HOFLING, Heloísa de Mattos

Embed Size (px)

Citation preview

  • 8/14/2019 HOFLING, Helosa de Mattos

    1/12

    30 Cadernos Cedes, ano XXI, n 55, novembro/2001

    ESTADO E POLTICAS (PBLICAS) SOCIAISELOISADE MATTOS HFLING*

    RESUMO: Para melhor compreenso e avaliao das polticas pblicassociais implementadas por um governo, fundamental a compreenso

    da concepo de Estado e de poltica social que sustentam tais aes eprogramas de interveno. Vises diferentes de sociedade, Estado,poltica educacional geram projetos diferentes de interveno nesta rea.Este texto objetiva trazer elementos que contribuam para a compreensodesta relao, enfocando autores que se aproximam da abordagemmarxista e da neoliberal sobre o tema.

    Palavras-chave: Estado e poltica social; Polticas pblicas e educao;Poltica Educacional.

    Para alm da crescente sofisticao na produo de instrumentosde avaliao de programas, projetos e mesmo de polticas pblicas fundamental se referir s chamadas questes de fundo, as quais infor-mam, basicamente, as decises tomadas, as escolhas feitas, os caminhosde implementao traados e os modelos de avaliao aplicados, em rela-o a uma estratgia de interveno governamental qualquer.

    E uma destas relaes consideradas fundamentais a que se estabe-

    lece entre Estado e polticas sociais, ou melhor, entre a concepo deEstado e a(s) poltica(s) que este implementa, em uma determinada so-ciedade, em determinado perodo histrico.

    Na anlise e avaliao de polticas implementadas por um governo,fatores de diferentes natureza e determinao so importantes.

    Especialmente quando se focaliza as polticas sociais (usualmenteentendidas como as de educao, sade, previdncia, habitao, sanea-

    * Professora Doutora do Departamento de Metodologia de Ensino (Deme) da Faculdade de Edu-cao da Unicamp. E-mail: [email protected]

  • 8/14/2019 HOFLING, Helosa de Mattos

    2/12

    ARTIGOS

    31Cadernos Cedes, ano XXI, n 55, novembro/2001

    mento etc.) os fatores envolvidos para a aferio de seu sucesso ou fra-casso so complexos, variados, e exigem grande esforo de anlise.

    Estes diferentes aspectos devem estar sempre referidos a umcontorno de Estado no interior do qual eles se movimentam. Torna-se

    importante aqui ressaltar a diferenciao entre Estado e governo. Para seadotar uma compreenso sinttica compatvel com os objetivos destetexto, possvel se considerar Estado como o conjunto de instituiespermanentes como rgos legislativos, tribunais, exrcito e outras queno formam um bloco monoltico necessariamente que possibilitam aao do governo; e Governo, como o conjunto de programas e projetosque parte da sociedade (polticos, tcnicos, organismos da sociedade civile outros) prope para a sociedade como um todo, configurando-se a

    orientao poltica de um determinado governo que assume e desempenhaas funes de Estado por um determinado perodo.Polticas pblicas so aqui entendidas como o Estado em ao

    (Gobert, Muller, 1987); o Estado implantando um projeto de governo,atravs de programas, de aes voltadas para setores especficos dasociedade.

    Estado no pode ser reduzido burocracia pblica, aos organismosestatais que conceberiam e implementariam as polticas pblicas. As

    polticas pblicas so aqui compreendidas como as de responsabilidadedo Estado quanto implementao e manuteno a partir de umprocesso de tomada de decises que envolve rgos pblicos e diferentesorganismos e agentes da sociedade relacionados poltica implementada.Neste sentido, polticas pblicas no podem ser reduzidas a polticasestatais.

    E polticas sociais se referem a aes que determinam o padro deproteo social implementado pelo Estado, voltadas, em princpio, para

    a redistribuio dos benefcios sociais visando a diminuio dasdesigualdades estruturais produzidas pelo desenvolvimento socioeco-nmico. As polticas sociais tm suas razes nos movimentos popularesdo sculo XIX, voltadas aos conflitos surgidos entre capital e trabalho,no desenvolvimento das primeiras revolues industriais.

