Historia Campinas 2

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    Dando prosseguimento ao pro-cesso de constituio da fregue-sia e construo da capela e tam-bm preocupado com as necessi-dades materiais inerentes manu-teno das mesmas, o Cnego Laraexigira para a ereo da Capela a:

    "escriptura do dote de bens deraiz que rendam ao menos seis milris annualmente para a repara-o e fabrica da capela que inten-tem"17

    Esta exigncia teria sido aten-dida com o oferecimento por .ran-cisco Barreto Leme de um:

    "(...) lano de casas com seucorredor, de parede de mo, quepor doao, deixou ranciscoBarreto Leme para se as ter alu-gado e do seu rendimento se dizermissas pelas almas, e para que issoconste a todo tempo, fao este as-sento. Declaro mais que o ditolano de casas esta na rua Debai-

    xo (atual Lusi tana), junto aocaminho que hoje serve de estra-

    da pblica".18

    Tendo cumprido as exignciasde renda para a construo e ma-nuteno da capela e habitaopara o vigrio, foi concedida auto-rizao para a ereo de uma Ma-triz com a vocao a Nossa Senho-ra da Conceio, em 10 de maiode 1773 Como as obras para aconstruo da matriz seriam de-moradas, os moradores novamen-

    te recorreram ao Bispo da Diocesede So Paulo, o .rei Manuel daRessurreio, para que lhes fosseautorizado a construo de umacapela provisria, tendo em vistaque mais de trinta moradores dobairro haviam morrido sem rece-ber os sacramentos e sendo enter-rados no cemitrio bento da cida-de, o que lhes foi concedido em 06de maio de 1774

    Dando continuidade ao proces-so de ocupao do espao, Barreto

    Leme, ao demarcar a rea do rociocomo sendo de lgua em circulo

    Observemos que nesse documento se fala em po-voao e no em vila ou municpio, o que indica que a.reguesia continua subordinada religiosamente a pa-rquia de Jundia e a povoao subordinada politica-mente a Cmara de Vereadores da mesma Vila A ele-vao Vila algo que a regio ainda nem pleiteia,mas o desenvolvimento da cultura canavieira criaras condies polticas e econmicas necessrias, tor-nando este pleito inevitvel

    Inicialmente, a regio se beneficiara da realizao

    de melhorias no antigo caminho do Gois, agora es-trada que liga So Paulo a Gois, o que aconteceudurante a gesto de .rana e Horta, melhorando ascondies para a escoao da produo campineira econstruindo-se pousos reais ao longo da mesma Narealidade, essa ao corresponde a uma poltica dacoroa portuguesa de fixar o controle sobre o territriocolonial ainda em litgio com os espanhis, ao mesmotempo em que permite e incentiva a expanso dasculturas de produtos que tenham alto valor no merca-do internacional

    do local da matriz, comea a sepreocupar com o planejamento ea construo do povoamento e re-ceber instrues do Morgado deMateus para o arruamento da po-voao Segundo documentotranscrito por Odilon Nogueira deMattos, a determinao do Morga-do de Mateus seria,

    "Porquanto tenho encarregadoa rancisco Barreto Leme formaruma povoao na paragem chama-

    da Campinas de Mato Grosso, dis-trito de Jundia, em stio onde seacha melhor comodidade e pre-ciso dar norma certa para a for-matura da referida povoao: or-deno que esta seja formada emquadras de sessenta ou oitentavaras cada uma e da para cima, eque as ruas sejam de sessentapalmos de largura, mandando for-mar as primeiras casas nos ngu-los das quadras, de modo que fi-quem os quintais para dentro a

    entestar uns com os outros. SoPaulo, 27 de maio de 1774."19

    Aquarela de Jos de CastroMendes, Matriz Velha

    17 Manifestao do Cnego Antnio de Toledo Lara em 05 de Novembro de 1772 sobre a petio dos moradores do Bairro do Mato Grosso para ereo de uma capela transcrita em CAMPOS Jr., Teodoro

    de Sousa. "Histria da Fundao de Campinas (Subsdios)" Monografia Histrica do Municpio de Campinas, op. cit., p. 18.18 Manifestao do Vigrio Andr da Rocha de Abreu em 20 de maio de 1786 transcrita em CAMPOS Jr., Teodoro de Sousa. "Histria da Fundao de Campinas (Subsdios)" Monografia Histrica doMunicpio de Campinas, op. cit., p. 37.

    19 Transcrito em MATOS, Odilon Nogueira de. "O Passado de Campinas atravs dos Textos", Revista Notcia Bibliogrfica e Histrica, n 59, p. 275 e CAMPOS, Jr., Teodoro de Sousa, "Histria daFundao de Campinas (Subsdios)" Monografia Histrica do Municpio de Campinas, op. cit., pp. 30-31.

    Sobre a Histria fazem-se Histrias: A Ocupao do Espao eA Transformao da Paisagem Natural em Campinas no sculo XVIII

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    Essas melhorias na estrada queliga So Paulo a Gois sero a pri-meira demonstrao, ou talvez, oprimeiro instrumento da gradativaintegrao de Campinas ao mo-delo agro-exportador baseado na"plantation", que passara a vigo-rar nas terras paulistas Os movi-mentos populacionais tpicos dosbandeirantes e tropeiros, que de-ram ensejo ao desenvolvimentodas roas de subsistncia, agora

    sero substitudos por um mode-lo econmico baseado na culturacanavieira, em latifndios basea-dos, na mo de obra escrava paraatender as demandas de um mer-

    cado externo em expanso devi-do s crises no Haiti e em outrascolnias francesas Esse novo mo-delo econmico associado aodeclnio da atividade mineradoraprovocar a fixao do paulista,contribuindo para o crescimentopopulacional da provncia e osurgimento de novos bairros ru-rais, vilas e cidades, atravs do en-riquecimento dos grandes propri-etrios de terras e escravos

    Em 1797, a freguesia das Cam-pinas contava com uma popula-o composta por 2107 habitan-tes distribudos em mais de 400fogos e em seis bairros distintos

