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Ianni, Octávio - Teorias Da Globalização

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Ianni, Octávio - Teorias Da Globalização

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Copyright @ 1995 by Octa\'io Ianni

Capa: projeto gráfico de Civilização Brasileira

Composição: Unlike Sistemas de Marketing

anuncianuo o século 21

AntônioAnaCatarinaClaraFrancisco.

Para

--COD -303.4CDU - 008

I. Civilização mQdrrfla - Século XX. 2. Relaçõeseconômicas internacio'fI.lis. 3. Sociologia. I. Titulo.

'16.0492

CIP-BrasiL Catalogação-na-fonteSindicato Nacional dos @itores de Livros. RJ.

Iimoi. Octavio. 1926.117\ Teorias da globalização I Octavio lanni. - 2. ed.2.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 1996.

228p. .

1996Impresso no BrasilPr;",ed ;n Brazil

Inclui bibliografiaISBN 85.20Q...0397.4

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro poderá scr repro-duzida. seja de que modo for. sem a expressa autorização daEDITORA CIVILIZAÇÃO 8RASILElRA S.A.Av. Rio Branco. 99 - 20. andar':' Centro20040.004 - Rio de Janeiro - RJTe!': (021) 263-2082/ Fax: (021) 263.6112Caixa Postal 2356/20010- Rio de Janeiro - RJ.

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Sumário

Prefácio 11

I - Metáforas da Globalização ., 13II - As Economias-Mundo 25III - A Internaciónaliúção do Capital 45IV - A Interdependência das Nações 59V - A Ocidentalização do Mundo ; 75VI - A Aldeiá Global ; ; :.93VII - A Racionalização do Mundo 113VIII - A Dialética da Globalização 135\IX - Modernidade-Mundo 163.X - Sociologia da Globalização 189

Bibliografia :.. 209

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Prefácio

A GLOBALlZAÇÃO está presente na realidade e no pensamento,desafiando grande número de pessoas em todo o mundo. A despeito dasvivências e opiniões de uns e. outros. a maioria reconhece que esseproblema está presente na forma pela qual se desenha o novo mapa domundo, na realidade e no imaginário.

Já são muitas as teorias empenhadas em esclarecer as condições eos significados da globalização, Umas são um tanto tímidas, ao passoque outras,. bastante audaciosas; algumas vezes desconhecem-semutuamente, noutras, influenciam-se. Mas todas abrem perspectivaspara o esclarecimento das configurações e movimentos da sociedadeglobal.

Vale a pena mapetW:-asprincipais teorias da globalização. Permitemesclarecer não só as condições sob as quais se forma a sociedade 'global,mas também os desafios que se criam para as sociedades nacionais. Oshorizontes que se descortinam com a globalização, em termos deintegração e fragmentação, podem abrir novas perspectivas para ainterpretação do presente, a releitura do passado e a imaginação dofuturo.

Os problemas da globalização naturalmente implicam um diálogo

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:~

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múltiplo, com autores e interlocutores, em diferentes enfoques históricose teóricos. Em larga medida, esse diálogo está registrado neste livro, nasreferências e citações.

Alguns temas foram apresentados em debates, geralmente emambientes universitários. E alguns capítulos publicaram-se em versõespreliminares: "Metáforas da Globalização;', Idéias, ano I, nO I,Unicamp, Campinas, 1994; "AOcidentalização do Mundo", sob otítulo" A Modernização do Mundo", M71rgem, nO3,PUC, São Paulo,1994; "A Aldeia Global", sob o título "Globalização e Cultura", 0-Estado de S.Paulo, 30de outubro de 1994; "Sociologia daGlobalização" .sob o título "Globalização: NOvo Paradigma da.s Ciências Sociais",Estudos Avançados, nº 21, USP, São Paulo, 1994. Foram essesmomentos importantes de diálogomúltiplo, polifônico, quemepermitiramaprimorar tal reflexão e sua narração. .

Octavio lanni

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I

Metáforas da GlobalizaçãoI

I,

I'

v A DESCOBERTA de que a terra se tornou mundo, de que o.globo nãot1:maisapenas uma figura astronômica, e sim o território no qual todoséncontram-se relacionados e atrelados, diferenciados e antagônicos-lhisa descoberta surpreende, encanta e atemoriza. Trata-se de umaruptura drástica nos modos de ser, sentir, agir, pensar e fabular. Umctvento heurístico de amplas proporções, abalando não só as convicções,IDastambém as visões do mundo.), Ocorre que o globo não é mais exclusivamente um conglomeradode naÇões, sociedades nacionais, estados-nações, em suas relações deinterdependência, dependência, colonialismo, imperialismo, bilate-tlálismo, multilatéralismo. Ao mesmo tempo, o centro do mundo nãoémais voltado só ao indivíduo, tomado singular ~'coletivamente como

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povo, classe, grupo, minoria, maioria, opinião pública. Ainda que anação e o indivíduo continuem a ser muito reais, inquestionáveis epresentes todo o tempo, em todo lugar, povoando a reflexão e aimaginação, ainda assimjá não são "hegemônicos" . Foram subsumidos,real ou formalmente, pela sociedade global, pelas configurações emovimentos da globalização. A Terra mundializou-se, de tal maneiraque o globo deixou de ser uma figura astronômica para adquirir maisplenamente sua significação histórica.

Daí nascem a surpresa, o encantamento e o susto. Daí a impressãode que se romperam modos de ser, sentir, agir, pensar e fabular. Algoparecido com as drásticas rupturas epistemológicas representadas peladescoherta de que a Terra não é mais o centro do universo conformeCopérnico, de que o homem nãoé mais filho de Deus segundo Darwin,de que o indivíduo é um labirinto povoadt) de inconsciente de acordocom Freud (I). Éclaro que a descobertaqueo pensamento científico estárealizando sobre a sociedade global no declínio do século XX nãoapresenta as mesmas características dessas outras descobertas mencio-nadas. Mesmo porque são diversas e antigas as instituições e indicaçõesmais ou menos notáveis de globalização. Desde que o capitalismodesenvolveu-se na Europa, apresentou sempre conotações internacio-nais, multinacionais, transnacionais e mundiais, uesenvolvidas 110

interior da acumulação originária, do mercantilismo, do colonialismo,do imperialismo, da dependência e da interdependência: E isso estáevidente nos pensamentos de Adam Smith, David Ricardo, HerbertSpcncer, Karl Marx, Max Weber e muitos outros. Mas é inegável quea dcscoherta de que o globo terrestre, como já disse, não é mais apenas _uma figura astronômica, e sim histórica, abala modos de ser, pensar,fahular.

Nesse clima, a reflexão e a imaginação não só caminham de par empar como multiplicam metáforas. imagens, figuras, parábolas e a!ego-

(I) Sigmund FreUtI. Ohras Completas, 3 tomos, tradução de Luis Lopez-Uallesrerns yde Torres. Edirorial Bihlioteca Nueva; Madrid. 1981. tomo 111. capo Cl: "Illla

o Dilicultad dei Psicoanal isis".

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rias, destinadas a dar conta do que está acontecendo, das realidades nãocodificadas, das surpresas inimaginadas. As metáforas parecem flores-cer' quando os modos de ser, agir, pensar e fabular mais ou menossedimentados sentem~se abalados. É claro que falar em metáfora podeenvolver não só imagen's e figuras, signos e símholos, mas tambémparábolas e alegorias. São múltiplas as possibilidades abertas aoimaginário científico, filosófico e artístico, quando se descortina.m oshorizontes da globalização do mundo, envolvendo coisas. gentes eidéias, interrogações e respostas, explicações e intuições, interpreta-ções e previsões, nostalgias e utopias.

O problema da globalização, em suas implicações empíricas emetodológicas, ou históricas e teóricas, pode ser colocado de modoinovador, propriamente heurístico, se aceitâmos refletir sobre algumasmetáforas produzidas precisamente pela reflexão e imaginação desafi-adas pela globalização. Na época da globalização, o mundo começou aser taquigrafado como "aldeia global", "fábrica global", "terra-pátria", "nave espacial", "nova babei" e outras expressões. Sãometáforas razoavelmente originais, suscitando significados e implica-

o ções. Povoam textos científicos, filosóficos e artísticos."Chama a atenção nesses textos a profusão de metáforas utilizadas para descrever

as transformações deSle final de século: 'primeira revolução lIlullllial" (AlexanderKing), 'terceira onda' (Alvin Tofll~r). 'sociedade informárica' (Adam Schan). 'sociedadeamébica' (Kenichi Ohmae): 'aldeia glohal' (McLuhan). Fala-se da passagem de um:!economia de IJiKh volume para ourra de higIJ 1'1I1lle (Rohert Reich), e da existência delum universo ilahitado por 'objetos múveis' (Jac4ues Auali) deslocando-se incessan--/emente de um lugar a outro do planeta. Por 4ue esla reCOrrêt.lcia no uso de lIletáforas'!',Elas revelam uma realidade emergente ainda fugidia ao horizollle das ciêocias:~ociais"(2). I

'1 ~ _....

o Há metáforas, bem como expressoes deSCritivas e 1I1terpretallvas:fundamentadas, que circulam combinadamente pela bibliografia sobre"áglobalização: '''economia-mundo'', "sistema-mundo", "shopping center.~Iobal", "Disneylândia global", "llo~a visã~ il.1ternaciona~, d~ traba-.'1ho", "moeda global", "cidade global ,"capItalismo global , mundo

.(2) Renato Ortiz. Munrlia/ização e Cultura, Editora Brasilicnse. São Paulo. 1994, p. 14.

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sem fronteiras", "tecnocosmo", "planeta Terra", "desterritorializa-ção" : "mi.ni,~turização", "h~gemonia 'global", "fim da geografia", "fimda 11IStóna e outras maiS., Em parte, cada uma dessas e outrasformulações abre problemas específicos também relevantes. Suscitamãngu.t0s diversos de análise, priorizando aspectos sociais, econômicospolíticos, geográficos, históricos, geopolíticos, demográficos, cultu~rais, religiosos, ~ingüísticos etc.-MaS-é.,possível reconhecer que vários~e~se~aspectos ~,ão,~~ntempladospor metáforas como "aldeia global";-falmca global, cidade global", "nave espacial", "nova babei",

entre outras. ,São emblemáticas, formuladas precisamente no climamental aberto pela ~Iobalização. Dizem respeito às distintas possibili-dades de prossegUImento de! conquistas e dilemas da modernidade.Contemplam as controvérsias: sobre modernidade e pós-modernidaderevelando como é principalmente a partir dos horizontes da modernidad~que se pode imaginar as possibilidades e os impasses da pós-modernidadeno novo mapa do mundo.

"Aldeia global" sugere que, afinal, formou-se a comunidademundial, concretizada com ;as realizações e as possibilidades decomun~cação, informação e ~abu~açãoabertas pela eletrônica. Sugereque ~stao em curso a harmomzaçao e a homogeneização progressivas.B~sela-se na convicção de que a organização, o funcionamento e amudança da vida social, em sentido amplo, compreendendo evidente-ment: ~ globalização, são ocasionados pela técnica e, neste caso, pelaelelfOllIca. Em pouco tempo, as províncias, nações e regiões, bem como~ulluras e_civilizaçõ~s, são atravessadas e articuladas pelos sistemas deIllformaçao, comulllcação e fabulação agilizados pela eletrônica.

Na aldeia global, além das nlercadorias convencionais sob formasanti~as e atuais, empacotam-se e vendem-se as informaçõ~s. Estas são~abncadas como mercadorias e comercializadas em escala I"llUndial.AsII1form~ç~es, os entret~nimentos e as idéias são produzidas,comerCializadas e consumidas como mercadorias... "H~lje pass~mos da produção de artigos empacotados para o empacUlamento deIIllnrn~açoe~. Antigamente invadíamos os mercados estrangeiros com ,mercadorias.HOJe IIlVadllnns culturas illleirascom pacotes de i~lfnnnaçijcs. clllrctcninu:IllOs e

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idéias. Em vista da instantaneidade dos novos meios de imagem e de som. até o jornalé"lento" (3). .

'. A metáfora torna-se mais autêntica e viva quando se reconhece queela praticamente prescinde da palavra, tornando a imagem predominante,çomo forma de comunicação, informação e fabulação. A eletrônica.pr~picia não só a fabricação de imagens, do mundo comoum caleidoscópio. de imagens, mas também permite jogar com as palavras como imagens.A máquina impressora é substituída pelo aparelho de televisão e outrastecnologias eletrônicas, tais como ddd, telefone celular, fax, computador,rede de computadores, todos atravessando fronteiras, sempre on Uneeverywhere worldwide all time.

"No próximo século. a Terra terá a sua consciência coletiva suspensa sohre a facedo .planeta. em uma densa sinfonia eletrônica. na qual todas as nações - se aindae)tistirem como entidades:separadas - viverão em uma teia de sinestesia espolltânea.a~quirimJo penosamente a consciência dos triunlils e mutilações de uns e outros. Depoisdesse conhecimento, desculpam.se. Já que a era eletrônica é total e abrangente, a guerraatômica na aldeia global não pode ser limitada" (41.

,) Nesse sentido é que lialdeia global envolve a idéia de comunidadeniundial, mundo sem fronteiras, shopping center global, Disneylândiauniversal.

"Em todos os lugares, .tudo cada vez mais se parece com tudo o mais, à medidaque a estrutura de. preferências do mundo é pressionada para um pOllto comumhomogeneizado"(5). .

"Fábrica global" sugere uma.transformação quantitativa e quali-tativa do capitalismo além de todas as fronteiras, subsumindo formal ourealmente todas as outras formas de organização social e técnica dotrabalho, da produção e reprodução ampl iadado capital. Toda economianacional, seja qual for, torna-se provínci'a da economia global. O modocapitalista de produção entra em uma época propriamente global, e não

(3) Marshall McLuhan, "A Imagem, o Som e a Fúria". Bernard Rosenherg e David, Manning White (organizadores), Cultura de Massa, tradução de Octavio Mendes. Cajado, Editora Cultrix, São Paulo, 1973. pp. 563-570; citação das pr. 564-565.

(4) Marshall McLuhan and Bruce R. Powers, The Global Village. Oxford UniversityPress, New York, 1989, \l. 95.

(5) Theodore Levill, A Imagillação de Marketillg. tradução de AuriphehoBerranceSimlJes, Editora Atlas, São Paulo. 1991. p. 43.

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apenas. internacional ou multi nacional. Assim, o mercado, as forçasprodutIvas, a nova divisão internacional do trabalho, a reproduçãoampl iada do capital, desenvolvem-se em escala mundial. Uma globalizaçãoque, progressiva e contraditoriamente, subsume real ou formalmenteoutras e diversas formas de organização das forças produtivas, envol-vendo a produção material e espiritual. .

Já "é evidente que os países' em desenvolvimcnto cstão agora ofcreccndo espa~ospara a lucrativa manuralum de produtos industriais destinados ao mercado mundial, el1lescala crescente" (6), Isto se deve a vários fatores, entre os quais destacam-se os seguintes: "Primeiro, um rescrvatório de mão-dc-ohra praticamcnte inesgo-tável tornou. se disponível fiOS países em descnvoJvimclllo nos íiltimos séculos ...Scgund'l, a divisão e suhdivisào do processo produtivo estão agora tão avan.-~adas quc a maioria destas opcrações fmgme11ladas pode ser realizada com um mínimodc qualificação profissional adquirida cm pouco le'mpo ... Terceiro, o descnvolvimentodas técnicas dc transporte c comunicações cria a pnssihilidallt:, cm muitos casos, daprodução completa ou parcial de mercadorias em qualqucr lugar do mundo; umapossihilidadc não mais influenciada por ratoi'es técnicos, urganizacillnais ou de cus-tos" 11).

A fábrica global instala~se além de toda e qualquer fronteira,articulando capital, tecnologia, força.de trabalho, divisão do trabalhosocial e outras forças' produtivas. Acompanhada pela puljlicidade, amídia impressa e eletrônica, a indústria cultural , misturadas emjornais,revislas, livros, programas de ráilio, emissões de lelevisão, vídeo-clipe,fax, redes de computadores e out ros meios de comunicaçã( I, in formaçãoe fabulação, dissolve froilteiras, agiliza os mercados, generaliza oconsumismo. Pt:ovoca a desterritorialização e a reterritori:;lização dascoisas, gentes e idéias. Promove o redimellsionamento de espaços e -lempos.

(li) Flllkcr Frohel, Jurgcn lIeinrichs ~1ll1Olto Kreye, T/Il,'Nell' IlI/e/1/1I(illl/l// DiI'iJilll/

(1{I.I1/lIIur(Slrllctural IJncmploymcllt in Industrialiscd COllntrics and Industrializalionin Dcveloping Countries), tradução dc Pete Burgess, Call1hridgc I Jniversity Prcss,Call1hridge, 19KO, p.13.

(7) Flllker Frohcl, Jurgcn lIeinrichs and Olto Kreye, 7711'Neli' II/teml/filll/I// DiV;.I';lJIloll.llhIJlIr, citaJo, p. 13. Cllnsultar tamhém: Joseph GrunwalJ aml Kcnnelh Fla'l1Im,.17/1' (;/0/)(1/ l;ilt'tlJl)'. The Ilrookings Instillltion, Washington, IlJK'i.

IR

Logo se vê que a fábrica global é tanto metáfora como realidade.Aos poucos, sua dimensão real impõe-se ao emblema, à poética. O quese impõe, com forçà avassaladora, é a realidade da fábrica da sociedadeglobal, altamente determinada pelas exigências da reprodução ampliadadO capital. No âmbito da globalização, revelam-se às vezes transparen-tes e inexoráveis os processos de concentração e centralização doCapital, articulando empresas e mercados. forças produtivas e centrosdecisórios, alianças estratégicas e planejanlentos de corporações.tecendo províncias, nações e continentes, ilhas e arquipélagos, mares edcea'nos.I." "Nave espacial" sugere a viagem e a travessia, o lugare a duração,o conhecido e o incógnito, o destinado e o transviado, a aventura e a<!esventura. A magia da nave espacial vem junto com o destino4êsconhecido. O deslumbramento da travessia traz consigo a tensão doque pode ser impossível. Os habitantes da nave podem ser levados a umasucessão de perplexidades. reconhecendo a impossibilidade de desvendaro devir. "Organizar uma entidade que aharca o planeIa não é lima empresa.ihsigniric~ntc ... Propor uma assemhléia que n:prescnlasse todos os homcns seria comon~r o número exato Jos arquétipos platônicos, cnigm~ que tem ocupaJII Jur~ntcséculos a pcrplexidade dos pensadorcs"(B). .

A metáfora da nave espacial pode muito bem ser o emblema decomo a modernidade se desenvolve no século XX, prenunciando o XX I.Leva consigo a dimensão pessimista embutida na utopia-nostalgiaécondida na modernidade. Pode ser o produto mais acabado, porenquanto, da razão iluminista. Depois de seus desenvolvimentos maisnotáveis, através dos séculos XIX e XX, a razão iluminisla parece teralcançado seu momento negativo extremo: nega-se de modo radical,riiilista, anulando toda e qualquer ulopia-nostalgia. E isto atinge oparoxismo na dissolução do indivíduo como sujeito da razão e dahistória. .'

"A crise da razão se manifcsta na crise do indivíduo, por meio Ja qual sed.esenvolveu. A ilusão acalentada pc la filosofia tradicional sobre o indivíduo e sohrc a

(8) Jorge Luis Borges, El Lihra c/e Arel/I/, Alianza EJitorial, MadriJ, 1981. pp. 26-27;cilaçãll de "EI Cllngreso", ,

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razão - a ilusão da sua eternidade - está se dissipando. O indivíduo outrora concehia<lrazão como um instn~mento do eu, exclusiva~ente. Hoje, ele experimenta o reversodessa autodeificação. A máquina expeliu o maquinista; está correndo cegamente peloespaço. No momento da consumação, a razão tornou-se irracional e embrutecida. Otema deste tempo é a autopreservação, embora não exista mais um eu a serprcservado "(9). '

~í está uma conotação surpreendente da modernidade, na época daglohahzação: o declínio do indivíduo;-Bte-próp'~io, singular e coletiva-mente, produz e reproduz as condições materiais e espirituais da suasubordinação e eventual dissolução. A mesma fábrica da sociedadeglobal, em que se insere e que ajuda a criar e recriar continuamentetorna-se o cenário'em que desaparece. ' ' ,

Ocorre que a tecnificação das rehlÇõessociais, em todos os níveis,universaliza-se. Na mesma proporção em que se dá o desenvolvimentoextensivo e intensivo do capitalismo no mundo, generaliza-se aracionalidade formal e real inerente ao modo de operação do mercado,da cplpresa, do aparelho estatal, do capital, da administração das coisas,de gentes e idéias, tudo isso codificado tios princípios do direito.Juntam-se aí o direitoe acontabilidade, a lógica formal e licalculabilidade,a racionalidade e a produtividade, de tal maneira que em todos os grupossociais e instituições. em todas as ações e relações sociais, tendem apredominar os fins e os valores constituídos no âmbito do mercado dasociedade vista como um vasto e complexo espaço de trocas. Esse'é oreino da racionalidade instrumental, em que também o indivíduo serevela adjetivo, subalterno. "A raLão universal suposlamcnte ahsolul<l rchaixou-sc II mcra racionalidadc funcional. a scrviço do processo de valorização do dinheiro.quc não lcm sujcito. até <lalUal capitulação incondicional das chamadas das 'ciênciasdo espírilO'. O univcrsalismo ahstrato dá razão ocidental revelou-se como mcro rcl1cxoda ahstração real ohjctiva do dinheiro"IIO).

(9) Max lIorkhcimcr. Eclipse da Razãu, tradução dc Sehastião tlchoa Leitc. EditorialLahur do Brasil. Rio de Janciro, 1976, p. 139. Consullar tamhém:Thcodor W.Adurnu e Max Uorkheimer, Dialética do Esclarecimento (Fragmcntos Filos<Í-fi(;os), tradução de Guido Antonio de Almeida, Jorge Zahar Editor. Ri,', de Janeiro19H5. "

, (IO)Roherl Kurz, O Colapso da Modernização, tradução de Karen Elsahe BarhosaEditora Paz e Tcrra. São Paulo. 1992, p. 239. '

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Na metáfora da nave espacial esconde-se a da "Torre de Babel" .A !\avepode ser babélica. Um espaço caótico, tão babélico que os indi-víduos singular e coletivamente têm dificuldade para compreender quese acham extraviados, em declínio, ameaçados ou sujeitos à dissolução.

I:, "No início tudo estava numa ordem razoável na construção da Torre de Babel;tal'>lez a ordem fosse até 'excessiva, pensava-se demais em sinalizações, intérpretes,alój~mentos de trabalhadores e vias de comunicação, comõ se à frente houvesse séculosde \ivres possihilidades de trahalho ... O essencial do empreendimento lodo é a idéi:i deconstruir uma torre que alcance o céu. Ao lado dela llIdo o mais é secundário. Uma vezapr~endida na sua grandeza, essa idéia não pode mais desaparecer; enquanto existiremhomens, existirá também o forte desejo de construir a torre até ri fim ... Cadanacionalidade queria ter o alojamento mais honito; resultaram daí disputas queevoluíram até lutas sangrentas. Essas lutas não cessaram mais ... As pessoas porém nãooCllJ>3vamo h:mpo apenas com batalhas; nos intervalos embelezava-se a cidade, o queentretanto provocava nova inveja e novas lut~s ... A isso se a:resccnlOu que já.a scgun~~ou terceira geração reconheceu o sem sentido da construçao da torre do ceu. mas ja

est~vam todos muito ligados entre si para abandonarem a cidadc"(11) .•1' A Babel escondida no emblema da nave espacial pode revelar ainda

mais nitidamente o que há de trágico no modo pelo qual se dá aglóbalização. Nesta altura dahistória, paradoxalmente, todos se enten-deh:t. Há até mesmo uma língua comum, universal, que permite ummínimo de comunicação entre todos. A despeito das diversidadescivilizatórias, culturais, religiosas, lingüísticas, históricas, filosóficas,cié'ntíficas, artísticas e outras, o inglês tem sido adotado como a vulgatada: globalização. Nos quatro cantos do mundo, esse idioma está nom~rcado e na mercadoria, na imprensa e na eletrônica, na prática e nopensamento, na nostalgia e na utopia. Éo idioma do mercado universal,do'intelectual cosmopolita, da epistemologia escondida no computador,dJ Prometeu eletrônico. "O inglês tem sido promovido com sucesso e tem sidoavidamente adotado no mercado lingüístico glohal. Um sintoma do impacto do inglêsé olempréstimo lingüístico. O inglês se impõe a todas as línguas com as quais entra em

writacto" (121.

(11)Franz Kafka, "O Brasão da Cidade", tradução de Modesto Carone, Folha de SãoPaulo. São Paulo. 3 de janeiro de 1993, p. 5 do caderno "Mais".

(14) Robert Phillipson, Linguistic Imperialism, Oxford University Press, Oxfor.d, 1992,p 7. Consultar tambéJll: Claude Truchot, L 'Anglais dans le Monde Contemporain,Le Robcrt. Paris, 1990.

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De repente, nessa nave espacial, uma espécie de babel-teatro-mundi, instala-se um palhas surpreendente e fascinante. Arrasta uns eoutros numa travessia sem fim, com destino incerto, arriscada a seguirpelo infinito. Algo inexorável e assustador parece ter resultado doempenho do indivíduo, singular e coletivo, para emancipar-se. A razãoparece incapaz de redimir, depois de tanta promessa. Mais que isso, ocastigo se revela maior que o pecado. A utopia da emancipaçãoindividual e coletiva, nacional e mundial, parece estar sendo punida coma globalização tecnocrática, instrumental, mercantil, consumista. Amesma razão que realiza o desencantamento do mundo, de modo aemancipá-lo, aliena mais ou menos inexoravelmente todo o mundo.

Vistas assim, como emblemas da globalização, as metáforasdesvendam traços fundamentais ~as configurações e movimentos dasociedade global. São faces de um objeto caleidoscópico, delineandofisionomias e movimentos do real, enlblemas da sociedade globaldesafiando a reflexão e a imaginação.

A metáfora está sempre no pensamento cientí \ico. Nfioé apenas umartifício poético, mas uma forma de surpreender o imponderável, fugaz,recôndito ou essencial, escondido na opácidade do real. A metáfora. combina reflexão e imaginação. Desvenda o real de forma poética,mágica. Ainda que não revele tudo, e isto pode ser impossível, semprerevela algo fundamental. Apreende uma conotação insuspeitada, um.segredo, o essencial, a aura. Tanto assim que ajuda a compreender e. explicar, ao mesmo tempo que capta o que há dedram;'ilko e épico narealidade, desafiando a reflexão e a imaginação. Em certos casos, a. metáfora desvenda o palhas escondido nos movimentos da história. -

Talvez se possa dizer que as metáforas produzidas nos horizontesda globalização entram em diálogo umas com as outras; múltiplas,plurais, polifônicas. Uma desa\iaeenriquecea outra, conferindo novossignificados a todas. É também assim que a sociedade global adquirefisionomiae significados. Desde uma realidadeconiplexa, problemáticae caótica, desencantam-se os sentidos, desvendam-se as transparências.

De met~fora em metáfora chega-se à fantasia, 'que ajuda areencantar o mundo, produzindo a utopia. Além doclue tem de próprio,

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[1•.;';"'.'1J. J"-. • • •'a .•.' nseco, significado e slgmficante, a utopia reencanta o real proble-~i,ilãtico, difícil, caótico. Ma~ ~utopia não.é nem tr~~scrição nem ?ega~ão~~~iatas do real pr?blematlco. Ex~rclza o caotlco pela ~ubh~a~~o.~fimação do que Já se acha sublimado na cultura, no Imagmano,':põlifonia das metáforas que povoam as aflições e as ilusões de uns eoutros.. Esse é o horizonte em que se formam e conformam as utopiasflorescendo no âmbito da sociedade global, de modo a compreendê-Iae exorcizá-Ia. Podem ser cibernéticas, sistêmicas, eletrônicas, pragmá-ticas, prosaicas ou tecnocráticas. Também podem ser românticas,nostálgicas, desencantadas. niilistas ou iluministas.

Faz tempo que a reflexão e a imaginação sentem-se desafiadas parataquigrafar o que poderia ser a globalização do mundo. Essa é uma buscaantiga, iniciada há muito tempo, continuando no presente, seguindopelo futuro. Não termina nunca. São muitas as expressões que denotam.essa busca permanente, reiterada e obsessiva, em diferentes épocas, emdistintos lugares, em diversas linguagens: civilizados e bárbaros,na'tivos e estrangeiros, Babel e humanidade, paganismo e cristandade,Ocidente e Oriente, capitalismo e socialismo, ocidentalização domundo, Primeiro, Segundo, Terceiro e Quarto Mundos, norte e sul,mundo sem fronteiras, capitalismo mundial, socialismo mundial, terra-pátria, planeta Terra, ecossistema planetário, fim da geo~rafia, fim dahistória.

São emblemas de alegorias de todo o mundo. Assinalam ideais,horizontes, possibilidades, ilusões, utopias, nostalgias. Expressaminquietações sobre o pr.esente e ilusões sobre o futuro, compreenden~omuitas vezes o passmto. A-utopia pode ser a imaginação do futuro, assimcomo a nostalgia pode ser a imaginação do.passado. Em todos os casosestá em causa o protesto diante do presente, ou o estranhamcllto em faceda realidade.'

Em geral, a utopia e a nostalgia florescem nas épocas em que seacentuam os ritmos das transformações sociais, qua ndo se mu Itipl icamos desencontros entre as mais diversas esferas da vida sócio-cultural,. bem como das condições econômicas e políticas. São épocas em que os

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desencontros entre o contemporâneo e o não-contemporâneo, acen-tuam-se, ,aprofundam-se. Esse é o contexto em que a reflexão e aimaginação jogam-se na construção de utopias e nostalgias.

Mas umas~ outras não se apagam de um momento para outro. Aocontrário, permanecem no imaginário. Transformam-se em pontos dereferência, marcas no mapa histórico e geográfico do mundo. Inclusivepodem recriar-se com novos elementos engendrados pelas configura-ç<iese movimentos da sociedade globaL .

Esse é o horizonte em que as mais diversas utopias e nostalgiasconstituem-se como uma rede de articulações que tecem a história e ageografia do mapa do mundo. "Atlântída" não é um lugar na geografianem um momento da história, mas ~ma alegoria da imaginação. Ela semantém escondida na rede de utopias e nostalgias que povoam omundo.Mudou de nome, adquiriu outras conotações, traílsfigurou-se. Mascontinua um emblema excepcional do pensamento e da fabulação."Babel" também não é um logar na geografia nem UIII Jllomento dahistória. Flutua pelo tempo e <> espaço, ao acaso de imaginação de unse outros, povoando as inquietações de muitos. Diante dos desencontrosque atravessam o tempo e. o espaço, quando se acentuam as não-contemporaneidades, quando de repente tudo se precipita, abalandoquadros de referência, transformando as bases sociais e imaginárias denosso tempo, dissolvendo visÕes do mundo, nessa época até mesmo aalegoria babélica permite a ilusão de um mínimo de articulação.

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II

As Economias-Mundo

A HISTÓRIA nwderna e contemporânea pode ser vista como umahistória de sistemas coloniais; sistemas imperialistas, geoeconomias egeopolíticas. Cenário da formação e ex~ansão. do~ mercados, daindustrialização, da urbanização e da oCldentahzaçao, envolvendonações e nacionalidades, culturas e civilizações. Algumas das naçõesmais poderosas, em cada época, articulam col,ôl~ias,protetorad~s outerritórios em conformidade com suas estrateglas, geoecononllas egeopolíticas. As guerras e revoluções povoam largamente essa ~istória,revelando articulações e tensões que emergem e desdobram oJogo dasforças sociais "internas" e "externas" nas metrópoles, nas colônias,nos protetorados, nos territórios, nos entrepostos, nos e]lclaves e ,nas nações dependentes.

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Éclaro que a história moderna e contemporânea está pontilhada d~países, sociedades nacionais, Estados-nações, mais ou menos desenvol-vidos, articulados, institucionalizados. Ao longo da história, conformeocorre depois da Segunda Guerra Mundial, a maioria dos povos de todosos continentes, ilhas e arquipélagos está filiada a estados nacionaisindependentes. E esta tem sido uma constante nas ciências sociais: ahistória moderna e contemporânea tem sido vist;] como uma histórÍ;] desociedades nacionais, ou Estados-nações. Muitos cientistas sociaisdedicaram-se e continuam a dedicar-se às relações internacionais,diplomáticas, colonialistas, imperialistas e às descolonizações, àsdependências e interdependências. Mas no pensamento da maioria tendea predominar O emhlema do Estado-nação. Os prohklllas com os quaisS(; preocupam, aos quais dedicam.pesquisas, interpretaçües e dehates,re/acionam-se principalmente com a formação, organização, ascensão,ruptura ou declínio do Estado-nação, sob seus diversos aspectos.

Cada vez mais, no entanto, oque preocupa múitos pesquisadoresno século XX, em particular depois da Segunda Guerra Mundial, é oconhecimento das realidades internacionais emergentes, ou realidadespropriamente mundiais. Sem deixar de continuar a contemplar asociedade nacional, em suas maí"s diversas configurações, muitosempenham-se em (~.;svendar as relações, os processos e as estruturas quetranscendem o Estado-nação, desde ós subalternos aos dominantes.Empenham-se em desvendar os nexos políticos, econôlIlicos,gelH:conlJmicos, geopolíticos, culturais, religiosos, lingliíslicos, étni-cos, raciais e todos os que articulam e tensionam as sociedadesnacillllais, em f1mbitointernacional, regional, mullinacional,lransnacionmou mundial.

A idéia de "economias-mundo" emerge nesse horizonte, diantedos desafios das atividades, produções e transaç(j(;s que ocorrem tantoentre as nações como por sobre elas, e além dessas, mas sempreenvolvendo-as em configurações mais abrangentes. Quando o pesqui-sador combina o olhar do historiador com o do geógrafo, logo reve-lam-se configuraçi"les e movimentos da realidade social que transcendcnlo felldo, a província e a na<;ão, assim C0ll10 transcendem a ilha, o

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~ii

arquipélago e o continente, atravessando mares e oceanos.O conceito de economia-mundo está presente .em estudos de

Braudel e Wallerstein, precisamente pesquisadores que combinamDluito bem o olhar do historiador com o do geógrafo. É verdade queWallerstein prefere a noção de "sistema-mundo", ao passo que Braudela de "economia-mundo", mas ambos mapeiam a geografia e a históriacom base na primazia do econômico, na idéia de que a história seconstitui em um conjunto, ou sucessão, de sistemas econômicosmundiais. Mundiais no sentido de que transcendem a localidade e aprovíncia, o feudo e a cidade, a nação e a nacionalidade, criando erecriando fronteiras, assim como fragmentando-as ou dissolvendo-a:-..Eles lêem as configurações da história e da geografia como umasucessão, ou coleção, de economias-mundo. Descrevem atenta eminuciosamente os fatos, as atividades, os intercâmbios, os mercados,as produções, as inovações, as tecnificações, as diversidades, as desi-gualdades, as tensões e os conflitos. Apanham a ascensão e o declíniodas economias~mundo. Mostram como Veneza, Holanda, Inglaterra,França, Alemanha, Estados Unidos, Japão e os demais países oucidades, cada um a seu tempo e lugar, polarizam configurações emovimentos mundiais. Permitem relero mercantilismo, o colonialismo,o imperialismo, o bloco eéonômico, a geoeconomia e a geopolítica emtennos de economias-mundo. Reescrevem a história do capitalismo,como no caso de Wallerstein, ou a história universal, como no deBraudcl, em conformidade com a idéia de economia-mundo.

Vale a pena precisar um pouco os conceitos, nas palavras de seusautores. Logo se evidenciam as originalidades de cada um, bem como.~...,....as recorrências reciprocas.

Vejamos inicialmente o conceito de "economia-mundo" de acordocom Braudel;. .

"Por ecollomia mundial entende-se a economia do mundo glohalmente conside-rado, 'o mercado de lodo o universo', como já dizia SismomJi. Por economia-mundtl,termo que forjei a partir do':llemâo Wellwirt.\'cIlaft, entendo a economia de uma porçãodo nosso planeta somente, desde que forme um todo econômico. Escrevi, já há muitotempo, que o Me(lilCrrâneo no século XVI era, por'si SÔ, uma ... economia-mundo, 011

como lamhém se poderia dizer, em alemão .. .'um mundo em si e para si'. lima

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economia-mundo pode definir-se como tripla realidade:• Ocupa .um determinado espaço geográfico; tem portanto limites, que a expli-

. cam, e que variam, embora bastante devagar. De tempos a tempos, com longos inter-valos, há mesmo inevitavelmente rupturas. Foi o que aconteceu a seguir aos Descobri-ment?s do final do século XV. E foi o que acont.eceu em 1689, quando a Rússia, pormerce de Pedro, o Grande, se abriu à economia ellrQpéia. Imagincmos uma franca, lOtaic dcfinitiva ahertura das economias da China'e da U.R.S.S., hojc (1985): dar-se-ia.cntão. uma ruptura dos limites do espaço ocidental, tal como atuaJmente existe... ..

.• Uma ec~momia-mundo sulllllete-se"':r'um pólo, a um centro, representad;) poruma CIdade donunanle, outrora um Estado-cidade, hoje uma grandc capital. uma gr:niUccapita! econÍlmica, entenda-se (nos Estados Unidos. por ex~mplo. Nova Iorque e nãoWashmgton). Aliás. podem coexistir. e até de forma prolongada. dois centros. numamesma cconomia-mundo: Roma e Alexandria, no tempo de Augusto. e de AntÍlnio cClc"patra. Vencza e Gênova. no tempo da guerra peJa posse de Chioggia (1378-1381),Londres e Amslerdão. no século XVIII, antes da climinação definitiva da Holanda. Équc um dos ccntros acaha scmpre por ser eliminado. Em 1929. o centro do mundopassou assim, hcsitante mas inequivocamente. de Londres para Nova Iorque.

• Todas as economias-mundo se dividem cm zonas sucessivas. Il;í o coração. istoé. a zona quc se estcnde em torno. do centro: as Províncias Unidas ncm todas. porém.quando. no século XVII. Amsterdão domina o mundo; a Inglatcrra (não toda). quandoLOllllres. a partir de I7HO. suplantou definitivamcnte Amstcrdão. DC(iois. vêm as zonasintcrmédias à volta do eixo central c, finalmente, surgcm-nas as margcns vastíssimasquc .. ~la divisão do tra~alho que caracteriza uma cconomia-mullll0, mais do quepartlClpantcs são sUhordllladas e dcpendentes. Nestas zonas pcriféricas, a vida doshomcns faz lemhrar freqiientemente o Purgattírio (lU o Inferno. E isso explica-sesimplcsmente pela sua situação geográfica" (11.

Cabe agora refletir sobre o conceito de "sistema-mundo" ,a partirdas expressões de Wallerstein:

"Um sistcma mundial é um sistema social. um sistcma quc possui limitcs,cstrutura. grupos. memhros, regras de legitimação e cocrência. Sua vida resulta dastilrças conflilanles que o malllêm unido por lensão e o desagrcgam. na mcdida em quecada um dos grupos husca sempre Icorganizá-Io em seu henefício. Tcm as caractcrís-

(I) Fernand Braude!, A Dinâmica do (àpitalismo. tradução de Carlos da Veiga Ferreira2' edição, Editorial Teorema, Lisboa. 1986, pp. 85-87. A primeim edição do origin~iem francês é de 1985. Consultar também: Fernand Braudel, o Mediterrâneo e oMundo Mediterrâneo 1/{/ Época de Felipe 1/,2 vols., Martins Fontcs Editora, Lishoa,1984; sem indicação dn tmdutor. A primeira edição do original em francês é de 1966.Fernand Braudel. Civilisation Matérie/le. Économie et Capitalisme. XVe-XVlIleSihle. 3 vols .. l.ihrairic Armand Colin. Pàris. 1979.

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ticas de um organismo, na medida em que tem um tempo de vida durante o qual suascaracterísticas mudam em alguns dos seus aspectos, e permanecem estáveis em oulros .Suas estruturas podem definir-se como fortes ou débeis em momentos diferentes. cmtermos da lógica interna de seu funcionamento~' ( .•. ) Até (J momento só têm existido duasvariedades de tais sistemas mundiais: impérios-mundo, nos quais existe um único sistemapolítico sobre a maior ~arte da área, por mais atenuado que possa estar o seu controleefetivo; e aqueles sistemas nos quais tal sislema político único não existe sobre toda ouvirtualmente toda a sua extensão. Por conveniência. e à falta de melhor termo. utilizalllliso termo 'economias-mundo' para definir estes últimos. ( ... ) A peculiaridade do sistemamundial moderno é que uma economia-mundo tenha sobrevivido por quinhentos anose que a.inda pão tenha chegado a transformar-se em um império-mundo, peculiaridadeque é o segredo da sua fortaleza. Esta peculiaridade é o aspecto político da forma. dcorganização econ6mica chamada capitalismo. O capitalismo tem sido capaz de florcsccrprecisamente porque a economia,mundo continha dentro dos seus limiles não um. masmúltiplos sistemas politicos" (2).

É claro que o pensamento de Braudel e Wallerstein distinguem-sesob vários aspectos; tanto no que se refere ao universo empírico comono relativo ao enfoque teórico. Braudel propõe uma espécie de teoriager'al geo-histórica, contemplando as mais diversas configurações deeconomias-mundo. E está influenciado pelo funcionalismo origináriode Durheinl e desenvolvido por Simiand e outros, combinando história,sociologia, 'geografia, antropologia e outras disciplinas. Ao passo queWallerstein debrüça~se sobre o capitalismo moderno, apoiando-se emrecursos metodológicos muitas vezes semelhantes aos do estruturalismo ~.marxista.

As análises de Braudel são principalmente historiográficas egeográficas. Contemplam os acontecimentos, macro' e micro, locais,provinciais, nacionais, regionais e internacionais, tendo em conta as

,(2) Immanuel Wallerstein. El Modemo Sistema Mumtia[ (La Agricultura Capitalista y

los Origines de la Economia-Mundo Europea en el Sigla XVI), tradução de AntonioResines, Siglo Veintiuno Editores, México. 1979, pp. 489-491. Consultarlamhéll1:Imll1anuel Wallerstein, El Moderno Sistema Mundial (li. EI Mercantilismo y laConsolidación de la Econlllniá-Mundo Europea 1600-175), tradução de Pilar LúpezMaiiez, Siglo Veintiuno Editores, México, 1984; Imannuel Wallerstein, TIleModem World-System III (The SecondEra of Great Expansion of The CapitalistWorld-Economy, 1730-1840s). Acadell1ic Press,.New York, 1989.

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dinâmicas e, diversidades de espaços e tempos. A noção de "longadu ração" é bem expressiva das preocupações e descobertas de Braudel.A longa duração é algo que se apreende nas temporal idades e cartogra-fias articuladas nas tendências seculares.

..A história tradicional, atcnta ao tcmpo Im:vc, ao indivíduo, ao cvento, hahi-Ioltl.nos há Illuito tempo a sua narrativa prccipitada, drandlica, de l"lego curto. A nOValii~l'-'ria econllmica e social põe no primeiro plano de sua pesquis;) a oscilação cíclicae assenta sohre sua Juração: prendeu-se à miragem, t;onhém à realiJade das suhidasc descidas cíclicas dos preços. Hoje, há assim, ao lado do relato (ou do 'recitativo'tradicional), uni recitativo da conjuntura ljue p(ie emljUeSlão o passado por largas falias:dez, vinte ou cinqiíenta anos. Bem além desse segundo recitativo, silua-se uma Iiisl<;riade respiração mais contida ainda, e, desta vez, de amplitude secular: a história de longa,L' ulesmo, de longuíssima duração. ( ... ) Além dos ciclos ~ inlcrciclos, h;í o que os'Tooomislas chamam, sem estudá.I;I, sempre, :1 lendénci;1 sendal': Mas ela aindaiotnessa apenas a raros economistas e .~uas~onsideraç(ies sohre as crises estnuurais,n,io lendo sofrido a prova das verificações históricas, se apresentam como eshoços oUhipúlo:ses, apenas enterrados no passado recente, até 1929, quanJo Inuito até o ano de1X70. Entretanlo, oferecem útil introdução il história de longa duração. São umaprimeira chave. A segunda, belJ1maisútil, é a palavra l'slmlllrtl. Boa oum;í, ela domiuaos prohlemas da lon!!a duração. Por l'Slru/llm, os ohservadores do social cntendelllumaorganização, uma coerência, relações bastante fixas entre realidades e massas sociais.Para luis, historiallores, uma estrutura é, sem dúvida, arliculação. arquitetura. porémmais aillda, uma realidade que o tempo utiliza mal e Veicula mui Itlllgamente. Cenasestruluras, por vivt:rem muito tempo, tornam-se elementos cstávcis de uma infinidadede gcraç,ies: alravancam a histcíria, incomodam-na, porlanto, cOlnallllam-lhe o esCll-amcnlo. Outras est:1l1mais premIas a se esfacelar. Mas todas são, ao nlesmo lempo.snstent,ÍLulos e ohst;ÍLolos. Obst;ÍLulos, assinalam-se como limilL'S (cnvolvcnles, noS\'luido matcm;')tit:o) dos qnais o homem e suas experiências n;io podem lihertar.se.I','nsai na dificuldade enl quebrar certos quaLlí'os geogr;ílíws. cc rias realida,1i:shiol'-'git:as, ecrlos limiles LIa produtividade, até mesmo eslas <lUaqlll:las eoerç ••esespil ituais: os quadros mentais tamhém são prisões <le longa i1ur;I~';io"(3),

Ao passo que Wallcrstein focaliza prioritarialllelll<.: a anatolllia <.:adi Iltll11ica das r<.:alidad<.:scconúlIlicas c poHticas do capilal iSllIo 11\00!t:rno,qlll: dellomi lia de capilal ismo 11istôrico. Siio rcal idadl:s vistas cm fllllbilo

(l) I'crn:!llll IIraudel, 1:'srrillls .'101m' fi lIis/tiria. tradução dc J. <ininchurg e TerezaCristina Silveira da Mola, Editora Perspt:t:liva, São Paulo, IlJ7X, pp. 44 e 4().50;,'ilaç<ies do ensaio "li istúri:1 e Ciências Sot:iais: a '-on!!a J)ura~',io", pp. 41-7X.

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nacional e internacional, compreendendo colonialismos, imperialis-mos, dependências, interdependências, hegemonias, tensôes e confli-tos. Esse o contexto das guerras e revoluções, destacando-se em especialos movimentos anti-sistêmicos. Vejamos, pois, a dinâmica da econo-mia-mundo, conforme escrevia Wallerstein em 1983:

"O capitalismo histÍlriw funcionava numa ewnomia-mundo, mas não lIunlEstado-lIlundo. Muito pelo conlrõírio. Como vimos, as press()es t:slruturais militaramcontra qualqucr editicação de um Estado-nllnldll. Neste sistema, suhlinh;nllos o papeldecisivo dos múltiplos ESlados - estruturas políticas :ISmais poderosas e, ao mesmotempo, como poder limitado. Por isso, a reestruturação de detcrminado Estadorepresentava. para a lilrça L1etrabalho. o c:nninho mais promissor para melhorar suaposição e. ao mesmo tempo, um caminho de valor limilado. Devemos wmeçar com oque entendemos por movimentos anti-sistêmicos. A expressão implica algum impulsocolt:tivo de uma natureza mais que momenl,inca. De 1:110, é claro que ocorreramprotestos ou levantes um tanto espontiuu:os da força de Irahalho, cm lodos os siSll'nlashistóricos conhecidos. Serviam como válvulas de escape para uma raiva contida; ou.por vezes, um pouco mais efica7.íllellle. como mecanismos que colocavam Iilllitesmínimos aos processos de exploração. Mas, falando genericamente, a rehêlião COllltltécnica s() funcionava às margens da autoridade centr;II, e principalmente quando asburocracias centrais cstavam em fase 'de desintegração. ( ... ) Quando as duas variantcsde movimentos anti-sistema se difundiram (os movimentos trabalhislas-socialistas, a.partir de poucos Estados fortes para todos oS outros, c os movimen!l)s nacionalistas.de poucas zonas perif~ricas para todo o resto), a difert:nça entre os dois tipos demovimento tornou-se cada vez mais indistinta. Os movimcntos trahalhistas-socialistasdescohriramque os lemas nacionalistas eram decisivos para seus esforços de mohili7.:lçãoe para seu' exercício do poder no Estado. ( ... ) Uma das forças dos IlIovimentos anti.sistcma era o 1:I!ode que chegaram ao poder em grande número de ESlados. Isso altewnas políticas vigentes no sistema nllllldial. Mas essa força foi também uma fraqueza, visloljue os chamados regimes pt'ls-revolucion;írios continuavam a funcionar como se fossepara a divisão social"tm-k:lbal.ho do capitalismo histórico. Operavam aí, a contra!!osto,soh as pressfles inllexíveis da direção par:1 a acumulação in!ermin;ívei do capital" ('I.

Note-seque para WaJlcrstein a "cconomia-mundo" est{, organiza-da com hase noqueele prúprio denomina "capitalismo hislúrico", () que~arx havia denominado simplesmente "capitalismo" ou "\lIodo capi-

(4) Immanuel Wallerstein: U Ci/pilll/i.ww l/i.l'/lÍrico, tradução de Denise BOllmann.Editora Brasiliellse. São Paulo',1985. pp. 55-56,60 e 60-61, Note-se que a primciraeJi~'ão em inglês data de J 9H3.

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talista de produção" e Weber denominara "capitalismo moderno". Asua originalidade está em reconhecer que o capitalismo expandiu-secontinuamente pelas mais diversas e distantes partes do mundo, o quedesafia o pensamento científico no século XX, particularmente nasciências sociais. Ainda que nem semprecontell1ple as inlerpretações quehaviam sido desenvolvidas por Marx e Weber, no que é acompanhadopor Braudel, oferece sugestões im~tantes para a análise das caracte-rísticas do capitalismo como economia-mundo: "Na his(,íria Illodcrna,-asreais fronlciras ulllllinmJlCsua economia-mulll!o capitalista cxpandiram-sc intcnsamcn-IC desue as suas origens no século XVI, de tal maneira que hoje das cohrem loda aTerra ... Uma economia-mundo é constituída por uma rede de processos produlivosinterlig;Il!OS,Ilue podcmos denominar 'cadeias de merc;ldorias', de lal forma quc, paraqualqucr proccsso de produção na cadeia, há cerlo número de vínculos para adiantc epara (r;ís, dos quais o processo em causa e as pessoas nele cnvolvidas depcndem ... Ncstacadcla de:merc;ldorias, al'lieulada por laçus que se cruzam, oiprodu~:~oestá hascada noprincipio da maxinllzaç;io da acumulação do capital" (oi.

É óbvio que a ec(momia-mum!o capitalista esl<í permeada' deeconomias-mundo menores ou regionais, organizados em Illoldescoloniais, imperialistas, geoeconômicos e geopolíticos. Ao longo dahistória da economia-mundo capitalista houve e continua a haver aascensão e queda de grandes potências, como centros dominantes deeconomias-Illundo regionais. "DesdI:: o século XVI. sucedcm-se ecooomias-nllllldo de maior ou mcnor envergadura e duração, cculradas Cln lorno UCI'orlug'al,Espanha, Holanda, França, Alemanha, Rússia (cm algumas décadas do século XXtamhém União Soviélica). Inglaterra, Japão. Estados Unidos. Ali;ís. II;ISúltimas décadasdo sl~culoXX já sc prenunciam outros arranjos dc economias.mundo rcgionais. no fimhiloda cconomia-mundo capilalisla de alcance glohal. Nesta época já se cshoçam econnmias-mundn regionais polilrizadas pelas seguintes organizaçües ou naç(;es: União Européia,com alguma inlluénciil no lesle europeu'e ampla ilscclllléncia sohrc a ÁfriC:l; ESlados(Inidos, com ampla inllul:ncia em lodas as Américas. do Colllad,íao Chile, naluralnll:ntccomprcendendo ti Carihc; Japão. com ampla inlluéncia nos países asi;ílicos do Pacífico.cOlllprccndcndotamhém a Indonésia c a Austrália; a Rússia, polarizando iIComnnidade

(5) Ilnmanut:l Wallcrslcin. The Polilic.r oI lhe Wor/tl-Erono/ll)' (Thc Slalcs. lhcMovemcnts and lhe Civilizations), Camhridge Univcrsity Press. Çilmhridge, (988.pp.2-3; citação do capo I: "World Nelworks anti the Politics oI' the World-Feonomy" .

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de Eslados Indcpendentes (CEI). ainda muito mohilizados na transição de eCllllllllllasnacionais com pl,lI1ej,lInentoeconômico cenlralizado para economias lIaci.onais demercado aherlo. É plOvávcl que a China se lorne o cenlro dc outra ecollolllla~mlllUloregional. não sú no conlnlponlo Japão-Rússia. mas tamhélll inte~li:.rilldono Jogo dc.interesses de outras cconomias-lIIumlo rcgionais já presentcs lia ASlil, com" a IImtc-, americana c a européia. Naturalmcnte essas econolllias-mundoregionaiscncolllralll-se cmdiferentes cSlágios dc organização e uinamização; indusivl; intcrpenctriln(lo-sci1sVelCS

amplamcntc. O Jilpão tcm invcSlimcnlosellllllllras regiücs. assim COlllonaEu~'opac nosEstados I'niuos. N,ls 1I1limilSdécadilsdo século XX. os contornos das cconomlas.m\IIUIIl

regionais cstão mais ou mcnos I,shoçados, lIIas não parccem consolitla~los"(O).

Essa impressão revela-se ainda mais acentuada devluo ao fato ~eque desde o término da gucrra fria, quando ~c desagrega a .c~onOlllla-mundo socialista, o mundo como um todo deIXOU de estar rlgtdamcnlepolarizado entre bloco soviético ou comunista, por um lado, e hloconorte-americano ou capitalista, por outro.' .' ..

Todo esse cenário, Ulll pouco real e um pouco 11llag lIla no,obviamente é também um cenário de confluências e tensües, acomoda-ções e contrauições. S~o processos que já se esboçam en~ algunsrecantos desse novo e surpreendente mapa do mundo em formaçao desdeo término da guerra fria; lima mapa do mundo em que se estãodesenhando váriaseconolllias-mundo regionais no âlllhilo de umaeconomia-mundo capitalista global. . '

Mas a economia-mundo capital ista, seja de alcance regional, sejade alcance global, continua a articular-se com base no Estado-~laçã.o.Ainda que reconheça a il1lpo~tância das corporações transnaclowus.Wallerstein reafirma a importância do Estado-nação soberano, mesl1lOque essa soberania seja limitada pela interdepe~dência dos Estadosnacionais e pela preeminência de um Estado maIs forte sohre outros.Cabe reconhecer, diz ele, que "a superestrulura da economia-mundocapilalisla é um sislema de :stados ~ntcrdependenl:s. sis~en~, cs~e H.O ~1I~1.asestruturas polílicas denomllladas Estados .soher.aJ~o~ S.IO Icg I,tIIll.ld,I S . ~

delimiladas. Longe de significar lotai alllOnOmla dcclsona, o termo soherallla

. '(6) Jacqucs Auali. MiLenio, lrad~ção de R. M. Bassols, Scix BarraI. Barcelona, 19\)1;

I "1 Thurow Head 10Hel/ll (The Coming Econonllc Batllc Amon!;Japa", EUlopc.cs er • 19<.12anti Amcrica), Willíam Morrow and Comp.IIlY.Ncw York. .

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na realidade i,.nplica un!~ autonomia formal, combinada COIll limitações reaisde~ta a~t.on(lJl1Ia, ? que e nnplcmentado simu!taneamellle pelas regras explícitase nnphcllas .do sistema de Estados intenlependentcs e pelo poder de Olllros~stados do SIstema, ~enhum Estado no sistema, nem mcsmo o mais poderosoem da?o momemo, e totalmeme autônomo, mas obviamcnte alguns desfnllamde maIOr autonomia quc outros" (7).

, Cabe r~conhecer, no entanto, que a soberania do Estado-nação nãoesta ~et~d~ sImplesmente limitada, mas abnlada pela hase, Quando scIe\'~\ as ultlll1a~ conseqüências "o princípio da Illaxilllização da aculllu-I:u;ao ~Io capllal", isto se traduz em desenvolvimcnto intcnsivo ccxtcn~lvo das forças produtivas e das relações de produção, em escalalI~undra,I.,Desenvolvem-se relações, processos e estnJllll'as de domina-(;ao .p~)J~IIC;1e apropriação econômica em âmbito global, atravessaúdo1L',r::I[(:nos_c frontc!ras, n~çõcs e nacionalidades. Tanto é assim que asOIg,II1~Z~çocs multllatcrals passallla exercer as funçües de estruturasmundlats de poder, ao lado das estruturas niundiais de poder COllstilllí-d;~:"p~l~s corporaçüe~ transnacionais, É claro que não se apagam opllllCtplO da soheral1la nem o Estado-nação, mas são radicalmentea~)alados em suas prerrogativas, tanto que se limitam drasticamente, ouslm!)lesmente, al~ulam, as possibilidades de projetos de, capitalismonaCIOnal e socla~lsmo nacional. Acontece que o capital iSIllO, enquanto~ll,(~~lo~e produça,o ep~ocesso civiliz.atório, cria e recria o Estado-nação,<ISSlmcomo~) pnnclplo da soberal1la que define a sua cssência. Aindaque esta entld~lde, isto é, o Estado-naçfio soberano, permaneça, ouIllesm~ Se recrie, estíí I~llldando de figura, no :illJhito das conrigllra<;ilcsc nll~VI~l1enloS da soclet!adc global. AI i:ís, Il:io é por acaso que scInllltlplJcat~l (~s~stlld.os e os dchates acerca do Estado-Jl:t~';io, enljllantõprocesso 11ISlorJ(':0e IIlvenção, lima realidade persistente e probkm(]li-

(7) 1~~lIl1anlll:~\Valkrslein. nu, /'(Ililic.r (lO"/' Wtlr""/:'(,()lItlIIIY, ciladll. p.14; cilal,':1l1do1.1p. 2: I'allerns and I'mspeclíves oI' lhe ("111I't'III"'1\V()I'II ,. "(' 1, ..• .., I' .:clllllllny , .unsl/.-1:11' .'alllhclII: IlIIlIlanucl Wallt:rslcín,. Tlu: Cilpila/i.rt' W(lf1d-!:'mlltlIllV. Call1hridgcI inll'crsllY I'rcss. Cllnhridgc 1991 esp P'II.tC /, "'/'11" 1'1'11 1','.- ,. (' I

'.. " • • t • ••.• 1.:( la I Il'S o .ore antI'l'I'lJlhery .

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ca; e que se encontra em crise no fim do século XX, quando se dá aglobalização do capitalismo (8).

Wallerstein utiliza com mais freqüência o conceito de "sistema-mundo", em geral implícito também nas expressões "sistema mundial","economia-mundo", "capitalismo histórico" e outras. Algunsde seussegu idores, ou mesmo críticos, referelll-se ao "parad igma" de Wal1erstei ncomo uma construção baseada no conceito de sistema-mundo. Ocorreque às vezes ele utiliza também o conceito de "economia-mundo" emtermos semelhantes aos de Braudel. Há mesmo momentos de suasreflexões em que os dois conceitos revelam-se intercambiáveis. Estãofundamentalmente apoiados na análise de relações, processos e estru-turas econômicos. Mais uma vez relemhram as reflexões de Braudel.Isto não significa que tanto um como o outro autor deixem de contemplaraspectos sociais, políticos e culturais. Ao contrário, esses aspectos das"economias-mundo", ou "sistemas-mundo", nas palavras de Wallerstein,são amiúde levados em conta. Em suas linhas gerais, no entanto, asreflexões de Wallerstein e Braudel priorizam os aspectos econômicos,em âmbito geográfico e históric.o.

Cabe acrescentar, no que se refere à noção de "sistema", ou."sistema mundial", que já se acha incorporada a teoria sistêmica dasrelações internacionais e da sociedade mundial. A "teoria sistêmica" domundo, .ou a visão sistêmica das relaçües internacionais, dotransnacionalislllo ou da Illundialização, corresponde ~uma abordagemfuncionalista de base cibefllética, na qual sobressaem atores indivi-duais, coletivos ou institucionais, compreendendo opçües c decisõcsracionais com relação a fins, ohjetivos ou valores definidos em termospragmáticos, reléic1r511adosà definição de posições, conquista de vanta-gens ou afirmação de hegemonias. Trata-se deum enfoque prioritari:Ullentcsincrônico, compreendendo o cenário internacional ou mundial em termosde agentes concebidos como atores em um todo sistêmico. Assim, é uma

(8) Joscph A, Call1illeri e Jim Falk. n/e End II(Sovereigllly? (Thc Polilics 01'a Shrinkingand Fragmenling Wnrld). Edwar Elg<lr Puhlishing, Adershnl, England. 19\12;Bernardo Kliksbcrg, Olmo Trlllu(ormar 11/ ESlado.? (Más Aliá de M ilos y Dogmas).Fondo lIc Cultura Econúmica, México. 1993,

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conceituação distinta daqucla presente nas noçües de "sistema-Illundo" ou"econo~llia-m~nd.o" com as quais trabalha Wallerstein. Por isso, pode serconvemcnte pnonzaroconceitode "economia-mundo", quando se focalizaas contribuições desse autor. Inclusive pode ser conveniente ressalk'lr asc?ll:e~gências entre Wallerstein e Braude~, distinguindo-os da abordagemslstemlca, na qual estão presentes e são fundamcntais conccitos origináriosda cibernética ('»), .

