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História na Sala de Aula: Conceitos, Práticas e Propostas O livro História na Sala de Aula organizado por Leandro Karnal, tem como objetivo analisar a mudanças da historiografia ao decorrer do tempo em interação aos conteúdos trabalhados em sala de aula, pelos livros didáticos, apesar de serem capítulos autônomos, eles tem um objetivo em comum, discutir a historiografia e os conteúdos de sala de aula apresentados pelo livros didático. Para Pedro Paulo Funari, em sua discussão a respeito da história antiga trabalhada em sala de aula integrada a uma historiografia, muitas vezes os professores não tem acesso ás discussões historiográficas ou a recursos, assim o autor fornece um guia prático útil para renovar o ensino de história antiga, indicando coletâneas de documentos e obras para uso do professor em sala de aula. Em relação ao período da Idade Média, Jose Rivair Macedo possui graduação em Licenciatura em História pela Universidade de Mogi das Cruzes (1985) e doutorado em História Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP (1993). Atualmente é Professor Associado 4 no Departamento de História da UFRGS, e professor do quadro permanente do Programa de Pós-Graduação em História da UFRGS. Tem experiência na Área de História, com ênfase em História das Sociedades Africanas Antigas e seu tema atual de pesquisa envolve as linhas de pesquisa em ‘portugueses e africanos no contexto da abertura do

História Na Sala de Aula

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Histria na Sala de Aula: Conceitos, Prticas e PropostasO livro Histria na Sala de Aula organizado por Leandro Karnal, tem como objetivo analisar a mudanas da historiografia ao decorrer do tempo em interao aos contedos trabalhados em sala de aula, pelos livros didticos, apesar de serem captulos autnomos, eles tem um objetivo em comum, discutir a historiografia e os contedos de sala de aula apresentados pelo livros didtico.Para Pedro Paulo Funari, em sua discusso a respeito da histria antiga trabalhada em sala de aula integrada a uma historiografia, muitas vezes os professores no tem acesso s discusses historiogrficas ou a recursos, assim o autor fornece um guia prtico til para renovar o ensino de histria antiga, indicando coletneas de documentos e obras para uso do professor em sala de aula.Em relao ao perodo da Idade Mdia, Jose Rivair Macedo possui graduao em Licenciatura em Histria pela Universidade de Mogi das Cruzes (1985) e doutorado em Histria Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da USP (1993). Atualmente Professor Associado 4 no Departamento de Histria da UFRGS, e professor do quadro permanente do Programa de Ps-Graduao em Histria da UFRGS. Tem experincia na rea de Histria, com nfase em Histria das Sociedades Africanas Antigas e seu tema atual de pesquisa envolve as linhas de pesquisa em portugueses e africanos no contexto da abertura do Atlntico: sculos XV-XVI, Mandingas e fulas na frica ocidental antiga: sculos XIII-XVIII e Rotas, paisagens e povos orientais nos relatos de viagens medievais, o que lhe d crdito tanto em histria antiga como medieval. Atua como pesquisador no NUCLEO DE ESTUDOS ANTIGOS E MEDIEVAIS - NEAM, o qual a Unesp franca presidir este ano (2013).Neste captulo, Macedo tenta levar a discusso historiogrfica que h algum tempo tanta desconstruir a viso pejorativa que se fez da Idade Mdia, da academia para as salas de aula de escolas do ensino fundamental e mdio. Embora esse novo olhar sobre a Idade Mdia j tenha desconstrudo dentro dos meios acadmicos esta viso pejorativa, criada por renascentistas e eruditos iluministas, uma viso comum de uma Idade das Trevas obscura e fantasiosa, com seus esteretipos fabulosos e a Igreja controladora, ainda claramente perceptvel no que ele chama de cultura de massas. Segundo ele, antes de nos perguntarmos qual o papel da escola na difuso de conhecimentos sobre a Idade Mdia caberia perguntar qual Idade Mdia vem a ser divulgada nos bancos escolares e qual a pertinncia de seu ensino num pas como o Brasil, que no participou diretamente de uma experincia histrica propriamente dita (p.111).Macedo faz uma leve critica aos Parmetros Curriculares Nacionais (PCNs), ao dizer que pouco espao est reservado ao tratamento do espao cronolgico dos sculos V ao XV, uma vez que neles os eventos e sujeitos histricos esto includos em contextos variados, subordinados pressupostos pedaggicos e conceitos muito abrangentes (idem). Tambm critica a forma com que os PCNs se fecham em torno dos marcos temporais da histria poltica com relao as evolues de governos temporais dos reinos e imprios, e poderes espirituais/temporais da igreja; em relao s estruturas e sociais h um certo mecanismo e maniquesmo, trata-se de apenas analisar a relao de dominao entre senhores feudais e camponeses, ou formao e declnio do feudalismo e desenvolvimento do capitalismo. Vises estas j muito ultrapassadas dentro da academia, pois o feudalismo, ou sociedade feudal, no passam de conceitos retricos de analise, e a formao homognea de uma sociedade feudal em toda a Europa nunca existiu, porm essa a viso que se passam dentro das escolas. Segundo o autor:

