12

,,I /r - inpasex.com.br · fonica, mas biologica, politica, atraindo sobre sicensura erepressao. ... jafaz parte da producao deste corpo, jaesta compreendido nele, so-bre ele, mas

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: ,,I /r - inpasex.com.br · fonica, mas biologica, politica, atraindo sobre sicensura erepressao. ... jafaz parte da producao deste corpo, jaesta compreendido nele, so-bre ele, mas

6.28 DE NOVEMBRO DE 1947-COMO CRIAR PARA 51UM CORPO 5EM 6RCA05?[185]

[Corpos sem Orgdos e ondas, intensidades - 0 ovo -Masoquismo, Arnor cortes, Tao - Estraros e plano de consistencia c-.

Antonin Artaud - Arte da pruden cia - Problema dos rres Corpos c-.

Desejo, plano, selecdo e composicao 1

III

~ ')-- T -, .....' I \ \. "I I , ',"'--

I" , ' "

I " I ','f I "I I I \ \I \ \ '\I I ,\I I \ \I " ... - - ,\I ,,/ -, \ \c > \\',, ' I

'II ,-- ,,\, , " ,.- "', I\ I I /r -, I ,I II' , , I ,--.\\ I r I I\ \ , , I I ,;,' " I I I I ,\' • \ \ '~;'/J1 I I I I, \. , _"'" I , I

\, __ ".," J I, ...._ ,,' I,\ .... .",.*' / I

" \ r / I,.,' I 1/, , V.....~ J..-._/

II,,II

\\

\

a ovo dogon e a reparucao de intensidades

De todo modo voce tern urn (o u varios), nfio porque ele pre--exista ou seja dado inteiramente feito - se bern que sob certos as-pectos ele pre-exists - mas de to do modo voce faz urn, nfio podedesejar sem faze-lo - e ele espera por voce, e urn exercicio, umaexperirnentacao inevitavel, ja feita no momento em que voce a em-

28 de novembro de 1947 - Como criar para si urn Corpo sem Orgaos? 11

Page 2: ,,I /r - inpasex.com.br · fonica, mas biologica, politica, atraindo sobre sicensura erepressao. ... jafaz parte da producao deste corpo, jaesta compreendido nele, so-bre ele, mas

preende, nao ainda efetuada se voce nao a corncccu. Nao (: tranquil i-zador, porque voce po de falhar. Ou as vezcs /186/ pode ser aterrori-zante, conduzi-lo a morte. Ele e nao-desejo, mas mmbcm dcscjo. Naoe uma nOC;ao, urn conceito:rnas antes uma prririca, urn conjunto depraticas. Ao Corpo sem 6rg~s njio se chcga, nfio se pode chegar,~nunca se acaba de chegar a ele, e urn limite. Diz-se: que e isto - 0

CsO - mas ja se esta sobre ele - arrastando-se como urn verme,tateando como urn cego ou correndo como urn louco, viajante dodeserro e nornade da estepe. E sabre ele que dorrnimos, velamos, quelutamos, lutamos e somos vencidos, que procurarnos nos so lugar, quedescobrimos nossas felicidades inauditas e nossas quedas fabulosas,que penetramos e somos penetrados, que amarnos. No dia 28 de no-vembro de 1947, Artaud declara guerra aos orgaos: Para acabar como jufzo de Deus, "porque atern-me se quiserern, mas nada ha de maisinutil do que urn orgao". E uma experimenracao nao somente radio-fonica, mas biologica, politica, atraindo sobre si censura e repressao.Corpus e Socius, politica e experimentacao. Nao deixarao voce ex-perimentar em sell canto.

o CsO ja esta a caminho desde que 0 corpo se cansou dos or-gaos e quer [icencia-los, au antes, os perde. Longa procissao: - do~orpo hipocondriaco, cujos orgaos sao destruidos, a destruicao ja estaconcluida;-nada rnais acontece, "A Senhorita X afirma que nao ternmais cerebro nem nervos nem peito nem estomago nem trip as, somen-te Ihe restam a pele e os ossos do corpo desorganizado, sao essas suasproprias expressoes"; - do corpo paranotco, cujos orgaos nao ces-sam de ser atacados por influencias, mas tambern restaurados porenergias exteriores {"ele viveu muito tempo sem estornago, sem intes-tinos, quase sem pulrnoes, ° esofago dilacerado, sem bexiga, as cos-telas quebradas, ele havia as vezes comido parcial mente sua proprialaringe, e assim por diante, mas os milagres divines haviam sempreregenerado novarnenre aquilo que havia sido destruido ... ")j - 4_0 cor-po esquizo, acedendo a uma lura interior ativa que ele mesmo desen-volve contra as orgaos, chcgando a catatonia; e depois 0 corpo dro-gado, esquizo experimental: "0 organismo humane e de ~1a inefica-cia gritante; em vez de urna boca c de urn anus que correm 0 risco dese arruinar, por que nao possuir LIm unico orificio polivalente para aalimenracao e a dcfccacfio? Podcr-sc-ia obsrruir a boca e 0 nariz, enR

12 Mil plates

tulhar 0 estornago e fazer urn buraco de aeracao diretamenre nos pul-rnoes, 0 que deveria ter sido feito desde a origem";l - do corpo ma-..35!9.uista,mal compreendido a partir da dor e que e antesde-m~is nadauma questao de CsO; ele se deixa costurar por seu sadico all por suaputa, costurar as olhos, 0 anus, a uretra, os seios, 0 nariz, [187} dei-xa-se suspender para interromper 0 exercicio dos orgaos, esfolar comose os orgaos se colassem na pele, enrabar, asfixiar para que tudo sejaselado e bem fechado.

Mas por que este desfile lugubre de corpos costurados, virrifi-cados, catatonizados, aspirados, posto que 0 CsO e tambem pleno de..!legria, de extase, de danya? Entao, por q~ estes cxemplos? Por quee necessano passar por eles? Corpos esvaziados em lugar de plenos,Que aconteceu? Voce agiu com a prudencia necessaria? Nao digo sa-bedoria, mas prudencia como dose, como regra imanente a experirnen-tacao: injecoes de prudencia. Muitos sao derrotados nesta batalha.Sera tao triste e perigoso nao mais suportar os olhos para ver, os pul-moes para respirar, a boca para engolir, a lingua para falar, a cere-bro para pensar, 0 anus e a laringe, a cabeca e as pernas? Por que naocaminhar com a cabeca, cantar com 0 sinus, vcr com a pele, respirarcom 0 ventre, Coisa simples, Entidade, Corpo pleno, Viagem imovel,Anorexia, Visao cutanea, Yoga, Krishna, Love, Experirnenracao. 011-de a psicanalise diz: Pare, reencontre a seu eu, seria preciso dizer: va-mos mais longe, nao enconrrarnos ainda nosso CsO, nao desfizemosainda suficientemente nosso eu. Substituir a anamnese pelo esqueci-mento, a interpretacao pela experimentacao. Encontre seu corpo sem6rgao~, saiba.faze-lo, e 11l11a questao de vida ou de rnorte, de juventu-de e de velhice, de tristeza e de alegria. 10ai que tudo se decide.

