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João Fábio Silva da Fontoura et al. Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional 310 JOINVILLE – SANTA CATARINA HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL E PÓS-POSITIVISMO: NOTAS SOBRE A METÓDICA ESTRUTURANTE E SOBRE A TÉCNICA DA PONDERAÇÃO CONSTITUTIONAL HERMENEUTICS AND POST-POSITIVISM: NOTES ON THE STRUCTURING METHODIST AND WEIGHTING TECHNIQUE João Fábio Silva da Fontoura 1 Diego dos Santos Lima 2 Alice Cardozo da Silva 3 Antônio Carvalho Martins Filho 4 Jayson Cícero de Souza 5 Rosângela Victório Eugenio 6 Resumo O objetivo do presente trabalho consiste em definir os elementos caracterizadores do pós-positivismo, e, a partir disso, expor e discutir as propostas de Friedrich Müller e Robert Alexy acerca do método jurídico. As proposições desses autores no plano da teoria do direito determinarão a pertinência de suas proposições sobre o método no âmbito do pós-positivismo. Neste ponto, a posição de Müller parece mais satisfatória a uma efetiva superação do positivismo do que a posição de Alexy. Palavras-chave: Positivismo Jurídico, Pós-positivismo, Metódica Jurídica, Friedrich Müller, Robert Alexy. 1 Especialista em Direito Constitucional pela Academia Brasileira de Direito Constitucional ABDCONST, Mestre em Teoria e Filosofia do Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina, professor de Direito Constitucional da Faculdade Cenecista de Joinville FCJ. 2 Acadêmico do 4º ano da Faculdade Cenecista de Joinville, monitor do grupo de estudos 2009 da ABDCONST-FCJ. 3 Acadêmica do 4º ano da Faculdade Cenecista de Joinville. 4 Acadêmico do 5º ano da Faculdade Cenecista de Joinville. 5 Acadêmico do 5º ano da Faculdade Cenecista de Joinville. 6 Acadêmica do 4º ano da Faculdade Cenecista de Joinville.

HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL E PÓS-POSITIVISMO

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Page 1: HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL E PÓS-POSITIVISMO

João Fábio Silva da Fontoura et al.

Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional

310

JOINVILLE – SANTA CATARINA

HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL E PÓS-POSITIVISMO:

NOTAS SOBRE A METÓDICA ESTRUTURANTE E SOBRE

A TÉCNICA DA PONDERAÇÃO

CONSTITUTIONAL HERMENEUTICS AND POST-POSITIVISM: NOTES ON THE STRUCTURING METHODIST AND WEIGHTING TECHNIQUE

João Fábio Silva da Fontoura1

Diego dos Santos Lima2

Alice Cardozo da Silva3

Antônio Carvalho Martins Filho4

Jayson Cícero de Souza5

Rosângela Victório Eugenio6

Resumo

O objetivo do presente trabalho consiste em definir os elementos caracterizadores do pós-positivismo, e, a partir disso, expor e discutir as propostas de Friedrich Müller e Robert Alexy acerca do método jurídico. As proposições desses autores no plano da teoria do direito determinarão a pertinência de suas proposições sobre o método no âmbito do pós-positivismo. Neste ponto, a posição de Müller parece mais satisfatória a uma efetiva superação do positivismo do que a posição de Alexy.

Palavras-chave: Positivismo Jurídico, Pós-positivismo, Metódica Jurídica, Friedrich Müller, Robert Alexy.

1 Especialista em Direito Constitucional pela Academia Brasileira de Direito Constitucional –

ABDCONST, Mestre em Teoria e Filosofia do Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina,

professor de Direito Constitucional da Faculdade Cenecista de Joinville – FCJ. 2 Acadêmico do 4º ano da Faculdade Cenecista de Joinville, monitor do grupo de estudos 2009 da

ABDCONST-FCJ. 3 Acadêmica do 4º ano da Faculdade Cenecista de Joinville.

4 Acadêmico do 5º ano da Faculdade Cenecista de Joinville.

5 Acadêmico do 5º ano da Faculdade Cenecista de Joinville.

6 Acadêmica do 4º ano da Faculdade Cenecista de Joinville.

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Abstract

The purpose of this study is to define the elements that characterize the post-positivism, and thus describe and discuss the views of Friedrich Müller and Robert Alexy on the matter of the legal method. The propositions of these authors in terms of theory of law will determine the relevance of their statements about the method in the context of post-positivism. In this regard, the position of Müller seems more satisfactory to effective overcoming of legal positivism than the position of Alexy.

Keywords: Legal Positivism, Post-positivism, Legal Method, Friedrich Müller, Robert Alexy.

Sumário: Introdução. 1. Positivismo jurídico e pós-positivismo. 1.1. Gênese do Positivismo

Jurídico. 1.2. O Conceito de Positivismo Jurídico. 1.2.1. Proposta de definição

positivismo jurídico. 1.3. Pós-positivismo: Sentido e Limites. 2. A proposta de

Friedrich Müller. 2.1. Aspectos de Teoria da Norma. 2.1.1. Norma e texto de norma.

2.1.2. Estrutura da norma e normatividade. 2.2. Aspectos da Metódica Estruturante.

2.2.1. Concretização e interpretação. 2.2.2. Processo de concretização e regras de

preferência. 3. A proposta de Robert Alexy. 3.1. Contextualização do Pensamento de

Alexy. 3.2. Teoria da Norma Jurídica na Teoria dos Direitos Fundamentais. 3.2.1.

Normas e disposições . 3.2.2. Regras e princípios e a técnica da ponderação. 3.2.3.

Ábaco representativo da relação espacial entre regra e princípio. 4. Considerações

finais. Referências Bibliográgicas.

INTRODUÇÃO

Tornou-se lugar comum no constitucionalismo brasileiro a assunção de um

posicionamento em termos de método — o que é tratado na literatura pátria

majoritariamente sob a rubrica de hermenêutica7 — que se intitula pós-positivista. De

uma forma geral, se pode dizer que os posicionamentos dos pós-positivistas do

Brasil, por fragmentada e indefinida que tal corrente se mostre, levam em conta para

suas conclusões uma entre duas perspectivas oriundas do direito alemão: Ora a de

Robert Alexy, ora a de Friedrich Müller8.

Contudo, parece-nos que, à luz da metódica estruturante de Müller, o termo

pós-positivismo não possa ser aplicado à perspectiva hermenêutica de Robert Alexy,

por razões adjacentes ao conceito de norma jurídica exposto por este autor,

7 Filiamo-nos à terminologia de Müller, que engloba a hermenêutica na sua metódica jurídica, que é

bem mais ampla, como se verá na seção 3 deste artigo. 8 Embora, como assinala Dimitri Dimoulis, o pós-positivismo brasileiro não se identifique com o pós-

positivismo germânico, redutível ao pensamento de Müller. (Vide DIMOULIS, 2006).

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nomeadamente em sua monumental Teoria dos Direitos Fundamentais. De toda

sorte, não é totalmente correto dizer que Alexy se intitula como “pós-positivista”,

postura que, aliás, é mais comum entre os autores. Não se encontra em sua obra

uma preocupação capital em definir o que seja o positivismo jurídico, e muito menos

em contrapor sistematicamente as conclusões desta corrente. Deste prisma, o termo

pós-positivismo é vinculado mais propriamente à obra de Friedrich Müller, para

quem, ao contrário, a negação do positivismo jurídico representa uma questão

fulcral9.

O objetivo do presente artigo consiste na identificação das coordenadas

caracterizadoras do positivismo jurídico, bem como das ideias centrais da teoria da

norma de Alexy e Müller, para propor que a obra de Alexy não pode ser considerada

como pós-positivista. Como o pós-positivismo brasileiro é em sua maioria de matriz

alexyana, o artigo demonstrará que a sua discussão hermenêutica precisa tomar, no

mínimo, uma revisão terminológica. Na realidade, questionam-se aqui as condições

da própria existência de um autêntico pós-positivismo no quadro dos pressupostos

teóricos que informam a maior parte dos autores envolvidos no debate brasileiro.

O artigo parte de uma seção dedicada ao positivismo jurídico e ao pós-

positivismo, chegando-se a uma proposta de definição destes termos. A terceira

seção concentra as questões relativas à Teoria Estruturante do Direito. A quarta

seção concentra-se no pensamento de Robert Alexy. Na quinta seção, por fim,

avaliam-se comparativamente as perspectivas de Alexy e de Müller.

1 POSITIVISMO JURÍDICO E PÓS-POSITIVISMO

1.1 Gênese do Positivismo Jurídico

O positivismo, como é cediço, surgiu também como superação do

jusnaturalismo, embora atribuir ao positivismo a condição de mera antítese do direito

9 Uma abordagem que se assume pós-positivista e se embasa declaradamente em Alexy pode ser

encontrada em Bustamante (2005). Sobre o pós-positivismo na abordagem de Müller, vide as

seções seguintes do presente artigo.

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Hermenêutica constitucional e pós-positivismo

Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional

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natural não seja adequado. Nas palavras de Dimitri Dimoulis “o positivismo jurídico

se relaciona causalmente com o processo histórico de derrota do direito natural” e,

igualmente, com “a substituição das normas de origem religiosa pelas leis estatais

nas sociedades europeias da Idade Moderna (...)” (DIMOULIS, 2006, p. 68).

Para uma correta compreensão de seu sentido, o positivismo deve ser

tratado dentro de sua historicidade específica. A transição de uma normatividade

jusnaturalista para o direito positivo guarda relações com a recriação das funções do

direito, de seus modos de operação e, muito especialmente, de sua base de

legitimidade e validade. Justamente por esta razão, uma digressão histórica se

mostra salutar.

Como assinala Fernando José Bronze, o positivismo jurídico foi uma

verdadeira inovação no que tange à concepção de direito. O direito até seu advento

“identificava antes uma normatividade muito complexa, que provinha de vários

fatores que os próprios juristas iam constituindo à medida que a realizavam.”

(BRONZE, 2002, p. 283). Muito diferentemente, o Positivismo representou a

identificação (ou redução) do direito com as leis previamente postas por uma

autoridade, radicada no soberano.

Assim, na era que Bronze alcunha de “pré-positivista”, o direito era

construído na medida em que surgia a necessidade de solução para os problemas

concretos. Pode-se dizer, portanto, que o direito pré-positivista era estritamente

ligado à filosófica prática. A filosofia prática constituía o próprio direito, ou melhor,

revelava o próprio direito na medida em que ele se realizava nas relações humanas.

Os juristas daquele período histórico compreendiam-se como “hermeneutas de uma

ordem pré-suposta e nunca como criadores dela” (BRONZE, 2002, p. 284). O

positivismo, em oposição, passou a considerar o direito como objeto de

conhecimento do pensamento jurídico. A lei era, portanto, aquela posta pelo

soberano e somente aquela.

Em sua sistematização da época pré-positivista, Bronze distingue três fases:

a fase clássica romana, a fase medieval e a fase do pensamento jurídico da era

moderna. No período clássico romano, nos termos do que foi dito acima, o direito

advinha do tratamento das situações concretas. Nesta fase as fontes legais eram

escassas, porque se entendia que não havia necessidade delas, uma vez que os

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juristas cumpriam a sua tarefa mediante a solução de casos análogos, comparando-

os uns aos outros e utilizando-se dos precedentes. Os juristas, portanto, entendiam

que não constituíam o direito, mas apenas o revelavam.

No período medieval, o direito continuava sendo extraído da iuris-prudentia,

mas passou-se a considerar a hermenêutica com base no método escolástico, o

qual, conforme assevera Bronze, “é no fundo uma dialética problemática”. Esse

método consistia na apresentação de uma decisão provisória para um fato. Em

seguida discutiam-se os pontos a favor e os contra, e, através da dialética chegava-

se a uma conclusão definitiva10.

Por fim, o pensamento moderno consagrou a terceira fase da época pré-

positivista. A este ponto, passou-se a compreender o direito como uma “construção

dedutiva feita a partir de uma racionalidade axiomaticamente afirmada.” (BRONZE,

2002, p. 287). Esse pensamento rompeu com a anterior concentração jurisprudencial

por três razões fundamentais: (i) a leitura antropocêntrica, visto que o “homem

moderno libertou-se da transcendência teológica medieval e passou a pretender

constituir uma nova ordem a partir de si mesmo” (BRONZE, 2002, p. 287); (ii) o

aparecimento da racionalidade sistemática de Descartes, vinculada à filosofia

prática; e, (iii) o aproveitamento dessa racionalidade dedutiva para afirmar a ciência

moderna, pois “enquanto o homem pré-moderno lia a verdade na ordem

pressuposta, para o homem moderno a verdade estava na própria estrutura racional

do sujeito pensante.” (BRONZE, 2002, p. 288).

