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1
UNIVERSIDADE FEEVALE
KELLY CAROLINE ZIMMERMANN KIRSCH
IGUAL A VOCÊ: DIFERENTE. AS IDENTIDADES JOVENS COMO PRODUTOS DE
CONSUMO NAS PÁGINAS DA REVISTA CAPRICHO
NOVO HAMBURGO
2011
2
KELLY CAROLINE ZIMMERMANN KIRSCH
IGUAL A VOCÊ: DIFERENTE. AS IDENTIDADES JOVENS COMO PRODUTOS DE
CONSUMO NAS PÁGINAS DA REVISTA CAPRICHO
Dissertação, apresentada como requisito
parcial e último para a obtenção do grau de
Mestre em Processos e Manifestações
Culturais, pela Universidade Feevale.
Orientadora: Prof. Dra. Saraí Patrícia Schmidt
Co-orientadora: Prof. Dra. Cristina Ennes da Silva
Novo Hamburgo
2011
3
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
Bibliotecária responsável: Tatiane Oliveira de Oliveira – CRB 10/2012
Kirsch, Kelli Caroline Zimmermann
Igual a você : diferente : as identidades jovens como produtos de
consumo nas páginas da revista capricho / Kelli Caroline Zimmermann
Kirsch. – 2011.
113 f.: il.; 30 cm.
Dissertação (Mestrado em Processos e Manifestações Culturais) –
Feevale, Novo Hamburgo-RS, 2011.
Inclui bibliografia.
“Orientadora: Profª. Drª. Saraí Patrícia Schmidt” ; “Co-Orientadora:
Profª. Drª Cristina Ennes da Silva”.
1. Juventude. 2. Comunicação. 3. Moda. 4. Cultura jovem. I. Título.
CDU 304-053.6
4
KELLY CAROLINE ZIMMERMANN KIRSCH
Dissertação do Mestrado Acadêmico em Processos e Manifestações Culturais, com título
Igual a você: diferente. As identidades jovens como produtos de consumo nas páginas da
revista Capricho, submetido ao corpo docente da Universidade Feevale, como requisito
parcial e último para obtenção do grau de Mestre em Processos e Manifestações Culturais.
Aprovado por:
_______________________________________
Prof. Dra. Saraí Patrícia Schmidt (Orientadora)
_______________________________________
Prof. Dra. Eli Teresinha Schmidt (Banca Examinadora)
_______________________________________
Prof. Dra. Paula Regina Puhl (Banca Examinadora)
Novo Hamburgo, 10 de janeiro de 2012.
5
AGRADECIMENTOS SÓLIDOS
Com a conclusão desse Mestrado, mais uma etapa de minha trajetória pessoal e
profissional se conclui com êxito. Não há dúvidas de que ela, como todas as outras, só obteve
tamanho sucesso e foi superada com tranquilidade devido às pessoas que estiveram do meu
lado.
Em primeiro lugar, agradeço à minha família, por ter sempre me apoiado em todas as
decisões e me dado o suporte emocional necessário para superar obstáculos. E por me
ensinarem o sentido de "solidez" em meio a esse mundo "líquido"...
À minha orientadora, Saraí, por ter aceitado esse desafio de desenvolver um trabalho
em um curto tempo, devido à minha decisão de trocar de linha de pesquisa. E também por ter
desconstruído, para que pudéssemos reconstruir de uma forma ainda melhor.
Também à minha co-orientadora, Cris Ennes, que esteve do meu lado desde o início, ouvindo
todas as minhas dúvidas e indecisões.
À banca de qualificação, pelas excelentes contribuições; à professora Paula Puhl por
ter aceitado estar aqui novamente, nesse momento final e à professora Elisabete Maria Garbin,
que infelizmente não pôde se fazer presente.
Aos amigos, por compreenderem a minha ausência em alguns momentos, e
principalmente por descontraírem e me divertirem naqueles outros em que uma pausa era
necessária. E também por serem "todos ouvidos" nos momentos de tensão. À minha prima
Nicolle e à amiga Poli em especial, por, além de tudo isso, compartilharem "os dramas
acadêmicos" e trocarem conhecimentos e apoios. Sucesso às duas!
À equipe da Plan Marketing Digital, em especial ao Rodrigo, por compreenderem as
ausências necessárias, e por terem apostado em mim em meio a esse processo de "mudança de
área", em que decidi trocar o desenvolvimento de produto de Moda pela comunicação da
mesma.
Aos colegas do Mestrado, pelos momentos – tanto em sala de aula quanto nos happy
hours – de trocas de conhecimentos, além dos momentos de diversão. Deixaram saudade!
E aos professores, pelas ricas e efervescentes discussões em sala de aula, fazendo com que na
maioria das vezes nem percebêssemos o horário do término das aulas. Foram dois anos
incríveis!
Obrigada!
6
O mundo se estendia diante de nós
não como uma tela de
possibilidades, mas como um
labirinto de trilhas batidas, como
os sulcos escavados por insetos em
madeira de lei. Saia da trilha reta
e estreita da carreira-materialismo
e você terminará em outra – a
trilha das pessoas que saíram da
trilha principal. E essa trilha na
verdade já foi usada. Quer viajar
por aí? Ser um Kerouac moderno?
Pule na trilha Vamos à Europa.
Que tal ser um rebelde? Um
artista de vanguarda? Compre sua
trilha alternativa no sebo de livros,
desinteressante e antiquada até a
morte. Em toda parte nos
imaginávamos transformadas em
um clichê ambulante [...] (KLEIN,
2003, p. 85).
7
RESUMO
A relação entre o consumo juvenil e as promessas de identidade oferecidas pela mídia em
forma de produtos é o foco central desse trabalho. Tendo como principal o objeto a mídia
impressa, por meio da análise da Revista Capricho, esse estudo tem
como principais referências as discussões de Bauman (1999; 2001; 2005; 2008), Ellsworth
(2001), Canevacci (2005), Sarlo (1997), Hall (2000; 2002) e Schmidt (2006). A pesquisa
problematiza o mercado de consumo destinado ao público jovem e como a comunicação deste
se constitui, buscando discutir de que forma os anseios e desejos juvenis são constituídos e
multiplicados em função de identidades advindas de movimentos culturais e customizadas
pelo mercado, mercantilizadas em forma de "combos" prontos, como os vendidos em
lanchonetes fast food. E mais do que isso, busca compreender de que forma a questão da
identidade se tornou uma grande obsessão e um grande produto na atualidade.
Palavras-chave: Juventude. Comunicação. Identidade. Consumo. Mídia. Moda. Cultura
jovem.
8
ABSTRACT
The relation between youth consumption and the promises of identity offered by the media in
the form of products is the central focus of this work. It has as main object the printed media,
through the products of Capricho magazine, this study has as main references the discussions
of Bauman (1999; 2001; 2005; 2008), Ellsworth (2001), Canevacci (2005), Sarlo (1997), Hall
(2000; 2002) and Schmidt (2006). The research questions the consumer market for the young
audience and how this communication is constituted, search for the discussion on how the
youthful longings and desires are formed and multiplied in terms of cultural identities arising
from movements in the market and custom, in the form of commodified ready “combos”, as
the ones sold in fast food. And more than this, seeks to understand how the question of
identity has become a major obsession and a great product today.
Key-words: Youth. Communication. Identity. Consumption. Media. Fashion. Youth culture.
9
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Capas das revistas analisadas .................................................................................. 16
Figura 2 – Anúncio publicitário do período, retratando a típica dona de casa ......................... 28
Figura 3 – Cena do filme “Juventude Transviada”, que retratava a juventude transgressora do
período ...................................................................................................................................... 34
Figura 4 – Jovens hippies com cartaz dizendo “amor, não guerra” ......................................... 42
Figura 5 – Cena do documentário “The Filth and the Fury”, descrevendo o caos completo da
sociedade e a falta de perspectiva da juventude ....................................................................... 44
Figura 6 – Jovens “uniformizados”, massificando a imagem punk ......................................... 46
Figura 7 – Cartaz do filme “Embalos de Sábado à Noite” (“Saturday Night Fever”), ícone da
“discoteca” ou “era disco” ........................................................................................................ 49
Figura 8 – Tai Fraiser, personagem grunge do filme “Patricinhas de Beverly Hills” ............. 50
Figura 9 – Emos e Happy Rockers............................................................................................ 53
Figura 10 – Fotonovelas publicadas no início da Revista ........................................................ 64
Figura 11 – Revista Capricho de 1956, ano em que foi recorde de tiragem na América Latina65
Figura 12 – Revista Capricho de 1967 apresentava, além das fotonovelas, dicas de Moda e
beleza, culinária, cultura e contos românticos .......................................................................... 66
Figura 13 – O anúncio da linha de cosméticos “Sweet Rock” .................................................. 70
Figura 14 – O teste apresentado pela Revista mostra “quais Katy Perrys” a leitora pode vir a
ser .................... ........................................................................................................................ 73
Figura 15 – Imagens dos filmes “O Clube dos Cinco” (“The Breakfast Club”, 1985), “As
Patricinhas de Beverly Hills” (“Clueless”, 1995) e “Meninas Malvadas” (“Mean Girls”,
2004), filmes que, em três épocas diferentes, tratam da questão dos estereótipos juvenis ...... 82
Figura 16 – A seção “Fotolog” trazendo a “caveira” como tema da edição ............................ 85
Figura 17 – Anúncios publicitários se adequando ao estilo das celebridades do momento ..... 87
Figura 18 – Anúncio “Todos contra o bullying”, onde a campanha publicitária se disfarça de –
ou se mescla com – campanhas de utilidade pública ............................................................... 92
Figura 19 – Editorial de moda inspirado nas diversas fases ou grupos do rock ....................... 94
Figura 20 – Estilo geek aparecendo em desfiles e revistas de Moda ........................................ 94
Figura 21 – Seção ateliê dá dicas de customização, sugerindo uma Moda que seja única .. .103
10
SUMÁRIO
COMEÇANDO A HISTÓRIA .............................................................................................. 10
1 DEFININDO OS CAMINHOS .......................................................................................... 13
1.1 DEFININDO AS LENTES TEÓRICAS ............................................................................ 17
2 JUVENTUDE, MOVIMENTOS E ESTILOS .................................................................. 26
3 ESTÉTICA JOVEM ........................................................................................................... 52
4 A MODA EM REVISTA .................................................................................................... 62
4.1 “IGUAL A VOCÊ: DIFERENTE” ...................................................................................... 62
4.2 CONSUMINDO A IDENTIDADE .................................................................................... 69
5 FOLHEANDO AS REVISTAS .......................................................................................... 79
5.1 AS IDENTIDADES ESTÃO NAS PÁGINAS DA REVISTA ......................................... 81
5.2 IDENTIDADES MÚLTIPLAS .......................................................................................... 95
5.3 SER “DIFERENTE” ESTÁ NA MODA ........................................................................ 101
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 105
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 107
11
COMEÇANDO A HISTÓRIA
Você pode enxergar a moda naquilo que escolhe de
manhã para vestir, no look de um punk, de um skatistas
e de um pop star, nas passarelas do Brasil e do mundo,
nas revistas e até mesmo no terno que veste um político
ou no vestido da sua avó. Moda não é só “estar na
moda”. Moda é muito mais do que a roupa.
Você enxergará melhor a moda se conseguir visualizar
uma evolução. Pense no jeito que as pessoas se vestiam
nos anos 70 e depois nos 80 e tente, ainda, achar um
denominador para o que as pessoas usavam na década
de 90. Essas mudanças é que são a moda. Ao
acompanhar/retratar/simbolizar essas transformações,
a moda serve como reflexo das sociedades à volta. É
possível entender um grupo, um país, o mundo naquele
período pela moda então praticada (PALOMINO, 2003,
p. 14).
Sempre me fascinou a forma com que a Moda e tudo que a envolve podem ser
utilizados como modo de expressão pessoal, de manifestação, de pertencimento ou até de
resistência. Enquanto acadêmica de Moda, estudei a influência dos fatores sociológicos na
formação de tribos urbanas no século XX, compreendendo a maneira com que a percepção e o
posicionamento crítico dos jovens sobre os acontecimentos de sua sociedade acabam por ser
um dos maiores influenciadores da moda do período em que vivem, uma vez que esta é um
dos principais fenômenos que os grupos utilizam como forma de expressão. A partir desses
estudos, mesmo que as noções de contracultura e de tribos urbanas tenham sido colocadas em
xeque, a necessidade de pertencer a grupos e usar a estética como forma de identificação
continua sendo uma forte característica dos jovens.
Como profissional atuante da área da Moda, tenho vivenciado a dificuldade das
empresas em conquistarem o público jovem, extremamente volátil, e que às vezes parece
saber exatamente o que quer, enquanto em outros momentos espera que a mídia e o mercado
lhe ofereçam respostas e opções prontas para serem consumidas. Não obstante, minha posição
enquanto também consumidora desse mercado e curiosa sobre o modo com que a indústria
cultural e as manifestações dos jovens estão constantemente interligadas tem me feito estar
em constante observação sobre a maneira com que jovens e mercado se comunicam, sendo
mutuamente influenciadores e influenciados.
Neste sentido, a ideia de compreender determinadas relações entre o comportamento
jovem, suas preferências culturais e suas formas de consumo vai de encontro às necessidades
de uma série de áreas que se mesclam em meu campo de estudo e trabalho: moda,
12
comunicação, marketing, além de outras que não fazem parte do meu dia-a-dia, mas nas quais
frequentemente encontramos estudos a respeito, que nos mostram o quanto a juventude tem
estado cada vez mais no foco de pesquisas em diferentes áreas: psicologia, sociologia,
educação.
Pensando na crescente oferta de produtos midiáticos destinados ao público jovem, é
possível evidenciar também uma crescente valorização do “ser jovem”. A juventude parece
deixar de ser apenas o público-alvo dos produtos para ser o próprio produto à venda. Produtos
de beleza que rejuvenescem, roupas que afirmam o estilo jovem da pessoa e revistas que
ensinam e incentivam a manter um espírito jovem são lançados a todo momento. Ao mesmo
tempo, os jovens – ou aqueles que compram a “juventude que está à venda” – são
constantemente convidados a optarem por este ou aquele estilo de vida. Todos eles, porém,
estão disponíveis nas vitrines, divulgados nas principais revistas. Não é mais preciso construir
um estilo, uma imagem, uma subcultura: os kits identitários (BAUMAN, 2008) estão prontos,
sendo vendidos a prazo, e com a possibilidade de devolução ou troca caso os resultados não
sejam satisfatórios. As identidades são compreendidas como bens de consumo utilitários que
devem trazer benefícios ao seu consumidor. A partir destas percepções e questionamentos
comecei delimitar o meu tema de estudo. Eu poderia afirmar que este estudo pretende
apresentar uma discussão sobre tais kits identitários jovens produzidos e colocados em
circulação na mídia. Não podemos esquecer que vivemos em um mundo volátil e mutável,
características que se tornam ainda mais destacadas no “mundo dos jovens”. Os anseios,
preferências, gostos, formas de agrupamento, estilos e produções culturais feitos, escolhidos
ou vivenciados por esses jovens mudam em uma velocidade que faz com que, muitas vezes,
quando compreendidos por estudos ou empresas, já estejam obsoletos. Não obstante,
acreditamos que, compreendendo os comportamentos de consumo dos jovens, acabamos por
compreender melhor a sociedade, uma vez que,
[...] a juventude pode ser entendida como uma espécie de metáfora da cultura, pois
os jovens representam, de certa forma, „uma espécie de lente de aumento‟ sobre as
profundas mudanças culturais que caracterizam o mundo contemporâneo
(ABRAMO, 2007 apud SCHMIDT, 2006, p. 96).
Após as discussões iniciais que motivaram a pesquisa, apresento a forma como foi
organizada a dissertação. No primeiro capítulo, intitulado “Definindo os caminhos”, apresento
a metodologia utilizada para o desenvolvimento da pesquisa, bem como uma explanação dos
conceitos que se fizeram necessários para a compreensão das futuras análises. Já no segundo
13
capítulo, “Juventude, movimentos e estilos”, apresento um histórico das culturas juvenis e
seus estilos, como estes se formaram. No terceiro capítulo, intitulado “Estética Jovem”,
disserto sobre o modo com que o mercado tem vendido a juventude como um bem precioso e
como a essa juventude dos dias de hoje tem se constituído. Já no quarto capítulo, “A Moda
em revista”, faço uma apresentação do meu objeto de trabalho, a Revista Capricho,
mostrando um breve histórico da publicação e analisando a forma com que ela vem se
posicionando quanto às questões identitárias à venda para o jovem, bem como sua linguagem
e endereçamento. Por fim, no quinto, “Folheando as Revistas”, analiso seis edições da Revista
Capricho a partir dos conceitos norteadores do presente trabalho. Ao final da pesquisa,
apresento minhas considerações talvez preliminares sobre este empreendimento investigativo.
1 DEFININDO OS CAMINHOS
14
Em um mundo que parece definido por um território
cultural global, novas comunidades e identidades estão
sendo construídas e reconstruídas. Essas „identidades
transitórias‟ estão sendo constantemente reinventadas
ou reconfiguradas com os ensinamentos de uma cultura
global que são estrategicamente colocados em
circulação em cada lançamento musical internacional,
nas novas marcas de tênis que surgem no mercado ou
nas novas coleções/modelos/sabores de velhas marcas
já consagradas, que re(surgem) com uma nova
roupagem (SCHMIDT, 2006, p. 74).
De acordo com Castello (2005, s.p.) este é um tempo em que “[...] a diversidade
prospera e o mercado prospera com ela”. Schmidt afirma que “[...] esta luta pela diversidade
está diretamente relacionada com a busca inesgotável pelo direito a „ter uma identidade‟”
(SCHMIDT, 2006, p. 32, grifo nosso) – ou um dever de se ter uma identidade. Castello (2005,
s/p) afirma ainda que “[...] „ter uma identidade‟ se tornou a grande obsessão do mundo
moderno”. Acreditamos que tanto essa diversidade quanto essa necessidade de se ter uma
identidade estão sintonizados com a noção apregoada constantemente pelo mercado e pela
mídia de que os jovens possam – e devam – escolher a qual grupo pertencer.
Pensando nisso, o objetivo geral desse trabalho está em identificar e colocar em
discussão o modo com que o mercado tem utilizado as identidades juvenis para conquistar
consumidores vorazes e como esta relação tem influenciado o modo com que os jovens vêm
se relacionando com o consumo. E, mais do que isso, como o consumo e a mídia têm operado
na constituição identitária dos sujeitos-jovens. Como objetivos específicos, trabalharei em
desenvolver uma compreensão do mercado destinado ao público jovem por meio da análise da
revista Capricho; discutir a maneira com que os desejos e anseios de consumo juvenis são
constituídos e multiplicados nas revistas; compreender como as revistas jovens contribuem na
constituição de modos de consumir dos sujeitos-jovens, levando-os a comportamentos
padronizados.
Em minha monografia de final de curso, enquanto estudante de graduação em Moda,
discuti a construção da noção de contracultura jovem enquanto produto derivado do cenário
social. Ao mesmo tempo, em trabalhos de pesquisa mercadológica que realizei junto ao
segmento de Moda jovem evidenciei a constante batalha das empresas para conseguir
conquistar a preferência desse público tão complexo e efêmero. Estas inquietações fizeram
com que eu passasse a observar e questionar o mercado de consumo jovem bem como
15
trouxeram à tona esses questionamentos acerca do modo com que essas diferentes formas de
pertencimento têm sido utilizadas para estimular o consumo jovem. A partir desta
experiência de iniciação a pesquisa, das discussões oportunizadas durante o Mestrado e os
estudos realizados para esta pesquisa, aponto que minha hipótese está vinculada com a relação
da identidade jovem contemporânea e o consumo. A juventude tem sido moldada e
reformulada de acordo com a cultura do consumo na qual vivemos. Neste sentido, é possível
perceber o quanto a noção de pertencer “a algo”, mas nunca “ao todo”, “ao comum”, tem sido
utilizada para fazer com que o jovem esteja constantemente consumindo, se modificando e
buscando na mídia e no mercado respostas e soluções para suas inquietações de vida e
questionamentos sociais.
Assim como Sarlo (2000) e Schmidt (2006), “[...] compreendo que uma pesquisa
pode e deve anunciar perguntas, mesmo sem a pretensão e a segurança de poder apresentar
respostas inequívocas” (SCHMIDT, 2006, p. 37). Buscando formular e delimitar meu foco de
trabalho, na etapa inicial da desta dissertação realizei uma ampla pesquisa no banco de
dissertações e teses da Capes. Este estudo teve como marco norteador a busca, nos anos de
2009, 2008 e 2007, pelos seguintes conceitos: “Moda e juventude”, “Consumo e Juventude”
e “Mídia Jovem”, além dos títulos das revistas a serem analisados nos anos de 2001 até 2009.
Dentre os trabalhos que se fizeram relevantes para o desenvolvimento do presente trabalho,
cito Ramos (2007) que também analisa as relações entre as questões identitárias de subgrupos
jovens com a antropologia do consumo, verificando o consumo como elemento constitutivo
da subjetividade e do individualismo destes jovens. Pensando na relação de signos culturais e
identidades juvenis com a influência da mídia, temos o trabalho de Sanches (2009), que fala
sobre a formação de estereótipos resultantes de modismos culturais, geralmente influenciados
pela mídia.
Dafeumbach (2008), Sodré (2003), Valente (2003) e Couto (2002) tomaram a revista
Capricho como objeto de seu trabalho. Dafeumbach (2008) e Sodré (2003) discutem as
questões acerca dos padrões corporais da juventude: enquanto a primeira analisa os ideais de
magreza impostos/sugeridos pelas imagens da revista, a segunda analisa o modo como a
garota forma seu ideal de beleza, relacionando os estilos que estão em voga com os esforços
necessários para conquistar o corpo ideal para vestir tais estilos. Valente (2003), por sua vez,
verifica o discurso presente nos anúncios publicitários veiculados na revista, buscando
compreender a interação do fabricante/anunciante com o jovem dentro da sociedade
capitalista. Já Couto (2002) busca analisar um modelo ideal de adolescente segundo as
publicações da revista, contemplando seus valores, relações sociais e preferências.
