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I Encontro de Professores do Alentejo e Algarve 13 e 14 de Outubro de 2006 Universidade do Algarve GUIA DE CAMPO A ROCHA DA PENA (ALGARVE) – ASPECTOS GEOLÓGICOS E GEOMORFOLÓGICOS – Francisco Lopes a,b,1 e Paulo Fernandes a,c,2 a - Associação DPGA; b - Escola Secundária de Albufeira; c - Faculdade de Ciências do Mar e do Ambiente da Universidade do Algarve 1 – [email protected] ; 2 - [email protected]

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I Encontro de Professores do Alentejo e Algarve 13 e 14 de Outubro de 2006

Universidade do Algarve

GUIA DE CAMPO

A ROCHA DA PENA (ALGARVE) – ASPECTOS GEOLÓGICOS E GEOMORFOLÓGICOS –

Francisco Lopesa,b,1 e Paulo Fernandesa,c,2

a - Associação DPGA; b - Escola Secundária de Albufeira; c - Faculdade de Ciências do Mar e do Ambiente da Universidade do Algarve 1 – [email protected]; 2 - [email protected]

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A ROCHA DA PENA (ALGARVE)

– ASPECTOS GEOLÓGICOS E GEOMORFOLÓGICOS – Francisco Lopesa,b,1 e Paulo Fernandesa,c,2

a – Associação DPGA; b – Escola Secundária de Albufeira; c – Faculdade de Ciências do Mar e do Ambiente da Universidade do Algarve 1 – [email protected]; 2 - [email protected]

1. INTRODUÇÃO A Rocha da Pena (RP) é um local de reconhecido interesse multidisciplinar devido às suas particularidades

estruturais, geológicas, biológicas, paisagísticas e culturais, constituindo presentemente uma área protegida sob a figura do Sítio Classificado da RP, nos termos do Decreto-Lei n.º 392/91 de 10 de Outubro. As suas particularidades atribuem-lhe um estatuto que lhe confere o reconhecimento suficiente para ser citada nos mais diversos tipos de literatura e meios de comunicação com um cariz mais científico e investigativo ou de índole meramente de divulgação. Por exemplo, M. FEIO (1952, p. 103), no seu trabalho sobre “A Evolução do Relevo do Baixo Alentejo e Algarve” refere-se à RP como «… o único relevo verdadeiramente vigoroso de toda a Orla Algarvia…».

Reconhecendo a RP como um geomonumento, dadas as suas particularidades e características de monumentalidade a nível da geologia, esta pode ser considerada um património geológico que importa divulgar e valorizar como um georrecurso cultural, numa concepção de cultura alargada ao saber científico, não renovável, e que deve ser preservada e legada como herança às gerações futuras [1, 2]. Nesse sentido, a RP encerra uma geodiversidade com interesse didáctico passível de uma exploração em actividades outdoor1 integradas no ensino formal ou mesmo no ensino não-formal2, onde, por exemplo, durante uma Saída de Campo os visitantes poderão, na perspectiva das Geociências e da Educação Ambiental, explorar diversos aspectos geológicos e geomorfológicos:

i) Enquadramento geológico – litologias, respectivos ambientes geológicos e estruturas não-tectónicas (estruturas sedimentares), realçando o facto das rochas e das estruturas por elas evidenciadas representarem testemunhos da história geológica da Terra;

ii) Estrutura e génese da RP e evolução das suas escarpas – estruturas tectónicas (fracturas, dobras) e condicionantes responsáveis pela origem e evolução da RP;

iii) Morfologia cársica – génese e algumas formas cársicas presentes na RP. 2. ENQUADRAMENTO GEOGRÁFICO E GEOMORFOLÓGICO

A RP localiza-se no Algarve, no concelho de Loulé, a oeste da vila de Salir (Fig. 1), encontrando-se na transição entre a Serra Algarvia e o Barrocal Algarvio, abrangendo a Serra no sector Norte e o Barrocal no sector Sul (Fig. 2). Este geomonumento, juntamente com outros relevos como a Rocha dos Soidos e a Rocha de Messines, constitui o alinhamento E-O mais setentrional de relevos carbonatados [3] do Barrocal Algarvio e da Bacia Algarvia no Algarve Central.

1 “Actividade outdoor”, no sentido aqui empregue, refere-se a uma actividade realizada em ambiente natural como, por exemplo, o estudo de um afloramento rochoso [4]. Contudo, é de realçar que este tipo de actividade deve ter um carácter holístico e deve ser organizado e desenvolvido por monitores com preparação científica e académica para o efeito [5]. 2 O “ensino formal” enquadra as actividades curriculares, portanto, no âmbito de um programa curricular de uma determinada disciplina e de um determinado nível de ensino. Por outro lado, o “ensino não-formal” engloba as actividades extra-curriculares, como clubes de ciência, passeios pedestres e outras actividades realizadas no âmbito da divulgação e da alfabetização científicas [5, 6].

