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História e Cultura dos Povos Indígenas... Bezerra & Almeida Revista Diálogos set. / out. 2018 N.º 20 474 HISTÓRIA E A CULTURA DOS POVOS INDÍGENAS NA EDUCAÇÃO BÁSICA: A EMERGÊNCIA DA DISCUSSÃO Ricardo José Lima Bezerra Tatiane Lima de Almeida d.o.i. 10.13115/2236-1499v2n20p474 Resumo O presente texto almeja fazer uma discussão introdutória e bibliográfica sobre a importância da inserção do ensino sobre a História e a Cultura Indígenas, a partir da reflexão da formação inicial e continuada de professores e da abordagem dos Livros Didáticos de História para a educação escolar básica. Justifica-se essa discussão pelo aniversário de 10 anos da Lei 11.645 de 2008 como política pública para a superação dos preconceitos étnicos e sociais ainda existentes sobre os povos originários brasileiros. Palavras-chave: Ensino da Temática Indígena; Educação Básica; Educação Étnico-Racial HISTORY AND CULTURE OF INDIGENOUS PEOPLES IN BASIC EDUCATION: THE EMERGENCY OF DISCUSSION Abstract The present text aims to make an introductory and bibliographical discussion about the importance of insertion of teaching about Indigenous History and Culture, starting with the reflection of the initial and continued formation of teachers and the approach of Didactic History Books for basic school education. This discussion is justified by the 10-year anniversary of Law 11.645 of 2008 as a public policy for overcoming ethnic and social prejudices that still prevail over Brazilian native peoples.

HISTÓRIA E A CULTURA DOS POVOS INDÍGENAS NA EDUCAÇÃO ... · brasileiras, a lei n. 11.645/2008 alterou o artigo 26-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, acrescentando

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História e Cultura dos Povos Indígenas... – Bezerra & Almeida

Revista Diálogos – set. / out. 2018 – N.º 20 474

HISTÓRIA E A CULTURA DOS POVOS INDÍGENAS NA

EDUCAÇÃO BÁSICA: A EMERGÊNCIA DA DISCUSSÃO

Ricardo José Lima Bezerra

Tatiane Lima de Almeida

d.o.i. 10.13115/2236-1499v2n20p474

Resumo

O presente texto almeja fazer uma discussão introdutória e bibliográfica

sobre a importância da inserção do ensino sobre a História e a Cultura

Indígenas, a partir da reflexão da formação inicial e continuada de

professores e da abordagem dos Livros Didáticos de História para a

educação escolar básica. Justifica-se essa discussão pelo aniversário de

10 anos da Lei 11.645 de 2008 como política pública para a superação

dos preconceitos étnicos e sociais ainda existentes sobre os povos

originários brasileiros.

Palavras-chave: Ensino da Temática Indígena; Educação Básica;

Educação Étnico-Racial

HISTORY AND CULTURE OF INDIGENOUS PEOPLES IN BASIC

EDUCATION: THE EMERGENCY OF DISCUSSION

Abstract

The present text aims to make an introductory and bibliographical

discussion about the importance of insertion of teaching about

Indigenous History and Culture, starting with the reflection of the initial

and continued formation of teachers and the approach of Didactic

History Books for basic school education. This discussion is justified by

the 10-year anniversary of Law 11.645 of 2008 as a public policy for

overcoming ethnic and social prejudices that still prevail over Brazilian

native peoples.

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Key words: Teaching of the Indigenous Theme; Basic Education;

Ethnic and Racial Education

Considerações iniciais

Neste texto procuramos apresentar, de forma introdutória,

algumas considerações a respeito do ensino História e Cultura

Indígenas no Brasil, que emergem a partir da reflexão sobre a legislação

educacional que aborda essa temática e o entendimento de alguns

autores e algumas autoras sobre como professores, notadamente de

história, inserem esse conteúdo em suas sequências didáticas no

processo de ensino e aprendizagem nas escolas da educação básica

brasileira.

A importância, neste momento, em se discutir a abordagem

escolar desta temática está relacionada a dois aspectos fundamentais:

primeiramente, em 2018, completam dez anos a Lei Federal n. 11.645,

de 10 de março de 2008 que alterou o artigo 26 da Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional, ao determinar a obrigatoriedade da

inclusão do estudo da História e Cultura Afro-Brasileira e indígena nos

ensinos fundamental e médio, em escolas públicas e privadas no Brasil.