Além do mais, as contribüiçõe,,'tle Wallerstein e Braudel conferemimportância especial à economia política da Illundialização. Distill-guem, de modo pa~ticu~arlllente atento, as peculiaridades e compl~xi-d:ldes das lecnologlas, formas de organização da produção, interdilll-11Iosenlre organizações econômicas nacionais e internacionais, polari-dades e multipolaridades, ciclos, épocas e tendências seculares dasL'C(Illl)1IIias-lIIundo. Â arl iClllação principalmente econtilllica do concei-lo de economia-lIIundo está presente inclusivc em boa parte dosL'OJlll.:nladores, seguidores c críticos de Wallerstein e Braudel. .

..As ecollolllias nacioll~,is lêlll-Sl: tornado crescclIlClllenlc illlCHlepclIdelllcs, c osl:orre/;Ilos proccssos lIe prmlllçiio,truca e circlllaçiio allqlliriralll alcallce gloh;i1. Muilas11Ilh'lslrias lIe lipolrahalho-illlcllsivas Itll1 siuo realocadas CIIIregilks com estruturas del"ustos de .Irahalho rclativalllclIle hail(as. Emhora as lIovas leclllllllgias ellfalizelll adlsJlt11llhlhdalle de fllrça de Ir;ll1alho allamellle qualificalla, elas favlln:celll os dcsellvoJ-Vllllelllos receules ua capacidaul: prouuliva em países illdllslriallllcllle avallçados. EstaIt:cslrulur;lçiill das alivid;ldes ecolIÍlmicas helleficia-se de dois falores alllallllol"oll~l!gadalllcllIl~: a r;ipida lIIuuança lecnolt'lgica e a crescenle intc~raç;io financeiratlllemaClona!. A cClIIseqiicllte divis;io internacioll;i1 do trahalho pod" hCIIl:ficiar-se das\'iIIi;I~',i.e~ rl'gi~'llais da infra.estrulma lecllolúgica, ClIlldiçitcs de nll:ITado, rcl;uJlcsIlllluSlr~als Cduna p"lílico para realizar a produçiio glohal inlegrada e as eSlralí'gias deIl/l/r/;':III/J:. A corporaç;io transnacional é o mais cllnspícuo, mas U;'141o ,'micll, agcnlc\1)'IUlicallvll nesse processo, Como Imlllanucl WaJlerslciu c OJUros ohscrvaralll. o que

(11) Klaus KUIIIT and Sidnl'Y Verh., lEuilors). 77/1' 1l/ll'fl/llliOI/II/ .)\'.11/'111 (TheorL'lic;i1hsays). I'rilll:cllll1 llllivcrsil}' I'ress, I'rillcelon. IWtl; Rohcll n, Keohalle allll.fllseph S. Nye. l'lIIl"/'r 1//11/ 11I11'fi/l'pl'l/i/I'I/U', sCClllld cdilio", lI;u"(Ier CoJliosI'uhhshers. New Ymk. 1989; George Mllllclski, l.11IIJ: Cvdl'.\" il/ lVorltll'olirin

t flliversily of Washillglon I'ress, Sea"tlle ,nul LonuolI, 1')1l7; Kall /)eulsch, AI/(i/i.;'(:til/.\" /(1'I1I("lil'.\" 1I/II'rl/III"iol/lliJ, trauução tle Maria R. Ramos ,b Silva, EditoraI inlvcrslllatlc tle Br;lsília, Brasília, 19112.

estamos lcsll:munhanuo é out rn eSl;ígio no desenvolvilllenlo ue um 'sistcma-munuo',cuja característica principal é ()escopo transnacional do capilal. ( ... ) P:lra Wallerslein,a 'econOlllia-lIlunuo' é agora universal, no sentiuo de que IOuoS os Estados nacionaisestão, em uifl:rentes graus, intl:gr<ldos em sua eslrulura central. ( ... ) Uma característicaimporl<lnte UOsistema unificado UI:WaJlerstein é o padrão de eSlratificaç;io glooal. quedivide a economia munuial em ;ircas cenlrais (hendiciárias da aculllulaç;jo de capilal).e áreas periféricas (em conslanll: desvantagl:m pelo processo ue intercâmhio uesigual).O sistema de Estados nacionais, que instilueionaliza e It:gitima a divis;jo ..centro.periferia, tamhém concretiza, por meio de uma inlrincada feUI: de rel;IlJles legais.dipiom:ílicas e militares~ a dislrihuiçiio UOfloderno cel.ltrn" (tO).

Para alguns, dentre os quai~ destaca-se Wallerstein, "hcgemonia.envolve uma situação em que os produtos de dado Estado nacional sãoproduzidos tão eficientenlcüte que se tornam largamente competitivosaté mesmo em outros Estados centrais, o que significa que esse dadoEstado nacional será o principal beneficiário do cada vez mais livre'mercado mundial" Iln.

Note-se, no entanto, que o conceito de "economia-lllundo", oueconomia mundial, sist~ma mundial, sistema econômico mundial ccapital isn10 histórico, conforme inspira as pesquisas e as interpretaçõesde Wallerstein e Brai.Jdel, está sempre relacionado COIll o emhlemaEstado-naçã(~. Ainda que seja evidente o empenho em desvendar asrealidades geográficas~ históricas e econômicas da mundialização, oEstado-nação aparece todo o tempo, como agente, realidade, parâmetroou ilusão. Esses autores acham-se, todo o tempo, comprometidos coma idéia de sodedade nacional, ou Estado-nação, como emhlema darealidade e do pensamento, ou da geografia, da história e da teoria. (~claro que reconhecem que a sociedade nacionalnâo é capaz de conteras forças da economia, política, geografia, geoeconomia, geopolítica,história, demografia, cultura, mercado, negócios etc. Reconhecem queas fronteiras são contínua ou periodicamente rompidas, refeitas,

(lO) Joseph A. Cmnilleri and .fim I';llk. 17u' l:'l/tI oI SOI'l'Tci}lllity? (Tlle l'olilics of aShrinking ;IIIU Fragmenting Wmld), Edwilrd Elgar Puhlishing I.imileu, II;III(s.England, 1992, pp. 77-71l.

(I I) Joseph A. Call1illeri anu Jilll Falk, 1111' I:'//(/ oI Sm'('f('iJ:"ily? eilallo, p. 89.

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ultrapassadas ou dissolvidas. Sabem que a nação é um fato histórico egeográfico, um processo que se cria e recria continuamente. Maspriorizam o ponto de vista nacional, o emblema Estado-nação; comouniverso empírico e teórico.

Tanto é assim que Braudel e Wallerstein, bem como muitos de seuscomentaristas, seguidores ou críticos, conferem especial atenção àscondições não sú econôlIJicas como também sociais, políticas,demográficas, geográficas, culturais e outras, em ftmbitos local enacional. Distiílguem e valorizam as diversidades e as hierarquias dasformas soc ia is de organização do trabalho e da prodlH,:ão. Reconhecemas dimensües sociais, políticas e culturais, além das econúlllicas.na produç;lo e reprodução das condições de vida na cidade e nocampo, compreendendo a cultura material e espiritual, a realidade e oimaginflrio. . .

No limite, Braudel eslá fascillado pelo lugar qlJl: a Prança podeocupar no mundo. Em toda a sua longa viagem pela geografia e históriamundiais, procura o lugar e o destino da França. Passa pelos desafiosrcpresentados pela cidades e nações dominantes, centrais, metropol ita-nas ou pólos de economias-mundo: Veneza, Amsterdã, Inglaterra,Alemanha, Estados Unidos e outras. Reconhece o momClllo e ailllp0rlftncia de cada uma, como celllro de ecoJlolllia-mundo. r-,'Iascont iJlua a procurar o lugar e ()destino da Prança nessa viagem scm fim:..Eu o digo de' uma vez por todas: amo a França com a mcsma paix,lo',exigente e complicada, de Jules Michclct" (12,. .

No limile, Wallcrstein cstá empenhado cm e'sclarccer o st:gn:do daprilllazia dos Estados I J nidos da América do Norte no 1l11IlH/Ocapilal is-ta, conformc ela se manifesta ao longo do século XX, particularmcntcdesdc a St:gunda Gunra MUlldial. ESlá rehuscalldo prt:li:ritos, antece-denlt:s ou raízes de sistemas imperialistas. Quer csclareccro vaivém dasgr<llldcs pot~ncias, como metn'>poles de sistemas ou CCOIHlIlIias-mu ndo.Debruça-se sohrc o tecido econômico, político, d~mogr;ífico, militar,

(12) I'ernallllllraudcl. /. ''''n/lilé clt' {li Fmlll'l'. Jvols., Ânhaud-I'bmmarion. Paris.I (IR(i, vol. I. n. 'i. .

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,.

I!lI'

tecnológico, cultural e ideológico que fundamenta a primazia deste oudaquele sistema ou economia-mundo.

"Oeus, parece, ahençoou os ESlados Unidos Irt:s vezes: no presente, no passad"e no fUlul'Il. Digo que assim parece porque os caminhos lIe Deus são misleriosos, e nãopretenllo estar segul'll lIe entendê.los. As hênçãos de que fato são estas: no presenle.prosperidade: no passado, lihenlade: uo fUIUro, igualdade ... O prohlema é qut: essasbênçãos lêm seu preço ... E nt:m sempre é úhvío que aqudt:s que receht:m as hênçãostêm sido os 'Iue pagam o seu preço. ( ... ) A América sempre se acredillHI excepcional.E eu aderi a essa crença ao conct:nlrar-me nas Irês ht:nç;los tlivínas. Enlrelanlo, não súa América não é excepcional, mas a excepciollalidade americana não é excepcional.Não somos o único país na hislúria nlOderna cujos pcnsadores têm prt)clll'atlo provarque o seo país é hisltlricamenle único, lIiferenle da massa lIos outros países no IIllllldo.Já encoolrei francescs exct:peionalislas, assim como russos. Ilá hindus e japoneses.italianos e portugut:ses, judeus e gregos, ingleses e húngaros exct:pcionalislas. ()excepcionalismo chint:s e egípcio é uma verdadeira marca do carált:r nacional. E oexcepciollalismo polonês compelt: com qualquer oUlro. O excepcionalismo é o lUlanodos ossos de praticamente lollas as civilízaçiics que o nosso mundo le1n produzido "(IJ).

Ainda que formuladas em linguagens diversas das adotadas porBraudel e Wallerstein, inclusive porque utilizam-se mais amplamente denoções provenientes do marxismo, Samir Amil1 e André Gunder Pranktambém podem situar~se l1a mesma corrente, Estão examinando ascaracterísticas das ecol1om ias-mu ndo, com precndendo siste masgeopolíticos, imperialismos, dependt:ncias, trocas desiguais, lutas porliberação nacional, revoluçües socialistas, As contribuições dessesautores são fundamentais para o mapt:amento das novas característ icasda economia e política mundiais. Reconhecem que as .transnacionaisdesenvolvem. se além das fronteiras geográficas e políticas, indepen-dentemente dos regimes polít icos e das culturas nacionais. Reconhecemque elas criam lIovrnr-<.!csaJios a governos, a grupos sociais. a classcssociais, a coletividades, a povos, a na«()cs e a nacionalidades, impreg-nando seus movimentos sociais, partidos políticos, correntcs de opiniãopública e meios de comunicaçües. Inclusive reconhecem que as novas

(13) Immanucl Wallerstein, ••Âmel'ica and tht: Worlll: Today, Yeslel'lIay ô1l1l1TIlIllIll'I'OW" .Thl'l/ry anti SI/dl'ty. n° 21, 1l)(i2, pp. I c 27. Tamhém: IlIllllanucl Wallcrslcin, "Thc

. USA in Tllllay's WllI'ld", CIII1II'III/wrary Marxism. 11°4. San Francisco, 1982.

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c~racterísticas do capitalismo mundial. como economias-mundo ou 11:.

s~stemas-mundo. suscitam problemas téoricos novos ainda não equa-clOnados, ~guardandoconceitos e interpretações. Deixam transparecerque as ~oç~es de soberania nacional, p.rojeto nacional, imperialismo edependencla. entre outras. não dão conta do que vai pelo mundo. !

. Mas tanto Samir Amin como André Gunder Frank continuam.ll\le~pretando as c~lJlfigurações e "OS'movimentos da sociedadc global a!)art~r da perspectiva do Estado-nação. O seu pensamento continü;' aIIls~Jrar~sc pela. tcse de qu~, no limite, podcm realizar-se proj~tosnaCIOnaiS, l~lO\'lmcntos de liberação nacional ou anti-sislêmicos. de11Illdoa reallzar-sc a emancipação popular II\).

. Nã.o se lr~ta (~enegar os fatos que expressam as realiLlades locais,naClc~n:us, regHlI1als ou mullinacionais. envolvendo conlincntes. ilhas carqlllpcJagos. () nosso século pode ser visto como lnll imenso mural dcIlIlas popularcs, gucrras entre naçcies, rcvoluções nacionais e revolu-~llcs sociais. E tudo isso cOntinua vigente e Fundamcntal no fim dcstcséculo XX. no limiar do XXI. O dilema consiste cm constatar se csl;í:)11 n.ão havendo ~ll1a ruptura histórica em grandcs proporçõcs, em:;mbllo global), asslIlalando o declínio do Estado-nação c a cmcrgência I.~c nov1o:seyo( erosos ccntros mundiais de poder, soberania e hegcmonia. !esta lIpOtese, o Estado-nação continua vigente. mas com significados '

(i1vcrsos dos que teve por longo tempo llO pcnsamento Iiberal c no tpensamento L1ealgumas correntes marxistas, scm csquccer sociais- rdcmocratas, ncolibcrais, fascistas e lIazistas.

Occ~rrc que a cconomiiHl1undo, ou sistcma-Illundo, t:lIltoda a suacompleXidade não só ecollôm ica, mas também social, p,,1 ítica e cultural,

(14) Salllir AlIlill. Gillvalllli Ani"!Ii André GIIIIll"I' 1;' .. 1111. 1111111' I W II . /• . •. t. • ,. ~. ,111111: a crSll:llI. ./'('~(III" J IIIIIIIIII'? .(I..I:SMlIuvcnlclIls Sociallx dans I'I\;OIlOlllic MOlllk).I~diliolls I.aIkCOl~vcrlc.: :i~""S.1991; Salllir Amin. La Dé{"(}(/l/l'Xillll (POlir Sortir du SYS1CIlICf':'I(~I~dlal). ~:dIIIOIlSLa Déc(~lIvl'rte.P;lris. 1986; Samir ;\llIill. L 'Elllfliredll ChIIllJ.l~dJllolIs L Ilarmall;lIl. ParIS, 1991; Anurc GlIlllkr Frank ('ril'I'I" / 11' 1JJ '11l" . . ... li 1/ rr OI (

::'~II!O/l/Y. IIclll~m;.IIl'~ Euucalional Books. Lonulln. 19RO; Allllrc Gllndcr Frallk.(rllll/lli' ({IIII 111111.(1"1111/111'(Essa}'slln DCPCllllcllcc alld /{cl'ormislll). Thc MacMillallI'rcss. 1.01111011. II)RI.

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sempre transcende tudo o que é local, nacional e regional. Repercute portodos os cantos, perto e longe. Os colonialismos e imperialismosespanhol, português, holandês, belga, francês. alemão, russo~japonês.inglês e norte-americano sempre constituíram e destruíram fronteiras.; soberanias e hegemonias, compreendendo tribos. clãs. nações e nacio-nalidades. São muitos os que reconhecem que os Estados naciollaisasiáticos, africanos e latino-americanos foram L1csenhauos. em su~quase totalidade, pelos colonialismos e imperialismos europeus, segulI-do os modelos geo-histórico e teórico, ou ideológico. configurado IIC;

Estado-nação que se formou e predominou na Europa (ISI.

O emblema Estado-nação sempre teve as características simultfl-neas e contraditórias de 'realidade geo-histórica e ficção. Na época daglobalização, e provavelmente de forma muito marcante, torna-se maisficção. Tal emblema. está atravessado por relações, processos e estru-turas altamente determinados pela dinâmica dos mercados, dadesterritórialização das coisas, gentes e idéias. enquanto a reproduçãoampliada do capital se globaliza, devido ao desenvolvimento extensivoe intensivo do capitalismo. compreendendo as forças produtivas. taiscomo o capital, a tecnologia, a força L1etrabalho e a divisão L10trabalhosocial, sempre envolvendo as instituiçcies, os padrões sócio-culturais cos ideais relativos à racionalização, proLlutiviLlaLle, lucrativiLlade,quantidade.

Sob vários aspectos. as interpretações L1eBraudel e Wal1erstcincontribuem decisivamente para o conhecimento das conFigurações emovimcntos da sociedade glohal em formação no final do século X X.É verdade que seus escritos, bem como os de seus scguidores,freqücntemcnte priorizam os sistemas coloniais e os sistcmas impcria-listas. distinguindo as grandes potências, em suas relaçõcs com as

(15) lIugh Selon-Walson. Naliolls & Stales. Mclhucn. London, 1977; ()awa Norhu.Culture UlII/lhe Polilics oI T!tird World NalionaJisl1l. Roulleuge, London. 1992;Eric R. Wolf, Ellrope UlII/llle People Willllllll HÍJlory. Universily of CaliforniaPrcss. Berkeley, 1982; Pelcr Worsley. Tlle T!tird World. The UniversilY ofChicagoPrcss. Chicago. 1964; Rolallu Oliver. A Experiência Africana, lfilllução de RcnatoAguiar. Jorgc Zahar Euilor. Rio ue Jallcirn. 1994 ..

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colônias e os países dependentes. Descrevem o contraponto centro-periferia, ou desenvolvimento-subdesenvolvimento. Focalizam a cons-tituição, os desenvolvimentos e as crises dos centros hegemônicos,mostrando como esses processos afetam não só as metrópoles mas oconjunto dos povos colonizados e dependentes. Assinalam o jogo das

. relações que associam, tensionam e contl itam metrópoles emergentes edominantes, envolvendo suas colônias e dependências. Ficam mais oumenos nítidas áS linhas mestras da emergência, transformação e crisedos sistemas polarizados pelos países metropolitanos, tais como Portu-gal, Espanha, Holanda, França, Alemanha, Bélgica, Itália, Rússia,Japão, Inglaterra e Estados Unidos. Algumas das linhas mestras dahistória dos grandes descobrimentos marítimos, continuando pelomercantilismo, colonialismo, imperialismo, transnacionalismo e glo-baJismo revelam-se mais ou menos claras, articuladas e dinâmicas.Nesse sentido é que as interpretações de Braudel e Wallersteinjuntamente com as de seus seguidores,. contribuem decisivarnent~para o conhecimento das configurações e movimentos da sociedadeglobal.

Com Wallerstein e Braudel estamos no âmbito da geo-história.As realidades locais, provinciais, nacionais, regionais e mundiaissão vistas como simultaneamente espaciais e temporais. Envolvemrelações, processos e estruturas sociais, econômicos, políticos eculturais, mas sempre focalizados em sua dillâmica geo-histórica.Os movimentos de populações, mercadorias, técnicas produtivas,instituições, padrÕes sócio-culturais e idéias, bem como os cou-trapontos cidade-campo, agricultura-indústria, metrópole:colônia,centro-periferia, Leste-Oeste, Norte-Sul, Ocidente-Oriente, local-global, passado-presente, esses e outros contrapontos sempre sãodescritos e interpretados em termos geo-históricos. '

É no âmbito da geo-história que se inserem os fatos da geo-economia, da geopolítica, do ciclo econômico de longa duração, dosmovimentos seculares. São fatos que se desdobram uns nos outros,concretizando~se em realidades locais, provinciais, nacionais, regioliaise Illundiais, envolvendo continentes, ilhas e arquipélagos: produzindo

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,çonfigurações e movimentos das economias-mundo, sempre em moldesgeo-históricos.

. . Em boa medida, a dinâmica das economias-mundo tem uma de suas'iirzes nas diversidades e desigualdades com as quais se constitui essatotalidade geo-histórica, implicando sempre o social, o político e ocultural, além do econômico, Como em toda configuração social, emsentido lato, o todo geo-histórico inerente à economia-mundo, é uflJtodo em movimento, heterogêneo, integrado, tenso e antagônico. Esempre problemático, atravessado pelos movimentos de integração efragmentação. Suas partes, compreendendo nações e nacionalidades,grupos e classes sociais, movimentos sociais e partido~ políticos,conjugam-se de modo desigual, articulado e tenso, no âmbIto do todo.Simultaneamente, esse todo confere outros e novos significados emovimentos às partes. Anulam-se e multiplicam-se os espaços e ostempos, já que se trata de urna totalidade heterogênea, contraditória,viva, em movimento.

Em síntese, é na própria dinâmica das economias-mundo queemergem e se desenvolvem os processos que configuram os ciclos geo-históricos de longa, média e c~rta durações. O mesmo jogo das forçasprodutivas, a mesma dinâmica das lutas pelos mercados, o mesmoempenho de inovar tecnologias e mercadorias, ess~s processos qu~ sedesenvolvem continuam e, periodicamente no bOJOdas economlas-mundo, tudo isso constitui o fundamento da dinâmica progressiva eerrática que se tonJam nos ciclos de longa duração, assinaland? onascimento, a transformação, o declínio e a sucessão das economlas-mundo. --_

À medida que se desdobram os significados geo-históricos dateoria das economias-mundo, em suas implicações empíricas emetodológicas; logo se evidenciam as continuidades e as rupturas entreo nacional e o mundial, o próximo e o remoto, o passado e o presente,o espaço e o tempo. É corno se o horizonte aberto pela globalização emcurso no final do século XX abrisse possibilidades novas e desconhe-cidas sobre as formações sociais passadas, próxi!J1as e distantes,recentes e remotas. Uns buscam continuidades e rupturas, outros

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descontinuidades e multipl}cidades, no curso da geo-história, do.contraponto. espaço-tempo. E como se muito do que é passado adquiris-se novo sentIdo, a~ m~smo tempo que outro tanto do que também parecepassa~o t~lllasse slgmficado de present~. Realid~des e significados quepareciam Irrelevantes, secundários, esquecidos ou escondidos, reapare-c~m sob nova lu~. ~ tudo isso porque a ruptura geo-hlstórica quedesvenda a~Iobaltza?ao do mundQ..l!.ofinal deste século, prenunciandoconfiguraçoes e movimentos doséculo XXI, revela-se não só um eve-fltoheurístico, mas uma ruptura epistemológica.

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III .

A Internacionalização do Capital

DESDE QUE o capitalismo retomou sua expansão pelo mundo, emseguida à Segunda Grande Guerra Mundial, muitos começaram areconhecer qúeo mundo estava se tornando o cenário de I,Imvastoprocesso de internacionalização do capital. Algo jamais visto anterior-mente em escala semelhante, por sua intensidade e generalidade. Ocapital perdia parcialmente sua car<lderística nacional, tais como ainglesa, norte-americana, alemã,japonesa, francesa ou outra, e adquiriauma conotação internacional. Ao mesmo tempo que começavam apredominar os movimentos e as formas de reprodução do capital emescala internacional, este capital alterava as condições dos movimentose das formas de reprodução do capital em âmbito nacional. Aos poucos,as formas singulares e particulares do capital, âmbitos nacional esetorial, subordinaram-se'às formas do capital em geral. conforme seusmovimentos e suas formas de reprodução em âmbito internacional.

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Verificava-~e uma metamorfose qualitativa e não apenas quantitativa,de tal manel~a que o capital adquiria novas condições e possihilidadesde reproduçao. Seu espaço ampliava-se além das fronteiras nacionaistanto das nações dominantes como das subordinadas, conferindo-Ih~cOI~olação internacional, ou propriamente mundial. Essa internacio-nahza7ão se tor~~ará mais intensa e generalizada, ou propriamenteIllundlal, com o Il1n da Guerra Fria, a desagregação do bloco soviéticoe asmudan7as de políticas econômicas nas nações de regimes socialis-tas .. A. partIr desse momento as econolllias das nações do ex-mundosO:lahsta tr:lJ~sf~rmam-se em fronteiras de negócios, inversões, associ-. a<,:oes de caplt:~IS, tr~~sferências de tecnologias e outras operações,~xpressando a IIltenslflcação e a generalização tios movimentos e daslormas de reproduç:io do capital em escala mundial.

O que parecia ser uma espécie de virtual idade do capitalismoCOIl~Omodo de produção mundial, tornou-se cada vez mais um~rcalJ~ade do século XX;e adquiriu ainda maior vigência e abrangênciadcpOls da Segunda Guerra Mundial. Soh certos aspectos, a Guerra Fria,nos anos 1946-89, foi uma época de desenvolvimento intensivo eextcnsi vo do capital ismo pelo Illund.o. Com a 'nova divis:lo internaciona Ido trabalho, a flexibil ização dos processos produtivos e outras manifes-taçiles do capitalismo em escala mundial, as empresas, corporaçiles'econglomerados transnacionais adquirem pree'minência sobre as eC(1Il0-~Ilias n:~cion:.lÍs. Elas se constituem nos agentes e produtos daInternaclonallz~<,:ão do capila!. Tanto é assim que as transnacionaisred~senham o mapa. (,lomundo, em lermos geoeconômicos e geopolític0.l'IlIU!ta~ vezes hem d I/erentes daqueles que haviam sido desenhados peloslIJalS fortes Es.tad?s nacionais. O que já vinha se eshoçando no passado,com a ~mergencléI dos monopólios, trustes e cartéis, intensifica-se e~cneral!za-se com as transnacionais que passam a predominar desde o/Im da SegUIa/a Guerra Mundial; inicialmente à sombra da Guerra Friac, crll seguida, :t somhra na "nova ordem econômica nllllldial".

J\i.•~da .que C~>I11freqüência haja coincidências, convergências eclln_velllcllclas reciprocas enlre governos naciollais e empresas, corpo-rél~~oes011 conglomerados, /10 que se refere a assuntos' nacionais,.

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regionais e mundiais, é inegável que as transnacionais libertaram-seprogressivamente de algumas das injunções ou limitações inerentesaos Estados nacionais. A geoeconomia e a geopolítica das transnacio-nais nem sempre coincidem com as dos Estados nacionais. Aliás,constantemente se dissociam, ou mesmo colidem. São comuns osincidentes em que se constatam as progressivas limitações do princípiode soberania em que classicamente se fundava o Estado-nação. Emescala cada vez mais acentuada, em âmhito mundial, a "grandeempresa" parece transformar nações das mais diversas categorias ellJ"pequena nação" (I) •

Na base da internacionalizaç:lo do capital estão a formação, odesenvolvimento e a diversificação do que se pode denominar" fábricaglobal" . O mundo transformou-se na prática em uma imensa e complexafábrica, que se desenvolve conjugadamente com o que se pode denomi-nar "shopping center global". Intensificou-se e generalizou-se oprocesso de dispersão geográfica da produção, ou das forças produtivas,compreendendoocapital, a tecnologia, a força de trabalho, a divisão uotrabalho social, o planejamento e o mercado. A nova divisão internaci-onal tio trabalho e da produção, envolvendo o fordismo. o neofordismo,o toyotismo, a flexibilização e a terceirização, tudo isso amplamenteagilizado e generalizado com base nas técnicas eletrônicas, essa novadivisão internacional do trabalho concretiza a glohalização do capital is-mo, em termos geográficos ,e históricos.

J\ fábrica global pode ser simultaneamente realidade e metáfora.Expressa não só a reprodução ampliada do capital em escala g/ol>:t1,

(I) Fr~nçois 1\:rroux, "Gr~nde Fi"lIIe er !'erile N~lion", E:collomie.r ('I Sot'iI!I(;S, (01110li, nO9, Lihr~ric Droz, Genl:ve. 1968, (1(1. IX47-1867; R~Ylllond VCfllon, 7'elllfll'JI/I(/('solir(' aJ MlIllinaâlJl/lli~', tradução dc Wa!l"nsair Dutr~, Zahar Editores, Rio deJ~f1eiro, 1980; Riclmrd J. Ll.lfIICt c Ron~ld Muller, Poder (;/O/JII/ (1\ For,aInwnlroWvel das Mullinal:ionais), tradução dc Ruy Jungmann. DistrihuidoraRecord, Rio dc Janeiro, s/d (edição original em inglês realizada CIII 1974); Charles-AlhertlV1ichalct, O Capilalislllo MI/ndia/, tradução dc Salvador M;lchadn Cortlarll,Editora Paz e Terra, Rio tle Janciro, 1984; l1nilcd Nalions, 1'mllJlIlIliollalCorflOmli(I/IJ in Wor/d DevelopII/l!nt, New York, 1978. .

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compreendendo a generalização das forças produtivas, mas expressatambém a globalização das relações de produção. Globalizam-se asinstituições, os princípios jurídicos-políticos, o~ padrões sócio-cultu-rais e os ideais que constituem as condições e os produtos civilizatóriosdo capitalismo. Esse é o contexto em. que se dá a metamorfose da.,industrialização substitutiya de importações" para a "i nclustrialização(lrientada para a exportação", da mesma forma que se d;í a desestatização,a desregu 'ação, a privatização,a abettura de mercados e a Illonitorizaçãà'das políticas econômicas nacionais pelas tecnocracias do rundo MOIlC-I;írio Internacional e do Banco Mundial, entre oulras organizaçôeslI1ultilaterais c transnacionais(2).

Í:claro que o capitalismo continua a ter bàses nacionais, mas estasj;í não são determinantes. A dinâmica do capital, sob todas suas formas,rompe ouullrapassa fronteiras geográficas, regimes políticos, cullurasl' civilizaçlies. Est;í cm curso um novo surto de nllllldialização docapitalismo C0l110 modo de produção, em que se destacam a dinâmicae a versatilidade do capital como força produtiva. Entendendo-se que ocapital é um signo do capitalismo,.é o emblema dos grupos e classesdominantes em escalas naciónal, regional e mundial. Isto é, o capital deque se fala aqui é uma categoria social complexa, haseada na produçãode n.lercadoria e lucro, ou mais valia, o que supõe todo o tempo a comprade torça de trabalho; e sempre envolvendo instituições, padrões sócio-cullurais de ~.ários tipos, em especial os jurídico-políticos que constituemas relações de produção.

Já é possível reconhecer que o significado do Estado-nação temsido alterado drasticamente, quando examinado à luzdél globalizélçãodocapitalismo intensificada desde o término da Scgullda Guerrél Mundiale acelerada com o fim da Guerra Fria. Algumas das características

(2) Folker Frohcl. JurgclI Heinrichs and QlIo Kreye. 17le Nel\' illl('rt/a/io//a[ DÍI'isio/l,,/Labor (SlrUl':lur.IIIJllclllploYIllCIll in )IJ(Juslrialized COlllllrics.lIullnduslrialisalioni~lDcv~loping,Counlrics). lranslalcd by PCICUurgess. Call1hridgc !Jnivcrsily Prcss.C:llnb.ndge. 1980; Joscph G~unwald and Kenneth Hallllll. 17/(' Global Factor)'.(F'nrelgn Assemhly 1.lllnl~rnallonal Trade~. The Brookings institlllion, Washington,.198~; R~l~erl B. Relch: 7he Work li/ Na/IO/ls. Alfred A. KIIOpf, New York. 1991;Alam Llplelz. Lr: CapItal el S(l/I Erpace, La Découvcrre/Maspcro. Paris. 1983.

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"clássicas" do Estado-nação parecem modificadas, ou radicalmentetransformadas, As condições e as possibilidades de soberania, projetonacional, emancipação nacional, reforma institucional, liberalizaçãodas políticas econômicas ou revolução social, entre outras mudançasmais ou menos substantivas em âmbito nacional, passam a estardeterminadas por exigências de instituições, organizações e corpora-ções multilaterais, transnacionais ou propriamente mundiais, quepairam acima das nações. A moeda Ilacionaltorna-se rellexa da mo:t!amundial, abstrata e ubíqua, universal c efetiva. Os fatores da produçao,ou as forças produtivas, tais como o capital, a tecnologia, a força ~I.c_trabalho e a divisão do trabalho social, entre outras, passam a serorganizadas e dinamizadas em escala bem mais acentuada que antes,pela sua reprodução em âmbito mundial. Também o ap?~elho estata.l,por todas as suas agências, sempre simultancament~ polltlcas: ecollo-micas, além de administrativas, é levado a rcorgatllzar-se ou moder-nizar-se" segundo as éxigências do funcionamento mundial dos merca-dos, dos fluxos dos fatores da produção, das alianças estratégicas entrecorporações. Daí a internacionalização das diretrizes relativas .àdesestatização, desregulamentação, privatização, abertura de frontcl-ras, criação dezonas francas (3).. •

Um teste particularmente importante da forma pela qual se da ainternacionalização do capital está evidente na c.ontínua e agressivapenetração que esse capital realiza em cada uma e em toda~ as eCOl!on.liassocialistas. Desde as mais diferentes técnicas de bloqueIO economJ('(),político e cultural até as mais diferentes propostas de intercúmhioeconômico, sob todas as formas o capital pouco a pouco se torna umelemento presente e essencial à organização e dinâmica de ca~a uma ede todas as economias socialistas. Mesmo antes da Guerra Fria, essasmodalidades de ação já eram efetivas. Durante a Segunda Guerra

. Mundial foram acionados vários meios de intercâmbio. A élliança de fato

(3) Joseph A. Camilleri and Jilll Falk, Tlte EI/(l o/ Sm'C!rr:iIl!'il( (Thc Polilics (Ir aShrinking and Fragmenting World). Edward Elgar PlIhhshll\g: Han~s. Englallll,1992' Bernardo Kliksherg. CtÍlllO Trans/ormar ai Estado? (Mas Ali" de Mitos yDllg';lilS). Fondo de Cultura Econômica. México. 1993.

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e de direito entre os Estados Unidos e a União Soviética na luta contrao nazi-fascismo alemão, italiano e japonês beneficiou muitíssimo asforças produtivas organizadas com base nos capit;)1 iSlJl~s norte-ameri-cano e inglês: Após a Segunda Guerra Mundial, a Guerra Fria revelou-se lima imensa e complexa operação de diplomacia total. não só contra-revolucionária, mas de dinamização e generalizaçiio das atividadesprodutivas, principalmente na Europa e-no Pacífico, destacando-se ostigres asiáticos e o Japão, por um lado, e a União Européi'a e a AlemanhaFederal, por outro, Cabe relembrar que uma parte importante dodesenvolvimento industrial ocorrido em países do "Terceiro Mundo"realiza-se à sombra da Guerra Fria, com apoio mais ou menos ostensivode governos dos países do "Primeiro Mundo", <.lo£lanco Mundial e <.loFun<.lo Monetário Internacional. Quando termina a Guerra Fria, inclu-si\'e como decorrência do modo pelo qual O capitalismo estavahloqueando e penet rando o nllllldo soe ial ista. o "Segundo Mundo" , s;ioolJlrilS espa<;os que se abrem. Sob v;irios aspectos, é como se o mundolodo se tornasse o n:nário das forças produtivas acionadas e general i-zatlas pelas corporaçües transnacionais, conjuga<.las com ou apoia<.laspelos governos dos países capitalistas <.Iolllinantes.

Vale a pena examinar algumas particularidades do vasto e longoprocesso através <.loqual o capital se torna cada vez mais presenle eessencial no lIlundo socialista, constituindo-se cmum ele me mo decisivoL:IIIsua transformaç;io. A rigor, a metamorfose das economias cL:ntral-lJ1L:nte planeja<.las em economias de merca<.lo aberto começou nluiloanles uo fim da GUL:rra Fria. Em 1977 colocavam-se com clareza aspl'l'spectivas e as v,lIllagens que se abri;II]1 ao c,lpilal.

"As rela,ii~s ~cootllllicas LC!;(~-O~slecsl~o intinl;lIn~nl~li).!adasao ~Sqll~I1l;1p"lílico geral ~xislellle~lIlr~os ESladosUnidos ~ a Illli;ioSovi':'lica,Ncss~~S'lIlCllla.asc""~,i(kra,,i~s p"lílicas ~ Inililares sohr~cancl'al1l as coosidcra~',-.(.s,~colI'-,,"icas cl'ollll'lá,is lia política dos J:slados Unidos com rcla~';io;'1 lJlli~oSovil-lica~. em nl~llor).!I;III,111' qll~se rcll:rc aSila polílica relaliva :'ISolllras eWllonliassocialistas, ElIlrclanlo.as Ilalls;l,iics cl'lIntllllicasl' cllln~rciajsentre os EsI;lllosl/nidos ~os p;líscssocialislas s~o111111;110" qll~illl1tI~lIc;aa allllosll:rapolílÍLa.Eh;ímuiloIlue).!anharde 11111relaciollalnclllop"lílico laZtla\'chn~lIlecSI;í\'d, ~/IIqu~os paísc.ssocialíslaspat'licipellllllais ahCrlalll~lIlc11" ('IIIljllnlodo SiSlcllI;1illll'rIIacional.(,:.) E/IIlIInnllllldolk cn:sc~nlc inlcrdcpcndêllc'ia

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- econ6mica, científica e tecllolúgica - as trocas e o comércio csliio crescendo cconlinuarão a crescer" (~).

As corporações transnacionais, com freqüência apoiadas pelasagências governamentais dos países c~pit:listas d~minat~tes,: tambémbeneficiadas pelas diretrizes de orgal1lzaçoes multIlateraIS, taIs como oFundo Monetário Internacional e o £lanço Mundial, criaram os maisdiversos e prementes desafios para as economias .socia.listas., Alé.m deoferecerem negócios, possibilidades de comércIO e lIltercamblO detecnologias, também ofereceram mercados, possibilidadcs de exporta-ção das economias socialistas para as capitalis.tas. Aos poucos, aseconomias centralmente planifica<.las viram-se estllllllladas e.d~safi~<.I~spelas oportunidades de mercado ofcrecidas. A~s poucos. ~ IIldust~la.I~-zação substitutiva de importações, que predollllnou em palscs SOCialis-tas, foi acoplada e suhordinada à jndustriali~aç~o ?r.icnlada para aexportação. O que já estava ocorren<.lo de manclra IIlc'F,ente em um ououtro país paulatinamente tornou-se um processo contInuo, cre~cente eavassala<.lor. "O vcrdadeiro dína/llo do crcst:imenlo na China hojc t: o s~lIlr Industrialcriado pelo investimento eSlrangelro, que se concentra no sul,da China. principallll:ntcem Guangdong ... O sucesso de Guangdond lelll sido illlpulsl.onadopelas exportaçocs.que têm crescido cerca dc 30% nos anos rcccntes. (: .. ) I:~llrctanlll. com~ 11 t1uxoexportador da China IlIrna-semais c mais depcndcnt.edo n.lvCStlmelllOcSlrangem~. com-Preendcndoll cllntrolc da tccnolllgia. dos I'undllsde IIlvcstlmcllloe da qualidade. ,IhUIIl-

... I')cracia estalai eslá paulatinamcn(c perdendll 11 cllntrolc da CConllnlla .A rigor, a intensa e generalizada il.lterna~ionaliz~çã() ~o c~pltal

ocorre 110 úmbito <.Ia intensa e generalizada Internaclonallzaçao do

~--(4) Lawrcnc~ C. McQuade (Fdilllr), Elu!- W~.I'I Tmdl' (Managing Enc.llunler an~

Âcclllllod;lIilln).,Wcslvicw I'rcss. IJllulder. (Illmado. 1977. pp, 3 l' 'i, I:dll.ldllp,lI.1"The ÂllaniicCouncil Clllllllliltee on Easl.Wesl Tradc".

(5) Richard Smilh~"Thc Chinesc Road 10 Capilalism", NewLeji Rl'I'il'lI'. n", 1?,9. ':t:n.dl,;n.11)'J1. pp, 55-1)9; cilações das pp, 90-92. Consul~arlambcm: A. Kovcs. Inte,¥"IIIHIintll World Econlllny :lIIdDircelion oI' EconOllllC()cvc!opmelll In lIun,gary ,Atll/Ol'l'/I/I/ll/lim. vol. 20, nOs1-2.'11)78,pp. 107-126; András Koves, "SoClal~stl:colllnllYaml lhc Wllrld-Economy", Revi/'IV, vol. V. n9 I, 1981, pr. 113-13~:,Dav,ldWcn-WclChang, Chi/ll/ UIII/a Dl'n~ Xillllping. MacMillan. London. 1991; 1hc Ixonomlsl. AlJiI/ill/l CIIII.I/IIlla.l' (A SOlvey 01 Asia), LOlldon,30 de outubro de II)IH.

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processo produtivo. Os "milagres econômicos" que se sucedem aolongo da Guerra forja e depois dela são também momentos mais oume~os .~ot~veis dessa internacionalização. Isto significa que as corpo-raçoesJa nao se concentram nem sediam apenas nos países dominantes,metropolitanos ou ditos centrais. Asutlidades e organizações produti-v~s, envolve.ndo i~lovaçõcs tecnológicas, ionas de influência, adequa-t,:oes culturais e outras exigências....l.ll1produção, dislri!Juição, troca econsumo das nll:n.:adorias que atendem necessidades reais ou imaginá-rias, passam a desenvolver-se nos mais diversos países, distribuindo-.~cp~)r cOlltillentcs, ilhas e arquipélagos. Assim como se multiplicam edispersam as zonas francas, multiplicam-se e dispersam-se as unidadese organizações produtivas. Está em curso uma nova divisão interna-cional do trabalho e da produção, envolvendo a complementação ousupcração dos proccdimentos do fordismo, das linhas de montagens depn ldutos homogl:ncos. Ao ladodo fordismoe stacknovismo, bem comodos ensil.lam:nlos do taylorismoe fayolislllo, desenvolvc-se o toyotismo,a orgal\Jzaçao do processo de trabalho e produção em termos defle.xibilização, terceirização ou subconlrata~ão, tudo isso amplamenteag~llza~(~pela au~omação, pela robotização, pela micro-eletrônica e pela111 formatlca. ÃSSUllse general iza o capilal ismo, Iransformando o nlll1ldol'ln algo que parece UIII~I fábrica global.

Acontece que o capital adquiriu novas conotações, na medida çmque se desenraiza, movendo-se por todos os cantos do mundo. "Aillleruaciollalização dn capital. cOHln rclaçãn wcial, eSlelldc o processo dc trahalho àl'~l'ara mUllllial e fragmenla o lrahalho socialnào mais ólpcnas cm âmhilos locólr, rcgionalL' n;lclonóll. m;~s no mundo como um lodo. Os divcrsos componcllles do colllpuladoralluem dos mais dlvcrsos recanlos do glohlr, de Taiwan, Cori:ia do Sul. ESlados l1nidosFrança, Grà-Rrctanha, Ami:rica Latina. África, segundo umól divisão do lrahallll;levada ao extrcmo, na lJual a fragmenwção é o dado geral. O mcsmo ocorrc na illlhíslriaaOlolllohilíslica" (I,).

A rigor, a internacionalização do capital significa simultaneamentea internacionalização do processo produtivo. E é <Íhvio que essa

«() Christian Patlnix, I.e.\'Firmes Mu{tinaciona{es et le Proce.\'d'ltltl'rn~tionalirationFrallçnis Ma~pcro. I'ari~. 1973, p. 163. ,1 "

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internacionalização do capital produtivo envolve não só a idéia dafábrica global e do shopping centet global, mas também a dainternacionalização da questão social.

"Hoje, a inlernacionalização tem-se difundido não somente pclns circuilos docapilal mercadoria e do capilar dinheiro, mas alcólnçou o seu esl;ígio final. ainlernacionalização do capilal produlivo. Isto tem sido hahilualmente dellon\lnadointernaciona !ização da produção. ( ... ) No desCiivlI1 vimenlo histúrico dainternacionali7.ação do capital, o ESlado-naçào" terá de considerar; com crescellteseriedade, a sua realid:lde exlCrlla. na medida em que certas parles do Estado.- umasmais do que oulras - lerão dc suhmcler-se à situação internacional. ( ... ) 1\internacionalizólção de certas partes do Estado é plcllamentc visível. I...)A lUla dcclasses cOlldll1:ida pelo capilóll ocune por todo o IIlUllllo, c o prolcta.dado nãn ~(~d~n.lal~ignorar este 1;ltO. Nesta luta de d;lsses elll lIívelmundi~l. .. o capl~a.' tem a mlclallva.(... ) É necessário introduzir a lula de classe do proletarladu lia analise do processo deinternacional ização "(7).

I~ claro que a internacionalizaç,io do capital, compreendida comointernacionalização do processo produtivo ou da reprodução ampliada docapital, envolve a internacio:lalização das classes sociais, em suas ~elaçõ~s,reciprocidades e antagonismos. C0ll10 ocorre cm toda fOflnaçao SOCialcapitalista, também na global desenvolve-se a questão social. Ql~ando semundializa () capitalprodulivo, mundialízam-se as forças produtivas e asrelaçõcs de produção, Esse é o contexto em que se dá a mundialização dasclasses sociais, compreendcndo suas diversidades internas, suas distribui-ções pelos mais diversos e distantes lugares, suas múltiplas e distintascaracterísticas culturais, étnicas, raciais, lingüísticas, religiosas e oulras.Nesse sentido é que as classes sociais, por seus movimenlos sociais,.partidos políticos e correntes de opinião podem tr~nsbordar as lIaçõ~~ :. regiões, manifestando-se em âmbito cada vez mais am.plo. O q~le ja everdade para grupos e Classes dominanles, que se comumcam e articulam

(7) Christian p"tlnix, "The Sclf-Expansion 01'Capital on ,I Wmld Scalc". Til/' R('~'il'"'01 Radical Polítical ECIJ111J111Í<'S. vlll: 9, no. 2...New Yllr~. 1~77, I~P. 11',I3,c I.~..Cllnsullar também: Chrislian PallOlx. Les Flrll/es Mult.tnat!{}/!I~ltset {e I r~}((.\d'lntemationalí.fation, citado: Samir Alllin, L 'Acc/llI/u{(ltlO~a { EC('l.'lleMO~ld~(lle.Éditinns Anthropos e Ifan. Paris e D"kar. 1970; Octav~n .Ianm,. Imperlilll.~mona América Latina, 2a. edição, Editor" Civilização BraSllelnl, RIO de Janeiro.1988.

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cada vez mais em escala mundial, pode tornar-se também realidadep.ara os. grupos e as classes subalternas, a despeito de suas diver-sIdades lIltemas e de sua dispersão por todos ás recantos do mapa domundo.

D~s~: q~e se int:nsificou a globalização do capitalismo, com aIH~V~ dlVIS~O lIlte~l~aclOnal do trabalho e a dispersão territorial das,I(IVldades lIldustrrals, tudo isso dinamizado peJas técnicas da eletrôni-C:,..cOl~le~oll-se a falarenfilll da geogra~a. A aceleração e generalizaçãod,IS rel,,?oes. processos eeslruturas capItalistas atravessando territóriose frontelra~, culturas e civilizações, logo deu origem:l nietáfora do fim~Jageo~ra~Ja: '.'0 fim da geografia, como um concdln aplicado;h rel;ll;iiesfinanceinls"1I.~'r1.1;~c~~n;lIs:lh~ "respe_iIO.a um Esta~o de desellvolvime/110CCllII'''llico cm que a11IC,lhz,l~,IOgcoglill.lca "ao "nporta mais emHlatéria dc finanças. ou importa muito"ll'~"'S do que anlerJorlnenle. Nesle Estallo, os reguladores ~o mercado financeiro nãonl,;II:~.COl~lrol;lI~l.~e~s. lt:rritc')~'jos: isto.'.é,. os reguladorcs não se aplicam apenas adlkllnul,ldos cSll.lços geogralicClS. tais ClJlJlOo ESladll.na~'ão ou' oUlros lerrilúrioslíl'll'OStlefinitlos juritlicamellle"(B). .

. Na ~poca dos me.rcados mundiais de capitais, quando as maisdiversas formas de capital passam a movimentar-se de modo cada vezmal.s ac~lerad(~ e generalizado. nessa época redtizem-se os controlesnaCIOJ!aIS,_ MaIS do que isso, os governos nacionais, suas agências eorgal1lzaçoes que tradicionalmente administram e orientam os Illovi-nlentos do .c<lpit<ll, todas as instâncias ditas nacioilais vêem reduzidassuas capaCIdades de controlar os movimentos do Capital.

Acontece que as corpor:ll,:ües transnacionais; incluindo-se nalural-lllt:llle as org~lIlizaçües bancárias, movimentam seus recurso~" descl1vol-~1t:~11sU,a~ alianças estratégicas, agilizam suas redes e seus circuitosInformattcos e realizam Suas aplicações de modo independente oulIleSIllO comtota,l des.conhecimento dos governos llácionais. E ainda queos gover~lOs nac 10nalS, por si e por suas agências ,tol1lelll conhccimentodos nJ()vlll1el~tos t ransnaciollais de c<lpitais, ainda IIesses casos pouco ounada podem fazer. As transnacionais organizam-see dispersam-se pelo

I

(X) Richard O'Brim, (;111"1/1Fin(/ncial /niexratil/I/: /lI(' 1:'1It!1I1(;/'II;:I'III)/,I', Council 1'1/1"on:lg/l HclaflollS I'rcss. New York, 1992, p.l. .

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II

mundo segundo planejamentos próprios, geoeconomias independentes,avaliações econômicas, políticas, sociais e culturais que muitas vezescontemplam muito pouco as fronteiras nacionais ou os coloridos dosregimes políticos nacionais,

"Nos primeiros anos tio pcríodo plls-Seguntla Guerra Mundial, os govelllosapoiaram-se em controles dos movimentos de curto prazo dos capilais, com umpropósito fundamental:prnver "s suas economias do máximo de viahilidade llcautonomia econúmica, sem o sacrifício da ill\crdependt:ncia econúmica. ( ... ) Entre osfins tios anos 1970 e os começos dos anos 1990, um amplo movimenlo. illllepc/lde/l-temente dos conlroles do eapilaL lornou-se evidenle alravés tio mundo industrial. Orápido crescimento líquido de fundils internacionais e a creSce/lte gloh"lização daprodução provocaram esse processo. Os mercados estr;mgeiros crollir;lI/1 as harreirasfinancciras nacionais. ao mesmo tempo que mubilizaram cresccntes recursos paraempresas mullinacion;lis engajadas no processo de glohalização dos seus empreendi-menlos produtivos. Desse modo, elas aumenlaram sua capacidade para desenvolverestratégias de evasão e .remessa. Assim, os governos primeiro cooslataram que oscOlllroles tiliham tle ser reforçados CIlnli/luamCnle para serem de utilitlatle e. enlseguida, descohrir,lI11 ljue o rcsultadu, ou os CUSIoSeco/lúmicos IHlIeneiais de laisreforços, logo excederam os he/lelkios"(91.

Esse o contexto em que ocapital se tOrJl<l ubíquo, em uma escalajamais alcançada anteriormente. Em instantes, ele se move pclos maisdiversos e distantes lugares do planeta, atravessando fronteiras eregimes políticos, assim como mares e oceanos. Está em marcha UIJIprocesso de desterritorialização cujas implicações práticas e teóricasapenas começam a ser analisadas. "Na vt;Fdade. o dinheiro não viaja de uml'aíspara oulro no sentido físico. as Iransfcrências são c1elrllnicas, ou seja. realizadas IH'

mesmo segundo que se toma a decisão por um investimenlo. Não h;í lransferência físicade dúlares ... Realiza-se Uma simpl.es operação de déhilo e crédito elelronicamente. ()nuxo inlerJlacional4:.J;apitais lamhém se processa da mesma lill'll1a. Nessa imensamassa de recursos, confunde-se dinheiro com origem legal e aquele que se ganhou poratividades ilegais"(lO).

(9) Jol1llB. Goodmann and Louis W. Pauly, "The Ohsolescence oI' Capilal Controh'lEconomjc Managemelll in a Age oI' Gloh;i1Markels". Wor/tl /'o/itin'. vol. 4(" n"I, I'rillcc!on, 1993, pp. 50-M2: citação lia p. 79.

(10) Nillon lIorita, "Vinheiro Roda.o Mundo Alrás de Investimenlos". () E.WJI/o tleS.l'lIlIli), 25 de sctemhro de 1994, p. 1l12.

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Esse é o cenário da economia política do narcotráfico. Dadas ascondições não só técnicas mas também econômicas sob as quais são'abertos mercados, agilizados os circuitos financeiros e fortalecidos oscentros decisórios das corporações transnacionais e das redes bancárias,a lavagem de qualquer tipo de dinheiro torna-se relativamente fácil. "Odesenvolvil1le'110 UOScin:uilos bancários infonn~tjzauos e do sistema de trans/erênci<lselel rúnic<ls colllrihui p:,r<l <Iceler<lro movimento 'dos capitais lalllo qU<lnto lil1lJ1<1rereciclar o dinheiro sujo. Esta evolução parece /:IYl>recer Ullla inlegração maior dalTlIlIC'nlia ilícila 1I<1,Satividades U',lSgranuJ:liJlancos eOlllerciais inlern<lcionais"CII).

Quando se d,í a internacionalização propriamcnte dita do capital,este descola-sc délS nações. dos suhsistemas ccon{)tnicos nacionais.Ainda que guardc alguns traços importantes de sua origcm ouenraizamcnto nélcional. éldquire significados qlle transcendem as fron-teiras desta ou daquela nação. São várias as moedas nacionais ncgo-ciadas em todos os quadralltes. indcpendentcmenle de sua filiaçãooriginária. I~clara que o iene japonês, o marco alcmiio, a libra esterl inainglesa e o dCl/ar Ilorte-americano. enlrc outras mocdas, continuam aprc,';nv;lr rcla<,:ik.s h;í,sicas C(:'lII os sub-.sistemas econômicos nacionaiselll que se túrmaralll e continuam a ter vigência. Mas isto não impedeque essas mesmas moedas 'adquiram significados novos, às vezesfundamentais. devido a sua circulação illlernaciónal. No âmbito domercado mundiéll. em que circulam o capital. a tccnologia e a força detrabalho, cm formas cada vez mais rápidas e generalizadas, dcsenvol-VCIll-se signi ficados novos dessas forças produ{ivélS, além do quesignificam em "mbito nacion:11. .

A rigor. o processo de intt:rnacionalização do capital é. simulta-ncamente. um processo de fOrJnação do capital global, entendido comouma 1()[Ina nova e desenvolvida <.locapital em geral. Ao lado dos capilaissin/;!ulares e pariicularcs, compreendidos como Il<ICionais e setoriais,formas do cap'ital em gcral, slIbsumindo àqucles ,e conferindo-lhesnovos significados.

(11) Alain L:lhrousse ri Alain Wal/on (Direáion),La P/lll1etetle.l'DroRuC.I' (OrRalli.l'aliollS. ('rilllillc/le.l', GIII'm'.I' ('I B!lIl1c!limelll), Et1itjons <luSeuil, Paris, 1993. 'pp. )99-200.

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Ui S3 &ti. 4

. capitalismo contemporâneo"l: importante compreender q~e, maIs que nun~a, no, dominância financeiraas finanças ditam o rj~moda e~onOlllla... e, I~esteSentlldc;~~l~d~~::que as mudanças nasna dinâmica econômIca. Enlao, .n~st~ cO.llIexto, ~on PI'za"a calcada numa verdadeira• . 'u una ulllallllca IllternaClOna lu, .finanças tem constituI o I . " I ( ) A uominância linance""I _r. 'ra UCâmhlto transnaclOna ... ... .mfiacroest~u~un\:nan~e~X~ress'io geral da~ formas conlclllporâneas UCdefillir, geri: ea maIlCl'I~'Za,,( - .:" I 'or dominância financeira apreeúde-se, inclUSiverealizar riqueza 110 ~afll/a/IJI1I(. ) .1. ••• rpor .••.ties _ mesmo as lipicamellle. I t o lato de que !Ou.IS .IS co "concelllla men e, . . I '1I'oelelrÍlnico _ têm cm suas.. d . Iplexo metalmecallleo e e cindustn;lIs. comll as <) (;on .,. I' ... a Ulllelemento central tio processoaplicações financeiras, UClucros rclluos ou 1 e C.IIX,

. ' ",,(12) ,de aculllulação glohal tle nquez,l .. . d .. ais força do que cm

A,rigor o capital financeIro parece a qUlnr m , . d 11' . J contrava cnnuza o el

qualqucr é~o~a. anteri?r. ~lU~~~s ~~l n~e~~se~lubordinados ao Eslado-centros declsonos nac~~7~:' ão acelerada e generalizada das forçasnação .. Alén~da IllUl~S~: ~c~~lômicos, da nOVéldivisão internacional doprodutIvas. (OS proce, '> ircuitos informatizados. por meio uostrabalho, format,n-se. redes e c o c'lpilal por toJos os centrosquais as transnaClOnalS e os bancos movem ,

do mundo. .'. . . ., _" levido à ascensão do cilpilal"0 locu.~do poder eCOIiomlco~ pohllc~l.:~es.oCOqUllC~~;,lugar UOpouer na socieuatlc' '.' d'l em espeCIal por raulcaIS,' _

financeiro. Tem SluO I o, . . . I . S PI)IIC'ISCClltcnas de corporaçoes' ,. , ... "nlrals (e lima. '.capitalista estólva nos esclitOlIOS c_e .. I' 'Ia 'lccre'l tio p'lpel deslas entiuaues na. ,. E h)l"l n'lo lIaJóI( IIVIl. , ,multinaelOll:lIS glganles. .m,' '. . I' n '. (IUCse deve acrescen,t ar lima• .. .. tivltlaues corre atóiS,I,ensl .aloc;~ção u~ recursos e (~Ullas.1 '.. ad'a. Os ocu antes desses escrilúrios cel~trais ~ãll'conslder;lçao que merece ser el~lallz , I Pse Ctllltmhdos pelo capital flllancelm,. ". te meuld'l constrangl( O. ,.eles propnos, em crescen .' 'I ' I 1"'II'IllceiroFm outras palólvras, o pOl,ler. :1 "U Sgloll'lIs ( o mcreal o, . _ .,operamlo por mClouCle e . . , ._ S III'ISnos merc'luos flllanCClros,' .. ... 'túrios das corplll açoe., " . , .real não esta tOlólll1lentcnos eSCl1 . . _ '. b ~ va'll',lOpara os (IUCcontrolam

. ,i' U.. lrporaçoes e tam CIII uO que é váhdo panl.ulrelores .c ,c~ . '. -,.,s támhém são controlauos pelos merc;llloso poucr polílico (naelOnal). CiIU,1vez III~IS.e e., f' , "(13)

financeiros, no que pouem e no que nao pouelll .Izer .

. "." 'Fin;lIlccirização ua Riquczól". Eco//omill I'(12) José Carlos UCSo~za Br.lg,l: A .. d' l1nicalllp, Campinas, 1993, pp. 25-57;Sodedade, nQ 2, Instituto de Ecollllnua ,I

citilção da Jl. 26. . .F'. ,"1 Capil'll" MO//lh/y RI'I'iell', vol. 46,(13) Pilul M. Sweezy, "The Tnumph oi nl.lllCla "nº 2. New York. 1994. pp. 1.11; citação das pp. 9-10 .

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Na época da globalização do capitalismo, o capital em geraladquire maior universalidade. Não s6 subsume as mais diversas formasde capital singular e particular, ou nacional e setorial, como se tornaparâmetro universal das atividades e relações desenvolvidas por indiví-duos e povos, por empresas e conglomerados nacionais e transnacio-nais, por governos nacionais e organizações multilaterais. O capital em.geral, cada vez mais não s6 internacional mas propriamente global,passa a ser um parâmetro decisivo no modo pelo qual este mesmo capitalse produz e reproduz, em âmbito nacional, regional, setorial e mund ial.

Os horizontes históricos e te6ricos' aberlos pela internacio-nalização do capital, compreendendo uma forma desenvolvida dareprodução ampliada deste capital, logo põem em causa as noções deeconomia nacional, de desenvolvimento econômico n.acional, decolonialismo, de imperialismo, de dependênciá, de bilateralismo, demultilateralisnl'o etc. Essas noçõescoillinuam de alguma ou muitavai idade, permitindo descrever e interpretar real idades pa rticulares emdiferentes partes do mundo. Expressam relações, processos e estruturasmuito presentes e evidentes nas condições de vida dos indivíduos, dosgrupos, das classes, das tribos, dos clãs, dos povos, das nações enacionalidade~. Mas por dentro e pQr sobre a economia nacional, ()imperialismoe o multiJateralismo, além de outras rcalidades e conceitosque continuam presentes e válidos, desenvolvem-se as relações. osprocessos e as estruturas que constituem a organização e a dinâmica docapilal, em escala mundial. Assim se subvertem noções, conceitos,categórias ou interpretações. O que parecia evidentc"c consolidado podcparccer duvidoso, inacabado ou. superado. De forma crrática ou _sistemática, o pensamento científico está sendo provocado pelos dcsa-fios da globalização do capital.

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IV

A Interdependência das Nações,

A INTERPRETAÇÃO sistêmica das relações internacionais' já estábastante desenvolvida em estudos e controvérsias sobre a problemáticada mundialização. A teoria sistêmica parece oferecer quadros dereferência cOllsistentes, de modo a taquigrafar aspectos importantes daorganização e dinâmica da sociedade mundial. Estas análises sistêmicascomeçam por recoíil1ecerque, aos sistemas nacionais, tomados um aum e aos regionais, combinando duas ou mais nações, superpõe-se osist~ma mundial, O sistema mundial, em curso de formação e transfor-mação desde o" final da Segunda Guerra Mundial e francamentedinamizado depois do término da Guerra Fria e~. 1989, c~nte~lplaeconomia e política, blocos econômicos e geopolttlcos, soberan.las ehegemonias. Reconhece que o sistema-mundo tende a predo~lIna~,estabelecendo poderosas injunções a uns e outros, nações e naclOnall-

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dades, corporações e organizações, atores e elites. Conf~re ao sistemamundial vigência e consistência, já que estaria institucionalizado emagências mais ou menos ativas, como aOrganização das Nações Unidas(ONU), o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial(BIRD) e muitas outras. Além disso, a noção de sistema mundialcontempla a pr~sen?a e a vigtncia das empresas, corporaçÕe~e conglome-rados tran~nactonals. Nesse conteXTO';os meios de comunicação reve-lam-se particularmente eficazes para desenhar e tecer o imaginário de todo()Illu.nd?.A mí?ia impressa e eletrônica, cada vez mais acoplada em redes1l1111t1l11l~taSun,lver~a1s.constitu~m a realidade e a ilusão da aldeia global.

