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P u b l í c i ç S o d a B l l l l o t b e c a
C i r c u l a n t e d a
F a c u l d a d e d e
D i r e i t o
D I S C U R S O S
PRONUNCIADOS POR
O L A V O
BILAC
NA FACULDADE DE DIREITO E NA FACULDADE
D E
MEDICINA
D E S Ã O P A U L O
Edição revista pelo autor)
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P u b l i c a ç ã o da B i b l i o t h e c a C i r c u l a n t e da F a c u l d a d e de D i r e i t o
D I S C U R S O S
PRONUNCIADOS POR
OLAVO B1LAC
A FACULDADE
DE
DIREITO
NA
FACULDADE
MEDICINA
DE
S Ã O P AUL O
Edição revista pelo autor)
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D I S C U R S O S
P R O N U N C IA D O S P O R O LA VO BILA C N A FA C U LD A D E D E D IR EITO E
N A FA C U LD A D E D E M ED IC IN A D E S Ã O P A U LO
Na Faculdade de Direito
( • OUTUBRO 1915)
«Ser-me-ia
fácil, para agradecer a vossa carinhosa
recepção, improvisar algumas phrases de brilho fugaz, que
morressem aqui ao nascer, musica sem idéas, futil e amável
cortezia, sem fundo e sem echo. Mas quiz dar alguma
vida. mais calor e duração ás minhas palavras, e escrevi-as.
para que
ellas,
confiadas agora aos vossos ouvidos e as
vossas almas, possam estender-se a ouvidos distantes e a
almas afastadas, a todos os brasileiros de vossa edade.
crescendo, estudando, sonhando, dentro do immenso e
inquieto coração do Brasil.
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V iveis numa r ica m etró po le, entre o sorr iso e a gala da
vida
c u l t a ;
e não podeis entrever o cháos, a confusão e
os perigos que en chem toda a nossa ma rav ilhosa e in
consistente pá tr ia. Na juv en tud e , tu d o é graça e faci l idade ,
expontaneidade e e m b e ve c ime n t o : uma pureza na tura l , que
do in t im o se transbo rda para o ex ter ior em véus i l luso no s,
um fascínio p ró p r io , que se espalha sobre o am biente e
embelleza
o espectaculo da vida
r ea l .
. . Mas é força que,
antes do tempo devido,
alguém
cruelmente vos arranque
da paz e do arroubo.
Vede
que, na Europa hoje, quando
a guerra abre diariamente largos claros nas f i leiras dos
combatentes, os governos chamam ás armas as mais novas
classes dos exércitos, as phalanges dos
adolescentes,
reservas
fu lgentes da pr imavera nac ional : aqu i , outra desgraça, mais
tr iste,
opprime
o paiz, e outra morte peor escasseia os
f i lho s val ido s, - - desgraça de caracter, e m orte m o r a l ; e
ja que os varões, incapazes ou indif ferentes, deixam o
B rasil devastado sem guerra e caduco antes da ve lhice , —
venh;im ao campo os ephebos, em que o ardor sagrado
contrabalance a inexperiência e em que o impeto da fé
suppra a immaturidade dos annos
Não vos deixeis deslumbrados do magníf ico progresso
desta cidade e deste Es tado : São P au lo não é todo o B ras il ;
e a verdadeira grandeza de um paiz não é a sua riqueza.
Po r o u tro lado , não im agineis que o que me assusta é o
desconforto, a falta de dinheiro, a falta de trabalho orga-
nisado e
pioductivo
na maior parte da União, nem o
ônus
formidável das dividas opprimindo o nosso fu tu ro . Ainda
ha m uita ventu ra e dign ida de nas casas em que não ha
muito pão; mas nada ha, quando não ha amor e orgulho.
