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Psicologia, 1º ano (2007/08) Aula nº 01 1 1 História da Psicologia História da Psicologia Psicologia, 1º ano Psicologia, 1º ano (2009/2010) (2009/2010) Aula nº 02 Que história? Que Psicologias? A história da Psicologia na história do Homem O nascimento da Psicologia Moderna – antecedentes próximos e longínquos 2 a) a) A história da Psicologia na A história da Psicologia na história do Homem história do Homem 3 História da Vida As quatro grandes etapas da evolução da vida: 1) origem da vida; 2) primeira estrutura celular complexa; 3) primeiros organismos multicelulares; 4) origem da consciência. Baseado em: Lumdsen, C. e Wilson, E: O. (1987). O fogo de Prometeu - reflexões sobre a origem do espírito. Lisboa: Gradiva. A Psicologia – enquanto ciência da vida consciente – dedica-se ao estudo dos fenómenos que surgem nesta última fase da evolução. 4 6 000 000 anos aC 4 000 000 anos aC 2 000 000 anos aC 0 Australopitecos Homo habilis (500 cm3) Homo erectus (825 cm3) História do Homem Há 6 000 000 anos atrás... Australopitecos: género de hominídeos que terão dado origem ao género Homo. Tinham posição vertical e o seu mais conhecido representante é Lucy. 5 Uma visão especulativa do mundo do mais antigo “verdadeiro homem”, o Homo habilis Homo habilis Primeiros instrumentos artificialmente construídos (seixos lascados); colecta de vegetais e captura de pequenos animais; capacidade craniana de 500 cm 3 . 6 O mundo do Homo erectus, a espécie intermédia entre o H. habilis e o homem moderno (uma reconstrução especulativa) Homo erectus Migrações para a Europa e Ásia; bifaces que manifestam sentido de simetria e estética; capacidade craniana de 825 cm 3 .

História da Psicologia - w3.ualg.ptw3.ualg.pt/~lfaisca/História Psicologia/HSP T02.pdf · História da Vida As quatro grandes ... Será a Psicologia tão velha quanto a espécie

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Psicologia, 1º ano (2007/08) Aula nº 01

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História da PsicologiaHistória da PsicologiaPsicologia, 1º anoPsicologia, 1º ano

(2009/2010)(2009/2010)

Aula nº 02Que história? Que Psicologias?A história da Psicologia na história do HomemO nascimento da Psicologia Moderna –

antecedentes próximos e longínquos

2

a)a) A história da Psicologia na A história da Psicologia na história do Homemhistória do Homem

3

História da VidaAs quatro grandes etapas da evolução da vida:1) origem da vida;2) primeira estrutura celular complexa;3) primeiros organismos multicelulares;4) origem da consciência.

Baseado em: Lumdsen, C. e Wilson, E: O. (1987). O fogo de Prometeu - reflexões sobre a origem do espírito. Lisboa: Gradiva.

A Psicologia – enquanto ciência da vida consciente – dedica-se ao estudo dos fenómenos que surgem nesta última fase da evolução.

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6 000 000anos aC

4 000 000anos aC

2 000 000anos aC

0

Australopitecos Homo habilis(500 cm3)

Homo erectus

(825 cm3)

História do HomemHá 6 000 000 anos atrás...

Australopitecos: género de hominídeos que terão dado origem ao género Homo. Tinham posição vertical e o seu mais conhecido representante é Lucy.

5Uma visão especulativa do mundo do mais antigo “verdadeiro homem”, o Homo habilis

Homo habilis

Primeiros instrumentos artificialmente construídos (seixos lascados); colecta de vegetais e captura de pequenos animais; capacidade craniana de 500 cm3.

6O mundo do Homo erectus, a espécie intermédia entre o H. habilis e o homem moderno (uma reconstrução especulativa)

Homo erectus

Migrações para a Europa e Ásia; bifaces que manifestam sentido de simetria e estética; capacidade craniana de 825 cm3.

