral-mente considera-se o movimento como sendo uma série de pontos imóveis. No entanto,esses pontos ou posições sucessivas são apenas paradas imaginárias de nosso entendimen-to. Substitui-se o trajeto pela trajetória. Mas como um progresso coincidiria com umacoisa, um movimento com uma imobilidade? 47

Disto decorre a necessidade de levar nosso espírito a inverter sua operação habi-tual, e partir da mudança e do movimento, considerados como a própria realidade, em um

momento anterior à constituição das coisas. É impossível um conhecimento profundo darealidade em seu estado sólido, pois contornos e superfícies são apenas aparentes. Ao sepretender uma intuição da realidade material, esta deve ser apreendida em sua mobilidade,a qual lhe constitui a essência. Partir de imobilidades para colocar um problema metafísicoé simplesmente tornar impossível sua solução. Por isso conforme Bergson, posição e solu- ção de um problema estão próximos de equivaler-se 48, pois, um problema bem colocado éimediatamente resolvido.

 A inevitável propensão de nossa espírito para representar-se o elemento fixo éuma exigência da ação, e conseqüentemente mais cômoda à conversação e ao entendimen-

to. No entanto, tal representação conduz a problemas filosóficos que permanecerão inso-lúveis e, conseqüentemente, condenarão o conhecimento à sempre relatividade.

d) Tal projeção do movimento no espaço, ou seja, de imobilidades que formammobilidades, resulta em uma outra ilusão: ao constituir o movimento de pontos estáticos,transferimos essa falsa concepção para o conhecimento do fluxo do tempo, o qual distin-guimos ilusoriamente por instantâneos, ou seja, paradas no tempo.

Ora, jamais será possível apreender o fluxo do tempo pela justaposição de seusmomentos. A duração consiste em momentos que interpenetram-se, e que fluem conti-nuamente em uma totalidade indivisível. Se a divisão da realidade no espaço implica em

partes homogêneas, isoladas umas das outras, o tempo em sua essência é constituído demomentos heterogêneos, cada um dos quais trazendo em si a marca do todo.

 A própria indivisibilidade do movimento implica a impossibilidade do instante.No entanto, a divisão do tempo consiste em uma necessidade de simetria, a qual se atingefacilmente ao colocar a representação integral e indivisa do tempo no espaço. Trata-se deuma reorganização artificial da realidade do tempo e do movimento do espírito.

47 M. M., p. 211.48 P. M.(II Introd.), p. 52.

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Nossos estados de espírito são momentos indivisíveis que ocupam todos uma

certa duração, os quais são ligados uns aos outros por um fio de qualidade variável. Cadaestado é constituído de qualidades , que permanecem na memória espiritual, e que caracte-rizam o ser. A duração não consiste, portanto, em um tempo não espacializado apenas,mas em qualidades e estados, que permanecem vivos no fluxo interior do ser.

 Ao buscarmos, porém, uma representação intelectual do tempo, ao alinhar uns aolado dos outros seus estados distintos, já estamos colocando erroneamente o problema.Disto decorre a necessidade da intuição que nos fornece uma visão direta da coisa, da quala inteligência só apreende a transposição espacial. Todo e qualquer problema metafísicodeve, portanto, ser colocado em função do tempo , enquanto essência constituída e consti-

tuinte do próprio ser.O próprio fato de colocarmos a realidade do espírito no espaço implica a ilusória

negação do mesmo. Conseqüentemente um problema mal colocado acaba gerando umproblema inexistente. Passemos pois ao segundo tipo de falsos problemas.

2.2.2.2.2. PROBLEMAS INEXISTENTES 

a) Uma parte da metafísica gravita, conscientemente ou não, em torna da questãode saber por que alguma coisa existe: por que existe Deus, porque existe o espírito em vezdo nada?

Mas, tal questão pressupõe que a realidade preencha um vazio que antecederia oser. O ser surge do não-ser, conseqüentemente surge a hesitação do por que do ser, elepoderia não ter sido. Tal pressuposto é pura ilusão de nosso entendimento, pois a ausênciaabsoluta é inconcebível para o ser que eleva-se acima da condição material e humana.

 A idéia de que o nada preexiste logicamente, e que Deus ou o espírito viria a elesobrepor-se é decorrente dos hábitos contraídos em nosso entendimento, de que a realida-de movente é feita de pontos estáveis sucessivos. E o que haveria nos intervalos entre taisposições? Nada. Ao fazermos do fluxo sempre mutante da vida momentos estanques,necessariamente concebemos ausências, que despertam hesitações ilusórias em nosso es-pírito. Se tivéssemos a percepção da realidade em seu estado contínuo e fluente, não have-ria motivo para conceber momentos vazios.

Por outro lado, nosso entendimento necessita conceber a relação conteúdo-con-tinente, para explicar a realidade das coisas. É da essência de nossa percepção sensível, em

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meio a um campo extensivo, de ser sempre parte de uma experiência mais vasta e indefini-

da que a contenha. Ora, a propriedade das coisas é ser sem estar em alguma parte. Ao projetar o fluxo da realidade contínua no espaço supostamente divisível e

descontínuo, substituimos a interpenetração de estados qualitativos por uma sucessão quan-titativa de elementos encadeados linearmente uns aos outros. Tal concepção implica quetoda realidade esteja ligada a uma causa que lhe seja sucessivamente anterior no tempo e noespaço. De tal visão decorre a necessidade de nosso entendimento de buscar sempre acausa de todas as coisas. Uma causa busca sempre uma causa anterior, nossa imaginaçãoacaba por esquivar-se diante do abismo das causas, e a metafísica acaba, mais uma vez, porser condenada à relatividade.

Ora, nosso conhecimento, quando considerado pela visão do espírito, não é rela-tivo, mas simplesmente limitado pela densidade de nosso corpo físico, e pelas falsas con-cepções de nosso entendimento, o qual segue a estruturação das coisas. A reação naturalda inteligência, em presença de problemas, consiste em desmembrar a realidade para podercompreendê-la.

 A consciência, necessariamente prisioneira da negatividade, busca uma explica-ção causal para todas as coisas, e tal questionamento existe devido ao fato de se considerara realidade com uma cadeia sucessiva de elos justapostos no espaço. Ora, não existe suces-são de partes estanques, mas uma interpenetração de momentos e de ritmos do todo, o

qual está integralmente presente em cada uma das partes. Desta forma a ausência, seguin-do os termos de Bento Prado Júnior, é a miragem instaurada pela práxis e que constitui aontologia da repetição 49. A consciência da negatividade é decorrente das operações finitasde nossa inteligência que, estruturada em função de uma vocação pragmática, busca o co-nhecimento do infinito.

No entanto, é possível suprimir a miragem da representação no espaço por umaapreensão intuitiva do espírito e do todo, por uma superação da visão finita do infinito. Aoser capaz de intuir sua natureza original, enquanto ligada à Consciência totalizante ou àPresença, o ser vive em si mesmo um sentimento de plenitude, e nem sequer questiona-se

sobre o ser ou o não ser , pois aos olhos do espírito a realidade simplesmente é .

...uma vontade ou um pensamento divinamente criador é bastante pleno de si mesmo em sua imensa realidade para que a idéia de uma desordem ou de umaausência do ser possa aflorar .50

49 PRADO JUNIOR, B. Presença e campo transcedental , p. 41.50 P. M. (II Introd.), p. 66.

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 À medida que reabsorvemos nosso próprio pensamento e que simpatizamos com

o movimento gerador de todas as coisas, vivenciamos em nós mesmos a plenitude da rea-lidade, e esses problemas simplesmente recuam, pois não mais se fará necessário intelec-tualizar a hesitação.

Mas, desde que percebemos intuitivamente o verdadeiro, nossa inteligência se apruma, se corrige, formula intelectualmente o erro.51

É assim que, tais questões, que constituem a principal origem da angústia metafí-sica, desaparecem à medida que o ser eleva-se acima da visão finita, fragmentada e ilusória,

inerente a sua condição humana. Ele simplesmente basta-se pela visão do que é, seu enten-dimento não mais necessita exprimir-se negativamente, pois a presença já se deu.

b) Existe ainda uma questão ligada à falsa ótica espacializante da realidade, a qualimpede afirmar-se a realidade do espírito, assim como seus infinitos recursos. Tal proble-ma é decorrente, segundo Bergson, de uma distinção metafísica que nosso entendimentotambém opera artificialmente entre a extensão material e a duração espiritual.

 A realidade do espírito consiste em um fluxo interior, cuja essência é durar e,conseqüentemente, prolongar sem cessar no presente um passado indestrutível. Desta ma-neira o espírito, cuja consciência só o é devido à memória, consiste no ser-do-passado que

se conserva e cria-se a cada momento.Cada período da vida deixa em nossa memória espiritual impressões, sentimen-

tos, fatos sucessivos inapagáveis, os quais vão superpondo-se em nossa memória sem seconfundirem, e cuja tensão ao diminuir faz com que se presentifiquem no limiar da cons-ciência. Conseqüentemente, o espírito é indestrutível, nele mantém-se o arquivo do serpassado em sua íntegra.

E de onde vem nossa dificuldade em admitir a realidade do espírito?

 A questão é que acreditamos que, quando um estado psicológico deixa de serconsciente, ele necessariamente deixa de existir. Disso resulta que somente o presente é

real, ou seja, a realidade da consciência reduz-se à sua condição humana na sucessão dospresentes.

 A fonte de todo equívoco está em não se admitir que existe o inconsciente, oqual, muito embora não seja atual, nem por isso deixa de ser real. São as virtualidades notempo que nosso entendimento não consegue apreender.

No entanto, faz-se necessário distinguir o virtual do possível . O possível é opos-to ao real, na medida em que consiste naquilo que pode ou não realizar-se. Já o virtual não

51 P. M. (II Introd.), p. 67.

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tem necessidade de realizar-se, mas apenas de atualizar-se. Ele consiste em uma realidade

viva, apenas a ponto de tornar-se vivida, consciente, ou seja, presentificada. A virtualidadeconsiste, conforme veremos mais adiante, no campo em meio ao qual a intuição se dá, elaé o vínculo entre o para-si e o em-si , entre a consciência individual e a vida universal.

 Admite-se, porém, que as imagens presentes à percepção não constituem o todomaterial. Muito embora nossa percepção tenha um papel redutor com relação à extensãomaterial, admitimos que mesmo a matéria exterior à nossa consciência continua a ter exis-tência própria. O que pode ser um objeto material não percebido, diz Bergson, senão umaespécie de estado mental inconsciente? 52

Mas de onde vem o fato de admitirmos uma ex-tensão material Z além de nossa consciência, ao passo quenegamos um inconsciente subjetivo SAB ? Por que admi-timos a linha XY XY XY XY XY na extensão material, mas recusamos alinha C C C C CS onde se dispõem nossas lembranças sucedidasno tempo?

 A realidade objetiva conserva-se, mesmo que não tenha relação com a consciência,no entanto o tempo destruiria os estados de consciência sem realidade objetiva; por quê?

a) A questão é que os objetos em Z , localizados e justapostos na extensão, possu-em entre si uma ordem rigorosamente determinada de tal forma que, cada objeto implicanecessariamente na existência de todos os outros. Ao contrário, as lembranças em SAB apresentam-se em uma ordem aparentemente caprichosa. A ordem das representações é,portanto, necessária no primeiro caso, e contingente no segundo.

O que gera uma falsa concepção aqui é o fato de transferirmos a necessidade domundo exterior à consciência, ao mundo interior. Ora a sucessão no tempo não constituiuma corrente rigorosamente determinada, pois nenhum momento de nossa história impli-ca necessariamente o outro.

Sem dúvida, nossas lembranças formam uma corrente do mesmo gênero em nos-sas memórias, porém elas não se manifestam por partes justapostas, mas por um todoindivisível, cuja influência sobre a consciência faz-se maior ou menor, segundo o grau detensão de seu todo, e não segundo a quantidade de seus elementos. Portanto, nossa vidaanterior, embora de forma condensada, atua sobre nós mais ainda que o mundo exterior,pois deste só apreendemos parte, ao passo que utilizamos a totalidade de nossa experiênciapassada.

52 M. M., p. 58.

A B 

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Essa aparente destruição de nosso passado deve-se ao fato de a consciência atual

aceitar o útil e rejeitar o supérfluo. É o interesse prático que, segundo Bergson, mantémnosso olho perpetuamente fechado diante de coisas que nossa consciência atual não percebe.

b) Por outro lado, inseridos no plano Z , nossa consciência atual S está semprevoltada para o futuro em direção a Y , mas o passado SAB não tem mais interesse para nós.O espaço nos fornece o esquema de nosso futuro próximo, e como esse futuro deve fluirindefinidamente, o espaço que o simboliza permanece indefinidamente aberto. Disto im-plica a noção de que o espaço próximo a nós está contido em um círculo maior, emboranão percebido, e este círculo implica um outro que o contenha. Ora, essa relação conteú-do-continente é própria do mundo da extensão, e impede-nos captar uma realidade que é

sempre total. É ela que faz com que abramos indefinidamente o espaço diante de nós, e que fechemos o tempo atrás de nós 53. Disto decorre a ilusão de se conceber uma extensãoinfinita e uma duração finita, ao passo que em ambos os casos o inconsciente, material oupsicológico, possui o mesmo papel.

O erro, na verdade, consiste em dividir o fluxo do tempo e da vida interior eminstantâneos justapostos. Se encararmos o presente S , não como um momento que é, mascomo um momento que está se fazendo continuamente em função de um prolongamentodo passado, que se comprime para tornar-se presente, a hesitação dissipa-se. Assim comoa mais curta sensação de luz envolve trilhões de vibrações, também nossa memória, emuma pequena duração de tempo, envolve uma infinidade de lembranças.

c) Da mesma forma que substituimos a contingência pela necessidade, a interpe-netração de elementos heterogêneos por uma sucessão homogênea, traduzimos igualmen-te a descontinuidade da memória pela continuidade da extensão material.

Se eu quiser atingir um determinado ponto no espaço, é necessário que eu ultra-passe toda a extensão material que preenche a distância entre o ponto e eu. Mas, quando setrata de espírito, posso evocar qualquer lembrança sem ter que passar pelos eventos inter-mediários. É isso que nosso entendimento não consegue apreender, pois ele só consegueconceber uma sucessão no espaço. Assim entendendo, jamais será possível apreender oespírito enquanto memória, a qual interioriza-se na sucessão do tempo, porém manifesta-se de forma contingente.

d) Se há ainda uma dificuldade muito grande em distinguir-se a natureza espiri-tual da natureza material, isso deve-se igualmente ao fato de concebê-los como duas for-mas de existência radicalmente diferentes, quando na verdade trata-se de duas exigênciasde ação inversas.

 A existência das coisas implica, para Bergson, em duas condições:

53 M. M., p. 160-161.

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1º) Apresentação à consciência;

2º) Conexão lógica ou causal do que é apresentado com aquilo que o precede e com o que o segue.54

 Assim, no caso dos objetos exteriores a apresentação à consciência nunca é per-feita, pois possuímos uma percepção parcial da extensão material. Por outro lado, a cone-xão lógica ou causal é perfeita, visto que a matéria obedece a leis necessárias.

 Já no caso da realidade do espírito a apresentação à consciência é perfeita, pois omomento presente nos fornece a totalidade de seu conteúdo no ato da percepção. Poroutro lado a determinação do passado no presente é contigente, pois um estado psicológi-

co não necessariamente surge a partir de seu antecedente.Bergson concorda, com efeito, que ambos os casos admitem as duas condições,

porém é a proporção na qual se combinam que caracteriza a natureza de uma realidadedada. Nosso entendimento é que dissocia espírito e matéria como sendo dois modos deexistência radicalmente diversos, cada um caracterizado pela presença exclusiva da condi-ção preponderante. Tal concepção simplesmente vicia nossa visão do espírito, fazendo daidéia de inconsciente uma realidade obscura e artificial.

Ora, apesar da diferença de proporção entre as duas ordens, Bergson não diz quedevemos dissociar a ciência ou opor duas formas de conhecimento, mas sim demonstrar

que em ambos os casos encontra-se o mesmo critério de existência. A realidade corporal,para Bergson, não é radicalmente heterogênea à consciência, e a realidade espiritual nãorepugna uma forma de existência além da consciência atual, mas, permanece-lhe ligada poruma relação causal, como nos atesta a coesão de nossos atos com nosso caráter.

Desta forma, a oposição entre a consciência do eu voltado para o exterior e ainconsciência do eu profundo traduz-se por uma oposição entre nosso conhecimento doespaço e nossa ignorância da duração.

Colocado diante de uma realidade que flui, nosso entendimento é infiel. Ele nãosabe perceber a transição viva, nem a distinção de natureza entre espírito e matéria. Sendo

suas operações finitas, sua passagem a uma realidade infinita é contraditória. Somente aintuição, por atuar em um campo além da condição de seres inseridos no espaço, pode, poruma visão em si mesma infinita, afirmar a realidade do espírito, assim como captar a afini-dade essencial entre espírito e matéria.

Faz-se, portanto, necessário desabituar nosso pensamento de sua rigidezsimplificadora, para apreender as sínteses fluidas e móveis que constituem o real. Se aciência analisa no espaço, deve a metafísica, juntamente a ela, intuir no tempo.

54 M. M., p. 163.

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Para superar toda hesitação de nosso entendimento, para deixar de colocar falsos

problemas, devemos, efetivamente, colocar a questão sempre em termos de tempo, cujaduração constitui a própria essência constitutiva do ser. Intuir não consiste em umatranscedência na espacialidade do mundo sensível, mas em uma transcedência na tempora- lidade das realidades essenciais . O conhecimento verídico deve ser contemporâneo à pró-pria evolução do ser e das coisas, e um problema não pode ser pensado ou criado senão nointerior de um contexto espiritual, cujo movimento o oriente.

Com efeito, justamente pelo fato de o entendimento humano deslocar a sínteseentre a participação na consciência e a conexão causal, justamente por não saber operaruma distinção entre espaço e tempo, faz-se necessário, uma vez bem colocado o problema,

que busquemos uma purificação de nossa visão, através de uma divisão da realidade emsuas diferenças de natureza, partindo sempre de uma experiência concreta – no caso apercepção, enquanto atividade que liga o espírito à matéria – para então ser possível apreen-der a realidade espiritual em sua pureza, em seu fluxo gerador.

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I I I I I II II II II II 

INTEGRAÇÃO INTEGRAÇÃO INTEGRAÇÃO INTEGRAÇÃO INTEGRAÇÃO 

HUMANA:HUMANA:HUMANA:HUMANA:HUMANA:

  AS DIFERENÇAS   AS DIFERENÇAS   AS DIFERENÇAS   AS DIFERENÇAS   AS DIFERENÇAS 

NA NA NA NA NA TURAIS TURAIS TURAIS TURAIS TURAIS 

O estado de iluminação interior,

a criação de si mesmo na unidade geradora...

eis a recompensa do sujeito que sabe perceber,

discriminar em si mesmo 

homem finito e o homem infinito.

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55 CHEVALIER, J. Bergson, p. 186.

 ara que seja possível uma fundamentação da realidade do espírito econseqüentemente da intuição, faz-se necessário partir de uma expe-riência concreta. E como fazê-lo, senão abordando o espírito positiva-

mente em sua relação com o corpo?

Muito embora nosso objeto seja a busca de um conhecimento que se dá além doponto de inserção do espírito na condição humana, faz-se necessário partirmos desta pró-pria condição para explicarmos a atividade do espírito na conquista de si mesmo.

Bergson não considera o corpo, a matéria e a ação como sendo somente aquiloque se opõe à intuição do espírito por si mesmo. Ele aí vê um domínio onde o filósofo deveexercer-se junto à ciência, onde a intuição também tem sua palavra a dizer ao lado daanálise. É assim que todo conhecimento, seja na ordem interna, seja na ordem externa,deve apoiar-se no estudo da percepção.

Bergson não se limita a considerar a vida do espírito em seu aspecto íntimo, mastambém engajado no corpo e voltada para a mundo. Não se trata mais de saber como aliberdade se distingue do determinismo, como em Ensaio sobre os Dados imediatos daconsciência mas, ao contrário, como ela flui em uma matéria dominada por ele, pois namedida em que o corpo permanece instrumento de uma ação livre, ele é um moderador doespírito. A alma é solidária ao corpo, apenas enquanto este lhe serve de instrumento, e nãoquanto a sua causa.

Sem o corpo, o espírito não pode agir e trabalhar,mas sem o corpo ele pode ser.55

É assim que, conforme veremos mais adiante, o espírito faz do corpo um instru-mento de liberdade, mas constitui uma existência independente do físico. A vida do espí-rito não é efeito da vida do corpo, mas ao contrário, o corpo é apenas utilizado para que oespírito tenha condições de atuar sobre a matéria.

Toda consciência tende a desdobrar-se no espaço; todo pensamento necessita deconceitos e imagens para poder manifestar-se. Jamais encontraremos uma consciência ab-solutamente pura, completamente liberta de todo vínculo com a matéria. Mesmo a intui-ção necessita de uma evocação da consciência reflexa, que lhe ofereça direção. Mesmo aidéia, por mais espiritualizada que seja, é inseparável de uma imagem motora ou visual.

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Mesmo o espírito mais elevado, que já tenha superado todo apego ao sensível, não pode

suspender sua ligação com a matéria. Por mais que se consiga um transporte da alma àparte superior de si mesma, o desprendimento do corpo é interdito ao homem que agesegundo suas próprias forças; não há em nós, em condições normais, consciência semmatéria, idéia sem imagens, ou memória sem articulação motora.

O homem é, portanto, uma memória na matéria. Muito embora o espírito ultra-passe infinitamente o que se faz presente em seu cérebro, ele não vive apenas o mundovirtual. Ele vive o presente, e o presente é a própria materialidade de nossa existência. Opróprio esquecimento do passado é a marca da materialidade de nosso espírito, o qual éexigido pela sua própria destinação. A alma tem necessidade do corpo para agir, e para agir

no presente é necessário operar uma escolha entre as diversas lembranças. Assim, o consciente para Bergson é o presente, é aquele que age. A consciência,

ao invés de ser coextensiva a toda nossa vida psíquica, e de abraçar toda história da pessoaconsciente em um presente perpétuo e infinitamente rico, apenas ilumina a parte útil,voltada para a ação imediatamente presente, solidificando-a em conceitos e imagens.

É assim que a nossa consciência presentificada encontra-se entre a matéria queage sobre nós e a matéria sobre a qual agimos, ou seja, entre a sensação e o movimento. Elaacaba por contrair na ação certos hábitos que, elevando-se até a especulação, modificamprofundamente nossa consciência em sua faculdade de perceber e de ser. O mais grave é

que este automatismo insere-se em nossa vida interior, mascarando-a, iludindo o nossolegítimo conhecimento da realidade espiritual.

Disto decorre um vínculo tão estreito entre a consciência e o cérebro, que muitostentaram reduzir o espírito ao cérebro. Assim se precisa o duplo e único problema darelação corpo-espírito, ou seja, esta manifestação material da vida psíquica.

Em primeiro lugar, através de um estudo da evolução do sistema nervoso do ani-mal ao homem, veremos que a percepção não se presta a um conhecimento de ordemsuperior ou espiritual, dada a sua função redutora da realidade. Trata-se de, através doestudo de nossos hábitos mentais oriundos de nossa percepção da matéria, demonstrar oquanto nossa inteligência limita o conhecimento legítimo da realidade.

Em segundo lugar, faz-se necessário que saibamos distinguir as verdadeiras dife-renças entre a espírito e o corpo, entre a subjetividade e a objetividade na percepção, paraque seja então possível inserirmo-nos nas linhas de fatos que revelam a natureza essencial.

Em terceiro lugar, é preciso demonstrar que a atividade espiritual ultrapassa infi-nitamente a atividade cerebral, pois o cérebro armazena hábitos e não idéias ou lembran-ças. Veremos então, em que medida corpo e alma são independentes, e em que medidaconstituem uma realidade única.

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1.INTELIGÊNCIA E PRÁXIS 1.INTELIGÊNCIA E PRÁXIS 1.INTELIGÊNCIA E PRÁXIS 1.INTELIGÊNCIA E PRÁXIS 1.INTELIGÊNCIA E PRÁXIS 

...Il y a quelque chose pire que d’avoir une mauvaise pensée. C’est d’avoir une pensée toute faite. Il y a quelque chose pire que d’avoir une mauvaise âme... C’est d’avoir une âme toute faite .56

 A maioria dos homens simplesmente reage às circunstâncias com respostas pron-tas, padronizadas, reduzindo o seu comportamento a uma simples reação ao que lhe advémdo mundo exterior. Vivem sempre ausentes de si mesmos, passam seus momentos super-ficialmente, acomodando a mente aos hábitos contraídos na vida pragmática. Tornam-seprisioneiros dos mecanismos conservadores da vida, sem nada criar de si mesmos. Poucosbuscam o verdadeiro alimento espiritual, que faz de cada momento uma vivência rica denovidades, acrescentando a cada situação algo de original e de si mesmo. Quão incompará-vel é a alegria de um espírito que sente gerar a si mesmo, a aquele que estaciona na ipseidadeda vida puramente material. A vida que deveria ser apenas meio em vistas de um fim supe-rior, consome-se inteira em um esforço para conservar-se a si mesma.

É neste contato perpétuo com a matéria, ou nessa orientação constante em dire-ção à matéria, que nossa inteligência acabou por contrair certos hábitos que alteraram apureza original de nosso conhecimento. Ela se limita a materializar suas funções e a viver 

seus sonhos 57. Ora, o mais grave é o fato de, por muito tempo, a própria filosofia confun-dir a especulação e a prática. Crê-se aprofundar uma idéia teoricamente, quando na verda-de ela está voltada em direção ao útil. A faculdade de compreender nos aparece assiminteiramente subordinada à faculdade de agir.

Sem dúvida, esta tendência não existe por acaso, mas sim dada a própria estruturado nosso sistema nervoso, e a conseqüente vocação pragmática de nossa inteligência:

(...)nossa inteligência, no sentido estrito da palavra, destina-se a garantir ainserção perfeita de nosso corpo em seu meio, a representar-se a relação das 

coisas exteriores entre si, enfim a pensar a matéria.58

Entretanto, tantas teorias fazem da percepção uma forma de conhecimento inte-rior, ou da inteligência uma faculdade criadora. Disto decorre a impossibilidade de uma

56 PÉGUY, Charles. La note conjointe (in: LAGARDE-MICHARD, XX siècle , p. 175).57 M. M. avant-propos.58 E. C. Introdução p. 7.

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abordagem positiva da realidade espiritual, a qual possui natureza diversa e muito mais rica

que o cérebro possa esboçar. Como veremos mais adiante, o cérebro simplesmente reduznossa percepção do mundo, para que possamos ter acesso a nós mesmos, mas nada cria.

É assim que a inteligência simplesmente reduz o aspecto quantitativo da realida-de, ao passo que devemos buscar elevar o aspecto qualitativo do nosso ser. Se até hoje nãose concebeu uma metafísica positiva, foi devido ao fato de se reduzir o movimento aoespaço que o subentende, a sensação à excitação física que a provoca, o pensamento aoprocesso cerebral que o condiciona, a liberdade aos mecanismos que a inteligência utiliza,a criação interior às repetitivas abstrações mentais.

Voltada para as operações no espaço, a inteligência é sólida, imóvel e descontínua.

Dela nascem nossa lógica e nossa geometria, que ilusoriamente aplicamos para explicar apossibilidade da atividade espiritual. Indução e dedução conduzem-nos a uma suposta in-tuição espacial, que existe antes nas falsas concepções de nosso entendimento.

Essencialmente espacializante, a função inteligente não se presta à apreensão datemporalidade psíquica, e muito menos a uma função criadora. Ela apenas permite umaidentificação parcial do já conhecido, pois seu processo consiste em classificar, ou seja,fixar aspectos.

Inteligência e práxis não se adequam, portanto, a um conhecimento desinteressa-do da realidade virtual. Percepção e inteligência esquematizam a ação, ao passo que a filo-sofia possui como objeto um conhecimento que transcende a ação. Ela vai além daquiloque é visto e tocado, para simpatizar-se com a realidade essencial do objeto. É nesse senti-do que filosofia e atividade prática excluem-se, pois a criação transcendente faz-se emsentido oposto ao movimento de presentificação da matéria.

Se o objeto da filosofia é a superação da condição material e presentificada, seuesforço deve ser captar a realidade em seu estado dinâmico e virtual, pela tendência anima-dora e geradora do objeto. Se a inteligência presta-se ao estático e imóvel, somente a intui-ção pode prolongar-se no lado essencial da realidade.

É assim que o verdadeiro sábio, ou seja, o sábio criador, utiliza a intuição, ao fazerciência e não apenas repeti-la; é assim que o biólogo de gênio estuda os organismos, nãoapenas enquanto tais, mas em seu dinamismo vital. Ele percebe o movimento da vida por dentro , como uma idéia criadora em processo, e não reduzido a uma suposta imobilidade.

 Aquele que percebe a vida pelo seu aspecto exterior só enxerga órgãos, justaposi-ções de células e combinações de movimentos; o sábio a percebe como um élan.

... Nosso espírito, que busca pontos de apoio sólidos, tem por principal fun- ção, no curso ordinário da vida, representar estados e coisas. Ele tem de quan- 

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do em quando visões quase instantâneas da mobilidade do real... Ele substitui 

o contínuo pelo descontinuo.59

O entendimento possui uma inevitável propensão para representar o aspecto fixodas coisas. Isto decorre de uma exigência da ação em manipular a matéria, mas a especula-ção deveria evitar esta inclinação. Da mesma forma que a percepção tende a tomar o todopelas partes em seu processo redutor, ela tende a tomar a dinamismo em seu aspecto está-tico devido ao seu processo de imobilizar e cristalizar o real. Ora, imobilizar é fragmentar.

...A mesma razão que mais tarde nos faria escrever que a evolução não pode 

ser reconstituída com fragmentos do evoluído nos levaria a pensar que o sóli- do deve se resolver em algo diverso do sólido.60

Einstein, na verdade, parte deste princípio quando demonstra a substancial identi-dade entre a energia e a matéria, e a possibilidade de se transformar uma em outra: a matériaé energia em estado de condensação, a energia é matéria em estado radiante.

É assim que para se estudar o noumeno, ou seja, a realidade em si, é necessárioestudar o fenômeno em seu aspecto movente, caso contrário não se fará acesso a umametafísica positiva. Da mesma forma que em um primeiro momento do processo intuitivofaz-se necessário dividir a realidade mista em sua natureza material e espiritual, para seintuir a matéria deve-se concebê-la em seus diferentes estados, para que uma experiênciatorne possível atuar diretamente no aspecto dinâmico do objeto.

 Assim como há distintos graus de tensão na realidade, há também na matéria todauma gama de densidades. É assim que a concepção bergsoniana supera as concepções tradi-cionais de fenômeno, como sendo tudo aquilo que pode ser pensado a partir dos sentidos .

Um pensador profundo vindo das matemáticas para a filosofia verá um pedaço de ferro como uma continuidade melódica .61

Só podemos atribuir a razões utilitárias o fato de um objeto nos ser mais sensívelque sua ação sobre nós. Na maior parte do tempo apegamo-nos à coisa, e não às vibraçõesou às emanações que ela envia em nossa direção; percebemos cores e não os raios e mudan-ças de onda; percebemos o perfume da rosa e não o eflúvio que nos envolve.

59 P. M. (Introduction à la Métaphysique ), p. 211.60 Idem. (II Introd.), p. 77.61 Idem. (II Introd.), p. 78.

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Nossa inteligência tende a fixar o lugar da coisa no ponto preciso em que neces-

sitamos tocá-la. É assim que, conforme se verá nos casos de perda de memória, a psicolo-gia, sempre utilitária, tende a localizar nossas lembranças na superfície cerebral.

O hábito faz crescer em nós não apenas a disposição do entendimento de separarcoisa e ação, mas ainda a disposição de negligenciar as radiações emanadas do próprioobjeto. A mesma tendência utilitária nos leva a condensar em coisas estáveis a atividadefluídica que constitui o fundo das substâncias materiais e espirituais. Conforme será vistono item seguinte: perceber é imobilizar.

É assim que, se a ciência é produto da atividade inteligente e sua vocação é pura-mente pragmática, para que seja possível a metafísica torna-se necessário subtrair o aspec-

to sólido da matéria, assim como o caráter puramente utilitário da ciência.

Conforme citado no primeiro capítulo, o ponto de partida para uma abordagempositiva da metafísica é a psicologia. Para tanto, segundo Matéria e Memória dois princípi-os devem ser considerados antes de se empreender um estudo do espírito, para nãotornarmo-nos vítima de ilusões insuperáveis:

O primeiro é que a análise psicológica deve reconhecer sem cessar o caráter utilitário de nossas funções mentais, essencialmente voltado para a ação. O segundo é que os hábitos contraídos na ação, elevando-se à esfera da especula- 

ção, criam problemas fictícios, e que a metafísica deve começar por dissipar essas obscuridades artificiais.62

Vê-se assim que a oposição essencial não é entre o conhecimento do espírito ouda matéria, mas entre o conhecimento desinteressado e o conhecimento utilitário. A es-trutura da percepção, e conseqüentemente a inteligência, possuem uma função natural naesfera pragmática, porém para uma apreensão metafísica elas se tornam inadequadas. Ora,a percepção está longe de nos colocar no plano do imediato, pois para operar ela necessitade abstrair e esquematizar.

