Historia Da Imprensa Negra

Embed Size (px)

Citation preview

  • 7/23/2019 Historia Da Imprensa Negra

    1/13

    Confederacin Iberoamericana de Asociaciones Cientficas y Acadmicas de la Comunicacin

    Do Movimento Abolicionista a Raa Brasil:

    um panorama histrico da mdia negra brasileira

    Daniele Gross Ramos1

    Resumo:O presente artigo traz um apanhado histrico da imprensa no Brasil, em especfico da mdianegra. Aborda tambm o mercado revisteiro e sua segmentao e tambm traz informaes sobre Raa

    Brasil, revista mensal e comercial, que se transformou no maior sucesso miditico desse segmento e que,desde seu incio, teve como um de seus principais objetivos reverter o quadro de invisibilidade socialdesse grupo tnico. O artigo tambm debate os efeitos que um espao miditico pode gerar nacontraestigmatizao dos sofrimentos impetrados s minorias sociais.

    Palavras-chave: Mdia negra; Raa Brasil; imprensa brasileira; segmentao, comunicao

    Abstract:This paper presents a historical overview of the Brazilian press, specifically the black media. Italso outlines the magazine rack and its market segmentation and also provides information about Raa

    Brasil, a monthly and commercial magazine, which became the most successful media of this segment,and, since its beginning, has been focusing as one of its objectives to reverse the social invisibility of thisethnic group. This paper also discusses the effects that a media space can generate in the brake of the

    social stigmatization that these minorities suffer.

    Keywords:black media, Raa Brasil, Brazilian press, segmentation, communication

    Introduo

    Resultado da dissertao de mestradoRaa em Revista: identidade e discurso na

    mdia negra (RAMOS, 2010) - desenvolvida na Escola de Comunicaes e Artes, daUniversidade de So Paulo -, este artigo apresenta um apanhado histrico da imprensa

    no Brasil, em especfico da mdia negra.

    Aborda tambm o mercado revisteiro brasileiro e a segmentao desse meio que

    sempre traz novos ttulos s bancas de jornais, chegando a uma subdiviso cada vez

    mais especfica e que tambm apresenta frutos dentro das prprias publicaes. Assim,

    a mdia negra tambm tem seus produtos nesse mercado, que em nossa histria, teve

    poucas publicaes destinadas a esse grupo tnico que, segundo o Instituto Brasileiro de

    Geofsica e Estatstica (SNTESE, 2009), j perfaz a maioria da populao brasileira.

    Tambm traz informaes sobre Raa Brasil, revista mensal e comercial que,

    desde o incio, teve como um de seus principais objetivos reverter o quadro de

    invisibilidade social desse grupo tnico, sendo tambm, em nosso mercado, o maior

    sucesso miditico no segmento. Tambm debatemos os efeitos que um espao miditico

    pode gerar na contraestigmatizao dos sofrimentos impetrados s minorias sociais.

    1Daniele Gross Ramos mestre em Cincias da Comunicao, pela Escola de Comunicaes e Artes, da Universidade de SoPaulo. membro do MidiAto - Grupo de Estudos de Linguagem: Prticas Miditicas, da mesma instituio e docente de cursos deComunicao Social. E-mail: [email protected]

    mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]
  • 7/23/2019 Historia Da Imprensa Negra

    2/13

    Imprensa Brasileira & Mdia Negra

    Os avanos tecnolgicos que permitiram o surgimento de outros meios de

    comunicao, a partir do nascimento da imprensa no sculo XV, propiciaram tambm a

    massificao desses veculos, tornando-os poderosos instrumentos de transformaessociais. Assim, o fenmeno social da cultura de massa processo intensificado a partir

    da metade do sculo XXtambm permitiu que os at ento excludos passassem a ter

    uma representao social.

    A invisibilidade social a que as minorias so expostas em nossa sociedade

    poderosamente destrutiva, avassaladora. Por isso, publicaes voltadas a essas

    minorias passam ento a ser poderosos instrumentos de solidificao desses estratos,

    que ao conquistarem um espao miditico, passam tambm a ter um posicionamentosocial mais fortalecido.

    EmHistria da Imprensa no Brasil, a correlao entre a biografia da imprensa e

    os fatos histricos do Brasil explicitamente marcada: No h como escrever sobre a

    histria da imprensa sem relacion-la com a trajetria poltica, econmica, social e

    cultural do pas (MARTINS & LUCA, 2008: 8). Opinio ratificada por Scalzo: A

    histria das revistas no Brasil, assim como a da imprensa em qualquer lugar no mundo,

    confunde-se com a histria econmica e da indstria no pas (2008: 27).