A Idade Mdia ensinada na escola, todavia, no a Idade Mdia dos pesquisadores. Neste caso, a funo social da Histria em estatuto diferente do conhecimento erudito e acadmico, continuando a estar ligado constituio da memria da nao, do Estado moderno e da supremacia ocidental do mundo. (p. 112)

Desde o nascimento do termo Idade Mdia, a Europa passa a ser vista como o centro da linha do tempo da humanidade, e este perodo foi visto pelos europeus como as origens dos Estados modernos onde a Europa ganhou seus contornos polticos e culturais [...] com base no modelo do reino cristo. (p.113); alm de toda uma Idade Mdia francesa ter sido construda com base na idade de anarquia feudal, marcada pela total dissoluo do poder, onde o Estado moderno seria rigidamente estruturado comparado com seu antecessor modelo de organizao poltica. Est Idade Mdia francesa, porm, nunca existiu. Foi assim formada uma viso do passado a fim de enaltecer o presente, e a Idade Mdia passou a ser tambm um perodo de formao de uma identidade supranacional da f crist, que se pretende nica e uma, e em nome desta f foram realizadas as cruzadas, a razo aristotlica levou ao pensamento cientfico no sculo XIII e esta f garantiu a supremacia das grandes navegaes. Para Macedo, a primeira tarefa a se fazer uma descolonizao da Idade Mdia, pois o que se ensina sobre Europa Medieval muitas vezes corresponde apenas Frana, Inglaterra, Alemanha e Itlia. Outra seria a Europa do Leste Europeu, a Europa Nrdica e [...] a Europa Ibrica. Descolonizar o ensino de Histria significa, portanto, reconhecer identidades em geral deixadas por ns em segundo plano. (p. 115). Para o autor, essencial que se resgate principalmente a histria da Pennsula Ibrica, pois assim que podemos ver nossas caractersticas herdades, nosso modo de pensar e agir. Por pertencermos ao conjunto cultural ibero-americano, estudar a histria da Pennsula Ibrica revelaria aos alunos os aspectos do passado que interagem com o nosso presente. Neste sentido, compreender o papel desempenhado por grupos de diferentes etnias no processo de formao medieval da Pennsula Ibrica poderia nos ajudar a compreender traos da colonizao ibrica posterior e da constituio de identidades coletivas na Amrica Latina, inclusive no Brasil. (p. 116). Segundo Macedo, fazendo esta abordagem estaramos em conformidade com as propostas dos PCNs, estaramos lidando com a questo da alteridade da coexistncia tnico-religiosa entre mulumanos, judeus e cristos na Espanha e em Portugal. Podemos tambm, analisar temas como a desigualdade social e o problema do abandono infantil, temas que ultrapassam os limites cronolgicos que qualquer perodo histrico, e atravs do referencial de aproximao ou distanciamento com nossos dias, podemos compreender como ns mesmos lidamos com tais dilemas sociais.Existem muitos valores medievais que encontram correspondentes em nossos dias, para estudantes do ensino fundamental e mdio algumas concepes afetivas encontradas em seu quotidiano como amor e amizade tm uma historicidade, e as razes podem ser buscadas no medievo, nos padres de conduta valorizados neste perodo como honra e fidelidade. Porm nem sempre devemos mostrar somente as semelhanas entre o passado e o presente; antes, analisar as diferenas entre outros tempos com o nosso nos leva a pensar em nosso lugar na histria. Para compreender as diferenas, o autor prope como mtodo de analisar cinematogrfica, pois muitas vezes os filmes utilizam-se da Idade Mdia somente como pretexto para expor problemas contemporneos. Esta analise leva o aluno a pensar na possibilidade de pensar dois tempos histricos distintos, onde o filme no deixa de revelar valores contemporneos ao retratar um tempo passado, sendo perceptveis os processos de mudanas e permanncias. Macedo tambm nos lembra que a Idade Mdia foi um perodo em que grande parte das pessoas eram iletradas, portanto o valor das imagens, das obras de arte, passavam alm da esttica e tinham funo didtica.