Dessa forma, ao inserir essas discussões na educação básica, há um

reconhecimento da necessidade de inserir nas práticas e políticas

curriculares a contribuição histórica e cultural dos povos indígenas para

a formação e constituição da sociodiversidade brasileira, dando

visibilidade nos espaços escolares, a essas minorias étnicas.

Contudo, a emergência da discussão sobre questões étnico-

raciais na educação básica brasileira é parte de um processo de

valorização e reconhecimento das identidades étnicas como estratégia

de superação dos preconceitos e estereótipos sociais que representam os

indígenas brasileiros como atrasados, preguiçosos e em vias de

extinção. Busca-se, através dessas práticas advindas das políticas

públicas estatais, caminhos para a superação da colonialidade interna

(CASANOVA, 2007) sofrida por grupos étnicos minoritários a partir

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dos discursos e das ações emanados pelas elites raciais que detém o

controle dos meios de produção e das melhores oportunidades

socioeconômicas, se constituindo, assim, nos grupos sociais

dominantes.

A educação básica convive cada vez mais com as exigências

sobre os currículos, as novas leis educacionais, diretrizes e propostas

pedagógicas. A lei n. 11.645, de 10 de março de 2008, ao introduzir na

educação básica brasileira o estudo da História e Cultura Africana,

Afro-Brasileira e dos Povos Indígenas, estabeleceu a necessidade de o

sistema educacional nacional (re)pensar a história e a organização social

do Brasil, a formação étnica da nossa sociedade e as práticas e

representações pedagógicas sobre a temática indígena na educação

básica.

Resultante de discussões e debates advindos das reivindicações e

mobilizações dos povos indígenas, de pesquisadores e dos movimentos

sociais engajados na defesa dos direitos das comunidades indígenas

brasileiras, a lei n. 11.645/2008 alterou o artigo 26-A da Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional, acrescentando neste artigo a

necessidade de se inserir o estudo da história e cultura das populações

indígenas, como estratégia de superação de estereótipos e

invisibilidades sobre essas sociedades. Dessa forma, esperava-se

intensificar a valorização e o conhecimento sobre a sociodiversidade

étnica brasileira, atendendo para as demandas dos indígenas brasileiros

por respeito e reconhecimento social.

No entanto, no momento em que essa legislação educacional

completa dez anos de vigência, e refletindo sobre seu papel, ainda

podemos encontrar a temática indígena tratada no âmbito escolar

carregada de preconceitos, estereótipos e invisibilidades, tanto por parte

dos professores quanto dos estudantes.

A esse respeito, apontam Funari e Piñon (2011, p. 8) que

A escola, ao longo da história do Brasil, tem

cristalizado determinadas imagens sobre os índios

que fazem a cabeça dos cidadãos presentes e futuros.

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Com isso, muitas vezes acabam favorecendo a

exclusão ou, pelo menos, o esmaecimento da

presença indígena na sociedade e na cultura

brasileiras.

Embora a lei n. 11.645/2008 busque instigar na educação básica

práticas pedagógicas de valorização e promoção da diversidade étnico-

racial brasileira, como forma de superação dos preconceitos e

subvalorização sobre os índios brasileiros, o que ainda encontramos é a

maioria dos docentes, em especial da área disciplinar da História, não

está preparado para abordarem e desenvolverem a temática da

diversidade étnica brasileira e, em especial, a história e cultura

indígenas, com os estudantes nas escolas brasileiras. Deficiências na

formação inicial durante a licenciatura e a falta de orientações e

programas de qualificação docente, aliadas a ausência de discussões

sobre essas temáticas pelas redes públicas e privadas de educação são

alguns dos entraves encontrados, e das razões apontadas pelos

especialistas, que vêm contribuindo para dificultar o estudo das

questões étnico-raciais na escola.

