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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 7157
HISTÓRIA DA ÁFRICA, CULTURA AFRICANA E AFRO-BRASILEIRA EM LIVROS DIDÁTICOS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
Pedro de Souza Santos 1
Introdução
O presente texto compõe uma investigação em curso (Doutorado em Educação), que
tem como objeto de estudo a materialização do ensino de História da África, cultura africana
e afro-brasileira em seis coleções didáticas produzidas para Educação de Jovens e Adultos e
destinadas aos alunos do segundo segmento do Ensino Fundamental2 e do Ensino Médio.
Para tanto, as fontes analisadas na pesquisa são quatro publicações governamentais: A
Coleção ENCCEJA e a coleção Cadernos de EJA produzidas pelo Ministério da Educação
(MEC); os Cadernos do Programa de Educação de Jovens e Adultos – Mundo do Trabalho
publicados pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia do Estado
de São Paulo (SDECT); e os Cadernos do Programa São Paulo faz escola elaborados pela
Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. E duas coleções produzidas por editoras
particulares aprovadas pelo PNLD EJA - 2011: a coleção Tempo de Aprender, elaborada pela
editora IBEP e a coleção Viver, Aprender da editora Global. Para este evento serão
apresentados os resultados das análises dessas duas coleções.
Na pesquisa, parte-se da compreensão do livro didático3 como um artefato cultural e
possuidor de múltiplas facetas, entendendo-o numa “complexa teia de relações e de
representações” (BITTENCOURT, 2008, p. 14), considerando-se que o leitor se apropria de
1Doutorando em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. E-Mail: <[email protected]>.
2O segundo segmento da EJA é a etapa que corresponde aos anos finais do Ensino Fundamental ( do 6º ao 9º anos). Na Rede Pública do Estado de São Paulo a EJA está estruturada em duas fases: Segundo segmento do Ensino Fundamental e Ensino Médio.
3 A esse respeito, Batista (1999) esclarece que o livro escolar é um campo por excelência da ideologia e das lutas simbólicas e revela sempre, pelas suas escolhas, um viés, um ponto de vista parcial e comprometido sobre a sociedade, sobre seu passado, seu presente e seu futuro. Lajolo (1996), afirma que didático, então, é o livro que vai ser utilizado em aulas e cursos, que provavelmente foi escrito, editado, vendido e comprado, tendo em vista essa utilização escolar e sistemática. Munakata (2012) assevera que o livro didático, então, é uma mercadoria destinada a um mercado específico: a escola. Para Julia (2001) o livro didático é parte da cultura escolar e colabora com a transmissão dos conteúdos de ensino. Filgueiras (2011) esclarece que o livro didático, também é um instrumento pedagógico que propõe métodos e técnicas de aprendizagem e torna efetivos os objetivos e princípios das instruções oficiais.
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forma distinta do livro, atribuindo aos textos sentidos múltiplos que muitas vezes lhes são
externos.
A delimitação cronológica desta investigação compreende o intervalo de tempo que
vai de 2004 a 2013. Essa delimitação justifica-se pelo fato de que em 17 de junho 2004 foi
editada a Resolução nº 1, do Conselho Nacional de Educação, que instituiu as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de
História e Cultura Afro-brasileira e Africana. Assim, considera-se esse documento como
indutor no processo de implementação da lei nº 10.639/2003 nos estabelecimentos de
ensino. E o ano de 2013 corresponde ao prazo limite de utilização das obras didáticas
aprovadas pelo Programa Nacional do Livro Didático EJA 2011 (PNLD EJA- 2011).
A EJA no Programa Nacional do Livro Didático
Os programas de distribuição de livros didáticos a alunos de escolas públicas têm
longa data na história da educação no Brasil, tendo inicio em 1929 com a criação do Instituto
Nacional do Livro (INL) que contribuiu para expansão de sua produção. Esse programa foi
ampliado gradativamente, sendo instituída a Comissão Nacional do Livro Didático que
legislou sobre as regras de produção, compra e distribuição do livro didático e, em 1966 foi
celebrado um acordo entre o Ministério da Educação (MEC) e a Agência Norte-Americana
para o Desenvolvimento Internacional (Usaid), que assegurou recursos para produção e
distribuição de 51 milhões de livros para um período de três anos, marcando o início de uma
relação mais estreita entre editoras e o governo brasileiro.
Em 1971 tem fim o acordo MEC/USAID e o INL passou a desenvolver o Programa do
Livro Didático para o Ensino Fundamental (PLIDEF), assumindo as atribuições
administrativas e de gerenciamento dos recursos financeiros até a sua extinção em 1975. Em
1976 é criada a Fundação Nacional do Material Escolar (FENAME) , com isso, o governo
assumiu a execução do programa do livro didático com recursos provenientes do Fundo de
Desenvolvimento da Educação (FNDE) e de contrapartidas mínimas das Unidades da
Federação. Em 1983 a FENAME é substituída pela Fundação de Assistência ao Estudante
(FAE) que propõe a participação dos professores na escolha dos livros e a ampliação do
programa.
