1
QUINTA-FEIRA 23 de abril de 2015 Ano 151.º, N.º 53 331 www.dn.pt Conselho de AdministraçãoDaniel Proença de Carvalho (Presidente) Vítor Ribeiro, José Carlos Lourenço, Pedro Coimbra, Rolando Oliveira, Luís Montez e Jorge Carreira (adminis- tradores) PropriedadeGlobal Notícias Publicações, SA; Matriculada na Conservatória do Registo Comercial do Porto. Capital social: 6 334 285 euros. NIPC: 500096791 Sede R. Gonçalo Cristóvão, 195-219, 4049-011 PORTO Filial Av. da Liberdade, 266, 1250-149 LISBOA C Marketing e Comunicação Bruno Patrão (diretor) e Joana Machado (diretora adjunta) PublicidadeLuís Ferreira (diretor-geral) Direção Comercial Paulo Pereira da Silva, Reinaldo Capela (agências ) e Luís Barradas (Diretos) Detentora de mais de 10% do capital social: Global Notícias - Media Group, SA Impressão GráficaFunchalense (Rua da Capela da Nossa Senhora da Conceição, 50, Morelena, 2715-029 Pero Pinheiro); Naveprinter (EN, 14 (km 7.05) – Lugar da Pinta, 4471-909 Maia) DistribuiçãoVASP; Registado na ERC com o n.º 101326. Assinaturas707 200 508. Custo das chamadas da rede fixa 0,10€/minuto e da rede móvel 0,25€/minuto, sendo ambas taxadas ao segundo após o 1º minuto. Valores sujeitos a IVA. Dias úteis, das 7h às 18h. Fax: 21 924 19 95 – E-mail: [email protected]. PUB UM PONTO É TUDO Eu, Cro-Magnon, me confesso: há quem comunique melhor FERREIRA FERNANDES Jornalista O que vou contar aqui será sob uma forma rudimentar. Este comunicar antigo e ultrapas- sado, daquele redondinho “O” com que começo a crónica até este último sinal, esse pauzinho “l” antes da vírgula aí atrás, já me levou cerca de cem caracteres. Cem esforçados dese- nhos, que juntos uns aos outros tentam laboriosamente exprimir uma ideia. Ora, o que quero contar, o essencial do jogo Mónaco-Juventus de ontem, foi logo nos minutos seguintes bem contado, de for- ma assertiva, inteligente e atraente, falan- do para todos, fosse o destinatário russo, francês ou chileno. E eu ainda aqui estou sem me desenvencilhar... Lá vai: ainda não ia decorrido o primeiro minuto do jogo, o defesa italiano Chiellini estrebu- chou nas próprias pernas, deixou fugir a bola e, vendo ele que o nosso Moutinho (jogador do Mónaco) ia fugir com ela, mergulhou e agarrou-a com a mão. Foi o único assunto notável dum jogo para o qual nos estamos, eu e o leitor, razoavel- mente nas tintas. Menos para o tal episó- dio, que correu mundo – o que pode sur- preender quem só sabe dele agora, pela forma antiga de o contar, a escrita. Mas no Twitter surgiram dezenas de montagens (sempre da mesma foto de Chiellini) com o italiano a recolher a bola sob um carro, a competir com LeBron James como se fos- se basquetebolista, em braçadas entre peixes, a voar como o Super-Homem so- bre Nova Iorque, esticado a escalar uma rocha... Digo-o, resignado, o assunto foi mais bem tratado do que eu aqui o faço. “Nunca pensei”, repete Pe- dro Miguel, que teve a ideia de criar um serviço ao domicílio há mais de dois anos. Os tem- pos que se segui- ram dedicou-os a procurar “ajudas e incentivos”... até se convencer de que os “não há”. A solução passou então por pedir um crédito a um banco, acabando por ser integrado num regime de microempreendedorismo. A carrinha começou a circu- lar em janeiro e, além do au- mento e diversificação de clien- tes, permite também poupar nos custos de deslocação que o Sapateiro Expresso teria para recolher e entregar no mesmo local o que neces- sitava sempre de consertar na ofici- na de Campolide. O espaço, perto do cruzamento da Rua Dom Carlos de Mascarenhas com a Calçada da Quintinha, nas- ceu em 2009, no lugar de um antigo café. “Eu sou nascido e criado aqui em Campolide”, justifica, depois de recordar o percurso que o fez voltar a casa. Ao estágio realizado no âm- bito de um programa do Insti- tuto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) seguiu-se a exploração de uma loja em Queluz (Sintra). Quatro anos depois, mudou-se para o Mer- cado de Alcântara, em Lisboa. Sempre dedicado à arte de pro- longar a vida do calçado e com a reprodução de chaves a tor- nar-se, entretanto, secundária. Longe vão os tempos em que fez “um pouco de tudo”, troca- dos por um futuro recheado de projetos destinados a aprovei- tar, como sapateiro, as oportu- nidades que a vida deu. “O tra- balho não me assusta”, conclui. Quando, há “15 ou 16 anos”, Pe- dro Miguel iniciou um estágio de formação profissional no sapa- teiro de um centro comercial da Grande Lisboa para tentar sair do desemprego, até se interessou mais pela reprodução de chaves do que pelo arranjo de sapatos. Hoje, aos 47 anos, acredita ser o único sapateiro da capital e, tal- vez, do país que conserta sapatos ao domicílio. A oficina móvel, complementar à que explora em Campolide (Lisboa), funciona numa carrinha azul onde, para conseguir fazer quase tudo, só falta uma máquina de coser. “Espero tê-la a partir deste ve- rão”, adianta o lisboeta, sem con- ter um suspiro pelo investimen- to de 700 euros que representa a sua aquisição. Coser sapatos é uma das poucas tarefas que, por agora, não consegue levar a cabo no veículo onde, desde janeiro, já arranjou calçado desde o mais barato ao considerado de luxo. “Nunca pensei sair dos chana- tos e andar com os Ferrari dos sa- patos”, assegura, entre risos, ao DN, na memória ainda bem pre- sente o que sentiu da primeira vez que lhe pediram para con- sertar um par de Louboutin, que pode chegar a custar um milhar de euros – uma novidade que re- sulta da particularidade de já ter viajado com a oficina móvel até locais como o Parque das Na- ções, em Lisboa, a Quinta da Be- loura, em Sintra, e Cascais. INÊS BANHA Pedro, um sapateiro à sua porta. E até arranja Louboutin Desde janeiro que o sapateiro de 47 anos percorre a Grande Lisboa para consertar, numa carrinha que vai de porta em porta, todo o tipo de sapatos. Aprendeu num estágio de formação profissional em que até se interessou mais por replicar chaves Veículo é uma autêntica oficina móvel e é um complemento à loja de Campolide HISTÓRIAS DE PESSOAS GLOBAL IMAGENS Quando, há 15 anos, aprendeu o ofício, estava desempregado