Para Honrio de Autun, respeitvel pensador do sculo XII, o objetivo da pintura era triplo: servia, antes de tudo, para embelezar a casa de Deus (as igrejas); mas tambm para rememorar a vida dos santos e, por fim, para o deleite dos incultos, porque a pintura, em suas palavras, era a literatura dos laicos. (p. 120)

Assim, analisar as imagens entrar em contato com um importante cdigo de comunicao da poca, o qual d testemunho direto do mundo medieval. Alm disso, necessrio expor a Idade Mdia como uma poca em que a tradio possua valor mximo do que o novo, e desta forma a oralidade ganhou espao fundamental e os costumes eram passados boca a boca pelos citadores de poesia, cantores, artistas de rua e das cortes como contadores de estria. A melhor forma de expor esse mundo da oralidade aos alunos seria, para Macedo, levar at eles contos e fabulas medievais que hoje se encontram hoje facilmente acessveis. Desta forma, durante a leitura, os alunos so instigados a imaginar as cenas e personagens dos contos, levando aos debates e formulao de idias a respeito de como os medievais narravam estas estrias e o que elas poderiam traduzir da vida quotidiana daquelas pessoas. Landro Karnal, ao tratar do ensino da Histria Moderna, tambm traz um debate acerca da forma com que se v este perodo. Seu recorte temporal, por exemplo, sempre tratado de uma forma eurocentrica que compreende a queda de Constantinopla (1453) at a Revoluo Francesa (1789), porm at mesmo para Europa tais eventos so tratados pela academia de forma mais dinmica e questionadas. Os eventos que marcariam a Idade Moderna como o renascimento, que j estaria em desenvolvimento antes da queda de Constantinopla, e a Revoluo Francesa, que revelam um poder burgus j real na Inglaterra e Holanda muito antes dos fatos franceses, revelam esta disparidade.Karnal, portanto, pe em questo os recortes temporais rgidos em datas e fatos, quando na verdade existe uma construo na historiografia que atende a variveis como nacionalidade, classe social, objetivos polticos etc. (p. 128). Porm, mesmo que se tente observar para outras propostas de analisar temporais, os recortes temporais existem e no a soluo simplesmente substituir um antigo por um novo, ser inegvel que um evento nunca consiga reunir a totalidade do planeta.O autor prope que, para analisar esta questo, se levante o seguinte problema para os alunos: quando algum deixa de ser criana e passa a ser adolescente, ou quando algum se torna adulto? (idem); haver, evidentemente, grande dissenso entre as idias e os pensamentos sobre o que marcaria a ruptura de um momento da vida para outro. E assim tambm deve-se mostrar sobre a histria, ser sempre impossvel que uma data seja uma referncia nica e valida.Da mesma forma, temas tradicionais sobre este perodo sempre so validos de abordagem como: Renascimento, Reforma e Contra Reforma, Antigo Regime, Grandes Navegaes, Conquista da Amrica e Revolues Inglesas. Por serem fatos estritamente europeus, muito se tem tentado introduzir temas sobre a China ou Japo no sculo XVI, mas Karnal nos lembra quo reduzida a carga horria da disciplina de histria nas salas de aula e que mesmo sobre as questes centrais h pouco tempo de analise. Assim, introduzir novos temas quebra com a eurocentralidade, mas cria desafios superficialidade de anlise. Mesmo lembrado que no estaremos formando historiadores, e sim ensinando histria para jovens, apresentar a historia sem processos historiogrficos a faz supor meramente esttica, porm discutir em demasia mtodos e tcnicas historiogrficas com jovens pode desviar o foco que no de formar historiadores. Por isso, segundo o autor, o melhor recurso didtico se usar de dose adequada, apresentar temas adicionais e recortar temas batidos sempre se mostra vivel e, segundo ele, Saber cortar ou adicionar uma das habilidades mais desejveis no magistrio de Histria. (p. 130).A partir deste panorama, Leandro Karnal sugere