No ano de 1985 por meio do Decreto nº 91.542/85 foi criado o Programa Nacional do
Livro Didático (PNLD) promovendo profundas mudanças no processo de distribuição de
livros didáticos. A partir da criação desse Programa, a oferta dos livros didáticos foi
progressivamente estendida a todo ensino Fundamental e Médio. A escolha dos livros passou
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definitivamente a ser prerrogativa dos professores e o tempo de uso das coleções ficou
estabelecido em três anos, sendo previstas reposições e complementações. Desde então, foi
concedida maior atenção à constituição de equipes técnicas para avaliação sistemática e
criteriosa das coleções de acordo com os parâmetros estabelecidos para cada período4.
Segundo Bittencourt (2012), o PNLD consolidou-se como o maior programa de
distribuição gratuita de material didático do mundo e o Governo Federal passou a ser o
principal comprador5 de materiais didáticos das editoras, consolidando o programa como
uma política de Estado e fazendo valer o artigo 208 da Constituição Federal, que impõem ao
Estado o dever de garantir atendimento ao educando em todas as etapas da Educação Básica,
por meio de programas suplementares de material didático escolar. Entretanto, somente a
partir de 2007 a EJA foi incorporada ao PNLD por meio da Resolução 18/07 o Programa
Nacional do Livro Didático para Alfabetização de Jovens e Adultos (PNLA), criado no âmbito
do Programa Brasil Alfabetizado com a finalidade de distribuir a titulo de doação, obras
didáticas as entidades parceiras do programa. E finalmente, no ano de 2009 foi
regulamentado pela Resolução nº 51/09 o Programa Nacional do Livro Didático para
Educação de Jovens e Adultos (PNLD EJA) nos mesmos moldes do PNLD do Ensino
Fundamental e Médio e com a incumbência de distribuir as obras didáticas para todas as
escolas públicas que abrigam alunos jovens e adultos do 1º ao 9º ano do ensino fundamental,
além das entidades parceiras do programa Brasil Alfabetizado. Em 2014 o programa foi
ampliado, passando a atender os alunos da EJA do Ensino Médio.
Nesse breve histórico, pode-se perceber o lugar secundário destinado a EJA nas
políticas públicas de incentivo a produção, compra e distribuição de materiais didáticos.
Certamente, esse descaso se coaduna com a própria história de embates em torno da EJA e a
sua consolidação ainda recente como modalidade de ensino6. Dito de outra forma, a
incorporação tardia da EJA nos programas de distribuição de materiais didáticos só pode ser
4 Segundo o edital do PNLD EJA 2011, as obras didáticas destinadas à alfabetização de jovens e adultos, e as coleções didáticas para a EJA,devem atender ao que estabelecem as leis 10.639/03 e Lei 11.645/08 que tornam obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras.
5 Segundo informações do MEC em 2013 o governo investiu R$ 1,12 bilhão na compra e distribuição de 137,8 milhões de livros pelo PNLD. Vale lembrar, que os recursos para esse e outros programas provém em sua maioria, da cota federal da arrecadação do salário-educação.
6 Em5 de julho de 2000, a Câmara de Educação Básica (CEB), do Conselho Nacional de Educação (CNE), estabeleceu, por meio da Resolução Nº 1, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos. Essas Diretrizes definiram uma identidade própria para a Educação de Jovens, transformando-a – em razão do perfil dos estudantes que a integram – em uma modalidade de ensino com nítidas especificidades. (ROCHA 2013)
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compreendida quando olhamos retrospectivamente a sua história de marginalização dentro
das políticas públicas.
PNLD EJA - Avaliação dos livros pelo MEC
No edital de convocação para inscrição no processo de avaliação de obras e coleções
didáticas são estabelecidos os prazos, as condições de participação, os procedimentos, as
etapas do processo de avaliação bem como a caracterização e especificações técnicas dos
livros e coleções segundo cada etapa de ensino. Em suma, por meio do edital são definidas as
bases conceituais e metodológicas de avaliação e conceituação das obras didáticas.
Para o PNLD EJA 2011 constituíram-se três etapas no processo de avaliação das
obras/coleções didáticas a triagem, a pré-análise e a avaliação pedagógica7. A triagem
atendeu aos critérios técnicos referentes à estrutura dos livros, a pré-análise a adequação das
obras as especificações do edital e a avaliação pedagógica considerou critérios eliminatórios e
de qualificação, divididos em quatro blocos: bases legais, contemplando as diretrizes gerais
para EJA e princípios éticos; livro do aluno; manual do educador e projeto gráfico-editorial.
Posteriormente a esses procedimentos e com a exclusão dos livros que não estavam de
acordo com as normas do edital, foi elaborado o Guia de Livros Didáticos para Educação de
Jovens e Adultos para ser consultado via Internet pelas escolas públicas e entidades parceiras
do Programa Brasil Alfabetizado.