    Se a imprensa brasileira teve seu incio com a chegada da famlia real no pas, no

    incio do sculo XIX, a presena da corte tambm trouxe manifestaes populares,

    apresentando, entre outras coisas, j nas primeiras dcadas do sculo XIX, publicaes

    da chamada opinio pblica. dessa forma que, nos idos de 1880, atravs do

    movimento abolicionista, a imprensa negra brasileira inicialmente se manifesta. Para

    Morel, esse tipo de ocorrncia (...) era um recurso para legitimar posies polticas e

    um instrumento simblico que visava transformar algumas demandas setoriais numa

    vontade geral (2008: 33). Assim, no demorou muito e o Brasil se encontrava diante de

    um quadro poltico que culminaria com a proclamao da Independnciacatorze anos

    aps a chegada da Famlia Real.

    ltimo pas a acabar com o sistema escravocrata, o Brasil tem, no perodo

    anteriormente relatado, forte presena do movimento abolicionista que, em meio a uma

    efervescncia poltica, clamava pelo fim da escravatura:

    Valendo-se da retrica habitual, mesclada pela literatura romntica e pela

    oratria bacharelesca, os propagandistas levaram a causa da abolio para aimprensa, reconhecida como a mais popular das campanhas at entodesfraldadas no pas. Intensa e arrebatadora, posto que sob a pena de talentosos

  • 7/23/2019 Historia Da Imprensa Negra

    3/13

    literatos e de inspirados ilustradores, envolveu representantes da elite, dascamadas mdias urbanas, do funcionalismo pblico, do segmento estudantil,

    parte da Igreja e agentes emblemticos da populao negra. Nessa ltimafiguraram Luiz Gama, rbula de So Paulo, com ampla penetrao nos crculosilustrados, Jos do Patrocnio, proprietrio de jornal e jornalista que comoviamultides com seus discursos inflamados, e Andr Rebouas, filho de senador,

    que convivia com a famlia real, a despeito de discriminado nos sales pelasdamas do Imprio. (MARTINS, 2008: 74 e 75)

    Outros pesquisadores tambm trazem informaes sobre o incio da imprensa

    negra no Brasil.

    A chamada imprensa negra, ou seja, aquela que produzida por e dirigida paraos negros, foi precedida por publicaes que apoiaram o abolicionismo ou quetiveram nesta causa sua principal justificativa. Porm, a partir do incio do sculoXX, distingue-se com uma expresso especfica. Embora os peridicos

    produzidos neste contexto nem sempre tenham longa durao ou grande nmerode leitores, testemunharam preocupaes e anseios da comunidade negra

    brasileira. (Romancini & Lago, 2007: 88)

    Alm desses, Oliveira (2007: 39-40) apresenta outro estudo, realizado por

    Helosa de Faria Cruz2, que sublinha que

    possvel constatar a publicao do peridico A Ptria: rgo dos Homens deCor,j em 1890; O Propugnador: rgo da Sociedade Propugnadora 13 de

    Maio em 1901, embora os estudos clssicos sobre o tema considerem comomarco inicial dessa imprensa o surgimento do peridico O Menelick (1915) (...).

    Assim, concomitantemente ao final do sculo XIX, no movimento

    abolicionista que a imprensa negra brasileira inicialmente se manifesta. A cada linha

    de atuao, emancipacionista ou abolicionista, e a cada sociedade libertadora ou clube

    abolicionista, ensaiou-se e/ou editou-se um jornal (MARTINS, 2008: 75).

    Nesse perodo, um de seus cones foi Jos do Patrocnio que, em 1887, funda o

    jornal Cidade do Rio de Janeiroveculo que circula at 1902 e que foi de extrema

    relevncia para a campanha abolicionista brasileira (LUCA, 2008: 157).

    Outros nomes consagrados fizeram parte desse movimento, que via na imprensa

    forte aliada. Importncia ressaltada por Joaquim Nabuco ao baro de Penedo: Sem

    jornal prprio, no se nada aqui e vive-se do favor alheio (...) (MARTINS, 2008:

    77). O poeta Castro Alves tambm foi fervoroso manifestante dessa poca, (...) assduo

    na imprensa da Academia, foi a voz apaixonada da causa que traduziu no poema Navio

    Negreiroa luta de uma raa (Idem, ibidem: 75).

    2Oliveira (2007: 39-40) faz referncia obra So Paulo em Papel e Tinta: periodismo da vida urbana (1890-1915) de Helosa deFaria Cruz.