16
Também trabalhando com mídia impressa voltada para o público jovem, Marques
(2007) analisa o jornal gaúcho Kzuka enquanto produtor de identidades e subjetividades,
configurando modos de “ser jovem” e “ensinando” valores. Já Caldas (2006), utilizando a
revista Veja como objeto de estudo, analisa as transformações da juventude, partindo da
geração contestatória de 1968 até a juventude consumista dos dias atuais. Barros (2007)
também toma como ponto de partida tal geração, analisando a imprensa contracultural do
início da década de 70, tendo a revista Rolling Stone como um dos seus objetos de estudo.
Jesus (2008) compreende as imagens da juventude retratadas por comerciais de
televisão. Também sobre a presença do jovem na TV, que embora não se trate do mesmo tipo
de veículo que eu utilizo como objeto de estudo, constitui igualmente uma mídia de massa de
grande relevância no cenário brasileiro, Hanaka (2007) fala sobre a questão da cultura como
mercadoria, utilizando-se da série Malhação como objeto de estudo.
Quanto à Moda, Capelaro (2008) a relaciona com o consumo jovem, verificando de
que forma o modo com que o jovem se relaciona com o consumo e com o estilo pessoal
traduz questões sócio-culturais. Já Almeida (2007) e Pinheiro (2008) analisam as relações dos
jovens com as campanhas publicitárias de Moda.
Uma referência significativa nos estudos culturais juvenis são os estudos de Garbin
(1993, 2001), que discutem questões acerca da construção das identidades juvenis, sob os
enfoques da presença desses jovens no meio digital bem como sob o ponto de vista das suas
relações com a música. A autora, ao afirmar que nos dias de hoje faz-se necessário agregar
um “s” ao final da palavra “juventudes”, pelo seu caráter plural, heterogêneo, múltiplo,
sintetiza toda a questão que nos interessa sobre a multiplicidade de facetas com que a
juventude se constitui e é constituída na sociedade atual. Somando, a compreensão que a
autora faz das cenas (grupos, subculturas, tribos) juvenis que podemos perceber
especialmente nas metrópoles é de grande valia para verificarmos de que modo o mercado e a
mídia vêm utilizando as promessas de especificidades, de diferenciação, para conquistar os
jovens e fazê-los crer que determinado produto constitui a sua própria identidade.
Esse estudo inicial sobre os trabalhos já realizados acerca do tema foi de grande valia
não apenas para a compreensão do tema, mas também para uma maior clareza do que eu
desejava, ou não, realizar nessa dissertação. Da entrada no Mestrado até a finalização desta
qualificação, diversas mudanças ocorreram quanto ao meu foco de trabalho. Muitos
momentos difíceis, mudanças de direcionamento e novos recortes ocorreram, mas, por fim,
todos os percalços serviram de algum modo para a construção deste trabalho. A questão das
identidades juvenis foi o ponto comum entre todos os redirecionamentos e acredito que, por
17
mais que o contexto acerca dela tenha mudado, todo o estudo realizado serviu de algum modo
para a compreensão deste universo tão complexo.
O que inicialmente objetivava ser um estudo acerca do comportamento dos
subgrupos jovens, e posteriormente do varejo de Moda destinado a esses públicos acabou
tornando-se um estudo da mídia enquanto produtora de questões identitárias juvenis.
Então, numa segunda etapa deste trabalho, depois de definida a questão da mídia
como primeiro recorte acerca da juventude, foi selecionada a revista jovem Capricho como
objeto de estudo da pesquisa. Escolhida a revista, um novo recorte precisou ser feito,
definindo quantas e quais edições seriam analisadas. Assim, o estudo foi organizado a partir
da análise de um conjunto de seis edições da revista, que julguei ser uma boa amostragem,
contemplando os meses de dezembro de 2010 a maio de 2011. Uma vez que a revista possui
veiculação quinzenal, foi selecionada aleatoriamente uma edição por mês para ser analisada.
Figura 1 – Capas das revistas analisadas.
Fonte: REVISTA CAPRICHO, Números 1112, 1113, 1116, 1119, 1120 e 1122.
Inicialmente foram organizados fichamentos das seis edições da revista e, a partir
desta primeira aproximação, foram organizadas recorrências. Foram agrupadas categorias
identificadas no conteúdo colocado em circulação nos editorias e nas propagandas veiculadas
neste período. Todo o conteúdo editorial julgado pertinente às questões desse trabalho bem
como o conteúdo publicitário foram classificados sob essas categorias, a fim de compreender
os artifícios utilizados pela mídia para convencer o jovem do modo com que produtos e
serviços fazem-se relevante para a formação de sua identidade. A partir disso, busquei
identificar chamadas que convocassem o jovem a escolher por determinada identidade pré-
estabelecida, que o convencessem de que determinado produto ou serviço forma sua
identidade, bem como as que reforçassem os benefícios ou a necessidade de se ser diferente.
Analisando as revistas e identificando estes elementos que eram pertinentes à
proposta do trabalho, bem como os relacionando com os conteúdos previamente estudados
para a formação do corpus teórico da pesquisa, algumas categorizações para a classificação
18
das pautas foram surgindo. Em um primeiro momento, foram elas: * transformação do
corpo/o embelezamento; * identidade, * subculturas e a rebeldia, * moda como conquista ou
diversão; * eu sou o que ouço/assisto/leio; * vantagens do grupo; * Identidades múltiplas; *
juventude eterna. Essas categorias inicialmente identificadas em uma primeira análise foram
apresentadas na banca de qualificação do presente trabalho. Na sequência do desenvolvimento
do estudo, passou a se perceber que algumas delas se sobrepunham, o que me levou a
reagrupá-las em menor número, sugerida pela banca de qualificação. No momento seguinte,
em uma análise mais aprofundada, foi percebido que alguns fatores bastante relevantes na
compreensão dos autores que nortearam o trabalho estavam presentes na revista, porém não
nas categorias, me levando a redefini-las novamente. Por fim, as categorias passaram a ser as
três seguintes: * As identidades estão nas páginas da Revista”; * Identidades Múltiplas; * ser
„diferente‟ está na moda”.
Essas categorias, ao mesmo tempo em que foram oriundas da análise das revistas,
também serviram para nortear as mesmas. As análises não se restringiram ao conteúdo
editorial, prolongando-se para os anúncios publicitários, uma vez que acredito ser
imprescindível a análise de ambos para uma contextualização dos ensinamentos da
publicação.
1.1 DEFININDO AS LENTES TEÓRICAS
Para o desenvolvimento das análises da pesquisa, foi realizado o exercício de
aproximação com as contribuições de autores contemporâneos que discutem questões de
identidade relacionando-as com estudos sobre cultura, consumo e mídia.
As identidades consistem em representações simbólicas por meio das quais
classificamos o mundo, bem como nossas relações em seu interior e que adquirem sentido
através de sistemas simbólicos pelos quais são representadas (WOODWARD, 2000). Embora
tenhamos a idéia de que as identidades se sustentam por meio de semelhanças e fatores em
comum, podemos afirmar que é a diferença que as define. A “[...] identidade, pois, não é o
oposto da diferença: a identidade depende da diferença” (WOODWARD, 2000, p .39-40,
grifo do autor), ela é “[...] construída por meio da diferença, e não fora dela” (SILVA, 2000,
p. 110, grifo nosso). Como exemplifica Silva (2000, p. 74, grifos do autor), eu só posso
afirmar que sou brasileiro “porque existem outros seres humanos que não são brasileiros”.
19
Isso ocorre porque “em um mundo imaginário totalmente homogêneo, no qual todas as
pessoas partilhassem da mesma identidade, as afirmações de identidade não fariam sentido”
(idem).
O autor afirma que existe uma associação entre a identidade da pessoa e as coisas ela
usa. Desta forma, o fato de um indivíduo usar determinado símbolo, objeto ou código não
apenas o define como pertencendo a dado grupo (ou seja, possuindo determinada identidade),
mas também como não pertencendo a outros grupos. “Dizer „o que somos‟ significa também
dizer o que „não somos‟” (SILVA, 2000, p. 82). Assim, “[...] a asserção [...] da diferença
envolve a negação de que não existem quaisquer similaridades entre os dois grupos”
(WOODWARD, 2000, p. 9).
Em suma, “a diferença é sustentada pela exclusão” (WOODWARD, 2000, p. 9):
você é algo porque não é outra coisa. Esse conceito torna-se central nesta pesquisa uma vez
que, assim como acontecem com as nacionalidades – você é servo porque não é croata1 – e
com as etnias – você é negro porque não é branco, nem oriental, nem indígena –, também
ocorre com as identidades juvenis – você é punk porque não é hippie, ou você é “diferente”
ou “alternativo” porque não é “normal” ou “comum”. Mesmo que o jovem seja híbrido2, ele
está, com isso, dizendo o que ele é – “cabeça aberta”, “descolado” – e o que ele não é –
limitado, preconceituoso, “careta”. Como afirma Silva (2000, p. 79), “[...] a mesmidade (ou
identidade) porta sempre o traço da outridade (ou diferença)”.
Woodward (2000) afirma que se tornou comum – e necessário – discutir a questão da
identidade na atualidade devido ao fato de que ela “está em crise”: algo que se supunha “ser
fixo, coerente e estável” foi “[...] deslocado pela existência da dúvida e da incerteza”.
(WOODWARD, 2000, p. 19). De acordo com a autora, essas crises têm a ver com uma
questão de deslocamento: “[...] as sociedades modernas [...] não têm qualquer núcleo ou
centro determinado que produza identidades fixas, mas em vez disso, uma pluralidade de
centros” (WOODWARD, 2000, p. 29). Bauman (2005, p. 23) concorda, quando afirma que só
se tende a “perceber as coisas e colocá-las no foco do seu olhar perscrutador e de sua
contemplação quando elas se desvanecem, fracassam, começam a se comportar estranhamente
ou o decepcionam de alguma outra forma”. Nesse sentido, Hall (2002, p. 7) afirma que:
As velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em
declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até
aqui visto como um sujeito unificado. A assim chamada “crise de identidade” é vista
1 WOODWARD, 2000.
2 Ou seja, traga em si duas ou mais identidades distintas.
20
como parte de um processo mais amplo de mudança, que está deslocando as
estruturas e processos centrais das sociedades e abalando os quadros de referência
que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social.
Nesse sentido, Bauman (2005, p. 17) afirma que existem dois tipos de
“comunidades” (que seriam definidas pelas identidades) – as “de vida e destino”, nas quais os
membros “vivem juntos numa ligação absoluta”, “e outras que são fundidas unicamente por
idéias ou por uma variedade de princípios” – e que apenas na segunda se faz necessária a
reflexão em torno das questões de identidade. E isso porque, em um mundo policultural e de
diversidades, existem tantas idéias e princípios em torno dos quais se desenvolvem essas
“comunidades de indivíduos que acreditam”. “[...] que é preciso comparar, fazer escolhas,
fazê-las repetidamente, reconsiderar escolhas já feitas em outras ocasiões, tentar conciliar
demandas contraditórias e frequentemente incompatíveis” (BAUMAN, 2005, p. 17).
Woodward (2000) também classifica de modo semelhante os dois tipos de
identidade, afirmando que o primeiro tipo tem origem em heranças culturais – versando,
geralmente, por questões de origem –, enquanto o segundo, que é o que nos cabe neste
trabalho, percebe-se como “[...] uma questão tanto de „tornar-se‟ quanto de „ser‟”
(WOODWARD, 2000, p. 28), podendo ser reconstruída e transformada.
Hall (2000, p. 108) coloca o conceito de identidade, repensado nessas discussões,
como não mais sendo um “núcleo estável”, que atravessa a vida sem quaisquer mudanças,
“idêntico a si mesmo ao longo do tempo”. Pelo contrário, ele coloca que a nova concepção de
identidade “aceita que as identidades não são nunca unificadas; que elas são, na modernidade
tardia, cada vez mais fragmentadas e fraturadas; que elas não são, nunca, singulares, mas
multiplamente construídas” (idem, grifo nosso). O autor afirma ainda que, embora as
identidades pareçam automaticamente associar-se com a idéia de um passado histórico com o
qual elas continuariam a manter certa correspondência, na realidade elas têm a ver “[...] com a
questão da utilização dos recursos da história, da linguagem e da cultura para a produção não
daquilo que nós somos, mas daquilo no qual nos tornamos (HALL, 2000, p. 109, grifos
nossos). Ou seja, a identidade não é algo que nasce e cresce conosco, mas sim algo que
desenvolvemos ao passar do tempo. Nós assumimos nossas posições de identidade e nos
identificamos com elas; nós investimos nas posições que os discursos de identidade nos
oferecem (WOODWARD, 2000). E, da mesma forma que Hall afirmou que elas não são
estáveis nem idênticas ao longo do tempo, Bauman (2005, p. 17) afirma que
[...] o „pertencimento‟ e a „identidade‟ não têm a solidez de uma rocha, não são
garantidos para toda a vida, são bastante negociáveis e revogáveis, e de que as
21
decisões que o próprio indivíduo toma, os caminhos que percorre, a maneira como
age – e a determinação de se manter firme a tudo isso – são fatores cruciais tanto
para o „pertencimento‟ quanto para a „identidade‟.
Em suma, as identidades não são mais percebidas como bens duráveis ou como
heranças culturais, que recebemos ao nascer e permanecem conosco por toda a vida. As
identidades passaram a ser bens que, como brinquedos montáveis, vamos construindo ao
longo do tempo, com a possibilidade de comprarmos peças que a completem, ou manuais que
ensinem a montá-la de maneira mais rápida, sempre sob o risco de que, com manuais, outros
tantos possuam uma igual ou bastante semelhante à nossa.
A liquidez de Bauman se faz tão importante para uma análise dos jovens uma vez
que, sendo esse grupo ao mesmo tempo um espelho de aumento e uma espécie de vitrine dos
acontecimentos sociais do período em questão, ele se configura como um “[...] efeito
superfície da „modernidade líquida‟” (BAUMAN, 2001, p. 12). Cunhado pelo sociólogo
polonês na sua obra Modernidade Líquida, publicada pela primeira vez em 2000, o conceito
tornou-se central nas discussões do autor e vem contribuindo para analistas de diferentes áreas
do conhecimento.
A noção de liquidez, de acordo com o autor (2001), refere-se à fluidez, sendo esta
uma qualidade apenas dos líquidos e dos gases. Ele explica que os fluidos se distinguem dos
sólidos especialmente porque não podem suportar uma força pressionante sem que, com isso,
sofram uma mudança contínua de forma. Em suma, “[...] diferentemente dos sólidos, [os
fluidos] não mantêm sua forma com facilidade” (BAUMAN, 2001, p. 8). Assim, o autor crê
que “fluidez” seja a melhor metáfora para o nosso tempo:
O que todas essas características dos fluidos mostram, em linguagem simples, é que
os líquidos, diferentemente dos sólidos, não mantêm sua forma com facilidade. Os
fluidos, por assim dizer, não fixam o espaço nem prendem o tempo. Enquanto os
sólidos têm dimensões espaciais claras, mas neutralizam o impacto e, portanto,
diminuem a significação do tempo(resistem efetivamente a seu fluxo ou o tornam
irrelevante), os fluidos não se atêm muito a qualquer forma e estão constantemente
prontos (e propensos) a mudá-la; assim, para eles, o que conta é o tempo, mais do
que o espaço que lhes toca ocupar; espaço que, afinal, preenchem apenas por um
momento (BAUMAN, 2001, p. 8).
É nesse sentido que Bauman (2001) afirma que a juventude funciona como um
efeito-superfície da liquidez. Os jovens especialmente, em meio à sociedade, vivem um estado
de fluidez constante, valorizando a mudança em detrimento da durabilidade, a novidade em
detrimento da segurança, o fugaz em detrimento do duradouro, o efêmero em detrimento do
eterno. A juventude é, também, facilmente associada com o exagero, com a leviandade, com
22
a superficialidade, com a intransigência ou rebeldia, todas características que podem ser
associadas, metaforicamente, com a “fluidez”:
Os fluidos se movem facilmente. Eles „fluem‟, „escorrem‟, „esvaem-se‟,
„respingam‟, „transbordam‟, „vazam‟, „inundam‟, „borrifam‟, „pingam‟; são
„filtrados‟, “destilados‟; diferentemente dos sólidos, não são facilmente contidos –
contornam certos obstáculos, dissolvem outros e invadem ou inundam seu caminho.
Do encontro com sólidos, emergem intactos, enquanto os sólidos que encontraram,
se permanecem sólidos, são alterados – ficam molhados ou encharcados
(BAUMAN, 2001, p. 8).
Schmidt (2006, p. 97) reflete acerca desses conceitos, afirmando que:
[...] sobre os fluidos, compreendemos que sua característica fundamental reside na
mobilidade, de modo que retratá-los, descrevê-los implica sempre em um
movimento de apreensão momentânea, imediata – e nada além disso. Sugerir algo
além do momentâneo e do imediato, nos leva, invariavelmente, ao que é da ordem
do obsoleto.
Nesse sentido, pensemos nos jovens como pessoas em constante mutação e
adaptação, não mantendo a forma por períodos muito longos. Observando por meio desta
metáfora, torna-se talvez possível compreender porque, quando se trabalha com um público
jovem, têm-se a eterna sensação de que ele “escapa por entre os dedos”. Quanto às forças
pressionantes que mudam as formas dos fluidos, podemos dizer que a mídia é uma das
principais delas, tendo enorme poder de deslocar os líquidos de um local ao outro ou adaptá-
los às fôrmas que desejar.
Já as discussões sobre modo de endereçamento têm origem nos estudos de cinema
que “[...] tem um enorme peso teórico e político [...] sobre mudança social” (ELLSWORTH,
2001, p. 11). Segundo a autora, se tentássemos associar a teoria a uma questão central,
poderíamos afirmar que ela seria: “Quem esse filme pensa que você é?” (ELLSWORTH,
2001, p. 11).
Embora seja cunhada no campo do Cinema, acreditamos que a teoria seja igualmente
válida a demais mídias, incluindo a mídia impressa, ou mesmo as revistas segmentadas. De
acordo com Ellsworth (2001, p. 12), a teoria foi desenvolvida para lidar com questões
referentes ao “social” e o “individual”, tais como a relação do conteúdo com quem o
consome, a interpretação feita por este, a emoção dele ao consumir, “uma prática social e a
identidade cultural” e assim por diante. Ou,
[...] em outras palavras, qual é a relação entre o lado de „fora‟ da sociedade e o lado
de „dentro‟ da psique humana? Como pode ser igualmente verdadeiro afirmar que as
23
pessoas agem de forma independente e intencional e ao mesmo tempo dizer que os
padrões que orientam suas ações – como elas pensam, o que elas vêem, o que elas
desejam – são, já, aspectos do seu ser social? (ELLSWORTH, 2001, p. 12).
Como afirma a autora, trata-se de grandes questões, uma vez que elas são centrais
para uma mudança social causada pelos media3: se você compreender qual é a relação entre o
conteúdo do produto cultural em questão e a experiência do espectador, “[...] você poderá ser
capaz de mudar ou influenciar, até mesmo controlar a resposta do espectador”
(ELLSWORTH, 2001, p. 12), produzindo o media de uma forma específica. Acreditamos que
é exatamente o que ocorre na Capricho quando, de uma interação intensa com o seu público-
alvo, ela fica conhecendo todos os anseios, dúvidas, desejos e inseguranças, devolvendo a
solução dos problemas em forma de produtos ou fórmulas-prontas, oferecidos nas páginas da
Revista, manufaturados pela indústria e comercializados por ela mesma ou por seus
anunciantes. Assim, como afirma Ellsworth (2001, p. 14), a maioria das decisões envolvidas
na produção de quaisquer produtos de mídia são tomadas
[...] à luz de pressupostos [...] sobre „quem‟ são seus públicos, o que eles querem,
[...] o que os faz chorar ou rir, o que eles temem e quem eles pensam que são, em
relação a si próprios, aos outros e às paixões e tensões sociais e culturais do
momento.
Em suma, existe uma “posição” no interior das relações e dos interesses de poder, em
meio a fatores culturais e ideológicos, para a qual os veículos de comunicação são dirigidos.
Desta forma, as revistas, como os filmes, “visam e imaginam determinados públicos” e
também “[...] desejam determinados públicos” (ELLSWORTH, 2001, p. 14, grifo nosso) e,
assim, seus produtores “[...] fazem muitas suposições e têm muitos desejos conscientes e
inconscientes sobre o tipo de pessoa para qual o seu filme [ou, no caso, revista] é endereçado
e sobre as posições e identidades que seu público deve ocupar” (ELLSWORTH, 2001, p. 16,
grifos nossos). Deste modo, o conceito de modo de endereçamento está baseado no argumento
de que, para que um media funcione para o seu público, para que ele chegue a fazer sentido
para quem o consome, para que o faça rir, chorar, se emocionar, sentir-se feliz, acreditar em
algo, o consumidor “deve entrar em uma relação particular” com aquele produto que está
consumindo (ELLSWORTH, 2001, p. 14). Porém, essa estrutura não é visível, ela não se
apresenta nitidamente como se apresentam a diagramação da revista, ou a produção das fotos
3 Nessa pesquisa, trata-se por media os canais ou ferramentas usados para armazenamento e transmissão de
informação ou dados. Pode ser sinônimo de “meios de comunicação” ou também se referir a um único meio.
24
dos editoriais de Moda, ou as cores da identidade visual do projeto gráfico. Ao invés disso,
“[...] o modo de endereçamento parece-se mais com a estrutura narrativa [...] do que com seu
sistema de imagem” (ELLSWORTH, 2001, p. 16). O modo de endereçamento é invisível e
subjetivo: não há
[...] alguém no filme diga literalmente: „ei, você aí! Garoto branco e rico, de 12
anos! Veja isto! Será divertido. E você vai querer comprar o brinquedo [relacionado
ao filme]. E você se sentirá mais velho e mais poderoso – e mais alto – do que você
é e o mundo inteiro vai parecer girar ao redor de você. E quando o filme terminar,
você sentirá que ser um garoto branco e rico, de 12 anos, é a melhor coisa que pode
acontecer no mundo‟ (ELLSWORTH, 2001, p. 16).
