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2 11)í~IAS ECONÔMICAS ANTERIORES A ADAM SMITH Os primeiros mercantílistas, de modo geral, abandonaram essa orientação sobre o cus- to de produção para a compreensão dos preços e se concentraram no ponto de venda pa- ra analisar os valores. Um estudioso das idéias mercantílistas concluiu que, apesar de haver uma vasta gama de diferenças em aspectos específicos, existem três noções importantes sempr.epres~tes em quase todos os primeiros registros escritos mercantílistas sobre a~} ria do valor. A primeira é o "valor" ou "valor natural" das me.r.cadorias- que era, simplesmente, seu preço real de mercado. A segund~refere-s(i ii~ (nW<ls..da..ofeJ:t!l~g!:Q.TÕ- "Cura,que d(,':tef/!!ÍI:1avam o valor ctemercado. A terceira é que os autores mercantílistas quase sempre discutiam o "val9r intrínseco" ou valor ~ IJso..:comoofator mais imEortan- te na determinação da procura, sendo, portanto,- um determinante causal importante do valorde mcrcado.'2 --- - Nicholas Barbon, um dos mais importantes autores mercantilistas, resumiu estes três pontos em seu panfleto intitulado A DisculIrseon Trade: 1. O preço dos produtos é o valor atual... O mercado é o melhor juiz do valor; isto porque é com o encontro de compradores e vendedores que a quantidade dos produ.tos e a ocasião são mais bem conhecidas: as coisas valem tão-somente o preço pelo qual podem ser vendidas, de acordo eom a antiga regra: vaieI quaTl/Um veTldipotesl. 2. O preço dos produtos é o valor atual e é obtido calculando-se as ocasiões ou srus usos, com a quantidade representando a ocasião... 12 impossível, para o mercador, ao comprar suas mercadorias, saber por quanto as venderá: seu valor depende da diferença entre a ocasião e a quantidade; embora esta observação seja a principal preocupação do mercador, o preço depende de tantas circunstâncias, que é impossível sabê-Io. Portanto, se o excesso de mercadorias tiver baixado o preço, o mercado as retira até a quantidade ser consumida e o preço subir. 3. O valor de todos os produtos deriva do seu uso; coisas sem uso algum não têm valor ul. gum. O uso das coisas visa a satisfazer os desejos e necessidades do homem; a humanidade nasce eom dois desejos gerais: os desejos do. corpo e os desejos da mente; para satisfazê-los, tudo o que está sob o Sol torna-se útil, tendo, portanto, um valor... O valor de todos os produtos deriva d~- seu uso, e seu preço, caro ou barato, deriva de sua abundância e de sua eseassez! No iníciodaépocamercantilista,quasetoda a produçãoficava a cargo de trabalh'ãdo- I'l:s que ainda eram donos de seus próprios meios de produção e os controlavam. Os capi- t.distas eram, basicamente, mercadores e seu capital consistia, quase todo ele, em dinheiro e estoques de mercadorias a serem vendidas. Portanto, era natural que os autores mercan- tílistas vissem as trocas GUas compras e vendas como a fonte dos lucros. I~claro que estes lucros eram trocados por mercadorias que representavam uma parte do excedente, mas a parte deste excedente que cabia ao mercador não era, naquele período inicial, conseguida através do controle do processo produtivo. Os senhores feudais ainda controlavam, de mo- do geral, a produção e ficavam com o excedente. O resultado da troca entre os mercado- res e os senhores feudais era uma divisão do excedente entre os dois grupos. Portanto, do ponto de vista dos mercadores, eram as trocas, e não a produção, que geravam seus lucros. O capital do mercador era a propriedade dos meios de compra, transporte e venda, ao passo que o capital industrial consistia na propriedade dos meios necessários para a produ- ção. !'-!este pe ri9 do..!. o capital tndustrial ainda era bastaQte insignificante e pouco visível, enquanto que o cap~t~. comercial era difundido e significativo. Portanto, não foi a incapa- cidade intelectual ou teórica que fez com que os autores mercantilistas considerassem a compra e venda como fonte dos lucros, em vez da produção. Suas idéias refletiam a reali- dade econômica da época em que escreveram. PRIMEIROS REGISTROS ESCRITOSMERCANTILlSTAS SOBREVALOR E LUCRO O capital do mercador gerava lucro, Quandoo preço l?eloçU!alele vendia uma mer~ ~~r!a""é"fa suficientemente altopa!a cobr.i:6-0_.p.Ieço~g.o 'por_ela.>. DJa.i.Las d~s"p'el'as de ~- nuseio, armazenagem, transporte e venda da mercadoria e, mais ainda, um excedente so- Qre~leM.l!.stos.fute excedente era o lucro do mercador. Portanto, compreender os det~ minantes dos preços pelos quais as mêrcadorias eram compradas e vendidas era crucial para compreender os lucros do mercador. Os primeiros pensadores medievais tinham afirmado que o preço de uma mercadoria tinha que ser suficiente para cobrir os custos diretos de produção de um artesão e ainda permitir que ele conseguisse um retorno sobre seu próprio trabalho, suficiente para man- ter-se no estilo de vida tradicionalmente reputado como sendo adequado para os artesãos. Em outras palavras, os preços eram determinados pelos custos de produção, inclusiveuma remuneraçãoimplícitae apropriadadotrabalhodoartesão. 1 o panfleto de Barbon foi escrito numa época em que as atitudes econômicas estavum l'omeçando a passar por uma rápida mudança. As passagens citadas refletem as atitud~~ dos primeiros mercantilistas, que viam o lucro como originário basicamente do ato til' troca. Seu lucro era proveniente, em grande parte, de duas fontes. Primeiramente, a IJII'III ~,iodos séculosXVI e XVII(discutidano capítulo anterior)tinha criadouma situaç.lo I\a qual houve, de modo geral, um aumento substancial do valor dos estoques existentes. hl\. 11l' a data em que os mercadores compravam as mercadorias e a data em que as vendium, os allmcntos de preço destas mercadorias geravam lucros inesperados. Em segundo lugar o que era mais importante - as diferentes condições de produção em várias regiões de um I1I1IS ou em várias partes do mundo,juntamente com o fato de que havia muito pouca mo. IlIlIdade de recursos, tecnologia e mão-de-obra entre estas regiões, faziam com que os pIl' ~[)S das mercadorias fossem muito diferentes, nas várias regiões ou países. Os mercad(>Il'~ 1 VL'f MEFK. Ronald L. Studies ill lhe Labuur 17leury 01 Value. Ed. Rev., Monthly R,'vl"w I'rcss, Nova lurqllc, 1976, p. 12-14. Quase toda a primeira parte deste capítulo se baseia no CUI> I dl'II,- ex- I'cl.'IIIc livro. Ihld., p. IS 11)1(1 oI' 1S Ih 11

Hunt, HPE, cap. 2

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Turmas de Serviço SOcial e Ciências Sociais, UFES, 2012-2

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Page 1: Hunt, HPE, cap. 2

211)í~IAS ECONÔMICASANTERIORES A ADAM SMITH

Os primeiros mercantílistas, de modo geral, abandonaram essa orientação sobre o cus-to de produção para a compreensão dos preços e se concentraram no ponto de venda pa-ra analisar os valores. Um estudioso das idéias mercantílistas concluiu que, apesar de haveruma vasta gama de diferenças em aspectos específicos, existem três noções importantes

sempr.epres~tes em quase todos os primeiros registros escritos mercantílistas sobre a~}ria do valor. A primeira é o "valor" ou "valor natural" das me.r.cadorias- que era,simplesmente, seu preço real de mercado. A segund~refere-s(i ii~ (nW<ls..da..ofeJ:t!l~g!:Q.TÕ-"Cura,que d(,':tef/!!ÍI:1avamo valor ctemercado. A terceira é que os autores mercantílistasquase sempre discutiam o "val9r intrínseco" ou valor~ IJso..:comoofator mais imEortan-te na determinação da procura, sendo, portanto,- um determinante causal importante dovalorde mcrcado.'2 --- -

Nicholas Barbon, um dos mais importantes autores mercantilistas, resumiu estes trêspontos em seu panfleto intitulado A DisculIrseon Trade:

1. O preço dos produtos é o valor atual... O mercado é o melhor juiz do valor; isto porque écom o encontro de compradores e vendedores que a quantidade dos produ.tos e a ocasião são maisbem conhecidas: as coisas valem tão-somente o preço pelo qual podem ser vendidas, de acordoeom a antiga regra: vaieI quaTl/Um veTldipotesl.

