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IDENTIFICANDO PRESSUPOSTOS E CONTEXTOS DE VALIDADE EM EXPERIMENTOS COM ELETROSCÓPIOS Alexandre Medeiros (PhD, Professor do PPGEC – UFRPE Av. Dom Manoel de Medeiros S/N. Dois Irmãos- Recife-PE <[email protected]>) Nivaldo Lima Jr. (Mestrando PPGEC - UFRPE. Professor do CEFET-PE Av. Prof. Luís Freire, 500, Cidade Universitária -Recife-PE<[email protected]>) TRABALHO APRESENTADO NO VII Encontro de Pesquisadores em Ensino de Física (EPEF – Florianópolis – 2000) Resumo Nesta pesquisa buscou-se investigar a compreensão que os professores de física têm acerca do funcionamento do eletroscópio, um instrumento de aparência muito simples, cuja apresentação é frequente nos livros didáticos. Na verdade, o eletroscópio carrega inúmeras possibilidades de discussões conceituais, não desenvolvidas costumeiramente. Procurou-se, aqui, investigar o quanto um conjunto de professores de eletricidade entrevistados conseguiu perceber as sutilezas daquele instrumento. Para tal, foi desenvolvida uma série de situações, algumas das quais com desenhos propositadamente modificados, com o objetivo de por em jogo a importância de determinados conceitos. Procurou-se evidenciar nas análises um certo desencontro entre as opiniões dos professores entrevistados e as suas dificuldades em interpretarem corretamente o funcionamento do citado instrumento. Neste estudo, foi feita uma leitura das respostas coletadas através de entrevistas semi-estruturadas, no intuito de oferecer alternativas que pudessem possibilitar um ensino mais crítico, atento aos pressupostos e aos contextos de validade dos assuntos abordados. Deste modo, o eletroscópio, enquanto um instrumento de investigação, teve desvelada uma complexidade que pode servir ao propósito de se problematizar a abordagem dos conteúdos. De outro modo, um outro ponto que pôde ser destacado foi a investigação dos modelos mentais que aqueles professores revelaram, diante de situações onde processos dinâmicos eram discutidos em torno de representações visuais estáticas. Foram ainda discutidos os pressupostos utilizados pelos entrevistados, quando da apresentação de um conjunto de questões relativas à fenomenologia contida no funcionamento do eletroscópio. Introdução Diversas pesquisas têm demonstrado a existência de um grande número de modelos mentais sobre circuitos elétricos entre os estudantes (Duit, 1993). Steinberg (1988), atribuiu parte das razões da existência de tais modelos mentais a um estudo não muito cuidadoso da eletrostática. A passagem do estudo da eletrostática para o da eletrodinâmica, assim como dos fenômenos magnéticos associados à corrente elétrica, tem sido encarada por muitos alunos como desprovido de um claro relacionamento com os conteúdos eletrostáticos estudados no início dos seus cursos de eletricidade (Haertel, 1987; Eylon & Ganiel, 1990; Benshegir & Closset, 1996). McIntyre (1974), já havia apontado que o estudo dos modelos desenvolvidos pelos alunos na interpretação dos fenômenos eletrostáticos poderia conduzir à montagem de um quadro geral que mapeasse a formação dos conceitos naquele campo. Um exemplo desses modelos mentais é a idéia, compartilhada por vários estudantes, de que um campo elétrico criado por uma carga puntual inserida numa superfície condutora

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IDENTIFICANDO PRESSUPOSTOS E CONTEXTOS DE VALIDADE EM EXPERIMENTOS COM ELETROSCÓPIOS

Alexandre Medeiros (PhD, Professor do PPGEC – UFRPE Av. Dom Manoel de Medeiros S/N. Dois Irmãos- Recife-PE <[email protected]>) Nivaldo Lima Jr. (Mestrando PPGEC - UFRPE. Professor do CEFET-PE Av. Prof. Luís Freire, 500, Cidade Universitária -Recife-PE<[email protected]>)

TRABALHO APRESENTADO NO VII Encontro de Pesquisadores em Ensino de Física (EPEF – Florianópolis – 2000)

Resumo

Nesta pesquisa buscou-se investigar a compreensão que os professores de física têm acerca do funcionamento do eletroscópio, um instrumento de aparência muito simples, cuja apresentação é frequente nos livros didáticos. Na verdade, o eletroscópio carrega inúmeras possibilidades de discussões conceituais, não desenvolvidas costumeiramente. Procurou-se, aqui, investigar o quanto um conjunto de professores de eletricidade entrevistados conseguiu perceber as sutilezas daquele instrumento. Para tal, foi desenvolvida uma série de situações, algumas das quais com desenhos propositadamente modificados, com o objetivo de por em jogo a importância de determinados conceitos. Procurou-se evidenciar nas análises um certo desencontro entre as opiniões dos professores entrevistados e as suas dificuldades em interpretarem corretamente o funcionamento do citado instrumento. Neste estudo, foi feita uma leitura das respostas coletadas através de entrevistas semi-estruturadas, no intuito de oferecer alternativas que pudessem possibilitar um ensino mais crítico, atento aos pressupostos e aos contextos de validade dos assuntos abordados. Deste modo, o eletroscópio, enquanto um instrumento de investigação, teve desvelada uma complexidade que pode servir ao propósito de se problematizar a abordagem dos conteúdos. De outro modo, um outro ponto que pôde ser destacado foi a investigação dos modelos mentais que aqueles professores revelaram, diante de situações onde processos dinâmicos eram discutidos em torno de representações visuais estáticas. Foram ainda discutidos os pressupostos utilizados pelos entrevistados, quando da apresentação de um conjunto de questões relativas à fenomenologia contida no funcionamento do eletroscópio.

Introdução Diversas pesquisas têm demonstrado a existência de um grande número de

modelos mentais sobre circuitos elétricos entre os estudantes (Duit, 1993). Steinberg (1988), atribuiu parte das razões da existência de tais modelos mentais a um estudo não muito cuidadoso da eletrostática. A passagem do estudo da eletrostática para o da eletrodinâmica, assim como dos fenômenos magnéticos associados à corrente elétrica, tem sido encarada por muitos alunos como desprovido de um claro relacionamento com os conteúdos eletrostáticos estudados no início dos seus cursos de eletricidade (Haertel, 1987; Eylon & Ganiel, 1990; Benshegir & Closset, 1996).

