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7/12/2019 Identidade é valor http://slidepdf.com/reader/full/identidade-e-valor 1/130 São Luís, 2011 Raquel Noronha (org.) Série as cadeias produtivas do artesanato de Alcântara

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São Luís, 2011

Raquel Noronha (org.)

Série

as cadeias produtivas

do artesanato de Alcântara

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Eu não faço na máquina,eu aprendi foi com a minha mãe,que me ensinou foi assim, aprenditudo manual. Tudo da gente é

valorizado porque é manual.Agora que eles querem tirar a gente

das comunidades daqui, ca difícil...Eles não podem tirar por que agente tá aqui trabalhando naterra da gente, e isso faz a gentepermanecer no nosso lugar .

Roberta, de Brito

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Os elos das cadeias...

A etapa Identidade é valor , ação desenvolvida no âmbito do projeto Icono-

graas do Maranhão, não seria o que é sem a participação dos moradores de Bri-to, Santa Maria e Itamatatiua. A dedicação de tempo e atenção destas mulheres quese dispuseram a nos mostrar os seus fazeres e saberes foi fundamental para que pu-déssemos mergulhar no universo que é cada uma de suas práticas artesanais. Desta

forma, somo-lhes muito gratos, e é impossívei deixar de citar seus nomes:Roberta, Cilene, Maria José, Vicenza, Luciene, Francimar, de Brito;Eloísa, Neide, Dos Anjos, Dos Santos, Ceci, Nazaré, Canuta, Irene, Domingas,De Lourdes, Angela, Denise, Eduarda, Carliane, de Itamatatiua;Celeste, Suely, Marinalva, Eudialite, Rosa Maria, Maria José, Deusimar, AnaMaria, Adriana, Luzia, Raquel, de Santa Maria.

Imensa foi a dedicação dos alunos do curso de Design da UFMA,o apoio da Pró-reitoria de Extensão e a colaboração da Prof a. Dra. PatríciaAzevedo, do DEDET. Fundamental a parceria de nossos patrocinadores,o BNB e o BNDES, por meio do edital do Programa BNB de Cultura 2010e a impecável gestão da FSADU, lembrando especialmente daProf a. Sônia, gestora de nosso projeto.

Gostaríamos de manifestar nossos sinceros agradecimentos às pessoasque colaboraram com nossos esforços em tangibilizar os processos produtivos doartesanato de Alcântara, contribuindo para a divulgação do nosso patrimônio:

Cláudio Farias, Dante Maia, Danilo Janúncio, Lia Krucken, Marilda Mascarenhas,Kelly, D. Pedra, Luciana Caracas, Pelado, Flávia Moura, Cristina Tavares,Hamilton Oliveira e Thiago Guará.Agradecimento especial a Rosangela de Souza Gomes,pela atenta revisão e interlocução crítica para a conclusão de mais esta etapa.

A todos, nosso MUITO OBRIGADO!

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07 Prefácio

  Identidade é valor 

Lia Krucken

11 Apresentação

Raquel Noronha

15 Introdução  Raquel Noronha

19 Capítulo 1

Localizando pessoas, lugares e produtos

Raquel Noronha, Imaíra Portela e Milena Alves

45 Capítulo 2

O mapeamento das cadeias produtivas Raquel Noronha, Franklin Veiga Neto, Imaíra Portela,

Marcella Abreu e Milena Alves

77 Capítulo 3

  Reexões sobre as cadeias produtivas

do artesanato de Alcântara

  Raquel Noronha

111 Capítulo 4Estratégias ambientais para o desenvolvimento

de produtos artesanais sustentáveis

Patrícia Silva de Azevedo e Marcella Abreu

121 Capítulo 5

Identifcando valores e valorizando identidades

  Raquel Noronha

129 Sobre os autores

Sumário

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Prefácio: Identidade é valor 

Lia Krucken

O Brasil é frequentemente associado à sua ri-queza em termos de diversidade cultural e de recur-sos biológicos. Este patrimônio, que caracteriza nos-so país como megabiodiverso, nos traz uma granderesponsabilidade. A todo momento nos confronta-mos com a necessidade de desenvolver estratégias

para proteger e valorizar os conhecimentos plurais eos recursos naturais, buscando alternativas de trans-formação e renovação do território e das tradições.

A valorização de identidades e produtos locaisé um tema central nesta discussão. Neste sentido,este livro organizado por Raquel Noronha repre-senta uma signicante contribuição, trazendo o tes-

temunho de uma experincia prática de design, emcurso, nos territórios maranhenses. Tão importantecomo promover ações é registrá-las, possibilitandoreetir sobre os possíveis desdobramentos e pro-mover novas interações.

Trs conceitos são essenciais para fundamentara reexão sobre a valorização de produtos locais: ter-ritório, sociobiodiversidade e inovação colaborativa.

Os produtos locais são manifestações culturais,fortemente relacionadas ao território e à comuni-dade que os produziu. Estes produtos representamos resultados de uma rede, tecida ao longo do tem-po, que envolve recursos da biodiversidade, modosde fazer tradicionais, costumes e também hábitos deconsumo. Esta condição de produto ligado ao terri-

tório e à sociedade que o produz é representada noconceito de terroir . Esta palavra, original do francs,

é empregada para denir um território caracteriza-do pela interação com o homem ao longo dos anos,cujos recursos e produtos são fortemente determi-nados pelas condições do solo, do clima e culturais.

No Brasil, uma importante referncia para aspesquisas que abarcam o conceito de território é o

extenso trabalho de Milton Santos. O território, emsuas palavras, “é a base do trabalho, da residncia,das trocas materiais e espirituais e da vida, sobre osquais ele inui”.

Considerar os produtos locais como elementosdo território nos conduz a uma visão ampla de proje-to. Neste sentido, o processo de valorização de pro-

dutos locais depende de muitos fatores que vão alémda qualidade dos recursos e dos artefatos em si mes-mo. É necessário alargar o foco de análise: partindodo contexto local para compreender as relações quese formam em torno do território, da produção e doconsumo dos produtos. A perspectiva do design vem

 justamente ajudar nesta complexa tarefa de mediartradição e inovação, tendo como ponto central as tro-cas que se estabelecem em torno dos artefatos, atri-buindo-lhes diferentes signicados.

Ao pensarmos os produtos locais como resul-tados de práticas e saberes tradicionais, que sedi-mentam-se em um território e carregam múltiplossignicados, é oportuno introduzir o conceito de“produtos da sociobiodiversidade”. Esta expressão

inclui bens e serviços (produtos nais, matérias-pri-mas ou benefícios) gerados a partir de recursos da

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biodiversidade, voltados à formação de cadeias pro-dutivas de interesse dos povos e comunidades tra-dicionais e de agricultores familiares – segundo de-nição construída coletivamente por comunidades

com o suporte do Ministério do Meio Ambiente em2008. Os “produtos da sociobiodiversidade” estãotambém relacionados à manutenção e à valorizaçãode práticas e saberes das comunidades, além da qua-lidade de vida e do ambiente.

As intervenções do designer, neste sentido, vi-sam a contribuir para o desenvolvimento de formas

de inovação colaborativa, que respondam às deman-das das próprias comunidades e que possibilitem re-novação, transformação e valorização da sua identi-dade e do seu conhecimento. E, de fato, podemosver que o papel do designer como facilitador e pro-motor de uma participação social ativa na busca desoluções colaborativas e sustentáveis vm se fortale-cendo nos últimos anos. Podemos dizer que o prin-cipal desao do design é, justamente, suportar o de-senvolvimento de soluções a questões de alta com-plexidade, integrando-se com diversos atores. Im-portantes autores que abordam o tema são ÉzioManzini e John Thackara.

Na prática, trabalhar em projetos que visama valorizar produtos locais constituem oportuni-

dades únicas de aprendizado, nas quais me pareceque a sensibilidade é uma qualidade essencial a ser

desenvolvida. Sensibilidade na escuta aos detentoresdo conhecimento local, que são os protagonistas doprocesso e os guardiães do patrimônio cultural ma-nifestado no saber-fazer. Sensibilidade na interação

com diferentes atores e na percepção dos valores esignicados associados às tradições e modos de vida.Sensibilidade na facilitação de processos de inovação,abertos aos acontecimentos que se cruzam. Sensibi-lidade para apreender, sistematizar e combinar co-nhecimentos que possam contribuir para desenvol-ver novas reexões e ferramentas.

Na obra organizada por Raquel Noronha, pode-mos perceber a importância destas questões, sobre-tudo da capacidade de escuta na condução de projetoscolaborativos. Um dos fatores que torna este livro es-pecial é justamente o fato de relatar um conhecimen-to em construção – resultado de uma pesquisa-açãoconduzida no Maranhão – que envolve comunidades epesquisadores de diversas áreas. É um prazer acom-panhar esta iniciativa inovadora e ler o relato escri-to por múltiplas mãos, que representa uma preciosacontribuição para a discussão relacionada às práticasde valorização de produtos da sociobiodiversidade.

Lia KruckenMilão, 28 de maio de 2011.

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Clichê de identicação da cerâmica de Itamatatiua

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 Apresentação

Raquel Noronha

Este é um livro escrito por muitas mãos – maisde sessenta – em um processo coletivo, permeadopor seminários, visitas, entrevistas e conversas infor-mais. Aqui, relatamos nosso contato com saberes efazeres tradicionais de trs comunidades do municí-pio de Alcântara, Maranhão. É uma mistura de rela-to de experincia e de inventário.

A experincia de um grupo de pessoas que sepropôs inventariar as cadeias de produtivas do arte-sanato de Brito, Santa Maria e Itamatatiua, duranteum período de apenas oito meses sendo, portanto,ainda um conhecimento em andamento. Pela nature-za reexiva de nossa ação, este livro também explo-ra de forma analítica a metodologia que articula co-

nhecimentos para a construção da relação com osnossos outros, e sempre que necessário, não hesita-remos em analisar o nosso próprio lugar de fala, nos-sa posição no contexto da pesquisa.

Esta iniciativa está inserida nas ações do projetoIconograas do Maranhão, conjunto de ações deextensão e de pesquisa, promovidas pelo Departamen-

to de Desenho e Tecnologia da Universidade Federal doMaranhão, cujo objetivo principal é promover mapea-mentos iconográcos da cultura, em seus diferentes as-pectos – a cultura popular e suas dimensões patrimo-niais, a relação das pessoas com seus saberes e fazerestradicionais, a cultura material, os lugares e as formas deexpressão que caracterizam a nossa diversidade cultural

 – os quais estamos muito acostumados a referenciar,mas ainda são poucas as iniciativas que buscam dar-lhesvisibilidade, no sentido stricto desta palavra.

Os que apresentamos aqui é o resultado da eta-pa que intitulamos Identidade é valor , na qual bus-camos mapear as cadeias produtivas do artesanato depovoados de Alcântara com a nalidade de sistematizaros processos produtivos, para que possamos identicar

 – comunidades e pesquisadores – os valores do arte-sanato a partir do ponto de vista dos produtores e su-as representações sobre o consumo de seus produtos,quando estão em contato com os consumidores ou osmediadores da cadeia produtiva.

O projeto Iconograas do Maranhão reali-za desde 2008 mapeamentos iconográcos nos bair-ros da Praia Grande e do Desterro; entre grupos detambor de crioula, bumba-meu-boi, blocos-afros e

casas religiosas de matriz africana; entre os operá-rios navais tradicionais da área Itaqui-Bacanga, como apoio da FAPEMA e inicia, nesta etapa, suas ati-vidades entre as comunidades artesãs do municípiode Alcântara, com patrocínio do Programa BNB deCultura/BNDES.

Para nós, professores e alunos do curso de De-

sign da UFMA, iconograa se transforma em ação, re-presentada pelo verbo iconografar , que caracteriza oprocesso de identicação, descrição, classicação einterpretação dos signicados simbólicos dos fazeres,dos saberes e das histórias de determinado grupo oucultura e, ainda, as formas tangíveis destes signicados

 – seus produtos, seus objetos e suas imagens, ou seja,

a sua cultura material. Este processo é construído co-letivamente pelos pesquisadores e pelas comunidadesque produzem cultura no Maranhão.

   A  p  r  e  s  e  n  t  a  ç

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O que inicialmente pode parecer uma estratégiade armação de identidades, na verdade, é uma es-tratégia de desconstrução de discursos e de práticasconcebida sobre a produção e o consumo da cultura.

Partimos da hipótese de que o processo coletivo deconstrução de imagens, entre pesquisadores e sujei-tos da pesquisa, pode reforçar ou negar determinadasrelações, discursos e práticas sociais.

As comunidades participantes do projeto foramcapazes de reetir sobre a própria identidade cultu-ral, a partir do reconhecimento ou negação de tais

imagens. Isto se maximiza quando o universo da análi-se atinge um escopo maior e quando disponibilizamosos ícones desenvolvidos em formato digital no site doprojeto (www.iconograas.ufma.br), e qualquer pes-soa, de qualquer lugar, pode acessá-los e utilizá-los do

 jeito que quiser.Além de proporcionar um sentimento de co-au-

toria entre as comunidades participantes do projeto,

o mapeamento das cadeias produtivas apresenta-se

como uma metodologia que dá visibilidade à culturade um lugar, promovendo a comunicação do patrimô-nio imaterial. Ainda de uma forma preliminar, este ma-peamento nos possibilita reunir o conhecimento ne-cessário para agir propositivamente em projetos fu-

turos promovendo, assim, inovação na cadeia produ-tiva da cultura, do artesanato e do turismo, alavan-cando projetos de qualicação e comercialização do

Roberta, botando a rede no tear.

Celeste, batendo o jogo americano.

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   A  p  r  e  s  e  n  t  a  ç

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artesanato, com a intervenção do Design nos proces-sos e produtos, qualicando e potencializando valo-res para todos os envolvidos na produção e consu-mo da cultura.

Com o trânsito das imagens – polifônicas, pela na-tureza compartilhada de sua construção – expressam--se traços da identidade cultural, despertam-se senti-mentos de autoestima e orgulho, além de promover adiscussão sobre quais valores são importantes para taisidentidades com o processo de tomada de conscin-cia sobre a existncia de um patrimônio que, com esteprojeto, torna-se tangível e acessível a todos.

Neide, fazendo o acabamento do pote.

Participantes do Identidade é valor, no encerramento doprimeiro seminário, em Alcântara

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Participantes na dinâmica realizada no seminário emAlcântara, em dezembro de 2010.

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Por cadeia produtiva entendemos o conjun-to de procedimentos, etapas, agentes, processos eprodutos envolvidos em alguma atividade cujo re-sultado seja um produto, desde a sua pré-produção

até o seu consumo nal (KRUCKEN, 2009). Na ca-deia produtiva estão envolvidas as pessoas que pro-duzem e as que consomem o produto.

Neste projeto, o intuito é investigar o univer-

so da produção do artesanato de Alcântara ,entender o modo como estes artefatos são produ-zidos e conduzidos à venda; como os sujeitos que osproduzem percebem e atribuem valor a este artesa-

nato e também sua percepção sobre a atividade ar-tesanal como geradora de trabalho e renda, os en-traves e as diculdades sobre a sua produção.

Para tal, analisaremos discursos e práticas, namedida em que os sujeitos, nos momentos de suafala, transitam por diversos posicionamentos acer-ca da sua identidade, nos discursos sobre a tradi-

ção do seu saber, as motivações que os fazem per-manecer na atividade artesanal e a produção ligadaao território.

Baseamo-nos no princípio de que os valores que identicamos e analisamos são inerentes àspróprias cadeias produtivas e que só os agentes di-retamente ligados a elas podem identicá-los, hie-

rarquizá-los e classicá-los. Estes valores podem serde diversas naturezas: a valorização da identidade,a valorização da cultura, a geração de trabalho e

renda, a preservação da tradição, a manutenção doterritório, entre outros que pudemos identicardurante a ação.

Como estratégia, priorizamos a pesquisa de

campo como instrumento privilegiado de enten-dimento das realidades locais e a realização de se-minários de trabalho como forma de agregar e decompartilhar experincias locais no âmbito coleti-vo. Para isto, realizamos duas visitas às comunida-des, além de um seminário com representantes detodas elas. Permanecemos uma curta temporada emcada um dos povoados. Este livro será lançado tam-

bém em um seminário, concretizando a metodolo-gia proposta.

Nossa abordagem enfatiza o entendimento dosprocessos e do mapeamento das cadeias produti-vas a partir da observação e da troca de experin-cias entre os pesquisadores e os sujeitos da pesqui-sa, garantindo resultado rico e representativo, em

um processo dialógico de trabalho, possibilitando ocompartilhamento de saberes. Nestas oportunida-des de convivência foi possível identicar discursosque se fortalecem e discursos que se opõem. Paraatingir o objetivo de relatar e sistematizar a experi-ncia e analisar os resultados, organizamos este livroem cinco capítulos.

O primeiro, inicia-se com as informações sobrea pesquisa, com um breve histórico sobre o municí-pio de Alcântara. Continuamos com uma pequena

Introdução

Raquel Noronha

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caracterização dos povoados sobre os quais a açãoincide. As artesãs que participam do projeto tam-bém são caracterizadas e o capítulo encerra-se comaspectos metodológicos da pesquisa, trazendo à

baila as condições nas quais ela aconteceu, numaabordagem mais do ponto de vista dos pesquisado-res, justicando opções e clareando as abordagensteórico-metodológicas.

O segundo capítulo aborda o mapeamento dascadeias produtivas, trazendo a descrição de cadauma das suas etapas.

No terceiro capítulo temos a oportunidadede reetir sobre o que conversamos e observamosno cotidiano das artesãs durante o seminário e asvisitas realizadas. Este capítulo aponta discursos e

O buriti, fruto da palmeira da qual se extrai a bra , parao artesnato do linho.

Equipe do projeto no buritizal, em Santa Maria.

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práticas sobre diversos aspectos das suas produçõesartesanais e assim evidenciamos o imaginário das ar-tesãs, sobre as várias atividades realizadas nas ca-deias produtivas.

O quarto capítulo traz uma abordagem sobresustentabilidade, caracterizando um dos grandes en-traves que enfrentam nossas informantes, propondouma análise das cadeias produtivas perante os requisi-tos para uma produção artesanal sustentável.

O quinto capítulo, à guisa de um fechamentomomentâneo e não de um ponto nal para o assunto,

inicia uma discussão que não se encerra aqui, sobrea existncia de um artesanato ligado ao território deAlcântara e a introdução da lógica do mercado naprodução artesanal. Finalizamos o livro com algumas

reexões sobre o papel do designer como mediadore agente deste processo, de forma que se insira deforma estratégica nas cadeias produtivas.

Referência

KRUCKEN, Lia. Design e território: valorização de identi-dades e produtos locais. São Paulo: Studio Nobel, 2009.

Equipe do projeto no campo, de onde se retira o barro,em Itamatatiua.

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Percorremos agora um caminho metodológicoque descreve as etapas da ação, os desaos, as sur-presas e as descobertas que ajudam a delinear osnossos sujeitos de pesquisa e as condições nas quaisela aconteceu.

Iniciamos identicando na literatura os lugarese as comunidades que produzem artesanalmenteem Alcântara como uma atividade comercial. Diver-sas comunidades se valem da confecção artesanalde doces, licores, cofos1, abanos e meaçabas2, assimcomo se utilizam das técnicas construtivas da tai-pa3 e do adobe4 e o teto de palha de buriti, babaçu,

entre outras. Porém, nossa busca não era por esteartesanato de subsistncia, para o próprio consu-mo, mas o que visasse à comercialização do produto

Capítulo 1

Localizando pessoas, lugares e produtos

Raquel Noronha, Imaíra Portela e Milena Alves

nal. Assim, identicamos algumas possibilidades deprodutos, de comunidades ou de grupos que produ-ziam para esta nalidade. Eram elas: o doce de es-pécie e os altares e os adereços da festa do Divino;as embarcações tradicionais de São João de Côrtes;os azeites de babaçu e a mamona de Mamuna; a ce-râmica de Itamatatiua; as redes de dormir de Bri-to; a tecelagem com bra de buriti em Santa Maria. 5

O período do ano em que trabalhamos nos im-pediria de acompanhar os preparativos da festa do Di-vino e pela complexidade das atividades e rituais li-gados a ela, preferimos deixar esta análise para uma

oportunidade futura. Assim, com base em nossoscronograma e orçamento, denimos trabalhar comas comunidades do interior do município. Durante o

1. “Cofo é o nome dado, no Maranhão, à cestaria de natureza utili-tária, confeccionada manualmente com as folhas de palmeiras nati-vas. No dia a dia do maranhense, o cofo é um instrumento já ‘tra-

dicional’ e mesmo indispensável.” (GONÇALVES et ali, 2009, p.11)2. Meaçaba é um t ipo de esteira trançada, confeccionada com apalha de palmeiras regionais.3. A taipa é uma técnica herdada das culturas árabes e berberes.Constitui-se de paredes feitas de barro amassado e calcado, porvezes misturado com cal para controlar a acidez da mistura quevem a ser comprimida entre taipais de madeira desmontáveis, re-movidas logo após estar completamente seca, formando assim

uma parede de um material incombustível e isotérmico natural eparticularmente barato. Disponível em (http://www.arq.ufsc.br/arq5661/trabalhos_2004-1/arq_terra/taipadepilao.htm)

4. O adobe é uma técnica tradicional executada em terra cura. Oprocesso de fabricação do tijolo de adobe consiste em amassaro barro, deixá-lo descansar por alguns dias e, ainda úmido, colo-

cá-lo em fôrmas (geralmente de madeira de formato retangular),deixando-o secar ao sol. Disponível em http://e-groups.unb.br/fau/pos_graduacao/paranoa/edicao2005/adobe.pdf 5. Na primeira visita em São João de Côrtes, o artesão com o qualconversamos não demonstrou interesse em participar do projeto,alegando que estava parando com as atividades, e que não eram lu-crativas. Em Mamuna, retornamos para a reunião, mas as artesãsnão puderam, naquele momento, nos mostrar as etapas do pro-

cesso produtivo. Como não compareceram ao seminário, momen-to fundamental para a continuidade da ação, camos impossibilita-dos de dar continuidade ao projeto nesse povoado.

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Cujupe

Alcântara

Itamatatiua

Mamuna

Brito

São João de Côrtes

Santa Maria

Localização dos povoados participantes do projeto

Sede do município

Localidades pesquisadas

Localidades visitadas

Porto do ferry-boat

 

Desenhado a partir do mapa do fascículo 10 da Nova Cartograa So-

cial da Amazônia - Quilombolas atingidos pela Base Espacial - Alcântara

Área do CLA em sobreposição às Terras dasComunidades Remanescentes de Quilombo

Terras de Preto: Terra das ComunidadesRemanescentes de Quilombo

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percurso, houve contratempos e diculdades de aces-so, tanto aos povoados como às pessoas, que nos le-varam a fechar o escopo do projeto em trs comuni-dades – Santa Maria, Brito e Itamatatiua – que carac-

terizaremos melhor a seguir.Para entendermos as peculiaridades deste mape-amento é importante contextualizar melhor o muni-cípio no qual atuamos. Alcântara tem sua dinâmica es-pacial comprometida pelos entrecruzamentos de di-versos discursos – os ociais, os acadêmicos e os dosenso comum – envolvendo as relações de territoria-lidade e a identidade local de sua população, caracte-rizados pelo embate entre a expansão do Centro deLançamento de Alcântara (CLA) e a titulação de ter-ritórios quilombolas lá existentes. Perante tal situaçãoé preciso caracterizar o município.

1.1 Alcântara: de celeiro à decadência

Situada a uma hora de lancha de São Luís, lo-calizada na mesorregião norte do Maranhão, nos li-mites da Amazônia Legal, Alcântara é um municípiocom história bastante peculiar. O município ocupauma área de, aproximadamente, 120.000 hectares(IPHAN, 2009) e é uma das duas cidades históricasbrasileiras a ostentar a condição de monumento na-

cional, ao lado de Ouro Preto. É o único municípiono Brasil a ter reconhecido num mesmo perímetroum extenso território étnico, formado por 157 co-munidades camponesas, pleiteando a titulação de re-manescentes de quilombos (op.cit).

Alcântara já foi considerada o celeiro do Mara-nhão (VIVEIROS, 1954), no século XVII; vivenciou umprocesso de decadência (ALMEIDA, 1983) com a ca-racterística especíca do deslocamento da sua bur-guesia, os comerciantes, para a cidade de São Luís,

Ruínas da Igreja de São Mathias (acima) e detalhe da Igreja doCarmo e ruínas (abaixo), Alcântara, MA.

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com o consequente abandono das fazendas nas mãosde prepostos, geralmente escravos de conança, oque gerou o estabelecimento velado e consentido dequilombos praticamente dentro das fazendas produ-

toras de algodão e engenhos de açúcar, principalmen-te com o nal do sistema escravagista (SOUZA FI-LHO, 2009). No século XX é considerada pelo Esta-do como “o melhor lugar do planeta para o lançamen-to de foguetes” (op.cit) e a instalação de um centro delançamentos de artefatos espaciais já que, além dascondições metereológicas favoráveis, a suposta deca-dência da lavoura teria gerado um imenso vazio demo-

 gráfco (ALMEIDA, 2002) no lugar.Em seu Laudo Antropológico de Identica-

ção das Comunidades Remanescentes de Qui-

lombo em Alcântara, Almeida aponta para a con-solidação de territorialidades das comunidades rema-nescentes de quilombo, armando que o espaço é simocupado, não representando o chamado vazio demo-

 gráfco. Como estratégia para dar visibilidade a esteconito entre outros da Amazônia Legal, desenvol-ve o projeto Nova Cartograa Social da Ama-

zônia que, entre outros objetivos, consiste em cons-truir mapas coletivamente com as comunidades cujosterritórios são ameaçados pelos grandes empreendi-mentos que representam o grande capital.

Nesta pesquisa, utilizamos os fascículos6

de nú-meros 10 e 25, intitulados, respectivamente, Qui-

lombolas atingidos pela Base Espacial – Alcân-

tara, Maranhão e Luta dos quilombolas pelo

título denitivo – Ocinas de Consulta – Al-

cântara, Maranhão, como guia para percorrer asestradas de piçarra do interior do município, o quefoi de fundamental importância para identicarmos as

comunidades que visitamos.Segundo o diagnóstico participativo do muni-cípio de Alcântara, realizado em 2003, utilizando asestratégias metodológicas do Programa Comunida-de Ativa e o PNUD (PROJETO AEB/PNUD BRA01/003, 2003), o município de Alcântara é o segundomais antigo do litoral ocidental do Maranhão, e suafundação data de 22 de dezembro de 1648, quandofoi elevado à categoria de Vila, com o nome de SantoAntônio de Alcântara e, já nesta época, era conside-rada o celeiro do Maranhão, em razão de sua gran-de produtividade de arroz, milho, algodão, farinha demandioca, cana de açúcar, criação de gado.

Com o passar dos anos e o declínio das expor-tações de algodão, surgiram os primeiros engenhos

de açúcar e a vila foi se destacando na produção açu-careira e de aguardente e, em 1650, ca registradoo primeiro embarque de excedentes para São Luís,

 já que a produção excedia a sua subsistncia (VIVEI-ROS, 1954). A criação da Companhia de Comérciodo Grão-Pará e Maranhão, associada ao potencial daterra, transformou Alcântara num importante pro-

dutor de algodão e açúcar.Após a saída dos grandes proprietários ruraisde Alcântara, não só as fazendas como a própria se-de do município foram relegadas ao abandono e ao

6. “As publicações do projeto Nova Cartograa Social da Amazô-nia traduzem a diversidade cultural e social da região. Aqui, voc

pode ter acesso gratuito ao acervo do projeto, pesquisando seusfascículos, artigos e livros. Os fascículos são resultado de oci-nas de mapeamento participativo, nas quais as fronteiras entre os

sujeitos e os objetos de pesquisa se dissolvem. Professores e alu-nos de graduação e de pós-graduação apóiam o processo no qual

membros de um determinado grupo registram quem são, onde ecomo vivem.” Trecho extraído do site do projeto (http://www.novacartograasocial.com/ publicacoes.asp), em 21/04/2011.

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esquecimento. Almeida observa que, muitas vezes,a preservação de grandes complexos de arquitetu-ra colonial no Maranhão foi atribuída à suposta deca-dência, o que impossibilitou os grandes investimen-

tos na modernização destes lugares. Ao serem dei-xadas para trás, nestas antigas fazendas, as comuni-dades rurais formadas por escravos se reestrutura-ram e, baseadas no uso comum da terra e no extra-tivismo construíram, a partir daí, a sua territorialida-de, processo que o autor denomina modifcação da f-sionomia étnica (ALMEIDA, 2002).

Tombada pelo IPHAN em 22 de dezembro de1948, ocasião do tricentenário da cidade, Alcântarabusca na memória dos tempos áureos as refernciasde sua identidade e convive com a novidade, que játem quase trinta anos, da instalação do CLA. Alcânta-ra foi escolhida para receber o CLA em razão de suaprivilegiada posição geográca, permitindo um baixo

custo de lançamento por sua proximidade do equa-dor terrestre, suas boas condições meteorológicas,que são regulares e satisfatórias condições de segu-rança. Hoje o município convive com as trágicas con-

sequncias provocados pela instalação do CLA. Entreelas podemos destacar o deslocamento das comuni-dades para longe de seus territórios tradicionais e suainstalação em agrovilas longe dos recursos naturais,colocando-os em situação de risco alimentar e social(PAULA ANDRADE; SOUZA FILHO, 2006), impos-sibilitando-os de continuarem realizando suas práticasligadas à sua identidade étnica e pela iminncia de ex-pansão da base, representada pela implantação do Al-cântara Cyclone Space (ACS). O lugar é dito favorávelpor, equivocadamente, ser considerado um vazio de-mográfco, nos quais não se encontra nenhuma cidadeou povoado, como é geralmente alegado pelos gran-des projetos de desenvolvimento.