Psicologia, 1º ano (2007/08) Aula nº 01

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6 000 000anos aC

4 000 000anos aC

2 000 000anos aC

0

Homo habilis(500 cm3)

Homo erectus

(825 cm3)

Últimos 100 000 anosHomo sapiens(1500 cm3)

História do HomemDomínio do fogo (400 000 aC)

Caça organizada(300 000 aC)

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100 000anos aC

80 000anos aC

60 000anos aC

40 000anos aC

20 000anos aC

0

Paleolítico Médio

Paleolítico Superior

Últimos 10 000 anosNeolítico

Agricultura,Domesticação de animais,Sedentarização, Cerâmica

Primeiras sepulturas

Arte figurativa(pinturas murais,

estatuetas)

Chegada àAmérica

Paleolítico médio e superiorHá 100 000 anos...

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O mundo da espécie humana actual, Homo sapiens, com uma grande série de

instrumentos e uma cultura largamente aumentada; arte

figurativa (Vénus de Willendorf e pinturas

murais).

Homo sapiens

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Vénus de Willendorf(Áustria, 25,000 -20,000; 11.1 cm)

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10 000anos aC

8 000anos aC

6 000anos aC

4 000anos aC

2 000anos aC

0

Últimos 3 000 anosCultura ocidental

Primeiras cidades(Suméria)

Escrita

Pirâmides

2 000anos dC

Cobre Bronze Ferro

Êxodo Alfabeto

Cidades gregas(800 aC)

Idades

NeolíticoHá 10 000 anos...

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Representação da alma como ave na cultura egípcia

Psicologia, 1º ano (2007/08) Aula nº 01

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1 000anos aC

500anos aC

0 500anos dC

1 000anos aC

1 500anos dC

Últimos 500 anosIdade Moderna

Primeiras cidades gregas

(800 aC)

Herodotus: experiência de

Psamtik I(650 aC)

Homero: Ilíada e Odisseia(750 aC)

Primeira data histórica(28 de Maio de 545 aC)“Conhece-te a ti mesmo”

(Thales de Mileto?)

Cultura atenesiense e

helénica

Hipócrates(460-377 aC)Aristóteles

(384-322 aC)

Fim da Idade Média (1453)

Idade Média

São Tomás de Aquino

(1225-1274)

Sto Agostinho(354-430)

Início da Idade Média (476)

2 000anos dC

Cultura ocidentalHá 3 000 anos...

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Psamtik IUma “experiência” pioneira sobre a origem da linguagem

No seu livro O historiador grego Herodotus relata que Psamtik I estava interessado em saber qual seria o povo mais antigo da Terra. Para isso, conduziu uma experiência com duas crianças recém-nascidas que entregou a um pastor, com a instrução de cuidar deles entre as suas

cabras mas sem nunca lhes dirigir palavra.A hipótese era que a primeira palavra que as crianças

dissessem seria expressa na língua original da humanidade, descobrindo-se assim aqual o povo mais antigo.

Quando uma das crianças gritou "bekos” estendendo os braços, o pastor concluiu que se tratava de uma palavra da língua frígia (povo que vivia na zona da actual Turquia), pois

correspondia à palavra “pão”. Assim, concluiu-se que o frígio era a língua original da humanidade.

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Representação da psyche na cultura grega

Para a cultura grega anterior a Platão, a psyche é a força vital que abandona o corpo quando se morre (Homero).

Para Platão (429 aC – 347 aC), a psyche possui funções para além das associadas à vida: a psyche seria também responsável por processos que hoje atribuímos à mente

(percepção, desejar, acreditar...).

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Aristóteles (384 aC – 322 aC)

Ao contrário do seu mestre Platão, Aristóteles insistia que a forma (a essência, as

características imutáveis de um objecto) e matéria (o substrato comum a todas as coisas) existem sempre em simultâneo. A alma seria uma espécie de “funcionamento do corpo,

organizando-o de forma a que ele possa realizar as funções vitais".

A alma é a causa formal, eficiente e final da existência desse organismo. Apenas a sua causa material reside exclusivamente no corpo (ver teoria da causalidade de Aristóteles). Assim, todas as acções e comportamentos de um organismo se explicam em termos das funções da sua alma.O tratado de Aristóteles sobre a alma oferece explicações para as funções de todos os seres vivos.

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Tratado aristotélico sobre a alma (Peri psyches)

Cada ser animado é uma coisa viva que pode mover-se apenas por ter alma - plantas, animais e seres humanos são semelhantes na medida em que têm alma.

A alma incluí três funções: alma nutritiva, alma sensitiva e alma racional.