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V. R. Sto.António

CastroMarim

Alcoutim

Tavira

OlhãoFaro

S. Brás de Alportel

Loulé

Albufeira

LagoaPortimão

LagosVila doBispo

Aljezur Monchique

Silves

Salir

Tôr

Barranco do VelhoBenafim

Alte

São Bartolomeude Messines

Odeceixe

SagresCabo deSão Vicente

Luz

Ponta deSagres

Odiáxere

Guia

Boliqueime

Martilongo

Quarteira

FaroFaroFaro

N

125

125

A22

125

125

125

125

A22A22

IC1

IC1

A02

124124

124

124

124

396

Serra do Caldeirão

Serra de Monchique

Serra do Espinhaçode Cão

525

525

524

503

0 20 km

Estrada

Área de estudo

Localidades

N

Faro

Lisboa

50 km

0 1000 m0 1000 m

N Limite da área de estudo

Limite do Sítio Classificado

da Rocha da Pena

Fig. 1 – Localização geográfica da RP. I – Mapa do Algarve com a localização da RP; II – Parte da folha 588 da Carta Militar de Portugal, na escala original 1/25000, do Instituto Geográfico do Exército, com a delimitação do Sítio Classificado da RP.

100

200

300500

200

N1

32

4

1-

3-

2-Barrocal AlgarvioLitoral Algarvio Serra Algarvia Falha de S. Marcos-Quarteira

Falha de Alportel

Flexura do Algibre4-

Falha da Eira de AgostoÁrea de Estudo Limite entre zonasCurvas de nível

(equidistância de 50 m)

Lagos

Serra de Monchique

SagresCabo deSão Vicente

Ponta deSagres

Quarteira

Portimão

Faro

TaviraV.R.Sto.António

Aljezur

0 20 kmAlbufeira

Barlavento Sotavento

Litoral Meridional

Fig 2 – Enquadramento geomorfológico da RP, com a localização da Serra, Barrocal e Litoral (Litoral Ocidental e Litoral Meridional: Barlavento e Sotavento) e alguns acidentes tectónicos (adaptado de [3, 7]).

A RP (Fig. 3) constitui um relevo de forma tabular cujo eixo maior tem orientação E-O, afunilado no extremo Leste e

I

II

Rocha da Pena

Rocha da Pena

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alargado no extremo Oeste. Este relevo representa uma mesa com cerca de 1850 m de comprimento, 455 m de largura máxima e uma altitude que varia entre os 440 e os 480 m. O topo do relevo no essencial é aplanado, inclinando geralmente para sul. As vertentes Norte e Sul são simétricas e bastante íngremes, sendo constituídas por escarpas talhadas nos carbonatos da Formação de Picavessa, as quais no sector Sul atingem os 50 m de altura.

Fig. 3 – Modelo digital de terreno com a elevação e a hidrografia da área de estudo.

A RP encontra-se individualizada dos relevos adjacentes por vales talhados essencialmente nas formações vulcano-argilo-areníticas do Triásico e da base do Jurássico Inferior. No sector Norte, desenvolve-se um vale de orientação E-O onde estão instaladas a ribeira da Brazieira e a ribeira do Freixo – a ribeira da Brazieira prolonga-se pelo sector Este com um traçado NO-SE, enquanto a ribeira do Freixo tem continuidade para oeste através de um vale de orientação N-S, o qual interrompe a continuidade do alinhamento E-O da RP com a Rocha dos Soídos; no sector Sul encontra-se um vale principal com direcção também E-O menos amplo que os restantes onde se desenvolve uma linha de água para oriente que conflui com a ribeira da Brazieira; no sector Sul encontram-se ainda duas linhas de água de orientação N-S a drenar para sul, cortando os relevos calcários que formam pequenas colinas inclinadas para sul.