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1.2 Uma breve descrição dos povoados

Nosso objetivo aqui é situar o leitor, fornecendoalgumas referncias sobre os lugares onde incide a pes-

quisa e aproveitamos para traçar um panorama geral decada povoado. Em todas as comunidades é possível falarem celulares de uma única operadora. Normalmente, osorelhões estão danicados. O acesso a Brito e a Mamu-na, no período do chamado inverno, só é possível em mo-tocicletas e em veículos com tração, pois são estradas deareia ou em terrenos alagados. Um percurso de, aproxi-madamente, 20Km, da sede do município de Alcântaraaté Santa Maria demora cerca de uma hora e meia, devi-do aos enormes buracos na estrada de piçarra. Itamata-tiua é a localidade que tem o melhor acesso, pois locali-za-se às margens da rodovia MA-106, a 8Km da estaçãode ferry-boat que vem de São Luís, localizada no Cujupe.

1.2.1 Itamatatiua

Cercada por vastos campos e colinas, Itamata-tiua é uma comunidade remanescente de quilombo,localizada no município de Alcântara. Um traço for-te de sua identidade é o seu artesanato em cerâmica.Não se sabe desde quando esta prática existe, mas sa-be-se que ela já atravessa gerações. Os mais velhos di-

zem que seus bisavós já praticavam a arte de mode-lar o barro. Há depoimentos que falam em duzentosanos de tradição.

Hoje, o trabalho com o barro, como as arte-sãs denem sua prática, é uma atividade executada

exclusivamente pelas mulheres e entre as peças maisproduzidas por elas estão os potes, as bilhas, as traves-sas, as panelas, as moringas, as cuias e as bonecas. Elasutilizam uma técnica muito antiga, que consiste em en-

rolar o barro com as palmas das mãos sobre uma su-perfície, a m de ter as chamadas serpentinas7 de barro,as quais são superpostas em espiral para formar o pote.

Esta comunidade localiza-se bem perto da estra-da e esta proximidade inuencia o cotidiano local, avisualidade e a tipologia das casas – muitas são de al-venaria. Observamos também o uxo intenso de ve-ículos, o que facilita a movimentação dos moradores

que vão até a sede do município ou mesmo a São Lu-ís. Além da atividade da cerâmica, também trabalhamcom roça, basicamente cultura de mandioca, milho,arroz, feijão e batata. Há também caça e pesca parasubsistncia. O comércio é intenso, e acontece tan-to em armazéns do povoado, quanto nos carros quechegam com produtos vindos da Baixada Maranhense,

de São Luís ou da sede do município. Mas da água quebebem eles não abrem mão: ela vem do Chora, poçoconsiderado um lugar encantado8 e que secularmenteabastece o povoado de água potável.

Em seu calendário festivo estão as festas reli-giosas de Santa Teresa D’Ávilla, cujos preparativosiniciam-se em maio, e a festa, que dura praticamen-

te uma semana, acontece nas primeiras semanas deoutubro; a festa de São Sebastião, acontece nos dias19 e 20 de janeiro quando há ladainhas e orquestras.Há também outras manifestações como a dança donegro e o tambor de crioula.

7. Esta técnica também é conhecida como acordelado.

8. Em conversa com Irene, em Itamatatiua, a artesã conta sobrea presença de uma sapa, guardiã do poço. Eloísa, durante almo-ço em sua casa, nos ofereceu a água do poço, e disse que mesmo

tendo água encanada em casa, buscava água no Chora, pois é en-

cantada. Disse ainda que quem bebia a água do poço não vai em-bora de Itamatatiua: “quem bebe do Chora, não vai embora”. Vermais em IPHAN, 2009.

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Em sentido horário: o pote, que in-dica a entrada do povoado; Igreja

de Santa Tereza D’Ávila; casas e ruaprincipal do povoado.

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1.2.2 Santa Maria

Santa Maria, segundo os moradores, sempre te-ve este nome. Eles não sabem dizer ao certo desde

quando as famílias começaram a se estabelecer na-quele território, mas pelo que ouviam dos pais e avós,calculam que isso aconteceu há mais de cem anos.

Sua principal atividade artesanal é a tecelagemcom a bra do buriti, com a parte mais delgada dapalha, que eles chamam de linho. Por linho tambémdesignam, metonimicamente, a própria atividade.São confeccionadas sacolas, esteiras, redes, pastas,

bolsas, jogos americanos, porta-copos, tapetes e ca-pas para agendas.

Segundo Walmir, o presidente da Associaçãode Agricultores Familiares, a atividade com a brado buriti começou em agosto de 1973, quando al-gumas moradoras começaram a produzir sacolas eredes, cada uma em sua casa e assim continuou.

Mais tarde, formaram o grupo e então começa-ram a produzir tapetes. Esta produção artesanal éuma herança de Barrerinhas, Tutóia, Humberto deCampos e Urbano Santos, e chegou a Santa Mariacom um intenso uxo migratório destas regiões nadécada de setenta.

Segundo as informantes, embora as referncias

de Santa Maria surjam de outras localidades da re-gião da baixada oriental, seu artesanato se difere notipo do material que utilizam, porque em Santa Ma-ria só se usa a parte mais na e macia da palha, o li-nho. É diferente também a sua forma de bater, queforma uma trama mais fechada diferente do que sefaz nas outras localidades. A variedade de cores eseus tons muito vivos também são traço marcantedo linho de Santa Maria. Seu produto, segundo eles,ca mais resistente e mais durável. Outra marca é a

sua preocupação com a qualidade e o acabamentodos produtos, sempre muito bem nalizados.

Em Santa Maria há poucas casas de alvenaria.A maioria é de adobe ou taipa, cobertas com buriti

ou babaçu. O comércio acontece quando os carrostrazem mercadorias, mas não há uma frequncia, eem dois estabelecimentos comerciais do povoado.Há uma linha de ônibus diária para a sede do muni-cípio, que passa por Santa Maria às trs horas, e re-torna ao povoado por volta das treze horas. É fre-quente a ida das pessoas à sede, para compras, as-suntos burocráticos ou relativos à saúde.

Além da atividade artesanal, há intensa pro-dução de mandioca e cultivo de melancia. Há umacasa de forno, comunitária, na qual produzem fari-nha para subsistncia e também para vender. Plan-tam, ainda, alface, pepino, quiabo, couve, maxixe efeijão. Há também a pesca, nos igarapés mais pró-ximos de Brito.

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Em sentido horário: ruas e caminhosde Santa Maria; casa de farinha; açu-de do povoado.

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1.2.3 Brito

Este é o menor de todos os povoados visitados.Estimam que Brito já tenha mais de dois séculos deexistncia. Tem como maior produção artesanal asredes de dormir, e consideram seu produto resisten-te e muito bem acabado. Há ainda o artesanato desubsistncia, de cofos, abanos e meaçabas.

Seu grupo de produção é o único ainda nãoregularizado. Conta, atualmente, com a participa-ção de cinco pessoas, mas já chegou a ter oito par-ticipantes. Esta atividade começou há dezoito anos,

quando Roberta, tendo aprendido a fazer redes emSão Luís, ensinou o processo a outras pessoas. Ela euma sobrinha ainda são as únicas a saberem botar arede no tear.

A pesca é uma atividade intensa no povoado.Além de pescarem para subsistncia, pescam tam-bém para comercializar com comunidades da vizi-

nhança. Caminhando por uma trilha, por cerca de

vinte minutos, chega-se até uma alameda de mangue-zal, uma espécie de portal para a praia de mar aber-to de um lado, e para um igarapé, de outro. A praiaabriga uma diversidade de paisagens, campos verdes,igarapé, falésias com pedras vulcânicas, uma orestanativa de mangue e perto da costa, um farol que caiuem função da erosão das falésias. Ao longe, no lito-ral, é possível avistar de um lado a Pedra de Itaco-lomy9, lugar considerado encantado, e do outro, par-te da ilha do Maranhão, com a visão dos prédios deSão Luís e do Farol do Araçagy.

Além da produção artesanal, Brito produz man-

dioca, abóbora, milho, melancia, outras culturas desubsistncia e também praticam a caça. Há poucasconstruções de alvenaria, entre elas a igreja do po-voado. As outras construções são de taipa ou adobe.Há uma casa de farinha, de propriedade particular,mas utilizada por toda a comunidade. No período doinverno, o uxo de motocicletas é intenso, pela im-

possibilidade de acesso por outros tipos de veículos.

9. Em conversa durante um passeio na praia de Brito, Silenenos mostrou a Pedra e contou sobre a presença de encantados no lugar, e sobre a relação de permissões para o uso da água

doce, a permissão para a pesca, enfatizando a importância sim-bólica da Pedra de Itacolomy para os moradores. Ver mais emIPHAN, 2009.

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Em sentido horário: casas de Brito; praia de Brito: falésia, embarcações emanguezal. Página ao lado: ruínas do farol, derrubado pela erosão.

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1.3 Artesanato é serviço de mulher !

Para identicar os sujeitos, partimos do objeti-vo principal do projeto: mapear as cadeias produti-

vas do artesanato. Nosso ponto de partida, ao che-garmos às comunidades, era identicar os artesãos.A participação dos sujeitos na pesquisa foi constru-ída ao longo das duas reuniões iniciais em cada po-voado, durante o seminário que realizamos na sedede Alcântara e, nalmente, na nossa terceira visita,na qual pudemos compartilhar do cotidiano da pro-dução artesanal destes sujeitos – aliás, destas mulhe-res. Nossas informantes são em torno de trinta mu-lheres que vivem, além da pesca e da roça de sub-sistncia, do artesanato que produzem e comercia-lizam de forma ainda pouco sistematizada. No inte-rior de Alcântara, artesanato é serviço de mulher !

Roberta, de Brito: Lá tem pouca mulher mes-

mo... o resto tudo é só homem, e disseram quenão queriam fazer porque não é serviço de ho-mem, é de mulher, aí só tm nós, até quandonós puder.Dos Anjos, de Itamatatiua: Aqui só tem viúva...não dependemos de homem pra nada. O traba-lho é todo feito por nós. A maioria criou os -

lhos sozinha.Neide, de Itamatatiua: De vez em quando meulho ajuda, mas é muito difícil. Tinha um ho-mem que participava, mas ele montou uma ola-ria e saiu... O artesanato daqui quem faz é mu-lher... Difícil não ter uma aqui que não tenhacriado os lhos com os potes...

Porém, em Santa Maria, a prática contraria odiscurso. Os homens ajudam a tirar o olho do Buri-ti, ajudam a emendar o linho, ajudam a botar o linho,ajudam a fazer o acabamento, enm, ajudam bastan-

te. Além da ajuda com o artesanato, substituem-nastambém nas atividades domésticas:

Luzia, de Santa Maria: Quando tem encomen-da, a casa ca sem varrer, o comer sem fazer... Emeu marido me ajuda, né? Eu co aqui atrás notear, e nem chego em casa. Ele que varre, quecozinha, cuida das crianças. Quando tem enco-

menda é assim...Celeste, de Santa Maria: O meu marido tira oolho, ajuda no riscamento e no emendamento. Éuma boa ter um marido assim...

Com raras exceções, a atividade artesanal pro-priamente dita é feita pelas mulheres dos povoados.

Em Santa Maria, há a participação masculina, mas naforma denominada pelas artesãs como ajuda. A orga-nização da produção, a responsabilidade é sempre dasmulheres. A participação dos homens aparece semprecomo uma ajuda, nos momentos da extração da ma-téria-prima ou quando há alguma encomenda ou pro-blema de saúde. Retomaremos essa categoria enco-

menda, no terceiro capítulo, pois caracteriza tanto oponto de partida da produção, o seu “estopim”, quan-to um ponto de estrangulamento da comercialização,quando o trinômio prazo x clima x matéria-prima serelaciona com uma encomenda.

Na primeira visita que zemos às comunidades,para estabelecer um contato inicial, chegávamos aos

Artesãs dos trs povoados: Brito, Santa Maria e Itamatatiua .

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povoados, buscando as pessoas que faziam artesa-nato. Nas cinco comunidades que visitamos, inicial-mente, fomos direcionados diretamente às presiden-tes das associações ou aos líderes do grupo, geral-mente às pessoas de maior conhecimento técnicoou que praticam a atividade há muito tempo. Nes-ta ocasião, agendamos uma segunda visita, e solicita-mos que estivesse presentes o maior número de ar-tesãos possível.

O terceiro encontro com as artesãs foi no se-minário preparatório desta pesquisa, realizado noMuseu Casa Histórica de Alcântara, na sede do mu-

nicípio, nos dias 10 e 11 de dezembro de 2010. Nasreuniões anteriores, nós apresentamos o projeto ecomo seria o seminário. Convidamos sete represen-tantes de cada grupo para participar. Ao seminário,compareceram sete artesãs de Santa Maria, seis deBrito e sete de Itamatatiua. As artesãs de Mamunanão compareceram porque houve um problema com

o transporte.No quarto encontro, realizado entre os dias 2 e

9 de abril de 2011, camos entre dois e três dias emcada comunidade, convivendo e presenciando as eta-pas da produção artesanal. Visitamos as residnciasdas artesãs de Santa Maria, pois trabalham cada umana sua casa. Em Itamatatiua, as atividades se concen-

tram na sede da Associação. Em Brito, como nãohá formalidade na organização do grupo, o trabalhoacontece num galpão na casa da líder do grupo.

Para o lançamento do livro, convidamos nova-mente sete representantes de cada grupo, para dis-cutirmos as propostas apresentadas no livro, em umseminário de encerramento, nos dias 20 e 21 de ju-nho de 2011 em Alcântara (MCHA) e no dia 22 emSão Luís, na UFMA.

Desta forma, a participação das artesãs variouentre as que se engajaram nas atividades nos povo-ados e as que foram ao primeiro seminário em Al-cântara. De uma forma geral, são mães, donas de ca-sa, esposas ou viúvas, que tm, na maioria das ve-zes, grande parte da renda advinda do artesanatoque produzem. As que têm lhos pequenos tambémcontam com o bolsa-família e as mais idosas, às ve-zes, possuem aposentadoria. Dividem-se entre asatividades do lar e também da roça, da casa de fari-nha e do artesanato.

Como problemas advindos do trabalho, rela-

cionam as dores no corpo e as adequações de suasproduções às encomendas. Causadas pelos movimen-tos repetitivos, as dores são sentidas nos punhos,nos braços e nas costas e também nos olhos, entreas tecelãs. A diculdade de produzir em uma escalaum pouco maior, para atender às encomendas, é umdesao que enfrentam todos os grupos e também a

adequação da produção a alguma regra do cliente,como fazer um pote da altura exata de uma embala-gem, ou tingir quantidade suciente de bra, no mes-mo tom e de uma só vez, para dar conta de uma en-comenda de sacolas com cor especíca.

Mas nenhum destes problemas supera a quei-xa sobre o descompasso entre a dureza do trabalho

braçal ligada ao artesanato e o pouco que recebempela sua venda.Com este breve panorama das informantes,

aprofundaremos agora as condições de nossa inser-ção no campo, explicitando e descrevendo as etapasda pesquisa, os sujeitos envolvidos no processo, e al-gumas referncias teórico-metodológicas.

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1.4 Etapas da pesquisa:

uma abordagem metodológica

1.4.1 A primeira inserção no campo:

identicando lugares e pessoas

A primeira inserção no campo foi um reco-nhecimento preliminar. Baseando-me na pesquisabibliográca e nos mapas dos fascículos da Nova

Cartograa Social da Amazônia, que se refe-rem ao território étnico de Alcântara, percorri emquatro dias as cinco comunidades do interior de Al-

cântara, buscando identicar as pessoas envolvidasna produção artesanal.

O contato inicial foi bastante proveitoso e ape-nas em São João de Côrtes houve resistncia. Naque-la oportunidade, apresentei a etapa anterior do projetoIconograas do Maranhão, entreguei livros e fôlde-res explicativos às pessoas com quem conversei. Meu

objetivo neste primeiro contato foi apresentar o proje-to, identicar quem e quantas eram as pessoas envolvi-das nas atividades, trocar contatos e agendar uma visi-ta – desta vez com os alunos participantes do projeto – para ver in acto a produção artesanal.

Marquei com cada comunidade um retornopara dali a duas semanas. Combinamos que eu vol-

taria com os alunos para mapearmos as etapas dascadeias produtivas e seria necessário que algumaspessoas nos mostrassem o trabalho, desde a retira-da e/ou tratamento da matéria-prima até o acaba-mento nal e, se fosse possível, demonstrar a ati -vidade, para que pudéssemos fotografar cada passodas cadeias produtivas.

1.4.2 A segunda visita: conhecendo as

pessoas e mapeando as cadeias de valor 

A segunda visita aconteceu entre os dias 15 e19 de novembro de 2011. Desta vez, fomos eu, a co-ordenadora do projeto, e mais quatro alunos par-ticipantes. Nosso objetivo era apresentar aos arte-sãos os objetivos da pesquisa, identicar as princi-pais etapas das cadeias produtivas e preencher umformulário para cada artesão, contendo dados pes-soais e informações sobre a produção.

Nesta ocasião foi possível fotografar algumas

etapas do processo produtivo, já que as pessoas ze-ram demonstrações de alguns procedimentos. Co-meçamos a nos familiarizar com os nomes das eta-pas, das ferramentas e com a sequncia da produção.

Fomos de ferry-boat, levando todo o materialpara apresentação como fôlderes do projeto, mapas,apresentação e projetor.

Alunos participantes do projeto, junto ao carro queutilizamos durante a pesquisa.

A primeira comunidade na qual chegamos foi No dia seguinte partimos para Santa Maria Lá

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A primeira comunidade na qual chegamos foiItamatatiua. A apresentação aconteceu na sede daassociação e passamos uma tarde no local. As arte-sãs Neide e Canuta nos levaram para ver o campo deonde é retirado o barro. Elas nos levaram tambémna olaria do povoado e, de volta à sede, mostraramas ferramentas e os procedimentos envolvidos noartesanato da cerâmica. De lá, partimos para a sededo município, onde pernoitamos.

No dia seguinte, partimos para Santa Maria. Lá,nos esperavam na escola da comunidade. A conver-sa envolveu muitos participantes da comunidade e,além das artesãs, estavam também presentes os ges-tores dos projetos de agricultura familiar de SantaMaria. Após os mesmos procedimentos executadosem Itamatatiua, fomos ao buritizal acompanhados deCeleste, a líder do grupo, e seu marido, Loro, quesubiu no buriti para extrair o seu olho, matéria-primado artesanato local.

Deram-nos informações sobre o manejo da ex-tração do olho do buriti e, em seguida, em frente a

sua casa, Celeste demonstrou as etapas iniciais, depreparação da bra para o processo da tecelagem.Neste dia, almoçamos o que havíamos levado conos-co, na casa de Celeste.

À tarde, seguiríamos para Brito. Porém, na ho-ra do almoço houve um imprevisto. Fomos conhe-cer um povoado próximo e andando por uma tri-

lha, fui mordida, no pé, por uma cobra. Tivemos devoltar rapidamente à sede, para os procedimentos

Apresentação do projeto (acima) e entrevistasindividuais (abaixo), em Itamatatiua.

Entrevistas em Santa Maria.

necessários mas felizmente a cobra não era vene- Caminhando com as artesãs estas nos levaram

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necessários mas, felizmente, a cobra não era venenosa e as toxinas apenas causaram leve paralisia e in-chaço locais.

No dia seguinte, estava tudo bem e partimospara Brito, para dar continuidade à pesquisa. Chega-mos no meio da manhã e estávamos sendo espera-dos na igreja do lugar, pelas artesãs e alguns mora-dores. Iniciamos o procedimento de apresentação edepois as artesãs nos levaram ao galpão, no qual tra-balham e nos mostraram algumas etapas da produ-ção das redes de dormir.

Partimos para Mamuna, onde as pessoas nãoestavam muito preparadas para nossa chegada, mes-mo conrmando que iríamos. Demorou bastante atéque as artesãs se agrupassem e nalmente pudésse-mos apresentar o projeto coletivamente, na igrejada comunidade. Infelizmente, também não consegui-mos observar etapas importantes da produção, masa artesã Esterlina nos levou a sua casa e mostrou-

-nos os utensílios utilizados na produção do azeitede babaçu.

Caminhando com as artesãs, estas nos levaramà escola onde estão guardados os equipamentos queforam conseguidos pela comunidade por meio deoutros projetos de capacitação. Muitas ações estãosendo implantadas por outros projetos, e penso quetalvez estejam envolvidas em muitas atividades, pa-ra se engajarem em mais um projeto. Ainda assim, aspessoas foram muito solícitas.

Apresentação do projeto em Brito.

Entrevista individual com as artesãs de Mamuna.

Artesã demonstrando o processo de quebra do babaçu.

Em todas as comunidades, tratamos do semi- De acordo com a programação do evento, eram

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Em todas as comunidades, tratamos do seminário de trabalho e convidamos sete representan-tes de cada comunidade para participar. Neste even-to, que aconteceria na sede do município, nos dias10 e 11 de dezembro, apresentaríamos o mapeamen-to preliminar das cadeias produtivas, debateríamosos problemas, identicaríamos coletivamente as po-tencialidades das cadeias produtivas, além de estrei-tar os laços com as informantes, para que fosse pos-sível um maior entendimento sobre os valores identi-cados pelas artesãs nas suas produções artesanais.

De volta a São Luís, nosso esforço foi sistema-

tizar a informação, transcrever e classicar as entre-vistas, tabular as informações dos formulários e ini-ciar os desenhos das cadeias produtivas, para apre-sentá-los no seminário.

1.4.3 Primeiro seminário de Alcântara:

estabelecendo laços e identicando valores

O seminário aconteceu nos dias 10 e 11 de de-zembro de 2010, no auditório do Museu Casa Histó-rica de Alcântara. O primeiro dia tinha como objetivoapresentar conceitos e abordagens para as artesãs einiciar a discussão sobre as etapas das cadeias produ-tivas. O segundo dia consistia em trabalhos de grupos,

utilizando-se a metodologia do World Cafe

10

, com ro-dadas de discussão sobre as cadeias, sobre a identi-dade da produção, a territorialidade e a sustentabili-dade dos processos e produtos. Compareceram aoseminário vinte representantes dos grupos produ-tores, duas professoras do Departamento de De-senho e Tecnologia da UFMA, seis alunos de De-sign, um professor do IFMA, de Comunicação.

10. Para saber mais sobre a metodologia, ver www.worldcafe.com.

De acordo com a programação do evento, eramprevista a acomodação e as refeições de todos em umúnico lugar, para facilitar a aproximação e a imersão,estabelecer laços de convivência e conança entre osparticipantes do projeto. O lugar escolhido para estasatividades foi a Praia do Barco11, um sítio na sede domunicípio de Alcântara, o que proporcionou momen-tos de importantes trocas entre as pessoas.

À noite, após o jantar, sentados nas mesas sobas mangueiras do terreno, histórias, lendas e curiosi-dades sobre os povoados foram contadas pelas arte-sãs, e isso serviu tanto para aumentar o nosso imagi-

nário sobre cada lugar quanto para conhec-las me-lhor e sermos conhecidos por elas.

Na Praia do Barco, a conversa sobre os povoados.

11. O Sítio Praia do Barco é uma área de preservação ambien-tal situada no centro histórico de Alcântara, onde funcionou du-rante séculos o seu antigo porto. A área vem sendo revitalizadaatravés da proposta de construção de um Sítio-Escola , com ativi-

dades de lazer educativo e produtivo, envolvendo o papel recicla-do artesanal, as plantas medicinais e trilhas históricas e naturais.

No dia 10, durante a manhã, as artesãs chega- estava vendo lá dentro. Foi uma estratégia para se fa-

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gram à sede do município e as fomos encaminhandopara a Praia do Barco, para que descansassem, poisos transportes que as trouxeram saíram durante amadrugada dos interiores.

Após o almoço, iniciaram-se as atividades doseminário. A distribuição dos crachás e das camise-tas já iniciou o processo de integração. Por seremcoloridas, as camisetas chamaram a atenção e as ar-tesãs queriam escolher, estabelecendo a primeirainiciativa delas para com o projeto.

Começamos então com uma dinâmica, entre

as pesquisadoras, as artesãs e as alunas. Os trsalunos caram de fora da roda, registrando o mo-mento, e esta foi uma decisão simbólica, pois nasconversas anteriores tinha cado muito claro ocaráter feminino da produção artesanal, e o pou-co ou nenhum envolvimento dos homens nas ati-vidades produtivas.

Realizada em um círculo, no qual um cesto comum espelho no fundo passava de mão em mão, a dinâ-mica consistia em olhar para o cesto e dizer o que se

g plar sobre o valor de cada uma de nós – todas mulheresque vivem do seu trabalho – perante a nossa imagem,fruto de uma identidade. Ao ver o próprio rosto, mui-tas caram tímidas, sem saber o que dizer. Mas, em sín-tese, palavras como alegria, trabalho, amizade, conan-ça foram constantes. O objetivo era falar de autoesti-ma, orgulho pelo que se faz, além de uma forma de nosconhecermos e criarmos laços mais profundos para ini-ciarmos o trabalho propriamente dito.

Após esta etapa, retornamos ao auditório e acoordenadora do projeto apresentou o projeto e os

seus objetivos foram expostos, assim como toda aprogramação dos dois dias de trabalho. Depois, umgrupo de alunos apresentou as cadeias de valor emseu desenho inicial e, imediatamente, as artesãs ma-nifestaram-se sobre as etapas, complementando asinformações, dirimindo as dúvidas na ordem das eta-pas e sobre os procedimentos.

Outro grupo de alunos apresentou casos simila-res, projetos iconográcos de valorização de identi-dades locais e o desenvolvimento de produtos. Entre

Momentos do seminário de Alcântara.

eles, podemos ressaltar o projeto ñandeva12, um pro-  Já no início da noite, retornamos para a Praia

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 jeto trinacional que aconteceu na região de frontei-ras entre o Brasil, a Argentina e o Paraguai; e a Icono-graa Pantaneira13 que trabalhou com o Arranjo Pro-dutivo Local de Rio Verde no Mato Grosso do Sul. Aetapa anterior do projeto Iconograas do Maranhão14 também foi referenciada.

Na sequncia, o aluno representando o proje-to de Biojóias com cerâmica apresentou às artesãs aexperincia, coordenada pela Prof a. Luciana Caracas,com a comunidade da Vila Embratel, em São Luís. Oprojeto serviu também como referncia para a utiliza-

ção das metodologias de design para valorização do ar-tesanato. Após esta etapa, a Prof a. Patrícia Azevedo pa-lestrou sobre os requisitos de sustentabilidade em cadauma das etapas da produção. Construiu com as artesãsuma conceituação intuitiva e baseada na experincia decada uma delas. O resultado de tal discussão foi siste-matizado no capítulo quatro deste livro.

do Barco, onde foi servido o jantar, e todos se aco-modaram em redes para uma noite de descanso.

12. Para saber mais sobre o projeto ñandeva, ver www.nandeva.org13. Para saber mais sobre o projeto de Iconograa Pantaneira,

ver www.ccb.org.br/inovacao/artigos/DESIGN.pdf 14. Ver mais em www.iconograas.ufma.br

Na manhã do dia 11, iniciamos as atividades, apóso café. A primeira etapa consistiu na organização detrs grupos, cada um formado por artesãs de cada lo-

calidade isoladamente – Brito, Santa Maria e Itamata-tiua –, um facilitador – os professores – e um aluno. Oprocedimento era que a cada meia hora os facilitado-res rodassem em cada grupo. A discussão conduzidapela Prof a. Patrícia foi sobre sustentabilidade nas ca-deias, a da Prof a. Raquel sobre identidade e a do Prof.Hamilton sobre comercialização de produtos. Duran-te todo o processo, um aluno cou responsável porcada grupo, sempre gravando as discussões e apuran-do o desenho da cadeia produtiva, baseando-se noque era debatido na roda de discussão.

Após quase duas horas de atividade, uma novaorganização de grupos foi proposta. Permaneciam ostrs grupos, agora com integrantes mistos de cada co-munidade, um facilitador e um aluno. A proposta ago-

ra era de uma simulação de “venda” do que produ-ziam para os outros integrantes do grupo, isto é, uma

Café da manhã na Praia do Barco

Palestra da professora Patrícia Azevedo.

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forma de comunicar as qualidades e os atributos dos Cada artesã se encaminhou ao transporte que as

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produtos. Tinham que ressaltar as qualidades, valori-zar o que é importante, relativizar as fragilidades, eresponder as perguntas dos representantes de outrascomunidades, facilitadores e alunos. Cada artesã de-

fendia sua atividade e seu produto em cada momen-to – a rede, o linho, a cerâmica – e depois atuava co-mo consumidor, querendo saber das característicase vantagens dos produtos das outras representantes.

No nal desta rodada, o facilitador de cada gru-po indagava o que era identidade para cada uma delas,e diversos debates surgiram sobre o que é ser rema-

nescente de quilombo, suas implicações subjetivas eobjetivas, na manutenção do território perante a ex-pansão dos empreendimentos relacionados ao CLA.

Após o almoço, aconteceu uma rodada nal desistematização das cadeias, como forma de encerra-mento do seminário. Cada participante recebeu ocerticado, e cou combinado um novo encontro,

agora com a permanncia dos pesquisadores e alu-nos nos povoados, para observação in loco dos pro-cessos produtivos de cada cadeia.

levaria de volta a seus povoados. A equipe da UFMAretornou de lancha para São Luís, com o objetivo de,mais uma vez, renar o desenho das cadeias e a des-crição das etapas, iniciar o desenvolvimento da icono-graa, transcrever os debates dos grupos de trabalho,classicar as transcrições e iniciar as análises sobre osprocessos produtivos.