  • 7/23/2019 Historia Da Imprensa Negra

    4/13

    Entretanto, se o movimento abolicionista atingiu seu principal objetivo,

    finalizando o perodo escravocrata brasileiro, o negro continuou sendo relegado a

    segundo plano na sociedade brasileira.

    (...) com o desenvolvimento scio-econmico, sobretudo na regio sul do pasaps o fim da escravido, o negro sistematicamente substitudo pelo imigranteeuropeu, que passou a ocupar as melhores posies, deixando como nicaalternativa ao negro ex-escravo relegado, olvidado e menosprezado, a

    possibilidade de ocupar a categoria de sub-proletariado. (OLIVEIRA, 2007: 45)

    Postado como subcategoria da sociedade brasileira, mesmo com o fim da

    escravido, o negro no possua poder financeiro. Por consequncia, como explica

    Cohen, a mdia negra do perodo no tinha como se manter.

    A maior parte nascia e morria em pouco tempo; os meios de sustentaoeconmica eram parcos e muitas vezes dependiam unicamente do idealismo de

    alguns, como Jayme de Aguiar e Jos Correa Leite, que imprimiam e distribuamo Clarim da Alvoradagratuitamente. (2008: 120)

    O sculo seguinte seria testemunha de grandes mudanas sociais. O movimento

    abolicionista continua a acarretar sucessores miditicos, que lutam por um melhor

    posicionamento social para os negros. Vrios ttulos surgem, ento, nesse perodo.

    Em 1915 surgia em So Paulo O Menelick, rgo mensal noticioso, literrio ecrtico dedicado aos homens de cor. (...) Mais tarde apareceram O Getulino, A Vozda Raa, A Sentinela (1920), o Alfinete (1918),A Rua(1916). No raro a aluso escravido vinha estampada em ttulos como A Chibata (1932), Quilombo (1948)

    ou Senzala (1946) (COHEN, 2008: 119 e 120).Romancini & Lago (2007) citam tambm pesquisa desenvolvida pela

    historiadora Maria Luiza Tucci Carneiro, em que esta faz uma classificao

    caracterizando a imprensa negra brasileira em trs momentos distintos.

    O primeiro vai de 1905 a 1923, e nele publicaes como O Baluarte (1905) eASentinela (1920) possuam um carter scio-recreativo e alimentavam a idia do

    branqueamento como forma de insero do negro na sociedade. O segundoperodo, de 1924 a 1945, caracterizou-se por uma postura mais crtica ereivindicatria, por parte de jornais como A Voz da Raa(1933), Tribuna Negra(1935) e Alvorada (1945). Publicaes como essas denunciaram o preconceito

    racial e defenderam a igualdade de direitos e insero social, poltica eeconmica do negro no Brasil. O ltimo momento, a partir de 1945 at os dias dehoje, mantm o mpeto reivindicatrio, somado a uma reafirmao da raa negraquanto a sua descendncia africana (Carneiro e Kossoy, 2003, 50). A revista

    Raa Brasil (1996), da Editora Smbolo, que tem hoje uma tiragem mensal de 21mil exemplares, expressiva do ltimo perodo. (ROMANCINI & LAGO, 2007:88)

    O Mercado Revisteiro: segmentado por natureza

    Anteriormente ao surgimento da mdia negra, as revistas j marcavam presena.

    E em 1812 apenas quatro anos aps a chegada da Realeza , surge, na Bahia, a

  • 7/23/2019 Historia Da Imprensa Negra

    5/13

    primeira publicao brasileira do gnero, As Variedades ou Ensaios de Literatura,

    revista ligada maonaria.

    As primeiras revistas brasileiras, diferentemente do que presenciamos no

    mercado editorial nos dias de hoje, no se preocupavam em refletir a sociedade,

    caracterizando-se como eruditas e no-noticiosas (A Revista no Brasil, 2000: 18).

    O sculo XX, alm de uma grande expanso do mercado revisteiro, com novos

    ttulos, segmentos e estilos, permite tambm um aprimoramento na qualidade da

    imprensa no apenas no produto oferecido (tipo do papel e qualidade grfica, por

    exemplo), como tambm na prestao do servio (periodicidade menor, maior

    distribuio e alcance).

    As revistas que j haviam se tornado populares no incio do referido sculopassaram assim a fazer parte do dia a dia do brasileiro. Surge, ento, a necessidade de se

    atender pblicos cada vez mais diversificados.