diversas alternativas para lidar com sala de aula na prtica, visto que muitos manuais ou mesmo profissionais que esto a frente da educao prope em teoria solues que no funcionam na prtica. Algo que de fundamental importncia para o professor a constante pratica da leitura, o professor que deixa de ler morre profissionalmente, segundo Karnal: ler renova a maneira de ver as coisas, d uma injeo de animo em contedos desgastados que repetimos h muitos anos e ainda introduz um elemento dinmico que pode combater a monotonia. (p.132). O professor deve estar sempre atento obras novas que trazem novas abordagens, como tambm deve sempre estar relendo os livros clssicos para assim reavaliar sua forma de tratar com os temas clssicos. Se por diante s leituras de documentos que se faz presente nas exposies de aula, como as 95 teses de Lutero, por exemplo, tambm de vital importncia para a dinmica da aula e para saber o que se est expondo. Assim, o professor no estar mais preso ao livro paradidtico, o que o permitir elaborar criticas e novas vises acerca de temas clssicos, como o prprio autor fez sobre a idia de colonizao de povoamento e explorao na Idade Moderna no livro Estados Unidos a formao da nao. Estar em constante leitura deve ser um dever do profissional, pois mesmo que o tempo seja escasso e as leituras ocorram de forma gradual, o professor est, nas palavras de Karnal, usando para si mesmo o discurso que faz em sala de aula para os alunos: incentivar a leitura.A anlise das obras de arte elemento crucial ao se tratar da Idade Moderna, uma vez que o Renascimento e o Barroco so focos centrais deste perodo. Assim, a anlise de quadros, arquiteruta e outras formas de expresso artstica so essenciais. Para a anlise dos quadros, o uso de imagens em retroprojetor sempre o mais utilizado, por ser o mais difundido nas escolas e os slides sejam mais difceis de ser obtidos. O importante no seria apresentar uma quantidade excessiva de obras, mas sim a analise, ainda que de fatores tcnicos, de uma ou duas mais importantes, nunca se deixando de lado que a arte no era apenas um reflexo da sociedade, mas sim uma forma de perceber o mundo. Se o professor encontra dificuldades em analisar as obras, mesmo por ter passado toda sua formao diante de leitura de textos, a soluo tambm a leitura de obras que fazem esta analise de documentos no textuais.Em relao aos documentos textuais, a Idade Moderna foi um perodo que deixou uma imensido de fontes, principalmente em relao s fontes literrias. Este ponto interessante, pois pode criar um ponto de interdisciplinaridade com os programas de Literatura, ainda que haja a barreira de descompasso temporal que uma e outra disciplina tratam (enquanto em histria se v Renascimento, em Literatura se v poemas trovadorescos), mas isso no pode ser motivo de impedimento para se tratar as obras literrias. Em relao aso clssicos desse perodo, muitos so curtos e muito claros como os Ensaios do filsofo Montaigne, e outros como Willian Shakespeare, alm de essncias e indispensveis, contm releituras do cinema que podem estimular os alunos e ajudar a fazer ligaes, como a obra Romeu e Julieta na verso de Baz Luhrman.Alm disso, Karnal prope algumas formas e releituras de antigas formas de se tratar com temas obrigatrios em Histria Moderna, como por exemplo o tema do Absolutismo. Tentar propor uma definio ou um debata inicial acerca do que os alunos pensam sobre o tema pode ser falso, pois muitas vezes no estaremos dispostos a saber o que eles pensam ou no sobre o tema. Karnal aponta para a possibilidade se trabalhar ao longo deste tema com o conceito, e ser proposto aos alunos definirem por si mesmo o Absolutismo, ou expor diversas definies nas avaliaes e pedir para que eles reconheam a diferena entre elas. Manter a viso terica do Absolutismo como a aliana do rei e da burguesia contra o clero e a nobreza tambm deve ser questionada, diversos outros autores como