1.4.4 O retorno aos povoados:

vivenciando o cotidiano das artesãs,

analisando os discursos e as práticas

Após as reexões técnicas e teóricas sobre tudoo que foi discutido no seminário, era chegada a hora deretornamos ao campo, agora com maior entendimentosobre os processos produtivos e dúvidas mais embasa-das no conhecimento prévio dos processos. Era o mo-mento de observar e perceber na prática o que nos fo-

ra apresentado na forma de discurso.Fizemos contato com cada grupo, marcamosnossa ida para o período de 2 a 9 de abril de 2011e, em cada lugar no qual chegamos, fomos muitobem recebidas. Fomos eu, coordenadora do proje-to, e as duas alunas bolsistas. Passamos de dois atrs dias em cada povoado. Iniciamos nosso percur-so por Santa Maria, onde Celeste nos acomodou emuma casa, de uma moradora que estava viajando. Lá,foi possível observar o trabalho com o linho em cadauma das casas das artesãs, já que não possuem umasede em condições de uso. Esperavam a chuva pas-sar para terminarem o telhado.

De lá, fomos de motocicleta até Brito, onde ob-servamos o trabalho no galpão, onde estão os tea-

res, na casa de Roberta. Retornando a Santa Maria,de onde partimos para Itamatatiua. Ficamos, então,

Artesãs recebendo o certicado do seminário.

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hospedados na sede da associação de artesãs, onded b h t b lh d

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pudemos observar e acompanhar o trabalho da pro-dução de cerâmica. Foram sete dias de intensa con-vivência, observação e diálogos, a m de sintetizar-mos os nossos questionamentos e ver na prática os

entraves e as soluções implementadas – empirica-mente ou com a intervenção do SEBRAE – nas ca-deias produtivas de cada povoado.

Nas conversas informais, nos passeios que ze-mos para conhecer os povoados nas horas vagas, foipossível identicar nos discursos do senso comum,as palavras não ditas, as representações e as experi-

ncias que são acionadas de forma inconsciente parafalar de sua produção, formação de preços, o custodo trabalho, as dores no corpo, as diculdades oca-sionadas pela chuva e o tempo frio.

Na casa de cada artesã de Brito e de Santa Mariafoi possível observar os lugares de trabalho, a relaçãodo tempo dedicado ao artesanato e às outras ativida-

des desempenhadas, como a roça e os afazeres do-mésticos, as relações de solidariedade, a organicida-de da produção perante os imprevistos do cotidiano.

Em Itamatatiua, na sede da associação de arte-sãs, foi possível ver uma intensa e organizada produ-ção, pautada na dinâmica do talento individual, combase na coletividade dos processos produtivos.

Após uma experincia intensa de convívio foipossível compreender e respeitar ainda mais os limi-tes de cada cadeia produtiva, considerando o com-plexo encadeamento de etapas, características doslugares e das matérias-primas, das relações sociaisestabelecidas entre os sujeitos de nossa pesquisa.

Referências

ALMEIDA Alfredo Wagner Berno de A ideologia da deca

Obras consultadas

ABREU R e CHAGAS M (orgs) Memória e patrimônio:

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  r  e  s  e  p  r  o   d  u  t  o  s

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Capítulo 2

O d d i d i

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O mapeamento das cadeias produtivas

Raquel Noronha, Franklin Veiga Neto, Imaíra Portela, Marcella Abreu e Milena Alves

Neste capítulo, apresentaremos o mapeamentodas cadeias produtivas dos artesanatos produzidos emBrito, Santa Maria e Itamatatiua. Este foi o resultadode um trabalho compartilhado e coletivo, entre arte-sãs, professores e alunos que durante toda a pesqui-sa se disponibilizaram a entender o processo produti-vo como uma cadeia, em que cada etapa e cada agentetêm relação direta com o todo e com o resultado nal,que é a transformação da matéria-prima em artefato.

Partimos da denição de Krucken de que uma ca-deia produtiva se constitui a partir do conjunto de ati-vidades econômicas que se articulam progressivamen-te desde o início da elaboração de um produto (inclui

matérias-primas, máquinas e equipamentos, produtos

intermediários) até o produto nal, a distribuição e acomercialização. (KRUCKEN, 2009, p.120). Como dis-semos anteriormente, nossa análise estará delimitadaàs etapas referentes à produção dos artefatos artesa-nais inventariados, e às representações dos agentes li-gados a estas etapas: as artesãs. Desta forma, a iden-ticação de valores que posteriormente apresentare-mos está também associada à visão destes sujeitos esuas percepções e suas opiniões sobre quem comprao que produzem.

Inicialmente apresentamos as etapas de cada umadas cadeias produtivas pesquisadas, a m de ofereceruma visão geral e comparativa das etapas, para que

possamos observar semelhanças e diferenças entre ca-da uma delas.

Nos itens que se seguem, neste capítulo, apresen-taremos de forma detalhada as etapas das cadeias pro-dutivas da rede de Brito, do linho de Santa Maria e dacerâmica de Itamatatiua e, na medida do possível, apre-sentando o registro fotográco de cada uma delas.

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Etapas da

cadeia produtiva de Brito

ENCOMENDACOMPRA DA MATÉRIA-PRIMACOLOCAR NO MEADORTINTURA

GOMARSECAGEMTORCER O FIOCOLOCAR O FIO NO ROLADORBOTAMENTOENLIÇAMENTO

ENCHIMENTO DO PAU COM FIOBATIMENTOENROLAR O FIOENROLAR AS CABECINHASCOLOCAÇÃO DO CARIÉACABAMENTOS

ENTREGA

Etapas da

cadeia produtiva de Santa Maria

INÍCIO DA PRODUÇÃO / ENCOMENDAIDENTIFICAÇÃO DAS PALMEIRASEXTRAÇÃO DO OLHORISCAMENTO

PUXAMENTOCOZIMENTO / TINGIMENTOSECAMENTORASGAMENTOEMENDAMENTONOVELO

BOTAMENTOENLIÇAMENTOBATIMENTOACABAMENTOSELEÇÃOENTREGA/COMERCIALIZAÇÃO

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Etapas da

cadeia produtiva de Itamatatiua

INÍCIO DA PRODUÇÃO / ENCOMENDATIRAR O BARROTRANSPORTEMOLHAR O BARRO

AMASSAMENTOMAROMBAAMASSAMENTOMODELAGEMACABAMENTOSECAGEM

RASPAGEMSECAGEMACABAMENTO FINALQUEIMAACABAMENTOS PÓS-QUEIMASELEÇÃO

EXPOSIÇÃOENTREGA

2.1 Cadeia produtiva de Brito

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ENCOMENDA

Quase que exclusivamente, a encomenda é re-cebida quando os compradores vão a Brito. Aexceção é quando alguém de Brito está em SãoLuís e recebe a encomenda. No ato da encomen-da são denidas as características da rede, co-mo tamanho, cor, tipo de o, quantidade deexemplares e preços. Geralmente é dado umsinal de 50% do preço total da rede.

COMPRA DA MATÉRIA-PRIMA

A compra dos os de algodão e do tintol (co-rante) é feita em São Luís, pois o preço é menor.Enquanto elas pagam R$12,00 por quilo na ca-pital, na sede de Alcântara este preço sobe pa-ra R$15,00. Esta compra é realizada geralmentepelo marido de Roberta, que já faz esta viagemcom frequncia, independente da compra. As-sim, o dinheiro gasto com o transporte não é re-

tirado do lucro das redes. Ele tem contatos comum vendedor do Mercado Central, que lhe ofe-rece alguns descontos na compra dos os, que jásão comprados em quantidades que excedem asnecessárias para as encomendas feitas, gerandoum pequeno estoque. O o adquirido é cru, sen-do tingido durante o processo.

1) 2)

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TINTURADepois de ser tirado do meador, o o é colo-cado para tingir nas panelas com tintol, da corespecicada pelo comprador. Primeiro, elas co-locam a tinta e a água nas panelas, esperam aágua ferver para colocar os os. São, em média,oito novelos, já desenrolados, por panela. Paraesta atividade são necessárias duas artesãs, en-quanto uma coloca os os, a outra vai batendo

e apertando o o para a cor car uniforme. Es-te processo demora cerca de quinze minutos.Elas continuam mexendo o o até que a tintaseja toda absorvida e a água que “branca”. Oforno usado é à lenha.

COLOCAR NO MEADOR

O meador é uma ferramenta que prepara o opara ser tingido. Nele, o o é desenrolado donovelo para formar uma espécie de cordão, deuns 40cm de diâmetro, para facilitar o tingi-mento. A artesã sempre dá uma laçada no naldo processo para o o não embolar.

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GOMARO o é transportado para uma bacia e ainda

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O o é transportado para uma bacia e, aindamolhado, começam a abri-lo para passar a go-ma, mexendo-o até que o o absorva toda a go-

ma. Em seguida, ele é torcido para que seja reti-rado o excesso e é exposto ao sol para secar. Agoma é passada para rmar o o, facilitando osprocessos de enliçamento e batimento.

SECAGEM

A secagem do o é feita ao sol. Este proces-so, no verão, dura aproximadamente um dia emeio; no inverno, pode demorar até trs dias.

TORCER O FIOEm Brito, elas confeccionam dois tipos de rede,a de o torcido e a de o singelo. Quando a esco-

lha da encomenda é por uma rede de o torcido,é necessário torcer este o. Para isso, elas uti-lizam uma ferramenta chamada fuso. Enrolam aponta do o no fuso e penduram o o em umgancho nos caibros do telhado do barracão on-de trabalham. Impulsionam o fuso para que elegire. O fuso ca em um movimento de sobe-

-e-desce, e o o vai sendo, então, torcido. Es-ta rede tem a característica de ser mais pesada,porém é mais durável e resistente.

6)

COLOCA O FIO NO ROLADORO rolador serve para arrumar o o e fazer um

8) BOTAMENTOEsta etapa é a de colocar os os no tear que é

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O rolador serve para arrumar o o e fazer umnovo novelo. No começo do processo, o o defábrica é desfeito para receber o tingimento. As

artesãs precisam criar um novelo manual paracolocar o o no tear. Depois de seco, o o caaberto em forma de cordão. As artesãs o colo-ca no rolador e puxam a ponta, enrolando - ocom as mãos.

Esta etapa é a de colocar os os no tear, que éformado por duas madeiras na vertical, parale-las que se distanciam na horizontal. Essa distân-

cia é que determina o comprimento da rede.Na horizontal, também há um par de madeirasparalelas, separadas por uma distância vertical,que é a largura da rede. É colocado um primei-ro pedaço de madeira na parte inferior para se-gurar a rede. É deixado um palmo e meio so-brando nessa parte inferior para depois bater ocarié, que são os acabamentos laterais da redeos quais dão origem ao punho. Já no nal do ba-timento, também deixam um sobra de um pal-mo e meio para bater o outro carié. Sempre uti-lizam dois novelos para cada cor que vão colo-car no tear.

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ENLIÇAMENTOO enliçamento é o processo em que se inicia a

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ç p qformação das tramas e desenhos da rede. Colo-cam dois instrumentos: a régua, uma vareta -

na, com uns dois centímetros de largura e como comprimento horizontal da rede e o liço, as-semelhado a um palito de madeira, tão compri-do quanto a rede. O o do liço se enrola nele evai passando por entre os outros os dispostosno tear. O liço pega o o de fora do tear e a ré-gua pega o o de dentro.

ENCHIMENTO DO PAU COM FIOAntes de bater , conforme o número de cores darede, as artesãs cobrem os paus com o trans-formando-os em novelos compridos. Os chama-dos paus são bastões de aproximadamente 30cmde comprimento e 1cm de diâmetro. São utiliza-dos tantos paus quantas forem as cores da rede.

Estes bastões servem para serem passados entreas artesãs em cada lateral da rede, na etapa dobatimento. Com este movimento, vão se desen-rolando e deixando o o transversal do batimen-to em todo o comprimento da rede.

11)

BATIMENTONesta etapa, começamos a “ver” a rede surgin-

ENROLAR AS CABECINHASNesta etapa, as artesãs tiram a primeira madei-

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do no tear. O processo consiste em passar umo transversalmente (com a ajuda do pau co-

berto com o) entre os os já dispostos no te-ar, e bater com o facão, instrumento de madei-ra, bem delgado, também passado transversal-mente à peça. Como a rede é comprida, é ne-cessário que que uma artesã em cada lateral,para movimentar o facão, e para passar de umlado para outro, o pau com o o. Depois do ba-timento, o liço é puxado, para trazer à tona umaoutra camada de os disposta no tear, e o pro -cesso se repete, com outro o transversal sen-do passado no tear. O processo dura até que apeça se complete.

ENROLAR O FIONesta etapa, as artesãs enrolam o o que sobra

do processo no enrolador.

ra que prende a rede, então ela folga. Os osque caram soltos são enrolados, juntados de

quatro em quatro, formando o que elas cha-mam de cabecinhas, pequenos artefatos de ma-deira, assemelhados a pregos. Com os os en-rolados elas botam o carié no tear.

13)

COLOCAÇÃO DO CARIÉO carié é a parte de cima da rede. Ele que tem

ACABAMENTOSEsta última etapa é a de acabamento, quando

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que ser muito bem batido e bem compactadopara que a rede que bem rme. Ele é batido se-

parado da rede. Não é preciso colocar a madei-ra que separa a rede. Ele é colocado diretamen-te no tear. Depois de colocado é que as arte-sãs escolhem o o e puxam dois liços, um parao o de fora e outro para o o de dentro do te-ar. O tamanho é determinado por elas. Na horade bater , utilizam o facão. Este tem que ser maispesado para a batida car mais apertada, e asse-gurar que as cabecinhas não escapulam.

são feitas as varandas (franjas), na própria rede,e os punhos. O punho é colocado nas cabeci-

nhas que sobraram do batimento e da colocaçãodo carié. O armador é feito com quatro pernasde o que são torcidas e bem apertadas.

ENTREGA

Quando a rede ca pronta, o comprador re-cebe um contato telefônico, quando é chama-do para retirar o produto, ou o produto é leva-do por um portador até o cliente. O restantedo pagamento devido é pago em espécie. Algu-mas vezes, as artesãs dividem o pagamento emalgumas parcelas. O dinheiro recebido é repar-

tido entre as artesãs que participaram da exe-cução de cada peça.

17)

2.2 Cadeia produtiva de Santa Maria

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INÍCIO DA PRODUÇÃO/ENCOMENDAAs artesãs enviam sua produção, independen-temente de encomenda, para a loja de artesana-to da sede do município, localizada na Ladeirado Jacaré. Quando há uma encomenda, esta ge-ralmente chega por um telefonema. São ONG,empresas com viés em responsabilidade social,ou lojas de produtos para o lar ou moda. Asartesãs tm um e-mail, que é constantemente

acessado pela consultora do SEBRAE, SocorroAbreu, e caso haja uma encomenda, ela avisa portelefone as artesãs.Quando fazem uma encomenda, acontece umareunião, na qual as atividades são divididas, deacordo com a capacidade de produção de ca-da uma. Após esta decisão, cada uma vai para

sua casa iniciar a produção. Caso haja uma es-pecicação de cor, o processo de tingimento érealizado coletivamente, para garantir a homo-geneidade do tom. Geralmente, cobram um si-nal, que deve ser depositado na conta de umadas artesãs.

IDENTIFICAÇÃO DAS PALMEIRASA colheita do olho do buriti é feita alternando--se as palmeiras. Em um ms, retira-se o olho deuma palmeira. No próximo ms, esta palmeiranão será utilizada. O próximo olho só será re-tirado quando um segundo já estiver brotando.A palmeira ca pronta para extração em cin-co anos; se cultivada, o prazo diminui para trsanos. Elas retiram entre cinco e sete olhos por

dia, mas podem perder esta retirada se o olho  já estiver aberto. Quando retirado, ele deve serutilizado logo, pois após trs ou quatro dias apalha seca e ca perdida. A cada dois olhos sãogerados dois sacos de linho.

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EXTRAÇÃO DO OLHOA extração do olho exige muita habilidade. Estaé uma etapa realizada por homens e mulheres.Eles colocam os pés em uma amarração de cor-das, depois começam a subir na palmeira, comauxílio de um tronco e já com o facão na boca.Quando chegam às palmeiras, começam a esca-lá-las com as mãos. Chegando ao alto, analisamse aquele olho está pronto para ser extraído;

se está, cortam-no, jogam o facão e o olho nochão e descem, da mesma forma que subiram.Cada uma faz seu trabalho individual, mas quan-do uma retira muitos olhos, chamam as outrasartesãs para ajudarem a tratar o linho. Funcio-na como um sistema de troca, quem foi ajuda-do da primeira vez ajudará outra artesã quando

esta necessitar.

3)

RISCAMENTONesta etapa, já com o olho retirado, o linho, par-te delgada e brosa, é separado da parte ex-

PUXAMENTOCom a bra já separada, o linho é puxado, atéser completamente separado da borra.

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g , p pterna da palha. Com o auxílio de uma faca, dá--se um talho, riscando o começo da bra pa-

ra poder separá-lo da borra, que pode ser uti-lizada para a cobertura dos telhados das casas,confecção de vassouras e outros utensílios, pa-ra uso da comunidade.

p pDurante esta etapa, os lhos e maridos das ar-tesãs são convocados a ajudar , para agilizar o

processo produtivo.

COZIMENTO / TINGIMENTOEstas duas etapas acontecem em separado. Ocozimento, quando se necessita de um linho cru,

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qda cor natural. Já o tingimento, quando o pro-duto exige linhos coloridos. Os pigmentos uti-

lizados podem ser naturais ou articiais. Elasarmam que o colorido de seus produtos os di-ferem muito daqueles produzidos pelas demaiscomunidades.Esta referncia para utilizar novas cores foi fei-ta pelo SEBRAE, que também envia informa-ções sobre as cores mais usadas no período. A

vendedora da loja também informa os pedidosde cores feitos pelos clientes.Como corantes naturais, utilizam o açafrão,que gera o amarelo; o salsão cozido, o verde;cinzas de queima e o mangue, o pigmento mar-rom; e o urucum, o pigmento laranja. Já as ani-linas geram as cores articiais: vermelho, roxo,

rosa, azul, verde e amarelo. A cinza e o mangueenfraquecem o o. A anilina pode ser colocadaantes ou depois do cozimento. Ela é colocadano fogo junto com a água. Quando esta já es-tiver quente, coloca-se o linho, que estará pre-viamente molhado. O tempo de cozimento de-pende da tonalidade que se deseja atingir, quan-to mais viva a cor, mais tempo na água.

Salsão e urucum

SECAMENTONesta etapa, o linho vai para a secagem. O onatural seca ao sol ou à sombra, quanto mais

EMENDAMENTODurante este processo é dado um nó “cego” na

 junção das duas bras e as pontas são devida-

5) 7)

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exposto ao sol, mais branco ca. O o tingidodeve secar apenas à sombra, ou a cor pode so-

frer alteração.

RASGAMENTODurante o rasgamento, o linho é desado empartes mais nas. Elas procuram os de largu-ras parecidas para não car feio. Todos da famí -lia auxiliam nesta fase.

mente cortadas.

NOVELOSão formados novelos manuais com o o jáemendado.

6) 8)

BOTAMENTONeste processo, o linho é disposto no tear, queé composto por duas madeiras paralelas que se

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distanciam na horizontal, e duas madeiras parale-las que se distanciam na vertical, de acordo com

o comprimento da peça que será executada. Es-ta altura é regulada com cunhas, que xam as ma-deiras na altura certa do tear. O processo consis-te em ir passando o o entre as duas madeiras pa-ralelas e horizontais, dando laçadas entre as duasvaretas que são axadas sobre a madeira superior.O movimento executado é realizado com a ar-

tesã em pé ou sentada, de acordo com o tama-nho da peça, e consiste em levar o o para bai-xo e para cima, movimentando o dorso. A lar-gura da peça é determinada pela quantidade deos de linho. À medida que vão dispondo o li-nho no tear, medem-no com a régua, pois ospadrões de cor são matematicamente construí-

dos, com o objetivo de se obter simetria nas lis-tras da peça. Também são executadas peças delistras assimétricas, embora a preferncia delasseja pela simetria.

ENLIÇAMENTOO enliçamento é o processo em que se iniciaa formação das tramas e desenhos do produ-

BATIMENTOEsta etapa consiste no batimento dos os, deforma que eles quem bem prensados e com-

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to. Nele, se utilizam dois instrumentos: a régua,uma vareta na, com uns dois centímetros de

largura e com o comprimento horizontal da re-de; e o liço, assemelhado a um palito de madei-ra, tão comprido quanto a peça que foi coloca-da no tear. O o do liço nele se enrola e vai pas-sando por entre os outros os dispostos no te-ar. O liço pega o o de fora do tear e a régua pe-ga o o de dentro.

pactados. Durante este processo, já se con-segue ver como a peça cará quando pronta.

O processo consiste em passar um o trans-versalmente entre os os já dispostos no te-ar, e bater com o facão, instrumento de madei-ra, bem delgado, também passado transversal-mente à peça. Depois do batimento, o liço é pu-xado, para trazer à tona outra camada de osdisposta no tear, e o processo se repete, com

outro o transversal sendo passado no tear. Oprocesso perdura até que a peça se complete.A cor do o transversal geralmente combinacom o arranjo cromático do produto. No ca-so do jogo americano, todas as peças são fei-tas de uma única cor, e um espaço de 10 cm édado entre cada peça, para originar a franja do

acabamento. As dimensões da peça são confe-ridas com a régua, e o processo de batimento seencerra quando o tamanho desejado é atingido.

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ACABAMENTOO acabamento diferencia-se de acordo com oproduto. Há opções para sacolas, redes, estei-ras etc Por exemplo nos jogos americanos o

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ras etc. Por exemplo, nos jogos americanos, oacabamento consiste em cortar e separar as

quatro peças que compõem o jogo; dar nós en-tre cada o das franjas resultante do corte. Nassacolas, consiste em torcer os os para formaros mais grossos, e depois agrupar os os gros-sos e enrolá-los com um o de cor complemen-tar, para fazer as alças. O processo encerra-secom a costura à máquina das laterais da sacola.

SELEÇÃOAs artesãs fazem um controle de qualidade, ain-da que informalmente. Observam a produçãoe solicitam ajustes no acabamento quando jul

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e solicitam ajustes no acabamento, quando jul-gam necessário. Discutem o uso e as combina-

ções de cores.

ENTREGA/COMERCIALIZAÇÃOUma integrante do grupo leva a encomenda aosCorreios e posta para o destinatário com o cus-to a cobrar . As peças produzidas destinadas aovarejo são enviadas para a loja no dia 10 de cada

ms. As peças são anotadas pela líder do grupo,e devidamente identicadas com o nome de ca-da artesã, além do preço. As peças são transpor-tadas pelo ônibus que faz a linha que liga o inte-rior à sede de Alcântara. É cobrada uma taxa deR$5,00 para conduzirem as sacolas até a loja. Aspeças são colocadas à venda em consignação, e

a loja coloca um valor de lucro sobre o valor co-brado pelas artesãs. Quando a venda com notascal é necessária, em alguma encomenda, o va-lor cobrado pelas artesãs é igualado ao valor daloja, para que esta emita a nota scal.Todo ms, uma lista com as vendas da loja é en-viada à associação, bem como o dinheiro refe-rente às vendas, que é entregue às autoras das

peças vendidas. Uma taxa de R$1,00 por peçavendida ca para o custeio da associação, queatualmente está investindo na recuperação dotelhado da sede.

14)

INÍCIO DA PRODUÇÃO/ENCOMENDA

2.3 Cadeia produtiva de Itamatatiua

TIRAR O BARRO1) 2)

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INÍCIO DA PRODUÇÃO/ENCOMENDAA produção da cerâmica pode ser iniciada de

duas formas: espontaneamente, a partir de umdesejo voluntário de produzir determinadas pe-ças que, à medida que vão cando prontas in-tegram o estoque da loja que as artesãs man-têm na sede da associação. Lá, cam expostasaté serem compradas por algum visitante. Ou-tra forma de iniciar a produção é por uma enco-

menda. Quando recebem uma encomenda, portelefone ou por meio de visita do solicitante,dividem entre elas as peças que serão executa-das, param a produção espontânea e iniciam aprodução encomendada. Há algumas peças, co-mo os potes grandes, que são executados ape-nas por algumas artesãs. No caso de uma enco-

menda deste tipo, apenas aquelas que detm oconhecimento participam da produção. Não hácontrato formal ou pagamento de sinal. O rece-bimento se dá na contraentrega da encomenda.

TIRAR O BARROEsta é a primeira etapa. Quando vão a um cam-

po, cavam os buracos e extraem o barro. A ex-tração acontece preferencialmente nos mesesde outubro a dezembro, pois o campo está se-co. Neste período, extraem barro para o anointeiro. Eventualmente, o barro pode ser tira-do em agosto ou setembro, caso a matéria-pri-ma do ano anterior esteja acabando e haja algu-

ma encomenda.O campo é muito extenso e rico em matéria--prima. Retiram a vegetação existente e cavamum buraco, para alcançar um barro mais limpo,cuja profundidade, segundo as artesãs, pode va-riar do ‘joelho ao peito’, ou seja, entre 50cm a1,20m, aproximadamente. Elas relatam também

perceber que o buraco que foi cavado, após aépoca do inverno, se reconstitui.

1) 2)

AMASSAMENTOPara colocar o barro na maromba é necessárioamassar o barro, misturando-o com a areia. Oprocesso consiste em molhar o barro no tan-

5)

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  a  p  e  a  m  e  n  t  o   d  a  s  c  a   d  e   i  a  s  p  r  o   d  u  t   i  v  a  sTRANSPORTE

Eles colocam o barro em um cofo e este é trans-portado por um animal ou um carro. Geralmen-te, pagam um homem para fazer o transporte.

MOLHAR O BARRO

Quando o barro chega à sede da associaçãoé colocado num tanque, onde é molhado pormeio de uma mangueira. É neste tanque que obarro ca armazenado, e aguardando ser bene-ciado para, então, ser modelado.

p ocesso co s ste e o a o ba o o taque e retirar com a mão uma grande bola de

barro que é colocada sobre uma mesa. A ar-tesã vai retirando porções de barro manual-mente e amassando, faz bolos alongados debarro com a adição de areia.

3)

4)

demanda. Quando há encomenda, preparam lo-go todo o barro necessário, e vão se alternan-do entre a atividade de colocar o barro na ma-romba e pilá-lo.

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MAROMBAOs bolos de barro amassados com areia são co-locados na maromba. Antes de adquirirem a ma-romba, a tradição era amassar o barro com ospés. Segundo as artesãs, esta era a parte maiscansativa e demorada do processo. Hoje, o pro-

cesso é realizado por duas artesãs: uma colocaos bolos de barro no orifício e a outra, com umpilão de madeira, vai amassando e empurrandoo barro que, depois de processado pela máqui-na, sai extrudado em uma seção circular, sendorecolhido em uma grande bacia de plástico. De-pois de amassado, o ideal é que o barro descan-se durante cinco dias, para só então ser modela-do. As artesãs, geralmente, encurtam o proces-so, partindo para a modelagem logo em seguidaao processamento na maromba.A quantidade de barro que é passada na ma-

romba é variável. Uma artesã se associa a outra,e ambas passam barro em quantidade sucientepara as duas, que pode ser apenas para um dia

de trabalho ou para a semana, dependendo da

6)

AMASSAMENTOMesmo depois da etapa de preparação do bar-ro na maromba, ainda é necessário que ele se- ja um pouco mais amassado para a modelagem.

7) vão dando a dimensão vertical do produto, subin-do o pote. Já neste processo, a artesã vai modelan-do a peça com as mãos, dando à boca do pote aforma, aberta ou fechada, de acordo com o tipo

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Elas molham o barro sobre a mesa e depois o

amassam com areia até que ele que no pontocorreto para ser modelado.

MODELAGEMNesta fase do processo é que elas dão forma àpeça. Fazem isto de pé, com o barro em cimade uma bancada de pedra, quando as peças sãopequenas. No caso de potes ou alguidares, fa-zem uma pequena cama de areia para poderemmontar a base em cima daquela. A areia, segun-do elas, serve para fazer o pote rodar.Para a execução da base, fazem uma bola debarro e a amassam com a mão até car com umcírculo de uns dois centímetros de espessura.Para constituir o pote propriamente dito, normal-mente, são feitas serpentinas, enrolando-se o bar-ro em longas tiras. Sobre a base de barro, estas ser-

pentinas são enroladas, em espiral, e superpostas,

de peça que está sendo modelada.

As peças maiores são modeladas no chão. A ar-tesã senta-se no chão com as pernas abertas, eentre elas, posiciona a base do pote. Vai subindo a peça com as serpentinas, e procedendo manu-almente à modelagem, para dar forma ao pote.As bonecas, os animais e outras peças não si-métricas são modelados a partir de uma bola de

barro, que vai adquirindo o aspecto que a arte-sã manualmente informa.

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ACABAMENTOCom a peça em pé, as artesãs vão utilizandoalguns instrumentos, tais quais colheres, facas,estiletes e cuipéuas (espátula formada por um

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pedaço de cabaça) para nivelar as superfícies in-

terna e externa do pote, para tirar-lhes o ex-cesso de barro, anando-lhe a espessura dasparedes. O procedimento consiste em ir pas-sando a ferramenta e rodando o pote, traba-lhando a forma sobre um eixo de rotação.O processo é o mesmo para vasos grandes e pe-quenos. Nesta etapa são adicionados os detalhes

da peça, como as orelhas (alças), as texturas, enm,tudo que ajuda a compor a visualidade da peça. Pa-ra adicionar outras partes ao corpo da peça, usa--se a barbotina, uma espécie de pasta de barro ui-da, feita dos restos de barro raspado, que é penei-rado, resultando em uma cola de espessura bem -na. Para colocar uma orelha, por exemplo, as par-tes que serão acopladas são inicialmente raspadas,para que a barbotina entranhe nas duas peças. Aspartes a serem adicionadas são posicionadas e cola-das sob pressão. A colagem se estabelece após umdescanso de, aproximadamente, 48 horas.

SECAGEMDepois de modeladas, as peças são colocadaspara secar ao vento. Durante o tempo sem chu-vas, este processo dura em torno de doze ho-

d á h d d

RASPAGEMDepois de secas, as peças passam pelo proces-so de raspagem. Nesta etapa, utilizam outrosinstrumentos. A faquinha é usada para bater e

b bé

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ras, e quando o tempo está chuvoso pode de-

morar até sete dias.

cortar o barro em excesso, o que também po-

de ser feito pelos desbastadores. A cuipéua éutilizada para raspar a peça. Em seguida, é pas-sada uma esponja. Estas etapas têm como na-lidade deixar a superfície uniforme.

