História Da Filosofia Moderna

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  • 5/22/2018 Hist ria Da Filosofia Moderna

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    H I STR I A DA FI LOSOFI A MODERNA

    A histria da filosofia moderna contada a partir de seus antecedentes noRenascimento at a Era Contempornea (sc. XX), com as consequncias para a eraAtual. Os principais autores de cada sculo, desde o XVII, seus conceitos e teses maisinfluentes. Abrange o perodo da histria mais importante para o destino dahumanidade. Materialismo, razo; o Esclarecimento; Romantismo e o advento dascincias, da tecnologia e da razo enlouquecida como percurso traado pelo debate damodernidade, diante da perspectiva atual.

    Curso apresentado, de 17 de maro a 04 de julho de 2005, na Universidade doEstado do Rio de Janeiro (UERJ), para os alunos do departamento de graduao de

    Cincias Sociais inscritos na disciplina "Histria da Filosofia II". Aberto ao pblico,atravs da Internet.

    PROGRAMA

    Sculo XVII

    1. Renascimento, preldio da modernidade;2. Hobbes e a criao do Leviat;3. O novo mtodo de Descartes;4. Outros autores do perodo;5. Debate: "A Fundao do Estado Moderno"

    Sculo XVIII

    1. As Luzes da Revoluo;2. Principais autores;3. O Conceito de Contrato Social em Rousseau;4. Leitura de "Discurso sobre a Desigualdade entre os Homens";5. Kant, o arquiteto da crtica;6. Leitura de "O que 'Esclarecimento'";7. Debate: "Liberdade de Pensar"

    Sculo XIX

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    1. O Romantismo como consequncia de 1789;2. Apresentando Hegel;3. Leitura de "Filosofia da Histria";4. Karl Marx;5. Autores importantes do sculo;6. O Positivismo influencia todas cincias;7. Debate: "A Razo Enlouquecida"

    Sculo XX

    1. O mais violento dos Sculos;2. Crculo de Viena;3. Pragmatismo;4. Existencialismo;5. A Escola de Frankfurt;6. Uma Teoria da Justia;7. Multiculturalismo;8. A Teoria dos Jogos nas Cincias Sociais;

    B i b l io g r a f i a Su g e r i d a

    BLACKBURN, S.Dicionrio Oxford de Filosofia; trad. Desidrio Murcho et al.. - Rio de

    Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

    COSTA, D. V. C. R. de M.Hegel: Liberdade e razo. - Recife: Ed. do Autor, 2004.

    DESCARTES, R.Discurso do Mtodo;Meditaes; trad. Bento Prado Jr. e J. Guinsburg. -So Paulo: Abril Cultural, 1983.

    DURANT, W. A Histria da Filosofia; trad. Luiz C. do N. Silva. - So Paulo: NovaCultural, 1996.

    DURKHEIM, E. As Regras do Mtodo Sociolgico; trad. Pietro Nassetti. - So Paulo:

    Martin Claret, 2001.

    ELSTER, J.Marx Hoje; trad. Plnio Dentzien. - So Paulo: Paz e Terra, 1989.

    ERASMO DE ROTTERDAM, D. Elogio da Loucura; trad. Pietro Nassetti. - So Paulo:Martin Claret, 2000.

    JAMES, W. Pragmatismo; trad. Jos C. da Silva. - Rio de Janeiro: Lidador, 1963.

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    HEGEL, G.W.Fr. Filosofia da Histria; trad. M Rodrigues e Hans Harden. - Braslia:UnB, 1995.

    HOBBES, Th.Leviat; trad. Joo P. Monteiro e M Beatriz N. da Silva. - So Paulo: AbrilCultural, 1983. (Os Pensadores)

    HORKHEIMER, M. & ADORNO, Th. Dialtica do Esclarecimento; trad. Guido A. deAlmeida. - Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.

    KANT, I. Crtica da Razo Pura; trad. Alexandre F. Morujo e Manuela P. dos Santos. -Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1989.

    ____. "Resposta Pergunta: Que 'Esclarecimento'?", in Textos Seletos ; trad. Floriano deS. Fernandes. - Petrpolis: Vozes, 1974.

    MACINTYRE, A.Justia de Quem? Qual Racionalidade; trad. Marcelo P. Marques. - So

    Paulo: Loyola, 1991.MAQUIAVEL, N. O Prncipe; trad. Mrio C. da Silva. - Rio de Janeiro: Vecchi, 1965.

    MILL, J. S. Utilitarismo; trad. Eduardo R. Dias. - Coimbra: Atlntida, 1976.

    MORUS, Th.A Utopia; trad. Anah M. Franco. - Braslia: UNB, 1982.

    RAWLS, J. Justia como Equidade; trad. Claudia Berliner. - So Paulo: Martins Fontes,2003.

    ROUSSEAU, J-J. Do Contrato Social; Discurso Sobre a Origem e os Fundamentos daDesigualdade entre os Homens; trad. de Lourdes S. Machado. - So Paulo: AbrilCultural, 1983. (Os Pensadores)

    TAYLOR, Ch.Multiculturalismo; trad. de Marta Machado. - Lisboa: Instituto Piaget, 1998

    1 - Primeira Unidade - SCULO XVII:

    Renascimento, preldio da modernidade;Por Antnio Rogrio da Silva

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    Quando Desidrio Erasmo de Rotterdam (1466-1536) lanou seu Elogio da Loucura,em 1509, uma srie de fatos histricos e filosficos j haviam ocorridos ou estavam poracontecer no perodo de mudana das mentes e dos costumes europeus, chamadoRenascimento. Passo a passo, a mentalidade e as tradies medievais presas ao fervorreligioso vo cedendo espao aos protestos contra os preceitos ascticos e crescente

    valorizao dos prazeres materiais. Para tanto muito contribuiu o profundo desgastecausado pela Guerra dos Cem Anos (1337-1453) entre as realezas feudais inglesa efrancesas.

    Eduardo III, rei da Inglaterra (de 1327 a 1377), tinha pretenso ao trono francs, queficara sem sucessor aps a morte de Carlos IV em 1328, por ser descendente de Felipe IV,o Belo, rei da Frana (entre 1285 e 1314). Intitulando-se rei da Frana, em 1337, promoveua invaso daquele pas, a fim de tomar posse de seu governo. Naquela poca, a regio deFlandres, os pases baixos, fronteiria ao nordeste da Frana era rica produtora de tecidos erota de comrcio importante para o Mar do Norte. Vitrias e derrotas de ambos os lados,intermediadas por perodos em que a Peste Negra avanava sobre o continente, destruram

    praticamente toda estrutura do sistema de feudos medievais.

    Na pensula itlica, dividida entre vrias repblicas, a cultura secular ganha impulso,graas ao comrcio com o Oriente, atravs do Imprio Bizantino, geograficamente,prximo regio do norte da Itlia e costa do Mar Adritico. Especificamente, emFlorena, situada s margens do Rio Arno, ao centro da Toscana, a ascenso da famliaMdici ir patrocinar uma verdadeira revoluo nos costumes italianos e, em consequncia,de toda Europa. Cosimo de Mdici - conhecido como Cosme, o Velho (1389-1464) -,patriarca da famlia, enriquecera sendo banqueiro do papa, dos reis de Frana e daInglaterra. Em 1429, Cosme, o Velho, assume o governo de Florena, passando a exerceruma poltica que proporcionava diverso e cultura populao, ao mesmo tempo em que

    buscava concentrar todo poder em suas mos.

    Ao consolidar o domnio da cidade, em 1434, os Mdici prepararam-na para ser ocentro do poder na pensula, rivalizando com Roma e os Estados Papais. Com a queda deConstantinopla, em 1453, sob o poder dos turcos, Florena foi uma das cidades favorecidaspela migrao de eruditos bizantinos que levavam o conhecimento acumulado pela culturagrega e literatura clssica. Em 1462, o ambiente j propcio para fundao da AcademiaPlatnica de Florena, em uma vila localizada em Careggi, posta disposio de MarslioFicino (1433-1499), por Cosme. Ficino foi o principal representante fiorentino doneoplatonismo. No perodo em que dirigiu a Academia de Florena, publicou a traduocompleta dos dilogos de Plato (427-348 a. C.). dele o conceito de "amor platnico" -

    que prioriza a contemplao das formas da figura do ser amado -, forjado a partir de suainterpretao e comentrios aoBanquete.

    A Academia de Florena marcou decisivamente o movimento renascentista. Aexpresso das idias por meio das artes, o lanamento do conceito de cidado, do mtodode auto-aperfeioamento, o retorno geometria e temas gregos, a discusso de problemasreligiosos e a libertao dogmas so algumas das atitudes que foram estimuladas pelodebate surgido no crculo formado em torno de Ficino.

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    Em Florena, a aplicao da geometriae da matemtica s artes estava em plenaconsonncia com o esprito inovador dapoca. Em 1419, o arquiteto Filippo deBrunelleschi (1377-1446) emprega as regras

    da perspectiva pela primeira vez naconstruo do prtico do Hospital dosInocentes. Para conseguir reduzir o espaotridimensional ao plano bidimensional,Brunelleschi utilizou de instrumentos ticosinventados por ele mesmo. Essa tcnica foi opasso principal para distino das obras renascentistas, das medievais, que tinha umaconcepo hierrquica para distribuio da cena em uma tela. Alessandro de MarianoFilipepi, ou Sandro Botticelli ("pequeno barril", 1445-1510), um dos favorecidos pelomecenato dos Mdici, pinta, em 1478,A Alegoria da Primaveraem homenagem a Lorenzode Mdici, o Magnfico (1449-1492), como um marco da atmosfera vivida sob ideais

    neoplatnicos daqueles tempos.O governo de Lorenzo, o Magnfico, neto de Cosme, procurou seguir a poltica de

    incentivo s artes, s atividades comerciais e diverso. O prprio Lorenzo fora discpulode Ficino e adepto do neoplatonismo. Contudo, sua gesto foi marcada por conflitos deinteresses com outra famlia poderosa de Florena, os Pazzi, e por sua relao dbia com aIgreja. Como reflexo de toda a Itlia, esta repblica esteve dividida entre o apoio famliahegemnica e aspirao por maior liberdade poltica para a populao. No ano em queCristvo Colombo (1451-1506) chega America pela primeira vez, Lorenzo no resiste artrite e deixa como sucessor seu filho Piero de Mdici, o Louco, cujo regime tirnicorompe velhas alianas e protege corruptos. Na Florena de Piero, agora existem motivossuficientes para alimentar a pregao radical do frade Fra Girolamo Savonarola (1452-1498) contra o arbtrio dos Mdici e o luxo da Igreja. A retrica deste monge dominicanoconsegue reunir os interesses contrrios aos dos antigos dominadores, depondo o detestvelPiero, em 1494. Porm o curto perodo em que Savonarola tentou implantar um regimerepublicano que favorecesse a participao poltica dos fiorentinos (os quatro anos entre1494 e 1498), tambm no esteve livre de ameaas, devido carga pesada de impostos e insatisfao contra seus rgidos preceitos morais. Em 1497, foi excomungado pelo papaAlexandre VI (1431-1503), a quem acusava de corrupo, e executado no ano seguinte.

    Fora da Itlia, a descoberta da Amrica estimula ainda mais a navegao feita poraquelas naes que haviam conseguido unificar seu territrio em torno de uma nica coroa.Em Portugal, Infante Dom Henrique, o Navegador (1394-1460), com a fundao da Escolade Sagres, a partir de 1415, financia as viagens de explorao dos mares com o dinheirorecolhido pela Ordem de Cristo para combater os rabes. Os relatos de viajantes e o novocomrcio com as chamadas ndias Ocidentais, excitam a imaginao de escritores comoThomas Morus, ou More (1477-1535) que projeta regimes polticos ideais. Em 1500, oBrasil descoberto e trs anos depois inicia-se a formao do imprio colonial portugus.