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fir —
é a consciência da força e da bo nda de; e de alma para
alma não ha uma corrente de solidariedade, de crença
commum, e de enthusiasmo. que congregue todo o povo
num a mesma aspiração. H oje , a
indifferença
é a le i mora l ;
o interesse próprio é o único incent ivo . O " a r r i v i s m o " , —
hediondo estrangeirismo com que se expr ime uma enfermi
dade ainda mais hed ionda , — epidem ia m ora l, que tende a
transformar-se e a enraizar-se como endemia, envenena todo
o organismo social e mata todos os
germens
da dedicação
e da fé: cada um quer gosar e viver sozinho, e crescer,
pros pe rar, b ri lh a r, en rique ce r depressa, seja com o
fôr
atra
vés de todas as traições, por cima de todos os
escrúpulos.
Assim,
a communhão desfaz-se, e transforma se em acam
pamento
bárbaro
e
mercenár io,
governado pelo conf l icto
das cobiças individ ua es . E os po lí ticos profissionaes, pastores
egoístas do rebanho tresmalhado, nada fazem para impedir
a disp ers ão ; e, quando não se ap rov eitam do regabofe
general isado,
e quan do não se locu pleta m im itan do a gula
commum, apenas se contentam com a passiva e r idícula
vaidade do
mi/ndo
fictício. . .
Esse é o espectaculo que nos deparam as classes
cu ltas. As ou tras, as mais hu m ildes camadas pop ulares ,
m antidas na mais bruta ign orâ nc ia, mostram só iné rcia,
apathia, superst ição, absoluta privação de
consciência.
Nos
rudes sertões os homens não são brasileiros, nem ao menos
são ve rdad eiros hom ens: são viventes sem alma criadora e
l ivre, como as
feras,
como os insectos, com o as arvores.
A maior extensão do território esta povoada de analph a-
betos;
a instrucção p r im ar ia , entregu e ao poder dos gover
nos locaes , é m uitas vezes, apenas, uma das rodas da
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ladores, dando aos escravisados apenas a lib e rd ade , sem
lhes dar o ensino, o car inho, o amparo, a organisação do
traba lho, a capacidade m ater ial e m ora l para o exercício
da dignidade cívica
.
. .
Que se tem fe ito, que se está fazen do para a de fini
t iva cons tituição da nossa na cionalidade ? Na da .
Os immigrantes europeus mantêm aqui a sua l íngua
e os seus costumes. O u tro s idiom as e outras tradições
deitam raizes, f ixam-se na terra,
v i çam,
prospe ram . E a
nossa lingua fenece, o nosso passado apaga-se..
Ha cinco annos, houve um rebate
ancioso
e febr i l .
Na t r ibuna e na imprensa, v ibrou um al to chamamento,
um toque de alarm a a todas as energias adorm ecidas. E
uma lei ap on tou á nossa esperança o en tre luzir de uma
promessa de salvação: a lei do sorteio mil i tar, se não a
providencia completa do serv iço mi l i tar
obr iga tór io ,
ao
menos um ensaio salutar, o p rim e iro passo para a conva
lescença e para a cu ra. E ntã o, com o ainda hoje, eu
con
siderava que era esse o
único
prov idenc ia l
remédio
para
o nosso
de f inhamento .
Nu nca fu i, não sou , nem serei um
m il i tar is ta . E não tenho medo do m i l itar ism o po l i t ico .
O
m elh or m eio para com bater a possível suprem acia da casta
m i l i tar é justam ente a militarisação de todos os c ivi s: a
estratocracia é impossível, quando todos os cidadãos são
soldados. Q ue é o serviço m il i ta r ^eneralisador E o
t r iu m ph o com pleto da de m ocrac ia; o n ivelam ento das clas
ses;
a escola da o rde m , da d isc ip l ina , da cohe são; o labo
ratório da dignidade própria e do patr io t ism o. E' a in
strucção pr imaria obrigatória ; é a educação civ ica ob r ig ató r ia ;
é o asseio
obr iga tór io ,
a hygiene ob r ig a tór ia, a regeneração
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—
7
apuram: delia sahiriam conscientes, dignos, brasileiros, esses
infelizes sem consciência, sem dignidade, sem pátria, que
constituem a massa amorpha e triste da nossa multidão. . .