2. O preço dos produtos é o valor atual e é obtido calculando-se as ocasiões ou srus usos,com a quantidade representando a ocasião... 12 impossível, para o mercador, ao comprar suasmercadorias, saber por quanto as venderá: seu valor depende da diferença entre a ocasião e aquantidade; embora esta observação seja a principal preocupação do mercador, o preço dependede tantas circunstâncias, que é impossível sabê-Io. Portanto, se o excesso de mercadorias tiver

baixado o preço, o mercado as retira até a quantidade ser consumida e o preço subir.

3. O valor de todos os produtos deriva do seu uso; coisas sem uso algum não têm valor ul.gum. O uso das coisas visa a satisfazer os desejos e necessidades do homem; a humanidade nasceeom dois desejos gerais: os desejos do. corpo e os desejos da mente; para satisfazê-los, tudo o queestá sob o Sol torna-se útil, tendo, portanto, um valor... O valor de todos os produtos deriva d~-seu uso, e seu preço, caro ou barato, deriva de sua abundância e de sua eseassez!

No inícioda épocamercantilista,quasetoda a produçãoficavaa cargo de trabalh'ãdo-I'l:s que ainda eram donos de seus próprios meios de produção e os controlavam. Os capi-t.distas eram, basicamente, mercadores e seu capital consistia, quase todo ele, em dinheiroe estoques de mercadorias a serem vendidas. Portanto, era natural que os autores mercan-tílistas vissem as trocas GUas compras e vendas como a fonte dos lucros. I~claro que esteslucros eram trocados por mercadorias que representavam uma parte do excedente, mas aparte deste excedente que cabia ao mercador não era, naquele período inicial, conseguidaatravés do controle do processo produtivo. Os senhores feudais ainda controlavam, de mo-do geral, a produção e ficavam com o excedente. O resultado da troca entre os mercado-

res e os senhores feudais era uma divisão do excedente entre os dois grupos. Portanto, doponto de vista dos mercadores, eram as trocas, e não a produção, que geravam seus lucros.

O capital do mercador era a propriedade dos meios de compra, transporte e venda, aopasso que o capital industrial consistia na propriedade dos meios necessários para a produ-ção. !'-!este pe ri9 do..!.o capital tndustrial ainda era bastaQte insignificante e pouco visível,enquanto que o cap~t~. comercial era difundido e significativo. Portanto, não foi a incapa-cidade intelectual ou teórica que fez com que os autores mercantilistas considerassem acompra e venda como fonte dos lucros, em vez da produção. Suas idéias refletiam a reali-dade econômica da época em que escreveram.

PRIMEIROS REGISTROS ESCRITOSMERCANTILlSTAS SOBRE VALOR ELUCRO

O capital do mercador gerava lucro, Quandoo preço l?eloçU!alele vendia uma mer~~~r!a""é"fa suficientemente altopa!a cobr.i:6-0_.p.Ieço~g.o 'por_ela.>. DJa.i.Las d~s"p'el'as de ~-nuseio, armazenagem, transporte e venda da mercadoria e, mais ainda, um excedente so-Qre~leM.l!.stos.fute excedente era o lucro do mercador. Portanto, compreender os det~minantes dos preços pelos quais as mêrcadorias eram compradas e vendidas era crucialpara compreender os lucros do mercador.

Os primeiros pensadores medievais tinham afirmado que o preço de uma mercadoriatinha que ser suficiente para cobrir os custos diretos de produção de um artesão e aindapermitir que ele conseguisse um retorno sobre seu próprio trabalho, suficiente para man-ter-se no estilo de vida tradicionalmente reputado como sendo adequado para os artesãos.Em outras palavras,os preços eram determinados pelos custos de produção, inclusiveumaremuneraçãoimplícitae apropriadado trabalhodo artesão.1

o panfleto de Barbon foi escrito numa época em que as atitudes econômicas estavuml'omeçando a passar por uma rápida mudança. As passagens citadas refletem as atitud~~dos primeiros mercantilistas, que viam o lucro como originário basicamente do ato til'troca. Seu lucro era proveniente, em grande parte, de duas fontes. Primeiramente, a IJII'III~,iodos séculosXVI e XVII(discutidano capítuloanterior)tinhacriadoumasituaç.loI\a

qual houve, de modo geral, um aumento substancial do valor dos estoques existentes. hl\.11l' a data em que os mercadores compravam as mercadorias e a data em que as vendium,os allmcntos de preço destas mercadorias geravam lucros inesperados. Em segundo lugaro que era mais importante - as diferentes condições de produção em várias regiões de umI1I1ISou em várias partes do mundo,juntamente com o fato de que havia muito pouca mo.IlIlIdade de recursos, tecnologia e mão-de-obra entre estas regiões, faziam com que os pIl'~[)Sdas mercadorias fossem muito diferentes, nas várias regiões ou países. Os mercad(>Il'~

1 VL'f MEFK. Ronald L. Studies ill lhe Labuur 17leury 01 Value. Ed. Rev., Monthly R,'vl"w I'rcss,Nova lurqllc, 1976, p. 12-14. Quase toda a primeira parte deste capítulo se baseia no CUI> I dl'II,- ex-I'cl.'IIIc livro.

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1IIIIII'IoIVIIIIIullla mercadoria numa região ou num país em C(Ul'cln I'ClSSl'relativamentehllllllll ( 11Vl'lIdiam numa região ou num país em que ela fosse relatlv:llIlClIll' cara.

N,.\tns circunstâncias, não é de admirar que os mercadores tlVl~SSl'lIIUIIIIIconcepçãod" \dol de uma mercadoria em termos de seu preço de mercado " 11.10de suas condi-\0". d,' produção. Além do mais, era muito natural que eles visselllus dll'erellçasde preçosdI.!mClcado como resultado de diferenças de disposição ou de vontadl' (li' cOlllprardeter-1IIIIIIIdllsmercadorias. A oferta só começava a ser considerada à medida que os mercadoresVlalllque, com um certo grau de vontadede comprarumamercadoria,Sl'U preçoseriaal-to se ela tivesse uma oferta reduzida ou baixo se sua oferta fosse ahundante. Era poresta razão que as grandes companhias de comércio procuravam monopólios criados peloestado e faziam com que eles fossem mantidos.

A concorrência entre os mercadores levava, inevitavelmente, a uma redução das dife-renças de preços relativos e, daí, a uma redução de seus lucros. Se determinada mercado-ria tivesse um preço muito alto, em determinada região, o mercador que tivessecompradoesta mercadoria a um preço baixo, e que a tivesse transportado para esta região, teria umlucro maior. Mas este lucro seria, inevitavelmente, uma isca que atrairia outros mercado-res para vender a mesma mercadoria na mesma região. Mas um número maior de merca-dores implicaria maior oferta, o que levaria a um preço mais baixo e a menores lucros.Assim, as grandes companhias de comércio iam muito longe para evitar concorrentes emanter seus privilégiosmonopolistas.