    O novo fenmeno, a segmentao, veio sublinhar outros recortes da sociedade. Afamlia, o homem e o adolescente, por exemplo, ganharam ttulos especficos.Em muitos casos, assistiu-se a um desdobramento maneira de boneca russa,com revistas a gerar revistas, dando ainda mais capilaridade ao formidveluniverso da revista brasileira fruto maduro e sumarento de As Variedades,aquele mao de folhas de papel impresso que o pioneiro Silva Serva pusera venda quase dois sculos antes. (A Revista no Brasil, 2000: 22)

    Revistas so um meio tipicamente segmentado: (...) a segmentao por assunto

    e tipo de pblico faz parte da prpria essncia do veculo (SCALZO, 2008: 14). Mais

    do que uma mera caracterstica, essa a grande vantagem que esse meio possui diante

    dos outros veculos de comunicao.

    Um pas modernizado e industrializado tem uma multiplicidade maior no que

    concerne s publicaes miditicas. Por consequncia, quanto mais rico e mais

    desenvolvido, maior o nmero de publicaes, bem como mais variados sero os

    tamanhos e os tipos de pblico a que se dirige (SCALZO, 2008: 46).

    Curso natural da industrializao e modernizao de uma sociedade, a

    segmentao atinge especificidades dos mais variados tipos de pblico. Se, nos idos do

    sculo XIX, o mximo que se encontrava era uma revista de medicina, um ou outro

    ttulo da iniciante imprensa feminina, duzentos anos depois, a mdia revisteira passou

    por divises que vo, cada vez mais, se afunilando, atingindo uma supersegmentao,

    mas que, em um primeiro momento, dividiu-se em grandes temas: masculinas,

    femininas, medicina, automveis, turismo.

  • 7/23/2019 Historia Da Imprensa Negra

    6/13

    Em A Era das Revistas de Consumo, Corra (2008) explica que essa tcnica

    uma prtica usual dos mercados editoriais americano e europeu. O autor traz uma

    diviso de trs fases, classificando a segmentao das revistas da seguinte forma: na

    primeira fase, esto os grandes ttulos que tomam primeiro os espaos mais importantes,

    os principais segmentos ocupados pelas grandes editoras. Na fase seguinte, surgem as

    publicaes que so derivaes dos grandes ttulos dessa etapa inicial. A teoria dessa

    fase intermediria a de que alguns elementos que compunham a frmula editorial de

    um grande ttulo poderiam interessar a uma quantidade maior de leitores, justificando

    uma publicao apenas sobre aquele assunto/tema. A ltima fase da classificao se d

    quando as revistas da segunda fase geram seus descendentes, surgindo assim uma

    revista especfica, gerada de outra que, por sua vez, j era descendente de uma maior

    (CORRA, 2008: 223-224).

    Desse modo, a segmentao comprovadamente uma estratgia j enraizada no

    mercado brasileiro, que se inspirou nos americanos e europeus. Como evidncia, nota-se

    a acelerao desse mercado, que passou pelos anos 1990 levando s bancas uma

    superlotao de publicaes. No mercado brasileiro falava-se, em 1997, em pelo

    menos 1.130 ttulos diferentes (MIRA, 2001: 213).

    A revista dos negros brasileiros

    Em setembro/1996, quando Raa Brasil foi lanada, deparvamo-nos com um

    mercado editorial sem a presena de um veculo que se dedicasse aos indivduos

    pertencentes a essa etnia.

    Marco Antonio Batista, editor de Agito Geral publicao que chegou ao

    mercado em 1999 e pertencente ao mesmo segmento e estilo que Raa Brasilnos d

    um panorama3 (BATISTA, apud NICOLINI, 2007: 9 e 10) sobre as publicaes

    brasileiras voltadas populao negra, que chegaram ao mercado em perodo posterior ditadura militar no entrando, portanto, nos estudos da imprensa negra paulista,

    realizados por Bastide e Ferrara (apud OLIVEIRA, 2007), em que ambos os

    pesquisadores encerram o perodo estudado em 1963.

    Para Batista, a precursora desse segmento meditico foi bano, que chegou ao

    mercado por volta de 1983, permanecendo por aproximadamente trs anos. Em seguida,

    Pode Cr!, publicao dedicada ao rap. Depois surgiram Swingandoque inicialmente

    3As informaes das publicaes existentes entre o perodo ps-ditadura militar e o lanamento de Raa Brasilforam retiradas,segundo Nicolini (2007), do segundo editorial da revistaAgito Geral.