    Essa situao, segundo a petio dos moradores de Campinas dirigida ao governadorda capitania, criava um dilema para os homens bons da freguesia, que era a participaona Cmara de Jundia exercendo as suas obrigaes para com a Coroa ou a melhor

    conduo dos seus engenhos e lavouras e, portanto, eles solicitavam que a freguesiafosse elevada a Vila, alegando que a mesma teria uma receita de cincoenta mil risEstima-se que esta petio, sem data, tenha sido realizada no mesmo ano de 1797, foiassinada por 47 homens bons residentes na freguesia, porm entre estes est excludo onome de .rancisco de Paula Camargo como peticionrio O Vigrio atesta, em 29 deoutubro de 1797, o nmero de 2107 moradores e embasa a petio alegando que nosltimos trs anos a populao teria crescido em 688 pessoas e em sua relao de ho-mens bons que poderiam servir s funes pblicas composta por 53 nomes, ele inclui onome de .rancisco de Paula Camargo, o ento juiz ordinrio da Cmara de Jundia

    A petio foi atendida pela proviso de 04 e portaria de 16 de novembro do ano de1797 e lavrado auto de ereo do pelourinho e demarcao para o pao da Cadeia eCmara em 14 de Dezembro Houve ainda a demarcao do rocio e diviso de limites em15 de Dezembro do mesmo ano, sendo instituda, ento a Vila de So Carlos

    Alm disso, a freguesia vivia umasituao inusitada, pois o Juiz Or-dinrio20 da Cmara Municipal deJundia, a qual Campinas estavasubordinada, era seu morador OCapito .rancisco de PaulaCamargo era o juiz em questo e:

    "...referindo-se a ele, conta o Dr.Ricardo Gumblenton Daunt, que erato ativo e robusto que, no exerc-cio de suas funes, partia de ma-drugada de sua fazenda, situada no

    Bairro da Ponte Alta, umas trs emeia lguas alm de Campinas,presidia as sesses do conselho edava audincias em Jundia, e vi-nha ainda cear em Casa".21

    20 Ao Juiz Ordinrio de acordo com o Cdigo Eleitoral de Ordenao cabia a Presidncia da Cmara que era eleita entre os "homens bons" da vila ou cidade. Para ser considerado "homem bom" era

    necessrio possuir terras e escravos que lhe permitisse exercer funes pblicas, o que no regime absolutista era servir a Coroa.21 CAMPOS Jr., Teodoro de Sousa. "Histria da Fundao de Campinas (Subsdios)" Monografia Histrica do Municpio de Campinas, op. cit., p. 48. Para maiores informaes ver DAUNT, Ricardo

    Gumblenton "Reminiscncias do Distrito de Campinas em Bairro, Freguesia e Vila", Revista do Centro de Cincia Letras e Artes de Campinas, n 7, 1904.

    Sobre a Histria fazem-se Histrias: A Ocupao do Espao eA Transformao da Paisagem Natural em Campinas no sculo XVIII

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    Captulo II

    ".undaes" de Campinas:

    .bricas de Representaes22Refletir sobre a data oficial da

    fundao da cidade de Campinas pensar como a cidade se perce-be ao longo do tempo, cidade estaque por duas vezes comemorouseu bicentenrio Uma em 1939,durante a Ditadura do EstadoNovo e a outra, em 1974, duran-te a Ditadura Militar e que porocasio da oficializao da funda-o, em 1971 atravs da Lei3984, buscava em sua origem

    uma identidade que lhe permitis-se vangloriar-se de um passadoque a teria tornado a "grandeurbe" do interior de So PauloNesse sentido, as prprias dispu-tas entre as datas da fundaoso disputas entre as represen-taes do passado e do presenteque temos e tivemos da cidadeNesta parte do nosso trabalho,mais do que esclarecer as circuns-tncias da fundao da cidade, te-mos como objetivo entender

    quais as representaes que mo-tivaram os autores e vereadores,no incio da dcada de 1970, aoficializarem a data de 14 de ju-lho de 1774 como data da fun-dao e contrap-las s represen-taes que foram silenciadas comessa atitude

    O primeiro passo para isso foitentar compreender como era en-tendida a palavra fundao duran-

    te a polmica23 que resultou naalterao da data de fundao ofi-cial da cidade de 1739 para 1774Essa discusso se estendeu portrinta anos, mas no perodo entre1962 e 1971 alcanou o plenrioda Cmara Municipal de Campinas

    e este optou por um conceito defundao diferente daquele que acidade havia adotado em tempospassados Comparar esse novoconceito com aquele que oscampineiros do sculo XIX e inciodo XX possuam pode ajudar a es-clarecer a mudana do prprioconceito de cidade

    Nesse sentido, comparar comodicionrios dos dois momentos de-finem o termo fundao foi o pri-meiro passo a que nos propuse-

    mos Segundo o Pequeno Dicion-rio da Lngua Portuguesa, escritopor Candido de .igueiredo, publi-cado em 1924, fundao defini-da como "o ato ou efeito de fun-dar" e "fundar construir, edificardesde o fundo, desde os alicer-ces(...) estabelecer-se; fixar resi-dncia (Latim undare)" enquan-to na 11 edio do Pequeno Dici-onrio Brasileiro da Lngua Portu-guesa, de autoria de AurlioBuarque de Hollanda erreira,

    publicada em 1964, fundao o"ato do Estado ou liberalidade pri-vada, por doao ou testamento,

    que institui uma pessoa jurdicaautnoma destinada a fins de uti-

    lidade pblica ou beneficncia,mediante dotao oficial especialde bens livres". Dessa forma, po-demos concluir que para os auto-res que entendiam que em 1739a cidade havia sido fundada, a fun-dao nada mais era do que a exis-tncia de "umas casinhas airosase em seguida as ruas", um lugaronde "quase no se distinguecousa alguma seno depois de pi-sar cho propriamenteintramuros".24Por outro lado po-

    demos vislumbrar que para os quedecidiram, em 1971, qual seria anova data, a fundao era maisdo que a existncia de pessoas ha-bitando o espao geogrfico Paraestes vereadores e estudiosos, afundao era considerada:

    ".no sentido exato de incio dopovoado, do aglomerado urbano,excluindo-se qualquer outraconotao, como a de incio do po-voamento, com a formao debairro rural, que aqui se formou",

    ou seja, "Campinas foi uma 'cida-de criada'. Ela nasceu dentro dediretrizes constantes de um 'pla-no urbanstico', um plano muitorudimentar, sem os requintes datcnica moderna de planejamen-to, mas que nem por isso deixavade ser um 'plano diretor'"25:

    22 Este captulo uma verso atualizada com novas pesquisas das verses j publicadas no Dirio Oficial do Municpio de Campinas, em 14 de janeiro de 2004 e no Revista SINPRO Cultural, Sindicatodos Professores de Campinas e Regio, Ano X, n 58, Maio de 2004.