"Senhora, 1) voce pode me atar sobre a mesa, salida mente aper-tado, de dez a quinze minutos, tempo suficiente para preparar os ins-trumcntos; 2) cem chicotadas pelo men as, com alguns minutos de in-tervalo; 3) voce corneca a costura, costura 0 buraco da glande, a peleao redor deste a glande, impedindo-o de tirar a parte superior, vocecostura 0 saco a pele das coxas. Costura as seios, mas C0111 urn botaode quatro buracos solidamente sobre cada mama. Voce pode reuni-

1 William Burroughs, Le Festin nu, Paris, Gallimard, 1964, p. 146.

28 de novembro de 1947 - Como eriar para si um Corpo sem Orgaos? 13

Page 3: ,,I /r - inpasex.com.br · fonica, mas biologica, politica, atraindo sobre sicensura erepressao. ... jafaz parte da producao deste corpo, jaesta compreendido nele, so-bre ele, mas

los com urn suspens6rio. Ai voce passa a segunda rase: 4) voce podeescolher virar-rne sabre a mesa, sabre a ventre amarrado, mas com aspernas juntas, au atar-rne ao posre sozinho, os punhos reunidos, aspernas rarnbern, todo 0 corpo solidamente atado; 5) voce me chico-teia as costas as nadegas as coxas, cern chicotadas pclo menos; 6) cos-tura as nadegas juntas, todo 0 rego do cu. Solidarnente com urn fioduplo parando em cada ponto. Se estou sabre a mesa, voce me ataen tao ao paste; 7) voce me chicoteia as nadegas cinquenta vezes; 8)se voce quiser reforcar a tortura e executar sua arneaca da ultima vez,enfie agulhas nas nadegas com forca, 9) voce pode entao atar-rne a ca-deira, voce me chibateia as seios trinta vezcs e enfia agulhas menores,se voce quiser, po de esquenta-las antes no fogo, rodas, ou algumas.[188] A arnarracao na cadeira deveria ser s6lida e ospunhos arnarra-dos nas costas para estufar 0 peito. Se eu nao falei sabre as queima-duras e que devo fazer em breve uma visita e leva tempo para curar."- Isto nao e urn fantasma, e urn programa: ha diferenca essencialentre a interpretacao psicanalitica do fantasma e a expefimentacaoanripsicanalitica do programa; entre 0 fantasma, interpretacao a serela propria interpretada, e 0 programa, motor de expcrimcntacao.e 0CsO e 0 que resta quando tudo foi retiradot_E 0 que se retira e justa-mente 0 fantasrna, 0 conjunto de significancias e subjetivacoes. A_psi-canalise faz 0 contrario: ela traduz tudo em fantasmas, cornercializatudo em fantasmas, preserva 0 fantasma e perde 0 real no mais altograu, porque perde 0 CsO.

Algo vai acontecer, algo ja acontece. Mas nao se confundira 0

que se passa sobre 0 CsO e a maneira de se criar urn para si. No en-tanto, urn esta compreendido no outro. Daf as duas fases afirmadasna carta precedente. Por que duas rases nitidamente distintas, enquan-to se trata da mesma coisa em ambos as casas, costuras e chicotadas?Uma e para a fabricacao do CsO, a outra para fazer al circular, pas-sar alga; sao, no entanto, os mesmos procedimentos que presidern asduas fases, mas eles devem ser repetidos, feitos duas vezes. ° que e

2 A oposicdo programa-fantasrna aparece claramente em Michel de M'Uzan,a proposiro de urn caso de masoquismo; cf. La Sexuatite perverse, Paris, Payot,1972, p. 36. Mesmo nao precisando a oposicao, M'Uzan serve-se da nO<;30de pro-grama para per em questao os temas de Edipo, de angusria e castracao.

14 Mil plates

certo e que 0 masoquista fez para si urn CsO em tais condicoes queeste, desde entao, s6 pode ser povoado por intensidades de- dor, on-das doloriferas. E falso dizer que 0 rnasoquista busca a dor, mas naomenos falso e dizer que ele busca 0 prazer de uma forma particular-merrte -suspensiva ou desviada. Ele busca urn CsO, mas de tal tipo queele s6 podeE..~ser preenchido, percorrido pela dar, em virtude das pro-prias condicoes em que foi constituido. As dares sao as populacoes,as matilhas, os modos do masoquista-rei no deserto que ele fez nas-cer e crescer. Assim tam bern 0 corpo drogado e as intensidades de frio,as ondas ge/~Para cada tipo de CsO devernos perguntar: 1) Que-tipo e este, como ele e fabricado, por que procedimentos e meios queprenunciam ja 0 que vai acontecer; 2) e quais sao estes rnodos, 0 queacontece, com que variantes, com que surpresas, com que coisas ines-peradas em relacao a expectativa? Em suma, entre urn CsO de tal ouqual tipo e 0 que acontece nele, ha urna relacao muito particular desintese ou de analise: sintese a priori onde [189] algo val ser necessa-riamente produzido sabre tal modo, mas nao se sabe 0 que vai serproduzido; analise infinita emque aquilo que e produzido sobre 0 CsOja faz parte da producao deste corpo, ja esta compreendido nele, so-bre ele, mas ao preco de uma infinidade de passagens, de divisoes ede subprodu,6es. Experimentacfio muito delicada, porque nao podehaver esragnacao dos mod os, nem derrapagem do tipo: 0 masoquis-t~L0 drogado tangenciam estes perpetuos perigos que esvaziam seuCsO e!_l1vez de preenche-lo.

Pode-se fracassar duas vezes, e, no entanro, e °mesmo fracasso,o rnesmo perigo. No nivel da constituicao do CsO e no nivel daquiloque passa au nao passa, Acreditava-se ter criado urn born CsO, tinha--se escolhido 0 Lugar, a·Potencia, 0 Coletivo (ha il'l]1R!'_e'!_Ill coletivomesmo se se esta sozinho), ~,1l.0entanto, nada passa, nada circula, oualgo impede a circulacao. Urn ponto paranoico, um ponto de bloqueioou uma lufada delirante, ve-se bern isto no livro de Burroughs jr.,Speed. Pode-se localizar esre ponto perigo so, e necessario expulsar 0

bloqueador, ou, ao contrario, "arnar, honrar e servir 0 demente cadavez que ele vern a rona"? Bloquear, ser bloqueado, nao e ainda umaintensidade? Em cada caso, definir 0 que passa e 0 que nao passa, 0que faz passar e ° que impede de passar. Como no circuito da viand asegundo Lewin, algo escorre atraves dos canais cujas seccoes sao de-

28 de novembro de 1947 - Como criar para si urn Corpo sem Orgaos? 15

Page 4: ,,I /r - inpasex.com.br · fonica, mas biologica, politica, atraindo sobre sicensura erepressao. ... jafaz parte da producao deste corpo, jaesta compreendido nele, so-bre ele, mas

terminadas por portas, com porteiros, passadores.f Abridores de por-tas e fechadores de armadilhas, Malabars e Fierabras. 0 carpo e taosomente um conjunto de valvulas, represas, comportas, tacas ou va-sos ~omunicanteS: urn nome pr6prio para cada tim, povoamento dol:s0, Metr6poles, que e preciso manejar com 0 chicote. 0 que povoa,

o que passa e 0 que bloqueia?Urn CsO e feito de tal maneira que ele s6 pode ser ocupado, po-

voado por intensidades. Somente as intensidades passam e circulam.Mas 0 CsO nao e uma cena, urn lugar, nem mesmo urn suporte onde~onteceria alga. Nada a ver com urn fantasma, nada a interpretar.o CsO faz passar intensidades, ele as produz e as distribui num spa-tium ele mesmo intensivo, nao extenso. Ele nao e espaco e nem estano espaco, e materia que ocupara 0 espaco em tal ou qual grau - grauque corresponde as intensidades produzidas. Ele e a materia intensa endo formada, nao estratificada, a matriz intensiva, a intensidade = 0,mas nada ha de negativo neste zero, nao existent intensidades negati-vas nem contraries. Materia igual a energia. Producao do real como[190] grandeza intensiva a partir do zero. Por isto tratamos 0 CsO co-mo 0 ovo ple no anterior a extensao do organismo e a organiza<;ao dosorgaos, antes da formacao dos estratos, 0 ovo intense que se definepor eixos e vetores, gradientes e limiares, rendencias dina micas comrnutacao de energia, rnovirnentos cinematicos com deslocamento degrupos, migracoes, tudo isto independentemente das formas acesso-rias, pais as orgaos somente aparecem e funcionam aqui como inten-sidades puras." 0 6rgao muda transpondo urn limiar, mudando deg;;dienre. "Os orgaos perdern roda constancia, quer se trate de sualocalizacao ou de sua funcao (... ) orgaos sexuais aparecem por todoo lado (... ) anus emergem, abrem-se para defecar, depois se fecham,

3 Cf. a descricfio do circuito e do fluxo da vianda em familia americana emKurt Lewin, "L'Ecologie psychologique", Psycho{ogie dynamiqlle, Paris, PUF,

1959, pp. 228-43.4 Albert Dalcq, L 'Oeuf et 5011 dynamisme crganisateur, Paris, Albin Michel,

1941, p. 95: "As forrnas sao contingentes em relacao ao dinamismo cinematico.o fate de que um orificio se faca ou nao no germe e acessorio. Conta apenas 0

proprio processo da imigracao, e sao puras variacoes crono16gicas e quantitativasque d50 ao lugar da invaginacao 0 aspecro de urn orificio, de uma fissura ou de

urnn linha primitiva".