Ou seja, o modo de endereçamento não é visual ou textual, ele é parte de uma
“estruturação” – “[...] que se desenvolve ao longo do tempo – das relações entre o filme e seus
espectadores” (ELLSWORTH, 2001, p. 16). Assim, quando a revista mostra famosos que
superaram problemas tipicamente adolescentes, ou mostra ídolos que vestem aquilo que
oferecerá algumas páginas após, ou publica matérias sobre os assuntos que os jovens postam
nos seus blogs dentro do site da Revista, ela está sutilmente endereçando o seu conteúdo para
este público. Por meio deste endereçamento, “um espaço social se abre” (MASTERMAN,
1985, p. 229 apud ELLSWORTH, 2001, p. 18), espaço este que, consciente ou
inconscientemente, os jovens identificam e ocupam.
Por mais que a mídia, por muitas vezes, nos venda papéis ou identidades a serem
tomados, esses papéis e identidades também são endereçados a consumidores que tenham
essas posições latentes:
Em momentos particulares, as promoções de marketing podem construir novas
identidades como, por exemplo, o „novo homem‟ das décadas de 1980 e 1990,
identidades das quais podemos nos apropriar e que podemos reconstruir para nosso
uso. A mídia nos diz como devemos ocupar uma posição-de-sujeito particular – o
adolescente „esperto‟, o trabalhador em ascensão ou a mãe sensível. Os anúncios só
serão „eficazes‟ no seu objetivo de nos vender coisas se tiverem apelo para os
consumidores e se fornecerem imagens com os quais eles possam se identificar. É
claro, pois, que a produção de significados e a produção das identidades que são
posicionadas nos (e pelos) sistemas de representação estão estreitamente vinculadas
(WOODWARD, 2000, p. 17-18, grifos nossos).
Entretanto, o leitor nunca é apenas, totalmente ou exatamente o que os produtores da
revista pensam que ele é. As posições sociais “[...] não constituem, nunca, uma posição única
ou unificada” (ELLSWORTH, 2001, p. 19). A forma como vivemos a experiência do modo
de endereçamento depende da distância entre o que o media pensa que somos e o que nós
mesmos pensamos que somos. Como exemplifica metaforicamente a autora, se estamos
25
sentados bastante distantes da poltrona para onde a tela do cinema está direcionando o filme,
ficamos imaginando como seria muito melhor e mais agradável estar naquele local. Esse é o
momento em que eventuais leitoras que não pertençam ao público-alvo da Revista, como, por
exemplo, garotas de classes sociais mais baixas ou garotas mais jovens, ficam desejando ser
aquela para quem a mesma é endereçada, passando a comprar os produtos ou adotar as
atitudes indicadas. Essa idéia vai ao encontro das reflexões de Lipovetsky (2009), quando este
afirma a necessidade do sujeito de pertencer, nem que, para isso, ele precise adaptar-se, sair
do seu “eu” e adequar-se ao que o torne passível se ser aceito pelos demais do meio em que
está ou quer estar inserido naquele dado momento4.
Essa suposta flexibilidade do endereçamento ocorre por uma necessidade comercial:
se apenas as garotas das classes A e B, de 13 a 17 anos, “descoladas”, “antenadas”,
“modernas” e com um biótipo que se identifique com as modelos das fotos e/ou que fique
bem nas roupas anunciadas, comprassem a Revista, possivelmente ela não venderia o
suficiente. Por isso, diferentes estilos, presentes em um único media, podem ter diferentes
endereçamentos. “Podem estar ocorrendo, de forma simultânea, múltiplos modos de
endereçamento” (ELLSWORTH, 2001, p. 23).
Assim, o modo de endereçamento de um media
[...] tem a ver, pois, com a necessidade de endereçar qualquer comunicação, texto ou
ação „para alguém‟. E, considerando os interesses comerciais dos produtores
[...], tem a ver com o desejo de controlar, tanto quanto possível, como e a partir de
onde o espectador ou a espectadora lê o filme. Tem a ver com atrair o espectador ou
a espectadora a uma posição particular de conhecimento para com o texto, uma
posição de coerência, a partir da qual o funciona, adquire sentido, dá prazer, agrada
dramática e esteticamente, vende a si próprio e vende os produtos relacionados [...]
(ELLSWORTH, 2001, p. 24, grifos nossos).
Outrossim, Ellsworth (2001, p. 25) afirma que, embora os leitores não possam ser
simplesmente posicionados pelo endereçamento, os modos de endereçamento “[...] oferecem,
sim, sedutores estímulos e recompensas para que se assumam” as posições às quais o media
está se endereçando. E é no volátil vão de espaço que fica entre os media e o seu público é
que os modos de endereçamento tentam manipular (ELLSWORTH, 2001), criando esses
espaços de desejos e quereres.
4 Como comentei anteriormente, ao definir os conceitos de identidade, esta se baseia, não apenas na semelhança
e no pertencimento, mas também na diferença e na exclusão. Poderia se dizer que nem todos os jovens buscam a
adaptação e o pertencimento ao que a mídia indica, é possível que alguns grupos busquem exatamente o oposto,
como vemos no estudo de Pereira (2006; 2011), mas me focarei, aqui, nas jovens que compõe a maior parte das
leitoras da Capricho.
26
2 JUVENTUDE, MOVIMENTOS E ESTILOS
Na construção do corpo, assim como na das roupas de
cada época, estão instalados os valores que ganham
forma e voga em configurações estéticas que se
encadeiam ciclicamente. [...] Intimamente imbricada às
feições do sujeito que cada época faz emergir como
uma das suas expressões, a moda é, dentre essas, talvez,
a expressão mais significante, que faz circular o sistema
de valores partilhado pela coletividade com as suas
regras de conduta. [...] Na moda e por ela, os sujeitos
mostram-se, mostrando os seus modos de ser e estar no
mundo, o que os posiciona neles (CASTILHO, 2004, p.
9).
Observando trajetórias históricas da juventude, especialmente ao longo do século
XX, podemos verificar que os jovens5 constantemente percebem-se influenciados por
movimentos e acontecimentos políticos, econômicos e sócio-culturais, o que reflete em seu
comportamento individual ou coletivo. Quanto à coletividade, percebemos a formação do que
se habituou a chamar primeiramente de teenage lifestyles6 e depois, por volta da década de 80
de “tribos urbanas”. As características desses grupos, formados majoritariamente por jovens,
contemplam ideologias, perspectivas de vida e críticas sociais, que se refletem na sua estética,
envolvendo aspectos corporais, indumentária e moda, além da sua relação com a produção e o
consumo cultural.
Isso ocorre porque o modo com que as pessoas de determinado período ou grupo
social se vestem, se comunicam, produzem ou consomem bens, sejam culturais ou não, é um
reflexo direto do que acontece ao seu redor e da maneira com que elas percebem tais
acontecimentos.
Acredito que as transformações, adaptações e, por que não, revoluções pelas quais os
jovens passaram ao longo do século XX não só influenciaram o modo com que os do século
XXI vivem, como também servem de fonte para que a indústria e a mídia construam as novas
identidades a serem oferecidas para eles. Pensando nisso, apresento neste capítulo um breve
histórico dos movimentos culturais e de identidade que pelos quais os jovens passaram ao
longo do século passado, uma vez que acredito que não seria possível eu realizar essa
5 No capítulo seguinte, quando iniciarem os estudos acerca das juventudes atuais, falarei mais a respeito dos
conceitos de juventude atuais. No capítulo em questão, onde me dedico a falar da trajetória histórica das
juventudes, me limitarei a tratar, em geral, dos teenagers, palavra inglesa que significa adolescentes e trata-se da
junção da expressão age, que significa idade e do sufixo teen, presente nos números do treze ao dezenove
(thirteen, fourteen, etc), antiga definição de adolescência. 6 Em uma tradução livre e literal, “estilos de vida adolescentes”.
27
dissertação sem que houvesse essa compreensão. Acredito que essa rápida contextualização
que faço acerca dessas juventudes facilitará a compreensão das análises que seguem, já que
creio não ser possível compreender a influência da Revista na construção da identidade dos
jovens se compreendermos o que tem os influenciado ao longo do tempo.
Foi num período conhecido por “Era de Ouro”, após o final da Segunda Guerra
Mundial, que surgiu a chamada “cultura juvenil”, como um reflexo da expansão do
capitalismo e possibilitada pela crescente dos meios de comunicação desse período
(BRANDÃO; DUARTE, 1990). Da mesma forma, embora algumas práticas de agrupamento
juvenis específicos já houvessem sido identificadas anteriormente, foi nesse momento
(FEITOSA, 2003) que os teenage lifestyles começaram a se formar. Até então, afirma o autor,
os conceitos de “cultura jovem” e de “juventude” não estavam consolidados.
Esses agrupamentos de jovens davam-se muito mais em função de ideais e gostos
comuns do que em características demográficas e de classe socioeconômicas. Além de
questões políticas e sociais, como veremos a seguir, um dos principais responsáveis pelo
início desse movimento foi a música, que tem sido grande responsável por “aglutinar” os
adolescentes desde a década de 50, quando se estabeleceram os teenage lifestyles
(PALOMINO, 2003).
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, alguns países, especialmente os capitalistas
desenvolvidos, gozavam de uma excelente situação financeira. Nos Estados Unidos, por
exemplo, a economia passava por um grande avanço, marcado, dentre outros fatores, pela
institucionalização do “mito do modelo do ano”. Carros, geladeiras e aparelhos domésticos
em geral eram comprados e descartados na mesma velocidade. Estabelecia-se, assim, um
novo padrão de conforto: o “estilo de vida americano” (american way of life), “[...] recheado
de produtos luminosos que seriam a chave da felicidade para o consumidor” (LOPES, 2006,
s.p.).
Assim, o país norte-americano assumia de fato o posto de grande potência capitalista.
Enquanto outros países encontravam-se completamente arrasados, os norte-americanos não
contabilizavam perdas tão consideráveis. Isso porque, dentre outros motivos, desfrutavam da
vantagem de terem participado de uma guerra internacional sem que seu território estivesse
sob conflito (BRANDÃO; DUARTE, 1990).
Os avanços econômicos vivenciados pelo país, somados ao retorno dos maridos ao
lar, depois de um longo período afastados em função da guerra, geraram um grande
28
crescimento no índice de natalidade nos Estados Unidos, fenômeno denominado baby boom7.
O aumento da população significava também um aumento no número de consumidores, o que
se traduzia num impulso para a sociedade de consumo. Assim, um crescimento demográfico
que, para países subdesenvolvidos, seria um motivo de preocupação, para os Estados Unidos,
naquele momento, era motivo de “euforia” (LOPES, 2006), já que os novos norte-americanos
poderiam usufruir da “emergente cultura de consumo” (BRANDÃO; DUARTE, 1990).
O baby boom era, também, uma conseqüência de uma sociedade que vivenciava
valores tradicionais. As idéias conservadoras estavam de volta: as pessoas casavam-se cedo e
tinham filhos. O modelo de família tradicional estava em voga naquele momento e havia uma
nítida distinção de papéis entre os homens e as mulheres. “O lar era considerado o „destino
natural‟ da mulher e o homem exercia o papel de „chefe da casa‟” (CARMO, 2000, p. 21).
Figura 2 – Anúncio publicitário do período, retratando a típica dona de casa.
Fonte: BLOG NÃO SOMOS APENAS ROSTINHOS BONITOS, 2011.
As garotas, além de serem educadas para o casamento e a maternidade, tinham uma
série de padrões de comportamento exigidos pela sociedade. Mas o mundo estava começando
a mudar, e algumas garotas já se rebelavam contra as tradições. De acordo com Carmo
(2000), as jovens eram “separadas” em moças de família e moças levianas. Enquanto as
7 A população norte-americana aumentou 33% entre 1940 e 1960 (BRANDÃO; DUARTE, 1990).
29
primeiras, “impunham respeito social” e preparavam-se para serem donas de casa, as
segundas permitiam certas intimidades com os rapazes e tornavam-se “mal-faladas”. As
mídias de massas eram vistas pela sociedade como responsáveis por influenciar o
comportamento dos jovens, dando, inclusive, dicas de como portar-se em público, de como
arranjar marido ou não ficar mal falada.
Além da explosão cultural acontecendo, o jovem estava mais independente
financeiramente. Com a reestruturação dos lares e situação econômica do país, mães e filhos
também estavam no mercado de trabalho. Isso aumentava o poder de consumo das famílias,
fazendo com que o jovem não mais precisasse ajudar nas despesas domésticas, sobrando mais
dinheiro para seus consumos pessoais. “Pela primeira vez, o consumo juvenil adquire um
papel central que se aplica concentricamente para toda a sociedade” (CANEVACCI, 2005, p.
23).
Amparados por uma economia em crescimento e incentivados por novos
movimentos culturais, os jovens passaram a criar sua própria cultura, que incluía vestimentas
diferenciadas dos mais velhos e preferências musicais diferenciadas. Essa necessidade de
diferenciação dos “mais velhos”, ou seja, um desprendimento dos valores familiares é, não só
preenchida, mas também produzida pela intensidade e multiplicidade de artefatos midiáticos,
criando uma sensação de “tribalização” entre os jovens. De acordo com Ferreira (2001, p.108-
109), os meios de comunicação “[...] vêem preencher o vazio deixado pelas instituições [...]
que forjavam outrora os laços tradicionais”. Nesse mesmo sentido, Canevacci (2005, p. 22)
afirma que:
[...] a escola de massa separa um segmento interclassista da população da família e
da produção; a mídia (discos, rádio, cinema) produz um novo tipo de sensibilidade e
de sexualidade, modo e estilo de vida, valores e conflitos; a metrópole se difunde
como cenário panoramático repleto de signos e sonhos (mediascape). O cruzamento
desordenado e intrigante desses três fatores constitui o terreno autônomo, inovador,
conflituoso no qual de constrói a categoria sociológica do „jovem‟. Os jovens como
faixa etária autônoma da modernidade nascem entre os fios que os ligam à escola de
massa, à mídia, à metrópole.
A população estava mais jovem do que nunca, e o nascimento de uma cultura jovem
despertou interesse de fabricantes de bens de consumo que passaram a produzir produtos
específicos para esse “novo consumidor”. Os produtos destinados a esse “novo alvo” iam “do
30
jeans ao fast food8, passando pelo cinema, pela televisão e, é claro, pela música” (LOPES,
2006).
O crescente desenvolvimento da tecnologia em meados do século XX fez com que os
meios de comunicação (fotografia, discos, cinema, rádio, televisão, etc.) passassem a atingir
um grande número de pessoas, dando origem à “cultura de massa”:
Ao contrário das culturas erudita e popular, a cultura de massa não está ligada a
nenhum grupo social específico, pois é transmitida de maneira industrializada, para
um público generalizado, de diferentes camadas sócio-econômicas. O que temos,
então, é a formação de um enorme mercado de consumidores em potencial, atraídos
pelos produtos oferecidos pela indústria cultural. Esse mercado constitui, na
verdade, a chamada „sociedade de consumo‟ (BRANDÃO; DUARTE, 1990, p. 11).
Essa era uma “[...] juventude abastada e consumista, que vivia com o conforto que a
modernidade lhes oferecia” (ALMANAQUE, 2009, online, s.p.). Os jovens passam a ser o
tipo de consumidor que, a partir de então, viraria “tudo de cabeça para baixo”. É o que a
editora de moda Diana Vreeland definiu como Youthquake ou “Terremoto Jovem”
(PALOMINO, 2003). A cultura jovem tornava-se, assim, o centro de uma revolução cultural
que transformava os valores e costumes de toda uma sociedade.
Uma boa parte da indústria cultural estava sendo destinada a estes jovens, e para eles
também um mercado especializado se formava. Uma vasta gama de produtos, como “[...]
pranchas de surf, radinhos de pilha, revistas, filmes e, principalmente, [...] discos de música”
(BRANDÃO; DUARTE, 1990, p. 19) estavam sendo produzidos. Por meio desse processo, a
revolução cultural jovem foi a matriz de uma revolução muito mais ampla, refletindo-se nos
costumes, no gosto cultural e no apreço pelo lazer em toda uma sociedade.
Maria Rita Kehl, em artigo na revista Outro Olhar, contextualiza esse processo
evolutivo, baseada em estudo de Isleide Fontenelle sobre a expansão da marca McDonald‟s,
onde se fala sobre a emergência dessa cultura adolescente na sociedade norte americana na
década de 50, “anos dourados do pós-guerra”:
A figura do adolescente [...] era associada, sobretudo, à vida urbana e encontrava seu
habitat na high school9 – que parecia transformada num cosmos em si mesmo – com
os clubes, as atividades esportivas e outras atividades e lugares acessórios como a
drugstore10
, o automóvel, o bar para os jovens. Uma geração vista como
problemática, mas, também, como espelho refletor da sociedade americana do pós-
guerra: muita da insistência sobre os jovens como consumidores – novo e gigantesco
8 Numa tradução literal, “comida rápida”. Maneira com que chamamos as comidas de lanchonetes.
9 Nível escolar que equivale ao atual Ensino Médio brasileiro.
10 Farmácia, drogaria.
31
mercado que se abria à venda de Coca-Cola, goma de mascar, balas, discos, roupas,
cosméticos, acessórios para carros e carros usados – podia ser transmitida, apesar
dos tons de escândalo, ao prazer secreto de ver confirmada a filosofia do consumo
que representava uma bíblia de bem-estar americano (KEHL, 2007, p. 44, grifos da
autora).
Essa infinidade de novos bens de consumo surgia impulsionada pela prosperidade
financeira e para impulsionar o consumismo. A fim de manter a economia interna do país
estável e em contínuo crescimento, os fabricantes e as agências de publicidade encarregavam-
se de incentivar os cidadãos a consumir cada vez mais (BRANDÃO; DUARTE, 1990, p. 17).
Vemos nesse processo a vulnerabilidade do público e do indivíduo em relação à onipotência
da comunicação de massa, analisadas por Ferreira (2001).
Não obstante, embora se fale que a indústria cultural “inventou” a cultura jovem, o
que de fato aconteceu foi uma adaptação da cultura em função dos anseios que estavam
surgindo nesses jovens que cresciam em meio a um mundo de transformações:
Ela [a indústria] foi surpreendida pelo público e teve que se adaptar às suas
exigências. Isso fica claro no caso do rock and roll. O mercado fonográfico
americano no início dos anos cinqüenta refletia o racismo de sua sociedade: havia
música “padrão” para brancos, música para negros e música para brancos pobres. O
mercado musical era dominado por músicas banais que não se identificavam com o
dia-a-dia dos adolescentes, então, esses buscaram a contestação dos ritmos
marginais, procurando na música negra (blues, gospel, jazz e rythm blues) com
elementos do country-and-western (LOPES, 2006, s.p., grifos do autor).
Estes jovens, que haviam crescido em meio à insegurança da guerra, muitas vezes
encaravam esse “novo mundo”, impulsionado pela indústria cultural e pelas facilidades de
compra, “[...] de uma forma confusa e ansiavam por maiores espaços: mesmo fora do
mercado de trabalho, a necessidade de consumir, criada pelo marketing, fazia emergir o
„desajuste‟ desses jovens” (LOPES, 2006 s.p. ). Era um período de oposições e contrastes:
enquanto alguns jovens se encantavam com a prosperidade até então desconhecida e
alimentavam o consumismo influenciado pelo governo, outros se inconformavam,
questionando seu papel na sociedade e refletindo sobre a maneira com que as massas estavam
submissas e alienadas:
Apesar do progresso e da industrialização, a sociedade norte-americana permaneceu
com valores morais arcaicos e preconceituosos, criando um vazio e uma insatisfação
na juventude, principalmente da classe média. É dentro desse contexto que surge
uma cultura própria da juventude, reflexo de suas tendências comportamentais de
revolta, expressa principalmente pela música, de forma individualizada ou em
pequenos grupos. A partir daí começa a se configurar a formação de um mercado
consumidor constituído basicamente por jovens de diferentes classes sociais.
Embora estivesse inicialmente fora dos padrões preconizados pela sociedade
32
estabelecida, a cultura jovem passou a ser devidamente assimilada e comercializada
pela indústria cultural, que a divulgou através dos meios de comunicação, tornando-
a universal (BRANDÃO; DUARTE, 1990, p. 12).
A identificação desse movimento e a adaptação da indústria para o mesmo rendeu
muitos frutos, em especial para a indústria fonográfica. Enquanto os jovens contestavam a
sociedade, a mesma consumia essa contestação:
A partir de 1955, quando nasceu o rock and roll, até 1959, as vendas de discos
norte-americanas cresceram 35 por cento a cada ano. Depois de uma pequena pausa,
a invasão britânica de 1963, liderada pelos Beatles, iniciou um crescimento ainda
mais espetacular: as vendas de discos nos EUA, que tinham aumentado de US$ 227
milhões em 1955 para US$600 milhões em 1959, tinham ultrapassado os US$ 2
bilhões em 1973 (incluindo agora as fitas). [...] As fortunas comerciais da indústria
de discos nunca tinham dependido tanto de um só gênero musical, dirigido a uma
faixa etária tão estreita (HOBSBAWN, 2003, p. 16, grifos do autor).
Segundo Brandão e Duarte (1990), foi nesse momento, após o “estouro” de “Rock
Arround The Clock”, de Bill Halley e seus Cometas, através do filme “Sementes de Violência”
(1955), que se iniciou a comercialização da chamada “cultura rock”. Brandão e Duarte (1990)
afirmam que, a partir desse momento, a indústria cultural norte-americana viveu um rápido
desenvolvimento. Percebendo o mercado que se abria com o rock‟n‟roll e seu estilo de vida,
gravadoras, rádios, cinema e televisão passaram a voltar-se “para essa emergente cultura
jovem, estimulando cada vez mais o seu consumo”.