  • 7/23/2019 Historia Da Imprensa Negra

    7/13

    foi publicada com o ttulo Swing Arte & Ciae Black People; as musicais Cavacoe

    GingaBrasil, alm de Fala Preta publicao do Movimento Negro Geleds, que

    discutia temas referentes sade. A seguir, a j referidaAgito Geral, em que o editorial

    da segunda edio traz as informaes aqui explicitadas. O editor tambm traz nomes de

    jornais e fanzines como Black News, Afroreggae, Dirio da TriboeEnfoque Artstico

    (Idem, ibidem).

    Raa Brasil chega s bancas acompanhada do slogan A revista dos negros

    brasileiros. Com estrondoso sucesso no lanamento, a revista passa por uma

    reimpresso da primeira edio para atender a demanda. E, mesmo no mantendo os

    nmeros elevados da primeira edio os editores, em entrevista4, falam em 265 mil

    exemplares; o Instituto Verificador de Circulao(IVC) aponta uma tiragem de 226,7mil exemplares, com vendagem de pouco mais de 136 mil, qualquer um dos nmeros

    superou as expectativas de uma revista que foi alvo de crticas pessimistas ao tentar

    incluir o negro como pblico da mdia impressa e como consumidor.

    Posteriormente ao lanamento de Raa, aconteceram publicaes como Negro

    100 por Cento, de abril de 1998, com temas como msica, beleza, moda, esporte,

    escolas de samba e religio. Outra revista foi Brio, publicada pela Imprensa Oficial do

    Estado S.A. (Imesp), em parceria com o Conselho de Participao e Desenvolvimentoda Comunidade Negra do Estado de So Paulo, com contedo focado nas polticas

    referentes populao negra, tais como os projetos desenvolvidos em localidades

    carentes. Uma terceira publicao foi a Revista Azzeviche, do Centro de Estudos e

    Cooperao Brasil Continente Africano e Dispora seu contedo era formado por

    assuntos variados, entre eles beleza, intercmbio, esoterismo, eventos e opinies. Etnic

    se direcionava exclusivamente a moda e beleza; e Conquistaera voltada para a mulher

    (NICOLINI, 2007: 10).

    E, se um texto tipicamente heterogneo (POSSENTI, 2009: 47), Raa Brasil

    no foge regra. Em seus 13 anos, trouxe em suas capas personalidades negras de

    sucesso que, por estarem ali estampadas, automaticamente aprovam e promovem a

    publicao. Pea publicitria de um produto jornalstico, a capa objeto de atrao do

    leitor, ela que vende uma publicao.

    4 possvel localizar as afirmativas da tiragem inicial, por parte dos editores, em vrios momentos: em entrevista do primeiro editordeRaa Brasilao Portal Afro; depoimento do mesmo editor publicado nos cadernos Pagu: Raa e Gnero (6-7, p. 249-252); entreoutros.

  • 7/23/2019 Historia Da Imprensa Negra

    8/13

    A capa da revista tambm vinha estampada com osloganA revista dos negros

    brasileiros, que acompanhou a publicao at a edio 36, de agosto de 1999. Assim, a

    partir da edio comemorativa de trs anos (ed.37), a revista passa a assinar apenas

    comoRaa Brasil, no mais explicitando oslogancitado.

    Ao consumir uma revista que se autointitula como A revista dos negros

    brasileiros, a publicao firma um contrato com seus leitores visto que, fazendo

    meno direta a leitores negros, estes, ao lerem a revista, assumem-se como tal

    (SANTOS, 2004: 118).

    Aroldo Macedo, o primeiro editor e idealizador de Raa, juntamente com Joana

    Woo, scia-diretora da editora Smbolo publicadora inicial5da revista , em reunio

    com esta, meses antes do lanamento, sugeriu o nome da revista como (...) Raa,porque tem duplo sentido. Significa energia e, quando um negro quer se referir a outro,

    ele diz da raa e a gente entende de quem se est falando (NICOLAU JR., 2001).

    Apesar da fora do nome Raa, o slogan assumia um carter de reforo do

    posicionamento da publicao em relao a seus leitores. Nas palavras de Santos,

    Embora o nome Raa e as imagens de afrodescendentes tenham fortesignificado, o slogan reforava ainda mais a questo da segmentao tnica darevista, alm do fato incomum de se ter uma publicao de grande repercusso,voltada para o pblico negro. (2004: 160)

    Em entrevista a Furtado, Joana Woo fala sobre o perfil editorial da publicao.