Todas as criaturas têm uma alma nutritiva que origina e guia as suas funções mais básicas (absorção de alimento, crescimento e reprodução...).Todos os animais têm também uma alma sensitiva, através da qual eles percebem as características do seu meio ambiente e reagem em função dos estímulos que esse meio fornece.Para além das duas componentes anteriores, os seres humanos possuem uma alma racional, que lhes permite o pensamento.

Cada ser vivo tem apenas uma alma, mas que difere no grau em quepossui as funções nutritivas, sensitivas e racionais.

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Representação da alma numa gravura da Idade Média

Psicologia, 1º ano (2007/08) Aula nº 01

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1500 1600 1700 1800 1900 2000

Fim da Idade Média(1453)

Criação do neologismo “Psicologia”(ca. 1520)

Copérnico

(1543)Galileu(1610)

Harvey(1623)

Newton(1687)

Darwin(1859)

Einstein(1905)

Wundt(1879)

Formação da APA(1892)

Freud(1900)

Piaget(1923)

Watson(1919)

Miller(1957)

Descartes(1637) Kant

(1781)

Lavoisier(1784)

Últimos 120 anosPsicologia Moderna

Idade Moderna

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Actualidade

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1875 1900 1925 1950 1975 2000

Mil

hare

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nd

exad

os

Wundt

Freud Piaget

WatsonSkinner

Miller

ChomskyAPA

(26 membros)

W. James

2ª Guerra Mundial

Crescimento da Psicologia nos últimos 120 anosProdução anual em revistas da especialidade

21

Será a Psicologia tão velha quanto a espécie humana?

Porque surgiu tão tardiamente como disciplina científica?

O domínio de estudo da Psicologia tem uma história tão longa e é tão vasto que seria impossível fazer uma História da

Psicologia, pois implicaria...

... estudar as religiões (das mais primitivas – animistas e totemistas – às mais sofisticadas – as monoteistas e as

budistas);

... estudar as correntes filosóficas que tratam da alma e do ser humano.

... as perspectivas médicas.

22

Delimitação...

Centrarmo-nos numa Psicologia derivada da corrente de pensamento europeu e restrita à Psicologia moderna, denominada Psicologia científica, aquela que nasceu no século XIX.

Ficam de parte a psicologias pré-científica e as psicologias orientais (nomeadamente as de tradição budista), que só recentemente estão a receber um olhar atento dos cientistas, sobretudo aqueles que

tornam a interessar-se pelo problema da consciência.

23

b)b) A origem no nome PsicologiaA origem no nome Psicologia

24Consultar: http://psychclassics.yorku.ca/Krstic/marulic.htm

Quando surgiu o termo Psicologia?

Embora de origem grega, é um neologismo.

Existem três potenciais autores deste neologismo:Otto CasmannRudolf Göckel

Filip Melanchton

Aristóteles (384-322 aC)

“περι ψσνκησ” (“Da Alma”)

Psicologia, 1º ano (2007/08) Aula nº 01

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25

Otto Casmann(1562-1607)Religioso protestante e filósofo (Alemanha)

"Psychologia Antrophologica, sive animae humanae

doctrina" (1594)(Ciência e conhecimento da

alma)

No entanto, antes desta data....

26

Rudolf Göckel (1547-1628)Académico em Marburgo (Alemanha)

"ψυχολογια hoc est, de hominis perfectione" (1590)(Psicologia sobre o aperfeiçoamento do homem)Obra impressa mais antiga que contém o termo

PSICOLOGIA

"De praecipuis materriispsychologicis" (1596)

Colecção de ensaios de diferentes autores sobre a

natureza humana

No entanto, antes de 1590....

27

Johannes Thomas Freigius (1543-1583)Filósofo alemão (Freiburg, Alemanha)

A palavra PSICOLOGIA aparece em "Ciceroniannus" (1575), num texto denominado

Catálogo de Lugares Comuns.Aparece também em "Quaestiones Physicae" (1579), ensaio latino sobre a alma humana.

No entanto, antes de 1575....

28

Filip Melanchton (1497-1560)Reformista protestante"De anima " (ca 1540)

(“Da Alma” – tratado por onde estudaram diversas gerações de filósofos e

teólogos protestantes e que apresenta as condições físicas e psíquicas do homem,

segundo os autores clássicos).

Durante muitos anos considerou-se ser este o documento mais antigo em que surgia palavra

PSICOLOGIA

No entanto, antes de 1540....