Os primeiros mercantilistas achavam que o controle das condições que afetavam aoferta de mercadorias era o principal meio através do qual poderiam ser conseguidos emantidos os altos lucros. Mas o período inicial do mercantilismo ainda não tinha passadopela mudança de atitudes sociais que, mais tarde, perdoaria e justificaria a incessante bus-ca do lucro como um fim em si mesma. As motivações e racionalizações dos governos,emsuas políticas de promoção dos lucros dos mercadores, eram muito diferentes das motiva-ções e racionalizações que vão caracterizar os governos capitalistas dos séculos XIX e XX.

No início do período mercantilista havia uma continuidade ideológica entre as defe-sas intelectuais das políticas mercantilistas e as primeiras ideologias que defendiam a or-dem econômica medieval. Esta confiava na ética cristã paternalista, que justificava extre-mas desigualdades de riqueza, com base no argumento de que Deus escolhera os ricos co-mo guardiães benevolentes do bem-estar material das massas.4 A IgrejaCatólica tinha sidoa instituição através da qual este paternalismo tinha sido posto em prática. À medida queo capitalismo se foi desenvolvendo, a Igreja foi ficando mais fraca e os governos das na-ções-estado que iam surgindo foram ficando mais fortes. No início do período mercanti-lista, os autores de trabalhos de Economia passaram a substituir cada vez mais a Igrejame-dieval pelo estado, como a instituição que deveria cuidar do bem-estar público.

Durante o reinado de Henrique VIII, a Inglaterra rompeu com o catolicismo romano.Este acontecimento foi importante, porque marcou a secularização final (pelo menos naInglaterra) das funções da Igrejamedieval.Com Henrique VIII, "o estado, sob a forma deuma monarquia divina, assumiu o papel e as funções da antiga Igreja medieval. O que

Ilenrique VIII fez, à sua própria maneira grosseira, foi santificar os processos deste mun-do".s Durante seu reinado e os reinados de Elizabeth I, Jaime I e Carlos 1(1558-1649),houve inquietação social generalizada. A causa desta inquietação era a pobreza; a causade grande parte desta pobreza era o desemprego; a causa de grande parte deste desempre-go era o movimento dos cercados.

Outro fator foi o declínio da exportação de lã, na segunda metade do século XVI,que provocou grande desemprego na principal indústria inglesa. Houve .também muitascrises comerciais parecidas com a fase de depressão dos ciclos econômicos posteriores,,'mbora sem a mesma regularidade. Além destes fatores, o desemprego durante as estaçõesdo ano fazia com que muitos trabalhadores ficassem sem trabalhar até durante quatromeses por ano.

O povo não podia mais procurar a Igreja Católica para fugir do desemprego e da 1'0'breza. A destruição do poder da Igreja tinha eliminado o sistema organizado de caridade,l' o estado procuravaassumira responsabilidadepelo bem-estar geralda sociedade.ParaISSO, "os Iíderes ingleses iniciaram um programa geral e coordenado de reorganização eracionalização... da indústria, estabelecendo as especificações de padrões de produção el'Omercialização".6 Todas estas medidas visavam a estimular o comércio inglês e a mino-

nll o problema do desemprego. !

De fato, parece que o desejo de conseguir o emprego pleno é o tema unificador dequase todas as medidas de política advogadas pelos autores mercantilistas. Os mercantilis-tas preferiam medidas destinadas a estimular o comércio exterior, em lugar do comércioIlIlerno, "porque achavam que ele contribuía mais para o emprego, a riqueza e o poderdu nação. Os autores passaram a ressaltar, depois de 1600, o efeito inflacionário de uml'xcesso de exportações sobre as importações e o conseqüente aumento de empregos pro.vocados pela inflação". 7

Entre outras medidas tomadas para estimular a indústria naquele período, podemos\'Itar a concessãode patentes de monopólio.A primeirapatente importantefoi concedidu em 156I, no reinado de Elizabeth L Davam-sedireitos de monopólio para estimular IISIIIVl'nçõese para criar novas indústrias. Estes direitos eram alvo de grandes abusos, COII/OIIIll'era de se esperar. Além disso, levavam a um sistema complexo de privilégiose apadnIIhlll11entosespeciais e a uma série de outros males, que escandalizavam quase todos 08Ilolores mercantilistas, tanto quanto os mesmos abusos escandalizavam os reformadoll'sIlIl1l'ricanosdo fim do século XIX. Os males do monopólio levaramao Estatuto dos MOI/o1"lhos de 1624, que colocava fora da lei todos os monopólios, exceto os que envolvessem\'(' nladeiras invenções ou que fossem instrumentos de promoção de um balanço de paga.IIWlltoSfavorável. t claro que estas lacunaseram grandese os abusoscontinuarampcatl(IImente sem coibição.

O Esratuto dos Artljlces (I563) especificava condições de emprego e o tempo do

4Vl~1 IltINT,I'. K.l'ropt.rty aliei I'ropllc'u'. Nova lurque, lIaq>L'r & RuIV, 197~, P K 1I

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~ Ver BIRNIE, Arthur. An Ecanamic History af the British Isles. Londres, Mcthucn, 1936, Caps.12, 18.

ESCRITOS MERCANTILISTAS POSTERIORES E A FILOSOFIA DOINDIVIDUALISMO

À medida, porém, que o capitalismo se foi desenvolvendo, duas novidades econômi-l'itSforam tornando a visão mercantilista insatisfatória para as necessidades do novo siste-ma e para a maioria dos capitalistas importantes da época. Primeiro, apesar dos esforçosdlls grandes companhias de comércio para manter seus monopólios, a difusão do comérciot' o aumento da concorrência (principalmente dentro das próprias nações-estado) foram~'I)ntinuamente diminuindo as diferenças relativas de preços entre as diversas regiões e11I1,0es.Isto reduziu os lucros que poderiam ser auferidos pelo simples aproveitamentodl'stas diferenças de preços.

A segunda mudança estava intimamente relacionada com a primeira. À medida que oslucros potenciais auferidos somente pelas diferenças de preços foram sendo reduzidos,101havendo uma integração do controle capitalista, tanto dos processos de produção,101110do comércio. Esta integração teve duas origens. Inicialmente, os mercadores procu-IlIlam conseguir maior controle sobre a produção, criando o sistema de trabalho domésti-1.'1)(discutido no capítulo anterior). Um pouco mais tarde, porém, houve outra inovação,'III~'acabou sendo muito mais revolucionária. Já no século XVI, as corporações de ofícioI'"ssaram a ser sistemas relativamente fechados, destinados a proteger o status e a rendadlls mestres da corporação, restringindo o número de aprendizes e de artífices que pode-1111111tornar-se mestres. Com o tempo, em muitas corporações, os mestres se foram trans-II limando, cada vez mais, nos organizadores e controladores do processo produtivo, dei-'..lIndode ser simples trabalhadores que operavam ao lado dos aprendizes e dos artífices.(11 II1cstrespassaram a ser empregadores ou capitalistas e os artífices passaram a ser sim-pll's trabalhadores contratados, com pouca ou nenhuma perspectiva de' se tornaremIIlllslres.

Nu início do século XVII, estes capitalistas produtores começaram a entrar no ramod.) comércio. Logo passaram a constituir uma grande força na vida econômica da Ingla-Il'Irll uma força que, segundo Dobb, constituía "um importante deslocamento do cen-1111dc gravidade" do sistema sócio-econômico inglês.H Osinteressesdestenovosegmcntod.I t:lassccapitalista eram, desde o início, quase sempre contrários aos interesses dos antiw.mII1crcadores capitalistas.

Estas mudanças econômicas de longo alcance levaram a duas mudanças muito imporIlInll'S nas idéias econômicas. Primeiramente, havia um grande segmento de filósofos, eco

1IIIIIIIstase outros pensadores que rejeitavam a antiga visão paternalista do estado e d;! re-v.u1itll1cntação estatal e que começaram a formular uma nova filosofia do individualismo,111I sl'gundo lugar, houve uma mudança da interpretação de que os preços e o lucro eramdll~llI1inados basicamente pelas forças da oferta e da procura e, em particular, pela utili-illldl', para a interpretaçãode que os preçoseramdeterminadospelascondiçõesde produ-\ 111)c os lucros eram originários do processo produtivo. Examinaremos cada uma destasdllllSlI1udanças isoladamente.