HISTÓRIAS DE PESSOAS UM PONTO É TUDO Pedro, um …fez “um pouco de tudo”, troca-dos por um futuro recheado de projetos destinados a aprovei-tar, como sapateiro, as oportu-nidades

  • Upload
    others

  • View
    3

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: HISTÓRIAS DE PESSOAS UM PONTO É TUDO Pedro, um …fez “um pouco de tudo”, troca-dos por um futuro recheado de projetos destinados a aprovei-tar, como sapateiro, as oportu-nidades

QUINTA-FEIRA 23 de abril de 2015 Ano 151.º, N.º 53 331

www.dn.pt Conselho de Administração Daniel Proença de Carvalho (Presidente) Vítor Ribeiro, José Carlos Lourenço, Pedro Coimbra, Rolando Oliveira, Luís Montez e Jorge Carreira (adminis-tradores) Propriedade Global Notícias Publicações, SA; Matriculada na Conservatória do Registo Comercial do Porto. Capital social: 6 334 285 euros. NIPC: 500096791 Sede R. Gonçalo Cristóvão, 195-219, 4049-011 PORTO Filial Av. da Liberdade, 266, 1250-149 LISBOA C Marketing e Comunicação Bruno Patrão (diretor) e Joana Machado (diretora adjunta) Publicidade Luís Ferreira (diretor-geral) Direção Comercial Paulo Pereira da Silva, Reinaldo Capela (agências ) e Luís Barradas (Diretos) Detentora de mais de 10% do capital social: Global Notícias - Media Group, SA Impressão Gráfica Funchalense (Rua da Capela da Nossa Senhora da Conceição, 50, Morelena, 2715-029 Pero Pinheiro); Naveprinter (EN, 14 (km 7.05) – Lugar da Pinta, 4471-909 Maia) Distribuição VASP; Registado na ERC com o n.º 101326. Assinaturas 707 200 508. Custo das chamadas da rede fixa 0,10€/minuto e da rede móvel 0,25€/minuto, sendo ambas taxadas ao segundo após o 1º minuto. Valores sujeitos a IVA. Dias úteis, das 7h às 18h. Fax: 21 924 19 95 – E-mail: [email protected].