29

Marko Marulić (1450-1524)Humanista croata

"Psichiologia de ratione animæ humanæ" (ca 1524)(Psicologia, tratado da alma humana)

Registo escrito mais antigo em que as palavras “psyche” e “logos” se unem para formar o nome do estudo da alma. 30

Em resumo…

Embora o registo documental mais antigo indique que Marko Marulic utilizou o termo Psicologia em 1524, não se pode garantir que este autor não o tenha

utilizado antes desta data.Por outro lado, não há igualmente garantia de ter sido ele o seu criador: o neologismo Psicologia poderia circular já entre outros autores, de forma informal, ou ter sido em utilizado em obras anteriores mas

actualmente desaparecidas.

Psicologia, 1º ano (2007/08) Aula nº 01

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c)c) Antecedentes próximos da Antecedentes próximos da Psicologia ModernaPsicologia Moderna

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René Descartes (1596-1650)

Considerado o “pai” da Filosofia Moderna, entra em ruptura com a filosofia tradicional e vai definir um

programa de questionamento psicológico.

33

René Descartes (1596-1650)

Zeitgeist

A metáfora do relógio domina o pensamento nos séculos XVII, XVIII e XIX: o Universo é um grande mecanismo

que funciona como um relógio; os fenómenos naturais podem ser explicados mecanicamente (leis de Kepler sobre as

órbitas planetárias, publicadas em Harmonices Mundo, 1616). Harvey descreve

a circulação sanguínea (1628)

34

René Descartes (1596-1650)

Consequências epistemológicas

Determinismo: cada fenómeno é determinado por acontecimentos anteriores; se o Universo é regular

como um relógio, basta conhecer as regras de funcionamento para prever o futuro a partir do

conhecimento do passado.

Reducionismo: se o Universo é um relógio, então pode ser compreendido pela análise dos seus componentes

mais básicos (roldanas, molas, etc…).

35

René Descartes (1596-1650)

Será o homem uma excepção a este universo mecanizado?

Máquina de calcular (Blaise Pascal, 1642 )

Pato mecânico(Jacques de Vaucanson , 1739 )

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Jogador de xadrez(Wolfgang von Kempelen, 1770 )

Tear mecânico(Josep-Marie Jacquard, 1804)

René Descartes (1596-1650)

Psicologia, 1º ano (2007/08) Aula nº 01

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René Descartes (1596-1650)

Zeitgeist (cont.)

O início do capitalismo; a divulgação das correntes protestantes põe em causa os dogmas do

catolicismo.A Filosofia deixa de estar na dependência da

Teologia e põe de lado os assuntos religiosos. Em lugar de se questionar sobre as virtudes da alma, procura responder a novas perguntas sobre a

mente humana:

Qual a origem do conhecimento? Como se transformam as sensações físicas em sensações

mentais? A percepção dá-nos uma imagem fiável da realidade? As pessoas agem de livre vontade ou as

suas acções dependem de causas externas? 38

O racionalismo cartesiano

Sonho de Descartes aos 23 anos:

Aplicar os princípios matemáticos a todas as ciências, para produzir conhecimento certo.

Pode-se ignorar as diferentes filosofias antigas e usar o rigor lógico-matemático para

chegar a certezas filosóficas – método racionalista. Este percurso intelectual éproposto na obra Discurso do Método.

René Descartes (1596-1650)

39

“Enfim, considerando que todos os mesmos pensamentos que temos enquanto acordados nos podem, também, surgir quando dormimos, sem que neste caso haja algum que seja verdadeiro, resolvi-me a fingir que as coisas que até então me haviam entrado no espírito não eram mais verdadeiras do

que as ilusões dos meus sonhos. Mas logo de seguida me dei conta de que, enquanto assim queria pensar que tudo era falso, se impunha necessariamente que eu, que o pensava, fosse alguma coisa. E notando que esta verdade: eu penso, logo existo, era tão firme e tão segura que as mais extravagantes suposições dos cépticos não eram capazes de a abalar, julguei que a podia receber sem escrúpulo como primeiro princípio

da filosofia que eu procurava.”(Discurso do Método, 1637)

René Descartes (1596-1650)

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Em duas obras importantes, Descartes foca o problema da alma humana,

definindo assim um quadro conceptual para estudar a mente:

De homine (1641)

Les Passions de l’Âme (1649)

René Descartes (1596-1650)

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O problema da mente e do corpo

Duas entidades, de natureza distinta? (DUALISMO – perspectiva correntemente aceite na época, com raízes históricas e

religiosas muito fortes).Se corpo e alma são duas entidades com natureza distinta, como se influenciam?