McIntyre (1974), já havia apontado que o estudo dos modelos desenvolvidos pelos alunos na interpretação dos fenômenos eletrostáticos poderia conduzir à montagem de um quadro geral que mapeasse a formação dos conceitos naquele campo. Um exemplo desses modelos mentais é a idéia, compartilhada por vários estudantes, de que um campo elétrico criado por uma carga puntual inserida numa superfície condutora

fechada não poderia atuar no exterior da mesma (Geller & Bagno, 1994). Recentemente, tanto Harrington (1999), quanto Furió & Guisasola & Zubimendi (1998) desenvolveram trabalhos nos quais os sentidos a serem atribuídos a tais modelos estavam baseados em análises dos modos de pensar subjacentes às expressões verbais utilizadas pelos alunos na interpretação dos fenômenos da eletrostática.

Outros trabalhos, como os de Gregory (1974) e Siddons (1979), mostraram que a utilização de abordagens pedagógicas, calcadas na realização de experimentos a respeito de pontos básicos da eletrostática, poderia vir a se constituir numa maneira de discutir as bases observacionais dos conceitos relacionados com essas situações. Assim, conceitos como os de “eletrização por atrito”, “indução eletrostática”, “potencial elétrico” e “aterramento”, parecem servir de exemplos daquilo que pode ser discutido em experimentos com um eletroscópio de folhas (Gallai & Stewart, 1998a; Gallai & Stewart, 1998b; Greenslade Jr, 1982; Mellen, 1989; Layton, 1991). Por outro lado, a riqueza da complexidade conceitual presente num simples eletroscópio foi destacada por Engelman (1983), ao apontar a possibilidade da utilização desse instrumento na discussão das idéias dos estudantes sobre a própria natureza da observação, considerando-se o relacionamento entre o conhecimento científico e as aplicações práticas, colocando-se tal relacionamento no seu contexto histórico apropriado.

Unindo-se esses dois grandes ramos das pesquisas relacionadas com o ensino e a aprendizagem da eletrostática, quais sejam, o da investigação dos modelos mentais dos estudantes e o da riqueza conceitual presente numa discussão problematizadora dos experimentos com objetos como o eletroscópio, surgem algumas outras vertentes a serem exploradas. Uma delas é a investigação dos modelos mentais relacionados diretamente à utilização daqueles instrumentos, por vezes apontados como verdadeiros trampolins para um ensino mais eficiente. Até que ponto, aquela riqueza conceitual presente em tais experimentos é percebida, mesmo pelos professores? Neste sentido, insere-se o problema da presente pesquisa: investigar aquilo que é compreendido por professores de física ao lidarem com algumas questões inusitadas relacionadas com o funcionamento do eletroscópio, diferentes daquelas situações padronizadas, comumente apresentadas pelos livros textos.

O funcionamento do eletroscópio como referencial teórico das entrevistas Nas entrevistas realizadas, diversas situações foram postas com respeito à

compreensão do funcionamento, assim como ao emprego do eletroscópio de lâminas, muitas das quais abordadas anteriormente por Abbott (1963). Inicialmente, explorou-se as idéias daqueles professores acerca da eletrização por atrito, da sua gênese eletrodinâmica ou eletroquímica. Em verdade, basta que dois materiais distintos venham a ser colocados em contato entre si para que possa ocorrer tal processo de eletrização. Por sua vez, o atrito pode propiciar um incremento da eletrização obtida já no primeiro contato, através de uma aproximação mais efetiva das duas superfícies. Neste contexto, a capacidade de ceder ou receber elétrons por parte de um material dependerá da natureza do outro material atritado, pouco dependendo da elevação de temperatura, tendo-se em vista a fricção. Desta forma, poder-se-á conceber uma série triboelétrica, onde um material poderá eletrizar-se positiva ou negativamente, dependendo do outro material desta série. Qualquer material pode ser eletrizado por este processo, como os condutores (metálicos ou não), líquidos, vapores ou gases. Entretanto e geralmente, as séries apontadas nos livros-texto, quando lá aparecem, só contêm alguns poucos materiais, sendo estes, em geral, sólidos e “isolantes”. Na verdade, para eletrizar-se um “bastão condutor” dever-se-á tomar algumas precauções para que o objeto não seja simultaneamente descarregado para a terra.

Do ponto de vista histórico, pode-se registrar que, ao final do século XVIII, eram utilizados, nas experiências de indução, por exemplo, diversos tipos de eletroscópios e eletrômetros, dentre os quais o criado pelo reverendo Abraham Bennet, um aperfeiçoamento do aparelho de Tiberius Cavallo, que viria a tornar-se o mais conhecido deles (Forbes & Dijksterhuis, 1963; Turner, 1927; Meyer, 1977). Bennet tornou público tal instrumento, o eletroscópio de folhas de ouro, na Philosophical Transactions, da Royal Society, de 1787. Aperfeiçoado, logo em seguida, por William Hasledine Pepys, tornar-se-ia, desde então, o mais sensível detector de eletricidade disponível à época. O eletroscópio de Bennet pode ser tido como um exemplo do desenvolvimento da compreensão do papel desempenhado pelos condutores nos instrumentos de medidas elétricas. A incorporação de folhas de ouro a este instrumento, não deve ser vista como o resultado de uma tentativa qualquer de substituição do tipo de material utilizado. O ouro, assim como a prata antes utilizada por Tiberius Cavallo, era, como ainda o é, um elemento muito valioso para ser incorporado sem maior compromisso em meros procedimentos de tentativas e erros. Sua utilização é, antes de tudo, um reconhecimento do seu papel desempenhado como excelente condutor. Em conexão com o eletroscópio de folhas de ouro, de Bennet, deveria, entretanto, ser mencionado que, ao final do século XVIII, vários outros eletroscópios e eletrômetros estavam igualmente em uso ou em desenvolvimento.