2

SECAGEMDepois de raspada a peça, ela retorna à seca-gem. Quando estão esperando acumular peçaspara colocar no forno, guardam-nas em caixasd’á d t d

ACABAMENTO FINALNesta etapa, as peças são lixadas com uma li-xa na e depois com uma pedra de rio. Por mé passado um escovão para dar brilho à peça.E i t l t ti d b t

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d’água, a m de retardar a secagem. Existem alguns outros tipos de acabamento,

como utilização de um cano de PVC para fu-rar a peça, entre muitos outros. Para identi-car a origem da produção, elas carimbam a pe-ça com um clich de metal, no qual está escri-to Cerâmica de Itamatatiua, Alcântara – MA.As peças menores, às vezes, recebem na baseo nome de quem as executou.

QUEIMAApós receberem todos os acabamentos, a pe-ça cerâmica é levada ao forno. Para colocar aspeças no forno, amontoam-se os potes, embor-cados Os potes maiores por baixo os meno

ACABAMENTOS PÓS-QUEIMAExistem casos, principalmente as bonecas, emque as peças são pintadas com tinta acrílica outinta para tecido, a chamada pintura a frio.

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cados. Os potes maiores por baixo, os meno-

res por cima, até chegar ao topo do forno, quetem sua boca fechada com cacos de potes que-brados. No forno grande, podem caber até 500peças e no menor, 300 peças. Fazem em médiauma queima por ms. O processo de queimada cerâmica dura aproximadamente cinco dias.A queima propriamente dita dura um dia intei-

ro. Depois, as peças descansam por uma noi-te, com as brasas. Na manhã seguinte, apagam--se as cinzas, molhando-as. As peças descansampor mais um dia e meio, para esfriar. Depois oforno é aberto, retirando-se os cacos de cerâ-mica que estavam fechando a sua boca. SELEÇÃO

As peças queimadas passam por uma verica-ção, para separação das peças que racharamdurante o processo de queima. As peças dani-cadas são descartadas.

EXPOSIÇÃOAs peças que foram confeccionadas sem enco-menda vão para a loja. Cada artesã conhece a

peça que fez, mesmo sem o seu nome na ba-se. Em cada peça é colocada uma etiqueta como preço e o nome da artesã que a executou.Quando uma peça é vendida, o valor é destina-do à autora da peça. Mensalmente, os custos demanutenção da sede são rateados entre as ar-tesãs, não havendo um valor xo de contribui-

ção ou taxa.

15)

16)

2

ENTREGAQuando a peça é comprada na loja, no ato devenda, cada uma é embalada em jornal, e entre-gue ao comprador. Quando a produção é frutode uma encomenda no prazo acertado no mo-

17) Referncia

KRUCKEN, Lia. Design e território: valorização de identi-dades e produtos locais. São Paulo: Studio Nobel, 2009.

Obras consultadas

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de uma encomenda, no prazo acertado no mo-

mento da contratação, o comprador retorna pa-ra retirar a produção, quando paga em espécie opreço acordado. As peças maiores não são em-baladas e as menores são enroladas em jornal.

Obras consultadas

DE MORAES, Dijon; KRUCKEN, Lia; REYES, Paulo (orgs.)Cadernos de estudos avançados em design. Identidade.Barbacena: EdUEMG, 2010.

FLUSSER, Vilém. O mundo codicado: por uma losoado design e da comunicação. Rafael Cardoso (org.). São Paulo:Cosac Naify, 2007.

MAFRA, Luiz Antonio Staub. Gestão do patrimônio imaterial:reexões sobre os direitos de propriedade nas indicações ge-

ográcas. In: Revista Pós-Ciências Sociais, n.13, vol.7. PPG-CSoc/EDUFMA, 2010.

MILLS, C. Wright. Sobre o artesanato intelectual e ou-

tros ensaios. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009.

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   A   l  c   â  n  t  a  r  a

   3

Capítulo 3

Reexões sobre as cadeias produtivas

do artesanato de Alcântara

Raquel Noronha

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  e  s  s  o   b  r  e  a  s  c  a   d  e   i  a  s  p  r  o   d  u  t   i  v  a

  s

Raquel Noronha

Aqui apresentaremos nossas reexões sobre asrepresentações e as práticas das artesãs sobre seusfazeres cotidianos. Identicar estes indícios na produ-ção artesanal das comunidades de Alcântara implicaperceber o que estas artesãs reconhecem como atri-butos da sua própria produção. Como um a priori me-todológico, temos o entendimento de que esta iden-ticação de valores deve partir dos sujeitos da pesqui-sa, e de que nós, pesquisadores, devemos estar aten-tos para perceber as dispersões e as reiterações dosdiscursos, apreender suas vozes e seus lugares de fala,com o olhar ltrado pela teoria.

Entendemos também que este mapeamento

não se encerra na análise que ora apresentamos, poisa construção da relação entre os sujeitos e os artefa-tos é dinâmica, e encontra-se em constante atualiza-ção, além de ser marcada pela constante reposiçãoentre as dinâmicas externas à comunidade e a formacomo os agentes locais reagem e respondem a elas.Desta forma, propomos uma análise sincrônica, re-

ferente ao curto período de tempo em que pude-mos acompanhar a produção artesanal destes locais.Neste capítulo, apresentaremos nossa análise

de como o processo produtivo do artesanato é re-presentado pelas artesãs, que tiram o seu susten-to destas práticas, e veem nele o prolongamento desua ligação com o lugar em que vivem – o que nos

aponta para uma síntese sobre a existncia de carac-terísticas que identicam o artesanato de Alcântara 

a partir da categoria territorialidade . Contudo, apossibilidade de haver esse o condutor – este nor-te de pensamento – não indica uma visão única sobreos valores associados às praticas artesanais, e tam-pouco nos leva a pensar em uma identidade xa, ins-crita em uma tradição única, como poderíamos pen-sar pelo fato de que todas estas comunidades encon-tram-se no território étnico de Alcântara.

3.1 O começo do processo: a encomenda

3.1.1 A natureza da encomenda: o estopim

A encomenda é uma importante categoria entreas artesãs, pois representa o fator externo à comu-nidade que dispara a produção. A encomenda não énecessariamente um papel, um ato formal, mas umcontrato moral, uma palavra, estabelecida entre asduas partes envolvidas e que garante a entrega dos

dois fatores envolvidos na encomenda: o produto e oseu pagamento em dinheiro.A encomenda pode chegar ao grupo de arte-

sãs de várias formas: por um telefonema, pela visi-ta do comprador ao povoado, por meio de uma via-gem que alguma artesã faça e receba a encomenda di-retamente do comprador; por um e-mail que che-

gue às artesãs por intermédio de algum conhecido.O que é importante ressaltar é o caráter exógeno à

comunidade. É a certeza, para as artesãs, de que aprodução já tem um consumidor garantido.

As artesãs já tm o costume de receber gran-des encomendas. Itamatatiua já teve como cliente aCAIXA e diversos decoradores de ambientes de São

pra um prazo bem curto, agora mesmo a gen-te perdeu uma encomenda, porque o prazo queeles deram pra gente era muito curto, a gentenão tinha o material já pronto.

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   A   l  c   â  n  t  a  r  a Luís; Santa Maria tem como cliente a Natura, bouti-ques em São Paulo e até no exterior. Brito já teve en-

comendas até de Brasília, mas sempre encomendas deuma rede, não mais que duas.

A encomenda não é a única forma de start da pro-dução, mas é a que mais mobiliza as artesãs: o retornodo trabalho é garantido. Quando recebem uma enco-menda, estabelecem-se e reativam-se os laços de soli-

dariedade na produção que, às vezes, cam adormeci-dos durante os períodos em que não há encomenda, eprevalece a produção para as lojas, no caso de Itama-tatiua e Santa Maria. Neste caso, a produção dependede um esforço pessoal, uma força individual moven-do a artesã para um trabalho que não será retribuídotão rapidamente. À incerteza do que produzem para

as lojas, preferem a segurança da encomenda. Em Bri-to, só há produção perante uma encomenda. Por ou-tro lado, o trabalho que vai para a loja permite um rit-mo mais lento da produção. Há um prazo pré-estabe-lecido na produção que vai para a loja, enquanto naencomenda, o prazo é sempre reduzido:

Suely, de Santa Maria: Não tem ninguém baten-

do pro rumo daí?Pesquisadora: A Celeste tá batendo.Suely: É? É pra mandar agora sexta-feira, pra loja.Pesquisadora: Vocs mandam de quanto emquanto tempo?Suely: Todo ms, dia 10 a gente manda o queproduziu no ms.Deuzimar , de Santa Maria: É que às vezes quan-do surge uma encomenda, eles querem assim

Durante nossa estada no povoado de Santa Ma-ria, visitamos a residncia de sete artesãs e todas es-tavam trabalhando na produção dos produtos queiriam para a loja em poucos dias. Trabalhavam prati-camente o dia inteiro, mas diziam que aquilo era sóna semana em que iriam encaminhar a produção. Jánas semanas anteriores, trabalhavam menos. As ati-vidades domésticas cam a cargo dos outros mem-bros da família – lhas, lhos e marido. Todas as ar-tesãs de Santa Maria são casadas e os maridos de-sempenham papel de importância – eles tiram o olho do buriti – o que as artesãs consideram uma ajuda.Na fala da artesã observamos a diferença de ritmode produção:

Rosa, de Santa Maria: Sei que essa última enco-

menda que teve agora, a louça cava lá, minha -lha vai lavar essa louça, pera aí mamãe, eu já vou.Aí depois que a gente tá só mandando pra loja aí a gente faz mais devagar, dá mais uma pausazinha.

As artesãs consideram chata a fase do acaba-mento porque é mais demorada e, por isso, produ-

zem primeiro o pano da sacola ou do jogo america-no, acumulam e depois, apenas nas vésperas da en-trega, se mobilizam para esta atividade, convocandoa ajuda dos familiares.

Em Itamatatiua, seja para a loja que mantm naassociação ou para alguma encomenda, o trabalho étodo realizado pelas artesãs, exceto na etapa de ex-tração e transporte da matéria-prima que pode cara cargo de algum homem contratado para este m. A

   3

divisão de uma encomenda acontece de acordo com acapacidade de cada artesã para produzi-la.

3.1.2 Solidariedade:

a ajuda e o trabalho familiar 

com esta listagem que o controle do pagamento é fei-to: cada uma recebe pelo número de peças que pro-duziu. Ganha mais, quem trabalhou mais e não quemtrabalhou melhor. Na loja, por outro lado, vale o gos-to do fregus e o gnio da artesã, que soube combinar

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A encomenda é o ponto de mobilização socialem cada um dos povoados. Quando há encomenda, éhora de convocar a família para o trabalho. Conver-sando com Suely sobre a atuação do marido e das -lhas dela na produção, ela também nos indica a soli-dariedade entre artesãs, que surge no momento emque a individualidade e a solidão das artesãs perante

o tear é quebrada pela participação da família:Pesquisadora: Ah, então ele [o marido] partici-pa... Ele participa de alguma outra etapa?Suely, de Santa Maria:  Ajuda, quando vem en-comenda a gente dá esse nozinho aqui, elas du-as aqui já sabe dar [fala das lhas] o nozinho doacabamento do jogo... Uma vez nós tava aper-

riada aí com uma encomenda que veio, aí eu dis-se assim: Ah, é pra entregar amanhã, nós temque dar conta, aí eu botei ele [o marido] pracortar com a tesoura, nós botamo a mesa aqui,aí nós passou o dia todinho de domingo cor-tando, ajeitando, quem fazia acabamento, fazia,quem cortava, cortava, quem emendava o linho,

emendava, pra dar conta... Aí eu terminei, aieu fui ajudar as outras quando terminei. Deixeieles aqui em casa terminando e fui ajudar as ou-tras... Que aí, uma tá aperriada, aí a gente vaiajudar as outras.

No período da encomenda, quando os produtosestão prontos, a líder do grupo faz uma lista com o no-me e quantidade de peças que cada artesã produziu. É

melhor as cores, ou modelou o barro de uma formamais interessante, com melhor acabamento.Em Itamatatiua, quando acontece uma encomen-

da, algumas etapas da cadeia produtiva que aconte-cem individualmente são realizadas coletivamente.As etapas de amassar o barro e colocar na marom-ba são realizadas para produzir barro para que to-das as artesãs envolvidas na produção possam traba-

lhar ao mesmo tempo, acelerando a produção. Po-rém, a divisão da encomenda entre as artesãs depen-de da experincia de execução do tipo de pote soli-citado na encomenda:

Pesquisadora: Todo mundo participa de umaencomenda assim, de peças grandes?Neide, de Itamatatiua: Não, por que essas pe-

ças aqui, elas lá não sabem fazer. Só eu e Domin-ga, só que ela não faz desse tipo, ela faz menor.Pesquisadora: Então dessas grandes, só asenhora?Neide: É... A Maria dos Santos... Mas ela não tábem treinada. Canuta também não tá bem trei-nada. Eu tava ensinando elas... Mas elas ainda

não sabem direito assim.Pesquisadora: Aí em uma peça assim grande,com duas pessoas trabalhando, quando vende,divide como o dinheiro?Neide: Uma ca com R$25,00 e a outra comR$25,00.

Este diálogo aconteceu enquanto Neide e De-nise modelavam e davam acabamento em potes

grandes. Neide cava com a parte da modelagem eDenise com o acabamento. Aos nossos olhos, o tra-balho de Neide é, proporcionalmente ao de Denise,mais demorado e mais desgastante pela posição detrabalho (sentada no chão, de pernas abertas, mode-

pra botar no sol, botar na goma, aí a gente fazessa parte, e ela vai botar no tear [se referindoa Roberta].

Em Brito, a divisão das atividades é pautada por

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   A   l  c   â  n  t  a  r  a lando o pote entre as pernas). Porém, a forma comodividem o pagamento demonstra uma lógica que é re-

corrente entre as artesãs de Itamatatiua: independen-te do trabalho que é realizado por cada artesã na pe-ça, o lucro é dividido igualmente entre aquelas queparticiparam da sua execução.

Em Brito, acontece da mesma forma:Pesquisadora: Como vocs dividem esses

R$130,00 que vocs recebem pela rede?Maria José, de Brito: A gente divide por igual,entre cada qual que trabalhou...Pesquisadora: Mas é a mesma coisa, quem bo-ta ganha a mesma coisa de quem fez a varanda?Maria José: É, a gente sempre divide entre astrs ou as quatro que trabalharam... se traba-

lhou cinco, a gente divide entre as cinco...

Em Brito, no mínimo trs mulheres trabalhamao mesmo tempo em uma só rede, o que a torna umproduto de uma coletividade:

Pesquisadora: Quantas redes vocs fazem porms ou semana, todo o grupo junto?

Silene, de Brito: Depende da encomenda, duasredes na semana a gente dá conta prontinho. Epor ms, vai mais de 10 redes. Vai bater a rede.O grupo todo, todos os participantes. A rede éfeita por etapa agora, a gente ta fazendo assimporque eu, Roberta, Xuxuta e Tica, a gente ba-te, né? Aí, pra tinturar, cou essa Maria, Sebas-tiana, e Vicenza, [que também ] caram na par-te do rolamento, tintura, aí torna mear de novo

um conhecimento especíco que divide as artesãsem trs grupos: as que sabem botar a rede no tear; asque sabem bater a rede; e as que fazem as outras ati-vidades de preparação do o e o acabamento.

Botar a rede no tear é uma atividade que repre-senta um certo status dentro do grupo, e só é rea-lizada por duas artesãs: Roberta, a líder do grupo, esua sobrinha, Luciene. Bater a rede é uma tarefa con-

siderada pesada e é realizada pelas mais jovens dogrupo. As atividades de preparação do o e o aca -bamento são geralmente realizadas pelas outras ar-tesãs que não botam e nem batem a rede. A produ-ção das redes é realizada por grupos de trs a qua-tro mulheres que formam uma espécie de linha deprodução artesanal. Uma primeira etapa, que englo-

ba mear, tinturar, gomar, torcer, e novamente me-ar o o, que podemos chamar de preparação do o,é realizada por uma ou duas artesãs; a segunda eta-pa, o botamento da rede é realizado por outra arte-sã. Quando naliza um botamento, esta artesã podeutilizar-se do outro tear e botar outra rede, otimi-zando, assim, a produção. A terceira etapa consiste

no acabamento, em bater o carié, colocar o punho ea varanda, que é tecida separadamente.Em Santa Maria, os procedimentos são bem

mais individualizados, conforme nos explica a artesãcomo acontece a distribuição da encomenda:

Pesquisadora: Mas aí como vocs fazem, porexemplo: se vocs recebem uma encomenda de20 bolsas, vocs primeiro batem todas elas pradepois fazer o acabamento ou bate uma faz o

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   3

acabamento em uma, bate outra, faz o acaba-mento em outra?Celeste, de Santa Maria: É por exemplo, quan-do a gente pega encomenda de 20 ,30, 50 peçasaí eu faço o qu? Eu reúno elas, por que me jo-

Uma outra artesã conrma esta estratégia:Pesquisadora: Vocs se organizam, por exem-plo: uma diz hoje eu vou fazer tal cor, aí vo-cs combinam pra só aquela pessoa fazer aque-le colorido verde?

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garam essa carga em cima de mim, então reúnoelas e digo que nós temos a encomenda de tan-tas peças, então quais são as cores? Cor amare-la, preta, vermelha, são várias cores, aí a gentedivide, três faz de uma cor, pra não car mistu-rado tanta cor, quatro faz de outra, cinco faz deoutra... Aí eu vou dividindo, faz tanto produtodesse, daquele, tudinho. Aí cada qual vai tirar o

seu olho, o linho, vai pintar daquela cor, vai tra-zer o material pronto.

A divisão da encomenda obedece ao critério dacor das peças, o que aponta para uma racionaliza-ção do processo produtivo: se cada artesã vai tra-balhar com um universo restrito de cores, ela pre-

cisa ocupar-se apenas com o tingimento destas co-res especícas, ganhando tempo e aumentando aprodutividade.

Quando a encomenda é para alguma empresaque solicita que os produtos sejam da mesma cor, oprocesso do tingimento é realizado de uma só vez,para garantir a igualdade da cor:

Pesquisadora: Porque vocs não deixam logo olinho todo tingido, um monte de novelo pronto?Suely, de Santa Maria: A gente deixa um pou-co, mas tem que ter do natural [sem tingimen-to] seco. Porque se chegar uma encomenda: ah,tem que ser tudo laranja! Aí a gente junta o na-tural e tinge de uma vez, pra car a igualdade dacor... Se a gente faz o tingimento separado, cacada qual de um jeito.

Celeste, de Santa Maria: Assim, quando é en-comenda só de uma cor, a gente se reúne todomundo pra fazer só de uma cor. Mas se não, ca-da uma faz a sua cor.Pesquisadora: Mas assim não é demorado?Celeste: Não, é tranquilo, até por que tem quepintar junto, se é encomenda, tem que pintar tu-do junto para o mangue car de uma só cor.

Ainda que haja a divisão das atividades, pode-mos identicar nas falas das artesãs indicações decolaboração entre elas. No momento em que tiramvários olhos, mais uma vez a categoria ajuda aparececomo materialização da solidariedade:

Pesquisadora: Então cada uma faz seu trabalho

individual, né?Celeste, de Santa Maria: É cada qual faz o seu,mas na hora de mandar pra loja, aí sim... Aí re-úne todo o material em um só local, pra fazer anotazinha pra poder mandar pra loja.Eudialite, de Santa Maria: Então às vezes quea gente tira bastante olho aí a gente convida as

colegas.Celeste: Exato. Aí a gente fala: olha, tu meajuda que quando tu tiver aperriada eu tam-bém te ajudo.

A solidariedade também pode ser identicadaquando alguma artesã tem um problema pessoal eé substituída na execução de suas tarefas. Em nos-sa estada em Santa Maria foi possível observar estes

aspectos de solidariedade a partir de um incidente:uma das artesãs encontrava-se com a lha interna-da em São Luís, prestes a ser submetida a uma cirur-gia. Faltavam apenas alguns poucos dias para o en-vio da produção mensal das artesãs para a loja deAlcântara Segundo as artesãs esta é uma fonte de

acabamento e sugeria melhorias, como sempre, pre-ocupada com a qualidade do produto.

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Alcântara. Segundo as artesãs, esta é uma fonte derenda bastante importante. Tirando as encomendas,muitas vezes, o que é vendido na loja é o único di-nheiro que elas “olham” durante todo um mês. Daí a importância do envio dos produtos. Aquela artesãprecisou viajar às pressas, para ver a lha internada,e foi conversar com Celeste, que prontamente pediua ela que levasse a sua casa as sacolas batidas, para

ela terminar de fazer o acabamento. Após observaro acontecido, iniciamos uma conversa com Celeste:

Pesquisadora: Voc vai terminar as peças dela?Celeste, de Santa Maria: Vou sim. Hoje a lhadela que tá doente, amanhã pode ser a minha.Por isso que a gente tem a associação. Quan-do tem encomenda, a gente distribui entre to-

das, e quando vem o dinheiro, a gente distribuientre quem trabalhou na encomenda. E quan-do alguém tá doente, ou com problema, a gen-te se ajuda.Pesquisadora: E para quem vai o pagamento dassacolas? Vocs vão dividir?Celeste: Não, vai ser dela, ela que fez, eu só

vou ajudar .

Também foi possível observar numa tarde, emque as artesãs sentaram-se na porta da casa de umadelas, Deuzimar, e aquele momento de reunião eraum momento de solidariedade na produção. Ma-rinalva ajudava Deuzimar a torcer o o do acaba-mento da sacola. Outras artesãs comentavam so-bre as combinações de cores. Celeste observava o

3.1.3 A adptação da produção

às necessidades do outro

Como já dissemos, as artesãs estão acostuma-das a receber encomendas que ativam a sua produçãoe, no caso de Brito, é a única forma de iniciá-la. Co-mo a encomenda é uma força exógena ao povoado,traz consigo uma série de prerrogativas que interfe-rem e inuenciam no resultado do trabalho. Foi pos-

sível observar nos discursos e práticas das artesãscomo o processo que conhecemos como customi-zação incide sobre o seu trabalho: na escolha da cor,no tamanho das peças, no prazo de entrega.

Esta possibilidade de customização é

uma característica do trabalho artesanal por-que a sua cadeia produtiva permite a aproximaçãoentre os dois polos, o inicial e o nal, o produtor eo consumidor. E também pela pouca rigidez no seu

o

   3

portfólio de produtos, que podem ser facilmenteadaptados à demanda de quem os encomenda.

Vejamos como as artesãs de Itamatatiua rea-gem às solicitações de adaptação de tamanho:

Pesquisadora: Qual foi a encomenda mais difícilque vocês já zeram?

Durante nossa estada em Itamatatiua, Neideestava trabalhando com Denise em uma encomendade potes grandes, que também eram feitos na metra-

 gem. A régua, a ta métrica são instrumentos utiliza-dos para garantir que as peças quem com um mes-mo tamanho. A queixa sobre a confecção de peças

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que vocês já zeram?Eloísa, de Itamatatiua: A da Caixa, a das cuias.É porque fazer peças assim de metragem...Neide, de Itamatatiua: É porque a gente seatrapalhou muito.Pesquisadora: Como é peça de metragem?Eloísa: É assim, medindo com uma ta [mé-trica]. Isso aí a gente não tá acostumado fazer

não. E o barro daqui é muito complicado. Muitoelástico assim. Deu muito trabalho essas peças.Pesquisadora: Tem que fazer maior pra ela en-colher certo no tamanho, né? E era de quantoessa encomenda?Eloísa: Acho que era umas mil e pouca, né?!Eles queriam só num tamanho só. Só que não

deu, certinho, certinho.Pesquisadora: Vocs conseguiram entregar?Eloísa: Só a metade. Porque quando vem a em-balagem né, tem que ser certinha.Pesquisadora: Ah, tinha que caber naembalagem!Eloísa: Eles queriam as cuias pra car dentro

da embalagem. Pra não car nem grande, nempequena.Neide: Ficar do tamanho mesmo da embala-gem. Aí foi um sacrifício.Eloísa: Porque o barro daqui, ele é um poucocomplicado.

mo tamanho. A queixa sobre a confecção de peçasna metragem acontece pela própria natureza do ma-terial: o barro é elástico. Isso quer dizer que ele re-duz quando perde água no processo da queima. En-tão para que atinja um tamanho especíco após aqueima, deve ser confeccionado em um ponto maior.Elas tm idéia sobre esta margem de variação de ta-manho, mas depende de fatores como a quantidade

de água e areia que fora colocada no amassamento do barro, a temperatura do forno, fatores sobre osquais elas não tm controle.

Perguntamos se elas sabiam em quantos graus acerâmica era queimada no forno e disseram que nãosabiam, e não tinham termômetro para medir. Emuma conversa, Eloísa contou sobre sua intenção de

aprender a vitricar as peças, mas sabia que isso de-pendia do controle da temperatura do forno e que,então, isto era um impedimento para a introduçãoda técnica na associação.

quando a mulher deu a quantia [o tamanho dapeça] tava muito, e aí ela não quis, mas aí a gen-te já tinha feito, cou uns grandes lá na loja.Uns jogo americano, eu nem lembro a metra-

 gem, mas ele só faz por encomenda.Suely: Ele é de 44[cm] de largura com 48[cm]

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A utilização de instrumentos de medição e cálcu-

los matemáticos para a confecção das peças também érecorrente em Santa Maria e Brito. No primeiro, pude-mos observar durante as visitas a utilização destes ins-trumentos enquanto botavam o jogo no tear. Duranteuma conversa com Eudialite e Suely, observamos a for-ma como as artesãs percebem a metragem:

Pesquisadora: Quanto custa o jogo americano?

Eudialite, de Santa Maria: É R$20,00 pra gente.Pesquisadora: Vinte, né? Na loja é vinte e oito,aí cam oito lá?Eudialite: Mas eu acho que esse de vinte e oi-to era aquele grande que a gente fez, né, Suely?Não, é porque tinha uns grande lá...Suely, de Santa Maria: É que ele é 35[cm], mastem uns de 45[cm]...Eudialite: A gente fez por encomenda, mas aí 

y [ ] g [ ]de altura. Ele é mais largo e é mais alto.Pesquisadora: Pra fazer esse grande tu contasos os, quantas vezes vai botar de cada um?Suely: Conto. Aqui muita das vezes a gentemede pela régua assim ó, mas aí eu já sei a quan-tidade de faixa de cada cor, medi ainda agora demanhã, aí agora eu to só voltando.

l  o

   3

A régua e a ta métrica são instrumentos quesimbolizam as restrições impostas pela encomenda.Quando perguntei sobre porque utilizavam estesinstrumentos, falam que foi para car tudo igual, eque foi o pessoal do SEBRAE que “disse” para elasutilizarem, e revelam a presença de uma conscin-

compra ou é alguém que revende, que leva ospotes pra vocs?Eloísa: É o consumidor que compra. Algumasvezes, né, que chegou [...] de Alcântara e leva al-gumas peças aí pra revender. Mas é menos.

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pcia sobre o motivo de atenderem a estas demandas:

Pesquisadora: Então, da onde que surgiu a idéiade colorir?Celeste, de Santa Maria: A isso aí vem de cur-so do pessoal do SEBRAE, pra usar o colorido,por que é assim, tem etapa, por exemplo, o ve-rão, pede um colorido bem forte, aí tem perí-

odo que eles pedem mais fraco, é conforme omercado.Suely: O Dedé [André, consultor do SEBRAE]diz pra gente fazer as repetições de faixa damesma largura, a cor do meio repete nas beira.E aí a cor entre cada uma a gente varia, vai donosso gosto. A gente usa a régua pra ver a me-

dida, tem que ter 25[cm] e a altura a gente vaicontando os os...Pesquisadora: Aí voc vai contando as voltas?Deuzimar , de Santa Maria: É, que num pode -car diferente, se a gente quiser deixar bem cer-to, as listras assim tudo de um tamanho só, temque contar.

Na fala de uma artesã, observamos uma daspossibilidades de chegada da encomenda no povoado,a partir da noção de consumidor :

Pesquisadora: Como vocs vendem isso?Eloísa , de Itamatatiua: As pessoas vem atéaqui. Às vezes a gente vai, leva pra Alcântarapra vender também.Pesquisadora: mas quem vem aqui já é quem

A voz institucional do SEBRAE surge com a in-trodução das noções de mercado e de consumo, ins-tâncias até então não mencionadas pelas artesãs. Odiálogo que mantm com estas instâncias, ainda quede forma mediada pelo SEBRAE, interfere nas esco-lhas das artesãs sobre a sua produção. A utilizaçãodo padrão de posicionamento de cores e suas com-

binações padronizam a produção das artesãs, che-gando a alguns tipos de combinações estéticas, aosquais podemos perceber nas imagens a seguir:

vou desmanchar... Aí vou acrescentar, no lugardesse azul, eu acrescento esse mangue, aí voubater, aí vai dar certinho aqui de novo.Pesquisadora: Mas porque que deu erro?Suely: Porque é assim, ó [mostra uma peçapronta]. Cada faixa de cor tem que ter uma me-

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Há espaço para a manifestação do gosto das ar-

tesãs, mas dentro do esquema proposto de repeti-ção e de reprodução das faixas de cor. A existência

de um padrão implica necessariamente o não

atendimento a este padrão. A percepção distose dá na forma da noção de erro:

Pesquisadora: Voc tá fazendo o que aí?Suely, de Santa Maria: Um jogo americano, eubotei, aí agora eu vi que não ia dar certo, deuerro, eu ia pegar esse daqui no nal, aí agora eu

dida. E a gente dobra [espelha] pro outro lado.Assim, se eu começo com uma cor, tem ter elano meio e no nal. E tem que ter essa cor nobatimento também...Pesquisadora: Mas voc só bota assim?Suely: Eu boto também de outro jeito também,com as faixas diferentes, cada qual de uma cor...