16Mil plates

(...) 0 organismo inteiro muda de textura e de cor, variacoes alotr6-picas reguladas num decimo de segundo".5 0 ova tfintrico.

Finalmente, 0 grande livre sobre a CsO nao seria a Etica? Osatriburos sao as tipos au os generos de CsO, substancias, potencias,intensidades Zero como matrizes prod uti vas. Os modos sao tudo 0

que se passa: as ondas e as vibracoes, as rnigracoes, lirniares e gradien-tes, as intensidades produzidas sob tal ou qual tipo substancial a par-tir de tal rnatriz. 0 corpo masoquista como atributo au genera desubstancia, e sua producao de intensidadcs, de 1110dos dolodferos, apartir de sua costura, de seu grau 0. 0 corpo drogado como outro atri-buro, com sua produ<;ao de inrensidades espedficas a partir do Frioabsolute = O. ("Os viciados queixam-se sempre daquilo que chamama Grande Frio, e eles levantam a gala de seus casacos negros e fechamos punhos contra seus pescocos magros (... ). Tudo isto e puro cine-ma: 0 viciado nao quer temperaturas quentes, ele deseja as tempera-turas frescas, 0 frio, 0 Enorme Gelo. Mas 0 frio deve atingi-Io comoa droga: nao externamente, onde nolo e agradavel, mas no interior delemesmo, para que ele possa senrar-se trallquilamente, com a colunavertebral tao ereta quanto urna alavanca hidraulica gelada e seu me-tabolismo caindo para 0 Zero absoluto ... ") Etc. 0 problema de umamesrna substancia para todas as substancias, de uma subsrancia uni-ca para todos os atributos, vern a ser este: existe um conjunto de to-dos as CsO? Mas se 0 C;sO ja e [191]um limite, 0 que seria necessa-rio dizer do conjunto de todos os CsO?O w:oblema.nii_o e.rnais aque-Ie do Uno e do Multiple, mas 0 da multiplicidade de fusao, que trans-borda efetivamentetod-;;7posi<;ao do u-no e -do multiple. Multiplici-

'-dade formal dos atributos substanciais que constitui como tal auni-___ ---- ---dade ontol6gica da substancia. Continuum de todos os atributos ougeneros de intensidade sob uma mesma substancia, e continuum dasintensidades de urn cerro genero sob urn meSl110tipo au atriburo. Con-tinuum de todas as subsrancias em intensidades, mas tarnbern de to-das as intensidades em subsrancia. Continuum ininterrupto do CsO.o eso, imanencia, limite imanente. Os drogados, os masoquistas, as-----esquiiOlrenicos, os am antes, tad as as CsO prestam homenagem a Es-

5 Burroughs, Le Pestin 1111, cit., p. 21.

28 de novembro de 1947 - Como criar para SI um Corpo sem Orgaos? 17

Page 5: ,,I /r - inpasex.com.br · fonica, mas biologica, politica, atraindo sobre sicensura erepressao. ... jafaz parte da producao deste corpo, jaesta compreendido nele, so-bre ele, mas

pinosa. 0 CsO e 0 campo de imanencia do dcscjo. a plano de consis-:i[;;cia propria dS!.desejo (ali onde 0 desejo se define como processode producao, sem referencia a qualqucr instancia exterior, falta queviria toma-lo oco, prazer que viria prcenchc-lo).

Cad a vez que. 0 desejo e rraido, amaldicoado, arrancado de seucampo deiInanencia, e porque IU1U111 padre par ali. 0 padre lancoua triplice maldicao sobre 0 desejo: a cia lei negativa, a cia regra extrin-seea, a do ideal transcendente. Virando-se para 0 norte, 0 padre diz:Desejo e falta (como nao seria ele carente daquilo que deseja?). 0 pa-dre opera va 0 primeiro sacrificio, denorninado castracao, e rodos oshomens e mulheres do norte vinham enfileirar-se arras dele, gritandoem cadencia: "falra, falra, e a lei comum". Depois, voltado para 0 suI,o padre relacionou 0 desejo ao prazer. Porque existern padres hedo-nistas, inclusive orgasticos, 0 desejo aliviar-se-a no prazer, e nao so-mente 0 prazer obtido para calar urn momento 0 desejo, mas obte-loja e uma maneira de interrompe-lo, de descarrega-lo no proprio ins-tanre e de descarregar-se dele. 0 prazer-descarga: 0 padre opera 0

segundo sacrificio denominado masturbacao. Depois, volta do para 0

lesre, ele grita: 0 gozo e impossivel, mas 0 impossivel gozo esta ins-crito no desejo. Porque assim e 0 Ideal, em sua propria impossibili-dade, "falta de gozo que e a vida". ~Opadre operava 0 terceiro sacri-ffclo_,_fuE-tasma ou mil e uma noites, cento e vinte dias, enquanto oshomens do leste cantavam: sim, nos seremos vosso fantasma, vossoideal e vossa impossibilidade, os vossos e os nossos rarnbern. 0 padrenao se havia voltado para 0 oeste, porque sabia que esta direcao es-tava preenchida por lim plano de consistencia, mas acreditava que elaestava bloqueada pelas colunas de Hercules, sem saida, nao habiradapelos homens. No entanto era ali que 0 desejo estava escondido, 0

oeste era 0 mais curto caminho que leva va ao leste, e as ourras dire-coes redescobertas ou desterritorializadas. [192]

A figura mais recente do padre e 0 psicanalista com seus tresprincipios: Prazer, Morte e Realidade. Sem duvida, a psicanalise mos-trou que a desejo nao se submetia a procriacao nem mesmo a geni-talidade. Foi este 0 seu modernismo. Mas ela conservava 0 essencial,encontrando inclusive novos meios para inscrever no desejo a lei ne-gativa da falta, a regra exterior do prazer, 0 ideal transcendente do

,.,.fantasrna. Per exemplo, a interpretacao do masoquismo: quando nao

18 Mil plates

e invocada a ridicula pulsao de morte, pretende-se que 0 masoquista,como todo mundo, busca 0 prazer, mas s6 pode aceder a ele por in-terrnedio das dores e das humilhacoes fantasmaticas que teriam comofuncao apaziguar ou conjurar uma angusria profunda. Isto nao e exa-to; 0 sofrimento do masoquista e 0 eE.e\=o que ele deve pagar, nao paraatingir 0 prazer, mas para desligar 0 pseudoliame do desejo com 0

prazer C01110 medida extrinseca. 0 prazer nao e de forma alguma 0

que s6 poderia ser atingido pelo desvio do sofrimento, mas 0 que deveser postergado ao maximo, porque seu advento interrompe 0 proces-so continuo do desejo positivo. Acontece que exjste uma alegria irna-nente ao desejo, como se ele se preenchesse de si mesmo e de suas con-ternplacoes.faro que nao implica falta alguma, impossibilidade algu-rna, gue nao se eguipara e que tarnbern 11aOse mede pelo prazer, pos-to que e.esta alegria que distribui7a :s intensidades de prazer e im£..e-did que sejam penetradas de angustia, de vergonha, de culpa. Emsuma, 0 masoquista serve-se do sofrimento como de um meio paraconstituir urn corpo sem orgaos e depreender urn plano de consisren-cia do desejo. Que existam outros meios, outros procedimentos dife-rentes do masoquismo e certamente melhores e outra questao; 0 faroe que este procedimenro convem a alguns.