Ou seja, mesmo com a existência desta legislação promotora do

respeito e da valorização da diversidade étnico-racial, professores e

estudantes da educação básica têm se questionado sobre o que pode ser

feito para trabalhar melhor a temática indígena na escola, alegando

tanto falta de recursos didáticos adequados como fragilidades na

formação docente da maioria dos professores de História e das demais

disciplinas escolares, visto que

As dificuldades de professores e demais

profissionais da Educação Básica consistem,

particularmente, em responder à questão de como

caracterizar com clareza e correção as sociedades

indígenas em seus aspectos comum (comum a todas,

por serem os que as distinguem de outras

sociedades), ressaltando, entretanto, a singularidade

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de cada uma delas, sem reforçar estereótipos e

preconceitos (SILVA, 2012, p. 135).

Ainda hoje, a concepção presente sobre história e cultura

indígenas na educação básica ressaltam os povos originários de forma

“folclórica” e anacrônica, aspectos pejorativos sobre as práticas de

antigos rituais com os indígenas adornados com cocares, penas e outros

adereços, reforçando a ideia do senso comum deturpada sobre o índio

brasileiro, em geral a partir da representação construída pela grande

mídia, sobre os indígenas.

A partir da década de 1990, inúmeros livros didáticos

procuraram trazer informações mais atualizadas e coerentes a respeito

das sociedades indígenas. Contudo, ainda em muitas obras, os índios

continuam sendo representados de forma estereotipada e restrita a uma

presença na temporalidade histórica brasileira, sobremaneira, apenas

durante o período e colonial, restritos aos séculos XV e XVI, como as

populações que foram subjugadas pelo europeu, reflexo da sua

ingenuidade, desorganização social e fragilidade militar em resistir a

esse processo de colonização. Isso tem demonstrado em pesquisas

recentes sobre o papel do livro didático no ensino de história, a

defasagem entre a produção acadêmica e a escolar, representando que

muitos autores de livros didáticos desconhecem as recentes produções

historiográficas. A esse respeito, Coelho (2009), ao analisar a produção

didática e sua relação com a recente discussão da historiografia sobre os

índios na história brasileira, percebe que persiste

Uma gritante ambiguidade: enquanto, por um lado,

se percebe um processo de redimensionamento do

lugar das populações indígenas na composição dos

conteúdos, em todo atento às pesquisas mais

recentes, por outro, nota-se a permanência de aportes

que se aproximam daquela antiga vocação: as

populações indígenas são representadas conforme

aquela cultura histórica que as via como ingênuas,

vítimas dos colonizadores, cujo traço cultural

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fundamental era, fora a preguiça, a relação com a

natureza (COELHO, 2009, p. 274).

A escola como espaço de possibilidades da superação de visões

estereotipadas

As contribuições sobre a reflexão dos desafios e as

possibilidades do ensino da História e Cultura Indígenas na educação

básica, tem como intuito possibilitar que professores e estudantes

possam pensar sobre as diversas sociedades indígenas que vivem no

Brasil, sua historicidade e atualidade e que conheçam não apenas a

sociodiversidade dos grupos aqui existentes, mas que também se

apropriem dessa história indígena, reconhecendo sua contribuição na

formação da realidade sociocultural brasileira na contemporaneidade.

Pois, já é bem estudado que os sujeitos escolares, em sua maioria,

desconhecem a rica diversidade étnica no território brasileiro, visto que

A escolha da abordagem sobre de História Indígena

na escola regular apresenta um grande desafio, uma

vez que cabe ao educador não índio fazer escolhas

das metodologias que serão empregadas para

desenvolver tal temática. As escolhas, nesse sentido,

podem se situar entre prestar uma “homenagem” aos

índios, no dia 19 de abril, fazendo um cocar de

cartolina e pintando o rosto dos alunos com guache,

ou apresentar, a cosmogonia de alguns povos

indígenas às crianças, através da leitura de lendas

que revelem sua visão de mundo e o seu estar com a

natureza. Trabalhar com a temática indígena apenas

nas datas comemorativas resulta em reproduzir

visões distorcidas e estereotipadas, o que não

corresponde às necessidades dos educandos nos dias

atuais e implica desrespeito para com as

comunidades indígenas (ALVES, 2015, p. 47)

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A escola tem o papel de superar ideias equivocadas a respeito

dos povos indígenas, veiculando informações que permitam conhecer,

respeitar e valorizar sua diversidade e identidades. Torna-se necessário

identificar os problemas de modo a perceber onde estão as lacunas que

prejudicam a abordagem da temática indígena no cotidiano escolar, e

isso pode ser realizado através da observação e análise das práticas

desenvolvidas em sala de aula.