Mas o pessoal aí de fora gosta é das faixinhasdobradas... Aí a gente conta, usa a régua, e -ca certo...Pesquisadora: E agora, o que voc vai fazer?Suely: Vou tirar ... Tirar dá mais trabalho que bo-tar ... Acho que agora vou fazer certo. É ruimquando a gente v que está errado e já está ba-

tendo... Assim tá só botado, não tá batido... Aí tem que tirar tudo...

A partir da noção de mercado materializa-sea produção para um outro – um outro muitas ve-zes intangível – mas para quem as artesãs dirigema sua produção, inserindo as suas peças num sis-

tema de trocas simbólicas. A noção de erro e deacerto está relacionada à existncia desse interlo-cutor distante, para quem elas produzem. Pode-mos identicar no depoimento acima que o rigordo uso da régua, o uso de um padrão cromático, acontagem dos os estão relacionados ao que é cer-to – para este comprador.

Durante a tarde em que acompanhamos o traba-

lho na casa de Suely, observamos que ao botar um jogo

   l  o

   3

americano no tear e perceber que errou na sequncia ena largura de faixas de cor, ela inicia o processo de tirar  os os do tear e depois reinicia o botamento, aumentan-do em praticamente 30% o tempo de produção do jo-go americano. Perguntei se ela sempre erra e ela disseque sim, porque se distrai e se esquece de contar os os.

tradicional e o quilombo surge a partir do que o ou-tro valoriza em sua produção. Mais adiante falaremosmais aprofundadamente sobre o valor do tradicional naprodução artesanal.

Em Brito, a cadeia produtiva da rede não recebeunenhuma inuência do SEBRAE, mas isso faz parte de

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   R  e     e  x   õ  e  s  s  o   b  r  e  a  s  c  a

   d  e   i  a  s  p  r  o   d  u  t   i  v  a  s

A inuência do SEBRAE também chegou a Ita-matatiua. A técnica de pintura a frio foi introduzi-da pela instituição como uma forma de diferenciaro produto. A pintura a frio consiste em pintar a pe-ça com tinta de tecido após terem sido queimadas.Aplicam-na principalmente nas bonecas e se dividemquanto à utilização deste acabamento:

Eloísa, de Itamatatiua: Aí, depois que o SEBRAEveio a gente não fazia assim em grupo; a gente fa-zia nas casa de gente. Aí depois que o SEBRAEveio organizar a gente e a gente ganhou essa se-de... O SEBRAE que disse pra gente pintar as pe-ças pra car melhor, que os turistas gostam...Dos Anjos, de Itamatatiua: Mas tem turista

que não gosta não, que dizem que gostam maisda queimada, e das manchadas do fogo mesmo,porque são tradicional daqui de Itamatatiua...Eloísa: É, varia, cada qual gosta de um jeito. Ébom a gente ter na loja de todo tipo, mas os tu-ristas às vezes gostam da boneca pintada, mastambém gostam da tradicional do quilombo...

 As artesãs de Itamatatiua demonstram em su-as falas que percebem o valor atribuído à identidade do produto pelos consumidores. Observam as pre-ferncias de consumo porque elas próprias tm asua loja e com isso entram em contato direto como comprador de seus produtos. O outro para quemproduzem está mais próximo, podem conversar com

ele e saber de suas preferncias. O discurso sobre o

um desejo das artesãs, que lamentam ainda não teruma associação formalizada, para poderem receberprojetos de qualicação da produção artesanal.

Lá, a encomenda é sempre personalizada. A re-de é considerada um objeto pessoal pelas artesãs. Éfeita sob medida, na cor e no tamanho que o clientedesejar. O cliente também tem a opção de ter uma

rede de fo singelo ou de fo torcido. As artesãs inte-ragem com o cliente no ato da encomenda e, com is-so, também tm a possibilidade de perceber as pre-ferncias e gostos do outro. Elas nos apresentam asopções do seu produto:

Pesquisadora: Vocs não fazem sem encomenda?Roberta, de Brito: Olha a gente faz do tama-nho e da cor que a pessoa quer: eu queria eratal cor assim, é mais quando eles vm que eles

digo a cor, a cor certa, que pelo menos que támais saindo agora é preta e branca, que quemé vascaíno, quem é, Botafogo, é Botafogo e tãopedindo mais preto e branco.Pesquisadora: Então quem compra mais é opessoal das comunidades de perto?

A S í

a garantia de que o produto já tem uma destinação eo retorno é garantido para as artesãs, por outro lado,implica uma atitude mais passiva das artesãs que espe-ram a encomenda – pela própria garantia do retorno – sem deixar que as experincias e testes com os mate-riais surjam, pois na encomenda quem diz o que é para

f é

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  n  a  t  o

   d  e

   A   l  c   â  n  t  a  r  a Roberta: Agora vem um pessoal de São Luís,

com esses projetos [projetos relacionados aoCLA e ao ACL], vão olhando, gostando e vãoencomendando. Tem até de Brasília porque orapaz que trabalha lá veio comprar lá.Pesquisadora: Mas a oportunidade de mostrar ésó porque o cliente vai falando?

Roberta: Aí tem os que vão lá, olham na casadas pessoas que trabalham comigo, às vezes seagradam, aí encomenda e a gente vai fazendo. Jásaiu muita rede da gente pra fora, pra São Luís...Pesquisadora: O que mais que o pessoal podeescolher?Roberta: Aí tem que ver o tamanho também,

se é de 3Kg ou de 4Kg, tem até de 4,5Kg... Re-de grande, pesada... Pode ser de o torcido, oude o singelo... Dura pra vida toda!As artesãs de Brito aguardam a solicitação do

cliente para botar a rede, e dizem que raramente bo-tam uma rede sem ter a encomenda, porque ca difícilde alguém querer comprar, porque pode não estar do

agrado do comprador, na cor ou no tamanho errados.Mais uma vez, o padrão de produção está condiciona-do ao desejo do consumidor, que dentro das opçõesoferecidas pelas artesãs, customiza o seu produto emum exercício de participação na produção.

Esta possibilidade de interferncia do consumi-dor no processo produtivo implica algumas reexões.Se por um lado, a inuência do consumidor no pro-

cesso produtivo, adequando-o às suas necessidades é

ser feito é o cliente e não a artesã.A descoberta, o teste com os corantes, o de-

senvolvimento de novos produtos cam desestimu-lados porque as artesãs deixam, em parte, de seremagentes criativas do saber que elas próprias domi-nam. Revelam, por exemplo, que a introdução de co-rantes articiais na produção do linho foi para aten-

der às demandas do mercado:Pesquisadora: O que vocs acham que é dife-rente no artesanato de vocs?Celeste, de Santa Maria: É o colorido e o li-nho... A gente trabalha com o linho e elas [deBarreirinhas] trabalha com a borra...Pesquisadora: Então, da onde que surgiu a ideia

de colorir?Celeste: É porque como a gente tem a meninaque trabalha na loja, ela v o que o turista dizaí o pessoal do SEBRAE pesquisam na internettambém, por que a gente ainda não tem acessoà internet. Aí pesquisa: olha, esse ano o forte éo colorido, é o forte é o bem vermelho... Aí a

gente vai fazer da forma que tá.Pesquisadora: E de usar os corantes articiais...E os corantes, como vocs escolhem?Celeste: Antes a gente só usava os naturais...Mas depois o SEBRAE trouxe a anilina... Aí -cou bem colorido... Mas tem encomenda que sópode usar os naturais... Tem gente que gosta sóde mangue e natural... O pessoal gosta muito só

de natural...

u   l  o

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  m    t   i  n

  g   i  m  e  n   t  o   )

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   i  n  z  a

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   d  e   i  a  s  p  r  o   d  u  t   i  v  a  s

Aqui percebemos como a introdução de umnovo elemento, o uso de corantes, interfere dire-tamente na produção, tornando-se até uma de su-as principais características de diferenciação peran-te o artesanato de outras localidades. Observamos

também a percepção das artesãs sobre o gosto dosclientes em preferir o tingimento natural e identi-cam-no como um valor, chegando a falar em ter umpreço diferente para produtos naturais.

Esta assimetria entre produtores e consumido-res revela as forças que interferem na produção arte-sanal de Alcântara e, cada vez mais, é possível projetarum cenário no qual o tempo da produção artesanal vaideixando de existir. Se pensarmos a atividade artesanalcomo a forma de expressão de um saber-fazer especí-co e que o valor do tradicional é importante na medidaem que deixa as artesãs livres para expressarem o quepensam sobre si e sobre o seu lugar, o tempo da en-

comenda aliena esta possibilidade da vida destas arte-sãs, dando lugar a outras formas de sociabilidades, mais

pautadas no desejo e no tempo de um outro.

3.2 A sazonalidade:

matéria-prima e produção

Por sazonalidade entendemos a ação do clima edas estações do ano sobre as cadeias produtivas que

ora analisamos. Isto é referenciado de muitas formaspelas artesãs: o tempo bom, o tempo ruim, o verão eo inverno, e estas categorias nativas se articulam fun-damentalmente com todas as etapas da produção etambém no consumo dos artefatos produzidos. Narelação das artesãs com a natureza, encontramos di-versas alusões ao clima e às épocas do ano e comoas suas variações interferem na produção:

Pesquisadora: Tem uma época que compram mais?Roberta, de Brito: No inverno, quando tá cho-vendo não pode bater  ela. Porque custa maisenxugar e a gente também custa mais bater por-que o o ca frio. No verão tanto é mais fácil pravender, quanto pra bater .

  n  a   t  u  r  a   l   (  s  e

     a     ç     a       f     r       ã     o

  m  a  n  g  u  e  c  o

  u  r  u  c  u  m

     s     a       l     s       ã     o

No trecho acima observamos como a sazonali-dade inuencia tanto no processo de produção co-mo no de consumo – no bater e no vender. Quandoestivemos em Brito, durante o período do chama-do inverno, observamos a diculdade em se trabalharcom o o frio, pois ele não corre [desliza] na madei-ra d tear A r d çã das redes cai entã br sca

campo continua alagado e o acesso a Brito continuadifícil mesmo após meses do início da estiagem.

Maria José, de Brito: No dia que chove, na ho-ra de botar a rede no tear, ele [o o] vai candoassim frio, aí não tem como ele ceder, abrir pragente jogar a canela de bra na madeira. Aí tem

e tá m tem b m e nem a ra ele ai

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   A   l  c   â  n  t  a  r  a ra do tear. A produção das redes cai, então, brusca-

mente, obrigando as artesãs a buscarem outras for-mas de sustento. Por outro lado, a grande distânciaentre Brito e São Luís, ou mesmo da sede do muni-cípio, amplia-se no período das chuvas, devido à di-culdade do acesso ao povoado, que ca completa-mente alagado, dicultando que os compradores em

potencial cheguem até a comunidade, corroborandopara a diminuição do consumo.

Quando perguntamos o que elas fazem no in-verno, o trabalho na roça foi indicado como a ativida-de principal. Porém, quando a necessidade nanceiraca aguda, a ida para São Luís é inevitável, todavia asubsistncia está ligada ao lugar de origem:

Silene, de Brito: É, no inverno é difícil a gentepegar algum dinheiro com rede, não dá resulta-do... Eu fui pra São Luís, trabalhar em casa de fa-mília, mas ela queria que eu não comesse... Prafazer dieta lá, né? É melhor car aqui, cuidan-do da minha roça, que pelo menos fome a gen-te não passa... Tem sempre o peixe e a farinha.

O tempo difícil  é associado ao chamado inver-no e faz referncia ao período das chuvas no Mara-nhão, que acontece entre os meses de janeiro a ju-lho. Em contraposição, o tempo bom é associado aoverão, que representa o tempo da estiagem, de agos-to a dezembro. Porém, os efeitos da chuva na vi-da dos povoados fazem-se sentir para além do perí-

odo em que efetivamente chove. Em Itamatatiua, o

que tá um tempo bom, que nem agora, ele vaisecar, daqui pra tarde, vai dá pra bater .Celeste, de Santa Maria: No inverno trabalhapouco por causa da chuva... Agora, no verão não,né, trabalha bastante... Agora no inverno, a chuvaatrapalha muito, porque não tendo linho, aí temque tirar na chuva, aí o linho não enxuga direito,

aí pra bater chovendo, não bate, só assim no solquente, mas no inverno é o período dela [da chu-va], aí tem que se virar, fazer o possível. O clima está também associado à duração da

produção, pois o tempo frio causa profundas mudan-ças na matéria-prima. As artesãs mencionam que o o

e o linho cam frios, e no trabalho com o barro há umaumento no tempo de secagem das peças. Porém, oaumento do tempo da produção não está associado aum período de ócio entre as artesãs de Brito e SantaMaria, que são muito afetadas pela sazonalidade:

Pesquisadora: E agora, no inverno, vocs fazemo qu?Silene, de Brito: Agora é o tempo de ir pra ro-ça. Todo dia de manhã. Meu marido trabalhacom horta, tem uns porcos... Eu mesma agora aumas semanas, tava com umas contas, aí fui praSão Luís, trabalhar em casa de família, mas fo-ram só dois meses, aí voltei...

O período da chuva afeta bastante a produção

e, muitas vezes, o grupo se dissolve neste período.

tu   l  o

   3

Algumas artesãs vão trabalhar na roça, pois é o pe-ríodo do plantio de diversas lavouras e o retorno -nanceiro aparece mais rapidamente. Daí a dispersãodo grupo durante o período do inverno.

Em Itamatatiua, as condições climáticas inuen-ciam tanto na extração da matéria-prima como nosprocessos de modelagem e secagem dos potes A

terminou, né, Maria?Maria: Já, já.Pesquisadora: Aí vocs tornam a mandar tirar?Eloísa: Sim, torna a tirar... Quando o campo se-car, por que agora o campo tá cheio como o qu.Vixe, quem entra lá não tem condição de sair...

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processos de modelagem e secagem dos potes. Aépoca em que buscam o barro no campo geralmen-te acontece em agosto, logo que o campo começa asecar, para reposição do barro que sempre está aca-bando neste momento, pois a última retirada sem-pre é realizada no ms de dezembro do ano anterior.Retornam em dezembro do ano em questão, perío-

do ideal, quando tiram barro suciente para caremdurante todo o inverno (de janeiro a julho), fazendouma espécie de estoque para o período em que oscampos alagam.

Pesquisadora: Tem um período melhor pra ti-rar o barro?Neide, de Itamatatiua: Novembro a dezembro.

Porque tá seco, né. Até outubro, conforme a chu-va. Se até outubro já tiver seco, aí é bom de tirar,né?! Mas se o campo tiver cheio, aí não. Aí começaa chover, aí a gente não tira mais. Mas é conformeo campo. A gente tira até com água. Mas o perío-do pra gente não se atolar é outubro, novembro,até dezembro quando não chove.Pesquisadora: Aí esse vai dá pra usar até quando?Eloísa, de Itamatatiua: Até no verão...Dos Santos, de Itamatatiua: Aí quando chegarnovembro, dezembro... Aí de novo tem que tirar.Eloísa: Mas se tiver bastante encomenda denovo, eu acredito que até em junho, julho, já

Com o passar do tempo e a organização dotrabalho na associação de Itamatatiua, a retirada dobarro passou a ser sazonal, tirando-se proveito dasestações do ano e da teceirização do trabalho pesa-do de carregar o barro. As artesãs comentaram mui-to sobre a diculdade da tarefa, sobre as dores cau-

sadas por este transporte do barro do campo à sededa associação, com o cofo na cabeça, principalmentenos dias atuais, em que já estão mais idosas.

Neide, de Itamatatiua: Antigamente, a gente tira-va barro o ano inteiro, mesmo com o campo ala-gado. A gente ia com o cofo, tirava o barro, e co-locavam na cabeça... Vinha com o cofo pesado,

pingando barro na cabeça... Hoje, a gente tira obarro praticamente duas ou trs vezes por ano, econtrata um carro para buscar no campo e levaraté a sede da associação. Para este serviço a gentepaga uns R$ 60,00 [trs diárias masculinas1].

O problema que o campo chuvoso causa emItamatatiua pode ser contornado com a estratégiade se estocar a matéria-prima durante o período emque o campo está seco, permitindo o acesso. Outroempecilho se coloca com a umidade do clima, que éa secagem dos potes. O período de produção prati-camente dobra como observamos na fala da artesã:

1. O valor da diária masculina e feminina é diferente em Ita-

matatiua. São denidas a partir do valor do quilo da carne,

aumentando sempre que há algum reajuste. Hoje, a diária femi-

nina é R$15,00 e a masculina, R$20,00.

a

Pesquisadora: E quanto tempo vocs dão contade uma encomenda dessas?Neide, de Itamatatiua: No inverno? No inverno é dois meses. No verão é um ms porque secarápido, a gente faz a peça em um dia, no outrodia a gente já tá fazendo acabamento. No inver-

no não Agora até tá secando depressa por que

sob a bandeira da responsabilidade socioambiental,não foi possível chegar a um acordo e conciliar otempo da produção com o tempo da encomenda.

Para superar este desao é preciso comunicara realidade das artesãs, e assumir a sazonalida-

de como uma característica da própria cadeia

produtiva Isso não quer dizer que a produção te-

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   d  e

   A   l  c   â  n  t  a  r  a no não... Agora até tá secando depressa por que

não tá chovendo muito. Daí eu z esses anteon-tem, e já tô dando o acabamento, mas quando táchovendo é oito dias pra fazer esse acabamento.

A sazonalidade da produção é um fato que estáem consonância com as outras atividades das artesãs,

como a roça, o artesanato de subsistncia que reali-zam, a ajuda na criação de animais que prestam aosmaridos, além das atividades domésticas. Porém, quan-do mais uma vez a demanda externa surge, na forma daencomenda, o embate entre o tempo da encomenda e o tempo do artesanato torna-se explícito.

Em Santa Maria também é possível vericar

uma queda na produtividade quando o período daschuvas chega:Celeste, de Brito: Ô, nós acabamos de per-der uma encomenda... Queriam 50 sacolas em10 dias. Mas não deu. Eu chorei no telefone deum lado, elas choraram de outro, mas não deu.E era pra Natura... Nós já tinha dado conta defazer 60 em 15 dias, mas o linho já tava tingido.Com esse tempo frio, é ruim, o linho não seca. Eé muito ruim bater com linho úmido.

Vemos no trecho acima uma situação que rela-ciona o mercado às condições climáticas que inuen-ciam na produção. A encomenda e o prazo estipula-dos pela empresa Natura não estão em consonância

com o tempo das artesãs e do artesanato. Mesmo

produtiva. Isso não quer dizer que a produção te-nha que parar – porque ela efetivamente não pára – mas é bastante desacelerada no período chuvoso. Oplanejamento da produção é uma estratégia que di-minuiria a frustração pela perda de uma encomenda pelas questões climáticas.

3.3 Produtividade: reexos nas relaçõessociais das artesãs e nos seus corpos

Durante a pesquisa, identicamos como umapreocupação das artesãs o incremento da produção:seja com o aumento na quantidade de equipamen-tos; seja com o aprendizado da execução do maior

número de etapas pelo maior número de artesãs; se- ja com a introdução de novos produtos no portfólio.Observaremos agora as causas e os reexos

desta necessidade de manter ou aumentar a produ-ção, com vistas ao atendimento das encomendas. Asquantidades de produtos solicitadas nas encomendas extrapolam as condições normais de produção, obri-gando as artesãs a passarem horas a o na frentedos teares ou sentadas no chão modelando o barro,a m de que não percam a encomenda, e com isso osreexos desta demanda no corpo são sentidos a to -do instante, por conta dos movimentos repetitivos eda má postura, principalmente.

As condições climáticas desfavoráveis, co-mo relatamos anteriormente, também contri-

buem para o alongamento do prazo de produção e,

í  t  u

   l  o

   3

consequentemente, para o atraso na entrega, fazen-do com que os momentos nais da produção sejamcansativos e estressantes.

3.3.1 Domínio da técnica

e as novas gerações

extremidade do tear, batendo o facão. No momen-to de esvaziamento da produção, por não haveremmuitas artesãs envolvidas na atividade, Maria José,uma das mais idosas do grupo, considera a possibili-dade de aprender a bater , mas ponderando que esteprocesso é algo penoso, que requer coragem. MariaJosé nos conta um trecho de uma conversa que te-

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   d  e   i  a  s  p  r  o   d  u  t   i  v

  a  s

Em Brito, Roberta nos apresenta sua visão so-bre o aumento da produtividade. Ela considera ne-cessário que as outras artesãs aprendam a realizaretapas que hoje são concentradas nas mãos de pou-cas artesãs, como a etapa do botamento pelas outrasartesãs, associado à aquisição de dois teares:

Roberta, de Brito: Quem dera elas aprendes-sem a botar ... Nós tamos com coisa de ganharmais dois teares. Vai ser bom poder deixar unsdois pra fazer os tapetes. Aí quer dizer que comdois tear, vamos ver se elas vão querer apren-der pra ser mais rápido, porque enquanto nóstamos batendo os dois, já tem mais dois pra ba-

ter carié. Tô a m de quem me descanse mais.Pesquisadora: As outras não querem aprender?Silene, de Brito: Tem que ser bem devagar eeu tenho muita preguiça, tem que ser bem de-vagarzinho que é bem comprido.

Ao mesmo tempo em que se queixa da sobre-carga por serem apenas ela e a sobrinha a saberembotar a rede, Roberta mantém a produção direciona-da aos seus interesses e o comando do grupo.

Aqui, observamos a necessidade de quali-cação de artesãs ligada à possibilidade de aumentodos meios de produção. Não adianta haver mais te-ares se não há artesãs qualicadas para botar a re-de, e mesmo para batê-la. O processo do batimento 

é sempre realizado por duas mulheres, uma em cada

 José nos conta um trecho de uma conversa que teve com Roberta:

Maria José, de Brito: “Cumadi, eu tô dizendo,vou ter que contar com a senhora, só tem a se-nhora pra fazer esse trabalho, pra bater a rede,que senão nós vamo parar.” [foi o que Rober-ta disse] Nem a Luciene tava indo mais, a Silene

não tava mais indo, não tava mais indo ninguém,aí a gente parou o trabalho. Aí camo só fazen-do essas coisa aqui. [mostra o tapete e o jogoamericano] “Por que só eu não posso bater , en-tão a senhora vai ter que procurar aprender,ter coragem, pra senhora sentar pra nós bater ,que senão nós vai parar de fazer rede.” [conti-

nua contando sua conversa com Roberta]. Porque esse aqui [o tapete] ela [Roberta] bate elasó. E eu quei trabalhando nesses aqui [acaba-mento do jogo americano].

As artesãs também estão desenvolvendo novosprodutos, menores e, portanto, mais baratos, pa-ra atender a um público que consideram maior. Es-ta possibilidade foi cogitada durante nosso primeiroseminário, realizado na sede de Alcântara e, em nos-so retorno, foi possível observar os produtos já sen-do desenvolvidos. São tapetes e jogos americanos.

Maria José já considera a possibilidade de fazerbolsas. Na opinião das artesãs, esta seria uma formade ter produtos prontos, sem encomendas, pois o in-

vestimento de tempo em trabalho e matéria-prima

  a

seria menor. Com o esvaziamento da produção, asolução encontrada foi reduzir o tamanho dos pro-dutos, para diminuir a quantidade de artesãs envol-vidas no processo.

É importante ressaltarmos que estão vivencian-do um período em que houve uma redução drástica

no número de artesãs que estão ativamente no pro-

A gente tá sabendo pra onde vai, pra onde nãovai, né? Perto da gente.Pesquisadora: Mas a Denise [lha de Neide]trabalha aqui com voc?Neide: Aham, Denise, tem Eduarda, tem 25anos... Denise, Karliane, Angela... Essas são asmais novas... Estão todas trabalhando aqui com

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   d  e

   A   l  c   â  n  t  a  r

no número de artesãs que estão ativamente no processo. A saída das artesãs está relacionada principal-mente à diculdade em se ter um retorno nanceiroconstante, o que leva as artesãs a priorizarem outrasatividades como a roça, o trabalho como emprega-da doméstica na capital e as contingncias familiares.

Itamatatiua é o único lugar em que o número de

artesãs vem crescendo nos últimos anos. Foi possí-vel observar trs gerações de mulheres trabalhandoao mesmo tempo e em número equilibrado na sededa associação.

No depoimento de Neide, vemos o que falamsobre a saída das jovens para a cidade:

Pesquisadora: Como as pessoas daqui veem o

trabalho de vocs?Neide, de Itamatatiua: Defende, porque já éuma tradição daqui.Pesquisadora: Vocs acham que as meninas da-qui querem aprender ou o interesse é pouco?Neide: eu acho que o interesse é pouco. Euacho assim, e mesmo elas, o estudo, né? Elastem que sair pra estudar, em São Luís ou em Al-cântara e lugar pra terminar os estudo. Quandoelas tão querendo aprender, elas vão embora.Pesquisadora: mas vocs queriam que elas con-tinuassem esse trabalho de vocs?Neide: Eu queria era que elas continuassemperto de mim, senhora! Porque, já pensou, oslho da gente, longe da gente. A cabeça da gen-

te ca zonzinha. Tem, empecilho nenhum não.

mais novas... Estão todas trabalhando aqui coma gente...

Em Santa Maria, a preocupação com os estu-dos dos lhos também os afasta da produção artesa-nal. As artesãs se valem da ajuda dos lhos e dos ma-ridos, mas quando os lhos crescem são direciona-

dos à cidade, para darem continuidade aos estudos:Celeste, de Santa Maria: É porque assim, osmeus eu ensinei, até o menino já puxava li-nho mesmo, puxava direitinho, quando eu ta-va muito aperriada aí ele puxava mesmo, masaí tem que sair porque não pode car aqui né,porque é até a oitava série, então terminou a

oitava série os jovens daqui tm que sair (...)vai sair tudinho por causa que não tem o se-gundo grau, a minha lha caçula, tem o que,tem 15 anos, tá no segundo ano já, tá estudan-do em São Luís, e os outros dois já teve quesair também, pra procurar trabalhar, estudar,alguma coisa assim. Tenho um irmão em Brasí-lia e mandei os dois pra lá.

Em Brito, a situação é mais delicada, pois as ar-tesãs são poucas, e nem todas dominam todas asetapas das cadeias produtivas. Em conversa com asartesãs, identicamos sua preocupação com traba-lho, para que este não morra:

Pesquisadora: E suas lhas?

Silene, de Brito: Eu tenho lha, a dela mora

í  t  u

   l  o

   3

aqui em Alcântara, eu tenho lhas, tenho trêsem São Luis, não vão se interessar em bater , aque mora comigo, tá pequena, tá com 10 anos,não tem condição de bater .Pesquisadora : Tem até que série aqui?Roberta, de Brito: Só tem até a quarta, na quin-

ta já tem que mudar pra outro lugar. É porque era

Depois, começou o plástico, e todo mundo sóqueria balde. A água encanada também... Aí caiumais o pote. Aí a gente resolveu fazer travessa,panela, copo...Neide, de Itamatatiua: Por que dantes, assim, agente não trabalhava assim... cada qual fazia em

suas próprias casas, aí a gente trazia pra infor-

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   C  a  p

   

   R  e     e  x   õ  e  s  s  o   b  r  e  a  s  c  a

   d  e   i  a  s  p  r  o   d  u  t   i  v

  a  s

j q p g p qpros jovens a partir de 16 a gente ir botando praaprender, pra não morrer o trabalho... Lá tem pou-ca mulher mesmo, que as meninas vão crescendoe vem estudar, sai, eu mesmo só tenho a que moraem Alcântara, o resto tudo é só homem...

O resultado, a longo prazo, deste esvaziamen-to da produção pela falta de artesãs qualicadas paraatender às demandas é a morte do trabalho iniciada háalgum tempo no caso de Brito ou de Santa Maria oude uma tradição secular de produção cerâmica emItamatatiua. Porém é possível identicar ao longo daconversa com as artesãs de Itamatatiua um cenário

inconstante de demanda ao longo dos anos que in-terfere na produção, que também decai.Na conversa abaixo, o tema era sobre a déca-

da de 70, quando houve uma drástica diminuição nasvendas de potes:

Pesquisadora: O que vocs faziam mais nessetempo mais antigo?Dos Anjos, de Itamatatiua: A gente fazia maisera pote, né?Pesquisadora: Porque vocs faziam pote?Dos Anjos: Porque pote é o que dá, né?!Pesquisadora: E vocs usavam isso no cotidianode vocs também?Dos Anjos: Usa. Até hoje. Porque o pote, agente viu que tinha muita saída, né?! Porque a

gente era todo mundo, levava pra tirar água.

p p , g pnar no forno, e quando a gente tirava as louçado forno, o comprador já tava ali pra comprar.Assim era. Ele garrava, comprava tudinho, paga-va e comprava tudinho, eu criei meus lhos foisó com isso aqui. Louça... Vendia praí tudo, praBequimão, pra Pinheiro... O pote saía era quen-

te pro carro...

Hoje a produção foi retomada, pela interfern-cia e mediação do SEBRAE, conforme nos relataramas artesãs. Foi possível observar como a diminuiçãona produção foi causada por fatores internos e ex-ternos à comunidade, naquele momento.

Pelo que foi relatado pelas artesãs mais ido-sas, o sustento das famílias provinha destas vendasde cerâmica. Armam que criaram seus lhos como dinheiro da louça. Na verdade, a cerâmica pos-suía um caráter utilitário relacionado ao armazena-mento de água. Quando não havia mais a necessida-de de se ir ao poço e que o pote pôde ser substitu-ído pelo leve balde de plástico, consequentemente,a cerâmica perdeu seu status. A geração que assistiua esta decadncia na produção não percebe a possi-bilidade de garantir seu sustento a partir de tal ati-vidade. A esta situação alia-se a indisponibilidade deescolas de séries mais avançadas no interior – umarealidade em inúmeros municípios – e a consequen-te saída dos lhos das artesãs para buscarem estu-

do, trabalho e renda.

r  a

3.3.2 A produção da dor 

Em diversos momentos da pesquisa foi possí-vel observar e escutar as reclamações de dores nocorpo, fruto das posições em que costumam traba-lhar e também causadas pela repetição à exaustão

de certos movimentos. A atividade artesanal está re-

Pesquisadora: A senhora senta na cadeira algu-ma hora?Neide: Não, só no chão...