Entendida como faculdade de conhecer a matéria, a inteligência, para Bergson,caracteriza-se pela tendência a dissociar e combinar elementos, que respondem com efeitoà estrutura do objeto. Ela implica, portanto, a percepção de um dado, sem o qual nenhumconhecimento, mesmo simbólico, seria possível. Ora, para a percepção de um objeto pre-sente, nossos sentidos constituem apenas instrumentos de seleção, que retêm somente oque interessa à ação. E mesmo quando ela atinge a ciência desinteressadamente, a inteli-gência não se liberta das formas de pensamento que seu caráter prático lhe conferiu.

62 M. M. – avant-propos, p. 9.

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Se a faculdade intelectiva retém apenas as propriedades estáveis dos objetos

materiais, a idéia que fazemos de um objeto permanece sempre a mesma, pois ele ofere-ce sempre a mesma possibilidade de ação. Daí o fato de ela substituir a criação pelarepetição do que é dado.

Inserida no anonimato e na ipseidade do mundo objetivo, a consciência huma-na dissolve-se no universo da extensão, e distancia-se da subjetividade temporal queconstitui o seu próprio ser. Disto decorre a necessidade de vencer o espaço e a dispersãoque espreita a consciência, os quais tornam a vida interior uma reprodução da estruturada exterioridade.

Efetivamente, se a inteligência é a exteriorização do sujeito, a intuição passa a

ser a única forma de posse do sujeito por si mesmo. Se o fluxo da consciência é a interio-rização dos seus momentos, ele é também auto-criação contínua.

Neste sentido, intelectualidade e espiritualidade opõem-se. Se o intelecto é vol-tado para a objetividade, ele supõe exterioridade, distância entre sujeito e objeto. Aopasso que a intuição é justamente o fim da objetividade: o dado deixa de ser dado paraser vivido. O ser espiritual participa internamente da verdade e não apenas estabelecerelações; ele se sente envolvido, inserido na verdade, e não apenas a contempla objetiva-mente.

Se na passagem da transição da presença à representação é necessário reduzir aseleção subjetiva das imagens, para que seja possível a captação da totalidade, no pro-

cesso inverso, ou seja, da representação à presença, é necessário dilatar a consciênciasubjetiva, para uma presença mais rica. É assim que a intelectualidade implica a obscuri-dade, e a espiritualidade a iluminação, pela autogeração interior.

Conforme veremos mais adiante, toda presença existe independentemente deser percebida, e é solidária à totalidade de outras imagens. Para transformar a existênciaem representação é necessário suprimir certos pontos; é assim que a inserção do espíritona matéria a impede de enxergar as articulações reais da realidade. A totalidade domundo das imagens em-si passa a ser para-si , por um processo de eliminação daquiloque não interessa.

Desta forma, a inteligência possui, analogamente ao processo perceptivo, umafunção redutora da realidade e ao mesmo tempo inibidora do espírito. A própria esco-lha entre possíveis previamente dados retira o aspecto criador do virtual e imprevisível.

Dada essa redução que a percepção opera, a psicologia – sempre voltada para adireção utilitária da mente – transfere essa operação de apreensão da parte do todo paraa realidade de ordem espiritual, concebendo uma realidade de mais ou menos , de dimi-nuição, ou uma diferença de grau entre a percepção e a memória.

Ora, somente os corpos brutos admitem transições graduais. O universo espiri-tual constitui-se de totalidades, onde cada parte é total, exprimindo cada uma o conjun-

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to todo. Enquanto o hábito se constitui pouco a pouco pelo efeito de repetição, a lem-

brança ou o movimento do espírito já nascem adultos. É por isso que a visão dos frag-mentos espaciais da matéria jamais corresponderá à visão dos momentos da temporalidadeda vida espiritual. A realidade estará sempre além de sua expressão.

 A consciência reflexa passa a pensar inteligentemente o que seu organismo vi-venciou automaticamente; habituados a uma reação sempre igual diante de estímulosiguais, nossa inteligência simplesmente generaliza idéias. Caberá à memória, apenas,grifar distinções. Assim como a percepção consiste em uma faculdade de análise quefragmenta a continuidade do real para a vida prática, a inteligência igualmente parte deum processo de decomposição e recomposição de idéias prontas que a conduz a uma

concepção geral do objeto a ser conhecido. Assim como o cérebro apenas mimetiza a vida do espírito, pois a vida espiritual

não é função da vida cerebral, essa relação de expressão faz da inteligência uma faculdadeque simboliza parte sumária da vida interior. Ora, há muito menos na parte do que natotalidade, assim como há muito menos em uma expressão estática que em uma sugestão,que em um devir dinâmico.

Nada se cria ao engendrar o espírito a partir da inteligência, a idéia a partir dohábito. Eis porque, para a filosofia bergsoniana, o verdadeiro ato de conhecimento nãoparte das palavras ao sentido, mas do sentido ao sentido; não da parte ao todo, mas do

todo ao todo.Ora, em uma máquina, suas partes são puramente partes, ao passo que, uma parte

da totalidade substancial é a própria totalidade.

Toda mônada constitui um ponto de vista sobre o mundo e é portanto todo o mundo sob determinado ponto de vista.63

É assim que nosso espírito, embora ligado a todas as outras realidades, é limitadoem sua visão da totalidade pela individualidade física, mas ao mesmo tempo deve revelar-se

a sua totalidade, como a mais significativa expressão de si mesmo e do todo.Mas, de onde tira-se a falsa idéia de que a percepção do mundo depende do cére-

bro? A dificuldade advém justamente do fato de se representar o cérebro como algo quepudesse isolar-se do universo e que bastasse por si só.

Ora, em um sistema material, uma parte isolada é em si privada de toda significa-ção interna e autônoma. Ela é justamente parcial pelo fato de ser inteira relativa às

63 LEIBNIZ. La Monadologie , p. 1714-57 ( in: ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia, p. 651).

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outras partes complementares. Mas o mundo interior constitui uma totalidade que en-

volve cada momento com uma aura espiritual. Cada lembrança, cada idéia tende a rege-nerar todo um mundo espiritual, a tornar-se um universo completo.

É assim que jamais apreenderemos o espírito pela percepção. Jamais o cérebro,enquanto realidade parcial e redutora, apreenderá o todo; jamais a inteligência, em umaanálise moderadora, restaurará a totalidade.

Um estado de alma não é aritmeticamente igual à soma de seus elementos: ele não é um plural, mas uma unidade original e conservante, um indivíduo. 64

Possuindo a filosofia a totalidade por ponto de partida, o verdadeiro processo deconhecimento só pode ser centrífugo, e o método mais eficaz a experimentação direta.

2. INTELIGÊNCIA E SISTEMA NERVOSO 2. INTELIGÊNCIA E SISTEMA NERVOSO 2. INTELIGÊNCIA E SISTEMA NERVOSO 2. INTELIGÊNCIA E SISTEMA NERVOSO 2. INTELIGÊNCIA E SISTEMA NERVOSO 

Fiel ao método, Bergson, ao pretender uma metafísica possível através de uma

abordagem positiva do espírito, parte igualmente de uma abordagem positiva do sistemanervoso da percepção, para que se fundamente uma crítica, também positiva, da inteligência.

Se a inteligência, assim como nossos hábitos mentais, está de acordo com a maté-ria, isso não se faz por acaso. Inteligência e matéria estão adaptadas progressivamente umaa outra, engendradas por um mesmo movimento, pela mesma distensão do impulso vitalque materializou as coisas e intelectualizou o espírito.

 A história da evolução da vida, por mais incompleta que seja, deixa-nos já entrever como a inteligência constituiu-se por um progresso ininterrupto, ao longo de uma linha que sobe, através da série dos vertebrados até o homem.

Ela nos mostra, na faculdade de compreender, um anexo da faculdade de agir,uma adaptação cada vez mais precisa, cada vez mais complexa e flexível, daconsciência dos seres vivos às condições de existência que lhes são feitas.65

 Ao acompanhar o progresso da percepção nos seres vivos, a massa protoplásmicada matéria sofre ação dos estímulos exteriores, aos quais reage imediatamente por uma

64 JANKÉLÉVITCH, V. Henri Bergson, p. 20.65 E. C. Introdução.

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contração de si mesma. À medida que os organismos evoluem, o trabalho fisiológico

tende a complicar-se, dividir-se; as células multiplicam-se e agrupam-se em sistemas. As-sim, o animal pode variar cada vez mais seus movimentos em reação ao estímulo exterior. Já no vertebrado há uma distância crescente entre os movimentos que recolhem excita-ções e aqueles que transmitem movimentos.

É assim que, no caso do homem, passa a haver uma distinção mais radical entre oautomatismo que possui sede na medula e a atividade voluntária que possui sede no cére-bro. E mais adiante, a impressão recebida não necessariamente resulta em movimento,mas espiritualiza-se em conhecimento. Desta forma, ainda em termos bergsonianos:

... basta comparar a estrutura do cérebro à da medula para se convencer que há somente uma diferença de complicação, e não uma diferença de natureza,entre as funções do cérebro e a atividade reflexa da medula.66

Ora, se entre a percepção e a matéria ocorre uma redução do todo, passando aexistir, assim, apenas uma diferença de grau de uma mesma realidade, também entre aação voluntária e a ação automatizada haverá apenas uma diferença de complicação. Nos-sos hábitos mentais, nossa inteligência, não são de natureza diferente de nossas funçõesmotoras.

O cérebro não cria representações mas, entre ele e uma atividade automatizada,apenas complica-se a relação entre a excitação e a resposta, entre o movimento recolhidoe o executado. Se na ação reflexa o movimento ao estímulo reflete-se imediatamente pelascélulas nervosas em uma contração muscular, na ação voluntária, antes de propagar-sediretamente na medula, o movimento sobe primeiramente para a encéfalo e depois desceàs células da medula. O que a excitação do cérebro ganha, quando ele faz o seu desvio, éacionar o mecanismo motor que tenha sido escolhido e não apenas atingido.

Ora, é impossível crer assim que o cérebro possa se transformar em representa-ção das coisas; ele apenas escolhe tal ou tal mecanismo motor da medula. Ele apenas dá acomunicação, ou fá-la esperar, mas nada cria de si mesmo.

Esses momentos de espera, em que a reação torna-se incerta e hesitante, são osmomentos de indeterminação, para os quais o sistema nervoso parece ter sido criado enão em vistas da representação.

Como os nossos nervos sensitivos recebem a excitação e os nervos motores ema-nam a ação, há em nosso corpo apenas relações entre ações, assim como há em nossocérebro apenas relações de idéias e não criações. Apenas o espírito tem o poder de criar, deengendrar-se.

66 M. M., p. 25.

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É assim que a crítica da inteligência bergsoniana está fundada sobre a teoria da

percepção. São as necessidades do vivente que destacam na continuidade material ummundo finito de corpos distintos. A percepção aparece então como uma abstração efe-tuada diretamente pelos sentidos na extensão material, que a inteligência transfere paraas operações do pensamento, e as necessidades formam assim o princípio dodiscernimento a  priori .

Se a teoria da vida e a teoria do conhecimento confundem-se, em vez de teorizarobjetivamente sobre a realidade vital, é necessário antes com ela coincidir. É necessárioque nossa consciência se destaque do inteiramente feito e se apegue ao que se faz . E paratanto, faz-se necessário seguir a inversão da própria gênese da inteligência, a fim dereaprender seus poderes em sua própria fonte. Só assim nosso entendimento poderá

preparar uma filosofia que o ultrapasse; só assim faremos da inteligência uma forma desuperação de si mesma.

Se existe uma determinação progressiva da materialidade e da intelectualidadepela consolidação de uma a outra, é necessário escapar a ela em busca de uma atividadelivre e criadora. Não adianta recompor artificialmente por fragmentos, mas reinventaroriginalmente a partir do todo. Jamais idéias feitas. A originalidade de todo pensamentovem do fato de apreendê-lo em seu dinamismo.

3 3 3 3 3 . MOMENTO DE DIVISÃO . MOMENTO DE DIVISÃO . MOMENTO DE DIVISÃO . MOMENTO DE DIVISÃO . MOMENTO DE DIVISÃO 

Bergson não nos propõe, no entanto, um método anti-intelectualista, mas antesum método supra-intelectualista, na medida em que à filosofia não caberia constituir-sesem o concurso da inteligência discursiva, indispensável ao conhecimento distinto.

Sabemos tratar-se de uma filosofia que se aplica em renovar o saber humano,ao invés de desenvolver concepções já adquiridas. Porém, a inteligência também possui

seu papel positivo ao lado da intuição. É ela que, primeiramente, coloca o problema; éela que faz o caminho por onde a intuição se dá; é ela que fornece condições para queseja possível uma experiência direta, além de lhe direcionar e verificar os resultados. Ofundamental aqui é que o verdadeiro intelectualismo não apenas relacione, mas vivasuas idéias . É a inteligência, no entanto, que deve dar condições de romper a distânciasujeito-objeto, ao criar a linha na qual inserir-se o espírito.

Somente pode haver aprofundamento na apreensão de uma realidade, por meiode uma atividade penetrante do espírito. Esta atividade não deixa de ser intelectual,embora possua seu motor aquém da inteligência e seu objeto além dela; ela possui seu

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ponto de partida na própria tomada de consciência das dificuldades que os conceitos

forjados criaram em vista da ação, na ordem da especulação. A partir disto, ela preparaa conquista da intuição, tornando-se sede do ponto onde esta deverá se dar.

Uma vez colocado o problema, é assim que o segundo passo do método consti-tui-se no estabelecimento das diferenças de natureza, para que a própria consciência refle-xiva forneça condições de a intuição se dar. Uma vez reencontrada a natureza espiritual edinâmica da realidade, nela devemos nos inserir e prolongar nossa consciência. É assim queuma diferença de grau jamais possibilitaria o encontro do ponto além do tournant , no qualo espírito deve inserir-se; muito menos seria possível a intuição. Ao fazer da percepçãoapenas uma memória mais fraca, faz-se do tempo gradações no espaço, e acaba-se por não

mais distinguir os elementos da realidade, segundo sua articulação natural. A matéria sofre o determinismo justamente por não possuir virtualidade, e por-

tanto não possuir poder. Todos os seus momentos repetem-se continuamente. Já o espíri-to, justamente por constituir-se principalmente de memória, consiste em uma totalidadeque altera-se continuamente.

Se verificarmos a própria natureza, ela é criada por um processo de diferenciaçãode tendências a partir da essência, e não de quantidades estabelecidas arbitrariamente. Aduração também diferencia-se, porém qualitativamente. Seria, portanto, uma incoerênciapropor a unidade da intuição, a partir de um campo misto e, portanto, impuro. É o puro 

que o filósofo deve buscar, e só pode ser dito puro aquilo que difere em natureza.É assim que, ao buscar fundamentar a intuição, ou mesmo vivê-la, deve-se a partir

da dualidade inerente à condição de seres inseridos na matéria, buscar um monismo quali-tativo. Só então será possível à consciência reflexa colocar o campo em que a consciênciaimediata se movimentará.

Só assim a inteligência permite ultrapassar-se a si mesma, na medida em que opróprio dualismo permite a união, longe de fazer obstáculo. E é neste sentido que o méto-do intuitivo é também um método de divisão, como nos demonstra o primeiro capítulo deMatéria e Memória.

Se nossa condição de espíritos estagiários na matéria constitui um fato misto,faz-se necessário que o dividamos em puras presenças, embora estas só possuam existên-cia de direito. A idéia de pureza revela a repugnância natural do criticismo bergsoniano deembaralhar a organização hierárquica e vertical do espiritual.

Certamente, o bergsonismo chegará a uma intuição que permita uma ligação trans-cendental entre sujeito e objeto. Para tanto, porém, faz-se necessário atravessar o fogo dasantíteses purificantes, pois a harmonia surge sempre no momento da distinção. O próxi-mo item visa demonstrar esta divisão das linhas divergentes que correspondem a umadiferença natural entre espírito e matéria.

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4.4.4.4.4.DIFERENÇAS DE NATUREZA 

Busquemos, pois, na percepção, uma fundamentação positiva para a crítica berg-soniana da inteligência, assim como condições para que seja possível o método intuitivo.

Sempre fiéis ao método de Bergson e, portanto, ao processo de evolução danatureza, partiremos dos fatos biológicos para os psicológicos, para através destes fun-damentar a metafísica.

No labirinto dos atos, estados e faculdades do espírito, o fio que não se deveria jamais perder é aquele que nos fornece a biologia.67

Na descrição bergsoniana da evolução do sistema nervoso68, vimos que na es-pécie mais rudimentar o automatismo faz da reação uma atitude que dispensa a escolhapor parte do ser vivo. No entanto, à medida que esses sistemas complicam-se na evolu-ção das espécies e, portanto, no tempo, sua atividade torna-se mais livre. Se no vegetala inércia entorpece a consciência, é porque não há, ainda, entre a energia captada e aenergia liberada nenhum intervalo que permita a atuação do princípio inteligente. Já naatividade livre essa consciência exalta-se entre o movimento dos nervos que se nutrem,e aqueles que executam o movimento.

Mesmo no homem a função reflexa da medula dispensa a atividade cerebral, aopasso que no cérebro, entre a ação de receber e a de restituir o movimento, há um momen-to de espera ou de indeterminação , que constitui o privilégio dos seres dotados de vonta-de. Temos assim uma diferença de tempo entre o movimento reflexo e o movimento vo-luntário. Somente que esse tempo não está na medula, nem no cérebro.

É assim que a cerebração substitui os atos arbitrários. À medida que a irritabilidadetorna-se sensibilidade, passa então a haver também, nos termos de Schopenhauer, umadesproporção cada vez maior entre a excitação e a reação, a qual permite ao cérebro umtempo de escolha.

Vimos até aqui, conforme descrição bergsoniana, que a homogeneidade entre afunção da medula e a do cérebro demonstra a estrutura de nosso pensamento como sendoresultado de modificações nervosas. Mas, como explicar então a consciência, se o cérebroé apenas um órgão de adaptação à vida, e se ele não cria representações?

Sem dúvida, a consciência está no homem incontestavelmente ligada ao cérebro,mas nem por isso ela reside no cérebro. Para que então a intervenção do cérebro? Ele é

67 P. M. (II Introd.), p. 54.68 M. M., p. 24.

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apenas um momento de bifurcação , onde o estímulo vindo pode seguir esta ou aquela

via motora. Seu papel é receber ações e prolongá-las em movimentos.Se entre a solicitação externa e a resposta há uma prorrogação que aumenta a

indeterminação de nossa conduta, é porque é chegado o momento em que o automatismonão pode mais conter o princípio inteligente, e em que surgem então as ações livres.

Essa volição deliberante é a virtude dos seres humanos, pois ela permite esperarou mesmo abster-se. É assim que o homem circunspecto substitui-se ao homem impulsi-vo e imprevisível, sendo-lhe possível prever as atitudes no espaço e no tempo.

 À medida que a reação torna-se mais hesitante, aumenta também a distância entre

o sujeito e o objeto interessante. O sujeito passa então a vivenciar influências cada vezmais longínquas, e a zona de indeterminação em torno de sua atividade permite responderas suas necessidades aprioristicamente.

Daí a célebre tese bergsoniana: A percepção dispõe do espaço na exata proporção em que a ação dispõe do tempo.69

Detenhamo-nos um pouco aqui. É nesse momento que se inicia o trabalho dedivisão na percepção, o qual nos dará condição para a experiência metódica da intuição.Em uma primeira linha de fatos temos já a percepção que se dá no espaço, anunciando alinha objetiva da realidade mista. Em uma segunda linha temos a ação que, ao dispor de

uma certa duração para sua resposta, anuncia já a subjetividade. A divisão se faz, portanto,entre o espaço , onde o objeto só pode diferir em grau dos outros objetos materiais poruma relação de aumento ou redução, e a duração , que tende por sua vez a assumir todas asdiferenças de natureza, pois ela é dotada do poder de variar qualitativamente por umaalteração de si mesma.

É assim que a duração é constituída de uma multiplicidade interna, onde seusmomentos não apenas sucedem-se, mas fundem-se em uma organização heterogênea dediscriminação qualitativa: multiplicidade virtual e contínua. Já o espaço é representadopela mistura impura de um tempo homogêneo; é uma multiplicidade de exterioridade, de

simultaneidade, de justaposição e diferenciação numérica: multiplicidade atual e descontí- nua.

Temos, com efeito, uma multiplicidade objetiva, onde seus elementos, sempre osmesmos, justapõem-se uns aos outros, possuindo sempre diferentes graus entre si; e poroutro lado uma multiplicidade subjetiva de nossos estados de consciência no tempo, ondeseus momentos, sempre diferentes uns dos outros, interpenetram-se, e cuja divisão serásempre de natureza.

69 M. M., p. 29.

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Pois bem, mas o que caracteriza uma linha objetiva para que seja tida como tal?

Em que Bergson a distingue da linha subjetiva?

Chamamos subjetivo subjetivo subjetivo subjetivo subjetivo aquilo que parece inteiramente e adequadamente conhe- cido, objetivo objetivo objetivo objetivo objetivo aquilo que é conhecido de tal maneira que uma multiplicidade sempre crescente de impressões novas poderia ser substituída pela idéia que dela temos atualmente.70

Um objeto pode ser dividido de infinitas maneiras. Mesmo não realizada a divi-são, o nosso pensamento de imediato apreende essa possível divisão. É essa percepção das

divisões em um espaço – que na verdade é indiviso – que chamamos objetividade. O objetonão possui virtualidades e é sempre atual, portanto mesmo ao dividir-se ele não mudará denatureza.

E o que constitui, inversamente, a subjetividade? Ora, se Bergson usa o termomultiplicidade interna ou heterogênea, é porque na verdade a duração diferencia-se, po-rém ao diferenciar-se, mesmo em vias de atualização, ela está, por isso mesmo, mudandode natureza.

 A subjetividade define-se, portanto, pela virtualidade de suas partes. Somenteque o subjetivo é inseparável do movimento de atualização. Ele é virtual justamente por

estar sempre em vias de atualizar-se. O subjetivo só o é, efetivamente, porque inserido nacorporeidade, caso contrário constituiria uma consciência pura.

É assim que, ao definir o subjetivo como aquilo que parece inteiramente e ade- quadamente conhecido , essa adequação consiste, para Bergson, na coincidência das partes de nossa duração com os momentos sucessivos do ato que a divide.71

 Já no caso da matéria objetiva, visto ser ela sempre a mesma, não pode ser outraque não aquela que conhecemos; mas por outro lado, ela pode ser muito mais, pois pode-mos sofrer uma multiplicidade cada vez maior de impressões vindas do objeto.

 Ao colocar, portanto, as noções de subjetividade e objetividade, Bergson as de-

senvolve segundo a forma de apreensão das diferentes realidades. É assim que também avida consciente apresenta-se sob um duplo aspecto, segundo a percebamos diretamenteou por refração, através do espaço.

Pois bem, antes de passarmos propriamente à descrição destas linhas, importamencionar a recomendação de Bergson no início de Matéria e Memória :

70 E. D. I. C., p. 62.71 M. M., p. 232.

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Nós vamos fingir, por um instante, que nada conhecemos das teorias da

matéria e das teorias do espírito, ou das discussões sobre a realidade ouidealidade do mundo exterior.72

Fingir nada conhecer sobre a realidade ou idealidade do espírito parece impli-car uma negação à tradição filosófica. No entanto, não se trata de uma negação propri-amente, mas antes da necessidade de partir de uma visão impura, sem preconceitos darealidade. Lembremo-nos da inocência recomendada ao filósofo, ou seja, a maneiravirginal de encarar a relação corpo-espírito.

Faz-se necessária uma purificação para que a intuição seja possível. Uma cons-

ciência previnida por pensamentos contraídos pelo hábito, pela linguagem, pelos pre-conceitos tradicionais, jamais se colocará em presença do imediatamente percebido.

Comumente tende-se a partir de idéias prontas, conceitos pré-concebidos, parase chegar à realidade que se busca. No entanto jamais apreender-se-á a realidade pura, emsua natureza original, se simplesmente se relacionar concepções que já existiam, sobretu-do concepções que imitam o real pela acomodação mental que fornecem ao nosso entendi-mento. Ora, a verdade deve ser engendrada, e não apenas contemplada objetivamente.

Se partirmos do que já existe, jamais será possível inserirmo-nos de imediato,diretamente, na realidade buscada. É necessário, segundo Bergson, instalar-se d’emblée no

movimento que gerou a realidade ou objeto, e seguir o processo anterior à sua formação.

 As experiências devem ser vividas para serem compreendidas por si mesmas, enão deduzidas por raciocínios apriorísticos ou apodíticos. A qualidade tira seu valor de simesma e não de sua relação com algo que não é ela mesma. Desta forma o filósofo deveengendrar-se, e não apenas trabalhar comparativamente. A legitimidade do conhecimentoestá na originalidade, e não na relação entre idéias possíveis.

Daí a necessidade de nos subtrairmos aos raciocínios e teorias e buscarmos umacerta ingenuidade filosófica, a qual implica, no caso, uma neutralidade entre o realismo e oidealismo.

Nós nos colocamos do ponto de vista de um espírito que ignorasse as discus- sões entre filósofos. Esse espírito creria naturalmente que a matéria existe tal qual ele a percebe; e posto que ele a percebe como imagem, ele faz dela, emsi mesma, uma imagem.73

72 M. M., p. 11.73 Idem – avant-propos, p. 1.

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É assim que Bergson confere à imagem uma função mediadora que é quase maté- 

ria, pois se deixa ainda ver, e quase espírito, pois não se deixa tocar.74 A imagem é assim omomento da realidade anterior à dissociação entre existência-aparência, realismo-idealis-mo. Ela mesma constitui a realidade una, pura, da qual partem as divergentes linhas defatos.

Mesmo partindo de uma realidade mista, deve a consciência reflexa conceder umponto de pureza para sua experiência. Se é necessário ir além do ponto em que o espíritose flexiona na matéria para que a intuição se dê,75 faz-se necessário, em um primeiromomento, partir além do ponto em que o objeto presente se torna uma representação.

Se é necessário partir da totalidade do espírito em direção à consciência atual,

para que seja possível a intuição, faz-se necessário também partir da totalidade de imagensem direção à representação, para ser possível explicar a consciência.

5.5.5.5.5. LINHA OBJETIVA 

Conforme definido no primeiro capítulo, o primeiro passo do processo intuiti-

vo consiste em partir da consciência reflexa que, por um movimento de contração,primeiramente estabelece divisões por afinidades grupais. Para tanto, estabeleçamos nossaprimeira linha de fatos: a linha objetiva.

Partindo do mundo das imagens em sua totalidade, cada imagem influencia asoutras de uma maneira determinada, calculada, segundo as leis da natureza. Como ela nãoprecisa escolher, sua ação sobre as outras dá-se por si mesma:

Reduza-se a matéria a átomos em movimento: tais átomos, mesmo despojados de qualidades físicas, não se determinam entretanto, senão em relação a uma

visão e um contato possíveis, aquela sem iluminação e este sem materialidade.76

Vê-se, assim, que a ação de uma imagem sempre corresponde à ação de umaoutra ou de todas as outras imagens. Assim sendo, Bergson nos leva a crer na impossibi-lidade de descrever uma imagem sem recorrer às outras.

74 Os Pensadores. p. 61 (Conferência: A Intuição Filosófica), Ed. Abril, 1979.75 M. M., p. 205.76 Idem, p. 32.

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No entanto, estas imagens possuem existência própria independentemente de

serem percebidas. Elas são sempre presentes, mesmo que não se tornem representaçõesem nosso espírito. Desta forma, ao eliminar, de direito, a subjetividade na percepção, tor-na-se possível uma ligação imediata entre as imagens e o corpo-imagem.

Ora, se mesmo sem ser percebida a presença continua sendo imagem, o fato desurgir na consciência nada lhe acrescenta. Pelo contrário, o mundo das imagens é total, arepresentação constitui apenas parte dele. É por isso que, para entender o papel da consci-ência subjetiva na percepção, devemos partir do todo às partes, da matéria à percepção.Para entender o para-si é necessário partir do em-si , pois só é possível compreender aestrutura da consciência a partir de uma realidade anterior a ela mesma.

Sendo a imagem sempre solidária da totalidade de outras imagens, ela continuanaquelas que a seguem e que a precedem. E para que determinada imagem torne-se consci-ente é necessário suprimir tudo o que a ela está ligado, ou seja, isolá-la do todo.

O que é necessário para obter essa conversão não é iluminar o objeto, mas ao contrário, obscurecer-lhe certas partes...77

Nisto consiste a processo redutor que nossa percepção opera, e que se transfere àinteligência. É assim que a passagem do objeto à visão do espírito limita a realidade, empo-

brecendo-a. Daí a necessidade de inverter o processo para abranger o todo, ou seja, partir datotalidade de imagens, para se dar condições de chegar à totalidade do espírito. Desta forma,o processo redutor torna possível as condições sob as quais a consciência atinge o espírito.

Viu-se até aqui um sistema objetivo em que as imagens influem umas sobre asoutras, mas onde cada imagem guarda ao mesmo tempo um valor absoluto. Nada de novoacrescenta-se à sua existência, pois que elas são sempre presentes e, portanto, homogêneasao todo. No entanto, há um segundo sistema onde todas as imagens regulam-se sobre umaimagem central:

Tudo se passa como se, no conjunto de imagens que chamo universo, nada pudesse se produzir de realmente novo senão por intermédio de certas ima- gens particulares, cujo tipo me é fornecido pelo meu corpo.78

Percebe-se aqui o próprio corpo destacar-se, na medida em que possui o privi-légio de não ser determinado pela totalidade de imagens. Sua indeterminação ao reagiràs circunstâncias exteriores não só concede liberdade de ação, como subordina os obje-

77 M. M., p. 33.78 Idem, p. 12.

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tos à sua atividade. Ele começa por produzir um reflexo de sua possível ação sobre as

outras superfícies. A face que os objetos viram para o meu corpo está em relação com aindeterminação que vive minha atividade.

No sistema objetivo de imagens, estas são indiferentes umas às outras, agem ereagem por todas suas partes. Mas quando indeterminadas, passam a fazer parte do siste-ma subjetivo; ao chocar-se com a espontaneidade da reação sua ação é diminuída. O atooriginário da vida não surge sem qualquer obstáculo. O ato cria a sua novidade contra algoque a ele se opõe. Desta eliminação do que não interessa às nossas necessidades surge arepresentação.

É no momento de indeterminação em que o necessário passa a ser selecionado,

em que ocorre o intervalo entre o movimento recebido e a reação, que forma-se a repre-sentação.

É assim que, a partir da noção de indeterminação, dá-se o nascimento da subjeti-vidade.

6.6.6.6.6. NASCIMENTO DA SUBJETIVIDADE 

Mas como surge essa subjetividade? Como a percepção do objeto torna-se cons-ciente?

É justamente no momento de indeterminação, na distância entre ação e reação,na resistência contra o obstáculo da matéria, no momento de seleção do necessário, nomomento em que se introduzem novidades, que nasce a subjetividade em meio ao mundoimagético.

Os corpos vivos simplesmente deixam-se atravessar pelas ações exteriores quenão lhe interessam. As outras tornam-se representações pelo seu próprio isolamento, ouseja, elas destacam de sua substância aquilo que reteríamos quando em sua passagem.79

Essa retenção nada acrescenta às imagens, mas é diminuído algo de sua ação paraque tenhamos influência sobre elas, para que nossa consciência possa apreender certaspartes do todo.

É assim que de um mundo de imagens já esboçado, a retenção do necessárioimplica uma limitação espontânea, e quanto maior a indeterminação, maior a esfera da

79 M. M., p. 34.

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consciência. É assim que a liberdade surge em meio à necessidade, e a novidade desperta

em meio à ipseidade.Ora, apesar de surgir do mundo de imagens, a subjetividade não é simplesmente

o surgimento de algo que não existia. Esse surgimento não é uma materialização, mas aocontrário, o movimento em direção à espiritualização do sensível, onde a ação real doobjeto passa a ser virtual.

Os objetos só farão abandonar algo de sua ação real para figurar assim suaação virtual, isto é, no fundo, a influência possível do ser vivo sobre eles.80

Bento Prado nos coloca a questão da seguinte forma:

O surgimento da consciência... é, antes, resultado, explicitação ou atualiza- ção de uma tendência já inscrita nas imagens.81

Poder-se-ia dizer ainda que o surgimento da consciência, que passa a viver umespaço maior de tempo, constitui antes o tornar-se tendência a partir de um automatismoatual. É justamente no momento em que o automatismo não pode mais conter o princípiointeligente que surge a ação livre.

 A consciência – no caso da percepção exterior – consiste precisamente nesta

escolha. Mas há, nesta pobreza necessária de nossa percepção consciente, algo de positivo e que anuncia já o espírito: é, no sentido etimológico da palavra, o discernimento.82

O despertar da subjetividade marca um segundo momento do processo evolutivoonde, após a atualização diferenciante, da virtualidade da consciência total, surge nova-mente o virtual em uma tendência unificadora da atualidade do mundo total de imagens.

É aqui que a subjetividade passa então de seu papel de eliminadora ou redutora dotodo, para sua atividade geradora e totalizadora. Se ela surge contemporaneamente à práxis,seus caminhos se fazem, porém, em direção ao desinteressado.