O autor conclui que “até a época moderna (inclusive) o direito se não

distingue da filosofia prática.” E é justamente neste ponto que o juspositivismo surge,

rompendo com esta visão das coisas e afirmando que a constituição do direito está

sujeita à vontade política do poder legislativo, ou seja, à vontade humana.

Essas novas construções do positivismo se deram em razão de alguns

fatores determinantes. O primeiro deles diz respeito ao fator filosófico-cultural geral,

sobretudo ao pensamento iluminista. Enquanto na época pré-moderna o homem

encontrava seu sentido fora de si (extraponência), na Idade Moderna o homem

10

Nota-se que nesta época utilizava-se o direito a partir dos textos, mas a estes textos não se

reduzia o direito. A solução do caso concreto, portanto, ainda se encontrava e se fundamentava

nos valores da filosofia prática.

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Hermenêutica constitucional e pós-positivismo

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passou a compreender-se a partir de si mesmo. Ou seja, passou a existir uma nova

concepção de homem, livre e racional (BRONZE, 2002, p. 292)11.

O segundo fator determinante foi o fator cultural (assim denominado, embora

ligado à religião). O secularismo moderno passou a entender que o responsável

pelos valores do mundo era o próprio homem e não mais projeções da vontade ou

da razão divina. Apesar de afirmar que é o homem que constrói sua própria história,

o secularismo não deixou de ser exotérico, na medida em que não negava o “diálogo

do homem com a transcendência”. Todavia, esse estado de coisas reforçou o papel

da legislação, que era o único instrumento restante de que o homem dispunha para

regular a vida prática.

Tendo chegado a este ponto o pensamento jurídico, no quadro de um

“pensamento moderno-iluminista”12, o direito passou paulatinamente a ganhar a

forma paradigmática que nos foi legada no século XX, a forma de um direito

desvinculado da filosofia prática, e já imbuído da marca da criação humana pura

(tese social, como se verá a seguir), predominantemente positivado através de

textos legais. Já se tornam presentes, assim, alguns dos pressupostos histórico-

sociais que permitiram o surgimento do positivismo jurídico enquanto uma teoria de

explicação do fenômeno jurídico e uma metódica específica.

1.2 O Conceito de Positivismo Jurídico

No presente artigo o positivismo jurídico e o pós-positivismo serão

considerados especialmente em suas relações com a metódica jurídica. Cuida-se,

portanto, mais do chamado “positivismo da interpretação” ou “positivismo do

tratamento da norma”, do que do “positivismo da vigência do direito”. Contudo,

apesar de tal distinção conceitual, uma perspectiva metódica estará sempre ligada

aos pressupostos que lhe embasam em termos de teoria da norma13.

11

O autor destaca que o pensamento moderno tende a hipertrofiar o que vai afirmando, desse modo

a autonomia dará lugar ao individualismo, a secularização ao secularismo, etc.. 12

Bronze, (2002, p. 291), utilizando este corte histórico como a referência principal entre os

elementos genéticos do positivismo jurídico. 13

Adota-se, portanto, a distinção entre o positivismo da validade do direito – no qual os autores

“dedicam sua energia intelectual” em definir o que seja direito e traçar os parâmetros de sua

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A exposição da gênese do positivismo jurídico, a partir do pensamento

clássico, desembocou no direito pré-posto e im-posto do pensamento moderno-

iluminista14. E a conclusão a que se pode chegar é a de que sob esta perspectiva do

direito abrigaram-se tendências variadas, que tornaram tanto mais complexo o

conceito de positivismo jurídico, e tanto maior seu arcabouço de ideias e postulados.

Neste norte, diante do escorço histórico que foi levado a efeito alhures, o positivismo

jurídico de que esta exposição mais se servirá será aquele situado entre os séculos

XIX e XX, nos quais já se possa referir um positivismo legalista. Do ponto de vista

jurídico-sociológico, o direito que segue à época moderno-iluminista foi impulsionado

pela necessidade de segurança e calculabilidade da sociedade burguesa em

desenvolvimento (KAUFMANN, 2002, p. 114-115). Do ponto de vista jurídico-

filosófico, descendeu da prevalência do direito posto pela autoridade soberana, ou,

com Bobbio, de um “impulso histórico para a legislação” (BOBBIO, 1995, p. 119).

Com arrimo em Castanheira Neves, pode-se dizer que o positivismo legalista

que chegou aos séculos XIX e XX é caracterizado, do ponto de vista metodológico:

a) por entender o direito como “entidade racional subsistente em si”, como sistema

estruturado considerável em termos absolutos e difusor de sua própria existência

concreta; b) pela compreensão do sistema jurídico como “sistema normativo

unitariamente consistente (sem contradições), pleno (sem lacunas) e fechado

(autossuficiente)”; c) pela concepção do concreto ato da decisão jurídico-normativa

como resultante da análise do texto da norma complementada por uma operação

lógico-silogística com os fatos; d) pela tomada de quaisquer valorações normativas

validade – e o positivismo no tratamento da norma – no qual são tratados propriamente dos meios

e formas de interpretação do direito e de sua realização. O que interessa especificamente ao

estudo é a segunda espécie mencionada, não se excluindo desde logo a possibilidade de invasão

de um campo pelo outro, como se verá adiante — a perspectiva do positivismo da vigência do

direito pode motivar, através principalmente da teoria da norma que lhe é própria, conclusões

relevantes do ponto de vista do tratamento da norma (p. ex., uma teoria da norma que a imagine

como texto legal dificilmente abrirá caminhos para uma visão que considere a realidade co-

constitutiva da prescrição jurídica). Cf. Müller (2008, p. 115-116). Cf., também, Dimoulis (2006, p.

209). O autor refere à distinção feita por F. Müller, embora não no trabalho que aqui indicamos, e

sim no livro Juristiche Methodik (edição de 1997, p. 74). Igualmente condicionando os destinos do

método jurídico à concepção de norma que se adote, vide Alexy (2001, p. 52). 14

Bronze (2002, p. 292): “O positivismo assentava na ideia geral de que o direito era posto (no duplo

sentido de im-posto e pré-posto) pelo poder legislativo. Para os juristas – tal como, de resto, para

os cidadãos – o direito era um dado pré-suposto, de modo que nada mais lhes restava do que

submeterem-se a ele.”

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ou intenções sócio-políticas acopladas ao Direito como inaplicáveis à análise da

correção de uma decisão jurídica, que deveria ser feita apenas sobre o prisma de

uma “coerência sistemática num quadro dogmático-conceitual”, ou seja, por critérios

essencialmente formais (CASTANHEIRA NEVES, 1995, p. 307-308)15.

Os elementos até aqui arrolados já permitem uma caracterização dos

postulados centrais do positivismo jurídico. Contudo, antes de partir à definição aqui

proposta, cumpre referir a exposição de Dimitri Dimoulis acerca do positivismo

jurídico, emblemática no pensamento brasileiro. Em primeiro lugar, porque o próprio

autor declara-se um positivista, e é interessante que este ponto de vista seja aqui

levado em conta; em segundo lugar, porque o autor se fundamenta partir da

bibliografia positivista mais moderna, abordando especificamente o positivismo

jurídico atualmente defendido16. Na obra aqui consultada, em uma definição

preliminar do autor, o positivismo jurídico se classifica como o reconhecimento de

que o único objeto possível da ciência jurídica sejam as normas postas por um ente

dotado de autoridade legítima e que, por isso, possuem validade17. Entretanto,

Dimoulis estabelecerá a distinção entre positivismo jurídico lato sensu (oposto ao

jusnaturalismo) e positivismo jurídico stricto sensu (oposto ao moralismo jurídico); e,

neste último, distinguirá o positivismo jurídico inclusivo (que aceita a influência moral

na existência e no conteúdo do direito), o positivismo jurídico exclusivo (que defende

que o direito resulta exclusivamente de fatos sociais), e as “abordagens específicas”

no quadro do positivismo jurídico stricto sensu — a jurisprudência dos interesses

(que aqui poderia ser colocada ao lado de todas as escolas do século XIX e XX), o

realismo jurídico, a teoria autopoíética de Luhmann e, ainda, o pragmatismo jurídico-

político (corrente na qual se insere o autor).

O positivismo jurídico lato sensu encerra a oposição entre juspositivismo e

jusnaturalismo, porquanto opera a partir da “tese social”, ou “tese dos fatos sociais”.

15

Todo o parágrafo, incluindo os trechos entre aspas, é devido às ponderações do autor. 16

No qual se encontrarão, todavia, as características essenciais que servirão à proposta que

seguirá, cf. seção 2.2.1, infra. Na verdade, a utilização da obra de Dimoulis cumprirá o objetivo de

demonstrar que as teses centrais do positivismo jurídico permaneceram relativamente inalteradas

e que, a partir delas, o pós-positivismo encontra suas verdadeiras (e ainda atuais) motivações. 17

Dimoulis (2006, p. 68): “Isso indica que ser positivista no âmbito jurídico significa escolher como

único objeto de estudo o direito que é posto por uma autoridade e, em virtude disso, possui

validade.”

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Alojada no plano das fontes do direito, esta proposta considera fundamentalmente o

direito como uma criação humana — não necessariamente legislativa, no sentido do

direito estatal —, negando a possibilidade do dualismo entre direito natural e direito

positivo (o jusnaturalismo, diz Dimoulis, é negado mesmo “enquanto teoria do

direito”). A expressão “social”, que ilustra a tese principal da corrente, decorre do fato

de que a autoridade necessária à criação de normas (que, na modernidade, tem sido

atribuída majoritariamente ao Estado) não se confunde com o complexo de fatores

que autorizam a atribuição desta autoridade a algum ente (DIMOULIS, 2006, p. 132).

18. Estes fatores podem variar de um contexto a outro, e outorgar às mais diversas

instâncias as autoridades criativas do direito, mas serão sempre resultado de

aspectos sociais da comunidade em questão. Neste sentido, o pluralismo jurídico,

que combate o monismo estatal, mas não o monismo social, pode ser caracterizado

como parte da abordagem positivista (lato sensu) (DIMOULIS, 2006, p. 78-85), na

medida em que vê também em fatos sociais (e não em aspectos da natureza, da

razão ou da graça divina) os fundamentos da autoridade a quem incumbe o

regramento das condutas humanas19.

Especificando sua análise, Dimoulis explica que o positivismo jurídico stricto

sensu, embora pertencendo àquele positivismo genérico que se opõe ao

jusnaturalismo, irá além da negação do jusnaturalismo e da postulação pelas fontes

sociais do direito (embora as mantenha). Cuida-se, mais que isso, de uma postura

teórica que admite a separação entre (i) o direito e a moral e (ii) o direito e a política

— proposições que, esclarece o autor, são conhecidas como “teses da separação”

18

Entre os fatores sociais que a doutrina positivista reconhece como possíveis fontes do direito

posto, encontram-se (i) a vontade do legislador; (ii) a vontade do aplicador; (iii) a eficácia social

das normas; (iv) o reconhecimento pelas autoridades e/ou para os cidadãos; e (v) a existência de

uma norma suprema e pressuposta que indica qual conjunto de normas possui validade jurídica. A

questão será objeto de nossa crítica na definição das tarefas do pós-positivismo. 19

Cf. Wolkmer, (2003, p. 216). Segundo nosso professor, o mais rigoroso e expressivo pensador da

corrente no Brasil, o pluralismo jurídico se define como “visão antidogmática e interdisciplinar que

advoga a supremacia de fundamentos ético-sociológicos sobre critérios tecnoformais. Assim,

minimiza-se ou exclui-se da legislação formal do Estado e prioriza-se a produção normativa

multiforme de conteúdo concreto gerada por instâncias, corpos ou movimentos organizados semi-

autônomos que compõem a vida social” (p. 183). Adiante, esclarecendo as dificuldades de uma

definição do termo, diante da variedade de abordagens, o professor Wolkmer averba: “Isso não

invalida a consensualidade comum entre todos de que, de um lado, em qualquer sociedade, antiga

ou moderna, ocorrem múltiplas formas de juridicidade conflitantes ou consensuais, formais ou

informais; de outro, de que o Direito não se identifica e não resulta exclusivamente do Estado”.