Queixas sobre dores nos ombros, nos bra-ços, na coluna são recorrentes, além de reclama-

ções sobre ardncia nos olhos, causadas pelo traba-

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   I   d  e  n  t

   i   d  a

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   é  v  a

   l  o  r  :   a  s  c  a

   d  e

   i  a  s  p  r  o

   d  u  t

   i  v  a  s

   d  o

  a  r  t  e  s  a  n  a  t  o

   d  e

   A   l  c   â  n  t  a  r

lacionada a pequenas séries produzidas em espaçosde tempo que condizem com o esforço realizado.Quando a produção aumenta e o tempo de execu-ção diminui, os corpos das artesãs padecem.

Observamos nos ambientes de produção a pos-tura das artesãs para a realização de tarefas e obser-

vamos alguns constrangimentos ergonômicos nas po-sições de trabalho. De tempos em tempos, as artesãsmudam a altura do tear, para variar a posição em que sesentam e mesmo levantam o tear para baterem em pé.Em Itamatatiua, alternam-se entre o trabalho de mo-delagem realizado no chão, onde trabalham sentadas,com as pernas abertas ou em pé, apoiando o barro na

bancada de pedra. Esta posição está associada à produ-ção de vasos grandes, conforme nos relata Neide:Neide, de Itamatatiua: Hum... Eu tenho umador de coluna que às vezes eu tenho que me es-corar na parede. Ah, dói muito a coluna da gen-te. Aí pra levantar é só com a gurizada [ajudan-do a levantar] a gente tem que se encostar devez em quando pra não doer a coluna.Pesquisadora: E todo mundo sente?Neide: Tem umas que sente menos, tm ou-tras que sente mais...Pesquisadora: Esses jarros grandes, não dá prafazer na mesa, não?Neide: Não, esses assim não dá pra fazer... Sea gente zer na mesa, tem que passar pro chão

pra armar.

plho noturno de acabamento, principalmente em San-ta Maria.

Eloísa, de Itamatatiua: Aí eu também não con-sigo mais fazer aqueles vasos compridos, assim,por que a gente tem que ir rodando, por quedói demais, às vezes eu boto um mocho pra po-

der ajeitar.

p   í  t  u

   l  o

   3

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   C  a  p

   R  e     e  x

   õ  e  s  s  o   b  r  e  a  s  c  a

   d  e   i  a  s  p  r  o   d  u  t   i  v

  a  s

a  r  a

Eudialite, de Santa Maria: O jeito que tá do-endo minhas costas... problema de coluna, dóidemais as costas, demais.Pesquisadora: Só dói as costas?Eudialite: Não, só as costas mesmo, às vezesdói mesmo, dói, dói.Celeste, de Santa Maria: Eu de vez em quando

h di i i d íd [f l d d

Também podemos observar as estratégias queas artesãs utilizam para aliviar a dor e continuar naprodução:

Pesquisadora: E esse banquinho do pé?Luzia, de Santa Maria: Ah, isso aqui é pra aliviar...Pesquisadora: Quem foi que teve essa ideia?Luzia: É eu mesmo, eu boto aqui, as vezes tád d h d i ã

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   I   d  e  n  t

   i   d  a

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   é  v  a

   l  o  r  :   a  s  c  a

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   i  a  s  p  r  o

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  a  r  t  e  s  a  n  a  t  o

   d  e

   A   l  c   â  n  t  a amanheço o dia com isso aqui doído [falando do

braço], tem umas também que, já duas, a minhairmã e uma artesã lá de cima, sentem uma doraqui assim [pulso], não conseguem mais bater.

Deuzimar , de Santa Maria: É trabalho muito,

a gente trabalha porque precisa né, mas que dátrabalho, dá...Pesquisadora: Dá, né? A senhora sente dor?Deuzimar : E muito, nas pernas, dor na costa,e a gente leva a maior parte do tempo é senta-da. Só ainda não parei por causa que as meninatão pouca, nós tamo pouca no grupo, é que te-

ve algumas que foram embora, algumas que nãopuderam trabalhar por causa da vista...

Em Brito, onde o tear da rede é alto, as arte-sãs cam alternando as posições na hora de botar arede: cam em pé para alcançar a madeira superiore abaixam-se, para alcançar o inferior. O resultadodeste movimento é encontrado na fala de Luciene:

Pesquisadora: Luciene, tu sempre ca assim, le-vantando e agachando quando vai botar a rede?Luciene, de Brito: É... Quando tô de short euco é de acoco [acocorada]... Só quando a gen-te bota a rede mesmo que é daqui até lá... Aí sente muita dor nos quarto [colocando as mãosna altura dos rins], na hora de botar . Na hora de

bater eu não sinto nadinha não.

doendo, eu tenho que trocar de posição...Rosa, de Santa Maria: Eu trabalhava com o tearem baixo e agora eu botei ele assim, nessa posição[mais para cima], eu sento na cadeira. Fica melhorporque em baixo a gente se curva muito...

Celeste, de Santa Maria: É por que é um trabalhoque tem que trabalhar sentado, e é difícil a gentecar assim certinho o tempo todo, não tem co-mo. E às vezes o jogo americano, como ele é al-to, a gente bate parte sentado e depois bate empé. Pra não car demais em pé. Minhas pernas -

cam gordinhas quando dá de tarde, toda inchada.

p   í  t  u

   l  o

   3

3.4.1 Preço e valor :

a carne mais barata do mercado

Durante a pesquisa, abordamos o assunto daatribuição de preço aos produtos, e em cada gru-po havia uma forma diferente de atribuição de pre-

ço. Em Santa Maria, com a intervenção do SEBRAE,f i d l id tfóli d d t E

As dores provocadas pelo esforço da repetiçãosão identicadas em todas as comunidades. Quandoperguntamos o que fazem para melhorar, falam so-bre o uso de antiinamatórios sem prescrição mé-dica, interrupções temporárias na produção e alter-nância na posição de trabalho para diminuir os efei-

tos traumáticos. Quando questiono se pensam emd t b lh d d di i

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   C  a  

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   õ  e  s  s  o   b  r  e  a  s  c  a

   d  e   i  a  s  p  r  o   d  u  t   i  v

  a  s

foi desenvolvido um portfólio de produtos. Em umapasta estão organizadas as chas técnicas dos produ-tos que as artesãs desenvolvem, contendo a foto, adescrição detalhada do produto, as dimensões, umaestimativa de tempo utilizado para sua confecção e opreço de custo e o preço de venda de cada produto.

Pesquisadora: Como é que vocs botam preço?Celeste, de Santa Maria: Olha, nesse negócio depreço, a gente teve curso com o pessoal do SE-BRAE, com a Socorro. Eles ajudam a gente a con-seguir os preços, por que como o rapaz [um con-sumidor] tava falando pra ele: “Não, mais é caro!”Eu digo não, sabe por qu? Por que o preço que

a gente cobra no produto ainda não tá o tempoque a gente se dedica nele. Por que fazer os pro-cesso todinho pra depois o produto pronto, en-tão o preço que a gente pede no produto, nuncaque paga o trabalho que a gente tem. Aí ela aju-da a gente a fazer os preços, ela levou a gente praSão Luís pra ver o preço como é lá, mas nunca vãopagar o preço do que a gente fez...

As artesãs relatam que o preço foi atribuídocom a ajuda do SEBRAE, utilizando-se uma tabela,com a consultoria da gestora Socorro Abreu. Nafala, mostram a percepção sobre a relação preço-

-tempo-trabalho, e mostram conscincia sobrea não valorização do produto, com o exemplo do

parar de trabalhar por causa das dores, dizem unani-memente que não, que esta é muitas vezes sua úni-ca forma de renda, como veremos no próximo item.

3.4 O valor do artesanato:as relações de troca

Pensamos a categoria valor  como uma instân-cia inerente ao artefato, que o substitui nos momen-tos de troca, econômicas ou simbólicas. Assim, o va-lor existe quando há a possibilidade da permutabi-

lidade, em que o artefato é imbuído por represen-tações, de quem o produz e de quem o consome.

Desta forma, entendemos o valor a partir da re-lação das artesãs com seus produtos, com os agen-tes que mediam as vendam, suas representações so-bre custos de produção e manutenção dos espaçosde trabalho e sobre o que identicam como qualida-des e atributos do seu artesanato.

Neste último item, discutiremos os dois prin-cipais processos de atribuição de valor aos artesana-tos produzidos: de um lado o preço atribuído às pe-ças produzidas, simbolizando o potencial econômicoatribuído ao artefato e por outro, o imaginário dasartesãs em relação ao artesanato, caracterizando ovalor simbólico da sua produção, sua ligação com anatureza e o pertencimento a um sistema de conhe-cimento local.

a  r  a

rapaz, um consumidor, que achou o artesanato ca-ro. A atribuição de um juízo – artesanato é caro 

 – provoca uma reação de desconstrução do discur-so do consumidor pela a artesã, que não v no preçopelo qual vende o seu produto, um valor condizentecom o tempo e o trabalho investido para executá-lo.

O preço a que chegaram com a planilha feitacom o SEBRAE é considerado alto e o preço execu

precisão sobre o preço da matéria-prima utilizadae estabelecem um preço que lhes parece suciente,mas sem nenhum parâmetro especíco.

Maria José nos fala sobre o investimento nacompra de um pequeno estoque de o, goma e tin -tol, mas não soube dizem quanto de material era uti-

lizado exatamente para uma rede.Maria José de Brito: Não por que um exem

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  a  r  t  e  s  a  n  a  t  o

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   A   l  c   â  n  t  a com o SEBRAE é considerado alto e o preço execu-

tado pelas artesãs, na prática, é mais baixo que o es-timado, pois na relação de troca o seu produto nãoatinge o mesmo nível de valoração que é percebidopelo consumidor.

Ao preço praticado pelas artesãs, adicionam-se

um custo de R$1,00 destinado à Associação, a co-missão de venda da loja de artesanato na sede de Al-cântara e o preço do transporte de Santa Maria atéAlcântara. O valor que é gerado pelo trabalho das ar-tesãs vai sendo dividido entre os diversos agentes dacadeia produtiva.

Deuzimar , de Santa Maria: Teve uma vez que

ganhei R$320,00, eu z 21 peças de jogo ameri-cano, aí eu z de novo as sacolas, e ganhei 180em 13 sacolas médias.Pesquisadora: E quanto vocs ganham por saco-la na encomenda?Celeste, de Santa Maria: Na encomenda agente faz desconto, mas na loja a gente ganhaR$25,00 na sacola grande [40x38cm] e R$20,00na sacola média [35x33cm]. A gente manda oproduto no preço, aí a loja coloca em cima, maso preço do artesão vai “X”. Alguém fala queeles incluem no preço o valor da passagem pralevar, pra não ter prejuízo.

Em Brito, o preço é atribuído pelas próprias

artesãs. Elas fazem um cálculo estimado, ainda sem

Maria José, de Brito: Não por que um exem-plo, a tintura, ela comprou outro dia, nem seipra que foi... Porque os R$300,00, saiu pra tin-tura, pra comprar esse saco de o e saiu pracomprar o tintol, aí não sei quanto foi essa con-ta, falta ela [Roberta] mostrar pra ver o quan-

to saiu. A rede saia de R$130,00 se for com-prar o o, é R$15,00 o o, uma rede de 3kg sãoR$45,00, que sai ano passado, esse ano a gentenão sabe ainda, mas o tintol, aí tem a goma quenós compramos também... Aí não sei o quantoque tá o quilo da goma...Pesquisadora: Usa quantos quilos de goma pra

uma rede?Maria José: Ah, pra uma rede eu acho que sai umquilo dá pra duas ou trs redes, ainda não obser-vei bem mesmo. Aí a gente ainda não fez a análise. Roberta, de Brito: Porque a gente faz a rede, a de2,5kg, eu vendo de R$100,00, a de 3kg, R$110,00mas só que o nosso preço é esse, mas já teve pes-soas que como o material é bom, o valor da rede,

 já deu até mais. Uma de 3kg, uma rapaz de Bra-sília, ele perguntou qual era o valor da rede, aí eudisse que era R$110,00, aí ele deu R$130,00.

A artesã nos mostra que os diversos tamanhosde rede tm preços diferentes, em função da quanti-

dade da matéria-prima utilizada. Observamos também

a  p

   í  t  u

   l  o

   3

a diferenciação estabelecida entre preço e valor . O pri-meiro é atribuído a um parâmetro racional, estabe-lecido entre o peso da rede e a utilização de maté-ria-prima, ainda que elas não saibam explicitar comochegam a este preço. O segundo, o valor , relaciona--se a um juízo, uma percepção que as artesãs explici-

tam na forma de uma qualidade – “o material é bom”.No depoimento da artesã ela identica também

o caráter da pessoa, a gente até entrega assimado, aí a pessoa já vai, eu tenho tanto pra dar,a gente recebe e marca o ms, tal ms eu ve-nho pagar o restante. O que a gente já sabe queé enrolado, aí não, a gente só entrega a redecom a metade. A gente ainda não tem uma con-

ta pra mandar a pessoa botar na conta, só di-nheiro vivo

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   d  e   i  a  s  p  r  o   d  u  t   i  v

  a  s

No depoimento da artesã ela identica tambémuma percepção do consumidor, que ao identicar estevalor – a rede é boa – é capaz de convert-lo em va-lor de troca, atribuindo um preço maior à rede. Impor-tante ressaltar que não realizamos uma pesquisa comos consumidores, portanto, essa conversão de valor em

preço foi uma apreensão no discurso da artesã.As redes de Brito são os únicos produtos que

pesquisamos que podem ser comercializados com oparcelamento da compra:

Silene, de Brito: A rede é cara. Quando a pes-soa acha cara, a gente oferece para parcelar. Dá umaparte quando encomenda, e depois quando recebe, e

também pode dar depois...

A partir da emissão de juízo – a rede é cara  – as artesãs estabelecem o parcelamento como umaestratégia para a concretização da venda. Mas tam-bém compartilham a emissão de juízos com o outro,e incorporam estes juízos como um valor do produ-to. Oferecem a possibilidade de parcelamento quan-do “a pessoa acha cara”. Continuamos escutando so-bre o parcelamento:

Pesquisadora: Como é que paga a prestação?Silene. de Brito: A gente conhecendo a pessoa,

nheiro vivo.

Neste depoimento é possível identicar um va-lor importante para as artesãs – o caráter – que éa garantia para aceitarem uma encomenda sem o pa-gamento de uma entrada, ou o parcelamento da dí-

vida, e a negociação do valor das parcelas, de acordocom a possibilidade do consumidor, entendido comopessoa2. Esta característica, assim como a informali-dade da encomenda que pudemos observar no item3.1, aponta para um modelo de produção baseado napalavra e não em papéis.

Durante o seminário que realizamos em Al-

cântara, em uma discussão nos grupos de trabalho,uma artesã de Itamatatiua questiona o preço da re-de, considerando-o caro. Observemos a conversa,considerando-a uma consumidora.

Roberta, de Brito: O valor de 100 reais é prarede de 2,5 kg por que vale, por que as redessão boas, elas valem aquele preço. O o tor-cido a rede ca mais pesada e mais durativa. E

o singelo a rede ca mais leve, mas dura mui-to também.Canuta, de Itamatatiua: Não acha que tá mui-to caro?

2. Durante a pesquisa , foi possível observar os diversos momen-tos em que as artesãs referem-se às pessoas, aos compradores,

aos consumidores. Sabemos da importância e complexidade de

tal investigação e optamos por deixar esta análise para a nossapesquisa de doutorado, em curso, cujo tema e objetos tm re-

lação com conteúdo deste livro.

t  a  r  a

Roberta: A gente não bota o preço, quem bo-ta o preço é o produto. O cliente acha que valeaquele preço por que é bom o produto.

A relação entre o produto e o preço é deter-minante para a artesã, que qualica o seu produto

pela durabilidade. Se é um produto durável, é válidoo preço que se paga por ele. Esta conversa entre as

passar essa lixa, depois da lixa eu tenho quepassar uma pedra, dessa pedra, eu tenho quepassar um escovão, pra poder ir pro forno...R$50,00 não dá, né? Por que um dia aqui, a gen-te trabalhando cedo é R$15,00Pesquisadora: O dia de trabalho? Como é que

vocs chegaram nesse preço?Neide: Aqui em Itamatatiua é conforme, por

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   i   d  a

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   A   l  c   â  n  t o preço que se paga por ele. Esta conversa entre as

artesãs nos elucida uma importante representaçãoda artesã sobre a função da rede como um artefato,tendo uma existência autônoma e ativa nas re-

lações de troca.Em Itamatatiua, a atribuição do preço também

é feita por uma estimativa arbitrária das artesãs,conforme nos relata Eloísa:

Pesquisadora: E o preço das peças? Como vo-cs fazem?Eloísa, de Itamatatiua: A gente que escolheo valor mesmo. Aí tem peça de tudo quanto épreço, né? De R$1,00 a R$50,00, a R$60,00.

Pesquisadora: E quando é encomenda?Eloísa: Quando compra em quantidade, aí opreço é diferente. Aí a gente baixa um pouqui-nho, assim quando compra em quantidade.

Em outra conversa com Neide, durante o tra-balho de uma encomenda de 20 potes grandes, ob-servamos sua percepção sobre a discrepância entre

o preço da venda das peças e o tempo que leva pa-ra a sua execução, e o valor do trabalho, utilizando--se um parâmetro local de troca para a denição dovalor das diárias pagas em Itamatatiua.

Pesquisadora: Aí em uma peça grande assim, comduas pessoas trabalhando, por quando vende?Neide, de Itamatatiua: é o mesmo R$50,00. E

agora, eu vou raspar, depois de raspar, eu vou

Neide: Aqui em Itamatatiua é conforme, porexemplo, quando a carne sobe, se a carne sobe,aí sobe o preço da diária... A diária de homem éR$20,00 e a de mulher é R$15,00... (...) pra fa-zer cerca, pra roça, pra qualquer tipo de serviço.Pesquisadora: E quanto tempo vocs dão conta

de uma encomenda dessas?Neide: No inverno? No inverno é dois meses.No verão é um ms por que seca rápido, a gen-te faz a peça em um dia, no outro dia a gente játá fazendo acabamento. No inverno não ... Ago-ra até tá secando depressa por que não tá cho-vendo muito. Daí eu z esses anteontem e já tô

dando o acabamento, mas quando tá chovendoé oito dias pra fazer esse acabamento. Aí a se-nhora v que não dá R$50,00...

Na fala da artesã, observamos suas representa-ções sobre a discrepância entre o tempo de exe-

cução da tarefa e o preço pelo qual a peça é ven-dida. Quando a artesã nos mostra o preço da peça e

a quantidade de trabalho e tempo, reete – com ba-se no preço da diária, relacionado ao preço da carne

 – que há uma lacuna entre o número de dias trabalha-dos e o que receberia pelo pote, resultando em umvalor de diária muito mais baixo do que é praticado nomercado local, os quinze reais da diária feminina.

A percepção sobre a desvalorização do traba-

lho se estabelece com a permutabilidade, quando é

  a  p

   í  t  u

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   3

convertido em diárias, que por sua vez é convertido emvalor de troca pela carne em Itamatatiua. Observamos,ainda, a diferenciação do valor da diária feminina em re-lação à masculina, relegando a um último patamar devalorização a produção do artesanato, considerado emItamatatiua uma atividade essencialmente de mulher.

3.4.2 Artesanato é trabalho,

Pesquisadora: Voc só ganha dinheiro com otrabalho com linho?Suely: Não. Eu tenho duas rendas assim, quetem essa renda aqui [do linho] e tem a do bol-sa-família, né? Também tem a roça também. Aí quando é pra fazer farinha eu vou ajudar ele

[o marido], tira a puba, que ele bota dentrod’água e a gente vai ajudar a tirar a puba, pe-

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,

tempo é dinheiro!

Durante nossa estada nos povoados foi possívelidenticar a importância do artesanato na vida das ar-tesãs. O dinheiro advindo da produção é fundamental

para a renda das famílias, complementando outras fon-tes da renda familiar. Trata-se de um importante valor .

Em Santa Maria, escutamos um depoimentoque retrata esta realidade:

Rosa, de Santa Maria: O meu marido é daqueleque ajuda, mas na hora [quando tem encomen-da] ele fala, ele ca falando [reclamando].

Pesquisadora: O que vocs ganham é importan-te na renda familiar?Rosa: Eu, graças a Deus, não é assim muitão,mas dá pra quebrar o galho da gente. Eu tenho32 anos e tive 8 lhos, hoje 6 são vivos. A genteganha, mais assim, quando tem encomenda, aí agente ganha mais, mas de qualquer forma é umaajuda grande.Celeste, de Brito: Rosa criou os lhos dela tu-dinho com isso [linho].

Na fala da artesã, observamos um contrapon-to da ajuda do marido. Ele ajuda, mas reclama quan-do há uma intensa produção durante uma encomen-da. Outra artesã nos relata a importância do artesa-

nato na renda familiar:

g g j p , pneirar, aí tem vez que a gente vende o panei-ro de farinha, vende os quilos, mais é mais pracomer. Pra vir o dinheiro mesmo é do linho eda bolsa-família.

No depoimento de outras artesãs, observa-mos as representações sobre o artesanato como

trabalho e emprego, associando essas noções auma regularidade na geração de renda, e não a umainiciativa de empreendedorismo, como a produçãoartesanal é vista tradicionalmente pelos órgãos degestão e capacitação:

Celeste, de Santa Maria: É um pouco compli-cado, às vezes a gente bota na loja 10, 12 peça,vai receber, vai prestar conta por ms, às vezesnum vende nada, às vezes desanima, às vezesdá vontade da gente parar de trabalhar. Por is-so tem muito esposo às vezes que não deixa as-sim, as esposas trabalhar com o linho...Deuzimar , de Santa Maria: É muito trabalhoso

e às vezes a gente bota, porque assim se a gen-te tivesse quem comprasse assim na hora, com-prasse, pagasse, num casse material empaca-do, sabe? Era bom, mas às vezes a gente mandapra loja, leva é dias, a gente fez uma encomenda, já vai fazer é ms, até agora a gente ainda nãorecebeu, quer dizer, que é uma situação assim,

que as vezes já desagrada a gente até pra gente

t  a  r  a

continuar trabalhando porque quem mora nointerior, não tem emprego, o emprego da genteé esse aqui, tem que viver disso né?

Observamos durante todo o capítulo, nas falasdas artesãs, suas representações sobre o artesanato

como uma atividade trabalhosa. O cansaço das arte-sãs advindo do trabalho que, como vimos anterior-

as contas e sustentar a família. O mercado agora res-ponde lentamente, com o parcelamento, com a devo-lução lenta do dinheiro das vendas na loja, com a baixavenda dos produtos nos períodos de pouca procura.

O tempo é ele próprio convertido em valor e caina lógica da troca. Produto caro, negociado entre o

mercado e as artesãs; antes, era curto, tirando-lhesa possibilidade de realizar sua atividade com um rit-

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mente, é doloroso sicamente, também é desgastan-te emocionalmente, quando tratado como um empre-go, um trabalho e uma fonte de renda, pois o retornoda venda – o dinheiro – é instável, não é rápido e nãosupre as necessidades cotidianas, mas ocupa um gran-

de espaço na vida das artesãs e de sua família. Por is-so é grande a expectativa quanto ao retorno nancei-ro. O artesanato é um trabalho que demora a ser re-tribuído em forma de pagamento.

Na voz de Maria José observamos uma aborda-gem de se investir no trabalho para que haja um re-sultado futuro e a crítica ao imediatismo das artesãs

mais jovens:Maria José, de Brito: (...) E aí camos, porque aSilene arranjou de se empregar, por que ela ta-va com uma conta pra pagar... Nesse outro se-minário, parece que nós já tava em nove, aí saiu,eu não sei, vendo assim acho que só tem eu eRoberta. O negócio é o seguinte, elas queremtrabalhar em uma coisa que receba logo. Mas

nem todo trabalho hoje tem a condição da pes-soa começar e ter logo o resultado imediato...

Nos depoimentos acima, mais um a vez perce-bemos o tempo como um parâmetro fundamental napercepção das artesãs sobre a sua produção. Agora, o

tempo das artesãs é mais rápido que o do mer -

cado, é o tempo da necessidade, o tempo de pagar

pmo condizente às etapas necessárias para a produção;agora é longo, dicultando o retorno do valor dos ar-tesanatos às comunidades, em forma de dinheiro.

3.4.3 Valores simbólicos do artesanato

Agora observaremos as representações das ar-tesãs sobre valores simbólicos do artesanato que pro-duzem. Considerando o que foi dito no início des-te item, que a produção do valor acontece na condi-ção da permutabilidade , questionamos constan-temente as artesãs, durante a pesquisa, sobre suas

opiniões, pensamentos e gostos sobre a sua própriaprodução, a m de que qualicassem o seu artesa-nato, identicando qualidades – positivas ou negati-vas – sobre como elas se relacionam simbolicamen-te com os artefatos e percebem na relação entre osconsumidores e seus produtos.

Para sistematizar a análise, iremos lançar mãodas categorias analíticas propostas por Krucken pa-

ra a construção esquemática da estrela de valor 

(KRUCKEN, 2009, p.29), identicando nos discur-sos e nas práticas as representações que se relacio-nam com cada um dos valores das seis pontas da es-trela: funcional, ambiental, emocional, simbólico-cul-tural, o social e o econômico. Nos aprofundaremosnos aspectos emocionais, sociais e simbólico-cultu-

rais e, mais supercialmente, no valor ambiental que

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   3

será mais amplamente discutido no capítulo 4. Osvalores econômicos e funcionais já foram visitados nositens anteriores deste capítulo 3.

Em Brito, as diculdades enfrentadas pelas ar-tesãs em organizar a sua produção são superadas pe-lo surgimento de outro tipo valor atribuído pelas

artesãs ao próprio trabalho:Maria José, de Brito: (...) Com trs, quatro dias a

Percebemos na fala acima referncias sobre a li-gação dos seus produtos com a natureza. Observa-mos a importância do mangue para o trabalho daNatura. Durante nossa estada em Santa Maria, con-versamos sobre o uso de corantes naturais e arti-ciais, e as artesãs mostraram ter conscincia sobre

os diferentes valores que são atribuídos aos dois ti-pos de tingimento, o valor ambiental do corante natu-

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rede ca pronta. Aí outro dia pra ajeitar, pra fa-zer a varanda... Por que o meu trabalho de pu-nho é quando elas tiram a rede do tear. Já tãocom o o torcido, a varanda e o punho já ta sópra botar . (...) Sempre quem ca indo direto lá é

eu, eu peguei uma mania de ir lá, por que sei lá,a gente tem uma responsabilidade e a gente pegaum amor por aquilo que a gente tá fazendo, e eutodo dia eu terminava de almoçar e ia pra lá. (...)O valor emocional é expresso na forma de amor 

pelo fazer , que também pode ser visto através dascategorias gosto e beleza quando atribuem a escolha

de um produto por um cliente a partir de tal noção:Pesquisadora: Porque vocs acham que a Na-tura ou o restaurante lá de São Paulo encomen-dam os produtos de vocs?Celeste, de Santa Maria: Olha, o porqu eunão sei, mas o seguinte, o pessoal da Naturaviu um produto da gente, e daquelas cores ti-nham o mangue, e a cor do mangue, o produ-

to do mangue era muito importante para o tra-balho que eles iam fazer, viram nosso produto,acharam bonito, gostaram, mas tinha que ter omangue, a cor escura. O pessoal de São Pauloachou bonito, olhou e gostou.

ral, expresso conceitualmente na sustentabilidade e no valor de mercado; e no uso do corante articialpara acompanhar as tendncias da moda.

A preocupação com a qualidade e acabamentodas peças produzidas em Santa Maria está presente

como um valor simbólico e cultural  importante, por-que além de garantir que o comprador que satisfei-to, é um fator de diferenciação perante o artesanatode bra de buriti de outras localidades:

Pesquisadora: Por que voc acha que alguémescolhe o teu produto na loja?Maria José, de Santa Maria: Porque o material

é bom, é da bra do buriti, então no meu pon

-to de vista ele tem mais valor que o da borra.Pesquisadora: Mas por que o valor  da bra émaior?Maria José: Por que o da borra ca mais gros-so e o nosso ca o pano mais no, o tecido cabatido mais no.Pesquisadora: Tem algum problema eu escolher

o grosso e o seu não ser?Maria José: No meu ponto de vista, o meu émelhor, porque que nem eu disse, de longe vo-c v o material batido e o grosso tem umas fa-lhas no meio.

n  t  a  r  a

Pesquisadora: Por que voc acha seu produtobom?Marinalva, de Santa Maria: Por que o acaba-mento é mais caprichado, é mais apertadinho,não tem nada folgado, os nós não são tão gran-des, às vezes as cores do meu tá mais forte do

que da outra comunidade. As pessoas preferemos mais fortes.

articial, é o bem colorido, bem acabado, tam-bém somos uma associação, somos remanes-centes de quilombo, nossa comunidade tam-bém tem uma história e o nosso produto é úni-co e não tem outra comunidade que faz a tra-ma do mesmo jeito que faz, a associação de San-

ta Maria.

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Identicamos nas falas acima as percepções po-sitivas das artesãs sobre seus produtos. Diferenciamseus produtos a partir da qualidade, expressa no ca-pricho, na trama apertada, o que são resultados de um

pano bem batido. A cor forte do produto tambémé considerada diacrítica, percebido pelas artesãs co-mo um fator de escolha do produto pelo consumi-dor. O fato de trabalharem com o linho, a parte maisdelgada da bra e não com a borra, ocasionando umtecido mais no, também é destacado pelas artesãs.