''I"I'IIIII:.lIdllprevia avaliações salariais periódicas e estabelecia sal:\riosm:\ximos a serem1',111"-IIO~operários, Este estatuto era importante, porque ilustrava o 1'1110de que a éticalllIll'11I1I1151ada Coroa nunca proy'ocou qualquer tentativa de elevar o statliS das classes1l,lhulhlldoras.Os monarcas deste período sentiam-se obrigados a proteger as classes tra-hllllllldoras,mas, como seus antecessores da Idade Média, acreditavam que aquelas classesdl'vl'l'lamficar em seu próprio lugar. Os salários máximos visavama proteger os capitalis-1118 e, além do mais, os juízes que os estabeleciam e que faziam cumprir o estatuto, geral-mcnte, pertenciam à classe empregadora. .eprovável que estes níveis máximos reduzissemos salários reais dos trabalhadores, porque os preços, geralmente, subiam mais rapidamen-te que os salários, com o passar dos anos.

As "leis da pobreza",.aprovadas em 1531 e 1536, procuraram enfrentar os problemasdo desemprego, da pobreza e da miséria,generalizadosna Inglaterra. A primeira dessasleisprocurou fazer uma distinção entre pobres "com merecimento" e "sem merecimento"; sóos primeirostinham permissãode pedir.A segundaleiestabeleceuque cadaparóquia,emtoda a Inglaterra, seria responsável pelos seus pobres e que a paróquia deveria, por meiode contribuições voluntárias, manter um fundo para os pobres. Isto se revelou inteiramen-te inadequado e o problema da pobreza ia ficando cada vez mais grave.

Finalmente, em 1572, o estado aceitou o princípio de que os pobres teriam de sermantidos por recursos tributários e estabeleceu um "imposto para os pobres". Em 1576,foram autorizadas a funcionar "casas de correção" para os "desordeiros incorrigíveis",tendo-se tomado providências no sentido de as paróquias comprarem matérias-primasparaserem trabalhadas pelos pobres e desordeiros mais tratáveis. Daquela época até o fim doséculo XVI foram aprovados muitos outros estatutos dos pobres.

A Lei da Pobreza, de 1601, foi a tentativa dos Tudor consolidarem aquelas leis deforma coerente. Suas disposições principais incluíam o reconhecimento formal do direitode os pobres receberem auxIlio, a imposição de contribuições a nível de paróquias e o tra-tamento diferenciado para váriasclassesde pobres. As pessoasde idade e os doentes pode-riam receber ajuda em suas casas; os filhos dos pobres que tivessemmuito pouca idade pa-ra receber treinamento num ofício ficariam internos; os pobres merecedores e os desem-pregados receberiam trabalho, segundo as disposições da lei de 1576; os desordeiros incor-rigíveit deveriam ser mandados para casas de correção e prisões.8

Com base na discussão anterior, podemos concluir que o período do mercantilismoinglês caracterizou-se pela aceitação, segundo o espírito da ética cristã paternalista, daidéia de que "o estado tinha a obrigação de servir à sociedade, aceitando e desincumbindo-se da responsabilidade pelo bem-estar geral".9 Os vários estatutos aprovados naquele pe-ríodo "assentavam-se na idéia de que a pobreza, em vez de ser um pecado pessoal, erauma função do sistema econômico".1OReconheciam que as vítimas das deficiências dosistema econômico deveriam ser alvo dos cuidados daqueles que delas se beneficiavam.

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1(1WILLlAMS. Cantaurs af AmericQn Histary, p. 41.

Ihid" p. 44.II IH)lIII, MlIlIril'l' II SI//llie,l' 111t!t/. /)1'lldafJlI/(,lIt ufCafJitali~'II/. Londres, Roull,~dge & KI'!llIn 1'11111.

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I1II 1111~do século XVII, um nÚllwrocada vez maior d~' (lIpllUlhl1l1, JlIII'tlcularmente

III '1"1 11111111111origens nas corporaçOes dc ofício, estava lIlulto IlIlhldo ('li) husca de lucro,111'1",'olllplexidade das restrições e regulamcntações merCall!illSlas que bL'lwliciaram, ini-.11I1I1l'IIIl', as grandes companhias de comércio; os capitalistas PIIIL'Ulílvlllulivrar-se destas

lI'IIII\~ocs, Também não gostavam dos remanescentes mercan!lIistlls do IIIItlgO paternalis-IUI! L'I'isl:[o, que condenava o comportamento ambicioso, aquisitivo, e 11vontade de acu-

IlIul:u riquezas, A economia de mercado capitalista, que se cstava IIluplllllldo significati-v:unente em áreas muito importantes da produção e do comércio, precisava de um com-portamento baseado na iniciativa individual, aquisitivo, para fUllciollllrbem. Neste con-texto, começaram a aparecer novas teorias sobre o comportamento humano. Autorescomeçaram a afirmar que os motivos pessoaise egoístas eram os mo!ivosbásicos - quan-do não os únicos - que levavamo homem a agir.

Esta interpretação do comportamento humano é expressa nas obras de muitos pen-sadores importantes da época. Muitos filósofos e teóricos sociais comcçaram a afirmar quetodo ato humano estava relacionado com a autopreservação e que, por isso, era egoísta,no sentido mais puro do termo. O nobre inglêsRobert FilmeI'ficou muitíssimo espantadot:om o grandenúmerode pessoasque falavade "liberdadenatural da humanidade,umaopinião nova, plausível e perigosa", com implicaçõesanarquistas, 12Leviarhall, de 1110masHobbes, publicado em 1651, articulou objetivamente uma opinião, bastante difundida, deque todos os motivos humanos advinham de um desejo do que promovesse o "movimentovital" do organismo (homem). Hobbes acreditava que os motivos de todas as pessoas _até mesmo a compaixão - eram meramente diversos tipos de auto-interesse disfarçado:"A tristeza com a calamidade dos outros é piedade e deriva da imaginação de que a mes-ma calamidade pode acontecer consigo mesmo; assim,é chamada... de compaixão e de...solidariedade". 13

Exceto os grupos de interesses especiais que se beneficiavam com as grandes restri-ções e regulamentações de comércio e produção neste período, os capitalistas, em suamaioria, sentiam-se inibidos e limitados pelas regulamentações estatais, em sua busca delucros. As doutrinas individualistas e egoístas foram ansiosamente defendidas por esteshomens e começaram a dominar o pensamento econômico, até mesmo entre os merca-dores. Um historiador meticuloso afirma que "quase toda a política... mercantilista pres-supunha que o interesse próprio governavaa conduta individual"!4

A maioria dos autores mercantilistas era formada de capitalistas ou empregados privi-legiados de capitalistas. Por isso, era muito natural que eles percebessem os motivos doscapitalistas como universais. Das idéias dos capitalistas sobre a natureza da humanidade esuas necessidades de serem livres das grandes restrições econômicas é que nasceu a l1Ioso-fia do individualismo, quc serviu de base para o liberalismo clássico. Contra a visão bem

ordenada e paternalista que a Europa tinha herdado da sociedade feudal, eles sustentavam"a idéia de que o ser humano deveria ser independente, dirigir-sea si mesmo, ser autôno-mo, livre - deveria ser um indivíduo, uma unidadc distinta de massa social, e não ficarperdido nela".ls

o PROTESTANTISMOE A ÉTICA INDMDUALlSTA

Um dos exemplos mais importantes deste individualismo e desta filosofia de classemédia foi a teologia protestante, que surgiu com a Reforma. Os novos capitalistas da clas-se média queriam ter liberdade, não só em relação às restrições econômicas que atrapalha-vam a produção e o comércio, mas também em relação ao opróbrio moral que a IgrejaCatólica tinha associado aos seus motivos e às suas atividades. O protestantismo não só oslibertou da condenação religiosa, como também acabou transformando em virtudes os1I10tivospessoais, egoístas e aquisitivos que a Igrejamedieval tanto desprezara. 16

Os principais mentores do movimento protestante estavam muito próximos da posi-ção católica, em questões como a usura e o preço justo. Em muitas questões sociais, eramprofundamente conservadores. Durante a revolta dos camponeses, na Alemanha, em1524, Lutero escreveu um folheto cheio de rancor, intitulado Against rhe MurderingI/urdes of Peasants,em que dizia que os príncipes deveriam "combater, estrangular e apu-nhalar...' Que tempos maravilhosos eram estes, em que um príncipe merecia o céu mais1.IL'ilmentepelo derramamento de sangue do que um outro pelas orações!" Seu conselhocontribuiu para o clima geral em que foram assassinadosmais de 100000 camponeses, tu-do em nome do zelo religioso.

