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O “Outro” (religiões) herege: a ameaça externa à orbe cristã: os “cismáticos hereges” bizantinos o “exército” do Anticristo (Islão) a perfídia judaica Heresia e disciplina (movimentos religiosos): a ameaça interna & ortopráxis ecclesia semper reformanda (reforma & reformas) dissidência e problemas disciplinares (sacramentos) heresia e nacionalismos (dimensão política) A HERESIA MEDIEVAL

Heresias - Heresia Medieval

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Resumo de aula sobre a heresia medieval

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Page 1: Heresias - Heresia Medieval

O “Outro” (religiões) herege: a ameaça externa à orbe cristã: os “cismáticos hereges” bizantinos o “exército” do Anticristo (Islão)a perfídia judaica

Heresia e disciplina (movimentos religiosos): a ameaça interna & ortopráxis ecclesia semper reformanda (reforma & reformas) dissidência e problemas disciplinares (sacramentos) heresia e nacionalismos (dimensão política)

A HERESIA MEDIEVAL

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Até ao séc. VII, a Igreja latina coincidia com a parte ocidental do Império Romano e estava profundamente identificada com o espaço mediterrânico. No século VIII tudo muda. As invasões árabes (Norte de África e Espanha) e os conflitos com Bizâncio, juntamente com a evangelização do norte da Europa, alteram tudo. Impõem-se 3 zonas geopolíticas: mundo muçulmano, mundo bizantino e cristandade latina. Neste novo “império” (romano-germânico) a religião é o único meio de coesão interna, que é reforçado “guerreando” as ameaças externas.

Império Carolíngio

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Na Antiguidade, mudou o conceito de “Reino de Deus”, objeto da pregação de Jesus Cristo. Espiritualizando-se, passou a referir um reino eterno celeste (do Pai), mas, ao mesmo tempo, atribuem a Jesus o começo de um reino terrestre (o reino de Cristo = cristandade). Segundo alguns (Eusébio de Cesareia), este reino pode perfeitamente incorporar uma estrutura política (o império romano ou, mais tarde, carolíngio); para outros (Agostinho de Hipona), o reino identifica-se com a Igreja (o poder papal durante toda a Idade Média).

Império Carolíngio

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Considerar os inimigos externos e internos como heresias seria uma de tantas formas de demonizar o Outro, para também reforçar a identidade de uma civilização definida pelos seus mentores como “católica, apostólica, romana”. “El processo de autoafirmación de las distintas sociedades del Medievo propiciaría el lanzamiento de diversas acusaciones contra el otro: barbárie, infidelidade, cisma, apostasia, blasfémia, idolatria e, por supuesto, herejía” (Emilio Mitre).

os hereges externos:

gregos (bizantinos)muçulmanose judeus

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Os bizantinos eram cristãos. Embora os decretos de Graciano distinguissem bem a heresia (profissão de doutrinas perversas) do cisma (provocação de dissensões no seio da Igreja), os bizantinos eram acusados de “cismáticos hereges” (talvez em referência à não aceitação do Filioque). É neste espírito que a IV Cruzada (1202-1204) ocupa e pilha Bizâncio, refletindo a ideia de que os orientais eram tão ímpios quanto os judeus).

os cismáticos “heréticos” bizantinos

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Os muçulmanos eram também monoteístas. Porém, desde muito cedo, (cf. Cronografia de Teófanes, séc. IX), Maomé era apresentado como um “falso profeta”, da estirpe de Ismael. O Islão não era visto como uma nova religião revelada, mas como uma heresia culpável de violência e intolerância, expressão do Mal e uma espécie de “prova” enviada por Deus para castigar os pecados dos cristãos (cf. Liber Pontificalis, de 846).

o Islão, “castigo de Deus”

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Nos meios peninsulares, o Islão foi visto como uma “seita” perniciosa que se afastou do grémio da Igreja. Um “aglomerado” de velhas heresias (iranianas) e uma encarnação do Anticristo (uma ideia que se difundiu através de textos muito populares, do Pseudo-Metódio (comentário ao Apocalipse) e de Adso escreveu uma história do Anticristo).

o Islãoo (exército) do Anticristo

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Na retórica cristã (não nos escritos cristãos; cf. Romanos 9-11), a religião judaica era reduzida a uma etapa preparatória da fé cristã, que deveria desaparecer. A sua persistência era como que uma “anomalia”, devida a alguns fatores, que faziam do judaísmo uma “heresia”:* primeiro, porque se aliara com os inimigos da fé católica (o Islão);* depois, porque se resguardavam no Talmude (e não na Bíblia), que estava impregnado de heresias contra a fé cristã;* enfim, porque negavam o papel messiânico de Cristo.