Nesta coleção de falas, quando perguntamos oque diriam para venderem seus produtos, observa-mos um discurso coletivo, que se repete a cada vezque perguntamos, baseado em valores emocionais,simbólicos e culturais:

Eudialite, de Santa Maria: Como o nosso tra-balho é com a bra que é mais macio, sempre onosso acabamento vai car mais bonito. Gostode trabalhar com cores fortes, chama a atenção,

muitos gostam. Eu que faço a junção das cores.Suely, de Santa Maria: De cor, cores fortes, di-ferentes de umas, cores bem lindas, mas que dcerto: uma cor viva e uma cor fraca. Quandonão é encomenda eu mesmo uso minha imagina-ção. Eu gosto de cor bem viva.Celeste, de Santa Maria: O meu produto, tra-

balhamos com a bra pura, tingimento natural e

O orgulho sobre o trabalho é percebido peloentusiasmo com o qual essas palavras foram ditas,a cor viva como um gosto, apesar de haver umaforma certa de se combinar, mediante a encomen-da. O caráter institucional da produção, ser feita por

uma associação, também é ressaltado pela líder dogrupo, que busca num discurso sobre tradição legi-timar a história do seu produto. A identidade étnicasurge como um valor a ser comunicado.

Observamos o entrecruzamento de diversosdiscursos ociais, institucionais e do senso comum,dos consumidores e dos mediadores da cadeia pro-dutiva que se materializam nas falas das artesãs. Paraqualicar a produção, tornando o seu artesanato umproduto único, as artesãs utilizam todos estes discur-sos, politicamente, para ressaltar os traços que as di-ferenciam de outras artesãs.

Ao ressaltarem qualidades como a história, aalusão à identidade étnica, reetem o discurso datradição no artesanato.

Em Itamatatiua, também identicamos a re-missão a um passado que legitima a qualidade doartesanato:

Canuta, de Itamatatiua: A cerâmica de lá émuito boa, Itamatatiua é manual e Rosário é naforma. A gente tem que vender, por que é des-se que a gente tira o sustento, que a gente tirou

para criar os nossos lhos, se não vender, ca

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   3

difícil de comprar qualquer coisa. Nossa mãeque ensinou, nossa avó, é uma herança e nuncatem que terminar, é uma herança muito boa etodo mundo gosta das peças da gente.

O gostar das peças é associado à herança, ao

saber que é passado de geração em geração. No de-poimento de Nazaré, a recorrncia do discurso so-

á

tamanho e de cor, faz da cor que a pessoa pede.Tem de 2kg, de 2,5kg até de 4 kg.

A intensa negociação com o outro, no momen-to do conceder um desconto ou um parcelamento,a combinação de prazos, reforçam nossa armação

inicial de que o valor é uma categoria que se realizana possibilidade da troca, da permutabilidade do

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bre o caráter geracional da produção e o orgulho dotrabalho e do sustento da família fazendo louça:

Nazaré, de Itamatatiua: Aprendi a cerâmicacom minha mãe, quando eu tava com 11 anosa minha mãe era viva. Quando eu tava com

12 anos a minha mãe morreu, aí eu já sabia fa-zer várias coisas, já sabia fazer o pote, o jarro.Quando eu tinha 18 anos meu pai faleceu, mascomo eu já era dona da minha venta, já me res-ponsabilizava por minhas despesas. Aí depoisarranjei lho e maridos, comecei a fazer louça,vendia, adquiria dinheiro e comprava as coisasdo meu lho. Por isso tenho maior orgulho enunca largo de fazer, por que foi uma coisa mui-to importante pra mim, criei meus lhos foi fa-zendo louça. Por isso que gosto e nunca deixode fazer, só depois de morrer. É uma coisa mui-to importante.

Em Brito, percebemos uma abordagem funcio-

nal aliada aos valores emocionais da redes:Roberta, de Brito: É um material bom, cauma rede forte, durativa, ca boa de cor, de ta-manho, não ca aquelas roupas que o pé tá defora. Então é um produto bom. Tem pessoasque pede torcido, tem pessoas que pedem sin-gelo, então a gente prepara bem, faz ela bem

organizada. Fica forte, uma rede boa, bonita de

artesanato. O espaço de negociação com o outro,frequentemente referenciado pelas artesãs, quandorelatam a construção do preço e das condições depagamento pela atribuição de valores percebidos pe-los consumidores reete esta tese defendida.

Quando perguntamos às artesãs se elas gostavamdos seus produtos, elas sempre armam que gostam,se orgulham, que acham bonito. Mas quando pergun-tamos se elas usam o próprio artesanato, observamosum movimento contrário. Reconhecem um produtocomo uma herança, um traço da sua identidade, masnão usam. Vejamos as falas das artesãs:

Pesquisadora: Voc usa em casa as coisas que faz?Neide, de Itamatatiua: Não... Não dizem queem casa de ferreiro usa espeto de pau? Não é?Não tem esse dizer? Não uso nadinha... nempra enfeitar. Pra não dizer que não tenho nada,eu tenho uma farinheira...Pesquisadora: Mas por que não usa?Neide: É por que assim, quando agente fala que

vai fazer um conjunto lá pra casa, aí chega outrapessoa e compra, aí todo tempo faz, faz... fazmas vende. Mas eu gosto... Eu tinha uma tige-la que eu comia... Mas no tempo dos meus paisque trabalhavam em roça, eles usavam só coisade barro, era fogareiro de barro, caldeirão debarro pra fazer arroz, era tudo... Aí tinha pra-

to de barro, esse copo de barro, tigela de barro

n  t  a  r  a

que a gente levava pra roça. E aí agora que nin-guém quer, ninguém usa... Só usam agora coisasde louça... Tem que comprar... É por isso que ascoisas tão caras. A gente sabe fazer as coisas,né? Mas vai comprar na loja...

Observamos que o pote de barro caiu nodesuso, e uma das causas, como vimos anterior-

f i i d ã d b ld d lá i A

Observamos na conversa com as artesãs que asqualidades percebidas no produto, como vimos an-teriormente, não são atribuídas quando elas se colo-cam na posição de usuárias. Assim, é possível perce-bermos a visão das artesãs de que o que produzemé para o outro e não para o próprio uso.

Ao deslocarem-se da posição de produtoraspara consumidoras, a forma como qualicam o ar-

f é di d i l ã t b

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   A   l  c   â  n mente foi a introdução do balde de plástico. As ar-

tesãs perderam o hábito, presente entre os antigos,mas ausente do cotidiano das artesãs. Uma outraforma de falarem sobre a não utilização do artesana-to é atribuir a sua utilização ao outro:

Eudialite, de Santa Maria: Todas chique né,Suely, aí elas bota uma sacola de linho, chega, sai“toda”... Parece assim que vai... Aí nós ca sóolhando, pra gente? A gente tem até vergonha...Pesquisadora: Mas por que tem vergonha?Eudialite: Sei lá, acho que é porque a genteé acostumado com elas... Eu acho, porque ve- jo assim as artesãs, eu acho difícil ver uma quetem uma sacola... Mas uma sacola dessa eu du-vido que ela agarre assim, igual que a gente v láem Alcântara, as mulherers chegam vão que...Suely: Eu acho. E as pessoas dão muito maisvalor, né. Quem compra.Eudialite: E num é isso que eu to dizendo? Euacho que sim, porque a gente só produz assim

porque sabe que essa é a renda da gente, sa-be? Mas geralmente quando a gente v o tra-balho dos outro assim, a gente tem uma vonta-de, e a gente não, acho que a gente já se acos-tumou, só bater e mandar pra loja pra vender,mas não tem aquela vontade, que quer né, prater pra gente.

tefato é modicada, pois a relação que estabe-

lecem no ato da troca modicou-se. Nem to-das as artesãs possuem esta visão e armam que uti-lizam os produtos. Em todos os povoados, porém, aprioridade é atribuída à venda, e as artesãs relatam

que se produzem alguma coisa para o próprio uso ealguém chega a casa delas querendo comprar, elasvendem sem hesitar, armando que o artesanato é

feito para ser vendido.Podemos dizer que as identidades do artesana-

to são construídas pela articulação destes valores, emuma negociação entre as diversas representações dosagentes envolvidos no processo de troca e estabele-ce-se como, nas palavras de Stuart Hall, “uma ‘produ-ção’ que nunca se completa, que está sempre em pro-cesso e é sempre constituída interna e não externa-mente à representação.” (HALL, 1996, p.68).

Ao enfatizarem a sua relação com o outro, no pro-cesso de construção dos valores dos produtos,as artesãs assumem a possibilidade de trânsito de su-

as identidades, considerando aspectos internos e ex-ternos a elas, considerando as representações do outro 

 – consumidores e mediadores das cadeias produtivas.As identidades se tangibilizam nos atributos

materiais e imateriais dos artefatos e estes estabe-lecem-se como códigos dos sistemas smicos, com-partilhados entres todos os agentes envolvidos nas

cadeias produtivas – os valores percebidos.

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   3

Referências

HALL, Stuart. Diáspora e identidade cultural. In: Revista do

Patrimônio. Cidadania. No 24. Brasília, DF: IPHAN, 1996.

KRUCKEN, Lia. Design e território: valorização de identi-dades e produtos locais. São Paulo: Studio Nobel, 2009.

Obras consultadas

APPADURAI, Arjun. A vida social das coisas: as merca-dorias sob uma perspectiva cultural Niterói: Editora da UFF

A relação destes produtos com o lugar no qualsão produzidos são valores construídos e comu-

nicados nestes processos de trânsito intercultural,ampliando cada vez mais a percepção e os discursosem uxos – representações sobre representações

 – da própria territorialidade enquanto categoria

fundamental para a conceituação destes artefatos.

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dorias sob uma perspectiva cultural. Niterói: Editora da UFF,2008.

BENJAMIN, Walter. O narrador. / A obra de arte na era desua reprodutibilidade técnica. In: Magia e Técnica, Arte e

Política. São Paulo: Brasiliense, 1994.

BHABHA, Homi K. O local da cultura . Belo Horizonte: Edi-

tora da UFMG, 2006.FOUCAULT, Michael. Arqueologia do saber . Rio de Janeiro:Forense Universitária, 2010.

 ___ ____. As palavras e as coisas. São Paulo: Martins Fon-tes, 2002.

HALL, Stuart (org). Representation: cultural representa-tions and signifying practices. London: SAGE Publications/ TheOpen University, 2009.

MARX, Karl. A mercadoria. In: O capital. Crítica da econo-mia política. Livro Primeiro. 23ª Ed. Rio de Janeiro: Civilizaçãobrasileira, 2006.

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   4

Capítulo 4

Estratégias ambientais para o desenvolvimento de

 produtos artesanais sustentáveis

Patrícia Silva de Azevedo e Marcella Abreu

4.1 Introdução incorpora dentro das fases mencionadas anterior-mente requisitos ambientais especícos que obriga

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Os produtos artesanais representam a identi-dade cultural de uma determinada comunidade, pormeio de técnicas que são transmitidas por geraçõesentre seus descendentes, caracterizada pelo traba-

lho em equipe, com divisões de tarefas especícas.Contudo, nem sempre essas técnicas são aprimora-das, ou atendem às exigncias do mercado quantoà qualidade dos produtos, quantidade de peças de-mandadas ou usabilidade. Havendo a necessidade deuma organização quanto aos aspectos gerenciais emetodológico dos processos.

O processo de desenvolvimento de produtos – PDP compreende as fases de pré-desenvolvimento,desenvolvimento e pós-desenvolvimento, sendo quena fase de pré-desenvolvimento tem-se como prin-cipal atividade a elaboração do plano estratégico denegócios e de produtos; na fase de desenvolvimen-to encontram-se as etapas de projeto informacio-nal, projeto conceitual, projeto detalhado, prepara-

ção da produção e o lançamento do produto; e nopós-desenvolvimento as atividades de acompanhar edescontinuar os produtos (AMARAL et al., 2006).

A metodologia de desenvolvimento de pro-dutos abrange etapas denidas e controladas paraque haja um baixo nível de riscos econômicos e pro-cessuais. Quando se direciona tal metodologia pa-

ra o desenvolvimento de produtos sustentáveis, se

mente requisitos ambientais especícos que obriga-toriamente devem ser atendidos.

Os requisitos ambientais considerados no pro- jeto atendem critérios desde a obtenção de matéria--prima, passando pelos sistemas de produção, distri-

buição, implantação, uso, manutenção e demoliçãoou descarte do artefato. Portanto, cada decisão to-mada no processo de desenvolvimento do produto,reete nas etapas do seu ciclo de vida e consequen-temente em maior ou menor impacto ao meio am-biente (MANZINI e VEZZOLI, 2005).

Primeiramente os requisitos ambientais con-sideram os tipos de recursos a serem empregadosno projeto, os primários ou renováveis (cultivados,manejados) ou não-renováveis (extraídos) e os se-cundários ou reciclados (provenientes de refugos); odeslocamento entre a extração à produção e a suatransformação em sub-produtos ou beneciamentode peças e componentes, avaliando os gastos ener-géticos e as emissões.

Na produção ou desenvolvimento dos produ-tos os requisitos ambientais orientam as trs prin-cipais atividades: a transformação dos materiais, amontagem e o acabamento. Nesta etapa são consi-derados a eciência do maquinário, a quantidade deprocessamentos para a confecção das peças, que de-corre do tipo de planejamento de projeto, a redu-

ção ou reutilização de peças, o sistema de controle

â  n  t  a  r  a

e avaliação das atividades, do treinamento e capaci-dade dos funcionários, do tipo de energia emprega-da e da vericação dos resíduos gerados (MANZINIe VEZZOLI, 2005).

Na fase da distribuição há trs etapas fundamen-tais: a embalagem, o transporte e a armazenagem, fa-

zendo parte destas, a energia para o transporte, o usodos recursos para a produção dos próprios meios eas estruturas para a estocagem ou armazenamento.

ambientais, assim como a antecipação de novas leis epadrões, apresentando uma política ambiental deni-da; (ii) escapistas, que atendem às regulamentaçõesambientais, mas não planejam uma antecipação à nor-mas e/ ou padrões e, poucas apresentam uma políticaambiental explícita e buscam abandonar a produção

atual para explorar novos mercados; (iii) as inativasou indiferentes, que apresentam baixo risco ambientale pequeno potencial de mercado para bens ambien-

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   A   l  c   â as estruturas para a estocagem ou armazenamento.

O descarte caracteriza-se com a fase da elimi-nação do produto, abrindo uma série de opções so-bre o seu destino nal.

Pensar em uma produção industrial sustentável

é considerar uma gestão de negócio e projeto estru-turada com todas as avaliações das etapas e seus ris-cos. Entretanto, quando se direciona o foco a umacadeia produtiva artesanal, muitos dos cuidados nãosão considerados, gerando um maior número de er-ros e consequentemente baixa qualidade das peças emaior desperdício.

Na produção artesanal do município de Alcân-tara – MA, observa-se que muitos dos requisitos am-bientais não são praticados, mas algumas estratégiasde sustentabilidade são consideradas, tanto pelo la-do do impacto que a atividade pode causar ao meio,como é o caso da conscincia pela preservação dasfontes de matérias-primas em decorrncia da neces-sidade pela perpetuação da atividade, como pelo lado

econômico, como é o caso do reaproveitamento daspeças danicadas que alguns processos como o da ce-râmica podem ser triturados e moldados novamente.

Souza (2002) propõe uma classicação por tipo-logia quanto as estratégias ambientais adotadas em sis-temas produtivos: (i) defensoras de portfólio, que cor-respondem geralmente aos maiores negócios do se-

tor, que priorizam o atendimento às regulamentações

e pequeno potencial de mercado para bens ambientais, tm uma política explícita, mas não parecem fa-zer uso dela; (iv) as ativistas, semelhantes às defenso-ras de portfólio, que contudo, dão maior importânciaem explorar novos mercados.

Outra forma de classicação, proposta porSharma et al. (1999), divide as estratégias em reati-vas e proativas. As reativas são aquelas nas quais asações ambientais só serão tomadas mediante umaimposição legal ou normativa, visando apenas a man-ter a conformidade com as regulamentações ambien-tais. Já as estratégias proativas visam a obter vanta-gem competitiva, com a melhoria da imagem, iden-tidade, reputação organizacional, diferenciação deprodutos, além da redução de custos, melhoria naprodutividade e inovação através da reengenharia devários processos operacionais.

O greening corporativo é outra forma de tipi-cação das estratégias ambientais, que as classica emquatro tipos: reativo deliberado, não realizado, ati-

vo emergente e proativo deliberado. No reativo de-liberado há um fraco envolvimento por parte da ad-ministração do negócio às práticas ambientais, con-sideradas como exigncias de normas e legislações,sendo realizadas apenas para adequações e/ou cum-primento das regulamentações, assemelhando-se aosconceitos de modelo de conformidade. No greening

não realizado há o conhecimento dos conceitos de

   C  a  p

   í  t  u

   l  o

   4

gestão ambiental, há uma atenção a estes conceitos,mas na prática o negócio prioriza o processo tradi-cional para atender as metas de produtividade, poissão corporações de alto grau de competitividade e oscustos das ações ambientais não devem ser repassa-dos para o produto. O ativo emergente é constituí-

do de práticas proativas dentro do processo de pro-dução visando inovações ambientais para os produ-tos. No greening proativo deliberado a administra-

4.2.1. Estudo de caso: Neste estudo foi utilizado o método estudo de

caso descritivo, recomendado para pesquisas nas si-tuações em que o fenômeno é abrangente e comple-xo, e que deve ser estudado dentro do seu contex-

to, por meio de observações de atividades e/ou gru-pos de indivíduos (YIN, 1994).

Para a coleta de dados foram realizadas en-

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113

   E  s  t  r  a  t   é  g   i  a  s  a  m   b   i  e  n  t  a   i  s  p  a  r

  a  p  r  o   d  u  t  o  s  a  r  t

  e  s  a  n  a   i  s

g g pção do negócio valoriza e aplica as práticas ambien-tais não apenas como estratégia mercadológica, mascomo compromisso e responsabilidade socioambien-tal. Todas as práticas internas e externas são avalia-

das, considerando a melhoria contínua da produçãoe a inovação das ações ambientais que poderão servircomo futuras normas ou regulamentações (WINN eANGELL, 2000).

Este estudo trata da avaliação das estratégiasambientais adotadas pelas comunidades artesãs queexploram e fabricam seus produtos, tendo como ba-se de análise o uso das etapas do PDP.

4.2 Material e métodos

Para o desenvolvimento deste trabalho reali-zaram-se visitas as comunidades artesãs de Itama-taiua, Brito e Santa Maria, localizadas no municípiode Alcântara-MA.

trevistas através de roteiros semiestruturados comperguntas abertas e fechadas e observações in loco nas comunidades artesãs.

Através do PDP (Processo de Desenvolvimen-

to de Produtos – AMARAL et al., 2006) listaram--se as principais atividades de cada etapa do desen-volvimento de produtos, relacionando-as às açõesambientais baseadas em conceitos e referncias

c   â  n  t  a  r  a

bibliográcas (FIGURA 1), para auxiliar na análise daspráticas sustentáveis.

Para a medição utilizaram-se graus de aplicaçãodos requisitos ambientais, de acordo com a seguinteescala: 0 (zero) não aplica os requisitos; 1 (um) apli-ca de maneira insuciente; 2 (dois) aplica eventual-

mente; 3 (trs) aplica regularmente ; 4 (quatro) aplicasatisfatoriamente e 5 (cinco) aplica completamente.

Posteriormente, foram classicadas quanto às

Winn e Angell, (2000), Sharma et al., (1999) e Sou-za (2002), que a partir da análise do conjunto de da-dos, estes foram tabulados e representados por ta-belas e grácos.

4.3 Resultados e discussão

Nas tabelas a seguir apresentam-se as atividadesartesanais pesquisadas no município de Alcântara e os

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114

   I   d  e  n  t

   i   d  a   d  e

   é  v  a

   l  o  r  :   a  s  c  a

   d  e

   i  a  s

  p  r  o

   d  u  t

   i  v  a  s

   d  o

  a  r  t  e  s  a  n  a  t  o

   d  e

   A   l  c

tipologias de estratégias ambientais propostas por requisitos ambientais praticados pelas comunidades.

Figura 1 – Interação entre as etapas do PDP e estratégias ambientais

PDP

Processo de desenvolvimento de produtosEstratégias ambientais

Pré-desenvolvimento Planejamento estratégicoAquisição de matéria-primaPlanejamento do processoPlanejamento da vida útil

Desenvolvimento

Projeto Informacional

Alternativas de novos materiais

Mercados para prod. SustentáveisPrevisão de impactos de produtos

Projeto ConceitualRequisitos ambientaisAlternativas de redesign

Projeto DetalhadoProlongamento da vida útilProcessamento com menos impacto

Preparação para a produçãoProtótipos com materiais ecológicosAvaliação dos impactos existentesAlternativas para processo

Lançamento do produto Marketing ecológicoOrientações para uso e pós-uso

Pós-desenvolvimento

Acompanhar os processos Desempenho dos produtosReaproveitamento dos sistemasSistema de interação com mercado

Descontinuar o produto

Reuso de peças e componentesRemontagemReciclagemCondicionamento adequado

   C  a  p   í  t  u

   l  o

   4

4.3.1 Itamatatiua – Cerâmica

A comunidade de Itamatatiua é caracterizada pe-lo trabalho com argila, extraída e beneciada pela po-pulação quilombola, que constitui essa comunidade eexpressa em seus produtos aspectos da sua cultura.

Contudo, a qualidade destes associadas ao PDP, assimcomo a percepção quanto aos aspectos ambientais,ainda são pouco considerados (TABELA 1).

Por se tratar do material argila, e ser extraídomanualmente, essa extração está vinculada as con-dições climáticas locais e a sua disponibilidade. Nodecorrer de um ano, apenas nos meses de outubroa dezembro, esta pode ser realizada, fornecendo amatéria-prima para o ano inteiro. É nesse período

que o terreno encontra-se seco, não oferecendo ris-cos às artesãs.

Por se utilizarem de recursos naturais existen-

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115

   E  s  t  r  a  t   é  g   i  a  s  a  m   b   i  e  n  t  a   i  s  p  a  r

  a  p  r  o   d  u  t  o  s  a  r  t

  e  s  a  n  a   i  s

Da etapa do planejamento estratégico, somen-te o planejamento do processo recebe especial aten-ção quanto aos aspectos ambientais, pois da sua exe-cução depende a produção anual da comunidade.

tes em abundância como argila e madeira, esta úl-tima utilizada no processo de queima das peças, asartesãs acreditam, assim, que a quantidade extraídanão gera nenhum tipo de impacto.

Tabela 1 – Quadro do processo de desenvolvimento de produtos da comunidade de Itamatatiua

PDP

Processo de desenvolvimento

de produtos

Estratégias ambientais 0 1 2 3 4 5

Pré-desenvolvimentoPlanejamentoestratégico

Aquisição de matéria-primaPlanejamento do processoPlanejamento da vida útil x

xx

Desenvolvimento

ProjetoInformacional

Alternativas de novos materiaisMercados para prod. SustentáveisPrevisão de impactos de produtos

xxx

Projeto ConceitualRequisitos ambientaisAlternativas de redesign

xx

Projeto DetalhadoProlongamento da vida útilProcessamento com menos impacto

xx

Preparação para a

produção

Protótipos com materiais ecológicosAvaliação dos impactos existentes

Alternativas para processo

xx

xLançamento do

produtoMarketing ecológicoOrientações para uso e pós-uso

xx

Pós-desenvolvimento

Acompanharos processos

Desempenho dos produtosReaproveitamento dos sistemasSistema de interação com mercado

xx

x

Descontinuar oproduto

Reuso de peças e componentesReciclagemCondicionamento adequado

xxx

c   â  n  t  a  r  a

Em relação às orientações para uso e pós-uso,atividades encontradas na fase de acompanhamen-to do desempenho do produto, estes não acontecemde forma contínua, como algo intrínseco ao processo,mas ocorrem no sentido inverso, partindo, primeira-mente do consumidor para o produtor – as artesãs.

Na etapa do planejamento do processo, a maiorpreocupação da comunidade artesã de Itamatatiua, es-tá em preservar o fazer tradicional, para que o conhe-

orgânica, sem uma pré-denição de onde uma começae a outra termina, de maneira que alguns requisitos doPDP acabam não fazendo parte de seu processo produ-tivo, nem as estratégias ambientais.

4.3.2 Brito – Redes de dormir 

A comunidade de Brito produz redes de dormirpor meio de bras de algodão compradas em forma de

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   I   d  e  n  t

   i   d  a   d  e

   é  v  a

   l  o  r  :   a  s  c  a

   d  e

   i  a  s

  p  r  o

   d  u  t

   i  v  a  s

   d  o

  a  r  t  e  s  a  n  a  t  o

   d  e

   A   l  

cimento adquirido através de gerações não se extinga eem mostrar a sua riqueza cultural, através do seus pro-dutos: potes, bonecas que retratam seu cotidiano, en-m, de sua cerâmica. Nesse processo, o planejamen-

to é tímido e as etapas acabam se realizando de forma

novelos nos mercados de São Luís, a capital do Esta-do. Os os são trançados e tingindos em um processoartesanal que representa desenvolvimento econômicopara essa comunidade. A tabela 2 apresenta as relações

processuais e ambientais aplicadas pela comunidade.

Tabela 2 – Quadro do processo de desenvolvimento de produtos da comunidade de Brito

PDP

Processo de des. de produtosEstratégias ambientais 0 1 2 3 4 5

Pré-desenvolvimentoPlanejamentoestratégico

Aquisição de matéria-primaPlanejamento do processoPlanejamento da vida útil

xxx

x

Desenvolvimento

ProjetoInformacional

Alternativas de novos materiaisMercados para prod. SustentáveisPrevisão de impactos de produtos

xxx

Projeto ConceitualRequisitos ambientaisAlternativas de redesign

xx

Projeto Detalhado Prolongamento da vida útilProcessamento com menos impacto

xx

Preparação para a

produção

Protótipos com materiais ecológicosAvaliação dos impactos existentesAlternativas para processo

xxx

Lançamento doproduto

Marketing ecológicoOrientações para uso e pós-uso

xx

Pós-desenvolvimento

Acompanharos processos

Desempenho dos produtosReaproveitamento dos sistemasSistema de interação com mercado

xx

x

Descontinuar oproduto

Reuso de peças e componentesReciclagemCondicionamento adequado

xxx

   C  a  p   í  t

  u   l  o

   4

Em Brito, observa-se que as etapas da produçãosão pré-denidas, determinadas pela aquisição da maté-ria-prima, o que ocorre somente quando há uma solici-tação de encomenda. Como as redes são confecciona-das a partir de os de algodão e em Alcântara este insu-mo é mais caro, os novelos são comprados em São Luís,

o que obriga as artesãs a repassarem o valor de todas asdespesas para o produto acabado. Desta forma, a preo-cupação quanto à matéria-prima, se refere principalmen-

f ô i ã bi i

Das trs comunidades observadas, Santa Maria éa que mais demonstra a preocupação em produzir demaneira sustentável, pela própria percepção de quea matéria-prima usada para o seu trabalho e da qualtiram seu sustento possa se extinguir. A partir des-sa observação passaram a se posicionar de forma di-

ferente em relação à extração da palmeira do buriti.A partir do nascimento da palmeira, se espera

de 3 à 5 anos para poder retirar o “olho” - parte uti-li d d ã d d í di f

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117

   E  s  t  r  a  t   é  g   i  a  s  a  m   b   i  e  n  t  a   i  s  p  a  r  a  p  r  o   d  u  t  o  s  a  r  t  e  s  a  n  a   i  s

te a fatores econômicos e não a ambientais.Outro aspecto identicado foi na etapa de lan-

çamento do produto, em que há orientações pelouso e pós-uso do produto, garantindo sua maior du-

rabilidade, por meio de informações quanto à lava-gem, quantidade de usuários etc. Além de garantiaspara seus componentes, como os punhos.

O requisito ambiental de desempenho dos pro-dutos na etapa de acompanhar processo, favorece oaumento do ciclo de vida, aplicado pela comunidadena forma do trançado das bras, que apresentam umaalta qualidade de amarração, podendo sustentar du-as pessoas juntas, confortavelmente. A qualidade dosprodutos é de reconhecimento local e regional.

Os requisitos ambientais aplicados na comuni-dade de Brito ainda são acanhados, mas a conscin-cia de práticas mais sustentáveis é notória, mas os fa-tores econômicos ainda se sobressaem.

4.3.3 Santa Maria – Fibra do buriti

A comunidade de Santa Maria produz artigos pa-ra decoração e uso pessoal como: jogos americanos,centros de mesa, bolsas, chapéus, entre outros, pro-venientes da extração das palhas da palmeira de buriti.Tais produtos já apresentam considerações processuais

e ambientais como mostra a tabela 3 (página seguinte).

lizada na produção das peças, e daí em diante, fazemessa extração a cada dois meses, demarcando as es-pécies e sempre retirando um “olho”, por palmeira,permitindo que outro se desenvolva e a planta não

se torne estéril. Além disso, preocupam-se em rea-proveitar tudo que não é utilizado em sua produção,como é o caso da palha, usada para cobrir as casas epara fazer o “cofo” – utensílio utilizado para embala-gem e transportes de frutas e pescados.

Tanto para a aquisição da matéria-prima comopara o planejamento do processo que ocorre na eta-pa de planejamento estratégico, as consideraçõesambientais são evidentes. Nas etapas de projeto in-formacional, o mercado acaba inuenciando nessadecisão, o que gera uma incorporação desses requi-sitos no projeto, uma preocupação com o aumentodo ciclo de vida e de procedimentos menos impac-tantes, sendo possível uma avalição, menos tímida doresultado da produção.