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(DIMOULIS, 2006, p. 99 e ss.; 105 e ss.). A separação entre o direito e a moral

operará em dois planos distintos, pois não será possível que esta última seja levada

em conta nem no plano teórico e metódico (“estudo e compreensão”) e nem no

plano da validade do direito. A moral não deverá ser necessariamente vinculada aos

elementos criativos do sistema jurídico — porque as prescrições, para serem

válidas, não têm de ser justas ou corretas, rectius avaliadas sob um ponto de vista

moral, posto que o direito seja “historicamente contingente”. De outro lado, o jurista

deve proceder, na ciência e na práxis, sem tentar impor ao direito positivo as suas

concepções morais, que serão sempre de natureza pessoal (o trabalho jurídico

deverá ser realizado com impessoalidade)20. A separação entre direito e política,

cumpre ainda referir, operará em nível conceitual, e não genético. Para o autor em

comento, o direito é resultado da atividade política (p. ex., vazada no parlamento),

mas distingue-se dela a partir daí, de sorte que “o conceito de direito não inclui em

sua definição referências à política” (DIMOULIS, 2006, p. 107). Disto decorre, em

primeiro lugar — dentro “modelo dos dois planos”, em que o espaço próprio da

política jurídica é outorgado à instância legislativa (ELLSCHIED, 2002, p. 214) —,

que a valoração política do operador jurídico, se é que pode existir, não pode jamais

ser diferente da valoração já realizada pelo legislador. Em segundo lugar, decorre

que o intérprete deva “entender e implementar a vontade dos criadores de normas,

distanciando-se de suas convicções morais e políticas” (DIMOULIS, 2006, p. 107-

20

Dimoulis (2006, p. 99-105). O autor relata a tese ontológica e a tese metodológica (p. 102),

perguntando a primeira “o que é direito”, e a segunda “como deve ser estudado o direito”. Deste

ponto de vista, quando o autor utiliza os termos “o estudo e a compreensão do direito” (p. 100),

sentimo-nos autorizados a pensar que se estava querendo referir a teoria e a metódica. Isto

porque a pergunta da tese ontológica, segundo o professor Dimoulis, é respondida

compreendendo o direito como uma realidade historicamente contingente (de acordo, inclusive,

com a tese social do positivismo jurídico lato sensu); e a pergunta da tese metodológica, por sua

vez, é respondida com a impessoalidade do “intérprete (que seguramente não é legislador)” e do

“estudioso do direito (que tampouco pode legislar)”. Após a explicação da tese metodológica, o

autor refere (p. 102, nota n. 120) que a impessoalidade do intérprete remete à questão relativa ao

tratamento científico do direito, que depende da possibilidade de demonstrar o caráter científico do

saber jurídico. O autor diz estar “convencido” da impossibilidade de levar-se tal demonstração a

efeito, e remete o assunto a uma obra futura. Julgamos importante esclarecer, a partir desta

afirmação, que na concepção do trabalho jurídico assente no pós-positivismo de Müller a

cientificidade do saber jurídico é irrenunciável. Esta cientificidade pode conviver com a tensão

entre direito e intérprete na medida em que a concepção de norma como ordem estruturada de

direito positivo e realidade assim o permite, já que toda esta tensão é documentada, é

fundamentada e publicada, de forma a tornar discutíveis os resultados — coisa que diz a

objetividade realizável pela ciência jurídica, identificada com a objetvidade dos seus métodos de

trabalho. Cf. Müller, (2004, p. 65).

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108). Os critérios a que o jurista deve se utilizar para reconhecer a norma como

jurídica (na linguagem da corrente, positiva) devem ser apenas os relativos à

competência, ao procedimento, aos limites temporais e espaciais de validade e,

genericamente, às regras que permitem verificar a compatibilidade sistemática das

prescrições (como a especificidade) (DIMOULIS, 2006, p. 114)21, até o limite de um

eventual juízo de constitucionalidade.

Dimoulis refere ainda a diferença, no âmbito do positivismo stricto sensu,

entre o positivismo jurídico inclusivo e o positivismo jurídico exclusivo. Apesar de as

teses da separação funcionarem em termos gerais, uma corrente entre os autores

positivistas aceita que a moral possa, em determinadas circunstâncias, exercer

influência sobre a validade e a interpretação do direito. A esta vertente chama-se

positivismo jurídico inclusivo, por admitir a possibilidade de que um dado sistema

jurídico possa incluir a moral entre seus critérios de juridicidade (DIMOULIS, 2006, p.

137). Ao lado deste encontra-se o positivismo jurídico exclusivo, que refuta qualquer

possibilidade de influência da moral sobre o direito — aceita rigidamente a tese da

separação entre direito e moral (DIMOULIS, 2006, p. 135).

No plano da interpretação do direito, por fim, Dimoulis esclarece que o

positivismo se caracteriza pela ausência de uma teoria da interpretação unitária,

para além do consenso de que a autoridade decisória decide seus métodos de

trabalho, critério que o autor considera demasiadamente abrangente — e situação

esta que, tendo-se em vista que o positivismo é a principal corrente do direito atual,

reflete o estado fragmentário e irrefletido (a própria falta de consenso assim o

demonstra) em que se encontra a metódica jurídica de uma forma geral. Diante

disso, o autor defende seu “pragmatismo jurídico-político”, e abertamente propõe, na

esteira do já mencionado pensamento de Savigny, que o objetivo da interpretação é

“constatar a vontade do autor da norma, tal como esta foi fixada em dispositivos

jurídicos”. Reflete-se aqui, uma vez mais, o caráter de imposição e preposição que

marca a concepção positivista da norma jurídica.

21

O autor, como o positivismo em geral, persiste na confusão entre validade e normatividade, pois

está a avaliar os critérios de identificação do texto da norma, e não da norma. Adiante, Dimoulis

(2006, p. 131) atesta a “absoluta identidade entre o conceito de direito e o direito efetivamente

posto pelas autoridades competentes”, ao tempo em que perde toda a dimensão problemática da

normatividade.

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Hermenêutica constitucional e pós-positivismo

Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional

321

O autor refere, ainda antes de sua exposição da interpretação, algumas

abordagens específicas no plano do positivismo jurídico stricto sensu, as quais deixa

claro figurarem a título de exemplo, não portando a sua exposição qualquer

pretensão de exaustividade. Assim como se fará aqui, a partir das teses que foram

consideradas características do positivismo jurídico — no plano do positivismo

jurídico lato sensu, a tese de que o direito é posto por ato humano (social thesis); no

plano do positivismo jurídico stricto sensu, a prevalência das teses da separação

(com as diferenças no plano do positivismo jurídico inclusivo e do positivismo jurídico

exclusivo) — são apresentadas algumas propostas que podem ser classificadas

como integrantes do positivismo jurídico stricto sensu, uma vez que absorvem as

duas teses da separação (DIMOULIS, 2006, p. 132-165)22.

1.2.1 Proposta de definição positivismo jurídico

Do que foi dito até aqui resulta que o positivismo jurídico tem como

postulados básicos23:

a) No plano da validade do direito, o positivismo pergunta pela

positividade do direito, pois crê que somente o direito positivo é

direito. O direito positivo, por sua vez, encerra no conjunto de

normas dadas por uma autoridade constituída (pelos mais diversos

fatores sociais), de sorte que não possa haver direito que não seja

uma criação humana. As normas jurídicas constituintes do sistema

22

Nesta exposição, inclusive, está o pragmatismo jurídico-político defendido pelo próprio autor.

Deixamos de mencioná-la, entretanto, porque a crítica específica à sua obra não faz parte dos

objetivos do estudo; e, de outro lado, porque ele mesmo considera sua posição como sendo

integrante do positivismo jurídico (na modalidade stricto sensu). 23

Além da citada obra do professor Dimoulis (2006), que sintetiza rigorosamente as posições anglo-

americanas do século XX, as características aqui propostas podem ser encontradas, com algumas

variações, em: Castanheira Neves (1995, p. 307-308); Ellschied, (2002 p. 215); Hespanha (2005,

p. 375); Wieacker (1993, p. 499 e ss.); Bobbio (1995, p. 233-238); Goyard-Fabre (2002, p. 76);

Bronze (2002, p. 278 e ss.); Maynez (2002, p. 49 e ss.); Kelsen (1984, p. 14-17, 64 e 217); Höffe

(2001, p. 98 e ss.); Kaufmann (2004, p. 45); Kaufmann (2002, p. 123 e ss.); Hart (1996, p. 307 e

ss.); Barzotto (2007, p. 20 e ss.); Batiffol (1974, p. 11 e ss.); ATIENZA (2001, p. 101 e ss.); Coing

(2002, p. 109-110); Calsamiglia (1998, p. 209-210); Müller (2008, p. 16 e ss.); e, Müller (1996, p.

100-108).

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322

são juízos hipotéticos que manifestam a vontade da autoridade que

as cria;

b) O positivismo estriba-se na separação entre ser e dever ser. Assim,

a moral e a política, bem como quaisquer outros elementos da

realidade, não devem orientar o reconhecimento ou a interpretação

do direito, salvo quando o próprio sistema jurídico adote

expressamente critérios desta natureza — que, de resto, os

realocam para o domínio do direito positivo, e não mais da

moralidade ou da política;

c) No plano da interpretação — e em decorrência de “a” e “b” —, a

norma deve ser compreendida e aplicada ao caso, em um processo

lógico-subsuntivo, deduzindo-se a solução do sistema jurídico

completo e coerente através da interpretação (mormente de textos).

As valorações do intérprete não devem influenciar a interpretação,

uma vez que tal atividade valorativa é realizada no seio da

autoridade criadora da norma. Disto denota-se uma exigência de

objetividade da interpretação.

1.3 Pós-positivismo: Sentido e Limites

Como dito, as posições do positivismo elencadas na seção anterior não

foram compreendidas por larga medida dos estudiosos do assunto no Brasil, que

acabaram identificando no positivismo jurídico características que a análise

empreendida demonstrou não lhe serem pertencentes. De outro lado, uma parcela

igualmente grande dos juristas dedicados à matéria — muitos deles pertencentes a

dissidências dentro da própria corrente positivista, como no caso do realismo jurídico

— cuidou de problematizar estes postulados, mas não logrou romper com o

“background teórico” que os sustenta (nomeadamente, a teoria da norma jurídica

que lhe subjaz).

Há respostas variadas para os problemas levantados nas teses centrais do

positivismo jurídico, mas as perguntas não parecem mudar. O eixo das

investigações continua partindo da positividade do direito (nos sistemas jurídicos de

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Hermenêutica constitucional e pós-positivismo

Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional

323

matriz romano-germânica, a positividade dos textos legais), tendo sido ignorada a

questão da normatividade própria do direito — que só pode ser percebida em uma

dimensão problemática do ser e do dever ser — a partir de uma separação entre o

direito e a realidade. Este estado de coisas encontra razão na teoria da norma

jurídica adotada pelo positivismo, ainda não substituída global e adequadamente.

De acordo com o que já se expôs, embora interesse mais ao estudo o já

referido “positivismo do tratamento da norma”, a crítica deverá se dirigir ao plano da

teoria da norma, captando a partir dela os reflexos para a metódica. A referida crítica

será por agora limitada a uma exposição de pontos centrais da tarefa do pós-

positivismo, tendo sua explicação e justificação aprofundadas na próxima seção,

onde será tratada a Teoria Estruturante do Direito de Friedrich Müller. Cuida-se

mais, neste momento, de pautar corretamente a discussão do que de efetivamente

levá-la a efeito.

Neste sentido, a divisão entre “positivismo da validade” e “positivismo da

interpretação” não deverá ocultar, recorde-se, o fato de que o positivismo da

interpretação, em sua abordagem “clássica” — leia-se, nos termos de uma

interpretação totalmente objetiva e científica do direito —, (quase) não é mais uma

postura unitariamente defendida (MÜLLER, 2008, p. 119), sendo atualmente

representada apenas por meio de reflexos da concepção de norma jurídica do

positivismo. De resto, recorde-se ainda que o positivismo jurídico é uma corrente

menos consensual (e refletida) no plano da interpretação do direito do que no plano

da teoria da norma jurídica (DIMOULIS, 2006, p. 218), onde ocupa, aliás, o centro do

debate no direito ocidental.

Como ensina Müller, a revisão do positivismo deverá estar ancorada numa

teoria do direito, e não em uma teoria sobre o direito. Não importará, prossegue o

autor, qual seja a inspiração desta teoria sobre o direito (sociológica, psicológica,

filosófica etc.). É mais produtiva para uma efetiva crítica ao positivismo uma teoria

que revise suas bases no que tange à norma jurídica. Assim como os postulados do

positivismo jurídico da interpretação decorrem diretamente da concepção de norma

jurídica que se enraizou entre as correntes positivistas, o pós-positivismo deverá

partir de sua revisão, desembocando, por consequência disso, em uma metódica

própria. A metódica pós-positivista, diz Müller, “circunscreve a peculiaridade

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324

fundamental da estrutura normativa, diante de cujo pano de fundo devemos ver o

trabalho prático da metódica jurídica” (MÜLLER, 2004, p. 49).