Em seus aspectos formais o guia é constituído por uma carta de apresentação aos
educadores, por um breve histórico do PNLD e PNLD EJA, pelo esclarecimento dos critérios
de avaliação dos livros, de informações relativas ao procedimento de escolha dos livros nas
escolas e resenhas das obras/coleções didáticas. Quanto ao currículo o guia estabeleceu que:
As coleções didáticas destinadas aos anos iniciais e finais do ensino fundamental na modalidade EJA, deveriam envolver o conjunto de conteúdos correspondentes aos anos iniciais do ensino Fundamental para a modalidade EJA. Os conteúdos considerados são aqueles determinados na Base Comum Nacional, estabelecida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei 9394/96, e suas alterações posteriores. (GUIA PNLD EJA 2011, p. 17)
Cabe esclarecer que a Base Comum Nacional para o Ensino Fundamental esta
fragmentada em diversos componentes curriculares e que no caso desse documento não há
7Para esse PNLD a responsabilidade pela triagem das obras ficou a cargo do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT/SP) e as etapas de pré-análise e avaliação pedagógica sob responsabilidade da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
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uma definição do que se entende por currículo para EJA. Definiu-se apenas, em nome do
respeito à diversidade dos alunos um conjunto de componentes curriculares mínimos para
cada uma de suas etapas.
As resenhas estão subdivididas nos seguintes tópicos: como é esta obra, onde são
descritos os aspectos gráficos, os procedimentos metodológicos e os objetivos; os
componentes curriculares de cada coleção, apresentando e caracterizando cada volume;
destaques da coleção. Além disso, enaltecem alguns aspectos das obras como, por exemplo,
sugestões e orientações de atividades presentes no manual do educador; e por fim trazem
recomendações para o trabalho em sala de aula.
Em sua primeira edição, o PNLD EJA contou com 10 editoras inscritas com obras
destinadas ao segundo segmento do ensino Fundamental e após o processo de avaliação dos
livros apenas duas coleções foram aprovadas: Viver, Aprender e Tempo de aprender
respectivamente das editoras, Global e IBEP. O resultado mostra que apenas 20% das obras
inscritas estavam de acordo com as normas do edital.
Esse dado é revelador, pois deixa transparecer a baixa qualidade dos livros produzidos
por várias editoras e denota ainda o lugar secundário que é dado a EJA também no mercado
editorial. Takeuchi (2005), ao analisar a produção de livros didáticos para EJA de duas
grandes editoras de São Paulo, constatou que eles eram versões reduzidas ou adaptações de
obras produzidas para o ensino regular. Isso indica um descompasso entre o estabelecido no
edital de avaliação do PNLD e a produção das obras para um público bem diverso.
Concluída essa etapa, os livros são escolhidos pelos professores das diversas escolas e
a formalização da escolha é feita pela Internet. Contudo, essa escolha não garante que as
escolas receberão os livros escolhidos pelos seus professores pois, o FNDE leva em
consideração os livros mais indicados num ranqueamento feito por todas as Diretorias de
Ensino de São Paulo. A partir daí, é firmado contrato com as editoras indicando a
quantidade a ser produzida e distribuída por meio da Empresa Brasileira de Correios e
Telégrafos (ECT). Dessa maneira, o livro didático chega às mãos de professores e alunos para
ser utilizado nas escolas durante três anos. Parafraseando Darnton (2010), considera-se que
o livro didático para EJA completou um ciclo que compreende desde o seu projeto autoral
inicial, passando pela editoração, pelos critérios avaliativos do MEC, pela escolha dos
professores até chegar ao seu final, nas mãos dos alunos.
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A coleção Viver, Aprender
A coleção Viver, Aprender da editora Global destinada aos alunos do 6º ao 9º ano do
ensino Fundamental, foi avaliada positivamente em seus objetivos e na proposta
interdisciplinar de divisão dos conteúdos em temas. Todavia,
a articulação dos conteúdos com os saberes prévios dos alunos ocorre de modo irregular: de modo satisfatório em Ciências e Matemática, mas insatisfatório em Língua Portuguesa, em Artes, em Língua Inglesa, em História e Geografia. [...] Em História se explora pouco a relação entre os conteúdos curriculares e os saberes prévios dos alunos e mesmo os conteúdos curriculares de História do Brasil perdem a articulação com os processos mais gerais, uma vez que se reduzem os acontecimentos mundiais ao espaço dos boxes, ainda que o Manual do Educador afirme que vai abordar a história do Brasil integrada ao contexto mundial. (GUIA PNLD EJA 2011, p.135)
A coleção Viver, Aprender tem cada volume organizado em unidades que se apóiam
em temas e áreas do conhecimento, apresenta-se dividida em quatro volumes
multidisciplinares correspondentes a cada ano/série. Apresenta muitas imagens que
retratam momentos atuais e passados em sua grande maioria coloridas, gráficos e textos
complementares, apresentando tipologias distintas de textos, como por exemplo, textos
extraídos de jornais, textos frutos de pesquisas cientificas e textos informativos, no final dos
capítulos na seção “Para ampliar seus estudos” são feitas indicações bibliográficas. A coleção
de História está organizada da seguinte maneira:
QUADRO 1 ESTRUTURA DA COLEÇÃO DE HISTÓRIA VIVER, APRENDER
VOLUMES ANO/SÉRIE TEMAS QUANTIDADE DE
PÁGINAS
1 6º Contextos de vida e trabalho 52
2 7º Vida cotidiana e participação 48
3 8º Mundo em construção 56
4 9º Identidades 53
Fonte: Dados coletados pelo autor, nov. 2015.