A necessidade de rever a temática indígena nas escolas, tem sido

uma preocupação de vários setores da sociedade, governos, educadores

e intelectuais. No entanto, preocupação ainda limitada e de efeitos,

apesar de legalistas, ainda pouco efetivos sobre a prática escolar

cotidiana. É imprescindível o esforço para que visões estereotipadas do

“índio” deixem de ser realidade nas escolas brasileiras, e na

mentalidade dos próprios educadores. Apesar dos avanços nas

pesquisas sobre o ensino de história da cultura indígena - e do eventual

impacto dessas pesquisas e reflexões sobre a escola, o “índio” continua

sendo visto como único e o mesmo que existia em 1500, uma espécie de

entidade genérica.

Se, por um lado, a obrigatoriedade do estudo da

história e cultura indígena na escola, forjada por uma

lei, pode produzir certo desconforto, por outro oferece

possibilidade alentadora de que um tema tão

importante e necessário se faça presente no curso

básico e nos currículos de formação docente,

favorecendo o diálogo étnico-cultural e modos de vida

próprios dos povos originários e, contribuindo, assim,

para superar o silêncio e os estereótipos que, em geral,

acompanham a temática indígena nos espaços

escolares. (BITTENCOURT, 2012, p.14)

Portanto, percebemos que a educação escolar é um espaço para

superar os preconceitos, ideias equivocadas sofridas pelos povos

indígenas. Nesse sentido, torna-se necessário identificar os problemas

no modo como o ensino de história trata essas comunidades. Tendo

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papel importante na promoção do reconhecimento e respeito dos grupos

étnico-culturais e no combate aos estereótipos e preconceitos raciais,

defendemos que essa seja a perspectiva adotada na educação escolar

básica.

Deve-se ressaltar, que a educação é responsável por promover a

inclusão desses povos, e não mais ser um instrumento de dominação

que durante o período colonial, por exemplo, teve o papel salvacionista

e civilizatório do ponto de vista do colonizador. A participação dos

povos indígenas na história do Brasil trabalhada em sala de aula vincula

sempre o “índio” ao passado, no processo de colonização, e fomenta

uma negligência para com as lutas indígenas, historicamente

construídas, por território, abandono de suas terras originais por pressão

social e tantos outros fenômenos sociais e políticos complexos que

integram essa história.

A história construída sobre a formação da sociedade brasileira

sobre o olhar do colonizador privilegiou por muito tempo os heróis,

valores, patrimônios e a cultura europeia em detrimento daquilo que

estava se desenvolvendo aqui, promovendo com isso um silenciamento

da participação dos povos indígenas na construção da história do nosso

país, sem mencionar todas as outras categorias inseridas também de

forma genérica na categoria de comunidades tradicionais.

Esse indígena visto apenas como coadjuvantes da história dos

colonizadores deve ser repensado com urgência e a história indígena

reescrita e recontada. A sala de aula é sem dúvida o principal lugar para

que haja essa modificação. No decorrer dos estudos historiográficos a

população indígena não aparece em outros momentos, fora da

colonização, mesmo quando se discuti os movimentos sociais e as lutas

por territórios rurais o indígena é “escondido” dentro da categoria de

“militante rural”, algo que não agrega valor às discussões e limita tanto

aos educadores quanto aos estudantes uma visão por assim dizer,

complexa dos fenômenos sociais.

Esse cenário, no entanto, vem se transformando a algum tempo

na academia, ao refletir acerca do próprio conceito de cultura, que

percebe a transformação social que os grupos tradicionais, dentre eles

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os indígenas passaram ao longo de nossa história. Ter condições de

perceber essas transformações sociais é crucial para de fato caminhar na

direção de um processo de ensino aprendizagem que vise realmente o

respeito e o reconhecimento das várias identidades existentes no Brasil. A escola é um espaço privilegiado para as várias

manifestações de diferentes grupos, para onde

convergem normas, valores, tradições, rebeldias,

resistências e novas perspectivas, bem como dela

procedem ressignificações, indignações,

comportamentos e reelaborações que são possíveis

graças à convivência entre as diferenças posta em

jogo. (LIMA, 2016, p. 102)