    T rs H um an i s t a s D i f e r e n t e s

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    Pessoalmente, a vida de Erasmo de Rotterdam, que era filho de um casal de paireligioso e me de origem burguesa, est sincronizada com esses sucessivosacontecimentos. Nascera trs anos antes de Lorenzo, o Magnfico, subir ao poder emFlorena e durante sua formao religiosa procurou conciliar esta doutrinao com osclssicos da antiguidade. Com esse esprito contemporizador, torna-se sacerdote e recebe o

    grau de doutor em teologia pela universidade de Paris, em 1492. Anos depois, convidadopor um aluno, viaja Inglaterra, a fim de conhecer a Universidade de Oxford, onde fazamizade com Thomas Morus. De volta ao continente, mais precisamente em Paris, passa aestudar oNovo Testamentodiretamente do grego.

    Em 1509, retorna Inglaterra e hospeda-se na casa de More, que lhe serve de modelona composio de Elogio da Loucura. A sua pregao pelo reavivamento do cristianismoprimitivo permitiu que com essa obra Erasmo ridicularizasse os costumes humanos e, comoSavonarola, criticasse abertamente o luxo e o cerimonial da Igreja.

    (...)Gabam-se os venerveis cardeais de descederem em linha reta dos

    apstolos, mas eu desejaria que filosofassem um pouco sobre os seushbitos, e fizessem a si mesmos esta apstrofe: "Se eu descendo dosapstolos, porque no fao, ento, o que eles fizeram? No sou senhor,mas simples distribuidor das graas espirituais, e muito berve terei deprestar contas da minha administrao. (...) Para que tantos tesouros?Aqueles que pretendem representar o antigo colgio dos apstolos nodeveriam, antes de tudo, imitar a sua pobreza?" Afirmo que, se oscardeais fizessem a si mesmos semelhante apstrofe, refletindo sobretodos esses pontos, de duas uma: ou devolveriam imediatamente ochapu, ou levariam uma vida laboriosa, cheia de desgostos e de desejos,justamente como faziam os primeiros apstolos da Igreja. (ERASMO DE

    ROTTERDAM, D. Elogio da Loucura, pp. 94-95).Erasmo defendia, antes do Protestantismo surgir das 95 Tesesde Martinho Lutero (1483-1546), que as tradues da Bbliadeveriam ser confrontadas com os originais e debatidaspara que surgisse uma interpretao correta. Nesse sentido, em 1516, editou uma novaverso grega doNovo Testamento, bem como os estudos de So Jernimo sobre o Antigo eNovo Testamento.

    No norte da Europa, foi Erasmo o mais importante difusor dohumanismo renascentista. Por onde passava, procurava promover ointercmbio de idias em escala internacional. Conheceu osprincipais renascentistas da Alemanha, Holanda, Frana, Itlia eSuia, sendo amigo dos pintores alemes Albrecht Drer (1471-1528), que lhe retratou em gravura, e de Hans Holbein, o Jovem(1497-1543), que lhe pintou em vrios quadros. Embora procurasseser tolerante em termos religiosos, os pontos comuns entre suapostura e a Reforma no impediram Lutero de lhe lanar uma duraresposta por causa da publicao de De Libero Arbitrio (1524),causando o rompimento das relaes entre os dois. Mesmo assim,

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    Erasmo no deixou de tornar pblica suas crticas aos doutores, padres da Igreja e perseguio religiosa, lanando vrias edies de seu pensamento at 1530.

    O amigo ingls de Erasmo, Thomas Morus era um advogado muito eloquente queacumulou bens suficientes para se dedicar aos estudos dos clssicos e dos sistemas

    polticos. Em 1529, chegou a ocupar o cargo de embaixador e chanceler de Henrique VIII(1491-1547) at 1532. Dois anos depois, envolve-se no escandaloso caso de divrcio do rei,defendendo os princpios da Igreja Catlica Romana ao recusar negar a autoridade do papa,depois do rompimento da Inglaterra com Roma. O que fez com que fosse levado ajulgamento e condenado por traio pena de morte, pelo seu soberano, ex-amigo, em1535. Em reconhecimento de seu martrio, a Igreja Catlica o canonizou e santificou seunome.

    A obra de Morus caracterizada pelo idealismo intransigente que norteava sua vida.Escreveu as Histrias de Ricardo III e Eduardo IV, alm de Poesias latinas e uma srie deContos. Mas com A Utopia que seu pensamento poltico ir conduzi-lo ao centro do

    Renascimento ingls. A Utopia fora lanada pela primeira vez em Louvain, Blgica, em1516, muito antes de seu envolvimento com a corte de Henrique VIII. Teve tambm umasegunda edio em 1518 que foi publicada na Basilia, em latim.

    Apesar de seu forte apego tradio catlica, Morus revelou, emA Utopia, uma certatolerncia religiosa e uma crtica contudente ao sistema educacional e poltico de sua poca.Na segunda parte do livro, descreve um tipo de sociedade comunal inspirada naRepblica,de Plato.

    (...) Na Utopia, onde ningum possui nada de seu, todo mundo se ocupa,vivamente, dos negcios pblicos: (...) tudo comum a todos. Uma vez

    tomadas as medidas para que os celeiros pblicos estejam cheios,ningum receia que lhe falte o necessrio. E a distribuio dos bens no feita parcimoniosamente, l no se v nem pobre, nem mendigo, emboraningum tenha nada de seu, todo mundo rico (...) (MORUS, TH. AUtopia, livro II, p. 84).

    Morus tratou de uma possvel sociedade maravilhosa localizada numa ilha "sem lugar"especfico, enquanto Erasmo sonhava com a razo s dos filsofos antigos em sua pregaocontra a Escolstica medieval. Entre eles, estendeu-se a sombra de maior vulto de Niccoldi Bernardo dei Maquiavelli (1469-1527), que tentou por ordem na poltica real, visando aunificao de sua catica Itlia.

    O fiorentino Maquiavel iniciou sua carreira pblica no tempo em que Savonarolaascendia ao poder em Florena. Mesmo depois da queda do frade dominicano, foi escolhidopor Piero di Tommaso Soderini (1452-1522), que subira ao cargo de gonfaloneiro(magistrado) vitalcio de Florena (1502), para ser seu secretrio de governo, em 1503.Neste ano, passa trs meses em misso junto a Csar Borgia (1378-1507), magistrado ecapito-general da Igreja, filho do papa Alexandre VI. Brgia ser a figura central da obraprima de Maquiavel, O Prncipe, escrita no exlio logo depois da queda de Florena sob oavano das foras espanholas, em 1512.

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    Em O Prncipe, Maquiavel procurou construir a figura de um governante poderoso,segundo o que sua experincia prtica e a histria lhe haviam ensinado, deixando de lado oidealismo neoplatnico que contaminar os principais filsofos renascentistas. Em vez deum Estado ideal, Maquiavel estava preocupado em argumentar que a virtude do bomgovernante estaria em poder realizar seus objetivos, conforme as possibilidades concretas

    disponveis.(...) Todos esses [Moiss, Ciro, Rmulo, Teseu e semelhantes] encontramno seu caminho inmeros obstculos e perigos, e -lhes mister super-loscom a virtude [virt]. Mas uma vez que os superaram e comearam a servenerados, ento, tendo destrudo os que lhes invejaram a condio deprcipe, ficam poderosos, seguros, honrados e felizes. (MAQUIAVEL, N.O Prncipe, cap. V, p. 40].

    Diferente de Erasmo e Morus, que pelo idealismo discutiam teses gerais sem prestar adevida ateno aos indivduos que constituem os fatos histricos, Maquiavel coloca sobre

    os ombros da figura do governante, dotado de virtude e sorte, a capacidade de superar osproblemas colocados pelo destino a sua frente. Nesta postura, percebe-se, entrementes, ainfluncia dos estudos clssicos, em particular das tragdias gregas.

    Durante o perodo em que foi afastado das atividades polticas, Maquiavel pdededicar-se literatura. Escreveu poemas, contos e a comdia teatral A Mandrgora(1518),um dos marcos da dramaturgia italiana. Aos poucos, seus ensaios polticos, como Discursossobre a Primeira Dcada de Tito Lvio(1516),A Arte da Guerra(1520), chamam a atenodo Studioda Universidade de Florena que o indica para o posto de historiador oficial darepblica. Em 1525, aparece as volumosas Histrias Florentinas, cujos primeiros oitotomos dedica ao papa Clemente VII (Jlio de Mdici). Contudo, permaneceu afastado da

    chancelaria da cidade at o fim de sua vida.O Renascimento, por ser um perodo de transio entre a era medieval e moderna,

    aprensenta, mais do que qualquer outra poca, as ambiguidades e a profuso de projetosconceituais - de onde se destaca a incipiente noo de cidadania - que so desenvolvidos oudescartados tempos depois. Erasmo e Morus, por exemplo, que por um lado criticavam asloucuras das instituies e o sistema educacional de seus contemporneos e antepassados,valorizando a expresso do pensamento livre, por outro, elogiavam o apego a tradiesreligiosas remotas de um cristianismo primitivo. Se buscavam transformaes polticas,entretanto, mantinham-se afastados da prtica cotidiana que vinculasse seus ideais satividades concretas de transformao da real condio humana. Maquivel, por sua vez,embora tivesse tentado estreitar a distncia entre o ideal e o mundo vivido, ainda acreditavana noo determinista de destino, fortuna, sorte ou histria. Em poltica, seu individualismo- centrado na personalidade herica do prncipe - deixa de lado as interaes que envolvemos interesses pessoais de diversos agentes que disputam entre si aquilo que consideram omelhor para eles mesmos. Uma noo slida de indivduo s ter sua base lanada nosculo seguinte ao Cinquecento, quando Thomas Hobbes (1588-1679) escrever De Cive(Sobre o Cidado, 1642), no incio da Era Moderna.

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    r d u a Lu t a co n t r a o O b sc u r a n t i s m o

    Ao pregar suas 95 Tesesno portal da igreja de Wittenberg (Alemanha), no dia 3 deoutubro de 1517, Lutero deflagrara o movimento da Reforma que, depois de uma longa lutacontra os desvios da Igreja - acumulados desde a Idade Mdia -, consolidou a ciso no

    cristianismo e promoveu um arrefecimento nas posies radicais da Inquisio. Enquantoas idias do neoplatonismo e de outras correntes filosficas gregas eram difundidasrapidamente atravs das artes e da literatura que ganhara impulso com a inveno daimprensa por Johann Guttenberg (1398-1468), em 1453, a filosofia da natureza avanavalentamente no desvelamento da criao. Quanto mais radicais eram as novas interpretaesdos fenmenos naturais, maiores eram as chances de que viesse seu autor ter problemascom as religies e seus velhos dogmas.