Segundo Müller, no plano da teoria da norma, o positivismo, ao perguntar

pela positividade (descolada da realidade), acaba por perder a dimensão

estruturante do direito, de onde brota a sua normatividade. O preço a pagar por este

equívoco, além da contraposição entre a norma e realidade (i.é., entre ser e dever

ser), é a confusão da norma com o texto da norma. A concepção pós-positivista,

calcada na Teoria Estruturante do Direito, deverá reconhecer os nexos materiais que

unem direito e realidade, ao mesmo tempo em que deverá fornecer uma reflexão

sobre a práxis que possa torná-los fundamentáveis e discutíveis. Nesta direção, a

validade (positividade), que só pode pertencer ao texto da norma (dado de

conformidade aos padrões aceitos do Estado Democrático de Direito), será

diferenciada da normatividade, esta sim característica das normas jurídicas

(MÜLLER, 2008, p. 209 e ss.).

A concepção que se opõe ao positivismo, assim, deverá ser essencialmente

uma espécie de normativismo, que rejeita a separação entre ser e dever ser e

permite que o jurista apreenda o processo estruturado de formação da norma

jurídica diante de casos concretos (reais ou fictícios). A positividade do texto

continua sendo um imperativo do Estado de Direito24, devendo ser respeitada como

limite material da atividade jurídica não legiferante — e nisso o positivismo está

correto em insistir —, mas não bastará para a efetiva existência de uma norma

jurídica25.

Já no plano da realização prática do direito, consequentemente, o pós-

positivismo se pautará pela concretização das normas, e não por sua interpretação e

aplicação. O ideal de tecnicidade (isto é, a busca da neutralidade e da objetividade

24

“O Estado feudal mais antigo e ainda o Estado absolutista fundamentavam a sua legitimidade no

supramundano. O Estado Constitucional burguês funda-a na legalidade e com isso, por um lado,

na imanência, por outro, agora mais fortemente, na linguagem: em textos de normas (...)”.

(MÜLLER, 2000, p. 105). 25

Assim, além de Müller, em Luhmann (1983, p. 10 e 17). Para este autor, inclusive, esta positivação

textual a ser complementada (sem negar a função da positividade) seria a única capaz de dar

conta da complexidade da sociedade atual. Também na obra do professor de Heidelberg, a

“textificação”, embora fundamental, não basta, sendo que a legitimação do poder político não deve

ser transferida simplesmente aos textos, mas somente ao fato de o Estado atuar conforme estes

textos. Cf. Müller (1998, p. 103-104).

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Hermenêutica constitucional e pós-positivismo

Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional

325

que se exige do titular da decisão jurídica) do positivismo não deve ser abandonado,

em prol do retorno a padrões decisórios que se podem dizer pré-modernos. Uma

superação do positivismo não deve renunciar à busca pela objetividade na aplicação

do direito, mas apenas promover a adequação desta busca às consequências da

natureza estruturante da norma jurídica e às condicionantes específicas que o

Estado Democrático de Direito impõe ao trabalho jurídico em todos os níveis (da

ciência jurídica, que é uma ciência normativa, à jurisprudência). Trata-se aqui, na

realidade, de “retomar o que foi reprimido pelo positivismo e elaborá-lo de forma

generalizável na dogmática, metódica e teoria” (MÜLLER, 2008, p. 119-120).

A metódica estruturante de Müller não é capaz — como não o é nenhuma

outra — de fornecer um catálogo de soluções prontas que sejam

“inquestionavelmente confiáveis” (MÜLLER, 2004, p. 21) (até porque isso seria uma

contradição, já que Müller compreende a normatividade como processo estruturado).

Contudo, pode tornar substancialmente mais coerente e defensável o trabalho dos

juristas. Como ela procede diretamente dos imperativos do Estado de Direito, visa à

exposição suficiente dos resultados do trabalho jurídico. Isto permite que se faça a

“vigilância política” (DIMOULIS, 2006, p. 204)26 — para que os textos de normas

possam ser criticados —, por um lado, e que se denuncie as decisões cuja

fundamentação seja materialmente discutível, de outro lado — a partir de sua

decomposição em momentos (suficientemente pequenos) de formação da norma, a

partir dos textos. O telos do pós-positivismo, assim, será a “controlabilidade” dos

processos decisórios, que, “dentro dos limites de rendimento efetivo da língua

natural”, só pode ser referida ao método de trabalho dos juristas, e não a um

resultado ou a um significado prefixado (MÜLLER, 2000, p. 104)27.

A metódica estruturante permite que toda a atividade jurídica — e não mais

somente a construção da “moldura”, como quis Kelsen — seja devidamente exposta.

Se o operador “acerta” ou não, faz parte do jogo democrático e dos riscos que nele

(vazado a partir de uma língua natural que não basta para significar tudo) são

pressupostos, mas sua decisão não esconde nada e se orienta por uma maior

honestidade quanto aos dados de realidade (para além do texto), que sempre fazem

26

A expressão é de Niklas Luhmann. 27

Cf. tb. Müller (2008, p. 12).

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326

parte de qualquer decisão jurídica. E, que não se olvide, a decisão jurídica é sempre

um ato de poder-violência, embora o Estado Moderno de corte liberal tenha tratado

de discipliná-la e racionalizá-la o máximo possível (MÜLLER, 1995, p. 9).

Na realidade brasileira esta questão merece especial atenção. Não é aí, na

busca de discutibilidade e legitimidade (leia-se, objetividade e racionalidade) nas

decisões jurídicas que o positivismo deve ser superado. A impossibilidade de uma

total objetividade da decisão não pode servir de escusa para uma perspectiva

totalmente subjetiva do tratamento da norma, a promover um regresso a padrões

menos aceitáveis de trabalho jurídico do que os legados pelo positivismo. As

premissas do Estado de Direito, decorrentes da concepção da juridicidade como

limite permissivo da existência comum, com a consideração controlável (com as

reservas já mencionadas) de uma ordem pública e previamente acordada, seguem

dignas de proteção.

No Brasil, ademais, a história político-constitucional da república não é

capaz de documentar um autêntico positivismo (legalista) — e, como o que se disse

aqui, é totalmente fora de propósito qualquer tentativa de ligação do positivismo com

algum dos regimes autoritários a que o país esteve submetido. O sentido do pós-

positivismo deverá ser visto diante da realidade brasileira com maior atenção, uma

vez que a tradição político-institucional que se infere de nossa história ainda não foi

capaz de permitir a total implantação dos postulados do Estado Moderno. Há

consenso sobre a necessidade, alardeada pela bibliografia brasileira, de uma teoria

e uma metódica jurídicas que possam dar maior efetividade à Constituição, mas esta

teoria e esta metódica devem estar ainda orientadas pelas garantias da democracia

quanto ao método de trabalho dos juristas, sob pena de uma troca no mínimo

arriscada.

2 A PROPOSTA DE FRIEDRICH MÜLLER

2.1 Aspectos de Teoria da Norma

A história jurídico-filosófica clássica sacramentou que entre realidade fática

(ser) e as disposições emanadas pelo Estado com pretensão normativa (dever ser)

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Hermenêutica constitucional e pós-positivismo

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327

resta um campo de tensão. Na seara da prática jurídica não raras vezes, fruto de tal

hiato, emergem questões problemáticas a respeito da incidência do texto normativo

no locus a ele destinado pelo legislador. O ator jurídico, enquanto municiado pelo

aparato legal, incumbido de trabalhar com a realidade, encontra-se no centro deste

turbilhão, sendo tentado a “brincar de pretor romano”, a tornar-se o “Juiz Hércules”,

de forma a olhar a realidade de um pedestal, procedendo a uma arriscada cisão

entre interpretatio e applicatio. Diferenciação anacrônica, pois como menciona

Streck (p. 438), tal ato é cindir o incidível. Compreender é aplicar.

Conforme averba Konrad Hesse (1998, p. 13), o significado da ordenação

jurídica na realidade e em face dela somente pode ser apreciado se ambas –

ordenação e realidade – forem consideradas em sua relação, em seu inseparável

contexto, e no seu condicionamento recíproco. Face a tal assertiva do professor de

Freiburg, caminhando nos mesmos passos da teoria de Friedrich Müller, nota-se que

é imprescindível uma análise pormenorizada da estrutura da norma proposta por

Müller, no intento de flanquear o processo dialético de interpretação/aplicação em

prol de uma contribuição em nível factível, mormente pela proposta de concretização

das normas.

Em sua metódica, Friedrich Müller além de contestar a estrita contraposição

de matriz kantiana entre ser e dever ser, traz ao estudo também elementos de

validade da norma à medida que, conforme Larenz (1997, p. 155), questiona em vez

de norma e fato, a estrutura da normatividade jurídica, tal como se apresenta na

aplicação prática do Direito.

Mas o que é, portanto, a norma jurídica? (MÜLLER, 2008, p. 10) Neste

questionamento elementar tem-se a introdução ao substrato da teoria de Friedrich

Müller, onde a ideia fundamental é a de que a norma jurídica não equivale ao seu

texto, mas é resultado da interação entre direito e realidade. Tal operação deve ser

desenvolvida na própria aplicação do direito, na law in action, onde o texto da lei,

contendo apenas positividade, por meio da metódica estruturante torna-se de fato

norma capaz de produzir efeitos, a possuir normatividade.

Admitindo que os estudos que gravitam ao redor da teoria da norma

trataram-na até agora como uma questão própria da filosofia do direito, mas não

como um problema de aplicação prática do direito (MÜLLER, 2008, p. 17), Müller

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328

arquiteta uma teoria que enfoque a norma jurídica como um modelo de ordenamento

materialmente determinado e determinante, ou seja, um elemento com pretensão

normativa que não possui existência autônoma; pelo contrário, uma norma que só se

justifica enquanto cabível à realidade de sua aplicação e que ao mesmo tempo fica

sempre condicionada por esta. Trata-se, pois de uma teoria da práxis (MÜLLER,

2008, p. 290) que concebe o texto legal como pré-formas legislatórias da norma

jurídica, que por sua vez está por ser produzida no decurso temporal da decisão.

Isso quer dizer que a norma jurídica não existe ante casum: o caso da decisão é co-

constitutivo (MÜLLER, 2008, p. 11).

Para situar a norma no campo fático, Müller projeta uma sua estruturação,

de forma a identificar o texto da norma como um dado de entrada no processo de

concretização, o input no trabalho de produção da norma. Neste escalonamento a

norma jurídica compõe-se de programa da norma e âmbito da norma (MÜLLER,

2008, p. 11), onde não seria apenas o programa da norma (resultado das inferências

linguísticas) o fator produtor de efeitos, mas igualmente os dados conformes ao

âmbito da norma, ou seja, a parcela de realidade social destinada a ser regulada.

Apesar da pretensão de transcendência da dogmática clássica, tal

perspectiva não abandona determinados legados positivistas, trata-se não de um

anti-positivismo, mas de uma teoria pós-positivista do direito. A partir do aceite de

uma reciprocidade complementar entre norma jurídica e realidade — que, por isso

mesmo, intenta superar a redução da norma ao texto de norma — Müller demonstra

a impossibilidade de uma concepção redutora do método jurídico às subsunções

silogísticas — coisa que, aliás, sequer o próprio positivismo defendeu de forma

unitária.

Passemos então a análise pormenorizada da estruturação normativa

proposta por Müller e o meio pelo qual seus elementos são operados na metódica

estruturante com vistas à obtenção da normatividade.

2.1.1 Norma e texto de norma

Conforme mencionado, a fim de estabelecer um substrato seguro ao

exercício da metódica estruturante, rompendo com a matriz positivo-legalista

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329

baluarte da tradição jurídica romano-germânica, Müller dissocia a norma de seu

texto normativo.

O abandono da clássica teoria ontológica do direito representa o caráter pós-

positivista aqui referido, na medida em que caracteriza o teor literal das disposições

normativas como apenas um dos elementos no processo de concretização, um

elemento de importância notável que deverá nortear as inferências do intérprete,

mas que não possui, porém, uma correspondência absoluta com os objetos a que se

refere. Os dados linguísticos promulgados possuem apenas positividade, elemento

distinto da normatividade, esta sendo a qualidade máxima objetivada pela teoria e

pela metódica estruturante, pois o caráter de normatividade de uma norma outorga-

lhe validade, vez que logrou êxito ao produzir efeitos perceptíveis na realidade. Daí

infere-se um problema de aplicabilidade, pois toda e qualquer norma somente faz

sentido com vistas a um caso a ser (co)solucionado por ela (MÜLLER, 2004, p. 63).