As leis n. 10.639/2003 e a n. 11.645/2008 promoveram, sem

sombra dúvida, um grande avanço nas últimas décadas, somando as

experiências dos movimentos sociais que favoreceram o

reconhecimento de direitos e identidades de povos e comunidades

negligenciadas ao longo da história. No âmbito educacional, a

possibilidade de reconhecer e discutir a sociodiversidade brasileira

atuou como um lugar de resistência para dar suporte as manifestações

sociais e fundamentar as leis que apoiam esses grupos. A

obrigatoriedade do ensino da história e da cultura indígena é sem

dúvida o maior marco desse processo. A implementação das leis tem

possibilitado fortalecer o estudo, o conhecimento, a compreensão da

temática indígena, buscando a superação, assim, dos equívocos,

preconceitos, estereótipos construídos até hoje na realidade educacional

brasileira. Lei nº 11.645/2008 nos coloca: estabelecer um

diálogo intercultural respeitoso com os povos

indígenas. A referida lei além de favorecer novos

olhares para a História e para esses grupos, também

servira para mudar antigas práticas pedagógicas

preconceituosas. Em uma análise superficial,

percebe-se que existem vários desafios para

efetivação de que determinou a Lei, no que se refere

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aos conteúdos mencionados, dando ênfase aos

aspectos simbólicos e representativos, como ao

preparo dos professores, estes que em muitos casos

não tiveram formação adequada ou capacitação para

a efetivação da mesma (MEDEIROS, 2012, p. 61)

Como nos coloca Souza e Santos (2016), a escola cumpre papel

preponderante nesse processo, pois,

Uma análise mais profunda a respeito das informações

que chegam ao público de modo geral, sobre a questão

indígena e ainda faz com que possamos perceber

como tem sido o papel dos educadores e do material

utilizado em sala de aula no reforço de noções

preconceituosas e estereotipadas.” (SOUZA;

SANTOS, 2016, p. 188)

A escolha das abordagens sobre a metodologia e temática

indígena utilizadas nas escolas são um grande desafio para os

educadores, que, em muitos casos, se reduzem a homenagear os índios

apenas no dia 19 de abril, fazendo cocar, pintando os estudantes ou

através de leituras de lendas folclóricas, mas sem problematizar essas

atividades ou discutir como essas representações sobre os índios se

perpetuam, o que acaba por não alterar em nada o quadro sobre o

respeito e a valorização da formação étnico-racial brasileira. Trabalhar a

temática apenas em datas comemorativas, resulta em reproduzir visões

distorcidas e estereotipadas, deixando uma sensação de “fazer por que

se manda”, mas sem criticidade, sem contextualização e de afastamento

das discussões historiográficas recentes e da importância social de que

essas populações indígenas são merecedoras.

As autoras Souza e Santos (2016), afirmam que enquanto

deixarmos uma perspectiva eurocêntrica e etnocêntrica obscurecer

nosso olhar sobre a diversidade cultural brasileira, nosso material

didático produzido, nossos discursos, nossas práticas pedagógicas

continuarão a produzir ideologias preconceituosas de negação do outro.

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Anteriormente ao afirmado por Souza e Santos (2016), Collet.

Paladino e Russo (2013, p. 8), já defendiam que Cabe chamar a atenção para a importância da

abordagem da tentativa indígena na sala de aula não

apenas porque ela é uma questão ‘politicamente

correta’ ou porque ‘os índios são nossas raízes’, mas

também pelo fato de que existem hoje graves

situações de conflitos, discriminação e violência

sofrida pelos ‘povos indígenas’. É preciso educar as

crianças e os jovens para a construção de um olhar

crítico sobre a relação de desigualdades existentes

entre os diversos grupos étnicos.

Na efetivação da lei n. 11.645/2008 o maior desafio talvez seja a

qualificação dos professores para a abordagem dessa temática, tanto na

formação inicial nas universidades, quanto nas formações continuadas,

muitas vezes oferecidas no âmbito das secretarias municipais e

estaduais de educação. Raramente disciplinas que atendam a temática

exigida pela lei são ofertadas nestes cursos de licenciatura e quando são

falta formação daqueles que estão ministrando tais disciplinas. A

experiência prática e o contato com a realidade indígena também se faz

necessária, mas é totalmente negligenciada pelas instituições

formadoras.