É importante destacar que esses temas perpassam os conteúdos de todos os
componentes curriculares da coleção.
Na coleção, privilegia-se a história do Brasil e a partir daí é feita a relação com os
contextos mundiais, segue uma cronologia não linear estabelecendo relações de
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posterioridade, simultaneidade, anterioridade e identidade. De maneira geral, a proposta
metodológica para cada volume é clara e os conteúdos relacionam-se com o tema proposto.
Contudo, os temas são apresentados superficialmente, os textos são curtos e a linguagem
utilizada em alguns casos parece distante das especificidades do aluno da EJA, o que
corrobora ainda com a concepção supletiva de educação de adultos.
Com relação à África, na apresentação da coleção é dito que:
Esta coleção visa a reverter essa prática ainda presente no ensino de História e Geografia, reforçando a importância e os valores positivos desses grupos sociais na constituição da sociedade brasileira atual e seu papel primordial na formação cultural nacional. Esse enfoque está presente na escolha dos temas, no texto didático, nas atividades (muitas delas realizadas com conteúdos produzidos por esses grupos sociais, como canções, poemas eimagens), na iconografia, enfim, em todos os elementos que compõem o livro didático. (VIVER, APRENDER. 2013 p. 10. Grifo nosso)
Na citação, a palavra prática refere-se à ausência de conteúdos sobre a África e uma
visão marcadamente eurocêntrica presente nos manuais didáticos. Dessa maneira, embora,
apresente a “preocupação” com os conteúdos voltados à África e cultura Afro-brasileira ao
analisar a coleção constatou-se uma quantidade mínima de textos, imagens e informações
sobre essa temática.
No volume 1 cujo tema é “Contextos de vida e trabalho” são apresentados alguns
textos e atividades relacionas à diversidade brasileira, aborda-se a formação cultural e étnica
do país, mas pouco se diz da contribuição africana. As poucas referências que apareceram
foram: um gráfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que apresenta a
composição da população brasileira por critério étnico-racial; uma imagem de um grupo de
capoeira em Salvador (BA); um mapa político da África e um texto complementar a respeito
das culturas africanas. Nessas referências, não foram problematizadas questões como a
assunção da negritude por parte da população afro-brasileira e não traz a informação de que
muitos africanos escravizados ao chegarem ao Brasil traziam informações da África e,
inclusive, havia a presença de membros de famílias reais entre eles.
Segundo Silva (2010), ao desembarcarem e serem vendidos no Brasil, este e aquele
escravo podia topar outros do mesmo reino, da vizinhança de sua aldeia, do seu mesmo
vilarejo e, alguma vez, de sua mesma linhagem, e passavam-lhes as noticias do outro lado do
mar. Ou ainda que, havia também africanos que as perseguições políticas empurravam para a
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Bahia. Entre esses exilados, incluíam-se membros de famílias reais, e a maioria chegava
escravizada.
No texto complementar mencionado anteriormente aparece a informação de que por
meio do tráfico negreiro foram trazidos para América cerca de 40 a 90 milhões de africanos,
números que contrariam grande parte da literatura especializada8 sobre o tema, que tem
estimado em torno de 10 a 12 milhões.
No volume 2 com o tema “Vida cotidiana e participação”, as referências a África e
cultura africana aparecem apenas em dois excertos de textos, no primeiro retirado do livro
“África e Brasil africano” de Marina de Mello e Souza aborda as formas de governo em
sociedades africanas e o segundo fala das ações afirmativas. Embora, muito relevantes, o
tratamento dado aos temas foi superficial concedendo pouco espaço para o debate e reflexão.
No volume 3 com a temática “Mundo em construção”, novamente só aparecem dois
pequenos trechos de textos, ambos na seção “Conhecer mais”, o primeiro fala a respeito do
movimento das mulheres negras no Brasil e outro consiste num parágrafo que versa sobre a
presença dos negros em cargos de nível executivo no Brasil. Novamente aqui os temas são
apresentados de maneira bastante superficial. Dito de outro modo, os temas aparecem de
maneira pró- forma. Décio Gatti Jr (2004), constatou que por força dos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs) os livros didáticos da época traziam em suas capas a
informação de que estavam de acordo com os PCNs, o que segundo ele era apenas pró-forma.
E por fim, no volume 4 “Identidades”, constatou-se a presença de uma quantidade
maior de textos alusivos a África e afro-brasileiros, no total de cinco, dentre os quais um
aborda a luta pela liberdade na Ásia e África, dando pouca especificidade às diversas lutas de
independência em território africano. Os demais textos, são pequenos excertos, um sobre os
zoológicos humanos na Europa, outro sobre o samba e um terceiro sobre as principais
conquistas do movimento negro, todos são pequenas referências sem nenhum
aprofundamento.