Forma de comprovar a não identificação entre a norma e o texto normativo é

o fenômeno do direito consuetudinário, do qual não se duvida da sua qualidade

jurídica, embora ele não apresente nenhum [ou pouquíssimos] texto definido com

autoridade (MÜLLER, 2004, p. 54). E ainda mesmo onde o sistema jurídico seja

fundado na norma positiva, é inegável a existência de influências sociais tão

determinantes na direção das decisões práticas quanto àquelas das disposições

propriamente textuais28.

Portanto, a norma não é um comando pronto, pois a lei não é a medida

exata do sentido, como afirmou até agora o positivismo clássico ao tratar o texto da

norma como premissa maior e subsumir as circunstâncias reais a serem avaliadas

aparentemente de forma lógica ao caminho do silogismo (MÜLLER, 2008, p. 192).

Para caracterização da norma se exige, muito mais, uma gama de elementos não

inerentes ao texto normativo, pois não é o texto o regulador do caso concreto, mas o

órgão legislativo, o órgão governamental, o funcionário da administração pública, o

tribunal que elaboram, publicam e fundamentam a decisão regulamentadora do caso

(MÜLLER, Friedrich. 2004, p. 54), sendo, pois, um trabalho ligado umbilicalmente à

realidade.

28

Cf. Konrad Hesse fala de uma “Constituição real”, fruto da convergência de forças sociais,

exercendo papel dominante ao lado da “Constituição jurídica”.

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330

O simples texto da norma é elemento volátil, carente de sentido e eivado de

indeterminações, porquanto pode facilmente ser manipulado pelo intérprete. Neste

ponto a teoria de Müller é pragmática ao buscar segurança nas decisões concretas

(e isso não apenas nos atos judiciários) por meio de um feedback, unicamente

possível dentro de um cenário que evidencie a norma como um conjunto de

elementos dispostos de forma estruturada e racionalmente aferível.

Se a norma só encontra seu sentido último quando aplicada a um

determinado caso concreto, é então neste momento em que obtém normatividade.

Presumir que a normatividade pudesse ser produzida pelo texto normativo seria

próprio de um pensamento anacrônico e insuficiente frente ao cenário social que

coloca cada vez mais à prova as respostas do direito. O teor de validade de uma

norma decorre então dos dados extralingüísticos de tipo estatal-social: de um

funcionamento efetivo, de um reconhecimento efetivo e de uma atualidade efetiva

(MÜLLER, 2004, p. 53-54).

É claramente perceptível, assim, a vinculação da norma ao substrato fático.

Acordado o fato de que o texto não é suficiente à configuração da normatividade,

temos o âmbito normativo, ou seja, o conjunto dos dados reais que gravitam acerca

das disposições textuais e fazem parte do processo de produção da norma, de sua

concretização. A finalidade desta integração entre dados reais e letra da lei, consiste

em averiguar que por meio desta concepção criadora e construtiva da norma, os

aspectos da realidade (dados reais) são sugeridos como integrantes da estrutura

normativa, e não simplesmente referidos externamente à norma (MAGALHÃES,

2006, p. 563).

Este conjunto de elementos da realidade que integram a norma são

condições para a verificação da normatividade, uma normatividade materialmente

determinada que torna o sentido dos dados linguísticos inferidos pela linguagem

enquanto práxis em determinados nichos. Enquanto ato humano, a linguagem é o

meio pelo qual a positividade produz efeitos ao integrar-se ao ambiente externo. Os

jogos de linguagem de Wittgenstein entram em cena no processo de realização da

norma, pois abandona-se uma teoria semântica tradicional, baseada num modelo

estruturalista, que via o significado como uma entidade rígida, em prol de uma virada

pragmática, que concilia interpretação e ação (BORNHOLDT, 2005, p. 39).

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Hermenêutica constitucional e pós-positivismo

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331

A teoria de Müller propõe justamente uma racionalização desta relação entre

texto de norma e dados reais, mas diferencia-se da nova (que já não é assim tão

nova) hermenêutica destinada a criticar os pressupostos positivistas, pois além de

reconhecer a ausência de semântica inerente ao texto filiando-se também à Filosofia

da Linguagem, propõe soluções ao problema da concretização das normas,

mormente constitucionais.

A ponta do iceberg (MÜLLER, 2004, p. 53) não é pois suficiente à fruição da

normatividade na realidade. O texto fornece unicamente a moldura dentro da qual

deve operar o processo de concretização. Destarte, tal processo é orientado por

uma estratégia que partirá sem dúvida do texto da norma, que é condição de

possibilidade da normatividade. Contudo, não há um pré-dado, a norma não existe

isoladamente circunscrita objetivamente ao texto como pretendeu a dogmática

tradicional. Ao contrário só é verificável na parcela social que fornece o âmbito

normativo, no cotidiano forense onde o cidadão comum experimenta na pele o teor

dos atos normativos, em sentenças de ação [Handlungssätze] (MÜLLER apud

BORNHOLDT, 2005, p. 38).

Não há uma mens legis a ser incorporada pelo ator jurídico, pois concretizar

não é (re)produzir valorações legislativas. A bem da verdade, a aplicação de

disposições legais convoca o jurista a manejar um denso leque de possibilidades de

forma alguma pré-solucionadas pelo texto normativo. O próprio conceito tradicional

de interpretação cai por terra na teoria proposta por Müller, pois agora a distinção

fundamental entre texto normativo e norma impede o intérprete de limitar-se à

interpretação, assim como ao desdobramento puramente filológico do texto

(MÜLLER, 2008, p. 201). O processo de integração entre texto normativo e dados

reais reclama ao jurista uma completa integração com dados sociais e políticos, bem

como demanda não raras vezes o uso de manuais de orientação [Leitfäden]

(MÜLLER, 2004, p. 93).

Em que pese o atributo de validade ter sido retirado do texto da norma, este

possui ainda suma importância no processo de produção da normatividade. Guiado

pelos dados da linguagem o operador deve delinear o programa da norma

paralelamente ao caso concreto. Aqui o texto exerce o dever de impulsionar o ato

judicativo, de estabelecer a ordem jurídica buscada no processo metódico

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332

concretizador, sendo ponto de partida deste processo — dir-se-á esta a eficácia de

determinação do texto da norma [Bestimmungswirkung]. Em paralelo, o texto deve

servir de limite às várias alternativas que são politicamente, filosoficamente e

metodologicamente aceitáveis, mas não juridicamente admissíveis — dir-se-á esta a

eficácia de limitação do texto da norma [Grenzwirkung] (MÜLLER apud SILVA J., p.

97).

No Brasil, a proposta de Müller é extremamente promissora, pois seu avanço

é buscar concretamente, ao integrar dados reais na estrutura normativa, alcançar

uma norma de decisão, quer dizer, fazer valer a relação norma-realidade

(MAGALHÃES, 2006, p. 565), em prol de um devir pós-moderno onde a sociedade

brasileira não mais viva sob a égide de uma Constituição com eficácia

marcadamente simbólica.

2.1.2 Estrutura da norma e normatividade

Estabelecida a distinção entre texto normativo e norma, cabe agora

pormenorizar o processo pelo qual a norma propriamente dita é gerada na teoria de

Müller, e como se perfaz a normatividade.

Conforme referido, tendo como lastro o programa da norma, contido no texto

normativo, o trabalho jurídico dirige-se então ao âmbito da norma, a porção da

realidade social referida pela norma.

Impende aqui um questionamento acerca da forma pela qual a

normatividade é observada no caso concreto, ou seja, como de fato o trabalho

jurídico deve ser orientado através da estrutura da norma de forma a efetivar e

justificar a normatividade, na direção de um além positivismo legalista, que abrange,

ao lado de elementos dogmáticos e metodológicos também a hermenêutica

(MÜLLER, 2004, p. 57).

Na estruturação proposta pelo professor Müller, a norma é um modelo

materialmente estruturado em programa da norma e âmbito da norma. O teor literal

expressa o programa da norma, a ordem jurídica, conforme tradicionalmente

compreendida, dotada de validade (positividade), o que não implica dizer que esteja

garantida sua normatividade (SILVA DA FONTOURA, p. 99). E, em mesmo nível

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Hermenêutica constitucional e pós-positivismo

Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional

333

hierárquico pertence também à norma o âmbito da norma, ou seja, o recorte da

realidade social que o programa da norma “escolheu” para si ou em parte criou

(MÜLLER, 2004, p. 57).

Há que se ressaltar que estes elementos propostos por Müller carecem de

uma devida mediação. O programa normativo só possui sentido, e, de certa forma,

só é criado, em face do caso particular. Contudo, não se deve entender o âmbito

normativo e o programa normativo como peças com encaixe perfeito. Nas palavras

do próprio Müller, âmbito normativo e programa normativo não são meios para

encontrar, à maneira do direito natural, verdadeiros enunciados ônticos de validade

geral (MÜLLER, 2008, p. 245).

A delimitação do programa da norma passa inevitavelmente pela escolha

dos dados reais ou fictícios que farão com que a análise do âmbito normativo, como

parte integrante da concretização jurídica, fortaleça a normatividade da disposição

legal (MÜLLER, 2008, p. 245). Note-se que a realidade se faz presente já na

delimitação do próprio programa da norma, visto que posteriormente não haverá um

simples jogo autônomo entre os elementos textuais de interpretação, que não os

refira ao contexto, representado pelo caso (BORNHOLDT, 2005, p. 41).

Se o âmbito da norma é fator constitutivo desta, temos então que a parcela

da realidade não apenas vincularia o texto da norma, mas constituiria também

elementos de um questionamento que de antemão não estaria baseado nessas

abstrações. Nestes casos, diz Müller que o âmbito normativo não é gerado pelo

direito.

Há, no entanto, âmbitos normativos gerados pelo próprio direito (MÜLLER,

2005, p. 57), onde a realidade destinada ao programa da norma é ela própria gerada

por um programa de norma, e as formulações podem conter certo teor de

segurança, conforme exemplifica Silva da Fontoura (p. 101)

O preceito constitucional de que “será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal”, apresenta um âmbito normativo totalmente gerado pelo direito e, assim, admite uma precisa formulação no texto da norma. Isto porque o programa normativo diz dever ser admitida uma “ação privada” em lugar de uma “ação pública” (figuras oriundas do direito processual penal), em certos “crimes” (em que também se deva já considerar a compreensão de elementos criados pelo direito penal), quando a ação pública não for intentada no “prazo legal” (e, portanto, no prazo estabelecido pelo direito).

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334

Há, contudo, outros tipos de disposições, com maior grau de abstração, que

submetem o intérprete a caminhar por polos indefinidos, tal como ocorre com a

“função social” da propriedade29. O exemplo acima citado oferece maior facilidade à

formulação do âmbito normativo, vez que o programa normativo não lida com

realidades autônomas ao direito, tornando o âmbito normativo mais precisamente

formulado no texto.

Contudo, mesmo que o âmbito normativo seja passível de ser deduzido do

texto da norma, isto não exclui a análise do caso concreto, que é por excelência o

dado elementar do âmbito normativo. Nas normas onde o âmbito seja materialmente

criado, o texto da norma oferece ainda menos segurança ao ator jurídico, servindo

unicamente para fixar os limites de estabelecimento do programa da norma, também

com base em recursos advindos do exterior do sistema constitucional, e muitas

vezes, da própria ciência jurídica estritamente entendida.

A normatividade está intimamente ligada ao potencial do âmbito da norma e

do âmbito do caso, ao passar pelo programa normativo, transformar-se em âmbito

normativo e gerar a norma de decisão, algo como energia potencial transformando-

se em energia cinética, em termos físicos. A qualidade de normatividade reside na

realidade. Com isso demonstra-se ser a norma jurídica um modelo de ordem

materialmente caracterizado (MÜLLER, 2005, p. 59).

2.2 Aspectos da Metódica Estruturante

Se, de fato, a norma não é suficientemente dada no texto da norma; se o

intérprete efetivamente constrói um sentido (e não meramente o declara); se o texto

e a realidade se interpenetram; então parece claro que a própria existência concreta

da norma será umbilicalmente ligada ao contexto histórico e social de sua

compreensão e, por consequência, de sua concretização A normatividade, perdoe-

se a insistência, não é uma propriedade do texto da norma, mas apenas da norma

jurídica e da norma de decisão. A norma jurídica e a norma de decisão, por sua vez,

29

Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. art. 5º, XXIII.