Silva (2012, p. 220) coloca que: É preciso que as secretarias estaduais e municipais de

educação incluam ainda a temática indígena nos

estudos, nas capacitações periódicas e na formação

continuada, e a abordagem deve se dar na perspectiva

da sociodiversidade historicamente existente no

Brasil. (SILVA, 2012, p. 220)

Fica evidente nas diversas pesquisas realizadas e divulgadas que

a maioria dos educadores não está preparada para trabalhar a temática

indígena em sala de aula. Vale destacar que esse problema não está

restrito à temática indígena, mas também a vários outros temas

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relacionados ao contexto contemporâneo, o que expõe a fragilidade em

conduzir uma educação contextualizada e presente.

A prática educativa no processo de ensino aprendizagem

A inserção e o aprimoramento do estudo da História e da

Cultura indígena na educação básica são parte de um processo de

reconhecimento e valorização da educação para as relações étnico-

raciais. Com isso, promove-se o respeito a diversidade cultural

brasileira, mostrando que a história do nosso país foi construída por

diferentes grupos humanos conviventes do mesmo espaço social.

Conforme orientam as Diretrizes Curriculares Nacionais para a

Educação das Relações Étnico-Raciais, lançadas em 2004 pelo

Ministério da Educação-MEC, a prática pedagógica pautada por uma

educação para as relações étnico-raciais propõe superar preconceitos

através de ações afirmativas de Estado, apresentando outros pontos de

vistas históricos e sociais, aproximando as pessoas do conhecimento

sobre a formação do nosso país em uma perspectiva múltipla e diversa

(WITTMANN, 2015).

Tendo em vista que infelizmente ainda hoje em muitas escolas

brasileiras a história é contada a partir de um único ponto de vista - do

colonizador - e que ainda traz um eurocentrismo nos materiais

didáticos, desde a escolha dos conteúdos, até a percepção daqueles que

são priorizados em detrimento de outros quase esquecidos. “História

essa que desde os tempos coloniais vê os não-brancos como gente

“incivilizada”, sem cultura, sem estado e como pagãos, que, portanto,

poderia ser explorada tal e qual um animal de carga ou de curral”.

(CARVALHO; NOGUERA; SALES 2013, p.18).

É importante lembrar que o ensino de história não se limita

apenas a apresentar fatos no tempo e no espaço, não é somente o

conteúdo proposto em sua sequência, excluindo a realidade do aluno

desprezando qualquer experiência da história por ele vivida,

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[...] além do desafio de saber como introduzir e

encaminhar as tarefas de aprendizagem para os

alunos de diferentes idades e condições culturais.

História é estudar as ações dos homens, procurando

explicar as relações entre seus diferentes grupos

(BITTENCOURT, 2009, p. 192).

Ensinar passa a ser então, a mediação de conceitos para a

construção do conhecimento histórico e dar condições para que o aluno

possa participar do processo do fazer, do construir e perceber a história.

E que a sala de aula não é apenas um espaço onde se transmite

informações, mas trata-se de uma relação teoria e prática, ensino e

pesquisa. A distância que há entre a formação acadêmica e a realidade

da prática escolar é um grande desafio atualmente no ensino, esse

aspecto no ensino de história tem sido alvo de várias pesquisas.

Fonseca (2009) aponta que deve haver uma necessidade urgente

de revisão das práticas pedagógicas de formação docente, formação

continuada e na valorização dos docentes, pois para ela é necessário que

o profissional em história que escolhe a docência, tenha o objetivo de

reconstruir a complexidade dos saberes escolares no cotidiano da

prática escolar.

No dia a dia escolar as dificuldades encontradas pelos

educadores nas salas de aula são para acompanhar as discussões

empreendidas pela educação das relações étnico-raciais e sua relação

com os processos pedagógicos de ensino-aprendizagem. A prática

educativa é um campo amplo e complexo, que não existe uma receita

para determinar o que é correto ou não, o respeito a diversidade étnica e

aos saberes dos discentes impõem mais essa complexidade. Destarte é

de extrema importância que o docente construa uma prática docente

consciente e responsável não só de trabalhar o que determina a

legislação educacional, mas que, sobretudo, transforme a sua prática em

caminho para construção de uma escola ética e socioculturalmente

diversa.