Contudo, apesar do conservadorismo dos fundadores do protestantismo, esta visãofL'ligiosacontribuiu para a influência crescente da nova filosofia individualista. O prin\'lpio básico 'do protestantismo, que preparou o terreno para as atitudes religiosasque dc,vl'riam aprovar as práticas econômicas da classe média, era a doutrina de que os homensI"óllI1justos pela fé e não pelas obras. A Igreja Católica ensinavaque os homens se torna.Vllnlbons pelas obras, e isto implicava, em geral, cerimônias e rituais. Segundo a viS:ío~HIÓlica,nenhum homem poderia ser justo apenas pelos seus próprios méritos. "Ser justo(Idas obras... não queria dizer que o indivíduo pudesse salvar-sepor si próprio: significavHl(m' ele poderia ser salvo por intermédio da Igreja. Daí o poder do clero. A confissão obri.JotillÓria,a imposição de penitências a toda a população... juntamente com a possibilidadedI' excomunhão davam aos padres um terrível poder."I? Estes poderes também criaramUll\a situação em que as doutrinas medievaisda IgrejaCatólicanão eram abandonadas

12 Ver McDONALD, Cameron. lYestern Political171eory: The Modern Age. Nova lorque, lIarcourtBrace Jovanovich, 1962, p. 29.

13 Citado por GIRVETZ, Harry K. The EI'olution of Liberalism. Nova (orque, Colliers, 1963, p.2H-29.

14 (;RAMI'I'.EconolllicLiberalinl/.l:69.

I'Me()ONALD. lYestern Political Theory, p. 16.

111 Os estudos clássicos da relação entre o protestantismo e o capitalismo são os de MAX WEBFR, .1

"l/c'lI l'ro/estante e o E'sp(rilo do Capitalismo. Nova lorque, Seribner, 1958, e TA WNEY, Richard IINc'I/II/OI/ aI/c/ lhe Rise of Ctl[Jitali~'III.Nova lorquc, Mcntor Uooks, 1954.I"

11111, ('hristoJlIIl'r. "l'rol,'slanlisll1 and th,' Risc orCaJlitalisll1",ln: 71/eRise ofCapitalislII NovlI1011111",~1:1l'nlll1l1n,1'166, JI 4.1 Organizado IIIJIJ> 'i. l.lIIHks.

'I()

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...

com flldlidadc, e o indivíduo ainda estava subordinado à sod~'dlld~'(n'IHcscntada pela[I'r~'jll),

A doutrina protestante da justificação pela fé afirmava qU~' os motivos eram maisIJnpurtantes que os atos ou os rituais específicos, A fé era "nada mais quc a verdade docoraçtro".I~ Todo homem tinha que indagar a si mesmo se seus atos se originavam de um~:uraç,Io puro e da fé em Deus; todo homem tinha que se julgar a si proprio, Esta confian-ça individualista na consciência particular de cada um atraía muitíssimo os artesãos danova classe média e os pequenos comerciantes:

Quando o empresário de Genebra, Amsterdã ou Londres, dos séculos XVIe XVII,olhavapara o{ntimo de seu coração, verificavaque Deus lhe tinha incutido um profundo respeito pelo princí-pio da propriedade privada... Estes homens achavam sincera e decididamente que suas práticaseconômicas, embora pudessem entrar em conflito com a lei tradicional da antiga Igreja,não ofen-diam a Dcus. Pelo contrário, glorificavam-no. 19

POLÍTICAS ECONÔMICASDO INDIVIDUALISMO

Durante toda a época do mercantilismo, este novo individualismo levou a inúmerosprotestos contra a subordinação dos assuntos econÔmicos à vontade do estado. Desdemeados do século XVII, quase todos os autores mercantilistas condenaram os monopóliosconcedidos pelo estado e outras formas de proteção e favoritismo na economia inteflla(contrariamente ao comércio internacional). Muitos achavam que, num mercado em con-corrência, que colocava um comprador diante do outro, um vendedor diante do outro ecomprador contra vendedor, a sociedade lucraria mais se o preço pudesse 'flutuar livre-lIIente, encontrando seu nível adequado (de equilíbrio do mercadc;».Um dos primeiroslIutores mercantilistas importantes, John Bales, argumentou que a produtividade agrícolapoderia ser aperfeiçoada se os lavradores tivessem permissão para

Foi com esta insistência na interpretação da vontade de Deus pelo próprio indivíduoque os "puritanos procuraram espiritualizar os (novos) processos econômicos" e acabaramacreditando que "Deus tinha criado o mercado e a troca".20 Todavia, algum tempo de--pois, os protestantes expuseram um dogma que esperavam viesse a ser aceito por todos.Mas o novo dogma era radicalmente diferente das doutrinas medievais.As novas doutrinasenfatizavam a necessidade de sair-se bem em sua passagem pela Terra como o melhor ca-minho para agradar a Deus e ressaltavam a diligênciae o trabalho dedicado.

A antiga desconfiança cristã das riquezas traduziu-se numa condenação da extrava-gância e da dissipação desnecessária da riqueza. Assim,a ética protestante ressaltavaa im-portância do ascetismo e da frugalidade abstêmia. Um teólogo que estudou a relação entrereligião e capitalismo resumiu a relação da seguinte maneira: "O valor religioso baseado notrabalho constante, sistemático e eficiente, por iniciativaprópria, como o meio mais rápi-do de se assegurar a salvaçãoe de se glorificar a Deus, tornou-se um poderosíssimo instru-mento de expansão econômica. As limitações rígidas do consumo, por um lado, e, por ou-tro, a intensificação metódica da produção só poderiam ter um resultado: a acumulaçãode capital".21 Assim,embora nem Calvino nem Lutero tenham sido um porta-voz da novaclasse média capitalista, no contexto do novo individualismo religioso, os capitalistas en-contraram uma religião na qual, com o tempo, "os lucros... passaram a ser consideradosuma vontade de Deus, uma marca de Seus favores e uma prova de sucessoem se ter sidochamado".22

ter mais lucro do que estão tendo com ela, e liberdade para vender a produção em qualquer oca-sião e em todos os lugares, com a mesma liberdade que os homens têm de fazer as outras coisas,Mas não há dúvida de que, nesse caso, o preço do milho subiria, principalmente no começo, masnão a longo prazo; con tudo, este preço faria com que todos arassem o solo, cultivassem terras li-vres, transformassem as terras reservadas para pastagem em terras aráveis; isto porque todos fa-riam isso com mais disposição, quando visscm os maiores lucros e ganhos. Com isso, haveria,necessariamente, muito milho e também muita riqueza para este reino; além disso, teríamosmuito mais mantimentos.13

19Ibid.

lbid., p. 46-47.

lbid., p. 49.