A ngor, a sociedade mundial pode ser vista C0l110 um sistema socialcOlllple~o, no âmbito do qual encontram-se outros sistemas mais oumenos Simples e complexos; tanto autônomos e relativamente autôno-mos como subordinados, ou subsistemas. No âmbito da sociedadell1un~ial, logo se destacam o sistema econômico e o político, mast:lln~)e.m.outros podem tornar-se relevantes, em termos da organizaçãoe ulIlamlca da l11undialização. Tomado como um sistema de altac~)~nplex.ida:le,a sociedade mundial pode ser vista como um produto dadlferenclaçao.cresccnte decorrente da evolução dos sistemas que aantecedem e compõem.

"Surg~ uma hislÍlria mundial concalemlda ... Em lodos os lugarcs elctricidadc valcClInlll,e1e~ncldadc, dinhciro ClImo dinheiro, homem como homcm - com as exccçlicsql~e~lIla~I,ZamUIIIcs~a~o flatoló~ico, atrasado c amcaçado. Em lodos csscs planos po-d':-M: Icglslrar UIII rapldo crescullcolo de c0t:rências em cscala uHlIIlIial. .. Na mcdida.cm. (~ue csfcras f~nciona~s como a religião. a economia, a cducação. a pesquisa. apohllca, as rclaçocs ínlllllas, o 1urismo do lazcr, a colllunicação dc massas, scdcsdohra~1l ,a~I(!lIIatlcamcl~I~, elas rompem as limÍlações dc lcrrih .••.io social às quaislodas,cst~~ IIIICIa~I~lcntc~uJcltas ... A constituição da sociedadc mundial é conseqüênciad~l ~n~clp"l~ ~~ dl~:r~ncr:t~ãn soc!al .-: f(irmul;md() n~ais prccisamcntc: a c()nse(lüênciad,l eSI.lhlh,z.tça() c~lca~ _dessc prmClplII dc 1I11crcnclação. Frcntc a cssc prnccss(), ()t1cscnv()IVlIllCnl() clcnll'ICO-Cc()nõmic()-lécnico c a PI)SI'tl'V'IÇ"I()"I} .1'1•. '1 - - I'_ • •• u u 1':1o nao sao atorcsautunomos, mas tornaram-sc possíveis pela mudança cslrutural. Essa tcse cst,írelacionada ã conclusão gcral da .lcoriade sislcmas ... "li •.

(I) ~ik~~s. ,1~~~\I\1aml,,:'i~~('iI!logia.c/o Direi~o, 2 vols., tmdução dc Gustavo Baycr,'Ldlçocs Icmp() BlaSllclrll, RIU de Janelrn, 1985, vol. li, pp. 154-156.

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A teoria sistêmica privilegia a funcionalidade sincrônica, a articu-lação eficaz e produtiva da&partes sincronizadas e hierárquicas do todosistêmico cibernético. É <> ambiente da escolha racional, das opçõesmediatizadas por linguagens estabelecidas com base em sistemas designos cada vez mais baseados nas técnicas da eletrônica. Permitedesenvolver todos sincronizados em todos mais amplos e abrangentes,desde o homo economicus, politicus, sOciológicus, ciberneticus até aeconomia mundial, sempre no âmbito d.aracionalidade pragmática deatores. Sim, os sistemas se compÕeinde átores simples e complexos,desde indivíduos e grupos a instituições e organizações, compartilhandoconjuntos de valores, comunicando-se com base em determinada"linguagens, atuando hedonisticamente e acomodando-se bem ou mal àsregras institucionalizadas no mercado, Privilegia a estabil idade, norma-lidade, harmonia, equilíbrio, funcionalidade, eficácia, produtividade,'ordem, evolução. Transfere para a realidade social, micro e macro,nac'ional e mundial, o princípio epistemológico que funda a cibernética:entropia, homeostase, input, output, jeedback etc.

••A socicdade só pódc scr compreendida através dc um estudo das mensagens cdas facilidadcs de comunicaçã() de que dispunha; e de quc, no futuro t1cscnvolvimcnl()dessas mcnsagens e facilidadcs dc comunicação, as mcnsagens cntrc o homcm c asmáquinas. entre as 'Iiláquinas e o homcm. e entre a máquina c a máquina, cslãndestinadas a dcsempenhar papel cada vez mais importante.,. O funcionamento físicodo indivíduo e () de algomas máquinas de comunicação mais recenlcssão exatamcnleparalelos no csforço análogo dc dnminar a cntropia através da realimcntação ... Osistema ncrv()so e a máquina aulomática são, pois, fundamentalmentc semelhantcs noconstiluírem, amhos, aparelhos quc lnmam decisões com hase em dccisiíes feilas 11lIpassado... Snmos escravos dc noss() aperfeiçoamento técnico... Modilicanllls lãoradicalmente nosso mcio ambicnte que devemos agora modificar-nos a n6s mcsmospara pnder vivcr ncsse nov() mcio amhientc"(2).

Os parâmetros lógicos estabelecidos pela teoria sistêmica, cada vezmais influenciada pela cibernética, aparecem em forma crescentenas reflexões sobre a organização e a dinâmica da sociedade mundial.Trata-se de um modo de taquigrafar aspectos da realidade, permitindo

,(2) Norbert Wiencr, Cibernética e Sociedade ( O Uso Humano de Seres Human()s),tradução de Jnsé Paulo Paes, Editora Cultrix, São Paulo, 1968, pp.16,26, 34 e46.

6\

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construir modelos e estratégias, ou sistemas decisórios."O sistema polítiw global compreendc um conjunto específico de rcla~fles

concerncntcs a uma escala de determinados problemas envolvidlls na wnsecução. ouhusca nrgani7.ada, de atuação coletiva em nível global. Envolve a al(ministração de umarede de rela~i)es ccntrada nas articulações entre a unidadc líder e os que huscam ou lutamp"r lideran~a. (. .. ) As nnidadcs quc estruturam a interól~ão de p"líticól glohóll são asp"ll~ncióls muudi;,is. Estas estallelecem as condiçõcs dói ordem no sistemól glohal. I :lasS:"1l1 ólScapólzcs e disposlas óIagir. Organizam e mantêm maliziies e estão presentes eluIlIdas as partes do mundo, hahituóllmcnte mohilizando for~óls de alcance glohal. Snas;I\'i-.cs c rca~úes dcfincm o estado da política cmnlvcI /!Iohal. ( ... ) O sistclllól nnJlldióllI', IIIUólorietll:ll;ão para qne se possa visualizar os ;Irraujos soeiais nlnndiais elll termos(k IOlalidade. I'enuile pesquisar as relações enlre as intera\"-)es de alcance nllll,dial e11\ arranjlls sllciais em níveis regional. nacional e local"").

Na base da idéia de que a sociedade mundial pode ser vista cOlnoIltll sistema coloca-se a tese de que o mundo se constitui de um sistemade atores. ou um cenário no qual moviment,!m-se e prcdom inam atores.São de todos os tipos: estados nacionais? empresas transnacionais,organizações bilaterais e multilaterais, narcotráfieo, terrorismo, Grupodos 7, ONU, FMI. BIRD,FAO, OIT, AIEA c muitos outros,compreendendo naturalmente também as organizaçües não-governa-mentais (ONGs) dedicadas a problemas ambientais, defesa de popula-~'(ics nativas, proteção de direitos humanos, denúncias de práticas deviolência e tortura, Também podem adquirir relevância regional ouImllldial atores de tipo nacional, podendo entrar ativa oU passivamentenojogo das péndências regionais e mundiais. Uns e outros sintetizariamIlIUilO do que são as relaçiks, controvérsias. soJul;iies e impassesCllrrenles no âmbito da ll1unuialização.

Mas lio sistema mundial assim concebido, os Estados nacionaiscontinuam a desempenhar os papéis de atores privilegiados, ainda quefreqüentemente desafiados pelas corporações, empresas ou conglome-rados. Polarizam muitas das relações, reivindicações, negociações,associações, tensões e integrações que articulam o sistema mundial. Daía tese da interdependência das nações. Muito do que ocorre e pode

o) George MOllclski, LOII}: Cydes in World Politics. Ullivcrsily oI' Washington p,'css.Sealtle. 19S7, pp. 7-R. ') e 20.

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ocorrer no âmbito da global ização sintetiza-se em noções produzidas nojogo das relações entre países: diplomacia, aliança, pacto, paz, bloco,bilateralismo, multilateralismo, integração regional, cláusula de nação'mais favorecida, bloqueio, espionagem, dumpillg, desestabilização degovernos, beligerância, guerra, invasão, ocupação, terrorismo deEstado. Todas essas e outras noções dizem respeito à interdependênc iad~s nações. Aliás, interdependência é uma idéia muito comum emanálises e fantasias produzidas acerca de configurações e movimentosda sociedade global.

A interdependência das nações focaliza principalmenle as relaç\iesexteriores, diplomáticas, internacionais. Envolve Estados nacionaistomados como soberanos, formalmente iguais em sua soberania, adespeito de suas diversidades, desigualdades e hierarquias. E dizrespeito a bilateralismos, multilateralismos e nacionalismos, acomo-dando ideais de soberania e realidades geoeconômicas e geopolíticasregionais e mundiais. Apóia-se sempre no emblema, ou paradigma, dasociedade nacional, do Estado-nação, reconhecendo que este está sendodesafiado pelas relações internacionais, pelo jogo das alianças oudisputas entre os blocos geoeconômicos ou geopolíticos, pelas exigên-cias da soberania e a~ lutas pela hegelllonia. Essa interdependência, j;'1bastanle teorizada, diz respeito às vantagens e responsabilidalles denações dominantes, ou super-potências, bem como das n<lções depen-dentes, subordinadas ou alinhadas. Mas também há fundamentações ealegações em que se estabelecem as responsabil idades da ON U, do Jo'M Ie praticamênte a maioria das agências, organizações e corporações qucpovoam ocenári0lJl!!.I1dial. Também a União Européia, a Comunidadedos Estados Independentes (CEI), o Tratado de Livre Comércio daAmérica do Norte (NAFf A), o Mercado Sul-Americano (M ERCOSU L),a Associação das Nações do Sudoeste Asiático (ASEAN) e a Coopera-ção Econômica da Ásia e do Pacífico (APEC), entre outras fórmulas deintegração regional, organizam-se e funcionam com base çm umadefinição sistêmica de interdependência. No conjunto, os estudosinspirados na tese da interdependência das nações procuram reconhecer~spectos mais ou menos novos e notáveis da mundialização, mas semprc

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fundados no emblema da sociedade nacional, ou melhor, do Estado-nação, no suposto de que a essência desse Estado é a soberania; umasoher_ania que está sendo franca e drasticamente redefinida no jogo dasrelaçoes, processos e estruturas que consti~lIelJ1 a sociedade global.

Sim, a [ese da interdependência das nações é hem uma elehoraçãosistêmica de como se desenv91ve a problemática mundial. Diz respeitoa um cenário em que a maior parte-ôos problemas ap:lrece nas razücs,~slratégias, táticas e atividades de atores principais e sL:cundários, lI~lo~;.Jogando COIll (lS possihilidades da escolha racional.

Hlnll:Hkpl:llllt:ncia.lldinida ('m poucas palavra~. significa nllilua lkpl:ndt:ncb.Na polílica IInmllial. intl:rlkpl:,ndt:nciadiz reSpl:ilOa sitnaçr'l:Scaracterizadas pdoscil'ilos recíprocos elllre naçül:sou entre atnrl:Sl:mdiláenles naçües. ESIl:SekiltlS coml"reqiiélll.:iaresoltam de Iransaçül's interJmclonais: 1111XllSde dinhclro. mercadorias,pessoas e n","sa~ens allavés das fronteiras. Essas transaçr,es inlt:nsificaram-sedramatÍl"aml'lIledesde a Segund.• (ille•.•.a Mundial... As reiaç("esde interdepelllll:nciasempre envolvem eustos,.já que a itllenJcpellllénciaH:slringe a alltonomia: lIIas éimpossívd especificar de antelnão se os hl:neficios de lima rdação irão exceder llSl'IIStoS.Isto llependl:ráda categoria dos atnrl:s: tanlo ((uantoda natureza dóiSrdaçrll:s.N;,da garante qUl:a rdação que' (ksignalllos lll: ;,intenll:pellllência"será caractl:rizauaCOIIIO uCmútuo hendício "(4). '

A idéia de sistema mundial rCl.:onhece (lS novas realidades daglohalização, mas persiste na tese das relações internacionais, o quereafirma a continuidade, vigência ou preeminência do Estado-nação.RccOl~hece as disparidadL:s entre os Estados nacionais, quanto àcapa':ld~de .de .~lUação no cenário mundial, em {ermos políticos,eCOllomICOS, Illlhtares, geopolíticos, culturais e lantos outros. Prol.:uraftll.ldament~,r algumas características da sociedade glohal, no que serelere a relações internacionais, geopolíticas e geoewnômicas, bemcomo formação e dinâmica de regional ismos . Ajuda a mapear re lações,processos e estruturas específicas da mundialização. Inclusive funda-sena idéia de que o mundo, isto é, a coletividade d,'s nações, em todas suasdiversidades e desigualdades, pode ser visto como uma totalidade, umtodo contemplando partes ou atores interdependentes. Mas tende a ver

(4).Rohl:r' O. Kl:ohanl:and josl:ph S. NYl:.POli'('/" 1II/;'IIIII'ri/('/lI'Jli/('lIce. 2" edição.Ilarper Cllllins I'uhlishl:rs, 19H9.pp. 8, 9 l: 10.

o mundo como um todo que se volta para a interdependência negociada,administrada, pacífica, Supõe a paz entre as nações dominantes esubordinadas, ou centrais e períféricas, como tendência necessária,'predominante ou ideal realizável m.

Em algumas formulações, a tese de que o mundo pode ser vistocomo um sistema implica em certa dose de idealização. Há algo deutópico na maneira pela qual algumas formulações sobre ainterdependênciasistêmica supõe a integração, o equilíbrio ou a

. harmonia entre Estados nacionais, corponições, estruturas mundiais dedominação e apropriação, elites, classes, grupos e outros "atores"presentes no cenário local, nacional, regional e mundial. Uma utopiaidealizando a formação social presente e fundamentando diretrizesdestinadas a aprimorá-Ia. "Assim, a comuniuat!emundial aparece como um'sistema' , pelo qual quetemos significar uma coleçãodl:partes interdependentes,alllesdo que um grupo de entidades hastante ilJ(!l:pendentes,como era o caso no passado.Como conseqüência, o distúrhio do estado normal das coisas em qualquer parte domundo logo repercute por todo o mundo, conforme muitoseventos recentesclaramentedemonstram. (... ) O mundo não pode mais ser visto como uma coleçãode... nações eum conjunto de blocos econômicose políticos. Em lugar disso, o munuodeve ser vistocomo um conjunto de nações e regiões formando um sistema mundial, por meio dearranjos de interdependênCias.(... ) O sistema mundial emergente requer uma perspec-tivaholfstica no que se refere ao futurodesenvolvimentomundial: tuuoparecedependerde tudo, devido à trama das interdependências entre as partes e o touo" (6).

Enquanto teoria da sociedade, tomada como um sistema amplo ecomo um conjunto de subsistemas, a teoria sistêmica do mundo é, emboa medida, uma transposição da teoria sistêmica do Estado-nação. Muitodo que já se elaborou acerca da organização e dinâmica do Estado nacionaltem sido transposto para a análise do sistema mundial. É claro que os

(5) Raymond Aron, Paz e Guerra entre as Naçlies, trauução de Sérgio Balh, ElIitoraUniversidade de Brasília, Brasília, 1986; Karl Deutsch, Análise das Reiaç(je,fInternacionais, tradução de Maria R. Ramos da Silva, Editora Universidade deBrasília, Brasília, 1982; Norhl:rtoBobbio,A Era dos Direitos, tradução de CarlosNelson Coutinho, ElIitora Campus, Rio de Janeiro, t992.

(6) Mihajlo Mesarovic and ElIu:lrdPestel, Mallkind at lhe Turning Point (The SecontlReporlto the Cluh of Rome), E.P. DUllonand Reader's Digest Press, New York.1974, pp.18-21.

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autores situados nessa perspectiva teórica empenham-se em reconheceras originalidades e complexidades da realidade social mundial. Reco-nhecem que os problemas e dilemas da organização e dinâmica dal11undialização nascem neste âmbito, precisamente devido às originali-dades e complexidades da sociedade mundial. Mas continuam aprivilegiar o Estado-nação como o ator por excelência do sistemamundial. Ainda que reconheçam a força das empresas, corporações econglomerados transnacionais, compreendcndo inclusive a amplitudedos espaços que ocupam ou invadem, ainda assim os atores situados naperspectiva da teoria sistêlllica continuam a privilegiar o Estado-nação.Este continua a ser o principal emblema, ou tnesmo paradigma, <.Ia.interpretaç~o sistêmica da mundialização. "11msistelll:l internacional é umpadrão de relaçiics entre unidades básicas da política mundial, caracterizado peloescopo dos ohjetivos almejados por aqlielas unidades e as diretriles desenvolvidas porelas, assim como pelos meios utilizados de Iltlldo a realizar aqueles ohjetivos eimplemcntar aquelas diretrizes. Este padrão é ampliullentedeterminado pela estruturado mundo, a natureza das lc)rçasque operam através ou dentro das maiores unidades,hem como pela capacidade, nível de força e política cultunll dessas unidades. (... ) Taldefinição corresponde ilsdefinições aceitasde sistemaspolíticos nacionais, que tamhémsão caracterizados pelo escopo dos uhjetiv0s políticos'(oEstado restritu versusu Estadototalitário, o Estado do hem-estar social Versuso Estadü da livre empresa) e pelosmétodos de organização do poder (relações conslitucionaisentre oS ramos do governo.tipos de sistemas parlid;írios)"(7).

É claro que os estudos realizac!os na ótica da tcoria sistêmica estãoded icados a esclarecer problemas tais como os seguintes: inter<.lepen<.lênciae dcpen<.lência, alianças e blocos, biJateralislIlo e l1Iullilateralislllo,integração nacional c integração regional, geocconomia e geopolítiêã,narcotráfico e terrorismo, guerra e revolução, armamcntismo e paci fis-mo, ambientalismo e poluição, soberania e hegcmonia. Esses e outrossão problemas emergentes e recorrentes no âmbiltY' <.Ias relaçõesinternacionais! sempre envolvendo Estados nacionais, mas também

(7) Stanley HolTmann, "International Systcms and Intcrnational I.aw", publicado porKlaus Kliorr and Sidney Verha (editors). Tlle II/terl/atiol/III Sl'stelll (TheoreticalE~says),Princeton l1niversilyPIt:ss, Princeltlll. 1967, p. 207, A c.ilaçãocompreellllelamllém o texto da nola n° 4.

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Isempre ultrapassando seus limites. Daí o empenho evidente nos estudossistêmicos pelo esclarecimento do significado e importância das orga-nizações regionais e mundiais de todo tipo, desde aONU e o FMI atéa Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Agência Interna-cional de Energia Atômica (AIEA), entre muitas outras.

Cabe reiterar, no entanto, que em boa parte <.Iasanálises sislêmicassobre a sociedade mundial, tomada no seu todo ou em seus suhsistemas,persiste a prioridade conferida ao Estado-nação. Ainda que ~utrosatores revelem-se poderosos, impositivos e abrangentes, em âmbitonacional, regional e mundial, o Estado-nação permanece como oparâmetro principal, como o ator por excelência no jogo das relações,decisões e implementações em curso na sociedade mundial. "A funçãoreguladora tlas instituiçôes inlernacionais, exercendo pressão sohrc os estados, quanduse trata da colahoração e competição enlre eles, não esgota evidentemente loda ahistória. O critério da sua utilidade para os estados sugere que, em selllidumais amplo,as) organizaçôes internacionais lIevem ser concehidas COnH)ag~ncias de serviços.p~em ser consideradas como canais por meio dos quais os Estados prestam-se serviçosm tuamente; ou como corpos hurocrálicos criados e manlitlos pelos Estatlus parapr ver de serviços os seus memhrns. ( ... ) Os Estatlos mais desenvolvidos ap6iam-seno; serviços internacionaispara facilitar a conduta da sua diplomacia e do seu comércioint\:rnacional;e osmenosdesenvolvitlosesperamllas agências internacionaisnlOhilizaçãoda'assistência senla qual não poderiam sobreviver. As organizaçiies internacionais sãoel~enlos suplementares do siste.mamundial, designados a fazer pelos Estados algumasdas coisas que estes não podem reali7.:1r por si lIIesmos"(B).

É claroqut os atores são diversos e desigllais, quanto a sua força,sua posição estratégica, SUa amplitude <.Ieatuação, seu monopólio detécnicas dc poder. O Grupo <.Ias7 nações dominantes, compreenden<.loos Estados Unidos, Jãj)ão, Alemanha, Inglaterra, França, Itália eCanadá, inegavelmente dispõe de meios e modos para influenciardiretrizes não só de Estados dependentes, periféricos, do sul ou doTerceiro Mundo, como também as organizações bi e multilaterais,compreen<.lendo a ONU, o FMI, a OIT, a AJEA, entre outras.

(8) Inis L. Claudc Jr., SlI1te.rand the Global System (Polilics, Law and Organization),MacMillan Press, London, 1988, p. 129. Consultar também: Rohert Gilpin, LaEconomia Politica de las Relaciones Intern(Jâonales. tradução de Cristina Piiia,Grupo Editor Latino3mericano, Buenos Aires, 1990.

(. '7

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Esse é o âmbito em que se colocam algun~ problemas da maior.relevância, às vezes novos e ainda não interpretados. Um deles dizrespeito ao princípio da soberania do Estado-~ação. É claro que asoberania do Estado-nação periférico ou do sul é em geral muitolimitada, quando não é simplesmente hula; Se é provável que algunsdestes Estados nacionais alcançaram a soberania em momentos passa-dos, é muito mais provável qu~Jes pouco ou nada desfrutam desoberania na época da globalização do mundo. Adinâmica das relaç0es,processos e. estruturas que constituem a globalização reduzem ouanulam os espaços de soberania, inclusive para nações desenvolvidas,dominantes, centrais, do norte ou do Primeiro Mundo. A despeito dasprerrogativas que preservam e inclusive procuram ampliar, é inegávelque a soberania do Estado-nação é um princípio carente de novajurisprudência, e de outro estatuto jurídico-polít,ico. "A inc,lpacidade dos

, ESlados nacionais para responder a um meio global pmblemátil:O resultará na delegaçãode larefas e recursos aos fOfunse às agências inlcrnacionais c supranacionais. o quenão significa que essa tendência será uniforme on que nccessariamclllc produzir,í naprática impulsos democráticos. Essa expansão institucional. mesmo qu,lIldodiretamen-te instigada e orientada por Estados nacionais (isto é, por governos atuando em nome.de Estados), pro~~velmente produzirá um intrincado padrãll de aJoperação e compe-tição que imporá ulieriores limitaçües à liberdade de ação dos ESlados, Quanto maiora necessidade de coordcnaçãn polílica, mais dificil será para os governos seguircmsozinhos, e maior a tendência das instituições internacionais de eSlahclecerem limita-çües adicionais às opções práticas disponi~eis à "soberania" dos Estados ... Ocrescimento quantitativo e qualitativo. dea.(ores subnacionais. internacionais etransnacionais ... necessariamente' leva a uma contínua peneI ração alravês das fromeirasdos Estados ... O Estado não pode hhstar ou reverter as condiçjics maleriais que definemo sislema mundial emergente: a revolução tecnológica na comunicação e transportc, amohilidade transnacional do capital. as dimensües glohais e () impacto da deslruição,lInhicntal"(9). I

(9) joseph A. Camilleri and jim Falk, The Efld o/ So\lt'rei}lflity? (nu' 1'0litic.1' or aShrinking and Fragmenting Worlrl), Edwanl Elgar Puhlishing, Alt1ershot, England,1992, pp. 252 c 253, Consultar também: Karl W. Deutsch. úü NlII'iones en Crisis,tradução de Eduardo Lo Suárc7., Fondo de Cultura EconÍlmica. México, 1981:Antonio Cassese, I Diritt; UI1I{//l; nel Mondo Ctmtemporálleo. Etlilori Later7.a,Roma-Bari, 1988: Oscar Schachter, lntemlllional LolV ill 77/1'o'ry (/lId Pral'til'e,Martinus Nijhoff Puhlishers, Dordrecht-Boslon-Lollllon. 1991,

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No âmbito do sistema mundial, coloca-se também o problema dahegemonia, isto é, do Estado-nação mais forte e influente, monopoli-zando técnicas de poder e oferecendo ou impondo diretrizes aos outros.Mais uma vez, a perspectiva sistêmica privilegia o Estado-nação, tantoo que predomina como o que se subordina. Nessa perspectiva, asrelações, os processos e as estruturas características da globalização emgeral dissolvem-se nas interpretações relativas às relações internacio-. nais desenvolvidas pelas diplomacias nacionais. "A leoria da estabilidadehegemúnica, tal como se aplica à economia política internacional, define a hegemoniacomo preponderância tle recursos materiais, São especiahnente imponantes quatrogrupos de recursos, Os poderes hegemônicos devem ter controle das matérias-primas,controle das fontes de capital, controle de mercados e vantagens. competitivas na.produção de bens de valor elevado, (, .. ) Um Estado hegemônico deve possuir suficientepoder militar, para ser capaz de proteger a economia política internacional da incursãode adversários hostis. Isto é essencial, porque os temas econômicos. se são sulicien- .temente cruciais para os valores nacionais básicos, podem converter-se também emtemas de segurança militar. <: .. ) Não obstante. não é necessário que o poder hegemônicoexerça dominação militar mundial ... As condições militares necessárias para aeconomia hegemilOica são satisfeitas se o país economicamente preponderante temsuficiente capacidade militar para impedir incursões de outros, que lhe impediriamacesso às principáis áreas de sua alÍvidade econômica"110).

Note-se qUf:as.noções de soberania e hegemonia revelam-se nãos6 problemátiCas mas centrais, nas análises sistêmicas. Grande partedessas análises dedica-se a codificar as condições e as possibilidades desoberania e hegemonia. São temas da maior relevância numa época emque omundo se torna um cenário de muitas nações, em geral polarizadaspor algumas mais fortes. Em dada época, omundo pode estar polarizadoem torno dos Estados Unidos e da União Soviética, ao passo que emoutra polariza-se em torno dos Estados Unidos, Japão e Alemanha, ouEuropa Ocidental. Mas a Rússia polariza algumas nações do ex-blocosoviético. E a China poderá tornar-se outro pólo oportunamente. E hánações, como a África do Sul, índia, México, Brasil e outras quedesfrutam de posições especiais em sistemas geoeconômicos e(10) Rohert O. Keohane, Después de la Hegemonia (Cooperación y Discordia en La

Política Económicâ Mundial), tradução de Mina Rosenberg, Grupo EditorLatinoamericano, Buenos Aires, 1988, pp, 50 e 59.

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geopolíticos. Cabe observar, ainda, que dentre as nações-satélites sãomuitas as extremamente problemáticas, por seus dilemas sociais,econômicos, políticos e culturais. Algumas não possuem propriamentefisionomias de nações, já que estão atravessadas por drásticas divisõesinternas, envolvendo provincianismos, localismos, etnicismos, racis-mos ou fundamentalismos. Absorvem-se em lUlas internas e empe-nham-se em adquirir o estatuto de nações. São atores problemáticosem subsistemas regionais. Note-se, no entanto, que esse mapa do mun-do contempla também múltiplas corporações privadas e organizaçõesgovernamentais de âmbito bi e multilateral, como atores mais ou menosfortes no jogo das lutas que se sintetizam, em última instância, nasnoções de soberania e hegemonia. Em boamedida, as análises sistêmicasconferem a esse jogo de atores no'cenário mundial a responsabilidadepela organização e dinâmica do sistema mundial, como um todo e emseus subsistemas. "

Ainda que sua postura metodológica seja sempre isenta, neutra oueqüidistante, no que se refere às relações entre as partes e o todo, ou nojogo das relações entre os atores participantes do sistema, a teoriasistêmica envolve geralmente as noções de evolução e modernização docapitalismo. De modo implícito, ou abertamente. a maioria das inter-pretações da realidade em termos da organização e dinâmica dossistemas e subsistemas nacionais emundiais contempla o suposto de quea organização e dinâmica prevalecentes tendem a pautar-se pelassociedades modernas mais desenvolvidas, dominantes, centrais ouhegemônicas. Há um evidente ocidentalismo, juntamente com o capi-talismo, quando as interpretações esclarecem o modo pelo qual àSpartes, as unidades, os segmentos ou os atores menos desenvolvidos,isto é, arcaicos, periféricos ou marginais são contemplad~s na organi-zação e dinâmica da sociedade mundial. A própria noção de hegemonia,conforme tem sido definida nas análises sistêmicas, supõe que ohegemônico não só centraliza e dirige, mas também orienta, impõe ouimplementa diretrizes destinadas a tornar os tradicionais emmodernos."A expansão das organizações transnacionais e a simultânea multiplicação de governosnacionais são, ambas. em certo sentido. respostas às tendências de modernização social,

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econômica e tecnológica que estão varrendo o mundo. Os novos de~env~lvimen~os ~aeconomia. tecnologia e administração tornaram possivel que organazaçoes funclOn~lsC$pCClficas- tais como a corporação ou o serviço militar - operass~m .em ~1~bIlOilObal. .. Transnacionalismo é o modo norte-americano de expansão. Slgnafic.a IIber-~e de ação' antes do que 'poder de controle'. A expansão do~ Es~ados Unados ,temsido uma expansão pluralistica. na qual uma varieda~e .de or.gantzaçoes. governamen-tais e não-governamentais. procura realizar os obJetiVOs lI~portantes para ele.s noterritório de outras sociedades. (... ) A penetração norte-americana ~m outras sO~leda-des era geralmente justificada ... na base da superior~dade tecnológica e econômica. oque deu a grupos norte-americanos o direito presumido - e até mesmo o dever - de, .' d d "(lI)realizar certas funções especializadas em outras socle a es . .

Nesta altura da narração, logo se revelam algumas confluêncIassignificativas. A teoria sistêmica do mundo compr:ende ~mb~m asnoções de ocidentalismo e capitalism? São os ~adroes, os IdeaISe asinstituições do capitalismo e ocidentahsmo, ou VIce-versa, ~ue.co~an-dam a organização e dinâmica da mundializaç~o. ~ mundlahzaçao étambém e sempre modernização, mas modermzaçao nos moldes docapitalismo ocidental. _ . .

A teorià sistêmicadomundo envolvetantoas noçoesde ocldentahsmoe capitalismo como as de modernização e evolução, co~preendendointegração e diferenciação; no que se refere a .formas.de vI~a e .trabalhoou organização e dinâmica de sistemas e subSIstemas, em ~mblto 10c~l,nacional regional emundial. Envolve o suposto de que o slste~a SOCIalmundial é ou tende a configurar-se como um todo articulado com baseno princípio da causação funcional, em que os atores sã~ levados acomunicarem-se entre si e a agir em term~s de escolha racIonal. Umatotalidade problemática, mas tendente à integraçã? Supõe que .adinâmica das partes-mais ou menos ativas, desenvolVIdas ou pr:doml-nantes, pode difundir-se pelas partes menos ativas,.subdesenvolvld.as ousubalternas .. Sob certos aspectos, é possível dIzer que a teona damodernização mundial adquire maisconsis~ncia quando secomplementa,

(11) Samuel P. Huntington, "Transnational Organizations in World Politics". WorúlP I. . I XXV nV 3 1973 pp. 344 e 345.6. Consultar também: Everell E.o lfles. vo . • • • .' ) ThHagen. On the Theory of Social Change (How Economlc Growth Begms, eDorsey Press, Homewood, lIIinoi~. 1962.

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ou sofistica, com a teoria sistêmicado mundo. Podem ser tomadas comoas duas. fa~e! da ~e~m~ moeda, isto é, da mesma forma de refletir sobre.a c~nstltU1çao e d.lIlamlca da,realidade social, em âmbito local, nacional,r:glOnal e mu.ndlal; ~os moldes do capitàlismo, muitas vezes apresen-I,ldo como oCldentallsmo ou modernismo.

. Talvez se possa d!zer quea te£Q~ sistêmica apresenta uma'versãolllalS elaborada da teona da modernização, já que naquela escondem-sealg~ns do~ valores, ou padrões, ideais e instituições, que se mostra~mUito maiS explícitos do que nesta. "O sistema sqcial podc mudar as suas"~.Inlluras somcllt: pela cvolução. Evolução prcssup<1e reprodução illlto.refercnciadae muda. iI~ COIl~lçcies estruturais de reprodução pelos diversos mecanismos d~,lilclenc,~çao. taIs como variação. seleção e estabilização. Alimenta desvios d'.",:ruduçao nOl'lllaL Tais desvios são em geral acidentais. mas no caso dos sistema:SOC',\I~. ~OdClll ser IIIt~/~lOnalmcnte produzidos. A evolução. no entanto, opera sem11111ohJellvo e sem ~revlsilo. Pode IllOlluzir sislemas de mais alta complexidade. A longop' a7.0. pode transformar evel1lOS improváveis em prováveis; e algum observador p ldev.cr Isto como :progresso' (se o seu próprio sistema de refertncia persuadi-lo diS~O).~o:l1e~lt~ a le~f1a da evoluç.ão po~e ~x~licar a transformação estrulural da segmentaçãoà estr:lllficaçao e da estrallficaçao a dIferenciação funcional; o que levou à sociedademundIal de hoje "(12).

Note-se tI..ue'.'d:sv.ios" destiQ~.dos a provocar mud~nça social, oumesmo ~voluça~ slst<~lm.ca,podem ser" intencionalmente produzidos." .~a .re,alldade, sao prmclpalmente as "elites" dominantes (envolvendolI~dIVI~UOS,g~upos, classes, organizações governamentais, organiza-çocs h~e I~IU~tll.?terais'"corporações nacionais e transnacionais) algunsdo.s rnnclpa~s atores que concretamente agem de modo a produzirortellta~ e dmamizar "desvios" destinados a provocar mudança o~evoluç.ao ..Uma pa~t~ volumosa da produção de economistas, sociólo-gos: ~Ientl~t~s p~htJcos, geógrafos, demógrafos e demais cientistasSOCIaiSesta II1splrada, aberta ou implicitamente, por "objetivos" ou

(12) Niklas Lukmann, "The WorliJ Sociely as a Social Syslcm". fllll'l'l/ationalloun;alI!/ Ge~('f(/l ~YJtemJ. vol. 8. 1982. pp. 131-138; citação das pp. D3-134. Consultarta~l1~ell~:Nlkl~s Luhlll:ll111.Sociedad Y Sistema: la Ambicilíl/ de la Teoria. traduçãode S,mtla!!o Lopc7. Petlt e Dorhlhee Schmit7-. Ediciones Paidús IhériC'l B'lr"clllll'lII)l)O. '. ,~ "

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"previsões" destinados a produzir crescimento, desenvolvimento,industrialização, urbanização, secularização, individuação, racionali-zação, modernização, evolução, progresso. Não se trata de duvidar daisenção ou inocência da teoria sistêmica, mas sim de reconhecer que elatem inspirado objetivos e previsões destinados à ocidentalização domundo, nos moldes do capitalismo.

Dentre as características mais significativas da cultura ocidental.no contexto do sistema social internacional, destaca-se: "Odesenvolvimen-la de quadros de referência normativos e instilucionalizados de organização da socie-dade secular desellvolvida; ao passo que a maioria das culturas não oci,lentais maisimporlalltes tem deixado maior espaço para o 'tradicionalismo', o que se evidencia naseconomias predominantemente campooesas. pela posição social especial das aristocra-cias hereditárias. pelo relativamente baixo ou mesmo ausente nível de educação delodos, menos uma pequena elite etc. Sejam quais forem as mais profundas hasesculturais do predomínio.dos valores ocidentais (e para mim estão em última instânciaenraizados em orientações religiosas). a conseqüência primeira de seu presentesignificado está na imensa tnfase na importância de dois níveis prelililinares daoperativa nrganização das modernas socied<tdes, isto é. da 'modernização' efetiva daeslrutura política da sociedade e da economia. No caso da política, o impulso no sentidodo desenvolvimento de um 'Estado moderno' está. acima de tlldo. na efetiv<torganização de caráter. burocrático, o que significa a eliminação ou drástica reduçãoda influência dos grupos 'tradicionais' de poder ... O outro contexto importante é amodernização da economia, que tem significado, mais ou menos, uma prioridade itindustrialização, como nós a entendemos, com o seu liSO da organização hurocrática,de uma ágil e .tecnicamente treinàda força de trahalho. extensão das transaçÍlesmonetárias e da organização do mercado. além de v;írias outras caraclerísticas do

gênero" (13).

Cabe observar, ainda, que as lnterpretaçõe~ sistêmicas do mundo,como um todo e em seus múltiplos subsistemas, são provavelmente asmais comuns entre as utilizadas praticamente pelos "atores" ou pelas"elites" dominantes tanto em sociedades nacionais como na sociedademundial. Elas resp~ndem, de modo sintético e técnico, às vár(asexigências desses atores ou elites. Permitem taquigrafar as complexida-

(13) Talcott Parsons, P.olitic.f olld Social Slrlu:ture, The Free Press. New York, 1969.pp. 305-306. Citação extraída do capo 12: "Order and COl1ll1lunity in lheInternational Social Systel1l". pp. 292-310.

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des e contradições das mais diferentes formações sociais, de modo aeleger fatores, atributos, indicadores ou variáveis, principais e secun-dários, quando se trata de provocar ou induzir" desvios" e ••prev isões" .Podem ser tomadas como elaborações mais ou menos sofisticadas darazão subjetiva, instrumental ou técnica, construindo esquemas, mode-los, estratégias ou jogos, por meio dos quais formuIam-se diagnósticose prognósticos, planos e projetos, diretrizes e implementações. "Acapacidade de sobrevivência dos sistemas sociais humanos depende, emgrande medida, da sua capacidade de adaptar-se ã realidade mutável ...Já que as modas de pensamento e crenças ... são mutáveis, os sistemassociais são constantemente ameaçados desde dentro ... Os sistemassociais são ameaçados também do exterior, pois que outros sistemasameaçam mudá-lo ou destruí-lo ..., O~sistemas estão sempre sujeitos apressõeS do exterior e do interior e devem permanecer sempre alertas,se querem preservar a própria sobrevivênCia a longo prazo"(14).

Sob vários aspectos, as interpretaçoes sistêmicas do mundoconstituem-se em ingredieJites não só ativos, m~s fundamentais, do .modo pelo qual está ocorrendo a globalização. Constituem um vasto ecomplexo tecido de interpretações, orientando as atividades e osideários de muitos atores e elites presentes e atuantes nos mais diversoslugares, Ajudam a taquigrafar e codificar, organizar e dinamizar, oudesenhar e cristalizar o mapa do mundo, em conformidade com aperspectiva e os interesses daqueles que predominam nojogo das forças'presentes e atuantes nas configurações e nos movimentos da sociedadeglobal.

(14) Ervin Laszlo, La Vüione Sislem;ca dei MO/ldo, tradução de DaviJc Cova, GrupoEdilorialc Insiemc, Recw, Itália, 1991, pp.'92-93.

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v

A Ocidentalização do Mundo

DESDE QUE a civilização ocidental passou a predominar nos quatrocantos do mundo, a idéia de modernização passou a ser o emb!el~a dodesenvolvimento, crescimento, evolução ou ~rogresso.!:s mais dIver-sas formas de sociedade, compreendendo tnbos e naçoes, cultura~ e

. '1' aço-es passaram a.ser influenciadas ou desafiadas pelos padroesCIVIIZ,. . I"d d ". Ie valores sócio-culturais característicos da oCld~nta I a e, pn~clpa -mente sob suas. formas européia e norte-amenc~na. As no~oe~ demetrópole e colônia, império e imperialismo, lI1~e~dependenclaedependência, entre outras, expressam também? va!vem do processohistórico-social de ocidentalização ou mode.rnIz~çao d~ mundo; ~snoções de país desenyolvido e subdesenvolvIdo, .Industnal e agrano,

t 'Ie periférico do Primeiro, SegundoeTercelro Mundos, do norteeeo ra, " _e do sul ou moderno e arcaico, essas e as demaIS noçoes que povoam

7')

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",.~.i

e 70ntin~am a povoar o imaginário mundial no século XX, já nosprimórdios do XXI, trazem consigo a idéia de moderniEação do mundo.As noções de revolução de expectativas, dualidades estruturais, trocasdesiguais, deteriorização das relaçõesde intercâmbio, terceiro-mundismo,nasserismo, maoísmo, castrismo, populismo, socialismo, comunismo,reforma e revolução, entre muitas outras, também trazem consigo estamesma idéia de modernização;-em níveis nacionais, regionais emundiais. A própria atuação da Organização das Nações Uniaas(ONU), por suas diversas organizações filiadas, no que se refere àeconomia, política, cultura, educação e outras esferas da vida socialtem sido uma atuação destinada a apoiar, incentivar, orientar ou induzi;.à modernização, nos moldes do ocidentalismo. Do mesmo modo asempresas, corporações e conglomerados transnacioriais operam demodo,a incentivar e induzir a modernização das atividades e mentalida-des. E claro que a mídia impressa e eletrônica, organizada em redesinternacionais, transnacionais ou planetárias, exerce papéis decisivosna formulação. difusão, alteração e legitimação de padrões, valores einstituições modernos, modernizados, modernizáveis e modernizantes.

A modernização do lIlundo implica a difusão c sedimentaçãodos padrões e valores sócio-culturais predominantes na Europa Oci-dental e nos Estados Unidos. Estão em causa os princípios da liber-dade e igualdade de proprietários articulados no contrato juridica-mente estabelecido. Estão el11 causa os processos de urbanização, deindustrialização, de mercantilização, de secularização e de indi:vi-duação. No âmbito do ocidentalismo, predominam não só a indivi-duação, mas também e principalmente o individualismo. Em distin-tas gradações, tendem a predominar as figuras do ho///() economicusc do homo politicus, subsumindo as mais diversas formas e possibilida-des da vida social. O individualismo possessivo, relativo à proprie-dade, à apropriação e ao mercado, expressa boa parte do tipo de per-sonalidade que tende a predominar na sociedade moderna, moderni-zada, modernizante ou modernizável. "A concepção de mundo mo-derno, prevalecente nas sociedades avançadas da Europa Ocidentale nas sociedades de fala inglesa, ganhou a dianteira na formação de

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I:

; jnstituições internacionais e na transformação do mundo, em resul-; lado da generalizada adoção dos seus valores e instituições"(') .. 1.•;l H~ A tese da modernização do mundo sempre leva consigo a tese

'f ae sua ocidentalização, compreendendo principalmente os padrões,'valores e instituições predominantes na Europa Ocidental e nosEstados Unidos. É uma tradução da idéia de que o capitalismo é umprocesso civilizatório não só "superior", mas também mais oumenos inexorável. Tende a desenvolver-se pelos quatro cantos domundo, generalizando padrões, valores e instituições ocidentais. Éclaro que sempre se acomoda ou combina com os padrões, valorese instituições com as quais se defronta nas mais diferentes tribos,sociedades, nações, nacionalidades, culturas e civilizações. Podeconviver mais ou menos tensa ou pacificamente com outras formasde organização da. vida e trabalho; mas em geral predominando.

A teoria da modernização está na base de muitos estudos, debates,prognósticos, práticas e ideais relativos à mundialização. Tem porsuposto fundamental que tudo que é social se moderniza ou tende amodernizar-se, nos moldes do ocidentalismo, a despeito dos impasses,ambigüidades, dualidades ou. retrocessos. Modernizar pode ser secu-larizar, individualiZl:lr,urbanizar, industrializar, mercantilizar, racio-nalizar. Implica () suposto de que o que'já ocorreu e continua a ocorrerna Inglaterra, Alemanha, França, Estados Unidos, Canadá, Japão e e~lloutras nações, naturalmente em diferentes gradações, certamenteestará ocorrendo em todas as demais nações da Europa, Ásia, Oceaniá,África, América Latina e Caribe. O mesmo capitalismo que se consolidae desenvolve nos países centrais, do Norte, metropolitanos ou domi-nantes tende a espalhar-se pelo mundo, impregnando as sociedadescoloniais, subdesenvolvidas, agrárias, dependentes, periféricas, doSul, do Terceiro Mundo. Sem esquecer que no ideário da teoria da

\1 (1) C.E. Black, The Dynamics oI Modernization ( A Sludy in Comparative History),!'j Harper & Rnw Publishers, New York, 1966, p. 139. Consultar também: Serge

Latnuche, L 'Occidenta!isaliull d/I MOI/de, La Découvert!=. Paris, 1989; JeanChcsn~aux. Modernité-Monde. La Découverte. Paris. 1989; Samir Amin,L 'E/lrocentrisme (Critique d'une Idéolngie). Anthropos, Paris, 1988.

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~no~er~izaç~o es~ão presentes a democracia, os direitos de cidadania; a~ns~lt~clOnal,I~~çao das for?as_sociais em conformidade com padrõesJund~c~-poh~lc~s de negoclaçao e acomodação; o estabelecimento dascondlço.es ~ 1~lmtes das mudanças sociais; as garantias contra as idéiasrevol.ucl.onanas traduzidas em práticas; a precedência da liberdadeeconOl~l1Icaem face da política; a primazia da cidadania política em faceda social e cultural (2).

. P~d~-se dizer que a teoria da modernização tem por base tambémo P~Il1CIPIOda ".mão invisível", imaginado pela primeira vez por AdamSmlth. Na.medlda el,n que se desenvolve a divisão do trabalho social emescala nacIOnal, regIOnal, iJlternacional e global, promove-se a difusãodos fat.ores produtivos, das capacidades produtivas, dos produtosprodu~ldos e ,d? bem-estar geral. No limite. a mão invisível podegarantir .a felicidade geral de úns e outros, em todo o mundo emconfo~mldade com os princípios do mercado, do ideário do liberal ismoe ne~h~eralis.mo: economia e liberdade; liberdade econômica comocondlç.ao de Itberdade polític.a; liberdade e igualdade de proprietáriosgarantidos pelo contrato codificado no direito (.1).

Oneoliberalismo d?s ~e~pos da globalização do capitalismoret,o~a e desen~olve ~s pnnClplOS qu~ se haviam formulado e posto emp~attca com o IIberallsmo?u a doutnna da mão invisível, a partir doseculo XYIII. Mas o que dlsilllgue o neoliberalismo pode ser o fato deque ele diZ respeito à vigência e generalização das forças do mercadocapit.alista em âmbito gl~b;,ll .. É verdade que alguns de seus pólosdOl~ll1alltes e centros declsofloS localizam-se nos Estados nacionaismais fortes. Em escala crescente, no entanto, f()rmam-se pólos domi-

(2) David C. McClellalllJ, Tlle Achieving Sociel)', Irvingllln Puhlishcrs, New Yllrk)9~6: C:D. Macpherslln, The 1'"lili('al Themy II( l'o,I',\'(',\'siveIIIr/il'ir/uali,ml. OXlilnilJllIve~slly Press. Oxfurd, 1990; T.n. Marshall, Cidadania. Classe Social e SW/IIS,trad~ça,o de ~elon 1'01'10 Gadelha, Zahar Editores, RJII de 1:Ineim. )967, esp, ca ,111: Cllladallla e Classe Social". p

n) 10llll Ea,twell, Murray M ilgate and Peler Newll1an (edilors), nu' III1'isilJle HWIII, 'fheMacM.llan Press, London, 1989; Milton Friedlllan. Capílllli,I'II10 e Ubndlllletradução de !.uciana Carli, Ahril Cultural. São Paulo. 1984. '

nantes e centros decisórios localizados em empresas, corporações econglomerados transnacionais. Aí nascem diretrizes relativas àdesestatização, desregulação, privatização,liberalizaçãoe regionalização.São diretrizes que principalmente o Fundo Monetário Internacional(FMI) e o Banco Mundial (BIRD) encarregam-se de codificar, divulgar,implementar e administrar. Enquanto o liberalismo baseava-se noprincípio da soberania nacional, ou ao menos tomava-o como parâmetro,o neoliberalismo passá por cima dele, deslocando as possibilidades desoberania para as organizações, corporações e outras entidades deâmbito global.

São "elites" de vários tipos que organizam e dinamizam asinstituições multilaterais e as corporações transnaCionais,' além deoutras entidades de alcance mundial. Formam tecnoestruturas armadasde recursos científicos e tecnológicos, em condições de produzirinformações, análises, diagnósticos, prognósticos, diretrizes e prática~relativos a diferentes problemas e desafios, em escala mundial. Eevidente que a modernização do mundo, em geral na esteira dagIobalização do capitalismo, confere tarefas fundamentais aos quadrosou elites intelectuais (4).

Sim, a teoria da modernização confere um papel especial às elitesmodernizantes e deliberantes. Podem ser elites intelectuais, empresa-riais, militares, religiosas e outras, vistas em separado e em conjunto.Seriam os grupos que inovam, mobilizam, organizam, dirigem, expli-,cam e põem em prática. O povo, as massas, os grupos e classes sociaissão induzidos a realizar as diretrizes estabelecidas pelas elitesmodernizantes -e deliberantes. Daí a necessidade de alfabetizar,profissionalizar,7;';banizar, secularizar, modificar instituições e criarnovas. reverter expectativas e outras diretrizes, de modo a viabilizar a

(4) JollII K, Galbrailh, Tlle NelV Industrial Slale, H;nllish Hamilton. London, 1967.especialmente o capo VI; Richard N. Gardner and Max F. Milikan (editors), 77leGlobal Partnership(lnternatillnal Agencies and Ecolloll)ic Development), FrederickA. Praeger Publishers, New York, 1968; Alvin W. Gouldner, EI Futuro de loslntelectuales y el Ascens() de la Nueva Clase, tradução de Néstor Miguez, AlianzaEditorial. Madrid, 1985,

7<)

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execução e dinamização dos objetivos e meios de modernização,modernos, modernizantes. Há algo de schumpeteriano na teoria damodernização do mundo caminhando na esteira da globalização docapitalismo. "O problema crucial é a presença ou ausência, em uma oudiversas esferas institucionais, de um ativo grupo especial de 'empre-endedores', ou uma elite apta a oferecer soluções para a nova escala deproblemas"(5).

I .••••••••.••.. ,

Na época da globalização, mundializam-se as instituições Iliaistípicas e sedimentadas das sociedades capitalistas dominantes. Osprincípios envolvidos no mercadoe no contrato generalizam-se, tornan-do-se padr<1espara os mais diversos povos, as mais diversas formas deorganização social da vida e do trabalho, independentemente dasculturas e civilizaçücs. Princípios que se tornam progressivamentepatrimônio de uns e outros, em ilhas, arquipélagos c continentes:mercado, livre empresa, produtividade, desempenho, consumismo,lucratividade, tecnificação:, automação, robotização, flexibilização,informática, telecomunicações, redes, técnicas de produção de real ida-ues virtuais. Esse é o contexto em que as coisas, as gentes e as iuéiaspassam a ser atravessados peladesterritoriali~ação, isto é, por outrasmodalidades de territorialização.

Na medida em que se dcsenvolvem e generalizam, os processoscnvolvidos na modernização ultrapassam ou dissolvem fronteiras detnuo o tipo, locais, nacionais, regionais, continentais; ultrapassam ouuissolvem as barreiras culturais, lingüísticas, religiosas ou civilizatórias.Por sobre tudo o que é local e nacional, desenvolvclIl-sc relações,

(5) S.N. Eiscllsladt. "Social Challge. Difcrcnlialion .Ind Evolulion". Al1IeriulII

Soâ%[;ica/ Rel'iew. vol. 29. n° 3. 1964. pp. 375-386; citaç~o da p. 384; S.N.Eiscnstadl. Modernização: Protesto e Mudança (Modcrnizaç~o de SociedadesTradicionais). lraduç~o de José Uurjão Neto. Zahar EtliIOl!CS.Rio dc Janeiro, 1969;C'lark Kcrr, Jolm T. Dunlop. hederick 11. Jlarhison and Charlcs A. Mycrs./1II/lIstrio/i.HII 111111/1II/IIJtrio/ MI/'" (fhc I'rohlcm 01' I.ahm .lIId Managclllcnl inEconolllic Growlh), I1arvard IJniversity I'rcss. Call1hridge, 1%0; Joscph A.SdlUlIlpelcr, 77/e 7111'1Jry'1EClJllOmic Del'l'/opment. traduç~o de Rcdvers Opie,Oxlilrd Universily Press. New York. 1961. csp. cap. 11: "The FundamentalI'henolllcnon 01' Econolllic Devclopmenl".

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processos e estruturas dinamizadas pela modernização, em geraltraduzida em técnicas sociais de produção e controle, Muito do que se 'faz e pensa no mundo passa a pautar-se pelo que é, parece ou pode sermoderno. E o que parece ou pode ser moderno, modernizado,modernizável ou modernizante traduz-se necessariamente em prático,pragmático,. técnico, instrumental. "A tecnologia, como uma forma deorganizar a produção, como uma totalidade tle instrumentos, esquemas c inventos quecaracterizam a era da máquina. é, pois, ao mesmo tempo, um modo de organizar cperpetuólr (ou mudar) as relações sociais, as manifestações predominantes do pensa-

. .• I'" - ,,(lo)mento. os padrões de comportamento e um mstrumenlo ue contro e c uommaçao .Esse é o reino da razão instrumental, técnica ou subjetiva,

permeando progressivamente todas as esferas da vida social, em âmbitolocal, nacional, regional e mundial. No mesmo curso da modernizaçãodo mundo, simultaneamente à globalização do capitalismo, prosseguea generalização do pensamento pragmático ou tecnocrático. Caminhamjuntos, mais ou menos conjugados ou desencontrados, espalhanuo-sepelo mundo. Esse o modo ue pensar e agir que se generaliza. ,

"Relaciona-se essencialmcnte com meios e fins. com a adequaç~ollc pl"llccdilllco'tos a propÍlsitos mais ou menos tidos como certos e que se presumem auto-cxplicativos.Concede pouca importância à indagação de se os propÍlsitos como t<lis são racion.lis.Se essa razão se relaci<Ínade qu.llqucr modo com os fins, ela tcm como certo quc Cslcssão também racionais no seniido suhjelivo, isto é. de que servcm ao ilncrcssc do sujciloquanto à autopreser~aç~o - scja a tio indivíduo isolado ou a da clllnunidade dc cujasubsistência depende a preservação do indivíduo. A idéia de que um ohjctivo possa serracional por si mesmo - fundamentada nas qualidades que se podcm discernir dcntrodele - sem rcferêlicia a qualqucr espécic de lucro ou vantagcm para o sujcito, éinteiramente alheia à razão suhjcliva, mesmo quando esta sc ergue acima da considc-ração dc valores utilitários imediatos c se dcdica a rellexões sohre a ordcm social comoum todo"(/).

(6) Herhert Marcuse. "Somc Social Illlplicalions of Modem Technolllgy". St/ldieJ in

Phi/osophyml(/ Social SciellÍ"e. vol. IX. nO3. New York, 1941. pp. 414.439; citaçãllda p. 414. Consultar tamhém: lIerberl Malcuse, O"e-Dime"Jiolllll MIIll. Bcac.:onPrcss. Boslon. 1966.

(7) Max Horkhcilller, Eclipse da Razão, tradução de Sebastião Uchoa Lcite. EditorialLahor do Brasil. Rio de Janeiro, 1976. pp.II-12. Consult!lr tamhêm: Theolior W.Adorno e Max HorkheilllCr, Dialética do Esclarecimento, tradução de GuidoAntonio de Almeida. Jorge Zahar Editores. Rio de Janeiro. 1985.

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;.

Por sob o ideá rio da modernização universal está presente a idéiade evolução progressiva, diferenciação crescente, aperfeiçoamentoiIimitado. Nessa perspectiva, a mundial ização seria um desdobramentopossível, necessário e inevilável do processo de modernização inerenteao capitalismo, entendido como processo civilizatório destinado arealizar uma espécie de coroamento da história da humanidade. Aospoucos, modernizar e evoluir tornam-se reciprocamente referidos,intercambiáveis, correspondentes. Na esteira da modernização, colo-cam-se a evolução e o crescimento, o desenvolvimenlo e o progresso,sempre no âmbito da sociedade de mercado, do capitalismo. Uma idéiaantiga, já presente nos primórdios do liberalismo e do positivismo,readquire vigência e força no âmbito dos problemas práticos e teóricossuscitados pela globalizaçãn do capilalismo.

O evolucionismo subjacente à idéia de modernização já não éapenas aquele formulado por Herbert Spcncer, um tanto linear,determinístico e eurocêntrico. Nem o que se acha implícito no positivismode Auguste Comte, tambérnllnilinear, determinístico e ellrocêntrico. Oneo-evolucionismo formulado desde meados do século XX é maislIuançado, contempla rupturas e reorientações, além das diferenciaçõese mudanças da realidade social, como um todo e em suas diversasdimensões econômicas, políticas, culturais e outras. Está fertilizadopelas controvérsias com o marxismo e outras teorias. Mas guarda umcompromisso essencial com o funcionalismo. Nos estudos de cunhoevolucionista, a glohalização aparece como coroamentb necessário,mais ou menos harmônico e funcional..Combina recorrências e sincronia~,caminhando sempre para diferenciações necessárias, cada vez maiscomplexas, integradas e aperfeiçoadas. Supõe uma tendência predomi-nante de articulação harmônica entre as partes e o todo, as sociedadesnacionais e a sociedade global.

Há algo desse evolucionismo na "tese" do fim da história. Elailllpl ica o suposto de que a humanidade estaria alcançando, ou já teriaa Icançado, seu patamar superior, seu clímax, superando contradições erupturas estruturais.' A despeito dos problemas ainda rcmanescentes, emesmo de outros emergentes, a humanidade estaria entrando em uma.

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época de realização mais livre do progresso, de~i~ando-se principal-mente ao próprio aperfeiçoamento. Uma especle de ante-sala do

paraíso, .1 .1". . 'rises paralehs"À medida que a humanidade se aproxima do fim uO m! eniO, as c '.. .' .d .t .slno e do socialismo centralizado deixaram no rmgue um só con~pelldor,o auton an . I d . 'a "Ia liberai a.d I .Ia de validade potencialmente umversa : a emocl c ,como uma I eo og . ti 'd I.' Idoutrina da liberdade individual e tia soberania popula~. ~u~entos ~nos epol~, e. ~ e~~dado vida às Revoluções Francesa e Americana, os prmclplos de IIbeltlade e IgU,1 a .mostram-se não apenas duráveis, mas também ressu~gentes. ( .. :~ ~ ~u:es~(~. ~:I

. . d. d de lugares e entre muitos povos tlr/crentes mdlc,III,1democracia numa extensa vane .1 e . _ _ 'd '. '.os tle liberdatle e igualtlade nos quais eles se baseiam oao sao aCI entes

:~er~:urt~~~~P~e preconceito etnocêntrico; são na .vertlade descober~a~ s~)hre a :Jat0tlre~~1". d de não diminuI mas se torna mais eVIdente ,Ime I ,\do homem como homem, cUJa ver a ,

. ,. "(8)ue o ponto de vista fica mais Cllsmopo tta .. ..) ..q Na época de globalização do capitalismo, entra em cend a Ideol.ogltlneoliberal, como seu ingrediente, produto e cO~ldição. Quando se criam.fortalecem e generalizam as estruturas globaIS d: poder, por sobre osEstados nacionais, cria-se a ilusão de que a epoca .collturb~d~ ~ocapitalismo alcançou seu limite, de que chegou o fll~' .da ~lsto~la.I gina-se "que a humanidade atingiu o ponto final de sua evoluçao Ideologl~a,colllm~ . . ,. rberal oddental sobre todos os seus concorrcntcs no Inl.ll doo tnunfo tia tlem~cr~cla I ". J 'roso rival tinha sido categoricamcntcséculo XX O faSCismo, OUtIOl,1 um plll e.. , ' .,

. . G . M d'al () '.olllunismo o grande' advcrsano do pos-d t 'd na Segunda uerra un \. ~, . Ies rui o . , el colapso rendendo-se como sistema ao capitalislllo qlle tIIr laguerra, estava edlllvdlslv bar D:'sa.creditadas essas duas alternativas glohais, restaramoutrora procura o er-ru . ~.. 'd .', I

' . d ., d Ilistúric()' nacionalismos sem conteu o SOCI.lenas reslduos locaiS o passa o, . r .ap .. -..1 fllndamenwlislllos confinados a conlllllldades re tgm-defimdo ou pretensao ulllversa • '.d d Ter"el.ro Muntlo A vitlllia do capitalislll()T zonas subdesenv() VI as o ~ .sas espec~ I~as em d _ só na. Europa com a derrota do nazismo e a desilltegraç~() do

~il~~~:i's~:~~ I;a:sç;an~; 110 ~~~I::II~l~I~;eai:~;~~~tl~~:~~~~;~oc~~~2::1t:1~~I)r~~a~~:~II~I~I~I::transformaçao do Japao no pos guer ,

" .1' - d CI.na"(9)Taiwan, a crescente IllCrCan11Izaçao ali.