Perry Anderson mostram outras vises sobre como se constituiu esse sistema; alm disso, a leitura dos tericos como Thomas Hobbes. Na mesma tentativa de quebrar com vises tericas ultrapassadas, a viso do pacto colonial pode ser desconstruida ou abalada pela leitura de autores como Joo Fragoso em sua coletnea O Antigo Regime nos Trpicos. Tais textos no podem ser passados aos alunos, mas a leitura do professor pode fazer com que sua aula se torne mais dinmica e menos presa a concepes j ultrapassadas, levando o debata para a sala de aula.A analise de filmes, principalmente para enfatizar a etiqueta como forma de produo no Antigo Regime tambm se mostra til segundo o autor, mas deve ser tratada com cautela, filmes tm durao maior que uma aula ou duas, por isso necessrio recortar cenas ou marcar horrios especiais. Acima de tudo no uma ferramenta de distrao, mas necessrio levar a classe a analisar o filme e suas vises de Absolutismo. Da mesma forma a musica pode ser uma ferramenta interessante, a analise da musica erudita barroca como Bach, Heandel ou Vivaldi. Karnal estimula que o professor passe apenas a musica, sem imagens ou discursos, somente para estimular a sensibilidade dos alunos, alerta para as possveis dificuldades como convenas a risadas, mas afirma que a ousadia do educador deve se fazer presente para que os alunos no digam que no gostam do que nunca experimentaram. Da mesma forma a ousadia pode se mostrar principalmente nas avaliaes, as provas podem ser substitudas por relatrios de filmes, definies do Absolutismo, textos interpretativos ou a proposta de redigir textos em formas de carta criticando a corte, dilogos imaginrios entre camponeses e nobres ou comparaes entre o Absolutismo e as democracias modernas.Por fim, Karnal aponta para a realidade dos professores, impossvel tratar todos os temas de todas essas formas, impossvel ler todos os textos e trabalhar sempre de formas diferentes. Cada sala de aula exigir uma maneira prpria de ser lidada, e s o professor pode apreender que forma essa, compartilhar experincias com outros professores essencial nesse caso. Alm do mais, o principal ter o intuito e a vontade de renovar, aprofundar, ler e discutir. (p. 140).Eliane Moura da Silva inicia levantando dados sobre adeptos das religies pelo mundo e no Brasil, a partir do censo de 2002 somos uma nao crist, de maioria catlica, com forte crescimento dos evanglicos pentecostais, 73.8% dizem ser catlicos e 15.4% evandlicos. Aproximadamente 12.3 milhes de pessoas afirmam no pertencerem a nenhuma forma de religio organizada e o restante da populao admite pertencer a movimentos religiosos variados.A histria das religies surgiu na segunda metade do sculo XIX sob a influncia do orientalismo, da filologia e da secularizao da sociedade. Este estudo ocupou importante espao nas grandes Universidades europeias e americanas. No Brasil esse movimento no aconteceu, porm esta situao esta mudando e aos poucos a histria das religies comea a aparecer com autonomia.As religies no so neuitras, impe, justificam e legitimam projetos, regras, condutas determinantes nas identidades culturais de pessoas, grupos sociais, pases e sociedades.O Brasil um pas laico com separao total entre religio e Estado, talvez por isso no avaliamos a importncia cultural e poltica dessa separao. Esse processo de autonomia e independncia dos Estados frente aos sistemas religiosos e que garante a convivncia democrtica.No mundo ocidental o termo religio foi adquirindo um sentido estritamente ligado a tradio crist.Diante da renovao da histria da Amrica, Luiz Estevam Fernandes e Marcus Vincius de Morais, a partir da anlise de alguns livros didticos, sendo: Histria Geral, de Cludio Vicentino (1997); Histria e Conscincia do Mundo, de Gilberto Cotrim (1994); Histria Origens, Estruturas e processos, uma leitura da Histria ocidental para o Ensino Mdio, de Luiz Koshiba (2000); Histria da civilizao ocidental