René Descartes (1596-1650)

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“O Homem é composto de uma alma e de um corpo. Primeiro, irei descrever o corpo

em si; depois, a alma; finalemnte, mostrarei como estas duas naturezas se

reúnem de forma a constituir o Homem que nos é semelhante.”

René Descartes (1596-1650)

Psicologia, 1º ano (2007/08) Aula nº 01

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O dualismo cartesiano

Antes de Descartes: Alma → Corpo(para a filosofia escolástica, a alma era

responsável pela percepção, pelas motivações, pelo movimento, pelo

batimento cardíaco, etc.)

Depois de Descartes: Alma ↔ Corpo(a alma influencia o corpo mas este

também influencia a alma; para Descartes, o corpo possui funções que antigamente se

atribuíam à alma)

René Descartes (1596-1650)

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Res extensa

(o problema do Teatro Cartesiano)

Res cogitans

Corpo (res extensa): material, ocupa espaço, obedece às leis da mecânica, pode executar movimentos sem interferência da alma (arco reflexo)

Mente (res cogitans): imaterial, não ocupa

espaço, tem a função de pensar. A consciência é um

conjunto de sensações projectadas na mente e o

“ego” pode examiná-las calmamente.

René Descartes (1596-1650)

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Para Descartes, existem dois tipos de acção:

Acções involuntárias, que ocorrem em resposta a estímulos externos e que dependem apenas do corpo

(arco reflexo)Acções voluntárias, que derivam de decisões

conscientes para agir.

Apenas os seres humanos têm mente, apenas os seres humanos são capazes de acções voluntárias. Os animais só podem agir involuntariamente, sob o

comando do corpo, uma vez que não têm alma.

René Descartes (1596-1650)

46

Como interagem corpo e alma? Como pode um pensamento fazer mover o braço, se as duas coisas

têm natureza distinta?A ligação entre alma e corpo faz-se na glândula pineal, estrutura situada na base do cérebro.

René Descartes (1596-1650)

Segundo Descartes, a glândula pineal (H) encontrava-se suspensa no meio dos ventrículos cerebrais (Descartes 1664, p. 63).

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René Descartes (1596-1650)

“My view is that this gland is the principal seat of thesoul, and the place in which all our thoughts are formed. The reason I believe this is that I cannot find any partof the brain, except this, which is not double. Since wesee only one thing with two eyes, and hear only one voicewith two ears, and in short have never more than onethought at a time, it must necessarily be the case thatthe impressions which enter by the two eyes or by thetwo ears, and so on, unite with each other in some partof the body before being considered by the soul. Now itis impossible to find any such place in the whole headexcept this gland; moreover it is situated in the mostsuitable possible place for this purpose, in the middle ofall the concavities; and it is supported and surrounded bythe little branches of the carotid arteries which bringthe spirits into the brain” (29 January 1640)

Consultar em http://www.seop.leeds.ac.uk/entries/pineal-gland/index.html

48

René Descartes (1596-1650)

Na descrição que Descartes faz do papel da glândula pineal, a noção crucial refere-se à forma como o espírito animal flúi desta glândula. Ele explicava a percepção da seguinte forma. Os nervos são tubos ocos cheios de espírito animal; contém também pequenas fibras ou fios que se estendem de um extremo ao outro no nervo. Estas fibras conectam os órgãos dos sentidos a pequenas válvulas situadas nas paredes dos ventrículos do cérebro. Quando os órgãos sensoriais são estimulados, as suas componentes são postas em movimento; estas componentes repuxam então as pequenas fibras contidas nos nervos que, por sua vez, fazem com que as válvulas ligadas às fibras nervosas se abram, libertando algum do espírito animal contido sob pressão nos ventrículos cerebrais. Este movimento de fluidos sob pressão vai produzir uma imagem do estímulo sensorial nas paredes da glândula pineal. É esta imagem que causa a percepção sensorial de brancura, de cócegas, de dor, etc. “Não são as figuras que estimulam e impressionam os órgãos dos sentidos que devem ser consideradas ideias mais sim estas figuras traçadas pelo espírito animal na superfície da glândula pineal, onde se localiza a imaginação e o senso-comum. Ou seja, são apenas estas últimas figuras que constituem as formas e imagens que a nossa alma racional considerará directamente quando imagina um objecto ou opercepciona através dos sentidos.”