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Para Tardif (2012), a prática educativa mobiliza diversos saberes

para por sua vez buscar atingir os objetivos da educação escolar. Seria a

prática educativa uma arte? É o professor um artista, que tem a

habilidade de esculpir seu aluno? A prática é uma ciência objetiva? Ou

mesmo a prática educativa como uma interação?

É preciso pensar, neste momento, em uma perspectiva pós-

estrutural no sentido de entender que aquilo que se concebe enquanto

“conhecimento” acadêmico, “artístico”, “filosófico” e “mítico” e aquele

que convencionamos chamar de “senso comum”, são de fato formas de

perceber a realidade plenamente e todos perpassam os espaços

escolares, as vivências dos educadores e educandos e dos mais diversos

grupos étnicos, inclusive conversando entre si em determinados

seguimentos sociais.

Supõe-se que a prática docente é uma arte, uma técnica, uma

interação, que é muito mais que tudo isso. E que como professor em sua

prática o objetivo seja de formar pessoas que não precisem mais de

professores. Zabala (1998, p. 9) afirma que

De fato, quer mostrar que a resolução dos problemas

que a prática educativa coloca exigem o uso de

alguns referenciais que permitam interrogá-la,

questioná-la ao mesmo tempo que proporcionem os

parâmetros para as decisões que devam ser tomadas.

Sendo assim, a relação dos currículos, leis, diretrizes e propostas

pedagógicas com o ensino de história não estabelece apenas um

conjunto de conhecimentos escolares a serem ensinados, aprendidos e

avaliados, mas uma construção, um processo, um campo de

construções, ressignificações e disputas. Nesse contexto, Fonseca

(2009, p. 49), coloca que; “O currículo é entendido como um campo de

relações e intenções sociais, políticas, econômicas e culturais, é parte

constitutiva do contexto produzido e produtor de relações, de saberes e

práticas”.

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O conjunto desses elementos orientam os docentes nas

atividades escolares, mas são também objetos sociais e culturais nas

práticas pedagógicas. Além disso, quando observamos as práticas

educativas, no dia a dia da sala de aula, verificamos que esses

elementos divergem do que é previsto. Sendo as políticas

governamentais que orientam o que se deve ensinar, porém a prática

vivenciada pelos docentes tende a ser diversa. Para Sacristán (2000), o

que importa não é o que se diz que se faz, mas, o que verdadeiramente

se faz; o significado real do currículo não é o plano ordenado,

sequenciado, nem que se definam as intenções, os objetivos concretos,

os tópicos, as habilidades, valores, etc., que dizemos que os estudantes

aprenderão, mas a prática pedagógica de fato vivenciada que determina

a experiência de aprendizagem dos educandos na educação escolar

básica.

Os currículos oficiais são produtos de concepções,

interpretações e escolhas de pessoas ocupantes de postos de poder

político e social, os quais determinam o que deve e como deve ser

ensinado. A imposição por parte dessas políticas educacionais, em

geral, não respeitam ou consideram a autonomia e o exercício

profissional de quem realmente está vivenciando o cotidiano escolar:

estudantes e professores. O próprio livro didático – pela sua

centralidade nas práticas pedagógicas - é uma ferramenta

importantíssima no processo ensino-aprendizagem, no entanto, o

mesmo é oriundo dessas políticas educacionais, eivado também do

projeto econômico do mercado editorial sujeito ao lucro e à

produtividade. Todavia, precisamos reafirmar que como produto

educacional, comercial e editorial, dissemina uma concepção de

identidade e nação. Necessário se faz, então, que, nós, enquanto

professores possamos refletir sobre o papel do livro didático como

instrumento essencial das nossas práticas pedagógicas, não esquecendo

que este livro didático é um recurso, dentre vários possíveis, para uma

educação escolar que contribua para, adequadamente, abordar a

diversidade étnica e cultural da sociedade brasileira, representando as

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identidades indígenas e brasileiras como parte integrante de um país

multiétnico e com grandes diferenças sociais, econômicas e regionais.