Integrada, de Antonio Pedro (1997), Oficina de Histria Histria Integrada, de Flvio de Campos e Renan Garcia Miranda (2000); e Toda a Histria Geral e do Brasil, de Jos Jobson de A. Arruda e Nelson Piletti (2001), os autores demonstram as imagens construdas por estes livros, diante da histria da Amrica, mais especificamente a de lngua hispnica A relevncia desta abordagem justifica-se a medida em que os livros didticos, so, muitas vezes os formadores de opinio de muitos indivduos, e principalmente como os prprios autores ressaltam, os nicos livros que muitas vezes, os alunos tero acesso na escola e em casa. Outra questo relevante que as pessoas adotaram costumes de ler determinado livro sem nenhum senso crtico, como se todo o contedo de um livro fosse tomado como verdade absoluta e inquestionvel.Para os autores a viso de Amrica Latina construda pelos livros didticos foi marcada por cicatrizes , desde a conquista, uma histria marcada pela tragdia do massacre das populaes indgenas, as ditaduras militares, como se toda a sua histria fosse condicionada por agentes externos.Essas vises de vitimizao da Amrica so tambm comuns a historiografia iniciadas pelos cronistas em tempo de colonizao, e tambm nos sculos XIX e XX as tradies cientificistas, lascasiana e a teoria dos vencidos e vencedores, vo carregar estas ideias, elas tem em comum o fato do derrotismo americano.A tradio cientificista construiu a imagem de um ndio aptico, passvel de receber a civilizao Ibrica, que aceitou a dominao diante dos espanhis e sua superioridade das armas, autores famoso como Leopold Van Ranke e Willian Precott compartilhavam essa ideia.A tradio lascasiana, originria dos escritos de Las Casas, padre dominicano, que denunciou o modo com que os ndios eram tratados pela administrao colonial, para ele o ndio deveria ser servo da Igreja e no do Estado. Las Casas coloca os espanhis como assassinos e os indgenas como vtimas de um processo social, presas fceis ao conquistador.Viso semelhante encontramos no livro do jornalista uruguaio Eduardo Galeano, As veias abertas da Amrica Latina, mostra um continente que sempre vtima do processo, incapaz de superar sua condio de colnia. impossvel negar o massacre colonial, contudo se reduzir a esta anlise reduzir as culturas, e penetrar a histria americana com todo olhar eurocntrico. A tradio da histria dos vencidos e vencedores tenta ao mesmo tempo valorizar o indgena, resgatando seu olhar, percebe-se ainda o desejo de estar no lugar dos vencedores, apenas um sentimento cristo de piedade com os menos favorecidos.Diante dessas vises seria essencial o rompimento com certas tradies, e essencial que os livros didticos trouxessem novos temas e novas abordagens para melhor trabalhar a histria da Amrica.Partindo do trabalho de Marcos Napolitano a estranha histria sem fim, os historiadores metdicos tinham um certo estranhamento em relao a histria contempornea, pois era incompatvel o estudo da histria to prximo ao tempo do historiador. Para Oliver Demoulin a histria contempornea foi oficializada no ensino francs na quarta parte do sculo XIX, dando origem a diviso quadripartite da histria.Essa diviso foi muito criticada por pesquisadores e professores o que levou a criao de novos termos para designar a histria contempornea, como a histria do tempo presente,, histria imediata, abrindo as possibilidades para novas abordagens, complicando a vida de professores que ficam divididos entre contribuir para uma formao ampla dos alunos ou prepara-los para o ofcio da pesquisa.No Brasil a histria contempornea se oficializou nos finais do sculo XIX, enfocando o estudo da civilizao moderna em moldes europeus, enfocando o contexto poltico e o modo de vida e cultura burgus.Ao decorrer do tempo mudanas historiogrficas possibilitam uma grande quantidade de temas e abordagens, e a dificuldade de pesquisa diante de inmeras fontes, que vo desde as tradicionais, o documento