    23 A polmica refere-se disputa ocorrida, durante as dcadas de 1960 e 1970, entre os estudiosos e polticos pela data de fundao da cidade que finalmente seria alterada de 1739 para 1774.24 Escrito de Francisco Quirino dos Santos publicado, ps-morte do autor, na Revista Oficial da Exposio Feira - 1739 - 1939 do Bicentenrio da Campinas, op. cit., p.02.25 A citao se refere demarcao do rocio realizada por Francisco Barreto Leme que seria a futura rea urbana de Campinas citada na obra: PUPO, Benedito Barbosa, Margem da Histria de

    Campinas (As origens da cidade e oficializao da data de sua fundao), 2 Ed., Campinas: Tipografia Matos, 1976, pp. 13 a 20.

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    Ou seja, ela surge como cidadeplanejada e no como um amon-toado de casas de degredados oucolonos pobres interessados emabastecer tropeiros ou habitantesfugitivos das epidemias de varolae sarampo da Vila de So Paulo dePiratininga26

    Neste trecho da anlise preci-so recuperar o conceito de bairrorural para percebermos que den-tro da prpria comisso e entre os

    historiadores que ratificaram a mu-dana esse argumento no eraconsensual Para Maria Isaura Pe-reira de Queiroz:

    "Era o bairro rural um grupo devizinhana de 'habitat' disperso,mas de contornos suficientementeconsistente para dar aos habitan-tes a noo de lhes pertencer, le-vando-os a distingui-lo dos demaisbairros da zona. O sentimento de'localidade' constitua elemento b-sico para delimitar a configurao

    de um bairro, tanto geogrficoquanto no espao social. Tradicio-nalmente, uma capela marcava oncleo central, e a festa do padro-eiro constitua um dos momentosimportantes de reunio para oscomponentes dispersos pelas cer-canias, - momento em que se afir-mava a personalidade do bairro emrelao aos bairros vizinhos. Cadabairro se compunha de famliasconjugais autnomas, autrquicas,lavrando independentemente suas

    roas como e quando queriam. Nopodiam, porm, prescindir do au-xlio dos vizinhos sem grave dimi-nuio de seus recursos, pois suastcnicas eram as mais rudimenta-res"27.

    Assim, se por um lado o con-ceito de Bairro Rural utilizado porBenedito Barbosa Pupo se asseme-lha a esta definio no que se re-

    fere aos aspectos culturais earquitetnicos, devemos nos lem-brar de que a criao da freguesiaincentivou essa configurao, poisfoi atravs desta que houve a au-torizao para e ereo da capelae demarcao do rocio; por outrolado, no que se refere aos aspec-tos econmicos deixam a desejarse considerarmos, como apontou

    Teodoro de Sousa Campos, que asroas de subsistncia em Campi-nas podem ser comparadas sfaiscaes nas regies da Minas28

    e que estimasse que havia uma po-pulao escrava em nmero igual populao de livres29

    Na realidade, esta discusso so-bre o mito de origem da cidade,ou talvez seria mais preciso sobre

    a origem dos primeiros moradorese como a cidade foi fundada j ha-via sido travada em momentos an-teriores, como descreveu .rancis-co Quirino dos Santos no almanachde 1870 e reproduzido na RevistaOficial da Exposio .eira do Bi-Centenrio de Campinas, 1739 -1939:

    "Eu ignoro se ns, como

    paulistas, fomos de acordo com oparecer dum tal Vaissete, historia-dor francez que Deus guarde, fo-mos digo, em nossa origem, umatropa (a traduo de rei Gasparda Madre de Deus), uma tropa debandidos, ou se nossos progenito-res foram de remontado e estremosangue azul, como decide oseraphico r. Gaspar."30

    Revista doBi Centenriode Campinas

    26 JOS, Jorge Antonio. "A cidade que nasceu pobre foi a potncia do acar" Dirio do Povo, 1983. Matria localizada na Pasta Fundao da Cidade de Campinas, da Hemeroteca da Biblioteca PblicaMunicipal Ernesto Manuel Zink. Foram constantes as epidemias na capitania, depois provncia que hoje chamamos Estado de So Paulo, e estas provocavam movimentos populacionais em busca de reasjulgadas livres das doenas o que, segundo alguns autores, teria provocado uma migrao da futura So Paulo para Campinas. Alm disso, era comum pequenos infratores serem punidos com a pena dedegredo, o que representava que estes deveriam se instalar aonde a autoridade de el-rey ainda no estivesse estabelecida.

    27 QUEREIROZ, Maria Isaura Pereira de. Bairros Rurais Paulistas: Dinmica das Relaes Bairro Rural - Cidade, So Paulo: Ed. Duas Cidades, 1973, pp 3-4.28 CAMPOS, Jr., Teodoro de Sousa. "Histria da Fundao de Campinas (Subsdios)" Monografia Histrica do Municpio de Campinas, op. cit., pp 7- 9.29 Revista Oficial da Exposio Feira - 1739 - 1939 do Bicentenrio da Campinas. Publicao da Prefeitura Municipal de Campinas e Comisso Oficial de Festejos, So Paulo: Grfica J. Gozo, 1939, p. 115.30 Texto de Francisco Quirino dos Santos publicado na Revista Oficial da Exposio Feira do Bi-Centenrio de Campinas, 1739 - 1939, op. cit.p. 32.