Por exemplo, um masoquista que nao havia passado pela psica-nalise: "PROGRAMA ... Colocar freios a noite e atar as maos rna is es-treitamente seja ao freio com a corrente, seja no cinturao desde 0 re-torno do banho. Colocar os arreios completes, sem perder tempo, aredea e as algemas, atar as algemas aos arreios. 0 falo fechado numestojo de metal. Colocar redeas duas horas durante 0 dia, a noite se-gundo a vontade do senhor. Reclusao durante tres ou quatro dias, asrnaos sempre atadas, a redea curta e estendida. 0 senhor nunca seaproximara de seu cavalo sern 0 seu chicote e dele se servira a cadavez. Se a irnpaciencia ou a revolra do animal se manifestasse, a redeaseria puxada mais fortemente, 0 senhor pegaria as redeas e aplicariaurn severo corretivo ao animal". 6 0 que faz este masoquista? Ele pa-rece imitar [193J 0 cavalo, Equus Eroticus, mas nao se trata disso. 0cavalo e 0 senhor domador, a senhora, tampouco sao imagens da mae

6 Roger Oupouy, "Du masochisme", Annates Medico-Psychologiques, 12,r. II, Paris, dez. 1929, pp. 397-405.

28 de novembro de 1947 - Como criar para si urn Corpo sem Orgaos? 19

Page 6: ,,I /r - inpasex.com.br · fonica, mas biologica, politica, atraindo sobre sicensura erepressao. ... jafaz parte da producao deste corpo, jaesta compreendido nele, so-bre ele, mas

ou do pai. E uma guestao completamente diferente, urn devir animal..essenci;;}i.aQ_.._ma5-Qquismo,uma questao de forcas. 0 rnasoquista aapresenta assirn: "Axioma do adestramento - destruir as [orcas ins-tintiuas para substitui-las pelas [orcas transmitidas", De faro, trata--se menos de uma destruicao do q.ue de urna troca e de uma circulacao("0 que aconrece ao cavalo pode acontecer tarnbern a mim"). 0 ca-valo esta domado: as suas forcas instintivas 0 homem imp6e forcastransmitidas, que vao regular as primeiras, seleciona-las, domina-las,sobreccdifica-las. 0 rnasoquista opera lima inversao de signos: 0 ca-valo vai lhe transmitir suas forcas transmitidas, para que as forcasinatas do masoquista sejam por sua vez dornadas. Existem duas series:a do cavalo (forca inata, forca transmitida pelo homem), a do maso-quista (forca transmitida pelo cavalo, forca inata do homem). Umaserie explode na outra, cria circuito com outra: aumento de potenciaou circuito de intensidades. 0 "senhor", ou antes, a senhora-cavaleira,a equitadora, as segura a conversao das forcas e a inversao dos signos.o rnasoquista construiu urn agenciamento que traca e preenche aoZ;esmo tempo 0 campo de irnanencia do desejo, constituindo consi-go, com 0 cavalo e com a senhora um corpo sem orgaos ou plano deconsistencia. "Resultados a serem obtidos: que eu esteja numa esperacontinua de reus gestos e de tuas ordens, e que POllCO a pouco todaoposicao de lugar a fusiio de minha pessoa com a tua (... ) A este res-peito e preciso que ao simples ruido de tuas boras, sern mesmo con-fessa-lo, eu tenha medo. Desta maneira ndo serdo mais as pernas dasmuiheres que me impressionariio, e se te agrada pedir-me caricias,quanto tu as tens e se me fazes senti-las, dar-me-as a marca de teucorpo como eu nunca a tive e como jamais terei sem isto." As pernassao ainda orgaos, mas as botas determinam tao somente uma zona deintensidade, alga como urna marca ou uma zona sobre urn CsO.

Assim tarnbern, mas de uma outra maneira, seria urn erro inter-prerar 0 arnor cortes sob as especies de uma lei da falta au de urn idealde transcendencia. A renuncia ao prazer externo, OU sua postergacao,seu disranciamentoao infinite, da testemunho, ao contrario, de um- - - -estado conquistado no qual ao desejo nada mais falta, ele preenche--se de si proprio e erige seu campo de irnanencia. 0 prazer e a afeccaode uma pessoa ou de um sujeito, e 0 unico meio para uma pessoa "seencontrar" no processo do desejo que a transborda; os prazeres, mes-

20 Mil plates

mo os mais artificiais, sao rererritorializacoes, Mas justamente, sera.necessario reencontrar-se? 0 amor cortes nao ama 0 eu, da mesmaforma que [194} nao am70 universo inteiro com um amor celeste oureligioso. Trata-se de criar urn corpo sem orgaos ali onde as intensi-dades passem e facarn ~m que nao haja mais nem eu nem 0 outro,isto nao em nome de lima generalidade mais alta, de uma maior ex-tensao, mas em virtude de singularidades que nao podem mais serconsideradas pessoais, intensidades que nao se pode mais chamar deextensivas. 0 campo de imanencia nao e interior ao eu, mas rambernnao vem de urn eu exterior Oll de urn nao-eu, Ele e antes como 0 Foraabsoluto que nao conhece mais os Ell, porque 0 interior e 0 exteriorfazem igualmente parte da imanencia na qual eles se fundiram. 0"joi", 0 unir-se no arnor cortes, a troca dos coracoes, 0 "assay", 0 pro-var algo antes de oterece-lo a pessoa amada: tudo e perrnitido desdeque nao seja exterior ao desejo nem transcendente a seu plano, masque nao seja tarnbern interior as pessoas. A menor caricia pode ser taoforte quanta um orgasmo; 0 orgasmo e apenas um faro, sobretudo in-~o em rela~~esejo que per segue seu direito. Tudo e per--,- -rnitido: 0 que conta somente e que 0 prazer seja 0 fluxo do prgpri9.desejo, Imanenci~ no lugar de uma medida que viria interrornpe-lo,ou que~faria depender dos tres fantasmas: a falta interior, 0 trans-cendente superior, 0 exterior aparenre.? Se 0 desejo nao tern 0 prazerpor norma, nao e em nome de uma falta que seria impossive! reme-diar, mas, ao contrario, em razao de sua posirividadc, quer dizcr, doplano de consistencia que ele traca no decorrer do seu processo.

Em 982-984 fez-se uma grande compilacao japonesa de tratadostaoistas chineses. Ve-se at a formacao de urn circuiro de intensidadesentre a energia ferninina e a energia masculina, a mulher desempe-nhando 0 papel de forca instintiva ou inata (Yin), mas que 0 homem

7 Sabre a amor cortes e sua irnanencia radical, que recusa ao mesmo tem-po a transcendcncia religiosa e a exterioridade hedonista, d. Rene Nelli, L 'Eroti-que des troubadours, Paris, 10-18, 1974, notadamente I, pp. 267, 316, 358, 370;11,pp. 47,53,75 (e I, p. 128: uma das gran des difercncas entre 0 amor cavalhei-resco e 0 amor cortes e que, "para os cavalheiros, 0 valor gracas ao qual se mere-ce 0 amor e sempre exterior ao arnor", enquanto que no sistema cortes, a provasendo esscncialrnentc interior ao amor, a valor guerreiro da lugar a urn "herois-rna sentimental": e uma mutacao da maquina de guerra).

28 de novembro de 1947 - Como criar para si urn Corpo scm Orgaos? 21

Page 7: ,,I /r - inpasex.com.br · fonica, mas biologica, politica, atraindo sobre sicensura erepressao. ... jafaz parte da producao deste corpo, jaesta compreendido nele, so-bre ele, mas

furta ou que se transrnite ao hornern, de tal maneira que a forca trans-mitida do hornem (Yang) aconteca por sua vez e devenha tanto rnaisinata: aurnento das potencias.f A condicao desta circulacao e destamultiplicacao e que 0 homem nao ejacule. Nao se trata de sen!Lr<)aesejo como falta interior, nem de retardar 0 prazer para produzir urntTpoae-[1'95j-m-aiS-vifia exteriorizavel, mas, ao contrario, de consti-tuir urn corpo sem orgaos intensivo, Tao, urn campo de imanenciaonde nada falta ao desejo e que, assim, nao mais se relaciona com'crite-rib-a-lgu111exterior ou transcendente. E verdade que todo circuitopo,Ieser7enai;ado para fins de procriacao (ejacular no born momen-rodas energlaS);eeassim ql.}e0 confucionismo 0 entende. Mas isto everdade apenas para uma face deste agenciamento de desejo, ;:.faceroItada em direcao aos estratos, organism os, Estado, familia ... Nao everdade par; a outra face, a face Tao de desestratificacao que tracau~lano de consistencia proprio ao desejo ele mesmo. 0 Tao ~por-ventura masoquista? 0 amor cortes e Tao? Estas questoes nao ternsentido, 0 campo de irnanencia ou plano de consisrencia deve ser cons-truido; ora ele pode se-lo em formacoes sociais rnuito diferentes,e poragenciamentos muito diferentes, perversos, artisticos, cientfficos rnis-ticos, politicos, que nao tern 0 mesmo tipo de corpo sem orgao., Elesed. construido pedaco a pedaco, lugares, condicoes, tecnicas, rfio sedeixando reduzir uns aos outros. A questao seria antes saber se (IS pe-dacos podem se ligar e a que preco. Hi forcosarnenre cruzam.ntosmonstruosos. 0 plano de consistencia seria, entao, 0 conjunto Je to-dos os CsO, pura multiplicidade de imanencia, da qual urn prdacopode ser chines, urn outro america no, urn outro medieval, urn eutropequeno-perverso, mas num movimento de desterritorializacao ;ene-ralizada onde cada um pega e faz 0 que pode, segundo seus g-stos,que ele teria conseguido abstrair de urn Eu, segundo urna politi.a auuma estrategia que se teria conseguido abstrair de tal ou qual frrrna-<;ao,segundo tal procedirnento que seria absrraido de sua origen.