    Nestes termos, entendo educao como uma poltica pblicasocial, uma poltica pblica de corte social, de responsabilidade do Estado mas no pensada somente por seus organismos.

    As polticas sociais e a educao se situam no interior de umtipo particular de Estado. So formas de interferncia do Estado, visandoa manuteno das relaes sociais de determinada formao social.

  • 8/14/2019 HOFLING, Helosa de Mattos

    3/12

    32 Cadernos Cedes, ano XXI, n 55, novembro/2001

    Portanto, assumem feies diferentes em diferentes sociedades ediferentes concepes de Estado. impossvel pensar Estado fora de umprojeto poltico e de uma teoria social para a sociedade como um todo.

    Pensando em termos concretos, minha reflexo sobre poltica edu-

    cacional se insere no contexto do Estado Capitalista, entendido de maneiraampla, sem se considerar definies mais apuradas do que seria esteEstado: se democrtico liberal, se social democrtico etc., etc.

    Mais do que definir Estado e suas funes, pretendo focalizar,neste texto, como autores que se inscrevem em tradies diferentes nascincias sociais analisam o Estado Capitalista e como este pensa e concebesuas polticas sociais e a poltica educacional.

    No uma simples questo de abordagem: concepes meto-

    dolgicas implicam pressupostos, conceitos, posturas tericas, sistema-tizaes intelectuais, proposies polticas, enfim, concepes de mundoe sociedade diferentes.

    Sem a pretenso de tratar a temtica com a profundidade quemerece, pretendo focalizar, nos limites deste texto, dois autores que seinscrevem, respectivamente, na tradio1 marxista e na liberal, especi-ficamente neoliberal: Claus Offe e Milton Friedman.

    Nunca demais assinalar que o marxismo no pode ser entendidocomo uma nica abordagem, como nico tratamento dado a qualquertema. A tradio marxista desdobra-se num amplo espectro de tendnciase mesmo teorias alis coerente com seus pressupostos referentes construo histrica de conceitos. Enraizadas nas clssicas formulaesde Marx em relao ao Estado e s aes estatais as quais estariam, emltima instncia, voltadas para garantir a produo e reproduo decondies favorveis acumulao do capital e ao desenvolvimento docapitalismo , outras se desdobram na anlise da complexa questo daautonomia e possibilidade de ao do Estado capitalista frente sreivindicaes e demandas dos trabalhadores e dos setores no beneficiadospelo desenvolvimento capitalista.

    Claus Offe, socilogo alemo, normalmente considerado umautor moderno no interior da tradio marxista. Ressalto que, relacionada prpria heterogeneidade de sua produo, s posies assumidas emrelao a possibilidades e limites das aes do Estado Capitalistacontemporneo, tambm a classificao deste autor polmica. Namedida em que identifico nos textos de Offe a anlise do Estado a partirde uma perspectiva de classe, e como uma esfera da sociedade que con-centra e manifesta as relaes sociais de classe, onde conflitos ocorrem

  • 8/14/2019 HOFLING, Helosa de Mattos

    4/12

    ARTIGOS

    33Cadernos Cedes, ano XXI, n 55, novembro/2001

    j que no interior do Estado esto presentes interesses referentes acumu-lao do capital e s reivindicaes dos trabalhadores, quero reforar aproximidade deste autor tradio marxista. Compreendo que o autorse insere no debate atual que amplia a dimenso poltica do Estado para

    a compreenso de suas funes no capitalismo contemporneo, contri-buindo para a ampliao das teorias marxistas tradicionais em relao aEstado e mudanas sociais.