Basicamente, o princípio de funcionamento do eletroscópio de lâminas condutoras pode ser explicado a partir do conceito de indução eletrostática, uma manifestação descoberta por John Canton em 1753. Para tanto, este instrumento pode ser concebido de modo que um par de lâminas de ouro seja conectado a um eletrodo superior, normal- mente, configurado na forma de uma esfera metálica, através de uma haste igualmente condutora, transformando o conjunto em um condutor extenso, conforme pode ser visto na figura ao lado, à direita. É importante notar, todavia, que a forma esférica não é obrigatória. Deste modo, ao tomar-se, como exemplo, a aproximação de um corpo positivamente carregado do eletroscópio, elétrons concentrar-se-ão na superfície do eletrodo,

migrando de toda a estrutura metálica a ele conectada. Com a perda de ‘elétrons livres’, as lâminas adquirirão, consequentemente, um excesso de carga elétrica positiva. Assim, forças eletrostáticas de repulsão passarão a contribuir para um significativo afastamento destas lâminas, conforme ilustrado na figura à esquerda. O grau de deflexão das lâminas observado no eletroscópio dependerá da intensidade do

campo elétrico produzido pelo corpo indutor, bem como da sensibilidade inerente a fatores dimensionais das lâminas utilizadas no mesmo. No caso da aproximação de um corpo carregado negativamente, o fluxo de ‘elétrons livres’ será oposto ao descrito anteriormente. Neste caso, as lâminas também se afastarão por estarem carregadas negativamente. A constituição física do eletroscópio, em geral, contempla um recipiente de vidro no qual é encerrado o conjunto haste-lâminas. A natureza, bem como a finalidade, deste recipiente raramente são objeto de maiores comentários.Um invólucro de material condutor, com uma janela de observação, por vezes, é utilizado e impede que as lâminas possam ser influenciadas diretamente pelo indutor. Por outro lado, o eletroscópio pode ser usado como um detector de um desbalanceamento de carga em um corpo. Caso outros recursos passem a ser utilizados, como uma série triboelétrica,

poder-se-á ainda utilizar este instrumento para descobrir o tipo de carga presente num corpo eletrizado. Sendo o eletroscópio um instrumento de medida, a variação do ângulo de deflexão de suas lâminas condutoras pode ser associada à variação espacial do potencial elétrico em suas proximidades, bem como em sua estrutura interna (entre as lâminas e a carcaça). Considerando-se ainda a composição das forças que atuam sobre as lâminas, conforme o esquema abaixo, quais sejam, o peso próprio e a força elétrica de repulsão, sua deflexão não poderá ser linear. Então, para que o ângulo alfa alcançasse um valor infinitamente próximo de 90°, ter-se-ia a necessidade de uma força elétrica infinita.

Tomando-se como simplificação um eletroscópio composto por dois pequenos pêndulos eletrizados, o sistema de forças seria como mostrado na figura ao lado. O valor da força elétrica de repulsão, em tal caso, varia com a posição, assim como o equilíbrio com a componente do peso. Portanto, uma postura de atribuir-se qualquer relação linear entre a deflexão angular e

o campo elétrico entre os pêndulos, inclusive em relação à carga presente nos mesmos, configurar-se-á em um grande equívoco. No caso do eletroscópio de lâminas, a situação é semelhante à acima descrita, sendo ainda um pouco mais complexa, pois as cargas, afastadas pelo indutor, tendem a distribuírem-se não uniformemente em tais lâminas, concentrando-se nas suas extremidades. Como, no entanto, o centro de massa coincide com o centro geométrico de tais lâminas, admitindo que as mesmas tenham uma distribuição uniforme de massa, ter-se-á, no caso real, um encurvamento das lâminas com o avanço das suas extremidades.

Centrando a discussão no eletroscópio de lâminas, poder-se-á considerar a forma como este, normalmente, é apresentado em alguns livros-texto. Como ilustrado pela figura ao lado, à direita, um eletroscópio fora representado com as lâminas defletidas e um bastão sendo aproximado do mesmo, sem a representação gráfica de qualquer carga. Neste ponto, muitos leitores de tais textos passam a interpretar a situação, tomando como pressupostos alguns parâmetros não explicitados previamente. Muitas vezes o bastão é tido como eletrizado e sendo aproximado de um eletroscópio que estava inicialmente neutro. Poder-se-ia ter o contrário, ao estar neutro o bastão, enquanto que o eletroscópio estivesse previamente eletrizado. Por outro lado, nada pode vir a assegurar que o movimento, se houver, seja de aproximação.

Um outro aspecto pouco contemplado nas abordagens emprestadas por diversos autores é a natureza do material que vem a tocar o eletrodo do eletroscópio, como ilustrado na figura à esquerda. Enquanto que, na indução, este aspecto é pouco relevante, no caso do contato ele não o é. A transferência de carga entre o elemento aproximado e o bastão depende da natureza do material, das suas propriedades elétricas como dielétrico ou condutor. Ao tentar-se transferir mais cargas de um bastão dielétrico, poder-se-á eletrizar o eletroscópio por atrito. Assim, esta triboeletrização poderá, até mesmo, anular a eletrização por contato. Por sua vez, no

caso de utilizar-se uma esfera condutora, pouco é inferido a respeito da influência das dimensões relativas entre os dois elementos postos em contato. Uma abordagem centrada na questão do equilíbrio do potencial elétrico passa a ser fundamental.

Note-se ainda, no eletroscópio da figura anterior, a utilização de uma carcaça metálica, ao invés de um recipiente de vidro. Neste aspecto, poucos são os textos onde um acessório condutor é disposto nas proximidades das lâminas do eletroscópio, como indicado por Ference Jr. et al (1968). O emprego de um invólucro metálico, com uma janela de observação é recomendado por Abbott (1963) e Sengberg (1975). Nas figuras a seguir, uma conexão elétrica de aterramento foi implementada no eletroscópio, em pontos variados. Ao mesmo tempo, a aproximação do corpo indutor deixou de ser feita

do modo “tradicional”, passando a se dar também pela lateral do eletroscópio. Na figura à esquerda, a carcaça do eletroscópio é aterrada, enquanto um indutor é aproximado por cima do eletrodo. Assim, com o aterramento, a diferença de potencial entre as lâminas e a carcaça do eletroscópio será maior do que sem esta conexão, propiciando uma maior deflexão angular das lâminas. Na

figura à direita, a aproximação do bastão é feita lateralmente e, como o eletrodo do eletroscópio ainda será influenciado, as lâminas também acusarão uma eletrização. Neste caso, as lâminas não estarão sendo influenciadas diretamente pelo indutor, mas sim, através da haste e do

eletrodo superior. A figura à esquerda mostra um eletroscópio numa situação parecida com a descrita anteriormente. Neste caso, ainda poderá ser observada uma deflexão entre as lâminas de uma magnitude menor do que aquela apontada quando do aterramento da carcaça. À direita, temos uma outra figura com o eletrodo superior aterrado, enquanto um bastão tido como eletrizado é aproximado de sua lateral. Ao

contrário do que muitos imaginam, ainda será verificada uma deflexão das lâminas, tendo-se em conta uma diferença de potencial