Distinguimos: 1) Os CsO que diferem C01110 tipos, generos atri-butos substanciais, por exemplo 0 Frio do CsO drogado, 0 Dobrife-

8 Robert van Gulik, La Vie sexuelle dans fa Chine ancienne, Paris,Galli-rnard, 1971 j e 0 comentario de J.-F. Lyotard, Econornie Iibidinale, Paris, Mnuit,1974, pp. 241-51.

22 Milalatos

ro do CsO rnasoquista; cada urn rem seu grau 0 como principio deproducao (0a remissio); 2) 0 que se passa sobre cada tipo de CsO, querdizer, os mod os, as intensidades produzidas, as ondas e vibracoes quepassarn (a latitudo); 3) 0 conjunto eventual de todos os CsO, 0 planode consistencia (a Ommitudo, as vezes chamado de CsO). ~ Ora, asquestoes sao rmiltiplas: nao somente como criar para si um CsO, masrarnbem como produzir as intensidades correspondentes scm as quaisele permaneceria vazio? Nao e de forma alguma a mesma pergunta.Mais ainda: como chegar ao plano de consistencia? Como cozer jun-to, como esfriar junto, como reunir todos os CsO? Se e possivel, istotambern so se fara conjugando as intensidades produzidas sobre cadaCsO, fazendo um continuum de todas as continuidades intensivas. Saonecessaries agenciamentos para fabricar cada CsO, seria nccessario[196] uma grande Maquina abstrata para construir 0 plano de con-sistencia? Bateson denomina plates as regioes de intensidade continua,que sao constituidas de tal maneira que nao se deixam interromper poruma terrninacao exterior, como rambern nao se deixam ir em direcaoa urn ponto culminante: sao assim certos processos sexuais ou agres-sivos na cultura balinesa.? Urn plato e urn pedas:o de imanencia. CadaCsO e feito de plato'i; Cada CsO 0 ele rnesmo_ulILplaJ:Q,_Wcomuni-ca com 0: ~utr2iPlat6s sobre 0 p~ 9!£~iste~. E !:LmC0111pO-nente de passagem.

Releitura de Heliogabale e de Tarahumaras. Porque Heliogabaloe Espinosa, Espinosa e Heliogabalo ressuscitado. E os Tarahumarassao a experimentacao, 0 peyotl, este cactus, esre alcaloide portador damescalina. Espinosa, Heliogabalo e a experirnentacao tern a mesmaformula: a anarquia e a unidade sao uma unicae mesma coisa: naoaunidade dO-Uno, mas_uma unidade mais esttanha que 7e diz ap~n~do multiplo.U' E isto que os do is livros de Artaud exprirnem: a multi-

9 Gregory Bateson, Vers une ecologie de I'esprit, Paris, Seuil, 1977, t. T,pp.125-6.

10 Antonin Artaud, Heliogabale, Oeuvres completes, t. VII, Paris, Galli-ruard, pp. 50-1. E verdade que Artaud apresenta ainda a idenridade do Uno e domultiple como uma unidade dialetica, e que reduz 0 multiple reconduzindo-o aoUno. Ele faz de Heliogabalo uma especie de hegeliano. Mas ism e apenas manei-ra de falar, porque a multiplicidade ultrapassa desde 0 inicio toda oposicao, edestitui 0 rnovirnento dialetico.

28 de novembro de 1947 - Como criar para si urn Corpo sem Orgaos? 23

Page 8: ,,I /r - inpasex.com.br · fonica, mas biologica, politica, atraindo sobre sicensura erepressao. ... jafaz parte da producao deste corpo, jaesta compreendido nele, so-bre ele, mas

plicidade de fusao, a fusibilidade como zero infinito, plano de consis-tencia, Materia onde nao existem deuses; os principios, como forcas,essencias, substancias, elementos, rernissoes, prcducoes; as maneirasde ser DU modalidades como intensidades produzidas, vibracoes, so-pros, Nurneros. E enfim a dificuldade de atingir este mundo da Anar-quia coroada, se se fica nos orgaos, "0 figado que toma a pele ama-rela, 0 cerebra que se sifiliza, 0 intestino que expulsa 0 lixo", e se per-maneee fechado no organismo, au em urn estrato que bloqueia os flu-XDS enos fixa neste nosso mundo.

Percebemos pouco a pouco que 0 eso nao e de modo algum 0

contrl'r19 d'OSOrgaDS:- Sells inimigos nao sao as orgaos, 0 inimigo e 0organismo -.O CaO nao se opoe aos orgaos, mas a essa organizacaodos orgaos q-;;-ese chama organismo. E verdade que Artaud desenvol-~e sua Iura contra os orgaos, mas, ao mesmo tempo, contra oorga-nismo que ele tern: 0 corpo e a corpo. Ele e sozinho. E ndo tem ne-cessidade de orgdos, 0 corpo nunca e urn organismo. Os organismossao as inimigos do corpo, 0 CsO nao se opoe aos orgaos, mas, comseus "orgaos verdadeiros" que devem ser compostos e colocados, elese opoe ao organismo, a organizacao organica dos orgaos. 0 juizo deDeus, 0 sistema do juizo de Deus, 0 sistema [197] teol6gico, e preci-samente a operacao Daquele que faz um organismo, uma organiza-,ao de orgaos que se chama organismo porque Ele nao pode supor-tar 0 CsO, porque Ele 0 persegue, aniquila para passar antes e fazerpassar antes 0 organismo. 0 organismo ja e isto, 0 juizo de Deus, doquat os medicos se aproveitam e tirarn seu poder. 0 organismo nao e6 c<:5fP'Q,0 CsO, mas urn estrato sobre 0 CsO, quer dizer urn fenornenode acumulacao, de coagulacao, de sedirnentacao que Ihe irnpoe for-mas, funcoes, lig~~oes,~ organizacoes dominantes e hierarquizadas,transcendencias orgauizadas para extrair urn trabalho util, Os estra-tos sao liames, pincas, "Atcm-me se voces quiserem". Nos nao para-mos de ser estratificados. Mas 0 que e esre nos, que nao sou eu, postoque 0 sujeito nao menos do que 0 organismo pertence a urn estrato edele dependc? Rcspondemos agora: e 0 CsO, e ele a realidade glacialsobre 0 qual vao se formar estes aluvioes, sedimentacoes, coagulacao,dobramentos e assentamentos que compoern urn organismo - e umasignificacao e.um.sujeito. E sobre ele que pes a e se exerce 0 juizo deDeus, e ele quem 0 sofre. E nele que os orgaos en tram nessas relacoes

24 Mil plates

de cornposicao que se chamam organismo. 0 CsO grita: fizeram-meurn organismo! dobra ram-me indevidamente! roubaram meu corpo!o juizo de Deus arranca-o de sua irnanencia, e Ihe constroi urn orga-nismo, uma significacao, urn sujeito. E ele 0 estrarificado. Assim, eleoscila entre dois polos: de urn lado, as superficies de estrarificacaosobre as quais ele e rebaixado e submetido ao juizo, e, por outro lado,o plano de consistencia no qual e1e se desenrola e se abre a experimen-tacao. E se 0 CsO e um limite, se nao se term ina nunca de chegar aele, e porque ha sernpre urn estrato arras de urn outro estrato, um es-trato engastado em outro estrato. Porque sao necessaries muitos es-traros e nao so mente 0 organismo para fazer 0 juizo de Deus. Com-bate perpetuo e violento entre 0 plano de consistencia, que libera 0

CsO, atravessa e desfaz todos os estratos, e as superficies de estratifi-cacao que 0 bloqueiam ou rebaixam.