    Fora do foco renascentista, longe da Itlia e, portanto,das vistas do papa, o polons Nicolau Coprnico (1473-1543) resgatou, em 1507, uma antiga idia de Aristarco de

    Samos (cc. 310 - 230 a.C.), no intuito de tentar solucionarmais facilmente o clculo das tabelas planetrias queserviam de base para formulao de calendrios. Coprnicopercebeu que isso seria possvel se, ao invs da Terra, o Solfosse considerado o centro do universo. Entretanto, talconcepo chocava-se frontalmente contra a noo religiosade que a Terra seria o local privilegiado por Deus pararealizar sua criao e autoridade de Aristteles (384-322 a.C.) que sustentava aEscolstica e corroborava a idia de imobilismo da Terra e perfeio do espao. Aoterminar de escreverDe Revolutionibus Orbitum Coelestium, onde apresentava seu sistemaheliocntrico, Coprnico, temendo que sua obra pudesse ser considerada hertica, adiou sua

    publicao por quatro anos at o ano de sua morte, em 1543.Menos prudente, Galileu Galilei (1564-1642), inicialmente, no se assustou com o

    exemplo de Giordano Bruno (1548-1600) que, ao se recusar retratar suas idias sobre ainfinitude do espao, culto natureza e desprezo pelos conceitos tradicionais, foicondenado fogueira, depois de um longo julgamento que se arrastou por sete anos.Galileu estava convencido de que contava com o apoio do para Urbano VIII (de 1623 a1644) e no tardou em divulgar suas descobertas, feitas com telescpio, de novas estrelas,satlites e fenmenos que derrubavam a Escoltica e confirmavam as teses de Coprnico.Em 1632, publicou, em lngua vulgar (italiano),Dilogo sobre os Dois Sistemas do Mundo,no qual adeptos do sistemas ptolomaico e copernicano defendiam seus argumentos a um

    ouvinte leigo. A pretenso bvia de difundir tais idias ao pblico em geral insultou oseruditos latinistas que consideravam uma caricatura a exposio do modelo de Ptolomeu(cerca de 75). Foi acusado, ento, de heresia e levado, a 21 de junho de 1633, ao tribunal daInquisio, onde obrigaram-no a negar a teoria copernicana. Percebendo que, aos 70 anos,uma recusa poderia significar o destino de Bruno, preferiu pedir clemncia, sendo assimcondenado a recitar os salmos semanalmente, por trs anos e ao silncio, pelo resto da vida.

    Na Inglaterra, onde Henrique VIII iniciara a separao da Igreja Romana, passandopor cima da cabea de Morus, Lord Francis Bacon, Baro de Verulam (1561-1626), pde

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    com relativa tranquilidade propor um novo mtodo de investigao da natureza, apoiado naexperimentao e induo generalizada, contra a especulao dedutiva do mtodoaristotlico. Em Novum Organum (1620), Bacon restringiu a deduo matemtica, aopasso que as leis cientficas deveriam ser induzidas por uma srie de observaesespecficas - ao lados dos eventos positivos devem ser listados tambm os negativos e

    depois de extrados os axiomas da experincias, deve-se fazer novos experimentos quetestem os resultados obtidos.

    Para a constituio de axiomas, deve-se cogitar de uma forma de induodiversa da usual at hoje e que deve servir para descobrir e demonstrarno apenas os princpios (...) como todos axiomas, em suma. Com efeito ainduo que procede por simples enumerao coisa pueril, leva aconcluses precrias, expe-se ao perigo de uma instncia que acontradiga. (...) Mas a induo que ser til para a descoberta edemonstrao das cincias e das artes deve analisar a natureza,procedendo s devidas rejeies e excluses, e depois, ento, de posse dos

    casos negativos necessrios, concluir a respeito dos positivos (...).Na constituio de axiomas por meio dessa induo, necessrio que seproceda a um exame ou prova: deve-se verificar se o axioma que constitui adequado e est na exata medida dos fatos particulares de que foiextrado, se no os excede em amplitude e latitude, se confirmado com adesignao de novos fatos particulares que, por seu turno, iro servircomo uma espcie de garantia (...). (BACON, Fr. Novum Organum, liv. I. CV e CVI)

    Embora Bacon mantivesse ainda preconceitos medievais que o impediam de aceitarque um objeto gigantesco, como a Terra, voasse pelo espao, sua participao em crculos

    de eruditos e nobres acadmicos - por ter escrito sua obra em latim ele podia participar dodebate cientfico - permitiu que a cincia experimental se tornasse moda entre osaristocratas ingleses.

    O empirismo ingls, inaugurado por Bacon, abriu caminho para que pensadoresbrilhantes como Hobbes, Newton, Locke e Hume pudessem superar os sculos de atrasomedieval. Depois de Newton, ningum mais duvidaria que a Terra se move em torno do Solpor fora da gravidade, pondo fim a uma rodada na luta contra o obscurantismo.

    BibliografiaASIMOV, I. Gnios da Humanidade. - Rio de Janeiro: Bloch, 1974.

    BACON, Fr. Novum Organum; trad. Jos A. R. de Andrade. - So Paulo: Abril Cultural,1973.

    BLACKBURN, S.Dicionrio Oxford de Filosofia; trad. Desidrio Murcho et al.. - Rio deJaneiro: Jorge Zahar, 1997.

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    ERASMO DE ROTTERDAM, D. Elogio da Loucura; trad. Pietro Nassetti. - So Paulo:Martin Claret, 2000.

    HOBBES, Th.Leviat; trad. Joo P. Monteiro e M Beatriz N. da Silva. - So Paulo: AbrilCultural, 1983. (Os Penaadores)

    MAQUIAVEL, N. O Prncipe; trad. Mrio C. da Silva. - Rio de Janeiro: Vecchi, 1965.

    MORUS, Th.A Utopia; trad. Anah M. Franco. - Braslia: UNB, 1982.

    1.1 - Primeira Unidade - SCULO XVII:

    Hobbes e a Criao do Leviat;Por Antnio Rogrio da Silva

    Ocaos poltico que fermentou a obra de Maquiavel, na Itliado sculo XVI, reproduziu-se na Inglaterra dos seiscentos, tirando osossego de Thomas Hobbes. Durante o reinado da Casa de Tudor, aGr-Bretanha procurou manter-se neutra diante das Guerrasreligiosas que abalavam o continente. A Frana viu o dio entrecatlicos e protestantes chegar ao auge na noite de 24 de agosto de

    1572 que ficou marcada na histria como a noite do Massacre deSo Bartolomeu. Para vingar-se de Gaspar I de Coligny (1470-1522), membro do Conselho Privado e lder huguenote - designaopejorativa dada pelos franceses aos protestantes calvinistas -, quehavia tentado rapt-la com seu filho Carlos IX e depois convenceraeste a declarar guerra Espanha, Catarina de Mdici (1519-1589) -rainha da Frana, filha de Lorenzo II - decidiu mandar mat-lo, junto como todos os outrochefes protestantes, deflagrando o massacre.

    Com a fundao da dinastia dos Tudor, em 1485, Henrique VII (de 1485 a 1509)procurou desenvolver a marinha britnica e incentivar a explorao dos mares. Alm disso,

    efetivamente, extinguiu o sistema feudal ingls ao proibir a formao de exrcitosparticulares, concentrando assim todo poder armado em suas mos. Contudo, em 1603,Elisabeth I (nascida em 1533), filha de Henrique VIII, a ltima dos Tudor, morre semdeixar herdeiros. Jaime I (1566-1625), seu primo na dinastia Stuart assume o trono eimplanta o absolutismo monrquico no Reino Unido. Neste mesmo ano, Hobbes ingressacom 14 anos de idade no Magdalen Hall, em Oxford, j com uma slida base deconhecimento do latim e grego que lhe fora moldada pelos ensinamentos de RobertLatimer, seu preceptor.

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    Hobbes nasceu, na aldeia de Westport, prximo a Malmesbury, em Wiltshire, naInglaterra, no dia 05 de abril de 1588, ano em que o corsrio e almirante ingls Sir FrancisDrake (1542-1596) derrotou a chamada Invencvel Armada espanhola. Segundo consta,Hobbes se divertia em dizer que sua me havia "entrado em trabalho de parto ao ouvirrumores da aproximao da Invencvel Armada: 'de modo que o medo e eu nascemos

    gmeos'" (1).A famlia de Hobbes era chefiada por um clrigo semiletrado e empobrecido. Por

    causa disso, sua educao esteve sob a responsabilidade do tio que tinha posio econmicacomfortvel. Aos 20 anos, depois de concluir o bacharelado, a direo do colgio o indicoupara ser preceptor de William Cavendish (1592-1676), monarquista e literato que se tornoubaro de Hardwick e primeiro conde de Devonshire. Foi o incio de uma amizadeduradoura que garantiu proteo a Hobbes nos piores momentos de sua longa vida. Essetrabalho permitiu que ele se livrasse da pobreza iminente. Como secretrio, conselheirogeral e preceptor dos Cavendish, Hobbes teve a oportunidade de viajar ao continente,visitando Itlia, Sua e Frana, principalmente. Assim, foi possvel progredir nos estudos

    de literatura estrangeira e manter contato direto ou indireto com personalidades e obras dasmais influentes do mundo intelectual de sua poca. Na Itlia, visitou Galileu e conheceu opensamento de Maquiavel. Em Genebra, Sua, ficou impressionado com o mtodogeomtrico utilizado por Euclides (III a.C) em Elementos de Geometria. Padre MarinMersenne (1588-1648), Pierre Gassendi (1592-1655) e Ren Descartes (1596-1650), entreoutros, foram seus convivas, na Frana. Na prpria Inglaterra, entre 1621 e 1626, foisecretrio de Francis Bacon, que o autorizou a traduzir para o ingls seus textos em latim.

    O reinado de Jaime I estendeu-se at 1625, perodo em que os impostos altosderrubaram o apoio dos comerciantes londrinos e a tentativa de unificar as leis, somada padronizao do ritual litrgico, forou a migrao de centenas de puritanos para Amrica.

    Ademais, a cassao de parlamentares e a dissoluo do Parlamento semeou a ira que,durante a Revoluo Puritana que se iniciada em 1640, decapitaria seu filho, Carlos I(1600-1649).

    Enquanto isso, o continente experimentara na Guerra dos Trinta Anos (1618-1648),entre Alemanha, Espanha, Frana, Holanda e Sucia um redesenho das fronteiras na Europacentral, a fim de acomodar as diversas seitas religiosas. Na Inglaterra, a Revoluo Puritanade 1640, liderada por Oliver Cromwell (1599-1658), foi a resposta dos protestantes contra acrescente perda de liberdades civis e de culto promovida pelo regime centralizador damonarquia absoluta. Hobbes, temerosamente, colocou-se ao lado do rei, em 1642. Quandoo Parlamento ingls forma um exrcito para combater Carlos I, deflagrada a guerra civilque avana at a derrubada de seu regime. No obstante, publica uma edio limitada de DeCive(1642), em latim, defendendo abertamente a idia de concentrao do poder absolutonas mos de um soberano.

    Por conseguinte, o temor real de ser atingido pela onda de violncia que varre a Gr-Bretanha obriga Hobbes a se exilar na Frana, entre 1640 e 1651. A amizade que tem comMersenne, Gassendi e Sorbire, seu tradutor francs, faz com que possa participar delongos debates acadmicos com Descartes e o bispo de Derry (Inglaterra), John Bramhall,exilado como ele, em Paris. Porm, o envolvimento com as polmicas polticas em torno do

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    De Civegerou desconfianas por parte de Descartes e acusaes de atesmo que quase lhecustaram o emprego de preceptor de Carlos II (1630-1685), tambm no exlio, como deresto toda corte inglesa. Com a publicao do Leviat(1651), sua negao da origem divinado poder real o coloca em choque com o pensamento das aristocracias inglesa e francesa,provocando o seu banimento do convvio da corte exilada.

    Paradoxalmente, suas teses de separao da religio do Estado aproximam-no dapoltica de Cromwell, que como Lord Protetor, assumira com mo de ferro o governorepublicano implantado depois de deposto Carlos I. Em 1652, Hobbes volta Inglaterra emdefinitivo, para trabalhar com relativa tranquilidade sob a proteo de seu primeirodiscpulo, o conde Devonshire. Assim pode publicar De Corpore, em 1655, e De Homine,em 1658, ano da morte de Cromwell. Pouco depois, a Restaurao da monarquia, em 1660,traz de volta Carlos II, seu ex-aluno de matemtica, que sobe ao trono. Nesse nterim,renovam-se as acusaes de atesmo e impiedade, por parte do Bispo Bramhall, e, apesar dodiscreto apoio inicial do rei, o Leviat deixa de ter permisso para ser impresso. Emcompensao, Lord Arlington e amigos conseguem absolv-lo das acusaes religiosas. No

    restante de sua longa e conturbada vida, Hobbes v-se forado a dedicar-se novamente traduo de clssicos gregos, como aIladae a a Odissia, de Homero (cc. VIII a. C). Aos91 anos, deixa a vida alegremente em Hardwick, por ter finalmente encontrado um "buracopara escapar deste mundo" (2).