Nesse sentido, a vontade dos jovens de se mostrarem “diferentes” das gerações
anteriores era tamanha que esse aspecto passou, inclusive, a ser usado como estratégia de
marketing:
O sucesso crescente [dos Rolling Stones] enfurecia ainda mais os britânicos mais
velhos, e Andrew11
só precisava dar um empurrãozinho para transformar essa
rejeição numa bola de neve perfeita para badalar a imagem rebelde e „selvagem‟ dos
Rolling Stones. Ciente de que enfatizar a oposição dos adultos aos Stones só
ajudaria a tornar a banda mais atraente para os jovens. Andrew jogava mais lenha na
fogueira, divulgando insanidades hilariantes que a imprensa, sem nem por um
segundo questionar o que ele dizia, se alegrava em espalhar. Coisas do tipo: „Eles
não tomam banho direito e não ligam muito para roupas. Não tocam música
comportadinha, o som deles é cru e masculino‟. É claro que o truque deu certo
(RONDEAU; RODRIGUES, 2008, p. 59).
Ainda sobre a absorção da rebeldia juvenil pela indústria de bens de consumo e
culturais, Carmo (2000, p. 206, grifo nosso) afirma que “[...] o tão contestado sistema” logo se
apoderou, através da publicidade e do consumo, “[...] dos símbolos e valores dos movimentos
11
Andrew Oldhan, agente da banda (RONDEAU; RODRIGUES, 2008).
33
libertários juvenis brotados nos anos 60, transformando os sonhos em mercadorias nas
prateleiras”. O cinema foi um desses nichos da indústria cultural a absorver a rebeldia juvenil
e, automaticamente, influenciar os demais jovens:
Através do cinema difundiram-se novos modelos de comportamento – como heróis
rebeldes vividos por Marlon Brando e James Dean, símbolos de uma juventude
cujos problemas e anseios eram ignorados pela „sabedoria adulta‟.
A violência e o inconformismo da juventude do pós-guerra foram o novo filão
descoberto por Hollywood. James Dean será um dos maiores mitos da rebeldia e
quem melhor sintetizará as inseguranças e a violência sofridas por essa geração. O
filme Juventude Transviada retrata com certo ardor temas novos para a sociedade
conservadora e disciplinadora da época: a rebeldia juvenil, a sexualidade reprimida e
a carência afetiva da solidão em família.
O ator encarnava o personagem e, ainda jovem, morreria em um acidente de
automóvel. Criou-se o mito James Dean, em que os contornos de seus personagens
mesclavam-se à sua vida pessoal. Surgia assim uma maneira diferente e chocante de
encarar à vida: „Viver o mais intensamente, arriscar sempre‟.
Os adolescentes identificaram-se de imediato com o angustiado rapaz de classe
média desamparado por um pai retraído e a mãe dominadora. O „personagem‟ Dean
criava a imagem de um jovem pensativo, melancólico, sentindo-se frustrado e
desorientado. [...]
Uma rebeldia ainda ingênua e um desejo de „viver intensamente‟ brotavam na
juventude ocidental (CARMO, 2000, p. 31, grifos do autor).
A influência do filme “Juventude Transviada12
” foi tamanha nesse período que o
termo passou a ser utilizado para designar todo um grupo de jovens, com seu estilo e
comportamentos característicos. Carmo (2000) afirma que assim era chamada toda essa
geração, ou pelo menos a grande parcela “transgressora” dela, “com suas gangues,
motocicletas e revolta contra os professores na sala de aula”. Assim, nesse momento “[...]
começava a delinear-se uma consciência etária se alimentando a oposição jovem/não-jovem”
(CARMO, 2000, p. 32).
12
No original, “Rebel without a case” (em uma tradução livre, “Rebelde sem causa”). Filme norte-americano de
1955, estrelado pelo ator James Dean e que conta a história de adolescentes rebeldes, que se envolvem com
álcool, brigas e gangues.
34
Figura 3 – Cena do filme “Juventude Transviada”, que retratava a juventude transgressora do período.
Fonte: BLOG CINECAB, 2011.
Desta forma, essa expansão da rebeldia juvenil, impulsionada por esses ídolos
rebeldes e pelo nascimento do rock‟n‟roll, foi de suma importância para o surgimento de uma
moda especificamente jovem e sua massificação. O blue jeans torna-se popular através dos
jovens que queriam diferenciar-se dos pais, e esse estilo informal pode ser tido como uma
rejeição dos valores das gerações paternas. Além destas mudanças no estilo propriamente
dito, havia também mudanças no comportamento de consumo e no funcionamento do
mercado:
O desejo de moda expandiu-se com força, tornou-se um fenômeno geral, que diz
respeito a todas as camadas da sociedade. Na raiz do prêt-a-porter13
há essa
democratização última dos gostos de moda, trazida pelos ideais individualistas, pela
multiplicação das revistas femininas e pelo cinema, mas também pela vontade de
viver o presente e estimulada pela nova cultura hedonista de massa (LIPOVETSKY,
2005, p. 117, grifos do autor).
Enquanto a moda adulta era ditada por Paris, com a atmosfera sofisticada do new
look14
, fora de lá acontecia uma revolução jovem, impulsionada por adolescentes que não
13
Em uma tradução literal, “pronto para vestir/usar”, também conhecido, em inglês, por “ready-to-wear”. Termo
que surgiu junto com a industrialização da moda (USEFASHION, 2011, s.p.), refere-se à produção em larga
escala, diferente da até então dominante alta-costura, onde as peças eram únicas e sob-medida para as clientes. 14
Expressão que se traduz por “novo visual” e refere-se a uma revolução ocorrida na Moda contemporânea,
lançada pelo estilista Christian Dior na primavera de 1948. O New Look de Dior contrariou as exigências da
época (USEFASHION, 2011, s.p.), propondo um visual bastante feminino, com cinturas finas e marcadas, saias
rodadas, ombros suaves, em oposição ao look masculinizado e com referências militares em voga até então. Era tradução dos desejos de feminilidade vividos pelas mulheres após o período em que elas haviam que trabalhar
enquanto os maridos lutavam na guerra.
35
queriam mais se vestir como suas mães. Inspiradas no sportswear15
americano (LAVER,
1989), as jovens assumem um estilo mais despojado, college16
, utilizando sapatilhas de balé,
calças cigarrete até os tornozelos, meias soquete e rabos de cavalo, além de saias rodadas e
suéteres.
Os meninos, inspirados em ídolos como Marlon Brando e James Dean, se rebelam
utilizando jeans com barras dobradas, jaquetas de couro e camisetas de malha, além de
cabelos bem arrumados, com topetes e costeletas (STEFANI, 2005). Os personagens de James
Dean em “Juventude Transviada” e de Marlon Brando em “Um Bonde Chamado Desejo”
foram os grandes responsáveis pela popularização desse estilo. Às roupas, somavam-se ainda
outras características visuais que compunham o estilo desses jovens, como veículos e
penteados específicos:
Nessa época os caríssimos automóveis Cadillacs começavam a fazer parte da cena
urbana [...], assim como a jaqueta de couro, a calça rancheira17
e as lambretas. Não
podia faltar a brilhantina18
, para fazer o topete igual ao de Elvis, deixando crescer o
cabelo que antes era cortado no estilo „reco‟ (à escovinha) americano (CARMO,
2000, p. 30).
Assim, uma nova forma de comportamento para a juventude estava se formando,
influenciada pelo rock que, mais do que um gênero musical, era um símbolo de toda uma
geração. Todavia, antes mesmo de o rock de fato se difundir, os jovens já davam início a
comportamentos que se transformariam em um grande fenômeno revolucionário que
influenciaria o estilo e comportamento da juventude por décadas. Carmo (2000, p. 34) afirma
que a principal diversão dos jovens nos finais de semana eram os “bailinhos”, para os quais os
rapazes iam com seus “topetes emplastados de brilhantina” e as moças com seus “requintados
penteados fixados com laquê” e “vestidos rodados com muita anágua”.
Nesse sentido, com um comportamento jovem padrão se formando, refletido em um
estilo também padrão, somados a uma necessidade de consumo constante, surgia a
necessidade de uma indústria de moda destinada a estes jovens. Nesse sentido, Laver (1989,
p. 261) afirma que “[...] a demanda de roupas jovens e sugestivas era grande”. Enquanto que,
15
Nome dado à Moda esportiva ou a um estilo de vestir descontraído e confortável (USEFASHION, 2011, s.p.)
e que estava muito na moda no período. 16
“Refere-se a um estilo de vestuário que lembra uniformes escolares, geralmente de colégios ou universidades
americanas. Está ligado também ao estilo dos preppies, como ficaram conhecidos os jovens que freqüentavam as
principais escolas preparatórias privadas dos Estados Unidos a partir dos anos 1950” (USEFASHION, 2011, s.p.,
grifo do autor). 17
Nome dado às calças denim (jeans) utilizadas pelos trabalhadores do campo. Foram as precursoras das calças
jeans que utilizamos hoje. 18
Cosmético utilizado para fixar o cabelo.
36
na Europa, a moda jovem explodia através de estilistas independentes como Mary Quant, na
América do Norte as indústrias do prêt-a-porter iam ficando cada vez mais fortes. Nos
Estados Unidos, as técnicas de produção em massa já eram dominadas e as peças do gosto dos
mais jovens já eram produzidas e comercializadas em escala industrial.
Já o estouro da moda jovem britânica iniciado nessa época foi fortemente
influenciado pelo fato de as jovens iniciarem-se no mercado de trabalho, em escritórios ou no
varejo, com salários relativamente bons. Se durante a Segunda Guerra Mundial as mulheres
entravam no mercado de trabalho por necessidade, agora elas o faziam motivadas por
questões ideológicas, em busca da libertação feminina. Essas garotas gastavam o seu dinheiro
com artigos femininos como roupas, cosméticos e acessórios, contribuindo para a expansão
do mercado da moda.
É a partir desse momento evolutivo que a moda passa a vivenciar também um ciclo
de tendências inverso do tido como tradicional: os modismos originam-se no “meio” – filmes,
músicos e até pessoas “comuns” nas ruas – e migram até as passarelas. O início desse
processo destaca-se através do cinema. De acordo com Palomino (2003), o ponto inicial dessa
influência se dá em 1960, quando Yves Saint Laurent insere em um desfile na Maison Dior
um casaco de couro de crocodilo com vison preto, inspirado no figurino de Marlon Brando no
filme “O Selvagem19
”.
Esse fenômeno de “inversão” do ciclo das tendências segue até hoje e é conhecido
atualmente por Bubble Up. Palomino (2003, p. 44) afirma ainda que “[...] a rua impõe suas
vontades, e essas idiossincrasias ou rebeldias partem – normalmente – dos jovens”. Nesse
mesmo sentido, Caldas (2004, p. 57) afirma que, em conseqüência dessa “onda jovem”
ocorrida entre as décadas de 50 e 60, houve “[...] uma grande impulsão de movimentos de
moda oriundos das ruas, que influenciaram diretamente as passarelas, transformando-se em
novos vetores de tendências”. Esse estilo rebelde do período estava presente também nas ruas
brasileiras, como conta Carmo (2000), analisando “os anos dourados”:
Era uma parcela da juventude dourada que intranqüilizava a cidade, bem mais do
que a marginalidade pobre. Usavam seus carros para promover rachas, consumir
bebidas alcoólicas e se enturmar em determinados pontos com os condutores de
lambreta. [...]
Uma parcela da juventude se encantava com a moda descontraída e rebelde de
Marlon Brando (O Selvagem) e James Dean (o porta-voz dos „rebeldes sem causa‟).
A leitura de histórias em quadrinhos, ou gibi, era muito grande entre os garotos [...].
A fotonovela para as moças era um hábito comum. A partir da metade dos anos 50, a
19
No original, The Wild One. Filme de 1953, estrelado pelo ator Marlon Brando, que representava o líder de uma
gangue de motociclistas.
37
revolução do biquíni começou a inovar nossas praias (CARMO, 2000, p. 20, grifos
do autor).
Em meio a esse mundo de transformações e oposições, de culturas massificadas e
tentativas de diferenciação por parte dos jovens, de comodismo de uns e crises existenciais de
outros, surgia aquilo que daria início ao conceito de contracultura e influenciaria os demais
grupos que viriam posteriormente: o movimento beat. De acordo com Brandão e Duarte
(1990, p. 26), a Guerra Fria e a cultura de consumo excessivo foram fatores influenciadores
da formação de “[...] um pequeno grupo de jovens universitários que, através de um
movimento literário, tentavam oferecer um estilo de vida alternativo ao mundo materialista da
sociedade norte-americana”. Esse movimento expressava uma clara manifestação de
sentimentos que vinham perturbando a sociedade, em especial os mais jovens. E essa reação
contra o establishment20
teve seu nascimento justamente onde a tecnocracia21
atingia o auge
de seu desenvolvimento: os Estados Unidos, mais especificamente na cidade de São
Francisco.
Iniciado por Jack Kerouac22
e consolidado por seus seguidores – William Burroughs,
Allen Ginsberg e Cassady23
–, o movimento beat traduzia-se em gestos de desobediência e
tinha como origem “a frustração do meio intelectual que vivia a Guerra Fria, o temor de uma
guerra nuclear24
, entre outros conflitos” (TAVARES, 1983). Essa geração “sem futuro” era
composta por estudantes, poetas, artistas e escritores que, inconformados, “buscavam refletir
sobre a multidão solitária absorvida pela ânsia de segurança, pela submissão generalizada,
pelo conformismo e pela necessidade de identificação com a imagem que a sociedade” exigia
de cada um (CARMO, 2000, p. 29).
O inconformismo e o espírito de contestação desta geração começam de fato e
ganham amplitude com a publicação de On the Road (Pé na Estrada)25
, de Kerouac. O livro,
tido como a “bíblia” dessa geração e o iniciador da contracultura, influenciou toda uma
20
O sistema, o grupo dominante de uma sociedade (CARMO, 2000). 21
A sociedade onde o aparato industrial atinge o ápice da sua integração organizacional e “[...] na qual seus
governantes justificam-se através de especialistas técnicos que, por sua vez, se justificam através de formas
científicas de conhecimento para além das quais não cabe recurso algum. Tem como característica a capacidade
de se fazer ideologicamente invisível, expande seu poder como um imperativo cultural incontestável”
(PEÇANHA, 1987, p. 21). 22
Jack Kerouac (1922-1969), escritor norte-americano tido como um ícone do movimento beat. 23
Três autores participantes do movimento beat. 24
“Naqueles anos, o mundo descobria um novo medo: a ameaça permanente da guerra nuclear” (CARMO, 2000,
p. 29). 25
“‟On the Road‟ é o segundo romance de Jack Kerouac, e sua publicação é um evento histórico, na medida em
que o surgimento de uma genuína obra de arte concorre para desvendar o espírito de uma época. [...] É a mais
belamente executada, a mais límpida, e se constitui na mais importante manifestação feita até agora pela geração
que o próprio Kerouac, anos atrás, batizou de beat e da qual o principal avatar é ele mesmo” (MILLSTEIN apud
BUENO in KEROUAC, 2008, p. 7, grifo do autor).
38
juventude que se deslumbrava com os relatos de vida nômade: “[...] a estrada simboliza a
viagem sem rumo como os conquistadores errantes do faroeste americano de outrora”
(CARMO, 2000, p. 28). Escrito em 1951 e publicado em 1957, o livro conta as experiências
de um grupo de jovens norte-americanos,
[...] loucos para viver emoções fortes e cujos principais interesses na vida, além da
literatura, giravam em torno de viagens, estradas, agitadas festas, jazz, sexo, carona,
drogas. Andavam mal barbeados, cabelos em desalinho, irreverentes e rebeldes
(CARMO, 2000, p. 28, grifo do autor).
Essa obra literária acabou por influenciar uma série de artistas, ao longo do tempo:
A questão é que tal geração se multiplicou em muitas. Bob Dylan fugiu de casa
depois de ler On the Road. Chrissie Hynde, dos Pretenders, e Hector Babenco, de
Pixote, também. Jim Morrisson fundou The Doors. No alvorecer dos anos 90, o livro
levou o jovem Beck a tornar-se cantor, fundindo rap e poesia beat. Jakob Dylan,
filho de Bob, deixou-se fotografar ao lado da tumba de Jack [...], como o próprio pai
fizera, vinte anos antes (BUENO in KEROUAC, 2008, p.12, grifos do autor).
O termo beat, que contemplava um movimento literário26
, poético e comportamental,
podia ser traduzido como beatitude, santificação, mas também como “batida” (do jazz),
embalo, ritmo (“usado também pra expressar cansaço, saturação”). A expressão remetia às
batidas, ao ritmo compassado daquele momento. O nome Beatles, inclusive, derivou da fusão
das palavras beat e beetles27
. Se referia, também, a um “[...] estilo de vida aventureiro pelos
que, sem eira nem beira, andavam à deriva pelas estradas da América, em busca de aventura,
aproveitando-se da opulência material do “american way of life28
” (BRANDÃO; DUARTE,
1990, p. 26, grifo nosso). Assim, ainda afirma Carmo, o movimento beat não consistia apenas
uma libertinagem, uma falta de normas ou um modo de vida baseado no improviso. Ser beat
significava “[...] a busca de um envolvimento profundo que traz música, balanço, liberdade,
prazer, na procura da realidade marginal das minorias raciais e culturais no interior da
sociedade norte-americana” (BRANDÃO; DUARTE, 1990, p. 26).
Desta forma, o termo “geração beat”, bem como a cultura produzida por esta, não se
tratam de um “movimento estético-literário organizado” e com normas preestabelecidas. Este
26
O estilo literário beat pode ser considerado “[...] laudatório, verborrágico, impressionista, vertiginoso,
incontido, „espontâneo‟, repleto de sonoridade, de gíria, de coloquialismo e de aliterações [...]” (BUENO in
KEROUAC, 2008, p. 11). Além de Kerouac, os principais autores do movimento foram movimento William S.
Burroughs e Allen Ginsberg. 27
Em uma tradução literal, “besouros”. 28
Em uma tradução literal, “estilo de vida norte-americano”. Referia-se ao estilo consumista e hedonista que
vivia-se nos Estados Unidos e vendia-se para o mundo no período em questão.
39
se referia, na realidade, a poetas e escritores29
que viviam de maneira nômade pela América
dos anos 50 e mostraram, no campo das artes, que “[...] poesia e prosa podiam ser criadas
como uma experiência vivida pelo próprio autor, fora de qualquer padrão acadêmico-
universitário” (BRANDÃO; DUARTE, 1990, p. 26-27).
Logo a imprensa criou, com intenção depreciativa, a expressão beatnik, que consistia
da fusão de beat com nik, terminação da palavra Sputnik, o primeiro satélite soviético lançado
no espaço, em 1957. O termo tinha a intenção de designar “[...] os rebeldes jovens americanos
aludindo à suposta simpatia deles pelas idéias esquerdistas e de revolta contra o
conformismo” (CARMO, 2000, p. 29).
O movimento beat pode ser considerado uma significativa expressão da
contracultura. Foi com ele que surgiu “[...] o primeiro movimento literário verdadeiramente
popular que acontecia nos Estados Unidos desde a Geração Perdida da Década de 2030
”
(PEÇANHA, 1987, p.28). Além disso, deixou também marcas na história da arte tendo como
ícone o artista plástico Jackson Pollock31
– amigo de Jack Kerouac e conhecido como Jack the
Dripper.
Para os críticos, eles eram apenas jovens burgueses revoltados com suas próprias
vidas. Mas, rejeitando os velhos valores burgueses, os beats iniciavam um movimento de
valorização da espontaneidade e da natureza, além da “expansão da percepção”, oportunizada
pelas drogas, pelo jazz e pelas religiões orientais (CARMO, 2000, p. 28):
Allen Ginsberg (1926-1997) fazia freqüente uso de alucinógenos a fim de ampliar a
percepção e a sensibilidade poética. E todos eles buscavam uma outra ordem
espiritual: a „viagem‟ interna.
Outro membro, embora mais independente da geração beat, William Burroughs
(1914-1997), mais velho que os demais, se tornara célebre pela variedade e
quantidade de drogas que já experimentara. Seu primeiro livro, Junky (em inglês
„drogado‟), de 1953, retrata como ir a fundo no vício. Trata-se obviamente das
„fissuras‟ provocadas pelas drogas pesadas: dependência, delírios, devaneios e
visões alteradas (CARMO, 2000, p. 28-29).
Os beats estavam relacionados com os existencialistas franceses surgidos no pós-
guerra. Tendo como “papa” (CARMO, 2000) o filósofo Jean-Paul Sartre32
(1905-1980), o
29
Além dos já citados Kerouac, Burroughs e Gingsberg, também Lawrence Ferlinghetti, Gregory Corso, Gary
Synder, etc. 30
Grupo de literários norte-americanos que viviam na Europa, especialmente em Paris, na década de 20. Dentre
eles, destacavam-se Ernest Hemingway e F. Scott Fitzgerald. Além de escritores, alguns músicos do jazz também
fizeram parte do movimento. 31
Pintor norte-americano que foi referência no movimento do expressionismo abstrato. 32
“Filósofo francês, influenciado por Kant, Hegel e Heidegger. Em seu relacionamento amoroso com Simone de
Beauvoir, difundiu idéias modernas de não-monogamia e casamento liberal. Oriundo de uma família pequeno-
burguesa, era contra esse modelo de vida” (SARTRE, 2006, p. 5-6).
40
existencialismo era uma corrente de pensamento surgida na França, no período que sucedeu à
Segunda Guerra Mundial. Este grupo de filósofos franceses “refletia sobre a angústia da
existência humana. O impacto da experiência traumática das guerras mundiais havia gerado
ampla discussão entre alguns intelectuais, e se tornara moda particularmente entre os jovens”
(CARMO, 2000, p. 25):
Descrente da capacidade de a humanidade solucionar racionalmente seus problemas,
a juventude do pós-guerra se via tomada por uma sensação de desânimo e desespero.