,Consideremos os tres grandes esrratos relacionados a nos, querdizer, aqueles que nos amarrarn mais diretamente: 0 organismo, a sig-nificancia e a subjetivacao, A superficie de organismo, 0 angulo de sig-nificancia e de interpretacao, 0 ponto de subjerivacao ou de sujeicao,Voce sera organizado, voce sera um organismo, articulara seu corpo~ ;-nao voce ser-a urn depravado. Voce sera significante e significa-do, interprere e interprerado - senao sed. desviante. Voce sera sujei-to e, como tal, fixado, sujeito_Q_eenunciacao rebatido sobre urn sujei-to de enunciado - senao voce sera apenas urn vagabundo. Ao con-junto dos estratos, 0 CsO opoe a desarticulacao (ou as n articulacoes)como propriedade do plano de [198] consistencia, a experimentacaocomo operacao sobre esre plano (nada de significante, nao interpretenunca!), 0 nomadismo como movimento (inclusive no mesmo lugar,ande, nao pare de andar, viagem irnovel, dcssubjerivacao.] 0 que querdizer des articular, parar de ser urn organismo? Como dizer a que pon-to e isto simples, e que nos 0 fazemos todos os dias. Com que pruden-cia necessaria, a arte das doses, e 0 perigo, a overdose. Nao se faz acoisa com pancadas de martelo, mas com uma lima rnuito fina. Inven-tarn-se autodestruicoes que nao se confundem com a pulsao de mor-te.TIestazeroOrganismo nunca foi mata;::;:-m-;;-;brir 0 ;;-rpo a co-nexoes que supoem todo urn agenciarnento, circuitos, conjuncoes, su-perposicoes e limiares, passagens e distribuicoes de intensidade, terri-rorios e desterritorializa~oes medidas a maneira de urn agrimens~No

28 de novembro de 1947 - Como criar para SI um Corpo sem Orgaos? 25

Page 9: ,,I /r - inpasex.com.br · fonica, mas biologica, politica, atraindo sobre sicensura erepressao. ... jafaz parte da producao deste corpo, jaesta compreendido nele, so-bre ele, mas

limite, desfazer 0 organismo nao e mais dificil do que desfazer os ou-tros estratos, significancia ou subjetivacao. A significancia cola naalma assiIll..como 0 organismo cola no corpo e dela tambern nao e Iacildesfazer-se. E quanto ao sujeito, como fazer para nos descolar dospontos de-;-ubjetiva~ao que nos fixam, que nos pregam numa realida-de dominante? Arrancar a consciencia do sujeito para fazer dela urnmeio de exploracao, arrancar 0 inconsciente cia significancia e da in-erpretac;ao para fazer dele urna verdadeira producao, nao e segura-mente nem mais nem menos dificil do que arrancar 0 corpo do orga-nismo. A prudencia e a arte comum dos tres; e se acontece que setangencie a morte ao se desfazer do organismo, tangencia-se 0 falso,o ilusorio, 0 alucinatorio, a morte psiquica ao se furtar a significanciae a sujeicao. Artaud pcsa e mede cada uma de suas palavras: a cons-ciencia "sabe 0 que e born para cia e 0 que de nada Ihe vale; e, por-tanto, os pensamenros e sentimentos que ela pode acolher sem perigoe com vantagem, assim como aqueles que sao nefastos ao exercicio desua liberdade. Ela sabe sobretudo ate onde vai seu ser e ate onde eleainda nao foi ou nao tern 0 direito de ir sem socobrar na irrealidade,no ilusorio, no nao-feito, no nao-preparado ... Plano nao atingido pelaconsciencia normal mas ao qual Ciguri nos permite chegar e que e 0proprio misterio de toda poesia. Mas existe no ser humano um outroplano, obscuro, informe, onde a consciencia nao entrou, mas que acerca de uma especie de prolongamenro sombrio ou de uma ameaca,conforme 0 caso. Plano que desprende tam bern sensacoes aventurosas,perccpcoes. Sao os fantasmas desavergonhados que afetam a conscien-cia doentia. Eu tam bern tive sensacoes falsas, percepcoes falsas e ne-las acreditei"."! [199]

E necessario guardar 0 suficiente do organismo para que ele serecomponha a cada aurora; pequenas provisoes de significancia e deinterprcracao, e tambem nccessario conservar, inclusive para ope-lasa seu proprio sistema, quando as circunstancias 0 exigem, quando ascoisas, as pessoas, inclusive as situacoes nos obrigam; e pequenas ra-coes de subjetividade, e preciso conservar suficientemente para poderresponder a realidade dominanre. Imitem os estratos. Nao se atinge 0CsO e seu plano de consistencia desestratificando grosseiramente. Por

11 Artaud, Les Taraburnaras, Oeuvres completes, cit., t. IX, pp. 34-5.

26 Mil plates

isro encontrava-se desde 0 inicio 0 paradoxo destes corpos lugubres eesvaziados: eles haviam se esuaziado de seus orgiios ao inves de bus-car os pontosnos quaIS podiarn paciente e momentaneamente desfa-zer esta organizacao dos orgaos que se chama organismo. Havia rnes-mo vari"asn;ane1ras de perder seu CsO, seja por nao se chegar a pro-duzi-lo, seja produzindo-o mais ou menos, mas nada se produzindosobre ele e as intensidades nolopassando ou se bloqueando. Isso por-que 0 CsO nao para de oscilar entre as superficies que 0 estratificame 0 plano que 0 libera. Liberem-no com urn gesto demasiado ;ioien-to, facarn saltar os estratos sem prudencia e voces mesmos se mara-rao, encravados num buraco negro, ou mesmo envolvidos numa ca-tastrofe, ao inves de tracar 0 plano. 0 pior nfio e permanecer estrati-fica~ oJ:g_~!ill~W,-significado, sujeitado - mas precipitar os es-tratos numa queda suicida ou demente, que os faz recair sobre nos,~ais gesados do que nunca. Eis entao 0 que seria necessario fazer: ins-talar-se sobre urn estrato, experimentar as oportunidades que ele nosoferece, buscar ai urn lugar favoravel, eventuais rnovimentos de des-territorializacao, linhas de fuga possiveis, vivencia-las, assegurar aquie ali conjuncoes de fluxos, experimentar segmento por segmento doscontinuos de-intensidades_, ter sempre urn pequenoyedac;o de umanova terra. E seguindo uma relacao meticulosa com os estratos quese con segue liberar as linhas de fuga, fazer passar e fugir os fluxos con-jugados, desprender intensidades continuas para urn CsO. Conectar,conjugar, continuar: todo urn "diagrama" contra os prog!-,amas ;in-da significantes e subjetivos. Estamos numa formacao social; ver pri-meiramente como ela e estratificada para nos, em nos, no lugar ondeestamos; ir dos estratos ao agenciamento mais profundo em que es!tamos envolvidos; fazer com que a agenciamento oscile delicadamenre,'faze-lo passar do lade do plano de consistencia. E somente ai que 0CsO se revela pelo que cle e, conexao de desejos, conjuncao de flu-xos, continuum de intensidades. Voce tera construido sua pequenamaquina privada, pronta, segundo as circunsrancias, para ramificar--se em outras rnaquinas coletivas. Castaneda descreve uma longa ex-perirnentacao (pouco importa que se rrate de peyotl ou de outra coi-sa): retenhamos por enquanto como 0 Indio 0 forca primeiramente abuscar urn "lugar", f200J operacao ja dificil, depois a encontrar "alia-dos", depois a renunciar progressivamente a interpretacao, a construir

28 de novembro de 1947 - Como criar para si urn Corpo sem Orgaos? 27

Page 10: ,,I /r - inpasex.com.br · fonica, mas biologica, politica, atraindo sobre sicensura erepressao. ... jafaz parte da producao deste corpo, jaesta compreendido nele, so-bre ele, mas