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    O prprio autor se exime deemitir parecer, esclarecendo queem seu entendimento os feitospaulistas eram o que importavam,destacando a ao dos mesmosnas lutas pela Independncia, naRegncia e na batalha da VendaGrande e desconsiderando a dis-cusso em torno da origem

    A partir de 1971, com a apro-vao da lei 3984, promulgada em13 de abril de 1971, que oficializa

    o 14 de julho de 1774, a fundaoda cidade passa a ser produto deum projeto poltico e urbansticodefinido No entanto, se este con-ceito e esta foi a versohegemnica em 1971, que acabouse tornando oficial, ela no foi anica, pois Jolum Brito, radialistae jornalista que desde 1956 vinhalanando os volumes da Histria daCidade de Campinas, se recusa aassinar o relatrio elaborado pela

    comisso escolhida pela CmaraMunicipal para dirimir as dvidassobre a fundao, composta pelosestudiosos: Joo Batista de S -Jolum Brito, Teodoro de SouzaCampos, Jos de Castro Mendes,Alaor Malta Guimares e, posteri-ormente, Celso Maria de MelloPupo Segundo Jolum Brito, essatese era inaceitvel e os argumen-tos utilizados para defend-la im-procedentes31

    Resgatar esse debate foi a quenos propusemos e para isso o m-todo estabelecido foi dividido emtrs etapas A primeira seria anali-sar a documentao oficial sobreeste processo de "reinveno datradio", a saber:- Decreto 1619, de 11 de julhode 1960, Declarando o Ponto .a-cultativo em todas as repartiespblicas municipais no dia 14 do

    corrente ms de julho, data dafundao da Cidade de Campi-nas;- Requerimento 712/62, de au-toria do vereador AntonioRodrigues dos Santos, que soli-citava a formao de uma co-misso que estudasse o fato deno monumento fundaoconstrudo na praa Guilhermede Almeida constar data de 14de julho de 177432;- Relatrio apresentado Cma-

    ra pela comisso citada anteri-ormente, com data de 19 de de-

    zembro de 1963;- Parecer da comisso compos-ta pelos senhores T OMarcondes de Souza e Tito Lvio.erreira, datado de 10 de setem-bro de 1964, do Instituto Hist-rico e Geogrfico de So Pauloratificando a data de 14 de julhode 1774 e aditamento datado de16 do mesmo ms e ano decla-rando que a documentao apre-

    sentada por Jolum Brito nooferecia argumentos capazes demodificar o parecer33;- O projeto de Lei 78/70, de au-toria do vereador AntonioRodrigues dos Santos, que es-tabelecia o dia 15 de novembrode 1732 como fundao oficialda cidade34;- A Lei 3984, promulgada em 13de abril de 1971, que oficializa o14 de julho de 1774

    A segunda foi verificar como se

    travou o debate pela imprensacampineira entre os memorialistas

    e estudiosos que se manifestarampublicamente na poca, entre eles35:- Joo Batista de S - JolumBrito: estudioso da histria deCampinas que publicou 26 volu-mes sobre o assunto e defendiaa fundao como sendo produtoda ao poltica de Barreto Lemea partir de 1739, quando o mes-mo se mudou de Jundia paraCampinas;

    - Benedito Barbosa Pupo: Cro-nista dos jornais Dirio do Povoe Correio Popular que publicoudiversos artigos e livros sobre ahistria da cidade, entre elesOito Bananas por um Tosto e Margem da Histria de Campi-nas - As origens da cidade eoficializao da data de sua fun-dao) que defende a data de1774 e a co-autoria do capitogeneral Dom Luis Antonio deSousa Botelho e Mouro, o Mor-

    gado de Mateus, na fundao dacidade;

    31 Para maiores informaes ver: BRITO, Jolum. "Por que 1939". Jornal Dirio do Povo, 21 de julho de 1973.32 O monumento em questo composto "por oito blocos dispostos em ligeiro semi-circulo, todo em granito cinza picolado, com bordas polidas assentam(sic)sobre uma base de concreto". O projeto do

    escultor Llio Coluccini e ostenta braso de armas da famlia de Barreto Leme e seus colaboradores, alm das datas de elevao Freguesia, Vila e Cidade. Para maiores detalhes ver Campinas em Pedra eBronze, catalogo editado pela Prefeitura Municipal de Campinas por ocasio do Bicentenrio em 1974. Exemplar consultado na Biblioteca do Museu da Cidade.

    33 PUPO, Benedito Barbosa. op. cit., p. 1834 A proposta, segundo o artigo de Jorge Antnio, deve-se ao fato de ser a data da concesso da Sesmaria a Antonio da Cunha Abreu e ele ser o primeiro a utilizar o nome de Campinas para definir esta

    regio, em petio datada de 1726. Artigo publicado pelo Correio Popular, em 20 de julho de 1977, localizado na Hemeroteca da Biblioteca Pblica Municipal Ernesto Manuel Zink, pasta: Fundao da Cidade deCampinas

    35 As fontes pesquisadas e bibliografia aqui apontada esto citadas na parte final deste texto, em Referncia bibliogrfica e outras fontes.

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    - Jorge Antonio Jos: publicoudiversos artigos questionando atese oficial e a suposta partici-pao do Morgado de Mateus,como co-fundador da cidadePara este autor a data seria 15de novembro de 1732, quandoocorreu a efetivao da posse dasesmaria concedida a Antonio daCunha Abreu

    A terceira etapa estabelecida foiverificar como alguns dessesmemorialistas e estudiosos havi-am conduzido suas pesquisas ato momento que precedeu a pol-mica, buscando compreender porque alguns deles mudaram seuponto de vista Alm de Benedito