    Para a temtica aqui abordada, Offe traz interessante contribuio2

    ao analisar as origens das polticas sociais traadas pelo Estado Capitalistacontemporneo para a sociedade de classes. Para o autor, o Estado atuacomo regulador das relaes sociais a servio da manuteno das relaescapitalista em seu conjunto, e no especificamente a servio dos interesses

    do capital a despeito de reconhecer a dominao deste nas relaes declasse.Essencialmente voltado para o contedo das aes do Estado, Offe

    tem desenvolvido argumentaes na perspectiva de responder as questesbsicas que podem ser assim formuladas: como o Estado capitalista atuapara preservar as relaes no conjunto da sociedade de classes? Quais asrelaes de interesses na determinao das aes do Estado? Enfim, comose originam, a partir de que movimentos de interesses surge a poltica

    social do Estado capitalista?No desenvolvimento do processo de acumulao capitalista enas crises do capitalismo as formas de utilizao tradicionais da forade trabalho se deterioram, so at mesmo destrudas, escapando competncia das prprios indivduos a deciso quanto sua utilizao.Relacionado a isto, funes tradicionalmente no sujeitas ao controleestatal e circunscritas s esferas privadas da sociedade inclusive a educao passam a ser desempenhadas pelo Estado.

    Em momentos de profunda assimetria nas relaes entre osproprietrios de capital e proprietrios da fora de trabalho, o Estadoatua como regulador a servio da manuteno das relaes capitalistasem seu conjunto. E esta funo reguladora atravs da poltica social claramente colocada por Offe: (...) a poltica social a forma pela qualo Estado tenta resolver o problema da transformao duradoura detrabalho no assalariado em trabalho assalariado (Lenhardt & Offe,1984, p. 15). O Estado capitalista moderno cuidaria no s de qualificar

    permanentemente a mo-de-obra para o mercado, como tambm, atravsde tal poltica e programas sociais, procuraria manter sob controleparcelas da populao no inseridas no processo produtivo.3

  • 8/14/2019 HOFLING, Helosa de Mattos

    5/12

    34 Cadernos Cedes, ano XXI, n 55, novembro/2001

    O sistema de acumulao capitalista engendra em seu desen-volvimento problemas estruturais relativos constituio e reproduopermanente da fora de trabalho e socializao desta atravs do trabalhoassalariado. O Estado deve responder a estes problemas, ou em outros

    termos, deve assegurar as condies materiais de reproduo da fora detrabalho inclusive visando uma adequao quantitativa entre a forade trabalho ativa e a fora de trabalho passiva e da reproduo daaceitao desta condio.

    Estas podem ser consideradas as funes ltimas da poltica social:como as distintas instituies scio-polticas e estatais contribuem paraa resoluo dos problemas acima, gerando intervenes do Estado queatingem a sociedade como um todo. E a partir de que referenciais estas

    aes so equacionadas?Offe & Lenhardt colocam em questo dois esquemas de argu-mentao da cincia poltica: a) a explicao da gnese da poltica socialestatal baseada na teoria dos interesses e das necessidades, a partir deexigncias polticas dos trabalhadores assalariados organizados; b) aexplicao da gnese da poltica social a partir dos imperativos do processode produo capitalista, das exigncias funcionais da produo capitalista(Offe, 1984, p. 32-37).

    Ressaltando a dinmica e movimento prprio do Estado nassociedades capitalistas modernas, os autores relacionam as origens dapoltica social a um processo de mediao como estratgia estatal entre interesses conflitivos:

    (...) defendemos aqui a tese de que para a explicao da trajetria evolutiva dapoltica social, precisam ser levadas em conta como fatores causais concomitan-tes tanto exignciasquanto necessidades, tanto problemas da integraosocialquanto problemas da integraosistmica(Lockwood),tanto a elaborao poltica

    de conflitosde classequanto a elaborao de crises do processo de acumulao. (Offe,op. cit., p. 36)

    A concorrncia de fatores advindos de diferentes esferas e orga-nismos da sociedade em seu conjunto para a gnese e desenvolvimentodo Estado tem sido sistematicamente apontada por Offe em seus tra-balhos. Respondendo uma pergunta sobre um novo pacto social, oautor assinala:

    os problemas de um pas no vo ser resolvidos apenas pela ao do Estado oudo mercado. preciso um novo pacto, que resolve o dever do Estado de darcondies bsicas de cidadania, garanta a liberdade do mercado e da competio

  • 8/14/2019 HOFLING, Helosa de Mattos

    6/12

    ARTIGOS

    35Cadernos Cedes, ano XXI, n 55, novembro/2001

    econmica e, para evitar o conflito entre esses dois interesses, permita a influnciade entidades comunitrias. (entrevista publicada em Veja, abril de 1998)