    ARaaBrasil, foi uma das revistas que mais mudou a vida do negro no Brasil, ese voc for falar, 50% da populao do Brasil tem ascendncia negra. Ento, arevista que mudou a maior parte da populao brasileira no era uma revista de

    poltica, era uma revista de moda, beleza, entretenimento, prazer. (FURTADO,2004: 13)

    Para Oliveira, com um discurso universalizante, Raa Brasil(...) abria espao

    para dialogar com a black communitye procurava atingir o negro brasileiro como um

    todo (2007: 15 e 16). Publicao de repercusso e de valorizao desse grupo tnico, a

    revista nesses anos de existncia tratou de quebrar a invisibilidade socialmente

    instaurada aos membros desse grupo.

    Assim, se, em um primeiro momento, os produtos fabricados pela indstria

    cultural eram prerrogativa de poucos, a j citada acelerao dos processos

    comunicacionais, por meio dos progressos tecnolgicos e uma consequente reduo

    de custos, massificou o acesso a esses produtos. Morin discorre sobre esse processo:

    5A partir de julho de 2007 (edio 112),Raa Brasilpassou a ser publicada pela editoraEscala.

  • 7/23/2019 Historia Da Imprensa Negra

    9/13

    (...) as massas populares urbanas e de uma parte do campo tm acesso a novospadres de vida: entram progressivamente no universo do bem-estar, do lazer, doconsumo, que era at ento o das classes burguesas. As transformaesquantitativas (elevao do poder aquisitivo, substituio crescente do trabalho damquina pelo esforo humano, aumento do tempo de lazer) operam uma lentametamorfose qualitativa: os problemas de vida individual, privada, os problemas

    de realizao de uma vida pessoal se colocam, de hoje em diante, com insistncia,no mais apenas no nvel das classes burguesas, mas da nova camada social emdesenvolvimento. (2002: 89)

    Dessa forma, a massificao cultural trouxe transformaes de grande impacto

    nas sociedades de todo o mundo. Foi a partir dela que as minorias puderam criar formas

    de visibilidade social. Fato corroborado por Martn-Barbero:

    Para as classes populares (...), a massificao trouxe mais ganhos do que perdas.(...) A nova cultura, a cultura de massa, comeou sendo uma cultura que no eraapenas dirigida s massas, mas na qual elas encontravam retomadas (...) algumasde suas formas de ver o mundo, senti-lo e express-lo. (2006: 234 e 235)

    Em 1996, ano de lanamento deRaa Brasil, o mercado revisteiro possua forte

    concentrao na regio sudeste, abrangendo 56% de sua distribuio. Existiam, ento,

    17,1 mil bancas, alm de outros 6,8 mil pontos de vendas. A circulao girava em torno

    de 1,13 mil ttulos, que resultavam em 371 milhes de exemplares, gerando um

    consumo de 2,28 exemplar/habitante ao ano (MIRA, 2001: 7).

    Acerca das publicaes destinadas s chamadas minorias sociais, os nmeros de

    tiragem e circulao so geralmente pequenos, principalmente se comparados aos dados

    das semanais de informao ou s femininasgnero que domina o mercado de revistas

    brasileiro. Assim, tais publicaes so inseridas no grupo das segmentadas, visto que

    raramente atingem circulao maior, e so dirigidas a um pblico especfico (MIRA,

    2001: 147).

    Dentro da definio estabelecida por Mira, Raa Brasilse enquadraria no que a

    Associao Nacional dos Editores de Revista (Aner) intitulou como interesse

    especfico, j que voltada a um pblico direcionado, como bem referenciou seuslogandurante os trsprimeiros anos: A revista dos negros brasileiros.

    Em seu lanamento, Raa Brasilera a nica publicao comercial direcionada

    ao leitor negro. Alm disso, diante de mercado editorial to competitivo como o

    brasileiro, importante ressaltar o feito que uma revista permanecer no mercado ao

    longo de treze anos.

    Formadores de uma classe mdia crescente, mas significativa, os negrosconseguiram reverter o ostracismo a que estavam condenados pelo mercado. Dedez anos para c, diversos setores passaram a investir nesse segmento. Olanamento da revistaRaa(editora Smbolo) (...) um sinal desse processo. At

  • 7/23/2019 Historia Da Imprensa Negra

    10/13

    hoje [2004] a nica destinada ao pblico negro. (VANNUCHI, MELO &DUARTE, jan. 2004)