Isso, porém, não resultava em inatividade absoluta. Os existencialistas, ateus, deram
a essa juventude novas formas de pensar o mundo, a partir do pressuposto de que
existir já é um enorme absurdo.
O primeiro objeto de reflexão filosófica dessa doutrina é o homem, não na sua
essência ou no mundo das idéias, mas na sua existência concreta. Os filósofos
afirmam que somos os arquitetos de nossas vidas, os construtores de nosso próprio
destino, embora submetidos a limitações reais do dia-a-dia. Numa espécie de
inversão da proposição de Descartes (Penso, logo existo), o núcleo seria „existo,
logo penso‟. Paralelamente procuram desvendar o mundo interior do ser humano, a
solidão, o sentimento de revolta (CARMO, 2000, p.25-26, grifos nosso).
O existencialismo influenciava toda uma geração que se encontrava desolada e
buscava algum sentido na vida. Mas não era apenas sobre os nichos intelectuais que
movimento se refletia. Carmo (2000), afirma que muitos jovens de fato inseriam-se com rigor
acadêmico na compreensão da filosofia existencialista, porém uma boa parcela deles, “mais
superficiais”, absorviam do movimento apenas os valores de estética pessoal (a Moda).
Como vemos, embora o existencialismo tivesse seu ponto inicial na filosofia, onde os
pensadores buscavam sentido na vida e debatiam sobre o livre arbítrio do ser humano, o
movimento acabou por influenciar o comportamento e o estilo de vida de toda uma geração de
jovens que procuravam “encontrar o seu eu”. Com um estilo de vestir que beirava a
melancolia – bem como suas idéias –, esses jovens reuniam-se em cafés, especialmente em
Paris, para beber, ouvir jazz, recitar poemas pacifistas e discutir suas idéias. A melancolia e a
permissividade desses jovens eram apenas um reflexo do mundo em que viviam e do seu
descontentamento com os rumos da sociedade, mas eram vistos de maneira negativa pelas
gerações mais velhas:
A imaginação popular distorcia a figura do existencialista: recusa às normas
estabelecidas, aparência descuidada, cabelos abundantes, amargura e desrespeito à
moral tradicional, entrega aos prazeres da vida. Considerava-se que se preocupavam
apenas em explorar o lado melancólico da existência humana, o desespero, e se
compraziam no tédio. „Existencialista‟ passou a designar as pessoas que se
desviavam do procedimento usual ou que infringiam as regras estabelecidas. Jovens com trajes em desalinho, displicentes, com barbas, com casacos de couro
preto, [...] bebiam e dançavam, ouvindo jazz.
41
Sartre passou a ser o responsável pelo suposto caráter permissivo, em particular dos
adolescentes atormentados da época. „A vida não tem sentido, Deus está morto, não
existe lei moral, o homem é uma paixão inútil‟. Ao falar dessa maneira, o filósofo
insuflava os jovens, os rebeldes e os descontentes. Na verdade, porém, Sartre não
traz solução para os adolescentes sem rumo. Mas em todo o mundo, e em particular
no continente americano, foi entendido como a voz da rebelião e da liberdade
(CARMO, 2000, p. 27, grifo do autor).
Sobre o estilo melancólico dos beats e existencialistas, vemos a análise de Wilson
(1985):
À medida que os beatniks exageravam os lábios pálidos, os cabelos lisos e as roupas
pretas e o tornavam uma espécie de uniforme de revolta, e que Mary Quant33
transformava na última moda. A utilização do preto pelos beatniks vinha das modas
existencialistas do pós-guerra, da margem esquerda de Paris, apesar de o preto ser a
muito tempo o sinal da revolta anti-burguesa. [...] A combinação das influências dos
dandies e dos românticos que transformava o preto numa afirmação estrondosa de
revolta (WILSON, 1985, p. 250, grifos do autor).
Em meados da década de 60 do século XX, cerca de dez anos após o auge do
movimento beat, surge outra vertente da contracultura que atingiu grande notoriedade: o
movimento hippie. Seguindo os princípios e valores vivenciados pelos beats, os hippies
tinham na paz, no amor, na fraternidade e na defesa da natureza os seus maiores ideais. Esses
jovens que lutavam contra as guerras e o consumismo estavam formando suas personalidades
em um mundo que vivia um clima de insegurança gerado pelos acontecimentos anteriores,
como a Segunda Guerra Mundial, a bomba nuclear de Hiroshima e Nagasaki e a Guerra Fria.
Esse grupo que tinha como seu maior lema a frase “Faça amor, não faça guerra” acreditava
que um movimento jovem em prol da paz e do amor era a forma ideal de ir contra o clima de
guerra em que viviam as grandes potências.
33
Uma das mais reconhecidas estilistas das décadas de 50 e 60, foi a responsável pela criação da minissaia e
envolvia-se com o movimento beat.
42
Figura 4 – Jovens hippies com cartaz dizendo “amor, não guerra”.
Fonte: (ROCHA E GELO, 2011).
Assim, com um clima de “paz e amor” e a filosofia do “flowerpower34
”, surge o
movimento hippie. Buscando influências em outras etnias e com um toque de androginia (em
função da moda unissex) e de uma imagem sexual mais agressiva, esse grupo traduz em sua
indumentária o seu estilo de vida despreocupado. “Os americanos de 1969 tinham feito a
cabeça, abraçado o amor livre e se virado contra a guerra do Vietnã” (RONDEAU;
RODRIGUES, 2008, p. 144). Pregando a vida em comunidade, a alimentação natural e o
amor livre, os hippies possuíam também uma forte relação com o misticismo, com interesses
em assuntos como astrologia, ocultismo, cabala, velhos cultos pagões e religiões orientais
(FONSECA, 2009, s.p.). Posicionavam-se como membros de uma revolução mais
comportamental do que social, “[...] por meio de suas roupas, adereços e consumo de drogas
associado à libertação da mente e à experimentação” (BORELLI et al, 2009, p. 386). Nesse
sentido, estampas psicodélicas, lentes coloridas nos óculos e manchados tie-dye35
34
Em uma tradução livre, “o poder das flores”. "Foi um slogan usado pelos hippies dos anos 60 até o começo
dos anos 70 como um símbolo da ideologia da não-violência e de repúdio à Guerra do Vietnã. O termo foi
utilizado pela primeira vez pelo poeta Allen Ginsberg em 1965. Desde então ele é freqüentemente utilizado para
se referir aos anos 60, inclusive em filmes, programas de TV e documentários, etc" (WIKIPEDIA, 2011, s.p.). 35
Tipo de estamparia.
43
simbolizavam tanto as influências místicas e religiosas de culturas do ocidente (RESENDE,
1992) quanto as “viagens36
” provocadas por drogas como LSD37
e mescalina.
De acordo com Resende (1992, p. 133), esses jovens, “[...] na sua postura mística ou
política, afastaram-se dos valores dominantes da sua classe social de origem e, desse modo,
do universo cultural parental”:
Para os hippies, cair fora dessa camisa-de-força ocidental significava ganhar um
outro lugar, fugindo então simultaneamente ao cerco do espaço físico, institucional e
lógico [...]. Para a opinião pública de classe média, são pessoas marginais, na sua
maioria viciada em drogas. Para eles próprios, aquela nova forma de vida
significava uma fuga da máquina e uma volta à natureza, vivendo do próprio
trabalho quase sempre manual. [...] e tanto o misticismo quanto a droga constituíam-
se numa forma de oposição ao racionalismo dominante nas sociedades tecnocráticas
(PEREIRA, 1983 apud TEIXEIRA, 2008, p. 11-12, grifo do autor).
Menos de uma década após esses jovens começarem a crescer, voltarem às cidades e
renderem-se ao sistema, surge aquele que pode ser considerado o último movimento
contracultural de nossa sociedade, com caráter político e social, e não apenas estético e de
consumo, como os grupos subculturais que vieram depois: o movimento punk. Embora tivesse
nascido como movimento musical em 1972, em Nova Iorque, a explosão do mesmo e o
surgimento da atitude punk foram acontecer alguns anos depois, na Europa, em meio ao
cenário sócio-político-cultural em que tal sociedade se encontrava.
Em meados da década de 70 a Inglaterra vivia um momento de estagnação
econômica, com o desemprego atingindo duramente a sociedade (CARMO, 2000). A
juventude da classe operária sentia que não havia perspectivas de futuro. Com isso, surgia um
novo movimento, que seria considerado “[...] um dos fenômenos sociais e culturais mais
controversos da história contemporânea” (VITECK, 2007, s.p.), mas ao mesmo tempo, um
dos mais marcantes:
Sentindo um clima de estagnação, sem emprego e sem nada para fazer, os jovens
vão em busca de atividades e diversão [...].
O ano da explosão punk foi em 1977, com sua fúria e desencanto. Jovens ingleses
lançaram seu grito de revolta e de inconformismo, na crítica à sociedade estagnada.
Viviam num país em recessão e vierem fazer coro à raiva, ao tédio e à frustração da
falta de perspectivas. Tudo isso contribuiu para o aparecimento de uma nova
corrente musical dentro do rock e de um estranho modo de se vestir, bastante
„anormal‟, mesmo depois dos excessos provocados pela cultura hippie. (CARMO,
2000, p. 124, grifos do autor)
36
Como os jovens da época se referiam às alucinações. 37
Ácido lisérgico, substância criada acidentalmente num laboratório suíço, em 1943, pelo químico suíço Albert
Hoffmann (WIKIPEDIA, 2011, s.p..).
44
Figura 5 – Cena do documentário “The Filth and the Fury”, descrevendo o caos completo da sociedade e a
falta de perspectiva da juventude.
Fonte: THE FILTH AND THE FURY, 2000.
O punk era, inclusive, também uma reação contra “[...] o otimismo florido e muitas
vezes alienado da geração „paz e amor‟ e seu sonho psicodélico” (CARMO, 2000, p. 124). Ao
passo que os hippies haviam surgido em meio à classe média que buscavam um retorno ao
campo, os punks “[...] eram jovens operários ou filhos de operários” haviam crescido nos
subúrbios (CARMO, 2000, p. 124). Tratava-se de uma juventude que, insatisfeita com o que
acontecia ao seu redor, foi em busca da mudança, “[...] lançando críticas e furiosos ataques
contra uma sociedade estagnada, atolada na apatia e viciada” (CARMO, 2000, p.127). Assim,
a cultura punk foi construída “a partir de um sentimento de indignação e desilusão” com os
rumos capitalistas que a sociedade estava tomando, bem como com sua lógica cultural, “[...]
suas sociabilidades e sensibilidades” (MORAES, 2008, p. 2). Em suma, o movimento era um
reflexo das condições em que a Inglaterra se encontrava naquele período:
Desemprego, crise das ideologias, autoritarismo, foram fatores importantes para
fomentar nos jovens uma descrença com relação ao futuro e aos padrões da
civilização. Inicialmente, houve a ruptura com a geração dos anos 60 e do
movimento hippie, disto resultaram atitudes isoladas de rebeldia contra o sistema,
mas sem uma ideologia que unificasse esses comportamentos como sendo de grupo.
(D‟ÁVILA, 2009, s.p.)
Essa situação pode ser facilmente compreendida no documentário “The Filth and The
Fury” (2000), que retrata a história da banda Sex Pistols e inicia-se apresentando o quadro
social da Londres da década de setenta do século XX, que contribuiu para a revolta
adolescente que seria o estopim do nascimento do movimento punk:
45
O partido trabalhista, que prometeu tanto depois da guerra não fez nada pela classe
operária. A classe operária estava confusa sobre o seu significado e não percebiam o
que significava a classe operária. Eram tempos frios e deprimentes. Não havia
trabalho. Estavam todos no buraco. Se não nascesses com dinheiro, podias te
despedir da boa vida porque não ias ser ninguém. O germe que deu origem ao Sex
Pistols nasceu daí. [...] A Inglaterra encontrava-se num estado de agitação social.
Eram tempos muito, muito diferentes. Era o caos social completo. Havia distúrbios
por todas as partes. Havia greves por qualquer coisa. As televisões emitiam dia sim,
dia não. As pessoas estavam fartas do velho sistema. O velho sistema não
funcionava. Na escola, no trabalho, em todas as partes: não tens nenhuma
oportunidade. Daí saem a luta social, o ódio e a guerra, o ódio racial. Quando te
sentes impotente, te agarras a qualquer classe de poder para manteres auto-estima
(THE FILTH AND THE FURY, 2000).
A partir disso, a identidade do grupo começa a se formar, estabelecida a partir da
música e da estética (D‟ÁVILA, 2009, s.p.). Seus cabelos cortados ao estilo “moicano” e seus
coturnos militares tinham “[...] simbolicamente o mesmo significado anárquico e desesperado
expresso nas letras de suas músicas” (CARMO, 2000, p. 125). A banda, que é tida como um
dos maiores marcos do movimento, foi formada por adolescentes da típica classe operária
londrina. “O grupo [...] tornou-se símbolo do movimento e o colocou em evidência nos meios
de comunicação”:
Suas letras expressavam a anarquia e insultavam a família real. Apesar de ser
proibida na BBC, a canção God Save the Queen atingiu o segundo lugar da parada
de sucessos britânica38
. Causou embaraços na realeza britânica devido à
proximidade dos festejos do jubileu (25 anos de reinado de Elizabeth II). A letra é
de arrasar. Inicia-se com um pedido, „Deus salve a rainha e seu regime fascista‟, e
termina com a afirmação „Não há futuro nos sonhos da Inglaterra‟39
. O som era um
soco de pura agressão.
Embora outros grupos surgidos no rastro dos Pistols tivessem até mais talento e
posições políticas mais articuladas (The Buzzcocks, The Clash), eram eles que
causavam mais polêmica e se tornaram centro das atenções. Sua música, seu
comportamento apocalíptico e suas opiniões causavam espanto e curiosidade.
Quanto Rotten urrava no microfone „No future‟, lançava mais uma pá de terra na
civilização ocidental como um todo (CARMO, 2000, p. 127, grifos do autor).
Com o tempo, o sucesso de bandas com Sex Pistols e Ramones levou uma série de
jovens a lançarem-se no estilo, dando a ele já um caráter de modismo. Mesmo com essa
ideologia que os precursores do movimento insistiam em manter viva, uma massificação do
mesmo foi inevitável. Da mesma forma que havíamos visto na década de 50, com o
rock‟n‟roll, o crescimento do movimento – incluindo a venda de discos, a adoção de um novo
estilo de vida e de vestir – levou o movimento a acabar, voluntaria ou involuntariamente, por
chegar de maneira rápida e impactante “à exposição pública em massa” (VITECK, 2007, p.
38
Há uma divergência nessa informação: o autor cita como tendo atingido o segundo lugar, mas o documentário
“The Filth and the Fury” (2000) indica como sendo o primeiro lugar. 39
Daí o lema do movimento “Não há futuro”.
46
53). No final da década, a “[...] atitude punk foi massificada depois de ter sido desvirtuada
pela mídia” (D‟ÁVILA, 2009, s.p.). Então, segundo Viteck: (2007, p. 53-54, grifos do autor)
[...] a „bandeira anarquista40
‟ levantada pelo movimento punk, não levou muito
tempo para também ser absorvida pela indústria cultural, que se apressou em
transformar as roupas e as atitudes punk em moda e os integrantes das principais
bandas, como o [The] Clash e os Sex Pistols, em estrelas do rock. Os mercados de
moda, de discos e a imprensa não demoraram a perceber que a rebeldia podia ser
colocada à venda. [...]
Depois de ensejar uma das mais radicais transformações na música popular, o
próprio punk foi transformado em argumento de consumo. O visual desleixado, as
roupas rasgadas e sujas usadas pelos primeiros punks ganharam a sua versão para
butiques luxuosas. Bandas recém formadas e que tinham feito apenas algumas
apresentações eram contratadas pelas gravadoras, ansiosas por descobrirem os
„novos‟ Sex Pistols.
Nem a perseguição da polícia nem as críticas da sociedade impediram que a
juventude em geral se rendesse ao movimento, massificando-o. Assim, todo o espírito
contestatório e a real ideologia do punk foram abafados e deixados de lado, enquanto que os
mercados cultural e de Moda adaptavam o estilo a bens de consumo. Viteck (2007, p.54)
explica que isso se faz possível porque “[...] há uma articulação hegemônica dos meios de
comunicação, paralelamente aos meios de produção, possibilitando um perfeito encadeamento
entre publicidade, mercado e, notadamente, noticiário, em função do que se estabelece a
conjunção e o ciclo de mercado”.
Figura 6 – Jovens “uniformizados”, massificando a imagem punk.
Fonte: THE FILTH AND THE FURY, 2000.
40
“O termo „bandeira anarquista‟ deve ser entendido como bagunça, rebeldia, confusão” (VITECK, 2007, p. 53).
47
Essa “absorção” do movimento pela indústria cultural, que “[...] transformou o punk
em algo palatável para as massas” incomodava os idealizadores do mesmo – “[...] pelo menos
aqueles que tinham um comprometimento maior com o movimento” (VITECK, 2007, p. 54,
grifo do autor) –, como podemos ver na declaração do baixista do Sex Pistols, Sid Vicious, no
documentário “The Filth and The Fury” (2000):
É uma pena que estes meninos ricos sejam punks. Parece-me repugnante, é como um
exército agora. Uma coisa fashion, chic. Eu não sou chic, nunca podia o ser. Os
punks estragaram, adotando uma imagem de atitude uniforme, quando na verdade
tudo se tratava apenas de “seres tu mesmo”. A imagem punk típica, que se converteu
num “postal punk”, com o moicano preto e apenas isso. Não era assim. Eu nunca
tive dinheiro pra comprar um casaco de couro que custava 50 libras, tratava-se de
fazer tu mesmo. Todos esses grupos ruins que dizem „somos um grupo punk‟
estragaram o movimento. Passou a ser um aceite, de volta ao sistema (THE FILTH
AND THE FURY, 2000, grifos nossos).
Essa massificação acabou por abalar “[...] as estruturas desses grupos que viram as
suas propostas serem esvaziadas do seu sentido original subversivo e entrarem no sistema das
mercadorias como mais um produto disponível ao consumo. Houve um refluxo dos grupos
punks e a mídia declarava a morte deles” (D‟ÁVILA, 2009, s.p.). Dessa forma, o movimento,
que inicialmente era justamente de aversão às massas, acabou se tornando de massa, em
função da exposição ao grande público pela mídia. (VITECK, 2007). “Virou moda, sua
música foi explorada pela indústria cultural e, quando isso aconteceu, de certa forma ele
perdeu uma de suas principais características que era o „anti-mainstream‟41
” (VITECK, p.
54).
Podemos ver no The Clash, uma das principais bandas da primeira geração punk
inglesa (1975-1979), um dos maiores exemplos do domínio dos mercados de massa sobre essa
contracultura. Sendo a banda dessa geração que mais tempo durou e maior estrelato atingiu, o
The Clash tanto ajudou a dar origem ao movimento quanto vivenciou a experiência de ser um
dos artistas de mais valor na indústria do entretenimento. O crítico Greil Marcus, citado por
Marcus, explica essa contradição:
O Clash se agarrou a idéias pré-concebidas, mas logo as transformou em suas
próprias idéias, e foi transformado por elas – ou pelo menos Joe Strummer42
. Nunca
ficou claro se ele queria ser uma estrela ou se queria que todo mundo o escutasse: na
tradição do rock à qual ele estava tão amarrado, a diferença entre uma coisa e outra
jamais esteve clara. Com uma grande corporação multinacional por trás deles, o
Clash realizou turnês pelos EUA, uma atrás da outra. Em 1982 eles finalmente
41
Anti-mainstream pode ser traduzido como contra a corrente, contra as “massas”. 42
Vocalista da banda.
48
entraram no top ten43
dos EUA: fizeram isso duas vezes, com Combat Rock na
parada dos álbuns e com a indelével Rock the Casbah na lista dos singles. A maioria
das pessoas assumiu que o Clash estava trabalhando só para isso, que as heresias do
punk londrino de 1976 eram meramente as roupas velhas de sonhos ruins, mas o
sucesso da banda parecia chocar Joe Strumer. Se o Clash havia conseguido emplacar
seus hits, se um grande número de pessoas estava finalmente contente em escutar o
que a banda tinha dizer, Strummer parecia haver decidido que isso significava que o
Clash não estava mais dizendo nada. (MARCUS, 2005 apud VITECK, 2007, p. 54,
grifos do autor)
Apesar de todas essas contradições, “[...] é inegável que o movimento punk balançou
as estruturas da música, da moda e até da política, com seus discursos anti-materialistas e suas
guitarras mal tocadas plugadas no volume máximo” (VITECK, 2007, p. 57-58):
Antes de se emaranharem com a fama e a fortuna, os Sex Pistols e o Clash, por
exemplo, romperam com o cotidiano da ordem estabelecida numa tentativa de expor
a natureza opressiva da sociedade.
Embora tenha sido transformado em produto de consumo pela indústria cultural e
tenha praticamente se esgotado como moda no final dos anos 70, o ideário do
movimento permaneceu (VITECK, 2007, p.57-58).
Com o fim do movimento punk, tem-se a impressão de que as ideologias, que o
contexto sócio-político, que a contestação também se findaram. Nas décadas de 70 e 80,
vivemos uma democratização da Moda e da indústria cultural, quando diferentes estilos
passavam a coexistir em um mesmo cenário. Como vemos no filme “24 Hours Party People”,
o contestatório movimento punk ainda acontecia quando o pós-punk44
começava a despontar,
tendo como origem não mais os problemas vividos pela sociedade, mas sim a angústia e
melancolia interna dos membros das bandas, como, por exemplo, Ian Curtis, líder da banda
Joy Division, que se suicidou antes mesmo de a banda iniciar sua primeira turnê. Por sua
melancolia e período de vigência, o pós-punk tem forte associação com o estilo gótico,
embora esse estilo tenha recebido também influências do punk, e continuado mesmo após o
final do pós-punk.