    Barbosa Pupo e Jolum Brito,acrescentamos os seguintes estu-diosos- Jos de Castro Mendes: Inte-lectual, pintor e escultor quealm de publicaes diversassobre a histria de Campinas,comps diversos quadros eaquarelas sobre Campinas, al-gumas das quais hoje fazemparte do acervo do Museu daCidade;- Teodoro de Souza Campos: es-tudioso da histria da cidade eum dos mentores da MonografiaHistrica da Cidade de Campi-nas, publicada pela imprensaoficial do Estado de So Paulo

    em 1952;- Celso Maria de Mello Pupo: es-creveu entre outros, Campinas,Municpio do Imprio e Campi-nas, Seu Bero e Juventude;- Julio Mariano: jornalista queescreveu Campinas: De Onteme Anteontem Quadros Histricosmenos conhecidos da Cidade-Princsa, que se traaram ten-do por base documentos indi-tos do Arquivo da Cmara Muni-cipal de Campinas;- Geraldo Sesso Junior: escre-veu Retalhos da Velha Campinas,conjunto de crnicas e imagensque revelam passagens do pas-sado campineiro

    O Decreto n 1619, de 11 dejulho de 1960, assinado pelo Vice-Prefeito Municipal em exerccio, de-

    clara o ponto facultativo apenas nodia 14 de julho de 1960 revelandoque nos anos anteriores a referidadata no foi comemorada comoponto facultativo e nem o seria nosanos posteriores a partir apenasdeste decreto Alm disso, em suajustificativa o decreto assim se ma-nifestava:

    "Considerando de alta significa-o o dia 14 de julho de 1774, dataem que a cidade foi fundada porrancisco Barreto Leme;

    Considerando que essa data, emcoincidncia feliz, combina com osfestejos de comemorao do jubi-leu episcopal de S. Exa, Revma. DOMPAULO DE TARSO CAMPOS, arce-bispo metropolitano de Campinas;

    Considerando ser desejo destaadministrao Municipal,concomitantemente, comemorar adata histrica e homenagear o vul-

    so de "reinveno da tradio" Aanlise dessa documentao pode-ria favorecer a compreenso dos

    motivos que levaram mudanada data da fundao da cidade, pelomenos do ponto de vista do deba-te travado entre os vereadores eentre os membros da comisso deestudiosos

    O que nos causou estranheza que o conjunto dos requerimentose projetos de leis deste perodoesta encadernado e que os referi-dos nesse ensaio no se encon-tram, parecendo terem sido reti-rados no momento da encaderna-

    o37 Assim sendo, o projeto delei 78/70 que em sua justificativapoderia vir a esclarecer o porqudo vereador Antonio Rodrigues dosSantos propor a data de 15 de no-vembro de 1732, simplesmentedesapareceu e quanto ao requeri-mento 712/62, h uma cpia semo conseqente despacho e proces-so que o mesmo motivou

    to ilustre de seu arcebispo"36.

    Assim, podemos concluir que a

    comemorao na forma de pontofacultativo em 1960 se deve a umacombinao de fatores, a saber: a.undao com a suposta primeiramissa e o Jubileu do arcebispo, osdois eventos de natureza religio-sa A fundao apenas enquantoevento pblico desvinculado daconcepo religiosa no justifica-ria a referida comemorao, poisa mesma no havia ocorrido nosanos anteriores e nem, pelos ter-mos do decreto, ocorreria nos pos-

    terioresCom relao ao restante da do-cumentao produzida pelo poderpblico municipal sobre esse as-sunto, a partir do Requerimento712/62, do projeto de Lei 78/70 eda Lei 3984, esta no est locali-zada no Arquivo da Cmara Muni-cipal, o que inviabilizou que fosseresgatada essa parcela do proces-

    A Documentao Oficial

    36 Decreto 1619, de 11 de julho de 1960, Biblioteca Jurdica da Secretaria Municipal de Assuntos Jurdicos, Prefeitura Municipal de Campinas.37

    No protocolo da Cmara Municipal de Campinas a referida documentao consta como estando em poder de Alcindo, segundo levantamento realizado pela Senhora Marina, funcionria do Arquivo daCmara em 16 de maio de 2006.

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    A Imprensa

    Os jornais de Campinas nas d-cadas de 1960 e 1970, assim comohoje, noticiavam os "aniversrios"da cidade como sendo dias de festae inaugurao de obras pblicas, noentanto ainda havia artigos dos di-versos estudiosos desta histria di-vergindo sobre a data oficial da fun-dao e trazendo novos argumen-tos que problematizavam a histriade Campinas Enquanto isso, a C-mara Municipal e a Prefeitura deCampinas haviam optado por umadata que consigo trazia as idias demodernidade, institucionalidade eorigem nobre, representadas, res-pectivamente, pela demarcao dorocio com ruas planejadas, criaoda freguesia e a primeira missa, fun-dao realizada por .ranciscoBarreto Leme (descendente de no-bre portugus) e Morgado deMateus38

    Entre esses autores, dois me-receram destaque O primeiro de-les foi Jolum Brito que continua-va reafirmando a existncia deCampinas Velha, que ficaria smargens do antigo caminho paraas Minas de Gois e dando nfasea .rancisco Barreto Leme como ogrande articulador para a funda-o da freguesia A sua chegadateria ocorrido em 1739 e, a partirda, a idia de cidade teria se dis-seminado pelos moradores, ouseja, j havia um ncleo de "fo-gos" no momento em que ele che-gou a Campinas, mas os morado-res da regio no tinham a pre-tenso de fundar uma cidade Esseprojeto pessoal de .ranciscoBarreto Leme o teria motivado aconvencer seus vizinhos da neces-sidade dessa criao e a acolhidaposterior do Morgado de Mateus,enquanto Governador daCapitnia, teria provocado o desen-

    volvimento do processo deinstitucionalizao do ncleopopulacional at atingir o status de.reguesia, Vila e Municpio Nessesentido, a data da fundao da ci-dade proposta a data do nasci-mento de um projeto mais do quede um acontecimento concreto

    O segundo autor, Jorge AntonioJos, hoje silenciado, questionavaa tese oficial e as idias de JolumBrito, defendendo que Campinasdeveria comemorar o dia 15 de no-vembro de 1732 como data da fun-dao Essa proposta se justificariaem virtude das concesses desesmarias a Antonio da Cunha Abreue seu concunhado Joo Bueno daSilva, a Antnio Neves Pires e a Ale-xandre Simes Vieira Este autorassim defendia seu argumento ques-tionando a data oficial:

    "A missa que se diz rezada nofoi, evidentemente, a primeira quena rea se realizou, todos aquelesanos antes ntre(sic) 1728 e 1774.At mesmo com altar porttil sepoderia rez-la.Mas, ainda que te-nha sido a primeira missa, aindano foi missa de autonomia, missade parquia, pois a prpria par-quia era e continuou sendo Jundia.Sem autonomia religiosa, sem au-tonomia civil, secular, poltica e ad-ministrativa no se pode falar emfundao que implica ponto de par-tida ou delineamento de persona-lidade jurdica que no adquiriuento."39

    Esta linha de argumentaotentava demonstrar que a ereode bairro a freguesia no represen-tava autonomia religiosa e polti-ca, o que fato A freguesia uma"povoao, do ponto de vista ecle-sistico" ou o "conjunto dos paro-quianos" Como a parquia conti-

    nuava a ser Jundia, podemos con-cluir que Campinas estava subor-dinada e continuava a fazer partedaquela; portanto, Barreto Lemee Morgado de Mateus no teriampromovido mudana alguma parao povoado Ele prossegue sua li-nha de argumentao escrevendo:

    "o Morgado aplicou um 'esque-ma sui generis': a obrigao aosvadios, o convite aos lavradores.E da forma como o determinou, pa-receu dizer que na rea no haviaum lavrador sequer, o que tornaseu ato mais estranho ainda, almde negao da prpria histria poisele sempre soube que o bairro ti-nha, lavradores em nmero sufici-ente."40

    A leitura do autor nos permiteconcluir, e talvez seja isto que elesugere, que em virtude do prin-cpio "uti possi de tis"41 que regu-lou os acordos entre Portugal eEspanha aps a revogao do Tra-tado de Tordesilhas, o Morgado deMateus teria oficializado uma ocu-pao que j existia, dando-lhe re-conhecimento e pressionando aIgreja Catlica a faz-lo para man-ter sob domnio portugus as ter-ras hoje ocupadas por CampinasAo caracterizar os moradores doBairro do Mato Grosso de Jundia,Jorge Antonio Jos conclui sobre ossesmeiros que para c vieram pos-teriormente:

    "os primeiros no estiveram narea do bairro com o intuito de es-pecfico de povoar lugar ermo, poisvieram no embalo de outros que osantecederam. Que vieram com opropsito de participar do povoa-mento, no resta dvida com acondio superior da continui-dade (grifo nosso) o que no lhesmodifica a posio de seguidores."42

    38 interessante observar como esta imagem foi preservada at hoje e no mais questionada. Jos Pedro Martins publicou em 25 de abril de 1999 no Correio Popular duas matrias sob as seguinteschamadas "Linhagem Nobre de Heris" sobre Barreto Leme e "Um filho legtimo da aristocracia Lusitana, Lus Antonio de Sousa Botelho, o Morgado de Mateus", atribuindo a ambos a fundao de Campinas.No entanto, na mesma pgina apresenta um mapa realizado entre 1743 e 1758 no qual j consta o termo Campinas para definir a regio. Segundo Benedito Barbosa Pupo, esta nomenclatura seria explicadapela vegetao e relevo da regio, mas no mapa no consta outras denominaes desta natureza, como serra, planaltos etc.

    39 JOS, Jorge Antonio. "A cidade que nasceu pobre foi a potncia do acar" Dirio do Povo, 1983. Matria localizada na Pasta Fundao da Cidade de Campinas, da Hemeroteca da Biblioteca PblicaMunicipal Ernesto Manuel Zink.

    40 Idem, ibdem.41 O Tratado de Madrid firmado em 1750 estabelecia o principio do uso e posse da terra como elemento definidor das fronteiras entre Portugal e Espanha. Mesmo sendo substitudo por outros tratados o

    princpio continuou a ser observado.42 Idem, ibdem.

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    Ou seja, na sua opinio os sesmeiros ofi-ciais vieram aps a fixao de pessoas queabandonaram bandeiras para aqui se fixarem,degredados e fugitivos das epidemias de va-rola e sarampo da Vila de Piratininga, com oobjetivo de abastecerem as tropas que prati-cavam o comrcio na regio das minas

    Sobre a regio do caminho dos Goiases,Teodoro de Sousa Campos Jr Afirma:"se cobre a partir de 1726, de aventureiros detodas as classes e procedncias, em trnsitopara a regio do Novo Eldorado. O sucedido

    fez surgir a explorao de pousos ao longo daestrada, negcio este to rendoso, a julgarpela competio logo estabelecida, quanto aindstria da faiscao do minrio..."43

    Para este autor, a explorao dos pousosse apresenta como uma atividade econmi-ca importante e, podemos concluir, atraentepara os aventureiros que tinham como obje-tivo se manter afastados da autoridade doRei e de seus subordinados

    Nesse levantamento, realizado junto aHemeroteca da Biblioteca Pblica Muni-cipal Ernesto Manuel Zink e a Coleo

    Joo .alchi Trinca do Centro de Mem-ria da UNICAMP, podemos observar que adiscusso sobre a fundao oficial da cidadede Campinas atravs da imprensa teria tidoincio na dcada de 1960 e obteve destaquena dcada de 1970, quando se constata quehouve um crescimento significativo do nme-ro de artigos publicados os quais foram de-saparecendo gradativamente nos anos de1980 A anlise desses artigos nos levou aconcluir que, mais do que argumentosembasados em novas fontes documentais,novas metodologias ou teoricamente mais

    consistentes que levassem a opo pela datade 14 de julho de 1774 e uma concluso efe-tiva do debate, houve sim, por parte dosmeios de comunicao e da prpria adminis-trao municipal44, um gradativo "esqueci-mento" das outras datas propostas e umaconstante exaltao da origem planejada,institucionalizada, religiosa e nobre da cida-de, silenciando um outro discursohistoriogrfico que apontava uma origem maissimples, nem por isso menos real

    Programa da 1 ComemoraoOficial do Aniversrio da Fundao

    da Cidade de Campinas

    43 CAMPOS, Teodoro de Souza "Histria da Fundao de Campinas(Subsdios)"; in Monografia Histrico do Municpio de Campinas, publicao da Cmara Municipal de Campinas, Rio de Janeiro: ServioGrfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica,1952, p. 07

    44 O Programa da Comemorao do Aniversrio de Fundao da Cidade de Campinas em 1971 assim se referia ao Evento "1 Comemorao Oficial do Aniversrio da Fundao da Cidade 14 de Julho de1971" (Lei 3984 de 17 de maio de 1971) no fazendo nenhuma referncia as comemoraes ocorridas em 1939.