Diante do que foi apresentado, faz-se necessário um (re) pensar a História da África
nos manuais didáticos de História e como afirmou Anderson Ribeiro:
Neste caso, é necessário que os autores dos manuais escolares dediquem algumas linhas de contextualização e reflexão histórica para informar aos seus leitores que estão tratando de configurações e estruturas diversas. Não ignoramos a existência de organizações políticas ou sociais com semelhanças às de outras partes do globo em África, mas é preciso que se demonstre e enfatize as singularidades e especificidades africanas. (OLIVA. 2004, p.224)
8Mais informações ver Eltis e Richardson ( 2003).
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Desta maneira, é preciso contrapor imagens recorrentes do escravo vitima, com
outras que mostrem africanos e seus descendentes como sujeitos históricos, mesmo que
escravizados.
Coleção Tempo de aprender
A coleção Tempo de aprender da editora IBEP esta dividida em quatro volumes
multidisciplinares correspondentes aos anos finais do Ensino Fundamental da EJA. Os livros
estão divididos em duas unidades temáticas comuns as sete disciplinas do currículo - Língua
Portuguesa, Matemática, História, Geografia, Ciências Naturais, Língua Inglesa, e Artes, e
para cada unidade existe uma questão norteadora. A coleção apresenta a seguinte estrutura:
QUADRO 2 ESTRUTURA DA COLEÇÃO DE HISTÓRIA TEMPO DE APRENDER
VOLUMES ANO/SÉRIE TEMÁTICA QUANTIDADE DE
PÁGINAS
1 6º Unidade 1 Identidade
60 Unidade 2 Cidadania e leitura
2 7º
Unidade 1 Meio ambiente
48 Unidade 2 Saúde e qualidade de vida
3 8º Unidade 1 Cidadania e cultura
61 Unidade 2 Cultura de paz
4 9º
Unidade 1 Trabalho e consumo
63 Unidade 2 Globalização e novas tecnologias
Fonte: Dados coletados pelo autor, nov. 2015.
Cada unidade temática se desdobra em capítulos e no caso do livro de história, esse se
apresenta dividido em quatro capítulos, exceção feita ao livro do 6º ano que esta dividido em
seis capítulos.
Essa coleção foi avaliada positivamente em sua proposta pedagógica por eixos
temáticos com a possibilidade de articulação de trabalho entre os diferentes campos do
conhecimento. Para essa coleção não houve ressalvas, pelo contrário, foram apontados
vários destaques como os que seguem:
A valorização das diversas linguagens constitui um fio condutor, em todos os componentes curriculares da coleção. O encaminhamento metodológico, fundado na relação dialógica entre o aluno, o professor e os colegas, permite
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a reflexão, a problematização e a construção coletiva do conhecimento. Outro aspecto importante refere-se à sugestão de atividades, em que os alunos são chamados a desenvolver projetos de aplicação do conhecimento na comunidade, em uma perspectiva interdisciplinar. (GUIA PNLD EJA 2011, p. 141)
No Guia do PNLD-EJA é mencionado ainda, que além da relevância dos temas
selecionados essa coleção se destaca nas orientações dadas aos professores presentes no
Manual do Educador.
Segundo dados do FNDE de 2012, a coleção Tempo de aprender teve uma tiragem
total de mais de seis milhões de cópias, ressaltando que essa editora ficou à frente de outras
que inclusive, tiveram uma quantidade maior de títulos aprovados, consequentemente essa
coleção foi a mais adotada pelos professores da EJA que lecionam no segundo segmento do
Ensino Fundamental em todo Brasil, conforme pode-se observar na tabela abaixo:
TABELA 1 VALORES DE AQUISIÇÃO POR EDITORA – PNLD EJA 2011
Fonte: Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), 2012.
Importante observar que na tabela, os oito títulos adquiridos junto à editora IBEP,
correspondem aos quatro livros do aluno e aos quatro manuais do educador todos para uso
no segundo segmento do Ensino Fundamental, perfazendo um valor superior a setenta e
cinco milhões de reais, o que deixa claro os vultosos lucros obtidos com a venda de livros
didáticos e o status do Governo Federal como o maior comprador desse material no Brasil. E
nesse caminho, a EJA passa a ser um filão disputado pelas editoras.
O volume 1, correspondente ao 6º ano está organizado em seis capítulos. No primeiro
capitulo “Conhecendo minha história”, privilegia-se a história local do aluno e a formação da
identidade numa relação de interação entre as pessoas. A seguir é apresentada uma linha do
tempo de um menino estabelecendo um paralelo com a linha do tempo dos períodos
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históricos. Parafraseando Silva (2010),vale destacar que a formação da nossa identidade traz
as marcas de outros povos presentes no território brasileiro, dentre eles as diversas etnias
africanas.
No capitulo 2, “Um olhar para o passado, são apresentadas algumas fontes históricas
e explicitada a importância dessas fontes para o estudo da história da humanidade.