Se o sistema nervoso é construído, de um ponto a outro da série animal, comvistas a uma ação cada vez menos necessária,83 o surgimento da subjetividade é o despertarde uma tendência, não mais com vistas a uma ação, mas ela surge de um ponto a outro dahierarquia espiritual colimando um conhecimento cada vez mais livre no tempo.

80 M. M., p. 35.81 PRADO JÚNIOR, B. Presença e Campo Transcedental , p. 157.82 M. M., p. 35.83 Idem, p. 27.

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Mas, suponhamos em certos momentos...a matéria ofereça uma certa elasti- 

cidade: aí se instalará a consciência... Ela se dilatará, ela se expandirá e aca- bará por obter tudo, porque ela dispõe de tempo e porque a mais mais ligei- ra quantidade de indeterminação, acrescentando-se indefinidamente a si mesma resultará em tanta liberdade quanto se queira.84

Mais uma vez evidencia-se o caráter ontológico do tempo, onde a própria inde-terminação resultará em uma liberdade tanto maior, em uma criação tanto mais rica, quan-to maior o tempo de interiorização no virtual.

É assim que a subjetividade necessária, mesmo enquanto voltada ainda para o lado

necessário, já anuncia uma abertura para a subjetividade psicológica, para então passar àdimensão ontológica. E assim, de uma escolha voluntária passa-se a uma intuição original.

 Assim como vimos os diferentes graus do mundo objetivo e imagético no espa-ço, vejamos agora os diferentes momentos do mundo subjetivo no tempo, ou seja, aoprocesso da formação da consciência:

a) Subjetividade necessária

Este é o momento em que as necessidades dividem a continuidade das coisas, reten-

do-se do objeto apenas o que lhe interessa. É o momento da negação, em que o mundoobjetivo passa a ser reduzido, e cuja continuidade passa a ser dividida.

Cada qualidade percebida, pelos meus diferentes sentidos no mesmo objeto sim-boliza uma certa necessidade. É assim que mesmo percepções diversas não me reconstituirãoo objeto completo, pois que elas permanecerão divididas pelos intervalos entre minhasnecessidades.

É assim que a subjetividade necessária, além de dividir a continuidade da extensãomaterial, separa as qualidades sensíveis em função da separação que os próprios sentidosoperam.

Vê-se, portanto, que nossa vida passa-se no preenchimento de vazios, em que aausência de utilidade nos leva sempre a desejar. As dores que afligem o ser humano sãocausadas assim pelos desejos, ou seja pelo lado negativo a que a pressão de nossas neces-sidades vitais nos conduzem. Daí a necessidade de subtrair-se às ilusões dos sentidos, embusca de um sentimento de plenitude que baste por si só, pela sua própria naturezaoriginal.

84 E. S. ( A Consciência e a Vida), p. 14.

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b) Subjetividade voluntária

Este é o momento em que a atividade reflexa complica-se , manifestando a voliçãodeliberante. Os mecanismos cerebrais intercalam-se entre os dois termos do ato, ou seja,entre a solicitação externa e a resposta há uma prorrogação que aumenta a indeterminaçãoda conduta. A cerebração substitui agora a arbitrariedade. Vê-se assim que a subjetividadeforma-se em função de uma certa duração maior de tempo.

 Agora a excitação periférica coloca-se em relação com tal ou qual mecanismo mo-tor, escolhido e não mais imposto. Uma multidão de vias motoras abre-se à solicitaçãoexterior, a qual, por sua vez, tende a perder-se em inumeráveis reações motoras 85. Os estí-

mulos são transmitidos aos centros nervosos; estes por vezes os transmitem aos mecanismosmotores, por vezes os retêm.

Desta forma os elementos nervosos são os responsáveis pela indeterminação doquerer. O papel do sistema nervoso é aqui utilizar o estímulo e convertê-lo em passos práti-cos.

Perceber conscientemente significa escolher, e a consciênciaconsiste antes de tudo neste discernimento prático.86

Ora, se para as demais imagens, a sua realidade é a única possibilidade, pois sãodeterminadas, para o corpo apenas uma entre as várias ações possíveis será real.

Se os objetos refletem a ação do meu corpo sobre eles, o mundo para o meu corpose reduz àquilo que está ao seu redor. O mundo aqui passa a ser limitado até onde alcança ainfluência do corpo. É assim que, segundo Bergson, o universo real passa a ser um sistema deimagens ou um conjunto de ações possíveis.

Nesse sentido podemos dizer que nossa subjetividade limita a apreensão do real.Muito embora esta limitação se dê nas coisas e não em nós, é ela que torna o objetivosubjetivo. É o próprio finito no seio do infinito que define a subjetividade. É o despertar da

consciência finita em meio a uma consciência global. A consciência reflexa surge efetiva-mente desta seleção dos objetos que refletem uma ação possível de meu corpo sobre eles.

 A percepção assemelha-se portanto a esses fenômenos de reflexão que derivam de uma refração impedida; é como um efeito de miragem.87

85 M. M., p. 26.86 Idem, p. 48.87 Idem, p. 35.

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Deste modo a percepção restringe-se a esboçar a parte de indeterminação deixada

ao corpo, ao mesmo tempo que essa indeterminação dá a medida da extensão de nossapercepção. Temos assim a dependência entre o meu corpo e o mundo de imagens, que fazcom que a modificação cerebral e percepção consciente se correspondam rigorosamente emfunção da subjetividade voluntária.88

Quando um de nossos filamentos sensitivos é interrompido, parte do objeto torna-se incapaz de solicitar a nossa atividade. Da mesma forma um hábito contraído torna acerebração inútil. Ambos os casos tornam a percepção incapaz de destacar a imagem e de-monstram os nervos sensitivos como captadores e transmissores, ou seja, operadores daredução do real. Somente que a percepção não se dá nos elementos nervosos, mas antes no

movimento dos mesmos. A percepção consiste na própria tendência movente do corpo.Muito embora tais aspectos sejam considerados subjetivos, eles ainda participam

de certa forma da linha objetiva, pois que contentam-se apenas em dividir o real, em subtrairdo objeto ou de instaurar uma zona de indeterminação. No entanto, são aspectos da subje-tividade que só existem por oposição à objetividade. Não poderíamos caracterizá-los comosubjetividade pura e positiva, mas apenas como momentos que preparam o acesso a ela.Seria antes uma subjetividade mista e atual que, ao mesmo tempo que fundamenta a críticabergsoniana da inteligência – redutora e negativa – fornece condições de chegarmos a umaexperiência pura e positiva.

c) Subjetividade afectiva

 Assim como Bergson define a imagem em sua função mediadora entre o objeto e arepresentação, há que haver uma mediação entre esta imagem, que faz parte do mundo exte-rior e a idéia ou sensação que se dá em nós; a afecção. Somente que a mediadora não pertencemais ao mundo objetivo, mas inicia agora a passagem para o mundo subjetivo em si.

Muito embora a afecção inicie esse processo de subjetivação virtual, ela também sedá a partir da totalidade de imagens.

Entretanto existe uma imagem que se destaca entre outras, à medida que a co- nheço não somente por fora através de percepções, mas por dentro, através das afecções: é o meu corpo.89

Porém, o momento de indeterminação, ou seja, o espaço e tempo entre as ima-gens, deixa de ser redutor somente, para preencher de certa forma o vazio que deixa a

88 M. M., p. 39.89 Idem, p. 11.

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subjetividade seletiva. E este próprio preenchimento que inicia algo de imprevisível e

novo é que se acrescenta ao mundo imagético.

...neste conjunto de imagens que chamo universo, nada poderia se produzir de realmente novo, senão pelo intermediário de certas imagens particulares,cujo tipo me é fornecido pelo meu corpo.90

Entre os estímulos que recebemos do exterior e o movimento que executamos, aafecção nos fornece a indicação de uma decisão, útil ou não, sob forma de um sentimento deprazer ou dor, e não mais aquela contração automática que exclui a escolha. Se não podemosdeduzir sua decisão é porque ela já acrescenta algo ao mundo de imagens.

Contudo, seu privilégio vai ainda mais adiante, pois que o corpo já pode acres-centar algo em si mesmo por dentro. Não que ele saiba fazer nascer representações, masele exerce uma ação nova sobre o mundo das imagens, e passa já a preencher o própriovazio da ipseidade necessária.

Se Bergson opõe au dehors e au dedans, ele opõe as imagens determinadasumas pelas outras pela imagem de indeterminação, e portanto livre.

Se a medula transforma as solicitações em movimentos imediatamente executa-dos, a imagem cerebral, entre a passagem dos nervos centrípetos aos centrífugos, já permi-

te fazer destas solicitações reações nascentes, ou seja, a ponto de se dar. Através da dorcorpo já começa a sugerir as ações virtuais, através de um sentimento de si mesmo.

E como define Bergson a dor ?

Quando o corpo recebe a excitação, ao invés de acolhê-la, repudia-a. Enquanto oorganismo todo movimenta-se para escapar do perigo, o elemento sensitivo lesado perma-nece imóvel. Com efeito, a dor consiste em um esforço local , isolado das outras imagensdo corpo, e que por isso mesmo violenta-se ao se subtrair aos efeitos do todo.91

Se a percepção exterior consiste em uma reflexão do corpo sobre os objetos, aafecção absorve algo desta ação real; é assim que a afecção, muito embora voltada para

o mundo imagético, já anuncia a papel da subjetividade, por uma atuação do corposobre si mesmo.

Deste modo a afecção, muito embora se dê pela própria imobilidade de certaspartes que possuem um papel puramente receptivo, já anuncia um acréscimo subjetivoao cérebro e à percepção consciente. Sem a imobilização dos elementos sensitivos nãohaveria a prorrogação do cérebro e a percepção não refletiria a ação possível.

90 M. M., p. 12.91 Idem, p. 56.

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Desta forma, a afecção não pertence ainda à subjetividade pura e virtual. Ela

depende ainda do cruzamento das linhas objetiva e subjetiva, e portanto pertence antesa uma subjetividade atual, segundo define Bergson.

 A verdade é que a afecção não é a matéria primeira da qual a percepção é feita; ela é antes uma impureza que a ela se mistura. 92

Muito embora ela consista na impureza de uma realidade mista, e que impedeportanto a pureza da imagem, ela já introduz a novidade que dará nascimento à subjetivi-dade pura.

Vê-se, mais uma vez, que a subjetividade constitui-se em função do tempo, ondea partir de uma imediatez automatizada desenvolve-se a possibilidade de uma apreensãoimediata, porém agora refletida.

d) Subjetividade memória

 Antes de entrar nesta questão, faz-se necessária uma oposição da memória à ma-téria e ao presente, para melhor compreendermos a natureza da memória. Seria vão carac-

terizar o espírito sem começar por definir algo concreto e aceito pela consciência.O mundo total de imagens, composto de partes homogêneas e justapostas, cons-

titui um meio sempre idêntico a si mesmo. Privado de todo devir, como de toda unidadeconcreta, todos seus momentos são determinados e não há uma originalidade de subs-tância.

Mesmo o cérebro, enquanto imagem, nada faz de imprevisível. Sua originalida-de existe quanto a sua estrutura e a sua função, e portanto quanto ao grau de complica-ção, mas nada gera em si mesmo.

Ora, se a matéria não possui esse fluxo consciente que leva consigo todos osmomentos da existência, todos os seus instantes são presentes. O presente consiste,efetivamente, na própria extensão.

...o que pode ser um objeto material não percebido, uma imagem não imaginada, senão uma espécie de estado mental inconsciente?  93

92 M. M., p. 59-60.93 Idem, p. 158.

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Ora, se, para Bergson, a matéria é privada de consciência, isto se dá porque ela não

possui memória, visto que a memória consiste na continuidade do tempo que permanece ese acrescenta. Leibniz também define a matéria nos mesmos termos:

 A matéria é aquilo que está inteiro, todo o tempo no presente; é um espírito instantâneo ao qual falta a memória: a omme corpus est mens momentaneas,seu carins recordatione.94

Desta forma os momentos da matéria podem ser deduzidos mas nada acrescentamuns aos outros. Ela constitui-se apenas como um único momento, sempre o mesmo, e que

liga outros dois momentos também idênticos entre si.Porém, neste mundo de imagens, há uma imagem particular por intermediário da

qual algo de novo se acrescenta, justamente por ser uma imagem que permite ligar doismomentos diferentes entre si: meu corpo.

Sendo um lugar de passagem para os movimentos, seu papel é sempre atual, ouseja, sua atualidade consiste na própria atividade motora. Sua função é justamente fixar oespírito no ponto de transição entre o passado e o futuro. Ele constitui justamente esseponto tournant em que o espírito se flexiona em direção à matéria. É através dele que oespírito seleciona o necessário em direção à conquista de si mesmo.

Sendo meu presente o instante em que o tempo está fluindo, ele ocupa sempre umacerta duração entre aquilo que não é mais e aquilo vem a ser. Enquanto local de passagem demovimentos meu corpo está sempre voltado para o próximo momento. Por outro lado,antes de decidir pelo movimento, ele parte do que já foi percebido, de uma série de solicita-ções elementares, ou seja, a própria sensação. É assim que meu presente é o momentotransitório entre os elementos sensores que captam a sensação e os elementos motores quereagem por movimentos.

Meu presente é, por essência, sensório-motor.95

O corpo constitui, assim, um sistema de sensações e movimentos, no fluir de umtempo incessante, e que só se faz presente, não pela sua parada, mas antes pela tomada deconsciência de si mesmo. Este momento em que minha consciência, dirigida pelo cérebro,fixa sua atenção em determinado ponto, constitui meu presente. Este momento, em que oespírito fixa-se no ritmo do corpo, constitui a materialidade de minha duração, de meu ser.

94 LEIBNIZ (in: CHEVALIER, J. Bergson. p. 147).95 M. M., p. 153.

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Desta forma, corpo é uma imagem privilegiada. Enquanto no mundo total de

imagens os momentos sucedem idênticos uns aos outros, em meu corpo eles são hetero-gêneos. O movimento já passou pelo crivo do cérebro, impregnou-se de minha afecção e éposterior à sensação. Quando minha ação é presente, minha percepção já é passada.

Ora, se o corpo é o lugar de passagem da sensação ao movimento, a indetermina-ção passa a ser o momento de passagem do passado ao presente.

Se, em Ensaio sobre os  Dados Imediatos da Consciência, Bergson opunha o es-paço ao tempo em uma análise psicológica, em Matéria e Memória, Bergson opõe o pre-sente ao passado, abrindo caminho para uma ontologia.

Pois bem, através do estudo da objetividade presente o filósofo nos dá condiçõesconcretas de passarmos à subjetividade memória. Voltemos a ela.

Conforme visto no estudo da subjetividade voluntária, o próprio discernimentojá anuncia uma atividade do espírito, pois para escolher é necessário pensar no que sepoderá fazer e lembrar as conseqüências, boas ou não, do que já se passou. Se a consciênciaé chamada a efetuar uma escolha é necessário que ela se apóie no passado e preveja ofuturo.

Se a função do ser vivo, em um mundo em que o restante está determinado, écriar algo de novo, é preciso que algo dele seja preparado no presente; e essa preparação só

é possível se apoiada em um passado.E em que consiste esse passado?

 A vida empenha-se desde o início em conservar os momentos, e todas as impres-sões que os objetos imprimem no cérebro aí permanecem em forma de imagens, for-mando uma continuidade, onde passado e futuro interpenetram-se em uma unidadeindivisa. Todos os momentos pelos quais passamos permanecem vivos na memória.

Se o espírito escolhe sua reação, essa escolha não se dá por acaso. Se a voliçãoé considerada subjetiva e o cérebro apenas inicia os aparelhos motores, em que consisteessa subjetividade?

 A escolha inspira-se, sem dúvida nenhuma, em experiências passadas, e areação não se faz sem um apelo à lembrança que as situações análogas deixa- ram atrás de si.96

Mas em que consiste estas experiências passadas? Como o passado que deixoude ser, poderia conservar-se?

96 M. M., p. 67.

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É difícil para a consciência reflexa conceber uma memória que conserva em si

todos os momentos que se sucederam. Ordinariamente conseguimos conceber a infinitudedo espaço diante de nós, mas não o tempo que ficou em nós. Por quê? Ora, se admitimosum mundo total de imagens do qual selecionamos as necessárias, por que não admitir ummundo total de lembranças, das quais as necessárias se adiram ao presente?

 Acontece que, conforme visto em nosso segundo capítulo, as imagens do mundoobjetivo obedecem a um determinismo, que nós simplesmente transferimos às lembrançasdo mundo subjetivo. Ora, se o mundo imagético se dá no espaço pela justaposição departes, o mundo das lembranças se dá no tempo por interpenetração de seus momentos. Aquestão é que ordinariamente troca-se coexistência por sucessão . Confunde-se ordem ló- 

gica com unidade substancial.Se no mundo imagético as partes permanecem partes pelo seu próprio isolamen-

to, no mundo temporal cada parte é o todo. Mas, o entendimento tende a pensar queconservação supõe um reservatório que a contenha. Eis a ilusão do espaço, eis a realidadedos sólidos antepondo-se à consciência.

Pois bem, como estas experiências passadas atuam na percepção? Este é o mo-mento de reintegrar a subjetividade da memória à percepção.

 A memória do passado apresenta aos mecanismos sensório-motores todas as lem-branças capazes de guiá-los, e os aparelhos motores, por sua vez dão condições à lembran-

ça de materializar-se.Voltada para o futuro, nossa consciência abre no intervalo de indeterminação um

vazio onde nossas lembranças precipitam-se. Em todo instante elas enriquecem a experi-ência presente pela experiência adquirida.

É assim que percepção e lembrança penetram-se. O presente de nossa percep-ção consiste na atividade através de seus movimentos, e o passado consiste em lembran-ças, em idéias que permanecem virtualmente em nossa memória. O passado é apenas uma idéia, o presente é uma idéia-motor.97

Ora, Bergson não define o presente como sendo sensório-motor?

Conforme vimos há pouco, a subjetividade necessária consiste em uma reaçãoimediata e arbitrária ao estímulo. Já a subjetividade voluntária reage de forma calculada. Assim sendo, a percepção pode originar-se de uma solicitação externa à qual o sujeitoreage automaticamente ou, antes da reação, a mensagem recebida pode subir ao encéfalo,e neste momento de indeterminação, uma série de lembranças ou idéias do passado alimaterializam-se em movimentos. É assim que meu presente, na subjetividade  necessáriaé sensório-motor, e na subjetividade voluntária ideo-motor.

97 M. M., p. 71.

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Desta forma, Bergson distingue dois tipos de experiências passadas e, portanto,

duas formas de memória que constituem a subjetividade no ser humano. Se até aqui não havia diferença entre a subjetividade necessária e a voluntária é porque não havia a atuação da memória ainda.

 A primeira memória, voltada para a ação, porta-se automaticamente diante doobjeto. A segunda, orientada para o objeto a ser conhecido, porta voluntariamente suabagagem em direção a ele. Bergson distingue assim uma subjetividade pragmática, queconserva hábitos e movimentos automáticos, de uma subjetividade espiritual , que conser-va imagens de momentos, idéias ou pensamentos.98

 A subjetividade pragmática constitui-se, tal qual exercícios habituais do corpo,

nos mecanismos motores. Ao reagir de forma sempre idêntica diante de determinadosestímulos, os mecanismos motores, tal qual na subjetividade necessária, passam a dispen-sar cada vez mais a atividade cerebral, até um momento em que o corpo automatiza suasações. Ela consiste em um sistema fechado de movimentos, onde a lembrança conservadaconsiste na espontaneidade dos mecanismos motores. Sendo seu papel adquirir hábitos,ou seja, exercitar-se pela repetição, muito embora isto exija um tempo determinado para sefazer, todos os seus momentos são iguais. Ela faz parte do meu presente sob forma detendências motoras que me impulsionam a agir, mas na verdade ela não possui passado.Todos seus momentos são idênticos, e portanto não mudam de natureza para que algopossa acrescentar-se.

 A sua constituição, ao se fazer por repetição de movimentos, não conserva ne-nhuma imagem ou lembrança, mas guarda tendências motoras possíveis, sempre a pon-to de tornarem-se movimentos. Sua bagagem não é formada por momentos do passado,mas por esforços armazenados no presente, e sempre em direção ao futuro. Seus movi-mentos inteligentemente coordenados podem ser evocados por uma imagem ou lem-brança, mas seguem sempre a ordem sistemática dos movimentos presentes.

Este hábito não é então lembrança senão pelo fato de lembrar-se de havê-lo adquirido.99

Vê-se, dessa forma, que a chamada memória hábito constitui uma subjetivida-de, na medida em que consiste na própria consciência do adquirido. Não é um incons-ciente passado que faz dela memória, mas uma consciência do sempre presente.

Ela não possui momentos heterogêneos que permitam um engrandecimento desi mesma, e portanto, seus movimentos homogêneos nada acrescentam ao ser. São apenasréplicas prontas, de reações a um número infinito de interpelações possíveis.

98 M. M., p. 83.99 Idem, p. 89.

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Seguramente é esta consciência voltada para a ipseidade da ação e da vida social

que ilude nossa apreensão do real. Como a repetição é cômoda ao nosso espírito, deixa-se oconhecimento legítimo para o segundo plano. Faz-se destes hábitos motores verdadeirosmodelos, cujo mecanismo o pensamento acaba por contrair, e aplicar ao plano do espírito.É essa massa de hábitos que o indivíduo incorpora a sua estrutura mental e que a vida socialacaba por impor-lhe.

...Há uma coisa pior do que possuir uma alma perversa.É possuir uma alma habituada.100

 A alma que faz de sua subjetividade uma repetição do que é dado, limita-se, tal quala memória hábito, a viver toda uma vida em função do consumo de si mesma, nada acrescentaa si , apenas conserva um presente sempre idêntico. Ora, o fim superior da vida é a criação de-si e por-si, e só ao homem é possível cumprir com esse destino infinito do ser.

Pela complexidade de seu sistema nervoso, o homem é privilegiado, pois seu corpopermite a passagem da corrente indefinidamente criadora da vida moral. Somente que, paratanto, faz-se necessário subtrair-se ao automatismo dos hábitos para inserir-se, por um atode intuição, no movimento criador da vida e do ser.

O conhecimento não deve pois identificar-se com o ato de agir , mas, conforme

veremos mais adiante, deve coincidir com o próprio ser . Conhecer consiste em superar estacondição natural de seres inseridos na ipseidade da matéria, de forma a dilatar a realidade daessência. Nisto consiste a objetivo superior da vida.

Nossos hábitos simplesmente distanciam-nos de nossa realidade original, a qualconsiste na criação, na geração de si mesmo. E não se pode, portanto, nutrir-se com reali-dades exteriores a si mesmo. Conforme define Bergson, o espírito é o único que tira de siaquilo que não tem, e nisto consiste seu alimento, que outro não é senão ele mesmo.

Nosso sistema nervoso limita-se apenas ao equilíbrio com o meio e à adaptação àvida, mas jamais à criação de representações. À medida que o corpo aprende seus movimen-tos o aprendizado tende a tornar-se impessoal, pois dá-se apenas em um presente que nãocessa. Não existe nenhum acréscimo por parte do sujeito a não ser a própria consciência deuma atitude reconhecida. Assim sendo, a memória-hábito simplesmente sai do tempo, poisé estranha ao passado.101 Sendo o movimento sua própria essência, ela é voltada para osentido natural das coisas, ou seja, em direção a um futuro sempre previsível.

100 PÉGUY, Note conjointe , (LAGARDE-MICHARD – XX siècle , p. 175).101 M. M., p. 89.

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Ora, se a subjetividade automática, enquanto consciência de um hábito, está fora

do tempo, onde conservam-se as imagens do passado? Acontece que ao mesmo tempo em que se dá essa percepção ou adaptação com a

conservação de hábitos motores, a consciência retém a imagem de cada situação pela qualela passou, e as alinha na ordem em que elas se deram. É chegado o momento em que averdadeira memória passa a atuar. Sendo nossos estados de espírito momentos que ocupamuma duração, estes interpenetram-se em seu próprio fluir contínuo, registrando todos osinstantes pelos quais passamos em uma crescente interiorização de imagens.

Toda imagem que surge na consciência é imprimida imediatamente na memória, econstituirá para sempre um momento irredutível de minha história. A lembrança aqui não é

mais apenas uma tendência motora, mas uma representação que se conserva no espírito.Não mais voltada para uma aplicação prática, ela conserva o passado apenas por uma ten-dência natural em agregar-se a um todo indiviso. Na medida em que ela acrescenta-se emuma sucessão contínua de momentos que se sucedem, o que é esta memória senão o sujeitoespiritual?

Uma consciência que não conservasse nada do seu passado, que se esquecesse de si própria, pereceria e renasceria a cada instante; como definir de outra forma ainconsciência? 102

Se a consciência só é consciência porque possui memória, a subjetividade espiritualdefine-se pelo seu próprio passado. Nossa pessoa consiste em um mundo onde nada seperde, um mundo infinitamente rico que testemunha silenciosamente todas as experiênciaspassadas.

 A própria memória é sujeito espiritual, pois que ela não se limita a conservar opassado, mas constitui um potencial infinito de criação.

 A memória é antes o exercício de um poder que o crescimento de um possuir, é 

antes a recreação ou realização ativa do passado que o registro do passado.103

Vemos aqui porque a memória nada mais é que o espírito em si. O sujeito espiritu-al, enquanto voltado para a materialidade, define-se por uma atividade mental ou psíquica;o sujeito espiritual em si define-se por uma entidade livre, capaz de criar sua própria consci-ência psicológica. Se Bergson entende por consciência psicológica a memória voltada para o

102 E. S. ( A Consciência e a Vida), p. 5.103 FAURÊ-FREMIET, P. Pensée et recréation- (in: JANKÉLÉVITCH, V. Henri Bergson p. 7).

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lado prático da vida, a consciência autêntica consiste no sujeito espiritual em si, ou seja

a totalidade de seu passado e que define seu próprio ser.Pois bem, estudamos até aqui o sujeito-necessidade, o sujeito voluntário , po-

rém este nível de subjetividade só existe em oposição à objetividade, ou seja, por seruma realidade irredutível à matéria. Já o sujeito-afectivo é um sujeito que acrescenta a simesmo algo por dentro , embora voltado ainda para a matéria. Apenas a memória per-mite-nos apreender o sujeito espiritual, ou seja, aquele que é capaz do ato de intuição.

O estado cerebral continua a lembrança; ele lhe oferece acesso ao presente  pela materialidade que lhe confere; mas a lembrança pura é uma manifestação 

espiritual. Com a memória estamos verdadeiramente no domínio do espíri- to.104

Se o sujeito necessário e voluntário é sujeito justamente por possuir memória,por outro lado o sujeito espiritual não tem acesso à objetividade sem o papel do sujeitovoluntário. Muito embora seja no sujeito espiritual que a intuição se dê, faz-se necessárioa atuação do sujeito voluntário que interpela a memória e que dá condições de seus mo-mentos se realizarem:

Toda passagem da potência ao ato requer um princípio já em ato .105

Para Aristóteles o intelecto tem de ser potencialmente qualquer coisa que aalma conhecerá atualmente; faz-se necessário para tanto a distinção de dois intelectosna alma, um passivo e perecível, e outro movente e imortal. Já em Matéria e Memóriaessa distinção também é feita entre o sujeito atual e o virtual. Somente que, se em Aristóteles o conhecimento, ou seja, o tornar-se outro , só é efetuado em sua imagemsensível, para Bergson, esse conhecimento se faz em um momento anterior à sensibilida-de. O tornar-se ato é apenas a expressão material de um contato que já se fez no espírito.

– Voltaremos a isto no último capítulo. Quisemos apenas indicar o papel da memóriamotora junto à memória espiritual.

Para saber realmente uma coisa, faz-se necessário substituir a imagem espontâ-nea por um mecanismo motor capaz de supri-la, para que a tenhamos à nossa disposi-ção. É assim que a memória motora inibe de certa forma a memória espiritual, ao aceitardela apenas aquilo que pode adequar-se utilmente à situação presente. Daí a necessidade

104 M. M., p. 270-271.105 ARISTÓTELES. De anima III, 430a.

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de subtrairmo-nos ao lado prático e habitual da vida, se pretendemos um conhecimento

intuitivo.106

Pois bem, se a memória-motora constrange o sujeito espiritual, ela só o faz comvistas à sua expressão, pois que o conhecimento do espírito pelo espírito é direto. Se osmovimentos colocam a nossa disposição determinada imagem, antes de ser sensível ela erauma imagem espiritual, indivisa e total. Quando queremos aprender algo, a imagem visualou auditiva que buscamos recompor por movimentos já se encontrava no espírito, invisívele presente, desde o primeiro contato com o objeto. Na verdade é o sujeito espiritual queconhece, e não o sujeito voluntário. É assim que diante de uma experiência de retenção dedeterminadas letras os sujeitos declaravam:

Havia na base do fenômeno uma representação do conjunto, uma sorte de idéiacomplexa envolvendo o todo, e onde todas as partes possuiam uma unidade inexprimivelmente sentida .107

O verdadeiro conhecimento dá-se assim em espírito, por uma apreensão imediatae total da unidade. Parte-se portanto, do todo às partes. Não é o sujeito motor que apreendemas o sujeito – memória.

Se de certa forma o sujeito voluntário é o princípio motor de sintonia com a memó-ria espiritual, no momento de atualização de determinadas lembranças ele quebra essa uni-

dade indivisa. Ao preocupar-se em colocar em palavras o pensamento, as imagens espontâ-neas, e portanto desinteressadas, escapam.

É assim que a memória espontânea manifesta-se mais livremente durante o sono,pois está livre da dependência de nossa vontade. Por isso aqueles que sonham muito, e quelembram-se do sonho profundo, podem chegar, talvez, a se representar o que seja umalembrança pura, graças a uma espécie de desligamento ou desapego à vida, a qual distende aconcentração do espírito em direção à ação.

O sujeito voluntário, portanto, oferece condições de o sujeito espiritual realizarsuas idéias virtuais, mas ao mesmo tempo impede-o de manifestar-se de forma espontânea.

Da mesma forma, a consciência reflexa fornece-nos condições, ou melhor, a direção para oespírito sintonizar-se com determinada realidade, porém limita sua expressão.

Se o sujeito pretende criar algo de novo, sua subjetividade voluntária deve ser oponto de partida, mas ponto de partida apenas, para sua ligação com o movimento geradordas coisas e de si mesmo. Porém, o verdadeiro momento de criação deve dar-se além dotournant em que o espírito atualiza suas lembranças.

106 M. M., p. 90.107 Idem, p. 93.

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7. INTEGRAÇÃO HUMANA 7. INTEGRAÇÃO HUMANA 7. INTEGRAÇÃO HUMANA 7. INTEGRAÇÃO HUMANA 7. INTEGRAÇÃO HUMANA : O : O : O : O : O TOURNANTTOURNANTTOURNANTTOURNANTTOURNANT

 Até aqui estabelecemos as verdadeiras diferenças entre a realidade objetiva e arealidade subjetiva, na experiência concreta da percepção. Partimos primeiramente da to-talidade das imagens  em-si  a sua relação com o para-si . Em seguida caminhamos gradati-vamente, da subjetividade para-a-matéria, à subjetividade espiritual  em-si. Todo esse cami-nho faz-se necessário para, a partir de uma experiência positiva, chegarmos agora à totali-dade do sujeito espiritual puro.

Nesta seqüência, ao abrir caminho para espírito e conseqüentemente para o pro-cesso intuitivo, foi possível ao mesmo tempo verificar a especificidade e a limitação do

papel do sujeito motor e voluntário. A originalidade do cérebro está em sua estrutura enão em sua substância. Se por um lado ele é condição necessária para que o espírito possaagir sobre a matéria, ele não é suficiente para cumprir o fim superior ao qual destina-se avida espiritual: a criação.

Se partimos de um dualismo refletido, conforme o primeiro passo a ser dado parao método intuitivo, faz-se necessário agora um monismo também operado pela consciên-cia reflexa, onde corpo e espírito unem-se para uma experiência em direção ao atual. Opróprio dualismo bergsoniano, longe de constituir obstáculo, convida-nos a uma união.

Se o objeto do método intuitivo é atingir a integração de diferentes realidades em

um tempo único e virtual, para tanto faz-se antes necessário um monismo no espaço ourefletido, onde a consciência atue em um movimento, entre a subjetividade e a objetivi-dade, em direção à vida atual.

Se a intuição move-se de espírito para espírito, a consciência reflexa, em seuesforço de compreensão move-se verticalmente do espírito para a matéria, ao passo quea vida física caminha horizontalmente em seus movimentos sempre presentes.

Temos assim duas direções nas quais o espírito move-se: ou ele parte de movi-mentos do corpo que interiorizam-se na memória, ou parte de suas idéias ou lembrançasem vistas de sua atualização.

Interiorização e exteriorização constituem duas correntes inversas no processode relação corpo-espírito.

Nossa percepção distinta é verdadeiramente comparável a um círculo fecha- do, onde a imagem-percepção dirigida para o espírito, e a imagem-lembran- ça lançada no espaço correriam uma após a outra .108

108 M. M., p. 113.

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 A percepção é, assim, provocada por duas correntes contrárias: uma corrente

aferente parte do todo material e interioriza-se no espírito; uma corrente centrífuga pro-cede de uma totalidade espiritual, cujo princípio é a memória. Temos assim o sujeito agen-te e o sujeito pensante.