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    O primeiro questionamento, do qual temos conhe-

    cimento, sobre o ano de 1939 como o ano de funda-o, foi realizado por Teodoro de Souza Campos45 naMonografia Histrica do Municpio de Campinas Paraeste autor:

    "Acreditamos que a sua vinda e mudana (de BarretoLeme) para c se verificou depois do ano de 1744,baseados na circunstncia de haverem nascido emTaubat quase todos os seus filhos, com exceo feitaaos ltimos como adiante veremos. E, portanto, nopode ser aceitvel a verso segundo a qual no ano de1739 a sua transferncia para o bairro do Mato Gros-so; pois no crvel que vivesse de c para l, emcontinuas e longas jornadas, em visita famlia"46.

    Portanto, a fundao no poderia ter ocorrido nareferida data, mas o pressuposto de que Barreto Leme o fundador no questionado e nem o significadodo que era a fundao

    A esta argumentao Jolum Britto rebater emartigo publicado no jornal Dirio do Povo, de 21 deJulho de 1973, escrevendo:

    "quando discutia com um grande amigo meu e his-toriador e genealogista de verdade duvidando de queBarreto Leme estivesse em Campinas em 1739. Per-guntei-lhe o motivo de sua dvida. ' que', disse-meele, 'nesse ano sua mulher dera vida mais um filhoe , portanto Barreto Leme deveria andar por l... em

    Taubat'.E fui obrigado a responder: 'Afinal de contas quem

    deu a luz? oi ele ou a mulher.'".47

    As pesquisas recentes demonstram que ospaulistas, at o desenvolvimento da cultura canavieira,sempre estiveram associados s praticas de movi-mentos populacionais em busca de ouro, pedras pre-ciosas ou mesmo do tropeirismo e movimentosmonoeiros A partir da compreenso dessa realida-de, torna-se possvel que Barreto Leme j tivessepassado pelas terras que daro origem Campinasou mesmo que aqui tivesse formado sesmaria, no en-

    tanto, no significa que ele quisesse formar cidade,tendo em vista os constantes deslocamentos dospaulistas

    A esse respeito escrever Paulo Csar GarcezMarins analisando a vida cotidiana dos Paulistas:

    "O nomadismo a que grande parte dos paulistasse obrigava durante os trs primeiros sculos tam-bm tolheu o gasto com construes ou casas de maiorrequinte. Passavam-se muitos meses nos sertes em

    Bibliografia Comentada

    busca de indgenas a escravizar e tambm de metais

    preciosos para que as vilas e fazendas, espaos se-dentrios, justificassem gastos elevados, que eram,pouco desfrutveis em vista do excesso de tempodespendido nas expedies."48

    Alaor Malta Guimares escrevia em 1953:"Campinas, assim como muitas outras cidades do

    Brasil, teve a sua origem num pouso, onde os intrpi-dos Bandeirantes Paulistas descansavam, quando em-preendiam as suas viagens pelos sertes do Pas, prin-cipalmente de Minas Gerais, Gois e Mato Grosso, embusca de ouro, pedras preciosas e escravizando ndi-os."49

    Na dcada de 1950, a cidade originria ainda eraentendida como ponto de passagem de tropeiros eroceiros que aqui se estabeleceram em virtude da hos-pitalidade campineira Isso pode ser entendido, comoapontou Rosana Baenninger, porque nessa etapa dodesenvolvimento econmico da cidade h uma de-manda por mo de obra que d sustentao ao mes-mo e portanto:

    "os movimentos migratrios aparecem como ne-cessrio para o grande impulso industrial no munic-pio."

    A cidade se representava como tendo uma das

    menores taxas de mortalidade infantil, oferecia vagasao mercado de trabalho, se orgulhava de no possuirfavelas como resultado de uma administrao efici-ente, fazendo propaganda para atrair migrantes50

    Esta situao nos permite compreender porqueAlaor Malta Guimares entendia Campinas, naquelemomento, anos 50, como sendo uma cidade que teveorigem "como outras cidades do Brasil". Representa-o esta que passou a no ser aceitvel aos olhos daelite dirigente campineira, entre o final da dcada de1960 e incio de 1970, que buscava em sua origemalgo que a diferenciasse das outras cidades No acei-tao que se torna evidente no prefcio de Slon

    Borges dos Reis, datado de 21 de janeiro de 1969, obra Retalhos da Velha Campinas, de Geraldo SessoJunior:

    "Como brasileiro incumbido da responsabilidade deeducar, cumprimento-o porque ele quer guardar paraas geraes que crescem em Campinas e l fora osretalhos da velha cidade, atualizada hoje em funodo progresso que empolga o sculo, mas onde a sau-dade mora para a lembrana de outros tempos em

    45 CAMPOS, Teodoro de Souza. Op. cit46 Idem, ibdem, p.29.47 Para maiores informaes ver BRITO. Jolum. "Por que 1939". Jornal Dirio do Povo, 21 de julho de 1973.

    48 MARINS, Paulo Csar Garcez, "A Vida Cotidiana dos Paulistas: Moradias, alimentao, indumentria" in Terra Paulista Histrias Artes Costumes,(Vol. II). So Paulo: CENPEC/Imprensa Oficial do Estadode So Paulo, 2004, p. 96.