Consultar em http://www.seop.leeds.ac.uk/entries/pineal-gland/index.html

Psicologia, 1º ano (2007/08) Aula nº 01

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49

René Descartes (1596-1650)

Repercussão das ideias de Descartes no desenvolvimento da Psicologia

Moderna

1 – Quadro conceptual para o estudo da mente: a atenção do filósofo deve

centrar-se na mente e nas operações mentais e não na alma e suas virtudes.

50

René Descartes (1596-1650)

2 – O método de investigação da mente deixa de ser a reflexão metafísica e a dedução e passa a ser a observação directa (dos fenómenos mentais) e a

indução (influência da proposta científica de Galileu)*

* A mente a observar-se a si própria levanta a questão mais tarde baptizada como “o problema do teatro cartesiano” ou “série infinita de homúnculos”.

51

René Descartes (1596-1650)

3 – Delimitação das funções da alma e explicação fisiológica do corpo; muitas das funções anteriormente atribuídas àalma são atribuídas por Descartes ao

corpo, passando a ter explicação fisiológica *.

* Mais tarde esta tentativa de explicação fisiológica estendeu-se também aos processos mentais, na tentativa

de reduzir as funções da alma às funções do corpo. 52

René Descartes (1596-1650)

4 – Doutrina das ideias: distinção entre conteúdos mentais inatos e adquiridos *.

* Ideias inatas (Deus, eu, triângulo, infinito) versus ideias derivadas da experiência.

53

René Descartes (1596-1650)

No seguimento da filosofia de Descartes, surgem duas abordagens que são os antecedentes próximos da Psicologia

Moderna

Mente →→→→ abordagem filosófica

As correntes filosóficas no seguimento de Descartes preocuparam-se em explorar os conteúdos e processos mentais.A questão “inatismo versusempirismo” foi uma das mais debatidas (Locke, Berkley, Hume, Kant).

54

René Descartes (1596-1650)

Corpo →→→→ abordagem fisiológica

A Fisiologia é o ramo da Biologia dedicado ao estudo do funcionamento dos organismos vivos. A Fisiologia estuda os mecanismos envolvidos nas funções corpóreas (digestão, circulação, excreção, etc). Em meados do século XIX, começou a haver interesse em conhecer os mecanismos fisiológicos subjacentes aos fenómenos mentais (fisiologia do sistema nervoso).

Psicologia, 1º ano (2007/08) Aula nº 01

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55

Contributos da Filosofia para o desenvolvimento da Psicologia moderna

David Hume (1711-1776)Filósofo inglês.Insatisfeito com as propostas cartesianas (razão como instrumento que garante a verdade), considera que não se pode garantir a certeza do conhecimento; os conteúdos mentais resultam das experiências sensoriais →British empiricism.

56

“But though our thought seems to possess this unbounded liberty, we shall find, upon a nearer examination, that it is really confined within very narrow limits, and that all this creative power of the mind amounts to no more than the faculty of compounding, transposing, augmenting, or diminishing the materials afforded us by the senses and experience. When we think of a golden mountain, we only join two consistent ideas, gold, and mountain, with which we were formerly acquainted. A virtuous horse we can conceive; because, from our own feeling, we can conceive virtue; and this we may unite to the figure and shape of a horse, which is an animal familiar to us. In short, all the materials of thinking are derived either from our outward or inward sentiment: The mixture and composition of these belongs alone to the mind and will. “

In An Enquiry Concerning Human Understanding (1748)

57

Tipos de ideias:a) Ideias simples (resultantes directamente das percepção; não podem ser falsas);

b) Ideias complexas (combinação de ideias simples e podem não corresponder à realidade)

Leis de associação, que permitem a geração de ideias complexas:

a) Lei da semelhança – é mais fácil associar ideias que sejam semelhantes;

b) Lei da contiguidade – é mais fácil associar ideias que tenham relações de contiguidade temporal;

c) Lei da causa e do efeito – é mais fácil associar ideias que estabeleçam entre si uma relação de causalidade.