 A ação é a lei do homem: ao segui-la ele segue seu destino natural. Inserindo-sena vida e concentrando-se sobre a ação, o pensamento toma mais consciência de sua pró-pria natureza, e portanto, de sua independência com relação à matéria.

Porém, se nos deixarmos absorver inteiramente pela ação, estaremos simples-mente vivendo uma vida repetitiva, com a alma fechada em si mesma, consumindo a vidaunicamente em sua conservação natural, sem nada acrescentar. O homem voltado unica-mente para o mundo da ação não vive senão o presente de seus momentos em um movi-mento horizontal do espírito. Voltado para a utilidade imediata, ele vive a matéria e acabapor adquirir sua rigidez, segundo uma lógica de automatismo.

Por outro lado, o homem por demais desinteressado da ação vive uma vidacontemplativa; faltar-lhe-ia um esforço positivo de concentração que ajustasse seu espíri-to ao ponto preciso de atuação, e que permitisse uma direção ao processo de recriação desi mesmo.

O equilíbrio da vida humana consiste justamente no equilíbrio deste movimento

que vai do espírito ao corpo e vice-versa, entre a esfera da ação e a da memória pura.O homem equilibrado insere-se na ação, mas ultrapassando-a. É assim que se

pode viver e reagir às circunstâncias, porém acrescentando-lhes algo de original e inova-dor.

 A vida, desta forma, consiste em um movimento constante entre a ação e arepresentação. A própria geração do espírito dá-se neste movimento contínuo em que aação limita e ao mesmo tempo oferece condições ao espírito de agir e conhecer. É assimque o espírito nutre-se destes momentos e ao mesmo tempo os enriquece, inserindosempre algo de si mesmo.

Se o cérebro projeta a luz em determinada região do espírito, este por sua vezenriquece a ação com toda sua bagagem. Perceber consiste portanto em lembrar-se, agirconsiste em reconhecer.

Se a memória mostra ao cérebro as imagens que precederam ou seguiram situ-ação análogas à presente, nosso aparelho motor, através de movimentos, constrói cami-nho por onde atualizar-se.

Descrevamos pois o processo da relação da memória com o corpo físico, segun-do a tese bergsoniana do reconhecimento , em seus momentos gradativos.

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a) Memória e vida

Nossa existência consiste em viver no presente. Nesta contínua sucessão de mo-mentos, a nossa própria consciência de atitudes, imagens ou lembranças, faz com que existao agora. O presente consiste justamente neste momento em que o espírito flexionado namatéria conscientiza-se dos movimentos de seu corpo. Segundo este movimento provenhade um estímulo exterior ou de uma representação interior, o presente será sensório-motor ou ideo-motor .

Se sensório-motor nosso presente será iluminado pela memória física. Se ideo-motor, nosso presente será inspirado pela memória espiritual. Descrevemos primeiramente

a inserção da memória-hábito em nossos movimentos, para então passarmos do sujeitoagente ao sujeito pensante e abrirmos caminho para o sujeito espiritual.

Conforme descrito há pouco, a memória-hábito dá-se sempre no presente. Elaconsiste em ser uma memória, não pelo fato de conservar lembranças, mas antes pela cons-ciência da aquisição de movimentos já automatizados.

Ora, se a memória-hábito é sempre presente, o reconhecimento de uma percepçãoautomatizada dá-se no instantâneo . O corpo por si só é capaz de reconhecer sem a interven-ção de nenhuma lembrança.

Esta relação da memória com o corpo consiste antes em uma ação do que em umarepresentação. Ela é antes vivida do que pensada. Seu processo consiste em partir de umapercepção e acabar na consciência de um automatismo. Somente que essa passagem não sefaz bruscamente, mas por intermédio de uma percepção sublinhada por um automatismonascente.109

Esta pré-formação de movimentos que seguem os precedentes faz com que cadamovimento anuncie o seguinte e que cada parte contenha virtualmente o todo. Esse mo-mento intermediário, ou esta ação nascente, define assim o movimento.

Se a aproximação de uma percepção presente a uma percepção anterior faz-se por

uma afinidade ou semelhança, o sentimento de familiaridade aqui consiste na própria cons-ciência de um acompanhamento motor.

 A tendência motora bastaria assim para um sentimento de reconhecimento do pró-prio corpo. Isto significa que, geralmente, agimos antes de pensar. A tendência primeira denossa consciência é viver a vida em seu sentido natural, ou seja, voltar-se para o lado útil.

O reconhecimento físico, ao dispensar o momento de indeterminação ou reflexãopor parte do sujeito, dispensa a inserção da memória espiritual.

109 M. M., p. 101.

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No entanto, nossa memória espiritual continua viva, conforme veremos mais

adiante, muito embora inibida pelo equilíbrio sensório-motor do corpo. Entre a percep-ção e a ação, entre a impressão e o movimento, ela aguarda um intervalo, que lhe seguepara fazer passar suas imagens.

Porém, a memória espiritual ainda não surge enquanto tal mas, dado o fato deestar voltada para a ação, seu papel é antes psicológico. Passamos, desta forma, do reco-nhecimento físico ao reconhecimento psicológico.

Se de um lado os movimentos que despertam o reconhecimento automático, sem-pre voltados para a futuro, impedem de certa forma o reconhecimento do passado imagético,por outro lado eles o favorecem. Favorecem por construir caminho por onde inserir-se a

memória; impedem-na à medida que o interesse prático limita o campo de imagens.

Embora os movimentos limitem e por isso mesmo permitam a passagem de ima-gens, imagem e movimento constituem realidades distintas e independentes.

Bergson fornece-nos uma abordagem científica desta realidade, pela descrição depacientes que apresentam cegueira psíquica.110 Por vezes são as imagens que não podemmais ser evocadas, por vezes é somente o vínculo entre a percepção e seus movimentosconcomitantes que é rompido. Tal é o caso do sujeito que não podia reconhecer sua esposae filhos, mas no entanto podia dizer que tratava-se de uma mulher e de crianças. Em umsegundo caso, o paciente sabia evocar a visão interior de um objeto, mas, no entanto,

não sabia reconhecê-lo ou manipulá-lo quando presente diante dele.

Vemos assim que a memória-hábito e a memória espiritual prestam-se mútuoapoio, mas constituem realidades distintas. Ao mesmo tempo em que a memória físicalimita a passagem de imagens, nossos órgãos dos sentidos e aparelhos motores permitemum equilíbrio do espírito quando inserido na matéria.

Disto decorre a necessidade de, para que a intuição se dê, subtrair-se do ladopuramente prático e útil da vida, para permitir uma manifestação ou exaltação da memóriaespontânea.

Por outro lado, faz-se necessário um equilíbrio dos órgãos sensório-motoresque permitem uma concentração do espírito sobre o objeto a ser conhecido, para forne-cer direção e precisão à consciência reflexa.

Se o apego à matéria ou ao mundo exterior limitam, assim, a vida do espírito, oequilíbrio faz-se necessário, para que o espírito, ao mover-se continuamente entre o planoespiritual e o plano físico, possa gozar de um grau maior de liberdade e, portanto, deexpressão de si mesmo.

110 M. M., p. 99-100.

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O corpo é o que fixa o espírito, é ele que lhe confere direção. Assim sendo, o

espírito só equilibra-se quando inserido no corpo. A atividade do espírito ultrapassa as lem-branças e estas ultrapassam as sensações e movimentos do presente. Porém, as sensações emovimentos condicionam e por isso mesmo permitem uma precisão maior na atenção aopresente.111

Todo trabalho do espírito depende, portanto, da coesão entre sensação e movi-mento. Deste equilíbrio surge a adaptação ao momento presente, e faz com que o espíritonão se perca na vida dos sonhos ou em um mundo de alienação.

O corpo consiste assim em um meio comum entre a imagem e o movimento. Elepossui um papel mediador entre os vários planos que se fazem entre o mundo do espírito e

o mundo da ação.

O plano dos sonhos é aquele em que a atenção não é fixada pelo equilíbrio sensó-rio-motor. Durante o sono o espírito desliga-se do cérebro e passa a gozar um grau maior deliberdade. A interrupção da solidariedade entre os neurônios permite que as lembrançassurjam caprichosamente ao espírito.112

 A memória seria assim sempre espiritual se ela não saísse do plano dos sonhos. Emum mundo de espíritos puros e elevados, já libertos da densidade do corpo físico, o sonhoseria a própria realidade.

 Já o plano da ação é aquele em que o espírito extrai de uma dada situação aquiloque lhe é útil às necessidades de seu corpo. É o plano em que o espírito está inserido namatéria, e sobre a qual ele age.

Neste plano vivemos a realidade do presente, cujo sentimento concreto consiste naconsciência que tomamos dos movimentos, pelos quais o organismo reage às excitações. Éassim que, onde as relações sensação-movimento detêm-se, o sentido do real enfraquece.

Desta forma, os sujeitos que sofrem alienação perturbam-se pela acumulação de cer-tos agentes tóxicos ou infecciosos nos elementos do sistema nervoso. Perturbando a relaçãosensório-motora, a memória e a atenção perdem contato com a realidade. Disto decorre o

sentimento de perda de lucidez por parte do sujeito, e os objetos parecem perder a solidez.Nestes casos certas lembranças da memória perdem sua solidariedade com as outras.113

Mas, há um meio de nossa memória evadir-se ao mundo dos sonhos e adaptar-se àrealidade sem lhe fazer violência: a compreensão . O movimento intelectivo é o único quepermite ao espírito caminhar de um plano a outro sem confundir-se.

111 M. M., p. 193.112 Idem, p. 186.113 Idem, p. 195.

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Pois bem, iniciávamos a descrição bergsoniana do reconhecimento, ou seja, este

movimento em que o espírito atua sobre a matéria e vice-versa. Se o reconhecimento físicode certa forma inibe a memória espiritual, ele permite, porém, uma mediação entre as lem-branças e o mundo presente.

b) Memória e atividade intelectual 

O reconhecimento físico faz-se assim passagem para um reconhecimento de or-dem intelectual, onde a própria esfera da ação propicia meios para uma atividade pensante.Para que o esquema motor seja o ponto de encontro entre o espiritual e o físico, faz-se

necessário um esforço de concentração do espírito: a atenção .Partimos da descrição dos planos da consciência para demonstrar o papel da aten-

ção no processo de materialização de uma idéia ou lembrança. Atenham-nos um pouco nopapel da atenção, para então passarmos ao papel do espírito na atividade intelectual.

 Ao descrever o papel do cérebro na atividade perceptiva, Bergson descreve ograu de complexidade dos sistemas nervosos segundo a evolução dos organismos: nosorganismos primários ação e reação quase que se confundem diante da imediatez com quereagem automaticamente a um estímulo. Já no ser humano temos a subjetividade voluntá-ria, onde o reflexo se complica em volição deliberante. Entre a sensação e o movimento,

os movimentos cerebrais intercalam um momento de indeterminação em que o cérebrohesita entre as possíveis reações. Neste momento de indeterminação é que se inicia aatividade do espírito.

 As excitações recebidas de fora encontram-se paradas nos centros, em seguida àsindeterminações das vias motoras, antes de se transformarem em reações. Essa parada pro-duz, por uma espécie de reflexão virtual, a percepção dos objetos, e a organização nascentede reações produz o sentimento de reconhecimento.

Porém, se o espírito renunciar a seguir o efeito útil da percepção presente, haveráentão uma inibição de movimento, uma parada. O espírito dirige então a direção de sua

consciência para o objeto a ser conhecido. Desinteressado de toda ação útil e concentradono objeto, o espírito, nesse intervalo de duração maior, permite que passem as lembrançasde seu passado em relação com o objeto presente.

É assim que, segundo Ribot, a atitude do corpo na atenção consiste primeiramenteem inibir os movimentos, o que dá a consciência uma impressão de concentração e impedea distração.114 Entretanto, o papel do corpo, para Bergson, não se reduz a este trabalho

114 M. M., p. 110.

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negativo. A própria atitude de parada que a vontade impõe ao nosso organismo já é algo

de positivo:

... a atenção tem por efeito essencial tornar a percepção mais intensa e desta- car seus detalhes: considerada em sua causa, ela se reduziria portanto a umacerta intensificação do estado intelectual .115

No entanto, há uma grande diferença entre esse aumento de intensidade e aqueleque vem de um estímulo exterior. Trata-se aqui de uma concentração que vem de dentro, eque testemunha uma atitude, não mais automática e nem somente voluntária, mas sim

uma atitude inteligente.

Sem dúvida, os centros de motricidade voluntária, agora mais tensos, opõem àação emanada do objeto vários ramos de fibras nervosas, e de lá vem, em parte, o senti-mento de luz maior que a atenção procura. No entanto, este sentimento não deriva de umamaior produção de energia cerebral – tal qual concebem William James e Maudsley116 –mas sim de uma tensão interior, de um esforço de concentração do espírito, e não docérebro, que apenas lhe oferece rumo. Este sentimento de luz maior sobre o objetoconsiste em um enriquecimento da representação, e conseqüentemente em um maiordiscernimento.

Vemos assim que é o espírito quem conhece e não o cérebro. Se o cérebro é oórgão de atenção à vida, conforme definido em Matéria e Memória, existe, em ummomento anterior à sua atividade, uma simpatia do espírito com o objeto, e que jáanuncia a intuição – não nos estenderemos sobre isto aqui, dado ser este o conteúdo dopróximo capítulo. Muito embora nosso tema seja a intuição, não podemos definir seuprocesso sem o papel do corpo, que progressivamente lhe fornece condições de experi-ência.

É assim que, na percepção, as excitações emitidas pelos objetos são detidas otempo necessário para que o reconhecimento automático se dê, e convertem-se em ações

úteis. Já no processo intelectivo ou no reconhecimento atentivo , produz-se, sob impulsãoda vontade, uma motricidade de um novo gênero, orientada diretamente para o objeto enão para a ação.

Essa motricidade prepara e mesmo começa o trabalho do espírito. Com osmovimentos sutis que refazem uma síntese mimetizada do objeto, começa o trabalho doespírito. Ele continua por lembranças ou idéias que se acrescentam ao objeto.

115 M. M., p. 109.116 Idem, p. 109.

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É assim que, para reenviar ao objeto as imagens enriquecidas pelo nosso passado,

faz-se necessário saber utilizar os mecanismos corporais. O equilíbrio sensório-motor é im-portante pois ele possui, com relação ao passado da consciência, um papel análogo ao queele tem na percepção: ele seleciona as lembranças em ressonância com o objeto presente e asfaz manifestar-se aos olhos do espírito, sob a forma de representações.

Se a percepção provoca em nosso corpo movimentos, esses movimentos desenhamum esboço que fornecem um molde às imagens passadas que se assemelham, e permitemassim à memória acrescentar-se a simples visão do objeto.

Ela (a memória) cria novamente a percepção presente, ou melhor, duplica essa

 percepção ao lhe devolver, seja sua própria imagem, seja uma imagem-lembran- ça do mesmo tipo.117

Se na percepção as imagens são dados sensíveis, no trabalho intelectual elas sãoidéias, ou seja, momentos da corrente contínua do pensamento; é assim que a memóriafortalece e enriquece a percepção atenta. Nesta relação corpo-espírito, temos agora a rela-ção do cérebro com o pensamento como sendo um momento privilegiado.

 A percepção não consiste mais apenas em impressões recebidas do mundo exterior,mas passa agora a exigir um trabalho interior do espírito, de reflexão, isto é, uma projeção 

exterior de imagens ativamente criadoras.118

que se moldam sobre os contornos do objeto.É assim que o sujeito que reflete sempre acrescenta algo de si mesmo à situação.

Se as imagens projetadas são aquelas que possuem afinidade ou identidade com oobjeto, existem outras porém, que possuem apenas uma certa semelhança ou mesmo umparentesco distante com o objeto, mas que posicionam-se ao encontro da percepção eexteriorizam-se com ela.

É assim que, ao pretender-se uma atividade intelectiva criativa, faz-se necessáriauma sintonia da consciência reflexa com o objeto. Quanto mais perfeita essa sintonia, maisrica será a projeção de imagens do espírito sobre o objeto presente.

Da mesma forma, para que o método intuitivo seja possível, – mais uma vez, apesquisa e o método bergsonianos confundem-se – faz-se necessária uma sintonia com abagagem do espírito em sua forma pura. O estabelecimento de divergências de naturezaentre as realidades permite assim depurar nossa visão, para captar o espírito em sua pureza.E nessa visão, por parte da consciência, do fluxo contínuo de momentos, adotamos a atitudenecessária para uma sintonia com o espírito.

117 M. M., p. 111.118 Idem, p. 112.

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Certamente que a consciência reflexa desperta a vida do espírito, mas a projeção de

idéias ou a síntese de representações procede de um esforço interior, e efetua-se sob formade um progresso contínuo, onde fundem-se uns nos outros os termos, mesmo de naturezadiferente.

Mas, atenhamo-nos à relação do espírito com a consciência no trabalho de intelecçãoou reconhecimento atento. Se no trabalho de percepção refletimos imagens sensíveis aoobjeto, em um circuito fechado, onde todos os termos são sempre os mesmos, já na ativida-de intelectual a reflexão faz-se por uma projeção de parte de nós mesmos sobre o objeto.Refletir é portanto, criar, ao acrescentar-se algo de si mesmo.

Se na percepção o corpo coloca-se automaticamente no interior do objeto, limitan-

do-se a refletir sobre ele um movimento, já a atenção procede de dentro e porta voluntaria-mente as representações diante das coisas. É assim que o cérebro em sua função seletorareduz algo do objeto, enquanto, na intelecção, o espírito acrescenta-lhe algo.

Os associacionistas possuem uma concepção linear deste processo intelectivo, e porisso jamais atingiram a realidade do espírito, ou da entidade criadora. Representam o movi-mento interpretativo como uma marcha do espírito em linha reta, a partir do alfabeto desensações. A percepção atentiva partia do objeto, excitando sensações, e estas despertavamidéias. Ora, se assim fosse a atividade criadora do espírito estaria condenada à superficialidade,à ipseidade do processo, ao invés de aproximar, distanciaria o espírito do objeto. 119

 Ao contrário, os passos de um espírito, seja que ele reconheça, compreenda ouinvente, constituem-se em circuito: partimos das sensações, e nos refletimos imediatamentesobre nós mesmos, sobre nosso capital pessoal de lembranças e experiências acumuladas, asquais nos conduzem novamente ao objeto, porém um objeto tornado inteligível, expressivoe significativo, em seguida a este contato regenerador com o eu.

O eu, personalizado pelo conjunto original de suas lembranças, age, portanto, comouma força significante que vai ao reencontro do dado a fim de compreendê-lo. Esse euconsiste em uma totalidade espiritual; e é o todo da memória que entra neste trabalho,conforme veremos mais adiante.

 Ao contrair-se diante do objeto, a memória reflete sobre ele um número crescentede sugestões ou mesmo detalhes do próprio objeto. Assim, uma vez apreendido o objeto,como um todo independente, a memória o reconstitui com todas as outras condições, mes-mo longínquas, com as quais ele forma um sistema.120

 A atenção não somente reconstitui o objeto, mas cria novamente, pela bagagemvirtual da memória, sistemas que a ela estão ligados. É assim que a virtualidade da memória

119 M. M., p. 114.120 Idem, p. 115.

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cria as possibilidades em torno do objeto. É assim que, quanto maior a expansão da memó-

ria, mais profundas as camadas da realidade que atingiremos.Somente que esta expansão faz-se por uma mudança de qualidade, por um aumen-

to de tensão de nosso espírito, que se dá sempre por inteiro.

Em geral é a percepção presente que determina a orientação de nosso espírito,mas conforme o grau de tensão que o nosso espírito adota, conforme a alturaonde se coloca, essa percepção desenvolve em nós um número maior ou menor de lembranças – imagens.121

Ora, em que consiste esta expansão da memória, este aumento do grau de tensãodo espírito, senão na própria intuição? Este é o verdadeiro ponto de partida no trabalho deintelecção, pois a percepção presente consiste apenas em uma ocasião, um apelo instantâneolançado à memória. Mas o verdadeiro conhecimento, ou seja, aquele que acrescenta algo aoobjeto, dá-se em um momento anterior, onde o espírito intui, penetra a realidade dada.

O conhecimento legítimo parte, portanto, de dentro para fora, do centro à perife-ria, da idéia à percepção, graças a uma tensão maior ou menor da consciência, que vai buscarna memória pura as lembranças ou idéias puras, para desenvolvê-las progressivamente emum esquema motor ou palavras.

Uma vez sugerido pela situação presente, o objeto é imediatamente reconhecidocomo tal, pelo espírito. Para que esse contato acrescente um maior número de idéias oulembranças, faz-se necessário um esforço de tensão, cujo grau atingirá camadas mais profun-das ou mais superficiais da memória.

Nossa memória espiritual possui várias camadas, segundo esteja mais próxima oumais distante do presente. Nas camadas mais profundas estão nossas lembranças mais pesso-ais, que guardam o curso de nossas existências passadas. Elas constituem o maior e o últimoinvólucro de nossa memória: o eu totalizante, personalizado pela série de momentos vivi-dos, e que age como uma força significante no reencontro com o dado.

Para ressurgir no momento presente, este invólucro extremo comprime-se – masnão reduz-se – em círculos mais estreitos, contendo as mesmas lembranças, embora con-traídas. Essas lembranças, fugidias em um primeiro momento, surgem por acaso, dada aprópria indeterminação do corpo no momento. À medida que vão materializando-se tor-nam-se menos pessoais e mais superficiais. Ao aderir à percepção presente, o surgimentodas lembranças faz-se não mais caprichosamente, mas determinado pelos movimentoscorporais.

121 M. M., p. 116.

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Vê-se assim que, primeiramente, a memória contrai-se por inteira e espontanea-

mente, e em um segundo momento ela apresenta apenas a face útil determinada pelo pre-sente.

 A nossa própria existência consiste, portanto, em uma contração de nosso espírito,cuja atenção dirigida para o presente da matéria implica em deixar parte de si mesmo parapoder fixar-se.

Todos os homens têm, portanto, que abandonar algo de si mesmos em seus cami-nhos. Nossa própria existência, para ser tal, implica em uma alteração de nosso espírito, emum estreitamento de si mesmo, de maneira a moldar-se sobre o corpo presente.

Da mesma forma no esforço de intelecção o seu preço está na própria contração.

Em nossa vida tudo se passa, portanto, como se sofrêssemos continuamente uma alteraçãode nosso espírito, em função de uma redução da matéria.

Ora, se viver e compreender implicam em uma contração da memória, para umconhecimento mais rico devemos, inversamente, expandir a memória. Não partir do pre-sente limitado, mas da memória infinita.

Se viver implica em abandonar algo de nós mesmos, criar implica em expandir-se asi mesmo. Disto decorre a necessidade de, segundo a dialética bergsoniana, inverter a mar-cha habitual do pensamento. É assim, ainda, que afirma Trotignon:

 A atenção à vida contradiz a própria vida.122

Conforme a descrição da relação do corpo na vida do espírito, o cérebro é aqueleque orienta a atenção em direção ao futuro e o desvia da visão do passado, utilizando opassado apenas para completar a experiência presente. O passado é utilizado apenas nosentido pragmático da vida. É assim que o reconhecimento atentivo nos apresenta o mo-mento intuitivo, apenas enquanto passagem para a compreensão, ou seja, em direção aoatual, e não o enriquecimento do virtual em si. Resta ainda demonstrar a conversão daatenção, no que consiste a essência da temática bergsoniana.

Ora, como o cérebro é o órgão do presente eterno, minha vida interior deve serapreendida por uma volta reflexiva em direção ao eu profundo. É assim que, de certa forma,a atenção está na raiz da oposição entre o eu superficial e o eu profundo . O eu superficial,sujeito do pensamento preciso, da impersonalidade banal é distinto do eu profundo, que éduração viva, interioridade criadora, sucessão sem distinção. O eu profundo engendra o eusuperficial e projeta-se nele, de forma que o apreendemos através da reflexão; ao mesmotempo que o eu profundo é coberto pela superficialidade.

122 TROTIGNON, P. L’idée de vie chez Bergson. P. U.F., 1968, p. 525.

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Efetivamente o eu superficial atinge o eu profundo, obrigando-o a dividir-se em

imagens. Desta forma poderíamos dizer que o próprio eu profundo engendra o eu superfi-cial. Por outro lado, o eu superficial, pelo equilíbrio e pelo pensamento atento, permite umaliberdade maior de escolha, e conseqüentemente faz da percepção um momento mais rico eintenso. É assim que o eu superficial estabiliza a estrutura instável do eu espiritual. E é estaprópria estabilização que entretém a tensão do eu profundo em sua ligação com o corpofísico.

O erro da metafísica clássica consiste justamente no fato de perceber de maneiralinear, o que é na verdade o entrecruzamento de duas séries em um ponto.

Nossa percepção distinta é verdadeiramente comparável a um círculo fechado onde a imagem-percepção dirigida sobre o espírito e a imagem-lembrança lançadano espaço correriam uma atrás da outra.123

Duas correntes cruzam-se, portanto, no processo de interpretação. Primeiramenteuma corrente aferente parte do dado, em seguida uma corrente centrífuga procede da tota-lidade do eu espiritual, cujo princípio é a memória.

 A memória circulariza assim o progresso indefinido e retilíneo sobre o qual se iludeo associacionismo. É ela que fecha o circuito, ao recurvar o espírito sobre o afluxo extensivodo dado. Ela espiritualiza o puro sensível e totaliza o elementar.

Esse processo circular também não se faz bruscamente, mas de uma maneira gradu-al, fazendo com que a própria imagem, mediadora entre o presente e o passado, mude denatureza.

No processo aferente de espiritualização do sensível, toda percepção é transforma-da em memória. Somente pela fato de a percepção ser apreendida pela consciência ela já seespiritualiza. A inserção na memória é, portanto, contemporânea à percepção.

 A imagem que se impunha como uma coisa, torna-se agora dúctil como o espírito:quando ligada ao espaço, a imagem era imóvel como ele, agora ela flui no interior do fluxo

temporal da memória, e torna-se móvel. É assim que podemos falar de um momento imagéticoneste circuito intelectivo, onde ocorre uma espiritualização espontânea do sensível. Já asegunda metade deste movimento circular, ou seja, a totalidade do elementar será desenvol-vida no capítulo seguinte.

Dada essa circularização do pensamento reflexo, o eu profundo aparece entãocomo o verdadeiro revelador de imagens, pois é ele que assegura a apreensão – dinâmi-ca, sem dúvida – do real.

123 M. M., p. 113.

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Todo esse processo de circularização, de atualização e virtualização de imagens,

dá-se na relação corpo-espírito, ou seja, a partir do fenômeno. Dessa forma, embora opensamento bergsoniano colime a realidade espiritual, esta deve fundamentar-se na ciên-cia positiva, que abarca uma parte do real. Busquemos pois uma abordagem positiva doespírito, a partir dos fatos, segundo a descrição dos casos de doenças de memória.

Como espírito e matéria se tocam, metafísica e ciência vão poder, ao longo daface comum, pôr-se mutuamente à prova, esperando que o contato se torne fecundação.124

8. PA 8. PA 8. PA 8. PA 8. PA TOL TOL TOL TOL TOL OGIA D OGIA D OGIA D OGIA D OGIA D  A MEMÓRIA  A MEMÓRIA  A MEMÓRIA  A MEMÓRIA  A MEMÓRIA 

Nesse processo circular de vida uma lei impõe-se ao espírito, por um processocontínuo de interiorização e exteriorização de si mesmo. Entre a percepção da matéria e amanifestação de sua memória, entre uma contínua interiorização de impressões e umaatualização de seu eu, move-se o espírito.

Um processo sensório-motor permite ao espírito o equilíbrio, assim como con-dições de exteriorizar-se. Porém, no processo de conhecimento todo um conjunto deimagens acrescenta-se em direção ao objeto.

No primeiro caso, basta o objeto para despertar nossos movimentos de reaçãoou expressão. O segundo implica já uma atenção por parte do sujeito, que permitirá odesencadear do processo centrífugo e contínuo de intelecção. Vê-se assim que todomovimento de percepção do real implica primeiramente em um reconhecimento porparte do corpo, e em seguida em uma compreensão e interpretação por parte do espíri-to. É assim que, primeiro reconhecemos o som de uma palavra, para depois encontrar

seu sentido e então interpretá-la.Examinemos, pois, os casos de doença de memória que confirmam a tese berg-

soniana da relação corpo-espírito, e que fundamentam a possibilidade do processo in-tuitivo.

 As doenças de memória imaginativa que correspondem a lesões localizadas no córtex são sempre doenças de reconhecimento.125

124 P. M. (II Introd.), p. 23.125 M. M., p. 118.

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 Assim como Bergson distingue a memória-hábito da memória espiritual, dois

momentos distinguem-se no processo de reconhecimento e, portanto, a duas causasdeve-se atribuir os problemas de memória.

Ora o corpo não pode mais tomar a atitude precisa pela qual seleciona as lem-branças, ora as lembranças não encontram ponto de aplicação no corpo para materializa-rem-se.

 As lesões atingem, efetivamente, dois tipos de mecanismo: no primeiro caso se-rão atingidos os mecanismos automáticos que reagem a uma percepção vinda de fora, eportanto não permitem que a atenção seja fixada pelo objeto. No segundo, serão limitadosos centros imaginativos que preparam os mecanismos voluntários, fornecendo-lhes o an-

tecedente sensorial, e portanto o sujeito não consegue fixar sua atenção.No primeiro caso as lembranças são evocadas, mas não podem aplicar-se em

percepções. No segundo, as próprias lembranças não poderão ser evocadas.

Seja qual for a caso, serão sempre movimentos atuais ou os movimentos emvias de dar-se que serão destruidos, porém nossos momentos passados, ou nossa própriamemória, jamais é destruida. Qualquer abolição de imagens importará em uma lesão nocérebro, seja em seu esquema mecânico ou em seu esquema dinâmico, porém não háligação necessária entre as interrupções do córtex e o desaparecimento das lembranças.

Bergson demonstrou que a própria heterogeneidade absoluta entre o cérebro e

o psíquico nos impede compreender como as imagens poderiam dormitar nas células docórtice, e agora o estudo da afasia confirma essa impressão.

Para comprovar sua tese Bergson parte assim do reconhecimento auditivo depalavras, o qual compreende os seguintes momentos:

a) um processo automático sensório-motor, onde Bergson descreve a maneirapela qual a palavra ouvida é reconhecida pelo corpo.

b)uma projeção ativa de imagens , onde é estudada a maneira pela qual a palavra écompreendida pelo espírito.

Vejamos pois o primeiro passo, ou seja, a atividade inteligente do corpo, paradepois passarmos à inteligência do espírito:

a) Para eu entender uma conversação, ou seja, para que as lembranças se dei-xem evocar, são necessários movimentos automáticos que escondam e marquem os con-tornos salientes da palavra percebida.

Esses movimentos desenvolvem-se em nossa consciência sob forma de sensa-ções musculares nascentes, a que Bergson denomina esquema motor da palavra ouvida.Esse esquema consiste em coordenar as tendências motoras da voz às impressões recebi-das pelo ouvido.

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Se a nossa percepção é contínua, fazem-se necessários movimentos pelos quais

nós mesmos reconstituímos a imagem. Justamente por esses movimentos quebrarem acontinuidade da percepção, ou seja, por serem compostos por contrações muscularesmúltiplas, é que eles permitem que a inteligência do corpo aprenda e seja capaz de repro-duzir o que detecta.

Para tanto é necessário antes um trabalho de repetição que consiste em:

1) uma decomposição da palavra para que nosso órgão dos sentidos, auditivono caso, possa apreendê-la, pois ele não capta o contínuo.

2) uma recomposição interna da palavra, que a restabelece no seio da continui-dade sonora.

Nisto consiste a inteligência do corpo, a qual assegura a cada movimento suaautonomia. É esta autonomia de movimentos que confere precisão por parte do corpo,quanto ao ponto em que deve mobilizar. No entanto, esta autonomia não impede ao mo-vimento conservar sua solidariedade com os outros, caso contrário o movimento seriainútil. É assim que a repetição, ao reencontrar as linhas que marcam a estrutura interna domovimento total, permitem ao corpo compreendê-lo.

No entanto, posso compreender uma palavra, ou mesmo conhecer uma melodia,sem que eu necessariamente saiba pronunciar ou executá-las. Desta forma, segundo adescrição bergsoniana, a afasia motora não gera a surdez verbal .126 Isto significa queposso não saber executar um movimento ou pronunciar uma palavra, mas este fato nãoimplica em eu não compreendê-la.

Bergson distingue, assim, o fato de compreender do ato de executar : para com-preender basta distinguir o movimento em questão dos outros, mas para executá-lo faz-senecessário fazer o corpo compreender.

Existem assim sensações musculares nascentes, que são como um esboço para assensações reais. Não se trata, portanto, de ações simplesmente mecânicas, mas tambémnão se trata de um apelo à memória propriamente.

Ocorre que, no intervalo entre as impressões recebidas e o seu prolongamentoem movimentos, há um momento que não escapa ao controle habitual de nossa vonta-de, e que implica em um discernimento. Essa tendência automática exige sempre umtrabalho do espírito, por mais rudimentar que seja. E esses movimentos interiores são olimite entre o automatismo e a volição.