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335

surgem apenas no processo de concretização. Evidencia-se, assim, a inerente

temporalidade da normatividade.

Muller evidencia a necessidade da metódica jurídica estruturante no

argumento de que a concretização da constituição está diretamente ligada ao

trabalho — e, portanto, à metódica — de titulares de funções. Justifica esta

afirmação quando explica que cada prescrição constitucional motiva de modo

específico o comportamento de titulares de funções e outros destinatários (MÜLLER,

2005, p. 51). Quer dizer, também a postura dos trabalhadores do direito

[Rechtsarbeiter] é, ao menos no Estado de Direito, normativamente orientada.

Nas palavras de Muller a metódica deve permitir representar e verificar

racionalmente a relevância de critérios normativos de aferição para a decisão, a

relevância dos elementos do caso afetados por esses critérios de aferição e, de

forma geral, a sustentabilidade da decisão. Em outras palavras, a metódica deve

permitir que a norma de decisão seja reexaminada com perfeição à medida que

todos os elementos de concretização da norma possam ser definidos e

recapitulados, tornando a decisão mais democraticamente conformada (MÜLLER,

2005, p. 52).

Neste sentido, existe o processo dinâmico entre normatividade, norma e

texto da norma, conforme anteriormente discutido, de onde Muller parte para definir

a Metódica Estruturante, em cujo conceito encerram elementos puramente

hermenêuticos — no sentido de estarem referidos a dados textuais —, mas

igualmente elementos advindos da realidade a ser normatizada.

2.2.1 Concretização e interpretação

O processo de concretização, na metódica estruturante de Müller, é

composto de elementos de concretização. Os elementos de concretização da norma

são divididos em dois grupos. Um primeiro grupo corresponde ao trabalho com o

teor literal da prescrição, ou, simplesmente, aos textos envolvidos (mesmo que

sejam de textos de não normas). O segundo grupo corresponde aos passos de

concretização na análise do âmbito da norma, ou seja, dos elementos do conjunto

de fatos relevantes no processo de concretização.

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336

Demonstra-se com isto a maior adequação do termo concretização do que

do termo interpretação para designar a tarefa prática do jurista. Note-se que, sob o

prisma filosófico, o “conteúdo” de uma norma não reside somente em seu texto.

Note-se também que, sob o prisma juspolítico, as competências delineadas nas

constituições “não são competências para a “explicação” [Auslegung, Interpretation],

“recapitulação” [Nachvollzug] de textos de normas” (MÜLLER, 2005, p. 66-67), mas

sim competências para a efetiva concretização jurídica, para a resolução do caso

concreto e, por consequência, para o vazamento da violência estatal. A

interpretação do texto possui uma função restrita. A norma não é formada apenas

por “dados linguísticos”, de sorte que não se pode simplesmente falar em

“interpretação”, ou em “interpretação aplicadora”.

Ademais, é justamente no quadro de uma recíproca complementação com o

caso que emerge a conclusividade ou inconclusividade de uma prescrição jurídica, e

não no grau de clareza do texto (MÜLLER, 2005, p. 61). Müller ressalta que a maior

ou menor dificuldade de concretização não resulta da vagueza do texto, mas da

estrutura da norma jurídica, sobretudo da diferença entre os âmbitos normativos –

gerados ou não pelo direito. Assim vistas as coisas, o objeto do ato judicativo,

resultante na norma de decisão, é dizer de forma normativamente orientada o que

prescreve o direito para o caso concreto. O problema a ser resolvido é o de se

comprovar e embasar a conexão material que se construirá entre os textos de norma

pertinentes e os elementos seletos no conjunto de fatos, devendo fundamentá-la,

para que seja inserida num processo de verificação e conformação social, atendente

dos ditames elementares do Estado Democrático de Direito. Este processo deve

partir dos dados linguísticos pertinentes e desembocar na norma de decisão

individual e concreta30, como se passa a ver pormenorizadamente.

30

Cf. Adeodato (2002, p. 249). O professor da Faculdade do Recife sintetiza o percurso sugerido por

Müller da seguinte forma “Sprachdaten, Realdaten, Normtexte, Fallerzählung, Sachverhalt,

Sachbereich, Fallbereich, Normprogramm, Normbereich, Rechtsnorm e Entscheidungsnorm”. Cf.

também Müller (1996, p. 226).

Traduzindo os termos para o português, temos: dados linguísticos, dados reais, textos de norma,

relato (leigo) do caso, circunstâncias (juridicamente relevantes) da espécie, âmbito da matéria,

âmbito do caso, programa da norma, âmbito da norma, norma jurídica e norma de decisão.

Cumpre referir duas coisas a respeito. Em primeiro lugar, os dois primeiros elementos (os dados

reais e os dados linguísticos) são “dados de entrada”, não propriamente jurídicos, para o processo

de concretização. Eles fazem parte da pré-compreensão do trabalhador jurídico, e não dos

elementos próprios da metódica estruturante. Em segundo lugar, a tradução do termo Sachverhalt

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337

2.2.2 Processo de concretização e regras de preferência

O percurso pelos elementos principais da concretização foi exemplificado

por Müller por meio de um fluxograma (MÜLLER, 1996, p. 228)31, que parte já dos

elementos propriamente componentes da metódica jurídica. Antes deles, contudo,

há que se considerar a pré-compreensão do jurista, formada a partir de dados brutos

de origem linguística e não linguística, i.é., de dados reais [Realdaten] e de dados

linguísticos [Sprachdaten]. Estes são os chamados “dados de entrada” no processo

de concretização. Sob estes dados de entrada, o jurista confronta a “massa dos

textos de normas” [Normtextmenge], que são crivados por sua pré-compreensão,

que leva em conta dados reais e dados linguísticos relevantes. De outro lado, o

“relato leigo do caso” [Fallerzählung], permeado também pela atividade profissional

do jurista e pelos mesmos dados reais e linguísticos, resultará nas “circunstâncias da

espécie” [Sachverhalt]. Esta fase preliminar — de mobilização dos dados reais, dos

dados linguísticos, da massa dos textos de normas e do relato leigo do caso —

permite que o processo efetivo de concretização possa ter início.

A fase subsequente — a primeira marcadamente integrante da metódica —

é concentrada na análise e na complementação recíproca entre as “circunstâncias

da espécie” e a “massa dos textos de normas”. Müller designa esta fase como

“formação e rejeição de hipóteses relativas aos textos de normas e aos fatos”

(MÜLLER, 1996, p. 228). De um lado, o jurista selecionará as prescrições jurídicas

efetivamente pertinentes ao caso, diante da constelação de prescrições jurídicas

existentes (massa de textos de norma em vigor), chegando a um ponto de partida no

apresenta variações no Brasil. Adotou-se aqui a tradução proposta por Olivier Jouanjan para a

tradução francesa da Juristische Methodik, ou seja, “circunstâncias da espécie” [circosntances de

l´espèce]. O professor Adeodato, no trecho que citamos, traduz o termo como “conjunto de

matérias”. Peter Naumann ( p. 53) propõe a tradução do termo como “conjunto de fatos”. Rodrigo

Meyer Bornholdt (p. 27) opera já a tradução de Sachverhalt como “estado de coisas”. Nossa opção

deve-se ao fato de que o Sachverhalt representa a composição da pré-compreensão do jurista

(vazada nos Realdaten e nos Sprachdaten) com o relato leigo do caso [Fallerzählung], resultando

nas circunstâncias gerais do caso por ele visto, sem ainda a seletividade do que, de alguma forma,

é juridicamente relevante (a ocorrer no Sachbereich), nem do que é relevante para a configuração

do caso concreto (a ocorrer no Fallbereich), e nem do que foi in concreto recortado, a partir da

concretização, pelo programa da norma (a formar, in fine, o Normbereich). 31

O elemento gráfico, segundo nota que o acompanha, é de autoria de Lothar H. Fohmann. O

procedimento está descrito por Müller nas p. 345-347. Os parágrafos seguintes, em que se

esboçam as fases do processo de concretização, são inspirados por estes trechos.

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338

que se refere ao(s) texto(s) de norma [Normtexte] a trabalhar. De outro lado,

paralelamente à seleção do texto(s) de norma pertinente(s) — e em virtude destas

hipóteses textuais —, o jurista deverá depurar as “circunstâncias da espécie” até

aquilo que juridicamente interessa (aos textos de norma selecionados), pelo que

formará o “âmbito da matéria” [Sachbereich], isto é, o conjunto de fatos

diferentemente afetados pelas prescrições jurídicas.

A segunda fase da concretização, estando já o operador do direito seguro

em relação aos textos de norma e ao âmbito da matéria, é chamada de fase da

“interpretação (formação e rejeição), de hipóteses relativas ao programa normativo”.

Reduzindo os elementos principais do âmbito da matéria até aqueles que estão

efetivamente em jogo no caso concreto, o jurista chega ao “âmbito do caso”

[Fallbereich]. A partir disso, tem lugar a análise dos textos de norma com os

elementos sistemáticos, genéticos, históricos e teleológicos, além dos elementos

metodológicos, dogmáticos, teóricos e de política jurídica. Esta análise deverá

conduzir ao “programa da norma” [Normprogramm].

A terceira fase do processo de concretização tem lugar com a formação do

programa da norma e do âmbito do caso, quando o jurista já pode recorrer ao

primeiro para “recortar” do segundo os elementos que “escolheu para si ou em parte

criou para si” como seu espaço de regulamentação — esta terceira fase é, portanto,

dedicada à análise do “âmbito da norma” [Normbereich]. Como já se disse, os fatos

são selecionados sob o critério do programa da norma que os refere, formando o

âmbito da norma, devendo a conexão entre ambos, formada nesta fase, ser

devidamente fundamentada na decisão. O âmbito do caso não será

necessariamente pertinente em todos os seus elementos, e a “seleção” deverá

incluir ou excluir o conhecimento de elementos de fato — o que frisa a necessidade

de uma devida fundamentação.

Chegando a este ponto, partirá o operador do direito para as duas fases

finais da concretização. Em primeiro lugar, ele levará a efeito uma “síntese da norma

jurídica”, em que operará com a complementação recíproca entre “âmbito da norma”

e “programa da norma”, disso resultando uma “norma jurídica” [Rechtsnorm] geral e

abstrata. Logo após, ele partirá para a fase de “decisão do caso”, na qual se forma a

“norma de decisão” [Entscheidungsnorm] individual e concreta, e em que se

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Hermenêutica constitucional e pós-positivismo

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339

transforma o caso jurídico em caso decidido, a partir do confronto e da

complementação finais entre os dados provenientes do sistema jurídico e os dados

provenientes da realidade.

Como visto, a fase do processo relativa à formação do programa da norma é

a única entre os passos da metódica estruturante que pode ser de alguma maneira

cotejada com a hermenêutica tradicional, uma vez que esta última desconhece ou

nega o papel do “âmbito da norma” (e dos elementos que concorrem em sua

composição), e, com isso, os demais momentos da concretização. Todavia, no

estabelecimento da norma de decisão concorrem diversos elementos de

concretização — não mais métodos, mas elementos (MÜLLER, 2004, p. 69): (i)

metodológicos (cânones savignyanos, interpretação teleológica, princípios de

interpretação constitucional, concordância prática, interpretação conforme a

constituição e, por fim, unidade da constituição), (ii) do âmbito da norma e do âmbito

do caso (seja ele gerado ou não pelo direito), (iii) dogmáticos, (iv) teóricos, (v) de

técnica de solução, e, ainda, (vi) de política jurídica e de política constitucional.

Müller propõe a diferenciação dos elementos de concretização em dois

grupos distintos (MÜLLER, 2004, p. 70). Num primeiro grupo, estão os elementos de

tratamento do texto da norma — que são relacionados, todavia, com a interpretação

de textos de não normas. Por isso, em formulação mais precisa, trata-se dos

elementos que lidam com os componentes linguísticos de uma norma jurídica. Num

segundo grupo, alojam-se os elementos que lidam com o percurso que vai das

circunstâncias da espécie até o âmbito da norma, ou seja, os elementos que não

são referidos ao tratamento de textos (sejam eles normativos ou não). Cuida-se da

parte da concretização referida à parcela da realidade que é também constitutiva da

normatividade jurídica, do trabalho jurídico a partir da matéria de fato (sem jamais

reconhecer-lhe valor autônomo). Segundo Müller, o positivismo não seria capaz de

compreender nem uma dimensão nem outra. A dimensão problemática, já se viu,

seria uma pergunta respondida pela sua negação. Já a dimensão de interpretação

do texto, por sua vez, teria sido analisada de forma igualmente simplificada.