    Com referncia poltica educacional, esta complexidade de fatoresem seu delineamento explicitada em texto que discute teoricamente

    resultados de pesquisas desenvolvidas na perspectiva de se avanar naanlise marxista do Estado e na pesquisa poltica marxista quanto discusso sobre a fundamentao do conceito de Estado Capitalista.Ressaltando que seria equivocado pensar nos objetivos da poltica edu-cacional voltados estritamente para qualificao da fora de trabalho con-forme interesses de determinadas indstrias ou de determinadas formasde emprego,

    (...) parece ser mais fecundo interpretar a poltica educacional estatal sob o

    ponto de vista estratgico de estabelecer um mximo de opes de troca para ocapital e para a fora de trabalho, de modo a maximizar a probabilidade de quemembros de ambas as classes possam ingressar nas relaes de produocapitalistas. (Offe, 1984, p. 128)

    As aes empreendidas pelo Estado no se implementam auto-maticamente, tm movimento, tm contradies e podem gerar resul-tados diferentes dos esperados. Especialmente por se voltar para e dizerrespeito a grupos diferentes, o impacto das polticas sociais implemen-

    tadas pelo Estado capitalista sofrem o efeito de interesses diferentesexpressos nas relaes sociais de poder.

    A concepo neoliberal de sociedade e de Estado se inscreve na e retoma a tradio do liberalismo clssico, dos sculos XVIII e XIX.

    Enquanto a obraA riqueza das naes: Investigao sobre sua naturezae suas causas, de Adam Smith (publicada em 1776), identificada comoo marco fundamental do liberalismo econmico, O caminho da servido,

    de Friedrich Hayek (publicado em 1944), identificado como o marcodo neoliberalismo. As formulaes de Milton Friedman, economista daEscola de Chicago, sobre Estado e polticas sociais se identificam estrei-tamente com as formulaes de Hayek.

    Por ter desenvolvido de maneira mais explcita formulaes sobrepolticas sociais e educao em seus trabalhos, Friedman ser o autorfocalizado neste texto como referncia abordagem neoliberal.4

    Levando-se em considerao a intensa produo e publicaesrecentes no Brasil sobre neoliberalismo, considero suficiente retomar,para os propsitos deste texto, argumentaes destes autores citados quecontribuam para a compreenso da natureza da relao entre Estado epoltica educacional e seus desdobramentos em programas de governo.

  • 8/14/2019 HOFLING, Helosa de Mattos

    7/12

    36 Cadernos Cedes, ano XXI, n 55, novembro/2001

    As teorias polticas liberais concebem as funes do Estado essen-cialmente voltadas para a garantia dos direitos individuais, sem inter-ferncia nas esferas da vida pblica e, especificamente, na esfera econmicada sociedade. Entre os direitos individuais, destacam-se a propriedade

    privada como direito natural (Locke, 1632-1704), assim como o direito vida, liberdade e aos bens necessrios para conservar ambas. Namedida em que o Estado, no capitalismo, no institui, no concede apropriedade privada, no tem poder para interferir nela. Tem sim a funode arbitrar e no de regular conflitos que possam surgir na sociedadecivil, onde proprietrios e trabalhadores estabelecem relaes de classe,realizam contratos, disputam interesses etc. Estas concepes so cla-ramente expressas em colocaes fundamentais de Adam Smith em Ariqueza das naes, voltadas para a crtica ao mercantilismo e scorporaes, como:

    (...) deixe-se a cada qual, enquanto no violar as leis da justia, perfeita liberdadede ir em busca de seu prprio interesse, a seu prprio modo, e faa com quetanto seu trabalho como seu capital concorram com os de qualquer outra pessoaou categoria de pessoas. (p. 47)

    (...) Assim que os interesses e os sentimentos privados dos indivduos osinduzem a converter seu capital para as aplicaes que, em casos ordinrios, soas mais vantajosas para a sociedade. (p. 104)

    As teses neoliberais, absorvendo o movimento e as transformaesda histria do capitalismo, retomam as teses clssicas do liberalismo eresumem na conhecida expresso menos Estado e mais mercado suaconcepo de Estado e de governo. Voltadas fundamentalmente para acrtica s teses de Keynes5 (1883-1946), que inspiraram o Estado deBem-Estar Social, defendem enfaticamente as liberdades individuais,criticam a interveno estatal e elogiam as virtudes reguladoras do

    mercado. Estas idias ganharam fora e visibilidade com a grande crisedo capitalismo na dcada de 1970, apresentadas como possveis sadaspara a mesma.