Na comunidade de Santa Maria o processo pro-dutivo adota métodos que garantem a qualidade e a du-rabilidade do artesanato produzido, além de considerarrequisitos ambientais que são percebidos pelo merca-do. Este pode inuenciar e promover melhorias nos sis-temas produtivos, principalmente no artesanato, ondeo artesão, em sua maioria, tem um contato mais próxi-

mo com o consumidor em relação a outros negócios.

l  c   â  n  t  a  r  a

Tabela 3 – Quadro do processo de desenvolvimento de produtos da comunidade de Santa Maria

PDP

Processo de des. de produtosEstratégias ambientais 0 1 2 3 4 5

Pré-desenvolvimentoPlanejamentoestratégico

Aquisição de matéria-primaPlanejamento do processoPlanejamento da vida útil x

xxx

x

ProjetoInformacional

Alternativas de novos materiais

Mercados para prod. SustentáveisPrevisão de impactos de produtos

x x

xx

Projeto Conceitual Requisitos ambientaisAlternativas de redesign x

x

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   I   d  e  n  t

   i   d  a   d

  e   é  v  a

   l  o  r  :   a  s  c  a

   d  e

   i  a  s

  p  r  o

   d  u  t

   i  v  a  s

   d  o

  a  r  t  e  s  a  n  a  t  o

   d  e

   A   

As comunidades apresentaram estratégias am-bientais classicadas em sua maioria como indiferen-tes, sendo que não havia nenhuma avaliação das açõesadotadas. Apenas uma apresenta um cenário escapis-tas e com greening reativo deliberativo (FIGURA 2).

Para as comunidades artesãs do município deAlcântara – MA, as práticas ambientais podem pro-

mover a melhoria do processo e consequentemen-te da imagem dos seus produtos diante do merca-do. Contudo, aplicar essas estratégias é consideradodispendioso e moroso, causando desconança quan-to ao argumento de redução de custos e otimizaçãodo processo. Assim, pode-se estimar que 30% dascomunidade ainda agem de forma reativa, ou seja, só

altera o processo quando pressionado por políticas

0

1

2

3

green. reativodeliberado/escapista

greening nãorealizado/inativasou indiferentes

greening ativoemergente/

ativistas

green. proativodeliberado/

defensoras deportfólio

70%

30%

Desenvolvimento

g

Projeto Detalhado Prolongamento da vida útilProcessamento com menos impacto

xx

Preparação para aprodução

Protótipos com materiais ecológicosAvaliação dos impactos existentesAlternativas para processo

x

xx

Lançamento doproduto

Marketing ecológicoOrientações para uso e pós-uso x

x

Pós-desenvolvimento

Acompanharos processos

Desempenho dos produtosReaproveitamento dos sistemasSistema de interação com mercado

xx

x

Descontinuar oproduto

Reuso de peças e componentesReciclagemCondicionamento adequado

xxx

Figura 2 – Tipo de estratégias ambientaisaplicadas pelas comunidade artesãs

   C  a  p   í  t

  u   l  o

   4

públicas ou pelo mercado, e 70% são inativas ou in-diferentes às estratégias ambientais, havendo o des-compromisso com a questão ambiental, podendo aqualquer momento parar ou mudar de ramo quandose sentirem pressionadas.

4.4 Considerações nais

O cenário da produção e das estratégias am-bientais predominante nas comunidades artesãs do

Referências

AMARAL, D.C. et al . (2006). Gestão de desenvolvimento

de produtos: uma referncia para a melhoria do processo. 1ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

ASKIN, R . G., STANDRIDGE, C. R . (1993). Modeling and

analysis of manufacturing systems. New York: John Wi-ley & Sons, 1993.

MALAGUTI, C. (2005). Requisitos ambientais para o de-

senvolvimento de produtos: manual técnico. São Paulo:CSPD - Centro São Paulo Design, 2005.

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   E  s  t  r  a  t   é  g   i  a  s  a  m   b   i  e  n  t  a   i  s  p  a  r  a  p  r  o   d  u  t  o  s  a  r  t  e  s  a  n  a   i  s

bientais predominante nas comunidades artesãs domunicípio de Alcântara - MA é de greening não reali-zado ou indiferente ou inativo, baseado na adoção depoucas práticas ambientais e quando existentes, de

caráter reativo e pontual, visando somente a aten-der às demandas do mercado e exigncias econômi-cas inerentes ao processo pouco eciente.

O processo de desenvolvimento de produtoadotado é resultado das características do tipo de se-tor, com baixa capacidade de investimento, mão deobra pouco capacitada, baixo nível tecnológico, o quecorrobora a baixa inserção de decisões ambientais.

Quando adotadas, as estratégias ambientaisnão são monitoradas e avaliadas, não gerando indi-cadores para avaliação de eciência e estabelecimen-to de novas metas.

O consumidor pode ser um importante agen-te para uma maior valorização do aspecto ambien-tal na produção, pois sendo um modelo de produção

artesanal, é responsável por grande parte das deci-sões de produto.

Há necessidade de uma melhor estruturação domodelo administrativo das comunidades, para que sepossa efetivamente implementar requisitos ambien-tais e se atingir uma maior sustentabilidade na pro-dução, como a criação de arranjos produtivos e coo-

perativas com gestão administrativa estruturada.

MANZINI. E.; VEZOLLI, C. (2005). O desenvolvimento de

produtos sustentáveis: os requisitos ambientais dos produ-tos industriais. São Paulo: Edusp/1ed, 2005.

SHARMA, et al . (1999). Corporate environmental responsive-ness strategies: the importance of issue interpretation and or-ganizational context. The Journal of Aplied Behavioral

Science. v.35, Mar 87-108, 1999.

SOUZA, R . S. (2002). Evolução e condicionantes da gestãoambiental nas empresas. REAd. Revista eletrônica de ad-

ministração, v. 8. Dez 51-70. Porto Alegre: 2002.

WINN, M. ANGELL, L.C. Towards a process model of cor-porate greening. In: Organizational Studies. Nov, 2000.Disponível em: <http://oss.sagepub.com/cgi/content/abs-tract /21/6/1119>, consulta realizada no dia 20/12/2010.

YIN, R . K. (1994). Case study research – design and metho-ds. 2. ed. London: Sage. 1994.

A   l  c   â  n  t  a  r  a

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   I   d  e  n  t

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  u   l  o

   5

Capítulo 5

Identifcando valores e valorizando identidades

Raquel Noronha

Ao nal deste breve percurso, buscamos ago-ra apontar algumas sínteses e, a partir deste mapea-mento, identicar possibilidades de continuidade pa-

pela própria identidade com a categoria território ea conotação simbólica nela contida, assumindo as-sim uma dimensão mais ampla, contemplando os as-

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   I   d  e  n  t   i   f  c  a  n   d

  o  v  a   l  o  r  e  s  e  v  a   l  o  r   i  z  a  n   d  o   i   d  e  n  t

   i   d  a   d  e  s

ra este processo de identicação de valores, a m deampliar a comunicação da identidade do artesanatodos povoados de Brito, Santa Maria e Itamatatiua.

Segundo Krucken (2009, p.29), [...] “Ao avaliar

um produto, o consumidor procura informações quepossam atuar como ‘garantias’ ou ‘pistas’: a identi-cação dos produtores, os elementos da história doproduto, os marcadores de identidade e os indicado-res de qualidade socioambiental do processo de pro-dução.” A partir destas indicações, iremos iniciar al-gumas sínteses.

Durante o percurso foi possível identicar re-presentações que relacionam o produto ao territó-rio, às tradições do lugar e às práticas sociais estabe-lecidas perante os ciclos da natureza.

Trabalhamos na perspectiva de que os saberese fazeres que mapeamos estão ligados ao territóriono qual eles são produzidos. Desta forma, mais doque uma prática artesanal, é uma manifestação daterritorialidade, ou seja, uma materialização – na for-ma de artefatos – da identidade local. Dene-se es-ta manifestação a partir da categoria terroir – comoo capital territorial – importante valor a ser comuni-cado aos consumidores dos produtos. Podemos tra-duzir a categoria terroir como produto com identida-de local, mas manteremos o uso da forma francesa,

pectos sociais, as relações com a biodiversidade doterritório, e as dimensões culturais, relacionadas aossaberes e fazeres tradicionais, constituindo-se comoum patrimônio (KRUCKEN, 2009).

Durante todo o processo de inventário das ca-deias produtivas, pensávamos se haveria um traçocultural que identicasse a produção do artesanatodos povoados como uma produção do território ét-nico de Alcântara.

Nossa proposta é apontar discursos e práti-cas que corroborem para a construção de um cená-

rio sobre as identidades e os valores do artesanatode Alcântara, e não para a conrmação de uma hipó-tese pré-concebida. A questão da identidade étnicacomo amálgama da produção artesanal parecia-nosum o condutor, um traço comum entre todos osgrupos. Assim, pensando conforme Almeida (2002,p.12), que etnicidade abrange também uma interaçãocom uma certa maneira de produzir e de se relacio-nar com a natureza, é possível armar que o artesa-nato da rede, do linho e do barro tem uma ancoragemno território no qual são produzidos e, desta forma,associam-se à categoria territorialidade.

Observamos que há a incidncia de práticas ar-tesanais dos mesmos produtos em outras regiõesdo Maranhão, o que inicialmente poderia parecer

A   l  c   â  n  t  a  r  a

contraditório com o que acabamos de armar, po-rém a designação da origem da produção é um fa-tor diacrítico quando as artesãs identicam os valo-res dos seus produtos, de forma a positivar ou mes-mo desqualicar a sua produção.

Quando convidamos as artesãs a simularem

uma venda de seus produtos, em atividade realizadano seminário de trabalho, uma das estratégias de va-lorização dos produtos foi a comparação com outrascomunidades produtoras:

 Walmir , de Santa Maria: A Santa Maria é umacomunidade de imigrante, ela não é uma comuni-dade assim de pessoas nativa aqui da cidade de Al-cântara, né?! É uma das comunidades de Alcânta-ra que é de imigrante. Há pessoas de Barreirinha.Que, na verdade, quem trouxe o artesanato pra

cá foi o pessoal de Barreirinha e da Tutóia, Mor-ros, Humberto de Campos, Urbano Santos.

Mesmo que a origem do artesanato tenha si-

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   I   d  e  n  t

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   l  o  r  :   a  s  c  a

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  p  r  o

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Irene, de Itamatatiua: A nossa cerâmica é maisescura, porque o nosso barro é preto. Ficabem mais bonito do que as de outros lugares.A cerâmica de Itamatatiua é conhecida por sermais escura.A mesma referncia ao lugar também é obser-

vada quando são apontados alguns problemas dosprodutos:

Pesquisadora: Porque que vocs colocam areia

no barro?Angela, de Itamatatiua: Porque a nossa cerâ-mica quebra muito, quando queima. A de Rosá-rio não quebra assim não.Pesquisadora: E quem disse pra vocs que temque colocar areia? Assim quebra menos?Angela: Ah, isso foi a avó da minha avó que dis-

se. Os antigos... A cerâmica de Itamatatiua que-bra porque tem pouca areia no barro, por issoque a gente coloca... Porque senão, a gente abreo forno e perde o trabalho, tá tudo rachado...

Em outro depoimento, a referncia da constru-ção da identidade do artesanato também se constrói

em relação ao outro:

q gdo em outro lugar, como observamos no trecho aci-ma, há uma diferenciação em relação a este outro,em um processo dinâmico, no qual a territorialidadeaora na expressão das diferenças, nas bordas e noslimites da identidade local:

Pesquisadora: O que caracteriza o artesanatode vocs?Celeste, de Santa Maria: O trabalho com o li-nho é o mesmo. O linho é o mesmo deles lá tam-bém, mas chegando lá, eles não chamam de bor-ra, eles chamam de bra. Só que a bra pra gen-

te aqui é uma coisa, e pra eles lá é outra. Porquea bra ela é mais resistente. A bra, ela é macia;ela não estraga com facilidade, e essa borra, elaestraga com facilidade. Aí eles lá trabalham coma borra. Aí eles misturam e nós não. A gente sótrabalha com a bra mesmo. Por isso que o linhode Santa Maria é melhor... Dá pra voc ver, como

naquele produto que tava pronto, é no o teci-do. Já o deles é a parte mais grossa...Eudialite, de Santa Maria: E o bater deles [deBarreirinhas] lá não é como o daqui. O bater, elesnão une. É falta de não querer bater pra economi-zar bra. Não unir, economiza bra e faz o traba-lho mais rápido. Economiza mão-de-obra. Com o

tempo ele quebra, porque a palha quebra.

   C  a  p   í  t

  u   l  o

   5

Desta forma, é possível compreender a cons-trução da identidade do artesanato destas comu-nidades a partir de sua relação com o lugar ondesão produzidos. Ainda nos referenciando em Almei-da (2002), o território étnico de Alcântara é cons-truído a partir das múltiplas e especícas formas de

apropriação e uso da natureza.Uma outra característica importante na constru-ção desta identidade é a interferncia do clima sobre aprodução, como foi possível observarmos no item 3.2

forma de exercício de poder, como se as necessidadesfossem as mesmas em ambos os modos de produção.

A partir das reexões das artesãs sobre a va-riação da produção em relação às estações do ano,nossa principal síntese reside no fato que a produ-ção está intimamente relacionada ao clima e ao tem-

po demandado para esta produção nas duas princi-pais estações aludidas: o verão e o inverno, o períodoseco e o período das chuvas, respectivamente.

A lógica da produção está associada a estas va-

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  o  r   i  z  a  n   d  o   i   d  e  n  t

   i   d  a   d  e  s

p ç pdo capítulo 3, quando tratamos da sazonalidade da pro-dução. A lógica da demanda não considera os limites eo tempo da produção artesanal, causando uma profun-da frustração nas artesãs pelo sentimento da perda daencomenda. A baixa na produtividade nestes períodosde chuva obriga as artesãs a buscarem novas formas desustento, o mesmo acontece também de forma geralcom as novas gerações, que não se interessam pela ati-vidade artesanal, pois não percebem o retorno nan-ceiro. As jovens deixam suas comunidades para ir embusca de emprego na capital.

Identicamos dois tipos de valores que sãoacionados quase em um par dicotômico: o dinhei-

ro e a subsistência . Um e outro não são interde-pendentes, se tratados a partir da perspectiva do lo-cal. Contudo, em uma abordagem externa ao povo-ado, a lógica da escassez de recursos prevalece, e asubsistência passa a ser signicado de pobreza, mais

uma vez inserindo as artesãs na lógica de outro tipode produção, que não o artesanal.

Processo análogo nos é apresentado por Sahlins(2007), quando analisa o modo de produção dos po-vos caçadores e coletores, considerando-os comouma verdadeira sociedade auente. A noção de far-

tura ou escassez é uma construção de uma visão

sobre a forma de produção do outro e, portanto, uma

g p çriações climáticas, assim como a uma série de ou-tras atividades desempenhadas pelas artesãs, alémda própria produção artesanal, como o cultivo dahorta, as atividades domésticas, e o próprio artesa-nato de subsistncia. Uma das principais caracterís-ticas do que é chamado artesanato reside exatamen-te nesse tempo de espera, de reclusão, de respeitoàs condições naturais que normatizam a produção.O caráter terroir de um produto está justamente re-lacionado a este modus operandi, esta forma especí-ca de produção ritualizada que só quem conhece as

dinâmicas do lugar tem condições de observar e res-peitar, pois sabem que é uma condição sine-qua-non para sua realização.

A frustração das artesãs quando perdem uma en-comenda pela falta de prazo, ou quando são obrigadasa deixar o povoado, ou veem uma de suas lhas fazen-do o mesmo, para buscar trabalho e renda fora de Al-

cântara, está ligada ao processo de inserção desta pro-dução artesanal em sistemas assimétricos de produção,cujas demandas são provenientes do mercado. O valor 

é atribuído ao resultado do artesanato, ao arte-

fato propriamente dito, mas não ao seu proces-

so produtivo, que muitas vezes é ignorado.Não estamos, com isso, defendendo um isola-

mento da produção artesanal perante as exigncias

   A   l  c   â  n  t  a  r  a

do mercado, em busca de uma suposta pureza e pre-servação da tradição. Estamos sim, problematizan-do a forma como estas artesãs e seus artefatos inse-rem-se num sistema maior e mais poderoso, com umtempo diverso do seu.

Ainda nos referenciando em Sahlins, cremos

que este processo de frustração das artesãs peran-te um tempo que não conseguem acompanhar é ca-racterístico de uma tomada de conscincia sobre no-vas necessidades e aspirações, que não são mais sa-

O que ressaltamos aqui é que são concepçõesdiferentes de tempo – o tempo do artesanato e otempo da encomenda. Para as artesãs de Alcân-tara, o tempo do artesanato é um, que varia de acor-do com a disponibilidade da matéria-prima, os tem-pos de secagem, e como o material se comporta em

relação à umidade do ar. Estes parâmetros são vari-áveis e oscilam de acordo com o período do ano. Asencomendas, ainda que poucas, chegam a toda épo-ca, sem que a ação do clima seja considerada e, por-

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   I   d  e  n  t

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  a  r  t  e

  s  a  n  a  t  o

   d  e tisfeitas no âmbito dos povoados, nem na economia

de subsistncia.Ao propormos o mapeamento de suas cadeias

produtivas, estamos abrindo a “caixa-preta” da pro-dução artesanal, e com isso, mostrando que o tem-po – muitas vezes considerado longo, aos olhos lei-gos, está em consonância com a multiplicidade demicroprocessos envolvidos em cada uma das cadeiasprodutivas. Comunicar valores consiste em compar-tilhar os códigos dos agentes envolvidos nas cadeias:os que produzem, os que consomem e os que me-

diam. Os códigos compartilhados entre as artesãsdiferem dos códigos compartilhados pelas pessoasque fazem as encomendas.

Como forma de sistematizar este tempo do ar-tesanato de Alcântara, propomos a construção deum calendário (próxima página), considerando a ex-tração da matéria-prima e a etapa da produção, no

seu sentido mais amplo.Uma postura etnocêntrica pode identicar este

tempo maior de produção como uma falta de inte-resse em produzir, em “não saber ganhar dinheiro”,que traduz uma falta de habilidade em lidar com a co-mercialização da produção, ou mesmo coíra [pregui-ça], como uma das artesãs nos relatou.

tanto, sem atentar-se para a própria característicado produto terroir – a sua ligação com o meio am-biente, com os costumes e as tradições associadosaos processos produtivos.

No processo de comunicação das identidadesde produtos locais é importante ressaltar e identi-car este valor, o da temporalidade dos proces-

sos. Valorizar uma identidade local consiste em ad-mitir que o valor daquele produto esteja principal-mente nos aspectos simbólicos relacionados a umsaber local, uma forma especíca de relação com a

natureza. Uma demanda de mercado que abstraia ofator temporalidade de uma produção artesanalestá negando o próprio cerne do artesanato: o tem-po da espera, o tempo da narrativa, o tempo que es-ta tradição precisa para ser contada.

Ao inventariarmos as cadeias produtivas do ar-tesanato de Alcântara, pelo ponto de vista da produ-

ção, temos alguns indícios de que há alguns importan-tes valores que precisam ser comunicados. Porém,pouco sabemos sobre as suas condições de consu-mo. Quais são os valores identicados nos produtospelos seus consumidores? O que faz alguém comprara rede, o linho ou a louça, provenientes de cada umdos povoados pesquisados? Esta é uma resposta que

   C  a  p   í  t

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   i   d  a   d  e  s

produção extração/aquisiçãode matéria prima

contínua

frequente

ocasionalrara

legenda

   A   l  c   â  n  t  a  r  a

ainda temos de buscar, de modo que esta pesquisa – felizmente – não se encerra aqui. Porém, convida-mo-los, à guisa de uma breve conclusão, e não de umponto nal sobre o assunto, à reexão sobre o papeldos agentes mediadores destas comunicações de va-lores – os designers.

Ao penetrar no sistema simbólico dos valoresassociados ao artesanato de Brito, Santa Maria e Ita-matatiua, para melhor entend-lo, estamos nós, de-signers, em um patamar diferenciado de conheci-

anteriormente, baseados na linguagem do saber lo-cal e na da teoria, posicionamo-nos em lugar estra-tégico no processo de comunicação destes valoresapreendidos e na tangibilização dessas identidades.

Ao discorrer sobre o papel do designer em seuensaio O homem no centro: o designer , C. Wri-

ght Mills aponta para a existncia de uma experinciade segunda mão que é vivenciada por cada um de nós,e esta é uma regra para compreendermos a condiçãohumana. Percorrendo o ensaio, nos deparamos com

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  s  a  n  a  t  o

   d  e mento sobre tais fazeres e saberes territoriais.

Coube-nos, durante todo o procedimento deinventário, o processo de tradução destes valores,hierarquizando, sistematizando e codicando a ex-perincia do fazer do outro.

Indicar o que deva se comunicado, identicarpotencialidades e fragilidades, com o objetivo de de-senhar as cadeias produtivas é uma tarefa delicada.Colocamos em ordem as suas etapas e, muitas ve-zes, demos nomes a elas. Nomear signica dar exis-tncia, dar um lugar no mundo.

Este trabalho foi realizado em co-autoria comas artesãs, porém a redação nal deste livro nos per-tence, e assim, aumenta nossa responsabilidade co-mo comunicadores destas informações. O exercíciodo poder está intimamente ligado ao conhecimentoque se tem sobre determinado conteúdo/realidade eà possibilidade de comunicá-los, construindo uma in-

terpretação – próxima ou distante – do que se su-põe que seja a experincia da produção do artesa-nato em povoados de Alcântara, no caso deste pro-

 jeto. Mas é importante indagar: quem supõe? Comque nalidade?

Ao adotarmos uma postura de traduto-res de valores apreendidos in loco, durante o pro-

cesso estabelecido durante este projeto e descrito

uma descrição das atividades do designer na socieda-de norte-americana, das formas de atuação do desig-ner como prossional que media a construção de ummundo articial e totalmente voltado para “as armadi-lhas dos maníacos da produção e distribuição”.

Não é sem razão que o título original do en-saio, de 1954 – Forças sociais e as frustrações

do designer – pareça-nos extremamente contem-porâneo, visto que muitos problemas que observa-mos nas nossas práticas prossionais de hoje este-

 jam associadas a esta posição central e parcial que o

designer assume na tangibilização de sistemas smi-cos, ou melhor, atuando como mediador dos siste-mas de produção e de consumo em nossa sociedade.

Trabalhar com as comunidades artesãs de Al-cântara nos mostrou empiricamente o que Mills(2009) nos apresentou no seu ensaio, e nos mostrao quão estratégico é o papel do designer na hierar-

quização destes discursos que mapeamos. Ao dese-nharmos as cadeias produtivas, estávamos sistema-tizando um conjunto de práticas sociais construídasentre diversos atores, e nos inserimos neste territó-rio, a partir da nossa ação, naquele determinado es-paço e tempo.

Entendendo territorialidade como a apro-

priação do espaço pelos atores que nele atuam, e

   C  a  p   í  t  u

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   5

estabelecem relações de poder entre si, é possí-vel dizer que nos tornamos, portanto, também ato-res nestes espaços e a partir daí somos capazes deconstruir sistemas smicos – ou seja, imagens – desta realidade.

É nosso metiér construir imagens/artefatos ela-

borados a partir do domínio de uma linguagem es-pecíca e direcionados a determinadas condições deusos e experincias.

A possibilidade de nos aproximarmos de nos-j i d i i l i

como uma estratégia de melhor nos alfabetizarmosna linguagem do outro, mediando assim o léxico es-pecíco daquelas comunidades, do mercado e o re-pertório teórico do nosso campo de atuação.

O designer no centro O designer no meio

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  o  v  a   l  o  r  e  s  e  v  a   l  o  r   i  z  a  n   d  o   i   d  e  n  t

   i   d  a   d  e  ssos sujeitos de pesquisa e construir coletivamente

a identicação de valores é um processo em análi-se, sincrônico, e comprometido com o que conside-ramos o lugar do designer/pesquisador no processode comunicação. Esta posição, à qual nos propuse-mos ocupar, torna o desao duplamente multiplica-do, pois o próprio sistema smico do designer/pes-quisador é inuenciado pela convivência e sua atua-ção sob a territorialidade do outro.

Neste processo, somos atores e sujeitos, noscabendo um papel hierarquicamente mais próximo

ao dos nossos sujeitos de pesquisa. A nossa percep-ção sobre a alteridade é exponencialmente sensibi-lizada, pois nos damos conta dos limites, das fragili-dades, das nossas próprias potencialidades e das dosoutros, construindo uma relação sincrônica e relati-vística, de contínuo aprendizado na elaboração dosnossos sistemas de informação.

Desta forma, talvez seja possível nos posicio-narmos de uma forma estratégica no sistema de pro-dução imposto como um padrão, possibilitando quetenhamos, nas nossas atividades prossionais e aca-dmicas, uma postura de tradutores efetivos e nãode reprodutores de linguagem. Propomos, com is-to, um deslocamento, do centro dos processos para

o meio deles, entre os artesãos e os consumidores,

Referências

BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. 7a ed.São Paulo: Brasiliense, 1994.

FLUSSER, Vilém. O mundo codicado: por uma losoado design e da comunicação. Rafael Cardoso (org.). São Paulo:Cosac Naify, 2007.

KRUCKEN, Lia. Design e território: valorização de identi-dades e produtos locais. São Paulo: Studio Nobel, 2009.

MILLS, C. Wright. Sobre o artesanato intelectual e ou-

tros ensaios. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009.

RAFFESTIN, Claude. Por uma geograa do poder . SãoPaulo: Ática, 1993.

SAHLINS, Marshall. Cultura na prática. Rio de Janeiro: Edi-tora UFRJ, 2007.

e   A   l  c   â  n  t  a  r  a

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Franklin Veiga Neto é graduando em Design pe-la Universidade Federal do Maranhão. É voluntáriono projeto Iconograas do Maranhão. Tem como in-teresse de estudo o processo de ressignicação da

em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Es-tadual do Maranhão. É bolsista CNPq do projetoIconograas do Maranhão na sua quarta etapa, pre-tende atuar na área de gestão em design com nfa-

Sobre os autores

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  s  a  u  t  o  r  e  s

teresse de estudo o processo de ressignicação dacultura através de ícones e a valorização da identi-dade local.

Imaíra Portela de Araujo Medeiros é graduan-da em Desenho Industrial pela Universidade Federaldo Maranhão. Participou como voluntária do proje-to Iconograas do Maranhão em sua primeira etapae agora atua como bolsista CNPq. Pelo segundo anoconsecutivo faz parte da COL - Comissão Organiza-dora da LUDO (Semana Acadmica de Design); inte-

ressa-se pela pesquisa em comunidades artesãs e pre-tende atuar na área de Design de Jóias, com nfase nouso de materiais naturais e pedras brasileiras.

Marcella Abreu é graduanda em Design pela Uni-versidade Federal do Maranhão. Turismóloga (Cen-tro Universitário do Maranhão - UniCEUMA). Pelo

segundo ano consecutivo faz parte da COL - Comis-são Organizadora da LUDO (Semana Acadmica deDesign); interessa-se por ilustração e pretende atuarno área de concept art e criação de personagens paraanimações, cinema e games.

Milena Carneiro Alves é graduanda em DesenhoIndustrial pela Universidade Federal do Maranhão e

tende atuar na área de gestão em design, com nfa-se em sutentabilidade.

Patrícia Silva de Azevedo possui graduação em

Desenho Industrial pela Universidade Federal do Ma-ranhão, Mestrado em Cincia e Tecnologia de Madei-ras [Esalq] pela Universidade de São Paulo e Douto-rado pelo Programa de PG em Recursos Florestais daESALQ/USP. Exerce o cargo de professor adjunto pe-la Universidade Federal do Maranhão. Tem experin-cia na área de Desenvolvimento de projeto de produ-

tos e Engenharia Florestal, com nfase em tecnologiae utilização de produtos orestais, atuando principal-mente nos seguintes temas: estratégias e requisitosambientais, métodos de desenvolvimento de produ-tos sustentáveis e produção industrial moveleira.

Raquel Gomes Noronha é doutoranda em Cin-

cias Sociais pela Universidade Estadual do Rio de Ja-neiro. É designer (ESDI-UERJ), mestre em CinciasSociais (PPGCSoc-UFMA). Tem como interesses depesquisa o patrimônio, sua apreensão como um sig-no de identidade local e suas condições de difusão. Éprofessora assistente do Departamento de Desenhoe Tecnologia da Universidade Federal do Maranhão,onde coordena o projeto Iconograas do Maranhão.

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Projeto 

Iconograas do Maranhão

EtapaIdentidade é valor 

Concepção e coordenação

Profª Ms. Raquel Noronha(DEDET-UFMA)

PesquisadoraProfª Dra Patrícia Azevedo

Universidade Federal do Maranhão

Reitor Prof. Dr. Natalino Salgado Filho

Vice-reitor 

Prof. Dr. Antonio José Silva Oliveira

Pró-reitor de ExtensãoProf. Dr. Antonio Luiz Amaral Pereira

CENTRO DE CIêNCIAS TECNOLÓGICAS

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   d  e Prof . Dra. Patrícia Azevedo

(DEDET-UFMA)

Bolsistas

Imaíra Portela e Milena Alves

VoluntáriosFranklin Veiga e Marcella Abreu

Desenvolvimento de íconesAdriano Erick PinheiroFábio SantanaFranklin Veiga

 Josenilson Mourão Juan Carlos SoaresRaiama Portela

Colaboração

Caio Oliveira, Christian Moreira,

Hamilton Oliveira e Thiago Guará

Edição e projeto gráfco

Raquel Noronha

RevisãoRosangela de Souza Gomes

CENTRO DE CIêNCIAS TECNOLÓGICAS

Diretor de centroProf. Dr. Ridvan Nunes Fernandes

Chefe do Departamento de Desenho e TecnologiaProf. Paulo Sérgio Lago de Carvalho

EDUFMA

Diretor Prof. Dr. Sanatiel de Jesus Pereira

Identidade é valor : as cadeias produtivas do artesanato emAlcântara. Raquel Gomes Noronha, Organizadora. — SãoLuís: EDUFMA, 2011.

130p.Série Iconograas do Maranhão

  ISBN: 978-85-7862-074-51. Artesanato - Alcântara Maranhão 2. Artesanato -Alcântara - MA - Cadeias produtivas 3. Cultura popular -Alcântara - MA I. Noronha, Raquel Gomes

CDD 745. 594 812 1CDU 745 (812.1)