Em seu terceiro capitulo “Em busca das origens” , o termo origem é relativizado e
problematizado e brevemente são apresentadas as teorias criacionista e evolucionista. (não
menciona outros mitos a respeito da origem da vida) Ao lado desse pequeno texto foi
colocado um quadro que demonstra por meio de figuras humanas o processo evolutivo do
homem. Na seção “Ampliando o tema”, tem-se um texto intitulado “ Onde tudo começou”,
onde traz informações a respeito do surgimento do homem indicando que a premissa mais
aceita aponta para África. Junto ao texto foi colocado um mapa do continente africano,
identificando com setas os processos migratórios saídos desse continente em direção à
Europa e Ásia.
No capitulo 4 “Cidadania e leitura”, é feito um paralelo entre as diversas formas de
leitura e o exercício da cidadania. Para isso, foram utilizados pequenos excertos de textos e
leis conceituando direitos e relativizando conceitos de cidadania. Nesse capitulo, aparece
ainda, um pequeno excerto de quatro linhas do livro Da Monarquia à República de Emilia
Viotti da Costa, onde a autora indica a contradição na visão a respeito do escravo, ora visto
como propriedade, ora como ser humano. E como complemento a esse excerto, nesse
capitulo, afirma-se que o negro escravo era considerado um objeto, uma mercadoria e não
um cidadão. Essa idéia, muito mais que uma denúncia, corrobora com a visão tradicional
consagrada por parte da historiografia brasileira sobre a escravidão que desconsiderava as
estratégias do viver escravo, acabando por sobrepor os efeitos negativos da escravidão. Isso
deixa ver um descompasso com novos estudos a respeito da escravidão que por meio de
analises em fontes variadas9 têm possibilitado (re)interpretar, dentre outros aspectos os
efeitos da escravidão. Como mostra Wissenbach:
Nos últimos tempos, a historiografia sobre a escravidão no Brasil conheceu mudanças significativas e, em seus novos rumos, alguns enfoques interpretativos têm se mostrado particularmente produtivos,especialmente aqueles que, partindo da consideração do escravo como agente histórico, romperam com as visões tradicionais que insistiam na reificação do cativo e também em sua vitimização. (WISSENBACH, 2002, p. 104)
9 A esse respeito ver o trabalho de Robert Slenes, "O que Rui Barbosa não queimou. Novas fontes para o estudo da escravidão no século XIX", Revista Estudos Econômicos, v. 13, n. 1 (1983), pp. 117-49.
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E por fim, nos capítulos 5 e 6, “Cidadania – uma construção histórica” e “Cidadania e
imprensa” respectivamente, são abordados os seguintes temas: direitos no decorrer dos
tempos; memória e poder; e imprensa e poder.
Do que foi analisado e apresentado até aqui, é possível perceber a ausência quase que
completa da África no conteúdo do livro do 6º ano. De outra maneira, são raras as aparições
da temática africana nesse volume, caracterizando-se mais pela ausência. De acordo com as
temáticas e os capítulos apresentados no livro do 6º ano, entende-se que alguns conteúdos
alusivos a África poderiam ter sido acrescentados a esse volume, dentre os quais, a
contribuição dos diversos povos africanos na constituição da identidade brasileira ou ainda
os mitos africanos a respeito da criação e no limite a ação dos negros escravos ou libertos na
luta pela cidadania.
O volume 2 dessa coleção para os alunos do 7º ano divide-se em quatro capítulos e
tem como unidades temáticas “Meio ambiente” , “Saúde e qualidade de vida”. Nos dois
primeiros capítulos, “Natureza: domínio e descontrole” e “Natureza: a busca pelo equilíbrio”,
retratam o processo de domínio e destruição da natureza pelo homem desde os primórdios
até o momento atual caracterizado pelo consumismo e as ações desenvolvidas para conter os
avanços da destruição. No capitulo 3 “Saúde e bem-estar”, é problematizado os conceitos de
saúde, qualidade de vida e poder, para isso recorre a Antiguidade Clássica com a noção de
poder público à Idade Media com a suposta proliferação de doenças e a Idade Moderna com o
florescimento das cidades. No Brasil, os textos são alusivos ao inicio do século XX, onde
retrata o crescimento dos cortiços e as medidas sanitarista adotadas pelo governo. O capitulo
4 “Desenvolvimento e qualidade de vida”, apresenta pequenos textos cujas temáticas são:
tempo e dinheiro, consumo voraz, as motivações humanas, prosperidade para poucos e o
sonho republicano. É possível perceber nesses textos diálogos com as teorias positivistas,
marxistas e capitalistas.
Nesse volume, a única referência à África aparece apenas no final do capitulo 4, que se
materializa por meio do mapa Mundi cujo título é “Países com maior desigualdade social”,
onde identifica-se algumas nações africanas. No mais, ocorre uma invisibilidade dessa
temática.