Elevação (m)

Metros

479m

480m

448m ROCHA DA PENA

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3. ENQUADRAMENTO GEOLÓGICO A RP e a sua área envolvente localizam-se em terrenos pertencentes ao Maciço Antigo e à Bacia Algarvia. O Maciço

Antigo, na Península Ibérica, corresponde a um aplanamento da cadeia montanhosa Hercínica, que foi arrasada pela erosão durante o Pérmico e parte do Triásico, antes da fragmentação do Pangea [8]. Na área considerada, as formações rochosas do Maciço Antigo pertencem ao Grupo do Flysch do Baixo Alentejo, uma das unidades litoestratigráficas da Zona Sul Portuguesa [9]. As restantes unidades pertencem à Bacia Algarvia, de idade mesocenozóica, cuja estruturação esteve relacionada com a abertura do oceano Atlântico Norte e a expansão do oceano Tétis para ocidente (Neo-Tétis Ocidental) e a consequente fracturação do Pangea [10, 11]; esta estruturação e evolução decorreram desde o Triásico Médio até meio do Cretácico tendo na fachada meridional estado essencialmente associada a movimentos distensivos NO-SE a N-S [7] controlados pela deriva diferencial da África em relação à Ibéria; esta bacia durante o Cretácico Superior e o Cenozóico foi sujeita a um regime compressivo polifásico de orientação N-S (inversão tectónica) [10, 11].

Na RP e na sua área envolvente as unidades litoestratigráficas encontradas possuem idades compreendidas entre o topo do Carbónico Inferior (Namuriano) e o Quaternário, com duas grandes lacunas estratigráficas (Fig. 4 e 5): i) entre a base do Carbónico Superior e o Triásico Superior; e ii) entre o Jurássico Inferior e, pelo menos, o Pliocénico.

?

?

?

?

?

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?

?

?

AS

XG

AL

GS

PV

XG

ASAL

CVS

CVS

CVS

CVS

PV

DV

DV

PV

PV

XG

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DV

DV

DV

DV

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DV

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AL

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ArgV

ArgV

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Cal

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AL

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Int

IntInt

Int

Int

CVS

Gesso

CVS

CVS

Cal

CVS

Cal

PV

CVS

CVS

CVS

Gesso Rocha daPenaPenina

Pena

Quinta doFreixo

PENA

374

BICA

383

479ROCHA DA PENA

N

500 m0

468

473471

456

356

331

335

317

344337 328

296

304

278

301267

291

290

302

249

264

266

299 360

282

256

285

480

1- 2- 3- 4- 5- 6- 7- 8- 9- 10- 11-

12- 13- 14- 15- 16- 17- 18- 19- 20- 21- 1- Aluvião (Quaternário); 2- Depósitos de vertente (Quaternário); 3- Cascalheiras e areias (Quaternário); 4- Formação de Picavessa (Sinemuriano); 5- Argilas vermelhas do Complexo vulcano-sedimentar (Sinemuriano); 6- Complexo vulcano-sedimentar (Hetangiano-Sinemuriano); 7- Pelitos com evaporitos e intercalações carbonatadas (Retiano-Hetangiano); 8- Arenitos de Silves (Retiano); 9- Formação de Mira (Namuriano); 10- Gesso; 11- Intrusão; 12- Limite geológico; 13- Falha; 14- Falha normal; 15- Falha inversa; 16- Desligamento; 17- Falha provável; 18- Falha oculta; 19- Vértice Geodésico e ponto cotado; 20- Moinho; 21- Povoação

Fig. 4 – Mapa geológico simplificado da RP e da região envolvente (cartografia realizada pelos autores e adaptada da folha oriental da Carta Geológica da Região do Algarve, à escala 1/100.000, do SGP (1992); base cartográfica: folha 588 da Carta Militar de Portugal do IGEO).

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v

v

v vv

vv

vv

v

vv

v vv

Dolomitos, calcáriosdolomíticos e calcários

Argilas

Intrusões de doleritos

v vv

Tufos vulcânicos

Tufos vulcânicos, brechasvulcânicase escoadas de

Dolomitos e calcários

Gesso

Halite

Argilitos, siltitos earenitos finos

Conglomerados

Argilitos e grauvaques

Arenitos, siltitos eargilitos

Fig. 5 – Coluna litoestratigráfica sintética da RP e da sua área envolvente.

Unidade litoestratigráfica Características litológicas Estruturas sedimentares, paleocorrentes, fósseis, coloração, …

Ambiente geológico

Aluvião

Depósitos de vertente

Cascalheiras e areias

Brecha cársica e terra rossa

Formação de Picavessa

Complexo vulcano-sedimentar

Pelitos com evaporitos e intercalações carbonatadas

Arenitos de Silves

Formação de Mira Argilitos e grauvaques intercalados

Arenitos, siltitos, argilas e leitos de conglomerados com cimento ferruginoso

Argilitos, siltitos e arenitos finos e intercalações de evaporitos e carbonatos

Tufos vulcânicos, brechas vulcânicas, escoadas de basaltos e intrusões de doleritos