Mil plates

£luxo por £luxo e segmento por segmento as linhas de experimenta-,!ao, devir-animal, devir-molecular, etc ... Porque 0 Cs'O e tudo isto: ne-cessariamente urn Lugar, necessariamente urn Plano, necessariamen-te urn Coletivo (agenciando elementos, coisas, vegerais, animais, uten-silios, homens, potencias, fragmentos de tudo isto, porque nao existe"rneu" corpo sem orgaos, mas "eu" sobre ele, 0 que resta de mini,inalteravel e cambiante de forma, transpondo limiares),

No decorrer dos livros de Castaneda, pode acontecer que 0 lei-tor comece a duvidar da existencia de Don Juan 0 Indio, e de rnuitasoutras coisas. Mas isto nao tern qualquer importancia. Melhor aindase estes livros sao a exposicao de um sincretismo ao inves de uma et-nografia, e um protocolo de experiencias ao inves de urn relarorio deiniciacao, Eis que 0 quarto livro, Histories de poder, trata da distin-\ao viva do "Tonal" e do "Nagual". 0 tonal parece ter uma exten-sao disparatada: ele e 0 organismo e rambern tudo 0 que e organiza-do e organizador; mas ele e ainda a signifidincia, tudo 0 que e signifi-cante e significado, tudo 0 que e suscetlvel de interpretacao, de expli-cacao, tudo 0 que e memorizavel, sob a forma de algo que lembraoutra coisa; enfim, ele e 0 Eu, 0 sujeiro, a pessoa, individual, social ouhistorica, e todos os sentimentos correspondentes. Numa palavra, 0

tonal e tude, inclusive Deus, 0 juizo de Deus, visto que ele "constroias regras por meio das quais apreende 0 mundo, logo ele cria 0 mun-do, por assim dizer". E, no entanto, 0 tonal e apenas uma ilha. Por-que tam bern 0 nagual e tudo. E e 0 mesmo todo, mas em condicoestais que 0 corpo sem orgaos substitui 0 organismo, a experimenracaosubstitui toda interpreracao da qual ela nao tern mais necessidade. Osfluxos de intensidades, seus fluidos, suas fibras, seus continuos e suasconjuncoes de afectos, 0 vento, uma segrnentacao fina, as microper-cepcoes substitulram 0 mundo do sujeito. Os devires, devires-anirnais,devires-moleculares, substituem a historia, individual ou geral. Defato, 0 tonal nao e tao disparatado quanto parece: ele compreende 0

conjunto dos estratos, e tudo 0 que po de ser relacionado com os es-tratos, a organizacao do organismo, as interpretacoes e as explicacoesdo significavel, os movimentos de subjetivacao. 0 nagual, ao contra-rio, desfaz os estratos, ~ao e mais urn organismo que funciona, masurn CsO que se constroi, Nao sao mais atos a serem explicados, so-nhos ou fantasmas a serern interpretados, recordacoes de infancia a

28

serern lembradas, palavras para significar, mas cores e sons, devires eintensidades (e quando voce devern cao, nao vai perguntar se 0 caocom 0 qual voce [201l brinca e urn sonho ou uma realidade, se e "aputa da tua mae", ou outra coisa ainda). Nao e mais urn Eu que sen-te, age e se lernbra, e "uma bruma brilhante, urn vapor amarelo e som-brio" que tem afectos e experimenta movimentos, velocidades. Maso importante e que nao se desfaz 0 tonal destruindo-o de uma so vez.E preciso diminui-lo, estreita-lo, limpa-lo, e isto ainda somente em al-guns momentos. E necessario preserva-lo para sobreviver, para des-viar 0 ataque nagual. Porque urn nagual que irrornpesse, que destruis-se 0 tonal, urn corpo sem orgaos que quebrasse todos os estratos, setransformaria imediatamenre em corpo de nada, autodestruicao purasem outra saida a nao ser a morte: "0 tonal dev~er.E.rotegido a qual-quer preco".

Ainda nao respondemos a questao: por que tantos perigos? Porque entao tantas precaucoes necessarias? E porque nao basta oporabstratamente os estratos e 0 Csf). Porque enconrra-se CsO ja nosesrratos nao menos do que sobre 0 plano de consistencia desestratifi-cado, mas de uma maneira completamente diferente. Tomemos 0 or-ganisrno como estrato: existe urn CsO que se opoe a organizacao dosorgaos chamada organismo, mas ha tarnbem urn CsO do organismo,pertencendo a este estrato ...Tecido canceroso: a cada instante, a cad asegundo, uma celula devern cancerosa, louca, prolifera e perde sua fi-gura, apodera-se de tudo; e necessario que 0 organismo a reconduzaa sua ~egra ou a reestrarifique, nao sornente para sob reviver, mas tam-bern para que seja possivel uma fuga para fora do organismo, uma fa-bricacao do "outro" CsO sobre 0 plano de consistencia. Tomemosagora 0 estrato de significancia: ai ainda, existe urn tecido cancerosocia significancia, urn corpo brotando do despota que bloqueia toda cir-culacao de sign os, tanto quanto impede 0 nascimento do signa a-sig-nificante sobre 0 "outre" CsO. Ou en tao, urn corpo asfixiante da sub-[ctivacao que torna ainda tanto rna is irnpossivel lIma _IIbera\ao por-que nao deixa subsistir uma distin\ao entreOs"Sii)eitos. Mesmo seconsiderarmos tal ou qual formacao sod"8:i, ou ta-l aparelho de estratonuma formacao, dizemos que todos e todas tern seu CsO pronto paracorroer, para proliferar, para cobrir e invadir 0 conjunto do camposocial, entrando em relacoes de violencia e de rivalidade tanto quan-

28 de novembro de 1947 - Como criar para si urn Corpo sern Orgaos? 29

Page 11: ,,I /r - inpasex.com.br · fonica, mas biologica, politica, atraindo sobre sicensura erepressao. ... jafaz parte da producao deste corpo, jaesta compreendido nele, so-bre ele, mas

'--.11 ,..

" .....

to de alianca au de cumplicidade. 0 CsO do dinheiro (inflacao), mastam bern CsO do Estado, do exercito, da fabrics, da cidade, dQPjirti-do etc. SFOsestraros drzerrr respeito a coagulacao, a sedimentacao,basta uma velocidade de sedimentacao precipitada num estrato £,,:aQue eIe perea sua figura e suas arriculacoes, e forme.seu tumor espe-cifico nele..mesmo,_ou em tal formacao, em tal aparelho. Os estratosengendram seus CsO, totalitarios e fascistas, aterrorizadoras carica-turas do plano de consistencia. Nao basta entao [202] distinguir asCsO plenos sabre a plano de consistencia e as CsO vazios sabre asdestrocos de estratos, por desestratificacao exageradarnente violenta.E preciso considerar ainda os CsO cancerosos num estrato que deveioproliferante. Problema dos tres corpos. Artaud dizia que, fora do "pia-no", havia este outro plano que nos cerca "com urn prolongamentoobscuro ou com uma arneaca segundo 0 caso". E uma luta, e que naocomporta jamais, por isto mesmo, clareza suficiente. Como criar parasi CsO sem que seja 0 CsO canceroso de urn fascista em nos, ou a CsOvazio de urn drogado, de urn paranoico ou de urn hipocondriaco? Co-mo distinguir os tres corpos? Artaud nao para de enfrentar este pro-blema. Extraordinaria cornposicao de Pour en finir avec Ie jugementde Dieu [Para acabar com a [uizo de Deus]: ele corneca par amaldi-coar 0 corpo canceroso da America, corpo de guerra e de dinheiro;den uncia os estratos que ele chama de "caca "; a isro op5e 0 verdadeiroPlano, mesmo que seja 0 riacho mimisculo dos Tarahumaras, peyotl;mas ele conhece tam bern as perigos de uma desestratificacao dema-siado brutal, imprudente. Artaud nao para de enfrentar tudo isto e aisucumbe. Carta a Hitler: "Caw Senhor, eu lhe havia rna strado em1932, no cafe do Ider, em Berlirn, numa das noites em que nos havia-mos conhecido e POllCOantes de sua tomada do poder, as barragensestabelecidas sabre urn mapa que era tiio somente um mapa de geo-grafia, contra mim, acao de forca dirigida num cerro mimeto de sen-tidos que a senhor me designava. Eu levanto hoje, Hitler, as barre i-ras que havia colocado! Os Parisienses tern necessidade de gas. Vos-so, atenciosamente A. A. - P.S. Claro, estimado Senhor, isto nao eapenas urn convite, e sobretudo uma advertencia ... "_12 Este mapa quenao e somente de geografia, e como que urn mapa de intensidade CsO,