Com o título de “A formação da cultura nacional” tem inicio o primeiro capitulo do
volume 3 dessa coleção. Nesse capitulo, discute-se brevemente o conceito de cultura
destacando a influência indígena e africana na formação cultural do Brasil. Os textos alusivos
a África falam da nossa ancestralidade africana e da resistência dos africanos contra a
escravização, traz ainda, a imagem de um feitor castigando um escravizado de Jean Baptiste
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Debret de 1826. Vale destacar, que durante o período escravocrata no Brasil, os escravos
africanos criaram espaços de “autonomia e de vitalidade próprios que resultaram na
elaboração de uma cultura escrava singular”. (WISSENBACH, 1998, p. 87).
Na seção “Aprofundando o tema” constam dois textos, o primeiro aborda o
preconceito racial e o segundo, traz à cena a discussão do Estatuto da Igualdade Racial e ao
final uma imagem de Nelson Mandela. Embora, esse capitulo tenha apresentado uma
quantidade maior de textos referentes a África e aos negros, são textos superficiais que
denotam o desconhecimento da África, da escravidão, da resistência negra e da literatura
especializada. Nos capítulos 2 e 3, respectivamente “A formação da cidadania e da cultura nos
dias atuais” e “Cultura de paz”, não fazem nenhuma alusão a África ou aos afro-brasileiros,
aparecem apenas duas imagens de pessoas negras dentre pessoas de outras etnias e em
seguida um conjunto de perguntas a respeito das imagens. E por fim, no capitulo 4 intitulado
“Paz em ação”, são apresentados ao aluno os textos: “O sonho norte-americano”, que aborda
o regime segregacionista no Sul dos Estados Unidos e a ação de líderes negros contra esse
regime, esse texto é acompanhado por uma imagem dos anos vinte que mostra a distinção de
bebedouros para negros e brancos e outra de Martin Luther King no seu celebre discurso “Eu
tenho um sonho” proferido em Washington em 1963; O outro texto “África: luta, lagrimas e
esperança”, tem como pano de fundo o regime do apartheid na África do Sul.
O livro 4 está dividido em dois eixos temáticos e subdividido em quatro capítulos, na
unidade 1 “Trabalho e consumo” tem seu primeiro capitulo intitulado “Sangue, suor e
lágrimas” e o segundo “Trabalho e consumo: o que movimenta a economia?”. No primeiro
capítulo como nos demais, tem início com uma série de perguntas a respeito daquilo que os
alunos sabem sobre o tema proposto. A partir daí, é feita uma breve conceitualização do que é
trabalho tendo como referência duas teorias opostas, o marxismo e a teoria capitalista de
Adam Smith. Ambas as teorias vinculadas a uma visão tradicional, estruturalista e
eurocêntrica10 do mundo. Traz ainda, informações sucintas sobre outras formas de trabalho
como a escravidão e servidão relacionando-as com contextos históricos específicos. No
segundo capítulo, os textos versam sobre os processos de industrialização, movimentos
operários, lutas de classes e trabalho no campo, em geral são textos curtos e precedidos por
exercícios de interpretação.
10 Segundo Chesneaux (1995), está visão despreza deliberadamente os processos históricos vividos por outros povos e culturas e aspectos da realidade histórica que não sejam pertinentes a seu projeto ideológico, restringindo-se àqueles que dizem respeito à Europa.
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Na unidade 2 “Globalização e novas tecnologias”, em seu terceiro capítulo “Grande
mundo pequeno” são problematizados os conceitos de tempo histórico, globalização e
dominação. Os textos trazem breves informações a respeito das navegações, do colonialismo,
das duas guerras mundiais e dos regimes totalitários na Europa. No quarto capítulo
“Estratégias da globalização”, todos os textos apresentados têm como pano de fundo o
período da Guerra Fria e os avanços tecnológicos.
De maneira geral, nessa coleção os conteúdos apresentados não são lineares, embora
seja estabelecida certa cronologia na maneira como estão dispostos nas unidades temáticas,
são propostas atividades que possibilitam uma certa interação do aluno com o material,
como por exemplo, na seção “Pra começo de conversa”, espaço destinado à opinião do aluno.
Contudo, a proposta de análise de alguns temas são bastante superficiais e generalizadoras,
por exemplo, com relação a escravidão no Brasil não se evidenciou as diferenças entre
escravo e escravizado e não mencionou as diversas ações de resistência durante o regime
escravocrata.
As atividades propostas em sua maioria estão em forma de perguntas interpretativas
relacionadas aos textos e em menor número são questões que se relacionam com o cotidiano
dos alunos, ao final de cada capítulo são sugeridas atividades de pesquisas em grupos. Desta
maneira, foi possível perceber nas atividades propostas a preocupação em assimilar os
conteúdos. Entretanto, devido à forma como foram propostas, essas atividades acabam por
não contemplar a heterogeneidade dos alunos da EJA, pois não oferecem margem para
outras respostas.