    49 GUIMARES, Alaor Malta, Campinas, Dados Histricos e Estatsticos (Contendo um Guia Completo de Ruas), Campinas: Ed. Livraria Brasil, 1953, p. 96.50 BAENNINGER, Rosana, Espao e Tempo em Campinas: Migrantes e Expanso do Plo Industrial Paulista, Campinas: Publicaes CMU/UNICAMP - Coleo Campiniana, 1996, p. 47.

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    que nunca faltou grandeza terra e gentecampineira."51

    Na fala do professor Slon Borges dos Reis enfatizada a grandeza da terra e da gente campineira,excluindo os que no so campineiros da construoda cidade Ao realizar isto, ele exclui os escravos, osnegros, os migrantes e imigrantes, enfim uma gran-de quantidade de pessoas que no eram campineiras,mas que aqui trabalharam e construram a cidadeEsta situao, em parte, pode ser entendida pelos pro-blemas que a cidade enfrentava em fins da dcada de1960 e incio de 1970 O poder pblico municipal, iso-

    ladamente, havia perdido a sua capacidade de admi-nistrar a cidade, ele no estava mais direcionando elimitando o poder do capital industrial e imobilirio52Os indicadores sociais entraram em declnio e se fezpreciso achar um responsvel: o migrante de herifundador passa a ser marginal, como nos revelaBaenninger:

    "No final dos anos 60, e incio dos anos 70, omigrante j aparece como bode expiatrio: causa docrescente surgimento das favelas da desorganizaourbana e do aumento da mendicncia na cidade."53

    O prprio Sesso Junior reconhece a existncia de

    uma povoao na regio da atual Campinas em 1732,escrevendo:"Atrasando o relgio do tempo, vamos nos

    embrenhar nos idos de 1732, quando a nossa opu-lenta Campinas atual, no passava de uma pobre pa-ragem, mais conhecida como o 'Bairro do Mato Gros-so'(...) O nascimento da primitiva povoao, aconte-ceu quase que por acaso". Segundo ele, "a 3 de julhode 1722, partia da Vila de Piratininga uma bandeiraorganizada e custeada pelo ento governador RodrigoCsar de Menezes e chefiada por Bartolomeu Buenoda Silva, 'O Anhanguera', com a misso de encontrara serra dos Martrios que, segundo a lenda, devia es-

    conder valiosas peas. Como a ocasio era propcia,os que pensavam em abandonar a Vila de Piratiniga,apresentaram-se para integrar a expedio. Partici-pavam da bandeira homens e mulheres, negros, ndi-os, mamelucos, mulatos, e entre os brancos, frades,lusos e espanhis. A maioria dos que pertenciam expedio, medida que esta ia avanando pelo inte-rior, ia desertando. O ponto culminante foi quandoalcanou as imediaes de nossa terra. Pequenas ersticas palhoas comearam a surgir nas clareiras

    da mata."54

    O autor faz referncia aos "Campinhos" e emborano se utilize do termo fundao, eximindo-se de par-ticipar da polmica estabelecida, refere-se ao "nasci-mento da primitiva povoao" e, neste caso, a ori-gem, e no a fundao, da cidade se relacionava comfugitivos da Vila de Piratininga e fornece subsdiospara o questionamento da suposta origem nobre dacidade

    O debate no se encerra neste ponto e JulioMariano em Campinas de Ontem e Anteontem, publi-cado em 1970, desqualifica o debate realizado pela

    Imprensa afirmando:"...enveredando os editoriais da imprensa local parao terreno histrico, no qual careciam de base slida,em defesa da Comisso Centenria, resultou apaixo-nada e confusa polmica, com pouco ou nada de apro-veitamento ao povo menos letrado"

    Este autor considera que a defesa pela imprensada Comisso que definiu a data da fundao como 14de julho de 1774 foi decisiva para que a mesma pre-valecesse, embora a imprensa no se preocupassecom a metodologia do trabalho do historiador e nemcom o rigor da anlise das fontes Para ele,

    "Na realidade, Campinas cidade veio a fundar-sedefinitivamente aos 14 de Dezembro de 1797, em'Auto de Erecam' presidido pelo Doutor Ouvidor Ge-ral e Corregedor da Comarca de So Paulo, CaetanoLuis de Barros Monteiro, em conseqncia da Portariado Sr. Capito General da Capitania, Antonio Manoelde Melo Castro e Mendona que denominou ao novomunicpio de Vila de So Carlos. No dito 14 de de-zembro, para bem comprovar a existncia daMunicipalidade Sancarlense, se procedeu ao levanta-mento do Pelourinho e demarcao do pao do Con-selho e Cadeia e igualmente do terreno do Rocio. Nodia seguinte, isto , a 15 de Dezembro de 1797, pe-

    rante o referido Doutor Ouvidor Geral e Corregedorda Comarca se procedeu eleio dos dois juzes etrs vereadores, para Governo da Vila."55

    Podemos perceber que a linha de argumentaoadotada tem pontos de contato com o pensamentode Jorge Antonio exposto anteriormente Ao dirigirsua anlise para os aspectos legais expostos na argu-mentao de Benedito Barbosa Pupo, ele questiona o14 de julho de 1774, pondo em dvida a data da pri-

    Bibliografia Comentada

    51 REIS, Solon Borges dos, in SESSO Jr., Geraldo, Retalhos da Velha Campinas: Prefcio, Campinas: Ed. Palmeiras, 1970.52 Para maiores informaes ver ERBOLATO, Mrio & CASTRO, Moacir. "Campinas - Bicentenria Planeja o Futuro", O Estado de So Paulo, So Paulo, 14 de julho de 1974. Neste artigo os autores

    retratam a necessidade de 130 milhes de cruzeiros para a plena execuo do Plano Diretor da Cidade no que se refere a construo de casas populares e concluso do Centro Cultural Carlos Gomes. Coleo

    Joo Falchi Trinca - Centro de Memria da UNICAMP.53 BAENNINGER, Rosana, Espao e Tempo em Campinas: Migrantes e Expanso do Plo Industrial Paulista, Campinas: Publicaes CMU/UNICAMP - Coleo Campiniana, 1996, p. 60.54 SESSO Jr, Geraldo, op. cit, pp. 31-32.55

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