Bergson demonstra que, uma vez lesado o esquema motor, o reconhecimentotorna-se impossível, muito embora um outro tipo de reconhecimento permaneça. Tal é

126 M. M., p. 123.

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o caso de pacientes que descrevem determinado objeto citado, mas que não sabem utilizá-lo;

ou ainda aqueles que repetem o que lhes é dito corretamente, mas não sabem falar esponta-neamente.

O sujeito não sabe orientar-se, desenhar, isto é, decompor as impressões ou o obje-to em tendências motoras, ou desarticular a continuidade da percepção, no entanto as lem-branças permanecem. Elas continuam a ser evocadas, a encarnar-se em imagens distintas; ouseja, a memória contrai-se e as lembranças semelhantes destacam-se da totalidade da memó-ria: os primeiros momentos da atualização permanecem, o que falta é a última fase, a daação .

Vemos desta forma que o cérebro com seu esquema motor, não é apenas um órgão

inteligente de automatismo, mas é ele que permite ainda uma ligação das lembranças com omomento presente. Uma vez lesado, as lembranças não podem atualizar-se, porém perma-necem vivas.

Como os movimentos concomitantes da percepção estão desorganizados, a ima-gem-lembrança permanece inútil, ineficaz tal qual a lembrança pura, sem poder materiali-zar-se.

Eis assim um fato importante que confirma a tese bergsoniana da relação corpo-espírito: nos casos de cegueira e de surdez psíquicas ou verbais sobrevivem as lembranças.

 A lesão nestes casos; dá-se em um órgão do esquema motor , ou seja, no espaço. Aslembranças, ou a memória, permanecem; é apenas sua atualização que é comprometida.

Isto nos prova que o espírito constitui uma realidade independente do corpo físico,muito embora dependa do corpo para agir.

 As lesões cerebrais não atingem a idéia ou a lembrança pura; porém, ao atingir osmovimentos que servem para articular ou exprimi-las, ao romper o vínculo que as une, elasparalisam as lembranças e as impedem de materializar-se.

Fica claro assim o papel do corpo, assim como seus limites. Na medida exata ondeo pensamento tem necessidade de movimentos, de esquemas motores e de articulações motorasdeve-se dizer que o cérebro condiciona o pensamento .

Dado um estado psicológico, a parte vivida deste estado, aquela que se traduziriapor atitudes ou ações do corpo, é representada no cérebro; o resto é independente e nãopossui equivalente cerebral. Vemos assim, não só que o espírito constitui uma realidadeindependente do cérebro, como também que ele contém muito mais do que o cérebro podepresentificar.

Um mesmo estado cerebral pode corresponder a vários estados psicológicosdiferentes. O cérebro é condição necessária, mas não suficiente para o espírito. Eis por-

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que seu papel é sobretudo manifesto nos fenômenos de ausência de lembranças. A própria

desarticulação da continuidade espiritual pelo cérebro impede a visão de sua totalidade.Há em um estado de alma muito mais que em um movimento molecular corres-

pondente, haja vista a própria necessidade de redução do todo e de contração da memória,para que o espírito possa inserir-se no físico.

O cérebro é pois o órgão da alma, enquanto instrumento do qual o espírito serve-se para penetrar as coisas, mas não é o equivalente do espírito. A continuidade da vidaespiritual contém infinitamente coisas mais sutis e delicadas que um gesto não poderia ja-mais abranger. Todo o corpo físico, pela sua própria densidade, impede a manifestação dasmil sutilezas que o espírito vive. Na verdade, é seu próprio peso que faz com que a memória

contraia-se ao inserir-se no mundo natural.

Há muito mais nuâncias na sensibilidade espiritual do que em nossos órgãos dossentidos. Possuímos muito mais maneiras de responder do que o mundo exterior de interro-gar. Isto que torna nossa conduta menos previsível, e portanto nossa espontaneidade maisagressiva. Sabendo dilatar a consciência na vida do espírito, portanto, permitimo-nos sem-pre acrescentar algo de novo, mesmo às circunstâncias repetitivas.

...l’âme omnipresente, omniabsente l’âme liée au corps, mais aussi hors de lui;l’âme qui est dans le corps comme le corps est dans l’âme! 127

 Assim encontra-se singularmente esclarecido o problema da união alma e corpo naexistência. Os fatos colocados à luz por Bergson tornam inconcebível o materialismo sobtodas as suas formas. Eles não só confirmam o espiritualismo como, mais adiante, o filósofoconfere-lhes um papel dinâmico e criador.

Por mais que corpo e alma constituam uma mesma realidade no tempo, porém denaturezas diferentes, toda matéria é por demais simples, pobre e grosseira para fixar a pleni-tude concreta do espírito. Eis porque para um conhecimento intelectual ou espiritual não sepode jamais concluir do signo ao sentido, mas sim do pensamento ao cérebro. Vejamos

como isso é possível pela descrição bergsoniana das projeções de lembranças na atividadeintelectiva.

Vimos na experiência concreta do reconhecimento auditivo a necessidade do equi-líbrio sensório-motor para o espírito poder agir com precisão. A primeira parte, o processo sensório-motor do reconhecimento permite-nos afirmar, na experiência concreta, a realida-de do espírito como sendo independente do corpo físico. A própria ausência de um esquema

127 JANKÉLÉVITCH, V. Henri Bergson, p. 96.

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motor sadio não destrói a vida interior. Vejamos agora, o segundo momento do reconheci-

mento auditivo, ou seja, a projeção ativa de lembranças-imagens. Veremos que, embora aslembranças não sejam evocadas, elas sobrevivem, não mais ao físico, mas agora à própriaaudição mental.

Se no primeiro momento a lesão no corpo físico não destrói o espírito, tambémem um segundo momento a diminuição de função do esquema dinâmico ou da consciênciapsicológica em nada altera o ser da memória.

b) Já neste segundo momento, ao contrário do primeiro, o reconhecimentoautomático permanece, mas o que parece desaparecer são as lembranças puras. Mas seráque a lembrança em si desaparece? Ora, quando Bergson fala em lembrança  pura, é

porque ela não é mais de natureza psicológica, mas espiritual, e por isso mesmo impere-cível. O que é então que desaparece?

Ora, se as lembranças fossem depositadas no córtex cerebral, constatar-se-ia aperda irrecuperável de determinadas palavras. No entanto, se por vezes é a totalidade delembranças que desaparece, a audição mental não é abolida; por vezes, assiste-se a umenfraquecimento geral desta função, mas é ordinariamente a função que é diminuída, e não o número de lembranças .128

Vimos que nos pacientes com problemas do esquema motor, isto deve-se a umalesão no cérebro; já nos pacientes com problemas do esquema dinâmico, isto deve-se a

uma diminuição de função: no primeiro caso a lesão dá-se na atividade presente e espa-cial, no segundo a função dá-se no tempo e na atividade ainda virtual.

É assim que pode-se chamar a afasia de doença do tempo . Muito embora aslembranças necessitem do órgão cerebral, a função não tem sede nos sistemas nervosos.É no momento de esperar, de escolher, de olhar em direção ao futuro que a função éenfraquecida. É, portanto, parte do movimento de atualização que é enfraquecida, emum momento anterior à expressão pelos órgãos materiais.

Sabemos que as lembranças, para atualizarem-se, necessitam de um adjuvantemotor, e que elas exigem, para serem evocadas, uma espécie de atitude mental, inseridaela mesma em uma atitude corporal.

E em que consiste esta atitude mental?

Os centros de onde nascem as sensações podem ser acionados por um objetopresente e real, ou por um objeto ausente e portanto virtual. No primeiro caso, são osórgãos dos sentidos que são atingidos; no caso de um objeto virtual serão os centros deimagem que serão acionados.

128 M. M., p. 131.

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 Assim sendo, uma causa psíquica pode acionar nossos sentidos, porém só os senti-

dos internos. Ora, se a ciência localiza a diminuição da função por uma lesão no órgão físico,como se explica o desaparecimento de imagens, se estas não residem na substância cerebral?

 Acontece que possuímos, tal qual os órgãos dos sentidos, órgãos internos, os quaissão acionados por uma multidão de sensações virtuais. Se, quando de uma lesão no cérebro,as lembranças não podem dividir-se em imagens, é porque a região de imagens atingidaocupa a lugar simétrico do órgão dos sentidos.129

Ora, seria inconcebível que a relação corpo e espírito fosse direta, sem um corpomental intermediário, fluídico, menos denso e que gradualmente atingisse o espírito. Comoconceber a própria memória espiritual sem um recipiente fluídico que vinculasse os momen-

tos uns aos outros?Na vida material o espírito está ligado ao corpo pelo intermediário deste corpo

mental, o qual está tão aderido ao corpo físico, que qualquer modificação mórbida na célulanervosa do cérebro equivale a uma alteração das funções dinâmicas do espírito.

É assim que para poder agir sobre a matéria o espírito necessita de um intermediá-rio de natureza fluídica, que lhe confira acesso à ação. O espírito, por si só, permaneceriasempre no inconsciente, se não houvesse esses órgãos imagéticos que lhe dinamizassem aslembranças e idéias.

Mesmo a memória não seria tal, se não houvesse um órgão fluídico que fixasse osseus momentos. Se, como nos diz Ravaisson, a materialidade nos coloca o esquecimen- to ,,,,,130 é porque o corpo fluídico, ao aderir-se ao corpo material, passa a ter uma tensãomenor, suas vibrações são mais lentas, e impedem que o inconsciente manifeste-se nocorpo denso.

 Assim como na natureza não há, jamais, perda de energia cósmica, mas apenas transformação incessante, assim também nada se perde do que abala o espírito humano.131

Desta forma todo o cabedal acumulado em nosso espírito – conhecimento, even-tos, idéias, lembranças – sobrevive, e parte dele, em sintonia com a presente, tem condiçãode manifestar-se.

 Ao reportar-se à questão da imortalidade da alma, Chevalier nos coloca o seguinte:

129 M. M., p. 144.130 RAVAISSON, La Philosophie en France au XIX Siécle , 3. éd., p. 176.131 RICHET, Origines et Modalités de la Mémoire. (Révue Philosophique – junho 1886).

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Nas questões atuais, uma idéia, como a lembrança pura, só pode ser atualizada,

e conseqüentemente transmitida, se articulada pelo órgão de um cérebro. Eis  porque, se nada impede a transmissão à distância do pensamento entre os vivos (....) não nos parece possível que as almas desencarnadas possam comunicar-se com os viventes, toda comunicação de pensamento a pensamento fazendo-se  por meio de una comunicação de corpo a corpo. Nenhuma surpresa, então, de que os fatos aqui sejam mudos.132

E o que nos leva a crer que os desencarnados não possuam esse corpo psíquico,pelo qual pudessem comunicar-se?

O espírito e o corpo psíquico formam um todo indivisível, constituindo no conjun-

to as partes ativa e passiva, ou seja, as duas faces do princípio pensante. O corpo psíquicotem a função de reter todos os estados da consciência. É ele o reservatório de todos osconhecimentos e, como nada se perde na natureza, sendo o corpo psíquico indestrutível, oespírito possui sua memória integral quando liberto do corpo físico.

É assim que, ao mesmo tempo em que é percebida a sensação, ou em que é compre-endida uma idéia, o corpo psíquico, que transmitiu ao espírito o movimento, registrou-a.

Cada período da vida deixa na trama fluídica impressões sucessivas indeléveis,formadas por associações dinâmicas, as quais vão superpondo-se umas às outras em cama-das, que interpenetram-se na memória, sem se confundir.

Fez-se necessário esse parêntese para descrever como se constitui a memória, e emque espírito e memória identificam-se.

Falávamos da necessidade da atitude mental no processo de atualização sem a qual,segundo Bergson, torna-se impossível as lembranças encontrarem um ponto de aplicaçãopara expressarem-se pelos órgãos sensíveis.

Tal é o caso do sujeito que não consegue apreender as lembranças acústicas. Ele ficaem torno da imagem sem poder colocar-se diante dela. Daí a necessidade de indicar-lhe umasílaba, para que se abra caminho por onde a lembrança se manifestar. O que ocorre aqui é

uma inaptidão para mobilizar as palavras interiores; a palavra interior subsiste, mas o conta-to é perdido entre o pensamento e a melodia verbal – é a atualização dinâmica que é atingi-da. Não é a vida afetiva que é atingida nesses casos enquanto tal, mas a sensibilidade enquan-to apelo a ação, ou como dizia Pierre Janet, a função do real .133

Segundo Bergson, para acompanhar as idéias do interlocutor em uma conver-sação é necessário que o ouvinte se coloque de vez entre as idéias correspondentes e as 

132 CHEVALIER, J. Bergson, p. 188. Paris, 1926.133 JANET, P. Les Obssessions de la Psychasténie , t. I, p. 477, 448.

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desenvolva em representações auditivas.134 Seguir um cálculo, diz o filósofo, é refazê-lo por

sua própria conta. Compreender a palavra de outrem consiste em reconstituir inteligente-mente a continuidade de sons a partir de idéias .

Reconhecer com atenção consiste em uma operação, pela qual o espírito, uma vezescolhido seu nível, deixe fluir em direção ao presente as lembranças que vão projetar-se. Aobuscar essa compreensão, o ouvinte coloca-se em uma certa disposição que varia de acordocom o interlocutor, com a língua, com o movimento geral da frase. Nosso esquema motor,seguindo a curva de seu pensamento, mostra ao nosso pensamento o caminho. Ele é o recipiente vazio (...) onde a massa fluídica tende a precipitar-se.135

Bergson nos fala assim de uma certa disposição do trabalho intelectual, que é o

verdadeiro ponto de partida da interpretação. O espírito em geral não basta para orientar ospassos criadores, como a invenção ou intelecção; eles reclamam uma autoridade menosdifusa: tal é o esquema dinâmico , que é verdadeiramente um concentrado de memória. Apenas o esquema dinâmico tem o poder do começo. Ele é a ponta da alma; nele o eucontrai-se, afila-se para as inspirações do gênio.

Ora, se o início da atividade intelectiva está na memória, neste circuito contínuo deinteriorização e exteriorização, Bergson, no entanto, coloca um acento sobre o afluxo, e nãosobre o fluxo do processo perceptivo.

Nós não vamos da percepção à idéia, mas da idéia à percepção, e o processo característico do reconhecimento não é centrípeto, mas centrífugo.136

Ora, é o sentido que inspira as palavras, e não o contrário. A palavra é uma simplessugestão, um apelo lançado pelo nosso esquema motor à memória, uma simples referênciapara o espírito opor-lhe o esquema dinâmico.

 A inspiração do gênio, do artista, do filósofo, não vem do objeto, mas da expansãoda memória, que permite sintonizar-se com um mundo cada vez mais rico que caracteriza oobjeto ou o momento presente. E quanto maior essa dilatação da memória, maior a profun-

didade de nossa visão do objeto.O artista traz consigo todo o seu lastro espiritual, pois sua inspiração implica a idéia

de um mundo interior mais rico, mais fecundo e mais intenso que a própria natureza.

Se partirmos de um processo centrípeto para a criação, estaremos limitados a repe-tir o que já existia. As coisas por si próprias nada acrescentam a si, permanecem sempre

134 M. M., p. 129.135 Idem, p. 135.136 Idem, p. 145.

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as mesmas. Já o espírito, inspirado pela própria bagagem de tempo e de qualidades, pode

dilatar sua visão em um enriquecimento cada vez maior de si mesmo.Dada a ausência de memória que caracteriza o mundo exterior, as coisas são iguais

em todos os seus momentos, e nada nos oferecem de criativo. Passam a fazer parte de nossamemória em forma de representações sensíveis, mas que são sempre as mesmas. Nossoespírito é que lhes projeta algo de si mesmo, de forma a enriquecer sua visão, por um reflexode si mesmo.

Não são, portanto, as coisas que nos sugerem sua beleza, é o eu que as torna expres-sivas. Eis porque os espíritos mais elevados vivem cada situação mais intensamente. Aosespíritos vulgares tudo é inexpressivo, mas para aqueles que vivem sintonizados com o me-

lhor de si mesmos tudo é novo, emocionante e significativo. Quanto maior a expressão damemória, mais intenso e profundo será a momento presente.

 Já na mais humilde percepção nossa memória executa o papel de inspiradora pelaslembranças e idéias, que somente ela projeta. A inteligência que se esforça, iluminando osproblemas, colocando-se acima do mundo natural em que está inserida, abre um caminhoainda maior para a passagem do espírito.

Neste movimento circular do espírito o presente é apenas evocador; o passado éque é sugestivo. Nós não reconstruímos o passado a partir do presente, mas colocamo-nosd’emblée no passado – este passado virtual que somos nós mesmos e que nos projeta à ação.

 A atividade da memória é impulsiva e não regressiva.O essencial não tem portanto evocação, mas reconhecimento. É antes a lembrança

que sugere a sensação. O esquema motor sugere apenas as pré-noções que lançaremos dian-te da percepção.

 Assim, para chegarmos ao método intuitivo foi necessário partir da decomposição dapercepção, para depois recompô-la no reconhecimento. Desta forma estaremos abrindo cami-nho para que o espírito ressurja em sua pureza e passe ao seu papel legítimo de criador.

O esforço intelectual move-se, portanto, de cima para baixo no interior do coneimaginado em Matéria e Memória, e sua verticalidade é necessária pela riqueza que o espí-rito traz em si, a qual deve inspirar ao máximo a consciência, tornando-a mais expressiva eeloqüente.

 A porção de nós mesmos interessada nesses encontros é mais ou menos superficial,conforme se trate de percepção ou de intelecção propriamente dita. Por outro lado, confor-me será visto no próximo capítulo, é o eu inteiro que está em cada um desses estados. Ésempre nosso passado integral que toma contato com o dado a ser compreendido.

No entanto, os associacionistas afirmam que não há verdadeiramente uma vidado espírito, mas apenas uma associação mecânica de representações justapostas, as quais

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surgem da periferia para o centro. Afirmam ainda que estas representações são apenas

um reflexo mais concentrado das coisas, antes que pensamentos.Ora, certamente que a vida do espírito é despertada pelo mundo exterior, po-

rém a síntese das representações procede de um esforço interno, e efetua-se sob a formade um progresso contínuo, onde fundem-se uns nos outros os termos, mesmo de natu-reza diferente.

O trabalho intelectivo parte, portanto, das idéias, as quais condensam-se emimagens auditivas, distintas e fluídicas ainda, as quais vão solidificar-se com os sonspercebidos materialmente.137

Bergson nos demonstra, assim, que o que desaparece nos pacientes com dese-quilíbrio do esquema dinâmico são os dois primeiros aspectos da atualização, os quaisdependem de uma atitude psíquica. O primeiro consiste em uma contração da memória,que afila-se, mas que se posiciona primeiramente por inteira. Sabemos que o espírito éorganizado em níveis de tensão e qualidade, assim sendo, nesse caso, é a totalidade quese desagrega e não as partes. Ora, não se evoca o sentido de um texto palavra porpalavra, nem as lembranças neurônio por neurônio.

Uma vez estabelecido seu nível, a memória demonstra ao cérebro a face de simesma que está em sintonia com a atenção presente. Neste segundo momento instalo-meem uma região do passado; é onde a lembrança surge, para então passar à consciência

psicológica, ou seja, tornar-se imagem. Já os momentos seguintes de atualização dependem da sensório-motricidade, e

de atitudes do corpo. Quaisquer que sejam a solidariedade e complementaridade dessasduas dimensões, uma nunca anula completamente a outra.

Quando são apenas os movimentos do reconhecimento automático que são atin-gidos, a lembrança conserva sua atualização psíquica, ela simplesmente não pode prolon-gar-se em movimento: o último estágio da atualização tornou-se impossível. Quandosão os movimentos do reconhecimento atento que são atingidos em seu dinamismo, aatualização psíquica é muito mais comprometida que no caso precedente – pois, aqui, a

atitude corporal é realmente uma condição da atitude mental.Bergson insiste ainda que nenhuma lembrança se destrói, mas que ocorre ape-

nas uma ruptura de equilíbrio. Na verdade, os dois primeiros aspectos da atualizaçãopermanecem, mas eles são apenas dissociados, pela falta de uma atitude corporal ondepossam inserir-se. Por vezes a memória contrai-se, mas não há formação de lembranças-imagens; por vezes, ao contrário, as imagens distintas dão-se, porém, isoladas da memó-ria e sem solidariedade com as outras lembranças.

137 M. M., p. 135.

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Portanto, a doença não abole o espírito nem as lembranças, mas apenas com-

promete sua atualização, ora em sua ação psíquica, ora em sua ação motora. Destaforma, é no espírito que conservam-se e atualizam-se os arquivos de toda vida mental efísica.

 Até aqui examinamos a memória apenas em sua conjugação com a percepção,de sorte que ela aparecia ainda como que subordinada e de certa forma dependentedesta.

 Ao contrário, o estudo da lembrança pura nos demonstra que o canal, por ondepassam as reminiscências do passado, abre-se sobre uma zona imensa: o mundo de nossopassado, com existência própria e vida autônoma em relação ao mundo presente.

Bergson define-nos, desta forma, um inconsciente psicológico e um inconsciente ontológico . Aquele vive o movimento da lembrança em vias de atualizar-se, este corres-ponde à lembrança em seu estado puro.

O bergsonismo nos ensina, ainda, que o espírito não deve acomodar-se e per-manecer confinado em uma memória insensível. Ele quereria, saindo de si mesmo, bus-car realidades que o nutram e que lhe sejam verdadeiramente positivas. Disto discorre anecessidade do contato do eu original com a realidade buscada, para que seja possívelesta criação de si mesmo, o que por sua vez, só é possível através da intuição .

 Ao se pretender fundamentar a intuição, assim como verificar as condições emque ela se dá, é da experiência pura que devemos partir, ou seja, do espírito em si.

Partiu-se da consciência reflexa e estabeleceram-se linhas divergentes na naturezana percepção, para então uni-las no processo psicológico do reconhecimento, ou seja, deatualização do espírito. Somente que, neste nível, não se dispõe de um ponto de unidadeverdadeiro entre as diferentes realidades.

O verdadeiro ponto de unidade deve dar conta do misto, do outro lado do “tournant” da experiência. Para tanto, faz-se necessário partir agora do ser em-si, e inserir-se no espírito enquanto realidade ontológica. Somente neste momento, será possível apreen-

der a realidade, sintonizar-se com a movimento e a qualidade das coisas, sem com issodividi-las ou reduzi-las.

Veremos assim que, conforme Matéria e Memória, a psicologia não é mais queuma abertura para a ontologia, um trampolim para a inserção no ser.

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IV IV IV IV IV 

INTEGRAÇÃO INTEGRAÇÃO INTEGRAÇÃO INTEGRAÇÃO INTEGRAÇÃO ESPIRITU ESPIRITU ESPIRITU ESPIRITU ESPIRITU  AL: AL: AL: AL: AL:

 A UNID  A UNID  A UNID  A UNID  A UNID  ADE  ADE  ADE  ADE  ADE 

O homem infinito, guiado pelo intelecto, transcende-o 

e abre caminho até a fonte de onde a alma brotou.

O intelecto é então deixado de lado com suas 

impurezas, e a alma é absorvida na pura unidade.

Nesse momento, a imagem interior reflete ao mesmo 

tempo sujeito e objeto – torna-se onisciente.

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U

138 M. M., p. 205.

ma vez colocado o problema, uma vez estabelecidas as diferenças na- turais entre corpo e espírito, foram dadas condições de atingir a expe-riência intuitiva, por um apelo da consciência reflexa à realidade es-

sencial, à linha subjetiva, ou seja, o espírito. Dividiu-se assim a realidade em seu estadomisto, ou seja, no momento em que o espírito encontra-se em seu estado natural, em sua

condição de ser inserido na matéria. A linha subjetiva ou do tempo compreende em si todas as diferenças qualitati-

vas, no ponto em que ela se define como alteração com relação a si mesma. A linha objetivaou espacial apresenta exclusivamente diferenças de grau, no ponto em que ela aparece comoesquema de redução de uma divisibilidade indefinida. Da mesma forma, a memória é essen-cialmente mudança, diferença e portanto criação, enquanto a matéria é essencialmente repe-tição.

Mais além, partiu-se deste dualismo refletido para um monismo refletido , ondeespírito e matéria unem-se na experiência humana, em direção ao momento presente e

portanto material. É neste ponto que encontra-se o que Bergson denomina o tournant  naexperiência humana.

Esses dois estágios constituíram-se assim, como fundamento psicológico, atravésda experiência concreta da percepção e do reconhecimento, para uma metafísica possível.Partindo do mundo imagético em-si chegamos ao  para-si  psicológico, para agora entãoalcançarmos o plano ontológico do ser em-si.

Mas, está claro que neste nível, ou seja, neste ponto de convergência, não dispomosainda de um ponto de unidade verdadeiro.

O ponto de unidade legítimo deve dar conta do misto, do outro lado do “tournant” da experiência, e não confundir-se com ele na experiência. Se o misto representa o fato, énecessário buscar as puras presenças além dele. Nossos falsos problemas vêm justamente dofato de não conseguirmos ultrapassar a experiência humana para reencontrar a realidadeem seu estado puro e original. Se intuir é transcender, para tanto faz-se necessário:

... buscar a experiência em sua fonte, ou melhor acima do “tournant” decisi- vo onde, flexionando-se em direção a nossa utilidade, ela torna-se a experi- ência humana propriamente. 138

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139 M. M., p. 206.

Se é exatamente nesse tournant que a consciência reflexa estabelece as diferenças

de natureza, será além dele que a intuição se inserirá pela integração das realidades, o queconstitui o trabalho extremo da pesquisa filosófica.

Se em um primeiro momento reuniram-se os elementos de diferentes naturezas emdireção à vida pragmática e no espaço, trata-se agora de reuni-los de forma a que se possaapreendê-los em sua natureza constituinte e temporal.

Uma vez seguidas as linhas , é necessário reencontrar o ponto original onde elas serecortam, e onde as tendências divergentes renovam-se para encontrar a coisa tal qual aconhecemos; não no ponto de onde partimos, mas em um ponto virtual além, ou melhor,aquém da experiência humana, e que nos fornecerá a razão da coisa, do misto, do ponto de

partida.

Há, portanto, dois momentos decisivos no processo intuitivo, e que constituem oque Bergson chama a  precisão  em filosofia. No primeiro a determinação de cada linhaimplica uma espécie de contração onde os fatos aparentemente diversos encontram-se agru-pados segundo afinidades grupais. Por outro lado, impelimos cada linha para além dotournant, até onde ela ultrapassa nossa experiência, por uma prodigiosa dilatação , que nosforça a pensar uma percepção pura e idêntica a toda matéria, e uma memória pura e idênticaà totalidade do passado. Dilatando-se, a consciência tende não somente a recobrir à totali-dade do real, mas a identificar-se com ela.

... uma vez instalados no que chamamos o “tournant” da experiência, quando aproveitou-se o clarão nascente que, ao iluminar a passagem do imediato ao útil, inicia a aurora de nossa experiência humana, resta-nos reconstituir com os elementos infinitamente pequenos que percebemos assim da curva real, a formada própria curva que estende-se na obscuridade por detrás deles. 139

Desta forma o método bergsoniano apresenta dois aspectos: um dualismo existen-cial e um monismo essencial, o qual constitui a própria gênese da totalidade das coisas.Efetivamente, dois são os movimentos de nosso espírito na aplicação do método: tournant 

et retournement .

Se voltarmos ao movimento de divisão do método, teremos de um lado o espaçono qual os objetos variam gradativamente, em uma homogeneidade; na linha do tempo ouda duração, a realidade tende a portar todas diferenças de natureza, pois que ela é dotada dopoder de variar qualitativamente. Efetivamente, Bergson nos oferece meios de escolher o“bon côté ”, ou seja, a lado da essência, no qual o espírito deve prolongar-se, de forma a

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reconciliar-se com a realidade que precede a experiência humana, com o próprio movimen-

to gerador das coisas e de idéias.Se a matéria e o espaço são realidades exteriores a nós, e ao mesmo tempo para- 

nós , é no plano da duração, da memória ou do espírito que se faz necessário dilatar-se, paracaptar a realidade em-si . Assim sendo, não mais haverá um dualismo entre grau e natureza,mas todos os graus passam a coexistir em uma mesma natureza.

Parece incoerente o fato de Bergson criticar a psicologia por não saber definir arealidade em suas diferenças naturais, e no entanto seu próprio método culminar em umadiferença de grau. Acontece que a diferença de grau, como a psicologia a concebe, parte deuma realidade impura e humana, onde era impossível afirmar a positividade do espírito. Já

o dualismo bergsoniano consiste em partes de uma realidade pura e espiritual, portantointuída. A visão a partir da interioridade é una e total, o sentimento de qualidade do mo-mento pode apreender virtualmente o todo, diluindo-se os dualismos.

E como Bergson conferiu tanta importância à realidade virtual , em um momentoonde ele mesmo recusa a categoria do possível ?

Bergson distingue os termos sob dois pontos de vista. Em primeiro lugar o possível opõe-se ao real , porém o virtual opõe-se ao atual , conseqüentemente o possível não possuirealidade; o virtual, inversamente, não é atual, mas consiste em uma realidade e, enquantotal, sempre a ponto de se manifestar.

Em segundo lugar, tudo aquilo que é possível está ainda em processo de realização,e portanto submetido à semelhança e à limitação, Ora, o próprio termo possibilidade impli-ca em outros caminhos além do original. Já o virtual não necessita realizar-se, mas apenasatualizar-se; e a atualização tem por regras não a semelhança e limitação, mas sim a diferençae a criação .

É justamente à confusão desses termos, que se deve a inaptidão de certas teoriaspara aceitar a realidade independente do espírito. Vejamos pois qual é essa realidade virtualna qual devemos nos inserir para que o contato intuitivo se dê.

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1. MEMÓRIA ONTOLÓGICA 1. MEMÓRIA ONTOLÓGICA 1. MEMÓRIA ONTOLÓGICA 1. MEMÓRIA ONTOLÓGICA 1. MEMÓRIA ONTOLÓGICA 

Ora é a memória que faz toda profundeza do homem ...140

O exame da consciência reflexa nos conduziu, efetivamente, a umareinterpretação do papel do eu pensante. O entendimento humano, ao vivenciar seu papelde redução e repetição da realidade, relativiza-se diante do absoluto que o transcende.

Se, o cogito cartesiano abre acesso ao eu pensante como condição do conhecimen-to, para a intuição bergsoniana, ao contrário, o acesso ao conhecimento faz-se por umacesso à interioridade do ser.

Ora, conforme demonstra Bergson, nosso entendimento apenas estabelece rela-ções entre o que já existe, ele nada cria a partir de si mesmo, ele não possui acesso aoconhecimento transcendente. O eu cognoscente é o ser , enquanto memória que porta em sitodos seus momentos, conhecimentos, faculdades e sentimentos.

 A consciência reflexa, conforme visto no último capítulo, é tornada dimensão psi- cológica apenas, ela não constitui o eu pessoal e concreto. Ao contrário, a memória, em suascamadas superficiais, quanto mais próxima do plano presente ou da materialidade, maisimpessoal e banal tende a ser em sua ação, mas em suas camadas profundas encontra-se todoum acervo pessoal de vivências passadas.

Persiste-se em tratar a memória apenas como sendo uma agenda da alma. Ora,

muito mais do que isso, ela é o semblante espiritual de uma duração interior a si. Nossapessoa é um mundo onde nada se perde, um meio continuamente suscetível, onde a menorvibração desperta profundas sonoridades. Ela é o que continua infinitos momentos, cujoconjunto forma, a todo momento, o presente de nossa pessoa inteira.

Com efeito, se o verdadeiro conhecimento só se faz por um contato regeneradorcom o espírito, com esse reservatório infinito de momentos, somente a partir do eu ontoló-gico é possível um conhecimento transcendente.

 Afinal é o nosso eu inteiro, nosso passado integral que toma contato com o dado.Disto decorre a necessidade de dilatarmos cada vez mais nossa memória, buscarmos suascamadas mais profundas, para que seja possível tornar mais expressivo e significativo o

momento presente.Bergson, desta forma, empresta ao ser uma dimensão mais profunda e, portanto,

mais original do que a de uma entidade atualmente pensante. Essa profundidade consiste notesouro de experiência, o qual, por sua vez, constitui o grau de riqueza que cada ser porta emsi.

 A memória é o guardião fiel, o acervo imperecível do nosso passado. Nela fixaram-se as leis de nosso desenvolvimento, tornando-a conservadora de nossa personalidade. Nos-

140 PÉGUY, C. La Note Conjointe (in: LAGARDE – MICHARD, XX e  siècle ), p. 170.

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141 M. M., p. 270-271.

sa personalidade passa a ser assim produto de uma testemunha viva que conserva e gera a si

mesma, formando uma bagagem crescente, qual tesouro incessamente enriquecido. Consti-tui ela um panorama imponente e severo, no qual pode-se ler os ensinamentos do passado ediscernir os momentos do devir. Enquanto conservação criadora, a memória tende areconstituir a cada instante sua própria totalidade.