    D oDe Cive a oLeviat

    Os dois livros principais de Hobbes possuem efetivamente o mesmo contedo,dispostos em estruturas diferentes. Enquanto De Civeapresenta logo de incio as premissasde seu argumento central, no Leviatestas so postas ao final da primeira parte, depois deuma longa exposio de uma concepo materialista da natureza humana e de uma

    interpretao nominalista dos principais conceitos que sero mobilizados para a defesa dafundao do Estado civil, como consequncia de pactos entre homens livres e iguais. Deuma certa perspectiva, pode-se dizer que o segundo livro um desenvolvimento sistemticomais rigoroso das idias expostas brevemente no primeiro.

    Na "Epstola Dedicatria" ao conde William de Devonshire, inserida em De Cive,Hobbes revela sua admirao pelas obras arquitetnicas e objetos mecnicos produzidos emseu tempo pelo concurso da geometria e da matemtica, em geral. Imagina, ento, poder,apoiado no mesmo mtodo fundado na preciso das grandezas geomtricas, contribuir parasoluo das disputas sobre justia e moral, ajudando assim a estabelecer uma paz duradouraentre os homens. Para tanto, bastaria que encontrasse os postulados incontestveis da

    natureza humana e a partir deles at concluir pela necessidade de se respeitar os contratos ea palavra empenhada (3).

    Os princpios encontrados por Hobbes que tanto escandalizaram a sociedade da pocaforam colocados por ele nos seguintes termos: primeiro, "o da natural cupidez com quecada homem exige para si uso prprio das coisas comuns, e [segundo] o da razo naturalque faz o homem tentar evitar a morte violenta como mal supremo da natureza" (4). Postode outro modo, a condio de igual vulnerabilidade na luta pela sobrevivncia faz com que

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    os seres humanos busquem na natureza, cada um por si, garantir os recursos necessrios asua subsistncia, eventualmente entrando em conflito uns com os outros, ao mesmo tempoem que a razo procura evitar os riscos inerentes execuo de tais tarefas. Interpretadodesta maneira, o ponto de partida tomado por Hobbes antecipou em duzentos anos o panode fundo da teoria da evoluo darwiniana: a luta pela sobrevivncia.

    Os seres humanos encontram-se em uma guerra permanente de todos contra todos epara evitar o pior que procuram se reunir em sociedade, sob a condio de que cada umabra mo de causar danoao outro. "O homem um lobo para o homem", escreve Hobbesao conde de Devonshire, logo depois de colocar que "o homem um deus para o homem".Pois, embora os bons cidados aproximem-se de Deus, exercendo as virtudes da paz -justia e caridade -, por causa da maldade alheia, para ter segurana, eles recorreriam svirtudes da guerra - o uso da violncia e da intriga (5).

    O significado da capacidade de "causar dano" foi sutilmente reformulado entre DeCive e Leviat. Naquele, esta capacidade aparece como uma "inclinao natural" (6)

    decorrente das paixes humanas, enquanto no ltimo, decorre da condio de igualdadepara obteno dos meios necessrios para atingirem seus fins de auto-conservao e umavida confortvel (7). Em ambos os casos, a maneira pela qual a razo natural encontrarauma sada a essa situao miservel seria o instrumento do contrato, atravs do qualbuscam a paz ao renuciarem o direito a todas as coisas.

    Sempre sendo igualmente ameaados de morte a qualquer instante, paixes como omedo e o desejo de bem-estar, levariam o homem, na perpectiva hobbesiana, a buscar noconvvio social a paz necessria para escapar s dificuldades de uma vida curta e difcil. Aocontrrio do pensamento comum aos filsofos polticos da Antiguidade, que consideravama vida em sociedade uma condio natural da espcie, Hobbes via na natureza o conflito

    permanente de interesses entre indivduos, buscando cada um por si os escassos recursosexistentes. Se os homens, de fato, viviam em sociedade em todo mundo conhecido, talreunio teriam origem na motivao proporcionada por aquelas paixes em busca desegurana e tranquilidade.

    Embora De Cive no tenha uma descrio completa da concepo hobbesiana danatureza humana, tanto este, como o Leviat, reproduzem a idia de que a sociedadehumana resultado de uma conveno tcita entre seus membros (8). No importa, para osefeitos finais da teoria, que tal pacto nunca tenha acontecido em um momento histricoreal, Hobbes trabalhava essa hiptese como uma experincia mentalde um mundo possvel,para depois extrair dela concluses que pudessem explicar melhor o modo comoentendemos o convvio em sociedade.

    Quando se faz um pacto em que ningum cumpre imediatamente suaparte, e uns confiam nos outros, na condio de simples natureza (que uma condio de guerra de todos os homens contra todos os homens), amenor suspeita razovel torna nulo esse pacto. Mas se houver um podercomum situado acima dos contratantes, com direito e fora suficiente paraimpor seu cumprimento, ele no nulo. Pois aquele que cumpre primeirono tem qualquer garantia de que o outro tambm cumprir depois,

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    porque os vnculos das palavras so demasiado fracos para refrear aambio, a avareza, a clera e outras paixes dos homens, se no houvero medo de algum poder coercitivo. O qual na condio de simplesnatureza, onde os homens so todos iguais, e juzes do acerto de seusprprios temores, impossvel ser suposto. Portanto aquele que cumpre

    primeiro no faz mais do que entregar-se a seu inimigo, contrariamente aodireito (que jamais pode abandonar) de defender sua vida e seus meios devida.Mas num Estado civil, onde foi estabelecido um poder para coagiraqueles que de outra maneira violariam sua f, esse temor deixa de serrazovel. Por esse motivo, aquele que segundo o pacto deve cumprirprimeiro obrigado a faz-lo. (HOBBES, Th.Leviat, I parte, cap. XIV,p. 82)

    Ao colocar a fundao do Estado civil em termos convencionais, os pressupostos deigualdade e liberdade ho de ser tambm presumidos e fundamentais para que a concluso

    possa ser inferida corretamente. Tambm preciso que se acrescente a natureza humanauma razo calculadora, sem a qual no seria possvel, a no ser por acaso descobrir nocontrato o meio mais eficaz para promover a paz entre todos. O descobrimento dessa linhade raciocnio leva, por fim, necessidade de constituir instituies que observem aexecuo dos acordos da maneira que foram estabelecidos. O Estado surge ento comoinstrumento crucial para que o vnculo entre os homens sejam duradouros e factveis.

    Nesse sentido, para que o Estado exera esse poder devigilncia, todos esto obrigados a abrir mo do uso da foraem favor deste terceiro elemento de equilbrio entre aspartes. Portanto, ao soberano - que pode ser um lder entre

    os homens, ou uma assemblia unificada - deve seroutorgado o direito exclusivo do emprego da fora, a fim demanter-se a paz. Qualquer um que procurasse se valer, porconta prpria, da fora para obter os bens necessrios ao seusustento, estaria retornando ao estado de naturezaoriginal eatraindo sobre si a reao de toda uma sociedade, jconstituda em torno do soberano. Logo, cada um deveabster-se da tentao de burlar o contrato, para no deflagrarnovamente a "guerra de todos contra todos" e despertar afria do Leviat.

    A lgica irrefutvel que estrutura oLeviat, sobretudoeste, foi construda pela aplicao do mtodo geomtrico que Hobbes tanto admirou na obrade Euclides, nas edificaes e em mquinas renascentistas. Ao definir previamente cadaconceito utilizado em seu argumento, Hobbes pde montar com preciso as premissasadequadas e engendrar as regras de inferncia que conduziram concluso obrigatria danecessidade de um Estado absoluto, a partir dos anseios de paz de indivduos inseguros eigualmente vulnerveis. Tudo isso sem precisar do apelo a divindades ou herisimaginrios. SeDe Civee Leviatreservam as suas respectivas ltimas partes para o temada religio, isto serve apenas para definir o papel exato da f na vida humana. O reino de

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    Deus o da natureza regido por leis naturais, enquanto a Cidade dominada pelo podersupremo abaixo do divino, do Leviat, nico capaz de interpretar suas leis, sendo esseprprio reino o resultado de um pacto entre o povo eleito e Deus (9). Com Hobbes, oEstado civil moderno est inaugurado e uma nova era pode ento comear por meio de umnovo arranjo social.

    O Es t a d o d a O b r a

    Ainda hoje, nas ocasies em que polticos e economistas discutem o tamanho mnimoque o Estado deve ter, com exceo de anarquistas e alguns tericos da evoluo dacooperao, todos concordam que a funo bsica do Estado manter a paz e o monopliodo uso da violncia, no intuito de preservar os pactos. Desse modo, a inveno de Hobbespersiste inabalvel. John Locke (1632-1704), Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) e DavidHume (1767-1776) tentaram reformular o conceito de contrato, atenuando os princpiospessimistas hobbesianos ou propondo outros, mas a intuio original permaneceu, adespeito no desconforto causado aos opositores do contratualismo.

    Tal como Maquiavel no sculo XVI, Hobbes foi considerado o filsofo maldito doseu tempo. Descartes abominou suas teses, consideradas ms e um artifcio para defender amonarquia absoluta. Contudo, a maldade que pode haver na sua descrio s aprecivel sea natureza for considerada dotada de princpios morais passveis de serem resgatadosatravs da suposio que exista uma moral imanente vida em geral. De qualquer formater-se-ia de admitir que seria possvel descobrir uma moralidade na natureza, o que insustentvel, devido a falta de uma regra geral de comportamento que seja imputvel atodos seres vivos, alm de sobreviver e reproduzir. Por outro lado, se o "mal" for entendidocomo errado, dever-se-ia demonstrar que deles no se conclui a necessidade do podersoberano, ou ento que esto em contradio, coisa que em nenhum de seus textos sobre

    moral ou poltica Descartes ousou defender.(...) [Onde] no h propriedade, no pode haver justia. E onde no foiestabelecido um poder coercitivo, isto , onde no h Estado, no hpropriedade, pois todos os homens tm direito a todas as coisas. Portanto,onde no h Estado nada pode ser injusto. De modo que a natureza dajustia consiste no cumprimento dos pactos vlidos (...) (HOBBES, Th.Leviat, I parte, cap. XV, p. 86).

    Ao contrrio das acusaes de amoralismo, Hobbes tinha conscincia de estarinaugurando uma nova cincia de filosofia moral, segundo o mtodo geomtrico, tendo o

    contrato como tese fundamental. O contratualismo hoje uma das tendncias da filosofiamoral e poltica mais vigorosas. Mesmo John Rawls (1921-2002) - um dos maisimportantes tericos da justia do final do sculo XX -, um liberal de inspirao kantiana e,portanto, um adversrio do contratualismo hobbesiano, utilizou em sua obra principal UmaTeoria da Justia(1973), de uma experincia mental - a famosa posio original- da qualextraiu os princpios de justia e diferena que sustentaram sua teoria por dcadas, comuma tcnica semelhante a de Hobbes, em busca de um ponto arquimediano.

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    Alm desse legado, os tericos dos jogos e da cooperao, em geral, adotam linhas deinvestigao do comportamento humano e dos seres vivos em geral que partem daconcepo de agentes egostas, tal como Hobbes iniciou sua argumentao, no intuito dedescobrirem novas estratgias e solues adequadas para os conflitos de interessesindividuais, com ou sem o recurso a contratos vinculantes. A Era Moderna passou. A

    contempornea esta em transformao e a teoria poltica de Hobbes continua a desafiar asmentes liberais. Derrubar sua lgica no fcil. Refutar seus princpios mais difcil ainda,depois que a teoria darwiniana corroborou suas intuies clarividentes. Afinal, a espcieHumana continua a mesma a pelo menos 150 mil anos.