Esta crença - de que as restrições à produção e ao comércio dentro de uma nação1111111prejudiciaisaos interessesde todos - difundiu-secada vezmais,em fins do século\ VII e no começo do século XVIII. Podem-se encontrar muitas exposições deste pontod!' vista nas obras de autores como Malynes, Petty, North, Law e Child.24 Destes, talvezI)\ldley North (1641-1691) tenha sido o primeiro porta-voz claro da. ética individualistaqm' se transformaria na base do liberalismo clássico. North achava que todos os homem('1&1mmotivados primordialmente pelo interesse próprio e que deveriam ter liberdade pam\'OI\lpetir por si sós num mercado livre, para que o bem-estar público fosse maximizado,

AI~lllnentava que, sempre que mercadores ou capitalistas defendiam leis especiais parun~KlIlara produção ou o comércio, "geralmente visavam ao seu próprio interesse imcdlU10, como a Medida do Bem e do Mal. E há muitos que, para ganhar um pouco no seu lHO

11,10comércio, não se importam com o sofrimento alheio; e cada homem luta para '1\1('

Itldos os outros sejam obrigados, em suas transações, a agir de modo a que favoreçamMli lucro, mas em nome do público".25 O bem-estar público seria mais bem atendido, lia

IIpll\laO de North, se quase todas as leis restritivas que concediam privilégios especiais fos,q~1IIinteiramente abolidas.

Em 1714, Bernard Mandeville publicou The Fable of the Bees: or Private Vic'(',~.

1'lIhI/,'k Hel/ejits, em que apresentou o paradoxo aparentemente estranho de que os víl'ios

lllills dcsprezados pelo antigo código moral, se praticados por todos, resultariam em malol18

20

21 FULLERTON, Kempcr. "Calvinism and Capitalism; an Explanation of the Weber Tlwsis", In:Prule.\.tallliwl alld Capitalism: The lVeber Thesis alld /IS Crilics. Lexington, Mass., Heath, 1959, p, 19.Rcvisto por Robcrt W. Grcen.

22 Ibid., p. 18.

('j 1IIIIu por c; I(AM 1'1'. J:.'collomic Liberalism. I : 78.

11>1(1, p. 77.111.

.. t 'ltildu P"I '/1/(' Vl/rI,'IU'S ol H('()//omil's, Novu lorquc, Meridiul1, 19h2, 2 v I 185 l(cvl~lo 1"1111,,11111 I,'k iI,1I11I1111

I, !

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I'III~I'IIII 1"11:' li público. Asseverava ele que a ambição, o e8of~lI\IJti o comportamentoII'I',I~IIIIIII('llIiloriam a contribuir para a illdustrialização e parll UlIllIl'COIIOllliaprogressista.,\ 11'~lhl""dl'sle paradoxo era, obviamenle, que o que era visto l'OIllOVfl'iopelos moralis-1,1',11I",lIlVlIl~eram as próprias forças lIIotivadoras que impclialll o IIOVOslstcma capitalis-1.1 I, "I'lo\lIlIdoas novas filosofias religiosas,morais e ecollômlcllsda l'poca capitalista, es-tl'\ lIIollvosnão eram mais vícios.

Muitos capitalistas tinham lutado, durante toda a época mercantlllsta, para libertar-sedI" todas as restrições em sua busca do lucro. Estas restrições qUl' so beneficiavamumnumero relativamente pequeno de companhias de comércio mais anligas,já estabelecidasl' lIIonopolistas - eramfruto dasleispaternalistas,queeramremanCSCl!l\teSda versãofeu-dal da ética cristã paternalista. Esta ética simplesmente não era compat ível com o novosistema econômico, que funcionava na base de obrigações contratuais estritas entre as pes-soas, e não em vínculos pessoais tradicionais. Inúmeros mercadores e capitalistas novosprocuraram minar as posições privilegiadasdos monopólios dos mercadores mais antigose criar um sistema sócio-político mais voltado para a busca livre e desinibida do lucro. Osmercadores e capitalistas que investiam grandes somas em empreendimentos no mercadonão podiam depender da força dos costumes para proteger seus investimentos. Tampoucopodiam buscar, efetivamente, lucros no emaranhado de restrições governamentais que ca-racterizavam o início da época mercantilista.

A busca do lucro só poderia ser eficaz numa sociedade baseada na proteção dos direi-tos de propriedade e na certeza do cumprimento dos compromissos contratuais impes-soais entre os indivíduos. Neste quadro institucional, os capitalistas tinham que podercontinuar buscando seus lucros livremente. A nova ideologiaque se estava enraizando fir-memente nos séculos XVII e XVIII justificava estes motivos e estas relações entre os indi-víduos. Ao mesmo tempo, uma mudança igualmente importante estava ocorrendo na ma-neira pela qual os ideólogos econômicos explicavam os preços, a natureza e as origensdos lucros.

ORIGENS DA TEORIA CLÁSSICADE PREÇOS E LUCRO

Com a integração de produção e comércio e a dificuldade cada vez maior de se obterlucro com a simples exploração das diferenças de preço, começou uma nova orientaçãopara entender os preços e o lucro. Um famoso estudioso desta época escreveuo seguinte:"No fim do século XVII, principalmente na Inglaterra, a orientação sobre custos, adotadapelos produtores mais antigos com relação ao valor, começa a dar sinaisclaros de renasci-mento. Passa-se a dar cada vez mais énfase aos custos de produção, particularmente naindústria. ,,26

Com a criação de uma mão-de-obra "livre" - quer dizer, um número substancial deprodutores que não podiam ter controle algum sobre os meios de produção necessárioseque eram obrigados a vender sua força de trabalho para sobreviver - foi-setornandogra-dativamente claro que o controle sobre estes produtores era a chave para a obtençào de

11,MFEK, J.ahol/r 17reary 01 ValI/e, p. 18.

.,.\

1lucros.Típica deste enfoque foi a afirmativade Daniel Defoe,em sua obra A General/listory of Trade(1713), de que "são o trabalhoe o engenhodaspessoasque, por si sós,!lcram riqueza e tornam... o comércio lucrativo para a nação".27 Outra das inúmeras afir-mativasque expressameste ponto de vistapode ser encontradana obra BritalllziaLan-gIH'IlS(1680), de Petty: "Só se pode acumular um tesouro suficiente com o trabalho daspessoas... Portanto, as pessoas são a mercadoria principal, mais básica e preciosa, da qualpodem ser obtidos todos os tipos de produtos industrializados, navios, riquezas, conquis-tas e domínio sólido.,,2~

A indústria capitalista começou a conseguir aumentos substanciais da produtividaderio trabalho, aumentando a divisãodo trabalho, pela qual diferentes trabalhadores se espe-I'lali,.avamapenas em uma ou poucas tarefas; os pensadores sobre a economia do iníciodo século XVIII começaram a identificar dois princípios distintos e importantes que nor-tc'avam este aumento de produtividade. Primeiramente, viram que os recursos naturais"I se transformavam em mercadorias com valor de troca depois de o trabalhador os terIlunsfonnado em produtos com valor de uso. Em segundo lugar, com o aumento da espe-'Iahl.ação e a divisão do trabalho, ficou claro que uma troca de mercadorias poderia servlhla como uma troca dos diferentes trabalhos especializados incorporados nestas merca-d1l1l1l8.Isto foi visto com mais clareza por Bernard Mandeville:

A providência ordenou as coisas de tal modo, que não só diferen tes partes do mesmo país têm suaprópria produção mais adequada; da mesma forma, homens diferentes têm aptidões adaptadas a1111111grande variedade de artcs e indústrias diferentes. Portanto, o comércio, ou a troca de umaII1crcadoria... por outra, é altamen te conveniente e benéfico para a humanidade... Para facilitarn~ trocas, os homens inventaram o dinheiro, adequadamente chamado meio de troca, porquc,\,1)111ele, troca-se trabalho por trabalho ou uma mercadoria por outra... I;:_ocomércio, em geral,nada mais é do que a' troca de trabalho por trabalho e, por isso, o valor de todas as coisas é...nwdido mais corretamente pelo trabalho. ,.