    Raa Brasil, desde o incio, teve como um de seus principais objetivos reverter o

    quadro de invisibilidade social desse grupo tnico. Nas palavras de Sandra Almada,

    colaboradora da publicao,

    Essa revista trouxe uma contribuio crucial para o movimento negro, para ojornalismo e para a imprensa negra. No apenas em termos mercadolgicos, mastambm porque colaborou de forma importante para uma mudana na cultura deimagem, apresentando uma imagem do negro que, de certa forma, desmitifica asimagens tradicionais que ns vamos na mdia, do pagodeiro ou dos nossosexcludos, que compunham as manchetes do noticirio policial. (ALMADA,2002: 52)

    Alm disso, a revista trouxe tambm uma mudana mercadolgica no que

    concerne aos produtos oferecidos aos negros. Se, antes do surgimento da publicao, os

    negros no eram vistos como potenciais consumidores, diante da percepo e da

    divulgao de uma classe mdia negramuito em funo do trabalho desenvolvido em

    Raa Brasil, o mercado passou a se dedicar mais e a lanar produtos voltados a esse

    pblico.

    Os fabricantes e anunciantes ainda no haviam percebido o potencial deconsumo da classe mdia negra, eles eram invisveis, contudo, ao conquistarema visibilidade, eles se distinguem como grupos, tornando-se assim umsegmento com poder de compra e o mercado, interessado nele, oferece produtosespecficos, posio alcanada tambm em funo dos movimentos negros.

    (NICOLINI, 2007: 122)

    Consideraes Finais

    Raa Brasil o maior sucesso miditico desse segmento revisteiro no Brasil. Se

    nos Estados Unidos publicaes direcionadas ao negro atingem patamares acima do

    milho de exemplares/mstal comoEbonyeJet(OBSERVATRIO, 2005), em um

    pas como o nosso, cuja mdia de revistas/ano, em 1996, era pouco maior do que dois

    exemplares por habitante (PANORAMA, 2004/2005), manter-se por mais de uma

    dcada em mercado editorial to acirrado, e ainda dedicar-se a um pblico que at entono era visto como consumidor, extremamente considervel.

    Tudo, na modernidade do mundo atual, gira em torno da visibilidade.

    Aquele que fica excludo, no tem direitos, no tem alcances, no tem conquistas,

    no tem um lugar no espao social em que se encontra. Posto margem, ali

    deixado e estigmatizado diante de seus pares que o consideram tudo, menos um

    igual. Assim, se as mdias possuem um poder de influncia sobre os indivduos, um

  • 7/23/2019 Historia Da Imprensa Negra

    11/13

    poder social, a criao de esteretipos, estigmas e preconceitos, por meio dela, tambm

    passvel de afirmao.

    Uma das caractersticas de grande destaque da publicao o fato de ela ser uma

    publicao comercial, no sendo vinculada a nenhum movimento poltico ou

    Organizao No-Governamental (ONG), como costume das publicaes referentes a

    minorias sociais. Assim, mesmo que no possuidora de um discurso no diretamente

    voltado s causas sociais e polticas do movimento negro, mesmo sendo uma publicao

    que atrai seu pblico com temticas de capa voltadas principalmente s personalidades

    negras de destaque, moda e beleza6, Raa Brasil colaborou intensamente para a quebra

    da invisibilidade social imposta a esse grupo tnico que j perfaz a maioria da

    populao brasileira (SNTESE, 2009), corroborando a afirmativa que abre este artigo,

    de que o fenmeno da cultura de massa foi de extremamente importncia na ampliao

    de espaos sociais dedicados s minorias e na contraestigmatizao dos sofrimentos

    impetrados s mesmas.

    Referncias Bibliogrficas

    Livros

    A Revista no Brasil. So Paulo: Editora Abril, 2000.

    MARTN-BARBERO, Jess. Dos Meios s Mediaes: Comunicao, Cultura eHegemonia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2 ed., 2006.

    MIRA, Maria Celeste. O leitor e a banca de revistas. So Paulo: Olho Dgua /

    FAPESP, 2001.

    MORIN, Edgar. Cultura de massas no sc. XX: neurose. 9 ed. / 2a reimpresso. Rio de

    Janeiro: Forense Universitria, 2002.

    ROMANCINI, Richard & LAGO, Claudia. Histria do Jornalismo no Brasil.

    Florianpolis: Insular, 2007.

    SCALZO, Marlia.Jornalismo de Revista. 3 ed. So Paulo: Editora Contexto, 2008.

    Captulos de Livros

    COHEN, Ilka Stern. Diversificao e segmentao dos impressos. In: MARTINS, Ana

    Luiza; LUCA, Tania Regina de (orgs.). Histria da Imprensa no Brasil. So Paulo,

    Editora Contexto, 2008.