Mas nada se fez. O mesmo homem, o mesmo marechal,
que,
quando ministro da Guerra, promoveu esse movi
mento salutar em favor da nacionalidade, — no dia em
que subiu ao supremo poder, foi o primeiro a esquecer a
sua criação, deixando-a morta no berço. E hoje, depois
de um quatriennio de lutas estéreis e de politicagem sem
moral, — o problema terrível permanece sem solução:
uma terra opulenta em que muita gente morre de fome,
um paiz sem nacionalidade, uma pátria em que se não
conhece o patriotismo. . .
Moços de São Paulo, estudantes do Direito,
sede
também os estudantes e os pioneiros do Ideal brasileiro
Uni-vos a todos os moços e estudantes de todo o Brasil:
num exercito
admirável,
sereis os escoteiros da nossa Fé
O Brasil não padece apenas da falta de dinheiro:
padece e soffre da falta de crença e de esperança. O
agonisante não quer m orrer: quer viver, salvar-se, rever
decer reflorescer, rebentar em nova e fecunda frutifica
ção. Dae-lhe os vossos braços, dae-lhe as vossas almas,
dae-lhe a vossa generosidade e o vosso sacrifício Não
espereis o dia em que, deixando esta casa, iniciardes a
vossa effectiva existência civica, para o trabalho publico,
para a agitação social, para a política. Trabalhae, vibrae,
protestae, desde já Protestae, com o desinteresse, com a
convicção, com a renuncia, com a poesia,— contra a mes
quinharia, contra o egoísmo, contra o «arrivismo», contra
a baixeza da indifferenca
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meçam de novo os m uros e de novo palpite e resôe o
aviano canóro, cheio de hymnos de combate e de gorgeios
de bondade Inaugurae, moços de São Paulo, a nova
campanha
Perto de vós, entre vós, o começo da minha velhice,
tocado da graça milagrosa da vossa m ocidade, tem gomos
verdes, feiticeiros rebentos de resurreição.
Escuta e acolhe a revolta e a esperança do meu
outomno, ó primavera da minha ter ra ' Em marcha vi-
ctoriosa, ó meus irmãos — para o Ideal
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Na Faculdade de Medicina
14 OUTUBRO 1915)
«Agradeço, com
immenso
enternecimento, a bondade
e o carinho com que recebeis a minha visita.
Nesta nobre casa, neste ambiente de trabalho e de
affecto, entre os vossos corações amigos, um mundo de
saudades revive na minha alma. Apenas sahido da ado
lescência,
fui, como vós, estudante de medicina. No velho
edifício da Faculdade do Rio, naquelle recanto da feia rua
da
Misericórdia,
ao lado do mar, entre arvores antigas,
abrio-se á Vida o meu espirito inquieto e ávido, de azas
tontas, de vôo indeciso. Alli vivi, dos 15 aos 20 annos;
desvendou-se, alli, para mim, o maravilhoso e doloroso
espectaculo do universo e do homem ; na Faculdade e no
Hospital, na aula e na enfermaria, — a principio,
timido
aprendiz dos segredos das sciencias naturaes, depois ancioso
iniciado na
biologia,
freqüentador dos amphitheatros e dos
laboratórios, ajudante de preparador de physiologia expe
rimental, interno de clinica, — adquiri este exaltado gosto
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— 1 —
Q ue é o Sonho , senão um a
flor
do estudo e da compai
xão? Q ue é a A rte, senão uma f i lha da cu r iosida de e do
soffrimento ?
Vend o-vos , nesta hora meiga e con solado ra da minha
vida, a mim mesmo me vejo entre vós, moço como vós,
estudante e poeta como vós P or qu e sois poetas, todos
vós ; a poesia, — mocidade e v ibração, c larão inte r io r de
todos os homens inte l l ige nte s e bons, — pa lpita e chispa
no olha r com que me aqueceis e i l lu m in a is . A poesia
viceja e bri lha em toda a parte, no recesso do sábio e na
off icina do op er ár io, no gabine te do estadista e na abegoura
do lavrador, no
santuário
do jurista e no
consultório
do
medico; a poesia não é somente o rythmo da be lleza , a
mestria da expressão métrica ;• é tam bé m , e
p r inc ipa lmente ,
a bond ade e o ide al, o am or da just iça e da verd ade, o
culto do pensamento e da
miser icórd ia ,
o sent imen to e a
consciência da vida moral .