() precursor mais evidente da teoria do valor-trabalho dos economistas clássicos foi o,!\11manônimo de um folheto publicado em 1738, intitulado AIglllllasIdéias sobre o Va.111'do /Jinlzeiro em Geral, que concluiu que

" vnlordas...(mcrcadorias), quando são trocadas umas pelas outras, é regulado pela quantidadl'do trahalho necessária e comumente usada em sua produção; e seu valor ou preço, quando s,iocompradas e vendidas e comparadas com um meio comum, será determinado pela quantidade delIahalho emprcgada e pela maior ou menor quantidade do meio ou da medida comum. '0

I'om base neste ponto de vista, é óbvio que, se o trabalho é o mais importante deter-

IlIln.11111'dos preços em geral, o trabalho também tem que ser a fonte dos lucros, porqllc

,'0111 s!lo obtidos pela compra e venda. Quando os lucros são auferidos atravésdo contro'Ir 1111processode produção, tém que refletir uma diferença dos preços pagospelos inslI

t lindo por FURNlSS, Edgar S. 77rePositiall aI tire Laborerin a System 01Nationalism. NuvlI11111111'.Allltllstu~ M. Kclly. 1965, p. 16,

~ 1\1111,1'.1(,.17.

( 1I,IIIu por MI'LK t,nhollr nrl'lIrl' af Vallll' , 1', 41,

ti 1\1111,r 4141

. ,

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11I0. 1H'I'('~~;idnsà produção e à quantidade produzida. Durallt(~ Indu nq\lcla época, muitosn\ltOll's passaram a ver os lucros como um excedente que ricava, npt'ls ns trahalhadores te-1('11Il'ol1segllido as mercadorias necessárias para seu prÓprio COIIS\lIIIO.Em 1696, JohnCary I~S('l'CVeuque as mercadorias "exportadas dão mais ou mCllos I\ll~ro, dc acordo com otrahalho das pessoas incorporado ao seu valor".31 Em 1751, csla fOllte de lucro estavas(~ndo chamada de excedente de produção sobre as necessidades de consumo dos traba-lhadores:

lI~suntos econômicos é políticos franceses durou cerca de duas décadas e terminou quan

do seu membro politicamente mais influente, Turgot, perdeu seu cargo de controlador ge.1i,1das finanças, em 1776.

Os fisiocratas estavam interessados W1 reformar a Franç~~gue estava passando pordl'sorden.seconômicas e sociais, causadas principalmente por uma combinação Í1eteroge.lI<,ade muitas das piores características do feudalismo e do capitalismo comercial. A trioh\ltação estava desordenada e era ineficiente, opressiva e injusta. A agricultura ainda usava11t('cnologiafeudal, feita em pequena escala, ineficiente, e continuava sendo uma fonte deIHHlcrfeudal que inibia o avanço do capitalismo. O Governo era responsável por um ema-Ii1l1hadoextraordinariamente complexo de tarifas, restrições, subsídios e privilégios nas111ras da indústria e do comércio. O resultado disso foi o caos social e econômico, que cul-lI\lnoucom a Revolução Francesa.~u

~)s fisiocratas achavam ue as sociedades eram oY~Ina.das ela lei naturai. que osplO!>lemasda França eram devidos à incapacidade de seus dirigentes compreen erem esta1111natural e ordenarem a produção e o comércio de acordo com ela. Quesnay formulou\110modelo simples de como uma sociedade deveria ser estruturada, a fim de refletir a leilIilllIral,e, com base neste modelo, os fisiocratas advogavama reforma política: a aboliçãodlls corporações de ofício e a remoção de todas as tarifas, impostos, subsídios restn õesI' 'Cl:uIãrÜentaçõe;'";)(TsTêntes gue preludic~ssem.~..!,~.:t_~~r.ia~~().E2jíIé.r_c1?~ropu;eram a

mbs.lituiçãoda agricultura em pequena escala e ineficiente, então vigente, pela ~ulturaIllpllaITstaem grande escala Mas a proposta de reforn\a pela qual os fisiocratas são mais'rn1brnos 01 a recomendação de que toda ~ renda do Goven1.Q...(QWoh~jdiUltrav~s...dcLWllÚnicQimposto, ~ra todo o país, soiJreas ativiããdes agiícõiâs (por r'~zõesqu~ ficarãoclllrasna discussãosubseqÜente). --

As reformas estavam destinadas a ser inatingíveis, porque os fisiocratas não questio.IIIIVal11 o direito da nobreza feudal de receber a renda de suas terras, enquanto que aliO'

II(I'IIIpercebia - bastante corretamente - que os esquemas fisiocratas levariam ao empo.hl('Clmento da classe proprietária de terras e à ascensão da classe ca1~italistajMudança$vnl'lalSque e-xigel}!o <!esl()camentode uma EI~s_seq,omina.DteP.QUllit.E!.)l[Qp9.g~msl'r((\nscp.uiãàspo~ meio ,?e!:formas] Exigem revolução, e a França precisou da revoluç:\(1dl~ I 789 para que mudanças parecidas com as defendidas pelos fisiocratas se tornasscm

pnssiveis.3S _t1ort;uito,- ~n.cia..do.s..fl.&iQc.J;atas. -f.ei-l>asieamente intelectu(\,}; niQ...QQI ítica, \ AI

~\lmas das idéias expressasno Tableau Écollomique de Quesnay deveriam tornar-se, di'pl)l~.muito importantes na literatura econômica. Dedicaremos o restantedestecapítulo11

1111111discussão de três tópicos nos quais as idéias de Quesnay haveriam de ter um impactoIlIIportante: (I) a noção de trabalho produtivo e improdutivo e de excedente econômico.I ') 11intcrdependência mútua dos processos de produção; (3) os fluxos circulares da mOl'dll I' das mercadorias e as crises econômicas que podem ser causadas pelo entesoural11l'n(odo dinheiro,

A fonte da riqueza é o nÚmero de habitantes:... quanto mais populoso ror um país, mais rico eleé ou poderá ser... Isto porque a terra é gratuita e remunera seu trabalho não apenas com o sufi-ciente. mas com abundância... Ora, tudo o que sobra sem ser consumido é l'xeedente, que consti-tui a riqlleza da nação.32

Masestespensadoresnão conseguiramentendero processocomclarezasuficientepa-ra mostrar como era possível que a quantidade de trabalho incorporada a uma mercadoriafosse,ao mesmotempo,o detem1inantedos preçose a fonte do valore do lucroexceden-te. Para isto tornar-se possível, teve que haver um claro reconhecimento de que o lucro so-bre o capital era uma categoria distinta de renda de classe, que ia para o dono do capital,porque sua propriedadepermitiaque ele controlasseo empregodos trabalhadores,e istorepresentavamais ou menoso valor de troca do capital do capitalista.Ronald L. Meek,eminente historiador de idéias econômicas, chegou à seguinte conclusão:

O lucro sobre o capital e as classes sociais que passaram a auferir rendas deste tipo era, obvia-mente, o produto final de vários séculos de desenvolvimento econômico. Mas foi só a partir dasegunda metade do século XVtlI. ao que parece. que o lucro sobre o capital como um novotipo genérico de renda de classe tornou-se tão claramente diferenciado dos demais tipos de renda,que os economistas conseguiram captar todo o seu significado e delinear suas característicasbásicas.33

Em 1776, Adam Smith publicou sua famosa obra, intitulada A Riqueza dasNações.

.Esta fui ~m~ sistemática e ampla do capitalismo, ernque esta maneira deentender o ucro sobre o capit(ll [oi.Pkn~mente elaboradj!, No próximo capítulo, exami-naremos as idéias de Smith. Mas, antes de fazê-Io, é preciso fazer um breve resumo dasidéias dos fisiocratas, uma escola francesa de economistas do século XVIII, cujas obrasdeveriam exercer uma influência considerável sobre o desenvolvimento subseqüente dasdoutrinas econômicas.

