História da Maconha no Brasil

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  • 8/9/2019 Histria da Maconha no Brasil

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    Reviso de literatura Literature review

    A histria da maconha no Brasil

    The history of marihuana in Brazil

    Recebido23-11-06Aprovado23-12-06

    Elisaldo Arajo Carlini

    Rua Botucatu, 862 1 andar do ECB Vila Clementino 04023-062 So Paulo-SP Tel.: (55) (11) 2149-0155 Fax: (55) (11) 5084-2793 e-mail: [email protected]

    Elisaldo Arajo Carlini

    Resumo

    A histria da maconha no Brasil tem seu incio com a prpria descoberta dopas. A maconha uma planta extica, ou seja, no natural do Brasil. FoiAngola. O seu uso disseminou-se rapidamente entre os negros escravospopularizao da planta entre intelectuais franceses e mdicos inglesesdo exrcito imperial na ndia, ela passou a ser considerada em nosso meioum excelente medicamento indicado para muitos males. A demonizaoda maconha no Brasil iniciou-se na dcada de 1920 e, na II ConfernciaInternacional do pio, em 1924, em Genebra, o delegado brasileiro Dr.maconha somente se fez constante e enrgica a partir da dcada de 1930,

    possivelmente como resultante da deciso da II Conferncia Internacionaldo pio. O primeiro levantamento domiciliar brasileiro sobre consumovida (lifetime usepoderiam ser acusados e condenados priso por tal ofensa presentelei. No presente, um projeto de lei foi aprovado no Congresso Nacionalpropondo a transformao da pena de recluso por uso/posse de drogas(inclusive maconha) em medidas administrativas.Palavras-chave: maconha, proibio, uso medicinal, delta-9-THC.

    Abstract

    The present study describes of history ofCannabis sativa L. (marihuana)since the arrival in Brazil in the Portuguese discovers, in 1500. During thefollowing centuries Cannabis cultivation was stimulated by the Portuguese Cannabis was also common, mostly during the second part of 19th century,being the Cigarros ndios (Cannabis cigarettes) imported from France,20th century. The repression against Cannabis use reached proportiononly in the 20th century. This probably happened because the Brazilianrepresentatives at the II International Conference on Opium and Coca/CannabisCannabis in that Conference was seeminglyextended up to the 1961 Single Convention of Narcotic Drugs, UnitedNations, in which Cannabis

    and as such was included together with heroine in the Schedule IV of that6.368/1976, the recreational and medical uses of Cannabis productsare prohibited. Such uses are criminal offenses and as such the usersmay face prison penalties. However a new law is under discussion in themarihuana (and other drugs) is no longer a criminal offense and will besubject to administrative sanctions.Key words: marihuana, forbidding, medicinal use, delta-9-THC.

    de So Paulo (UNIFESP) (Carlini EA)

    So Paulo: CEBRID, 2005.

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    J Bras Psiquiatr, 55(4): 314-317, 2006 315

    Introduo

    -te ligada planta Cannabis sativa L., desde a chegada novaterra das primeiras caravelas portuguesas em 1500. No s as

    -Figura 1.

    conforme tambm atestam dois outros autores brasileiros:

    -

    No sculo XVIII passou a ser preocupao da Coroada Cannabis:

    ao Capito General e Governador da Capitania de So Paulo

    Com o passar dos anos o uso no-mdico da planta sedisseminou entre os negros escravos, atingindo tambm os ndios -co se cuidava ento desse uso, dado estar mais restrito s camadassocioeconmicas menos favorecidas, no chamando a ateno daclasse dominante branca. Exceo a isso talvez fosse a alegao dech de maconha.

    hedonsticos da maconha, principalmente aps a divulgao dos

    -garrilhas Grimault) na asthma, na tsica laryngea, e em todas (...)

    -noviz, 1888).

    no Brasil, pois ainda em 1905 era publicada em nosso meio apropaganda (Figura 2

    Na dcada de 1930, a maconha continuou a ser citada -cos. Por exemplo, Arajo e Lucas (1930) enumeram as proprie-dades teraputicas do extrato fluido da Cannabis:

    - -tados, franco delrio e allucinaes. empregado nas dyspepsias

    Segundo documento oficial do governo brasileiro (Mi-nistrio das Relaes Exteriores, 1959):

    de 1549, pelos negros escravos, como alude Pedro Corra, e

    seria a primeira descrio em portugus dos efeitos da planta,conhecida na poca pelo nome de bangue. De fato, em um livro

    descrevem efeitos tanto de euforia e boa viagem como o bode

    tiro he estar fora de si, como enlevados sem nenhum cuidado e

    uma talhada ou duas deste letuario, e de noite esteve bebedo

    Figura 1. Anagrama com a palavra maconha

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    uso da maconha ganhou fora no Brasil. Possivelmente essaintensificao das medidas policiais surgiu, pelo menos emparte, devido postura do delegado brasileiro na II ConfernciaInternacional do pio, realizada em 1924, em Genebra, pelaantiga Liga das Naes. Constava da agenda dessa confern-cia discusso apenas sobre o pio e a coca. E, obviamente, osdelegados dos mais de 40 pases participantes no estavampreparados para discutir a maconha. No entanto o nosso re-presentante esforou-se, junto com o delegado egpcio, parainclu-la tambm:

    no one challenged these statements, possibly because both werespeaking on behalf of countries where haschich use was endemic