entre as lâminas e a carcaça (Abbott, 1963). Numa nova figura, à esquerda, alguns acessórios foram suprimidos, como a “rolha de borracha”, o que acarretou uma conexão direta entre o conjunto eletrodo-lâminas e a carcaça metálica. Neste caso, como numa gaiola de Faraday, as lâminas estarão livres de qualquer influência elétrica externa e não se defletirão. Uma outra situação pode ser ilustrada pela

figura abaixo, à direita, onde a haste condutora foi interrompida por um material dielétrico, como uma borracha. Como não há mais uma continuidade elétrica entre o eletrodo superior e as lâminas, as mesmas deixarão de interagir por condução com aquele. Contudo, para uma grande intensidade do campo elétrico externo, poderá ocorrer indução nas lâminas através do material dielétrico

interposto, o que acarretaria numa pequena deflexão das lâminas. A figura à esquerda, também contempla um equivalente da gaiola de Faraday. Nesta situação, porém, a carcaça não está aterrada. Assim, mesmo que o corpo do eletroscópio venha a eletrizar-se por contato com o corpo indutor, as lâminas não indicarão qualquer deflexão, pois o campo elétrico criado pelas cargas acumuladas no

invólucro do eletroscópio, não atuarão no seu interior. No lugar de um eletrodo esférico, um condutor alongado pode vir a ser fixado

sobre o eletroscópio. Uma questão proposta por Einstein & Infeld (1962) tem uma grande semelhança com o exemplo desenvolvido em nossa pesquisa. Numa seqüência de proposições, este eletrodo extenso pode vir a ser fixado de modo excêntrico, com relação à haste do eletroscópio. Diferentes possibilidades de aproximação do indutor, seja por um lado, por outro, ou mesmo pela região central do topo, podem ser discutidas, considerando-se o tipo de eletrização verificada no eletrodo, se por contato ou por indução. O aterramento, ou não, da carcaça metálica pode vir a constituir-se em mais uma variável a ser considerada. Numa extensão deste tipo de problema, o condutor alongado pode ser afastado do eletroscópio, sendo fixado por uma base isolante. A conexão elétrica entre o eletroscópio e o condutor alongado pode, então, ser implementada por um condutor. Estas situações estarão sendo melhor ilustradas e discutidas a seguir, na análise das entrevistas.

Metodologia No intuito de proceder-se a uma reflexão em profundidade a respeito das

concepções acima mencionadas, foi adotada a abordagem qualitativa de um estudo de caso. Em tal estudo de caso, tomou-se as opiniões de seis professores de física de um Centro Federal de Educação Tecnológica, do CEFET-PE, tendo estes larga experiência no ensino da eletricidade. A coleta das suas opiniões deu-se por meio de uma entrevista semi-estruturada, baseada num estudo investigativo histórico-conceitual que se constituiu, portanto, no seu referencial teórico de suporte. Este referencial, conforme visto, foi sucintamente exibido na seção teórica apresentada anteriormente e inclui uma ampla discussão dos pormenores de funcionamento de um tal aparelho. A entrevista foi meticulosamente planejada para levantar questões que permitissem a problematização do conteúdo tratado, no sentido de uma busca dos pressupostos teóricos envolvidos nas explicações fornecidas pelos entrevistados, assim como dos limites de validade das mesmas. A caracterização de tais entrevistas como semi-estruturadas deve-se ao fato de que, apesar de estarem rigorosamente baseadas num arcabouço teórico bem definido, não se limitaram a um simples questionário oral. Dependendo das respostas obtidas, alguns pontos foram mais aprofundados que outros. As estruturas das entrevistas foram, basicamente, as mesmas, mas os seus desenvolvimentos seguiram caminhos diferentes que visaram explorar as visões particulares dos indivíduos entrevistados. Cabe, entretanto, salientar que uma tal liberdade jamais caminhou no sentido de perder de vista o referencial teórico, caminhando para uma entrevista completamente aberta. Por outro lado, os questionamentos foram provocados por situações experimentais desencadeadoras, “armadilhas conceituais” cuidadosamente preparadas para investigar a compreensão do funcionamento do instrumento e dos conceitos nele envolvidos.

Análise das entrevistas com professores de física sobre o eletroscópio de lâminas.

A origem da eletrização por atrito está relacionada aos diferentes potenciais de contato entre substâncias diversas (Anderson, 1936). Deste modo, corpos de substâncias idênticas não conseguem produzir, por atrito, qualquer eletrização. Este fato não parece ter sido, no entanto, percebido por um dos professores entrevistados, que se referiu ao atrito, sem um maior cuidado, como se ele, por si só, pudesse assegurar a obtenção de um desequilíbrio de cargas entre corpos quaisquer. Neste aspecto, apenas três professores associaram o tipo de eletrização passível de obtenção à necessidade dos materiais serem distintos, quando dois destes referiram-se claramente a uma série triboelétrica. Por outro lado, dois dos entrevistados categorizaram os materiais a serem

atritados como sendo exclusivamente isolantes, sendo que um destes havia referido-se anteriormente a uma série triboelétrica. Desta forma, tal série estava sendo particularizada no tocante ao grau de condutibilidade elétrica de seus componentes. Para estes professores, materiais condutores, como os metais, por exemplo, não poderiam ser eletrizados por atrito com outro material. É bem verdade que na história da eletrostática pode-se identificar um episódio aparentemente semelhante, quando materiais que hoje são tidos como condutores, como os metais, foram considerados como sendo “não elétricos”. Justamente no estudo das eletrizações por atrito, as amostras destes materiais foram manuseadas diretamente com uma mão desprotegida e, uma vez descarregados por este contato direto, não apresentaram qualquer indício de eletrização. Por outro lado, nos textos onde se pode encontrar alguma alusão a esta série, não é comum a citação de condutores, como os metais.

O quadro a seguir é composto por um conjunto de dezenove categorias de análise e foi definido em função da apresentação de trinta questões e subquestões ligadas à eletrostática e, particularmente, ao eletroscópio, bem como, das respostas apresentadas pelos professores entrevistados.