Dolomitos, calcários dolomíticos, calcários e brecha dolomítica

Areias, siltes, argilas e seixos rolados

Clastos angulosos com cimento carbonatado; depósito argiloso

Clastos e blocos angulosos de rochas da F. de Picavessa

Argilas, siltes, areias e seixos rolados

Pisólitos, oólitos, fósseis de corais e de gastrópodes e laminações microbianas; com dolomitizações secundárias

Materiais piroclásticos bem estratificados, alguns com granotriagem positiva e evidenciando fluxos; níveis de descontinuidade intercalados; elevado grau de alteração

Dolomitos com laminações, fendas de contracção, intraclastos e bioturbados; nódulos carbonatados; coloração avermelhada, por vezes, esverdeada

Paleocorrentes de N para S; estruturas de canal; laminação paralela e entrecruzada

Sequências de Bouma; tonalidades acastanhadas e esverdeadas

Correntes de turbidez com deposição em fundos marinhos profundos

Continental fluvial com episódios de enxurradas; clima quente e seco

Margino-litoral (tendência marinha para o topo da sequência) com pulsos regressivos e transgressivos intercalados; clima quente e seco (ambiente tipo sabkha);

Actividade vulcânica ora explosiva ora efusiva; principalmente subaquática; associada à primeira fase de riftogénese do Mesozóico

Plataforma marinha carbonatada de águas quentes e de baixa profundidade

Continental fluvia;l associado ao rejuvenescimento da rede hidrográfica

Erosão subaérea associada a fenómenos de carsificação

Continental fluvial; actualmente em fase de assoreamento

Carb

ónico

Tr

iásico

Sup

erio r

Ju

ráss

ico In

ferior

Qu

atern

ário

A cobrir as vertentes da RP

A cobrir o fundo dos vales que rodeiam a RP

A preencher o carso e as fracturas desenvolvidos na Formação de Picavessa Topograficamente acima dos aluviões actuais

>150

m

Até 1

50 m

At

é 210

m

Até 6

5 m

Continental; erosão subaérea; associados à evolução dos relevos carbonatados

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4. PARAGENS Foram seleccionadas 4 paragens (Fig. 6) para a Saída de Campo com o objectivo de observar e discutir alguns

aspectos geológicos e geomorfológicos relacionados com as unidades litoestratigráficas aflorantes na área e com a estrutura, a génese e a evolução do relevo da RP. Para melhor enquadrar no tempo e a paleogeografia da área de estudo encontra-se em anexo uma tabela cronostratigráfica (Anexos, Quadro 1) e uma reconstituição paleogeográfica global (Anexos, Fig. 29) para o intervalo de tempo compreendido entre o Carbónico e a Quaternário.

Fig. 6 – Modelo digital do terreno com a geologia da RP e da sua área envolvente e com a localização geográfica das quatro paragens a realizar durante a Saída de Campo (modelo elaborado por Vítor Correia).

1.ª PARAGEM – Afloramento da Formação de Mira (estrada 503, entre a Brazieira e a Tameira)

Descrição geral: Sequências de grauvaques e argilitos intercalados com tonalidades acinzentadas e acastanhadas, originadas por correntes de turbidez em fundos marinhos de elevada profundidade [8,12] (oceano Rheic); com estruturas sedimentares (sequência de Bouma) (Fig. 7) e estruturas tectónicas relacionadas com a orogenia Hercínica (dobras, fracturas, filões e clivagem) (Figs. 8 e 9).

Fig. 7 – Sequência de Bouma completa (entre a Brazieira e a Tameira na berma esquerda da estrada 503 no sentido sul-norte; moeda como escala).

Divisão a (Areias com gradação positiva; base erosiva)

Divisão b (Areias com laminações paralelas)

Divisão c (Areias com laminação cruzada)

Divisão d (Silte laminado)

Divisão e (Argilas)

Gesso Intrusão

4.ª (Pelitos com evaporitos / Génese e evolução da RP)

2.ª (Complexo vulcano-sedimentar)

1.ª (Formação de Mira)

3.ª (Arenitos de Silves)

500 m

(Carbónico)

Pelitos com evaporirotos e carbonatos (Jur. Inf. – Trias. Sup.)

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Falha: N43º

Falha: N68º

Falha: N45º,81ºS

Falha: N37º,80ºN

S1: N72º,80ºS

S N

Fig. 8 – Afloramento da Formação de Mira com camadas em posição normal, evidenciando dobramentos, falhas e clivagem ardosiana (S1). I- Fotografia do afloramento; II- Esquematização do afloramento.