Entre os elementos de análise linguística, Müller inicia pelas regras

tradicionais da interpretação, que são os elementos gramatical, sistemático,

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340

genético, histórico e teleológico de análise da prescrição jurídica. O ponto de partida

contumaz da concretização, diz Müller, é o sentido literal [Wortsinn] da prescrição,

de sorte que o elemento gramatical entra em jogo de plano, sendo mais fecundo,

como se viu, de acordo com a conclusividade do texto de norma (e, portanto, do tipo

de norma) (MÜLLER, 2004, p. 74-75). O elemento gramatical preside a formação

dos limites da eficácia de determinação e da eficácia de limitação do texto da norma,

mas não o faz de forma isolada. Os demais elementos são indissociáveis entre si e

do elemento gramatical. De um lado, eles também são referidos quase

invariavelmente a textos (embora às vezes a textos de não normas ou textos de

normas não vigentes), de sorte que a necessidade de interpretação gramatical

persiste. De outro lado, a prática da utilização dos cânones demonstra que eles

estão entrelaçados. Para que o operador do direito possa valer-se de critérios

sistemáticos, por exemplo, deverá aplicar às prescrições trazidas à baila os mesmos

elementos aplicáveis à prescrição principal. Já o elemento teleológico só seria

admissível na medida em que pudesse ser comprovado e documentado com a

concordância dos demais elementos (MÜLLER, 2004, p. 77-78). Ainda no plano dos

elementos de análise linguística, e referindo os elementos metodológicos strictiore

sensu, Müller menciona as outras regras tradicionais de interpretação (in claris

cessat intepretatio, interpretação restritiva de normas de exceção etc.) (MÜLLER,

2004, p. 80) e os princípios da interpretação constitucional (MÜLLER, 2004, p. 81 e

ss). O professor de Heidelberg conclui, no caso das primeiras, que são totalmente

dependentes dos demais elementos de análise de textos — até porque é necessário

saber se é caso de uma prescrição “clara” ou “de exceção” —; e, no caso dos

segundos, que se cuidariam de subcasos dos cânones de interpretação dos textos,

vazados na jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal.

Em complemento, Müller refere os elementos do âmbito do caso e do âmbito

da norma. Estes elementos são relativos à reformulação pretendida pela apreensão

da estrutura da norma jurídica, e são produzidos pela diferenciação, fundamentação

e exposição do âmbito da matéria, do âmbito do caso e do âmbito da norma. Ao

contrário do que apregoa o positivismo jurídico, a análise dos elementos do âmbito

da norma reclamará a incessante interveniência de pontos de vista oriundos de

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Anais do IX Simpósio Nacional de Direito Constitucional

341

outros domínios do saber. Os elementos que Kelsen classificou como “impurezas”, e

que foram classificados pelos positivistas mais modernos de “não jurídicos”, serão

aqui muito bem vindos, auxiliando o jurista a construir, desde um relato leigo do

caso, o âmbito da norma (MÜLLER, 2004, p. 90).

Cumpre referir, ainda, os elementos dogmáticos, de técnica de solução, de

teoria e de política do direito e da constituição. Estes elementos têm em comum,

aforada a sua comprovada utilização na práxis decisória, duas características.

Partilham, em primeiro lugar, o destino de todos os demais elementos do processo,

na medida em que precisam de trabalho jurídico [Rechtsarbeit] para sua

operacionalidade, não estando prontos para utilização. E, em segundo lugar, eles

não se apresentam enquanto posturas vinculantes, uma vez que carecem de

normatividade própria, e, em sua maioria, referem-se somente de maneira parcial

aos textos de norma democraticamente dados (MÜLLER, 2004, p. 91-97).

Esta estruturação da norma jurídica e de seu processo de concretização

pressupõe necessariamente algum critério de prioridade entre os elementos de

tratamento do texto da norma e os elementos de análise do âmbito da norma. Trata-

se aqui de resolver os conflitos32 que possam surgir entre estas duas espécies de

elementos. O pensamento de Müller é estruturado, neste tópico, basicamente em

“regras de preferência”. Pautam-se estas últimas em dois argumentos básicos: (i)

deve-se levar em conta que os limites da metódica do direito constitucional são em

grande parte decorrentes da própria Constituição (devido processo legal, garantia do

direito adquirido, princípio da legalidade etc.); (ii) os elementos da concretização não

referidos diretamente aos textos de normas não têm necessária e irrefutável força

vinculante, devendo ceder aos elementos imediatamente referidos ao texto da

norma. Isto encontra justificativa nos próprios imperativos do Estado de Direito

contemporâneo.

Assim, em caso de conflito, postula Müller que devam prevalecer os

elementos normativamente orientados em relação aos demais (MÜLLER, 2004, p.

99 e ss. e 112). Logo, entre os elementos strictiore sensu, os elementos gramaticais

32

Müller (2004, p. 99) definirá o conflito como “oposição frontal entre aspectos fecundos no caso

individual”.

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342

e sistemáticos (diretamente referidos a textos de normas) devem ter precedência

sobre os demais (não referidos a textos de normas). Em caso, por outro lado, de

conflito entre os elementos sistemáticos e gramaticais, ou entre estes e os

elementos do âmbito da norma, a função limitadora do texto da norma impende que

os elementos gramaticais tenham precedência — mesmo no caso dos elementos do

âmbito da norma, que estão em pé de igualdade com os do programa da norma, a

eficácia de limitação é sempre uma decorrência do caráter textual do Estado de

Direito.

Em linhas gerais, os elementos de política jurídica e constitucional, e bem

assim os elementos dogmáticos, os princípios de interpretação constitucional e os

elementos de técnica de solução são produto da racionalidade jurídica: de nenhuma

forma, como dito, podem ser vetores efetivamente vinculantes do processo de

concretização, especialmente se confrontados com a eficácia de limitação do texto

da norma. Os conflitos entre elementos não normativos não têm solução

normativamente orientada, exigindo-se a devida fundamentação e exposição por

parte do jurista — até porque, como ocorre nos casos de falta de força enunciativa

das prescrições, a solução pode estar no reconhecimento de que não há texto de

norma no sentido que o caso reclama (como na doutrina americana da political

question) (MÜLLER, 2004, p. 107)33.

3 A PROPOSTA DE ROBERT ALEXY

3.1 Contextualização do Pensamento de Alexy

Antes do estabelecimento da plataforma teórica de Robert Alexy é mister

anteciparmos, ainda que de forma transversal, a inserção da teoria de Robert Alexy

dentro da polêmica hodierna da metódica jurídica constitucional, em especial dos

direitos fundamentais. A teoria da norma jurídica de Robert Alexy povoará este

33

O autor refere-se ao posicionamento, também visto sob a denominação de “judicial self-restraint”,

no qual as cortes reservam certas questões para o plano do debate político, excluindo

possibilidade de decisão jurídica sobre o tema.

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343

cenário, contribuindo para uma conexão lógica entre a norma, o direito fundamental,

a ponderação nos conflitos entre princípios e regras e subsunção desta norma presa

à validade ética e social plasmada no texto constitucional.

Há um ícone da teoria de Robert Alexy, no que toca à aplicação da

dogmática jurídica, que impõe seja ela vista como uma disciplina pluri-dimensional.

Esta assertiva é fundamental para entender o conceito de “proposições abertas”

talhadas do núcleo da teoria de Robert Alexy e que segundo Fernando José Bronze,

em sua Metodonomologia entre a semelhança e a diferença, traduz em boa medida

o pensamento de Alexy:

numa acepção ampla, a dogmática especificamente jurídica é uma “disciplina pluri-dimensional” que apresenta uma face “empírico-descritiva”, uma outra “lógico-analítica” (...) esta dogmática se traduz num conjunto de “proposições” abertas – porque experimentalmente reconstituíveis –, intencionalmente conectadas com os princípios, as normas legais e as decisões jurisdicionais (BRONZE, 1994, p. 523).

Para incursões, portanto, no ideário de Robert Alexy, é necessário absorver,

de plano, suas motivações, que resultaram no conceito de “norma”. Uma vez que

tenhamos claro que o conceito de “norma”, juridicamente posto, não se prende

unicamente a um conceito adstrito à ciência jurídica, Robert Alexy revela certa

transcendência axiológica deste conceito, sem a pretensão de encapsulá-lo ao

objeto de uma única ciência. Posto não ser conduta, uma “norma” não poderia

justificar-se sozinha como garantidora de sua eficácia, ou, nas palavras do autor, o

modelo de norma deve ser, de um lado, “solido o suficiente para constituir a base

das análises que seguirão” e, de outro lado, “suficientemente frágil para que seja

compatível com o maior número possível de decisões no campo dos problemas

mencionados” (ALEXY, 2008, p. 52).

O que garante a transcendência abstraída do conceito de norma no

pensamento do professor de Kiel é o caráter semântico que dito conceito assume.

Neste sentido o autor sugere um ponto de partida indispensável à formação de sua

teoria, qual seja a necessária distinção daquilo que seja norma e enunciado

normativo. Como diz o Autor, “uma norma é o significado de um enunciado

normativo”. Trata-se, essencialmente, de “algo que deve ser” (ALEXY, 2008, p. 54).

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Será possível identificar em Robert Alexy a importância da separação entre

questões semânticas de questões de validade, muito embora o autor nos previna do

risco que esta separação provocará com a inevitável expansão do universo das

normas. A validade de uma norma está associada à sua funcionalidade, quer se dê

pela linguagem coloquial ou quer se manifeste pela linguagem técnica. Aquilo que se

propõe válido sê-lo-á por determinados critérios, porque “tem que ter algo a partir do

que esta afirmação seja possível” (ALEXY, 2008, p. 62). Esta é a prevalência que

Robert Alexy impõe ao caráter semântico: a sua funcionalidade. Adiante será

evidenciado que a base da teoria da argumentação jurídica proposta por Robert

Alexy resulta na busca de um critério cingido no conceito da razão prática, tendo

Habermas como fonte inspiradora.

A ligação entre Alexy e Habermas prende-se, em um primeiro momento, à

semelhança da teoria de Habermas na busca de um discurso com razão prática,

cujo conteúdo lhe conferira procedimento comunicativo e um relativo grau de

satisfação e racionalidade, citando a lição de Bustamante. A influência de Habermas

em Robert Alexy verifica-se pela assunção do conceito de “verdade”:

um dos aspectos da teoria habermasiana que foram mais marcantes para o pensamento de Alexy é o conceito de verdade, que, para o professor de Frankfurt, está muito mais próximo da idéia de consenso do que da mera correspondência entre enunciados e fatos. Para Habermas, só “posso atribuir um predicado a um objeto se, também, qualquer um pudesse entrar em discussão comigo atribuísse o mesmo predicado ao mesmo objeto” (BUSTAMANTE, 2005, p. 69).

Na esteira do pensamento de Karl Larenz, Robert Alexy deduzirá a

dependência da subsunção lógica das normas derivadas de premissas formadas

abstratamente. Para defender este enunciado Bustamante acrescenta quatro

motivos através dos quais Alexy remedia tal dependência: “i) a imprecisão da

linguagem; ii) a possibilidade de conflitos entre normas; iii) a existência de lacunas; e

iv) a possibilidade de decisões que contrariem um dispositivo legal” (BUSTAMANTE,

2005, p. 60).

Alexy comporá o esteio de sua teoria criando, igualmente, uma Teoria da

Argumentação Jurídica, cujos elementos componentes serão apresentados na

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345

medida da construção sistêmica desta teoria, e, como já antecipados, lastrear-se-ão

por um conceito de razão prática e por um discurso racional.

3.2 Teoria da Norma Jurídica na Teoria dos Direitos Fundamentais

Robert Alexy pondera que as normas de direitos fundamentais podem ser

compreendidas sob seu aspecto concreto ou abstrato. A abstração na criação de

uma pretensa norma dar-se-á se sua abrangência (eficácia) atingir ou pertencer a

um determinado ordenamento jurídico. O caráter concreto da formação de uma

norma prende-se à constatação se de fato esta norma está relacionando-se a um

direito fundamental posto, positivado.

Para Robert Alexy, assim, o conceito de norma está praticamente reduzido

aos textos do direito positivo, uma vez que os direitos fundamentais devem ser

considerados “nas normas que são expressas por disposições de direitos

fundamentais; e disposições de direitos fundamentais são enunciados presentes no

texto da Constituição alemã, e somente esses enunciados” (ALEXY, 2008, p. 66).