12 Cf. Cause Commune, n'' 3, Paris, out. 1972.

30 Mil plates

on de as barragens designam limiares, e os gases, ondas au fluxos.Mesmo que Artaud nao tenha conseguido para ele mesmo, e certo queatraves dele alga foi conquistado para nos todos.

o CsO e 0 ovo. Mas 0 ovo nao e regressivo: ao contrario, ele econternporaneo por excelencia, carrega-se sempre consigo, COIllOsellproprio meio de experirnentacao, seu meio associado. 0 ovo e 0 meiode intensidade pura, a spatium e nao a extensio, a intensidade Zerocomo principia de producao. Existe lima convergencia fundamentalentre a ciencia e 0 mito, entre a embriologia e a mitologia, entre 0 ovobiologico e 0 ovo psiquico ou cosrnico: 0 ovo designa sempre esta rea-lidade intensiva, nao indiferenciada, mas onde as coisas, os orgaos, sedistinguem unicamente por gradienres, rnigracoes, zonas de vizinhan-ca. 0 ovo e 0 CsO. 0 CsO nao existe "antes" do organismo, ele e ad-jacente, e nao para de se fazer. Se ele est. [203]ligado a infancia, naoa esta no senti do de uma regressao do adulro a crianca, e da criancaa Mae, mas no senti do em que a crianca, assim COmo 0 gerneo dogon,que transporta consigo urn pedaco de placenta, arranca da forma 0[-

ganica da mae uma materia intensa e desestratificada que constirui,ao conrrario, sua ruptura perperua com 0 passado, sua experiencia,sua experirnentacao atuais. 0 CsO e bloeo de infancia, devir, 0 coo-trario da recordacao de infancia. Ele nao e crianca "antes" do adul-to, nem "mae" "antes" da crianca: ele e a estrita contemporaneidadedo adulto, da crianca e do adulto, seu mapa de densidades e intensi-dades comparadas, e todas as variacoes sobre este mapa. 0 CsO eprecisamente este germe intenso onde nao ha e nao pode existir nempais nem filhos (representacao organica). E a que Freud nao com-preendeu em Weissmann; a crianca como conternporanea germinaldos pais. Assim, 0 corpo sem orgaos nunca e 0 seu, 0 meu ... E sempreII1n corpo. Ele nao e rnais projetivo do que regressivo. E uma involu-<rao,mas uma involucao criativa e sempre contcmporanea. Os orgaosse distribuem sobre 0 CsO; mas, justa mente, eles se distribuem neleindcpendentemente da forma do organismo; as formas devem contin-gentes, os orgaos nao sao mais do que intensidades produzidas, flu-xos, limiares e gradientes. "Urn" ventre, "urn" olho, "uma" boca: ...aonrtigo indefinido nada falra, ele nao e indeterminado ou indiferencia-do, mas exprime a pura deterrninacao de intensidade, a diferenca in-rcnsiva. 0 artigo indefinido e 0 condutor do desejo. Nao se trata ab-

lH de novembro de 1947 - Como criar para si urn Corpo sern Orgaos? 31

Page 12: ,,I /r - inpasex.com.br · fonica, mas biologica, politica, atraindo sobre sicensura erepressao. ... jafaz parte da producao deste corpo, jaesta compreendido nele, so-bre ele, mas

",;, ¢.;;i ~ .-;-.. ,-._..•.--,-.--~, _..'" .-,

solutamente de urn corpo despedacado, esfacelado, ou de orgaos semcorp os (OsCI. 0 CsO e exatamente 0 contrario. Nao ha orgaos des-pedacados em relacao a uma unidade perdida, nem retorno aoingi-ferenciado em relacao a uma totalidade diferenciavel, Existe, isto sirnc,distribuicao das razoes intensivas de orgaos, com seus artigos positivosindefinidos, no interior de urn coletivo ou de lima multiplicidade, numagenciamento e segundo conexoes maqufnicas operando sobre u~CsO. Logos spermaticos, 0 erro da psicanalise e 0 de ter compreen-dido os fenomenos de corpos sem orgaos como regressoes, projecoes,fantasmas, em funr;ao de uma imagem do corpo. Por isso, ela so per-cebia 0 avesso das coisas, substituia urn mapa mundial de inrensida-des por fotos de familia, recordacoes de infancia e objetos parciais. Elanada compreendia ace rca do ovo, nern dos arrigos indefinidos, nemsobre a contemporaneidade de um meio que nao para de se fazer.

...9 CsO e desejo, e ele e por ele que se deseja. Nao somente por-que ele e 0 plano de consistencia ou 0 campo de imanencia do desejo,mas inclusive quando cai no vazio da desestratificacao brutal, ou bernna proliferacao do estrato canceroso, ele permanece desejo. 0 desejovai ate ai: as vezes desejar seu [204) proprio aniquilamento, as vezesdesejar aquilo que tern 0 poder de aniquilar. Desejo de dinheiro, de-sejo de exercito, de policia e de Estado, desejo-fascista, inclusive 0

fascismo e desejo. Hi desejo toda vez que h. constituicao de uIlLCsOnuma relacao ou em outra. Nao e urn problema de ideologia, mas depura materia, Ienomeno de materia fisica, biologics, psiquica, socialou cosmica, Por isto 0 problema material de uma esquizoanalise e 0de saber se nos possuimos os meios de realizar a selecao, de separar 0

CsO de seus duplos: corpos vitreos vazios, corpos cancerosos, totali-rarios e fascistas. A prova do desejo: nao denunciar os falsos desejos,mas, no desejo, distinguir 0 ~e remere a proliferacao de estratos, ou...bem a desestratif~o demasiada violenta, e 0 que remete a constru-r;ao do plano de consistencia (vigiar inclusive em nos mesmos 0 fas-cista, e tarnbem 0 suicida e 0 demente.). 0 plano de consistencia naoe simplesmenre 0 que e consrituido por todos os CsO. Ha os que elerejeita, e ele que faz a escolha, com a maquina abstrata que 0 rraca. Einclusive num CsO (0 corpo masoquista, 0 corpo drogado, etc ... ) dis-tinguir aquilo que e cornponivel ou nao sobre 0 plano. Uso fascista dadroga, ou usa suicida, mas rarnbem a possibilidade de urn usa em

32 Mil plates

conformidade com 0 plano de consistencia? Mesmo a paranoia: pos-sibilidade de fazer parcialrnente urn tal uso? Quando colocavamos aquestao de urn conjunto de todos os CsO, tornados como atributossubstanciais de uma substancia unica, era preciso, em senti do estrito,entender isso somente em relacao ao plano. E ele que faz 0 conjuntode todos os CsO plenos selecionados (nada de conjunto positivo comos corpos vazios ou cancerosos). De que natureza e este conjunto? Uni-camente Iogica? Ou bern e nccessario dizer que cada CsO em sell ge-nero produz efeitos identicos ou analogos aos efeitos dos outros emseu proprio genero? Aquilo que 0 drogado obtern, 0 que 0 masoquis-ta obtern, poderia rarnbem ser obtido de outra maneira nas condicoesdo plano: no extremo, drogar-se scm droga, ernbriagar-se com aguapura, como na experirnentacao de Henry Miller? Ou bern ainda: tra-ta-se de lima passagem real de substancias, de uma continuidade in-tensiva de todos os CsO? Tudo e possivel, sem duvida. N6s apenasdizemos: a identidade dos efeitos, a continuidade dos generos, 0 con-junto de todos os CsO nao podem ser obtidos sobre 0 plano de con-sistencia senao por interrnedio de uma rnaquina abstrata capaz decobri-lo e mesmo de traca-lo, de agenciamentos capazes de se ramifi-carem no desejo, de assumirem efetivamente os desejos, de assegurarsuas conexoes continuas, suas ligacoes transversa is. Senao os CsO doplano perrnanecerao separados em seu genero, marginalizados, redu-zidos aos meios disponiveis, enquanto triunfarao sobre "0 outro _pla-no" os duplos cancerosos ou esvaziados.

Traducao de Aurelio Guerra Neto

lH de novembro de 1947 - Como criar para si urn Corpo sem Orgaos? 33