Vemos desta forma que espírito e memória confundem-se:

... Mas a lembrança pura é uma manifestação espiritual. Com a memória esta- mos verdadeiramente no domínio do espírito.141

Ora, enquanto conservação e aptidão de evocação de uma duração tornada espiri-tual, nossa memória constitui o signo e a causa de nossa espiritualidade. Se o presente doespírito é carregado de pensamentos graças à memória, por isso mesmo ela permite ao seresquivar-se ao determinismo do momento. Conservando-lhe o passado, a memória impulsi-ona o espírito para criações imprevisíveis, e faz dele gerador contínuo de si mesmo.

Platão já atribuía o conhecimento das idéias a uma reminiscência interior. Santo Agostinho definia a memória como sendo a substância da alma que nutre a inteligência e avontade. Charles Péguy dizia constituir a memória toda a profundeza do  homem. Pois bem,para Bergson, a memória não consiste apenas em uma faculdade especial do espírito, nemsomente em uma propriedade da duração, mas em uma bagagem ontológica, no ser queanima a própria vida presente.

Toda individualidade enraíza-se, com efeito, no seio de uma realidade muito maisprofunda, cujo movimento anima a consciência presente. Neste sentido a memória pode serconsiderada constituinte ou constituída. A memória constituinte faz de nossa vida como queum tecido de impalpáveis tradições, que cada momento da duração delega ao momentoseguinte. Mas a memória não é somente a continuação do presente, ela é também sobrevi-vência do passado. Nisto consiste a memória constituída, a qual, sendo depósito e produtodo devir, torna-se capaz de subtrair-se ao futuro. A mesma experiência que totaliza passadoe presente em uma experiência renovada permite ao pretérito escapar à sucessão devorantedas percepções.

É a memória constituída, efetivamente, que deve dilatar-se no esforço intuitivo,pois ela consiste em uma realidade em-si mesma, e portanto, mais próxima da realidadeoriginal e geradora das coisas. Somente a memória constituída possui função ontológica eespiritual, já a memória constituinte possui uma dimensão antes psicológica.

Mas, perguntaremos, em que espírito e memória diferem-se?

 A memória está mergulhada na inconsciência. Tanto é assim que, àquele que seabandonasse ao plano dos sonhos, ela se revelaria inteiramente, porém o sonho é uma

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atividade inferior do espírito. Já o espírito é consciência; é ele que constitui o sujeito agente,

cognoscente e criador.Por outro lado, a memória é habitada por lembranças das quais muitas são apenas

colhidas em estado de distração; o espírito é concentração, pensamento e a-tensão. Destaforma, nossa experiência, ou nosso objeto de conhecimento, será mais ou menos rico, se-gundo a tonalidade da totalidade da memória pessoal, a qual por sua vez varia segundo oesforço de tensão do espírito.

Se Bergson critica a confusão entre teoria do conhecimento e teoria da ação que asvárias escolas operam, o conhecimento legítimo identifica-se agora com a teoria do ser. Oreino do espírito, para Bergson, não é o repouso em um absoluto inerte, mas a criação livre.

 Assim como na vida animal a criação faz-se sob forma de ação, a vida espiritual é criaçãolivre sob forma de simpatia com o princípio gerador de todas as coisas. O ato de conhecer passa a coincidir com a totalidade do ser, na medida em que o ser insere-se no impulsofundamental da vida.

Porém, o ser real em sua totalidade não é o ser da consciência psicológica. O serpresente é apenas expressão do ser-passado em-si. O conhecimento deve dar-se em ummomento anterior ao ser presente.

... o momento presente é constituído pelo corte quase instantâneo que nossa percepção opera na massa em vias de fluir-se, e este corte é precisamente o que 

chamamos de mundo material. 142

Ora, se nossa percepção exige esse corte da realidade para que ela possa dar-se, faz-senecessário captar o movimento do objeto, anterior ao seu nascimento, em seu fluir gerador.No caso da intuição espiritual, esse fluir gerador consiste justamente nessa totalidade do ser,em cujo fluxo passado e futuro fundem-se, e que constituem a bagagem do espírito.

Efetivamente, a teoria bergsoniana do conhecimento constitui-se sobre o fundo deuma ontologia, sempre em vias de constituição. O pensar em duração participa interiormen-te da geração do objeto. Mais do que pensar o objeto, neste ato de intuição, o sujeito iden-

tifica o seu ser com o próprio ato gerador do objeto. É assim que pensar em duração consisteem simpatizar com a temporalidade constituinte do objeto. E como apreender a temporali-dade constituída do ser?

Essencialmente virtual, o passado só pode ser apreendido por nós como passado se seguirmos e adotarmos o movimento pelo qual ele manifesta-se em imagem presente, emergindo das trevas para a luz do dia.143

142 M. M., p. 154.143 Idem, p. 150.

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Filosofar não é, portanto, especular sobre a realidade do objeto. Esse papel

cabe antes à ciência. Filosofar consiste em, partindo da realidade espiritual, coincidircom a realidade buscada, orientando o pensamento no movimento em que a vida criaráas novas formas, sobretudo a forma de sua tomada de consciência. É este o momentoalém do tournant , ao qual Bergson se refere. Filosofar é comungar com a verdade, emum movimento transcendente e com vistas à superação da humanidade.

Se nossa condição implica em uma decomposição do todo para que ele possaser apreendido pela consciência, somente a intuição, enquanto atividade espiritual, per-mite captar a unidade original, a totalidade do mundo interior. Somente a memória,com efeito, possui essa virtude totalizante de aglutinar todos os momentos e reconstituir

a cada momento seu ser total. Ao contrário do mundo exterior, a realidade espiritual é constituída de partes 

totais , isto é, cada uma exprime o conjunto inteiro do mundo do qual são partes. Destaforma o absoluto revela-se muito perto de nós, ou melhor, em nós.

Há quem relacione a intuição bergsoniana com uma forma de panteísmo. Semdúvida, para Bergson não há uma fronteira que não se possa ultrapassar entre as coisas eDeus ou um princípio criador, entre as consciências e a Consciência totalizante. No en-tanto, ele está distante do panteísmo, na medida em que a existência das coisas criadas notempo é realmente distinta da existência de um princípio criador. Cada um é outro no ser.

Elegendo por ponto de partida a própria totalidade, a filosofia passa a ter umpapel transcendente, na medida em que por um processo centrífugo, o ser manifesta suaconservação criadora identificada com o fluxo gerador das coisas.

Há infinitamente mais na intuição que nos signos em que ela se exprime, assimcomo há muito mais no universo espiritual que em sua expressão material, muito mais emum esquema dinâmico que em uma obra acabada. Encarado assim, à medida que ele ama-durece por uma meditação contemporânea ao seu crescimento, o espírito é inspiradopelo gênio de sua pessoa, por este foro íntimo, por este lar espiritual, de onde parteminfinitamente as idéias criadoras.

É nesta subjetividade ontológica que devemos mergulhar, neste passado de to-dos os tempos, puro e integral, que devemos nos instalar para que a intuição se dê.

Pode-se, assim, dividir a subjetividade ontológica em:

a) Subjetividade-lembrança: este constitui o primeiro aspecto da memória, en-quanto verdadeiro arquivo de toda experiência passada que caracteriza o ser presente, eque encarna-se, atualiza-se no momento de indeterminação cerebral. Os momentos man-têm-se em uma sucessão de estados, onde uns prolongam-se nos outros, onde cada umanuncia o seguinte e contém o que o precede.

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b) Subjetividade-contração: ainda este segundo aspecto da memória subjetiva

pode distinguir-se em dois momentos: no primeiro, temos a memória enquanto umpassado integral que afila-se, contrai-se para que possa assegurar sua inserção no pre-sente. Por outro lado temos a memória, enquanto capacidade de aprender umamultiplicidade de momentos em um só.

Desta forma, ao descobrir na memória-lembrança uma operação de contração,Bergson funda a possibilidade de um novo monismo, e que constitui o próprio objeto dafilosofia: restabelecer a integração original da realidade . A própria memória-contração,conforme veremos, se fará como acesso ao ser, ao todo, e ao tempo, enquanto fonte damanifestação das partes.

 As dificuldades inerentes à metafísica e as oposições irredutíveis entre sistemasvêm do fato de aplicarmos ao conhecimento de uma realidade, que está acima da condi-ção humana, procedimentos com fins meramente utilitaristas. Conforme o estudo dapercepção, o sujeito-necessidade opera uma fragmentação do real, assim como umaredução do todo. É justamente pelo fato de nossos hábitos superficiais terem rompido aunidade original da realidade, que se faz necessário restabelecer a pureza primeira. Eeste contato com o real só pode dar-se através de um método que apreende a realidadeem seu estado movente, fluídico, em suas tendências qualitativas.

Ora, o espaço é o reino da uniformidade. Sobre ele podemos estabelecer recor-tes arbitrários, fragmentações fictícias do todo em coisas, corpos, fenômenos etc. Estadivisão é uma operação artificial que a inteligência opera sobre as coisas, e que o espaçopode sustentar, pois que ele é justamente distensão, abstração da inteligência.

Substitui-se geralmente a diversidade e a heterogeneidade das qualidades porrecortes convencionais que adaptam-se à uniformidade dos sistemas. Ora, a diversidadequalitativa que descobrimos na raiz da consciência resolve-se imediatamente na circula-ção do tempo que dura. Disto decorre a necessidade de se  pensar na duração comoacesso imediato ao todo.

 A própria condição humana consiste em finidade, separação, exterioridade emrelação ao ser, já as essências organizam-se em uma síntese ontológica, que se faz atravésda duração ou do surgimento do objeto.

Ora, quando Bergson refere-se à duração, enquanto acesso do finito ao infini-to, da consciência humana à consciência espiritual, ele não quis aludir a uma extensãodo tempo, mas sim a transformações qualitativas que se fazem em seu movimento detensão ou distensão. Nestas diferenciações qualitativas é que visualiza-se interiormenteo infinito. A temporalidade vivenciada em seu fluxo contínuo é um dado constitutivo daprópria essência.

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... Seria nos recolocarmos na duração pura, cujo fluir é contínuo, e onde 

 passa-se, por gradações insensíveis, de um estado a outro ... 144

Pensar na duração é, portanto, reestabelecer a cadeia de intermediários que uneas diferentes naturezas entre si, pois inserir-se no fluxo do tempo consiste em captar oobjeto por dentro, em um momento anterior à cisão entre sujeito e objeto. Ao conside-rar o tempo enquanto a realidade em vias de constituição, enquanto progresso qualita-tivo, Bergson confere-lhe um caráter ontológico pela sua constituição essencial. O tem-po passa a ser a própria substância da realidade.

 A duração consiste efetivamente em progresso na medida em que seu fluxo

constitui-se, à medida que passa por um enriquecimento de momentos. Eis porque opróprio fluxo da memória é criador, na medida em que interioriza seus momentos emuma alteração de si mesma.

Para apreender a realidade em sua totalidade movente faz-se necessário, comefeito, dilatar a experiência por um esforço de intuição, por uma expansão da memória,pela superação da consciência em uma tensão maior de seu fluxo temporal.

Desta forma, a intuição da duração nos coloca em contato com toda uma con-tinuidade de durações que devemos tentar atingir, seja em direção à materialidade, sejaem direção à espiritualidade. Em ambos os casos transcendemos a nós mesmos. Entre

esses dois extremos a intuição move-se e neste movimento consiste a própria metafísica.Bergson define, portanto, a intuição como uma função metafísica do pensamento.

Se o objeto principal de seu método consiste no conhecimento íntimo do espírito peloespírito, é apenas subsidiariamente que seu método aplica-se ao conhecimento da matériapela espírito. Se toda sua obra faz-se em função de uma reabilitação do espírito, assim comode sua liberdade criadora, faz-se necessária uma intuição da matéria para que, a partir dela,enquanto grau mais inferior da realidade, possamos ascender à região do espírito e, a partirda noção de movimento, possamos atingir o fluxo da duração espiritual.

Mas como é possível ao espírito possuir um conhecimento imediato da maté-

ria, se consistem em realidades de naturezas tão opostas?

Ora, da mesma forma que faz-se necessário libertarmos nossa vida interior dotempo homogêneo e indefinido – cujos momentos são sempre os mesmos, não possuemqualidade – em função de uma apreensão do espírito, também para a apreensão da matériafaz-se necessário abolir toda idéia de um espaço homogêneo sobre o qual nosso entendi-mento opera divisões arbitrariamente.

144 M. M., p. 207.

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Desta forma, enquanto um ato de pensamento que se dá por uma gênese re-

trospectiva, a intuição exigirá um trabalho preparatório, pelo qual os traços descontínuosque nosso entendimento desenha devem refazer-se, no próprio seio de um conhecimen-to positivo, a partir de um  ponto virtual , para reaprender, por um retorno brusco, avisão da continuidade indivisa da extensão material e da duração espiritual.

O esforço que exige esta percepção não é uma necessidade, mas deve ser dese-jado e realizado na contingência. Ele implica um desinteresse, que permite ao espíritorecolocar-se na realidade original, que permite à Consciência tornar-se consciência-de-si, ao alargar indefinidamente o pensamento.

Vejamos pois, de que forma, ao considerar o movimento como essência das

coisas, e apreendendo-o não como uma  posição de tipo metafísico, mas como umarealidade dada e percebida, a intuição começa por perceber a duração .

Sob determinado ponto de vista a intuição é passiva, pelo lado onde participada percepção, pois a intuição neste caso é primeiramente a experiência de um dado quenosso pensamento não cria. Já na intuição espiritual a consciência deve refazer o ritmodo dado como se ela devesse sê-lo, reinventá-lo como se ela o criasse, produzir com ele,nele, sua própria gênese, em uma operação ativa e criadora.

Vejamos como se dá primeiramente a intuição passiva, para depois passarmos aintuição criadora.

2. INTUIÇÃO SENSÍVEL 2. INTUIÇÃO SENSÍVEL 2. INTUIÇÃO SENSÍVEL 2. INTUIÇÃO SENSÍVEL 2. INTUIÇÃO SENSÍVEL 

Para reencontrar o papel do corpo e do espírito, foi necessário que nossa cons-ciência reflexa distinguisse, por análise, aquilo que a natureza mistura na percepção.Mais adiante nossa consciência estabeleceu um monismo, ou seja, uma síntese refletida,onde espírito e matéria compartilhavam uma experiência comum na condição humana,o que Bergson denomina tournant .

Conforme estudamos, o papel da memória divide-se em dois:

a) As lembranças preenchem o intervalo temporal entre ação e reação, enrique-cendo assim o momento presente. É o caso do sujeito-lembrança, cuja aderência aopresente faz com que perceber acabe por não ser mais que uma ocasião de lembrar .

b) Mesmo na menor de nossas sensações, a memória contrai em seu seio umamultiplicidade de momentos da matéria.

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Por outro lado, se subtrairmos a subjetividade-memória da percepção, em seu esta-

do puro, esta faria parte do mundo exterior. Ao fazer parte das coisas, e independente denossa subjetividade, a percepção dá-se nas próprias coisas. Tudo que está em nossas repre-sentações já está na matéria, e o cérebro nada tem que engendrar. Desta forma, o ponto P, osraios que emite, a retina e o mundo das imagens formam um circuito fechado onde todas aspartes são solidárias.145 É assim que, tal qual já dizia Plotino: o olho deve ser solar para ver aluz . Ou ainda conforme escreve André Gide:

Que teu olho seja a coisa olhada...Que tua retina seja o próprio céuque tua visão seja o fogo em pessoa.146

Vemos assim que a percepção concreta é apenas o relevo parcial de uma outra, purae infinitamente mais completa de todos os corpos, e que é imanente a cada elemento damatéria. A consciência, enquanto luz emitida sobre as imagens, torna-se as próprias imagenssensíveis.

Cada corpo, pela ação que exerce ao seu redor sobre os outros corpos, torna-sepresente ao seu redor e mesmo às partes mais distantes do universo. E como explicar essainteração universal, da qual nos limitamos a reter uma parte?

Ora, se a própria transcedência da percepção está no fato de ela aprender o objeti-

vo nele mesmo, em seu lugar, na extensão material, qual o fundamento para este caráterintuitivo da percepção?

Pois bem, analisemos primeiramente essa coincidência do objeto com a totalidadeobjetiva, para então compreendermos como é possível a captação intuitiva entre duas natu-rezas, espírito e matéria, para então passarmos à intuição do espírito pelo espírito.

Só podemos atribuir a razões utilitárias o fato de um objeto nos ser mais sensívelque sua ação, isto é, o fato de na maioria das vezes apreendermos a coisa, e não as vibrações que ela envia em nossa direção. Enxergamos as cores e não seus raios, o som e não seumovimento no ar, as palavras e não as vibrações do espírito.

Quanto mais profundamente investigarmos a natureza, mais nos convenceremosde que vivemos em um reino de ondas transfiguradas em luz, eletricidade, calor ou matéria,segundo o padrão vibratório em que se exprimam.

Existe, no entanto, outras manifestações da matéria ou da luz que permanecemdesconhecidas pelas faixas da evolução humana, as quais somente poderemos apreenderdiretamente pelas vias do espírito.

145 M. M., p. 41.146 GIDE, A. Nourritures Terrestres (in: JANKÉLEVITCH, V. Henri Bergson, p. 74).

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Ora, apenas um conhecimento metafísico poderá captar esta realidade além do

tournant em que a matéria torna-se constituída e sólida. Ao considerarmos as substânciasmateriais assim cristalizadas e isoladas de sua irradiação, seremos obrigados a enxergar ape-nas um mundo de corpos com contornos determinados e aparentemente descontínuos.

Isto decorre, não de uma estrutura de nosso espírito, mas antes de hábitos contra-ídos pelo apelo de nossas necessidades naturais. Conforme visto no capítulo anterior, perce-ber é imobilizar,147 e ao pretender um conhecimento mais profundo, faz-se necessário insta-lar-se em um momento anterior a esta imobilização. Como a percepção dá-se na matéria, énela que devemos nos instalar em um momento anterior ao seu surgimento, para que possa-mos acompanhar sua própria geração.

Se entre a atividade da percepção e o universo material há apenas uma diferença degrau, a matéria é homogênea à intuição sensível – desde que saibamos purificá-la dos ele-mentos subjetivos que se introduzem. E essa coincidência faz-se no que a matéria tem deessencial: no movimento.

Captar o objeto em sua tendência animadora é captá-lo em seu movimento de vir-a-ser. E o ponto virtual em que devemos nos inserir para que a intuição se dê, é o fluxomovente gerador do objeto, e que constitui sua própria substância. Apenas uma explicaçãogenética da matéria permite nos atingir, por um re-tornar brusco, a visão contínua quecaracteriza a próprio absoluto.

Em Introdução à Metafísica, Bergson formula alguns princípios sobre os quais ométodo intuitivo repousa, entre eles temos:

Há uma realidade exterior e portanto dada imediatamente ao nosso espírito.148

E a própria demonstração desta proposição encontra-se em Matéria e Memória:

Há movimentos reais.149

Nosso entendimento, em sua tendência utilitária concebe apenas coisas feitas, masnão coisas que se fazem. Geralmente concebem-se estados, mas não a realidade progressivadas coisas. A própria matemática, em seu estudo abstrato do movimento, define-o por umavariação de distância, assim como sua posição define-se por pontos de referência. Encaradodessa forma, todo o movimento é tido como relativo.

147 M. M., p. 233.148 P. M. (Introduction à la Métaphysique ), p. 211.149 M. M., p. 215.

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Ora, se observamos o próprio universo infindo, seu aspecto está mudando conti-

nuamente. Ele consiste em um conjunto de forças e de energias inimagináveis, ele compõe-se antes em pontos de mutação contínua. Porém, ao tomarmos pontos imóveis como refe-rência ao movimento, estaremos comprometendo o todo.

Geralmente toma-se a trajetória pelo trajeto, diz Bergson, e imaginamos posiçõessucessivas que compõem uma linha que coincide com o próprio trajeto. Ora, como conce-ber a mobilidade a partir de imobilidades? Como definir a realidade contínua por objetosestáticos e independentes?

Uma filosofia intuitiva não pode apreender o todo por suas partes independentes,muito menos confundir mudanças de aspecto ou qualidade com mudanças de posição, pois

estaria condenada à relatividade.Sendo o objeto da empresa filosófica a transcendência da condição humana, ela

não pode conceber a realidade em função do espaço, que é o nível inferior e horizontal davida do espírito. No entanto, comumente considera-se o movimento no espaço, como sen-do múltiplo e exterior a nós. Sendo o espaço indefinidamente divisível, atribuímos ao movi-mento esta divisibilidade.

Porém, ao apreendermos o movimento no tempo , perceberemos um progressoindivisível, e que se passa no interior de nós. Todo movimento ocupa um tempo determinadoou uma duração. No entanto, ao defini-lo segundo suas posições em repouso, estaremos

conseqüentemente definindo a duração em função de seus instantes isolados um dos outros.Na verdade, se a matemática faz do movimento uma sucessão de posições, isso

ocorre justamente pela fato de desprovê-lo de duração. Da mesma forma, se até hoje foifalha a empresa de definir um conhecimento imediato da matéria, isto deve-se ao fato denão se considerar o movimento em função do tempo, cujo ritmo qualitativo é justamente oque coincide com a consciência, enquanto realidade compacta e indivisível.

No entanto, essa descontinuidade ou recortes da realidade fazem-se em função dasnecessidades fundamentais da vida, as quais dividem a realidade em corpos e porções inde-pendentes, para que lhes seja possível apreender a matéria.

Bergson não quis dizer com isso que nossos sentidos apreendam a realidade frag-mentada, pelo contrário, eles apreendem o movimento como um todo indivisível, porém adivisão é obra de nossa imaginação, a qual aplica-se em fixar imagens, assim como nossoentendimento aplica-se em estabelecer conceitos. Ora, não nos esqueçamos que as imagenssão divisões da continuidade de nossas lembranças puras, assim como a linguagem é a tradu-ção do movimento e da duração articulados no espaço.

Para uma metafísica da matéria faz-se necessário, portanto, reencontrar a reali-dade sob essas imagens usuais, para que seja possível captar as tendências geradoras doobjeto, as quais constituem o campo transcendental em que a intuição se dá.

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Não pode haver imediação entre dois corpos sólidos que se chocam, pois a solidez

implica descontinuidade e imobilidade. Desta forma o movimento, enquanto essência a serintuída, não pode ser tomado em função de suas mudanças de posição ou distância, mascomo uma mudança qualitativa, e portanto de estados.

E como definir o movimento como qualidade?

Se considerarmos o movimento, afirma Bergson, segundo a mecânica, ele será ape-nas uma medida, um símbolo, porém se considerado em si, em seu dinamismo, o movimen-to será captado em sua indivisibilidade, em seu fluxo interior que liga os momentos sucessi-vos por um fio de qualidade variável.150

Todo movimento é constituído de vibrações; segundo o número maior ou menorde vibrações, as cores possuirão tonalidades diferentes, o som constituir-se-á de notas dife-rentes, e mesmo nossos sentimentos, sua natureza variará segundo o ritmo de nossas vibra-ções. Desta forma o movimento, segundo seu ritmo vibratório, implica sempre em umamudança de natureza, assim como

... a quantidade é sempre a qualidade em estado nascente: ela é seu caso li- mite.151

Efetivamente, se a matéria é movimento, ela é quantidade, assim como qualidade.

E por qual processo, no ato de percepção, nossas sensações, enquanto qualidadesheterogêneas, unem-se ao movimento da matéria extensa?

Duas distinções existem que nos impedem de assistir a uma apreensão imediata damatéria pelo espírito:

Em primeiro lugar, nosso entendimento opera uma confusão entre a extensão con-creta da matéria e o espaço homogêneo.

Ora, isto deve-se ao fato de geralmente se dividir a continuidade legítima da exten-são material, por ceder-se às sugestões de nossa vida prática, a qual exige que isolemos as

partes em função de nossas necessidades naturais. Disto decorre a impossibilidade de vincu-lar as sensações inextensivas à extensão material concreta.

Porém, na verdade o espaço homogêneo não existe, pois ele não é nem proprieda-de das coisas, muito menos de nossa faculdade de conhecer, mas exprime antes o trabalho dedivisão e de solidificação na continuidade do real, para que nossa percepção tenha pontos de

150 M. M., p. 227.151 P. M. (Introduction à la Métaphysique ), p. 215.

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apoio sobre a matéria, para que seja possível fixar centros de operação. Ele é apenas o

esquema de nossa ação sobre a matéria.No entanto, o erro consiste em fazer de tal esquema de ação modelo para nossa

apreensão da realidade, em fazer deste esquema de divisibilidade arbitrária, e puramenteideal, propriedade das coisas.

Ora, o espaço constitui apenas um símbolo de divisibilidade. Na verdade a exten-são concreta das qualidades consiste em uma continuidade, cuja divisão é a imaginação queopera, de forma a tornar nossa apreensão mais cômoda ao entendimento. Na verdade, todasensação, à medida que se atualiza, acaba por aderir à extensão, assim como toda qualidadeconstitui-se no próprio movimento que se estende em quantidade. O extenso passa a ser

assim apenas o lado mais objetivo de minha subjetividade.E como a intuição nos permite diluir a distinção entre a qualidade e a quantidade

que nossa consciência reflexa opera?

Se não se conseguiu até hoje abolir a distância entre esses dois termos, isto deve-se,segundo Bergson, ao fato de se colocar as qualidades na consciência e o movimento no espaço.Ora, desta forma, teremos dois mundos diferentes e incapazes de se comunicarem.

Se o movimento não passa de uma série de posições, se o estável substitui o instá-vel, se a divisão da matéria possui um caráter absoluto, jamais nossa consciência apreenderáuma realidade independente de nós, jamais interior e exterior comunicar-se-ão em umaexperiência comum. A ótica especializante jamais abarcará esse caráter misto da percepçãomediata. Isso será possível apenas por um ato que nos faça captar ou adivinhar, na própriaqualidade, algo que ultrapassa nossa sensação .152

Efetivamente, toda comunicação entre as sensações internas e o mundo externofar-se-á por uma apreensão da qualidade: nosso universo material  possui qualidades sensí-veis que residem no objeto, e não que foram elaboradas pelo sujeito. Por outro lado, osistema de movimentos , em sua continuidade na extensão real, não é um puro homogêneo,ao contrário, consiste em mudanças de estado efetuadas por um ritmo próprio. Com efeito,a apreensão da qualidade sensível combina-se com uma apreensão confusa da quantidade;

tal é o caso, por exemplo, de uma sensação de peso que resume um número indefinido decontrações musculares.

Se a objetividade da qualidade consiste em uma multiplicidade de movimentos, elapode estender-se imóvel na superfície, entretanto vibra em profundidade.

E como esta objetividade da qualidade passa a ser subjetiva, já que possui suaraiz nas próprias coisas?

152 M. M., p. 229.

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Todo movimento da matéria ocupa uma duração, assim como todo estado de cons-

ciência ocupa um tempo determinado. A duração vivida por nossa consciência possui umritmo determinado que pode armazenar um número indefinido de fenômenos.

 A cor vermelha, por exemplo, realiza 400 trilhões de vibrações em um segundo.Para que nossa consciência pudesse contar ou acompanhar essa sucessão ela levaria anos.Esta sensação do vermelho corresponde, portanto, a uma sucessão de fenômenos que cor-responderiam a séculos de nossa história, no entanto, nós os percebemos em segundos. Seconsiderados no espaço esses momentos dividir-se-iam indefinidamente. No entanto, as  partes de nossa duração coincidem com os momentos sucessivos do ato que a divide .153

Desta forma os momentos reais das coisas, apreendidos de direito pela percepção

pura, tornam-se subjetivos, devido à duração necessária à mais rápida de nossas percepções.Se a subjetividade das qualidades sensíveis está no fato de a memória prolongar uma pluralidadede momentos em uma intuição única, ao isolar a matéria deste ritmo particular que caracte-riza nossa consciência, as qualidades sensíveis da matéria seriam conhecidas em si. Destaforma a percepção pura teria existência no instantâneo.

Matéria e memória coincidem, efetivamente, na duração, cujo movimento nossamemória transforma em qualidade, pela contração de momentos que opera. A qualidadepassa a ser então o efeito da quantidade contraída.

Nós pressentimos na natureza, diz Bergson, sucessões muito mais rápidas que as de 

nosso estado interior .154

Existem, portanto, vários ritmos de duração entre a matéria e oespírito os quais, segundo sejam mais lentos ou mais rápidos, mediriam o grau de tensão dasconsciências, e portanto o lugar do ser na evolução das espécies.

 A matéria tende a ser uma sucessão de elementos infinitamente rápidos, que dedu-zem-se uns dos outros, e que portanto são equivalentes; já a memória que prolonga passadono presente, afirma-se como um progresso evolutivo .

Efetivamente, concebe-se uma infinidade de graus entre matéria e espírito ao en-contrarem-se na duração, muito embora distingam-se pela indeterminação e possibilidadede reflexão do espírito.

Cada um desses graus mede uma intensidade de vida, que se traduz por um sistemanervoso mais ou menos desenvolvido. Confirma-se o que Bergson nos demonstra logo noprimeiro capítulo de Matéria e Memória:

... o sistema nervoso é construído, de um extremo a outro na série animal,em vista de uma ação cada vez menos necessária.155

153 M. M., p. 232.154 Idem, p. 232.155 Idem, p. 232.

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Podemos entender agora que a complexidade crescente do sistema nervoso

consiste na latitude maior que a duração confere à faculdade de espera ou indeterminação,assim como a possibilidade de uma ação mais rica dá-se pela maior quantidade de mecanis-mos motores.

No entanto, essa independência do ser com relação à matéria apenas simbolizamaterialmente a força interior que permite ao ser subtrair-se ao ritmo da matéria. E é justa-mente este esforço de subtração às necessidades e ao ritmo natural, que permite ao espíritodilatar-se, de forma a preparar um presente mais intenso, por um acrescentar cada vez maisrico de elementos novos.

Se, conforme demonstra Bergson, a diferença e a identidade entre corpo e alma

faz-se em função do tempo, transcender-se é transcender no tempo, por uma tensão crescen-te da memória, que quanto mais contrair sua experiência imediata, mais capaz de criaçãotornar-se-á, pela própria indeterminação interna. Desta forma, como diz Holmes:

Um momento de intuição às vezes vale por uma vida.156

Voltaremos a isto mais adiante, mas quisemos até aqui demonstrar, segundo a des-crição bergsoniana da experiência imediata do tempo, enquanto movimento e qualidade,que a percepção não é um processo misterioso de união da alma com o corpo. Se possuem

uma identificação em suas substâncias que é a qualidade no tempo, ou duração, identificam-se também em sua atividade, que nada mais é que o movimento.

 A teoria bergsoniana nos demonstra, contra o idealismo e o realismo, que a matérianão está além da percepção mas, ao contrário, constitui o dado imediato da intuição sensível.

E para se chegar a essa intuição foi necessário todo um trabalho preparatório, pelosquais os traços descontínuos da percepção em nós seriam reorganizados metodicamente emuma experiência de unificação das partes, para que, a partir do todo, fosse possível seguir emsi o movimento gerador das partes. O dado primitivo no processo de conhecimento é sem-pre uma certa unidade, ou uma certa continuidade. É da extensão material ou de imagens

que Bergson partiu para a sua teoria da atividade perceptiva, assim como parte da consciên-cia totalizante para desenvolver a atividade espiritual. A unidade é portanto o dado primiti-vo, anterior à diferença e à multiplicidade. Não se trata pois de retornar retrospectivamente,mas de um re-tornar-se, a partir do uno, às partes.

Em suma, os pontos virtuais em que se faz necessário inserir-se para um monismoentre o todo material e a todo espiritual são: a duração, a extensão e a qualidade, en-quanto realidades moventes.

156 em LACERDA, N. Dicionário de Pensamentos . São Paulo, Cultrix, p. 87.

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Porém, em nenhum dos casos a percepção nos faz assistir a uma criação propria-

mente dita. Tanto a gênese da qualidade sensível, quanto a gênese da extensão pertencemapenas à ordem da transformação e não da criação.

Se a qualidade sensível pertence às coisas antes de pertencer ao espírito, e se ela étransformada em elemento de consciência por uma operação do espírito – operação estaefetuada a partir das coisas – nem por isso deve depositar na substância nervosa ou cerebralo milagroso poder de produzir a qualidade.

  Já no caso da duração, ela não transforma mas gera, cria realidades de naturezadiferente. Se na intuição sensível seu papel é simplesmente coincidir com o ritmo das coisas, jána intuição espiritual a coincidência não é um simples ajuste, mas uma criação do espírito pelo

aumento de tensão de sua própria memória, de seu próprio ser. Temos assim na intuiçãosensível uma atividade que, embora do espírito, é passiva, e na intuição espiritual uma ativida-de criativa, na medida em que o sujeito deve reinventar o objeto como se o recriasse.

 Ao identificar toda existência à duração, Bergson dá um fundo comum de realida-de ou de substância a tudo que existe e subsiste no universo, ao mesmo tempo que todas ascoisas distinguem-se em razão da diversidade prodigiosa que lhes afeta o movimento e aduração.

Se o objeto do método é retornar à fonte, eis a duração como uma imensa matrizde todos os seres, ou como uma alma do mundo, da qual tudo deriva e onde tudo se compe-netra.

3. PL 3. PL 3. PL 3. PL 3. PL URALISMO OU MONISMO? URALISMO OU MONISMO? URALISMO OU MONISMO? URALISMO OU MONISMO? URALISMO OU MONISMO? 