. - I' A IydeSO"lres(8) Frallcis Fukuyama, O Fimdlll1i.l'tária co lJ/timo/Jomem, tradUça()~ c 11 ,.

Rodrigues, Editora Rocco, R~o ~~ Janeiro, 1992/~}~;1~~) el~aliuçJo de Alvaro(9) Perry t\ndersoll, O Fim da IIl.1'tofla (De ~Iegel a u y •

Cabral, JorgeZahar Editor, Rio de Janclro, 1992, p, 11. ,

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Talvez se possa dizer que, em essência, o evolucionismo fun-d~-se em. un~a h~storicidade um tanto linear, automática, produzida pelad~fe~enclaça~ mterna d~s atividades e funções. Transfere para areahda~e social, ou pr~prJ~mente his.tó.rica, o princípio epistemológico:o:mulad.o pelo evoluclOntsmo darwlIllsta, relativo à biologia humana,a .l,~una e a f1o~a: Conté~l umaespéçi.e de organicismoe implica em umavlsao naturaIJstlca da vida social da historicidade .I() s()cl'al "E '-,, ' u.. <llInossoeSlllllo de sOl;I~dadesserelllos ol'icntados por ullla perspectiva evolutiva ... Concehe ohOlll,cmCOIllOIIltegrantc do mundo orgânico, e a sociedadc humana e a cU/lura COIllOanahs:ldas corretamente no quadro geral adclllndo ao pl'O"esso,1'1 VI'/'1 IJ'. -, .. . I.... .. u, (. '. se-se, ou naoo ;~dJ.ellvo.hlOhígico'. o principio da evolução é lirlllcmcnle eSlahelecido com,;aplll:avcl ao mundo das,coisas vivas. Allui deve ser incluído II :Ispeclo social da vidahumana. Alguus concellos hásicos da evolução org:iuica - por exemplo V"I•... '.cseleção. adaplação. difcrenci:lção c intcgração - conslituem, ljuando aJeq'ua~a:;:~;:~~aJuslados ao aspecto social e cultural. o centro dc nosso illll'I'C""e A 'v I .~" ,', '. . . •. ... .>.'. e o UÇ,IOS~lIo-cuIIUI,II,co~uoa evolução orgamca. avauçou, alravés de variação e diferencia-çao. dc formas Simples a formas progressivamcnte mais cOlllplexas ( ) A ' ... . .. '.. noss,1perspectiva cVldcntemcnte supõe ... que as sociedades intcnnedi;írias são llIais adian-ladas que a~SOCiedadesprimitivas. c que as socicdades llIodernas... são mais adiallladasque as soclCdaJes intel:llIcdiárias"(IO).

Assim. se ~rocura coMerir maior consistência cicntífica à teoriada .I.lloderlllzaçao. domunúo. Além de ser racional, ou pragmática,apOla.-s~ no para.dlgma evolucionista. Um evolucionismo não isento dedarwlI1~smo socIal, envolvendo eurocentrismo e racismo em di ferentesgradaçocs, Sel!lpre a partir <la "tese" de que () lIlundo evolui para ollIodelo o~ paramctro representado pelas sociedaucs dominantes. Trala-se. de. SOCiedades nas quais predomina o Ileoliberalislllo econômicopnll~lpalmei~lte, e o político, secundariamente. "A fase 'imperialisla'da~rL'la~ooesda socl.edadeoeidenlat COfllOresto do mundo !(li transilt'lI'ia.Hoje, a lcndênciap;lIa a mode!~llIlação tornou-se flIunJióll. Especilkamenle. as elill's da maioria dassllcll'llades nao-modernas :Iceitalll aspeclos cruciais dos valorcs da modcrnidadc.

(/0) Talcoll I'arson.s. Sm:it'dades(Perspectivas Evolutivas c COlllparalivólS).lrólduçãodc Dan,leMoreira Leite, Livraria Pioneir;t Editoról.São Paulo. IlJ!ílJ.pp. 12-D c1.71. (onsull:lr lalllht:lII: S.N. Einsensladl. "Thcories oI' Social and PoliticalLvolutlon a1111()evelollmenl" 11lJhlicaJllplll'IJllescl1 7" l' o' I" . (P f I". ' . . • ,/I' .,(11/ti "nl'IICCS ro 1 emsallll Onenlallllns). Moulon, The "ague. Paris. J9!íR. pp, 178,1I) I.

principalmente o dcsenvolvimento econômico, a educação, a independ~ncia política ecerta forma de 'democracia'. Emhora a institucillnalização de lais valores seja desiguale cheia de conflitos - e assim deva permanecer por longo tempo - provavelmentecontinuará a tend~ncia para a lIlodernização no mundo não-ocidental"(II).

Aliás, O evolucionismo tem sido um estado de espírito freqüentee generalizado nas ciências sociais. Aparece explícito e subjacente émconceitos, categorias e interpretações. Desde os fundadores das ciências. sociais, e também em seus cooiltinuadores, são comuns as intuições einterpretações que ressoam uma visão evolucionista da sociedade. dacultura, da economia, da política, da geografia, da história, dQpensamento. Há algo de evolucionista na teoria sistêmica, assim comona teoria da modernização, ambas beneficiárias do funcionalismópresente ou subjacente às idéias de Herbert Spencer, Charles Darwin cAuguste Comte, para citar alguns.

Cabe reconhecer, portanto, que a teoria da modernização domundo, com seus ingredientes evolucionistas, leva consigo a idéia deocidentalização do mundo. Aomesmo tempo que implica a generaliza-ção do capitalismo, implica a ocidentalização, como proces'so civili-zatório. Em praticamente todos os autores que interpretam as reãlidadessociais em termos de'modernização, ou teorizam sobre as condições,dificuldades e objetivos da modernização, encontram-se presentes osideais de europeização ou americanização. "O modelo ocideulal de moderni.zação contém element(;'se seqü~ncias cuja relev5ncia é glohal. Em lodus os lugares,por exemplo, a crescente urhanil:lção tende a elevar a alfaheiização; a elevação daalfabetização tendc a aumenlar a exposição dos indivíJuos à mídia; a crescenlcexposição à míJia tem sido acompanhaJa de maior parlicipaçào econÍlmica (renda percapita) e participação política (vOlo). O modelo desenvolvido no Ocidente é um fóllo.O mesmo modelo hásico reaparece em virtualmente loda sociedade em modernizaçãu.em lodos os continentes do gloho. indepellllentemenle das variaçiles de raça. cor.credo... ,,(12).

(11) Talcou Parsons. O Sistema das Sociedade,\' Modernas, tradução de Dante Mon:iraLeite. Livraria Pioneira Editora, São Paulu, 1974, p. t65.

(12) Daniel Lerner, The Passill/: o{rratlitiollal Society (Modernizing the MiJdle Easl),The rree Press, New York. 1966, p. 460Consuitar tamhém: David E. Apler. TllePolitics oi Moderniza/ion, The l/niversily oI' Chicago Press. Chic:lgo. 1965.

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. Junta~ente com a modernização em marcha com o capitalismo e. o oCldentallsmo, generaliza-se o predomínio das mais diversas tecnologias

~e pr?dução ~ controle sociais. Toda tecnologia, na medida em que élJ1senda na vIda da sociedade ou no jogo das forças sociais, logotransforma-se em técnica social; podendo servir a distintas finalidades.Mas, como técnica monopolizada ou administrada pelos que detêm opoder, em sociedades atravessadas por desigua Idades soc ia is, econôm icaspol~ticas e culturais, é evidente que ela tende a ser manipulada de mod(;;, reiterare desenvolver as estruturas prevalecentes, em suas diversidadese desigualdades. Esse é o contexto em que as tecnologias da eletrônicae~ltre OUlras, intensificam e generalizam a racionalização das mai~diversas formas sociais de vida e trabalho, dos mais diferentes modosde ser e pensar. Aos poucos, a sistemática da tecnologia povoa eorganiza também o imaginitriode indivíduos e coletividades. Ao entrarna fábrica de simulacros e virtual idades, a tecnologia ajuda a instituirparâmetros de pensamento c imaginação (Dl. .

.Em suas linhas básicas, a teoria da modernizaçflo do mundo podeser vista como uma versão mais conspícua da "teoria" da ocidentalizaçãodo mundo. Uma substitui a outra, mas sem que esta seja abandonada.Ocorre que a teoria da ocidl'lltalização não escolldia, ou escondia muitomal, o eurocentrismo e o etnocentrismo do pensamento europeu;elementos esses depois assumidos, em boa média, pelo pensamentonorte-americano. Alén.l disso, as ciências sociais de~cnvolvem-se,tornam-se mais sufistiCadas, elaboram conceitos e interpretações queparecem mais isentos, neutros. A teoria da mouernizaçflo é bem assim:iJlna formulaçflo "científica" que cOlltempla algulls dos valores ai)ocidentalislllo. Articulada em termos lógicos e teóricos, codifica e

( I:~)Picnc Lévy, 1-1/ Ml/Chi/lI: Ullil'l'fS (Créalilln. ('Ilgnililln cl CUllllrt!InrllrmaliqllC),I,a Décnuvcrtc. Paris. 1987; Ncil Postman, Tedmopoly (The SUHcndcroI'Culturclo Tcdlllology). Vintagc Books, New York, 1993. Uma das primeiras versões danoçâollc ll'mica sociat: KarlMannhcim.Mml{llld Sodel)' ill1111AJ:1'o{ReCOIlJlruClion,lJarcollrl. Bracc aml ('o, Ncw York. 1949, Pari V. cap.l: "Thc Concept oI'SocialTcdllliquc" :

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estabelece parâmetros que, simultaneamente, explicam a trajetória dassociedades ocidentais e apontam as condições e possibilidades daevolução das outras sociedades. Nos dois casos, em se tratando deocidentatização e modernização, prevalece o compromisso essencialcom a formação, o desenvolvimento e a consolidação do capitalismo,em escala local, nacional, regional, internacional e global. "Ao impor-seem escala mundial. o capitalismo criou um dupla exigência de universalismo. Por umtado, no plano da análise cientílka da sociedade, a descnberta das leis universais quecomandam a evolução de todas as sociedadcs. E, por outro lado. a formulação de umprojeto humano igualmente universal, permitindo ultrapassar os limites históricos (dassociedades atrasadas)... Esta ótica inspira fatalmente uma percepção 'etapista'da evolução necessária: as sociedades capilalistas atrasadas (periféricas) devem'reproduzir' o modelo avançado, caso contrário podem ser surpreendid;ls pelos desafiosrepresentados pelos novos desenvolvimentos possíveis. ou mesmo necessários. destemodelo avançado."( 14)

Levada às últimas conseqüências, a tese da modernização domundo também permite contemplar as diversiuades locais, nacionais eregionais, da mesma forma que as sociais, econômicas. políticas eculturais. Ainda que a modernização tenda a impor-se às mais diversasformas de organização social da vida e trabalho, isto não se dá de modoabrupto, inexorável, monolítico. Enquanto processo civilizatórioabrangente, tem convivido com os mais diferentes padrões, valores einstituições. Contempla as mais distintas modalidades de configuraçõesculturais, religiosas, lingüísticas, étnicas, sociais, políticas e, também,econômicas. Os padrões, valores e instituições da modernização não seefetivam a não ser no contraponto com padrões, valores e instituiçõesdiferentes, "estranhos", "orientais", "arcaicos", "exóticos". Sãomúltiplas e diferene-iadas a_sformas sociais e culturais, ou ci v i Iizatórias,com as quais se defrontam os padrões, valores e institui~ões modernos

(14) Samir Amin, ('EurocentriJme (Critique ô'UI1<: Idéologie). AnthrofJos, Paris, 1988,p. 18. Consultar também: Edward W. Said, Orientalismo (O Oriente COIIIO Invençãodo Ocidente). lradução de Tomás Rosa Bucno, Companhia das Letras, São Paulo,1990: K M. Panikkar. Asia lIlld Weslern Dominance, George Allen & Unwin.London, 1959; Eric R. Wolf. Europe anti lhe People Wilhoul Hislory. UniversityoI' Calif()rnia Press, Berkeley, 1982.

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ou modernizantes. Não só na Ásia, Oceania, África, América Latina e.Caribe, mas também na América do Norte (Estados Unidos e Canadá),tanto quanto nas sociedüdes nacionais da Europa Ocidental, sãomúltiplas e diferenciadas as formas sociais e culturais. ou civilizatórias,com as quais se defrontam os padrões, vé).lorese instituições envolvidosno processo de modernizàção. Mas este processo tende a predominar.estabelecendo condições e possili!!~ades,ou inaugurando tendências.Amodernização traz consigo as idéias de crescimento, desenvolvimel1to,progresso ou evolução. Fllnda~se no suposto de que as mais diversasesferas da vida social podem ser modificadas no s~ntid()de secularizaçãoe individuação, compreendendo a mercantilização, industrialização,urbanização, propriedade privada, liberdade e igualdade de proprietáriosorganizados em contrato juridicamente estabelecido. Também podecontemplar as noções de It:gitimidade, legalidade, representatividade,governabilidade, sufrágio, partido político, divisão de poderesgovernamentais em legislativo, executivo e judiciário, o que podepropiciar as condições de construção da soberania, da hegemonia e dacidadania. .

Cabe observar, no eiltanto, que no âmbito da modernização. daformação social moderna ou modernizante, convivem várias econtraditórias temporalidades. São diversos os passados, próximos eremotos, presentes no curso da modernização, seja qual for seu nível derealização. Modernizar, 11)1litasvezes, é tornar contemporâneo o que épretérito; e, às vezes, são diversos os pretéritos herdados ou recriadosem configurações presentes. Simultaneamente, modernizar é inauguraro novo ou o desconhecido, seja proveniente "de fora", seja oriundo demudanças" internas". Em todos os casos, está em causa o contrapontocontemporâneo e não-contemporâneo. E são muitas as situações nasquais a modernização significa a busca, ou imposição, da contem-poraneidade. Deflagram-se ou intensificam-se processos destinados atornar indivíduos, grupos, classes, coletividades ou povos con-temporâneos de seu tempo; entendendo-se que o parâmetro de con-temporaneidade é dado pela sociedade "mais desenvolvida", ousimplesmente dominante. Mas nada impede que subsista, naturalmen-

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te em distintas gradações, as mais diferentes formas de diversidades <tdesigualdades, em termos não só de tempos mas também de espaços. No,mesmo curso da modernização, assim como no âmbito da formação so-Cialmoderna ou modernizada, desenvolve-se a não-contemporaneidade,, ou a pluralidade dos tempos.

Ainda que os processos de globalização e modernizaçãodesenvolvam-se simultânea e reciprocamente pelomundo afora, tambémproduzem desenvolvimentos desiguais, desencontrados, contraditórios.~o mesmo curso da integração e homogeneização, desenvolve-se arragmentação e a contradição. Ao encontrar outras formas sociais devida e trabalho, compreendendo culturas e civilizações, logo seconstituem as mais surpreendentes diversidades. Tanto podem rea-vivar-se as formas locais, tribais, nacionais ou regionais como podemocorrer desenvolvimentos inesperados de ocidental idade, capitalismo,racionalidade. O mesmo vasto processo de globalização do mundo ésempre um vasto processo de pluralização dos mundos.

O que cria a ilusão da integração, ou homogeneização, é o fatoindiscutível da força do ocidentalismo, conjugado com o capitalismo.Tanto a filosofià, ciência e arte de origem ocidental como as forçasprodutivas e as relações de produção desenvolvidas com o capitalismoespalham-se pelo mundo, muitas vezes de modo conjugado. Há centrosae poder, agências de difusão e implementação atuando mais ou menosuniversalmente; em termos do que se define como moderno, racional,científico, técnico, pragmático (15).

Esse é o cenário em que floresce uma parte importante da retóricaSobre a pós-modernidade. Fala-se de pós-modernidade tanto em Paristomo na Cidade do México, em Nova York como na cidade do Cabo,em Moscou como em Nova Delhi, em Tóquio como em Pequim, em

(15) Xavier Polanco (org.), Na;ssallce et Déve/opment de la S~i~nce-Mllnde, Édili()J~sla Découverle, Paris. 1990; Ernesl B. Haas. Mary Pai W.lhams and Don Bahal..Scientists and World Order (The Uses 01' Technical Knowledge in JnlernalionalOrganizalions). Universily ofCalifornia Press. Berkeley, 1977; V. A. ~inograd~)vand Olhers. "Towaru an Inlernalional Informalion Syslem". Internatf(l/la/ SOCUl/Scimce fOI/mal, vol. XXXIII, n9 I, 1981, pp. 10-49.

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Hong Kong como em Porto Príncipe. Quando se confundem moderni-zação e modernidade, logo fica fácil falarem pós-modernidade,esquecendo que ainda não é possível falar-se em pós-modernização.Mas isso não impede que muitos, quando pretendem ser superlativos apropósito de modernização, apelem à idéia de p6s-modernidade.~esc.lam o processo histórico-social como l> modo de ser, agir, pensar,Jlnagmar: o modo de organizar a vida social com o estado de espírito;as determlllações das formas de sociabilidade vigentes. ou em realização,com os horizontes filosóficos, científicos e artísticos que podemtranscender as configurações sociais. Sim, a Illodernidaúe diz respeitoa um modo de ser, agir, pensar e imaginar, ou seja, a um estado deespírito, envolvendo dilemas e horizontes filosóficos, científicos eartísticos. Desenvolve-se de modo fragmentário e contraditório,principalmente nas sociedades da Europa Ociúenlal. Simultaneamente,e depois cada vez mais, difundiu-se pelas 'mais diversas tribos, naçõese nacionalidades. Inclusive passa a adquirir desenvolvimentos notáveisem outros lugares, originalmente não-ocidentais. Nos tempos daglobalização, continua a desenvolver-se de modo fragmentário econtraditório. Trata-se de um modo de ser', um estado de espírito, emque se expressam horizontes excepcionais de emancipação e alienação."Ser motlerno é cncllIJlrar-se em um ambiente que prOlnele avenlura, potler. alegria, .crescimento, aUlolranstilrmaçãu e transformação tias coisas cm retlor - mas ao mesmolempo ameaça tleslruir lutlo o que lemos, tutlo o que sabe;nos, lutlo o que somos. Aexperiência da motlernidadc anula todas as fronteiras geográficas c raciais, tle classee n;lcionalidadc, de religião c ideologia; nesse sentido, podc:se tlizer que a motlernitladcune a espécie humana. Porém, é uma unidade paradoxal, uin:1 unidade de desunidáde:ela nos despeja a todos numlUrhilhão de permanente desintegração e mudança. de iütac contradição. de ;unhigüidade e angústia" (16).

(16) Marshall Berman, 1iu/o lj/le É StÍlitlo DeJllUlIlcha fiO Ar (A AVentura daModernitlade), tradução de Carlos Felipe Moisés e Ana Maria L. loriatli.Companhia das Letras, São Paulo, 1986, p. 15. Consultar tamht:JlI: David Harv6Y,COIlt1irtio Pás-Moderna, tradução de Adail lJhirajara Sohral e Maria 5tclaGonçalves. Edições Loyola. São Paulo, 1992; Jean-françois Lyotard. O PtÍs-Moderno, Iradução de Ricardo Corrêa Barhosa. José' OIYlllpio Editora, Rio deJaneiro. 1986,. .

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A modernidade pode ser algo que subsiste e desenvolve-se depermeio às mais diversas modalidades de modernização. Mas cabereconhecer que a modernização, nos termos em que ocorre pelo mundoafora, está predominantemente determinada pela racionalidade dotapitalismo, enquanto racionalidade pragmática, técnica, automática.Em lugar de emancipar indivíduos e coletividades, em suas possibilidadesde realização e imaginação, produze reproduz sucedâneos, simulacros,virtual idades ou espelhismos. Éverdade que os sucedâneos, os simulacros,!,s virtual idades ou espelhismos, juntamente com as colagens, as~ontagens, as bricolagens, as deconstruções, os pastiches e outraslinguagens podem ser tomados como manifestações ou prenúncios depós-modernidade. Mas também é verdade que essas linguagens podem~er tomadas como manifestações extremas, muitas vezes inesperadas eainda não adequadamente codi !icadas, de modernidade. São as linguagensda desterritorialização das coisas, gentes e idéias, além das fronteirasculturais e civilizatórias, por meio das quais se estabelecem oshorizontes da modernidade-mundo.

-

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VI

A .Aldeia Global

QUANDO. o sistema social mundial se põe. em movimento e semoderniza, então o mundo começa a parecer uma espécie de aldeiaglobal. Aos poucos, ou de repente, conforme ocaso, tudo se articula emum vasto e complexo todo moderno, l11odernizante, modernizado. E osigno por excelência da modernização parece ser a comunicação, aproliferação e generalização dos meios impressos e eletrônicos decomunicação, articulados em teias multimídias alcançando todo omundo.

A noção de aldeia global é bem uma expressão da glob.alidade dasIdéias, padrões e valores sócio-culturais, imaginários. Pode ser vistacomo uma teoria da cultura mundial, entendida como cultura de massa,mercado de hens culturais, universo de signos e símbolos, lingl:Jagens

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(2) Marshall McLuhan, Quentin Fiore y Jerome Agel, Guerra y Paz en la A/dea Global.tradução de José Méndez Herrera. Ediciones Martinez Roca, Barcelona. 1971. pp.72-73 e 98-99.

.~'. it NO âmbito da aldeia global, prevalece amídia eletrônica como um;ípoderoso instrumento de comunicação, informação, compreensão,1;~xplicação e imaginação sobre o que vai pe~omundo. Juntamente comia imprensa, a mídia eletrônica passa a desempenhar o singular papel de. intelectual orgânico dQscentros mundiais dê poder, dos grupos dirigentesdasclasses dominantes. Ainda quemediatizada, influenciada, questionadaou assimilada em âmbito local, nacionale regional, aos poucos essamídia adquire o caráter de um singular e insólito intelectual orgânico,articulado às organizações e empresas transnacionais predominantesnas relações, nos processos e nas estruturas de dominação política eapropriação econômica que tecem o mundo, em conformidade com a"nova ordem econômica mundial", ou as novas geopolíticas e geo-economias regionais e mundiais.

•.A angústia crítica em que vivem hoje todos os homens é, em grande medida,O resultado dessa zona interfacial que existe entre uma cultura mecânica, fragmentadae especializada em decadência, e uma nova cultura integral. que é completa. orgânicae macrocósmica. Esta nova cultura não depende em absoluto das palavras. De fato, alinguagem e o diálogo já tomaram a forma de interaçlio entre todas as zonas do mundo.( ..• ) O computador suprime o passado humano, convertendo-o por inteiro em presente.Faz com que seja natural e necessário um diálogo entre culturas, mas prescindindo porcompleto do discurso ... A palavra individual, como depósito de informação esentimento, já está cedendo à gesticulação macrocósmica" (2).

Éclaro que a mídia global não é monolítica. Está atravessada porinjunções locais, nacionais e regionais, bem como por divergênciaspolíticas, culturais, religiosas e outras. Compõe-se de empresas,corporações e conglomerados competindo nos mercados, disputando

i clientes, audiências, públicos, extratos sociais. São sensíveis às~ reivindicações rl"êãiferentes grupos e classes sociais, movimentos

sociais e partidos políticos, igrejas e governos. Sob esse aspecto, ei-f tomada em nível mundial, a mídia expressa muito do que vai pelo; mundo, naonda da integração e fragmentação, no âmbito das diversidades!., e desigualdades, no jogo dos conflitos e das acomodações.'~.l:r, 'f.... $.

J, ~

(I) Marshall McLuhan and Bruce R. Powers, The Global Vil/lIgl! (Transformation inWorld Life and Media i.n the 21"' Century), Oxford Universily Press, New York-Oxford, 1989, pp. 95 e lIR. !

e significados que povoam o modo pelo qual uns e outros situam-se nomundo, ou pensam, imaginam, sentem e agem.

Em decorrência das tecnologias oriundas da eletrônica e dainformática, os meios de comunicação adquirem maiores recursos, maisdinamismos, alcances muito mais distantes. Os meios,de comunicaçãode ma.ssa, potenciados por essas tecnologias, rompem ou ultrapassamfronteiras, culturas, idiomas, religiões, regimes políticos, diversidadese desigualdades sócio-econômicas e hierarquias raciais, de sexo e idade.Em poucos anos, na segunda metade do século XX, a indústria culturalrevoluciona o mundo dacultura, transforma radicalmente o imagináriod~ todo o mundo. Forma-se uma cultura de massa mundial, tanto peladIfusão das produções locais e nacionais como pela criação diretamenteem escala mundial. São produções musicais, cinematográficas, teatrais,literárias e muitas outras, lançadas diretamente no mundo como signosmundiais ou damundialização. Difundem-se pelos mais diversos povos,independentemente das suas peculiaridades nacionais, culturais,lingüísticas, religiosas, históricas ou outras. São produções às vezescercadas de aura científica ou filosófica, como os boatos sobre o fim daI)istória, o fim da geografia, a gênese da terra-pátria, as maravilhas dasociedade informática, o mundo como paraíso livre do castigo dotrabalho alienado.

•.No próximo século, a terra terá a sua consciência coletiva elevada da superfícieda Terra para uma densa sinfonia eletrônica, em que todils as naçi>es -- se continuarema existir como entidades separadas - viverão um feixe de sines!csia espontânca. ( ... )Mais e mais pessoas entrarão no mercado de informaçi>es, perderão as suas identidadesprivadas nesse processo. mas irão emergir com capacidade para interagir com qu:iTqucrpessoa da face do globo. Referenduns eletrônicos massivos e espontâneos atravessarãocontinentes. O conceito de nacionalismo declinará e tamhém os governos regionaiscairão, como conseqüência política da criação de um governu l1Iundial por satéliteartificial. O satélite será usado cómo o mais importante instrumento mundial depropaganda na guerra pelos corações e mentes dos seres humanos" (1).

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Simultaneamente, no entanto, uma parte dessa mesma mídia operaem consonância com centros de poder de alcance mundial. Está acopladaàs organizações e empresas transnacionais. Com freqüência, apresentao mundo como um vasto vídeo-clipe, um caleidoscópio aparentementesem nexo, transfigurando e refigurando os acontecimentos como umespetáculo, no qual todo e qualquer dramatismo fica subjetivado, noqual as dimensões épicas dosacontec.i.m.entosdissolvem-se na pirotécnicado audiovisual, tanto simulacro e virtual como desterrÍlorializad<Leahistórico.

A verdade é que a indústria cultural tamb~m adquiriu alcanceglohal. Atravessa fronteiras de todo o tipo,. geográficas, políticas,culturais, religiosas, lingüísticas e outras. Transformou-se em umpoderoso setor de produção, no sentido de produção de mercadoria,lucro ou mais-valia. Emprega milhares de intelectuais de todas asespecialidades, dos mais diferentes campos de conhecimento, comoassalariados, trabalhadores produtivos cuja força de trabalho produzexcedente, lucro ou mais-valia. Transfigura o jornalista, o escritor, ocientista social, o publicitário, o locutor, o ânq:>ra, o cenógrafo, otécnico de som, o especialista em efeitos visuais coloridos e sonoros oartífice da estética eletrônica e muitos outros em um vasto trabalhad~rcoletivo, um intelectual orgânico ainda poucq conhecido. Simul-taneamente, a indústria cultural produz e reproduz signos, símbolos,imagens, sons, formas, cores, movimentos, tudo issonasmais inovadorasou inócuas, prosaicas ou surpreendentes combinações, povoando oimaginário de.muitos, em todo o mundo.

No âmbito da aldeia global, tudo tende a tornar-se represenlaçãoestilizada, realidade pasteurizada, simulacro,. yirtual. A indústriacultural transforma-se em um poderoso meio de fabricação derepresentações, imagens, formas, sons, ruídos, cores e movimento. Demaneira cada vez mais livre, arbitrária ou imaginosa, o mundo queaparece na mídia tem muito de um mundo virtual, algo que existe emabstrato e por si, em si. Muitas vezes tem apenas uma remotaressonância ~o que poderiam ser os acontecimentos, as configuraçõese os movimentos da sociedade, em nível local, nacional, regional ou

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global. "Em princípio, a informação é agora imediatamente disponfvel por todo oglobo e pode ser estocada e recuperada, desde que haja a eletricidade necessária. O~ e o espaço não se acham mais restritos à troca de informações. A aldeia globallíe.'McLuhan é tecnicamente realizável". (3)

Tudo se globaliza e virtualiza, como se as coisas, as gentes e.asidéias se transfigurassem pela magia da eletrônica. A onda modernizantenão pára nunca, espalhando-se pelos mais remotos e recônditos cantose recantos dos modos de vida e trabalho, dasrelações sociais, dasobjetividades, subjetividades, imaginários e afetividades. McLuhan"viu a tecnologia como uma extensão do corpo. Da meslna forma que a roda é umaextensão do pé, o telesc6pio uma extensão do olho, assim a rede de comunicações é umaextensão do sistema nervoso. Assim como a rede de comunicações espalhou-se pelomundo, assim ocorreu com a nossa rede neural. A televisão tornou-se os nossos olhos,o telefone a nossa boca e ouvidos. Nossos cérehros são elos de um sislema nervoso quese estende através do mundo todo" .(4). É como se cada indivíduo passasse a ser elo de múltiplas redes decomunicação, infonnação, interpretação, divertimento, aflição, evasão.Cadá indivíduo pode ser um feixe de articulações locais, nacionais,regionais e mundiais, cujos movimentos e centros de emissão estãodispersos e .desterritorializados mundo afora. Seu modo de ser,compreendendo ações, relações, reflexões e fantasias, passa a ser cadavez mais povoados pelos signos espalhados pela aldeia global.

No âmbito da sociedade mundial em formação, quando se revelamcada vez mais .numerosos e generalizados os sinais da globalização,também multiplicam-se os pastiches, os simulacros e as virtualidades.As mais diversas realidades sociais, em suas expressões econõmicas,políticas e culturais, adquirem configurações desconhecidas einimaginadas, não s6 pelo público em geral, mas também pelos

(3) Mark Poster•7he Mode of Information: Poststrucruralism and Social Contat. Polily. Press, Cambridge. 1990, p. 2. Citado por Benjamin Wooley, Virtual Worlds (A

Journey in Hype and Hyperreality), Penguin Books, London, 1992, p. 124.Consultar também: Armand Mallelart, La Communication-Monde (Histoire desIdées et des Stratégies). Éditions La Découverte, Paris. 1992, especialmente o capo6: "Du Progres à la Communication: les Métamorphoses Conceptuelles".

(4) Benjamin Wooley, Virtual Worlds (A Journey in Hype an Hyperreality), PenguinBooks, London. 1992, pp. 124-125.

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cientistas sociais. Em todas as esferas da vida social, compreendendoevidentemente as empresas transnacionais e as organizações multilaterais,os meios de comunicação de massa e as igreja,s, as bolsas de valores eos festivais de música popular, as corridas automobil ísticas e as guerras,tudo se tecnifica, organiza-se eletronicamente, adquire as característicasdo espetáculo produzido com base nas redes eletrônicas informáticasautomáticas instantâneas universais. ,

A aldeia global pode ser uma metáfora e uma realidade, umaconfiguraç'ão histórica e uma utopia. Sim, po~e ser simultaneamentetodas essas possibil idades. Desde que as técnicas da eletrônica propiciarama intensificação e a generalização das comunicações, além de toda equalquer fronteira, acelerou-se um processo que já vinha desenvol-vendo-se no âmbito das relações internacionais, óas organizaçõesmultilaterais e das corporações ttansnacionais. O que o mundo jáconhecia, em fins do século XIX e começo do XX, como monopólios,trustes e cartéis, tecendo geoeconomias e geopolíticas de sistemasimperialistas, ou economias-mundo, prenunciavam os primeiroscontornos do que seria no fim do século XX a aldeia global. Na medidaem que se desenvolvem as relações, os processos e as estruturas dedominação e apropriação constituindo a sociedade global, o que seintensifica e generaliza com a crescente rnqbilização de técnicaseletrônicas, muitos começam a perceber o mundo como uma vasta einsólita ou idílica aldeia global.

A aldeia global está sendo desenhada, tecida, colorida, sonorizadae movimentada por todo um complexo de elementos díspares, conver-gentes e contraditórios, antigos e renovados, novos e desconheciabs,Formam redes de signos, sílllbolose linguagens, envolvendo publicaçõese emissões, ondas e telecomunicações. Comim~endelll as relações, osprocessos e as estruturas de dominação política e de apropriaçãoeconômica que se desenvolvem além de toda e qualquer fronteira,desterritorializando coisas, gentes e idéias, realidades e imaginários,

Esse é ° horizonte em que se cria e generaliza a cultura damundialização, como produto e condição dessa Ii1esma mundialização,São elementos também díspares, convergentes e contraditórios, antigos

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d novos e desconhecidos: Carnaval, Fórmula 1, Mil Milhas,erenova os,,, . b d' 'dad' M d OI' 'ada música global cmemaso reas Iversl esá~opado d un ?'. ImPltlural.'s mercados d~ obras de arte e artistas, de~dos mun os SOCIO-CU , d' I~produções científicas e cientistas, de ídolos?a cultura popul.ar mun d~a. ', manifestações de igrejas eletrônicas, marketmg de ~e.rca~ona~ ~~ taiSlevando consigo signos da cultura da mundlaltzaçao, e ,I ~s e

. f as e equ ipamentos e1etrolllcos,refrigerantes, cIgarros e per umes, ro~p . ., d d. uetas e estilos, palavras e imagens, sllllulacros e vlrtu~lt a es,. ~

ettq "A - do mercado lem umefcilo igualmenlecorrosivo nooutro clxoda tradlçao. . açao I A roeminêllciado agora lima os laços que nos unem ao passado:

poéllca. o tempora , . _P ro 'I 'anda ofelecem diariamente imagens do que estaA imprensa, a lelevlsao e. a t P; ~alagônia naSibéria c nobairro vizinho; as pcssoaspassandollgoramesmoaquIe a, n , ',.. os dá a sensação Je um.' m agora que pisca sem cessar e quc n 'vlve~ Imersas ~u d Afiliai nos movemos realmente ou Síl giramos emovlmenlOcontinuoI e a~e:I::ã(:)~Urealidadc o passado se afasta vertiginosamente eDi ramos no mesmo ugar. . .1 d futuro ( )•. . P a perda do Ilassadoplovoca falaImente a pClua o . , ..desaparece or sua vez, I . I' . IUSCUS' M d' I ' ativid'ldcs artísticas se mu IIp Icaram, I l, ,Depoisda SegundaGuerra un la , as " d uhlicida~e Outras~erias. bienais, leil~s :,~::~~i~;~a~~i:~o~l~~(~~r~;~~I~la~:~:di~)~ial,Contudo. lant;lCC)Jsasaco~tec~m,emo:a lilera;u~a, predominam os estereótipos", Emhora a~ca,us~snas artes VisuaiScom '( , I lplexas acredito firmcmenleque umadas prinCipaiSdestasituaçãosejammu 1I~as e c()J~ ' \'1".') e artístico em um moJcrno mercado~ ~ ação do anllgo comcrclo I elamco a Irans orm' . '., " 'd m oulra de ordem moral e política nasfinanceiro ESlamudançaecononllca comcl e co 'J ," (5)

••moc~~;~::;~~~"~a:s'~~~~~:~;;~:I~':'~'~;:I:~:~~;,~;i~oda?Ide~alobal tem sido o mercado, a mercantilização ulllversal, no ~entldo e

gue tudo tende a ser mercantilizado, produzido e consutlll,do comoq d' Cabe observar no entanto, que na base da aldeia global,merca ona, , , • .;- estão as

. I f sua-I.e.lIlidade ou idéia, está a JI110rmatlzaç,ao, , .~~i~~I: ele~;ônicas compondo uma vasta e labi rí ntica máqull1a ulntV,ersalue o era múltiplas mensagens e está presente em todos os ,ugares,

irata~e das tecnologias da inteligência e imaginação, ca,ractenza.ndo aera da informática e permitindo desenhar, tecer, c,ol,om, ~o.no~lzar e

. Id' lobal Produzem um mundo digItaI, l.hgttaltzado,movImentar a a ela g .

---.-:- 11, J ~ deWladir Dupont, Editora Siciliano, São Paulo,(5) OCtaVIOPaz,A Outra rOZ, tra uçan1993. pp, 108 e 110.111, '

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vi~t~al, in~tantâneo, ~b.íquo, plenamente esférico ou totalmente plano,umdlmenslOnal e multldlmenslonal, sem cronologia, história ou biografia.Um mundo concebido como um texto, emaranhado de interfaces, umhipertexto somente inteligível pelas tecnologias da eletrônica informáticacibernética universal.

Esta é a mágica: o caos traQ~.ú.gura-se em um sistema de signos.símb~los, Iinguagel.ls, metpforas, emblemas. alegorias; simultaneamente,este sIstema transfIgura-se em um texto complexo, um hipertexto; umhipertexto que pode ser lido. traduzido, parafraseado.transliteralizado."Tecnicamente. um hipertel(to é um conjunto de nós ligadils por coneX(les.Os nós po-dem ser palavras. páginas. imagens. gráficos ou partes de gníficos, seqüências sonoras.documentos complel(osque podemeles mesmos ser hipertextos. Os ítens de informaçãonão são ligados linearmente. como em uma corda com nós. mas cada um deles. ou amaioria, estende suas conexões em estrela. de modo reticular. Navegar em um hiper-texto significa portanto desenhar umpercurso em uma rede que pode sertão complicadaquanto possível. Porque calJan6 pode, por sua vez. conter uma rede ioteira" (r.). Assimse realiza a metamorfose do caos' em sistema e do sistema em texto ouhipertexto. ',' ' '

No limite, a informatização do mundo permite a transformaçãodos fatos, compreendendo relações, processos e estruturas, ~m um vastohipertexto. E no mesmo processo dessa transformação já se constituemas condições de sua leitura, su~ tradução, sua para frase ou transliteração,De repente, como em um passe de mágica. o caos transfigura-se emsistema, as configurações e movimentos da sociedade Jl1umlial em aldeiaglobal. Uma aldeia desenhada, tecida. colorida, sonorizada e movimentadacomo em uma invenção lúdica.

...Um mapa global não eSlariaarriscado a (ornar-se ilegível a partir de uma ccriaq~anlld~de de ~one~õ~s. a !ela c.(~hrind?-sede Iinhas ent~ecruzadas. em.'neio as quaisnao seria posslvel dlstmgulr mais nadaI Algumas pesqUisascnnlemporaneas parecemmostrar que representações de conel(õesem três dimensões seriam menos emhamçadase mais fáceis de consultar. dada uma mesma quantidade. que as representações planas.O usuário teria a impressão de entrar em umaestrutura espacial. c neladeslocar-se comodentro de um volume" (7). '

(6) Pierre l..évy.As Tecl/ologias da Inteligência (O Futuro do PensamentonaEra da Infor-málica).tradução de Carlos lrineu da Costa, Editora 34. Riode janeiro. 1993.p. 33.

(7) Pierre Lévy. As Tecnologias da Inteligência. cilado. p. 38.

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<;I Dentre todos os elementos que se mobilizam na organização e nadinâmica da aldeia global, no entanto, logo sobressai uma categoria deintelectuais. São eles que pensam os meios e modos de operação de todocpe suas partes, colaborando para que se articulem dinamicamente, demodo a constituir a aldeia como um sistema global. São esses intelectuais. que promovem a tradução da organização e dinâmica das forças sociais.eConômicas, políticas e culturais que operam em âmbito mundial.transpondo fronteiras, regimes políticos, idiomas, religiões. culturas ecivilizações. Para isso operam as tecnologias da inteligência, cada vezmais indispensáveis, quando se trata de desenhar, tecer, colorir,sonorizar e movimentar a aldeia global, traduzindo as configurações eos movimentos da sociedade mundial.

A aldeia global seria ininteligível, como realidade ou imaginação,sem a colaboração ativa de toda uma multidão de intelectuais trabalhandoçm todo o mundo, nas mais diversas organizações e corporaçõespúblicas e privadas, nacionais, regionais. transnacionais e propriamenteglobais. São pesquisadores, analistas, estrategistas. executivos. COilsul-COres, assessores, técnicos, especialistas, juniors e selliors, formadosnos mais diferentes campos do saber, sempre mobilizando conhecinientosçientíficos para o desenvolvimento e a implementação de técnicas.. Trata-se dos think-tanks de todos os t-ipas, organizados para pensarna organização e a dinâmica da sociedade global. em seu todo e em suaspartes, no Ocidente e Oriente. ao norte e no sul. centro e periferia,tendoem conta. a prosperidade e a crise. o mercado e o planejamento. ()previsível e o inesperado, o acaso e a escolha racional, a paze a guerra.Representam uma argatTiassa importante, muitas vezes não sóindispensável, mas decisiva para a operação das organizações ecorporações, em escala local, nacional. regional e mundial: Compõemas tecnocracias e as tecno-estruturas que equacionam e implementammuitas das decisões fundamentais relativas à sistemática da aldeia

: global, como um todo e em suas múltiplas partes."Os processos de decisão em curso nas politicas mundiais já iodicam que o

.. conhecimentoespecializado está inl1uenciandoa ação política. sendo que as diretrizesde atuação estão passando por mudanças significativas... Os especialistas não estãosubstituindoos políticos. mas estão orientando os políticos sollre questlies que nunca

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estiveram na agenda intern' I' - .com potencial para altera:cl~n~~:e~:~ao ~ehneando progr;JIl~as de pesquisa ~ açlointernacional. As suas inter reta p ~ qual se pode Interpretar o sistemasimbólicos da interpretação c~letiv~Õ:~ ~onstllue~ u~n dos principais componel1lea

Planeta ( ) C nl . lomem. acerca do Seu lugar e evolução nest.c

. ... o leCllnento para ação . é •especialistas, consultores, Planejador;;o~~o a: area ocupada pre~omi~~ntemente pordecidem ua d . . pessoas nas quaIs apolam-se os queproje - ' ~ b n o ~se trata de obter mformação, cootrihuiçiic5 sobre viabilidades

ç~es 50 re o. ert~ e demmllla, e sobre modelos rel;ltiv(ls :'IS cadeias de' "~nvolv.ldas na r~~hzaça(} de objetivos poHtiêos. Em outros terJllos. () e5pecialist~~~~~~:)s meIOs consluerados relevarlles para promover ollticas O .. o '

mantém a preeminência na definição dos objetivos J ,_ . polluco, n(~ entanto,ceptualização dosjinr A '. fi. . a açao e, portanto, domJlla a con-

o 'o' • 5s,lIn, o uturo da ordem munllialllepende de JIlodo crucial dacapacl~~de ~os ~s~ecJahstas em convencer os políticos a aceitar as suas mel;íforas" (I)

. ,a sao tn~m~ros e espalhados por todo o mundo os centros ~l~stltu~OS.espe~laltzados en~estudos,pesquisas, anál ises. diagnósticos,p ~gnostlcos, IInplementnça?, avaliação, acompanhamento etc, , dedi-=Aao~,acolaborar .comorgal1lzaçõese corporações públ icas e privadas

Vlua em um tlllnk.tank é b dO'intelectual infl' . Oi" • a ençoa a. s. melhores combinam profundidadetanto de ex~enlr:~~~~a, po ~uca,. ~ma razoáve~ puhlicidade, cont()rtávcis condiçõcs e um

I. ' c. Mas cUld,ldo. As qualldalles opostas - pedanlismll desllrnp(",rl"11

o lscundade p I' o - .',, • o o m:za e convenCIOnalismo - também flol't:scem" ('i).

b Cabe, portanto, refletir um pouco mais, e com novos elementoss? re ,a tese de que a globalização dos meios de comunica ão'dll1aml:ada e general~z~da.pelastécnica,sda el~trônica, leva consi~o ~forma.çao e a preemmencla de um intelectual orgànico de alcancemundl~1. T~ata-se .d~um intelectual orgânico que expressa as formas~xcepclOnals adqul~ldas pela pr~dução, reprodução e universalizaçãoa cultura de n~assa,~ubverteradlcalmente as condiçôes da vida polttica

Id?Spovo~ e atm~~ dIretamente as _ondições de produção e vigência delegemonras pohllcas. .

(8) Erost B. Ilaas M.try Pat W'II" .• D ...U f T I

, .' I 1,Imsanu on Babai, SClcllt;sts (//ui Worid Ortler (Theses o ec ullcal Knowl -d' . I' .C ri' . t ge 111 nternatlOnal Orgalllzalions) Universily ofa IOl'llla Press, Los Angclcs, 1977, pp. 12 e 48-49 ' -

(9) 'Thc Good Think-Tank Gu'd " Th E . .798' . _ te, e cO/lonllst,London,2ldedezcmbrodel992pp. o~ 5, cllaçao da. p. 79. Consultar também: "Think-Tanks: The Carousel~Power ,.T7/e ECOIIOl/IISt, London. 25 dc maio de 1991, pp. 27-30. -

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° 'INote-se que a globalização dos meios decomunicação, envolvendo:tesas, corporações e conglomerados, bem como procedimentos,....agens, técnicas de informação, elaboração e análise, promove a

. l ação de equipes de intelectuais bastante complexas e abrangentes.

.' intelectuais de todos os tipos, das mais diversas especialidades,, ~ando nos mais distantes lugares, articula~os em redes eletrônicasfunonnáticas telemáticas on Uneworldwide. E como se o mundo todo,~t(;:'. sua organização e dinâmica, em suas articulações, tensões ef ..gmentações, fosse continuamente, minuto a minuto, descrito ef,. rpretado, fot~graf~do e divulgado, taqui~r~fado e co?ificado o.u~". resentado e Imagmado por uma coletiVIdade de II1telectuals~~cializados em traduzir fatos, acontecimentos, crises, impasses,;ri~ções, façanhas, revoluções e guerras., Aos pouco~, a opiniãoj,~bhca forma-se e conforma-se com os sIgnos, os sllnbolos, osemblemas, as figuras, as metáforas, as parábolas e alegorias produzidosediwlgados como a realidade do acontecido acontecendo no momentotnomentoso em qualquer parte do mundo. O mesmo processo de~crever e interpretar, ou representar e imaginar, produz uma imagemda realidade, uma visão domundo. Em geral, dá a impressão de que tudoé presente presentifkado. lugar sem raiz, fato sem história nemmemória, "Com o desenvolvimento dos meios eletrônicos. a indústria da consciên-;~ converteu-se em marcapassos do desenvolvimento sócio-econômico na sociedade'~-indl!strial. Infiltra-se em todos os demais setores da produção, assume cada vez. mais funções de comando e de controle, e determina a norma da tecnologia dominante ...;Todas as citadas técnicas (satélites de comunicação, televisão a cabo, vldeos etc.)formam combinações entre si e com as técnicas mais antigas como imprensa, rádio.: cinema, televisão. telefone, teletipo, radar etc. Esses meios se combinam cada vez maispara constituírem um~1Siêma universal (10).

Esse é um processo de produção, reprodução e universalizaçãocultural cadav~i mais intenso, sistemático e generalizado, já queextremamente potenciado pelas mais diversas tecnologias. Trata-se de

(10) Hans MagnusEnzensberger, Elementos para uma Teoria dos Meios de Comunicação,tradução de Helena Parente Cunha e Moema Parente Augel. Edições TempoBrasileiro, Rio de Janeiro, 1978. p. 43.

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um processo que também se beneficia amplamente da mobilização deconhecimentos científicos de todos os tipos, e não apenas das ciênciassociais, de modo a aprimorar as descriçõe,s e interpretações, astaquigrafias e codificações~ as fotografias e divulgações ou asrepresentações e as imaginações. Sobvários aspectos, recursos científicossão traduzidos em técnic<lsas mais diversas, em conformidade com aorganização e dinâmica de em~.sas, corporações e conglomeradosdedicados aos meios de comunicação, à cultura de massa, à indústriacultural.

Esse é o contexto em que se dá a metamorfose da mídia em umvasto, complexo e global intelectual orgânico. Um intelectual orgânicodas estruturas de poder prevalecentes em âmbito mundial, traduzindoas imagens da realidade e as visões do mundo de blocos de poder,composições de classes e grupos sociais que detêm meios e modos deorganizar, influenciar, induzir ou dinamizar as estruturas de dominaçãopolítica e apropriação econômica prevalecentes na sociedade global.

Essa faculdade da mídia globalizada explica-se. em boa medida,porque o mundo da cultura diz respeito ao modo pelo qual o indivíduo,o grupo, a classe, a coletividade, o povo; a tribo. a nação, a nacio-nalidade, a comunidade ou sociedade tendem a ver-se, imaginar-se outraduzir-se'. Toda realidade mais ou menos complexa, problemática ounão, s~mpre se traduzem representações, imagens, metáforas, parábolase alegorias, assim como em descrições e interpretações. E é por meiodas linguagens que isto ocorre, envolvendo palavra, imagem, som,forma, movimento etc. Por isso é que os meios de comunicaçãocolocam-se diretamente 110 âmago do mundo da cultura, das condiçõese possibilidades de representação e imaginação.

Aquele que trabalha com osmeios de representação, principalmentequando pode manipular as mais diversas linguagens e as mais diferentestécnicas, pode levar as representações a extremos de paroxismos. Porisso a língua, a imprensa, o telégrafo, o jornal, o rádio, a televisão e osoutros meios e técnicas adquirem importância crescente na organizaçãoe dinâmica da vida do indivíduo, do grupo, da classe, do povo ousociedade. Essa é uma história antiga. "A língua sempre foi a

104

, ,

companheira do império" (11). Uma história antiga e recente. "Asuprema glória de NapoleãO III terá sido provar que qualquer pessoapode governar uma grande' nação assim qu~ ob~ém ~ controle dotelégrafo e da imprensa nacional" (12). Uma hIstÓrIaant!ga, recent~ e:iltualíssima. Nesta altura da história, na época da eletrômca, todos tem

,,'de "viver em um mundo em que o microcomputador e o satélite estãolevando velozmente as boas novas da liberal-democracia para quasetodos os cantos do mundo" (I3l. .'

Assim se formam as hegemonias de alcance mundIal, os proJe~osde gestão dos problemas e orientações de âmbito mundial. Hegemõmcaé'toda imagem da realidade, toda visão do mundo, que ex~res:a osinteresses dos que detêm, os meios de mando, ou dommaçao eapropriação, mas simultaneamente contempla, isto é, leva em c.ontaosinteresses de setores sociais subordinados ou s,ubaIternos.Ta~u!grafa ecodifica a organização e a dinâmica da r~ahdade, as condlçoes e aspossibilidades de uns e outros, ~: tal mod~) ~ue o mundo parececonformar-se com a imagem ou vlsao dele propno que se expressa noprojeto de gestão de problemas, na dirigência ~o todo e d~s.pa~tes,_naorientação e reorientação do curso dos aconteCimentos, relvmdlcaçoesemovimentos.

Na época da Guerra Fria, ao longo dos anos,de 194~~ 1989,já emfranco processo de globalização, a l~ídiaconstr~l~ uma vlsaodo mundobipolarizada, máriiqueísta. O capitahsmo e o socI~hs~~ e~,amcontra~os-tos em termos de "mundo livre e mundo totalltáno , democracIa ecomunismo", "sociedade aberta e sociedade fechada", :'~ei~lodo beme reino do mal". Depois, a partir de 1989, quando a mldJa I~npres~aeeletrônica globalizada invade ainda mais todas as esferas da VIdasocIal,

i' (11) Antonio l1e Nellrija. cital10 por Tzv~tan Tol1orov. ,A.Conqui:fta tia Améri~a (~r.,'" Questão l10 Outro). tral1ução l1e Bealnz Permne MIJlses, Martll1s [<nntesEl1l\lll.I.

São Paulo. 1983. p. 120. . ,~,: (12) Baul1elaire. cital10 por Davil1 Harvey. Condiçiio PÓS,-Mol~er~1lI (Uma pes4U1~at sollre as Origens lia Mul1anç;I Cullural). tral1ução de Al1all Ubuapra Sobral e Mana!( Slela Gnnçalves. El1ições Loyola. São Paulo, 1992. p, 215.~ (13) T!ll' Eamomist. Lnnl1nn. 28 l1e setemhro l1e 1991. p. 21.

, 4

105

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em todo o mundo, nessa época o que prevalece é a idéia de "nova ordemeconômica mundial", "fim da história", "fim da geografia". É assimque a metáfora da "mão invisível" , idealizada pelo liberalismo clássiconos horizontes do Estado-nação, ressurge idealizada pelo neoliberalismonos horizontes da globalização. Aos poucos, as produções e reproduçõesda cultura de massa em escala mundial criam a ilusão de umauniversalização das condições e possibilidades do mercado e dademocracia, do capital e da cidadania. ,

Tomada como intelectual orgânico da globalização, em condiçõesde construir hegemonias de alcance mundial, a mídia revela-se umanova figuração do "príncipe" de quem falaram Maquiavel e Gramsci.Para Maquiavel, o príncipe era um indivíduo excepcional, dotado devir/ti, isto é, talento moral e político, bem como de/or/una, isto é,capacidade de aproveitar as condições e possibilidades emergentes navida política de uma cidade, reino, nação ou Estado. Para Gramsci, opríncipe pode ser o partido político. "O moderno príncipe, o mito-príncipe, não pode ser uma pessoa real, um indivíduo concreto; só podeser um organismo; um elemento complexo de sociedade no qual já tenhase iniciado a concretização de l!ma vontade coletiva reconhecida efundamentada parcialmente na ação. Este organismo já é determinadopelo desenvolvimento histórico, é o partido político: a primeira célula'na qual se aglomeram germes de vontade coletiva que tendem a se tornaruniversais e totais" (14).

Essa figura transforma-se no curso da história, na medida em quese desenvolvem as forças que organizam e dinamizam a vida da socie-dade. Na época da universalização dos meios decoll1unicação, quandoo discurso do poder passa a ser formulado e divulgado por intermédioda mídia impressa e eletrônica, algo de essencial pode ter-se modifi-cado. Ao lado do líder e do partido, ou acima e além deles, coloca-sea mídia, entendida como oemblema de um intelectual coletivo de amplasproporções, espalhado pelo mundo, influenciando mentes e corações.

(14) Antonio Gramsci. Maquiavd. aPolílica e o Estado Moderno, tradução de LuizMário Gilzzaneo, Editora Civilização Brasileira, Rio de'JiIneiro, 1968, p. 6.Ci'taçãodo capo I: "O Moderno Príncipe".

106

Ametáfora revive de modo inesperado, quando'a mídia a~sume a figurada estranha e surpreendente figura de príncipe da moderm~~de-mu~do,Combinado ou não com indivíduos, movimentos SOCIaIS,~a.rtldospolíticos, igrejas, governos, corporações,?u outras pessoas, c~letlvlda~ese organizações. esse príncipe da modernIdade-mundo po?e.~nflu,en~laràs vezes decisivamente ódios e paixões, correntes de ~Pll1taOpublIca,estados de espírito, visões do mundo, ment~s.e cor~ço~s. . '.

•.A sofisticação da tecnologia de persuasão no ultimo. m~1O ~eculo mO~I~lcou asvelhas regras da comunicaçã,o humaoa. À medida que a IIldustna ~a_publ!cl~ade eI ções públicas tornava-se cada veZ mais háhil em controlar a 0pllllao publica, as

re a . . . t, (' redoposturas, as crenças e os sistemas de valores, tornou-se ~mlmperatlvo 1~l.Hler ) seg _e capacitar a Jlopulação a reprimir a ~onscit:ncia daqull~) que os man.lpula~~)res estaoIramando. O controle da percepção lIao pode ser alcançado se f~r recon.hecldo,. o quefi z com que proliferassem os controles percepl ivos em níveis conscientes e IIlCOnSClentes.(e ) A . etibilidade humana à persuasão idcolúgica é baseada na promessa eternamel~le•.. susc . . "d -' t.não cumprida de sentido e ordem, lima resposta estereotipada a .s~)I ao, a mOllo O~~~,I.ao medo e às ameaças de flll:ne, doença, il.lsegurança e ~a~)s pohtlco:.llloralou SOC,1a1.Estas ameaças são incessantemente SUSCitadas pela nudla comercl,ll. A mensagemconslall.te da mldia com estas i1meaças mantém a b!Jsca compulsiva por Jl:r~lI~lta~ erespostas, causas e efeitos. e compromissos ideológic?~. A mellsag:I~,1 da ml~la ~ndl.ca, 'ltima direção do consumo. do divertimento, da pohtlca, dos negoclos, da IIlduSllla.::s questões militares e da religião; COIll suas relativas promessas dt;. ~eduZlr aansiedade. Liberdade é um Da/sI/li ... , um volo em um candidato pollllCO, uma

• I" •• (15)contribuição para algum proteta re IgIOSO.... ... ,.'É claro que tudo isso subverte as form~s tradlcl~n~:s ou ?Ia.sslcas

de organização e ações políticas. O partl~~, a OPI~laOp~?11Ca, o, 'o do voto a govern'lbilidade a establltdade ou l11stabllldadedeexerCICI , ' , .. . .

regimes políticos, a magnitude ou irr~levâncla de fatos SOCIaiS,•. poll'~s e culturais tudo 'ISSOpassa a depender, emeconomlcos, LJIOV ,., •

alguma escala~ da forma pela qual a mídia descreve e Interpreta,(15) Wilson Bryàn. Key, A Era dll Mal/ipl/fllrlio. tradução de ~ara ~ider~~lan: Sc.~illa

c." . I S. 'p'aulo 1993 1111313 e 319 COllsultar lambem: Cynlllla Schnelder ,r.ultllrla. ao' , ,.. , 1988'and Brian Wallis (editors), Global Televisioll, ~edge Press, New :OIk,. 'Anthony Smith, La Geopo/i/ica de la IllformaclOn (Cómo la Cultura 9cclde~lalDomina el Mundo), tradução de Juan José Utril1a. ~ond() de Cult.ura. Econóllll~a,México, 1984; Armand Maltelar!, La Commlll/icat~on-Motule (1llstolre des Ideeset des Slratégies), Éditions La Découverte, ParIS, 199~; Armand Mallelart,L'/nternalionafe Publici/aire, Éditions La D~couvcrte, Pam, 1989.

107

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fotogra~a e divulga, ~aqu_igra.fae codifica ou representa e imagina fatos,aconte.clmentos, re~hzaçoes,lmp~ses, crises, p~rspectivas, narcotráfico,terrorIsmo, recess~o, desemprego, pr<?dutividade,prosperidade, golpe?e Es~do, revo~uç~o,.contra-revoluçãO,guerra, pomunismo, socialismo,Islat~lJsmo.' cnstla~ls~o, budismo, ocidentalismo, orientalismo,neohb~r~l~stno, cap.ltahsll1o. Su1ll'.~rtem-se as condições de atuação eas posslblhdades de mfluênciade partidos; igrejas; movimentos sociais'cor~entes de opinião pública; processos eleitorais; anãl ises da real idad;social, econômica,. política e cultural; di~etrizes e mensagens.T.r~n~fig.uram-se as Imguagens e as técnicas dó discurso do poder, dadlflgencla, da hegemonia.

. Cada uma das corporações mundiais da mídia,. e 'todas ein.conjunto, certamente exercem ~nfluências mais ou menos de~isivas nasformas pelas quais os indivíduos, os grupos, as classes, as coletividadese o~ povos situam-se diante das configuraçÕes e movimentos dareahdade social, em âmbito local, nacional, regional e mundial. É óbvioque há convergências e contradições, hiatos e divergências, na formap~la qu~l.as ~~rporações da mídia informam, interpretam, entretêm edistraem JJl~I~lduose povos. Mas há sempre alguma influência. mais ou~lenos deCISiva,.. no modo pelo qual a mídia registra. seleciona,JJlterpreta e difunde o que vai pelo mundo.

".Vivemos em uma época de profundas mudan~as políticas. ecól~ômicas ecul~ur~I~ ... As muda.nças que varrem o m~ndo alimenlam a insegurança. Exigem que?S ~n~lvlduos re~vahem e mudem suas atitudes, para dOllJinar os novos desafios. OsII1dIVI~UOSanseiam por orientação e informação. mas têm inclusive uma fortencccssldade d: entrctenimenJ.o ~ recreação. Para fazer face ,I essas difcrentes cxigências,ullla corpor.a~ao global da mldla. tem responsabilidades especiais. A comunicação é umelem~nto baslco de qualqu~r ~oclcda~~. A mídia torna essa comunicação possível, ajudaa SOCiedade a entende! .as IdéiaS. pohllca~ e culturai.s, e contribui para formar a opiniãoe o consenso democratlcos. HOJe. a SOCiedade utiliza a mídia para exercer uma formade autocontrole" (16). .

(16) Mark Wossner. "Success anll Responsability" , publicado por Bertelsmann, Annua/Report 1992/93. Gutersloh, Alemanha. 1993. pp. 4-7; citação da p. 4. Cabeobserva~ que a B~rtelsmann.é. uma transnacional da mídia. aiiva na produção depap~I •. livros,. revl~ta~. publiCIdade e serviços. e prcsente em países da Europa.Amencas. ÁSia e Afnca.