PUB

UM PONTO É TUDO

Eu, Cro-Magnon, me confesso: há quem comunique melhor

FERREIRA FERNANDES Jornalista

Oque vou contar aqui será sob uma forma rudimentar. Este comunicar antigo e ultrapas-sado, daquele redondinho “O” com que começo a crónica até

este último sinal, esse pauzinho “l” antes da vírgula aí atrás, já me levou cerca de cem caracteres. Cem esforçados dese-nhos, que juntos uns aos outros tentam laboriosamente exprimir uma ideia. Ora, o que quero contar, o essencial do jogo Mónaco-Juventus de ontem, foi logo nos minutos seguintes bem contado, de for-ma assertiva, inteligente e atraente, falan-do para todos, fosse o destinatário russo, francês ou chileno. E eu ainda aqui estou sem me desenvencilhar... Lá vai: ainda não ia decorrido o primeiro minuto do jogo, o defesa italiano Chiellini estrebu-chou nas próprias pernas, deixou fugir a bola e, vendo ele que o nosso Moutinho (jogador do Mónaco) ia fugir com ela, mergulhou e agarrou-a com a mão. Foi o único assunto notável dum jogo para o qual nos estamos, eu e o leitor, razoavel-mente nas tintas. Menos para o tal episó-dio, que correu mundo – o que pode sur-preender quem só sabe dele agora, pela forma antiga de o contar, a escrita. Mas no Twitter surgiram dezenas de montagens (sempre da mesma foto de Chiellini) com o italiano a recolher a bola sob um carro, a competir com LeBron James como se fos-se basquetebolista, em braçadas entre peixes, a voar como o Super-Homem so-bre Nova Iorque, esticado a escalar uma rocha... Digo-o, resignado, o assunto foi mais bem tratado do que eu aqui o faço.

“Nunca pensei”, repete Pe-dro Miguel, que teve a ideia de criar um serviço ao domicílio há mais de dois anos. Os tem-pos que se segui-ram dedicou-os a procurar “ajudas e incentivos”... até se convencer de que os “não há”. A solução passou então por pedir um crédito a um banco, acabando por ser integrado num regime de microempreendedorismo.

A carrinha começou a circu-lar em janeiro e, além do au-mento e diversificação de clien-

tes, permite também poupar nos custos de deslocação que o Sapateiro Expresso teria para recolher e entregar no mesmo

local o que neces-sitava sempre de consertar na ofici-na de Campolide.

O espaço, perto do cruzamento da Rua Dom Carlos de Mascarenhas com a Calçada da Quintinha, nas-

ceu em 2009, no lugar de um antigo café. “Eu sou nascido e criado aqui em Campolide”, justifica, depois de recordar o percurso que o fez voltar a casa.

Ao estágio realizado no âm-bito de um programa do Insti-tuto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) seguiu-se a exploração de uma loja em Queluz (Sintra). Quatro anos depois, mudou-se para o Mer-cado de Alcântara, em Lisboa. Sempre dedicado à arte de pro-longar a vida do calçado e com a reprodução de chaves a tor-nar-se, entretanto, secundária.

Longe vão os tempos em que fez “um pouco de tudo”, troca-dos por um futuro recheado de projetos destinados a aprovei-tar, como sapateiro, as oportu-nidades que a vida deu. “O tra-balho não me assusta”, conclui.

Quando, há “15 ou 16 anos”, Pe-dro Miguel iniciou um estágio de formação profissional no sapa-teiro de um centro comercial da Grande Lisboa para tentar sair do desemprego, até se interessou mais pela reprodução de chaves do que pelo arranjo de sapatos. Hoje, aos 47 anos, acredita ser o único sapateiro da capital e, tal-vez, do país que conserta sapatos ao domicílio. A oficina móvel, complementar à que explora em Campolide (Lisboa), funciona numa carrinha azul onde, para conseguir fazer quase tudo, só falta uma máquina de coser.

“Espero tê-la a partir deste ve-rão”, adianta o lisboeta, sem con-ter um suspiro pelo investimen-to de 700 euros que representa a sua aquisição. Coser sapatos é uma das poucas tarefas que, por agora, não consegue levar a cabo no veículo onde, desde janeiro, já arranjou calçado desde o mais barato ao considerado de luxo.

“Nunca pensei sair dos chana-tos e andar com os Ferrari dos sa-patos”, assegura, entre risos, ao DN, na memória ainda bem pre-sente o que sentiu da primeira vez que lhe pediram para con-sertar um par de Louboutin, que pode chegar a custar um milhar de euros – uma novidade que re-sulta da particularidade de já ter viajado com a oficina móvel até locais como o Parque das Na-ções, em Lisboa, a Quinta da Be-loura, em Sintra, e Cascais.

INÊS BANHA

Pedro, um sapateiro à sua porta. E até arranja Louboutin

Desde janeiro que o sapateiro de 47 anos percorre a Grande Lisboa para consertar, numa carrinha que vai de porta em porta, todo o tipo de sapatos. Aprendeu num

estágio de formação profissional em que até se interessou mais por replicar chaves

Veículo é uma autêntica oficina móvel e é um complemento à loja de Campolide

HISTÓRIAS DE PESSOAS

GLO

BAL

IMAG

ENS

Quando, há 15 anos, aprendeu o ofício, estava desempregado