    Estas teses podem ser destacadas em trechos do texto refernciado neoliberalismo, O caminho da servido de Hayek:

    (...) o respeito pelo homem individual na qualidade de homem, isto , a aceitaode seus gostos e opinies como sendo supremos dentro de sua esfera, por maisestritamente que isto se possa circunscrever, e a convico de que desejvel o

    desenvolvimento dos dotes e inclinaes individuais por parte de cada um. (p.35)

  • 8/14/2019 HOFLING, Helosa de Mattos

    8/12

    ARTIGOS

    37Cadernos Cedes, ano XXI, n 55, novembro/2001

    O respeito, a promoo e a proteo do indivduo, dos interessese das relaes que individualmente se estabelecem e se equilibramnaturalmente na sociedade tambm so destacados por Friedman emCapitalismo e liberdade:

    (...) os valores de uma sociedade, sua cultura, suas convenes sociais, todos elesdesenvolvem-se de idntica maneira, atravs do intercmbio voluntrio, dacooperao espontnea, da evoluo de uma estrutura complexa atravs detentativas e erros... (p. 68).

    Assim, ressaltando os fundamentos do individualismo, os neo-liberais defendem a iniciativa individual como base da atividadeeconmica, justificando o mercado como regulador da riqueza e da renda.

    Friedman, especialmente em Capitalismo e liberdade, focaliza ocapitalismo competitivo organizado atravs de empresas privadas, emregime de livre mercado como um sistema que exercita a liberdadeeconmica. Atribui ao Estado o papel de promotor de condies positivas competitividade individual e aos contratos privados, chamando atenopara os riscos decorrentes da interveno estatal nas esferas da vida emsociedade:

    (...) s h dois meios de coordenar as atividades de milhes. Um a direo

    central, utilizando a coero a tcnica do Exrcito e do Estado totalitriomoderno. O outro a cooperao voluntria dos indivduos a tcnica demercado. (p. 87)

    Para os neoliberais, as polticas (pblicas) sociais aes do Estadona tentativa de regular os desequilbrios gerados pelo desenvolvimentoda acumulao capitalista so consideradas um dos maiores entraves aeste mesmo desenvolvimento e responsveis, em grande medida, pelacrise que atravessa a sociedade. A interveno do Estado constituiria uma

    ameaa aos interesses e liberdades individuais, inibindo a livre iniciativa,a concorrncia privada, e podendo bloquear os mecanismos que o prpriomercado capaz de gerar com vistas a restabelecer o seu equilbrio. Umavez mais , o livre mercado apontado pelos neoliberais como o grandeequalizador das relaes entre os indivduos e das oportunidades naestrutura ocupacional da sociedade.

    Coerentes com estes postulados, os neoliberais no defendem aresponsabilidade do Estado em relao ao oferecimento de educao

    pblica a todo cidado, em termos universalizantes, de maneira padro-nizada. Um sistema estatal de oferta de escolarizao compromete, emltima instncia, as possibilidades de escolha por parte dos pais em relao

  • 8/14/2019 HOFLING, Helosa de Mattos

    9/12

    38 Cadernos Cedes, ano XXI, n 55, novembro/2001

    educao desejada para seus filhos. Estendendo a lgica do mercadopara esta poltica social, Friedman (1980) assinala que

    (...) em escolarizao, pais e filhos so os consumidores, e o mestre e oadministrador da escola, os produtores. A centralizao na escolaridade trouxe

    unidades maiores, reduo da capacidade dos consumidores de escolher eaumento do poder dos produtores.