No que diz respeito à iconografia utilizada na coleção, observou-se a presença de
variadas imagens, gravuras, fotos e mapas que aparecem como acessórias dos textos, não
sendo proposto nenhum roteiro de analise deste tipo de linguagem. As imagens que retratam
a população negra no Brasil persistem ainda em relacioná-la à escravidão, sendo comum as
figuras de negros acorrentados, sendo castigados, nos trabalhos do engenho ou ainda nos
porões dos navios negreiros11 como na tradicional pintura de Johan Moritz Rugendas “Negros
no fundo do porão do navio” de 1835. Não ignorando agruras e os sofrimentos causados pela
escravidão, no entanto, é preciso problematizar essas imagens e usar outras que apresentem
os negros como sujeitos e não apenas como vitimas.
11 Segundo Rambelli (2006), a pintura de Rugendas utilizada recorrentemente em livros didáticos, passou a simbolizar no imaginário coletivo, o interior de todas as embarcações que transportavam escravizados negros homogeneizando mais de 300 anos de construção naval em uma única forma: o porão.
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Considerações finais
As políticas públicas de distribuição de materiais didáticos para EJA revelam tensões,
aproximações e contradições entre as ações do Estado, da sociedade civil organizada e o
mercado editorial. Trata-se de embates históricos em torno da constituição da EJA como
modalidade de ensino e das concepções de ensino e de materiais pedagógicos para os sujeitos
envolvidos.
No processo de criação do PNLD é salutar, ainda que tardiamente, a sua extensão a
EJA e, esse fato pode ser entendido como conseqüência de reivindicações antigas. Contudo, o
sistema de avaliação dos livros didáticos para EJA precisa ser revisto e aprimorado de
maneira a contemplar a diversidade e especificidade dessa modalidade de ensino, e algo
perceptível tanto no edital como no guia é a falta de definição clara do que se entende por
currículo para EJA.
Neste trabalho constatou-se a concentração de editoras com obras aprovadas no
PNLD na região sudeste, especificamente em São Paulo, dado que revela a necessidade de
maior democratização do processo.
As coleções didáticas analisadas pertencem a editoras com um longo histórico na
produção de livros didáticos, são empresas tradicionais no mercado editorial e com sucesso
na publicação de obras para EJA. Empresas com histórias distintas e concepções
diferenciadas de ensino e materiais para EJA.
A proposta da lei nº 10.639/2003 de inclusão da educação das relações étnico-raciais
nas escolas é necessária em diversos aspectos, pois colabora para o (re)conhecimento da
diversidade brasileira, para eliminação do preconceito e construção de uma sociedade justa,
igual e equânime.
Os primeiros passos foram dados com a inclusão de conteúdos referentes a História e
cultura Afro-brasileira nos matérias didáticos e com a implementação de cursos de formação
continuada para professores da Educação Básica. Contudo, são passos lentos diante das
mazelas causadas pela escravidão.
Nas duas coleções didáticas, constatou-se que mesmo tendo sido aprovadas pelo
PNLD EJA, contemplaram parcialmente o que determina a lei nº 10.639/2003 no que tange
aos conteúdos. Apresentando uma visão reduzida da África e um descompasso com a
literatura sobre esse continente. Com poucas referências sobre os povos africanos e com o
uso rotineiro de expressões, que para além da semântica denotam um esvaziamento da ação
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do sujeito e ainda, impera um “silenciamento” (TROUILLOT, 1995) de vários aspectos da
história africana.
Novamente, é preciso rever a maneira como os livros didáticos estão sendo avaliados
pelo MEC particularmente no que se refere ao ensino da África, é preciso diminuir a distância
entre a norma legal e o real e, “[...] romper com a concepção de cultura uniforme fortemente
enraizada na produção de material didático no Brasil” (ABREU, MATTOS, 2008, p.7), sob
pena de continuarmos a reproduzir estereótipos e etnocentrismos.
De maneira geral, é importante reconhecer a relevância do material didático
adequado em processos de ensino-aprendizagem e que hoje as coleções didáticas “são
submetidas, de modo mais acentuado que anteriormente, a constantes modificações,
acréscimos e reedições.” (Batista, 1999). Ou ainda, que o processo de renovação dos livros
didáticos desde seu formato, capa, projeto gráfico e apresentação dos conteúdos até sua
adequação às exigências do contexto e da legislação, mostra aquilo que Gatti Jr. (2004)
chamou de a superação de uma política de censura aos livros didáticos por uma de controle
da qualidade, por meio da avaliação empreendida pelo MEC.
Por fim, os avanços alcançados por meio da criação do PNLD EJA proporcionaram o
acesso a livros didáticos pelos alunos das diversas etapas da EJA. Contudo, entende-se que o
material didático para essa modalidade de ensino precisa atender ao perfil dos estudantes e
não ignorar as diferenças de aprendizagens, contribuindo, inclusive com condições de
permanência na escola. As análises aqui apresentadas sobre o livro didático são preliminares,
e por um lado, indicam maior atenção no fomento e produção desse material para alunos e
professores e sua progressiva extensão a outros níveis da EJA e, por outro lado, revelam
dificuldades em contemplar a pluralidade da EJA, sendo perceptíveis processos que incorrem
em homogeneizações.
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