Após a morte de Ian Curtis, demais membros da banda formaram o New Order, que
possuía influências eletrônicas e uma sonoridade mais alegre e que, ao lado da banda Happy
Mondays, movimentou o famoso clube The Haçienda, em Manchester – que, durante alguns
anos das décadas de 80 e 90 foi conhecida como Madchester, em um trocadilho do nome da
cidade com a palavra mad, que significa “louco” e que nomeava o cenário musical local.
43
Classificação das dez músicas mais ouvidas no momento. 44
Nome dado à vertente menos comercial, mais alternativa e experimental da new wave, ocorrida entre o final
dos anos 70 e a primeira metade da década de 80 (WIKIPEDIA, 2011, s.p.).
49
Ainda nesse período, onde além do punk e do pós-punk, surgia a new wave, percebia-
se a mercantilização das culturas jovens:
Todo centro urbano tinha seus bolsões boêmios, onde os fiéis se vestiam de preto,
ouviam Grateful Dead ou punk (ou a mais digerível new wave) e compravam em
brechós e em sebos de discos. Se viviam fora dos centros urbanos, gravações e
acessórios do estilo de vida cool podiam ser encomendados por cupons em revistas
como a Maximum Rock‟n‟Roll, permutados através de redes de amigos ou
comprados nos shows (KLEIN, 2003, p. 91).
A autora afirma ainda que, embora essa possa parecer uma “[...] caricatura grosseira
das subculturas jovens que viveram sua ascensão e queda” (KLEIN, 2003, p. 91) nas décadas
de 70 e 80, o que está em questão nessa discussão é a forma com que os estilos juvenis
passavam a serem vistos como mercados. “Em parte isso se deveu ao fato de o punk dos anos
70 ter chegado ao auge na mesma época em que a discoteca e o heavy metal, infinitamente
mais vendáveis” (KLEIN, 2003, p. 91, grifos nossos).
Figura 7 – Cartaz do filme “Embalos de Sábado à Noite” (“Saturday Night Fever”, 1977), ícone da
“discoteca” ou “era disco”.
Fonte: PIANO AMBIENTE, 2011.
Ainda nos anos 80, mais movimentos de destacavam: a pop music45
de artistas com
estilo kitsch, como Madonna e Michael Jackson, além do rock mais comercial de bandas
45
Música pop.
50
como U2 que, apesar de algumas letras de protesto, possuía sonoridades mais digeríveis e
passíveis de serem tocadas nas grandes rádios.
Já a década de 90 teve a música marcada por experimentações e fusões de ritmos
diferentes. Algumas bandas de rock, como Red Hot Chili Peppers e Faith no More, fundiram
o heavy metal com o funk, criando o estilo que mantém até hoje. O britrock também
despontava, relembrando o sucesso dos Beatles na década de 60 e abrindo caminho para o
indie rock dos dias de hoje. Em Seattle, nos Estados Unidos, surgia o movimento que
possivelmente seria o de maior relevância na década: o grunge. O Nirvana, liderado por Kurt
Cobain, que assim como Ian Curtis, morreu precocemente, foi o principal ícone do estilo.
Iconizado pelas camisas de flanela xadrez, tênis All Star, jeans largos e cabelos compridos e
desarrumados, o grunge trouxe de volta à tona o estilo “sujo” e “transgressor” do rock,
trazendo, talvez, pela primeira vez o cenário que temos hoje, onde o mainstream e o
underground se mesclam em algumas produções.
Figura 8 – Tai Fraiser, personagem grunge do filme “Patricinhas de Beverly Hills” (“Clueless”, 1995).
Fonte: CONFESSIONS OF A GLAM-AHOLIC, 2011.
Analisando esse desenvolvimento dos grupos jovens ao longo do tempo, vemos que,
pelo menos até o surgimento do punk, todos seguem o mesmo ciclo: nascem influenciadas por
sua sociedade e acabam a influenciando; iniciam ou como forma de resistência ou com uma
matriz cultural, e acabam absorvidos pelo sistema: sua forma inicial transforma-se em uma
nova cultura e acaba por influenciar outros grupos e, por fim, é absorvida pela indústria
cultural e de bens de consumo, que a aplica a algo palatável para sociedade de massa. Assim,
51
quando a massa absorve essa nova cultura, inicia-se o processo de formação de uma nova
subcultura, que, como vimos nos grupos citados, costuma ir contra ao que vivenciava a
anterior. E ainda, no que se refere a estes grupos passados, mesmo com o seu suposto fim e
com a absorção de parte de suas características por uma sociedade de consumo, as marcas dos
mesmos foram deixadas. Nenhum deles se dissolveu sem deixar sua bandeira ideológica
cravada em sua sociedade.
Depois do punk, acreditamos que os estilos passaram a se formar e se desenvolver do
mesmo modo que vemos nos dias de hoje, influenciados por um sistema de mercado que se
consolidou em meio à sociedade pós-moderna. Discutirei a respeito nos próximos capítulos,
quando feitas as análises das juventudes dos dias de hoje.
52
3 ESTÉTICA JOVEM
As pesquisas jornalísticas, as pesquisas quantitativas,
as abordagens generalistas, as visões prescritivas não
conseguem dar [...] o multisentido das perspectivas
emitidas por aquelas que se definem “culturas juvenis”.
Elas desenham constelações móveis, desordenadas, de
faces múltiplas. Multicodes. Trata-se de fragmentos e
de fraturas cheias de significados líquidos [...].
(CANEVACCI, 2005, p. 7)
Ao folhearmos páginas de revistas, navegarmos pela internet ou observarmos vitrines
de lojas vemos uma vasta e crescente gama de produtos destinados ao público jovem. Ao
andarmos por shoppings, clubes, escolas ou universidades, vemos uma série de jovens,
geralmente distribuídos em pequenos agrupamentos. Todos tão iguais entre os seus, mas tão
diferentes dos demais.
Há não muito tempo – na década de 90 –, apenas um pequeno grupo de marcas com
um grande volume de produção, bem como uma ou outra publicação midiática faziam a
cabeça da grande maioria dos jovens (KLEIN, 2003), todos em busca de identificação com o
rosto que estampava a capa da revista mais lida ou a campanha da marca mais desejada.
Nos últimos anos, vivenciamos uma dinamização cultural dentre os jovens, onde não
mais um ou dois estilos predominam. Uma série de ícones teens, diferentes entre si, ilustram
uma série de grupos que não mais estão presentes nos guetos, pequenas galerias comerciais ou
zines46
independentes. Os “contraculturais” hippies dos anos 60, punks dos anos 70, góticos
dos anos 80 e grunges ou clubbers dos anos 90 abriram espaços a grupos mais híbridos,
intercambiáveis, fluídos. Vivemos um tempo em que emos47
, happy rockers48
, geeks49
, it
46
Corruptela de “fanzine” (fanatic magazine ou “revista dos fãs”) que são “[...] publicações alternativas e
independentes, feitas geralmente em folha de papel A4. Se utilizam de colagens, desenhos feitos à mão e de
muita criatividade para criar o formato desejado” (Gazeta Manauara, 2011, s/p). Eles “[...] são, desde os anos 60,
um meio de comunicação independente, feitos majoritariamente por „fãs‟ de determinadas subculturas, como
cinema de ficção científica, música punk, jornalismo independente, e qualquer outro tema que a imprensa oficial
não tratasse com profundidade” (MCD, 2011, s.p.). 47
O significado da expressão gera polêmica. O estilo musical surgiu nos Estados Unidos em meados da década
de 80, com bandas como Rites of Spring e Embrace (WIKIPEDIA, 2011). Hoje, muitas bandas que são
conhecidas por pertencerem ao estilo Emo seriam o que, na realidade, se chama Pop Punk. Discussões musicais
à parte, utilizaremos o termo pela significância que o mesmo recebe na mídia, se referindo a um estilo e
subcultura adolescente. "No Brasil, a „tribo urbana emo‟ se estabeleceu sob forte influência estadunidense [...] e
influenciou também uma moda de adolescentes caracterizada não somente pela música, mas também pelo
comportamento geralmente emotivo e tolerante, e pelo visual, que consiste em geral em trajes pretos, listrados,
Mad Rats (sapatos parecidos com All-Stars), cabelos coloridos e franjas caídas sobre os olhos” (WIKIPEDIA,
2011, s.p.). 48
De acordo com a Revista Veja (2010, online, s.p.), o Happy Rock chega como sendo “uma alternativa
ensolarada ao chororô” do estilo Emo, tirando de cena “[...] a indumentária escura, a maquiagem pesada e as
53
girls50
, estampam as páginas das revistas de maior tiragem e ganham coleções nos mix de
produtos das maiores redes de lojas. De acordo com Canevacci (2005, p. 15), houve uma
dissolução da idéia de cultura dominante, fazendo com que a “clássica dicotomia cultura
hegemônica/culturas subalternas” se exaurisse.
Figura 9 – Emos e Happy Rockers.
Fonte: Não ao preconceito contra emos, 2011 e Novidades Restart, 2011.
Podemos perceber que esse tipo de agrupamento, que na década de 1980 foi batizado
de “tribo urbana” pelo sociólogo Michel Maffesoli51
, e nos anos 2000 teve sua morte
declarada, ainda tem suas marcas na sociedade cultural e de consumo. Embora hoje mais
mutáveis, líquidas, voláteis e híbridas, essa forma de agrupamento ainda insere-se em meio
aos jovens, uma vez que em tal fase da vida há uma necessidade grande de identificação com
o próximo. A vontade de ter uma identidade “própria” ou “única” faz com que os jovens não
desejem serem todos iguais, mas o medo de estar isolado no mundo faz com que necessitem
que haja um grupo de semelhantes. Como afirma Lipovetsky (2009, p. 49): “[...] é preciso ser
como os outros e não e não inteiramente como eles, é preciso seguir a corrente e significar um
gosto particular”.
músicas lamurientas dos „emos‟, aqueles adolescentes que se divertem sentindo-se tristonhos”. No lugar disso,
afirma a Revista, entram as roupas de cores extravagantes e “[...] canções animadinhas sobre baladas, namoros e
shopping centers”. É composto por bandas como Restart, Hori e Cine. 49
De acordo com a Wikipedia, geek originalmente é “uma gíria que define pessoas peculiares ou excêntricas
obcecadas com tecnologia, eletrônica, jogos eletrônicos ou de tabuleiro e outros”. Quanto aos jovens, refere-se a
um estilo semelhante aos “nerds” colegiais, com óculos de armação grossa e roupas que lembram os uniformes
de colégios tradicionais, além de se interessarem por tecnologias e games. 50
It Girls são as garotas que, mesmo sem terem a intenção, ditam moda. São garotas modernas e com estilo
próprio, que não se prendem a tendências. Geralmente possuem uma vida agitada, viajam, circulam por locais e
estilos diferentes e costumam trabalhar em áreas ligadas à criatividade. Por serem assim tão "descoladas",
acabam inspirando outras garotas e, assim, lançando modismos. O termo foi usado pela primeira vez pelo
romancista Elinor Glyn para descrever a atriz Clara Bow, quando ela surgiu em 1927 no filme-mudo "It".
(ZERO HORA, 2009, s.p.) 51
De acordo com FREHSE, 2006.
54
A partir disso, esse desejo – ou necessidade – de pertença a determinado grupo ou
estilo de vida – e, com esta, o não pertencimento ao “comum” – implica no consumo de
determinados bens culturais que os identifique como tal – de roupas a programas de TV,
passando por revistas, música, filmes, bebidas e atividades de lazer. Assim, segundo Sarlo
(1997, p. 26), “[...] o mercado unifica, seleciona e, além disso, produz a ilusão da diferença
através dos sentidos extramercantis que abarcam os objetos adquiridos por meio do
intercâmbio mercantil”. E isso se dá porque estes objetos passaram a ter “[...] o poder de
outorgar-nos alguns sentidos” (SARLO, 1997, p. 28) e “[...] tornaram-se tão valiosos para a
construção de uma identidade, são tão centrais no discurso da fantasia, despejam tamanha
infâmia sobre quem não os possui, que parecem feitos da matéria resistente e inacessível dos
sonhos” (SARLO, 1997, p. 30). E esses sentidos que os bens nos conferem, nos dias de hoje,
costumam versar sobre a idéia de se ter uma identidade, mais do que o status de nível social,
como ocorria anteriormente. Identidades essas que não precisam ser fixas, imutáveis; podem
ser escolhidas, “compradas”, trocadas ou descartadas de acordo com a nossa satisfação. As
pessoas, hoje, “porque nada são, podem ser tudo” (BAUMAN, 1999, p. 65). Todos os papéis
sociais, todas as identidades, todas as máscaras estão à venda no mercado, nas prateleiras dos
produtos perecíveis. Como afirma Sarlo (1997), construiu-se uma cultura jovem que é
indissociável da consolidação de uma cultura do consumo e do efêmero.
Essa idéia de liquidez ou de hibridização dos jovens e de seus grupos ou identidades,
cunhada nos estudos de Bauman (2008) e Hall (2002), problematiza as mudanças vividas na
transição entre as sociedades moderna e pós-moderna. Enquanto o primeiro fala em uma
juventude – líquida – que coloca em xeque os elos que entrelaçam sua vida pessoal com
padrões coletivos – tais como padrões de comunicação e ações políticas de coletividade
humana –, o segundo nos fala em um colapso de identidades, onde o sujeito, que até então era
unificado, passa a ser fragmentado, em meio a novas identidades emergentes.
Essa crise de identidade analisada por Hall (2002) corrobora as discussões de
Canevacci (2005, p. 8) que acredita não fazer mais sentido agruparmos ou separarmos os
sujeitos de acordo com velhos padrões sociológicos ou antropológicos, que consistem em
“guetos conceituais contra a mudança dos paradigmas”. Quanto aos agrupamentos juvenis
supracitados, considero importante deixar claro desde já que, assim como Canevacci (2005, p.
8), que se recusa a elaborar ou seguir tipologias, modelos, patterns, “rótulos da planície e do
enquadramento” que “fixem” ou “uniformizem” algo que é “plural, fluido, intercambiante”,
também não é de meu interesse fazê-lo, “taxando” ou “rotulando” os jovens ou seus grupos
que já não são rotuláveis. Farei, em alguns momentos, o uso de expressões e categorizações
55
utilizadas por estes mesmos (tais como as utilizadas anteriormente – emos, happy rockers,
geeks, it girls), a fim apenas de explicitar o fato de que estou falando de grupos que, por ora,
são diferentes entre si. Não importando, no entanto, definir quem ou o quê são estes.
A idéia de pertencimento, de inclusão, seja no sentido de tribo, lifestyle, classe social
ou quaisquer outras classificações que possam existir ou vir a surgir em nossa sociedade pós-
moderna acabam por transformar o sujeito também em uma mercadoria a venda, como afirma
Bauman:
„Consumir‟, portanto, significa investir na afiliação social de si próprio, o que, numa
sociedade de consumidores, traduz-se em „vendabilidade‟: obter qualidades para as
quais já existe uma demanda de mercado, ou reciclar as que já se possui,
transformando-as em mercadorias para as quais a demanda pode continuar sendo
criada (BAUMAN, 2008, p. 75).
Em suma, o autor acredita que a forma com que adornamo-nos, o carro que
dirigimos, as atividades de lazer ou veículos de comunicação que escolhemos servem para
aumentar o nosso próprio valor de mercado, a fim de que os demais indivíduos “nos
comprem” como membros de seu círculo social, de uma determinada tribo, como
funcionários, ou qualquer outra das possíveis “[...] relações contratuais que tecem a rede de
relacionamentos chamada „sociedade de consumidores‟ e que nelas são tecidas” (BAUMAN,
2008, p. 76).
A Moda, não apenas como vestuário ou forma de adorno, mas como uma “[...] esfera
de construção de identidades e estilos de vida” (CRANE, 2006, p. 11), tem grande
participação nesse ciclo social-mercadológico de compra de bens e “venda” de indivíduos. Os
artigos de Moda, enquanto artefatos, “„criam‟ comportamentos por sua capacidade de impor
identidades sociais e permitir que as pessoas afirmem identidades sociais latentes” (CRANE,
2006), tornando a mesma um fértil campo de estudo de interpretação de culturas
transformadas em consumo. Assim, as questões de consumo e de efêmero que vemos
indissociáveis das questões de juventude (SARLO, 1997) acabam por constituir algo que
poderia ser traduzido pela expressão “[...] diz-me o que consome que te direi quem és”
(SCHMIDT, 2006, p. 32). Ou seja, é o consumo determinando uma forma de viver ou
pertencer. Porque, de acordo com Bauman (2001, p. 98, grifos do autor), a dependência das
compras, nos dias de hoje, “[...] é a condição sine quan non de toda liberdade individual;
acima de tudo da liberdade de ser diferente, de „ter identidade‟”.
Da mesma forma que percebemos tais mudanças quanto a agrupamentos e
sentimentos de pertença dos jovens, visualizamos também em nosso tempo um
56
prolongamento da juventude, uma dilatação da “idéia de jovem”, onde cada vez mais se torna
nebulosa a delimitação de seu início ou término; a categoria “estende-se em tempo”, “[...] as
tradicionais faixas etárias se abrem” (CANEVACCI, 2005, p. 20-21). A delimitação clara e
fixa de juventude, “determinada pelas regras sociais objetivas ou lingüísticas (teen...ager52
)”
(CANEVACCI, 2005, p. 30, grifos do autor), desmoronou. Essa categoria que anteriormente
era utilizada para definir uma fase de transição, a passagem para a vida adulta, uma tentativa
de homogeneizar um processo que na verdade é fluido, foi pré-aposentada. “Reduzir a idade a
um ciclo. O jovem a taxa demográfica. A natureza a novo epílogo. Esta filosofia adulta
explodiu” (CANEVACCI, 2005, p. 29, grifos do autor).
Schmidt (2006, p. 99) acredita que possivelmente um dos fatores mais marcantes da
juventude líquida seja justamente esse “[...] enfraquecimento dos laços que ligam a idéia de
juventude à idade, a uma etapa de vida determinada, passível de ser definida
cronologicamente”. Ao mesmo tempo em que o acesso ao mundo fora do lar e certas
liberdades chegam cada vez mais cedo, trazendo comportamentos tipicamente jovens para
aqueles que ainda estão na infância, as responsabilidades são adiadas cada vez mais, com um
aumento nos anos de estudo e um adiamento nos desejos de constituir família. Assim, um
acesso precoce aos privilégios da juventude, somado a uma extensão da vida escolar, com a
crescente do estudo universitário, somado de pós-graduações, além da perda de interesse ou
adiamento do casamento e uma maior permanência na casa dos pais podem ser tidos como
alguns dos fenômenos conectados a essa dilatação da juventude.
Outrossim, existe uma pressão social para que nos mantenhamos sempre jovens. Ou
seja, além do prolongamento da juventude propriamente dita, cada vez mais somos
convocados a termos um comportamento jovem, independente da idade cronológica, mesmo
que já tenhamos passado do período que por ora se consegue convencionar como “juventude”.
Uma série de marcas e produções midiáticas nos apresentam produtos, fórmulas e receitas que
chegam até nós em forma de fonte da juventude, numa tentativa de convencer a cada um de
nós que a idade de comportamento mais lucrativo para o mercado e de temperamento mais
suscetível aos apelos do marketing deva durar para sempre. Dessa forma, Canevacci (2005, p.
28) afirma que “os jovens são intermináveis”:
Cada jovem, ou melhor, cada indivíduo pode perceber sua própria condição de
jovem como não-terminada e inclusive como não-terminável. Por isso, assiste-se a
um conjunto de atitudes que caracterizam de modo absolutamente único nossa era:
as dilatações juvenis. O dilatar-se da autopercepção enquanto jovem sem limites de
52
Como explicado em nota de rodapé no capítulo anterior, mas retomamos devido ao conceito, teenager é um
termo em inglês que significa adolescente. Em uma tradução literal, “idade do teen”, que englobaria a faixa dos
13 aos 19 anos, em função dos numerais terminados em “teen” (thirteen, fourteen, nineteen).
57
idade definidos e objetivos dissolve as barreiras tradicionais, tanto sociológicas
quanto biológicas. Morrem as faixas etárias, morre o trabalho, morre o corpo
natural, desmorona a demografia, multiplicam-se as identidades móveis e nômades.
E nasce a antropologia da juventude (CANEVACCI, 2005, p. 28-29, grifo do autor).
Percebemos que, nos dias de hoje, já na infância não se deseja mais vestir-se como,
de fato, crianças. Espelhadas nos irmãos mais velhos, nos apresentadores adolescentes dos
canais infantis, nos ídolos musicais ou de filmes, vemos crianças maquiadas, usando sapatos
com salto alto e roupas que trazem as mesmas informações de moda vistas nas coleções
jovens/adultas. Da mesma forma que a juventude é incentivada a começar mais cedo, espera-
se que ela não acabe ou prolongue-se o máximo possível. Adultos são incentivados por
campanhas publicitárias a terem espírito jovem e produtos são vendidos como fonte da
juventude:
Sonham-se objetos que transformarão nossos corpos, e este é o sonho mais feliz e
aterrorizante. O desejo, não tendo encontrado um só objeto que o satisfaça nem ao
menos transitoriamente, encontrou na construção de objetos a partir do próprio
corpo o non plus ultra onde se reúnem dois mitos: beleza e juventude (SARLO,
1997, p. 31, grifos da autora).
Cirurgias plásticas e cosméticos prometem a juventude eterna, revistas femininas
mostram dicas de moda, maquiagem e atitudes para que as mulheres “se mantenham jovens”.
Para os homens, carros esporte, bebidas e cigarros destinados a um público que certamente já
está longe da adolescência apresentam campanhas publicitárias relacionadas a um espírito
rebelde e aventureiro que, geralmente, seriam associados aos mais jovens. Estampas de
personagens que relembre sua infância, toy arts53
, alimentos e bebidas com embalagens
lúdicas e coloridas e games para computador são vendidos para desde aqueles que mal estão
saindo da dita adolescência até os mais velhos que desejarem ter um “espírito jovem”.
Piercings e tatuagens, anteriormente vistos como clássicos ícones da rebeldia juvenil agora
adornam corpos de pais e mães de família e grandes empresários. Desse modo, Sarlo (1997, p.