Quadro de Categorias de análise Cat 1 Tomada da triboeletricidade como algo que pode ocorrer atritando-se materiais idênticos. Cat 2 Associação do grau e tipo de eletrização a uma série triboelétrica. Cat 3 Categorização das substâncias presentes numa série triboelétrica. Cat 4 Tomada de uma prévia neutralidade como pré-condição para a eletrização por atrito. Cat 5 Particularização dos materiais empregados num eletroscópio de lâminas. Cat 6 Associação do comportamento do eletroscópio ao fenômeno da indução eletrostática, bem como

à condução elétrica. Cat 7 Distorção conceitual quanto à interpretação do significado físico associado ao ângulo de

deflexão das lâminas do eletroscópio. Cat 8 Distorção quanto à interpretação de imagens que ilustram corpos eletrizados, costumeiramente

utilizadas em livros-texto de física, alusivas ao eletroscópio. Cat 9 Distorção quanto à interpretação da interação entre um corpo neutro e um eletroscópio

carregado. Cat 10 Tomada do carregamento do eletroscópio, por contato, como sendo independente da natureza do

material aproximado.

Cat 11 Consideração das dimensões dos componentes de um eletroscópio como sendo relevantes para o seu desempenho.

Cat 12 Distorção acerca do modelo adotado no tocante à redistribuição de cargas entre corpos condutores eletrizados e postos em contato entre si.

Cat 13 Omissão quanto à possibilidade de uso do eletroscópio em conjunto com outros dispositivos eletrostáticos.

Cat 14 Percepção da possibilidade do eletroscópio poder vir a ser utilizado para identificar o tipo de carga de um corpo aproximado, ou ainda suas características dielétricas.

Cat 15 Distorção conceitual acerca do papel do aterramento da carcaça condutora do eletroscópio. Cat16 Distorção quanto às expectativas apresentadas em função de modificações na estrutura do

conjunto haste-lâminas do eletroscópio. Cat 17 Omissão quanto à manifestação de expectativas quando da proposição de modificações na

estrutura do conjunto haste-lâminas do eletroscópio. Cat 18 Distorção quanto às expectativas apresentadas em função de modificações na forma e posição

relativa do eletrodo superior do eletroscópio. Cat 19 Omissão quanto à manifestação de expectativas quando da proposição de modificações na forma

e posição relativa do eletrodo superior do eletroscópio.

Um outro aspecto mostrou-se bastante interessante na análise das entrevistas realizadas, quando um dos professores entrevistados tomou como algo necessário para a eletrização dos diferentes materiais a pré-condição da neutralidade dos mesmos. Na

verdade, se este modelo estivesse correto, todos os materiais empregados em experimentos de eletrização por atrito só poderiam ser utilizados uma única vez. Deste modo, as máquinas eletrostáticas de atrito não teriam sido desenvolvidas. A tomada do pressuposto da neutralidade inicial pode revelar uma tendência de simplificação dos modelos mentais alusivos à triboeletricidade.

Quando do direcionamento da discussão para um instrumento eletrostático em particular, como o eletroscópio de lâminas, a totalidade dos entrevistados particularizou os materiais empregados na confecção deste tipo de instrumento. Como um primeiro exemplo, poder-se-ia citar as lâminas do eletroscópio, tidas como sendo exclusivamente metálicas. Ainda neste aspecto, o ouro fora apontado como o tipo de metal a ser empregado, sem que fosse apontada qualquer justificativa para a sua escolha. Neste sentido, características elétricas e mecânicas deste e de outros materiais foram desconsideradas. Por outro lado, um segundo exemplo da particularização apontada na presente análise diz respeito à forma, como também, ao material empregado num invólucro presente em todas as entrevistas. A utilização de um cilindro de vidro ou plástico transparente foi contemplada em todas as abordagens emprestadas a este aspecto construtivo. Apenas dois professores consideraram, alternativamente, a possibilidade de empregar-se um “cilindro metálico com uma janela de observação”. No caso destas duas últimas citações, uma espécie de rolha de borracha também foi citada como algo necessário a um isolamento elétrico entre a carcaça metálica e o conjunto eletrodo-lâminas. Por sua vez, no que diz respeito a este conjunto, todos os entrevistados categorizaram os materiais nele utilizados como sendo metálicos. Poder-se-ia ainda destacar o tratamento dirigido pelos professores entrevistados à forma, bem como, às dimensões do eletrodo do eletroscópio. Para estes, o eletrodo geralmente tem a forma de uma pequena esfera de metal, ou ainda de um outro material recoberto com uma película metálica. De um modo geral, os modelos mentais apresentados pelos entrevistados, acerca da estrutura de um eletroscópio, estão em consonância com a maioria das imagens apresentadas nos livros-texto de física onde o eletroscópio é apresentado.

Quando do direcionamento das questões levantadas para o modus operandi do eletroscópio, apenas dois dos entrevistados consideraram uma dupla possibilidade de interação entre um corpo carregado e este instrumento eletrostático. Assim, tanto por indução eletrostática, como por condução elétrica, as lâminas do eletroscópio podem vir a defletirem-se. Pode-se ainda destacar que, nas representações destes dois professores, o tipo de carga que estaria alocada nas lâminas do eletroscópio seria da mesma natureza da carga do corpo eletrizado, tanto na indução, como no contato direto. Por outro lado, outros três professores apontaram apenas a indução eletrostática como elemento causal da deflexão das lâminas, omitindo, assim, a possibilidade de uma transferência de carga por contato. Para estes, parece que colocar o corpo em contato com o eletroscópio seria apenas uma redundância, tendo em vista uma possível finalidade de, tão somente, perceber se o corpo estaria, ou não, eletrizado. Portanto, se ainda distante, o eletroscópio indica uma eletrização, por que se deveria tocá-lo? Contudo e ainda, um único professor considerou em sua análise apenas o fenômeno da condução elétrica por contato entre o corpo eletrizado e o eletroscópio. Esta sim pode ser considerada uma grave omissão, ou mesmo uma distorção conceitual, tendo em vista que a condução pode ser evitada, ao passo que a indução sempre antecederá o toque. Este tipo de distorção também pode ser encontrado em alguns livros-texto de física. Contudo, uma possível investigação de uma vinculação entre este tipo de concepção e tais abordagens editoriais não é objetivo deste trabalho.