    Essa participao do Brasil na condenao da maconha confirmada em uma publicao cientfica brasileira (Lucena,1934):

    -ventores, consumidores ou contrabandistas de txico. Aludimos Lei noNo Congresso do pio, da Liga das Naes Pernambuco Filho

    e Gotuzzo conseguiram a proibio da venda de maconha (grifonosso). Partindo da deve-se comear por dar cumprimentoaos dispositivos do referido Decreto nos casos especiais dos

    Entretanto essa opinio emitida em 1924 pelo Dr. Per-nambuco em Genebra de muito estranhar, pois, de acordocom documento oficial do governo brasileiro (Ministrio deRelaes Exteriores, 1959), esse mdico:

    Peres, entre outros, essa dependncia de ordem fsica nuncas referncia de morte em pessoa submetida privao do

    privao (sevrage), to bem descrita nos viciados pela morfina,

    -

    O incio dessa fase repressiva no Brasil, na dcada de

    no sentido de uma luta sem trguas contra os fumadores demaconha. No Rio de Janeiro, em Pernambuco, Maranho,Piauhy, Alagoas e mais recentemente Bahia, a represso se

    Em 1940, a Polcia Bahiana (...) detia alguns indiv-maconha.

    Mais recentemente, com permanncia entre ns detropas da marinha norte-americana, surgiram alguns de nossosremanescentes viciados e procuraram (...) colher lucros (...)serena (...) altamente eficiente dos homens do Shore Patrol

    Esta postura repressiva permaneceu durante dcadasno Brasil, tendo para isso o apoio da Conveno nica deEntorpecentes, da Organizao das Naes Unidas (ONU), de -veno ainda considera a maconha uma droga extremamenteprejudicial sade e coletividade, comparando-a heronae colocando-a em duas listas condenatrias.

    -

    o por particulares da maconha, em todo territrio nacional,ocorreu em 25/11/1938 pelo Decreto-Lei no 891 do Governo

    um erro. A Lei no -

    por sanses administrativas

    votado no Senado.Essa maldio sobre a maconha tem reflexos negativos

    9-tetraidro-9-THC), o princpio ativo da maconha, tem efeito9-nol). Mas, apesar de esses fatos estarem relatados em revistascientficas internacionais srias, por respeitados grupos de

    o simpsio Tetraidrocannabinol como medicamento?, com a

    Figura 2. Propaganda dos cigarros Grimault

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    presena do ministro da Sade e do presidente do ConselhoFederal de Entorpecentes (CONFEN), promovido e realizadono Ministrio da Sade, os mdicos presentes revelaram sriasreservas ao derivado de maconha.

    Por outro lado, a epidemiologia de uso da maconha

    um enfrentamento franco e decisivo. Assim, o consumo daplanta entre estudantes vem aumentando (Galduroz et al.,vivem em situao de rua (Noto et al., 1998). O I LevantamentoDomiciliar sobre Consumo de Drogas no Brasil (Carlini et al.,de pessoas.

    dos ltimos 15 anos, o nmero de pessoas internadas porintoxicao aguda ou por dependncia de maconha (Noto etal., 2002) no ultrapassou 300 por ano no trinio 1997-1999.de 119.906 internaes no mesmo trinio.

    -cionar o editorial do Jornal Brasileiro de Psiquiatria publicado

    pesadas e simples fumantes de maconha tem resultadosaltamente inconvenientes do ponto de vista social. Se osestabelecimentos especiais viessem a ser construdos parairamos ressuscitar o famoso dilema do Simo Bacamarte deMachado de Assis. Talvez fosse melhor internar a populao

    sadia para defend-la dos supostos perigos dos cada vez maisnumerosos adictos de maconha.O perigo maior do uso da maconha expor os jovens a

    -cinco anos de uso continuado de maconha.

    Finalmente, em 1987, a Associao Brasileira de

    vezes vtima. Revista ABP/APAL, 1987):

    -sob a gide deste momento Constituinte, este polmico tema

    O problema das drogas em nosso pas tem sofrido umjulgamento apaixonado, permeado por atitudes moralistas eum tratamento policial.

    O prprio tratamento compulsrio dos dependentes deserve muitas vezes de artifcio para beneficiar apenas os maise da recuperao dos drogados deve estar integrada rede decuidados gerais sade e ao bem-estar social.

    e incluir mandantes e financiadores, aplicando a estes penas deo confisco de bens pessoais.

    Finalmente, deve-se considerar com seriedade a neces-sidade de se promover a descriminalizao do uso da maconha,liberao da droga. Esta medida ampliaria as possibilidades

    sua dupla penalizao: a pena social de ser um drogado e apena legal por ser um drogado, esta ltima muitas vezes mais

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