    N o t a s

    1. Apud BLACKBURN, S. Dicionrio Oxford de Filosofia, verbete "Hobbes", p. 184.2. Apud BLACKBURN, S. Op. cit, idem.3. Veja HOBBES, Th. "Epstola Dedicatria" in De Cive, pp.276/7.4. HOBBES, Th. Op. cit., p. 278.

    5. Veja HOBBES, Th. Idem, pp. 275/6.6. Veja HOBBES, Th. De Cive, sec. I, cap. 1 12, p. 55.7. Veja HOBBES, Th. Leviat, I parte, cap. XIII, pp. 74/5.8. Veja HOBBES, Th. "Epstola Dedicatria" in De Cive, p. 278 e Leviat, I parte, cap.XIV, pp. 78 e ss.9. Veja HOBBES, Th. De Cive sec. III, cap. 15, 17, p. 207 e Leviat, III parte, cap.XXXV, p. 243

    Bibliografia

    BLACKBURN, S.Dicionrio Oxford de Filosofia; trad. Desidrio Murcho et al.. - Rio deJaneiro: Jorge Zahar, 1997.

    DARWIN, Ch. A Origem das Espcies; trad. Eduardo Fonseca. -Rio de Janeiro: Ediouro,1987.

    HOBBES, Th.De Cive; trad. Ingeborg Soler. - Petrpolis: Vozes, 1993.

    ______. Leviat; trad. Joo P. Monteiro e M Beatriz N. da Silva. - So Paulo: AbrilCultural, 1983. (Os Pensadores)

    LEAKEY, R.A Origem da Espcie Humana; trad. Alexandre Tort. - Rio de Janeiro: Rocco,1997.

    MAQUIAVEL, N. O Prncipe; trad. Mrio C. da Silva. - Rio de Janeiro: Vecchi, 1965.

    PARKER, G.(ed.). Atlas da Histria Mundial; trad. Lilia Astiz. - So Paulo: Folha daManh, 1995.

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    RAWLS, J. Uma Teoria da Justia; trad. Carlos P. Correia. - Lisboa: Presena, 1993

    1.2 Primeira Unidade - SCULO XVII:

    O Novo Mtodo de Descartes;Por Antnio Rogrio da Silva

    Oatrito que gerou divergncias entre Hobbes e Descartes, no impede de identific-los como os dois principais fundadores da Era Moderna, se por um lado Descartes - devidoao temor excessivo da Inquisio - absteve-se de uma postura mais destacada em fsica emoral, por outro, na metafsica pde com seu Mtodo da Dvida inaugurar com firmeza

    uma nova forma de pensar. Na poltica e na moral, Hobbes arcou com o nus das acusaese perseguio pela sua ousadia em inovar. Na lgica e filosofia primeira, Descartes teve depreocupar-se apenas em responder objees acadmicas, sem temer estar pondo sua vidaem risco. Pelo contrrio, a boa aceitao do sistema cartesiano na lgebra fez com que elefosse requisitado por reis e rainhas a ensinar seu novo mtodo pessoalmente. Ironicamente,mais do que a perseguio religiosa, o peso do sucesso ir quebrar a resistncia de suasade frgil, ao atender o convite da Rainha Cristina da Sucia (1626-1689).

    Na primeira metade do sculo XVII, a Frana foi territrio de governos mais estveisdo que o restante da Europa. A participao direta do pas na Guerra dos Trinta Anos socorreu em sua ltima fase para decidir o conflito. Mais poltico e estratgico do que

    religioso, o interesse que motivou o envolvimento da Frana foi o temor do fortalecimentodo Imprio dos Habsburgos (na Bomia, Repblica Tcheca). Por conta disso, a Frana queera catlica estimulou a revolta dos prncipes protestantes, na Alemanha, e a interveno daSucia luterana. Com a morte do rei sueco, Gustavo Adolfo, em 1632, e a consequentevitria do Imprio, a Frana foi obrigada a enviar tropas, em 1635, contra os germnicos eseus aliados espanhis. A vitria definitiva dos franceses foi construda em duas etapas:primeiro com a derrota dos espanhis, em Rocroi - fronteira da Frana com a Blgica -, em1643; depois com o cerco de Viena, capital da ustria, em 1648.

    O fim da Guerra dos Trinta Anos viu surgir a hegemonia da Frana na Europa. Avitria dos franceses, consolidou na poltica externa o desenvolvimento da poltica do

    cardeal Richelieu (Armand-Jean du Plessis, 1585-1642) - primeiro ministro de Luiz XIII -que procurou unificar todas as foras em torno do rei. Para isso, combateu a aristocraciafeudal, incentivou o florescimento da burguesia atravs do comrcio e indstria, enquantoretomava as praas de guerra mantidas pelos protestantes, como a fortaleza de La Rochelle.Os protestantes perderam os direitos polticos e militares, mantendo apenas a liberdade deculto.

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    Ren Descartes - ou Renati Cartesius quando escrevia em latim - viveu durante esseperodo de consolidao do Estado moderno na Frana. Nasceu em 1596 em Haye, hojechamada Descartes. Sua famlia vivia bem do comrcio e da medicina, sendo o paiconselheiro do rei no parlamento da Bretanha, noroeste da Frana. Pde, ento, aos dezanos, ingressar no melhor colgio do pas, em La Flche, fundado e dirigido por jesutas.

    Essa experincia de ensino ir marcar sua formao e a convico de propor novas basespara filosofia. O curso de direito em Poitiers, entre 1614 e 1616, servir para reforar a mimpresso sobre as disciplinas da cadeira de humanidades, devido ao seu contedoultrapassado.

    Descartes herdara de sua me, que morrera antes dele completar o primeiro ano devida, uma sade muito fraca. Problemas respiratrios e uma tosse crnica obrigavam comque ficasse acamado por longas horas. Em La Flche, tinha permisso de assim ficar porquanto tempo desejasse. Hbito que manteve durante suas meditaes filosficas. Noobstante, o desprezo que nutria pela Escolstica o estimulou a se engajar no exrcitoholands de Maurcio de Nassau (1604-1679), entre 1618 e 1620, como parte de seus

    planos para "ler o livro do mundo".(...) [T]o logo a idade me permitiu sair da sujeio de meus preceptores,deixei inteiramente o estudo das letras. (...) [E]mpreguei o resto de minhamocidade em viajar, em ver cortes e exrcitos, em frequentar gente dediversos humores e condies, em recolher diversas experincias, emprovar-me a mim mesmo nos reencontros que a fortuna me propunha e,por toda parte, em fazer tal reflexo sobre as coisas que se meapresentam, que eu pudesse tirar delas algum proveito (...)(DESCARTES, R.Discurso do Mtodo, I parte, p. 33).

    Em sua breve carreira militar, passou pela Dinamarca, Polnia, Hungria e Alemanha, ondeem 1619 teve um sonho que lhe sugeria ser possvel unificar todas as cincias de sua pocapela vinculao das leis da matemtica com as da natureza. Essa intuio surgiu entrepausas de suas atividades militares num quarto em Ulm. Da cama, ao observar o vo deuma mosca - que no o deixava dormir -, notou que a posio do inseto no ar podia serdescrita em cada instante, se fosse achado o ponto de interseo entre os planosdimensionais por onde o pequeno animal passava - facilitando sua captura. O sistemacartesiano de coordenadas permitia que qualquer posio no espao pudesse seridentificada no plano por nmeros relacionados com a altura e a largura. Desse modo,Descartes combinava em um s ramo da matemtica, a geometria analtica, a lgebra coma geometria. Essa foi sua principal contribuio para as cincias.

    Em 1620, ano em que Francis Bacon publicou Novum Organum, Descartes encerrasua carreira militar para dedicar-se apenas pesquisa cientfica e filosfica. Durante osprximos sete anos, escreve vrios textos inspirados na sociedade Rosa Cruz, na qual haviase filiado logo depois de sair do exrcito. Em 1628, deixa inacabadas as Regulae adDirectionem Ingeniie resolve se fixar na Holanda at 1649. Prepara, nos primeiros cincoanos desta estadia, o ambicioso Tratado do Mundo e da Luzde tendncia copernicana, quetem seu lanamento abortado, quando recebe a notcia da condenao de Galileu. Tal fatoir perturbar todo seu pensamento futuro que passa a ser cauteloso ao extremo, impedindo

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    mesmo que publique um texto definitivo sobre moral, permanecendo sempre em umaprovidencial "moral provisria" ou em uma metafsica fundada em Deus.

    Em 1635, de um relacionamento"ilegtimo", nasce sua filha Francine, cuja

    sade precria no permite que passe doscinco anos de idade. Esse revs a mais abalafortemente seu esprito. Meditaes sobre aFilosofia Primeira aparece em 1641 comodesdobramento do argumento principal deDiscurso do Mtodo para bem Conduzir SuaRazo e Buscar a Verdade atravs dasCincias (1637). O sucesso de suasapresentaes para acadmicos na Frana otorna famoso entre os eruditos. Para os telogos, escreve Principia Philosophiae, em 1644,eAs Paixes da Alma, em 1649, para rainha Elisabeth da Bomia. Esta foi sua ltima obra

    publicada em vida. No inverno de 1649, aceita o fatdico convite da rainha Cristina, vindo afalecer de pneumonia em Estocolmo, no ano seguinte.

    O D i s c u r s o do No v o Mt od o

    Descartes escreveu oDiscurso do Mtodocomo introduo a trs ensaios: dois sobrefsica,DiptricaeMeteorose um sobre seu sistema de notao matemtica Geometria. Oestilo adotado possui aspectos quase confessionais. Escrito em primeira pessoa, de umamaneira direta e elegante, Descartes narra em seis partes as etapas que o levaram criaode um novo mtodo de raciocnio cientfico, apoiado em fundamentos firmes e irrefutveis.

    Na primeira parte, apresenta a situao em que se encontravam as cincias e amentalidade diletante de seu tempo. Revela, porm, a admirao pela matemtica, devido certeza e evidncia de seu raciocnio, embora lamentasse a pouca aplicao de seusfundamentos slidos e firmes no cotidiano. O estado precrio do ensino das cincias e dasartes o faz, ento, assim que se v livre da autoridade de seus preceptores, viajar pelomundo, a fim de aprender aquilo que nas escolas lhe era negado. No entanto, a experinciaadquirida com essas viagens s fez com que descobrisse a variedade dos costumes que lheensinou a duvidar de tudo que lhe fora inculcado por meio de exemplos e hbitoscondicionantes. Assim, resolveu procurar em sua prpria mente o caminho mais reto quepoderia tomar em face das influncias deformadoras da sociedade.

    O mtodo que procurou seguir a partir da descrito na segunda parte. Em suatemporada na Alemanha, Descartes percebeu que os momumentos e edificaes que foramprojetados por um s engenheiro e construdos sem a interveno da opinio de terceiroseram os melhor ordenados e acabados. Ao transpor essa imagem para a formao de umapessoa, imaginou que o raciocnio seria puro e slido "se tivssemos o uso inteiro de nossarazo desde o nascimento e se no tivssemos sido guiados seno por ela" (1). Contudo amaneira cautelosa com que resolve propor o mtodo que ir permitir se livrar das opiniesalheias e buscar em si mesmo os fundamentos firmes para seus pensamentos limita o

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    alcance de suas proposies a uma forma de solipsismo que Ludwig Wittgenstein atacariaem seu argumento contra a linguagem privadaou qualquer tentaviva de encontrar a certezade uma sensao, por exemplo, que esteja desvinculada de eventos externos ao sujeito. Afalta dessa relao com as consequncias de um ato decorrente desta sensao, tornariaincompreensivel propria pessoa e as outras a confirmao de que se trata do mesmo

    estado mental especfico. Mas Descartes no conhecia Wittgenstein - que s nasceria doissculos e meio depois, aproximadamente - e estava seriamente preocupado em atingir umacerteza que no percebia entre seus contemporneos. Decidiu ento voltar-se para dentro desi e de posse de umas poucas regras adotar um mtodo que portasse as vantagens daLgica, Geometria e lgebra, sem o nmero excessivo de regras que as tornam obscuras.