    6Um mapeamento temtico dos treze primeiros anos da publicao (setembro/1996 a dezembro/2009) foi realizado na dissertaode mestrado Raa em Revista: identidade e discurso na mdia negra (RAMOS, 2010). Alm da dissertao, os dados estodisponveis em CD-ROM encartado na dissertao e tambm no sitehttp://www.danielegross.com.br.

    http://www.danielegross.com.br/http://www.danielegross.com.br/http://www.danielegross.com.br/http://www.danielegross.com.br/
  • 7/23/2019 Historia Da Imprensa Negra

    12/13

    CORRA, Thomaz Souto. A era das revistas de consumo. In: MARTINS, Ana Luiza;

    LUCA, Tania Regina de (orgs.). Histria da Imprensa no Brasil. So Paulo, Editora

    Contexto, 2008.

    LUCA, Tania Regina de. Diversificao e segmentao dos impressos. In: MARTINS,

    Ana Luiza; LUCA, Tania Regina de (orgs.). Histria da Imprensa no Brasil. So Paulo:

    Editora Contexto, 2008.

    MARTINS, Ana Luiza & LUCA, Tania Regina de. Introduo: pelos caminhos da

    imprensa no Brasil. In: __________ (orgs.). Histria da Imprensa no Brasil. So Paulo,

    Editora Contexto, 2008.

    MARTINS, Ana Luiza. Imprensa em tempos de Imprio. In: MARTINS, Ana Luiza;

    LUCA, Tania Regina de (orgs.). Histria da Imprensa no Brasil. So Paulo, Editora

    Contexto, 2008.

    MOREL, Marco. Os primeiros passos da palavra imprensa. In: MARTINS, Ana Luiza;

    LUCA, Tania Regina de (orgs.). Histria da Imprensa no Brasil. So Paulo, Editora

    Contexto, 2008.

    POSSENTI, Sirio.Ler embalagens. In: Questes para analistas do discurso. So Paulo:

    Parbola Editorial, 2009.

    Teses & Dissertaes

    NICOLINI, Veridiana Kunzler. Revista Raa Brasil: Negros em Movimento.

    Dissertao de Mestrado. So Paulo: PUC/SP, 2007.

    OLIVEIRA, Lindomar Alves de.Raa, Comunicao e Cultura: A Temtica Racial na

    Revista Raa Brasil. Dissertao de Mestrado. Pontifcia Universidade Catlica de So

    Paulo / PUC-SPSo Paulo, 2007.

    RAMOS, Daniele Gross.Raa em Revista: identidade e discurso na mdia negra. 2010.

    Dissertao (Mestrado em Cincias da Comunicao) Escola de Comunicaes e

    Artes, Universidade de So Paulo. So Paulo, 2010.

    SANTOS, Joo Batista Nascimento dos. O Negro Representado na Revista Raa: a

    estratgia de identidade da mdia tnica. Dissertao de Mestrado. Porto Alegre:

    UFRGS, 2004.

    Artigos online

    OBSERVATRIO DA IMPRENSA. Memria: O pioneiro da mdia negra americana. 16/ago/2005.

    Disponvel em

    Consultada em 13 set. 2007.

    http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=342MEM001http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=342MEM001
  • 7/23/2019 Historia Da Imprensa Negra

    13/13

    Sntese de Indicadores Sociais: uma anlise das condies de vida da populao

    brasileira (2009). Rio de Janeiro: IBGE, 2009. Disponvel em:

    .

    VANNUCHI, Camilo; MELO, Liana; DUARTE, Sara. Cheios de Raa: com maior

    visibilidade na mdia, os negros comemoram resultados importantes na luta contra o

    preconceito. Isto, n. 1789, So Paulo, 21 janeiro 2004. Disponvel em

    .

    Consultado em 29 de mar de 2009.

    Artigos de Peridicos

    ALMADA, Sandra. 10 anos de muita Raa Brasil. Raa Brasil, So Paulo, n. 102, p.

    22-29, setembro 2006.

    FURTADO, Maria Clia.Joana um gnio. Em Revista, So Paulo, n. 6, p. 8-15, maio

    2004.

    NICOLAU JR., Jader. Aroldo Macedo: Energia e audcia para realizar grandes sonhos.

    Portal Afro, 2001.

    Panorama do mercado brasileiro de revistas. Revistas em Nmeros. So Paulo, p. 12-

    30, 2004/2005. Edio Especial.

    http://www.ibge.gov.br/http://www.ibge.gov.br/