Fig. 9 – Afloramento da Formação de Mira com camadas sub-horizontais (S0) em posição normal evidenciando uma clivagem tectónica moderada (S1: N0º,30ºE) nos argilitos e a respectiva refracção da clivagem – clivagem de fractura oblíqua nos argilitos e quase perpendicular à estratificação nos grauvaques (martelo como escala).

2.ª PARAGEM – Afloramento do Complexo vulcano-sedimentar (caminho Brazieira - moinhos da Pena)

S N

1 m

1 m 25 m

I

II

S0

S1

S1

Grauvaques

Argilitos

Argilitos

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Descrição geral: sequência formada por uma alternância de tufos vulcânicos (piroclastos), brechas vulcânicas, escoadas de basaltos e intrusões de doleritos (Figs. 10 a 19) [13, 14, 15, 16] em elevado grau de meteorização; origem associada ao magmatismo intra-continental de carácter toleítico da primeira fase de riftogénese do Mesozóico [16];

Fig. 10 – Coluna litoestratigráfica de um afloramento do Complexo vulcano-sedimentar (caminho Brazieira – moinhos da Pena).

Tufo vulcânico de grão fino, cor avermelhada, cimento carbonatado; S0: N85º,26ºS (Fig. 11)

Tufo vulcânico de grão muito fino, cor amarelada (Fig. 12)

Intrusão de dolerito muito fracturada e com disjunção esferoidal (Fig. 13)

(1) intrusões posteriores

Brecha vulcânica com xenólitos de dimensão e litologias diversas – calcários, dolomitos,

argilitos e rochas ígneas –, os quais apresentam alguma ordenação (1) intrusões, algumas das quais constituem diques com direcção N55º

Tufos vulcânicos de grão fino, formando camadas de espessura centimétrica; S0: N88º,50ºS Brecha vulcânica com xenólitos de diversas litologias (Fig. 14) Tufos vulcânicos de grão fino bem estratificados

Brecha vulcânica com xenólitos de diversas litologias

Tufos vulcânicos de grão fino, formando camadas de espessura centimétrica; S0: N85º,28ºS

Brecha vulcânica com xenólitos de diversas litologias

Camada de material muito fino de cor avermelhada

Tufos vulcânicos de grão fino, formando camadas de espessura centimétrica e de granolumetria variável; S0: N82º,30ºS (Fig. 15)

Escoada basáltica amígdalóide (vesículas preenchidas com CaCO3); com diáclases N34º e N70º; desligamento esquerdo N130º (2) base da escoada de textura maciça, fina e pouco vesicular (Fig. 16)

Contacto com direcção N90º,30ºS (2)

Nível argiloso de cor avermelhada rejeitado 50 cm por uma falha inversa N35º,58ºN; S0: N92º,30ºS (Fig. 17)

Escoada basáltica amígdalóide (4) Camadas centimétricas de material piroclástico grosseiro e vesicular (1 m de espessura) (Fig. 18) (3) Níveis de discontinuidade de tonalidades amareladas (Fig. 18)

(3)

(3) (3)

Material argiloso de cor vermelha (Fig. 19)

(4)

(1)

(1)

(1)

?

?

6 m

12 m

0,2 m

8 m

4 m

6 m

3,2 m

1,7 m

9 m

0,45 m

25 m

0,25 m

9 m

4,5 m

1 m

(3) Níveis de descontinuidade de tonalidade amarelas (Fig. 18)

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Fig. 11 – Tufos vulcânicos de cor avermelhada com cimento carbonatado (S0: N85º,26ºS) da base do Complexo vulcano-sedimentar (martelo como escala).

Fig. 12 – Aspecto de material piroclástico fino de cor amarelada com estratificação N80º,25ºS (martelo como escala).

Fig. 13 – Aspecto de alteração de uma intrusão de dolerito. I- Aspecto típico de grande fracturação, evidenciando-se a acção das raízes das plantas no processo de alteração; II- Disjunção esferoidal (“casca-de-cebola”) (martelo como escala).

Fig. 14 – Brecha vulcânica com xenólitos de diversas litologias (argilitos, carbonatos e fragmentos de materiais de outros episódios magmáticos), os quais denotam um alinhamento preferencial (representado pela seta branca) concordante com a estratificação das litologias sub e suprajacentes (martelo como escala).

I II

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Fig. 15 – Tufos vulcânicos em camadas centimétricas (S0: N80º,30ºS) (martelo como escala).

Fig. 16 – Escoada basáltica. I- Base da escoada basáltica com algumas vesículas preenchidas com carbonato de cálcio (amígdalas) (S0: N90º,28ºS); II- Pormenor de uma amígdala fusiforme que indica o sentido do escape dos gases para o topo da bancada (martelo e moeda como escalas).