36) afirma que a juventude não mais consiste em uma idade, mas sim uma “[...] estética da
vida cotidiana”.
Um bom exemplo desse processo a ser analisado é o das marcas Moleca, de calçados
femininos, e Molekinha, de calçados infantis. Recentemente as duas, pertencentes a uma
mesma empresa, lançaram a coleção e campanha “Tal mãe, tal filha”. As duas marcas
53
Em uma tradução literal, “brinquedo de arte”. É um brinquedo feito para não brincar, dirigido para pessoas
com idade acima de 14 anos – especialmente adultos – e com o intuito de colecionismo e/ou decoração.
(WIKIPEDIA, 2011, online, s.p.)
58
apresentaram uma coleção com os mesmos modelos, vendidos tanto na numeração infantil
quanto na adulta. No release da coleção apresentado na mídia, é dito que a coleção, além de
ser destinada a crianças que querem estar na moda, é destinada também a “mulheres que
adoram ter uma criança alegre e cheia de energia dentro de si”, o que torna a mesma um
exemplo tanto da tentativa de tornar as crianças já jovens, quanto de manter as mulheres
adultas ainda jovens.
Como dito anteriormente, tão comercializada e incentivada quanto a “juventude
eterna”, são as “identidades juvenis”. Uma série de estilos quase meramente estéticos, que
muitas vezes trazem em si elementos advindos de movimentos contra ou subculturais, são
vendidos aos jovens como se trouxessem em si toda a atitude e a ideologia vividas pelas suas
influenciadoras, as tribos de décadas passadas:
A expansão tardia do rock na cultura juvenil menos rebelde acompanha a reciclagem
de mitos românticos, satânicos, excêntricos. Como estilo, o mercado recorre a ele,
saqueia seus pais fundadores, subtrai o que neles havia de música pop. [...] hoje,
tudo pode ser remetido ao rock, na medida em que este se tornou um filão da cultura
moderna, e com o desaparecimento de seus aspectos subversivos após a morte de
seus heróis ou na emergência de discursos mais piedosos (ecologistas, naturistas,
espiritualistas, new age) adotados pelos remanescentes.
Convertido em estilo (o que também aconteceu com as vanguardas históricas), todas
as variantes da cultura juvenil o citam (SARLO, 1997, p. 35, grifos da autora).
O que ocorre, então, é uma mercantilização de algo que, em dado momento, podia ser
tido como anti-mercado. Enquanto que, nas décadas de 70 e 80, os jovens customizavam suas
próprias roupas (FILTH AND FURY, 2000) e compravam em brechós e sebos de discos
(KLEIN, 2003), hoje ícones de revolta estão expostos venda nos grandes magazines, nas
passarelas das principais semanas de moda e nas lojas virtuais, disponíveis para jovens de
todos os lugares e de quase todas as classes sociais. Dessa forma, Klein afirma que, há poucas
décadas:
[...] não havia máquina de mercado: não havia internet, nem feiras itinerantes da
cultura alternativa como o Lollapalooza ou o Lilith Fair, e certamente não havia
catálogos elegantes como o Delia e o Airshop, que agora vendem por reembolso
body glitter, calças de plástico e o estilo cidade grande como pizzas para a garotada
que mora nos subúrbios. As indústrias que impulsionaram o consumismo ocidental
ainda estavam abastecendo os cidadãos da Nação Woodstock, agora
metamorfoseados em yuppies viciados em consumo. A maioria de seus filhos
também podia ser considerada yuppies em treinamento, portanto não valia o esforço
acompanhar as tendências e gostos da juventude criadora de estilo (KLEIN, 2003, p.
91).
59
Assim, com a idéia de contracultura transformada em produto de consumo, uma
trancinha usada na testa e um vestido floral podem remeter à ideologia hippie de paz e amor à
natureza, mas serem produzidos em países de terceiro mundo co trabalho escravo e processos
altamente poluentes; um jeans rasgado e uma camiseta dos Sex Pistols podem trazer em si o
estigma da revolta punk contra o sistema, mas carregarem a marca de grandes grifes:
Se o rock, como os hippies, encontrou no traje uma marca de excepcionalidade, a
idéia do traje como diferenciação entre tribos culturais se desenvolve em todas as
suas peripécias. Os traços de estilo aparecem e desaparecem; voltam as jaquetas
pretas por uma temporada, as luzes e as sombras do punk podem ser o ponto alto da
maquiagem, as feridas dos skinheads são recicladas pela tatuagem, o couro toma o
lugar do jeans, o jeans toma o lugar do couro, topetes com gel ou nucas raspadas,
garotos que no fundo são um tanto racistas vestem coletes tipo Bob Marley. O traje
sobressai com o esplendor de sua estrepitosa obsolescência e sua arbitrariedade
soberana (SARLO, 1997, p. 36, grifo da autora).
Todavia, diferente de quando essas tribos nasceram na sociedade, o mercado hoje
não nos exige que optemos por uma identidade apenas, tampouco que ela seja contínua ou
imutável, pois estas não se apresentam mais como “[...] unitárias, igualitárias, compactas”
(CANEVACCI, 2005, p. 18). Podemos misturar elementos diversos, ou escolher a ocasião
que se adapta melhor a cada estilo, sem maiores preocupações com sentidos ou significados,
criando uma nova forma de identidade:
[...] uma identidade móvel, fluida, que incorporou os muitos fragmentos que – no
espaço temporário de suas relações possíveis com o seu eu ou com o outro – se
„veste‟ ou se „traveste‟ de acordo com as circunstâncias (CANEVACCI, 2005, p.
33).
Dessa forma, elimina-se “[...] todo o resíduo conceitual de subcultura e
contracultura”, propondo-se “um cenário múltiplo” de “culturas intermináveis”
(CANEVACCI, 2005, p. 9). Sarlo (1997) descreve o look noturno de jovens, que se adornam
em uma mistura de símbolos e elementos advindos de diferentes “temporalidades e origens” –
retrô punk, retrô romântico, retrô cabaré, retrô folk, femme fatale, prostituta de Almodóvar,
etc. –, como se fosse uma fantasia, não simplesmente uma produção de moda adaptada à sua
idade ou à sua classe social54
.
54
“Essa garota pintou o rosto e distribuiu sobre o corpo uma série de signos que já não significam o que outrora
significavam [...]. Essa garota escolheu uma máscara para usar de madrugada; não é uma versão do traje de festa
da sua mãe, nem o resultado da negociação entre um vestido de princesa e as possibilidades econômicas da
família. Ela não se veste adaptando uma moda alheia aos gostos da adolescência, como se vestiam as garotas dos
anos 50, quando iam tomar chá na boate, na tentativa de serem as reproduções Kitsch de suas mães ou das
mulheres do cinema” (SARLO, 1997, p.32-22, grifo da autora).
60
Contudo, essas referências utilizadas como uma espécie de bricollage não são
escolhidas no intuito de mostrar referência ou preocupação com os estilos a que os elementos
referem-se. Ao contrário: a autora afirma que a garota despreza a origem dos estilos que
mescla em seu corpo. Como se fosse um traje de carnaval; o uso, por exemplo, de uma
fantasia de bailarina russa não indicaria traje folclórico tampouco nacionalidade russa
(SARLO, 1997). O que distingue, o que formularia a suposta identidade da jovem seria não o
significado dos elementos que ela combina, mas sim “[...] a sintaxe com que eles se
articulam” (SARLO, 1997, p. 37): trata-se do hibridismo identitário ou estético dos jovens
que Canevacci (2005) chama de patchwork girl e mosaic man. Dessa forma, o mix de
elementos que, para muitos, pode parecer algo inconsciente e ausente de sentido, “[...] um
amontoado de códigos de massa sem significado” (CANEVACCI, 2005, p. 33), para muitos
jovens – especialmente aqueles que vão além dos kits identitários oferecidos prontos no
mercado – esse conglomerado de códigos por vezes aparentemente contraditórios se mesclam
de forma a serem compreendida apenas pelos seus, os membros dos mesmos grupos,
tornando-se
[...] um conjunto pleno de sentido para seu idealizador e portador [...] Lá onde o
olhar adulto só vê uniformidade, para os olhares intermináveis do jovem dilatam-se
diferenças vitais, pequenas minúcias apaixonantes, identidades micrológicas
(CANEVACCI, 2005, p. 33).
Porque, como afirma Schmidt (2006, p. 112), hoje “[...] já não é mais tão simples a
identificação de tribos, em função das inúmeras nuances e variações que ora constituem esses
grupos culturais”. No entanto, todas essas “possibilidades” que o mercado nos oferece – e nos
induz a escolher – nos trazem uma ilusão de escolha, uma falsa liberdade:
Somos livres. Cada vez seremos mais livres para projetar nossos corpos. Hoje a
cirurgia plástica, amanhã a genética, tornam ou tornaram reais todos os sonhos. E
quem sonha esses sonhos? A cultura sonha, somos sonhados por ícones da cultura.
Somos livremente sonhados pelas capas de revistas, pelos cartazes, pela
publicidade, pela moda: cada um de nós encontra um fio que promete conduzir a
algo profundamente pessoal, nessa trama tecida com desejos absolutamente comuns.
A instabilidade da sociedade moderna se compensa no lar dos sonhos, onde com
retalhos de todos os lados conseguimos operar a „linguagem da nossa identidade
social‟. A cultura nos sonha como uma colcha de retalhos, uma colagem de peças,
um conjunto nunca terminado de todo, no qual se pode reconhecer o ano em que
cada componente foi forjado, sua procedência, o original que procura imitar
(SARLO, 1997, p. 25, grifos nosso).
Da mesma forma, Klein (2003, p. 89) define a identidade de gerações como um “bem
pré-embalado”, em uma sociedade que toda a busca de identidade é basicamente moldada
61
pelo marketing. Ou pela mídia, “[...] que nos acolhe, nos conforta e nos capta para a
construção do nosso modo de ser”, nos ensinando “quem somos nós ou quem são os outros,
ou ainda como são aqueles aos quais desejamos ser iguais ou diferentes” (SCHMIDT, 2006,
p. 19). Ou seja, as opções disponíveis aos jovens são aquelas que as páginas das revistas – ou
outras formas de mídia – oferecem (FIGUEIRA, 2004 apud SCHMIDT, 2006). Esses fatos
consistem na tradução de “[...] uma tendência mundial de consumir e, ao mesmo tempo, expor
o seu estilo pessoal, ou a „ilusão da diferença‟” (SCHMIDT, 2006, p. 70). A autora afirma
ainda que, nos tempos atuais, percebe-se uma “[...] busca ávida de um modelo a ser seguido”,
de algo a ser imitado, de um conselho que aplique-se à sua situação (SCHMIDT, 2006, p.
102).
62
4 A MODA EM REVISTA
Os estilos juvenis se espalharam pelo mundo e, como já
era de se esperar, o mercado das revistas foi
significativamente ampliado para atender à demanda
jovem que surge no País. Essas revistas apresentam
uma linguagem que se aproxima do videoclipe (com as
imagens predominando sobre o texto) (SCHMIDT,
2006, p. 7).
4.1 “IGUAL A VOCÊ: DIFERENTE”55
Poderia afirmar que a juventude sempre esteve associada com movimentos de
resistência e rebeldia, especialmente após transformações ocorridas em meados do século XX
e o desenvolvimento dos conceitos de contracultura, como vimos no segundo capítulo. Nos
dias de hoje, essa imagem do jovem está se somando – e, talvez, sendo substituída – por uma
imagem de efemeridade, liquidez, inconstância. Vemos nas publicações midiáticas uma série
de apelos que convidam o jovem a expressar sua rebeldia ou viver sua identidade por meio do
consumo de uma série de produtos associados à cultura jovem, produtos estes que se
apresentam na forma de perecíveis, necessitando brevemente serem substituídos. Como
afirma Schmidt (2006), o consumo configura-se como uma forma de mostrar ao mundo quem
se é.
Foi a partir destas reflexões sobre o universo jovem que optei pela análise da Revista
Capricho para o desenvolvimento desta pesquisa. Direcionada para o público jovem, a
Revista costuma veicular temáticas que dizem respeito às identidades juvenis. Como veremos
ao longo deste capítulo, os editoriais, anúncios publicitários, conteúdo jornalístico e
informativo em geral e uma série de chamadas veiculadas na revista associam a juventude
com identidades, estilo e pertencimento. Talvez, num primeiro olhar, estes temas possam
remeter aos grupos contraculturais discutidos no segundo capítulo. Porém, se olharmos com
mais atenção percebemos que essas promessas de identidade e rebeldia estão
permanentemente sintonizadas com as práticas de consumo.
Além disso, por essa revista buscar informar o leitor, bem como mostrar a ele
exemplos de jovens bem sucedidos ou pessoas que servem – ou devem passar a servir – de
modelo e inspiração, torna-se um território fértil para a compreensão da realidade da
55
Slogan da Revista.
63
juventude contemporânea. Nesse sentido, Santos (2006), afirma que a revista Capricho
reproduz “um modelo ideal” aspirado pela maioria das adolescentes, o que a torna um
material de grande relevância para investigar o universo jovem feminino. As publicações
jovens tornam-se, assim, “[...] produções que investem sobre as aspirações deste grupo, que
definem o que pode e „deve‟ ser desejado, sonhado, consumido pelas novas gerações”
(SCHMIDT, 2006, p. 16). De acordo com a autora, isso ocorre porque “[...] a „cultura da
mídia‟ nos acolhe, nos conforta e nos capta para a construção do nosso modo de ser”, o que
causa “[...] efeitos na produção de subjetividades e identidades sociais. Ou seja, aprendemos
na mídia quem somos nós e quem são os outros, ou ainda, como são aqueles aos quais
desejamos ser iguais ou diferentes” (SCHMIDT, 2006, p. 19).
Veiculada quinzenalmente, a Capricho consiste em uma publicação voltada para o
público adolescente feminino que se dedica a tratar do universo de seu público-alvo em geral:
moda, beleza, entretenimento, comportamento, relacionamento, consumo e cultura pop.
Lançada em 1952, é a segunda revista mais antiga em circulação no país (LIRA, 2009).
Embora mesma tenha de fato sido direcionada para o público adolescente apenas no final da
década de 80 (ZANOTTO, 2005) e, no seu lançamento, fosse oficialmente dedicada a jovens
mulheres casadas de até 30 anos, seu público já era majoritariamente composto por mulheres
solteiras por volta de 18 anos (LIRA, 2009). Lira afirma ainda que, em função disso, alguns
pesquisadores a consideram a precursora da mídia feminina voltada para adolescentes no país,
enquanto outros ponderam entre as revistas Pop (publicada em 1972) e Carícia (publicada em
1975). Há ainda o estudo de Bronstein (2008 apud LIRA, 2009) que afirma que poderia se
considerar a primeira publicação destinada às jovens a revista Álbum das Meninas, de 1898,
que era distribuída gratuitamente nas escolas públicas femininas de São Paulo, o que, segundo
a autora, nos faz crer que “[...] além de entretenimento, a revista era também uma das
ferramentas pedagógicas para a formação das jovens da época” (BRONSTEIN, 2008, p. 05
apud LIRA, 2009, p. 52).
Quando lançada, em junho de 1952, a Revista tinha uma periodicidade quinzenal,
formato pequeno, contendo apenas fotonovelas e histórias de amor em quadrinhos. Em
novembro do mesmo ano, em uma decisão de seu idealizador, o fundador da Editora Abril,
Victor Civita (ZANOTTO, 2005), a revista aumenta o seu formato, ganha periodicidade
mensal e inclui em seu conteúdo tópicos como moda, beleza, comportamento, contos e
novidades (CAPRICHO, 2011), abrindo espaço para assuntos já semelhantes às que vemos
hoje: técnicas de conquista, namoro e virgindade (MIGUEL, 2005).
64
Figura 10 – Fotonovelas publicadas no início da Revista.
Fonte: JUST LIA, 2011.
O sucesso da revista, que no ano de 1956 teve o recorde de maior tiragem de revista
na América Latina, se deve muito à larga divulgação realizada no início da revista, feita “[...]
em jornais, rádio e outras revistas em todo país, além de cartas personalizadas endereçadas a
famílias, com a apresentação da revista” (LIRA, 2009, p. 56):
[...] rica leitura para o lar, presente magnífico para a mãe, para a esposa e para a
filha. [...] É que Capricho é a revista ideal para a mulher. Primorosamente impressa,
apresenta em cada número uma fotonovela completa, contos românticos, conselhos
de beleza e modas, além de uma enorme variedade de temas de grande interesse
feminino (HABERT, 1974, p. 34 apud LIRA, 2009, p. 56).
65
Figura 11 – Revista Capricho de 1956, ano em que foi recorde de tiragem na América Latina.
Fonte: EMULE, 2011.
A publicação possuía inicialmente, além da fotonovela, “[...] algumas páginas sobre
moda, contos, notas curiosas, às vezes, culinária e consultório sentimental” (LIRA, 2009, p.
56). Ainda assim, era considerada predominantemente uma revista de fotonovelas, e a mais
bem-sucedida do país. O gênero narrativo fotográfico “que apresentava uma mocinha sempre
sofredora e passiva” entrou em declínio na década de 70, “[...] quando a participação ativa das
leitoras revelou seu descontentamento com a ingenuidade romântica do enredo e sinalizou
uma nova visão das mulheres de classe média sobre si mesmas” (LIRA, 2009, p. 67). Ainda
assim, de acordo com dados extraídos do site oficial da revista, as fotonovelas ainda foram
publicadas até 1982.
66
Figura 12 – Revista Capricho de 1967 apresentava, além das fotonovelas, dicas de Moda e beleza,
culinária, cultura e contos românticos.
Fonte: ARTEFATOS 2010, 2011.
Embora continuasse publicando fotonovelas56
, Castro (1994 apud VISCARDI, 2007)
afirma que a partir do final da década de 60 a revista já se mostrava mais liberal, “[...]
discutindo temas como separação e independência feminina sem preconceito” (VISCARDI,
2007, p. 67). Na década de 70, sofre efeitos da censura e sua capa passa a indicar que a leitura
é recomendada apenas para maiores de 16 anos, inicialmente, e logo após, para 18. Diante de
todas essas transformações, a revista termina a década de 70 e entra na década de 80 “[...]
numa crise de identidade, que interfere em sua periodicidade57
e no editorial, testando várias
fórmulas para se comunicar com a jovem e a adolescente” (VISCARDI, 2007, p. 68). Nesse
momento, a “Revista da mulher moderna”, que depois havia se tornado “A maior revista
56
As fotonovelas fizeram parte do conteúdo da revista até maio de 1982, quando passaram a compor um encarte
externo. Em agosto do mesmo ano, elas deixam de ser publicadas em definitivo (CAPRICHO, 2011, s.p.). 57
De junho novembro de 1952, a revista era quinzenal, passando, então a ser mensal. Em 1970, volta a ser
quinzenal e, nesse momento, passa a ser mensal novamente. Por fim, em 1996, volta a ser quinzenal
(CAPRICHO, 2011, s.p.).
67
feminina da América do Sul”58
, passa a ser “A revista da gatinha”59
, dando prioridade a
assuntos como moda, beleza e comportamento.
Já em 1989 a revista deixa de utilizar na capa o slogan “A revista da gatinha” e
ganha uma “[...] função de „aconselhamento‟ disfarçado e despretensioso, falando de sexo,
autoconfiança, saúde, relacionamento, auto-conhecimento” (VISCARDI, 2003, p. 68). É
nesse momento que o foco da Capricho passa a ser de fato definido como as adolescentes.
A revista, que havia sido lançada para mulheres de até 30 anos, vivenciou uma
constante decrescente na idade do seu público-alvo. Segundo o site da revista, em maio de
1982 o seu público consistia em jovens de 15 a 29 anos. Três anos depois, esse foco já estava
em 15 a 22 anos. E nesse momento, então, de 12 a 19 anos. Em 1997, mais uma vez uma
redução no foco de idade: 12 a 16 anos. Em 1999, porém, uma mudança na direção da revista
faz com que haja uma ampliação do público-alvo: a revista passa a posicionar-se como
voltada para “[...] meninas que estão vivendo a adolescência, independente da idade”
(CAPRICHO, 2011, s.p.), indo de encontro às idéias de pesquisadores como Canevacci
(2005), Schmidt (2006) e Ronsini (2007) que falam sobre um prolongamento e um
esmaecimento nas fronteiras etárias da juventude.
Atualmente, a revista conta com cerca de um milhão de leitores. O perfil dos leitores
indica que 59% está na faixa entre 10 e 19 anos, sendo 88% mulheres. Cerca de 16%
pertencem à classe A, 42% à classe B e 31% à classe C. A maioria (59%) desses leitores
reside nas regiões sudeste (59%) e sul (22%). Ainda que seja apontada como a publicação
líder no segmento voltado para adolescentes das classes A e B, a revista vem apresentando
uma queda razoável de vendas (VISCARDI, 2007).
Seu conteúdo trata em geral temas como moda e beleza, relacionamentos,
celebridades e o universo adolescente em geral, com suas dúvidas, curiosidades, desejos e
inquietações. Também costuma trazer dicas de produtos, serviços, viagens e cultura – música,
cinema, literatura, programação cultural –, influenciando a vida da garota em diversos
aspectos. Deste modo, a revista afirma-se “[...] para seus parceiros publicitários como revista
de comportamento, assumidamente pretensa a opinar sobre as escolhas das jovens”
(VISCARDI, 2007, p. 66):
Foco total nas adolescentes que se interessam por tudo que é novo. Líder absoluta no
seu segmento, CAPRICHO é sua linha direta com a garota que está definindo sua
58
Possivelmente em função da marca atingida em 1956: 500.000 exemplares por edição, a maior tiragem de uma
revista na América Latina, até então, de acordo com o site da revista. 59
Histórico de slogans da revista.
68
personalidade e também construindo seu perfil de comportamento e consumo.
CAPRICHO fala de menino, amigos, família, escola, ídolos. Traz serviços, compras,
programas, dicas do que ouvir, ler, lugares pra ir, enfim, tudo que ela procura para
fazer suas escolha, inclusive produtos e serviços que possam ajudá-la nessa fase da
sua vida (CAPRICHO, 2007 apud VISCARDI, 2007, p. 66, grifos nossos).