Na sequência das questões levantadas, passou-se a investigar os pressupostos utilizados pelos professores no tocante às suas interpretações acerca do significado físico do ângulo de abertura das lâminas do eletroscópio. Este é um ponto realmente complexo do funcionamento do eletroscópio e que tem grande significado histórico. De fato, o significado a ser atribuído à abertura entre as lâminas do instrumento é algo relativo ao qual mesmo os livros-texto costumam cometer equívocos. Na presente pesquisa, a quase totalidade dos professores entrevistados (cinco, num total de seis) interpretou tal afastamento como uma medida da quantidade de cargas contida no corpo indutor. Em verdade, a abertura depende do número de cargas excedentes acumuladas nas lâminas, mas não apenas deste valor. Há igualmente uma dependência, muito importante, com relação às dimensões do instrumento e, em particular, à forma como as cargas estão distribuídas entre as lâminas, a haste e o eletrodo superior (geralmente um condutor esférico). Deste modo, uma tal relação é caracterizada pelo fato de que a abertura depende do conjunto desses fatores, reunidos no conceito de potencial. A abertura expressa, deste modo, uma medida do potencial e não simplesmente das cargas nelas contidas. Nenhum dos entrevistados pareceu, ao menos, vislumbrar claramente esta dependência. Um deles, por exemplo, afirmou que: “o eletroscópio serve para indicar se um determinado corpo está, ou não, eletrizado. Seria um elemento que dá a indicação da carga”, ao passo que um outro referiu-se ao fato de que: “as lâminas fazem este afastamento que será tanto maior quanto maior for a carga presente nesse corpo”.

Numa etapa seguinte, os professores foram apresentados à ilustrações gráficas onde um bastão, sustentado manualmente, estava próximo a um eletroscópio com lâminas representadas de forma defletida. Nas imagens oferecidas, nenhum símbolo gráfico foi utilizado para indicar qualquer sinal de carga, se positiva ou negativa, porventura presente no sistema. Então, questionados quanto ao estado elétrico do bastão, três dos seis entrevistados afirmaram, sem reservas, que este estava eletrizado e causava a deflexão das lâminas do eletroscópio. Tome-se como exemplo a seguinte afirmação: “se o livro mostra a figura já com as lâminas abertas, é sinal que o bastão aproximado está eletrizado. Se ele não estivesse, não haveria deflexão”. Os demais professores, por sua vez, identificaram a possibilidade do eletroscópio já estar previamente eletrizado, estando o bastão eletrizado ou não. Por outro lado, apesar da imagem analisada não sugerir qualquer idéia de movimento, todos entenderam que o bastão estaria sendo aproximado do eletroscópio. A possibilidade de estar havendo um afastamento ou uma condição estacionária não foram, no entanto, contempladas nas respostas. Cabe observar que, nos livros-texto de física que apresentam o eletroscópio na discussão de seus conteúdos, na maioria das vezes, uma única imagem é tida como sugerindo uma tal aproximação de um bastão eletrizado diante de um eletroscópio previamente neutro. Em outros casos, as cargas são representadas com símbolos ou sinais, que não são entes visíveis, numa situação mais próxima a um experimento real.

Ao passar-se para a discussão acerca da interação entre corpos eletrizados, ou não, e um eletroscópio previamente eletrizado por contato, constatou-se que apenas dois, dos seis professores ouvidos, apontaram para a possibilidade de um corpo neutro vir a influenciar no comportamento das lâminas do eletroscópio, quando de sua aproximação. Eles chegaram a prever uma sutil diminuição do ângulo de deflexão das lâminas, enquanto que, para os demais, um corpo neutro não poderia causar qualquer perturbação no eletroscópio, estando este carregado ou não. Na verdade, este segundo grupo deixou de considerar que a indução eletrostática poderia ocorrer a partir do próprio eletroscópio ora eletrizado, o verdadeiro indutor. O problema parece residir na forma como estes

conteúdos foram trabalhados anteriormente, quando da formação dos conceitos por parte destes professores. Assim, podem ter ocorrido fixações de modelos mentais fortemente associadas a uma concepção paradigmática, na qual o corpo indutor sempre fora apresentado na forma de um bastão.

Dando continuidade às entrevistas e passando-se a focalizar um outro aspecto em particular, os professores foram ainda questionados sobre o papel desempenhado pelo tipo de material eletrizado que pudesse vir a ser colocado em contato com o eletroscópio. Um dos professores preferiu se omitir a este respeito, enquanto que outros dois afirmaram que tanto faria se o material fosse um isolante ou um condutor. Os demais professores consideraram que, na eletrização do eletroscópio por contato, a transferência de carga dar-se-ia de forma mais efetiva no caso do material a ser posto em contato vir a ser um condutor. Ressaltaram ainda estes últimos entrevistados que, no exemplo de um bastão isolante eletrizado, a transferência de carga seria muito difícil, podendo ser melhorada, entretanto, através do contato em um número maior de pontos do mesmo bastão. Mesmo assim, ao sugerirem um artifício desta ordem, não consideraram a possibilidade do atrito entre os dois materiais vir a perturbar os resultados experimentais almejados através de uma triboeletrização secundária.

Mais adiante, passou-se a discutir uma possível influência das dimensões dos elementos constitutivos do eletroscópio no seu funcionamento. Primeiramente, comparou-se possíveis performances de eletroscópios semelhantes do ponto de vista estrutural, diferenciando-se, porém, por suas proporções relativas. Neste sentido, todos os entrevistados consideraram que, para um mesmo corpo indutor aproximado, no caso do eletroscópio de maiores dimensões, as lâminas iriam defletir-se menos em função do aumento do seu peso. Assim, apenas um dos professores optou por aprofundar esta discussão, sugerindo que, quando da eletrização do eletroscópio por contato, ele teria a mesma deflexão daquele de maiores dimensões, ao considerar que: “quando ocorresse o contato, no eletroscópio de maior dimensão, ganharia mais cargas. No eletroscópio de menor dimensão, por sua vez, ganharia menos carga. Mas, como as lâminas teriam menos peso, poderia ter o mesmo deslocamento”. A seguir, considerou-se uma situação onde um eletroscópio era carregado por contato com um corpo condutor eletrizado, particularizado como sendo uma esfera metálica isolada. Num segundo momento, esta esfera foi colocada em contato com um segundo eletroscópio neutro e idêntico ao primeiro. Dentre os professores ouvidos, dois deles afirmaram que, na sequência experimental proposta acima, haveria uma descarga completa da esfera já no primeiro contato. Para um outro professor, haveria uma divisão de cargas pela metade no primeiro e no segundo contato, de modo que, ao final do último evento, a carga no corpo eletrizado teria sido reduzida para a quarta parte da carga original. Pode-se perceber aí uma evidente desconsideração acerca do papel desempenhado pelo potencial elétrico nas relações entre os estados de eletrização inicial e final de cada corpo envolvido. A idéia de uma simples divisão por igual da carga entre os corpos parece ser preferida, em detrimento de uma consideração mais pertinente do ponto de vista eletrostático. De outro modo, ao investigar-se a possibilidade de se poder transferir integralmente a carga de um corpo para um eletroscópio, apenas um dos entrevistados sugeriu o uso deste instrumento conjuntamente a um cilindro oco de Faraday. Por outro lado, a utilização do eletroscópio de modo que possa servir a uma identificação do tipo de carga presente em um corpo eletrizado, bem como, das características de condutibilidade elétrica de objetos postos em contato direto com um eletroscópio carregado, foi bem assimilada pela totalidade dos professores. Contudo, pode-se

ressaltar que esta possibilidade de utilização do eletroscópio só tornou-se evidente para o grupo entrevistado por meio das próprias questões levantadas.