    Dos quatro preceitos adotados, o primeiro recusava qualquer fato tido comoverdadeiro que o sujeito no pudesse reconhecer como evidente por si mesmo. O segundopropunha decompor o problema em pequenas partes mais simples, a fim de facilitar suaresoluo. Depois disso, em terceiro lugar, ordenar os pensamentos a partir daqueles sobreos objetos mais simples e fceis de compreender at o conhecimento mais complexo. Por

    fim, fazer a reviso geral e enumerao de todas possibilidades sem que nada fosse omitido(2).

    Inicialmente, Descartes aplicou seu mtodo aos problemas da geometria analtica. Osucesso obtido nesta rea o estimulou a abordar todos os campos em que fosse usada arazo, sendo prioritria a investigao de toda filosofia primeira (metafsica). Enquantofazia a arrumao internar em sua mente, Descartes considerou por bem estabelecer umamoral provisria que lhe permitisse tomar decises quanto as aes a serem realizadasexternamente, no convvio social, tambm baseada em umas poucas regras:

    1. obedecer as leis do pas de origem, manter a religio em que fora iniciado e seguir aopinio das pessoas consideradas mais sensatas;2. seguir firmemente e sem vacilaes as mximas que fossem em geral consideradascorretas, evitando aquelas que fossem duvidosas;

    3. modificar os desejos que no pudessem ser realizados, em vez de tentar mudar aordem do mundo;

    4. escolher como ocupao aquela que fosse considerada a melhor, ou seja a prpriameditao metafsica apoiada no seu novo mtodo (3).

    Oito anos passaram desde quando Descartes teve sua intuio original, em setembrode 1619, at a deciso de se radicar na Holanda, pas no qual o povo, depois de longosperodos de guerra, estava "mais zeloso de seus prprios negcios, do que curioso dosassuntos dos de outrem" (4). De 1628 ao convinte fatal de Cristina da Sucia, em 1649,Descartes dedicou-se ao desenvolvimento de seu mtodo e aplicao em todas as formas deraciocnio, a comear pela busca da verdade. Para tanto rejeitou "como absolutamente falsotudo aquilo em que pudesse imaginar a menor dvida" (5). Concluiu que praticamentetodos os seus pensamentos poderiam ser considerados falsos do mesmo modo que as coisasimaginadas durante os sonhos. Contudo, ainda que pudesse pensar que tudo era falso, oprprio fato de estar pensando, isto no era passvel de refutao, da a constatao feita porDescartes: "'eu penso, logo existo'; era to firme e to certa que todas as mais extravagantessuposies dos cticos no seriam capazes de a abalar" (6).

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    Tudo em volta poderia ser confuso ou incerto, o mundo l fora, o prprio corpo, masa existncia evidente de que h um pensamento, sem o qual todo o resto no teria razo deser crvel era, em fim sua primeira certeza inabalvel. A mente poderia existir ento comouma substncia essencialmente separada do corpo. Por conseguinte, a garantia da existnciade algo to perfeito em um ser imperfeito s poderia acontecer se existisse um ser superior

    que tivesse inserido essa verdade na mente do sujeito. A prpria idia de perfeio, emsuma, s seria possvel, a partir da existncia de um Deus fiel, mantenedor da naturezaexterna e de todas as perfeies. O prprio sujeito no poderia ser o autor da naturezainteligente, uma vez que seria composto de mente e corpo, partes dependentes umas dasoutras. Tal dependncia, por ser considerada um defeito, no poderia constituir um Deus,de modo que o sujeito deveria ser dependente deste que possuiria uma existncia separadada imperfeio desse ser composto. Dessa forma, a partir da certeza fornecida pelo cogito,Descartes pde extrair a idia de perfeio a contida que o levou a provar, por conseguintea existncia da alma, como coisa pensante (res cogitans), e de Deus, como criador, veraz egarantidor de toda a perfeio, clareza, distino e verdade das idias inatas. Nem aimaginao, nem os sentidos seriam capazes de descobrir qualquer coisa de certo, que no

    passasse pelo entendimento fundado nessas razes.Assim, de posse dessas verdades claras e distintas - a

    existncia de sua alma e de Deus -, Descartes julgou poderdescartar tudo aquilo que no aparecesse de forma ntida. Almda filosofia, o novo mtodo cartesiano de busca da verdade seriacapaz de encontrar na natureza aquelas leis com as quais Deuspermitira que fossem feitas mudanas na matria. Nesse sentido,a quinta parte doDiscurso do Mtodotraz a descrio sumria domundo que Descartes havia impedido de ser publicada e adiscusso em torno da biologia de animais e plantas, comdestaque para a divulgao da circulao sangunea descobertapelo mdico ingls William Harvey, em 1628. Os animais porno serem capazes de expressar seus pensamentos por intermdioda linguagem, como fazem os homens, seriam considerados comomquinas movimentadas por uma alma corruptvel e mortal.

    Na ltima parte do Discurso, Descartes expe os motivosque o levaram a escrever e da utilidade que os outros poderiamtirar do livro, j que para evitar qualquer problema com a Igreja, suas idias foram todaspostas em tom meramente pessoal, narrado em primeira pessoa. No sem antes fazeradvertncias quanto aos comentadores e divulgadores que distorcessem o raciocnio dosautores ao empregarem palavras difceis e obscuras em seus comentrios. Tambm soapresentadas as razes da no publicao de seu tratado sobre a Fsica. Prefere entopublicar deste algumas partes - a Diptrica, os Meteoros e a Geometria - que no fossemto polmicas e fomentassem o progresso das cincias no futuro.

    As Reg r as M e t a fs i c as

    O novo mtodo apresentado por Descartes em Discurso do Mtodo de maneiraintrodutria no traz uma defesa exaustiva de suas proposies. Uma discusso mais

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    aprofundada s vir a pblico com o lanamento de Meditaes sobre a Filosofia Primeira- as chamadas Meditaes Metafsicas ou simplesmente Meditaes -, onde aparece emdetalhes a construo do argumento que leva concluso sobre a existncia de Deus e daalma. Passo a passo o mtodo da dvida vai retirando do pensamento os conceitosempricos sujeitos a engano. Depois so postos em xeque as noes oriundas da geometria

    e da matemtica. O argumento do sonho e a figura do "gnio maligno" so mobilizados, afim de realizarem por completo a limpeza de todo conhecimento duvidoso. A partir da asuposio da existncia de tal entidade serve de garantia para sustentao firme do cogito.Da terceira meditao em diante, vem a defesa da existncia de Deus pela simples presenadesta idia na mente, como marca do criador na criatura.

    A dvida metdica de Descartes, ao contrrio do mtodo indutivo de Bacon,procurava se despir de toda experincia sensvel para chegar aos pressupostos da razoapriori. Mais radical que a simples deduo lgica da geometria de ento - a "maneira dosgemetras" a qual Hobbes pde aplicar, em sua teoria poltica, partindo de uma basematerialista e no de uma mera razo -, Descartes abriu caminho para o racionalismo puro

    que, na matemtica dos sculos seguintes muito ajudou interpretao cientfica danatureza. Em cincias, foi um rival altura do empirismo ingls e, at que o pragmatismoviesse a prevalecer no sculo XX, colocou o Canal da Mancha como fronteira geogrfica amarcar fsicamente a separao entre a filosofia insular, em geral naturalista e emprica, e acontinental europia, analtica e metafsica. Entretanto, para a filosofia prtica restou algopor fazer.

    Muito se falou que mesmo depois de estabelecido um mtodo seguro para metafsica,Descartes deixara ainda provisria sua concepo sobre moral. Em todas as Meditaesnoh sequer uma definio til de liberdade que possa ser alicerce de uma teoria moral. Sdepois de provocado pela rainha Elisabeth da Bomia que confessa em carta datada de 04

    de agosto de 1645 ser a maior felicidade do homem fazer "uso reto da razo", sendo oestudo sua ocupao mais sublime (7). De fato, o temor da censura impediu Descartes depropor a um pblico geral a aplicao do seu mtodo, no como uma forma provisria epessoal, mas como teoria moral definitiva, vlida para todos. Entrementes, o mtodocartesiano trazia inerente uma dificuldade quase intransponvel na barreira das mentes deoutros seres pensantes. Por adotar uma introspeco como base de sua investigao, omximo que poderia admitir como certo seria a sua prpria existncia e a do mundo externopela idia de Deus. No h como, sem muito esforo interpretativo, afirmarcategoricamente a existncia de uma outra alma no corpo de um outro ser humano com osfundamentos do novo mtodo. Ademais, a fundao de uma moral no est entre osobjetivos de suasMeditaes, como se conclui da leitura de seu resumo inicial (8).

    Com As Paixes da Alma, h a explicao de como a alma pode motivar emovimentar o prprio corpo, atravs das paixes. Tambm se encontram recomendaes deauto-controle com base na reta razo. Contudo nada h que garanta sua existncia emoutros corpos apenas pela presena de uma glndula especfica - a pineal no caso deDescartes. A moral cartesiana provisria por aporias do prprio mtodo proposto, pelafalta de um fundamento claro e distinto da existncia de outros seres racionais alm doprprio sujeito.

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    Sem fazer uso do mtodo da dvida, mas no menos atento estratgia dematemticos e gemetras, Thomas Hobbes conseguiu estabelecer uma moral com bases emprincpios que Descartes considerou maus, embora no tivesse como considerar o De Civeuma moral equivocada. Teorias morais de cunho racionalista montadas com o mtodoproposto por Descartes teriam de esperar ainda pelo talento de Baruch de Espinosa (1612-

    1677) - ou Benedictus de Spinoza - que ir escrever em 1677 uma ticatotalmente extradado intelecto. Mais tarde Immanuel Kant lanar uma fundametao dos costumes toracionalista e individualista como os anseios de Descartes, mas com uma soluo que esteno tinha na manga: o reino dos fins.

    N o t a s

    1. DESCARTES, R. Discurso do Mtodo, II parte, p. 35.2. Veja DESCARTES, R. Op. cit., idem, pp. 37-38.3. Veja DESCARTES, R. Idem, III parte, pp. 41-44.4. DESCARTES, R. Ibidem, III parte, pp. 45-46.

    5. DESCARTES, R. Ibidem, IV parte, p. 46.6. DESCARTES, R. Ibidem, idem.7. Veja DESCARTES, R. Cartas a Elisabeth, 4/08/1645, p. 307.8. Veja DESCARTES, R.Meditaes, "Resumo", pp. 79-82.

    Bibliografia

    ASIMOV, I. Gnios da Humanidade. - Rio de Janeiro: Bloch, 1974.

    BLACKBURN, S.Dicionrio Oxford de Filosofia; trad. Desidrio Murcho et al.. - Rio de

    Janeiro: Jorge Zahar, 1997.DESCARTES, R.Discurso do Mtodo; trad. de J. Guinsburg e Bento Prado Jr. - So Paulo:

    Abril Cultural, 1983. (Os Pensadores).