De acordo com Maria Auxiliadora Schmdit (2010) as relações

do professor de história, como as de outros, com os livros didáticos

articulam-se, fundamentalmente, por meio de suas concepções de

educação escolar e de ensino-aprendizagem, ou seja, estão permeadas

pelas concepções que ele tem de escola, bem como pelas que tem das

finalidades do ensino em geral e do ensino da História em particular.

A lei n. 11.645 de março de 2008 aponta que muitos esforços

deverão ser feitos para que os livros didáticos ofereçam uma justa

apresentação e uma significativa contribuição sobre a história e cultura

dos povos indígenas. Porém em geral, os livros didáticos de história

empregados nas escolas, na atualidade, não valorizam as questões

relacionadas aos indígenas, representando os "índios" de maneira

estereotipada e folclórica. Mesmo com as atuais produções acadêmicas

a respeito dos indígenas, os autores de livros didáticos permanecem

abordando uma visão evolucionista e eurocêntrica dos povos indígenas

brasileiros.

[...] essa produção didática sobre os povos indígenas

na história ensinada nas escolas tem, sobremaneira,

dificultado o cumprimento da Lei nº. 11.645 de

2008, que tornou obrigatório o estudo da história da

cultura afro-brasileira e indígena nos

estabelecimentos escolares do país, sobretudo pela

dificuldade em introduzir e desenvolver as

contribuições históricas e sociais dos povos

indígenas a partir de discussões sobre questões

etnicorraciais sob as perspectivas e abordagens

historiográficas e acadêmicas. (BEZERRA, 2017, p.

279)

É importante que os professores ao utilizar os livros didáticos no

processo de aprendizagem, tenham a sensibilidade e o olhar crítico para

não beber na fonte da aculturação e permanecer propagando uma visão

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estereotipada dos povos indígenas. Segundo afirma Maria da Penha

Silva (2010), o livro didático é um dos subsídios básicos mais utilizados

em sala de aula, e por isso nos preocupam as formas de abordagem da

história e culturas indígenas nestes livros.

Os livros didáticos de História adotados nas escolas brasileiras

geralmente protagonizam sempre o europeu, como de conquistador de

terras e povos que se tornaram escravos “vítimas”. Não aparecendo

esses grupos em conflitos, mobilização e resistência, sendo protagonista

de suas histórias. De acordo com Maria da Penha da Silva (2010, p. 44)

“Que apesar das pesquisas acadêmicas afirmarem avanços significativos

no olhar sobre o índio, atualmente muitos livros continuam

reproduzindo as imagens de tempos passados...”. Essa produção do

livro didático tem dificultado a efetivação da lei 11.645/2008 nas

escolas em todo território brasileiro, sobretudo no que diz respeito as

dificuldades encontradas em introduzir as contribuições acadêmicas,

nas discussões sobre as questões étnico-raciais dos povos indígenas.

Concluindo... mas não tanto...

Pela importância que tem o ensino sobre a História e a Cultura

dos povos indígenas brasileiros nas escolas, e considerando a distorção

que existe no que é prescrito nos currículos escolares e o que é vivido

na prática pedagógica cotidiana em sala de aula, refletimos que há uma

necessidade urgente de se investir na formação inicial e continuada de

professores da educação básica, assim como na produção de recursos

didáticos condizentes com a legislação para práticas afirmativas da

sociodiversidade étnica nas escolas brasileiras.

Dessa forma, transformar a escola em um ambiente mais ético e

adequado ao reconhecimento dessa diversidade e pluralidade brasileira,

é sem dúvida urgente, para que essa ações afirmativas se realizem no

fazer pedagógico cotidiano. Essa reflexão, por meio deste texto

introdutório para potenciais itinerários de pesquisa em construção, estar

contribuindo para refletir sobre a importância do ensino de História e

Cultura Indígenas como um dos caminhos possíveis para superar visões

parciais, anacrônicas, estereotipadas e discriminatórias acerca dos povos

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originários deste vasto país. Busca-se a construção de uma consciência

histórica em nossos educando que reconheça e se conscientize dessas

visões acima elencadas sobre as populações indígenas como

mecanismos exploratórios, expressos em discursos e práticas sociais, da

colonialidade interna ainda tão presente na formação social do nosso

país.

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