escrito, a jornais, cinema, imagens, entre outras.Circe Bittencourt possui graduao em Histria pela Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas - USP (1967), ps-graduao em Metodologia e Teoria de Histria pela faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas - USP (1969), mestrado em Histria Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas - USP (1988) e doutorado em Histria Social pela Universidade de So Paulo (1993). Atualmente professor ps-graduao da Faculdade de Educao USP e da Pontificia Universidade Catlica- SP. Tem experincia na rea de histria das disciplinas e currculos escolares e educao indgena. Desenvolve pesquisas atualmente sobre a histria dos livros didticos, mantendo a organizao do banco de dados LIVRES referente aos livros didticos brasileiros de 1810 a 2007, sobre ensino de historia e histria da educao, em especial histria da educao indgena.Neste captulo, a autora afirma que o ensino de Histria do Brasil sempre esteve, e est, associado constituio da identidade nacional. Assim, deve-se repensar o ensino da historia nacional de acordo com a questo atual da identidade nacional e em um momento histrico onde as histrias nacionais, no s no Brasil mas em todos os pases, vm sendo questionadas.Como o objetivo da Histria escolar tem sido a formao poltica dos alunos, onde ele formado no no individual, mas no coletivo (sociedade, Estado, nao, povo), as criticas que giram entorno do ensino da Histria do Brasil esto intimamente vinculadas e esse papel da Histria. A primeira critica que a autora identifica em relao a globalizao, na era da mundializao o nacionalismo aparece como um valor retrgado. Modernizao e tecnologia so facilmente associados ao mundo da globalizao e tudo o que se refere a nacionalismo entendido como a representao do atraso (p. 187). O estudo da histria do Brasil acaba visando a papel que o pas desempena como nao emergente neste quadro de capitalismo globalizado. A Histria do Brasil aparece como apndice da Histria global e sua existncia deve-se ao desenvolvimento do capitalismo comercial com base na expanso martima europia. (Idem). Deste tipo de pensamento, surgiu uma produo didtica denominada Histria Integrada, uma abordagem que apresenta inovaes, dentre elas a de procurar introduzir o tempo sincrnico estabelecendo novas posturas nas relaes espao/tempo, mesmo mantendo a lgica cronolgica dos contedos. Porm, esta abordagem pode acabar expressando vnculos contraditrios de identidade, pois dilui a Histria do Brasil na histria mundial, sendo drasticamente reduzidos os contedos especficos da histria nacional. Assim:

Ao enfatizar a integrao constante do Brasil a uma histria mundial, sem situar devidamente os problemas nacionais e ampliar o conhecimento sobre a realidade brasileira, pode-se reforar a idia de que os conflitos internos e seus agentes sociais desempenharam um papel secundrio na construo de uma nao. (p.190)

Outra viso acerca do ensino da Histria do Brasil a relao feita de nacionalismo com os perodos ditatoriais de direita, tanto o perodo de Getlio Vargas como dos militares ps-1964, servindo como instrumento de uma Histria Nacional dogmtica. Esta viso revela um nacionalismo pautado na constituio dos mitos e heris nacionais, destacando os chefes polticos e enaltecendo as glrias militares, difundindo a viso de um passado nico e homogneo formado por um povo confiante em lideres que eram capazes de levar a nao rumo ao progresso. O Brasil apresentado, sempre, como o pas do futuro grandioso, fadado a ser lder continental ou mesmo mundial. (p.191).Esta viso do nacionalismo associado ao sentimento patritico ocorreu, principalmente, a partir do sculo XX, acompanhando a difuso nos pases europeus desta viso no inicio do sculo como preparao para a guerra. No inicio da Repblica no Brasil, esta viso de nacionalismo e patriotismo foi utilizada para a construo de um sentimento nacional, para isso foi preciso