Há, portanto dois problemas lançados por Robert Alexy que devem ser sopesados: o

primeiro diz respeito à falta de critérios, tendo como referência a Constituição Alemã,

para identificar e segregar o conceito das normas que têm substância de direitos

fundamentais e as que não dispõem desta substância. O segundo problema posto é

saber se de fato existem “todos” os direitos fundamentais explicitados na

constituição e de que forma, ainda que subliminar, o Estado complementará o hiato

destes direitos ditos ausentes. Esta questão final Robert Alexy parece não ter

aprofundado na medida da consecução do que poderíamos chamar “direitos

fundamentais ausentes”.

É compreensível que a formação argumentativa do filósofo alemão utilize o

princípio dedutivo para, gerando a exceção (direitos fundamentais não pertencem

somente à Constituição), induzir à constatação de que de fato o conceito de norma

de direito fundamental precisa “confrontar” o texto constitucional para saber-se

“exauriente”.

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346

3.2.1 Normas e disposições

O autor dirá que se um enunciado expressa uma norma será este um

enunciado normativo, e, concomitantemente, conforme antecipado, se esta norma

expressa tiver aderência ao texto constitucional e fizer referência a um direito

fundamental, ressalvadas as condições de hiatos expostas no item anterior, esta

norma será uma “norma de direito fundamental”.

Por outro lado, a diferenciação entre norma e disposição restará, segundo

Alexy, ainda com uma definição muito “estreita”, porquanto as normas de direitos

fundamentais apresentam complexidades específicas tanto do ponto de vista

semântico quanto do ponto de vista estrutural. No plano semântico, uma norma pode

ser aberta pela indefinição dos termos que utiliza. Do ponto de vista estrutural, uma

norma pode ser aberta na medida em que não deixe claro qual é o tipo de conduta

que a norma exige (a liberdade de pesquisa e ensino, diz o autor, não deixa claro se

ela deve ser realizada mediante ações ou abstenções estatais). Para por termo a

tais indefinições o Autor propõe a criação de regras semânticas, no caso da abertura

semântica, e de normas atribuídas, no caso da abertura estrutural (ALEXY, 2008, p.

70-72).

Para aferir a pertinência e a validade de uma destas normas atribuídas,

deve-se levar em conta se é possível uma correta fundamentação referida a direitos

fundamentais. Terão papel preponderante nesta aferição os “argumentos práticos

gerais na fundamentação referida a direitos fundamentais”, no que diz respeito a

consensos dogmáticos, precedentes, textos de norma e elementos genéticos das

disposições (ALEXY, 2008, p. 74). Com isso, Alexy opõe-se diretamente a Müller,

porquanto não aceita que os argumentos decisórios possam integrar o conceito de

norma jurídica, uma vez que está decorrerá exclusivamente da disposição de direito

fundamental.

3.2.2 Regras e princípios e a técnica da ponderação

Alexy confere extraordinária importância à necessidade da distinção entre

regras e princípios, cuja relevância garantirá a “mobilidade” e a “elasticidade”

necessárias ao conceito de norma. Adianta-nos o filósofo alemão que “a distinção

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Hermenêutica constitucional e pós-positivismo

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(entre princípio e regra) é a base da teoria da fundamentação no âmbito dos direitos

fundamentais e uma chave para a solução de problemas centrais da dogmática dos

direitos fundamentais” (ALEXY, 2008, p. 85).

Segundo o autor, “tanto regras quanto princípios são normas e estão

reunidos sob o mesmo conceito de norma” (ALEXY, 2008, p. 87). Diante desta

“verdade”, no sentido de Habermas, é forçoso reconhecer, de plano, que ambos os

conceitos compõem lados opostos de “uma mesma moeda”. No dizer do próprio

Alexy, regras e princípios são normas de “dever-ser”, portanto podem ser formuladas

por regras deônticas da permissão, proibição e do dever, que são, a rigor,

estereótipos conceituais de valor e validade propostos por Alexy para a

fundamentação de sua teoria. São paradigmas valorativos que servirão de

“estímulos” para gerar a força necessária à produção de normas de decisões,

respeitando a lógica de sobreposição de normas antecipadamente anunciadas.

Para a distinção entre regras e princípios, o autor utiliza-se inicialmente do

critério da generalidade, que é o mais comumente adotado e que aduz que os

princípios contêm elevado grau de generalidade, ao contrário das regras. Desta

generalidade resulta a “abertura” do sistema jurídico, diríamos sua “elasticidade”, a

representar o caráter fluídico intrínseco ao conceito de princípio. E outro lado, Alexy

expõe que os princípios são mandamentos de otimização, podendo ser satisfeitos

em “graus variados”, ao passo que as regras “são sempre ou satisfeitas ou não

satisfeitas” (ALEXY, 2008, p. 91)34. Ao antecipar o conceito de regras e princípios, o

autor demonstra a opção do critério segundo o qual regras e princípios podem ser

definidos por um critério de qualidade, ou diferença qualitativa. Desta forma a

distinção entre regra e princípio dar-se-á qualitativamente e não pelo grau ou peso,

pois as regras contêm somente determinações daquilo que é fática e juridicamente

possível.

Para Alexy, existem duas formas básicas de operação com as normas

jurídicas, a ponderação e a subsunção. A subsunção é o modelo adequado ao

tratamento das regras, ao passo que a ponderação é a técnica pertinente aos

princípios, uma vez que tal espécie normativa, como dito, pode ser operacionalizada

34

Vide também Alexy (2007, p. 64).

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em níveis diversos, requerendo sopesamento (ALEXY, 2007, p. 130-132).

O parâmetro que definirá conflito entre regras se fará através de exceção,

seguidas da pertinente subsunção. Neste sentido, Alexy assume a necessidade de

geração de uma lógica (ou decisão) de validade a que a regra deve submeter-se. A

colisão entre duas regras gera a necessária condição de que uma delas seja

inválida, ou de que uma das regras comporte exceção, de modo a autoexcluir sua

incidência, eliminando assim o conflito.

Como assevera Bustamante, “o conflito entre regras se opera no nível da

validade jurídica, que não é gradual (...) uma norma só pode valer ou não valer

juridicamente” (BUSTAMANTE, 2005, p. 189). Esta assertiva dará ao entendimento

justaposto entre regras e princípios uma possibilidade de análise sob a ótica da

“elasticidade” talhada aqui como modelo elucidativo de compreensão da lógica

estrutural sugerida por Alexy.

Colisões de princípios, por outro lado, têm dinâmicas e movimentos próprios,

diferentemente do que ocorre com as regras. Não se propõe supor que um princípio

em colisão deva ser “extirpado” do ordenamento jurídico através da exceção, em

detrimento a uma eventual “preponderância” de um sobre o outro. Alexy

empreendeu uma lógica segundo a qual haverá a necessidade de inserir nova

dimensão (ponderação ou sopesamento) que preponderará entre os espaços de

validade jurídica contingenciados entre dois princípios em colisão.

Como o autor evidencia, os princípios não se sobrepõem uns sobre os

outros como precedência da mesma mecânica empreendida no tratamento das

colisões de regras, cuja “eliminação” se dá pela exceção. O caráter “elástico” dos

princípios não permitirá, em função de sua vinculação a marcos históricos

constituídos politicamente, que se rompam pelo simples fato de serem pertinentes,

numa dimensão tempo/espaço, ao mesmo caso jurídico.

A contribuição da teoria de Robert Alexy repousa em permitir, através da

ponderação de um princípio em relação (e não um sobre o outro) ao outro, que o

momento de decisão de uma determinada norma (válida juridicamente) não gere um

hiato pela ausência de algum dos princípios que, por sua própria eficácia elástica,

sopesarão um em relação ao outro. Dirá o autor que “na verdade, o que ocorre é

que um dos princípios tem precedência em face do outro sob determinadas

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Hermenêutica constitucional e pós-positivismo

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condições. Sob outras condições a questão da precedência pode ser resolvida de

forma oposta”. E, prossegue Alexy, “isso é o que quer dizer quando se afirma que,

nos casos concretos, os princípios têm pesos diferentes e que o princípio com maior

peso tem precedência” (ALEXY, 2001, p. 94).

É importante ressaltar que a ponderação de que trata Robert Alexy não é,

exatamente, aquela intrínseca ao princípio. O princípio não é objeto, mas causa do

sopesamento. O que alimentará este mecanismo é o caso concreto em análise. É o

conflito que deve ser resolvido entre os interesses antagônicos. Princípios têm em si

sua prioridade que só será revelada quando relativizada através do sopesamento

motivado pela relevância (interesse) no caso concreto.

3.2.3 Ábaco representativo da relação espacial entre regra e princípio

O que está posto na teoria de Alexy acerca das colisões de princípios e de

regras pode ser sumariamente interpretado no ábaco acima, ao menos na ratificação

de seus principais fundamentos.

Princípios têm entre si tensões antagônicas com sentidos opostos (restrição

x realização), que pelo seu caráter “elástico” não romperão diante de uma situação

concreta, posto que a conclusão resulte numa ação de “dever”, de “realização”,

retornando ao equilíbrio anterior com todo vigor de antes.

As regras têm limites (R’ – R”) cujos esforços em ultrapassá-los serão

remediados somente pela aplicação da regra de exceção. Robert Alexy dirá que “as

regras exigem que seja feito exatamente aquilo que elas ordenam, elas têm uma

determinação da extensão de seu conteúdo nos âmbito das possibilidades jurídicas

e fáticas” (ALEXY, 2001, p. 104).

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350

Sucede que as regras sinalizam interface com os princípios (P). No ábaco, a

reta resultante da limitação natural desta regra irradia no sentido de atingir

(transpassar) determinado conflito que, como já dito, mantém sua “energia elástica”

que permitirá ser sopesado em relação a outro princípio, diante, sempre, de um caso

concreto que envolva interesses conflitantes. A resultante deste processo de

“condensação de energia” atingirá os limites da validade jurídica (representado na

barra superior), imprescindível para a estabilidade do ordenamento jurídico.

Insta ressaltar, por fim, que após atingir e definir os limites da validade, a

“reta resultante” da relação regra x princípio demandará um limite de plena aplicação

da decisão da norma que é representada pela “prima facie”. Robert Alexy elenca a

aplicação do caráter “prima facie” entre regras e princípios, quando afirma que “os

princípios têm sempre um mesmo caráter prima facie, e as regras um mesmo caráter

definitivo”. Daí a área replicada pela “prima facie” no ábaco acima.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Do que se expôs, nota-se que a concepção de Alexy permanece tributária de

alguns dos pressupostos centrais do positivismo jurídico, desde que este último seja

tomado em conta como realmente existiu e existe, e não na forma “caricaturada”

com que é frequentemente tratado. O problema persiste ainda que se considere a

ponderação realizada em concreto, e não no que Alexy chamou de “modelo

decisionista”.

Por sofisticada que possa se apresentar, a proposta de Alexy vincula o

conceito de norma ao de enunciado linguístico, sem a devida atenção ao mundo da

vida, ao mesmo tempo em que relega boa parte do trabalho jurídico à subsunção

(todo o trabalho com as regras é dado por meio do silogismo). Mais importante,

contudo, é o fato de que Alexy, pelo só fato de reconhecer a possibilidade de uma

subsunção, ou pela possibilidade de propositura da uma “ordem hierárquica de

valores”, concebe a norma jurídica como algo pré-dado, ontologicamente

estabelecido.

Assim, o principal equívoco do pós-positivismo defendido majoritariamente

no Brasil — que é baseado na obra de Alexy — é o de imaginar que a aporia

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Hermenêutica constitucional e pós-positivismo

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fundamental do positivismo jurídico seja o “apego à letra da lei”. Mas o desrespeito

ao texto da norma é algo que não rompe unicamente com o juspositivismo, e sim

com o próprio Estado de Direito. O que deve ser rediscutido pelo pós-positivismo,

como já adverte Müller há quatro décadas, é a concepção ontológica da norma

jurídica, como algo previamente dado e cujo processo de implementação prática seja

de caráter puramente hermenêutico.

O presente estudo, nos limites estritos em que se delineou, não traz a

resposta para todas as indagações que decorrem da visão da norma jurídica aqui

defendida. Contudo, o intento que reuniu o grupo de estudos em Joinville foi o e uma

contribuição para que a discussão do pós-positivismo possa ser amadurecida e

aperfeiçoada na ciência jurídica brasileira.

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