1M

i~;:, Nesse sentido é que a mídia adquire e expande sua influência no

t~'.inário de muitos, da grande maioria. Ela detém amplo controle,.re o modo pelo qual os fatos importantes ou secundários, locais,

,;;Üii~ionais,regionais ouinundiais, reais ou imaginários, difundem-se! pelo mundo, influenciando mentes e corações. Podevansfigurar o real

'. em virtual, da mesma maneira que o virtual em real... É evidente que esse intelectual orgânico de alcance mundial fala..•. ' escreve e pensa principalmente em inglês. A despeito de ser composto

. por inúmeros intelectuais individuais provenientes das mais diversasnações e culturas e até mesmo civilizações, enquanto intelectualçoletivo, múltiplo, ubíquo e polifônico, fala, escreve e pensaprincipalmente em inglês.I E verdade que o inglês começou a mundial izar-se como idioma do~perialismo britânico, o que ocorreu de modo particularmente acentuadoDO século XIX e primeiras décadas do XX. Em seguida, desde o término

,.da Primeira Guerra Mundial (1914-18) e, mais ainda, desde o términoda Segunda Guerra Mundial (1939-45), difundiu-se também comoidioma oficial do imperial ismo norte-americano. No fim do século XX,continua aservira essesimperialismos, ainda quecom outros significados,em especial devido à crise e decadência dessas grandes potências, assimcomo pela emergência de outros pólos mundiais de poder. Sob vários

. aspectos, é possível comprovar quê acrescente mundialização doinglêsdesenvolveu-se na esteira desses imperialismos (17).

, Na época da globalização do mundo; quando se intensificam egeneralizam as relações, os processos e as estruturas do capitalismo, oinglês com o qual se fala. escreve e pensa adquire novos significados,

: tiansfonna-se na vulgata da mundialização. Adespeitode suas conotações~ ainda imperialistas, quando se trata de interesses norte-americanos.

*'~' (17) Robert Phillipson. Linguislíc Imperialism, Oxford Ulliv~rsity Press. OxiO~d, 1992;.~.;. . Claude Truchot, L 'Ang/ais dans le M01ule Contemporam, Le Robert, Pans, 1990;

Renato Ortiz, Mundialização e Cultura, Editora Brasiliense, São Paulo, 1994,h especialmente o capo VI: "Legitimidade e Estilos de Vida"; Octavio lanni,}i Imperialismo e Cultura, Editora Vozes, Petrópolis, 1976. especiahnentea Primeira

Parte: "A Indústria Cultural do Imperialismo".

IOq

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br~tân~cos, c~nadenses e de outras nações pertencentes à comunidadebntámca ou a geoeconomia n.orte-americana, é inegável que o inglês?esc.?la-s~ bastant,7d~ ~uasongens, lançando-se como uma espécie deJ~rg~o universal: ~ o IdlOma.pore~cel~ncia da aldeia global tecida pelastecnlcas da.eletromca, pelos mtercamblOsmercantis, pela geopolítica daGue~ra F~la, pela nova ordem econômica mundial formulada peloneoltberaltsmo e pelas redes da indústria cultural mundializada "O' '1'I I . - d . • mg ese n ~ma p.OSlpO omlnante na ciência, tecnologia, medicina e computação' napesquisa: hvr~s, periódicos e software; nos negócio~ transnacionais comé;cionwegaçao e - d' I . ' ,.' aVlaçao; na. Ip omacla e organizações internacionais; na cultura de massae no esporte; e nos sistemas educacionais, como a Ilngua estrangeira que maisampla~l~enle se aprende ... A difusão do inglês é excepcional, tanto em lermos de alcancegcograhco como no que se refere à profundidade da sua'penelração" (18).

NAot~-sea contemporaneidadee ocontraponto: línguada globalizaçãoe eletromca do mundo sem fronteiras. "A difusão do inglês é tão significativaCOIll~) o uso moderno de ,computadores. Quando o volume de informações quepl eClsavam ser. processadas excedeu às capacidades humanas, o computador apareceuem cena, trans!onnando os processos de planejamelllo e cálculo. Quando a necessidadede uma comunIcação glohal começou a exceda os limites estahelecidos p"las •.. .dI" . . •.. . lIarrelrasas lIl~lIas, a dIfusão do inglês acelerou-se, Iransformando os padrões vigentes de

comunicação internaciollal" (I~).

. ASim, a Ií~gua de fato da aldeia global tem sido principah~lente ()~l1gles:A .malOr parte das comunicações, envolvendo todo tipo demte~camblO, des?e as mercadorias às idéias, das moedas às religiões,reah,za:se ne~sa 11I1gua.Grande parte da produção científica, filosóficae artlstlca e~ta form~lada nessa língua, por suas versões originais ou porsuas trad~çoe.s. MUItodo que são os fatos sociais, econôm icos, pol ít1êos~ cuAlturalsclrc~lam como notícias ~aladas, escritas e pensadas emII1gl~s,o~ tradu~ldas par~ essa língua. E bastante sintomático que algunsd.osJornais e revIstas maIs característicos da Illundialização em curso nofll~ d~ século X~ estão es:r~tos n,es.salíngua. da mesma forma que aselTIlSSOeSde cadeiaSde televlsaoe radlo de alcance mundial. Praticamente

(18) Roherl Phillipson, Lillguislic Imperialism, citado, p. 6.. '(19) C.A. Ferguson, "Foreword", in B. a. Kachru (editor), The Orher Tongue: English

Ac:ross ClIllllres,l'crgamon, Oxford. 1983, pp.,vii-xi. citação da p. ix.

110

tudoque se refere à eletrônica, compreendendo informática, computação,;, "telecomunicações, automação, robótica, microeletrônica e outras" ':1tCcnologias criadas ou aprimoradas a partir da eletrônica, tudo isso tem• ~iStiaproduction, marketing and implementation in English. "A mídia

, impressa, eletrônica e informática, bem como produtos como o disco, o cinema e osprogramas televisionados jogam um papel fundamcn!.11 na difusão do inglt:s. Representamde longe o principal meio de pôr-se em conlaclO com esta língua, que alcança o maiornúmero de pessoas, que as toca mais freqüentemente e de maneira mais variada ... Estapresença do inglês manifesta-se como a própria língua das mídias. Além disso, as mídiaspropagam em inglês a reprodução da realidade do mundo contemporâneo ..... (20).

Esse tem sido não só o idioma da aldeia global, mas também esimultaneamente o idioma da babei global. Nessa babeI, atravessadapelas mais surpreendentes diversidades e desigualdades, polarizada pormovimentos de integração e fragmentação, todos se entendem edesentendem principalmente em inglês. Podem ser japoneses e chineses,hindus e árabes, africanos e latino-americanos, franceses e indonésios,alemães e russos, mas tendem a entender-se ou a desentender-seprincipalmente nesse idioma.

Naturalmente as outras línguas não só permanecem masdesenvolvem-se, transformam-se e até mesmo podem enriquecer-se. Namedida em que é um momento essencial da cultura, do modo de ser,pensar, agir, sentir, im;lginar ou fabular, toda língua é necessariamentevida, movimento, devir, transfiguração. O diálogo, o monólogo e apolifonia estão sempre no âmago da 'sintaxe e semântica, do signo esignificado, do dito e desdito. Mais ainda porque o diálogo, o monólogoe a polifonia envolvem necessariamente as outras línguas, os outrosmodos de ser, pensar...agir, sentir, imaginarou fabular. Do intercâmbioentre as diferentes línguâs como momentos essenciais das diferentesculturas, dos diferentes modos de ser, tanto se produzem mutilações ereiterações como recriações e transfigurações.

"As palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e servemde trama a todas as relações sociais em todos os domínios ... A palavra constitui o meio

(20) Claude Truchot, L 'Anglais dans le Monde Conremporain, Le Rohert, Paris, 1990.p. '173.

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I~O qual se produzem lentas acumulações quantitativas. de mudanças que ainda nãotiveram te~po de adquirir.uma ~~va qualidade ideológica: que ainda não tiveram temp<>~e engendl.ar ~ma fo~ma I~eologlca nOVae acabada. A palavra é capaz de registrar aSfases transllónas mais inllmas, mais efêmeras das mudanças sociais ... Cada época e~ada g~po social têm seu repertório de formas de discurso na comunicação Slício-Ideológica. ( ... ) A Ilngua vive e evolui historicamente na comunicação verhal concretanão no sistema lingüístico abstrato das formas da língua nem no psiquislllo individuaidos falantes" (21). .

A universalização do inglês,.,ortanto. nãosignificaautomaticamentea hO~lO.gene!zaçãodos modos .de falar. escrever e pensar. ou ser. -agir.sentIr, Imagmar e fabular. Ainda que a forma pela qual está ocorrendo~ ~~obalizaç~o do capi.talisl.noleve consigo essa tendência, ainda que aI~ela de aldeIa ~Iobal Implique essa conotação. é inegável que as maisd1Ve.rs~smodalidades de organizar a vida e o trabalho, as heranças e astradlçoes, as façanhas e as derrotas, ou os trabalhos e os dias, COllti-nuarão a produzir e a desenvolver as diferenças. as diversidades e aspolifonias.

(21) ~ikhail Bakhtin (Volochinov), Marxismo e Filosofia cle LiIlK/lllgem, tradução deMlchell.ahud e Vara Frateschi Vieira. 2' edição. Editl~ra Hucilec. São Paulo 1981Pll.4J..43.44eI24. . . •

112

VII

A Racionalização do Mundo

DESDE o princípio; o processo de desenvolvimento do capitalismoé simultaneamente um processo de racionalização. Com o vaivém. depermeio às mais surpreendentes situações, ju ntamente com as.relações,os processos e as estruturas próprias do capitalismo, ocorre odesenvolvimento de formas racionais de organização das atividadessociais em geral, compreendendo ás políticas. as econômicas, asjurídicas, as religiosas. as educacionais e outras. Aos poucos, as maisdiversas esferas da vida social são burocratizadas, organizadas emtermos de calculabilidade, contabilidade, eficácia, produtividade.lucratividade. Juntamente com o mercado. a empresa. a cidade, oEstado e o direito, também as atividades intelectuais são racionalizadas.A rigor, os desenvolvimentos das ciências ditas naturais e sociais.traduzidos em tecnologias de todos os tipos, revelam-se simultaneamente

113

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, condições e produtos de um vasto complexo processo de racionalizaçãodo mundo.

Desde que se formou o moderno capitalismo, o mund,o passou a serinfluenciado pelo padrão de racionalidade gerado com cultura dessemesmo capitalismo. A administração das coisas, gentes e idéias, acalculabilidade do deve-e-haver, a definição jurídica dos direitos e dasresponsabilidades, a codificação do que é privado e do que é público,tudo isso passa a constituir a trama das relações sociais, o padrãopredominante de organização das ações sociais. A racionalidade originadacom o mercado, a empresa, a cidade, o Estad'o e o direito tende aorganizar progressivamente os mais diversos círculos de relaçõessociais, compreendendo os grupos sociais e as instituições em que seinserem, da fábrica à escola, da agência do poder estatal à família, dossindicatos aos partidos políticos, dos movimentos sociais às correntesde opinião pública. Aos poucos, tudo se bur'ocratiza segundo um padrãoburocrático racional legal. Esse é o padrão que salla da Europa aosEstados Unidos da América uo Norte. Em forma errática e contraditória,nos curso dos anos, décadas e séculos, esse padrão se estende pelosoutros países ou povos, compreende,ndocontinentes, ilhas e arquipélagos.

Com freqüência, a dominação racional está convivendo com adominação tradicional e a dominação carismática, A realidade social,sempre complexa, múltipla, caótica e infinita, pode ser lida nas,perspectivas abertas por esses três tipos de dominação, Eles podem serverificadOs não só na Europa Ocidental e nos Estados Unidos, mastambém nas outras sociedades, nações, nacionalidades, tribos,comunidades ou povos, em diferentes gradações, Na Ásia, Oceania,África, América Latina e Caribe, apresentam-se em múlliplascombinações. E são comuns as situações nas quais prevalece o padrãocarismático, ou o tradicional. Mas também são e'vidente's as situaçõesnas quais a dominação racional predomina amplamente, segundo opadrão inaugurado com o moderno capitalismo europeu eprogressivamente mundial. "O que o capitalismo criou, em definitivo,foi a empresa duradoura e racional, a contabilidade racional, a técnicaracional, o direito racional; a tudo isto haveria que acrescentar a

114

, ideologia racional, a racionalização da vida, a ética racional na• "(I)

; ,~~conomla . . ue o ca italismo compreende todo um vasto e~,~ Note-se, pOlS, q . I cPonômico político e cultural. Ainda que~J complexo processo SOCla , e, I - d'. . d pela racionalização das ações e re açoes, as

possa ser caractenza. o _ ue esta racionalização ocorra einstituições e Orga~lz~!oes, ~~~~q~e se modifiquem práticas e ideais,

dp~~~~~~~~~~~~:;ss~~o~~~~::;;ais, tr~nsformando-sfe o imaginári~;aa~. . e outros. Na medlda em que se orma, cons~

atlvldades de u~s . influenciar criar, tensionar, modllicar,expan~e, o capltahds~o I~~~~utras forma~ de organização das atividadesrecobnr ou mesmo ISSOprodutivas e da vida sócio-cultural. I'ze a satisfação de necessidades de um

"Existe capitalismo onde qu~r que se rea Iio d~ empresas qualquer que seja am caráter lucrativo e por me . ,grupo humano co . I d' os que uma exploração raCIOnalmente

necessidade de que se trat~, Em especl~iiid~:e capital. é uma ordem administrativacapitalistaé uma ex~l~raçaocom cont~om base no balanço. exigência formulada pelapor meio da contabIlidade moderna, , h I dOsSimon Stevin Naturalmente uma" de 1698 pelo teórico o an e ' .1primeIra vez no ano , . d do diferente da capitalista; parte ua. . d' 'dual pode ortentar-se e mo , deconomia 10 IVI .' 't lista e parte não.capitalista. ou seja. esatisfação de suas neceSSIdadesp,ode(se\C;t :emissa mais geral para a existência doorganização artesanal ou senhofl~1. ... . P I d capital como norma para todas as, d é ontabilldade racIOna o . 'capitalismo mo erno a c . d I' ,"aç-aodas necessidades coudlanas.. . se ocupam a sa '5arandes empresas lucrativas que, . guintes' I) apropriação dos bens• as por sua vez sao as se ., As premissas dessas empres , 11' 'nstrumentos máquinas, etc.) como

lei materiais de produção (a ~er_ra.apare ,osd' 'empresas lu~rativas autônomas; 2) a;Ó • d' -ao por parte e . . I~' propriedade de livre ISPOSIÇ d face de toda limitação irraclona',t,' 'I' a liberdadedemerca o em .liberdademercantl ,ou seja, . b'l' , cI aomáximoe emconseqüênCia.. 3)" cional ouseja conla I Izav , . _,'I de intercâmbIO; tecmcara . " d' 't calculável Para que a exploraçao. 4) d'~ acionai ou seja. IreI o " . ',,' mecanizada; I r.. . '. I nte recisa confiar em que a Justiça e a

econômica,capitalista se processe raClon,1me 5 PtalJalll(Jlivre ou seja. que existam", . - d 'nadas normas' ) r .administração segUlrao eterl1l~ ,. . . bém no econômico. obrigadas a vender- 'ó seu aspectojUfldlCOm,IStam . b'pessoas, nao s ,e~ " dlJ' 6) comercialização da economia, s~ cUJalivremente sua atIVIdadeem um merca . d (I s de valor para os direitos dede se o uso geral e t tu o. .denominação compreen - , direitos patrimoniais, Em resumo, aparticipação nas empresas e Igualmentepara os .

d ão de Manuel Sánchez Sarlo. 28

(I) Max Weber, Historia Econômica ~enera[; t~a uç956 298,edição, Fondo de Cultura Económlca, Mexlco, 1 . p,

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possibilidade de uma orienração I' .no senl'I"o m 1'1" e~c USlva, noque se relere à ~alisf;lçã() das necessidades. u ercan I e ua renlah.1 idade" (2) ,

IO'Jue câbe ressaltar, neste po~to, é que o padrão de sociabilidadeenvo ~I o_noprocesso ~e raci~~lizaçãO das ações, relações, instituições,orgam~çoes e fonn~çoes SOCIaiSpode influenciar, tensionar, modificarre~obnr ou mes~o ~I~solveros padrões de sociabilidade não-capitalistas:taIs :?m~ o car~smatlco e o tradicional. Aillda qu.eestes padrões com.frequencla subsistam, reapareçarn.ew.mesmo forlnem-se à margem oupor dentro do padrão racional, ou burocrático It;gal, ainda assim cabereco~~cer que este se apresenta dominante na história modernaeurope~a. e mundial. Devido à força, complexidade abrangência ee~panslvldade do capitalismo como processo civili;atórl'o a .dlver ~ d . ' s mais. sas ormas e orgamzação das atividades produ'tivas e da vidasocIal tendem a ser :.ecobe.rtas,~ubordinadas, modificadas ou dissolvidaspor esse processo. A raclO~alIzaçãotem sido a força decisiva no mundomode~no._° seu progr~sso no âmbito da conduta, da empresa, daorgamzaçao, da tecnologia, da lei e da ciência tem resultado no profundodesencan,tamento do cosmos que caracteriza a nossa época" (3).

.Se e verdade que ~ capitalismo nasceu na Europa Ocidental,am?lent~do no protestantismo, desenvolvendq-se inclusive nos EstadosUmdos I~p~egnados desse mesmo protestantismo, é também verdadeque o ~aplt~hsmo tem se expand!d? progressivamente por outras nações~ naClOnalJd~d:s, culturas e CIVIlizações, atravessando continentes .Ilh~s e arqUlpelagos. ° que parecia característico e peculiar d~OCidente, logo se revela.compatíve~ e até mesmo próspero no Oriente'pare~e~~o característico do hemisfério norte, também expande-se pel~hemlsfeno sul. Desde omercantilismo, o colonialismo e o imperialismovastos proce$SOSp.or meio dos quais se tecem laços, comunicações'redes, geoeconomlas e geopolíticas desenhando o mapa do mundo'sempre compreendendo culturas e civilizações tam~ém muito diferente~

(2) Ma~ W~her. lfistoria Emnâmil'll General, citado. pp. 236-238.(3) BcnJalll1ll Nelson, "On Orienl ano Occidcnt in Mal( Wellcr" l' .' I RS' 197 . . .,(11 la esean"

,prlllg 6. New Ymk. pp. 114-129; cilação da p. 117. '

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entre si e das ocidentais, desde esses vastos processos todo o mundo foi"4' sendo permeado por padrões, valores, instituições e organizações mais

i~ ou menos característicos do capitalismo. Em certos casos, como 110 do, ..~ Japão, o capitalismo tanto floresce, que até mesmo inova e desafia as

. próprias matrizes originais desse modo de produção. Aos poucos, as"outras" culturas e civilizações revelam-se "compatíveis" com ospadrões e valores, as instituições e organizações, mais característicosdo capitalismo. Aí nascem e desenvolvem-se a empresa, o mercado, oplanejamento, a administração, a contabilidade, as técnicas de produçãoe controle, a divisão do trabalho social, o taylorismo, o fayolismo, ofordismo, o toyotismo, a flexibilização, a produtividade, a lucratividadee a acumulação, tudo isso articulado nos moldes da racionalidadecapitalista. Sem prejuízo das peculiaridades sócio-culturais de cadapovo, praticamente todas as tribos, nações e nacionalidades do mundoforam alcançadas, envolvidas, impregnadas, transformadas ou recriadaspelas relações, processos e estruturas de organização da produção edavida social mais característicos do capitalismo .

.Aqui, novamente, recoloca-se o contraponto "ética-economia",ou "religião-capitalismo". Esse foi um tema tratado classicamente porWeber, para o qual também contribuíram de modo notável os eSludosde Sombart, Troeltsehe Tawney, entre outros. Examinaram tanto asconfigurações históricas que Weber havia analisado como outras, alémde empenharem~se em desenvolver o contraponto protestantismo-catolicismo-judaísmo-capitalismo (4). .

Posteriormente, outros pesquisadores dedicaram-se à problemáticainaugurada por Weber. Mas preocupando-se particularmente com oscontrapontos "islamismo-capitalismo", "confucionismo-capitalismo"e "hinduísmo-capitalismo", além de outros. Dedicaram-se e continuama dedicar-se a esclarecer as relações entre reIigião e economia, ou ética

(4) E. Troeltsch, EI Protestalllismo y el Mundo Modemo, Iraduçãu de Eugenio Imaz.Fondo de Cultura Econômica. México, 1951; Werner Somharl, El 811r/<l1lt!J,

tradução de Victor Bernardo. Ediciones Oresme. Buenos Aires. 1953: R.n.Ta\9ney. A Religião e o Surgimento do Capitalismo, Iradução de J;lIlCle Mciche~.Edilora Perspectiva. Sãu Paulo, 197t.

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rei ~g.iosae .r~cionalidade econômica, ou ainda profissão e secularização~a etlca religIOsa, de modo a desvendar o enigma" rei igião-capitalismo" .Empenham-se em analisar o ideário do islamismo, do hinduísmo e doconfucionismo, entre outras religiões, para desvendar seus componenlesde ascetismo e pragmatismo, de modo a esclarecer os eventuaiselementos ou as potencialidades mais ou menos compatíveis eincompatíveis com a racionalidade dos processos de trabalho, produção,distribuição, troca e consull1o característicos do capitalismo. Algunspesquisadores colocam-se o dilema "religião-capitalismo" de umaf(~rma um tanto imediata e direta, deixando de contemplar outrasdlll1~nSÕ~sda realidade s~cial abrangente. Outros, no entanto, ampliame <.hverslficam seu hOflzonte de reflexão, contemplando aspectossociais, políticos, culturais e históricos também relevantes.

Note-se que o contraponto "religiã<;>-capitalismo" , envolvendoética religiosa e comportamento econômico, ou visão religiosa dollIundoe racionalização do trabalho e da produção, não se desenvolvemem abstrato, mas no âmbito dojogo das relações, processos e estruturassociais, culturais e outras que constituem, a sociedade. Sempre queWeber se refere à religião, que pode ser protestantismo, catolicismo,judaísmo, islamismo, hinduísmo, confucionislllo ou mesmo as demaiso que está em causa é tanto a religião comoa cultura; cultura esta da quaia religiãoé uma dimensão privilegiada, mas nãoúnica. Sim, para Webera rei igião pode ser compreendida como um elemento nuclear da cultura.O estilo de vida e a visão do mundo envolvidos sinteticamente nareligião em geral correspondem às dimensões essenciais da cultura ~).

Cabe sempre reconhecer e reiterar que a sociologia das religiõesmundiais desenvolvida por Weber é também e principâlmente umasociologia da cultura, uma sociologia de estilos de vida e visões do

(5) Maxinw Rodillson.' h!am y Capi{(lIi,\'lIIo. tradução de Marla Rojz/lIan. SigloVeinliuno Editores. Buenos Aires, 1973; Michio Morishi/lla. Copitalisllle etCon/tll'Íolli.1"!1I1!(Technologie Occidenlale el Élhique Japonaise), lratlução-ue Annede Rufl e Pierre-ElIllllariucl Dauzal;Flallllllarion, Paris. 1986: Wor!d Deve!opmenr,voL8. n

q, 7/8. Pergalllon Press, Oxford. J 980. Illílllero especial dedicado a

.. Rcligious Valucs and Developmcnl"_

11 R

mundo constituídos culturalmente e sintetizados nas religiões. É claro( que as religiões podem envolver os mais distintos e opostos elementos,

tais como Deus e diabo, natureza, sociedade e sobrenatural, rel,igiosidadee magia, misticismo e profetismo, Igreja e seita, sagrado e profano,pecado e castigo, rotinização e secularização, teologia e cosmogonia,No jogo das relações sociais e na trama dos padrões e valores culturais,tendo em conta processos e estruturas também econômicos e políticos,as mais diversas formas de vida religiosa não só são levadas a inse-rir-se e redefinir-se no âmbito dª sociedade como um todo como podemrotinizar-se e secularizar-se, constituindo segn"lentos mais ou menosbásicos da cultura. Acontece que os processos de rOlinizaçâ(? csecularização historicamente desenvolvem-se de par-em-par,' tensa ecombinadamente, com outros processos, tais como individuação,urbanização, mercantilização, industrialização e racionalização. Eesses processos com freqüência ultrapassam fronteiras geográficas chistóricas, atravessando culturas e civilizações.

De fato, o capitalismo pode ser visto como um processo de amplasproporções e acentuadamente eXpansivo, inaugurando e desenvolvendouma época excepcionalmente singular da história européia e mundial,Ainda que se configure inicialmente como uma singularidade européia,decisivamente influenciada pela ética protestante, logo passa a influenciaroutras partes do mundo. Mais do que isso, destle Oinício já há nele algode mundtalizado.

É possível dizer, com Weber, que o capitalismo pode ser vistocomo um processo civilizatório gerado no Ocidente mas espalhando-sepelo Oriente, or,.j,ginário do norte mas difundindo-se pelo sul,marcadamente ocidental mas progressivamente mundial. Assim, amundializ~ção em curs.o no século XX, em especial depois da SegundaGuerra Mundial e mais ainda em seguida ao término da Guerra Fria,pode ser vista como um novo surto de mundialização da racionalidadeprópria da civilização capitalista ocidental. Mas com uma peculiaridade:nesta época a racionalidade própria desse processo civilizatório jáadquire categoria global. Uma racionalidade global, com dinamismopróprio, que já incute nas sociedades nácionais algo novo, distinto,

11 ()

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próprio d~ so:iedade global. A tecnocracia internacional, transnacionalou mund~al e bem uma expressão dessa globalização. Há empresas,corporaçoes e conglomerados, bem como agências multilaterais, desdea O~U ao FMI e.à OI!, que expressam muito bem oS primórdios e oshOrizontes da racIOnalização possível, almejada, realizada ou em cursoem escala global. .,

. "~ara Weher, a força ~Iohalizante do capitalismo traduz-sc na tcoria daracionalização gl.ohal. A comhinação docapitalismo protestante com o racionalismooCIdental produzl.u uma for~a irresistível, quc irá lellla mas seguramcnte convcrte;do~l lIl~n~(~ em.um ~I:.•ema soclal.regulado e organizado, no qUfll havcrá pouco espaço para.1 Ha.~I~ao, ~ I.nagla (~Uo cares.ma. O desencanlamcnto di! mundo tornará tudo, emPIIllCIPIO, SUJCltOao calculo racIOnal. Embora muitas culturas tcnham 'antecipado' t;lismlldança~. somen~c. na Europa pôs-calvinisla c nas culturas protestantcs da Amt:rica doNorte a torça esplrllual do racionaHsmo instrumental florcsceu plcnamcllle (6).

O~orre que. o capitalismo, como produto e condição da ampla egel~eral.lzada racIOnalização do mundo, logo se impõe ou sobrepõe àsl~laJs. diversas formas de organi~ação da vida social. Tanto podeCOllvlv.ercomo absorver, tanto modificar como recriar, as mais diferentesl~l~dah~ades, d.e organiz~ção s~cial do trabalho e da produção. AsfOi maçoes soclo-culturals de tnbos e clãsl nações e nacionalidadesrro~ít~cias e r~giões, muitas vezes sedimentadas por séculos de histórias:lratllçoes e 111ItoS.tudo pode ser alterado, abalado, mutilado ou recriadop~J<~sr~lações, p~oc~ssos e estruturas que constituem a organização e a~lIlJaml~a do capitalIsmo como processo civilizatório. Em geral, tudoISSO esta marc~d~ ~ela calculabilidade, contabilidade. administração.(~n!enamcnt~ ]Ufl(Jlco, desempenho, eficácia, produtividade, lucra-tiVIdade, raCIOnalidade. Está em curso a burocratização do mundo

.:~ sistema cCOl~ômico capilalista, com a sua calculahilidadc, Icvou o cont;.(~lchurocratlco ao scu mais cxlremo dcsenvolvimcllt') M'IX Wch' I'. .. . .. . , .• cr o lscrvnu que quanlom,IIS . desumalllzada. Se lorna a hurocracia, melhor ela dcsl=nvolvc as características\';~lol~lzadas pelo capl~alism~) .. ~s suas técnicas lornam-sc mais reli nadas. quanto maisclrmm3m das ocupaçncs o!lCHlIS I! amor, o 6din e todos aquelcs clcmcntos puramente

(r,l Ilryan ~. T~rncr, "Thc Two faccs of Sociology: Glnhalllr Nalilinal'!", puhlic;ldopor Mlk.c I-cathcrstllnc (cditor). Global Culfure (Nationalism, Glohalization andModcrnlly), Sagc I'uhlic:ltions, London. 1990, pp: 343-358; t:ilaçâo da p. 353.

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~:,

pessoais. irracionais e emocionais que desaliam o cálculo. ( ... ) A invenção de um.parato de tal precisão, como mciá de controle, exclui a possibilidade de qualquer outrosistema. A complexidade da sociedade industrial não permite a não ser a administraçãoburocrática, o que torna o destino das massas ligado ao contínuo funcionamento doaparelho burocrático. ( ... ) Uma vez plenamente estahelecida. a huronacia t: umadaquelas estruturas sociais mais dil1ceis de serem destruídas" (7).

Nesse contexto em que se formam, generalizam e predominam astecno-estruturas destinadas a diagnosticar, planejar e implementardiretrizes gerais e decisões especiais. As tecno-estruturas reúnemprofissionais sofisticados de todas as qualificações, do economista aomatemático, do sociólogo ao publicitário, de modo a pensar ascondições e perspectivas dos mercados efetivos e potenciais, dascondições sociais, polític~s, culturais e econômicas para a seleção eimplementação de investimentos, operações publicitárias, inauguraçãode temas, preparação da opinião pública, em conformidade comdecisões que podem interessar a governos, corporações, igrejas,lobbings, correntes de opinião pública e oulras instituições e orga-nizações.

"A sociedade econômica moderna s6 pode ser entendida como um esfilrço,inteiramente bem-sucedido. de sintetizar na organização uma personalidade de grupomuito superior (para os seus ohjetivos) à de uma pessoa natural c com 'iI vantagcmadicional da imortalidade .. A nccessidade dc tal personalidade dc grupo comcça pelacircunstância de que: niindústria moderna. um grande númcro de dccisllcs e todas asque são importantes valem-se de informaçiies possuídas por mais dc um homcm. Dcmodo típico, se valem doconhet:imento científico e técnico especializado, da cxpcricnciae das informações acumuladas c do sentido intuitivo ou artístico de muitas pcssoas. Issoé norleado por outras informaçües que são reunidas, analisadas e inlcrprcladas pflrprofissionais que ulilizam um equipamento altamente técnico. ( ... ) Deverá havcrhomens cujo conhecimento lhes permita prever as necessidades e garantir uma oferiade mão-de-obra, matcriais c outros requisitos de produção; homens que saibam plancjarestratt:gias de prcços e cuidcm de que os consumidores estejam apropriadamclltepersuadidos a comprar a esSCSprcços; homens que, nos níveis mais altos da tccnologia,

(7) Hcnry Jacoby, The Bureaucmfizatioll of fhe World. Universily of California,Berkeley. 1976, pp. 148-9, 149 e 150. Consultar tambt:lIl: Wolfgang J. Momlllsen,The Age of BI/reaucracy (Pcrspectives on lhe Political Sociology of Max Wchcr).Barper & Row Publishers. Ncw York, 1974.

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cSlcjam tã~) informados que possam trabalhar eficientemcllIe com o Estado de modoque. eSle seja :onvenienlemeJlt~ dirigido; homens. por fim. que possam organi~ar o nuxode mformaçoes que as tarefas acima mencionadas e muilas outras exigem" (81.

As tecno-estmturas podem ser vistas como organizações sistêmicascxpress~m.Jo muito do que é a racionalidade instrumental ou técnic~~redoml,n~nte no capital ismn. Elas podem ser locais, nacionais, regionais~ lIlundl~lIs, o~e.rando em esferas como as da economia, política,cLJ,Jtura,ge~)pohtlca, geoeconomia, indústria cultural e outras. Talvez~~J:I~l as !~rl11as mais desenvolvi~as, das cstruturas decisórias que:l~tlculam.ls partes e o todo, nas mais diferentes esferas da vida social.Iralls.formam rccursos cientí flcos e tecnológicos cm di retrizes, decisões,pla."cjamc"tos e práticas destinados a organizar, dinamizar e modificar() Jogo das forças sociais, em conformidade com os interesses~~'cv~le~entes nas estruturas dedoininação política e apropriaçãoeconOllllca. Formaram-se e desenvolveram-se no âmbito üa economiaenvolvendo empresas, corporações e conglomerados operando e~escala local. nacional, regional e mundial.

. "Not,e-se que :IStecno-estruturasdascorporaçcies transnacionaise das organizaçcies1Jl1l11l~at~ra_lsaperfeiçoam e desenvolvem suas ativid:\des heneficiando-se haslante dasclllllnhlllçoes dos tllillk-tallks. ou seja. tias produções d~ equipes de inleleuuai~d~,"c~dl~S. em geral de modo exclusivo e sistemático, :', realização t1e estudosd~::¥nos~lcos e pr?~nt'lsticos relativos aos mais distintos pruhlemas loc.tis, nacilJnai~:Icglon~l~ e mundiaiS, Em escala nescenle no século XX. e em forma cada vez maisS1Stem~tl~a e generalizada depois da Segun~a Guerra Mundial. os flti/lk-/a/lks florescerame 1Il~llllp~lCaram-se por lodo () lIlulldo. ein geral, pensando. t:llando e escrevelllJo cmIlIglc,~. 1rata-se de. equipes t1e illtelectuais. comhinando I:iclltistas c técnicos .. ft'lIiorse J/I"/I~rs. especlaliza.dos cm prohlcmas refalivos à societladc e à naturcza. destle-ageolo~la e:1 aSlronomla à demografia e ao l1larketi/lg. cujos conhecimentos se lraduzemem dlag.llosllCOS e prognósticos, o~ planos. programas e projelos. sempre em~()Jl~OI.'~ldad~ .~on~.os pro.hle~las susclt~d.os ~or corporações e organizólçlies privadasc puhlicas. IlJClOnaIS. reglll1l31S e mundiaiS. E no funhito dos fltink-taÍ1ks. assim como110 da: tecllo-estruturas, de forma independcme ou clllnhinadamente. que se d:í aIIaduçao de conheCimentos científicos em técnicas de produção e com role, relativamente

(H) J~)h.n ~elll,le~f~ G:~hraith,. ~ Now! Estado Industrial, tradução de Alvaro Cabral,.Edlt~)r.~ Clvlllzaçao BraSileira. RIO de Janeiro. 1968. pp. 70 e 72. Cilações do cap.VI. mtllulado "A Tecn'oestrutura".

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a problemas eCOIlOnllCOS. políticos. culturais, demográficos, religiosos. raCIaiS.ecológicos. geoeconômicos. geopolíticos e outros. nos mais distintos e distames países.envolvendo nações e nacionalidades. povos e coletividades, culturas e civilizações.

t Dessa maneira, desenvolve-se, aprimora-se e generaliza-se a racionalização do mundo,~: ainda que de modo irregular. fragmentário e contraditório. mas em geral inexoráve'''(9).

Uma parte fundamental da racionalização da sociedade édesempenhada pelo direito, pela codificação jurídica das respoll-sabilidades, normas e procedimentos, estipulando os parâmetros dasações e relações, das instituições e organizações. A partir dos princípiosda liberdade e igualdade de proprietários, formalizados no 'contrato,institucionalizam-se, generalizam-se e cristalizam-se as condições epossibilidades formais do intercâmbio, negociação. parlamentação,controvérsia, prêmio e punição. Independentemente das peculiaridadesnão apenas sociais, econômicas e políticas, mas também culturais ecivilizatórias, as tribos, clãs, nacionalidades e nações podem tomar porreferência critérios da racionalidade básica indispensável àinterdependência .

Juntamente com a racionalização do mercado, da emp~esa, ,uecidade, do Estado, do ensino, da cultura e da religião, desenvolve-se egeneraliza-se o direito racional. Os códigos de todos os tipos, traduzidosem estatutos, normas e diretrizes, estabelecendo direitos e obrigações,prêmios e punições, traduzem os padrões eos valores sócio-culturais doascetismo originário do capitalismo em disposições racionais secularizadasimpostas e válidas para todos, independentemente das difcrenças declasse, religião, raça, sexo e idade. Sob outras formas, pois, está cmcurso a racionalização das ações e relações, instituições e organizações.em escala local, rraetonal, regional e mundial.

(9) The Economisl, "The Good Think- Tank Guide", l.llndon, 21 de janeiro d~ 1992,pp. 79-85; Alvin W. Gouldner. El FUlI/rII de los IlIteleclI/ales y el AJcensll de laNueva Clase. tradução de Nt:5tor Miguez, Alianza Editorial, Madrid. 1985; ErnslB. Haas, Mary PaI Williams and Don Bahai. Scienfisls muI World Orda (The UsesofTechnical Knowledge in Inlernational Organizations), Universily Ilf CaliforniaPress. Berkeley, 1977.'

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A calculabilidade econômica, ou a contabilidadc cada vez maissistemática, rigorosa e mecanizada, é uma espécie de concretizaçãoefetiva, cotidiana e generalizada das exigências da racionalidade geralque constitui e dinamiza ações sociais com relação a fins e valorestípicos da ordem social capitalista. Mas <::abereconhecer que o direitose constitui em uma espécie de parâmetro universal d'a sociabilidadecaracterística da ordem social capitalista. Em todas as esferas da vidasocial, da empresa ao Estado, do lnercado à cidade, da escola à igrela,cm todas essas e outras esferas da vida social está presente o parâmetroconstituído pelas disposições jurídicas que ordenam e disciplinam asaçiies e relações de uns e outros em moldes racionais.

Talvez se possa dizer que, para Weber, o direito racional é ocoroamento do processo de racionalização inerente ao desenvolvimentodo capitalismo como processo civilizatório. A racional idade possível naempresa e no mercado, el1\:olvendo o capital, a tecnologia, a força dell:abalho e os outros fatores da produção codifica-se em última instância110 direito racional. Ele é o parâmetro universal das atividades, açõ~s,relações, instituições e organizações, envolvendo indivíduos ecolctividatlcs, nações e nacionalidades. Ainoa que na mesma sociedadesuhsistam distintos tipos de dominação, tais como o carismático e oIradicional, entre outros, quando a dominação racional começa a

I

predominar, ela tende a inl1uenciar, recobrir, tensionar, modificar,recriar ou mesmo dissolver outras modalidades de organização dasatividades produtivas e da vida social (In).

Esse é o universo em que predomina o princípio da quantidade. Omesmo princípio que funda a racionalidade da empresa e do mercado,da cidade e ~o Estado, aos poucos impregna todos os outros círculos davida social, compreendendo o partido político e o sindicato, a mídia ea escola, a Igreja e a família. Aos poucos, o princípio da qualidadesuhordina-se ao da quantidade. Ainda que a qualidade jamais seja

(lO) Max Wehcr. Economia e Sociedade, 2 vols., tradução de Regis Barhosa e KilrenElsahe nilrhllsa, Edilora Universidade de Brasília, t991, VIII. I,. especialmente licapo 111; "Os Tipos de Dominação".

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suprimida, ela perde prerrogativas na maioria dos espaços públicos, e: tende a perdê-las também em espaços privados., O paradoxo está em que o princípio da qualidade subjacente aoi ascetismo presente na origem do espírito do capitalismo progressivamente..foi sendo substituído pelo princípio da quantidade. A mesma dinâmicadeflagrada com a ética protestante, com a profissão como realização da'vocação, ou com a atividade econômica disciplinada e produtiva comomissão, essa mesma dinâmica engendra a substituição da qualidade pela

__ o quantidade. Há um momento em que a montanha de mercadoriasproduzidas precisa ser consumida para realizar-se, como valor de usoe de troca, sem o que não se realiza o lucro. Para que o capital possaconcretizar-se e desenvolver-se como lucratividade, torna-se necessário. que o consumo se efetive, intensifique e generalize. Isto significa queo princípio da quantidade também estava subjacente, na mesma origemdo espírito do capitalismo, determinando a secularização da éticaprotestante e a metamorfose do ascetismo e consumismo. ,. De fato, é inegável a contradição entre ascetismo e consumismo,se pensamos no capitalismo em perspectiva weberiana. Ao longo dahistória, à medida que se desenvolve o capitalismo, o ascetismo parecedeclinar e o consumismo hedonista, crescer. Isto significa que a matrizoriginária do capitalismo, sintetizada na ética protestante, na profissãocomo vocação e no ascetismo como negação do hedonismo.progressivamente rotiniza-se, seculariza-se e dissolve-se no jogo dasforças sociais presentes e crescentes no mercado. Assim, aos poucos,o consumismo se constitui em outra esfera de dinamização das ações,relações, instituições e organizações sociais, em escala local, nacional,regional e mundial. No âmbito do consl;lmismo é que se desenvolve asociedade de consumo, a sociabilidade consumista, em que indivíduose multidões imaginam que estão realizando a cidadania, confundindo aliberdade e a igualdade de consumidores com os direitos do cidadão (11).

(11) Daniel Bell, The CuÍtural Contradiclions ofCapitalism, Basic Books, New Y~rk.1978; Colin Camphell, lhe Romanlic Elhic'and lhe Spiril ofModem Consllmemm.Basil Blackwell. Oxford. 1989.

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I

Sob todos os aspectos, pode-se dizer que o conceito de racionalidadeestá na base do pensamento de Weber, tanto no que se refere as suasreflexões teóricas como no que diz respeito as suas análises históricas.Tudo que é social, em qualquer época e lugar, pode ser analisado emtermos de formas e gradações de racionalidade das ações sociais deindivíduos, grupo ou coletividades. Os conceitos típico-ideais de açãosocial tradicional e ação social afetiva adquirem maior clareza quandoem contraponto com os conceitos de ação racional COIl1relação a valorese ação racional com relação a fins. Em outro nível, o conceito dedominação racional legal ajuda a clarific:ar os de dominação tradicionale dominação carismática. A rigor, os conceitos de empresa, cidade,mercado, Estado e direito são elaborados por Wcber de modo aesclarecer' distintas formas e 'gradações de racionalidade, comoconfiguração típico-ideal e como processo histórico. Racionalidade é amatriz da sua teoria da história. "A idéia.d~ racionalidade é o gramJe temaunificador da obra.de Max Weber. Os seus estudos empíricos aparentemente dísparesconvergem para um objetivo suhjacente: caracterizar e explicar o desenvolvimento daracionalidade específica e peculiar que distingue a civilização ocidental moderna 'detodas as outras. As suas pesquisas metod91ógicasel~fatizama capacidade universal doshomens para agir racionalmente e a conseqüente fnrça da ciência social paracompreender essa ação" (12).

A mesma racionalidade que singulariza a civilização ocidentaltransforma-se em parâmetro de análise de todas as' outras civili-zações ou formações sociais diferentes da ocidental. Aliás, o próprioOcidente é analisado a partir desse parâmetro. É C0l110 se muito do quese situa no Ocidente só aos poucos se tornasse racional, organizadosegundo as características da dominação racional legal. Simulta-neamente, é como se muito do que é tradicional, caris'mático, patri-

(12) Rogers Brubaker, The Lilllits of Rationality (An Essay on the Social and MoralThought of Max Weber). George Allen & Unwin. London. 1984. p. 1. Consultartambém: Ralph Schroeder, Max Weber and file Socio/lIgy of Cu/fure, SagePublications, London. 1992; Wolfgang 1. Mommsen, The Age of Bureaucracy.citado; Henry Jacohy, Tlle Bureaucratizatioll o[ tire World. citado: BeiljaminNelson. "On Orient and Occident in Max Weher", citado.

monial ou oriental só aos poucos se deixasse penetrar por característicasda dominação racional legal. Essa é a perspectiva simultaneamentemetodológica e histórica em que Weber se situa para refletir sobre aChina, a índia, o Egito, a Grécia, sobre Roma, Idade Média européiae outras configurações sociais ou civilizatórias recentes, remotas oupresentes.

Essa é a perspectiva concomitantemente metodàlógica e his-tórica em que Weber se coloca para refletir sobre o socialismo. Emforma breve, para ele o socialisl!l0 distingue-se principalmente comouma forma ou gradação de exercício da racionalidade na organi-zação das atividades econômicas, políticas. culturais c sociais. Aestatização da economi~, ou a expropriação da propriedade privadadas empresas, bem como o planejamento da produção e mercado,além de outras características do socialismo que já se ensaiavanos primeiros anos de vida da União Soviética, tudo isso poderia tra-duzir-se em novas formas ou gradações de racionalidade; algoperfeitamente inteligível na ótica aberta pelo tipo de dominação racio-nallegal burocrática. Em lugar de propiciar a emancipação do traba-lhador, do povo e da sociedade, poderia reforçar e aprofundar o poderda empresa, do aparelho estatal, ou dos grupos sdciais~ instituições eorganizações que detivessem os meios de controle, decisão c im-plementação. .

"Onde quer que o funcionário especializado modcrno venha a predominar. suaforça se revela praticamente indestrutível, pois toda organização e mcsmo a satisfaçãoda necessidade mais elementar foi adaptada ao seu modo de operação. Uma eliminaçãoprogressiva do capitalismo privado é teoricamente concebível, ainda que Cerlallle;Uenão seja tão fácil comõ""n"tàzemsupor os sonhos de alguns literati que desconhecemo assunto. Essa eliminação, com toda certeza. não será uma das conse4üências. desta guerra (1914-18). Mas suponhamos que no futuro o capitalismo privado seja, eliminado. Qual seria o resultado prático? A destruição da estrutura de aço do trabalho( industrial moderno'! Não! A aholição do capitalismo privado significaria simples-,I:menteque também a alta admi~istração das empresas nacionalizadas ou socializadas

, 11Omar-se-ia burocrática ... A burocracia estatal reinaria absoluta se o capitalismoi 'privadofosse eliminado. As burocracias privada e pública, que agora funcionam lado; a lado. e potencialmente uma contra a outra, e assim se restringem mulllamente até, ~ certo ponto. fundir-se-iam numa única hierarquia. Este Estado seria então semelhante,'1

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:!

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à situação no antigoEgito, masocorreriade uma formamuitomais racionale por issoindestrutível" (13). .

Para Weber, o socialismo se caracteriza por criar novas formas egradações de racionalização das atividades, instituições ~ organizações,o que reforça o poder da burocracia e dOburocrata, tanto no que se refereà gestão do aparelho estatal e da empresa como no relativo à estruturade aço na qual o trabalhador é im.erido. "Semelhame estatização, querdizer, uma associação forçada em cartéis de empresários de todos os setores ea participação do Estado nesses cartéis com uma quota de lucro relativo (emtroca da renúncia ao direito de controle) siglÚficariade fato, em tempos de paz.o domínio do Estado opor o parte da indústria antes que o domínio da indústriapor parte do Estado. Tudo isto poderia tomar uma'foi:ça malsã. No interior dasassociações empresariais. os representantes do Estado se sentariam à mesmamesa que os industriais. muito mais capacitados que eles em matéria dehabilidade profissional. adestramento comercial e capacidade de defender seuspróprios interesses" (14). Sob ,essas condições, alteram-se as condições detrabalho e produção. assim como as de reivindicação e luta por parte dostrabalhadores. "Contra o Estado não é possível fazer greve alguma, e portantocom esse tipo de socialismo de Estado a dependência do operário seria narealidade notavelmente aumentada. Este é um dos motivos pelos quais a social-democracia rejeitou esse tipn de 'intervenção estatal' na economia, ou essaforma de socialismo em gelaI. Tal socialismo nada mais seria do que umacomunidade de canéis" (15).

A racionalidade de que fala Weber desenvolve-se de uma formaexcepcionalmente intensa e generalizada na empresa, corporação e

(13)Max Weher, Ensaios dI! Sociologia I! Outros Escritos, seleção de MaurícioTragtenherg, Abril Cultural, São Paulo. 1974, pp. 30-31; citação extraída de"Parlamel1larismoe Governo numaAlemanhaReconstruída", pp. 7-91.

(I4)Max Weher. "Conferência sobre o Socialismo". em: Émile Durkheim e MaxWeber, Socialislllo, organizaçãode LuisCarlosFridman,RelumeDumará, RiodeJaneiro, 1993, pp. 85-128; citaçãoextraídada p. 105.

tI 5)MaxWcher. "Conferênciawbre oSocialismo", citado.p. 106.Consultartalllhêm:Wolfgang Jo,MOlllmsen.11/e Political and Social Tlreory oj Max WelJer, PolityPress, Oxford. 1989, esp. capo4: "Capitalisllland Socialism:Weber's DialoguewithMarx"; WolfgangJ.Mummsen.TheAge ojBureaucracy, citado,especialmenteeap. 111:"The Altcrnativelo Marx: DynamicCapitalisminsteadof BureaucraticSocialism".

12R

conglomerado, de modo a produzir mercadoria e lucro. A produtividadecrescente, cada vez mais intensificada pelas mais diversas tecnologias~ecânicas, elétricas, eletrônicas, administrativas, psicológicas,~ociológicas, culturais e gerenciais é um lema uni~ersal. Es~e o~ignificado de processos produtivos como o manchestenano. taylonsta,fordista. stakanovista e toyotista, além de muitos mais. São diferentes~odalidades de aperfeiçoamento da organização social e técnica dotrabalho e da produção, de Illodo a acelerar e a generalizar a rac ional idadeprodutiva, a multiplicação do lucro.

. i Aí está uma das ironias da história. O Estado Soviético, organizado:çm um país em que a revolução burgucsa se havia rcalizado de forma'precária e incompleta, foi levado a realizar tarefas quc a revolução:burguesa não havia cumprido. ou havia realizado apenas parcialmcntc.,A neccssidade de desenvolver e gcneralizar o padrão capilalista de,!orgallização da economia, em um país parcialmente fcudal, levou o:governo soviético a transformar o Estado em um imenso, poderoso c •!singular capitalista coletivo. O lema em que se dizia que o soviele mais\a eletrificação produziriam o sQcialismo, adotado coin a nova política:econômica, e,m seguida à n:volução. sintetizou muito hem ü exigênciai de acelerar e generalizar um padrão de dinamização e organização dasI forças econômicas, de um sistema econômico nacional. integrado e: fluente. Daí a admiração pelos procedimentos e tecnologias do fordismo.i ou americanismo, o que se desdobrou nostachanovismo, UIll padrãoI avançado e dinâmico de racionalização do proccsso dc trabalho c'produção. ._

"Se Alcxej Sladmoov, aqucle homcm a respclto do qual sc allrllla Il:rextraído, na noite de 31 dc agosto dc 1935, na rcgião do rio 1)onl:z, 1Il2toneladas de carvão num turno de einco horas e 45 minutos, tomou-sc o 111lHklosoviético e um mito do trahalho. ele personifica com isso prn:isamcnlc oprincípio capitalista de um dispêndio ahstralo. de força de trahalho. cn~ ~uiaesfera de inl1uênciaexiste o lrahalho COlllOallvld;Hkquc. de lorma 1;l\llOlo!:ll'a.traz sua finalidadc cm si mcsma. Só quc o caráter naturalista da 'idcologia dctoneladas' cxpressa esse princípio em .quantidade~ a.hslratas dc 11,lal~r~ascprodutos que são privados dc suas qualidades senSIVCIS.PorlanlO, ,c luclda aobservação dc Thomas Mann. que em junho dc 1919, ao rcllcllr sohre a

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composição de seu romance A MIM' .a ess

' . ontan la ag/("{l, escreve: 'Fi<luei pensal)"{), e respeito que a d' ~ ' . ' u ,insignificante') • I ercnça ~l1ca entre o capitalismo e o socialismo éabsoluto •..• (I~»~orque ambos consllleram o trabalhp o princípio supremo, o

, .pe fato. nas c.ondiçôes adversas sob as quais se organizou o EstadoSov~etlco. o taylorISmo e o fordismo acabaram por encontrar condições~)~rtlcul~rmente propícias para implantação e desenvolvimento. Tralava~. e de cnnr. acelernr e generalizar processos produtivos nacionais' de~~,lOdoadesenvolve.r a economia soviética. isto é, centralmente planific,;daj<~q~~ o ql,le s,e.haVIa I~er~ado da época tzarista era uma economia apena~~,I ~CI:lI~~l~lltcI,mh~stna!;zada', no .sentido do apoio em forças produt ivas. el,lçol::s de ploduçao propnamenle capitalistas. Sob a direção

tll.l. ~~n:ato. estatal,. c.om base. no, plnnejnmcnto centralizado e 'nopllllclpto d,l produtividade e quantidade, o taylorismo e o f .1'

IlnrC1r'1 t orulsmo, « m )aSlante as relações de' pfoduçã .r,,' r I ' , .' (o, compreendendo a

( ISCIP ma e a lterarquJa lia organização técnica e social das r 1'- IIrabalho.' , . eaçoes (e

."Lêuiu reconhecia Il P:II'd llo taylorismo noaumenlo lh ex lora '~IO .;1l~lle.dl;t~)~q~le. :e.la melhora da prollutividaLle llo trahalho so;). Il ~ocia~;sl;ll:n:~:.1,1).1 ~•.Il.ores ~ell.lIl1 IIherados !,ara assumir uma parle maior lia gest~o lh ,oelt"lhd~l:.do. £:s1.ldo. [:lIlr:~anlo, a ausêllcia de uma avalia,~o nítica tias rch,iie~ ~oci'li,' 11'fahrlca acahou por i)fOVOCarconseljüências teúricas e [wiliC'ls de VUI;o N'-' "I .1.somente n' . .. .. ' I '1 . .• • . ,ao resu lou" _ .1mc.IIJ.lCll al e para Iransformar os métodos de trahalho nOlllle S' . ,r." : .I('hçoes entre 11"11'11 I' • ,e IC cle .I~. 'r'. ,.1 .1 lO manua C mental. Tamhêm alinlclllou illcvilavclmenle oUll"Ish'IH CIlClas, 1:lls elllllll o dcclínio do comilê de f:ihric'l '1Cl<ls'i. I . I' I' ... ,'1'11'1 . I '(' '.~ I . _ ' ' " , .. ( (O lIlIl I" e opcr:IrI11 I'.. . SU), 11111,.10pc a llire,aoulllpeSSll'll ( ) T' I'k . ." . ,I, ',' ." ., lOS yexp!essoupcrlellamclllcop"lll11l c "lsl.1 tecnlclSla, quando dIsse: as formas sl)viéticas de pí'opriedade 11'1h'lS' I" .'.nHHlern'ls tOl'l1l"1Sde I'" ' . •. e l .ISUJ.IISc:" • ..... '. .. , ccmcas amel'lcanas transplantadas para todas as formas tia vidac 1l0mIC.I. Ishl, de lah), pmiL:r;i ser o primeiro cst;ígio do socialismo" (In •

(I ó)R~)h~rt ~UI"7:, O C.0/ap.w. tia Modemiza('lio (Da Derrocada til) SocialisllIo deC.1,cln.~.1 Ci ISCda b:ononlla Mundial), traL!u,ào de Karen E1sahl: Barhosa F 1'1 .Paz c 1 crra, s~o !'aulo. 191)2. PiJ, 23-24. . , ,li 01'.1

(17) ;.a~l. ~ho~:pson._ 771eNaturl' of Work (An !nlroduclion til (.)ehales on lhe Labo\ll'Illlcessl. ~ edl~'ao, MacMlllan. London, 191\9, pp, W-ól.

!lO

Em síntese, "as relações de trahalho nas Sociedades de tiposoviético revelam amplo leque de similaridades com as do Ocidente:hierarquia, coerção pela produção por peça, subordinação dos produtoresdiretos" (18),

Como se depreende das reflexões de Weber sobre o socialismo eocapitalismo, a idéia de racionalidade pode ser tomada como matriz de~ua teoria da história. Trata-se de uma teoria da história universal. ainda9ue construída principalmente a partir da singularidade, ouexcepcionalidade, do Ocidente. A despeito da perspectiva aberta pelachamada civilização ocidental. é 'inegável que para Weber a idéia deracionalização serve de base para pensar o passado recente. remoto epresente, em âmbito local, nacional, regional e mundial ... No estudo dequalquer problema da História universal, um filho da moderna civilizaçãoeuropéia sempre estará sujeito à indagação de qual a combinação defatores a que se pode atribuir o fato de na civilização ocidental, esomente na.civilização ocidental, haver aparecido fenômenos culturaisdotados (como queremos crer) de um desenvolvimento /lI/il'I'I'.I'(/[ elll seuvalor e significado" (19) •

Está em curso o desencantamento do mUllllo. O que era UIII

processo circunscrito a alguns países da Europa, e transplantauo paraos Estados Unidos, logo se revela mais ou menos generalizado e, àsvezes, avassalador, enl escala mundial. Nesta altura da hislória. ametáfora iluminista aparececomorcalidade cotidiana e universal. denorte a sul, do ocidente ao oriente,.À força de desenvolver-se por lodosos cantos e recantos da vida social, ao mesmo tempo que Illuliplicandosua capacidade de.j.!~uenciar, disciplinar, diversificar e pOl,enciar asações e relações, bem COliio as instituições e organizações de todos ostipos e em todas as partes do mundo, ()processo de racional ização passaa submeter o iildivíduo, singular e coletivamente. aos prouutos de sua

(18) Paul Thulllpsun,Tlie Na/lIrt! I!f Work, citadu. p. 248.(19) Max Weher. A Ética ProtesfI1l1/ee o Espírito do Capitalislllo, tradu,~u de M, \renc

de Q. F. SZ1l1recs3nyi e Tamás J. M, K. Szmrecsanyi, Livraria Pioneira Edilora,

São Paulo. 19117. p.1.

UI

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criatividade. De produto. meio ou instrumento, a tecnologia transfor-ma-se em finalidade. objetivo por excelência. numa surpreendenteinversão L1e meios e fins. Essa é a metamorfose provocada pelaracionalização que configura um estágio avançado do desencantamentotio mundo. quando de repente o indivíduo e a coletividade se vêmencerrados na gaiola de ferro que constn.iíram. na qual não deixaramnem porta nem janela. no cmpenluute levar a racional ização ao extremoda perfeição. Quando o ascetismo foi "trallsl"crido P;II;Ia vida profissittllal.passando a innuelll:iar a moralidade secular. fê-lo cOlllrihuind" p"derosamenle para aI"'rma~ão da moderna ordem econillniea e técnica ligada ;'1 produção em série ;llravésda m:Í(luina. que alualmentc delermina de malleira vi"lenla o eslilo de vida de I(\d"illdivíduo nascido soh esse sislcma. e não apenas daqueles direlamenle ;Ilingidus pdaaquisi~ão el'Onillnica, c, 4uem sahe.'o delerminar;í alé que a lillima lonelada IleCllmhuslívcl tiver sido gasla. De acordo com a opillião de Ilaxln, prcocup;l~iil:s pel"shl'IISmalcriais somente poderiam veslir os omhros do sanlo COIII"11mlémlc manlo, d"'1"al a loda h"ra se pudcsse despir. () deslillo iria fazer eom que omalllo se Ir;lIlsli'flllasseIIl1maprisão de I"cITO,Desde Ilue o ascetism" começou a remoddar o mundo e andese dcsenvolvcr. os llellSmaleria.is fonlln assumindo uma crcsccnlc e, finalmcnlc, ulllainl'Xor:ível lill\'a sohre os homens, como nunca anles na hislúria. If"je em dia ... oudefinitivamente. qnem sahc - seu espírilO religioso salou-se da prisão. O capilalisllltlvencedor, ;Ipoiadolllllna hase m~c{lIlica.não clrece 111;lísdc sen ainjgo ... Ninguém saheaillda a quelll.'~'aher;í no fuluro viver nessa prisão. ou se. no filll dcsse IITlIlend"desenvolvimcnlo. não surgirão plHldas inleiramcnle 1I0\iOS.ou IlInvil~onlsorell;lscilllelll"de velhos pensalllentos-c idéias, ou ainda se nenhuma dcss;ls dU;IS-- a evenlualidadede um;l petrifica~ão mec:lIlizada caraclcri7.ada por esl;l convulsiva espécie deaUlojuslificação" (,O).

A met:ífora da gaiola de ferro torna-se realidaue u)tidiana, prosaicae generalizada. à medida que se desenvolvem as tecnologias ua prouuç:ioe reprodução material e espiritual, envolvendo progressivamente lodosos círculos,da vida social e funcionando, cada vez mais. tamhém COIllOlécnicas de controle social. Todos os círculos da vida social, desde aempresa à escola. do mercado ao Estado. da igreja à família. sãoprogressivamente organizados e dinamizados pelas tecnologias da

(20) Max Wehcr. :l1~lil(/ l'mII'MIIIIIC! C!ti E.~pirilo do CI/pill/lislllo. cilado, pp. 130-131.Consullar lamhém: Ralph S•.hrocdt:r. Mm Wc/lcr 11//11 t11t' SIW;t1/t1~y (Ir ('11/1111'('.

citado, espccial1ncnle o capo 4: "The 1[011Caj!e oI' r-.lodcl'llRatiollalism".

racionalização, compreellde'ndo recursos das ciências naturais e sociais,~da cibernética à psicologia. À medida que corre o século XX.\ atravessando guerras e revoluções, nacionalidades e nações, culturas e'\civilizações. o capitalismo intensifica e generaliza o u~sencantamento

. ,do mundo,

"O mundo tem sido raciollali?:ado cm lal escala, e csta raciollalização IOrllou..se •, . uma for~a de tanto poder. que o indivíduo lIa(la pode fazer de melhor senão ajuslar-sea isso sem n:servas .. , Os fatos que dirigem o pcnsamelllo e ação do homem lIão são osda natureza, que preeisam scr aceitos a fim de que possam ser dlllllillados, ou os dasociedade. 4ue precisam ser mudados por4ue não mais correspolldcm às lIecessllladese poteneialidades humanas. Ànlcs, sãoaqucles processos lecniricados. qne se apre~('nlalllcomo a corporiricação da r,ll:ion;llidade e da dic;ícia ... Não h:1qualquer POSsllllhdadeindividual de cscapar ao ap;lralo que mccaniwu e estandardizou o mUllllo. TraIa-se de.um aparalo racional, comhinallll,o cfic;ícia e conveniência, economizando tempo eenergia. removcndo desperdícios, adaptando lodos os meios ao ohjeto, allteclpalldo'conse4iiéncias, garanlindü calculahilitlade e sCl!uran~a,., Não h;íespaço para auhlnllllua..A racionalidade individualista descnvolveu-se em uma eficicnte conlúrnlldade t:om opreestahelecido (,Olllilllllllll de IIIcios e rios. Os fins .ahsorvem os esrorços liheradorcsdo pensamenlo, e às várias lün~iies da ra/~o, convergem para a nll'llI11l1clon;I!manutcnç~o do aparalo" (21).