Partindo de uma concepção dualista, o método atingiu o monismo, enquanto inte-gração, em um ponto além da condição humana, das diferentes realidades. De diferenças denatureza chegou-se a diferentes níveis de contração e distensão da duração.

No entanto, o método ainda não se resolve aqui, pois a duração, em suas diferençasde intensidade ou grau, em seu movimento de contração e distensão, acaba por diferenciar-se em um pluralismo quantitativo.

Parece contraditório o fato de o próprio Bergson ter denunciado as diferenças degrau em Dados Imediatos , e no entanto acabar em uma diferenciação de intensidade. É queembora em ambos os casos o método retenha diferenças de natureza, não se trata de ummesmo dualismo, nem de uma mesma divisão.

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No primeiro momento o dualismo é refletido por uma consciência finita, no ponto

em que se dá o tournant . Considerado sob a ótica humana, a decomposição provém de ummisto impuro. Já no segundo momento trata-se de um dualismo intuído pelo espírito em umponto virtual além do tournant , ou da condição humana, do qual partem diferenciações deum puro. Eis, portanto, o último momento do método, onde se reencontra o ponto departida sobre um novo plano, e onde passamos a acompanhar a gênese da vida e do conhe-cimento, inserindo-nos no movimento gerador do objeto, quase que recriando-o em nósmesmos.

Sendo a duração uma realidade pura, mesmo em uma pluralidade de durações cadaduração é um absoluto, um todo em si mesma, cuja multiplicidade não ocorre por umadivisão propriamente, mas antes por uma diferenciação de momentos que participam dotempo único pela sua própria pureza.

Desta multiplicidade a duração psicológica também é parte, cuja determinaçãoimplica em uma infinidade de duração possível. E ao pretender-se uma intuição espiritual,deve-se, portanto, buscar uma tensão maior de nossa duração interior, para atingi-la em suapureza ontológica.

 Ao instalarmo-nos, pois, em nosso ser, em nossa duração é que veremos como o Seré múltiplo, e como a duração é diversificada. Perceberemos, assim, uma coexistência virtualde todos os níveis do passado em nós, de todos níveis de tensão, os quais estendem-se aoconjunto do universo. Tudo se passa, portanto, como  se o universo fosse uma formidável 

memória.Há efetivamente um só Tempo, uma única duração, da qual tudo participaria,

inclusive nossa consciência, os seres vivos, e mesmo a matéria. Eis assim o monismo dotempo bergsonismo, enquanto realidade que se diferencia mas não se divide.

É neste sentido que minha duração tem o poder de revelar outras durações, namedida em que seus momentos não constituem apenas uma sucessão, mas antes uma coexis-tência de fluxos qualitativos. E ao intuir o meu eu interior, a minha duração, percebo o meuser como um fluxo, assim como um representante do Tempo.

O meu eu interior pode, portanto, simpatizar com toda uma continuidade de dura-

ções, seja em um movimento em direção à materialidade – cuja duração é mais extensa, mascujos palpitações são mais rápidas; seja em um movimento ascendente em direção àespiritualidade – cuja duração é mais intensa, mas cuja vibrações são mais longas.157

 A matéria consiste, portanto, em uma duração infinitamente distendida oudescontraída, cujos momentos sendo exteriores uns aos outros, um desaparece quandoo outra aparece. Desta forma, quanto menor a tensão, menor a penetração recíproca, e

157 M. M., p. 181.

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conseqüentemente maior a extensão. Já o espírito consiste em uma duração infinita-

mente tensa, cujos momentos, pela própria natureza intensa e rápida de suas vibraçõesinterpenetram-se, formando um todo. Quanto mais tenso esse todo, maior a penetraçãode seus elementos entre si, conseqüentemente maior o número de momentos ouvirtualidades que ele abarca em um momento só.

No entanto, a matéria jamais é tão distendida a ponto de tornar-se espaço puro.O espaço puro é apenas um esquema da matéria. Por menor que seja, a matéria semprepossui um mínimo de duração pela qual ela participa da Duração. Por outro lado, oespírito jamais pode tensionar-se o bastante, a ponto de ser independente da matéria, naqual ele se estende.

Eis assim a imagem do cone bergsoniano158 cuja extremidade inferior S repre-senta o nosso presente de seres inseridos na matéria, nossa existência sendo o ponto decontração de enormes períodos de nossa história, inserido em uma realidade maisdistendida. A extremidade superior  AB representa a totalidade de nosso espírito, emuma expansão crescente por uma tensão maior de si mesmo.

O plano da extensão material, no qual S estáinserido, é o espaço que apresenta exclusivamente di-ferenças de grau de uma mesma duração. Em  AB  amemória compreende todas as diferenças qualitati-vas e define-se como alteração com relação a si mes-ma. Sendo, portanto, o nível S essencialmente repe-tição e a memória essencialmente diferença, é em AB que devemos instalar-nos e, por uma alteração de nósmesmos, buscarmos a intuição espiritual.

Mas, afinal, diferenças de natureza e diferen-ças de grau parecem confundir-se? Na verdade, não há nenhum dualismo entre a natureza eseus graus. Se Bergson começa por criticar toda visão do mundo fundada sobre diferenças degrau, é porque partia-se de uma realidade impura, e que impedia afirmar a independênciado espírito. Afinal não é possível alcançar o infinito com os olhos humanos. Trata-se sim de

partir de uma experiência concreta, mas é preciso instalar-se aquém dela, ou seja acompa-nhar sua gênese. E ao instalarmo-nos no próprio movimento gerador, criador das coisas,veremos uma mesma realidade virtual diferenciar-se, ao atualizar-se, em diferentes intensi-dades vibratórias, cujas naturezas diferem mas não se dividem.

Os próprios pontos virtuais, nos quais o sujeito que intui deve instalar-se paraum contato imediato entre corpo e espírito, dissolvem a dualidade grau– natureza: Todo movimento é mudança de estado, toda quantidade é a qualidade em estado nascente ,

158 M. M., 181.

A B 

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afirma Bergson, conseqüentemente toda diferença de grau de um absoluto implicará em

mudanças de natureza. Cada parte virtual conterá assim o todo em níveis diferentes, noentanto, cada parte atual não se deixa totalizar. Se todos os níveis coexistem portantoem um tempo único e virtual, é porque suas partes são potências, tendências, e não atosou objetos sólidos. Tudo se passa, assim, como se o próprio Tempo se confundisse como próprio movimento de diferenciação dos tempos, como se o próprio Ser coexistissecom os seres diferenciados, e cada ser, pela sua própria ligação com o Ser re-criaria o seupresente segundo o nível ontológico em que se colocasse.

Toda individualidade enraíza-se no seio de uma realidade mais profunda e ab-soluta, cujo movimento anima todos os seres, e inscreve no íntimo de cada um certas

similitudes essenciais.No entanto, nem por isso Bergson cai no panteísmo, pois aquilo que coexiste

no virtual deixa de coexistir no atual, e distribui-se em linhas ou partes não somáveis,onde cada uma retém o todo, porém sob um determinado aspecto, ou segundo umponto de vista. Voltamos novamente à Leibniz:

Toda mônada constitui um ponto de vista sobre o mundo e é portanto todo o mundo sob determinado ponto de vista.159

Sendo o presente a manifestação de todo o nosso ser, enquanto passado que ma-nifesta-se no espaço para poder agir, pode-se dizer então que o sujeito-presente consisteem uma intersecção da temporalidade e da espacialidade.160 Se operarmos um corte ou umaparada na duração de nossa consciência, teremos então um ponto de vista, uma visão. Osujeito é, portanto, definido como um ponto de vista, como uma linha diferenciada emmeio a uma totalidade absoluta, da qual partiu.

Por outro lado, cada linha ou cada parte diferenciada é em si mesma uma potênciacriadora: no próprio movimento de atualização elas inovam, criam o representante físicodo nível ontológico em que se instalam. A cada diferenciar-se de si, atinge-se portantomais um grau na expressão do todo.

Todo absoluto distingue-se, portanto, da consciência por uma diferença de grau.Ele transcende, pois, a consciência por sua duração infinitamente mais concentrada.

Cada ser, na medida em que distensiona sua duração interior, diminui o enca-deamento de seu inconsciente espiritual com o todo; por outro lado ganha um campo

159 LEIBNIZ, La Monadologie (1714, parág. 57).160 O espaço aqui deve ser considerado como sendo a “esfera de ação”, do ser vivo, e não o espaço geomé-

trico inerte.

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mais extenso de ação possível. Já o ser que subtrai-se à atividade pragmática, e tensiona

seu espírito em uma sintonia maior com o Ser, ganha um campo mais intenso, maiselevado de transcedência.

Toda realidade espiritual ou absoluta possui por natureza esta virtude totalizanteque aglutina todas modificações e momentos, e que reconstitui em cada instante seu orga-nismo total. Nada como a música pode fornecer-nos uma analogia desta interpenetraçãode partes, que ao mesmo tempo distinguem-se. Várias vozes superpostas exprimem-sesimultaneamente em harmonia, permanecendo, no entanto, distintas ou até opostas.

Se a consciência humana só consegue apreender o mundo de corpos inertes, ondeas partes mantêm entre si uma relação de exterioridade, cabe à intuição essa conciliação

espiritual, virtual, onde as partes afinam-se, não em uma coerência lógica, porém crono-lógica.

4. INTUIÇÃO VIT 4. INTUIÇÃO VIT 4. INTUIÇÃO VIT 4. INTUIÇÃO VIT 4. INTUIÇÃO VIT  AL  AL  AL  AL  AL 

O fundamento da legitimidade do método bergsoniano está no fato de ser per-

petuamente contemporâneo ao progresso vital.Ora, se a precisão da filosofia consiste na sua possibilidade de capturar o objeto

no movimento que o traz ao ser, o próprio conhecimento do processo vital é de certaforma a superação da condição humana, na medida em que a consciência finita, aoapreendê-lo um momento anterior a si mesma, dilata-se no próprio sentido da vida.

O que é a vida senão uma duração que engendra-se continuamente, em umprocesso de coesão, na unidade do processo vital?

Ora, o impulso vital, antes de sua diferenciação em organismos ou funções,reúne em si tendências de todos os reinos da natureza. E a própria formação das vidasexplica-se pela inserção da duração na matéria: ela diferencia-se no próprio obstáculoda matéria, que por sua vez atravessa, e na própria extensão em que se dis-tende . E aduração passa a ser vida justamente quando inserida neste movimento.

Em que consiste a formação dos seres vivos senão na diferenciação de umarealidade virtual que se atualiza?

Ora, é a impulso vital que supõe uma unidade virtual que se dissocia em linhasdiferenciantes, mas que testemunham sua unidade subsistente. Quando a vida divide-se,portanto, nos reinos animal, vegetal e mineral, cada divisão traz consigo o todo. Neste

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sentido, cabe-nos dizer que a evolução do impulso vital nos seres vivos não se constitui

por graus que se sucedem, mas de uma mesma tendência que se desenvolve em direçõesdivergentes. Mais uma vez a diferença de um absoluto não se faz em função de intensi-dade, mas em função de naturezas divergentes.161

 A diferenciação é, efetivamente, sempre atualização de uma virtualidade quecontinua nas linhas atuais ou materiais. Ora, se a evolução implica em atualização, aprópria atualização é criação.

Vemos desta forma que a gênese do conhecimento dá-se de forma análoga àgênese da vida:

E da mesma forma que a impulsão dada à vida embrionária determina adivisão de uma célula primitiva em células que se dividem por sua vez até que o organismo completo seja formado, assim o movimento característico de todo ato de pensamento leva este pensamento, por uma subdivisão cres- cente de si mesmo, a estender-se cada vez mais sobre os planos sucessivos do espírito até que atinja a palavra.162

Tal é também a operação pela qual se constitui uma filosofia, pois a teoria doconhecimento deve identificar-se com a teoria da vida, na medida em que a precisão da

filosofia implica a apreensão do ser e o movimento que o traz à vida material, e não a suainércia. Afinal, a filosofia da vida nada mais é que o conhecimento do ser interior, profun-do, em suas tendências íntimas, e o conhecimento do impulso vital é o fundamento quenos fornece o itinerário do absoluto, de suas tendências divergentes, em direção à matéria,ao plano do já constituído.

Tal itinerário, enquanto criação de caminhos para a própria expansão do vir-tual, do puro, é análogo em todas as gêneses, em todos os objetos de intuição: o impulsovital, a memória, o Ser, o Espírito, o Amor.

Com efeito o absoluto, para Bergson, não é uma realidade além de nós, ou

simplesmente acima do tournant , mas está no próprio movente, na sempre renascenteexpressão da natureza original das coisas.

Sendo, portanto, o absoluto uma essência de vida, em vias de tornar-se vivida,sendo a virtualidade o vínculo do múltiplo ao Uno, a duração é o vínculo entre o cons-tituído e o constituinte. Passemos, pois, para o processo da intuição espiritual, enquantoatividade criadora, dilatadora da própria consciência.

161 E. C., p. 124.162 P. M., p. 152-153.

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5. INTUIÇÃO CRIADORA 5. INTUIÇÃO CRIADORA 5. INTUIÇÃO CRIADORA 5. INTUIÇÃO CRIADORA 5. INTUIÇÃO CRIADORA 

A filosofia do conhecimento, cuja essência é a teoria da intuição, será assim agenealogia da consciência, enquanto fenômeno que, não só faz parte da vida absoluta,mas constitui em si mesmo um absoluto também.

 A teoria do conhecimento bergsoniana nos demonstra que a origem das idéiasé a própria vida, e que a geração de idéias que articulem o real deve se dar pelo acompa-nhamento do processo da gênese e formação do objeto de conhecimento.

Sendo a intuição o encadeamento da interioridade do sujeito à interioridade doobjeto, à vida e a uma consciência totalizante, a consciência busca reapreender, respectiva-

mente, em si mesma o impulso vital da vida absoluta, o movimento gerador dos objetos, e a duração da consciência totalizante.

No caso da intuição da matéria, embora ela permita a visão da gênese do obje-to, em um momento anterior à sua própria constituição, ela é ainda uma intuição passi-va, pois que consiste na experiência de um dado que nosso pensamento não cria.

 Já a intuição vital , por um lado é significativa, pois permite envolvermo-nosnas linhas divergentes da evolução, enquanto formas novas que estão sendo criadascontinuamente. Por outro lado, sob forma de vida, sua criação, enquanto a própriadiferenciação de suas partes, dá-se apenas no instantâneo. A vida desenvolve-se no tem-

po, sempre em direção a um futuro limitado pela própria morte. Sua presença faz-seapenas entre o presente e o futuro. Desta forma, somente a consciência, enquanto mo-vimento entre o passado e o presente, contribui para uma criação espiritual.

Sabemos que a consciência interioriza o tempo segundo um passado que crescesem cessar, em assim sendo a individualidade do ser é destruida pela vida, ao mesmo tempoque ela se engrandece, dilata-se como consciência.

Desta forma, a dimensão própria da vida é a direção do futuro, ao passo queapenas a duração interior é a vida contínua de uma memória que prolonga a passado no  presente.163 Ora, se o passado não perdurasse, simplesmente não haveria duração e nem

consciência.Com efeito, a projeção da vida em direção ao futuro é um movimento em

direção à materialidade, à instantaneidade, à repetição. Somente a consciência individu-alizada, enquanto vida interiorizada que se insere no presente, possui a capacidade decriação, por uma dilatação de si mesma.

E por que apenas a consciência possui essa, não somente capacidade, mas exi-gência de criação? Justamente pela relação que existe entre a consciência absoluta, en-

163 P. M. (Introduction à la Métaphysique ), p. 200-201.

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quanto presença interna, e a consciência derivada de si mesma, e esta relação é a própria

duração, enquanto essência absoluta do universo, enquanto atividade contínua.

 A intuição ligada a uma duração que é crescente, nela percebe uma continuidade ininterrupta de imprevisível novidade; ela vê, ela sabe que o espírito tira dele mesmo mais do que tem, que a espiritualidade consiste nisto mesmo, e que arealidade, impregnada de espírito, é criação.164

Eis porque a apreensão de minha duração interior deve ser um passo para se atingiro absoluto, e nele engendrar-se. A duração é uma totalidade imanente ao ponto presente,porém em perpétuo movimento. Ela coloca o presente, mas logo o interioriza em passado,projetando um futuro no campo da ação. Neste sentido, ela constitui um horizonte ontológicopara a qual devemos retornar, a fim de identificarmo-nos ao máximo com o verdadeiroimediato, com o verdadeiro virtual que consiste na consciência.

Enquanto essência absoluta do universo, infinitamente concentrada, a duração di-ferencia-se em unidades absolutas, pelo seu próprio movimento gerador. Ao constituirmosindividualidades que duram, diferimos da vida absoluta pelo grau de tensão, pelo ritmomenos contraído que possuímos, justamente por necessitarmos adaptá-la à velocidade bemmais lenta de nosso cérebro.

Para que o processo intuitivo, enquanto movimento vertical de durações se dê énecessária uma memória, cuja contração permita uma sintonia com a duração da matéria,cujo limite seria o puro homogêneo, ou com a duração espiritual, cujo limite seria a eterni-dade, porém uma eternidade de vida. Em ambos os casos nós nos transcendemos, mas oimportante aqui é o fato de que a transcedência não se dá no espaço, mas sim no tempo.Intuir é, portanto, transcender o ritmo do tempo inerente à condição humana.

Ora, apenas um ser que interioriza seus momentos, apenas um ser que possuamemória pode transcender o ritmo da matéria ou mesmo da condição humana. Se eu acele-rar ou diminuir a duração do mundo exterior, nada me será alterado. Porém, se inversamen-te eu acelerar ou diminuir o meu sentimento de duração, o mundo permanecerá o mesmo,

porém a minha natureza mudará: um sentimento que durasse duas vezes menos dias não seria para a consciência um mesmo sentimento,165 pois nossos estados de consciência sãoprogresso e não coisas.

Se a memória é o elemento que possui sintonia com o campo transcendental emque a intuição se dá, é porque o passado do ser é quem se identifica com o presente eternodo ser.

164 P. M. (II Introd.), p. 31.165 E. D. I. C., p. 147.

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Segundo o espírito mantenha uma certa tensão de si, ele torna-se atenção à mate-

rialidade do presente, ou segundo ele aumente essa tensão, ele recairá em uma apreensãointuitiva da espiritualidade, de seu passado. No entanto, consciência reflexa e consciênciaimediata são duas relações necessárias para que o sujeito se desenvolva como criação.

Mas, a consciência imediata é imanente à vida interior, e sua relação com a vidainterior é de contato e não de visão, trata-se antes de sentir em si mesmo do que tão somentever. Quanto mais perfeita a sintonia deste contato, quanto mais intenso o sentimento de si,mais original será o ato, a obra a cumprir, pois o próprio movimento de criação do princípioespiritual, da presença interna, manifestar-se-á através de nós.

Se o papel da consciência reflexa é importante, na medida em que sua própria

superação permite o acesso ao ser, não é ela a criadora, mas apenas desencadeadora doimpulso que se manifesta através dela. O horizonte transcendental a precede em sua realida-de plena, e autocria-se através da consciência de si. A condição humana é apenas ponto depassagem da consciência totalizante. Conforme afirma J. Hyppolyte, o homem não se con- quista a si mesmo mas torna-se domicílio do universal.166

Isto ocorre porque a vida interior em mim é o equivalente da consciência absoluta.E para tornar-se consciente de si, a vida interior, ou a memória, deve contrair-se para afinar-se com o impulso criador. E esta contração é a interioridade absoluta da lembrança pura.Desta forma, a apreensão intuitiva do eu por um retorno à vida interior contém em si a

virtualidade de uma criação de si no mundo.No entanto, cabe salientar que nossa consciência imediata da vida interior não é

uma identidade absoluta da duração totalizante e de nossa duração, pois trata-se de minhatotalidade e não da vida em geral. Se nosso passado possui uma ligação com o todo, elecontém, no entanto, um todo limitado, o todo que minha memória consegue fazer coincidirabsolutamente com o princípio da consciência.

Os graus da duração existem em número infinito, mas para uma consciência quebusca a intuição por um retorno à vida, à consciência totalizante, ela aparece em camadas nomovimento em direção aos seres:

a) Duração absoluta – trata-se de um princípio de vida ou de consciência aindaimpessoal, indiferenciada, cujo tempo é o fluir de um presente eterno, e que constitui atotalidade do Ser.

b) Duração subjetiva – aqui a duração absoluta diferencia-se em seres vivos, deforma que cada ser ainda mantenha a totalidade em si, mas em uma concentração infinita-mente menor do Ser; seria o tempo fundamental do ser.

166 HYPOLLYTE, J. Logique et Existence . P.U.F., 1953, p. 244.

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c) Duração ontológica – trata-se de toda duração vivida e interiorizada pelo sujeito,

sob forma de experiência e de aquisições. Nesse próprio processo de interiorização, de conser-vação do passado em geral e em estado virtual, constitui-se o ser em-si, a própria entidade.

d) Duração psicológica – já aqui todo o lastro ontológico que caracteriza o serencontra-se em um estado virtual, mas já em vias de atualizar-se. Neste momento é apenasuma região do passado que orienta-se para a situação presente. A tensão da duração do seraqui passa a distender-se gradativamente, até aderir ao ritmo de um presente inserido nocampo de ação.

O presente já não é apenas a passagem em mim da duração absoluta, mas constitui-se já como ponto de vista da realidade da vida.

e) Duração material – o tempo passa a espacializar-se, a estender-se na extensãocontínua do real, sob forma de duração já destendida em seu grau máximo, a ponto deestender-se quantitativamente, em uma instantaneidade absoluta.

O momento em que a intuição se dá, ou seja, em que a duração revela-se, consistejustamente no movimento da duração psicológica à duração ontológica, ou seja, da passa-gem do homem ao ser, a partir do qual o contato diferencia-se em representações.

 A duração aparece, efetivamente, não como um fluxo vivido imanente a si segundoa dimensão passado-presente-futuro, mas como um duplo movimento que relaciona o pre-sente ao passado, e faz surgir a criação, que é a manifestação da consciência totalizante.

 A consciência individual não é, portanto, jamais percebida, nem como objeto nomundo da extensão, nem como sujeito puro em mim, mas sempre como um duplo movi-mento de atualização e de retorno da criatura à consciência pela interiorização do eu. Trans-cendência e imanência são os dois movimentos entrelaçados da consciência que reencontrao absoluto.

Desta forma, no conhecimento intelectivo, o cone bergsoniano é a imagem dasolidariedade entre o movimento de interpretação e o movimento de criação. No primeirocaso o movimento dá-se a partir da consciência presente em direção ao ser-do-passado. Jáno caso da criação, ela faz-se a partir do ser-do-passado em direção ao futuro. É por umreflexo do presente em meu passado que produz-se o impulso criador, que faz surgir um

presente tanto mais rico quanto maior a pressão do passado. Assim como o ser vivo é uma unidade diferenciada do impulso vital, há diferentes

níveis do passado e diferenciadas repetições qualitativas da vida psíquica.167 Portanto, ainterioridade é sempre vacilante entre o tempo do ser e a espacialidade da matéria.

É neste sentido ainda que Bergson utiliza a imagem do cone para explicar opapel da idéia geral, rompendo com toda idéia de circularidade entre abstração e gene-ralização. Abramos um parêntese aqui.

167 M. M., p. 180-181.

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Na percepção da matéria nosso organismo possui uma identidade de reações a

ações superficialmente diferentes, e desse hábito de semelhanças nosso entendimento tem aidéia clara da generalidade. Desta forma o espírito parte de uma semelhança vivenciadaautomaticamente em seu corpo físico para uma semelhança inteligentemente pensada.

Conseqüentemente, a idéia geral não somente solidifica e espacializa a percepçãoconcreta da consciência, mas oscila entre a esfera da ação e a memória pura.

Se por um lado nosso entendimento apaga as particularidades de uma representa-ção, a memória por sua vez colabora acrescentando distinções sobre as semelhanças espon-taneamente abstratas. E isto ocorre justamente pela sua capacidade de perceber e reter oparticular com uma precisão indefinível.

Não iniciamos, portanto, nem por uma generalidade concebida em sua plenitude,e nem por uma individualidade percebida nitidamente, mas antes por um sentimento de qualidade marcante,168 que as engendra por uma dissociação de si mesma.

Conseqüentemente, a percepção de indivíduos segue o mesmo movimento do pas-sado ao presente na percepção, em um movimento análogo ao movimento de interiorizaçãoda consciência. Já a constituição de generalidades também se dá do passado em direção aopresente, porém ela não culmina em nenhum futuro criador.

Esta oscilação nos indica, portanto, duas transcendências: a do momento presente

para um outro presente, e a da base qualitativa da vida interior para uma interioridade aindamais complexa.

No entanto, muito embora essas oscilações se dêem em um mo-vimento circular, Bergson acentua o afluxo, como sendo o ponto de par-tida para uma forma de conhecimento legítimo. Trata-se antes de ummovimento vertical, no qual o espírito move-se de cima para baixo nointerior do cone imaginado em Matéria e Memória. E essa verticalidade étornada necessária pela riqueza infinita do espírito que, indo adiante dascoisas, torna-as expressivas e significativas.

Se tudo quer dizer ao mesmo tempo tensão , o movimento do processo intuitivodá-se a partir do tenso em direção ao distenso . Se essa tensão relaxar-se, a oscilação estabili-zar-se-á e subsistirá apenas a ponta do cone, porém se a consciência contrair seu interior, porum esforço de seu psiquismo individual, alcançará camadas mais e mais profundas de simesma, e portanto uma sintonia mais perfeita com o objeto de conhecimento visado.

168 M. M., p. 176.

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Se a duração das coisas é a vida estendendo-se na materialidade, minha duração

interior deve intensificar-se em direção à espiritualidade, e este é o verdadeiro trajeto daempresa filosófica.

 A partir da intuição de minha interioridade posso estabelecer uma sintonia com ainterioridade da Consciência totalizante ou com a interioridade de um objeto determinado,segundo o nível de tensão, de qualidade, em que meu espírito vibra.

 Ao intuir a mim mesmo como atividade contínua, como crescimento e mudançaem um fluxo indivisível, perceberei um progresso irreversível , onde o passado pressiona opresente, em uma atividade mais rica ou mais pobre, segundo o nível de tensão em que mecoloco.

E esta irreversibilidade do meu passado deve conduzir-me necessariamente pois,no conhecimento intuitivo a tensão de meu espírito não visa um objeto dado, mas sim oengendramento de uma nova forma do eu e do mundo.

Essa criação da novidade em mim é uma nova configuração da existência do objetoem sua totalidade: ao fornecer sintonia com uma camada cada vez mais elevada e concentra-da da duração forneço condições de o impulso espiritual, de a presença interna passar atra-vés de mim, e diferenciar-se em novas criações.

E neste processo criativo ocorre uma criação em mim mesma, pois simpatizo com opróprio movimento que gera o objeto, o ser, o tempo. Tal engendramento só pode dar-se por

um prolongamento de meu ser-passado na minha entidade psicológica presente.Uma duração criadora que é, no entanto, colocada como passividade, determina a

lei fundamental da vida, da criação artística, da criação intelectual e mais particularmente dainvenção moral. Essa passividade deixa portanto de sê-lo, na medida em que adere à minhavida interior e é ativada pela minha consciência.

 A intuição é o equivalente consciente da vida absoluta.169

Ora, se a duração absoluta flui em mim, por outro lado eu permaneço eu mesmo,

e a minha individualidade, a minha entidade manifesta-se em forma de consciência – criado-ra também – do fluxo universal criador.

Passent les jours et passent les semaines (...)Vienne la nuit sonne l’heure Les jours s’en vont je demeure.170

169 TROTIGNON, P. L’idée de Vie Chez Bergson. P.U.F., 1968, p. 619.170 APOLLINAIRE, G. Alcools (Le Pont Mirabeau). Gallimard, 1920, p. 15.

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Tudo passa, tudo vem-a-ser para a consciência reflexiva, mas ao mesmo tempo

tudo permanece no ser que a vivencia, no ser que está inserido no Ser. A consciência passaa ser, portanto, concentração de uma duração difusa e ao mesmo tempo diminuição daconsciência absoluta.

 A intuição não se dá, dessa forma, no sentido de nossa vida, mas no sentido davida em nós. Ela deve portanto conquistar-se, por um retorno da consciência à compre-ensão e à identificação com sua própria fonte, para que possa recolocar-se no impulsocriador da Presença. E uma vez tomada a consciência de si neste fluxo gerador, alarga-seindefinidamente seu pensamento.

Filosofar não é, portanto, conhecer as coisas, mas determinar a orientação do

pensamento pela qual a vida criará novas formas do mundo e de sua consciência.

6. PROCES 6. PROCES 6. PROCES 6. PROCES 6. PROCES SO INTUITIVO SO INTUITIVO SO INTUITIVO SO INTUITIVO SO INTUITIVO 

Reconsideremos, pois, os momentos ou atos, através dos quais constitui-se oprocesso intuitivo:

I. Inversão da marcha do pensamento I. Inversão da marcha do pensamento I. Inversão da marcha do pensamento I. Inversão da marcha do pensamento I. Inversão da marcha do pensamento 

1. Retorno – momento de divisão 

O ponto de partida do processo consiste em um trabalho da consciência que,por reflexão, busca retornar às realidades puras, unas e absolutas. Para tanto, deve-se decerta forma estabelecer diferenças qualitativas de nossa experiência concreta de seresincorporados na matéria. A consciência, colocada exatamente no tournant da experiên-cia mista, divide-a em duas linhas: material e espiritual, objetiva e subjetiva, limitada e

absoluta, existencial e essencial. Temos aqui um processo analítico pelo qual a consciên-cia reflexa decompõe a experiência humana.

2. Buscar a linha da essência

Uma vez estabelecida a divisão da realidade, faz-se necessária buscar a linha daessência, ou seja, a linha do espírito, da mobilidade e da duração, para que a própria cons-ciência reflexa se dê condições de sintonizar com o puro e absoluto.

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3. Superação da inteligência na mobilidade 

Todo o caminho que a inteligência deixou-se percorrer, em conformidade comos hábitos incorporados pela vocação pragmática da vida, deve ser desfeito por ela mesma.Ela deve tirar o véu que impede a consciência de ser consciência absoluta de si, buscandorestabelecer a continuidade que nossa percepção e, conseqüentemente nosso entendimento,recortaram na extensão real.

Para tanto, ela deve considerar o movimento como sendo a essência real das coisas,para então percebê-lo como qualidade. Segundo a velocidade desse movimento ele se cons-tituirá em uma duração – visto que leva um tempo para se dar – menos ou mais tensa.

Desta forma a consciência atravessa reflexivamente o conhecimento que temos doaspecto superficial das coisas, e as funde umas às outras em uma continuidade melódica.

... não se obtém da realidade uma intuição, isto é uma simpatia espiritual com o que ela possui de mais interior, se não se ganhou sua confiança por uma longacamaradagem com suas manifestações superficiais.171

II. Momento da intuição II. Momento da intuição II. Momento da intuição II. Momento da intuição II. Momento da intuição 

4. Reativação do eu interior 

 Até aqui os passos se fizeram em função de um retorno reflexivo para se captar olado essencial das coisas. Este quarto momento constitui a prova experimental da possibili-dade da intuição, pois a realidade que melhor conheço é a mim mesmo.

 A intuição diz respeito antes de tudo à duração interior .172 No entanto, a simpatiacom a duração interior não deve ser concebida como uma introspeção, que fecharia o filóso-fo em si mesmo mas, ao contrário, como um momento de dilatação de si mesmo.

Mas, se a metafísica deve proceder por intuição, se a intuição tem por objeto amobilidade e a duração e se a duração é de essência psicológica, não vamos fechar o filósofo na contemplação exclusiva de si mesmo? 173

171 P. M. (Introduction à la Métaphysique ), p. 226.172 Idem. (II Introd.), p. 27.173 Idem. (II Introd.), p. 206.

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Muito pelo contrário, a apreensão do eu interior leva a uma dilatação do ser na

medida em que permite uma sintonia com o conjunto dos seres vivos, assim como a apreen-são de um sentimento em mim coloca-me em condições de apreender intuitivamente minhaexistência subjetiva inteira.

Porém, quando Bergson refere-se ao eu interior, não se trata do eu psicológico ,ainda voltado para o mundo exterior, e cuja atenção está dirigida para o movimento descen-dente de atualização. Trata-se antes de instalar-se no eu interior, cuja real dimensão éontológica. Sendo o momento psicológico um misto , ele não se presta a uma atividadeintuitiva que se dá no puro e virtual.

Ora, assim como não percebemos as coisas em nós, mas nelas mesmas, nós só

apreendemos o eu puro lá onde ele está, ou seja, em si-mesmo, e não no presente.O eu interior consiste no ser, porém no ser-do-passado, constituído de lembranças

puras e de significação ontológica. Ora, o processo intuitivo seria inconcebível se não se desseno ser. Intuir é passar a viver o objeto em si mesmo, e não somente pensá-lo. É o nosso euinteiro, nosso passado integral ou memória, que toma contato com o dado. O eu profundo éo tesouro da experiência que se conserva em um passado vivente e que gera a si mesmo.

Há, portanto, um passado em geral, que não é o passado particular de tal ou talpresente, mas um passado eterno e de todos os tempos, e que passa por todo presenteparticular.