desenvolver a idia do Brasil como ptria de todos criando um sentimento de unidade. Porm, foi criado a viso de um nacionalismo de direita voltado para atender os interesses de determinados setores das elites nacionais, para a manuteno de seu poder e privilgios. Predominava a idia de unio, que omitia qualquer tipo de manifestao de descontentamento interno das camadas sociais dominadas, evitando tratar das diferenas regionais, sociais ou culturais. (p.192).Ao analisar estas vises que a Histria do Brasil carrega dentro do currculo das escolas e como ela se desenvolveu ao longo da histria, a autora aponta para as critica fundamental que tem sido feito por historiadores: a Histria do Brasil tem sido ensinada visando construir a idia de um passado nico e homogneo, sem atentar para os diferentes setores sociais e tnicos que compem a sociedade brasileira. (p.199). Esta forma de tentar construir a viso de um povo homogneo chamada de democracia racial. Omitindo as diferenas e desigualdades sociais, a Histria Nacional passa a ser caracterizada pela ausncia de conflitos e a inexistncia de problemas decorrentes do racismo, preconceitos tnicos, discriminaes e excluses. Em sua face mais perversa, essa mesma teoria serviu para dissimular as desigualdades sociais e econmicas, e para justificar a situao de misria de grande parte da populao que seria fruto da mestiagem dos ndios e dos negros com os europeus. A preguia e a indolncia, frutos dessa mestiagem democrtica, eram, ou ainda so, os responsveis pela pobreza da maioria da populao. (Idem.). Os ndios e os africanos pouco so considerados na histria como um grupo etnicamente e culturalmente distintos, sendo lembrados apenas pelas suas contribuies par a vida cultural, como hbitos alimentares, musica ou eventos esportivos de identificao social. Ainda sim, so tratados sempre como submissos as ordens e vontades dos colonizadores arianos.Visto isso, a autora atenta para a necessidade de se superar esta viso da democracia racial, fazer voltar, antes de tudo, a Historia do Brasil como contedo de centralidade mas com algumas preocupaes. Primeiramente, os contedos tradicionais devem passar p um processo de seleo de forma que responda s necessidades identitrias de todos os setores sociais do pblico escolar. Assim, os critrios de seleo devem passar a obedecer os problemas do presente: A identificao dos problemas vividos ou prximos dos alunos torna possvel estabelecer os objetos de estudo significativos que ordenaro os contedos a serem trabalhados, tanto no tempo como no espao. (p.201).A questo temporal e espacial o segundo aspecto que deve ser considerado ao tentar superar a viso da democracia racial na Histria do Brasil. Esta questo se d na valorizao da histria local e regional, a micro-histria deve estar sempre problematizada dentro dos contedos para trazer para prximo dos alunos a Histria do Brasil. Dentro deste quadro, a histria indgena brasileira no deve mais ser negligenciada, que se caracteriza com uma dos principais problemas da Histria escolar. Desta forma, a autora conclui que os aspectos tericos da macro e micro-histria devem permear o ensino da Histria do Brasil, revelando-a com dimenses: nacional, local e regional. A Histria do Brasil tambm no pode se tronar um estudo isolado e exclusivo, voltado apenas para os seus problemas internos, antes deve tambm estar relacionada com o papel que o Brasil desempenha no mundo. A autora conclui afirmando que a questo da identidade nacional no uma questo arcaica e ultrapassada da Histria do Brasil, porm deve estar sempre pautada com compromisso poltico e cultural:

para que a Histria Nacional seja cuidadosamente estudada, que a seleo de contedos da Histria do Brasil seja central e prioritria e que se obedea a critrios metodolgicos e com fundamentao teoria rigorosa tanto no que se refere historiografia quanto pedagogia, para evitar-se um ensino dogmtico e ideolgico. (p.203).