(21)lIerhert Marcuse. "Some Sot:ial Impl icalious oI' Modem Tet:hnology". SOl';o/SIt/lIiC!.\' ill Plti/osoplty (///(1 Soda/ SdC!IICi', vol. IX. nº 3, The Inslilule 01 SocialRescarch, New Ynrk. 1941. pp. 414-4.1'): cila~ão lias pp. 4IR.41'). COIISIIJt;11lamhém: Norhert Wieller, CiiJemét;m I' Socie(/(/(Ie (O Uso Ilumano de SeresHumanos). lradu~ão dc José Paulo I';ICS.EdilOra CuJtrix, São Paulo, 1968: DavidS, Lalllles, n,c 1JllbIJ/llld l'rtllIIC!tltC!III (Tt~c:II/UI/(lJ:ii'{// Clttlll/l(' (///(1 IlIdu.l'friol

Dew'lojill/cllt ill WI'Itertl Europefrom 1751J lo Ilte l'rC!,I'I'IIt): Can~'lridge l.!Iúver;~ilyPl'ess, Camhridge, 1987; Jacqucs Ellul. 77/e TC!I'hl/(}/(l~ICIl[ .\(}('II'ty, Ali red A.Knllpf. Ncw Ymk. 1967.

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VIII

A Dialética da Globalização

. i.,

DESDE o princípio, o capitalismo revela-se como um modo deprodução internacionaL Um proccsso de amplas propon,:<ies quc,

; ultrapassando fronteiras gcográficas, históricas, culturais e sociais,, influencia feudos e cidades, nações e nacionalidades, culturas'ef civilizações. No IUQg9 de sua história, desde o século XVI, teve seus

. J centros dinâmicos e domiilantes na Holanda, na Inglaterra, na Prança,, t na Alemanha, nos Estados Unidos, no Japão e em outras naç'ões, c cm,i qualquer caso sempre ultrapassou fronteiras de todos os tipos. Mais do

•. que isso, sempre recobriu, tleslocou, dissolveu, recriou ou invcntoufronteiras. Em sua marcha pela geografia e história, influencioudecisivamente os desenhos dos mapas tio mundo, com os desen-volvimentos da acumulação originária, do mercantilismo, tio colonia-lismo, do imperialismo, do multinacionalismo, do transnacionalismo

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e do globalismo. Ainda que te!1ha sido sucessiva e simullalleamenlenacional. regional e internacional. juntamente com sua vocaçãocolonialista e imperialista, o capitalismo se torna no século XX um modode produção não só internacional. mas propriamente global.

Ocorrc que o capitalismo é um pr()cesso simultanealllente social.cTonÍlmico, político e cultural de amplas propol\i'H':S. complexo ccont rall itório, ma is ou menos inexor~veL a vassa ladm, Inll uencia touasas formas de org,lIli7.açào do trab7;jj~o e vilb social cl\m as quais eUIr;'cm contato, Ainda que se preservem ecollomias de subsistência.artesanatos, p:llrimonialislIlos, tribos, cl:ls. nacioll:l!idadcs e lla<,:iics.clllre outras formas de org;lIlização da vida cdo trabalho, ainda assimo processo capitalista inlluencia, tensiona, modifica. dissolve ou recrialodas e quaisquer formas com as quais entra em contato, Exerce inlluén-c i;l 11I111lcradaou avassaladora, dependendo do I:slall<) em que se encon-Ira. belll COIllO da forlllação social do Estado COIll o qu;t1 se dcfronta,

Acontece que o modd capital ista de produç:lo funda-sc no jog() dasIOf(,;as produ! ivas liberadas coin o dec Iínio do kudal iSlllo, a acelera<;;loda aculllula<;:lo originária, a reprOlluç;lo ampliada do capital. odesenvolvimcnto intensivo c extensivo da ptoduçào, da distribuição, dalroca e do consumo, As for<,:as produtivas b;ísicas. tais como o capital.;1' cc nologia, a fur<;a de trabalho, a d iv iS;lo do trahalho socia I. o Illercadoe o planej:nllcnlo, cntre outras, entralll el1l conl ínua e ampla conjuga<':;lo.descnvolvcllllo-se de forma intensiva eextcnsiva, ultrapassando fronlcirasgcogr;ílicas e lIish"lI'icas, Il'gillles políticos e Illodos de vida. clll!mas cci\'ili7.at;Cles. Na medida elll que se torna dominante, o nlOdo capitalist;\de produ<':;lo 1:lIlça luz e SOllibra, formas c movilllentos. cores e sons.sohre muito do quc encontra pela frentc, .

() nllnlllo con! inua 'povoado de múll iplas e disl intas fOrJnasculturais. línguas, religiões, tradições c visCles do nlllndo, ao lado dasnwis difi.:rcntcs formas de vida c de trahalho, Os hindus continuamimbuídos de hinduísmo e budislHo; da mesma forma que os :írabes deisl:ulJislllos; 'e os curopeus decrislianism'os. As tradiçlles cullmais.rei igiosas, Iingü ísl icas e out ras perm;1I1eCelll ounleSll li 1 se reiteram c. ;ISVc'/CS, se cxpandcm. Mas tudo se modifica, No curso da jlislúria da

global ização do capitalismo, muito do que se encontra pelo c<lminho sealtera, tensiona, modifica, anula, mutila, recria ou transfigura.

No capitalismo, as forças produtivas, compreendidas semprecomo forças sociais, encontram-se todo o tempoem interação dinàmica,A competição entre os capitais, a busca de novos processos prOllutivos,a conquista de outrOs mercados e a procura de lucros provocam adinalÍlização das forças produtivas e (Ia forma pela qual elas sccombinam e aplicam nos mais diversos setores de produção, nas maisdiferentes nações e regiões do mundo. Estão em marcha os processosde concentração do capilal, o que implica na contínua n:invers;lo dosganhos no mesmo ou em out ros emprecnd imcnt()s, e os de cent ralizaç;lodo capital, o que implica na contínua absorção de outros capitais,próximos e distantes, pelo mais ativo, dinâmico ou inovador,

No capitalismo, "da mesllla forma quc o lIIétodode prodlll;;iol' os mcios (kprodUÇ;11lsão cOllstalllCIII~lllc;ullpliados. revoluciollados. assim t;lIlIh0111a divis;lo dotrahalho Ileccssariamclllt:provoca maior divisão dOlrahalho. o cmpn:g" de lIIaqlllll;irtaprov(~calIIaiorclllprcgodc lIIaquill;'lria,o Cll1l'rq:odc trahalhocm ;ullplacscala provoc;1o emprcgo dc trahalho cm escala aillda mais alllpla, Esla é a lei que clllllilluallll:IlICempurra a prOlJuçãocapitalisla aléllldos scus velhos limitcs c compde o capital a.mohilizar sl.:mpremais forças produtivas dc Irahalho. pda mcsma raóo qlll.:dc j;i asmohilizoll alltcriortllclI!e',(.:.) )'ortallto, se cllmprcclllkllllOScsta agit;lçàolchri!t:oIl1oela 0pl.:ranomcrcado "lIundialconu)umlll(!o. cslarcmos I.:mcOlHliçilcsdc l"IllII(lI"CClldcrcomoo ercscillll.:nlo.a aculIlulaç;llIe a concclltração docapitallra7.Cmc"nsi!!"uma cadavez lIlaillr rcnovação das velhas lIl;íquinas c Ullla cOllslante,;Iplíca,';io L1e 1111\';1'máquillas: IIIllproccsso que SCl!IICillilllelTlIllI;III1CIIIt:,com um;rvdlll:id;lIk tdll"il e Clllullla escala cada vcz Illais gigalltesca"(I).

Esse é o contexto em que se formam e desenvolvem as aI ividadeseconôlIlicas lucrativas, organizadas' em moldes cOlllpel itivos emonopolíticos, naeionais e internacionais. À lIlellida quc se libcralll eagil izall1 as forças produt ivas, juntamcnte com as relações de produ<,:ãodemarcando as condições de liberdade e da igualdade dos propricl~rios,de capital e' força de trahalho, orgallizados em forma contratual,intensifica-se e generaliza-se a reprodução ampliada do capital. Ao

(I) Kail Marx, WI/}iI'-I,l/h(H/fIl/';/ CI/píla/. llltl.:rnalinilall'uhlishl.:rs,New Ymk. 1'),1.\.pr, 33 e 44,

117

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longoda hi~tó:ia, desde o século XVI aoXX, ejá prenunciando o séculoXXI, multiplicam-se as ,er.npresas, corporações e. conglomerados.com~~e~nd~~ldo _l1lonopoho~, trustes, cartéis,multinacionais et.ransl:~I~IOI1.llS.S:I~~empree.ndllnentos que estão sClIJpre ultrapassando~rontell <lS geografJcas e históricas, atravessando mares e oceanosInstalando-se ~I~lcontinentes, ilhas e arqu ipélagos. Assim se é ve;dad 'que. o me.rcant IlIsm.o, o colonial ismo e o iillperial iSlJlo ti nl~am raíze~ n~naCIOnalismo e aJudaram a difundir o modelo .Ie Est'ld .-I d' u . ( o-/ltIçaop~ o mU,n;-o afora, e tan~bém. verdade que quebraram fronteiras det.r.lh~s, ~1,ls, povos: ~al:1onalldades, culturas e civilizaçües. Nessesentido e que o capllallslIJ{) entra decisivamente no desenho e redese-~lho ~d~) ~napa do mU~ldo, criand? nações e colônias, metrópoles eImpenos, geoeconomlas e geopolrtlcas, ocidentes e orientes "[, . . I ... _IIlIUaIlIOql:C ~:.~aplla . ~or UIU lad~, dcve tender a destr.uir Imla barreira espacial 0POS!:IaoCI IUCILlO, Isto c. ao IIIlercallllllo c a ClllHluisl'lr t I' . T.... .I' ,. , '.' 111,1,I CII.\ 1.I11l11lUI1lIlICI"C"ltloI'''r"11 li! ,1111ICIIlIc a ,lIl11lar o espaço por I1lcill tlll !ClIlllll iSlo é ., •..•.111ZI'I''I UII' .'.) I' I 1 . I I . ,. .'~' , 1 111IIIIIJlO'o. e.l.lpll ,ml,1l0 pc o nlllVII~IC.J1l0de um lugar a oUlm. Qualllll lIIais dcscnvlllvidll ol'I(HI,11, qll,llIllllllals CXtCIISOe pllrlaillo o IlIcrcatlo CIIIquccirclJh IIIcrcldll411 "'1 11"I1'ct')ri' " .. '. I I ..' _ . ' . . CCIlIISIIIIJI• '. ' .L CSp.ILI.1 l e SU,Iclrculaçall, lanlo mais lellde silllullallcalllcllte '\ c~t'II.I'rlIIerc',do e', I 'I ' . . L uC II, ,Ima maior anu a~';lll tlo e.spaço alravl's do lelllllll ( ) A .1 'nd" . I I .... p.IICCC.14u1ac cn~la.:n:,vcrsa I I) capital. o que o dil"en:ncia dc todas as (onllas :lIl1nillrl'~ de

I'roduçao I..).

'. ~ partir dessa perspectiva, o modo capitalista de produção pode serVtsto como um todo complexo desigual contra,II'tl')I'I'()e dl'l A •r " 'u 1amlco umalota Ida.de aberta ou propriamente histórica. Estú sempre em movin;enlono sent~do deque se t.ransforma e expande, entra em crise e rctoma su~expansao, de maneira errática mas progressiv'] com f' ... - .inexorúvel. . '. { , IcqucncJa

. •COI1l<.>t()~(~Ji~ladehistúrica e teóricc,l, o modo capitalista de produç:il1pode ser sllltettzddo a partIr dos segulIltes elementos visto d fenc'ld .1.1 '.1 '. ,. c orma( eaua, uctertlllnanuo-se reciprocamente' "() ... ,. I '. tCSIII,\( o .1que chegalllll'

(2) Karl. Marx. EI('I//{'1/I0.\' fillltllllJli'lI/lJ/es l"lm 111 CriticlI ti" 111 EconomilJ I'olitim(:~~II~llIlo~) /8.5;-1858, 3 :'ols., lra<.luçfio dc José Arico. M igucl Murlllis c .I'l'drllSI,O on. Slgl,) \ ~lIIllnnll blllores, México, 1971.197(" 2° 1'01. pp. 3'0-3 I.

11X

é 4ue a produção, a distrihuição, a troca e o consumo sejam itlênticos, mas quetituem as articulações de uma totalidade, diferenciações dentro de ullla unidatle. Aução transcendI'" além de si mesma na determinação da produção. assim como mais

'iJémde lotlos os outros momentos. A partir <.leia,o processo recnmeça semprc novamenlc.!(:omprcelltle-se que a troca c o consumo não podcm ser o transcentlentc. E o mesmo sc

':pode dizer da distribuiçãn, enquanlo distrihuiçfio tlos protlulOS. Mas COIllOdislrihuição dos''lentes da protluçào, constitui um momento da produção. Ullla prodll~'fill tlctcrminada,i.portanto. determina Ulll conSUIllO, uma distribnição, Ullla troca tlelerlllinada c rt'/lI\ú's:,rdprol"lls determinadas destes diferentes mO/lll'ntos. Em vcrtlatle. lalllhélll a prlllluç:"lIl.;:"sobsua forma tll/i/atem/, está por sua vez llelerminatla pelos outros momentos. por'aemplo. quando o mercado, ou seja, a_esfera da troca cstende-se. a pmJllção amplia

i leu âmhito e se suhtlivitle mais cm profundidade, Quando se dão trallSlill"lllaçfles tia[distribuição, ocorrem Illutlanças na produção, como no caso, por cxcmplo. tia conCl'n.11nIÇão tlo capital, ou de uma difercnte distrihuição da população na cidadc c no C:lmllO

. '~CIC. Finalmente, as neccssitlades do consumo determinam a protlução. Entrc os dil"c-'rentes Illomenlos, ocorre lima ação recíproca. ISlo ocorre sempre nos conjuntos

, 'orgânicos" (3).É claro que toda essa dinâmicaé comandada pelo capital , pelos que

:detêm a propriedade e os movimentos do capital, em âmbito nacionale mundial. A forma pela qual o capital se articula e desdobr;l, inclusive

Ipelos vários setores da economia, confere a ele a preeminência sobrc as1 outras forças produtivas, Ainda que o capital não possa nunca atuar de

.1 maneira independente e, além disso, dependa em essência da capacidadc! da força de trabalho produzir valor, é inegável que pode determinar as

direções.e os ritmos da reprodução ampliada, Para que se realize areproduçã;) ampliada do capital, compreendendo setores econômicos,economias nacionais, economias internacionais e a ecollomia mundialcomo um todo, o capital desenvolve-se, desdobra-se e articula-se em

! distintas formasire'"organização do trabalho e da produçâo. Adquireconfigurações singulares, particulares e gerais, reciprocamcnte referidasedeterminadas, mas cada vez mais sob a influência do capital em geral,simultaneameilte abstrato e real. No âmbito da economia global,desenvolve-se ainda mais a forma geral do capital, uma espécie de

i. (3) Karl Marx, Elemento.\' Fllntlllmell/II/I!s pam /a Critim til! 111 Ew//omia /'alítim~ (Rorrador) 1857-1858, cilado, 1º 1'01.. p. 20.

If

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síntese e matriz do singular e do particular, todos reciprocamentereferi?os, mas determinados pelo geral (~).

A ~ed!da que se desellvolve o capitalismo, pela dinamização egen~rahzaçao das forças produtivas e das relações de produção, ocapital em geral adquire maior relevância, influenciando cada vez maisas condições e as possibilidades dos capitais singulares e particularesem i\mbitos nacional c setorial, regiamJI e internacional. Ncsse sentiJ~6 que a globalização do capitalismo pode ser vista como produto .~condição do capital em geral, no qual se realizam e mulliplicamtodasas o.u~r~s formas. de capital. Nessa perspectiva. os ocupantes dosescntonos ccntrals das corporações, por exemplo, "são cles próprios.em crescente medida. constrangidos e controlados pelo capital financeirooperado por meio de redes globais do mercado financeiro. Emoutras palavras. o podcr real não está totalmcnlc nos escrilórios dasc~)rporações. mas nos mercauos financeiros. O llue é vúl iuo para osl1Jr~t~)res de ~orporações é tamhém válido para os que controlam o podcrpo1Jllco na~lOnal:.cada vez mais, eles também são conlrolados pelosIllercados flllancclros, no que podem c no que não podl.:lll fazer" (I).

.O que Marx ohservava: como algo incipiente em scu tempo. namel! Ida em que se desenvolve o capitalismo, revela-se crescentementedetivo e generalizado. O capital, sob formas novas e renovadasdesenvolveu-se e fortaleceu,se assinalando a sua lógica pelos quatn~cantos do mundo. No fim. do século XX adquire característicaspropriamente glohais. Nas li1,[illlas décadas desse sécu lo "ti issol vem-senlll itas f~onteiras entre os mercados financeiros nacionais, e cmerge umverdadeIro mcrcado global de capitais" (('I.

I •

(-1) Karl Marx. EI"IIIt'l/tOJ ril1ldilll','l/Ia/eJ pllm /11 CríticlI dI" /'1 1,.•.•lIlol/tia /'o/lIinl(lIorrl/l~or) /857- 1858. citado, l" vol., pro 40'J-410. Consultar lamhé",: RuduU1."Uenllllg, () (ilpital FiI/(JI1Ct'ilo.lraduçãode Rcinahlo Mcslrinel. Nova CulllllalSãu I'alllo, I'JK5. •

(5) Paul M. Swcezy. "The Triumph oI'FiriancialCapital", MOI/lh/y Nr"i,'II'. vol. 4(í. li"2. New York. 1'J94, pp. 1-11: citação da 1'. lO.

«(,) 7l1~ Economi.l't, J.ondon. 19 de setemhro de 1992, p. 5. Cilaç:iu'tlu surlemcnloIIIlllulado "r'car oI"Financc". PI'. I-50.

1'40

Essa vocação do capital fica mais evidente se lembramos que odinamismo da reprodução ampliada do capital, ou seu caráter progressivo,influencia contínua e reiteradamente as mais diferentes formas deorganização social e técnica do trabalho e da produção. "Emt(}(!asasformasde sociedade existe uma determinada produção que cunfere a lodas as outras suacorrespondente posição e intlu2ncia; uma produção cujas relaçiies conferem a todas as

. oulras a pusição e a intlu2ncia. É uma iluminação geral. em quc sc hanham imlas ascores, e que modifica as particularidades destas" 111.

O predomínio do modo capitalista de produção, implicandQ,~m seudesenvolvimento intensivo e extensivo, de forma progressiva efreqüentemente avassaladora. traduz-se nos processos de concenl ra-ção e centralização do capital. A dinâmica da reprodução ampliadarealiza-se pela contínua concentração. ou reinversão do exccdcnte. istoé, da mais-valia, e pela contínua centralização. Oll ahsorção de outroscapitais pelo mais ativo, forte ou inovador. Esses são processos quetornam ocapitalismo urna realidade histórica e geogrática. atravessandofronteiras, mares e oceanos. Ainda que desenvolvcndo-se de maneiradesigual, combinada e contraditória. o capitalismo expande-se pelasmais diferentes nações e nacionalidades. bem cOllloculturase civilizações .dinamizado' pelos processos de concentração e cenlralizaçao.concretizando sua globalização. O que já se anunciava nos primeirostempos do capitalismo, revela-se claro no século XIX e mais ou meni)savassalador noXX (8).

(7) Karl Marx. Elementos FIIIlt/IIII/t'l/Ia/C's l}(Ira 111Criti((/ dI' 111/~('(IllolI/i{/ I'o/íti({l, (Bormt/or) 1857-1858. ciladn. vol. I, p. 27:(8) A propúsilo dus processos de "concentração" e "ccnlralizaçãu". cun~utlar: Karl

Marx, EI Capital, 3 toIllOS.Iradução dc Wence~lao Roces, Fondo de CulturaEconolllica. México, 1946-1')47. especiallllcnlCo tOl\1l1I, caps. 23. 24 e 25; NiknlaiI. Dukharin. A Ecollomill MII/ulilll e o 1IIIIII'rill/islIlo. traduçfulde Raulde Carvalho.Ahril Cultural, São Paulo. 19K4. especiahnel)le capo X; Rosa Luxemhurg. AAClllllu/al'lio do Cllpit(II, tradução de Marij;llle Vieira Lishoa e Otto Erich W;ílterMaas, Nova Cultural, São Paulo. 1985, especialmenle a Seção 111;El'IlcSIMandeI.O Capitalislllo Tardio, Iradução de Carlos Eduardo Silveira MaIOS,Regis de CastroAndrade e Oinah dcAhreu Azevedo, Ahril Cultural, São Paulo, 1982.especiallllcnteos caps. 10 c 11.

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Na medida em que se desenvolve, o capitalismo tanto revolucionaas outras formas de organização social e ..técnica do trabalho e daprodução com as quais entra em contato, como transforma reiteradamenteas formas de organização soei:!1 e técnica do trabalho e da produção jáexistentes em moldes capitalistas. Isto significa que a acumulaçãooriginária pode ser vista como um processo simultaneamente genéticoe estrutural, inerente ao capitalismo, desenvolvendo-se todo o tempo,em todas as par,tes. A dinâmica desse modo de produção c.ria e recria,contínua e reiteradamente, as forças produtivas e as relações deprodução, seja pelo desenvolvimento extensivo como pelo intensivo. Asnovas tecnologias, por exemplo, podem tornar as outras tecnologiasobsoletas, da mesma forma que podem tornar obsoletas outras formasde mobilização da força de trabalho'. As várias forças produtivas, bemcomo as instituições e organizaçoes que cqnfiguram as relações deprodução, podem tornar-se dispensáveis, técnica e socialmente obso-letos. A dinâmica da reprodução ampliada do capital, envolvendoconcentração e centralização, produz e reproduz () desenvolvimentodesigual e combinado, em escala nacional, regional e mundial. Namedida em que essa dinâmica se realiza, provoca necessariamente areiteração de algo estruturalmente semelhante à aculllulaçi'io originária.como uma espécie de "revolução" que periodicamente transforma oumoderniza as mais diversas formas sociais e técnicas de organização dotrabalho e da prodúção.

Vejamos, pois, o elemento nuclear da acumúlação originária, umprocesso que se desenvol ve e reitera ao longo da história: "O divÍlrcio entr~o prOlJutodo trahalho t: o prÍlprio trahalho. entrc as contliçiics ohjctivas dc trabalho ca força suhjctiva lll: trabalho é, pois, como sahemos, a prcmissa rcal dada, o ponto tlcpartida do processo capitalista de pllIdução. (... ) O proccssOcapitalista dc prOlluçáoreproduz, portanto, pelo seu prÍlprill meca,nismo,o divúrcio clltrc a lúrça tlc trahalhoc as condiçõcs tle trahalho. reprodu7intlo e eternizamlullcsta mancira as cundiç'-Icsdecxpluraçãu do trahalh:,dor. Ohriga l"onstantelOcnteo Ir~halhador a vcnder a sua forçade Irabalhu para viver e permite constantcmentc ao capitalisla comprá-Ia para.. cmiqllecer ..se, ( ... ) () regimc du cal'ilal pressup'-Icu divÍllcio entrc os trabalhadurcs ca proprieda.dc das COlllliçüesdc n:alil.ação dc sClllr:lhalho, 1)lIandoj;', sc movc por seusprÍlprios pés, a produção capitalista não só mantém essc tlivúrcio como o reproduz eacentlla em lima escala cada vez IIwiur, Portanto. o proccsso quc cngendra tl eapilalisl1lu

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somente pode. s:r um: o processo tle dissociação entre o trabalhador e a propriedadesob~e.as cond!çoes de trabalh? processo que, de um lado converte em capital os meiosSOClatsde VIda e de produção, e por outro converte os produtores diretos emtrabalhadores assalariados. A chamada acumulação originária não é, portanto, mais doque o processo histórico de dissociação entre o prod~tor e os meios tle produção" (9),

. 0. que já se revelava uma característica fundamental da gênese docapttaltsmo europeu no século XVI, revela-se uma característicatambém fundamental dos desenvolvimentos do capitalismo global noséculo XX. A despeito das muitas diversidades sociais, políticas eculturais, evidentes nos de~e_nhos e movimentos das nações enacionalidades, continua a realizàr~se e generalizar-se reiteradamente odivórcio entre a força de trabalho, ou seja, o trabalhador, e as comi içõesde trabalho, ou seja, a propriedade dos mçios de produção.

São vários e encadeados os processos que caracterizam a globali-zação do capitalismo, desde a acumulação originária à concentração ecentralização do capital; do desenvolvimento quantitativo e qualitativodas forças produtivas ao desenvolvimento e à modernização das relaçõesde prod~ç~o; da nova divisão internacional do trabalho e da p~oduçãoà constitUIção do mercado mundial, influenciando ou articulandomercados nacionais e regionais; das formas singulares e particulares docapital ao capital em geral.

No fim do século XX, reabrem-se espaços e fronteiras, inesperadosou recriados, disponíveis ou forçados. Juntamente com a desagregaçãodo bloco soviético, com a dissolução do mundo socialista. generali-zam-se políticas de desestatização, desregulação, privatização, aber-tura de mercados, fluxo cada vez mais livre das forças produtivas,mode~nização da!!_~rmas jurídico-políticas e das instituições queorgaOlzam as relações de produção, tudo isso universalizando mais doque nunca o modo capitalista de produção; e o capitalismo comoprocesso civilii.a.tório.

(9)KarJMarx, El Capital. citado, tomo J, pp. 645-646, 653 e 802. Nessc livro. consullarespecialmcnte o eap, 24: "La L1!lmada Aculllulaciílll Originaria". Consullartalllhélll: Ernest Mandei, O Capitalismo 7imlio, citado. especialmcnlc o cap, 2: "AESlrulura du Mcrcado Mundial Capitalista". .

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A ironia da história é que a globalização do capitalismo tomou umpapel decisivo na desagregação do bloco soviético e na tr<!nsição de cadalima e de todas as nações socialistas de economias centralmenteplllnificadas para economias de mercado. N~s últimas décadas do séculoXX, ascorporaçõestransnacionais, bemcomoo FMI, o B1RDe a UniãoEuropéia, entre outras organizações multiláterais e transnacionais,passam a desempenhar um papel cresce.A1e-edecisivo na institucionalizaçàoe dinamização da economia de mercado, voltado ao capitalismo. nas-naçiies que haviam desenvolvido sistemas econômicos centralmenteplanificados; sistemas estes considerados básicos para a construção dasociedade socialista. O desenvolvimento intensivo e extensivo docapitalismo, conforme se havia veriticado durante a Guerra Fria,acelerou-se ainda mais quando esta terminou, devido à Percstroika. àGlasnost, à queda do Muro de Berlim, à reunificllção da Alemanha e àIl.:ativaçiio dos movimentos das forças produtivas e J~\slrocas em âmbitoIllundial. Nessa ocasiào,o Leste Europeu, a Rússia, as repúblicasformadas com a desagregação da União Soviética, a China. o Vietnã eoutras nações com regimes socialistas tornaram-se fronteiras Jedcscnvolvimento intensivo e e'xtensivo do capitalismo. Um cnpitalismoquc já encontrou forças produtivas'bastante descnvolviJas, mas queprecisou criar,' desenvolver e consolidar relações de produçãoconseqüentes com as exigências da dinâmica do mercado. da reproduçãoampliada do capital em escala global (Il1).

(10) Folker J;rohel. Jurgen Ileinrichs and Qllo Kreye. 77u.Ncll' 11/1l'rI/I/I;Ol/al DÍlú;rJl/o/I,abollr. traduçilo de Petc Burgess, Call1hridgc l1niversity Press. CóIIllhridge,I<J80;Lawrencc C. McQuadc (Editor), East- West Tral1r', Westview Press, Boulder,Colmado, 1977; ,Vito Tanú (Editor), Trlllu;t;rl/l to MI/rkr:t (Studies in FiscalRcforlll). Inlern,lIional Monetary Fund. Washinglon, 1993; David WcncWeiChang, 0';1/(( .Um/a /Jmg X;aop;l/g. MacMill,n'I, Lomlon, 1991; Rohel'l Kurz, ()(,'o/ajl,l'IIl1a Mol1('fl/;w('(io,trauuçiloue Karen Elsahe Darhosa, Ed,ilora Paz c Terra,Silo Palllo, 1992; Peter Galuszka, Palricia Kranz ;lIld Stanlcy Recd, "Russia 's New('apitalislll" .IJlIsil/r:.u W(~('k, 10ue outuhro ue 1994, PIl. 3<í-40; Peter Engaruio anu!lluce Einhlll'n, "Vielnalll: Asia's Next Tiger'!". BlIsil/r!.u W('t'k. 23 de maio de1')')4. pp. 48-55; 77/e Econom;.I't, London, 30 de ouluhrn dc 1993: "A BillionConsumcrs". suplemento sobre a Ásia, 1'1'. 1-26. '

}44

A ironia está em que a globalizaçãodo capitalismo é um processocujos primórdios Marx havia esboçado em várias passagens de seusescritos sobre a Irlanda, Polônia, Rússia, China, Índia, Estados Unidos,México, Egito e outras nações, nacionalidades ou colônias e depen-" dências do capitalismo europeu e norte-americano, Em suas análisessobre a dinâmica do capitalismo, sobre a reprodução ampliada docapital, compreendendo a expansão e potenciação das forças produ ti"vas, bem comoa generalização das relações capitalistas de produção,em toJas suas análises está a constatação, ou Osuposto teórico, de quea vocação do capitalismo é mundial, com tendência a influenciar maisou menos decisivamente todas as formas de organização do trabalho evida social. "A tarefa específica da sociedade burguesa é o estabeleci-mento do mercado mundial, ao menos em suas linhas gerais, e daprodução baseada neste mercado mundial. Como o mundo é redondo.isto parece já ter SIdo completado pela colonização da Califórnia eAustrália e a abertura da China e Japão" (11) •

O caráter internacional do capitalisillo, que já se prenunciavadesde seus inícios, e revela"se evidente no século XIX, torna. separticularmente efetivo na segunda metade do século XX, quando'adquire todas as características. de um modo de produção glollHl.."A granue muuança,que t1crinc a era econômica tio fim UO século XX é que o mundo _tornou-se crescentemente capitalista. interligado em um sistema de relaçiles dccomércio e investilnt:ntos, Virtualmente. em todas as partes do mundo a prlllluç~o é!laseada no trahall;o assalariado e está organi1.ada para olucm. ( .. ,) Com o fim da lJniiloSoviética. o ahandono da. pretensão de socialismo através do Leste Eur<Ípeu e oábandono de ludo menos a pretensão na China. não há virtualmente nenhuma altcr-nativa cvidente ao capitalismo em cena. No que tradicionalmente chamamos TerceiroMunuo _ os países que eswhclcceram as suas relaçiíes com o capitalismo peladominação colonial - as relaçiíes capitalistas úe produção cSt;IO gcneralizadas,Enquanlll as Ilaçfles do Tcrceiro Mundo por longo tempo têm' eSlado cnredadas emrelaçfles comcrciais capitalist;ls, a clllergêlll:ia das relaçfles capitalistas de J1l'1ldUÇ~1lsimplesmente lmnamlll-sc plenamenle dominantes nas déeadas rcccntes. Por loda a

(11) Carta dc Marx a Engels, dútada de Lonúres, 8 de oUluhro ue t858. puhlicada em:Marx e Engels, Selected CorresponrieJlce, Progrcss PUblisher,s. Moscou, t965.pp.llO-lll; citação da p. 1i \.

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ewnomia mundial, a prOlJução doméslica, fora do nexo capitalista, está rapidamentedando lugar à atividade mercantil. ( ... ) Portanto, o amplo debate sobre a 'globalização'da vida econôinica si~nifica principalmente a universalização do capitalismo. Asrc1aç(ies cconinnicas no comt!rcio e invcstimento cstão bem estabelecidas há pelo menosum século, mas o lJue t! novo na presente era t! o grau em que esses laços mercantisI(mlaram-se concxões no ;lInbilo do sislema capit:llisla mundial. ..•• Im.

A forma pela qual se dá a globalização do capitalismo reabre, recriac supera a controvérsia" imperialismo ou interdependência". Para quese esclareça, em suas Iinhas principais, é indispensável que a controvérsiaseja vista em perspectiva simultaneamente histórica c teúrica.

Vista em perspectiva histórica ampla, a global ização vem de longee envolve diversas formas de organização e dinamização das forçasprodutivas e das relações de produção: acumulação originária, mer-cantilismo, colonialismo, imperiaÚsmo, interdependência, transna-cionalismo e globalismo. São várias, diferentes e inter-relacionadasas formas pelas quais o capitalismo se desenvolve, transforma egeneraliza, ao longo da história ~ da geografia. São configuraçõestambém assinaladas pelas monarquias universais portuguesa e espa-nhola, bem como pela preeminência da Holanda e Inglüterra, even-tualmcnte desafiada pela França, Alemanha, Rússia e Japão, masprogressivamente superadas pela preeminência dos Estados Unidos; oque se concretiza de maneira crescente no século XX. Depois daSegunda Guerra Mundial, no curso da Guerra Pria, a,hegemonia dosEstados Unidos é disputada apenas pela União Soviética, já que estaliderava o munuo socialista, com um modo de proulIl,:ão "não-capitalista" ,que envolvia outro padrão de organização e dinamização das forças..produtivas e relações de produção. Com o fim da Guerra Fria, as naçõesque compunham o ex-mundo socialista transformaram-se CITl fronteirasdc expansão do capitalismo, sob a liderança dos Estados Unidos; umalIderança que se divide progressivamente, de maneira mais ou menosdiplomática, com o Japão e a i\ Iemanha, bem como com as corporaçõeslransnacionais.

(I2)Arlhur MacEwan, "Notes on II.S. Forei~n Investlllcnl anil Latin Alllcl'ic<i" ,M,,"thly Rede\\', vol. 45, nº 8, New York, 1994, pp. 15-26; cit:lç:io lias pp. 15.1 Ó.

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Na época da globalização propriamente dita do capitalismo, o quese concretiza com o fim da Guerra Fria, ou a desagregação do blocosoviético, é a adoção da economia de mercado por praticamente todasas nações do ex-mundo socialista; nessa época ocorre uma transformaçãoquantitativa e qualitativa do capitalismo, como modo de produção eprocesso civilizatório ..Uma transformação quantitativa e qualitativa IlO

sentido de que ocapilalismo se torna concretamente global, influenciando.recobrindo, recriando ou revolucionando todas as outras formas deorganização social do trabalho,da produção e da vida. Isto não significaque tudo o mais se apaga ou de'saparece, mas que tudo o mais passa aser influenciado, ou a deixar-se influenciar, pelas instituições, padri'Jcse valores sócio-culturais característicos do capitalismo. Aos poucos, alide maneira repentina, os princípios de mercado, produtividade,lucratividade e consumismo passam a influenciar as mentes e oscorações de indivíduos, as coletividades e os povos.

É claro que o globalismo não anula nem a interdepemlência ncmo imperialismo. Es~as são duas dimensões da realidade histórica cgeográfica do capitatismo que se reproduzem e se recriam com maiorforça ainda. Mais do que nunca, essas categorias são generalizadas, nosentido de que abarcam indivíduos, coletividades e povos em todos oscontinentes, ilhas e arquipélagos. São determinações que se reproJuzelll'todo o tempo, reiterando, modificando ou mesmo aprofundando asdesiguaJdades sociais, econômicas, políticas eculturais. Pode-se meslJlodizer que a dinâmica da reprodução ampl iada do capila\, emescala mundial, tem propiciado uma acentuada concentração dopoder econômiCQ.... agravando a questão social em âmbito tambémmundial. "

Mas a interdependência e o imperialismo deixaram dc estarbasicamente determinados pelo jogo uas relaçõcsentre nações dominantes,centrais, desenvolvidas ou industrializadas, por um lado. e naçõesdependentes, periféricas. subdesenvolvidas ou agrárias, por outro.Ocorre que a industrialização espalhou-se pelo mundo, inclusiveprovocando uma crescente diss.olução do mundo agrário. A novadivisão internacional do trabalho, agilizada pelos meios de comunicação

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e transporte, cada vez mais apoiados em técnicas eletrônicas, trans-formou o mundo em uma fábrica e um shopping center globais. Sãoglobalismos decisivamente baseados na organização e dinâmica dascorporações transnacionais, que desenvolvem suas geoeconomias e suasgeopolíticas em moldes mais ou menos independentes dos Estadosnacionais. Mas, é claro que sempre levamem conta esses Estados, tantoos dominantes como os dependente~.empre em conformidade comas ex igências estabelecidas, em seus diagnósticos e prognósticos-sobre mercados reais e p('tenciais, bem como sobre investi-mentos próprios e associados. As transnacionais são corporaçõessimullaneamente localizadas e desterritorializadas. Enraízam-senos mais diversos e distantes lugares, mas também se movem de um aoutro todo o tempo, de acordo com a dinâmica das forças produtivas.segund~ as exig~ncias da concentràção e centralização do capital.concretizando a reprodução aJllpliada do capital em moldes crescen-temente globais.. Esse é o contexto mais amplo, histórico e teúricll. em que aIIIlerdependência e o imperialismo desenvolvem-se além dos próprioslimiles. Na mesma medida enl que a globalização rcdefine e subordinaos Eslados nacionais. inclusive os mais fortes. nessa mesma medida ainterdependência e o imperialismo são recrii\llos e superados. De falocn.:sce mais do que nunca a interdependência. As nações e as nacio-nal idades. assimçomo os indivíduos e as coletividades, tornam-se maisinlerdependentes do que- nUI".:a. As coisas, as gentes e as idéiasdesterritorializam-se, a despeito de parecerem enraizadas. Na mesmamcdidaem que se ampliam os mercados, agilizam-se as forças produtivas,concretizadas na nova divisão illternacional do trahalho. lia f:íhrica e nosliopping center globais. Sendo assim, o imperialismo também seacentua, generaliza e muda de figura. Ainda que os Estados nacionaismais fortes continuem a desempenhar tarefas imperialislas, formulargcoeconomias c geopolíl icas, suas p~errogativas j:í não são mais aquelasdo imperialismo "clássico". Ao lado dos Estados nacionais, mesmo osmais fortes,já se colocam e impüem as corporações transn;,wionais. quese trallsformaram inclusive em estruturas mundiais de podcr. Na medida

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em que as corporações adquirem a força, a versatilidade e a generalidadeque se concretizam com a globalização do capitalismo, nes~a mesmamedida reduzem-se ou subordinam-se as possibilidades dos Estadosnacionais, que eram as figuras por excelência do imperialismo e dainterdependência.

Esse dilema se torna um pouco mais claro quando reconhecemosque as organizações multilaterais, tais como a ONU, o FMI e a OIT,entre outras, situam-se cada vez mais na confluência dos Estadosnacionais e corporações transnacionais. Ainda que instituídasem termos multilaterais, o que significa a participação ativa dosEstados, essas organizações contemplam crescentemente os inte-resses e os papéis das corporações. As organizações multilaterais,enquanto estruturas mundiais de poder desenvolvem suas atividadesreconhecendo também as transnacionais como estruturas mundiais depoder. Assim, a interdependência e ú imperialismo são recriados esuperados pelo globaJismo. O globalismo progressivamente subsumcboa parte das relações, processos e estruturas característicos dainterdependência e do imperialismo. assim como do nacionalislllo e doregionalismo (D).

Nos termos enlque se desenvolve o capitalismo no fim do séculoXX, desde o término da Guerra Fria, logo se reabre a controvérsia"mercado ou planejamento" . Na medida emque os países que compunhamo ex-mundo socialista transformam-se em" fronteiras" de expansão docapitalismo. reabre-se a controvérsia. Ela não é apenas teórica edoutrinária, mas simultaneamente prática, como se pode observar porseus desdobramentos efetivos em cada um e todos esses países. Envolvegovernos dos países em que havia regimes socialistas, ou nos quais oregime político se define como socialista, mas todos empenhados na

(13) David G.llcckcr. Jerr FricdclI. Sayre P. Schal7. e Richard L. Sklar. I'IHlimperiali.\1II(Intcrnational Capitalism and J)cvelopmcn( in IheL;llc Twenlielh Ccnlury). LynllcRienner Puhlishers, Douldcr & Lom!oll, 1987; Jamcs Manllr (Editor). RelllillkillJlTllird World Po/ilics, LOllgman, London. 1991; V.I.Lellin. Imperialism.Tlle J1iglleJI Stage o/ Capilll/islII, Intel'l1alional Puhlishers. Ncw ¥ork, 1939 ..

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transição do planejamento estatal ao mercado aberto. Envolve empresasestatais e setores sociais de diversos desses países, ao mesmo tempo emque corporações transnacionais e organizações multilaterais. Dentreestas destacam-se evidentemente o FMI, o BlRD e a União Européia(UE), mas cabendo papel especial ao Banco de Reconstrução eDesenvolvimento da Europa do Leste (BERD) criado pela Europa doOeste. É claro que aí entram inclusive governos de países capitalistasdominantes reunidos principalmente no Grupo dos 7 e os think -{nnksreanimados com as perspectivas de produção de diagnósticos eprognósticos. Muitos economistas e outros cientistas sociais, situadosem diferentes perspectivas teúricas ou doutrinárias participam mais oumenos ativamente das discussões.

A globalização do capitalismo reaviva a controvérsia mercado ouplanejamento ao nível dos setores produtivos, das economias nacionais,dos blocos regionais e, obviamente, da ecOnomia mundial como umtodo. É claro que essa é uma controvérsia mais ou menos permanentena história da economia política, ainda que seja reaberta de forma maisclara em algumas conjunturas. Logo depois da Segunda GuerraMundial, foi generalizada a adesão de governantes, empresários,políticos, tecn'ocratas, economistas e outros cientistas sociais ao plane-jamento govcrnamental, como técnica de reconstrução de economiasnacionais e de industrialização substitutiva de importaçôes em países doentão Terceiro Mundo. O Plano Marshall faz parte ~lessa história, assimcomo o FMI e o BIRD (tam!JC'1llchamado Banco Internacional de Rc-construção e Desenvolvimcnto) criados no fim da década dc 1940 eeilgajados ativamente em prnjt:tos de desenvolvimento econtlmico pia":nificado em países do então ']\;rceiro Mundo. Fortaleccr as economiasdos países dominantes e desenvolver as dos que compunham o TerceiroMundo, principalmcnte a Índia, a África do Sul e o Brasil; entre outrosestrategicamente situados no trIl1ndocapitalista, produzia v;'trios resultadosimportantes: reduziam-se ou controlavam-se l<:nsfles sociais poten-cia!rllente revolucionúrias em países U subdesenvol vidos": criavam-seou desenvolviam-se mercadus, em sentido lato, convenientes para aseconomias dos países dominantes, ou' "desenvolvidos"; c dinami-

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zava-se o capitalismo como um todo, fortalecendo-o em facc do mundosocialista tI4).

A controvérsia mercado ou planejamento foi colocada de formaparticularmente estridente com a desagregação do bloco soviético e doconjunto do mundo socialista, quando se colocaram em causa aseconomias centralmente planejadas. As economias socialistas, apoiadasno planejamento estatal'sistemático e impositivo, passam a desenvolverpolíticas mais ou menos drásticas e gerais de desestatização, desre-gulação, privat ização ou liberal ização, de modo a intens ificar a farmaçãode mercados abertos. Tratava=.se de favorecer a dinainização dosfatores da produção, criar as condições da com reti tividade, mull ip Iica ras iniciativas empresariais, oferecer quantidades e diversidades cres-centes de mercadorias, incentivar o consumo. Tudo isso envolvenecessariamente a adoção de novas e renovadas técnicas produtivas e detrabalho, assim como de lIlarketing, além da mudança de mentalidadede empresários, técnicos, assalariados e consumidores. Uma espécie de"revolução", envolvendo forças produtivas e relações de produção,compreendendo padrões e valores sócio-culturais, promovendo asubstituição de um princípio organizatório básico e geral como o do"planejamento" por outro princípio organizatório básico e geral comoO do "mercado". Uma parte importante da guerra ideológica desen-volvida com a Guerra Fria está sintetizada nessa controvérsia, que !lOfim do século XX parece vencida pelo princípio do mercado.

Mas seria ilusório pensar que o príncípio do planejalllento esl{,simplesmente descartado, para todos os efeitos. A realidade é que CSI{,

mais vivo do que nunca, ainda que em outro lugar. As corporaçües-(14)Alhcrt Walcrston, Del'e/(}/llIIl'II! P/allllill!: (Lcssolls of Expcriclll:e). Thc Johns

lIopkills Prcss,. Daltimorc, 1969; editado para "The EcollOlnic !)CVCIOPlllclltInSlilutc: Inl~hlational Dank for Rccollslruclion anti Dcvcloplllcnt"; El!wanl S.Mason, EClIlwmic l'/(//lIIill~ ill (/1It/ert1t'I'l'!ol'et1 ArelH: GOl'erllllll'1I/ (I/ul RI/sim'.u,

Fonlhalll Ullivcrsily Prcss, Ncw York. 1<)58;Everclt E. lIagcn (Org.). P/alll!wioll

de! De.wrroI/() Ec:mllJlllico. tradoção l!c Fcrnando Rllsenzweig, I :Ilnl!o de CulturaEconúmica, México, 1964; Andrcw Shonficld. Modem CapilalislII (Thc ChangingIblancc ofl'uhlic and Privalc I'llwer). ()X\'lrl! lJnivcrsity Pn:ss, Ncw York. 1%5.

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transnaci~nais. precisamente as maiores beneficiárias da liberalizaçãoe gcnera1Jzação dos mercados, são especialistas em planejamento.Baseiam todas suas atividades, desde os estudos sobre mercados àmobilização de fatores produtivos. ullidades produtivas. filiais.revendedores, terceirização. eh.:.• em estudos de viabilidade. diagnósticos.prognósticos,p.anos, programas e projetos. Tudo Sl: planeja com rigore sistemática nas corporações tran~cionais. inclusive levando ~mconta as diversidades e as potencialidades dos mercados. as pecul iaridadcsde regimes políticos nacionais. os padrões e valores sócio-culturais dediferentes grupos sociais. classes sociais, coletividades, povos. naçõesl: nacionalidades. Aliús, cabe observar que as corporaçiles llIobilizamativamente todos os recursos intelectuais. cientílicose técnicos necessáriospara aprímorar seus planejamentos, lançando mão tanto dos conhe-.cimcntos aculll~lados pelas ciências sociais como pelas potencialidadesdas té~nicas da eletrônica. sem esquecer os refinamentos do II/orkeling.

E claro que o mercado permanece no espaço da competição, assimcomo do monopólio. do oligopólio, do truste, do cartel. do monopsônioe de outras manifestações de competição e poder no funbito da economiae da sociedade. São contínuas e reiteradas as disputas entre corporações(J seus produtos no mercado. Aí estão presentes. todo () tempo, aspequenas e médias empresas. os bancos e seus financiamentos. asagências governamentais c suas diretrizes. TamhGm o FMI. o BIRD ca Organização Mundial do Comércio (OMC). herdeira tio Acordo Geraldc Tarifas e Comércio (GATT), são organizações multilateraiscmpenhadas na preservação, consolidação e generalizaçãü dos mercadosnacionais, regionais e mundiais, além de sua missão de guardiães doc<'pital em gcral.

Mas o princípio do mercado não elimina o princípio do plane-jamento. Ambos subsistem todo o tempo no âmbito do capitalismo, emscus níveis setoriais. nacionais, regionais e mundiais.Mesmo quando osgovernos reduzem sua interferência no jogo das forças produtivas,llleSlllO nesses casos subsistem diretrizes. estímulos. restrições epunições que orientam decisões e opções dos proprietários dos meios deprodução; o que sempre envolve a institucionalização e o controle das

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condições sociais e jurídico-políticas da força de trabalho. '.Nike es(;ifabricallllo seus falllosalllente caros tênis atléticos na Indonésia. onde suas oper;íriastrabalhallllongas horas por um magro salário mensal de 38 dúlares. W.i1-Mart. K-Marlc Sears. os grandes símholos norte-americanos da venda a varejo. têm as suas camisasfeitas elll Bangladesh por mulhercs islâmicas culturatmcntc passivas trahillhando

. . I.' .." (1~1 E raro:seSsenta horas por scmana e ganhallllolllenos quc Il'Inla l o arcs por IllCS . ~, •OU apenas uma possibilidade ideal, que os governos e as agên~iasgovernamentais se ausentem totalmente do jogo das forças produtivas.e das relações de produção, garantindo oferta de força de trahalhoconstante, barata e disciplinada. ou submissa.

Esse cenário em que passam a desenvolver as forças produtivas e~s relações de produção que se produzem e reproduzem. n.:iteram egeneralizam, como o modo capitalista de prod.uç~o. em âmbitosnacional, regional e mundial. A globalização do capItalismo contempla,todo o tempo, o contraponto mercado-planejamento .. O pleno pre-domínio do princípio do mercado seria o caos. Para eVitar que o caosirrompa de modo avassalador, governantes, proprietários dos meios deprodução, gerentes, técnicos. organiza.ções 111u\lilat~n~is, ou .seja,tecno-estruturas transnacionais ou propriamente mundwls planejam aexpansão e. a consolidaçãO dos empreendimento.s. a cl)mpetiç~l~ e apolítica anti-cícl.ica. o certo e o incerto. E para ISSO tllll~) ~ll().ht"l.al\lamplamente os tllillk -tallks. como fermentos c. agentes .1.!lJIaIlIlCOSd.astecno-estruturas que pensam e implementam o Jogo das IOI\as soclats.econômicas .. políticas e culturais q.Ue óperam no mercado e IH)

planejamento. . .,Conformc já dizia Tinbergen em 1968, o planepmcnto e UlJla

técnica de organização e dinamização das forças do lJIercado ... Aplanificação do descnvolvimcnto tornOU-SC lima atividade rcgular para !-,r:lI~dclIÍ1.lIlcnldc coqlllraçües. lanlo qllanto para cntidadcs govcrnamentals dc V;1rI0S m\'CIS,parlicularmcnle governos nacionais. Chcgou o lempo de furm~larem.~c proposl:" decriação de uma organização para todas estas .!lividadcs no mais alio nl\'cl. Isto c, em

(15) Terry Collingsworth. F. William Gold and l'haris l~. lIarvey ... I.ahor ;lIld FreeTrade: Time for a GlohalNew Dea)' .. rorC'igll A.llilirl'. vot. 73. li" I. New Yllrk.

1<)<)4. pp. 8-13; citação da p. 8.

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nívcl lIlundial" (1('1. O planejamento é uma técnica versútil, podendoinlluenciar a racionalização das forças produtivas, inclusive funcionandocomo técnica anti-cíclica. Na medida em que se traduz em diretrizes,normas de ação e instituições, envolvendo padrões e valores sócio-culturais e jurídico-políticos, influencia as relações de produção tambémem termos de racional ização, sempre em conformidade com as exigênciasda reprodução ampliada do capital.

Ocorre que se aplica às economias capitalistas nacionais, tantoquanto à economia capitalista mundial, a noção de excedente econômicopotencial. Trata-se de um excedente realizúvel, desde que a conjugaçãodas forças produtivas seja a mais eficaz, tendo-se em conla as relaçõesde produção prevalecentes, que também podem ser modernizadas. Emuma interpretação diversa da proposta por Baran, mas inspirada na dele,pode-se afirmar que na economia capitalista,o planejamento pode sermobilizado como uma técnica de realização do excedente econômicopotencial, naturalmente dos quadros de uma ordem social burguesa...ExccdcntccconlJmicopotcncial, istll~,a difcrcnçaentre o produto social que podcriascr ohtido cm um dado mcio natural e IccnollJgico,COIIIo auxílio dos recursosprlllllllivos rcalmcntc disponíveis, e o que se pode cOllsidcrar como COIISUIllOillllispclls:ível. trallsformaçflo desse excedClIlepotcllcial em dei ivo prcssupiic arcorganizaçflomais ou mCllosdrástica da prOlJuçfloc distrihlJi~'flodo produto sllcial eimplicaprofulldasmudançasdacstrulllradasociedadc"(17). Na sociedade burguesa,da mcsma forma, ocorrem reorganizações mais ou menos drásticas dasforças produtivas e das relações de produção, de maneira a racionalizare dinamizar a produtividade e a lucratividade, sem que necessariamentetambém haja \lludanças drásticas na distribuição do prodúto social. -

(I()) JanTinhcrgclI, "Wanlcd: Â WOlltlDl:vcloplllcnlPlall", pllhlicatlopor RichardN,Garuncr and Max F. Millikan (Editors), Tlle Giol:/ I'l/rtnerJllip (tnlcrnationalÂ!!cncicsand Ecollolllic Dcveloplllcnl). Frctlerick Â. I'racgcr 1'1Ihlishcrs.NcwYork, 1968. pp. 417-4:\1; citaçfaoda p. 417.

(11) Paul Â. l3aran,;\ Emllo/ll;a Polít;ca do DI'II'III'O/V;lIll'lIto ECIIII(illl;(,(), traduçflodcS. Ferreira da Cunha, Zahar Etlilllrcs. Rio dc Janeiro, Il)(í(). pp.:l'i-:\6: citação doeap. 2: ..o Conccilo dcExccdcnlc Ecolli'ílllico".

l'i4

Em larga medida, as políticas de "modernização" e "racio-nalização", assim como as de "desregulação", "desestatização" e"liberalização" preconizadas pelo FMI e o B1RD, juntamente com ascorporações transnacionais, em geral secundados por ideólogos doneoliberalismo, significam também a criação de condições para arealização do excedente econômico potencial. Ainda que a expressão"planejamento" nem sem pré esteja explícita, a realidade é que aspolíticas e diretrizes, ou diagnósticos e prognósticos, das organizaçõesmultilaterais e das corporações de~tinam-se a orientar e disciplinar o usode .recursos, a mobilização de fatores, a modernização de instituições,a racionalização de mentalidades e práticas, tudo isso de maneira aaperfeiçoar e dinamizar.a produtividade e a lucratividade. Sob váriasmodalidades, permeando inclusive o contraponto mercado-planejamento,estão em curso os processos de concentração e centralização do capital,em escala nacional, regional e mundial.. Para Marx, a técnica é uma poderosa força produtiva, concretizando

e dinamizando as potencialidades da ciência. A tecnologia, sob todassuas formas, desde a eletrônica à sociologia, pode ser uma força decisivana potenciação da força de trabalho. Éclaro que a tecnologia não adquireo caráter de força prodütiva a não ser ao lado do capital, da força tletrabalho, da divisão do trabalho sqcial, do mercado e do planejamento,entre as principais forças produtivas. Mas pode ser fundamental, nosentido depotenciar as outras forças produtivas, em especial a força detrabalho como a força produtiva'por excelência.

Sob a ilinuência da tecnologia, seja na forma tle ferramenta oucomputadot1 seja na.d.e tay.!orismo ou psicologia do trabalho, a força detrabalho não só pode ser potenciada como pode intensificar a efetivaçãode trabalho eXcedente e, simultaneamente, diminuir a do necessário. Sereconhecemos que o trabalho necessário destina-se à reposição da forçade trabalho, é claro que a potenciação da capacidade produtiva destaforça aumenta o excedente que ela pode produzir, em favor doproprietário do meios de produção. Essa potenciação efetiva-se combase em equipamentos, processos produtivos. formas de organizaçãoe di.sciplina dos processos dc trabalho, quando' se mobilizam o,s recllf-

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sos científicos e técnicos das ciências sociais, envolvendo desde aadministração à'psicologia, desde a antropologia à política.

As metamorfoses da ciência em técnica e da técnica em forçaprodutiva correspondem a um desenvolvimento fundamental do modocapitalista de produção. São metamorfoses que multiplicam ampla-Illet~te a~ cond.ições e as possibili<l.iuLes de reprodução ampliada docapItal, IIltenslficando o caráter "civilizatório" deste. "Se o prucessoprlllllltivo torna-se esfera de aplicação da ciência. então... a ciência lorna-se um falll:-IIlIIa função. do processo produtivo. Cada descoherla converle-se na hase de ntl\'o~nl\'cnlos. ou de um.novo apcrlciçoamcn\o das fúrmas de prollllção. () modo capitalistadc produç~o coloca desde o illÍl:ioas ciências naturais a sery'iço imediato do prucessode produçao. ao passo que o desenvolvimento da produção oferece. em truca. \\S

In,lrlIlIlentos para a conqubta le6dca da n;ltureza. 11 ciênda alcança o reconhecimentode ser 11111 meio de prudul.ir riqueza. um meio de enriquecimentll. ()esta lIIaueira. ospltlcessos produtivos aprescntam-se pela primeira vez como prohlr:mas pr;ílicos. quesOlnenle podem ser n:solvidlls cicntificamente. A experiência e a ohscrvação (c :.IS

necessidades do prúprio processo produtivo) alcançam a~ora. pel" primeira vez. umnível que permile e (orna indispensávclo cmprego da déncia ... O desenvolvimenhH!asci':'lIciasnaturais (qlle tamhém formam a hase de lJuallJuerconhecimeuto). comI)o úcqualquer noção (que se refira ,lOproccsso produtivo) realizam-se. por sua vez. com hasena produção capitalista que. pela primeira vez. oferece em ampla mcdida às ciênciasos IIIciosmateriais de pesquisa. ohservação e experimentação. Os homens de ciêndalia medida em que as ciências são utilizadas pelo capital como meio lle enriquecimellh;e. portanto. convertem-se elas mesmas em meios de enriqllecimento. iuclllsivepara oshomens que se ocupam do desenvolvimento da ciência. competem enlre si nos intentosde encontrar uma aplicação prática da ciência" (16).

As metamorfoses da cj~ncia em técnica c da técnica em forçaprodutiva adquirem ritmos crescentes e surpreendentes no século XX.E na segunda metade desse século, com os desenvolvimentos dasciências naturais e sociais, e suas transformaçôes em técnicas, tudoisso, agilizado e generalizado pelas conquistas da eletrônica e dainformática, impõe outros surtos de potenciação da força produtiva t.Io

(I K) Karl Marx. l'r!Jwe,UO TéCllifO}' Desarrn//o Capita/ista. Iradllç~\;de Raul Crisafioe .JorgeTula. Ediciolles Pasa()oy Presellle. Méxiço. 1982.pp. 1')'1-193;çilação ÚO

"ClIalierllllXX, Clllllillllaci'lIldei Cua()ernllXIX". escritll pm Marx em 1863. pp.172-193.

trábalho, em todos os setores da economia, em âmbitos nacional,regional e mundial.

Esta pode ser considerada uma das características mais notáveis daglobalização do capitalismo: as técnicas eletrônicas, compreendendo a'micro-eletrônica, a automação, a robótica e a informática, em suas redese.vias de alcance global, intensificam e generalizam as capacidades dosprocessos de trabalho e produção_ No mesmo curso da dispersão; geográfica das fábricas, usinas, montadoras e zonas francas, simulta-neamente à nova divisão internacional do trabalho e produção.

. intensificam-se e generalizam-se as tecnologias destinadas a potenciara capacidade produtiva de todas as formas sociais de trabalho eprodução.

Note-se, no entanto, que as maravilhas da ciência e da técnica nãose traduzem necessariamente na redução ou eliminação das desigualdadessociais entre grupos, classes, coletividades ou povos. Ao contrário, emgeral preservam, recriam ou aprofundam as desiguahladcs. Tanto éassim que, nas últimas décadas do século XX. as ciências sociais estão

. elaborando conceitos como os de "desemprego estrutural", subclasse"e "Quarto Mundo" ,ou recuperando noções como as de "marginalidade" ."periferia", "pobreza", "miséria" e "exclusão", para caracterizar ascondições sociais de vida não só de grupos e classes, mas de amplascoletividades e, às vezes, povos inteiros. Aliás, é também muitosintomático que na época da globalização surjam movimentos sociaistransnacionais mobilizados para preservar e recriar patrimôniosecológicos ou ecossistemas, ameaçados pelo uso predatório de recursosnaturais ou do meio ambiente principalmente por parte de corporaçõestransnacionais. "A difusão das atividades econômicas industriais e

, dos seus estilos de vida estão exaurindo a riqueza ecológica básica donosso planeta, mais rapidamente do que pode ser restituída. Estão emperigo os recursos naturais dos quais depende a crescente populaçãomundial" (I9).

(19) The Gruup 01' G•.een Econolllists. Ec:%}ii('(/[ E('oll()/JIics (A P""ClicalI'rogranllllefuI' Glohal Reforlll). Zcd 'Books. Lnlldoll. 1992. p. 16.