OS FISIOCRATAS COMOREFORMADORES SOCIAIS

Os fisiocratas eram um gru.EQde reformadores sociais franceses, discípulos intelec-tuais de François Q~nay (1694-1774YQuase tod;;a~~su'!.sidéias se origill~a.m direta-ou..~ir~tamente_ do Ta_blff!.!!.Économim.JJ:.>-d~_Ouesnay.34Sua influênciaimediatasobre os

31 Citado por fURNtSS. Position of the Laborer, p. 19.

32 HAY, William. Op. cit.

33 MEEK. Labollr T71eoryof ValI/e, p. 24-25.

..I QUESNA Y, Fran<:ois. Tahleal/l,'conomiql/e. Londres, 11. lIiggs, 1894; original ÍllIpn'sso 1'111 parti.l'ulan's. Versalhes. 1758.

I' 1111\11tkf,'sll I11I1ISl'ol1\pil'la tll-sta afirl11ativa pode ser encontrada el11 RO(;IN. Ll'O, '17/1'""'/11""/1

"l1d ValidU)' 111 /o.'C'/IIIOII/;(' 7111'/1'1' Nov:t InrqlH', I Ia 11'('1' ,~ Row, I C)57. p, 14.50,

C,h

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ASml~IASECONÚMICASDEQUESNAY

fO f'ahleauE;;;,~;;;;Pleé, basicamente,um modelo dt. 111111I('!'IlI1omia. O modelomostra os processos de prõãtiçao, ~éifêurãçãoda moeda e das I1H'lC'uclorias (' a distribuiçãoda renda. O modelo pressupõe que a produção ocorra em ciclos :ll1llats(' qllc tudo o que éproduzido em um ano é consumido naquele ano ou se transforma 110S111811mOSnecessáriospara ayrodução do ano se~uinte. o ce-nhó-óe atenção é a ,'".&.'"icIIHllra.Por exemplo, emdetem1inado ano, o setor agrícola produz 5 bilhões.36 O setor 1IHI1I81rial produz um bi-lhão. O produto bruto é de 6 bilhões. Um bilhão vai imediatam(,111l'slIhslituir o ativo du-rável usado pela agricultura na produção. deixando um produto Iíql1ldodt' 5 bilhões.

Do produto agrícola, 2 bilhões ficam com os produtores. Inclucm as scmentes para operíodo seguinte e os salários da administração (lucro) para os fazendeiros capitalistas e osagricultores. Todo o estoque de moeda (2 bilhões) está nas mãos dos fazendeiros capitalis-tas, no início do período. Eles pagam 2 bilhões em moeda à classe dos proprietáriosrurais, como arrendamento. Esta é a renda excedente no sistema. Os proprietários de ter-ras não desempenham qualquer função econômica em troca deste pagamento.

Estes 2 bilhões representam um excedente produzido no setor.agrícola, que ultrapas-sa o consumo dos agricultores e os custos de reposição dos ativos consumidos na produ-ção agrícola. Os fisiocratas consideravam este excedente um presente da natureza e acha-<-

vam que só através do cOQtlltogireto com a natureza, na produção extrativa ou agrícófa, e-"q~' ~ traball10 h~~ano poderia prO'õi1ztT-trrI1eX:ceoerrte:OsagriCuItores eram, põrbmto,

c~amados de dirssc vroduWla. .9~~~ll"r~es de ,!TIercádoriasindustrializadas eram cha-mados de classe estéril, não porque não produzissem, mas porque o valor do que produ-iiam era, presumivelinente, igual aos custos necessários de matérias-primas mais os neces-sários salários de subsistência dos produtores. t!iio se achava que'pudesse sobrar qual-~er excedente ou lucro na atividad~ .!!19U~~.!:.!.<Jl-Havia, portanto. três classe.s..:...a.~produtiva (capitalistas e trabalhadores gedic_adosà produção agrícola), a clas~e~érilcapitalistas e trabalhadores ligados à indústria) e a classe ociosa"(osdonos de terras, que

cónstliTIfamo-exc:.dé'ílt~ciuzid~~~ classeprod-utiva). -Após o recebimentode sua renda pela classedos proprietáriosde terras,o Tableau

prosseguia com uma longa lista de transações que mostravam como os produtos dos seto-res agrícola e industrial eram distribuídos ou alocados e como era necessário haver a per-feita circulação da moeda para esta alocação. No fim de todo o processo, se as transaçõesfossem agregadas, veríamos que a economia voltaria ao seu estado inicial. Em cada perío-do, o setor industrial reproduzia o mesmo valor que tivesse usado em insumos (matérias-primase consumode subsistênciado setor agrícola);o setor agrícolareproduziao valorde seus insumos (sementes, consumo de subsistência e ativos agrícolas duráveis usados) eum valor excedente de 2 bilhões. que era apropriado pela classe dos proprietários de terrase consumido sob a forma de produtos agrícolas e produtos industriais. " - -,

Este modelo ilustra o fato de.5lue,9sdois setores de produção sãoJnterdep,~ndeJlte.s...eque o produto de cada unfdeieS é um insumo necessário para o outro. Esta interdepen-dência tecnológica de diferentes indústrias deveria servir (conforme discutiremos mais

.Idlante,em outro capítulo) de base para as futuras versõesda teoria do valor-trabalho. O

IllOdelotambém ilustra o fato de que a alocação de insumos e produtos requer a <1i.!cu~,-,!locontínua da moeda. Os fisiocratas se anteciparam a T. R. Malthus, Karl Marx, J. .I\.('ynese muitos outros economistas posteriores, que mostraram como o entesouramentollu moeda ou a criação de pontos de estrangulamento ou desequilíbrios no processo dellrculação monetária poderia atrapalhar a alocação de insumos e de produtos, provocan-do crisesou depressõeseconômicas.

Finalmente, muito embora virtualmente todos os economistas posteriores tenhamIl'jcitado a noção de que o excedente econômico era um dom da natureza, a classificação(Ios trabalhadores cuja força de trabalho cria valor excedente como produtivos e daquelesIIlJ:!força de trabalho não cria excedente como improdutivos deveria tornar-se um ele-lII~ntoimportante na análise econômica do século XIX.

CONCLUSÃO

Em geral, deve-se dizer que muito poucos economistas anteriores a Adam Smith apre-;f!nlaram o mesmo tipo de análises coerentes e bem elaboradas dos processos econômicos

Itll capitalismo, que encontraremos nos capítulos que se seguem. Isto não ocorreu por se-1(111Ieles intelectualmente inferiores aos seus sucessores, mas porque estavam escrevendo

1111111:1época de transição sócio-econômica em que as çaracterísticas do sistema capitalistaC'1I11!rgenteestavam permeadas de muitos vestígios do antigo sistema. Em fins do século\ VIII, as características mais gerais do capitalismo já se tinham tornado muito mais visí-y.l~ Daquela época em diante, os pensadores econômicos puderam perceber muitas destas( ill'aet('rísticas, com uma clareza cada vez maior. Além do mais, depois de o capitalislllo

"'! aparecidoclaramentecomo o sistemaeconômicodominanteda EuropaOcidental,ca.ti,. ~I!ração de economistas que passava podia aproveitar e refinar as idéias de seus predc1'I'\SlIrcs.

N:loobstante, o leitor verá que muitas das idéias discutidas neste capítulo têm reapati I'Hh) várias vezes até os dias de hoje. Apesar das enormes mudanças ocorridas desde o'11'l'uloXVI, o capitalismo continua baseando-se em muitos dos mesmos fundamentos so.

I IIW, pol íticos, jurídicos e econômicos que eram percebidos apenas por alto, na época Clll'111,("tavam começandoa dominara sociedadeda EuropaOcidental.

,1,1)Estou adotando a tl'rminologia de Rogin em Hcollomic Theory, p. 20, e n:io li de ()IH"";I~'

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