Fallo vos
como poeta, e como velho e
impenitente
estudante. C om o poetas, e como futu ros médicos, meus
jovens irmãos, amai o Brasi l , e dai
assistência
á
pátria
en f e r m a
C onhe ce is, ou co nhece reis, en tre os casos clínicos
que vistes ou vereis, uma das mais terríveis desgraças do
organ ismo hum ano — a mais cr u e l, talvez, do todas as
misérias physicas. Um leve en du rec im en to, a p r in c ip io, e
uma l igeira corrosão na
pelle
ou na mucosa; em seguida,
o alarga m en to e a penetração no
núcleo
de st ru ido r ; e o
tumor lançando raizes envenenadoras, polvo hediondo, d i la
tando e aferrando os seus tentáculos vorazes, mordendo e
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Ora, este flagello do organismo physico existe tam
bém
no organismo social. As sociedades, como os indiví
duos,
são ás vezes devastadas por essa mesma doença, de
symptomas idênticos, de marcha igualmente assustadora,
de conseqüências igualmente funestas. E a mesma vora
cidade, o mesmo enraizamento, a mesma infecção, a mesma
dyscrasia, o mesmo depauperam ento, a mesma destruição.
Esse carcinoma da estructura moral é-a
indifTerença;
e os
seus tentáculos ferozes insinuando-se,
verrumando,
tere-
brando, inficcionando, reçumando uma baba viscosa e
mortífera, desagregando e devorando a presa, — são a
fraqueza da alma, o desanimo, o egoísmo, a autolatria, o
amor exagerado do luxo e do dinheiro, a falta de patrio
tismo, e o anniquillamento do caracter próprio pelo desdém
dos interesses sagrados da communhão.
Alguns symptomas desse morbo ignóbil já se mani
festaram em varias zonas do grande corpo brasileiro. Se,
em dous ou três Estados da União, o trabalho, a instrucção,
3
e o ideal ainda reagem e vencem, — esses mesmos Esta
dos devem ser os mais interessados no perigo, e devem
ser os primeiros defensores da Federação em risco. Sabeis
que a manifestação cancerosa nunca terá effeitos desastrosos
exclusivamente locaes, uma vez que o
virus,
vehiculado
pelo sangue, fatalmente se espalha, e irriga e contamina
toda a economia vital . . .
Lutemos tod os Reajamos e trabalhemos todo s Se
para o carcinoma physico ainda não se descobrio, apezar
do paciente labor e da heróica tenacidade dos sábios, um
remédio seguro, — para o outro, moral e social, existe e
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seja um de vós, quem sabe? porque é possível que, entre
vós, estudantes de medicina, ja exista, em germen, um
Jenner. um Pasteur, um Chagas. Mas para debellar a
diathese, que ameaça a nacionalidade
brasileira,
cada um
de vós já é um medico perfeito, um inventor benéfico, um
salvador providencial.
Concito-vos, como ja concitei os vossos irmãos da
Faculdade de Direito, e como concito todas as almas do
Brasil, para a campanha do
enthusiasmo
e da fé.
Cultivai, desenvolvei, acendrai o vosso patriotismo
E pregai o patriotismo aqui, e Ia
fora,
— nas bancadas
das aulas, nos laboratarios, nas salas do hospital, nas ruas,
nos lares em que nascestes e em que vos educastes, nos
lares novos que constituireis e em que o vosso affecto
frutificará em novos Brasileiros
Futuros médicos para os corpos, sede médicos tam
bém para as almas, — para a grande alma do Brasil O
Brasil carece de uma nova therapeutica moral e de uma
nova cirurgia audaz. . .
Deus abençoe a vossa bondade e a vossa energia »
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