É a nossa personalidade inteira, com a totalidade de nossas lembranças, que é ocampo em que a intuição se dá. Daí a necessidade de uma dilatação de nossa consciência porinteira para que se possa abarcar uma riqueza cada vez maior de detalhes, e conseqüente-mente estender-se sobre uma superfície maior do real.

 A intuição dá-se, portanto, no ser impassível, inconsciente, o qual pouco a poucocontrai-se no instante psicológico. No entanto, o processo intuitivo não se dá do momentopsicológico ao todo ontológico. Deve-se antes instalar-se, de vez, no passado em geral, paraentão “psicologizá-lo”.

Temos consciência de um ato sui generis pelo qual nos distanciamos do presente  para recolocarmo-nos primeiramente no passado em geral, depois em uma certaregião do passado. 174

 Assim como existem vários graus de tensão da duração do ser que lhe confereacesso a todos os seres, há igualmente um passado de dimensão ontológica-espiritual quetorna possível todos os passados.

174 M. M., p. 148.

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Este momento é ainda aquele da dilatação da consciência, que apreende a intuição do

eu consciente como ligação a um inconsciente – o qual por sua vez, é a indicação de umaligação por simpatia com as consciências e com a Consciência em geral. Sabemos que entre asrealidades virtuais não existe divisões ou contornos, tal qual nos corpos inertes, mas interpene-tram-se em uma mobilidade qualitativa, tal qual em um processo de “endosmose”. A lei querege a união destas consciências será a afinidade vibratória que as atraem entre si, e quantomais elevada a sua tensão, maior será a afinidade com a consciência em geral.175

5. Tensionar o espírito 

Tensão, concentração, tais são as palavras pelas quais caracterizamos um méto- do que requer do espírito, para cada novo problema, um esforço inteiramente novo.176

Se o nosso espírito simpatiza por inteiro com o objeto ou com o presente, é porque,primeiramente percebemos uma qualidade indivisível e semelhante, e depois os indivídu-os que se assemelham. A intuição dá-se, portanto, por uma simpatia de qualidades desentimentos, conseqüentemente de níveis de tensão que identificam-se e atraem-se. Após

isto é que nosso eu psicológico percebe os objetos semelhantes ou as diferenças individu-ais.

 A intuição dá-se, portanto, pela sintonia do todo com o todo, do espírito peloespírito, para então decompor em partes o real. Não se trata, efetivamente, de uma associa-ção de idéias semelhantes, mas o fato primitivo, e que constitui a próprio contato imediato,é um sentimento que se dissocia em representações. Não se trata, obviamente, de sentimen-to em nível de sensibilidade, mas de uma comoção interior, de um impulso gerador deidéias, anterior à sensibilidade e à própria razão.

Desta forma, o importante não é a coesão de nossos estados internos, mas sim oduplo movimento de contração e expansão de nossa memória, de distensão ou tensão denosso espírito, que nos leva a sintonizar com diferentes níveis qualitativos.

 Ao expandir o eu consciente no eu inconsciente e virtual que procura emergir,revelar-se, a consciência finita acaba por expandir-se no fluxo da vida e da Consciência. Aodeixar-se envolver neste movimento da duração universal, ao simpatizar com o ritmo que a

175 P. M. (II Introd.), p. 28.176 Idem. (II Introd.), p. 97.

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embala, a consciência entra no campo transcedental da Duração, passa a ser a totalidade das

durações na interiorização do eu, incluindo a minha enquanto vibração particular.Na verdade, não é a Presença que introduz as diferentes durações em nós, mas ela

nos  introduz nestas diferentes vibrações da Consciência. Existem ressonâncias de pensa-mentos, sentimentos, idéias insuspeitáveis, e cabe a nós deixar-nos adentrar pelo ritmo des-tas consciências para podermos traduzi-las em movimento.

Esta dilatação da consciência, que reabsorve em si a vida e a intelectualidade, nosintroduz no domínio do transcedente, o qual nos faz sentir a vida como um sistema infinitode tensões. A dilatação da consciência será portanto dupla, segundo busque o eterno movi-mento de repetição, ou segundo englobe a eternidade da duração absoluta.177

No entanto, sabemos que o fim supremo da vida é não somente a superação dacondição humana, mas sim sermos co-criadores do universo. A própria essência do espírito émovimento, e a própria temporalidade da essência é um dado constitutivo do ser. Conseqüen-temente, em criar a si mesmo, no objeto e no universo, consiste a destinação do ser.

 Justamente pelo fato de minha consciência ser a degradação da consciência criado-ra, é que a criação faz-se uma exigência no fluxo temporal do ser.

 A consciência totalizante torna-se consciência de si em mim sob forma de uma vidaespiritual, cuja essência é a criação pura. Porém esta criação é necessariamente a de minha

atividade.

Ela (a intuição) sabe que o espírito tira dele mesmo mais do que tem, que aespiritualidade consiste nisto mesmo, e que a realidade, impregnada de espírito,é criação.178

Devemos, portanto, nos recolocar na direção do princípio transcedente, do qualparticipamos. Transcender é transcender-se no tempo, em uma tensão maior de si mesmo,fazendo do aumento de sua própria vibração, do aumento do próprio nível ontológico doser, passagem para a Consciência, cuja aderência à nossa culmina em uma emoção criadora.

Tensionar o espírito significa, portanto, elevar a si mesmo, acima da condição hu-mana, por uma vibração mais rápida e portanto menos densa do ser, mais qualitativa emenos repetitiva. Intuir é transcender-se na qualidade do tempo.

Tal tensão só se dá, portanto, por uma ascensão moral do ser, cuja alma abre-separa manifestações inusitadas da Consciência.

177 M. M., p. 248-249.178 P. M. (II Introd.) p. 31.

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6. Monismo – Integrações qualitativas 

Neste momento a intuição da Duração em mim, enquanto sistema infinito de grausde tensão, restaura uma Unidade absoluta entre a Consciência e as consciências, entre oEspírito e a matéria, mas sob forma de consciência de si.

 A Consciência torna-se consciência de si em minha consciência, a qual sabe que otodo é imanente a cada grau. E essa visão do todo suscita em mim um impulso criador queme faz reencontrar novamente o mundo das coisas e da linguagem, porém em uma novaconfiguração.

O retorno à reflexão através desta interioridade enriquecida pela união com otodo, animada pela emoção que suscita o contato com a geração das coisas e do ser, suscitapor sua vez a criação livre do eu no mundo conceitual e intelectual da ação.

III. Atualização ou expressão do dado intuído III. Atualização ou expressão do dado intuído III. Atualização ou expressão do dado intuído III. Atualização ou expressão do dado intuído III. Atualização ou expressão do dado intuído 

7. A criação 

Conforme visto, o processo de simpatia, e que constitui a própria intuição, dá-seem meio a um campo transcendental de virtualidades, do qual faz parte o ser-passado daconsciência.

Desta forma, o contato intuitivo dá-se no eu ontológico da consciência, cuja virtu-alidade constitui o acesso a todos os seres, e cuja essência temporal constitui o elementoconservador e engendrador do ser.

Uma vez estabelecido o contato regenerador do eu com outras virtualidades, nocaso a Consciência, este contato, por sua vez, culmina em um uma emoção suscitada peloato gerador, pelo engendrado e pela geração de si mesmo – emoção essa que vivifica ainteligência, que gera representações explicativas do conhecimento, e que cria, por sua vez,outras linhas diferenciadas.

Ora, a própria vida confunde-se com seu movimento de diferenciação. Se por umlado a Duração diferencia-se devido aos obstáculos da matéria que ela atravessa, por outrolado, a diferenciação não possui apenas uma causa externa, mas a duração possui em si umaforça propulsora interna que se diferencia.

Ela supõe uma unidade, uma totalidade primordial virtual e pura que se dissociaem linhas de diferenciação, as quais testemunham ainda sua unidade, sua totalidade

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subsistente. Cada parte, portanto, traz em si o todo, segundo a tensão de duração, ou segun-

do o nível em que se coloca. A diferenciação consiste, com efeito, na atualização de uma virtualidade que persis-

te através de suas linhas divergentes. Partindo, portanto, de um Simples Puro que se materi-aliza, o que é a criação senão uma Duração difusa que toma consciência de si em mim, e queao contrair-se acaba por diferenciar-se na extensão? Ora, atualizar-se nada mais é do quecriar suas linhas de diferenciação: portanto criar é diferenciar-se, é trazer para o instantepresente a experiência intuída do ser, por uma diferenciação de seu ser virtual.

Ora, se o tempo possui diferentes níveis de tensão ou distensão, conseqüentementehaverá diferentes linhas de atualização correspondentes. Uma vez diferenciadas, essas linhas

cessam de coexistir no atual, e embora cada uma contenha o todo, cada uma constitui umponto de vista, segundo o nível ontológico do qual se originaram.

O mesmo acontece com a intuição espiritual. Para que se estabelecesse o contatodo ser com o objeto, foi necessário primeiramente instalar-se na duração ontológica quenada mais é que o passado do ser, o passado em geral, para então atualizar gradativamente oobjeto intuído.

8. Processo de atualização 

a)a)a)a)a) Inserção em uma atmosfera intelectual

O esforço interpretativo exige que o espírito se coloque d’emblée em um planoespiritual e nele descubra o sentido das coisas.

Essa atmosfera espiritual é o ser-do-passado, o passado em geral, total, virtual epuro. Este passado integral é constituído de uma duração sucessiva, porém ele é sucessivoporque mais profundamente, o espírito é coexistência de todos os níveis, de todas as

tensões, de todos os graus de tensão e distensão.179 Desta forma é a totalidade de nossopassado que se manifesta no presente segundo um nível mais ou menos contraído em quese coloca.

 Aqui está o ponto em que a memória-contração ativa a memória-lembrança. Overdadeiro trabalho no processo de conhecimento dá-se no espírito, não por uma adjunçãode elementos, mas por uma mudança de nível.

179 Se o ser-do-passado e o ser-presente são coexistentes, podemos agora passar a usar o termo espírito , emvez de memória.

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b)b)b)b)b) Movimento de translação e de contração do espírito

Neste momento é a memória integral que se contrai diante da experiência, em umnível de tensão, maior ou menor, sem contudo dividir-se.180

Todas as lembranças estão aqui ligadas por contigüidade à totalidade da memóriaem um determinado nível, em uma representação indivisa.

O traço distintivo das coisas espirituais é justamente o fato de serem sempre com-pletas, e de bastarem por si mesmas – já no caso do impulso vital, trata-se de totalidadesinsulares.

É neste sentido que há várias regiões do próprio ser, regiões ontológicas do passadoem geral, todas coexistentes, todas repetindo-se uma às outras.

Não se deve pensar com isso que a lembrança deva passar de um nível a outro paraatualizar-se, pois cada lembrança está no nível que lhe é próprio. Eis porque o movimentotranslativo do espírito é uma contração ontológica, pois a lembrança atualiza-se ao mesmotempo que seu nível.

 Assim sendo, se Bergson recomenda-nos uma tensão da memória para que se tenhauma experiência mais rica, ele não quis dizer que devêssemos abarcar uma quantidade maiorde lembranças, porém um nível de qualidade maior, cujo conteúdo fosse menos banal e mais

original. Elevar-se de nível é vibrar mais positivamente , em um ritmo qualitativo, e nãoquantitativo, mais elevado.

 A causa maior das obscuridades da atividade espiritual está justamente no fato deconfundir-se os níveis, ou seja, quando a memória desce a um plano de consciência inade-quado ao seu nível.

 A memória possui , portanto, seus graus sucessivos e distintos de tensão ou de vitalidade, difíceis de definir, sem dúvida, mas que o pintor da alma não pode misturar impunemente.181

Tal é o caso da leitura de um romance, exemplifica Bergson, em que certas associ-ações de idéias nos parecem verdadeiras, outras porém nos chocam e não nos dão a impres-são de reais, pois sentimos uma aproximação mecânica dos diferentes estágios do espírito. Écomo se a autor não soubesse manter-se no tom, ou no nível da vida espiritual que esco- lheu.

180 M. M., p. 188.181 Idem, p. 189.

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Ora, se a intuição dá-se em função de simpatia, essa capacidade de sentir em

uníssono dá-se naqueles cujos níveis ontológicos possuem ressonância.

c)c)c)c)c) Movimento de rotação ou de expansão do espírito

 Aqui, o espírito orienta-se para a situação do presente para apresentar-lhe aface mais útil. Ele orienta a parte de si que possui simpatia com o movimento pelo quala lembrança deve atualizar-se.

 Já instalado em determinada região do ser-passado, as lembranças não maisencontram-se em penetração recíproca, mas a representação indivisa agora desenvolve-

se em imagens distintas, exteriores umas as outras, e correspondentes a tal ou tal lem-brança. Já o ser-do-passado passa a orientar-se pelo ser-do-presente, ou seja, a consciên-cia ontológica contraiu-se em consciência psicológica.

 Agora, ao contrário, a consciência passa por um movimento de expansão psi- cológica, na medida em que atravessa os sucessivos planos da consciência. Não se tratamais de contração, mas de uma divisão, de uma extensão.

Uma vez a lembrança atualizada em imagem, é então que a lembrança adere aopresente e entra uma espécie de circuito com ele.182

Tem-se desta forma dois movimentos de atualização atualização atualização atualização atualização , um decontração e outro de expansão . Vemos que eles correspondem aosmovimentos de tensão e distensão dos níveis múltiplos do cone. Am-bos possuem em comum o movimento, mas, em tratando-se de intui-ção espiritual, possuem direções opostas.

Se, por um lado, o movimento de ascensão do espírito nosconduz a um probabilismo superior , dada a não finitude de suas par-tes, seu processo de atualização constitui um empirismo superior, na medida em que a

Consciência é vivida pela própria consciência.

d)d)d)d)d) Materialização ou expansão

Este é a último momento da atualização em que a imagem transforma-se emmovimentos. O sistema nervoso opera uma decomposição da imagem-lembrança emmovimentos de articulação, ou seja, em palavras.

182 M. M., p. 115.

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Não nos esqueçamos, porém, de que a lembrança ou idéia materializa-se, não

em função de seu próprio presente, do qual ela é contemporâneo, mas em função de umnovo presente – acrescido por novidades e em uma nova configuração do dado – emrelação ao qual aquele agora já é passado. Assim podemos resumir esquematicamente osmomentos desse processo de atualização:

CONSCIÊNCIACONSCIÊNCIACONSCIÊNCIACONSCIÊNCIACONSCIÊNCIA TOTALIZANTE

MEMÓRIAMEMÓRIAMEMÓRIAMEMÓRIAMEMÓRIA LEMBRANÇAS ESPÍRITO TENSÃO

PURAS

Dimensão Passado geral Translação

Ontológica – Níveis –

CONSCIÊNCIACONSCIÊNCIACONSCIÊNCIACONSCIÊNCIACONSCIÊNCIA LEMBRANÇAS CORPO PSÍQUICO

REFLEXREFLEXREFLEXREFLEXREFLEX A A A A A IMAGEM ou MENTAL

Dimensão Região do Passado Rotação

Psicológica – Planos –

CONSCIÊNCIACONSCIÊNCIACONSCIÊNCIACONSCIÊNCIACONSCIÊNCIA MOVIMENTOS CORPO

HÁBITOHÁBITOHÁBITOHÁBITOHÁBITO ARTICULADOS FÍSICO

Dimensão – Palavras – Decomposição

Biológica

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D

CONCL CONCL CONCL CONCL CONCL USÃO USÃO USÃO USÃO USÃO 

uração, Consciência, Vida, tudo é, portanto, Memória, constituída eincessantemente constituinte, que interioriza e exterioriza seus mo-mentos em uma geração contínua de qualidade, de pensamento e de

vida, em um sistema infinito de tensões.

 A intuição consiste justamente no fato de a Consciência tornar-se consciência-de-si,a qual vive em si o Todo, como imanente a cada grau de sua objetivação. Neste sentido, aintuição é o equilíbrio consciente da vida absoluta.

 Ao permitir um conhecimento além da condição humana, ela nos introduz assimna vida espiritual em sua mobilidade qualitativa, em sua direção transcedente, em sua subs-

tância continuamente criadora. Dando-se em um ponto acima do “tournant” do espírito namatéria, ela nos permite superar a descontinuidade que nossa inteligência opera no mundo,reencontrando em uma visão simples a consciência do ato gerador e do engendrado, comomeio de um conhecimento transcendente, como princípio de criação do ser, por um retornodo constituído ao constituinte, do engendrado ao seu princípio absoluto.

Da mesma forma que o princípio absoluto em sua contração deixa de ser umaconsciência difusa através da matéria, a intuição permite à Consciência Universal, em umacontração de si, passar a ter consciência de si através dos próprias seres. Intuir, passa a serportanto, dar passagem à Consciência espiritual, por um esforço de elevação da própria

consciência.E em que condições a Duração torna-se consciência-de-si, e como ela eleva-se à

condição de um espírito livre de fato?

Ora, segundo Bergson, é somente no homem que o impulso inteligente podepassar com sucesso, pois somente nele a presença material é adequada ao virtual. Somentea homem é capaz de reencontrar todos os níveis de tensão e distensão que coexistem noTodo virtual. Além do que, todas as durações, inferiores ou superiores, são ainda interio-res a ele.

Criado por uma diferenciação que contém o Todo, apenas a espírito humano pos-

sui a capacidade de abrir-se para exprimir o todo em si mesmo, cujo grau ou nível de apre-ensão variará consoante a tensão que o espírito puder alcançar. Somente o homem,

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portanto, é capaz de superar seu plano e sua condição natural para exprimir em si

mesmo a natureza naturante , o manancial infinito da Presença que lhe é imanente.E por que cabe ao homem este privilégio? Buscando na experiência humana o

fundamento concreto para uma afirmação positiva do espírito e conseqüentemente daintuição, Bergson parte para tal do estudo da matéria cerebral. Conforme visto, à medidaque o sistema nervoso complica-se na evolução das espécies, maior a duração de tempoentre a ação e uma reação do organismo. Assim sendo, a tendência dos sistemas nervososé evoluir em função de uma atividade cada vez menos necessária, e portanto mais livre.Importa lembrar que no cérebro humano, entre a sua atividade analítica diante de umestímulo exterior e sua faculdade de seleção, de reação, há um momento de espera ou de

indeterminação, no qual a memória, o ser-do-passado, insere-se. Porém, é a memória todaque – ligada a tantas outras memórias segundo seu nível de tensão, assim como à Memória– manifesta-se neste momento de liberdade, e torna-se presente. É toda a liberdade que seatualiza.

Se a cerebração, por sua vez, substitui os atos arbitrários, ela não vai além dapercepção ou de uma memória utilitária – visto que as lembranças úteis atualizam-se nocérebro – nem além da inteligência enquanto órgão de domínio e de utilização da maté-ria. No entanto, tais faculdades não são fundadas sobre uma consciência Transcendente,mas por uma exigência da função natural.

Mais além, o corpo humano mimetiza a vida do espírito em sua integridade, epermite assim à consciência instalar-se no passado puro, no virtual.

Em um terceiro momento, a consciência não mais orienta-se em direção à ma-téria, porém inverte sua marcha habitual, colocando-se na direção do espírito. E nestesegundo momento de indeterminação, entre a evocação da lembrança e seu movimentode atualização, o espírito apreende diretamente a realidade da matéria, do espírito, deoutras espíritos ou do Espírito: ele é capaz de intuição. É assim que Bergson confere aohomem esta abertura excepcional, já anunciada anteriormente, enquanto um poder deultrapassar seu plano e sua condição, ao mesmo tempo que esse privilégio de fazer de simesmo acesso à Consciência.

Sem coincidir perfeitamente com a Duração, o que será o caso de uma Presençaeterna apenas, é possível à consciência – enquanto movimento de um fluxo qualitativoininterrupto, enquanto memória que se conserva e que se engendra – apreender as prin-cipais tonalidades sucessivas, as suas mudanças de direção.

E qual o ponto de partida da intuição? Devo primeiramente inverter  a marchanatural da consciência, em seguida tomar o movimento como essência da realidade emseu estado mais superficial, para então apreender a duração . A segunda parte consisteem reativar minha duração interior, o meu ser-passado , para então apreender não so-

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mente a minha subjetividade absoluta e por inteira, mas apreender a minha ligação com

outras consciências e com a Consciência em geral.

... e se, por uma primeira intensificação, ela (a intuição) nos fazia apreender a continuidade de nossa vida interior, se a maioria dentre nós não ia mais longe, uma intensificação superior a traria talvez até as raízes de nosso ser, e através dela, até o próprio princípio da vida em geral. 183

Efetivamente, a intuição de minha interioridade é a intuição de uma interioridadeabsoluta da vida ou da Consciência, sob forma de interioridade de um objeto determi-nado.

 Assim sendo, ao permitir uma dilatação da consciência que reabsorve em si aConsciência, a intuição consiste não somente em um método de conhecimento, mas naprópria transcendência. Ao permitir acesso às novas experimentações da consciência,esta por sua vez cede a uma busca de iluminação interior, através de uma geração de simesma.

Seu papel consiste, através de um conhecimento que se dá além da experiênciahumana, na própria superação da natureza física em direção à unidade geradora, o quepor sua vez constitui a própria atividade da Consciência na consciência.

Nesse contato com a causa do ser, com seu movimento gerador, um influxo doalto invade o espírito e lhe desperta inusitados sentidos. Quando as profundezas da

alma são movimentadas, o que sobe à superfície e chega à consciência toma, se a inten-sidade for suficiente, a forma de uma emoção.

Esta emoção consiste no próprio esforço de tensão do espírito, que eleva-separa poder vibrar em sintonia com os seres ou com o Ser, que tira de si, de sua própriasubstância, a emoção que gera a si mesmo ao re-engendrar o objeto:

Trata-se também de uma anterioridade no tempo, e da relação do que engen- dra ao que é engendrado. Apenas com efeito, a emoção do segundo gênero  pode tornar-se geradora de idéias.184

Bergson distingue a emoção espiritual  da emoção sensível . Esta é apenas reper-cussão de nossas representações no campo da sensibilidade, e que portanto é consecuti-va a uma idéia ou a uma imagem. Tal qual a atividade perceptiva e intelectiva, seumovimento é centrípeto e, portanto, o sujeito nada cria de si mesmo. Trata-se apenas deuma transposição psicológica, de uma excitação física, em que o sujeito permanece pas-sivo.

183 D. S. M. R., p. 265184 Idem, p. 41

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 Já a emoção espiritual é gerada pelo próprio espírito. Consiste na alegria inte-

rior da criação de si por si, em um esforço do espírito que tira de si aquilo que não tem.Trata-se de um movimento afetivo da alma, que é suscitado pelo próprio contato doespírito pelo espírito, da relação do que engendra ao que é engendrado, no movimento doCriador através do ser criado.

Não se trata de um trabalho intelectual frio, em que se parte de uma multiplici-dade de dados constituídos para se chegar a um arranjo, a uma suposta unidade, quenada mais é que uma recomposição do dado. Ao contrário, a visão intuitiva do todo davida suscita-nos uma emoção, um impulso criador que nos leva a re-fazer o mundo dascoisas e da linguagem.

Intuir é acompanhar a estrutura do movimento, é inserir-se no ritmo do Cria-dor em sua passagem à Consciência criadora, é vivenciar em si este crescendo de senti-mento que gera o pensamento.

Só se conhece o que se pode de alguma maneira reinventar (...) a intuição quereria reencontrar o movimento e o ritmo da composição, reviver a evo- lução criadora nela inserindo-se simpaticamente.185

É nesta simpatia de movimento que o sujeito passa a viver sua relação com oobjeto. Nesse processo de interiorização em que o Ser torna-se consciência de si, todo

espaço é diluído pela própria colaboração simpática na direção do objeto.

 Ao instalar-se no movimento do objeto, ao deixar-se envolver pelo ritmo do pro-cesso criativo da Consciência, a intuição vai além da coincidência que permite um conhe-cimento metafísico da realidade, ao permitir ao indivíduo transcender-se, gerar em simesmo a energia espiritual que se consumiria e ao mesmo tempo hauriria-se na criação,na emoção que se estenderia em representações explicativas na inteligência.

O próprio esforço de tensão do espírito é acompanhado de um sentimento decuriosidade, de busca e ao mesmo tempo de uma alegria antecipada de resolver ou criaruma inovação. Se Bergson enfatiza as diferenças de natureza que definem os estados dealma ou de espírito, podemos dizer que a própria mudança de grau ou de tensão do serimplica em uma mudança de estados ou de qualidade do espírito.

Efetivamente, todo esforço de tensão não se faz simplesmente por uma concen-tração do espírito, mas por uma elevação qualitativa do modo de sentir. As diferençasgraduais de tensão resultariam na ipseidade do ser, se não culminassem em uma trans-formação, em uma aquisição de qualidade, em uma elevação do ser por inteiro.

185 P. M. (II Introd.), p. 94-95.

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Tensão significa velocidade, ritmo vibratório. Portanto, se todo movimento segun-

do Bergson implica uma mudança de estado, tensionar o espírito implica conquistar umavibração cada vez mais intensa, e que culmine no nascimento de um sentimento de qualida-de interior. Se toda quantidade é a qualidade em estado nascente, todo nível de tensão implica a surgimento de um sentimento de natureza diferente .

Quando Bergson refere-se a sentimento, não se trata de sensibilidade, mas de algoque está além dela e da própria razão. Se todo trabalho filosófico fecundo nasce de umaconcentração do pensamento que tem por base uma emoção pura, esta consiste na própriaelevação do ser, no próprio contato regenerador do eu com a Consciência universal e eterna,da qual ele constitui apenas uma vibração, um grau de tensão.

Essa participação na presença no ser em seu movimento criador explica esta quaseirresistivel exigência de criação que envolve o espírito. Este passa a estancar a sede nosmananciais vistos e inexauríveis da Consciência plena.

Daí provêm nossas mais altas aspirações, nosso desejo de saber, jamais satisfeito,nosso sentimento do bem e do sublime; daí os clarões repentinos que luzem por momentosna inteligência.

Sob a superfície da consciência ou do eu superficial agitado por desejos, que porsua vez surgem da apreensão fragmentada e descontínua da realidade, existe uma Consciên-cia integral, plena e original, e que constitui o princípio da Sabedoria e da Razão, de que a

maior parte dos seres só têm conhecimento por surdas impulsões. É justamente o sentimen-to da perfeição, do absoluto, do em-si em nós à luz da intuição, ou seja na identificação, nafusão em nós destes dois níveis ontológicos.

Quando nossa memória integral, quando nosso ser por inteiro passa a ser umaconsciência da Consciência plena, nosso eu dilata-se muito além do mundo da sensação e darazão. E através desta simpatia, nossas mais altas inspirações passam a surgir do centro denossa própria personalidade, uma vez identificada com o Eu original.

O raciocínio discursivo pensa o ser, mas a visão do ser contempla seu objeto nopróprio ser. A própria intuição desta forma, ao identificar-se com o ser original passa a ser

expressão de liberdade, na medida em que o ato livre, segundo Bergson, é todo aquele queemana do eu, que traz a marca de nossa verdadeira pessoa. A liberdade não consiste na facul-dade de se escolher entre dois possíveis, mas na liberação de nossa mais original preferência.

... somos livres quando nossos atos emanam de nossa personalidade inteira,quando eles exprimem, quando eles possuem com ela uma indefinível seme- lhança que encontra-se por vezes entre a obra e o artista.186

186 E. D. I. C., p. 129.

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É assim que, na alegria inusitada da alma, a consciência transcende e revela-se a si

mesma; vibra no músico a sinfonia universal, palpita no poeta uma inspiração sublimada,gera-se no interior do filósofo a intuição criadora.

 A liberdade dá-se, portanto, apenas pela comunhão do eu finito com o eu infinito,o qual por sua vez transforma-se, torna-se uma consciência renovada, cuja modificaçãorepercute no presente material. Uma vez estabelecido esse contato, uma vez dada a intuição,a consciência não terá limites, pois poderá abraçar todas as manifestações da vida infinita.Uma vez superada a visão exterior a si da dualidade, o eu puro torna-se onisciente.

Quanto mais nos aprofundamos no interior de nós mesmos, mais facilmente supe-ramos nossos hábitos superficiais, e mais liberamos uma capacidade insuspeitável de simpa-

tia universal, que pode conduzir a um contato íntimo com o próprio princípio da vida. Aoatingir esse ponto situado além da vida na matéria, somos tomados por uma indefinívelemoção, pois percebemos em nós o impulso original anterior à multiplicidade contingente:o amor.

Coincidir com o amor, de essência metafísica e moral, leva-nos a sentir o segredoda criação, a viver em nós a energia criadora. A intuição passa a ser assim uma comunicação,uma união com a vida espiritual. Mais do que um modo de conhecimento, ela passa a sercriação, na medida em que é animada, dilatada e afinada pelo amor.

O esforço de tensão, de concentração do espírito, deve portanto, culminar no

sentimento do amor, enquanto fonte original do pensamento e de idéias.

Os grandes homens de bem (...) são os reveladores da verdade metafísica. Em- bora estejam no ponto culminante da evolução, estão mais próximos das ori- gens e tornam sensível a nossos olhos a impulsão que vem do fundo.187

Vemos assim que sem o amor, a própria intuição seria incompleta e até estéril. SeBergson recomenda-nos um esforço de tensão do espírito, este deve culminar em um senti-mento original, cujo movimento é gerador de idéias e pensamento. Desta forma o filósofoque busca um conhecimento além da esfera humana deve elevar-se, buscar em si mesmo,

não uma quantidade maior de informações, mas uma qualidade maior de sentimento quelhe anime a inteligência, que lhe inspire a criação.

Na verdade, o pensamento de Bergson, em nível de Matéria e Memória, não colo-ca e nem resolve o problema moral, mas a mensagem não lhe é menos essencial: o fundo denós mesmos é vida, invenção, criação, o nosso eu não está feito, mas faz-se a cada momento,e cabe a nós não deixar enfraquecer seu dinamismo ou abafar-lhe o impulso criador. O eu

187 E. S., p. 26.

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profundo não é um reservatório onde convulsionam-se instintos censurados, mas por suas

raizes ele mergulha profundamente nas fontes criadoras da vida, e seu dinamismo participado impulso criador da Consciência. O inconsciente é, portanto, um imenso reservatório depoder, de vida e de pensamento, cujo destino é a superação de sua orientação pragmática,cujo triunfo consiste na alegria interior da criação de si por si.

Descobrem-se profundezas novas na alma, à proporção que ela se transforma,como se fosse formada de camadas sobrepostas, cada uma das quais permanece desconhecida, enquanto coberta por outras.188

Desta forma, apenas no homem, dotado de uma memória que conserva e gera a si

mesma continuamente, a Consciência criadora pode perseguir seu movimento e lançar atra-vés da consciência, sua corrente indefinidamente criadora.Criador por excelência é aquele que, por um ato de intuição, aproxima-se da natu-

reza original e, por um esforço de elevação transcende o seu ser, transmitindo verdade,vivendo-a em si mesmo, re-criando-a por um impulso interior.

 A superioridade é vivida antes de ser representada, e não poderia então ser emseguida demonstrada se não fosse primeiramente sentida.189

O trabalho filosófico, ou seja, a intuição, não consiste portanto em uma contem-

plação objetiva da realidade, mas em um engajamento do próprio ser. Não se pode intuir sem ser .Desta forma a faculdade de perceber o mundo metafísico e a vida espiritual depen-

derá da possibilidade de sentir as vibrações do mundo moral, onde à luz do amor geram-se,identificam-se as próprias idéias. Através da intuição perceberemos que o mais belo livroestá em nós mesmos. O sentimento de criação infinita revela-se nele, à medida que percebemo-nos diferenciar-se, à medida que alteramos a qualidade de ser, à medida que um impulsonovo nos leva a ver mais. É o momento que percebemos a visão do ser no próprio Ser;sentimo-nos co-criadores impelidos a remontar à causa e explicitá-la, recriando a totalidadee a si mesmo.

 A humanidade geme, meio esmagada sob o peso do progresso que ela fez. Elanão sabe que seu futuro depende dela. Cabe a ela ver primeiramente se quer continuar a viver. Cabe a ela perguntar-se em seguida se quer viver somente, oufornecer além disso o esforço necessário para que se cumpra, mesmo em nosso  planeta refratário, a função essencial do universo, que é uma máquina de fazer deuses.190

188 JAMES. W. L’experience Religieuse , p. 329. Tradução francesa de Abauzit. Paris, Félix Alcan, 1906.189 D. S. M. R., p. 57.190 Idem, p. 338.

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Título Série Teses: Bergson – O método intuitivo: uma

abordagem positiva do espírito Editora de Arte  Eliana Bento da Silva Amatuzzi Barros

Coordenação editorial e projeto gráfico  Mª Helena G. Rodrigues

Diagramação  Selma Mª Consoli JacinthoRevisão  autora e Simone Zaccarias

 Arte-final e projeto de capa Erbert Antão da Silva

Divulgação  Humanitas Livraria – FFLCH/USP

Impressão e acabamento  Seção Gráfica – FFLCH/USP

Mancha 15 x 24 cm

Formato  19 x 27 cm

Tipologia OrigGarmnd BT 11,5 e BernhardMod BT 16

Papel  off-set 75g/m2 (miolo)

cartão branco 180g/m2 (capa)

Impressão da capa Vermelho fogo e Pantone E 47-7

Nº de páginas  182Tiragem 600 exemplares