    _________. Meditaes; trad. de J. Guinsburg e Bento Prado Jr.. - So Paulo: AbrilCultural, 1983. (Os Pensadores).

    _________.As Paixes da Alma; trad. de J. Guinsburg e Bento Prado Jr.. - So Paulo: AbrilCultural, 1983. (Os Pensadores).

    _________. Cartas; trad. de J. Guinsburg e Bento Prado Jr.. - So Paulo: Abril Cultural,1983. (Os Pensadores).

    ESPINOSA, B. tica; trad. Joaquim de Carvalho et al.. - So Paulo: Nova Cultural, 1989.

    HOBBES, Th.De Cive; trad. Ingeborg Soler. - Petrpolis: Vozes, 1993.

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    KANT, I. "Fundamentao da Metafsica dos Costumes", in Textos Selecionados ; trad.Paulo Quintela. - So Paulo: Abril Cultural, 1980. (Os Pensadores).

    1. 4 Primeira Unidade - SCULO XVII:

    Outros Autores do Perodo;Por Antnio Rogrio da Silva

    O ceticismo que Ren Descartes procurou levar ao extremo como um ardil paraencontrar uma certeza que ningum pudesse refutar, teve em Michel de Montaigne (1533 -

    1592) seu principal representante na Frana da passagem do cinquecento para o sculoXVII. Nascido em Bordeaux, Montaigne seguiu a carreira poltica at sua aposentadoria em1571, o que no o impediu de assumir o cargo de presidente da cmara de sua cidade dezanos depois, logo em seguida ao lanamento dos Ensaios, em 1580, obra que lhe garantiureputao fora de seu pas e na gerao de Descartes. Essa coletnea de textos inaugurouuma nova forma filosfica de apresentao das idias, o ensaio. O estilo ensaista em poucotempo ir substituir, sobretudo na Inglaterra, as extensas discusses postas nos tratados,gnero que predominou at o sculo XVIII.

    Dos ensaios de Montaigne, destaca-se a longaApologia de Raymond Sebond, onde feita a defesa dos argumentos teolgicos deste mdico espanhol sob a objeo de que a

    razo, em ltima instncia, na investigao de assuntos religiosos, deve ser restringida eceder espao f. Nessa apologia, h o desdobramento de uma srie de observaes cticassobre o poder da razo. Montaigne adota explicitamente o ponto de vista pirrnico - foiPirro de lida (365-275 a.C.) o fundador da escola ctica -, da suspenso do do juzo(epoche) sintetizado na expresso "que sei, eu?" (1).

    O homem no pode impedir que os sentidos no sejam os soberanosmestres dos conhecimentos que possui; mas estes no oferecem certeza esempre podem induzi-lo em erro. (...)(...) [N]s mesmos e os objetos no temos existncia constante. Ns,nosso julgamento, e todas as coisas mortais, seguimos uma corrente que

    nos leva sem cessar de volta ao ponto inicial. De sorte que nada de certose pode estabelecer entre ns mesmos e o que se situa fora de ns,estando tanto o juiz como o julgado em perptua transformao emovimento.Nada conheceremos de nosso ser, porque tudo o que participa da naturezahumana est sempre nascendo ou morrendo, em condies que s do dens uma aparncia mal definida e obscura; e se procuramos saber o quesomos na realidade, como se quisssemos segurar a gua; quanto mais

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    apertamos o que fluido, tanto mais deixamos escapar o que pegamos.Por isso, pelo fato de toda coisa estar sujeita transformao, a razonada pode apreender na sua busca do que realmente subsiste, pois tudo,ou nasce para a existncia e no est inteiramente formado, ou comea amorrer antes de nascer (MONTAIGNE, M. E. Ensaios, liv. II, cap. XII,

    pp. 277 e 281-282).Alm da influncia de Pirro, percebe-se claramente a leitura de Herclito de feso

    (cc. 480 a.C.). Contudo, embora Montaigne tenha parecido ser muito convincente aosouvidos dos contemporneos de Descartes - Mersenne e Gassendi, so cticos notveis -,no conseguiu convencer a este em sua obstinada busca pela certeza. Blaise Pascal (1623-1662), matemtico e fsico, cujo porte de sua obra era capaz de rivalizar com a obra de seucontemporneo e conterrneo Descartes, foi outro autor importante a aderir crtica aosextremos da razo e do ceticismo, sem, no entanto, deixar de ter uma forte dedicao religio crist.

    Tal como Descartes, Pascal tinha uma sade debilitada,sofrendo constantemente de dores de cabea, insnia, e indigesto.Apesar disso, foi capaz de em sua breve existncia apresentar umacontribuio significativa matemtica e fsica, bem como filosofia, de um modo geral. Aos 16 anos escreveu um livro sobre asseces cnicas, desenvolvendo o assunto muito alm do estado emque se encontrava, desde quando o matemtico grego Apolnio (cc.261-190 a.C.) publicara seu tratado sobre o assunto. J nessa poca,comeou a frequentar as conferncias semanais promovidas porMersenne, onde se reuniam Descartes, Hobbes e Pierre de Fermat,entre outros. Ao tomar conhecimento do texto de Pascal, Descartes

    duvidou que pudesse ter sido escrito por um adolescente. Trs anos depois esse jovemsurpreenderia mais ainda seus contemporneos ao inventar a mquina aritmtica, capaz desomar e subtrair. Em 1646, Pascal repete as experincias com o vcuo e a pressoatmosfrica que permitiram a inveno do barmetro pelo fsico italiano EvangelistaTorrecelli (1608-1647), trs anos antes. Nessa poca tambm se converte ao jansenismo,movimento criado, em 1640, pelo holands Cornlio Oto Jansnio (1585-1638) quepregava ser a graa da salvao uma predestinao divina e a incompatibilidade entre a vidacrist e a vida poltica e social. O jansenismo j havia sido condenado como heresia porbula papal de 1643 que foi confirmada duas vezes em 1656. Nesse nterim, estabelecePascal correspondncia com Fermat, a fim de encontra uma soluo para o problema dospontosapresentado pelo Cavaleiro de Mr (Antoine Gombaud, 1607-1684), um inveteradojogador. O problema dos pontossurge quando um jogo de dados interrompido antes dofinal, e cujo dinheiro das apostas tem de ser dividido justamente entre os jogadores. Pascale Fermat propuseram que o montante apostado deveria ser repartido de acordo com asprobabilidades iguais de ganho de cada jogador, caso o jogo tivesse continuado at o final ecom isso lanaram as bases da Teoria das Probabilidades, em 1654.

    A condenao definitiva do jansenismo assusta Pascal, que j havia renunciado vidaem sociedade e agora se via obrigado a deixar a militncia religiosa depois que suas AsProvinciais (1655 e 1657) - uma defesa de seu amigo jansenista Antoine Arnauld (1612-

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    1694) que tivera seu doutoramento condenado em Sorbonne - terem sido includas no indexde livros proibidos da Igreja. No restante de sua vida Pascal dedicou-se a algumasexperincias cientficas e a escrever seus Pensamentos(publicao pstuma de 1670), ondecombate o ceticismo religioso de Montaigne e o racionalismo cientfico de Descartes(2),enquanto defende os fundamentos filosficos e teolgicos do cristianismo.

    Essa guerra interior da razo contra as paixes fez que os que quiseramter a paz se dividissem em duas seitas: uns quiseram renunciar s paixese tornar-se deuses; outros quiseram renunciar razo e tornar-se brutos(...) Nem uns nem outros, porm, o conseguiram; e a razo subsiste eacusa a baixeza e a injustia das paixes e perturba o repouso dos que aelas se abandonam; e as paixes esto sempre vivas nos que queremrenunciar a elas.(...)Todas essas contrariedades, que pareciam afastar-me do conhecimentoda religio, foram o que mais depressa me conduziu verdadeira religio.(PASCAL, Bl. Pensamentos, art. VI, 413 e 424.

    No ltimo ano de sua existncia, Pascal lanou um servio de transporte coletivo porcarruagens, oferecendo os lucros obtidos s instituies de caridade.

    Rac i o n a l i sm o e Em p i r i sm o , n a t i c a e n a Po lt i c a

    O receio de Descartes em aprofundar as consequncias morais e polticas doracionalismo que inaugurara no eram apenas fruto de uma excessiva precauo. Beneditode Espinosa, ainda que fosse judeu, teve de enfrentar a ira de seus correligionrios, mesmotendo nascido em uma ilustre famlia judaica. Entretanto, a formao religiosa livre que acidade de Amsterdam - onde os Espinosa se refugiaram da perseguio sofrida na pennsula

    ibrica - permitia s pessoas se aproximarem de movimentos dissidentes e de correntescientficas e filosficas modernas. Logo Espinosa afastou-se da ortodoxia religiosa e seinteressou pelo racionalismo de Descartes. Por conta disso, em 1656, foi ex-comungado dasinagoga e amaldioado por defender heresias. Tudo isso antes de ter iniciado sua carreirade escritor.

    No perodo em que esteve exilado de sua cidade natal - durante cinco anos estevehospedado no sto de uma penso, beira da estrada que leva a Outerdek, fora deAmsterdam -, lanou um Pequeno Tratado sobre Deus, o Homem e o seu Bem-Estar.Depois de retornar a Amsterdam, resolve morar no interior da Holanda, em 1660, quandocomea a sistematizar o Renati Descartes Principiorum Philosophiae (1663) com a

    exposio geomtrica do cartesianismo. Novos problemas surgem aps a publicao doTractatus Theologicum-Politicus, de 1670, que por defender a paz e a tolerncia, sofre acondenao da Igreja. Espinosa chegou mesmo a ser suspeito de espionagem depois de terparticipado de uma misso diplomtica junto ao exrcito francs, em 1672. Decide entoafastar-se das atividades pblicas, preferindo viver do ofcio de polidor de lentes, enquantoescrevia a sua tica (1677). Entretanto, mesmo depois de concluda, prefere deixar que apublicao seja pstuma, a fim de evitar mais encrencas. Sua ltima obra completa

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    publicada em vida foi Tractatus de Intellectus Emendatione, tambm de 1677. Um outroTratado Polticoficou inacabado.

    Embora Espinosa tenha procurado seguir as indicaes de Descartes para construirum sistema de proposies claras e distintas, sua tica traz um importante desvio

    conceitual. Ao invs de manter a separao entre corpo e alma (dualismo cartesiano),Espinosa imagina Deus como nica substncia infinita possvel de existir na natureza,sendo a coisa pensante e a extensa atributos ou afeces dessa mesma essncia (concepomonista do mundo).

    Como Deus o ente absolutamente infinito do qual no pode ser negadoqualquer atributo que exprima uma essncia da substncia, segue-se queexiste necessariamente. Se existisse qualquer substncia fora de Deus,deveria ser explicada por algum atributo de Deus, e assim existiriam duassubstncias do mesmo atributo, o que absurdo; por conseguinte, nopode ser dada, nem, consequentemente, tampouco concebida qualquer

    substncia fora de Deus. Com efeito, se pudesse ser concebida, eladeveria necessariamente s-lo como existente; ora, isto absurdo; porconsequncia, fora de Deus no pode ser dada nem concebida qualquersubstncia.Daqui resulta clarissimamente: 1 - Que Deus nico, isto que naNatureza somente existe uma nica substncia, e que ela absolutamenteinfinita (...).Resulta em segundo lugar: Que a coisa extensa e a coisa pensante so ouatributos de Deus, ou afeces dos atributos de Deus (ESPINOSA, B.tica, parte I, prop. XIV, pp. 24-25).

    Criatura e criador confundem-se em uma mesma substncia. Ainda assim, h espaopara a liberdade da criatura potencialmente racional, entendida apenas como intelignciacapaz de remediar as afeces. Tais remdios so aprendidos pelo conhecimento de si queleva deduo da beatitude e da liberdade ou felicidade pelo amor a Deus, uma vez que seste livre por existir necessariamente e determinar suas prprias aes (3). Desse rgidosistema racionalista, Espinosa extraiu a teoria poltica que considerava adequada e que foraexposta no final de sua vida.