Fig. 17 – Nível argiloso de cor avermelhada de atitude N92º,30ºS, no seio de escoadas basálticas amigdalóides, rejeitado 50 cm por uma falha inversa N35º,58ºN (martelo como escala).

Fig. 18 – Camadas centimétricas (N80º,30ºS) de material piroclástico (Pr) grosseiro e vesicular no seio de duas escoadas (Es), destacando-se ainda a existência de uma superfície de descontinuidade (Ds) (martelo como escala).

Fig. 19 – Transição entre material piroclástico grosseiro, à direita, e argilas vermelhas, à esquerda, as quais marcam o topo do Complexo vulcano-sedimentar (martelo como escala).

Pr Es

Es

Ds

I II

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3.ª PARAGEM – Afloramento de Arenitos de Silves (Alcaria, caminho Alcaria - Rocha da Pena)

Descrição geral: Unidade assente em discordância angular sobre o soco hercínico, consistindo em arenitos, argilitos e conglomerados avermelhados (Fig. 20) [15, 16], organizados em sequências positivas, que correspondem a depósitos aluvionares transportados de NE para SO e S para depocentros originados por forças distensivas na fase de pré-riftogénese associada à formação do oceano Atlântico Norte e do Neo-Tétis Ocidental (ramo ocidental do Tétis) e consequente fragmentação do Pangea [9, 10, 17]; a unidade encontra-se afectada por 3 famílias de diáclases principais (D1: N55º,90º; D2: N0º,90º e D3: N100º,90º) (Fig. 21).

Fig. 20 – Afloramento de Arenitos de Silves com atitude N120º,24ºSO. I- Fotografia evidenciando leitos e bolsadas de conglomerados e brechas intercalados com arenitos finos a médios de cimento ferruginoso; II- Pormenor de um leito de conglomerado com elevada heterogeneidade de clastos de grauvaque e quartzo angulosos e sub-angulosos suportados por uma matriz arenosa e ferruginosa; III- Pormenor de uma figura erosiva (martelo, moeda e lapiseira como escalas)

Fig. 21 – Afloramento de Arenitos de Silves com atitude N120º,24ºSO afectado por 3 famílias de diáclases principais (D1: N55º,90º; D2: N0º,90º e D3: N100º,90º) (martelo como escala).

ENEOSO

I

II

III

N0º,90º

N100º,90º

ENEOSO

N55º,90º

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4.ª PARAGEM – A) Afloramento de Pelitos com evaporitos e intercalações carbonatadas (a oeste das Eirinhas, no caminho Eirinhas – Rocha da Pena)

Descrição geral: Sequência de pelitos, siltitos e arenitos finos de cor avermelhada, com dolomitos argilosos laminados e evaporitos intercalados (Figs. 22 a 24) [16, 19]. Os dolomitos constituem bancadas de espessura variável e são normalmente argilosos, de cor branca a esverdeada, apresentando estruturas sedimentares, tais como laminações, rip-up clasts, fendas de contracção e bioturbação (Fig. 24); podem ainda ser encontrados nódulos carbonatados pedogénicos (calcrete) (Fig. 23) a formar horizontes ou dispersos no seio dos materiais pelíticos. Esta unidade teve origem em lagoas salgadas marinhas sujeitas a sucessivos pulsos transgressivos e regressivos num clima quente e seco (ambiente margino-litoral tipo sabkha) [16, 19, 20, 21].

Fig. 22 – Pelitos com evaporitos e intercalações carbonatadas. I- Afloramento nas Eirinhas onde se evidencia uma unidade pelítica predominante de cor avermelhada com níveis e camadas carbonatadas (dolomitos primários) perto do topo; o afloramento é coroado por uma bancada de material piroclástico do Complexo vulcano-sedimentar;

Fig. 23 – Nódulos de carbonatos e gesso nodular. I- Nódulos de calcrete formando horizontes associados a camadas de carbonatos no topo da unidade; II- Pormenor do aspecto interior de um nódulo carbonatado; III- Gesso nodular no seio de pelitos vermelhos (lapiseira e moeda como escalas).

NO SE

2 m

Tufos vulcânicos do Complexo vulcano-sedimentar

NC- Níveis carbonatados (dolomitos primários) com nódulos carbonatados (S0: N85º,16ºSE)

Pelitos com evaporitos e intercalações carbonatadas

NCNC

Falha normal: N28º,66NO

I II III

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Fig. 24 – Estruturas sedimentares nas camadas centimétricas de dolomitos intercalados nos Pelitos com evaporitos e intercalações carbonatadas. I- Rip-up clasts; II- Bioturbação; III- Fendas de contracção (moeda e martelo como escalas).