58

Immanuel Kant (1774-1842)Filósofo alemão.Reage à filosofia de Hume e de Descartes, defendendo que nem o racionalismo nem, o empiricismo são suficientes para explicar a natureza do conhecimento.Kant considera que existem duas fontes de conhecimento:

Conhecimentos a posteriori

Conhecimentos a priori (exemplos de categorias a priori: unidade, tempo, espaço, causa-efeito)

O conhecimento envolve a participação activa da mente.

59

Kant apontava duas razões para a impossibilidade da Psicologia se tornar uma ciência empírica:

a) os processos psicológicos só variam no tempo, pelo que não podem ser matematicamente descritos;

b) os processos psicológicos são internos e subjectivos, pelo que não podem ser sujeitos a medição.

Herbart (1776-1841), aluno de Kant, veio defender que os processos psicológicos variavam no tempo e em intensidade. A Psicofísica de Fechner (1801-1887) definiu um conjunto de técnicas para avaliar fenómenos psicológicos.

60

Contributos da Fisiologia para o desenvolvimento da Psicologia moderna

Charles Bell (1774-1842)Médico escocêsDistinguiu entre nervos sensoriais e nervos motores ("Idea of a New Anatomy ofthe Brain“, 1811).

Psicologia, 1º ano (2007/08) Aula nº 01

11

61

Jan Evangelista Purkyne (1787-1869)Médico checoExplorou experimentalmente as consequências psicológicas diversas condições de estimulação visual.Desenvolvimento do método experimental em Fisiologia e nos estudo da sensação.

Ernst Heinrich Weber (1795-1878)Estudo das sensações e Lei de Weber (diferença detectável mínima entre duas sensações);

mudanças fisiológicas nem sempre provocam mudanças psicológicas.

62

Johannes Müller (1801-1858)Médico alemão

Energias nervosas específicas (1826).Defendia que a mente não estava

consciente dos objectos reais do mundo mas sim de estados do sistema nervoso; o sistema nervoso era o intermediário entre o mundo e a mente, impondo assim a sua

natureza aos processos mentais.

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Gustav Theodor Fechner (1801-1887)Médico alemãoCriou a ciência da ligação ente a mente e o corpo, a Psicofísica (“Elemente der Psychophysik, 1860).Lei de Fechner.

Acreditava que mente e matéria eram simplesmente duas formas de conceber a mesma realidade.

Embora a mensagem teórica de Fechner não tivesse grande

impacto, as suas metodologias instauraram o início da Psicologia Experimental, pois mostrou que os fenómenos mentais podiam ser

medidos com precisão e em relação a acontecimentos físicos.

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Hermann Ludwig Ferdinand vonHelmholtz (1821-1894)

Médico alemão.Opositor dos vitalistas, que afirmavam existir forças não físicas imperceptíveis

para os sentidos.Teoria da percepção da cor. Estimou a

velocidade do impulso nervoso.

“A sensação é a captação do estímulo enquanto a percepção compõe-se da

sensação mais experiência”.

Teoria das inferências inconscientes A percepção é um processo cognitivo muito mais complexo que a sensação pois implica inferências inconscientes baseadas na experiência passada. Se, como diz Müller, a mente não tem acesso directo aos objectos do mundo, será necessário existir um processo automático e inconsciente que utilize a informação dada pelos órgãos dos sentidos para inferir as propriedades dos objectos externos.

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Franciscus CorneliusDonders (1818-1889)Médico holandês.

Técnica de medição dos tempos de

reacção, de forma a poder avaliar a

duração das operações mentais.

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Em suma...Para o nascimento da Psicologia Moderna

contribuíram dois aspectos:

a) Uma atitude: acreditar que os “mistérios da alma” não eram do foro religioso mas que podiam

ser estudados de forma objectiva, como qualquer outro aspecto do mundo natural; as problemáticas que os filósofos de então

formularam continuaram a ser exploradas pelos primeiros psicólogos;

b) Um método: tal como os físicos, os químicos e os fisiologistas observavam, mediam, testavam

os fenómenos a investigar, também era necessário desenvolver formas adequadas de investigar problemáticas psicológicas com outros métodos que não a especulação e a

opinião.

Psicologia, 1º ano (2007/08) Aula nº 01

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Assim, a Psicologia moderna estabelece com a Filosofia uma continuidade

temática mas uma descontinuidade em termos metodológicos.

Pelo contrário, existe continuidade com a Fisiologia em termos metodológicos

mas não em termos temáticos.