    Por direito natural, Espinosa entendia a capacidade a qual cada um poderia alcanar.Entre os homens, o direito seria determinado pela capacidade da razo. Um homem livreno pode, portanto, deixar de usar a razo para seguir o bem. Porm, como essa capacidadenem sempre usada plenamente, o juzo pode ento ser submetido e enganado pela vontadede outro. Para evitar essa subordinao ao outro em particular, o homem busca a regra devida em comum, no Estado civil. Na cidade, ningum depende de si mesmo, nem "tem odireito de decidir o que justo, o que injusto, o que moral ou imoral, mas pelo contrrio,visto que o corpo do Estado deve ser conduzido (...) por um pensamento nico e que,consequentemente, a vontade da Cidade deve ser tida como a vontade de todos, o que aCidade decreta ser justo e bom, o que cada um deve aceitar como tal" (4). Seja no estadonatural, seja na Cidade, a razo determinar o poder e a independncia. O pensamentonico s pode ser atingindo, ento, se todos exercerem o que lhe ensinado com sendo til,

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    pela prpria razo. No obstante, em relao religio, ao fazer uso da razo, a alma sdepende de si mesma e no do soberano, j que o conhecimento de Deus no estsubmetido a ningum.

    (...) Cada um portanto, esteja onde estiver, pode honrar Deus com uma

    verdadeira religio e procurar a sua prpria salvao, o que funo dosimples particular. Quanto ao cuidado de propagar a Religio, precisoentreg-lo a Deus, ou ao soberano, a quem unicamente cabe ocupar-se dacoisa pblica (ESPINOSA, B. Tratado Poltico, cap. III, 10, p. 37).

    Ao contrrio de Hobbes, onde a funo da razo buscar na cidade um refgioseguro do estado de natureza, em Espinosa a deficincia da capacidade racional poderencontrar por si mesma os meios de subsistncia que obriga os homens a viver emsociedade, a fim de que possam desenvolv-la em tranquilidade. Diferente do primeiro,neste caso os homens no so iguais, nem livres. Quem tivesse a capacidade de exercerplenamente a razo no teria necessidade do convvio social, por ser auto-suficiente e

    verdadeiramente livre. Em suma, essa era a concepo racionalista que Espinosa tinha dareligio e vida em sociedade. Morreu de tuberculose, em 1677, aos 45 anos de idade.

    Uma concepo empirista e anti-racionalista do Estado, mas diferente domaterialismo de Hobbes ser apresentada pelo ingls John Locke (1632-1704). Lockenasceu no dia 29 de agosto, em Wrington, de uma famlia de comerciantes da cidade deBristol. Durante a Revoluo Puritana, seu pai se alistara ao lado dos puritanos, no exrcitocomandado por Cromwell, no final da infncia do pequeno Locke. Em 1652, este termina aeducao bsica e ingressa no College de Oxford, onde estuda medicina. mais um adecepcionar-se com Aristteles e a Escolstica. Encanta-se, ento, por Descartes que o livrado obscurantismo medieval. Em 1666, encontra-se com Anthony Asheley Cooper (1621-

    1683), de quem viria a ser mdico particular. Dois anos depois, Locke dirigiu uma operaoem Cooper, futuro conde de Shaftesbury (1672), para extrao de um tumor do fgado eimplantao de um tubo de prata que o ligaria ao estmago. O sucesso da operao rendeu-lhe o reconhecimento definitivo do conde que, alm do ofcio de mdico o contrata parafunes de assessor. Por conta disso, Locke participou da elaborao de uma constituiopara a colnia de Carolina, na Amrica. Entra em contato com os principais intelectuais epolticos da Inglaterra. Comea a escrever nessa poca seu trabalho mais importante, oEnsaio sobre o Entendimento Humano, que ser publicado duas dcadas depois. Em 1675,Carlos II tenta assumir poderes absolutos e destitui Lorde Shaftesbury, que representava osinteresses do Parlamento. Nos prximos trs anos, Locke vive na Frana, onde frequenta aspalestras de intelecutais, em Paris e Montpellier. De volta Inglaterra, em 1679, Locke serobrigado a fugir para Holanda em 1683, depois que seu patrono fora acusado de chefiaruma revolta contra os Stuart, em 1681. Locke s voltaria a seu pas quando a RevoluoGloriosa de 1688 d a vitria definitiva ao Parlamento que implanta a monarquiaparlamentarista, sob a coroa de Guilherme de Orange (1650-1702), que tem seus podereslimitados. Publica, ento, suas principais obras: Carta sobre a Tolerncia (1689), DoisEnsaios sobre o Governo Civil (1689-1690) e Ensaios sobre o Entendimento Humano(1690).

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    A admirao que Locke tinha por Descartes no lhe impediu de propor uma teoriasobre o conhecimento onde no havia lugar para as idias inatas. Todo conhecimentohumano seria adquirido pela observao e experincia atravs dos sentidos, a partir doinstante em que se comea a ter percepo. A mente seria, portanto, um papel em branco,cujas impresses adquiridas como idias particulares vo sendo gradualmente

    transformadas em gerais por meio da abstrao. At mesmo a idia de Deus no seriapossvel sem que a noo de lei e obedincia fosse desenvolvida pela cultura, disciplina eaperfeioamento das artes e cincias (5).

    Para chegar a essas concluses, Locke utilizou como mtodo trs etapas deinvestigao. Primeiro buscou a origem de cada idia - objeto de pensamento - e como foiobtida; depois, aferiu o grau de conhecimento que se tem dessas idias, sua certeza ealcance; por fim, as razes que so fornecidas para que se aceite algo como verdadeiro ouno. Destarte, alm de defender um empirirismo epistemolgico, pde tambm aplicar seumtodo poltica e propor uma fundao para sociedade que permitisse a constituio deum governo liberal, contra as teses absolutistas de Sir Robert Filmer (1588-1653), que, no

    livro Patriarca (1680) fundamentava a submisso ao soberano com base na autoridadeconcedida por Deus a Ado!

    Tal como Hobbes, Locke parte da imagem de um estado da natureza onde todos solivres e iguais, mas no h um juiz com autoridade comum a todos. Nesta situao originaltodos tm direito comum s coisas de que necessitam, exceto pessoa do outro que umapropriedade particular. Todo produto do trabalho do corpo de um indivduo passa tambm aser sua propriedade, tirada do estado comum de natureza. No obstante, o consequenteaumento da populao e a escassez de recursos levam limitao dos territrios e daspropriedades particulares por meio de pactos e acordos que reconheam essa posse. Afuno principal da comunidade, portanto, seria a preservao da propriedade, evitando as

    disputas sobre os bens conquistados pelo trabalho. Assim, nem mesmo o poder supremopoderia tirar a propriedade de algum sem o seu consentimento. Para tanto, o poderlegislativo limitaria suas aes executivas baseando-se nas seguintes restries dacapacidade de propor leis:

    Tais so as obrigaes que os encargos a eles conferidos pela sociedade epela lei de Deus e da natureza atriburam ao poder legislativo de qualquercomunidade, em todas as formas de governo:

    I. Tm de governar por meio de leis estabelecidas e promulgadas, queno podero variar em casos particulares, instituindo a mesma regrapara ricos e pobres, para favoritos na corte ou camponeses no arado;

    II. Tais leis no devem ser destinadas a qualquer outro fim seno o bemdo povo;

    III. No devem lanar impostos sobre a propriedade sem o consentimentodeste, dado diretamente ou por intermdio dos seus deputados (...);

    IV. O legislativo no deve nem pode transferir o poder de elaborar leis aquem quer que seja, ou coloc-lo em qualquer outro lugar que no oindicado pelo povo (LOCKE, J. Segundo Tratado sobre o Governo,cap. XI, 142, p. 90).

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    Enquanto, Hobbes fundou sua cidade com os atributos mnimos de manteno da paze cumprimento dos contratos, com o artifcio do direito propriedade gerado pelo trabalhode uma homem dono de si, Locke sobrecarregou o Estado liberal com deveres e limitaesque esbarravam nos domnios do indivduo. Embora sua resposta forma de absolutismopregado por Filmer tenha sido eficaz, ao negar origem divina formao da sociedade, o

    poder absoluto do Leviat hobbesiano continuava firme, pois ainda cabia Cidade manteros contrato e a paz entre os cidados, ao livrar o homem do estado de natureza. S queenquanto para Hobbes todo poder estaria concentrado na mo de um soberano, em Lockeeste poder seria repartido entre o executivo e o parlamento, que no final era responsvelpelas leis que regeriam a vida em sociedade. No obstante, os interesses emergentes daburguesia estavam do lado de Locke, e os fundamentos do Estado liberal foram aceitos depronto, apesar de sua fragilidade argumentativa, uma vez que o governo misto quepropunha, de fato, concentrava a soberania em uma assemblia democrtica.

    I s aa c N e w t o n

    Locke viveu a ltima dcada de sua vida na residncia do casal Francis e DamarisMasham (1658-1708), que era muito sua amiga, em Essex. L, eles recebiam a visitaconstante de amigos, dos quais se destaca Isaac Newton (1642-1727). Poucos autores defora da filosofia influenciaram tanto os filsofos quanto Sir Isaac Newton. S indiretamentepode-se dizer que prestou alguma contribuio metafsica, lgica ou tica. No entanto,sua grande contribuio filosfica, de fato, foi mostrar o longo alcance que o conhecimentosistemtico pode ter quando une experincia e matemtica. Nesse sentido foi Newton umparadigma para as cincias modernas, assim como foi Aristteles para os medievais e como Albert Einstein (1879-1955) para os contemporneos.

    Para as cincias, de um modo geral, e para a fsica, em particular, ou filosofia da

    natureza como se dizia at o positivismo propor a especializao de cada rea doconhecimento, no sculo XIX, Newton contribuiu decisivamente inventando o clculodiferencial, descobrindo as leis da mecnica e formulando toda uma teoria sobre agravitao universal que prevaleceria at Einstein. Newton nasceu em 1642, emWoolsthorpe, na regio de Lincolshire, Inglaterra. Aos sete anos teve de largar a escolapara ajudar sua me a cuidar de sua propriedade rural, em Woolsthorpe. Aos 18 anos, porinsistncia de um tio, ingressa no Trinity College, em Cambridge. Cinco anos mais tarde,obtm o bacharelado, no momento em que a peste atinge Londres, fechando a universidade.Durante o perodo de 1665 a 1666, refugia-se na propriedade rural da famlia. Nessa pocafaz suas primeiras descobertas matemticas e tem a primeira intuio sobre a foragravitacional ao observar a queda de uma maa da macieira; tambm faz experimentos

    ticos sobre a refrao da luz em um prisma. Em 1667, volta a Cambridge, onde consegueseu doutorado no ano seguinte. Em 1669, torna-se catedrtico em matemtica,permanecendo na universidade pelos prximos 30 anos. Entra para a Royal Society, em1672, onde relata sua experincia com a luz, e se envolve em uma polmica com RobertHooke (1635-1703), secretrio sda sociedade, que j havia feito descobertas semelhantes.No ano seguinte, outra troca de acusaes sobre plgio ocorre com a descoberta do clculo,dessa vez com Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716). Newton admite ter desenvolvidoseu clculo a partir do mtodo para estabelecer tangentes de Fermat. Mas logo ficademonstrado que tanto Leibniz, como Newton trabalharam de modo independente. Sua

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    principal obra, os revolucionrios Philosophiae Naturalis Principia Mathematica tem suaprimeira edio lanada em 1687. Nela esto sistematizadas todas suas descobertaspassadas, em torno das leis da mecnica e da gravitao universal, sustentados sobre anoo de tempo