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I

Sim, as metamorfoses da ciência em técnica e tia técnica em forçaprodutiva permitem intensificar a reprodução do capital e', simulta-neamente, contribuir para a concentração e a centralização do capital.Como essas metamorfoses realizam-se sob o controle das corporaçõestransnacionais, muitas vezes apoiadas e estimuladas por governosnacionais e organizações multilaterais, as maravilhas da ciência e datécnica não se traduzem diretrizes ou realizações tlestinadas a reduzir oueliminar desigualdades sociais, econômicas, políticas e culturais. "lIojeem dia. tudo parece levar no seu seioa sua própria contradição, Vemos que as máquinas,dotadas da propriedade maravilhosa de reduzir e tomar nlais IÚllíkro o trahalhohumano, provocam a fome c o esgolamcnto do trahalhadol'. As foules Jc ri4ueza recéln-dcscohcrlas se convertcm. por artes de um estranhomalcfício. em fontcs Jc privaçiies,Os Iriunfos da artc parecem adquiridos ao preço de qualidades Illorais. O domínio dohomem sohre a natureza é cada vez maior: mas, ao mesnlO tempo. o homem seIransforma em escravo de oulros honlens ou da sua prúpria inftunia. Até a pura lul. dacil'IIl'ia parecc sú poder hrilhar sohre o fundo tenehlllso da ignorúncia. Todos os nosstlsinvl'lItos e progressos pareccm dotar de vidaintelcclual.as forças matcriais. cn4uantoreduzcma vida humana ao uível de uma !(u"Çahrula, Este anwgonismo cntre a indúslriamOlkl"lla e a ciência. de um lado. e a miséria e a decadência. de outro. este antagonismoentre as forças produtivas e as rcla~',-'es sociais da nossa época é uln fato palpável,esmagador e inconlrovenível" (20).

São várias as formas de alienação que se desenvolvem e multi-plicam com o capitalismo, Vislo como processo civilizatório. Na me-tlida em que transforma continuamen~e as condições sociais de vitlanos paíscs em quc ele já se encontra enraizado. e revoluciona ascondi<,:ões sociais de vida em Iribos, clãs, nacionalidades e naçÕes tiOS

quais não havia ch~gado ou encontrava-se pouco desenvolvido. o modocapital ista de produção provoca a emergência tle outras formas de-sociabilidade, Algumas formas de sociabilidade são realmente ino-

(20) Karl Marx •.. l>isClI1Sll I'rollllllciado na Festa de Anivers;írio do /'I'O/,ft"J /'0I'I'f" ,t'11IK. Marx e F, Engels, 1á/IIJ, :l vllls., Edilllla Alfa'()1I1ega, S;;lll'aulo. 1'J77,1'01. 111,pp. 29X-2l)1), ('ollsllllar I:lIl1hém: Ashis Nandy (Editor). S/'i,'III"l', 1/('}:('/IIollr

tlll<l Violt'llt'(' ( A RCljlliclll for Modemily), The IllIiled Naliolls Ilnivl,rsily. Tokyo,I ')')(); Lorell Ilarilz, 17U'S('fl'{lnts o! I'ower ( A II iSllllY oI lhe I )se oI Soeial Scicllceill Alnericall Indllstry) . .Iohl1 Wiky & Sons, New Ymk, I<)()5.

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vadoras, liberadoras ou deslumbrantes. Abrem novas possibilidadesde emancipação individual e coletiva, permitindo outras formasde criaç!io também individuais e coletivas. Florescem idéias filo-sóficas, científicas e artísticas, ao mesmo tempo em que se criapldistintas condições sociais de indivitlualização, mobilitlade social,organização de movimentos sociais e correntes de opinião púhlica.Também os movimentos artísticos podem dispor de outras cóndiçõesde emergência, desenvolvimento e generalização. A multiplicaçãodos meios de comunicação e as possibilidades de circulação dascoisas, gentes e idéias, em ambitos nacional, regional e mundial,abrem outros horizontes para indivíduos e coletividades. Parale-lamente à emergência de formas de sociabi Iidade inovadoras, Iiheradorasou mesmo deslumbrantes, desenvolvem-se também as que limitam,inibem ou propriamente alienam. Elas podem ser totalmcnte novas.ou acrescentam-se às preexistentes, podendo recriá-Ias ou agravá-Ias.Nestes casos, intensificam as limitações ou mesmo as mutilaçõesque atingem indivíduos e coletividades, ou mesmo nações e nacio-nalidades.

Soh vários aspectos, é possível dizer que o capitalismo desacor-rentou Prometeu do castigo que lhe havia imposto Zeus, por ensinar aoshomens o segredo do fogo, para que putlessem emancipar-se das forçasda natureza. Mas também é possível tlizer que Prometeu escapou da.tutela tle Zeus e foi colocatlo sob a tutela do Capital. O mistério dametáfora não foi desfeito, desenvolveu-se, foi refeito (21):

Para Marx, ocapitalismo é um processo civilizatório, influenciam/omais ou menos radicalmente todas as outras formas de organização dotrabalho e da vida -êõm as-quais entra em contato, Configura-se comoum modo de produçã'o que nasce. desenvolve-se e generaliza-se,atravessando ascrises, realizando-se por ci~los de curta, média e longa

(21) David S. Landes, 17le Ul/boUII" /'mmet//l'/I.I' (Tcchnolngical Change aud llli..IustrialDcvelllpmcnl in Weslcrn EUl'llpe fl"llm 1750 In lhe Present), Call1hridge UniversilyPress, C;Jmt>ridge. 1987; Jacoh Schmnokler. lnvention and Ecolloll/iC Groll'til,

Harvard University l'ress, Call1hridge. Mass" 1966.

15<)

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durações, e transformando-se continuamente. Tanto cria e recria algu-mas de suas determinações estruturais, como transforma-se crescen-temente. Além das forças produ(ivas que mobiliza todo o tempo. taisCOJllO o capital, a tecnologia, a força de trabalho. a divisão do trabalhosocial, o mercado, o planejamento e a viOlência, entre outras, tamhémucsenvolve e recria sinillllânea e necessariamente as relações de. produção, compreendendo as in~ições em geral, as institlliç(lcsjurídico-políticas em especial, envolvendo os padrões sócio-cultura~,os valores e os ideais; tudo isso compondo um todo em movimento ecomplexo, integrãilo e contraditório. No limite, o modo capitalista deprodução marca mais ou menos profundamente as configurações e osmovimentos da sociedade, em níveis local, nacional, regiona; emundial.

.•A hurguesia não pode exiSlir sem revolucionar cOlllinuaml'nle I)S instnnl1cntosdL'pmdução c. por conscguinle, as Idações dc produçào. portanto lodo o conjunto dasrl'Ia~'I-'es sociais ... () conlínuo revolucionar da produção. o ahalo cunslanle de todas ascondições sociais. a incerteza e a al!ilação eternas distinguem a época hurguesa de lodasas prccedentes. Todas as relações Iixas e crislaliZóldas, com seu séquilo de crcnç;ls cupiniúcs tornadas vcneráveis pelo tempo, são dissolvidas. c as novas cnvelhccem ,ultcsmcsmo de se consolidarcm. Tud(\ o que é sólido e est[lvel se vo!atiliza. tudo o quc ésagrado é profanado, e os homens são linahl1ente ohrigados a encarar com sohricdadcc selll ilusões sua posição na vida. ~llas relações rel'Íprllc,ls. A necessidade de merc;l(loscada vez mais eXlensos para scus produtos impele a hurgucsia para ti,do o glohutCI:r~stre. Ela deve estaheleccr-se em toda parte, instalar-se cmtoda parte, criar vínculoscm loda parte. Alravés da exploraiãu do mercado mundial, a:hurgucsia dctlum car;'IIL'rL'1l~lllUpolila à produção e ,lU COWUlllOde todlls os paíst:s. Para grande pesar dllsn:acillnõÍrills. rctirllll de haixo di", "és da indústria o It:nenll lIacillnal. As antil!;lsitlllúslrias nacionais foralll destrui das e continuam a scr destruídas a cada dia, S;II'sllpl:inta(\;\s por novas indústrias. cuja introdução se torna ullla qnt:st;ln de vida ounll)r1cpara todas as n;l(;tics civilizadas: indústrias que não mais cmpregam malérias.prinl;lsIllrais. mas llIatérias.primas prov,t:llicntes d:ls mais n:molas regities. e cujos prodlllllss;ln L'onsumidos não somcnte no 111,iprio país. mas em todas as panes do llIundn. ElIIIlIg;1Idas vclhas necessid;ldes. satiskitas pela prIHiução nacional. surgelllnecessidadcsnllvas. que para serem satisfeilas exigem os produtos das terras e dos climas Inaisdislanles. Em lugar da anliga auto. suficiência e do antigo is(;lamCnlll local e nacional,dcsenvolve-se cm todas as dirc,;i'es um inlercâmhio universal, uma universalinlerdependência das naç()es. E isso tanto na produção lIIaterial quanlu na intelectual.()s produlns intelectnais dc cada n;l~;-Intornam-se patrimilllio tIlllllIlll. A unilateralidade

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e a estreiteza nacionais tornam-se cada vez mais IInposSlvels, e das nUlllerosasliteraturas nacionais e liJcais forma-se uma lileralUra mundial" (22).

Para Marx, o capitalismo é um processo civilizatório mundial.Ainda que desenvolva pólos mais ou menos poderosos, como na,Holanda, na Inglaterra, na França, na Alemanha, nos Estados Unidos,no Japão e em outras nações, esses mesmos pólos formam-se edesenvolvem-se com base em um vasto sistema de relações com tribos,clãs, povos, nações e nacionalidades, próximos e remotos, em continentes,ilhas e arquipélagos. Trata-se de um processo civilizatório que "invadelodo o globo", envolve "o íntercâmbiouniversal" e cria as hases de "UIlInovo mundo", influenciando, destruindo ou recriando outras formassociais de trabalho e vida, outras formas culturais e civilizatórias. "O

período hurguês da hislôria est;í chamado a assentar as hases 1Il:ltt:riais de 11111novomundo: a desenvolver. deulIl lado. o intercfllllhio universal, haseado na dependênciamÚlUa do género hum:lIlo. e os meios para re,dizar esse inlerrfunhin; e. de IHllro.desenvolver :IS forças produtivas do hOlllem e transformar a pmdllção material nllllldomínio cielltílico sohre as forças da n,llureza. A indúslfÍa e o comércio hmgueses V;IO

criando essas condições de UlII nllvo mundll do mCSlll1l mIHln '1ue as rcvolll~''-lL'sgeolôgicas criavam a superfície da Terra "(23). '

Não se,trata de pensar que a sociedade global já eslava em Marx.Trata-se apenasde reconhecer que algumas das intuições e inlerpretaç(-)csdesenvolvidas em seus escritos contemplam as dimensões llIundiais docapitalismo, como modo de produção e processo civilizatório. N()pensamento de Marx e de alguns de seus continuauores podemencontrar-se recursos metodológicos e teóricos fundamentais para ainteligência da globalização. Nessa perspectiva, a sociedade global podeaparecer complexa e evidente, caótica e transparente; ulIIa totalidadeproblemática. contraditória, em movimento. E assim que a sociedade

(22) Karl Marx e Priedrich Engels, Manifesto tio Partido COIlIlIl1;.l"ta.Ir;lllução de MarL"l'Amélin Nngueira e Leandnl Konder, Editora Vnzes. PetrÍlplllis. 19118,pp. 69-7();citaçào do capo I: "Burgueses e Proletários". Cahe ohservar que a primeira CLliçãndesse lexto data de 1848.

(23) Karl Marx, "Futurns Resulladns do Domínio Brilânico na Índia". puhlicado lim:Karl Marx e Friedrich Engels. Texto.\', 3 vols., El1içües Sociais. São Paulo. 1977.vol. 111. pp. 292-297: cilação da p. 297.

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gh )hal. vista em suas configurações e em seus movimentos. revela-se onovo patamar da história. Este é o horizonte a partir do qual se pode relero passado, interpretar o presente e imaginar o futuro.

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IX

Modernidade-Mundo. ~

, A FORMAÇÃO da sociedade glohal reabre a probkmática damodernidade em suas implicações filosóficas. científicas e artísticas,No âmbito da globalização de coisas. gentes e idéias. modificam-se osguadros sociais e mentais de referência. Tudo que é evidentementelocal. nacional c rêgtonal revela-se também global. As relações. osprocessos e as estruturas característicos da globalização' incutem empraticamente tO,das as realidades preexistentes novos significados.outras conotações.

Na medida em que,se dá a global ização do capital ismo. como modode produção e processo c iv i1izatório, desenvol ve-se simuItaneamente asociedade global, uma espécie de sociedade civil global em que seconstituem as condiçôes e as possibilidades de contratos sociais, formas

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de cidadania e estruturas de poder de alcance global. Nessa mesmamedida, desenvolvem-se as relações e os processos característicos daglobalização, formam-se as estruturas do poder econômico e políticotamhém característicos da glohalização.

Evidentemente a glohalizaçãot::. problemáti'ca e contra-ditória, compreendendo Í1itcgração e fragnlentação, nacionalismo ere g iona Iismo, racismo e fu ndatilenta+Wno, geoeconom ia e geopol ítica.Nesse sentido é que as diversas teorias da glohalização oferecemsuhsídios para a compreensão de distintos aspectos da socieúade globalem formação. São teorias que priorizam aspectos tais como os seguintes:a interdependência dns nações, a modernização do mundo. as economias-mundo, a internacionalização do capital. a aldein global. a racionalizaçãodo mundo e a dialética da globalização, entre outros. Elns acentuamaspectos sociais, econômicos, políticos, culturais, geoeconômicos,geopolíticos e outros da sociedade global em formal,:~o. Ainda queenfatizem os papéis do Estado-nação, a importância de Estados hege-mllnicos e dependentes, as condições da integração regional c mundial,as tensões que produzem a fragmentação e a g~lerra, ainda que enfatizemeste ou aquele aspecto do nacionalismo e regionalismo, ou racismo cfUlldamentalismo, todas oferecem alguma contribuição para a intel igênciadas condições'sob as quais se forma a sociedade global.

Esse é o horizonte em que se reahre a prohlcmútica da nH)dernidade.Como a globalização abala mais ou menos profumlamenté os parftme-Iros históricos e geográficos, ou as categorias de tempo e espaço, ques~ haviam elaborado com base no Estado-nação, nas configuraçües emovimentos da sociedade nacional, logo se reabre a problemúlica dacontinuidade ou não-continuidade da modernidade; assim como odebate modernidade ou pós. modernidade. Muiío do que tem siuo acontrovérsia sohre "o pequeno relato e o grande relato", "o individualismomC!odológico e o hol ismo metodológico" , ou •.as interprclações m iCfoe macro" ,entre outros dilemas, tem algo a ver com a ruptura epistcmo-lúgica provocada pela globalização, quando se abalam os quadrossociais e mentais ue referência com os quais muitos se haviamhabituado. .

Aliás, é bastante provável que uma parte da produção e do debateacerca da pós-modernidade emerja precisamente na época em que seacentuam os sinais da globalização de coisas, gentes e idéias.Simultaneamente ao desenvolvimento das relações, processos e estruturasque abalam os quadros de referência habituais, ocorre um surto deamplas proporções sobre aspectos filosóficos, científicos e artísticos da

,pós-mouernidade. Muitos imaginam que está instalado o reino dafragmentação, da descontinuidade, de desconstrução, da bricolagem,do simulacro, da realidade virtual, da dissolução do tempo e rl() espaço,do fim da geografia e do fim da história. A drástica e ampla ruptura dosquadros sociais e mentais de referência logo provoca a onda da pós-modernidade.

A verdade é que a formação da sociedade global, de par-em-parcom a globalização do capitalismo, compreendido como modo deprodução e processo civilizatório, logo reabre a problemática damodernidade-mundo. "No finaldecontas.pois,é asuaglohalidadesimullaneaml:nleestrulUral e planetária que define a modernidade.no fim do século XX como ummomentosingular... Est;I,portauto.éamutaçãofundamentalre;11izadapelamodernidade:com a mundializaçãoda economia, olecnocosmo, a internacionaliz;lçàoda vidasocial,cria-se um sislenHIglon;11sem equivalellte na hislória da humanidade... MomenlOhistórico singular: ;i Illlldernidalk-mumloimpúslamhéma sua singularidallcà renexãohislóriea e ao saher histlÍriPI~'(1).

Boa parte das produções e controvérsias sohre a l1lodernidade-nação, assim como sobre a modernidade-mundo, coloca o tempo e (l

espaço como categorias essenciais; senipre presentes na filosofia,ciência e arte. A modernidade, enquanto modo de ser de coisas, gentese idéias, sempre envolve essas categorias. Elas permitem articular ~l

historicidade c a territorialidade, a biografia e a história, o território co planeta, acontinuidade e a descontinuidade, a sincronia e a diacronia,.a multiplicidade dos espaços e a pluralidade dos tempos, a comunidadee a sociedade, a evolução e o progresso, a complementaridade e aantinomia, a reforma c a revolução, o norte e o sul, o leste e o oeste.

(I) Jean Chcsnaux,Modernilé-MII/ule. Édilions La Découverle, Paris. 1989. pr. 1%.

19M t: 199.

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o centro e a periferia, o Ocillente e o Oriente, ou eu e o outro, o locale o global, o mágico e o fantástico.

Sob muitos aspectos, o tempo e o espaço situam-se no centro liaproblemática da modernidade.

.,Existll um tipo de cxperiêllcia vital - experiência de tempo e espaço. de siIlll'smOe dos outros, das possibilidades e perigos da vida - que é colllpartilhado porhOlllense mulheres elll todo o mundo, hoje. Designareiesse conjunlllde experiênciasCOIllO'llIodernidade'. Ser moderno é encontrar-se em um amhicnte que pn.lInclcavenlUra, poder, alegria, crescimento, autolransfiJrlllaçãodas coisas em redor - masao Illesmo tempo aníeaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o queSOIllOS.A experiência ambiental da Illodernidadeanula todas as frullleiras geográficase raciais, de classe e nacionalidade, de religiãoe ideologia:nesse sentido, pode-se di7.er'qlle a modernidaúe une a cspécie hnmana. Pmém. é uma unidade paraúoxal. ulllaunidade de desunÍllade: ela despeja a toúos num turhilhão de pcrlllanente desinle-gra~';loe mudança, de luta e contradição, de alllhigüidadee angústia. Ser modernu éI:llcr pane de IInluniverso no qual, l'olllOdisse.Marx, 'tudo o que é súlido deslllanchaIH' ar'" (2).

Dentre as diversas caraclerísticas da modernidade-mundo, logo sedestacam as novas e surpreendentes formas do tempo e espaço aindapouco conhecidas. Além do Incalismo, nacionalismo e regionalismo,em geral constituídos com base em noções de tempo e espaçoacentuadamente innuenciadas pela .historicidade e territorialidade doEstado-nação, o globalismo abre outros horizontes de historicidade eterritorialidaue. Como a globalização envolve relações, processos eestruturas de dominação política e apropriação econômica de alcanceglobal, próprios das condiçcles e horizontes que se abrem com ageneralização do capitalismo, é evidente que logo se instituem outras

(2) Marshall Iknnan. 7illlo qUi' I;' Sólido Dt'.I"IIIlI//l"hl/ /lO .Ar (A Aventura daMlldernidadc), lradução de Carlos Felipe Muisés e Ana Maria L. lorialli.Companhia das I.etras, São Paulll, 1986, p. 15. Consultar tamhém: Rcnato Ol"li7.,MII//dilllizartio e Cullura, Editora Brasiliense, São Paulo, IY94, especialmente ocapo 111:"Cullura e Modernidade-Mundo"; David lIarvey, A COlldição /'(ÍJ-

Modernl/, tradução de Adail Uhirajara Sohral c Maria Slella Gouçalves, EdiçliesLoyola, São Paulo, 1992, especialmente a parte 111:"A Experiência do Espaço edo Tempo"; Jurgen lIahermas, () Discurso Filo.wíjim da Modernidade. traduç.ãode Ana Maria Bemardu, PuhlicaçliesDum Quixote, I.ishoa, J 1)1)0.

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possibilidades de realização e imaginação do tempo e espaço. O quejá se prenunciava nos primeiros tempos do desenvolvimento docapital ismo, revela-se muito mais aberta e generalizadamente em fins doséculo XX, influenciando decisivamente as configurações e os movimentosda sociedade global. "Enquanto que o capital, por um lado, deve lellller a dcstruirtoda barreira espacial oposta ao comércio, istu é, ao intercâmhio, e a conquislar todaa Terra como um mercado, por outro lado tcude a anular o espaço por mciu do tempo.isto é, a reduzir a um mínimo o tempo tumaúo pelo movimentu de um lugar a outro.Quanto mais desenvolvido o capital, quanto mais extenso é, portanto. o mercado emque circula, mercado que constitui a trajetúria especial de sua circulaçãl\, tanto maistende simultaneamelllea estender o mercado e a uma maior anulação do espaço atravésdo tempo. (... ) Aparece aqui a tendênciauniversal do capital, o que o difereocia de todasas formas anteriores de produção" (3).

Desde que se acelerou o processo de globalização do mundo,modificaram-se as noções de espaço e tempo. A crescente agilização dascomunicações, mercados, fluxos de capitais e tecnologias, intercâmbiosde idéias e imagens, modifica os parâmetros herdados sobre a realidadesocial, o modo de ser das coisas, o andamento do devir. As fronteirasparecem dissolver-se. As nações integram-se e uesintegram-se. Alglllnastransformações sociais, em escalas nacional e mund ial, fazem ressurgi rfatos que pareciam esquecidos, anacrônico~. Si.multa,neamente, re~el~n.l-se outras realidades, abrem-se outros hOrizontes, E como se a 11IStona'e a geografia, que pareciam estabilizadas, voltassem a mover-seespetacularmente, além das previsões e ilusões.

É nesse contexto, visto assim em escala global, que se revelamnovas formas sociais do espaço e tempo. São múltiplas, novas erecriadas, as formas uoespaço e tempo uesvenuauas pelos desdobramentosda globalização: O'ffical e.o global, o micro e o macro, a homogeneidadee a diversidade, a primazia do presente e a recriação do passado, acontemporáneidade e a não-contemporaneidade, o norte e o sul, ()Ocidente e o Oriente, o real e o virtual, a experiência e o simulacro, a

O) Karl Marx, Elementos Fundomenlales para la Critica de la Emllomia Po/fli<"ll(Borrador) J 857- J 858, 3 vols.. tradução de José Aricó, Miguel MUI"lIlise PedroScarótl, Siglo VeilltiuH~)Editorcs, M~xiCll,1971-11)76, vo!. 2, PJl. 3D-3J.

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desterritorialização e a miniaturização, a mensagem e o vídeo-clipe, avelocidade e o instante, o fugaz e o silêncio.

No âmbito da sociedade global, as formas sociais do espaço e dotempo modificam-se e multipliçam-se. Dado que a globalização articula,tensiona e dinamiza configurações sociais locais, nacionais, regionais,internacionais e transnacionais, multiplicam-se as possibilidades doespaço e do tempo. Pluralizam-see enH'@Cruzam-se em moldes desco-nhcciJos, ainda não codificatÚ,s. Surpreendem pelas possibilidades -potenciais escondidas e pelas criações inesperadas. Deslocam pontos elugares, ritmos e andamentos, modos de ser e devir.

Todas as velocidades revelam-se não só ultrapassáveis, mas são defato ultrapassadas. O trem, :iulomóvel, avião, telefone, telégrafotornam-se mais velozes, deixam Je ser mecânicos, a vapor ou elétricose tornam-se eletrônicos. Correlll atrás do computador, fax, lelefax, redeeletrônica, cOlllunicação contínua online el'ef}'wllere 11Irollgll1lle IVor!£!alllilll(, in englislt. A eletrôtiica e a informática tecem as redes invisíveisque atam e desatam coisas, gentes, idéias, palavras, gestos, sons eimagens, em todo o mundo. De repente a velocidade excepcional produzo instante desconhecido, algo momentâneo e fugaz, inserido no novo'mapa do mundo e do movimento da história, anulando e inaugurandofronteiras reais e invisíveis, 'imaginárias e virtuais. Em qualquermomento, em qualquer lugar, em todç).Omundo, a elt~trônica relacionae prende, ata e desata pessoas"coisas, idéias, palavras, gestos, sons eimagens. A velocidade disSblvc-se n9 instante, a demora apagada pelofugaz.

Agora o planeta Terra pllde ser concebido como plenamenteesférico, ou plenamente plano, <1:í na mesma. Os meios de comunicação,informação, locomoção ou intcrdlmbio reduzem as distâncias, obliteramas barreiras, equalizam os pll1ltos dos territórios, harmonizam osmomentos da velocidade, modi Iícam os tempos da duração, dissolvemos espaços e tempos conhecidos e codificados, inaugurando outros,desconhecidos e inesperados. Assim se tem a impressão de que sedissol\lem fronteiras, montanhas, desertos, mares, oceanos, línguas,religiües, culturas, civilizações. Cria-se a ilusão de que o mundo se

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tornou finalmente esférico, ou plano. Dissolvem-se as realidades,diversidades e desigualdades no mundo dos simulacros e virtualidades,a despeito de que se reafirmam e desenvolvem as realidades, diversidadese desigualdades... Muitos imaginam que começou a era da pós-modernidade. Afragmentação do real disperso pelo espaço e despedaçado no tempodesafia a razão e a imaginação gerados desde o iluminismo. Quando seacelera o processo de globalização, dando a. impressão de que ageografia e a história chegam ao fim, muitos pensam que entrou a pós-modernidade, declinou a razão e soltou-se a imaginação. Troca-se aexperiência pela aparência, o real pelo virt~al, o fato pelo sim~llacro, ahistória pelo instante, o território pelo dígIto, a palavra pela Imagem.

Tudo se desterritorializa. Coisas, gentes e idéias, assim comopalavras, gestos, sons e imagens, tudo se desloca pelo espaço, alravessaa duração, revelando-se flutuante, itinerante, volante. Descmaízam-scdos lugares, esquecem os pretéritos, prescntificam-sc nos quatrocantos do mundo. A sociedade global transforma-se em um vasllomercado de coisas, gentes e idéias, bem como de realizaçõe~,possibilidades e ilusões, compreendendo também hOlllogeneidades ediversidades, obsolescências e novidades. "Ao fimllt:sta.dilkilmula~'ão."homcm se collverter:í ao mcsmo tcmpo cm portador de ohjetos IlÚll/I1I1I'S c IlÚIl1II1!c-

ohjeto ele prúprio. Seu corpo se cohrirá de prúleses e logo ele (lor sua vez se COllverlcr;íem prúlese, alé vender-se e comprar-se como ohjelo" ('1.

O mundo transforma-se em território de todo o mundo. Tudo sedesterritorial iza e reterritorializa. Não somente muda de lugar, desen-raíza-se, circulandO pelo espaço, atravessando montanhas e desertos,mares e oceanos, línguas e religiões, culturas e civilizações. Asfronteiras são abolidas ou tornam-se irrelevantes e inóquas, fragmentam-se e mudam de figura, parecem mas não são. Os meios de comunicação,informação, transporte e' distribuição,' assim como os de produção econsumo, agilizam-se universalmente. As descobertas científicas,

(4) Jacques AlIali, Milen;o, traduçãllde R.M. I3assols, Sei x BarraI. Barcelona, 1991.p,87.

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tral~s~(mnadas em tecnologias de produção e reprodução material eespiritual, espalham-se pelo mundo. A mídia impressa e eletrônica~copladas fi indústria cultural, transforma o mundo em paraíso da~Imagens, vídeo-clipes, supermercados, shopping cente,.s, Disneylândias.

Esse é o universo da fragmentação. Fragmentam-se o espaço e otempo, o pensado e o pensamento, a realidade e a virtualidade, o todoe ~ ral~te. Dissolvem-se modos de ser sedimentados e formas de pensarcflstallzadas. As linguagens caminham para outras formas de expressar,narra ~, soar, d.ese.n~Jar, iIustrar. A narração é atravessada pe la dispersãodos sIgnos, slglllflcados e conotações. Inauguram-se novas formasnarr.ativas: montagem, colagem, bricolagem, vídeó-clipe, aforismo,pastlche, sImulacro, virtualismo. O grande relato se revela insatisfatórioultrapassado, insuficiente. Em lugar. da grande narrativa, articulaçã(;ah.rangente ou histórica, coloca-se o método aforístico, a colagem,l~rtcolagem, lJJontagem, vídeo-clipe, pastiche', a pequena narração. alolclnrização do singular, a ilusão da identidade (SI.

. Esse é o .clima da P?s-modernidade: a história substituída peloefemero, pela Imagem do mstante, pelo lugar fugidio. Tudo se dissolveno moment~ presente, imediatamente superado pela outra imagem,colagem, bncolagem, montagem, mensagem. Assim se deteriora opassado remoto e imediato. Não se interrompem as seqüências nem asdescontinuidades, apenas apagam-se do horizonte, deixat)} de ser,esgarçadas, anuladas. Privilegiacse o dado imediato, evidente, cotidiano,inesperado, prosaico, surpreendente, 'fugaz. A violência urbana e aguerra, da mesma forma que o S!JOIV da televisão, o tú'tehol, o shopping((,11.le:, ou a Disneylândia são imagens espetaculares do espetáculocot Ilhano sucedâneo da experiência da vida das tens<ies úos movimentosda história.

No âm~ilo ~a.rós-mod~rnidade, dissolvem-se os espaços e temposherdados do Ilumll11SmO,sednnenlados na geografia e história, articulados

(5) katl-hançois Lyo!ard. O Pôs-Moderno, tradução de Ricardo COff.:a Barhosa, JoséOI)'l1Ipio Edilora. Rio de J;meiro, I !!R6; Fredric Jalllcson. fI- PosII/OI/erni,l'IIlIJ /I til

/.tÍ,~im Cllllum/ dl'l C."opitrllisfllo AI'nllZOdo, tradução de José Luis Pardo Torio .I.:dicioncs 1'aidos. Barcelona, 1991. ' .

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nas formas de pensamento, organizados nas práticas de grupos e classes,partidos e movimentos, nações e nacionalidades, culturas e civilizações.Fragmentam-se as realidades, recorrências e desencontros, seqüênciase descontinuidades; multiplicando-se os espaços e os tempos imaginários, .virtuais, simulacros.

Cada um inventa o espaço e o tempo que quer. Essa liberdademultiplica-se muitíssimo na segunda parte do século XX, no limiar doséculo XXI. As conquistas da ciência, traduzidas em tecnologias, abremmuitas possibilidades práticas e imaginárias. Tanto assim que alguns,os que dispõem de meios eitifotmações, podem desprender-se dosparâmetros sedimentados, das explicações acumuladas. Podem lidarcom o espaço e o tempo em moldes desconhecidos, tendo a ilusão de queos parâmetros podem ser modificados à vontade, imaginando a pós-modernidade.

Mas as metamorfoses do espaço e do tempo não são inocentes. Nãoocorrem apenas como produtos da tecnologia, C0l110 conquistas úaciência, já que com freqüência levam o contrabando da ideologia. Nãosó podem subI imar a experiência como pasteu rizar a realidade, elegendoo simulacro como experiência de falo.

"Uma sociedade capitalista exige uma cullura haseada enl imagens. Necessitafornecer ljuantidaLlcs muito grandes de divertimentos a fim de estimular o consumo eanestesiar os danos causados pelo falo de pertencermos a determinada classe. raça ousexo. E necessita igualmente reunir quantidades ilimitadas de informação. explorar osrecursos naturais de modo eficiente. aumentar a produtividade, manter a ordem, fazera guerra e proporcionar empregos aos burocratas. A dupla capacidade da dmara detornar suhjetiva e ohjetiva a realidade satisfaz essas necessidades de forma idéal, ereforça-as. A dmara deline a realidade de dois modos indispensáveis ao funcionamentode uma sociedade indll'!Mial aV;lnçada: como seus Ílculos (para as massas) e como ohjelode vigilfmcia (para us dirigentes). A produçãu de imagens fornece tamhém umaideulogia duniinante. A transformaçãu social é suhstituída por uma transfurmação das.imagens. A iihe~dalle lIe consumir lima pluralillade de imagens e hens equivale à prúprialiberllade. A contração lia liherllalle de opção política em liherllade lIe consumoeconÍll1lico exig:: a produção ilimitada e o consumo de imagens" l6).

(6) Susan Sontag, Ensáios SO/Ire o Fotografia, tradução de J03ljuim I'aiva, [Ji!oraArhor, Rio dc Janeiro, 1981. p. 171.

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Esse é um processo que vem de longe, desde que a produção,circulação, troca e consumo das mercadorias passaram a atender àsnecessidades reais e imaginárias de uns e outros, desde que uns e outrospassaram a deleitar-se ou resignar-se às exigências e delícias dasnecessidades reais e imaginárias trabalhadas; criadas ou recriadas pelapubl icidade universal. Nesse momento a experiência se empobrece e aaparência enriquece.

"Pobreza lll: experiência: não se deve imagTí\ar 4ue os homens aspirem a novasexpniências. Não. eles aspir;lIn a Iiherlar-se de toda experiência, aspiram a um mundo _.l'm que possam ostentar tão pura e tão claramente sua pobreza externa e inlcrna. 4ueal!!o de decente possa resultar disso. ( ... ) A nalUrez;1 e a lécnica. o primitivismo e oconlort<l se unificam completamente'. e aos olhos das pessoas. fali!!adas com aswml'licaçües infinitas da vida diária e que vêem o objetivo da vida ,lpenas como o maisremolo pOl1l0 de fuga numa intennin,h'el perspectiva de meios, surge unia existência'lue se hasta a si mesma. em cada episódio. do modo mais simph:s e mais cúmodo.e na '1ual Ulll inl!Omúvel não pesa mais 4ue um chapéu de palh;i. e uma fruta na ;ír-"ore q' arredonda Clllllll glindola de um balão. (. .. ) Ficamos pobres. Abandonamosunia dl'pnis da oulra (odas as pcçils do patrimilnio humano, tiVCl)lllSque empenhú-!asomilas vezes a um ceulésimo do seu valor para reeebcrmos cm lroca a moeda miú,bdo ';IIUar" (1).

No âmbito de um mesmo c vasto processo, ocorre a substituiçãoda experiência pela aparência, do fato pelo simulacro, do real pelovirtual, da palavra pela imagem. É claro que todas essas instâncias"continuam válidas e presentes, Illas assim revertidas, invertidas. À .medida que se acelera e generaliza o processo de racionalização dasorganizações e atividades, das relações e estruturas sociais. com basena técnica, eletrônica, robóticà. informática, telemática, a aparência, osimulacro, o virtual e a imagem adquirem preeminência na vida sociale povoam o imaginário de todo o mundo. Esse é o ambiente da mídiaimpressa e eletrônica, da indústria cultural, da cultura de massa, emescalas local, nacional e global. Um ambiente em que cidadão, povo,, indivíduo, trabalhador, negro, branco, árabe, europeu, asiático, latino-

(7) Waller flenjamin. MaKia e Téclliw, Arte e Pllfítim (Ensaios sohre Lileratura cIlistúria da Cullura), Ir;ldução de St:rgio Paulo Rouancl, Editora Ilrilsilicnse. S;IOPaulo. 1985. pp. 118:/19: l:ilação dI! ensaio intitulado "Expcriênl:ia'c P,ihrcz;I".

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americano, mulher, homem, adulto,jovem, criança, islâmico, budista.cristão, hindu e assim por diante aparecem como multidão.

"As ohservações de LI.' Bon sobre a psicologia das multidões tornaram-scobsoletas, pois é possível apagar a inqividualidade de cada um e uniti)rmizar-Ihe a. racionalidade em sua pnípria casa. O manejo tealral das massas ao estilo de Hitlertornou-se supérfluo: para transformar o homem em ninguém (e numa l:rimura que seorgulha de ser ninguém) já não é preciso afog;í-Io na massa ncm alislá-Io l:\lmO mcmhroreal de uma organização de massa. Nenhum método de despersonalizar o homcm, dc. priv,í-Io dos seus poderes humanos, é mais eficaz do que o que parece preservar aliberdade da pessoa e tis direitos da individualidade. E 4uando o condicionamento éposto em prática separadamente para cada indivíduo, na solidão do seu lar, em milhõesde larcs isolados, é incomparavelmente mais cficaz" (8). ,

Nesse sentido é que a mídia se converte em uma espécie nova,.surpreendente, insólita e eficaz de intelectual orgânico dos blocos depoder que se articulam em escala global. O que já ocorre largamente emâmbito nacional passa a ocorrer largamente em âmbito. mundial. Damesma forma que a mídia se globaliza,junto com a economia e política,a indústria cultural e os meios de comunicação, a eletrônica e ainformática, nessa mesma escala globalizam-se interesses e objetivos,ideologias e visões do mundo daqueles que detêm meios políticos,econômicos, sociais e culturais de mando e desmando em escala global.Tanto é assim qlie o. planeta Terra pode parecer esférico ou plano,indiferentemente:

Ocorre q~le o mundo não se confQrma com a pós-modernidadeimaginária ou sonhada. Ao mesmo tempo em que solta a imaginaçfío,articula-se mais ou menos rigorosamente segundo as exigências daprática pragmática tecnocrática. Na mesma escala em que se solta a pós-

(8) Gunther Anders, "O Mundo Fantasm;ílico da TV", Bcrnard Rosenherg e DavidManning White (orgs.), Cuflllra de Massa, tradução de Octavio Mendes Cajado.Editora Cullrix, São Paulo. 1973, pp. 415-425; citação da p. 417. Cahe-se lemhrara4ui a frase de Baudelaire: ..A suprema glória de Napoleãollltel'á sido provar qucqU<llquer pessoa pode governar uma grande nação assim que ohtém o Cllnlrole dotelégrafo c da imprensa nacional". Conforme David Harvey. Condição 1',í.l'-Moderna. lradução de Adail t1hirajara Sohral e Maria Stela Gonçalves. EdiçilCSLl1yola, São Paulo, 1992. p. 215.

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Jllodernidade no mundo, o mundo articula-se cada vez lIlais de acordoclim as exigências da razão instrumental.

Aos poucos, a razão instrumental articula os espaços e tempos,modos de produzir e consumir, ser e viver, pensar e imaginar. NolIlesmo ambiente em que se solta a pós-modernidade, solta-se aracionalidade. Ordenam-se racionalmente o mercado, a produção e areprodução, da mesma forma que ascondiçõesde vida e as possibilidadesda imaginação. As atividades das pessoas, dos grupos e das classes,da mesma maneira que a vida das nações e nacionalidades, das em-presas e igrejas, dos partidos e universidades, passam a organiz:Jr-sesegundo padrôes universais de racionalidade, eficácia, produtividade,lucratividade I'»).

O tempo eletrônico tece cada vez mais a vida de todo o mUIllJo.Aceleram-se e diversificam-se as possibilidades dos diálogos e monólogos,comunicaçôes e desentendimentos, shnultaneamente a(}s intercâmbiose comércios, trocas e negócios. A razão instrumenta!torna-se eletrônica,tecendo o mundo de modo sistemático, pragmático, tudo sob medida,quantificado. O predomínio do princípio da (luantidade acelera-se portodos os níveis da vida social, generaliza-se por todo o mundo. Na épocada globalização do capitalislllo, dos mercados, das exigências dosnegócios, das condiçôes de produtividade e lucro, o princípio daquantidade estende-se a todas as atividades, produções culturais, modosde ser, visões do mundo.

..Assim COIIlOo espa~'o. o lempl' é lima mercadoria provida pelo wlllplllador. lIlIlmalerial para ser moldado lalllO qU:lJllo possívd aos fills IJlIIOallos. ( ... ) Um rd"'giocOllvellcional produz sonlellle lima série !le idêlllieos segulltlos. mi'llllos e horas: UIlI_wmlllll;ldor lrallslúrma segu/IlJos. Illirrossegundos ou não-segulldos em illformal;ão.A ellOl'llle velocidade desta transfol'lnal;ão püe a operal;ão do .coulplltador em umuniverso de tempo que est;Í fora da expcriência humana. ( ... ) () tempo elclrúnil.:o é oponto mais avanl;ado dcste l1t:sl.:nvolvilllento (!lo hOl1ll:m ol.:idental), a mais ahstrala emall'm:ítiea nOI;;lode tempujamais illcorporada à m:íquina; leva a cSl.:alade lempomuilo

(9) Max lIorkheimcr, Ec/i".\"(, da Rozlio. tradução dc Sehaslião Hchoa I.cile. EditorialI.ahor do Brasil. Rio dc Janciro, 1')76. Consultar tamhém: Theodlir W. Adorno eMax Ilorkheimcr, /);II/(;/im (/0 /:\c1l1reciml'l//o, tradu~'ãll dc GlIidll Autonio lkAIiIH:ída. Jorj!c Zahal' Editores, Pill dc Janeiro. 19R5.

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além do limite infcrior da percepção humana. Representa o triunfo tinal da perspel.:tivaeuropéia ocidental, quando o próprio tempo se torna uma mercadoria, um recurso paraser trahalhado tanto quanto um engenheiro de estruturas trahalha o aço ou oaluminio"(IO).

Todo esse universo de coisa!:, gentes, idéias, realizações,possibilidades e ilusões articula-se no mercado global teci~(~ p.rincipal-mente pelo idioma inglês. O mundo transformado em tem tono de quetodo mundo fala, pensa e age principalmente por intermédio dessecódigo. Em geral, o inglês traduz o pensament? ~.o pensad~, a in~or-mação e a decisão, a compra e a venda, a pOSSibilIdade e a IIltençao.

"Uma análise glohal de expansão da língua inglesa aponta para sua efetIvacristalização como segundo idioma - 85% das ligações internacionais são conduzidasem inglês, 75% da correspondência mundial é em inglês e mais dc 80% dos Hv~oscientíficos puhl icados são em inglês. Os execul ivos japoneses conduzcm suas negOl.:laçOCSglobais cm inglês e contam com mil escolas sú cm Tóquio. No Japão o inglês. é I~atériaobrigatória por seis anos. Em Hong Kong, novc de cada dcz alunos cSludam IIlglcs. NaChina 250 millllics dc pessoas estudam inglês. Até mcsmo na França. ondc h;Í poucointeresse por idiomas estrangeiros. a Écolc llcs Hautes Étudcs Comlllen:iales agoraoferecc scu c1ássiw curso de gercnciamcnto comercial em inglês. Na Europa, aliás, emrecente pesquisa cnl.:Omcndada pela Comissão do Mercado Comum Europeu, o inglêsapareccu comu o segundo idioma mais falado e ensinat!o. com 51 % contra 42 % dofrancês, 33 % do alemão, 21% do ilaliano e 18% do espanhol" (11).

O inglês pode ser o idioma da globalização. A maior parte dosacontecimentos, relações, atividades e decisões expressa"se nesseidioma, ou nele se traduz. Assim se articula a eletrônica, da mesmamaneira que a mídia e o mercado, gr(~nde_parte ~a c!ência, t~cn~lo¥ia,filosofia e arte. Na época da globallzaçao, o 1I1gles se un"lVersallza,comunicativo e pragmático, expressivo e informático.

Assim, a linguagem do mercado espalha-se pelo mundoacompanhando o meado. Torna-se presente em muitos lugares, invadequase todos os círculos de relações sociais. ~ mesmo processo demercantilizaçãouniversal universaliza determinado modo de falar,

(10) J. Daviô Boller. Tllring 's MI/Il (Western Cullure in lhe ComputeI' Age), PcngllinBooks. Middlesex, England. 1986. pp.IOI, 102-103 e 108. ,

(11) Paulo Sanchcz, "Executivos Adotam o Idioma Inglês':: O Estado de S.f'wl/o. SãoPaulo. 23 de julho ôe 1993. p. I , ca~crnll "Emprcsas .

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taquigrafar. codificar. pensar. Cria-se uma espécie de língua francauniversal: econômica, racional e moderna, ou pr{ltica, pragmática ete \em;tt ica. O mesmo processo de globalizacão do capital ismo mu ndializasignos e símholos. logotipos e,slogans, qualificativos e estigmas. "Existeapcnas um caso de expressividade ......:mas de expressividade aherrante - na linguagempuramcnte comunicativa'da indústria: é o ca~1I s/OWJIl. De fato. para impressionare couvcncer. o S/O/-:III/ deve ser expressivo. M;lS sua expressivid;lde é nlllnSlruosa,

, porque se torna imediatamente estereotipada e se fixa numa rigidez que é o cont(';Írio-da cxpressividade, que é eternamente mutável e se oferece a uma intcrpretação infinita.A falsa expn:ssividade do s/III-:on é assim o ponto extremo da nova língua técnica quesuhstilni a língua humanística. É o símbolo da vida lingüística do futuro, isto é, de um11lIIndoinexpressivo, sem particulinismos nem diversidade de culturas, perfeitamentepadl"llnizadoe acullurado" 112) •.

O mundo já está tecidü por muitos tecidos. diferentes laços elaçadas, visívei~e invisíveis, fl:aise imaginários. São redese\ctrônicas,informáticas. telemáticas, ()J1 line alltime evelYlVl1ere lVorldwide il1EI/glisll. São transnacionaisconglomeradas. aliadas e estrategicamenteplanejadas produzindo e reproJuzindo as forças produtivas organizadasna nova Jivisão internacional da produção e trahalho tlexível doposfordismo glohal. São inúmcros supermercados, sl1o/JpinR centas,\)isneylftmlias. distrihl~ídos no novo mapa do mundo, exibindomercadorias glohais destinadas às necessidades reais e imagináriasmuI! iplicadas. O marketíl/g glt lha 1encarrega-se de anunciare pronunciart lido que é "bom_melhor-ótimo-indispensável-maravilhoso- (~lIltástico" .

. O mesmo cenário criado com a mundialização do capitalismoinstitui o mOl)o se ser car,\cterístico tia motlernidatle-muntlo; lima1lI00krnidade na qual predominam os princípios da mercantilizaçãouniversal, da tecnificação das condições de vida c trabalho e daquantificação generalizada cm detrimento do princípio da qualidade...No final tias contas. é a sua glohalidade simultancamcntc cstrutlllal c planetária queddine a modcmillade no fim tio séul\o XX como um momento sin~ular. Glohalitlalle

(12) Picr Paolo Pasolini, ()J JIII'ellJ IlIfelizes., organização de,Michel 1:ahml, traduçãodc Maria Ilel;mia Amoroso. Editora Brasilicnsc, São Paulo. I()l)(). pp. 45-4(,;,'il;lção de ..An;ílisc I.int:iiístiça ,Ie um S/O/-:IIII".

1 -u,

social dc um capi\;llismo oniprescnte e de um sistcma social fundado na iillhricação einterconexão de múltiplos processos, estes também cada vez mais complexos.Globalidade espacial do planeia tccido por redes. pelo mercaún nllllldial e pelotecnocosmo" 113).

O clima que está sendo criado com a globalização do capitalismo,visto como processo civilizatório, cria simultaneamente o clima da ,modernidade-mundo. São padrões e v<llores sócio-culturais, alteraçücsnas formas de sociabilidade, desenraizamentüsde coisas, gentes eidéias, tudo isto constituindo algo. ou muito, do estado de espírito damodernidade-mundo. "A mOllcrnidadc é inercntemente glohalizante ... Aglobatização pode assim ser definida como a intensificação das rclaçiks sociais elllescala mundial, que ligam localidades distantes de tal maneira (IUC acnnlecimentoslocais são modelados por eventos ocorrendo a muitas milhas de distflnciae vice-versa.&te é um processo dialético porque tais acontecimentos locais podcm se deslocar nnmadireção anversa às relaçücs muito distanciadas que os 1ll111lcl;ull.A tr(lIlJ(orlllllçtio locol

é lanto ullla parte da glohaiizaçãll quanto a extensão lateral ,Iasconex'-'cssociais atra\'l'Sdo tempo e do espaço" (14).

. Mas esse não é um processo tranqüilo. Desenvolvc-se de lIlodoproblemático. Ao mesmo tempo que impulsiona a hOlllogeneização.equalização ou integração, provoca fragmentações, rupturas. contra-dições. Multiplicam-se desencontros de todos os tipos, em âmbitoslocal. nacional e nlundial, cnvolvendo relações, processos c cstruturassociais, econômicos. políticos e culturais. As configurações e movimentosda sociedade global descortinam outras possihilidades da geografia ehistória, novas formas de espaço e tempo, às vezes límpidos e

. transparentes, outras vezes caleidoscópicos e labirínticos.Na época da globalização, as coisas. gentes e itléias cntram cm

descompasso com os espaços e tempos instituítlos pela eletrônica. Oandamento das relações, processos e estruturas, das vivências eexistências, dos indivíduos e coletividades. das nações e nacionalidades •das culturas c civilizações, ficou para trás, ultrapassado pelo andamenlo

(13) Jeall Cheslleaux, Modemil(LM(}fu/e, ÉditillllSLa Découvcrte, P;~ris,1989, p',I96.(14) Anthony Giddens, As COllseqiiências tia Motiertl/(/i/(/t', tralluçao de Raul i'lkcr,

Editora llnesp. Sãol'aulll, 1991, pp. 69-70.

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,

simbolizado pela eletrônica, instituindo outros pontos e redes, outrosritmos e velocidades. As fronteiras não são abolidas, dissolvem-se; aslínguas continuam a existir, traduzidas em geral para o inglês; as moedasnacionais continuam a circular, sempre referidas a uma moeda abstratageral mundial; as cartografias são redesenhadas pelo computador; ashistúrias são recontadas desde os horizontes da global ização; asexperiências traduzem-se em virtual idades, simulacros; as palavrasprogressivamente recobertas pelas imagens.

É o império da não-contcmporaneidade. O passado e o presente,da mesma maneira que o espaç\, ~ o tempo, embaralham-se por todosos cantos e recantos. A velocidhde de algumas transformações é diversadllS outras. Umas realidades modificam-se em dado ritmo, ao passo queoutras em ritmo diferente, além das d.ireções que podem scr divergentes,São diversos, muito diversos, os ritmos sob os quais caminham coisas,gentes e idéias, assim como realizações, possibilidadcs e ilusões.Ampliam-se e generalizam-se os desencontros. Assim como muitascoisas se equalizam, muitas coisas se desencontram, São padrões evalores, modos de ser e agir, de pensar e imaginar, que simu Itaneamentecombinam-se e tensionam-se. No âmbito da globalização, a eletrônica,informática e telecomunicação invadem as atividal!es e as relações detodo o mundo. f\1odernizam ..se antes procedimentos do que tempe-ramentos, antes 1110dos de agir do que de pensar, antes formas deimaginar do que de sentir. .

Ocorrem defasagens; desníveis, fraturas, anacronismos, disso-llüncias, assincronias, desencontros, tensões. O residuallllescla-se coma novidade, o pretérito com o predominallle, o que era com o que não-é. Multiplicam-se as descontiltuidades e as repetições, os desencontrose as tensões. Tudo se estilhaça. despedaça. O espaço e o tempo diver-sificam-se de modo surpreendl'nte, multiplicando-se ao acaso, de modoconjugado e disparatado.

Nesse sentido é que o século XX produz um manancial deohsolescência, simultaneamente às novidades, iis inovações de todos'

. os tipos, "modernidades" e "pós-inodernidades". No mesmo sentido éque as rupturas que acompanh:lIl1 o surto da globalização em curso lll)

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fim do século XX, quando se anuncia o século XXI, inauguramobsolescências e novidades de cunho social, econômicas, políticas eculturais, em âmbito individual e coletivo, nacional e mundial. Ascrises, guerras e revoluções não só expressam rupturas históricas comorevelam e aprofundam as tramas da não-contemporaneidade. De ummomento para outro, grupos, classes, movimentos, pari idos, correntesde opinião pública, interpretações da realidade social, estilos depensamento, visões do mundo podem tornar-se anacrônicos, exóticos,estranhos, inconvenientes, dispensáveis. Decreta-se o novo e o velho,o arcaico e o moderno, institutndo-se as tradições e obsolescências,novidades e inovações, modernidades e pós-modernidades. Instauram-se outras tramas de não-contemporaneidade, além das que se produzeme reproduzem contínua ou periodicamente com os movimentos dahistória.

É no âmbito da ruptura histórica, com freqüência envolvendocrise, guerra ou revolução, que se inaugura o monumento e a ruína,demarcando o presente privilegiado e o passado'tolerado, recriado ousimplesmente rejeitado. Os vários surtos de expansão do capitalismo no

. mundo podem ser vistos com()arrancadas de criação de novidades eobsolescências, modernidades e anacronismos, her()is e traidores,santos apóstatas, monumentos e ruínas, O mercantil ismo, ()col(lIlialismo

"e o imperialismo, que atravessam a geog.rafiae a história desde ()Renascimento, a Reforma e a Contra-Reforma, ou os primórdios docapitalismo, entendido tambélil como processo civilizatúrio, instituemmuitas tramas de não-contemporaneidade, produzindo ruínas pelosquatro cantos do mundo; ruínas não só no sentido literal, Illas tamhélllcomo metáforas'e-aregorias (15).

(15) K,M. P~lIikk;lr, A DOIlli/lI/rliil Ocide/1/al /1(/ AsilJ, 1r:llIuçãu lll: NCIIl':~sillSallcs, la.edição; ElIilora Paz e Terra, Rio de Janciro, 1977, loseph Ki-Zcrho, lIisltÍrill daÁrricl1 Nl'l:rtI, 2 vols" 2~. clliçf\o. Puhlicaçtlcs Europa-América, I.ishoa, s/d; 1.11.Euioll, El Vil'jo Mundo y eI Nuevo (1492-1650), Irallução lIc Raf~c1 S:ínchclMantem, Alianza Editorial. M~drid, 1984; lacljllcs Lafayc, LIIS CO/llll1is/lldorl'.\',

Iradução de Eisa Cecili~ Frost, 3a, edição, Siglo Vcillliunn Editorcs, Méxiw. I \}78.

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Í~hem no seio da não-contemporaneidade que se rcv,e1am as ruínas,como ohras de arte originais, diferentes de suas formas pretéritas e desuas áureas primordiais. São marcas de lugares e épocas que assinalamas metamorfoses do espaço e do tempo, das configurações sociaispassadas, dos estilos de vida remotos, 'das visões do mundo esbatidaspela pálina dos tempos. Nas ruínas, a baialha dos tempos carregaconsigo a batalha entre a natureza e ª sociedade, o telúrico e a cultura.() mesmo espírito que conforma a natureZãã imaginação logo assiste àrevolta dessa mesma natureza, transfigurando a obra de arte primordialem obra de arte de outra época, com forma diferenle e aura surpreen-dente. A ruína não é um fragmento, algo mutilado, deslroçado, sóparecendo assim quando vista na ótica do passado. Vista na ótica dopresente, ela é original, incomparável, surpreendente, precisamenteporque é um produto da imaginação pretérita transfigurado pela pátinados tempos, recriado pelo olhar presente.

../\ ruína aparccc como a ving,mça da naturcza pela violência qoc lhe lá o cspi-rilo ao coolúrm;j-Ia à sua prúpria imagt:m, O prol:CSSOhistúril:o da IUJmanid;lde como11111todo consiste em uma gradual apropriação da nature7.a pelo espírito. a qual cnwn-Ir;l-se r(lra dele. mas tamhêm de I:el'la mancira dClIlro dele. ,<- .. ) () enclnlo da ruinal'onsislc cm quc uma ohra humana é pcrl:chida, cm dcfinitivo, wmo se fosse um produtoda nalllre7.a. As mcsmas forças. quc pela erosão, desagrcgação, suhmersão e expansão,LI vcgct;lção deram ils nlllntanhas o scu aspcl:lo, dcmonstram tamhêm aqui a suaciic;ícia 1I0Smuros, (, .. ) O el1l:allto falltástiw c supra-scnsível da p;ílilla fez-me hasearlia misteriosa h.lI'Illollia pela <Iual o ohjeto se cmheleza, devido a 11111pmcesso lJui-IIliw-1I1L'dlliw, e o projclo deliherado Jo homcm wnvel'le-se de modo lIão-delihe.rado e illlprevisível em algo novo. COIll freqüencia mais helo, constituilldo UIHa novaIIl1idade" 116).

SI Ih vários aspectos, as tramas da não-contemporaneidade permitem<iL:svendar formas insuspeitadas do tempo escondidas na pátina da

(16) (ieorg Siml1lcl, Sobre la 111'(,II/1ITa (Ensayus Filosófiws), traduç;io de GuslauMUIlllZ e Salvador Mas, Edidoncs Peninsula, O"rl:clon", 1988, pp. 117, 119 e l20:l:il;Il;i'cs tle "L;IS Ruinas". Consultar também: Carlo Carena, "Ruiua!Restaul'll",ülr'idtlphlia Eil/(///(Ii, vol. I, "McmÍlria-HisttÍria", Imprensa N"cinnal-Casa daMOL'da. Porto. 1985, pp, 107- 129: lan Knizek, "EI Exlraiio Enl:anlo tle las Ruin"s".1'/unJ!. nO 186. México. 1987, pp. 31-38.

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história. A não-contemporaneidade pode ser um momento exce--cionalmente heurístico, quando se trata de surpreender as formas sociaisdo tempo, as configurações e os movimentos da sociedade. Na época daglobalização, ela se revela novamente emblemática, desafiando ciência,filosofia e arte.

Esse é o ambiente em que germinam nostalgias e utopias, umaspretéritas e outras futuras. Diante do novo, inesperado e surpreendentesurto de glohalização, quando as nações, nacionalidades, culturas ecivilizações são desafiadas, mesclam-se, embaralham-se, reafirmam-see modificam-se modos de ser, pensar, agir,' sentir, fabular. São muitosos que ficam com saudade do passado, ou do futuro. Às vezes, apenasnegam o presente. Mas outras vezes podem utilizar a nostalgia ou autopia para refletir melhor sobre o presente. Em todos os casos, elaspodem ser vistas como sinais de configurações atravessadas pela não-contemporaneidade. Desvendam dimensões heurísticas escondidas llOS

desencontros de espaços e tempos gerados pela globalização (17) •

Note-se que o tema da não-contemporaneidade reaparece de modoparticularmente acentuado e generalizado na época da g\o\)alização.Quando se dá um novo surto de expansão do capitalismo, em escalamundial, quando o capital reaparece como agente "civilizador", todas

.as outras formas sociais de organização da vida e trabalho sãodesafiadas, levadas a subordinar-se formal. ou realmente, em certoscasos m.arginalizar-se. Na medida em que o capitalismo é um processocivilizatório de ampla envergadura, combatividade e agressividade,logo se criam e recriam configuraçücs sócio-culturais atravessadasde não-contemporaneidade. São aglutinações, integrações e conver-gências, simultaneamente a desencontros, excludênciase antagonismos.revelando-se em escalas locai. nacional e mundial. Um fenômeno que

(17) Rulantl Rohertson, Glo/mliza/íon (Social Theory and Glohal Culture), SagePublicalions, Londres, 1992, cspecialmentc o capo 10: "Glohalization and theNostalgic Paradigm": PrcdrÍL: J"meson, Ell'lI,l'IIlOdemislllo o la LIÍ}lim Cultural deiCapilalíxlIllJ Avalizado, citado, cspeciallllellle o capo 11: "La POSlllllllel'llidad y cJPasado" .

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L:stásempre presente na realidade social e que tem sempre desafiado opensamento científico, filosófico e artístico reaparece muito forte nestaépoca em que se dá um novo surto de globalização, na esteira dodesenvolvimento intensivo e extensivo do capitalismo em escala mundial.Mais uma vez, recoIOl.:a-se a problcmática do desenvolvimcnto desigual,contraditório e comhinado, atravessando a geografia e a história,lksafiallllo a teoria e a prática nos horizontes da glohaliz,H;ão. "Nemlodos estão prescntes no tempo prL:sente. Estão apenas cxtL:riormente,pois que podemos vê-los IH~je.Mas não é por isso que vivcmno mesmotempo que os outros. Ao contrário, carregam consigo um passado quesc infillra" (IH).

Vista assim, no contraponto contemporaneidade-não-con-tl'mpo'raneidade, a história se revcl:1 plena de possibilidades e surpresas.A Iém das regularidades e recorrências, das descont.i nu idades e rupturas,contam-se as reorientações c retrocessos. No úmbito da dinflll1ica davida social, do movimento das for(,:as sociais, compreendendo tambémsuas dimensões econlJmicas, políticas e culturais, o tempo pode revelar-se múltiplo e contraditório, progressivo e regress,ivo, interrompido evazio. A ilusão do progresso, da evolução ou modernização tem sidoatravessada por fraturas c reorientações, retomadas c regressões,estabil idades e atonias. Há conjunturas em que o jogo das forças sociaispode provocar tanto a diversi ficaç~o como a aceleração, !,lIlto o declíniocomo a dissolução. Esse ,.é o contexto em que ó contrapontoC\ lIllelllporaneidade -não-contemporaneidade reaberto pela globalizaçàoI'l'vela-se particularmente heurístic'o, desafiando as ciências sociais, a

(11\) Emsl Illoch. lIhiltll:(' de CI' Tell/li.\'. Irad. ue Jean LlcoSlc. I'ayol. P;lris, ,'1978. r,95 _ Cilação cXlraída da scgulllta p:"'le. intilulada ..Non Conlclllpuranéité ctEnivrclllcnl", pro 37-11\7. Ainda sohrc o pml1!cllla da n:Il.-conlellll'"rancidadc:Eric II1IhshawIIl c Tcrcnce Ranger, 11 Illl'eJIçrio dl/.\' 1i-tltliçlit'J, trad. de CclinaCardilll Cavalcanlc. Edilora Paz e Tcrra, Rio dc Jancim, 191\4; Amo J. Maycr. 11Forçtl dl/ Tr(/(liçlÍo( A Pcrsistência dn Antigo Regimc), Irad. dc Dcnisc Bntlmann.Companhia das Lcll'as. São Paulo, 1987; Paul Ricocur (org.) .. 11.1' CU/111m,\' e o

7i'/I/I"'. Edilora Vozcs. ('elrt'lpolis. 1':115.