Em seguida, passou-se a discutir aspectos ligados a uma configuração adicional do eletroscópio de lâminas, na qual um invólucro de material condutor envolvia as mesmas, de modo que estas só podiam ser vistas através de uma janela de observação. Assim, neste modelo construtivo, a haste condutora (a qual serve à interligação elétrica entre o eletrodo do eletroscópio e as suas lâminas), atravessa tal invólucro, sendo isolada, eletricamente, deste através de uma espécie de tampão de material dielétrico. Num primeiro aspecto desta nova etapa da investigação, uma conexão elétrica foi estabelecida entre a carcaça do eletroscópio e a terra. Para todos os entrevistados, esta conexão em nada contribuiu para alterar o funcionamento do instrumento. Já numa outra etapa, tanto o eletrodo do mesmo, quanto a sua carcaça, foram tidos como aterrados, enquanto um indutor era aproximado do conjunto. Apenas um dos professores apresentou uma expectativa questionável acerca da deflexão das lâminas em tal circunstância. Um outro, porém, manifestou dúvida em função do aterramento e da concepção da carcaça como sendo condutora. Numa questão seguinte, a conexão do eletrodo do eletroscópio foi desfeita quando o indutor ainda estava próximo ao mesmo. Perguntados sobre o possível comportamento das lâminas após o afastamento do indutor, apenas três professores identificaram um carregamento do eletroscópio por indução, inferindo que, após o afastamento do indutor, as lâminas iriam defletir-se. Os outros três opinaram de modo equivocado, apostando numa não deflexão das lâminas após o processo acima descrito. Na sequência de questionamentos, o eletroscópio, inicialmente neutro e com sua carcaça aterrada, foi submetido a uma aproximação lateral de um corpo eletrizado. Neste caso, apenas dois dos professores ouvidos opinaram de forma acertada acerca de uma deflexão das lâminas do eletroscópio. Note-se, por exemplo, as seguintes citações: “ela vai defletir, ela não influencia diretamente as lâminas, mas influencia o eletrodo. E o eletrodo, por sua vez, sofre a polarização com a haste e com as lâminas. Claro que com uma intensidade menor do que se aproximasse diretamente do eletrodo, considerando a distância entre o bastão e o eletrodo”; “o bastão cria um campo que induz, na carcaça, cargas. E essa indução vai criar uma face com um pólo e outra com outro pólo. Então, eu teria uma estrutura que iria apresentar no seu interior um campo elétrico. Então, nessa análise não experimental, haveria um campo atravessando as lâminas que seriam polarizadas”. No caso desta segunda citação, o professor arremata seu discurso dizendo que “as lâminas não vão se mexer”. Parece claro que para a maioria dos entrevistados a carcaça condutora estaria a servir como uma espécie de barreira, uma “blindagem eletrostática” que impediria a influência do indutor diretamente sobre as lâminas. Mesmo que dois professores tenham apresentado uma proposição no sentido de uma deflexão “com uma intensidade menor do que se aproximasse diretamente sobre o eletrodo”, nenhum destes procurou associar tal deflexão com uma diferença de potencial entre as lâminas e a carcaça condutora aterrada. Logo após este questionamento, a conexão a terra fora removida, numa nova proposição. Mais uma vez, apenas dois professores afirmaram que as lâminas ainda iriam defletir-se. Veja-se, por exemplo, as seguintes passagens: “as lâminas se defletem e o aterramento não influi”; “estou considerando uma distância entre o bastão e a esfera. O raio de aproximação entre a esfera e o bastão é o que importa. Em função da blindagem eletrostática, ao meu ver, a interação não se dá diretamente sobre as lâminas, sendo feita através da esfera do eletroscópio”; “neste caso não constitui uma blindagem eletrostática e as folhas vão se mover. Vai haver uma polarização dentro do eletroscópio”. Nas duas primeiras passagens, as lâminas sofrem deflexão, sendo que, para o primeiro entrevistado, o aterramento não influi em tal

processo, o que não atende a um modelo de referência onde a diferença de potencial entre a carcaça e as lâminas seja considerada relevante. No caso da última citação, a condição da carcaça propiciar, ou não, uma blindagem eletrostática pode ser percebida como uma consequência desta estar aterrada, ou não. Considerando, ainda, a aproximação de um corpo eletrizado pela lateral do eletroscópio, mais uma vez questionou-se a expectativa daqueles professores quanto ao comportamento das lâminas deste último, estando apenas o eletrodo superior do eletroscópio aterrado. Neste caso, apenas um dos professores apresentou uma expectativa no sentido da deflexão das lâminas. Os demais desconsideraram uma possível manifestação de uma diferença de potencial entre a carcaça e as lâminas, que pudesse justificar tal deflexão, identificando assim, e mais uma vez, uma “blindagem eletrostática” através de uma “gaiola de Faraday”.

Ao prosseguir-se com este tipo de argumentação, questionou-se aos entrevistados o comportamento de um eletroscópio que viesse a ter seccionada a haste condutora, usualmente empregada para conectar o eletrodo superior às lâminas. Neste caso, um dielétrico seria empregado de modo a assegurar a sustentação mecânica destas últimas. Assim, apenas um dos professores entrevistados considerou que ainda seria possível uma ligeira deflexão daquelas, em função de uma indução através do material dielétrico utilizado. Por outro lado, uma outra modificação estrutural veio a ser sugerida com a eliminação do eletrodo superior, bem como do dielétrico utilizado entre a haste e a carcaça aterrada. Desta forma, todos os professores entrevistados consideraram que se teria aí uma gaiola de Faraday, o que impediria qualquer influência sobre as lâminas. Numa configuração posterior, o aterramento foi desfeito. Dois professores, então, consideraram que as lâminas passariam a defletir-se, em contraposição à posição mantida pelos quatro restantes.