    Para ampliar o escopo de ofertas em relao a orientaes e modeloseducacionais, e tambm para aliviar os setores da sociedade que contri-buem atravs de impostos para o sistema pblico de ensino sem utiliz-lo necessariamente, as teorias neoliberais propem que o Estado divida ou transfira suas responsabilidades com o setor privado. Assim, almde possibilitar s famlias o direito de livre escolha em relao ao tipo deeducao desejada para seus filhos, este seria um caminho para estimulara competio entre os servios oferecidos no mercado, mantendo-se opadro da qualidade dos mesmos. A proposta de participao da verbapblica para educao primria e secundria seria atravs de cupons,oferecidos a quem os solicitasse, para comprar no mercado os servioseducacionais que mais se identificassem com suas expectativas e neces-sidades, arcando as famlias com o custo da diferena de preo, caso esteseja superior ao cupom recebido.

    Para possibilitar este controle maior por parte dos pais e o livreexerccio de escolha sobre a educao desejada, a estratgia de descentra-lizao adquire grande importncia. A transferncia, por parte do Estado,da responsabilidade de execuo das polticas sociais s esferas menosamplas, alm de contribuir para os objetivos acima, entendida comouma forma de aumentar a eficincia administrativa e de reduzir os custos.

    Nestes termos, coerentes com a defesa e referncia essencial aosprincpios da liberdade de escolha individual e do livre mercado, os neo-liberais postulam para a poltica educacional aes do Estado descen-tralizadas, articuladas com a iniciativa privada, a fim de preservar a possi-bilidade de cada um se colocar, de acordo com seus prprios mritos epossibilidades, em seu lugar adequado na estrutura social.

    Aps esta sinttica exposio das concepes de Estado e educaodos autores acima focalizados, penso ser oportuno ressaltar algumasrelaes que podem ser estabelecidas entre estes temas.

    O processo de definio de polticas pblicas para uma sociedadereflete os conflitos de interesses, os arranjos feitos nas esferas de poderque perpassam as instituies do Estado e da sociedade como um todo.

  • 8/14/2019 HOFLING, Helosa de Mattos

    10/12

    ARTIGOS

    39Cadernos Cedes, ano XXI, n 55, novembro/2001

    Um dos elementos importantes deste processo hoje insisten-temente incorporado na anlise das polticas pblicas diz respeito aosfatores culturais, queles que historicamente vo construindo processosdiferenciados de representaes, de aceitao, de rejeio, de incorporao

    das conquistas sociais por parte de determinada sociedade. Com freqn-cia, localiza-se a procedente explicao quanto ao sucesso ou fracasso deuma poltica ou programas elaborados; e tambm quanto s diferentessolues e padro adotados para aes pblicas de interveno.

    A relao entre sociedade e Estado, o grau de distanciamento ouaproximao, as formas de utilizao ou no de canais de comunicaoentre os diferentes grupos da sociedade e os rgos pblicos que refleteme incorporam fatores culturais, como acima referidos estabelecem

    contornos prprios para as polticas pensadas para uma sociedade.Indiscutivelmente, as formas de organizao, o poder de presso e articu-lao de diferentes grupos sociais no processo de estabelecimento e reivin-dicao de demandas so fatores fundamentais na conquista de novos emais amplos direitos sociais, incorporados ao exerccio da cidadania.

    Em um Estado de inspirao neoliberal as aes e estratgias sociaisgovernamentais incidem essencialmente em polticas compensatrias,em programas focalizados, voltados queles que, em funo de sua capa-

    cidade e escolhas individuais, no usufruem do progresso social. Taisaes no tm o poder e freqentemente, no se propem a de alte-rar as relaes estabelecidas na sociedade.

    Pensando em poltica educacional, aes pontuais voltadas paramaior eficincia e eficcia do processo de aprendizagem, da gesto escolare da aplicao de recursos so insuficientes para caracterizar uma alteraoda funo poltica deste setor. Enquanto no se ampliar efetivamente aparticipao dos envolvidos nas esferas de deciso, de planejamento e de

    execuo da poltica educacional, estaremos alcanando ndices positivosquanto avaliao dos resultados de programas da poltica educacional,mas no quanto avaliao poltica da educao.