4.ª PARAGEM – B) Estrutura e génese da RP, morfologia cársica e evolução das suas escarpas (a oeste das Eirinhas, no caminho Eirinhas – Rocha da Pena)

Descrição geral: Nesta paragem é possível ter uma perspectiva da vertente Sul da RP, podendo-se discutir alguns aspectos relacionados com a morfologia cársica, a estrutura, a génese e a evolução da RP.

Morfologia cársica: As escarpas da RP encontram-se talhadas nas litologias da Formação de Picavessa (Sinemuriano), a qual consiste em calcários, calcários dolomíticos, dolomitos e brechas dolomíticas [15, 20] que se formaram em plataformas marinhas carbonatadas de águas quentes e de baixa profundidade [21, 22]. A natureza carbonatada das litologias da Formação de Picavessa, em associação com condições paleoclimáticas favoráveis, promoveu a instalação de fenómenos de carsificação (Fig. 25). Deste modo, a RP encerra várias formas cársicas que apesar de modestas e pouco exuberantes têm, com certeza, um importante significado morfológico e genético a nível local e regional. Relativamente ao exocarso, pode-se encontrar um campo de lapiás muito característico com diversas formas de corrosão e várias dolinas, encontrando-se também um carso subterrâneo representado por grutas tipo algar [23, 24, 25]. Através de uma análise geral da morfologia cársica presente na RP pode-se verificar que o tipo, a orientação, a localização e a distribuição das formas cársicas são condicionadas pela litologia, pela estrutura e pela fracturação. A RP é de facto um relevo cársico cuja carsificação em tempos foi extremamente importante e determinante no desenvolvimento das formas cársicas encontradas. Todavia, actualmente em vez de existir a construção de novas formas predomina a degradação das formas herdadas de ciclos carsológicos anteriores.

I

Topo da camada

III

II

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Fig. 25 – Esquema do processo de carsificação em rochas carbonatadas.

Estrutura, génese e evolução da RP: A RP corresponde a um relevo estrutural e residual que resultou da interligação

de várias condicionantes – litológicas, estratigráficas, tectónicas, geomorfológicas, hidrológicas e climáticas [2]. A estrutura da RP (Fig. 26) corresponde a um anticlinal amplo recortado e deslocado por falhas. As falhas principais

foram geradas durante o Triásico e o Cretácico Inferior em regime distensivo, tendo depois rejogado como inversas durante a fase compressiva ocorrida durante o Cretácico Superior e o Cenozóico. O dobramento anticlinal que se vislumbra foi gerado durante a fase de tectónica compressiva. No Pliocénico ou anteriormente, durante um período erosivo, terá sido gerada uma superfície fundamental que nivelava os terrenos do Paleozóico e do Meso-cenozóico [3, 26] (Fig. 27), contudo a partir do Pliocénico Superior até à actualidade a Serra Algarvia terá sofrido relativamente à área de sopé um levantamento de cerca de 200 m [7]. Este soerguimento da cabeceira foi responsável pelo encaixe das rede hidrográfica e pela erosão vertical que destacou a RP por erosão diferencial associada à diferente litologia e à estratigrafia das unidades mesozóicas – os calcários e dolomitos da Formação de Picavessa, mais resistentes, subsistiram aos processos erosivos, enquanto as rochas subjacentes vulcano-argiloso-areníticas do Triásico-Sinemuriano, menos competentes, foram erodidas [2, 3, 26]. Por outro lado, a natureza carbonatada da Formação de Picavessa e a sua elevada fracturação em associação a condições paleoclimáticas favoráveis (climas húmidos) promoveram o desenvolvimento de um carso que determinou a hidrologia e desencadeou fenómenos de imunidade cársica [2, 23, 25] – manutenção de determinado relevo cársico, devido a taxas de erosão baixas em virtude da ausência de escorrência subaérea nas superfícies plenamente cársicas [27]. Esse fenómeno de imunidade cársica associado a paleoclimas pouco favoráveis à erosão têm conservado ao longo do tempo a RP, sendo esta um relevo cársico herdado de fases morfogenéticas anteriores [2, 23].

Em relação à evolução das escarpas, esta está intimamente relacionada com a litologia, com a tectónica e com a evolução carsológica (Fig. 28): i) a elevada competência das litologias da Formação de Picavessa confere uma resistência aos processos erosivos, favorecendo o desenvolvimento e a manutenção de escarpas imponentes, as quais se destacam em relação às unidades litológicas subjacentes por processos erosivos diferenciais, como já foi referido ii) a fracturação (falhas e diáclases) quer tectónica quer gravítica além de controlar o alinhamento das escarpas favorece o colapso de blocos, e iii) a meteorização cársica ao alargar e aprofundar as fracturas promove o desenvolvimento de cavidades cársicas à superfície e em profundidade, cuja evolução carsológica conduz ao abatimento dessas cavidades e ao consequente recuo das escarpas [2].