Numa sequência final da apresentação de questões junto aos professores, foram sugeridas algumas modificações na forma e posição relativa do eletrodo superior do eletroscópio. Assim, um condutor cilíndrico, com ambas as extremidades arredondadas, foi colocado no lugar do eletrodo esférico tradicional, conforme indicado pelas duas figuras à direita seguintes, de modo que pudesse ser observada uma certa simetria em seu posicionamento. Ao serem questionados sobre o comportamento deste eletroscópio modificado, quando da aproximação de um corpo eletrizado por cima e pelas laterais, os professores apresentaram três tipos de modelos mentais. Quatro dos professores ouvidos afirmaram que as deflexões seriam idênticas, considerando uma mesma distância indutor-eletrodo, bem como uma mesma eletrização do corpo aproximado, para quaisquer das três alternativas de aproximação sugeridas (pelos dois extremos e por cima). Apenas um dos professores defendeu a idéia de que, ao aproximar-se pelas laterais, não haveria qualquer deflexão, diferentemente do que esperava que viesse a ocorrer com a aproximação por cima. Por outro lado, um outro professor, considerou que as deflexões a serem verificadas, quando de uma aproximação lateral, seriam de menor intensidade. E é justamente este o modelo que está sendo adotado como correto neste estudo. Nele, ao aproximar-se o corpo eletrizado por cima, haverá uma concentração maior de carga nas lâminas, o que

ocasionará uma maior deflexão das mesmas, do que na aproximação do mesmo corpo pelas laterais do eletrodo.

Na questão seguinte, este eletrodo cilíndrico fora fixado de modo assimétrico sobre a haste do eletroscópio, como mostram as figuras à esquerda e a seguir. A nova questão dizia respeito quanto às expectativas dos professores, caso um corpo carregado fosse aproximado das laterais deste eletrodo, considerando-se

afastamentos idênticos.

1

Cinco dos professores defenderam, neste caso, que as deflexões seriam idênticas e, dentre estes dois ainda assinalaram que as polaridades nas lâminas seriam invertidas nos casos 1 e 2. Apenas um professor vislumbrou

casos sugeridos, onde nsendo adotado como cotendo-se em vista queafastamento entre o indseria o tipo de eletrizaçpresente no bastão; na carga do indutor.

da lateral do condutor,determinado ponto. Aprimeiro momento, de uligação entre o eletroscsubstituído por uma hasaos do fio antes empregsituação, todos os profeduas situações. Por fimsolicitado que compara“situação do fio flexívecondutor cilíndrico e isoo próprio eletrodo do cilindro condutor, quesquanto à deflexão das idênticas nos dois casomaior na primeira situalongo do fio utilizado

situação 2

situação

uma deflexão diferenciada para os dois a situação 1 ter-se-ia uma maior deflexão. O modelo que está

rreto neste estudo contempla deflexões idênticas nos dois casos, o ponto de conexão da haste é o mesmo, assim como o utor e este eletrodo. Assim, a única distinção nas duas situações ão obtido nas lâminas: na situação 2, de mesmo sinal da carga situação 1, a carga alocada nas lâminas seria de sinal oposto à

Em seguida, uma nova questão lhes foi apresentada, sendo concebida de modo que um condutor cilíndrico viesse a estar suportado por uma coluna isolante, conforme mostra a figura ao lado à esquerda. Numa sequência de proposição, um bastão eletrizado foi aproximado da

enquanto um eletroscópio era conectado àquele cilindro, num s duas situações propostas contemplavam a utilização, num m fio flexível, de comprimento l e disposto horizontalmente, na ópio e o cilindro condutor. Numa segunda situação, o fio era te vertical de comprimento, seção e material condutor idênticos ado. Perguntados sobre as indicações do eletroscópio em cada

ssores afirmaram que a deflexão das lâminas seria a mesma nas , na última questão que foi apresentada para o grupo, foi

ssem duas situações entre si, já analisadas anteriormente: a l e horizontal, onde um eletroscópio era conectado por este a um lado”, e outra situação, onde “o condutor cilíndrico passou a ser eletroscópio”. Para um mesmo ponto de conexão elétrica, no tionou-se aos entrevistados quais seriam as suas expectativas lâminas. Cinco professores afirmaram que as deflexões seriam s, enquanto um outro afirmou que a deflexão seria um pouco ção proposta acima, tendo em vista uma queda do potencial ao na segunda situação. Neste momento, cabe ressaltar que, nesta

altura da entrevista, três professores apresentaram um modelo explicativo onde, pelo fato de se ter utilizado um fio de comprimento l, seria necessário um certo intervalo de tempo para que a deflexão das lâminas fosse estabilizada.. As distorções conceituais, ora apresentadas, parecem revelar que estes professores ainda imaginam o deslocamento de cargas, ao longo de um condutor, como o escoar de um fluido elétrico, atribuindo a este processo uma certa inércia, visto que, para uma distância tão pequena, o tempo de transmissão de uma perturbação elétrica seria praticamente desprezível e imperceptível.

Conclusões Uma vez analisadas as respostas coletadas com o instrumento de pesquisa acima

descrito, a questão dos pressupostos adotados por alguns professores de física, diante de situações onde processos dinâmicos eram discutidos em torno de esquemas estáticos, assim como, dos modelos mentais apresentados quando da análise dos problemas propostos, evidenciaram um certo desencontro entre as opiniões destes professores, acerca da simplicidade do eletroscópio, e as suas dificuldades em interpretarem corretamente o seu funcionamento. Desta forma, teve-se sempre em mente o intuito de oferecer alternativas que possibilitassem um ensino mais crítico, atento aos pressupostos e aos contextos de validade dos assuntos abordados.

Deste modo, o eletroscópio, enquanto um instrumento de investigação, teve desvelada uma complexidade que pode servir ao propósito, ora defendido, de problematizar-se a abordagem dos conteúdos. O fato, porém, da apresentação de um tal instrumento ter sido simplificada, tanto nos livros textos, como em sala de aula, ao longo dos anos, empobreceu significativamente o desenvolvimento conceitual dos conteúdos referentes à eletrostática, afetando, assim, a compreensão dos mesmos. Esta simplificação está em consonância com a tendência de desenvolver a apresentação dos conteúdos de forma dogmática, reportando-se, inicialmente, apenas à natureza corpuscular da matéria, como assinalou Scaricabarozzi (1983), como se não houvesse mais a necessidade de um aprofundamento da abordagem fenomenológica, a nível macroscópico.

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