    Penso que uma administrao pblica informada por uma con-cepo crtica de Estado que considere sua funo atender a sociedadecomo um todo, no privilegiando os interesses dos grupos detentores dopoder econmico, deve estabelecer como prioritrios programas de aouniversalizantes, que possibilitem a incorporao de conquistas sociais

    pelos grupos e setores desfavorecidos, visando reverso do desequilbriosocial.

  • 8/14/2019 HOFLING, Helosa de Mattos

    11/12

    40 Cadernos Cedes, ano XXI, n 55, novembro/2001

    Mais do que oferecer servios sociais entre eles a educao asaes pblicas, articuladas com as demandas da sociedade, devem sevoltar para a construo de direitos sociais.

    Numa sociedade extremamente desigual e heterognea como a

    brasileira, a poltica educacional deve desempenhar importante papel aomesmo tempo em relao democratizao da estrutura ocupacionalque se estabeleceu, e formao do cidado, do sujeito em termos maissignificativos do que torn-lo competitivo frente ordem mundialglobalizada.

    A frustrao ou no destas expectativas se coloca em relaodireta com os pressupostos e parmetros adotados pelos rgos pblicose organismos da sociedade civil com relao ao que se concebe por Estado,

    Governo e Educao Pblica.

    Notas

    1. Uso propositadamente esta idia de estar inscrito na tradio por considerar inadequada aclassificao precisa de autores no quadro de produo social do conhecimento nas cincias sociais,um processo sempre multifacetado e multidirecional.

    2. Utilizo, para estas reflexes, especialmente os artigos do autor reunidos em: Problemas estruturaisdo Estado capitalista (1984) e Trabalho e sociedade: Problemas estruturais e perspectivas para com

    o futuro da sociedade do trabalho (1991).3. Para aprofundar esta argumentao e os dois conceitos a ela relacionados proletarizao passivae proletarizao ativa, ver especialmente o texto de Lenhardt & Offe intitulado Teoria do Estado epoltica social; tentativas de explicaes poltico-sociolgicas para as funes e os processos inovadoresda poltica social, p. 10-56 da coletnea de Offe, op. cit.

    4. Utilizo para este fim, especialmente os textos de Friedman, Capitalismo e liberdade (1977), e deHayek, O caminho da servido (1977).

    5. Em sua obra Teoria Geral, de 1936, se refere, entre outros pontos, presena de um Estadointerventor, capaz de instaurar uma base planejada de desenvolvimento, capaz de regular a oferta deinvestimentos e de emprego (pleno emprego), um Estado com aes redistributivistas, inclusive

    atravs de altos impostos.

    STATEANDSOCIAL (PUBLIC) POLICIES

    ABSTRACT: To better understand and assess the social public policiesimplemented by a government, one needs to comprehend the conception ofState and social policies underlying these actions and intervention programs.In this field, different visions of society, State and educational policy yielddifferent intervention projects. Focusing on the Marxist and neoliberalapproaches of the topic, this text seeks to bring forward elements that contri-bute to understand this relationship.

    Key-words: State and social policies; Public policies and education;Educational Policies.

  • 8/14/2019 HOFLING, Helosa de Mattos

    12/12

    ARTIGOS

    41Cadernos Cedes, ano XXI, n 55, novembro/2001

    Referncias bibliogrficas

    FRIEDMAN, Milton. Capitalismo e liberdade. So Paulo: Arte Nova,

    1977.HAYEK, Friedrich. O caminho da servido. Porto Alegre: Globo, 1977.

    OFFE, Claus. Algumas contradies do Estado Social Moderno.Trabalho & Sociedade: Problemas estruturais e perspectivas para ofuturo da sociedade do trabalho, vol. 2, Rio de Janeiro: TempoBrasileiro, 1991.

    OFFE, Claus. Problemas estruturais do Estado capitalista. Rio de Janeiro:

    Tempo Brasileiro, 1984.SMITH, Adam.A riqueza das naes investigao sobre sua natureza e

    suas causas. So Paulo: Abril Cultural, 1983.