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filo~ofia e as artes. Permite repensar as formas sociais do tempo,descobrir algumas de suas formas insuspeitadas. inclusive sublimadas.como as que se escondem na nostalgia e na utopia.

1 Nem chegou o fim da história nem chegou o fim da geografia. Éapenas ilusória a impressão de que chegou o reino da eternidade. Tantoé assim. que o planeta Terra não alcançou ainda uma forma acahada,podendo parecer plenamente esférico ou plenamelite plano. Muitospodem agir, pensar e sentir conforme sua imaginação. Mas esse mesmoplaneta continua atravessado pormontanhas e desertos, mares e ocea:nos. ilhas e continentes. nações c nacionalidades, línguas e religiões,cultUras e civilizações. Apenas o mundo fragmentou-se outra vez, nummomento de repente. Os que sonham com a eternidadc escond ida no fimda história e da geografia esquecem que ela se dispersa pelo espaço edespedaça no tempo (I').

, Os horizontes abertos pela globalização iluminam o presente crecriam o passado. Grande parte do passado conhecido e desconhecidoé recriada pelo presente. Uma ruptura histórica excepcional, como aglobalização em curso no limiar do século XXI, institui todo um novoparâmetro para a inteligência e a invenção do passado. É como se opresente fosse longe, lá longe, em busca de suas origens, raíz.es. Aomesmo tempo que se nega ou recria o passado reconhecido, busca-se oprimordial escondido. Um passado que pode surgir coino história ememória, identidade e pluralidade, simbolizado em heróis e santos,façanhas e glórias, vitórias e derrotas, monumentos e ruínas. Sãometáforas dispersas pelo espaço, despedaçadas no tcmpo.-~-(19) Jorge Luís Borgcs, lIi.r/oria til' /1/ h"lernidad. Alianza Editorial, Madrid. 1lJ71. p.

24. Richanl O'Brien-;' "La r:in de la Géograrhic'!". puhlicado por Maric-FrançoiscDlIrand~ Jacqucs Lévy e Denis Rclaillé. Le Moude: Esptlce.\' 1'1 SYJ/hul'.r, Prcssesde la Fondalion Nalionale ues.Scicnccs I'oliliqlles & Dallllz, ('"ris, 1992. pp. 169-t73. Fr:Hlcis Pukuyama, O Fim da Ili.l'lIÍria e o li/limo HOII/elll, tradução dc AulydcSoares RoLlrigues, Editora Rocco. Rio de Janciro, 1992. I'crry Andcrslln, () Fimda HislIÍria (De Hegel a Fukuyama). Alvaro Cahral. Jorge Zahar Edilor. Rio dcJaneiro, 1992.' .

1 }\1

Page 92: Ianni, Octávio - Teorias Da Globalização

As marcas do espaço e tempo podem ser metáforas da mundia-lização, ou signos da universalidade descortinada desde os horizontesda globalização: a queda da Bastilha e a queda do Muro de Berlim,a Muralha da China e aS Pirâmides do Egito.ocabo da Boa Esperançae os estreitos de Magalhães, Gibraltar, Súez e Panamú. o Ganges, oNilo e o Amazonas, os Andes eo Himalaia, a Revolução Industrial, aRevolução Francesa e a Revolução S(Mêlica, a Reforma, a Contra-Reforma e a Renascença, a Batalha de Maratona e a Bomba deIliroshima, Jerusalém. Romae Meca, o Velho Mundo, o Novo Mundo.a Ásia e a África, Oriente e Ocidente, o Céu, o Inferno e o Paraíso, aAtlúnt ida e o Olimpo. Em lugar da eternidade a humanidade, da mesmaforma que em lugar do fato a met:ífora. Aonde não alcança a reflexão.lá pode chegar a imaginação. ' .

Cada tempo inventa seu tempo. O tempo é uma criação social,um produto da atividade humana, uma invenção cultural. É claroque S;IO várias, múltiplas. cOI.lgruentes e contraditórias as formassociais do tempo. Tanto assim que ele pode ser cósmico, geoló-gico. sazonal, histórico. biogr~rico, mítico, épico; dramático, subje-t ivo, cronológico, mecânico, elétrico, eletrônCco. Mas lodos são. criaç\'les sociais, invenções culturais. Mesmo aqueles alta-mentI.: dl.:wrminados pela natureza, cósmicos, telúricos, 'gcológicosou sazonais. podem ser reelahorados pela atividade humana. pelaIrama das relaçl>es sociais, compreendendo processos e estruturasde dominação I.: apropriação. Todos estão presentcs na vida socialdos indivíduos e coletividades. nações e nacionalidades, socieda-(ks e cOlllunidadés. É verdade que são diversos pelo rilmo I.: anda-Illento, força e localização, irrelevância e repl.:rcussão. Significamdi fcrentemenlc, coex iSII.:Ill.convergem. ressoam e negam-se. 11<'1 situa.(,:ltese III qUI: \IIISd;io a im pressão de n:cohr ir ou Sllpr im ir os 0111ros, maslogo os out ros reaparecelll. revclam-sc ... Nlllllaél"l\"aelll qlle olllros II/I'I/i"

lrillll!alll. dOlaZlosdc IIl11avclm:idade cspanl\lS"e dc um raio dc ação cxlrcm"lllclllcl'X1l'IIS0.anisc;IIl\lo rC\lIl/.irImlawnlllllicaçãll a uma crosla uuiforme c homogêuca. aflln,;;joda litcralUraé a wmullic;u;iiocnlre o \Iueé divcrso pelo falo de ser diverso, lIãllelllhlllalll!" llIas anlcs cxaltalld" a difelcllç", segulldo a VOL:ilçãoprl1priada lillgu;\gemescrila. L .. ) Na lileralllra. ° tcmpcl é uma riqllcza dc \I"C sc pode dispor CI;m

1(.'.1

pro4igalidade e indiferença: não se Ir"la de chegar primeiro a umlimitepreestahcleciLlll;ao contrário, " economia do lempo é uma coisa hoa, porque quanto mais tcmpocconomizamos, mais lempo poderemos perder"(20).

A despeito das diversidades e dos desencontros das formas sociaisdo tempo, das multiplicidades dos tempos, todos estão relacionados àvida social. às atividades dos indivíduos e coletividades, aos movimentosda história. Todos se constituem e manifestam no funbito da fábrica dasociedade, do trahalho social. Apresentam-se como condição e produtoda vida social, compreendendo a comunidade e sociedade, tribo e nação.soéledade nacional e sociedade global. Sabendo ou não sahendo,podendo ou não organizá-los, tendo que administrá-los em condiçõesadversas ou precisando submeter-se a suas determinações, a reali-dade é que aS diversas e múltiplas formas do tempo produzem-se comocoridição c resultado do trabalho social, do modo pelo qual opera afábrica da sociedade global.

Mas cabe reconhecer que aqueles que detêm os meios de mando ecornando, ou dominação e apropriação, muitas vezes podem tambéminstituir o ritmo das atividades, a duração do trabalho, a comensurabilidadeda~ coisas. Esse é o contexto em que se desenvolve o predomínio doprincípio da quantidade. em detrimento do princípio da qualidade."Tomar apcnas a quanlidadc dc 1r;lhalhoCOlllOmedi(la dc valm. sem levar cm conla;1 qualidade, SUPllCquc o trahaÚlosilliples se lornoll o fulcro da indústria. Supi,c qllcos trah;llhos s;jo cqualizado.spe!;\ suhordinação do homcm ;1 máquina ou pela divisãncxtrema do Irahalho; supõe quc os homens sc ap;lgamdiantc do trahalhn; snpllc quc onmvimento L1npéndulotornou-se a exala !llcdidada alividade relativade dois opcr:írios,da "lesma mallcin\ que o da velocidadede duas locomotivas. Enlão, lIãohá por 'Inc dizcrquJ'u;na hora dc um homem equivale a uma hora \h; outro homem; deve-sc dizcr \IUCo homem de ullla hma valc tanto 'quanto oulro hnlllcm dc ullIahnra. O tCIllPOé tudo,o homemnã" é nada - quando llIuilo, é a carcaça d" lcmpo. N;losc disculc ;\'1"aIidadc.A quanlid;ldc dccide Iudo: hlHa p"r hora. jornada ror jornada" (21).

(20) lIalo Calvino, Seis Propostas para o Próximo Mi/êllio, tradução dc Ivo Barmso,Companhia das l.etras, São Paulo, 1990, pp. 58 c 59; citaçãndo capo2: ..Rapidcz".

(21) Karl M;u:x,Miséria da Fi/osojiti, tradução dc José Paulo Nelln, Edilora CiênciasHUlllanas. Sãn Paulo, 1982, pp. 57-58.

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A mesma racionalização que articula progressivamente as maisdiversas esferas ôa vida social, acentua e generaliza a alienação de unse outros, também em âmbito universal. O que já era um dilema evidenteno século XIX, acentua-se no XX e promete aprofundar-se no séculoXXI. A marcha da racionalização caminha de par-em.par com aalicnação, uma e outra determinando-se reciprocamente.

O predomínio da razãu instrumental, técnica ou pragmáticagcneraliza-se por todos os setores da vida social. Em escala crescente,as conquistas da ciência são traduzidas em técnicas de produção econtrole social, conforme o jogo das forças sociais, segundo ascst ruIu ras de dom inação e apropriação prevalecentes. Esse é o contex toem que os desenvolvimentos da ciência, traduzidos em técnicas,aprofundam e generalizam as mais diversas modalidades de alienação,do pauperismo à mutilação.

..IIojt: t:m dia, tudo part:ce levar no seu seio a SlJaprtJpria Cllntr:ulição. Velnosqut: as m:tquinas. dotadas da proprit:dade maravilhosa de rcduzir c tornar mais frutíferoo trahalho humano, provocam a fome e o esgolamento do trahalhador. As fontes deriqucza recém.desCllherlas se conVCrlcm, por artes de UIIIestranho malefício, em fontesde I'riv:içôes. Os triunfos da arte parecem adquiridos ao prcço de qualidades murais.() domínio do honlenl sohre a nalureZa é cada vez maílH; mas, ao mesnw tempo, ohOlnelll SI:transforma em escravo de' outros homcns ou da sua prtJpria infflluia. Até apura luz da ciêocia parece só poder hrilhar so!>reo funuo tcnehroso da ignorâucia.Todos os noSsoS invt:nlos c progrcssos parecem dolar de vida intdeclual as forçasIn:ucriais, cnquanto reduzcm a vida humana ao nível de uma força material bruta" 1221.

O mesmo processo qu~ carrega consigo a racionalização e aalienação promove o predomínio do princípio da quantidade, emdet rilllento do pri ncí pio da qual idade, e realiza a crescentc inversão n:ts_relações entre os indivíduos e os produtos de suas atividades, produzindoa subordinação do criador à criatura. A crescente disciplina e oprogressivo ritmo das organi7.ações, empresas e mercados espalha-sepor todos os cantos e recanto'; da vida social, impregnando modos de

(22) Karl Marx, "Discurso pronunciado na festa de anivcrsário do l'('(){Jle ',\' Pa{Jer"nll

dia 14 de ahril de IR56, confonue K. M.lrx e F. Engels, TextoI, 3 vols., Ediçi\csS"ciais, São P"ulo, 1977, vol. 3. pp. 298.299. ..

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~er, agir, sentir, pensar e imaginar. "Desde que o ascetismo começou aremodelar o mundo e a nele se descnvolver, os bens materiais foram assumindo umaçrescente, e, finalmente, uma inexor:tvel força sobre os homens, comununca antcs nahist6ria. Iloje em dia - ou definitivamente, qucm sabe - seu espírito religioso sall)lJ.se da prisão. O capitalismo vencedor, apoiado numa base mecânica, não carece mais~e seu abrigo. (... ) Ninguém sabe ainda a qucm caberá no futuro viver ncssa prisão,,bu se, no lim desse tremendo descnvolvimcnto, não surgirão profctas inlciramcntcnovos, on um vigoroso renascimcnlo de velhos pensamcntos e idéias. ou ainda senenhuma dessas duas - a eventualidadc de uma pctrifica~'ão mccanizada caracterizadapor esta Cllnvulsiva cspécie de auto.jusliticação" (231.

A mesma racionali~çãl)que prioriza o tempo, o ritmo, a velocidadee a produtividade produz a subordinação do indivíduo à m;íquina, ao.sistema, às estruturas de dominação e apropriação prevalecentes,promovendo sua alienacão. Mais uma vez, o criador é levado asubordinar-se à criatura. "l:í não sc perglllll" por quc ncm de quc mallcira chego.u-se a aparclhos precisamcnte regulado.s quc medcm o tempo cm dias, horas c st:gulldus,e ao corrcspondente modelo de autodisciplina illlJividtial implícito no conheccr quc hora~. Compreender as relaçileselllre a cstrutura da s()ciedade, que possui uma imprescillllívcl~ inevitável rcde dc determinaçiles lempor.lis, e a estrutura de uma personalidadc, quc.lem uma finíssima sensiliilidade c disciplina de tempo, nãll constitui para os mcmhrosde lal socicdade nenhum prohlema grave. Experimcntam, cm toda a sua l'I'ueza, apressão do tempo hor:trio de cada dia; e em maior grau _. conforme vã" l'I'csccndo. .-a pressão. dos allos do calendário. E isto, convcrtido em scglllllb naturc7a, parccc IIlndestino qllc Iodos devem assumir" {241.

Esse o contexto em que se produzem, instituem, descnvolvem,transformam ou declinam as mais diversas formas sociais do tempo:sazonal, biográfico, genealógico, histórico, mítico, dramál ico, épico,cronológico, mecânico, elétrico, elelrilllico. Correspondem a distintasformas de organizaç,àQ social da vida e trabalho, distintos níveis deorganizaçflo técnica do p,:ocesso produtivo, distintas estruturas de

(23) Max Weber, A Ética Protes/tll//" (' o Espírito do Capi/alis/llo, tradução dc M. Irellcde Q. F. Szmrecsanyi e Tam;Í5 J.M.K. SZIlll'ccsanyi, \,iolleiról Edilma, São \'aulo,1967, p. 131.

(24) Norbel'l Elias, Sobre el Tie/ll/JII, tradução de Guillenuo lIirala, Fondo de CulturaEcon(lmica, México, 1989, p. 16.

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apropriação e dominação. Nesse sentido é que alguns signos sãoemblemáticos. Ao longo dos teinpos, o significado d~ time is money éinstituído, modificado, dinamizado, generalizado, priorizado ouuniversalizado. Inclusive pode tensionar, desorganizar ou romperformas de sociabilidade, modos de ser. É.sempre instável, ou mesmoprecária, a racionalidade instituída pelas regras (1'0 mercado, peladinámica do capital, mesmo quando at:Uc1Jladapela sofisticação siste-mática eletrônica e telemática. "TanIOO lempo como o espaço são definidos porintermédio da organização de práticas sociais fundamentais para a produção dcmcrcadorias. Mas a força dinâmica lia acumulação (e supenlcumulação) do capital.aliada ;IS condiçilcs da lula social, torna as relaçiles instáveis'. Em conseqüência.ninguém sahc hem quais podcm ser 'o lempo e o lugar certo para tmlo'. Parte d;!insegurança que assola o capitalismo cillno formação social vem tlessa inslabilidatle tiosprincípios cspaciais e lemporais emlorBO dos quais a vida social poderia ser organizada(qnando não ritualizada à feição tias societlatles trallicionais). Durante fases de trocam,íxima. as hases espaciais e tempurais de reprodução da ordcm social estão sujeitasi, disrupção mais severa" (25).

No âmbito da sociedade global descortinam-se outras possibili-dades de realização e imaginação dos ritmos e ciclos da vida social.Alleram-se as regularidades e recorrências da história, assim como suascondiçües de fraturas ~_rupturas. A longa duração pode revelar-se emtoda sua amplitude, da mesma nlaneira que o instante pode adquirir suauniversalidade. Quando se glolJaliza o mundo, quando a máquina domundo passa a funcionar em sua globalidade, o andamento de coisas,gentes e idéias, províncias e nações, culturas e civilizaçües adquireoutras realidades, diferentes possibilidades. Pode-se pensar tudonovamente: a longa e a curta dnrações, o instante e o fugaz, o ciclo ca era, a regularidade e a recorrência, a continuidacle c a ruptura, adiversidade e a contradição, o passado e o presente, o próximo e ()remoto, a racion~lJjzação e a ali~nação, o indivíduo e ahumanidade.

(25) David Harvcy. C(}/uliçtíl! l'tÍJ-M";f,,,na. Iratlução Adail Uhirajara Sohral e MariaSlella Gonçalves. Etliçlies Loy()la. São Paulo. 1992. p. 218.

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Sociologia da Globalização

NESTAALTURAda história, no declínio do século XX e limiar doXXI, as ciências sociais se defrontam com um desafio epistemológiconov9. Seu objeto transforma-se de modo visível', em amplas proporçõese, sob certos aspectos, espetacularmente. Pela primeira vez, sãodesafiadas a pensar o mundo como 11ma saci edade global. As relações,os processos e as estruturas econômicas, políticas, demográficas,geográficas, históricas, culturais e sociais, que se desenvolvem emescala mundial, adquirem preeminência sobre as relações, processos eestruturas que se desenvolvein em escala nacional. O pensamentocientífico, em suas produções mais notáveis, elaborado primordialmentecom base na reflexão sobre a sociedade nacional, não é suficiente paraapreender a constituição e os movimentos da sociedade global.

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oparadigma clássico <J!s ciê~~ sociais foi constituído e continuaa desenvolver-se com base na reflexão sobre as formas e os movimentosda sociedade nacional. Mas ~ sociedade nacional está sendo recobertaassimilada ou subsumida pela sociedade global, uma realidade que nã~está ainda suficientemente reconhecida e codificada. A sociedade globalapresenta desafios empíricos e metodológicos, ou históricos e teóricos,queexigem novos conceitos, outras categorias, diferentes interpretações.

"Sempre houve um enorme debate sohre como a sociedade e o Estadorelacionam-se, qual deveria subordinar o outro e qual encarnar os valorcs morais maiselevados. Assim, ficamos acostumados a pensar que as fronteiras da sociedade e doEstado são as mesmas ou, se não, poderiam (e deveriam) ser. ( ... ) Vivcll10s em Estados.Há U1~lasociedade soh.cada Estado. Os Estados têm história e portanto tradiçües. ( ... )Esta Imagem da realidade social não era. uma fantasia, talito assim que te6ricoscolocados em perspectivas ideográficas e nomotéticas desempenhavam-se com razoáveldcsenvoltura, utilizando esses enfoques acerca da socie~ade e do Estado e all:ançandoalguns resultados plausíveis. O único problema era que, à mcdida que () tempo corria,mais e mais "anomalias' revelavam-se inexplicadas nesse esquema de referência' e maise mais lacunas (de zonas da atividade humana não pesquisadas) pareciam emer~ir" (1).

Ocorre que a sociedade global não é a mera eXtensãoquantitativae qual itátiva da sociedade nacional. Ainda que asta continue a ser básica,evidente e indispensável, manifestando-se inclusive em âmbitointernacional, é inegável que a sociedade global se constitui como umarealidade original, desconhecida, carente de interpretações.

A sociedade globaljá tem sido objeto de estudos e interpretações.em seus aspectos históricos, políticos, econômicos, culturais, geográ-ficos, demográficos, geopolíticos, ecológicos, religiosos, lingüísticos,artísticose filosóficos.Alémdas indicaçõese intuiçõesque freqüentemente-aparecem nos estudos sobre a sociedade nacional, multiplicam-se asi~fl:xões s~bre as configurações e os movimentos da sociedade global.Ja sao mUItos os que pensam a sociedade em âmbito transnacionalmundial ou propriamente glohal, mesmo quando não estão utilizand~esta noção, mesmo quando continuam a pensar a nação. Em forma

(1) Immanuel Wallerstein. Unthi/lkillg Social Science (The Limits oI' Ninctecnth.Ccntury Paradigms), Polity Press. Cambridge. 1991, p. 246. Citação rctirada doClp. 18: "Cal! for a Dehate ahUlI1 the Paradigm". pp. 236.256.

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ca, pode-se dizer qúe essa problemá st!presente nos estudos; retações sobre: relações internacio":, geopo1ttica, integração

",' ..Ihât, sistema-mundo, economia~mundo,.ttêsmundos, quatromundos,'~a Fria, fim da Guerra Fria, fim da história, nova divisãoliUemacional do trabalho, fábrica global, cidade global, aldeia global,shopping center global, Disneylândia global, planeta Terra, norte e sul,ONU, UNESCO; UNlCEF, FAO, FMI, BIRD, GATT, OTAN,NAFf A, MERCOSUL, Casa da Europa, Estados Unidos da Europa,espaço europeu, espaço do Pacífico, imperialismo, pós-imperialismo,dependênCia, nova dependência; interdependência, multilateralismo,multinacional, transnacional, ascensão e queda das grandes potências,Ocidente e Oriente, ciclo Kondratieff, telecomunicações, mídia mundial,indústria cultural, cultura internacional popular, marketing global,globalização e fragmentação, novo mapa do mundo, modernidade-mundo, pós-modernidade.,! . Este é um momento epistemológico fundamental: o paradigma

clássico, fundado na reflexão sobre a sociedade nacional, está sendostlbsumido formal e .realmente pelo novo paradigma, fundado nareflexão sobre a sociedade global. O conhecimento acumulado sobre a.sociedade nacional não é suficiente para esclarecer as configurações eos movimentos de uma realidade que já é sempre internacional,multinacional, transnacional, mundial ou propriamente global. Éobvioque a sociedade nacional continua a ter vigência, com seu território, suapopulação, seu mercado, sua moeda, seu hino, sua bandeira, seugoverno, sua constituição, sua cultura, sua religião, sua histór.ia, edemais formas de~~anização social e técnica do trabalho, façanhas,heróis, santos, monument"Os,ruínas. Ela constitui o cenário no qual seusmembros movimentam-se, vivem, trabalham, lutam, pensam, fabulam,morrem. Tanto assim que subsistem e ressurgem nacionalismos,provincianismos, regionalismos, etnicismos, fundamentalismos eidentidades em muitos lugares, nos diversos quadrantes do mundo. Masa sociedadenacionalnãodáconta, nemempírica nemmetodologicamente,nem histórica ou teoricamente, de toda a realidade na qual se inseremindivíduos e classes, nações e nacionalidades, culturas e civilizações.

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Aos poucos, e às vezes de repente, a sociedade global subsumc formalou realmente a sociedade nacional, compreendendo indivíduo, grupo,classe, movimento social, cultura, língua, religião, moeda, mercadoformas (Il: trabalho, modos de vida, Tudo isto continua vigente, comonacil)lIal. com toda sua força tniginal. Mas tudo isto, simullanea-:nenk. ar! icula'Sé l, inâmica e contraditoriamente com as configu-1;Il':ÜCS e o~ lllOVllnenlos da sociedade global. Como totalidade geo-gráfica c histórica, espacial e tCJ1Iporal:ein suas dimcnsücs sincrô-nicas e t1iacrônicas, a socicdatlc global se constitui como um mo-mento epistemológico fundamcntal, novo, pouco conhecido, desa-fiando a reflexão e a illlagina~'fio de cientistas sociais, filósofos e'rtistas UI.

OS cstudos e as interpretaçiies da' societlade global aprcsentam;i1gumas característi~as que merecem ser registradas. Cada uma de perse, e (odas em conjunto, permitenl visualizar um pouco melhor tanto aoriginalidade do novo objctodasliências sociais como as dificuldadescpislcmológicas que suscita.

Primeiro, baseiam-se principalmente nos ensinamentos das seguintesteorias, muito correntes nas ciências sociais: evolucionismo,funcionalismo, sistêmica, estrutlllalista, weberiana e marxista. Essassão as que predominam, às vezes em termos bastanle sistemúticos,outras vezcs ut il izadas dc modo fragmentário. Também há tentativas decomhinar elementos de várias tc,)rias, em formulaçües ecléticas. Emmuitos casos, no entanto, fic,! evi.dentea dificuldade que alguns autorescnfrentam para libertar-se dos quadros de referência representados pelas()(.:iedade nacional, como cmblema do paradigma clássico, e pensar asociedade global em toda sua originalidade.

'Segundo, priorizam determinados aspectos da s(lciedatic global:ccon(lIuicos, financciros, lecnolúgicos, informáticos, culturais, reli-giosos, políticos, geopolíticos, ecoll)gic~)s, sociais, histúricos, gcogrúlicosc oulms. São poucos os que fOfllllllam abordagens gerais, abrangentes,

í2) (klaviu 1:11\11;. A Sori/'dl/l/(' <l/o/Ju/, hlilnra Civilização Brasileira. Riu de Janeiro.1')()2. i\ 2" ediçãu é de 1993.

integrativas. Também são poucos os que reconhecem q~e oconjunto d<~srelações, processos e estrutl\ras, que descrevem e Interpretam, dizrespeito a um objeto novo, constituído pela sociedade global.

Terceiro, a maioria situa-se em perspectiva que se pode denominarde convencional. Focaliza est.c ou aquele aspecto da sociedade global,priorizando antecipadamente uma perspectiva: a superpotê~l~ia mund~al;úma ou várias das nações dominantes ou centrais no cenarlo mUJl(iJal;umaou várias nações do ex-Terceiro Mundo, do sul ou da periferia,taiscomo as asiláticas, africanas, latino-americanas e inclusive remanescentesdo ex-bloco soviético do Leste Europeu; a comunidade européia; aclasse ou as classes dominantes; as classes subalternas, compreendendotrabalhadores assalariados em geral, proletariado e campesinato; asetnias "minoritárias"; a luta pela soberania nacional, com base emprojeto capitalista, socialista ou "terceira via"; a rede intra e int.er-corporaçües, conglomerados ou empresas, compreendendo mUitasvezes !lIianças estratégicas entre elas; a nova divisão internacional dotrabalho e da produção; a mídia internacional; um ou outrofU;ldamentalismo religioso, incluindo-se o islamismo, catolicismo,protestantismo. e outros; a luta pela hegemonia mundial por parte destaou daquela nação. . . .

Q~arto, o método' comparativo evidentemente está na base depraticamente todos os estudos e interpretações. Comparam-se nações econtinentes, tecnologias e mercadorias, regimes políticos e políticasgovernamentais, indicadores econômicos, financeiros, políticos, sociaise culturais, economias estatizadas, mistas e de empresa privada,mercado e planejamento. llú casos em quea comparação elege relaçües,processos e estruturas, procurando combinar conf~gu~açõe~ siJ.lcrônicase diacrônicas. Em outros casos, comparam-se ItHlJces, IJIthcadores,variáveis. É claro que o recurso ao método comparativo apúia-se, emúltima instflllcia, em uma tias diversas teorias mobilizadas para apesquisa: evolucionismo, funcionalismo, sistêmica, estrut~ra~isl;.I,weberiana ou marxista. Em geral, a comparação toma como rclcrencJaaberta ou implícita este ou aquele país ",moderno", "desenvolvido","industrializado", '~pós-indllstrial",

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<)uinto, são poucos, muito poucos, os que se POSICionam noshorizontes da desterritúrialização, uma perspectiva que pOlJe passarpelas convencionais, mas não se fixa em nenhuma, como a que seriapriorit{jria, privilegiada ou mais "avançada". Dado o fato de que essenovo ohjeto das ciências sociais não só é novo mas é lamhém muitoprobkm;11 ico, seria apressado eSlabelecer :ISpressas uma perspect ivacomo prinril:íria ou exclusiva. A fecundidade. possível da rdkxão so-bre a sociedade I;lobal, em suas configuraçôes e movimentos, podeampliar-se baslante se o sujeito do conhecimento não permanece noIIleSIlJOlugar, deixando que seu olhar f1ulue livre e ai enIo por Illui-IIIS lu)!ares, prúxillJos e remotos, presentes e pretéritos, reais eimag iIl:írios.

. Sim, a sociedade global é o 1l0VOobjeto das ciências sociais. Aolado da sociedade nacional, vista corno U1iJ todo e lambéllJ em suaspartes, as ciências sociais começam a se debruçar sohre a sociedadeglohal, vista como um todo e lamllém em suas panes. São dois objetospreselltes, um dos quais bastante conhecido, codificado, inlerpreiado,an passo que o oulro ainda por conhecer-se, explicar-se. A sociedadeIlacional que pode ser vista como o emblema do paradigma cl{j~sico dasci~Ilci;IS sociais, com o qual elas lIascem:, amadurecem e continuam adeseuvolver-se, enquanto que a sociedade global pode ser vista como oelllhlelna de um paradigma emergente. Envolve um novo paradigma,tanto porque a sociedade global encontra-se em constituição, em seusprilJlúrdios, COIJlOporque carece uc conceitos, categorias, interpretações.

Acontece que a globalização em curso no fim do seculo XX podeser algo lJluilo novo, a despeito da impressão de <lue parece apenasconlinu idade. A humanidade de que se falava no passado era uma idéia,ulJla hipótese, uma utopia. A globalização que prenuncia o século XXIl'Sl:í aí. dada, cviLlenle, esperando ser pensada, revelando a hum:illit!adeUlIlHl ela começa a ser.

",\ idéia de humallidade é um pcnsalllenlo antigo c pcrsistclllc. Mas foi uma idéiap"tellci;i1ll1ellte realiz;ívcl. 011WlllO um iue;i1 a scr procurado, que empoll!0u a atcllçãode fili.'s"f"s .. No elltallt". lia /lIeuida cm que se cxpalldc a sociedadc ocidclltal. dcsde"''1\:ul" XVI. acelltlla.sc a dist:illcia clltre a n:alidade e o ideal. li divcrsidade cultural

I().~

e olfreqüellle desentendimento mútuo parece caracterizar o mundo real. O métodocoroparativo tornou-se central na sociologia precisamenle como re.spos~a a essaexr;eriência. r:t)i a realidade do desenvolvimento social que mu.dou essa sltuaç,ll~., Dcsdea Segunda Guerra Mundial, tem havillo um crescente reconheCllllenlO, ~l1lr~~Ol:~ologo~,de ?ue a população mundial está el1volvitl;~ e!n um,úni~o sislel~a mundIal. S:lcleda,t1e,Cllmo tal, passa a Clllllprecndcr uma mui lida0 IIc socledade~ que,.'Io contcx.to. dc UlllS'lsll:'IlIa mais amplo podem somcnlc cncontrar uma autOI1Ollua n:lallva e cOll(hclonada,. . • '. "(3)em 'grande mcdida como nações-estados estrellallll:nte entrelaçados .

. Revertem-se perspectivas e possibiliuades de ser de uns e outros,em todo o mundo. O local e o global determinam-se recipro~amente,umas vezes de modo congruente e conseqüente, outras de modo desiguale desencontrado. Mesclam-se e tensionam-se singularidades,particularidades e universalidades. .. _ _

: "A glohalização pode assim ser definida como a IIltenslficaçao llas r.elaçm:sso~iais em escala Illundial, que ligam localidalles llistanles lle tal. 1n;ln~,,'a queacoillecimentos locais são modelados por evcntos oc~rrendo a multas milhas (~eeJisiãl1cia e vice-ver~a. Este é um proccsso dialético porque lais aconlecimcntoslocal~podem se deslocar numa direção anversa às rclaçiies mu.ito ~islanciadas que ~smddelam. A transformação local é tanto uma parte da glohalrzaçao quanto a exlcnsaolaleralllas conexflCS sociais através do lempo e cspaço. Assim, quem quer quc eSllldcas çidades hoje em dia, em qualquer parte 1I(Jmundo, está ciente de que oquc m:orrcnu\na vizinhança local h:nllc ser inlluen~j;~do ~or rah)r~S -.tal~ con.lO~~Inhclro,m~n~~II::1c mercados dc hens - operanllo a uma (hstancla IIldellllllla lia v IZlIlh,IIlÇ,1em qucst~o .

Esse é o contexto em que todas as ciências sociais são postas dIantede) novo desafio epistemológico. Muitos de seus conceitos, categoriase interpretações são postos em causa. Alguns tornal~l-se obsoletos,outros perdem parte de sua vigência e há os que são recnado.s. Mas lo~ose coloca o desafio de criar novos. Na medida em que a reahdade SOCialpassa por uma verdad,ri,ra revolução, quan.do o objeto das c!ênciassotiais se transfigura, nesse contexto descorttnam-se outros hOrizontespara o pensamento.

(3). Martin Alhrow e EÚzaheth King (cditnrs). GloIHi/izatioll. KllolI'ledge 11//1/ SO(Íl'ly

(Readings rrom [Iltematianal Saciolo}:y), Sage Publicatiolls, Londres, 1990: p.)55. Citação de "One World Society", introdução de uma das partes da co\erancareunindo tcxtos de llirercntcs autores. .

(4) AllIhony Gidllens, As ConJeqüênl"Ías da Modernidade, tradução lle Raul Flker,Ellitora Unesp. São Paulo, 1991, pp. 69-70.

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Há n~ções que sofrem uma espécie de obsolescência, em certosca~o~~arcJaI, em o~tros total. O ~stado-nação, por eXemplo, entra emdeclil~lo: como reahdad~ e conceito. Não se trata de dizer que deixará~e,~~Istlr, mas que esta realnlcnte em declínio, passa por uma fasecntll~,.~usca refo:~nular-se: ~s forças sociais, econômicas, políticas,culLur~lIs,geo~olitlcas, rehglOsas e outras, que operam em escalanllllldlal, ?csafJam o Estado-naç;io, com sua soberania, como o lugar dahegemo.l1I.a.Send~ ~s~im, os espaços d1tpTojeto nacional, seja qual forsI/a 100l.Ihdade polttlca ou ecollômica, reduzem-se, anulam-se ou~o.men~epodem ser recriados sob outras condições. A globalização criaIIlJunçoes e e~tab~l~ce parâmetros, anula e abre horizonles. Mas o:e.IlS~Hllcn.toclentl~lcO ~arece um tanto tímido, surpreso ou mesmo<ltomto, dlan~edas lIl~pltcações.epistemológicas da globalização.

~s no~oes de IIlterdependência, dependência e imperialismo1~"11h.l:.~1l>est~J().p()stasem c~usa. se admitimos que () Estado-ilação estát:1l.lCIISt:, enfrenta uma fase ~Iedeclínio, busca reformular-se. Asgr(lllde~ e pequ:!,ms nações, centrais e periféricas. dominantes e~ubordl~ladas, oCidentais e o!ienlais, ao.sul e ao norte, todas se deparamc:ol~l.o.dllema~~1reft~rmulaçao d~,~coml~çõesde spbcrania e hegemonia.~ C,\:" o que .ha .blocos, geopol!' ICOS, Imperialismos, dependências eIllt~l.dcpendencl~lsnesse I~lesmocenário. Há vínculos antigos e novosque "Ire!an~naçoes umas as outras, não só em condições de igualdade,~nas pn.ncIP.almente de desigualdades. Também as organizaçõesl.lll.c~'na:l~nals,con~,pr~end~n~orcgjonalismos e globalismos, exercem~1~dS .al1~ldades,pnofl~~ndo IIllcres~es de nações com maior poder~Ç()nomlco,poltIICO,militar, cultural. Essacontinua a ser uma dimensàonllportante do cenário mundial. Simultaneamente, no entanto, decliname reformulam-se as condições de soberania e hegemonia, em todos osquad~'a~ltes.Mesmo p~rque já há cent~osde poder, em escala global, qu~: ~obr~p(lssam soberalllas ~ he~emomas. As empresas, corporações econgl~)Jllerados IransnaclOnats, em suas redes e aiianças em seusrlalle.lam~nlOssofislicados, operando em escala regional' cO;llinental ~glo~)~II,dl~põ~m de condições' para impor-se aos difer~nles regimespolitlCOS,as tlJversas estruturas estatais, aos distintos projetos nacionais.

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Esse é o horizonte das noções e metáforas que as ciências sociaisestão sendo desafiadas a criar: aldeia global, fábrica global, cidadegl~bal, nave espacial, desterritorialização, reterritorialização, redesinfer e intracorporações, alianças estratégicas de corporações, novadiyisão internacional do trabalho, neofordismo, acumulação flexível,zqna franca, mercado global, mercadoria global, moeda global,plànejamento global, tecnocosmo, planeta Terra, sociedadeciviImundial,c'idadania mundial, contrato social universal.

Não é suficiente transferir conceitos, categorias e interpretaçõeselàborados sobre a seciedade.nacional para a global. Quando se trata demovimentos, relações, processos e estruturas característicos da sociedadeglobal, não basta utilizar ou adaptar o que se sabe sobre a sociedadena~ionaI. As noções de sociedade, Estado, nação, partido, sindicato,movimento social, identidade, território, r~gião, tradição, história,cultura, soberania, hegemonia, urbanização, industrialização, arcaico,moderno e outras não se transferem nem se adaptam facilmente. Asrelações, processos e estruturas de dominação e apropriação, integraçãoe' antagonismo característicos da sociedade global exigem tambémnbvos conceitos, categorias, interpretações.

Logo fica.evidente que não se trata de dois objetos distintoS, comtecituras e dinâmicas próprias e alheias. Implicam-se reciprocamente,em articulações sincrônieas e diacrônicas diversas, desde conver-gentes e antagônicas. Envolvem possibilidades diferentes no que serefere às formas dó espaço, às durações do tempo. São duas totalidadesqastante articuladas, cada uma a seu modo, mas reciprocamentereferidas, sendo que a global tende a subsumir formal ou realnlente a\}acionaI.:. É claro que há autores que reconhecem que as ciências sociais(fncontram-se em face das modificações radicais em seu objeto.Reconhecem que a globalização implica desafios empíricos, metodo-lógicos, teóricos e, propriamente, epistemológicos. Mas agarram-se aconceitos, categorias e interpretações acumulados com base na reflexãosobre os problemas da sociedade nacional, do Estado-nação. Procu ramtransferir ou reformular esse patrimônio, induzindo a idéia de que a

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sociedade global significa uma ampliação da nacional, quando nãosimplesmente uma soma de nacionais. Inclusive há aqueles que tomamas sociedades "mais desenvolvidas" , dominantes ou hegemônicas comoparâmetro do que pode ser o mundo. Nestes casos, a globalização tendea ser vista como europeização, americanização ou ocidentalização,ainda que se fale em modernização, secularização, individuação,urbanização, industrialização ou modernidade (5).

Ocorre que a problemática da globalização encontra-se ainda emprocesso de equacioilamento empírico, metodológico e teórico. Maisque isso, apenas começa a ser percebida em suas implicaçõesepistemológicas, Trata-se de uma realidade que pode ser vista como umatotalidade em formação. Constitui-se como um jogo de relações,processos e estruturas de dominação e apropriação, integração econtradição, soberania e hegemonia, configurando uma totalidade emmovimento, complexa e problemática. Trata-se d~um ul1iverso múltiplo,uma sociedade desigual e contraditória, envolvendo economia, política,geografia, história, cultura, religião, língua, tradição, identidade,etnicislllo, fundamentalismo, ideologia, utopia. Nesse horizonte,multiplicam-se as possibilidades e as formas do espaço e tempo, °contraponto parte-todo, a dialétila singular e universal.

(5,1 Takoll Parsons, ".Evohllionary lIni'Jersals in Society". Amaimll Socio/tl}:im/UI'I'i/'"" vol. 2lJ, n° 3. New York, 1%4; Talcoll I'arsons., Polilin' (//111SocialS1I'I1I"1IIre,The I;ree I'ress, New YllI'k, 1969, cap, 12: "Order and Comlllunity inthe Intl~rnational Social System"; IJ.lrold D. Lasswell, "World Organization andSociely". Daniel Lerner e lIarold D. Lasswell (Edilors), 17le Policy Seil'flce,\',Stanford lIniversity Press, Stanford, 1965. cap, VI; Alex Inkles; "lhe' EmergingSocial Struclureof'the World". Wor/d I'olilics, vol. XXV".n~4, Princelon, 1975,pp, 467-495; \Vilhert E, Moore, "Glohal Sociology: The World as a SingularSystem", Tlle AmericlIII JOllmalo/Saci%gy, vol. LXXI. n~ 5, Chicago, 1966, pp,475-482; Nikl;ls I.uhmann. "The World Societyas a Social Syslem" ,llllernaliofla/lolll'lltllo{ Gl!flem/ SySll!lIl.l', vol. 8, 1982, pp. 131-138; Rohert W, Cox, "OnThinking About Future World Order", World Polilic.f, vol. XXVIII, nº2, Princeton,1976, pp. 175-196; C ,E, Dlack, The Dynamics o/ Modemizalion (A Study inCOlllpalative Histol'Y), Harper & Ruw Publishers, New York, 1966,

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t, São ainda poucas as indicações, intuições e interpretações de que,'a'sociedade global corresponde a uma nova realidade, uma totalidade~abrangente, subsumindo formal ~u realm~nte as nacionais. , ,

"A idéia central é a de que eXiste um sistema global com Vida própria,independentemente das sociedades nacionais constituídas que existem dentro de suas

) fronteiras ( ... ) Embora os estudos sohre o moderno sistema mundial envolvam grandes, divergências quanto ao objeto, horizontes temporais e melodologias, todos estão de(,acordo quanto a duas questões. Primeiro, reconhecem que um sistema mundial ouglobal existe além das sociedades nacionais, que podem ser estudadas de per se,,Reconhecem que a economia mundial, ou o Estado do sistema internacional, possuemI vida e dinâmica estrutural próprias, podendo ser identificados e interpretados, Segundo,'este sistema-mundo exerce inlluência sobre o desenvolvimenlo e, mais importanlei'ainda, o subdesenvolvimento das sociedades nacionais inseridas nas estruturas glohais,?Não há apenas um sistema-mundo 'lá', mas ele determina o desenvolvimento de áreasJ dentro das suas fronteiras. Com efeito, o desenvolvimento ou suhdesenvolvimento de"um pais tem mais a ver com a ~ua localização hierárquica na divisão do trahalho mundialddo que com a própria taxa de desenvolvimento interno. (., ,) Denominamos esta ciênciaJ emergente da dinâmica global como globologia, () que simplesmente significa a ciência~de distintos processos globais. sejam econômicos. políticos ou culturais, Se a sociologiaé a ciência dos sistemas sociais, então glohologia é a ciência do 'sistema glohal.

IGlobologia, pois. é análoga à sociologia e refere-se aos esludos de estl'llturas e processosdo sistema-mundo como um todo, tia mesma IlJrlna que a sociologia se refere ao estudo

. de estruturas e processos sociais" (6),

- Há autores. no entanto, que sistematizam de modo mais ou menos. consistente e convincente suas idéias sobre a sociedade global, como um:1 todo em algumas de suas partes. Ultrapassam o nível das indicações ou, intuições preliminares. f-ocalizam diretamente a problemática daI globalização, colaborando no sentido de equacionar essa problemáticaem suas implicações empíricas, metodológicas, teóricas e, em certos

I casos, também epj.s.t.e.mológicas. "Globalização diz respeito a todos os, processos por meio dos qüais os povos do mundo são incorporados em

(6) Alhel'l Bergesen, "Th1: Emerging Science of the World-Syslem", II/Ieml/liol/I// .Social Scil'nce Journal, vol. XXXIV, n~ I, lJnesco, 1982, pp, 23-36; cilação daspp. 23-24,

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uma única sociedade mundial, a sociedade glo.bal. Glo.balismo. é uma dasfo.rças que atuam no. desenvo.lvimento. da glo.balização." (7).

A reflexão. sobre a sociedade global, em suas configurações emo.vimentos, transborda o.S limites' convencionais desta ou aquelaciência social. Ainda que haja ênfases e priori,dades, quanto a este ouaquele aspecto da globalização., logo fica evidente que qualquer análiseenvolve necessariamente várias ciências. A económia da sociedadeglobal envolve também aspectos pôlíticm; históricos, geográficos,demográfico.s, culturais e outros. A cultura da globalização passa pelacultura de massa, indústria cult\lral, mídias impressa e eletrônica,religiões e línguas, além de outros aspecto.s que transbordam limitesconvencionais da antro.po.lo.gia e, socio.lo.gia. Nem sempre, mas emmuitos caso.s, os estudo.s e as interpretações sobre globalização reabremquestões epistemológicas que pareciam resolvidas, quando as ciênciassociais trabalhavam principalmente com a sociedade nacional, comoemblet~la do. paradigma clássico. l,A questão diante de nós, hoje, é sehá algum critério. que po.ssa ser usado. para assegurar, com relativaclareza e consistência, as fronteiras entre as quatro presumidas disciplinasde antropologia, economia, ciência política e sociologia. A análisedos sistemas-mundo responde com um inequívoco 'não' a esta per-gunta. Todos os critério.s presumíveis - níveis de análise; objeto,métodos, enfoques teóricos - ou não são mais verdadeiros na práticaou, se mantidos, são obstáculo.s a conhecimentos posteriores, antes doque estímulos para a sua criação" (X),

(7) Martin Alhrow, "Glohalizalion. Knowlcdge and SocielY", puhlicado por Mal'linAlhrowe ElizabelhKing(Edilors),Glo/)(Ilization, Knowledge (lnd Society (Readingsfrnllllllternatio/lal Sodology), Sage l'uhlicalions. London. 1990.pp,3-13: citaçãoda p. 9.

(8) InunanuclWallerslcin. "World-SyslemsAnalysis". puhlicadoporAnlhonyGiddense JOllalhanH. Turm:r (Edilors), Social Theory Today, Polity Press. Camhridge.1987, pp. 309-324; citação da p. 312; consultar também: IllllllanuelWallerslein.Ullthinki/lg Social Science (The Limils oI'Nineleenlh-CenluryParadigms), PolityPrcss. Call1bridge, 1991, especialmentea parte VI: "World-Systems Analysis asUnlhinking".

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, As noções de espaço e tempo., fundamentais para todas as ciênciassociais, estão sendo revolucionadas pelos desenvolvimentos científicose tecnológicos incorporado~ e dinamizados pelos movimentos daso.ciedade global. As realidades e os imaginários lançam-se em outroshorizontes, mais amplos qüe a província ,e a nação, a ilha e oarquipélago, a região e o continente, o mar e o oceano, As redes dearticulações e as alianças ~stratégicas de empresas, corporações,conglomerados, fundações, centro.s e instituto.s de pesquisas, univer-sidades, igrejas, partidos, sindicatos, governos, meios de comunicaçãoimpressa e eletrônica, tudo isso constitui e desenvolve tecidos queagilizam relações, processos e estruturas, espaços e tempos, geografiase histórias. O lo.cal e o global estão. distantes e próximos, diversos eiguais. As identidades embaralham-se e multiplicam-se. As articulaçõese as velocidades desterritoria'\izam-se e reterritorializam-se em outroseSpaços, com outros significados. O mundo se torna mais complexo emais simples, micro e macro, épico e dramático. "Há, hoje, um relógiomundiàl, fruto do progresso técnico. mas o tempo-mundo é abstrato, excetocomo relação. Temos, sem dúvida, um tempo universal, tempo despótico,itistrumento de medida hegemônico, que comanda o tempo dos outros. Essetempo despótico, é responsável por lemporalidades hierárquicas, conflitantes.mas convergentes, Nesse sentido lodos os tempos são globais, mas ná,? há umtempo mundial. O espaço s,eglohaliza, m<lSnão é mundial como um lodo. senãocomo meláfora. Todos os lugares são mundiai!l, mas não há um espaço mundial.Quem se globaliza, mesmo. são as pessoas e os lugares" ('»),

A rigor, a reflexão sobre a sociedade glo.bal reabre questõesepistemológicas fundamentais: espaço e tempo, sincronia e diacn;mia,micro e macro, singular e uni'versal, individualismo e holismo, pequenorelato e grande relato. São questões que se colocam a partir do,reco.nhecimento da sociedade glo.bal como uma totalidade complexa eproblemática, articulada e fragmenlada, integrada e contraditória.Simultaneamente às forças que operam no. sentido da articulação.integração e até mesmo homogeneização, operam forças que afirmam

(9) Milton Santos, Técnica, Espaço. Tempo (Globalizaçãoe Meio Técnico-Científicolnformacional). Editora Hucilec, São Paulo, 1994, p. 31.

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e desenvolvem não só as diversidades, singularidades ou identidades,mas também hierarquias, desigualdades, tensões, antagonismos. Sãoforças que alimentam tendências integrativas e fragmentárias,compreendendo nação e nacionalidade, grupo e classe sociais,provincianismo e regionalismo, localismo e cosmopolitismo, capitalismoe socialismo.

É óbvio que a glohal ização envolve o prohlema da diversidade.Praticamente todos os.estudos e interpretações sobre a sociedade globalcolocam esse problema. A reflexão sobre a diversidade não pode estarausente, já que implica aspectos empíricos, metodológicos, teóricos epropriamente epistemológicos. L()go que se reconhece que a sociedadeglobal é ullla realidade em processo, que a globalização atinge as coisas,as gentes e as idéias, bem como as sociedades e as nações, as culturase as civilizações, desde esse momento está posto o problema docontraponto glohalização-diversidade, assim como diVersidade edesigualdade, ou integração e antagonismo.

Mas ocorrem posicionamentos exacerbados. Alguns chegam aoextremo de autonomizar o diferente, o diverso, o s/li generis. Ape-ganHe ao local e esquecem o global, imaginando que o singularprescilllle do universal. Enfatizalll a diferença, tornando-a original,estranha, exótica; ou elegendo-a primordial, isenta, ideal. Incorrem noctnocentrisllloocidentalizante que pretendem criticar, tomando o "outro",que querem resgatar e proteger, em um ente abstrato, descolado darealidade, da trama que o constil~ii'como diferente. Alimentam umanostálgica utopia escondida no prúprio imaginário. Outros subordinamtoda diversidade à global idade. Reconhecem a diversidade, mas não acontemplam, não percebem sua originalidade. Esquecem que o localpode não só afirmar-se como recriar-se no contraponlo com o global.Natu ra Imente entre esses doi s extremos, uns priorizando o loca le outros() global, há toda uma gama de posições. Revelam-se nas reflexões sobreos mais diversos aspectos da realidade.

Nesse contexto metodológico.é que se situalTI algumas dascontrovérsias correntes nas ciências sociais. Uns preoc'upam-se com adiversidade, procurando ti identidade e protestando contra a globali-

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dade. Outros contrapõem o saber local ao global, falando em "indige-nização" ou "criolização" das ciências sociais, fazendo reservas ou oposição à".oci(!entalização". Há uma "crescente demanda pela 'indigenização: das'ciências sociais no Oriente Médio e no Sudoeste Asiático, em substituição àqcidentalização e importação das ciências sociais 'distorcidas'. Recentemente~efl~grou-se um clamor pela pureza dos traços culturais. Aqueles, no entanto,que pedem autenticidade pela 'jnt!igcnização' podem não estar ainda cientes deque.io saher local, sobre o qual querem construir uma alternativa. há muitotempo tem sido parte das estruturas globais; ou de que desempenham uma partedo jogo da cultura global, que também pede a 'essência' da verdade local" (lU).

: Neste ponto, cabe relembrar,que o problema da diversidade estásempre presente nas configurações e movimentos da sociedade global.Seda impossível imaginar a globalização sem a multiplicidade dosindivíduos, grupos, classes, tribos, nações, nacionalidades, culturasetc.JSão estes que se globalizam, ao acaso ou por indução, sabendo ounão: Da mesma forma que são estes que vivem, agem, pensam, aderem,pro\estam, mudam, transformam-se. "0 capitali~moglohal simultalll:amenlepromove e é condicionado pela hlJlllogeneidadecultural e pela heterogencilladecult~fal. A produçãoe consolidaçãoda diferençae variedadeé um ingredienteessencialdo c~pitalisll1ocontemporâneo,que é, em todos os casos, crescenlementeenvolvido namúltipla variedade de micromcn;ados (nacional. cultural. racial e étnicu, de gênero,spcialmenteestratificalloe assimpor diante). Aomcsmo tempo,o lIlicromcrcaduOCOITCno contexto das crescentes práticas econômicas universais-glollais" (11).

Em bom entendimento, não se trata de priorizar UI)\ ou outromomento da realidade e da reflexão. É claro .que a análise da sociedadeglobal envolve sempre a triho, nação e nacionalidade, a história egeografia, a cultura e civilização, o indivíduo, grupo e classe, osindicato, o partido político, o movimento social e corrente de opinião

(I0)Mona Ahaza.e Georg Staulh, "Occidenlal Reas()l;.Orientalism, Islamic Punda-mentalism: A Crili4ue". publicadupur Manin Alhrow e ElizahelhKing (Edilurs),

;'. GlobalizatilJ/l. Knowledge (/fui Sociely, citado, pp. 209-230; citação da p. 211.(11)Roland Roherlson, GlobaliZ(Jfioll (Social Theory and Glollal Cultme), Sage

Puhlicalions. LOl\llon, 1992. p. 173. Consultar: /Iltefl/at;onal Social Sciel/ceJoumal, n9 117.Unesco. 1988.númeroespecial sohre "The Local-GluhalNexlIs";Clifltml Geenz, Savo;r Local, Savo;r Glol}{/l (Les Liellx du Savoir), traduçãu deDenise Palllme, Presses Univer~itain:sde !'rance, Paris, 1986.

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pú~lica, a i~dúst~ia e agric~llur~, o mercado e planejamento, o campoe cidade .• a Identldad~, a dIversidade, a desigualdade e contradição, asoberama e hegemoma, a reforma e revolução, a paz e guerra.

Em t~dos os çasos ~st~ e~ca~sa o contraponto local-global, partee todo, mIcro e macro, mdlVldualIsmo e holismo. Em todos os casosos ~Ilo,n~ent~slógicos da reflexão científica üecessariamente envolve~a Jlaletl~a smgular e universal. Não se trata de priorizar um momento,em. Jetnmento do outro, mas reco~er que ambos se constituemreCIprocamente, articulados harmônica, aiensa .e contraditoriamenteenvolv~n~o m~ltiplas I~ediaçf>.es. São mediações i,!dispensáveis ~s~cundanas, ~vI~entes e 1I1suspcltadas, próximas e reJÍlOtas. Podem sersignos com smals trocados, reversos, recriados.

Nesses termos é indispensável que toda reflexão sobre a sociedadeglohal contemple tanto a diversidade como a global idade, reconhecendoque ambas se constituem simultânea e reciprocamente. Quar;do isso nãoocorre, a reflexão arrisca-se a permanecer na mera descrição, ideoligizar~ste ou aquele, momento da ànálise, ou ficar a meio caminho daII1terpr~tação. ~ difícil, na verdade impossível, que o conceito, ac~tegona o~ a II1terpretação deixem de conte,mplar o contrapontosmgular-ulllversal (12).

No conjunto, os estudos e as interpretações sohre a sociedadeglobal. em suas configurações e em seus movim~ntos, permitemalgumas. observações do maior interesse para o esclarecimento dessenovo objeto das ciências sociais .

.Primeiro, a sociedade glob~1 se constitui desde o início cúmo umatotalidade problemática, complexa e contraditória, aberta e emmovimento. Está impregnada c atravessada por totalidades também

f 12) Charlcs Brigh( c Mit.:hacl Gcyer. "For a Unificd Histnry (if lhe Wnrld in lheTwcnticth Cenlury". Radimlllislory RevielV.n° 39.1987. pp. 69-91; George E.Mart.:us. "Past •.I'rcscnt and Emergenl Idelllities: RClJuirclllents for ElhnographicsoI Lale Twenllerh Cenlury MllIlcrnily Worldwide". Anlli.l' dll I'" RellnÍlioi\sslll:Í,H,;ào Brasileira de i\nlr()po~llgia. floriantÍpnlis, IlJ90. pr. 21c46. .

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tnotáveis, às vezes também decisivas, ainda que subsumidas fo~mal ou~'realmente pela totalidade mais ampla, abrangente, global: Estado-:nação, bloco geopolítico, sistema econômico regional, grande potência,:empresa transnacional, ON U, FMI, BIRD, indústria cultural e outras;ltambém tribo, nação, naciünalidade, etnia, religião, línguá', culturaPe outras realidades também fundamentais. As próprias formas,lIdepensamento inserem-se na dinâmica da sociedade global, em seu todo'ou em suas partes, operando no sentido da constituição de todos ost'subordinados, ou da constituição da sociedade global como urna totali-,dade abrangente, sempre problemática, complexa e contraditória.,( Segundo, a sociedade global é o cenário mais amplo do desenvol-:vimento desigual, combinado e contraditório. A dinâmica do todo não.sedistribui similarmente pelas partes~ As partes, enquanto dist,intas~totalidades também notáveis, consistentes, tanto produzem e reproduzem)seus próprios dinan'1ismos como assimilam diferencialmente os\dinamismos provenientes da sociedade global, enquanto totalidade mais;abrangente. É no nível do' desenvolvimento desigual, combinado e:contraditório, que se expressam diversidades, localismos, singularidades,!particularism9sou identidades. Às vezes, os local ismos, provincianismos'ou nacionalismos podem exacerbar-se, precisamente dev'ido aos.desencontros, às potencialidaJes e dinâmicas próprias de caqa um, decada parte; e também devido às potenciaçoes provenientes da dinâmica:da sociedade global, das relações, processos e estruturas que movimentam;o todo abrangente. Sob vários aspectos, a ressurgência de nacional ismos,regionalismos, provincianismos, elnicismos, fundamcntalismos e'identidades são fenômenos que se esclare.cem melhor quando vistos noshorizontes dos rearranjos e tensões provocados pela emergência da'sociedade global. Na medida em que esta debilita o Estada-Ilação, reduzos espaços da soberania nacional, transforma a sociedade nacional emprovíncia global, nessa medida retlorescem identidades pretéritas epresentes, novas e anacrônicas. Também por isso a globalização nãosignifica nunca homogeneização, mas diferenciação em outros níveis,diversidades com outras potencialidades, desigualdades com outrasforças. Nesse horizonte, a sociedade global pode ser vista ~omo umélf

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totalida~~ ~esde o início problemática, no sentido de complexa econtradltorla; atravessada pelo desenvolvimento desigual, combinado econtradit~rio, que se especifica no âmbito de indivíduos, grupos,classes, tribos, nações, sociedades, culturas, religiões, línguas e outrasdimensões singulares ou particulares.

Terceiro, na medida em que se constitui e desenvolve a sociedadeglobal, como emblema de um novo paradigma das ciências ~ociais,alguns conceitos, categorias e interpretações podem tornar-se obsoletosexigir reelaborações ou ser articulados com novas noções suscitada~pela reflexão sobre a globalização. Já são diversas as noções quecomeçam a povoar o pensamento global:globalização. desterri-torialização, reterritorialização, miniaturização, cultural mundial, aldeiaglobal, cidade global, shopping center global, DisneylânJia global,fábrica global, nova divisão internacional do trabalho, redes de articu-lações intra e intercorporações, alianças estratégicas de corporações,Illodernidade-mundo, sistema-l1Iundo, economia-mundo, comunica-ção-mundo, publicidade global, espaço europeu, espaço do Pacífico,.capital ismo global, moeda global, capital global, terceiromundializaçãodo Primeiro Mundo, exército industrial ativo (l de reserva global,plancla Terra, sociedade civil l1Iundial, 'cidadão do Illundo, contratosocial mundial , pensamento universal.

Quarto, nos horizontes aberlus pela sociedade global, a históriauniversal deixa de ser uma fantasia. metáfora ou utopia. Na medida emque se organiza e movimcnta, as histórias das il;lÇÕCSe nacionalidadesillsercm-se de forma cada vez mais dinâmica nos movimentos da históriauniversal. As nações e as nacionalidades continuam a desenvolver-secom ritmos marcados por suas singularidades e tradições, forças,dinâmicas, hislorícidades,míticas. Simultaneamente, no entanto, umase outras são influenciadas pelos andamentos da história universal. Esseé o contexto em que se instauram algumas das novas condições daduração, curta, média ou longa, histórica ou mítica. Já não é mais apenasa grande potência, a metrópole imperialista, que incute de modo maisou menos exclusivo seu andamento neste ou naquele segmento, ou emgrande parte do mundo. Desde que se forma e desenvolve a sociedade

~Iobal, com sua economia política, sua dinâmica sócio-cultur~I, d~sdeesse momento as histórias nacionais tendem a ser, em alguma medida,subsumidas pela história universal. .

Quinto, é no âmbito da sociedade global, com sua economl.apolítica, dinâmica sócio-cultural, historicidade .complexa e .c~~tradl-tória, é no âmbito dessa sociedade que se concretizam as pos~lblbdadesdo pensamento global. O que era fantasia, metáfora ou ~topla, quan~oo pensamento se propunha pe~s.ar o m.undo, ~quaclOnar a ~a:aouniversal, imaginar o cosmopobtlsl110, dIagnosticar as contradlço.esuniversais, mergulhar nas opacidades do real, qu.an~~ se f~rma asociedade global, tudo isso pode adquirir outro slg1l1~lcado, novaspossibilidades. Nesse sentido é que a emergência da SOCiedade glob~lpermite repensar a dialética da históri~ esboçada por Marx; ou a teortada racionalização generalizada sugenda por Weber. Talv:z se poss.adizer que sem Weber e Marx, fundamentalmente .mas lIao ex.c1usl-vamente, não é possível pensar, em totla sua abrangênCia e complexidade,a sociedade global que se forma no limiar do sé~ulo XXI. Outr~ ve.z, noentanto isto não significa que se torna posslvel a transferencla ouadaptação pura e simples de conceitos, categorias, i~lterpretações. P~d~-

afirmar que as obras de Marx e Weber constltuem duas l~latnzes~ f' - texcepcionalmnte fecundas para pensar-se con Igur~çoes e movl~nen osda sociedade global. Pensar, compreender e expllcar essa s~cledade,tanto em suas singularidades e particularidades como nos honzontes dahistória universal.

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