Fracturas

CO2 CO2

CO2 CO2

Gruta

Planos de estratificação

A água da chuva torna-se ligeiramente acidificada por possuir ácido carbónico (H2CO3) resultante da

seguinte reacção: H2O + CO2 → H2CO3

1

A água da chuva adquire, ainda, maior acidez, ao atravessar o solo que se

encontra enriquecido em CO2.

Os calcários, maioritariamente compostos por calcite (CaCO3), sofrem dissolução pelo ácido carbónico presente na água (CaCO3 + H2CO3 → Ca2+ + 2HCO3). Assim, à medida

que a água da chuva acidificada circula pelas fracturas e planos de estratificação, estes

são gradualmente alargados e aprofundados, originando-se deste modo um modelado cársico, com lapiás, dolinas, grutas, …

2

3

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Aluvião Pelitos com evaporitos e intercalações carbonatadas

Depósitos de vertente Arenitos de Silves

Formação de Picavessa Formação de Mira

Argilas vermelhas Intrusão

Complexo vulcano-sedimentar

Fig. 26 – Génese e estrutura da RP.

S N TRIÁSICO – CRETÁCICO

INFERIOR Regime distensivo

N-S; deposição das unidades litoestratigráficas triásicas e

jurássicas; formação de falhas normais de orientação preferencial

E-O.

1

A PARTIR DO CRETÁCICO SUP. Regime compressivo N-S; rejogo das

falhas como inversas e dobramento das unidades litológicas; instalação de linhas de água com direcção preferencial E-O e erosão diferencial (calcários e dolomitos

subsistiram aos processos erosivos, enquanto as unidades subjacentes

vulcano-argilo-areníticas foram erodidas [3, 26]); carsificação das unidades carbonatadas, principalmente, em

períodos húmidos e quentes e desencadeamento de fenómenos de imunidade cársica que conduziram à

preservação do relevo [23, 27].

2N S

ACTUALMENTE A RP é um relevo

estrutural e residual herdado de fases morfogenéticas anteriores [23].

SN

3

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Fig. 27 – Perfil entre o Juncal e a RP ilustrando a continuidade, na orla, da superfície de aplanação do Soco Paleozóico (retirado de [28]).

Fig. 28 – Esquema simplificado da evolução das escarpas Norte e Sul da RP.

T EMPO

E

O

Diáclases

Falha Gruta

Depósitos de vertente

Dolina

Algar

Falha

Lapiás As fracturas e as estruturas cársicas promovem a infiltração da água da chuva, pelo que a erosão das rochas à superfície é pouco significativa –imunidade cársica [24, 27, 28].

A presença de fracturas com orientação preferencial E-O condiciona a direcção das escarpas.

E

O

O recuo das escarpas é condicionado pela fracturação quer tectónica quer gravítica,com direcção preferencial E-O, e pelo abatimento de cavidades cársicas.

Associada à evolução recente das escarpas há a formação de depósitos de vertente (clastos e blocos carbonatados) que cobrem as vertentes da Rocha da Pena.

1 3 5 7 km

Rocha da Pena (470) Vale Mendes

Juncal (522)

600 m

40

0 20

0

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5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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6. ANEXOS

Fig. 29 – Reconstituição paleogeográfica desde do Carbónico até ao presente (retirado de [29]).

Quadro 1 – Tabela cronostratigráfica desde o Carbónico até ao Presente (modificado de Internacional Stratigraphic Chart of ICS, 2006) Eonotema/Éon Eratema/Era Sistema/Período Série/Época Andar/Idade Idade (Ma)

Holocénico Quaternário Plistocénico Pliocénico Neogénico Miocénico

Oligocénico Eocénico

Cenozóico

Paleogénico Paleocénico

Superior Cretácico Inferior Superior Médio

Jurássico Inferior

Toarciano Pliensbaquiano

Sinemuriano Hetangiano

Superior Retiano Noriano

Carniano

Médio Ladiniano Anisiano

Mesozóico

Triásico

Inferior Olenequiano Induano

Pérmico Pensilvaniano

Fanerozóico

Paleozóico Carbónico Mississipiano

299,0

359,2 318,1

145,5 99,6

199,6

175,6 161,2

251,0

245,0

228,0

1,8 0,01

23,0 5,3

65,5 55,8 33,9