Judaísmo:uma anomalia

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Frequentemente, porque viviam no interior da Cristandade, eram perseguidos:

1 - Com o rei franco Dagoberto (629-639), ocorreu o primeiro ultimato/expulsão dos judeus no território europeu: ou se convertiam e batizavam, ou deviam abandonar o reino franco.2 – No reino visigótico, já depois do III Concílio de Toledo (589), o bispo converso Julián de Toledo (640-690) combate aqueles que defendem que Cristo ainda não veio e inspira as leis antijudaicas dos reis visigodos, que espoliaram os judeus e os fizeram escravos, ao mesmo tempo que entregavam as crianças judaicas a famílias católicas, para que recebessem uma educação cristã.3 – A partir do séc. XI, começam os pogroms europeus (os primeiros, no Vale do Reno), que chegariam à península em 1391.

judeus, vítimas de perseguição

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Em 1240, o franciscano (converso) Nicolas Donin pediu ao Papa Gregório IX que emitisse uma bula ordenando a queima do Talmude, o que aconteceria, em Paris, no ano de 1244. Em Espanha, posteriormente, o Talmude seria censurado, mas não queimado. Porém, na perseguição de Torquemada (final do séc. XV), o Grande Inquisidor, não só seriam queimados os Talmudes, mas também a Tora, e demais livros judaicos.

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Apesar de tudo, houve muitos os esforços para o diálogo. Alguns exemplos:

* A Lenda dos três anéis de Yehudah Halevi, que teve um grande impacto em meios cultos da Idade Média: as religiões monoteístas estão obrigadas a entender-se.* O livro de Abelardo: Diálogo entre um filósofo [muçulmano], um judeu e um cristão.* As disputas medievais, na Península, entre membros das três religiões monoteístas.* As propostas irénicas de Raimundo de Lúlio. Etc.

diálogo entre as três religiões monoteístas

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A dissidência religiosa – tão combatida e, muitas vezes, conhecida apenas pelo testemunho dos que foram seus juízes e algozes – não pode ser tida apenas como um fenómeno histórico marginal do Cristianismo, ou expressão de determinadas sensibilidades religiosas, mas deve ser vista como um fator dinamizador no desenvolvimento do dogma ou da disciplina, devendo ser resgatado e valorizado no seu contexto espácio-temporal.

As dissidências (heresias?) medievais

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poder papal:centralização romana

A heresia é definida em relação a uma autoridade: Roma. É o conceito que encontramos nas Partidas de Afonso X: “Os hereges são uma espécie de gente louca, que se esforçam por entender as palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo de uma maneira contrária ao que disseram os Padres da Igreja [tradição antiga] e que a Igreja de Roma crê e manda guardar” (Partida VII, titulo 26). A Bula Unam Sanctam (1302) de Bonifácio VIII, confirma-o: obedecer aos ditames de Roma era condição indispensável para a salvação. Sendo Roma a única autoridade capaz de estabelecer as verdades de fé, sem recurso ao consenso (ao Concílio), ela pôde também estabelecer os meios necessários para castigar os hereges: a cruzada, por exemplo.

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A dissidência medieval, portanto, caracteriza-se pela insubordinação em relação à autoridade eclesiástica. Mais do que pôr em causa crenças básicas do Cristianismo, os movimentos heréticos medievais (em geral) contestam a instituição eclesiástica: desenvolvem sentimentos antipapado e anticlericalismo, acusando os ministros da Igreja de traírem a sua missão e defendendo uma Igreja mais pura, mais evangélica e mais santa. A doutrina dos sacramentos é, muitas vezes, uma bandeira que oculta o essencial das revoltas de grupos, cidades, regiões...

a revolta popular

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A Cristandade do segundo milénio está marcada pelo desejo de “reforma” (ecclesia semper refomanda): alguns desses movimentos têm aceitação institucional (por exemplo: ordens mendicantes); outros, não, e são condenados como heréticos (pátaros, valdenses, o livre espírito). Essa reforma parece sair “vitoriosa” no século XVI (Reforma & Contrarreforma).A reforma gregoriana afirma-se através da denúncia de arraigados vícios (nicolaísmo e simonia); mas o poder papal autoritário virá a condenar duramente comportamentos antirromanos e anticlericais (Cruzadas e Inquisição).

desejo de reforma

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Do ponto de vista político, desenvolvem-se 3 atitudes (Emilio Mitre):

1 – Exaltação da própria identidade étnico-nacionalista, mediante a identificação a um “credo”; confusão da heresia com o cisma, levando à criminalização de áreas geográficas concretas (Languedoc, Bulgária, Boémia, etc.).

Os cátaros

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2 – Desacreditação do rival “herético” (os gregos-bizantinos);

3 – Defesa de uma identidade própria (católica), originando monarquias “tuteladoras da ortodoxia”, que perseguem o “outro” herético (a utilização da Inquisição).

Concílio de Constança Tribunal da Inquisição