O interesse por tudo que é novo, o suporte para que ela faça suas escolhas e o uso de
produtos que a ajudem vão plenamente de encontro às idéias de Bauman (2008):
[...] satisfazendo cada necessidade/desejo/vontade de maneira que eles [os produtos
de consumo] só podem dar origem a necessidades/desejos/vontades ainda mais
novos. O que começa como um esforço para satisfazer uma necessidade deve se
transformar em compulsão ou vício. E assim ocorre, desde que o impulso para
buscar soluções de problemas e alívio para as dores e ansiedades nas lojas, e apenas
nelas, continue sendo um aspecto do comportamento não apenas destinado, mas
encorajado com avidez, a se condensar num hábito ou estratégia sem alternativa
aparente (BAUMAN, 2008, p. 64, grifos nossos).
Partindo da noção de produtos que a ajudem, dentre outras coisas, a fazer suas
escolhas, estão, além das inúmeras matérias com indicações de produtos de moda, beleza,
decoração, etc., as diversas campanhas publicitárias veiculadas na revista, além dos produtos
licenciados. Com uma média de 100 páginas, a revista costuma dedicar cerca de 30% destas
para anúncios publicitários, embora esse percentual possa variar. Assim como em outras
revistas analisadas na etapa inicial deste trabalho, percebemos uma crescente significativa no
volume de comerciais do mês de março para o mês de abril. Considerando o alto percentual
de campanhas que consistem em marcas ou lojas de Moda, acreditamos que essa crescente
ocorre em função do período em que produtos de novas coleções (no caso, as de Inverno)
chegam às lojas. Os anunciantes, por vezes, investem em campanhas especialmente voltadas à
revista, chegando a inserirem-se em seu layout por saberem que as chances de conquistar a
consumidora são grandes. As leitoras levam o que está nas páginas da revista para sua vida,
pois, como afirma Lira (2009), as publicações voltadas para o público feminino juvenil são
“legitimadoras de modelos de comportamento”, sendo:
[...] ao mesmo tempo bens que participam dos rituais de feminilidade adolescente e
instâncias consagradoras de outros bens que fazem ou farão parte do mundo social
deste público. Percebemos que as revistas apresentam referências para a formação
do padrão de gosto da adolescente que se expressam nas diversas relações de
consumo de bens que, nessa perspectiva, tornam-se acessórios rituais que dão
sentido à vida da menina em sociedade. Nestes referenciais estão presentes certos
modelos de feminilidade anunciados por vedetes da mídia e por jovens com mesmo
perfil das leitoras, que dão sentido ao mundo social adolescente. (BRONSTEIN,
2008, p. 45 apud LIRA, 2009, p. 52-53, grifos nossos).
69
Em busca de uma maior interação com o público, a revista oferece conteúdos online
em seu site60
, newsletters aos assinantes (ZANOTTO, 2005), conteúdos enviados para o
celular, papéis de parede e emoticons para download no site, perfis nas principais redes
sociais, campanhas de conscientização como a “Diga não a Bullying” e a “Deixe o mundo
mais Pink”, com pequenas ações sociais e ecológicas, blogs de celebridades, reality show de
moda a fim de escolher o novo estagiário da área para a revista, uma seção na revista com
fotos das leitoras em temáticas diferentes a cada edição, o prêmio Capricho Awards que
escolhe as celebridades de destaque em uma série de categorias, além do evento No Capricho,
com três dias de atrações musicais, de moda e promoções.
4.2 CONSUMINDO A IDENTIDADE
Além disso, uma série de produtos levam a marca Capricho. Lingeries, cadernos e
agendas, maquiagens e perfumes, pacotes de viagem para a Disney, camisetas, ovo de páscoa
com relógio de brinde, bolsas, dentre outros. “O fato é que hoje, mais do que revista, Capricho
tornou-se também uma grife, com produtos anunciados na revista e comercializados no
próprio site, além de lojas” (VISCARDI, 2007, p. 69). Todos esses produtos e eventos que
mobilizam alguns milhares de garotas mostram que, ao longo desses anos, a Capricho passou
a ser não apenas uma influenciadora do estilo dessas garotas, mas sim, muitas vezes, o próprio
estilo. O nome Capricho deixou de referir-se apenas a um veículo de comunicação para se
tornar uma marca e, como afirma Klein (2003, p. 47), a marca “[...] não é um produto, mas
um meio de vida, uma atitude, um conjunto de valores, uma expressão, um conceito”.
A autora fala ainda sobre o quanto, cada vez mais, as marcas, os veículos de
comunicação e a cultura estão sendo mesclados por jogadas de marketing. Marcas de Moda
patrocinam atletas, refrigerantes realizam a revitalização de parques, provedores de internet
têm seu próprio festival de rock, cantoras têm suas próprias bonecas, personagens de seriado
lançam linhas de roupa, modelos lançam coleções de joias, estilistas assinam linhas de
eletrodomésticos, atores da novela saem em capas de caderno. Estão todos no mesmo
negócio: fazer o marketing de sua marca (KLEIN, 2003).
60
Que se fazem necessários para apreender a atenção de uma geração que nasceu em meio à uma “[...] era do
virtual, do apelo incessante de imagens em movimento, das múltiplas sonoridades, do tempo fragmentado, do
zapping, das tecnologias sofisticadas de informação e de comunicação” (SCHMIDT, 2006, p. 39, grifo da
autora).
70
O anúncio dos perfumes pertencentes à linha de cosméticos Sweet Rock, uma
parceria da Capricho com a marca de cosméticos O Boticário, veiculado na edição 1120, é um
exemplo que une a questão da venda do estilo da revista com a questão da venda das
identidades juvenis que temos como foco central do trabalho. Trata-se de dois perfumes, o
Sweet e o Rock, que podem ser usados juntos ou separados. A chamada “Por que ser apenas
Sweet ou Rock se você pode ser Sweet Rock?” nos remete às idéias de identidades múltiplas
de Canevacci (2005), vistas no capítulo anterior, onde não mais precisamos escolher apenas
uma ou outra identidade. Já nos é permitido misturar elementos de uma série delas ao nosso
gosto, ou ainda transitar pelas que bem entendermos, inclusive escolhendo a que melhor cabe
a cada momento.
O anúncio por trás da chamada traz uma foto de duas garotas segurando um
microfone antigo, ambas com um look61
que mistura elementos de um estilo rock com um
estilo delicado (sweet). O layout da página, assim como o das embalagens dos produtos,
mistura rosa Pink e preto, e traz elementos como guitarras, cupcakes62
e caveiras com
“lacinhos”.
Figura 13 – O anúncio da linha de cosméticos “Sweet Rock”.
Fonte: Elaborado pela autora, 2011.
Já na edição 1122, um informe publicitário em formato de encarte especial de moda e
estilo leva o nome da linha. Cada metade das páginas leva um dos temas, – Sweet e Rock –
trazendo uma capa específica, além de dicas de moda, maquiagem, atitude e ainda testes para
a garota saber se ela se enquadra no estilo em questão. A mesma modelo figura todas as fotos,
61
Nome que se dá à composição total de estilo: a roupa, os acessórios, a maquiagem, o penteado e assim por
diante. 62
Tipo de doce delicado e decorado que está na moda no momento.
71
afirmando a idéia de que uma mesma garota pode ser Sweet, Rock ou ainda Sweet Rock.
Também veiculadas no encarte, entrevistas com garotos entre 15 e 16 anos perguntando se
eles gostam de meninas “fofas” (sweet) e meninas “roqueiras” (rock). Coincidentemente, os
meninos afirmam que gostam de meninas fofas, “mas que não exagerem na meiguice” e de
meninas rockers, “desde que não deixem de ser delicada”. Em suma, meninas sweet com um
toque de rock, ou meninas rock com um toque de sweet.
É interessante também destacar que, aqui, mais uma vez a mídia associa a construção
da identidade jovem com a orientação do mercado uma vez que o encarte ensina a menina a
ter um determinado estilo. Ou seja, a publicação assume um status pedagógico, forjando
identidades, quando diz ou ensina para o jovem quem ele é ou como dever ser o “o verdadeiro
jovem” de acordo com as variações ou tendências mercadológicas que são “transitórias”.
Nesse sentido, Bauman (1999, p. 290) afirma que “[...] a diversidade prospera e o mercado
prospera com ela. Mais precisamente, só se permite prosperar a diversidade que beneficia o
mercado”.
Essa proposta de informe publicitário em formato de conteúdo da revista parece ter
se tornado um lugar comum em publicações midiáticas voltadas ao público juvenil. Para essas
revistas que costumam ter uma identidade visual bastante específica, as marcas acabam
produzindo peças publicitárias específicas, com uma programação visual que se mescle em
meio ao conteúdo editorial. Como tanto as revistas quanto as campanhas publicitárias tentam
falar a linguagem do jovem, mostrar produtos, serviços ou idéias junto aos benefícios trazidos
por estes, os jovens acabam, muitas vezes, por nem perceber a mudança da matéria para a
publicidade e vice-versa:
O que todos [os veículos de comunicação destinados aos jovens] parecem
compartilhar em seus projetos gráficos e editorias é uma fusão entre espaço
jornalístico e espaço publicitário quando „os anúncios e matérias se confundem, não
casualmente, mas por opções de marketing planejadas. No caso das revistas jovens,
a moda se orienta claramente pelo que poderíamos chamar de uma estética e um
mercado pós-modernos‟ (MIRA, 2001, p. 179 apud SCHMIDT, 2006, p. 69, grifo da
autora).
Ainda sobre a campanha da linha Sweet Rock (que, além dos perfumes, traz
maquiagens, cosméticos para cabelo e acessórios), o slogan da mesma também remete a
questão da “ilusão das escolhas”, trazida por Sarlo (1997): “Igual a você: diferente”
novamente. Com as três (Rock, Sweet ou ambos, Sweet Rock) opções, a leitora-consumidora
se sente livre para ser quem quiser quando, no entanto, ela está sendo convocada a ser algo e,
72
mais do que isso, a ser alguma das opções disponíveis. É o que Bauman coloca como “[...]
compromisso (o de escolher) como sendo a liberdade de escolha” (2008, p. 97, grifo nosso):
[...] já que não apenas um, mas „meia dúzia‟ de visuais está em oferta no momento,
você de fato está livre (meso que – esta advertência é muito necessária! – o espectro
de ofertas atuais estabeleça um limite intransponível em torno de suas escolhas).
Você pode escolher o seu visual. Escolher em si – optar por algum visual – não é a
questão, uma vez que é isso que você deve fazer, só podendo desistir ou evitar fazê-
lo sob risco de exclusão. Você também não é livre para influenciar o conjunto de
opções disponível para escolha: não há outras alternativas possíveis, pois todas as
possibilidades realistas e aconselháveis já foram pré-selecionadas, pré-certificadas e
prescritas (BAUMAN, 1998, p. 110).
Da mesma forma, também na edição 1120, temos a cantora Katy Perry na capa, com
a chamada principal anunciando a matéria que ensina a copiar “[...] as unhas luxo, os vestidos
sexy, os acessórios divertidos [...], o melhor do estilo da it girl63
”. Na matéria, um teste
formado por seis perguntas objetivas pergunta “Qual Katy Perry é você?”. Mais uma vez,
opções de garotas são expostas como que numa vitrine, para que a leitora decida, então, qual
ela vai ser. Desta forma,
[...] as opções disponibilizadas às meninas são aquelas que as páginas da Revista
direcionam para a escolha tanto das atividades física a serem feitas, como dos
alimentos a serem consumidos ou evitados, das formas de controlar o peso, das
comparações às tabelas através com as quais vai se identificar e dos modelos que
inspiram a construção do seu corpo (SCHMIDT, 2006, p. 57).
63
Termo que, como explicado na página. 63, foi criado para designar garotas lançadoras de tendência – mas que,
acreditamos, vem sendo utilizado para se referir a garotas que apenas e simplesmente copiam todas as últimas
tendências. O que na década de 90 habituou-se a chamar de fashion victims (vítimas da moda).
73
Figura 14 – O teste apresentado pela Revista mostra quais Katy Perrys a leitora pode vir a ser.
Fonte: REVISTA CAPRICHO, Número 1120.
Assim, a ilusão das escolhas se faz presente em uma suposta construção de estilo
pessoal que nada mais faz do que propor opções prontas a serem escolhidas. É como se a idéia
fast food de lanchonetes como o McDonalds, onde se pede um combo pronto pré-selecionado,
se transpusesse para a moda e as questões de identidade – como na lanchonete, até é possível
se escolher a própria combinação, mas as opções não estão facilmente à vista, exige-se um
maior esforço de escolha, leva mais tempo até o “pedido” ficar pronto e sai mais caro; dessa
forma, a maioria das pessoas acaba optando pelas combinações pré-escolhidas. Como afirma
Bauman (2008, p. 110, grifo do autor),
[...] já que não apenas um, mas „meia dúzia‟ de visuais está em oferta no momento,
você de fato está livre (mesmo que – esta advertência é muito necessária! – o
espectro de ofertas atuais estabeleça um limite intransponível em torno de suas
escolhas). Você pode escolher o seu visual. Escolher em si – optar por algum visual
– não é a questão, uma vez que é isso que você deve fazer, só podendo desistir ou
evitar fazê-lo sob risco de exclusão. Você também não é livre para influenciar o
conjunto de opções disponível para escolha: não há outras alternativas possíveis,
pois todas as possibilidades realistas e aconselháveis já foram pré-selecionadas, pré-
certificadas e prescritas.
74
Essas “combinações” e “opções” não se limitam apenas às questões de estilo pessoal
e de vida das garotas. Seus gostos, preferências e escolhas dentro da indústria cultural também
fazem parte desses “combos”, não podendo aquilo que a garota ouve ou lê ser dissociado
daquilo que a garota veste. O apelo da Capricho para a questão musical pode ser percebida
desde as suas capas: todas as seis edições analisadas retratavam algum artista musical na capa.
Com isto, a revista convoca para a compra não apenas garotas interessadas em dicas de
maquiagem ou conquista – assuntos constantes nas revistas femininas jovens –, mas também
possíveis fãs daqueles artistas – que, embora se presuma que sejam meninas jovens, ainda
assim podem pertencer a outro gênero ou faixa etária (que dificilmente efetuariam a compra
se a chamada de capa tratasse, por exemplo, da primeira menstruação ou da perda da
virgindade).
Para afirmar a “cara” eclética e diversificada da revista, a Capricho criou um grupo
de garotas que servem como uma espécie de “embaixadoras” da publicação, a Galera
Capricho. Essa Galera, que muda anualmente, se envolve no conteúdo editorial e nos eventos
e ações da marca, conferindo uma imagem “real” e jovem às páginas da Revista. Sendo
formado por jovens de diferentes estilos, biótipos e localidades, esse grupo de garotas
participa de eventos e ações da marca, testa produtos para dar o seu parecer nas páginas da
Revista, além de dar opiniões “reais” e “jovens” sobre assuntos diversos, como
relacionamentos, escolha vocacional e amizades.
Na edição n. 1119, sobre um plano de fundo que mescla ilustrações que remetem a
diversos estilos, tais como All Stars (ícone rock), flores, cupcakes, laços uma embalagem de
perfume que, embora leve o nome Capricho, remete ao Chanel nº 564
, a revista convida:
“Quem quer ser da Galera Capricho? A hora é agora. Você pode fazer parte do grupo de
garotas mais legais do universo”. E continua, afirmando os benefícios de pertencer ao grupo
de colaboradores da revista: “Não é um sonho! Começaram as inscrições para a nova Galera
Capricho! Quer ter acesso exclusivo ao universo da sua revista favorita, cheio de baladas,
famosos e várias novas bffs65
? As garotas da Galera testam produtinhos, participam dos
editoriais de moda e beleza, sabem o que está rolando na CH antes de todo mundo e ajudam
a revista a ser cada vez mais legal.”. A revista convoca as jovens leitoras para a realização de
seus sonhos. É interessante observar que a partir das lições da publicação evidenciamos que
estes sonhos estão programados, direcionando as garotas para os seus “livres” desejos. Como
64
Um dos perfumes mais clássicos do mundo da Moda. 65
Abreviação usada pelas adolescentes que significa “Best Friends Forever” ou, em uma tradução literal,
“melhores amigas para sempre”.
75
afirma Sarlo (1997), nós “somos livremente sonhados pelas capas de revistas, pelos cartazes,
pela publicidade, pela moda”. Assim, estes sonhos que a revista expõe podem não ser o de
todas as garotas adolescentes do mundo, mas são ou passam a ser o sonho ou o desejo da
maior parte das garotas adolescentes brasileiras que transitam pelo “universo Capricho”.
Em uma constante busca pela interação – ou pela sensação de interação –, a revista
constantemente insere perguntas em meio a legendas de fotos ou chamadas rápidas, criando
uma pretensa intimidade com as leitoras. É o que Klein (2003, p. 101, grifo nosso) afirma que
as grandes marcas e corporações convencionaram-se a fazer em busca da conquista do público
jovem: “fingir que ele está no controle”. Cabe lembrar que esse estilo de texto, onde o redator
“dialoga” com o leitor, é algo muito utilizado no meio digital, em especial nos blogs, já que
estes permitem de fato que quem lê tenha uma interação e pronta resposta ao texto.
Possivelmente por este ser um mundo onde os jovens transitam com muita freqüência,
transpor a sua linguagem66
para a revista traz um grande nível de identificação por parte dos
jovens. Na seção Cliques, por exemplo, a revista traz perguntas na legenda de seis das oito
fotos:
Em Paris, a diva potteriana Emma Watson grava comercial para a Lancôme. Coisa
de gente linda, sabe?
Justin Bieber agarra a réplica de cera que fizeram para ele em Londres. Não parece o
irmão mais novo?
Katy Perry foi aos desfiles da semana de moda em Paris com um perucão azul
gigante. Quem acha fashion?
Tá pensando que estrelas internacionais não fazem compras no supermercado?
Taylor Swift é gente como a gente!
Você reconheceria que esta coisa maluca nas ruas de Los Angeles é o Ashton
Kutcher? Hahaha!
Avril Lavigne e o namorado, Broddy Jenner, saem de uma balada juntos. Tem casal
mais cool?
66
Fato que vai ao encontro da idéia de Cultura da Convergência, um contexto onde “[...] as velhas e as novas
mídias colidem, onde mídia corporativa e mídia alternativa se cruzam, onde o poder de mídia e o poder do
consumidor interagem de maneiras imprevisíveis” (JENKINS, 2009, p. 29). A idéia se faz muito presente na
Capricho, se repararmos na quantidade de blogs e ações online que a Revista realiza, buscando uma maior
interação com o seu público.
76
Além colocar em pauta alguns famosos/celebridades, presumindo que todos os
leitores os conheçam e sem oferecer informações sobre quem são estas pessoas, a revista
utiliza linguagens específicas e coloquiais do universo jovem, que exigem um conhecimento
do mundo adolescente para serem compreendidas. Trocadilhos com nomes de bandas e
celebridades também costumam ser utilizados. A chamada “30 seconds to Brazil67
”, por
exemplo, comunica que a banda 30 Seconds to Mars está a caminho do país. Outro recurso de
linguagem que a revista utiliza são as expressões de internet em momentos que elas encaixam
perfeitamente. Por exemplo, uma nota que avisa que a cantora Demi Lovato voltou a utilizar
ao Twitter é encerrada com a hashtag68
#WelcomeBackDemi69
, da mesma forma com que se
encerram os twits70
publicados na rede social em questão.
Emoticons71
e onomatopéias também são utilizados no meio do texto normalmente,
como se o texto da revista fosse um e-mail que uma garota escreve para uma amiga. No
subtítulo da nota “Volta do Panic!”, lê-se: “Quem estava com saudades do Panic! At the
Disco72
? \o/” vemos este emoticon (\o/) que sugere comemoração: ele significa uma pessoa
erguendo os braços para cima. Já na matéria de capa, sobre a história do namoro de “Mari ♥
Di”, um parágrafo que fala sobre o término do relacionamento do casal é encerrado com a
hashtag #lágrimas, simulando tristeza pela situação. Ainda na mesma matéria, uma nota
conta que o videoclipe de uma música que fala sobre um final de relacionamento foi dirigido
pelo baixista da banda, Gee. Após informar que a decisão de Gee dirigir o clipe se deu ao fato
de o músico já ter passado pelo mesmo “drama” que a música conta, a nota encerra com um
“Own”, uma onomatopéia que lembra um miado, utilizada pelas garotas para comentar algo
que elas acham “fofo”.
Outro recurso de interação e que simula intimidade entre as leitoras e a revista é a
constante participação de garotas que, embora sejam minunciosamente selecionadas ou
indicadas, dão a impressão de serem apenas uma leitora como qualquer outra. Além da
“Galera Capricho”, constantemente garotas que são ou pelo menos geram identificação com
as leitoras aparecem dando os seus depoimentos ou até posando para as matérias da revista.
67
Em uma tradução literal, “30 segundos até o Brasil”, em um trocadilho com o nome da banda, que significa
“30 segundos até Marte”. 68
Hashtags são palavras-chave antecedidas pelo símbolo "#", que designam o assunto ou complementam a
postagem (WIKIPEDIA, 2011, s.p.). 69
Em uma tradução literal, “Seja bem vinda de volta, Demi”. 70
Nome que se dá às publicações feitas na rede social Twitter. 71
Palavra derivada da junção dos termos em inglês emotion (emoção) + icon (ícone), designa uma seqüência de
caracteres tipográficos que traduz ou quer transmitir o estado psicológico/emotivo de quem os emprega,
(WIKIPEDIA, 2011, s.p.) tais como :) (um sorriso), :‟( (chorando), :* (um beijo), etc. São utilizados para
dinamizar as conversas online, e-mails e afins. 72
Banda de rock.
77
Um exemplo disso é a seção Peça da Vez, onde leitoras de diferentes biótipos ou estilos
aparecem vestindo uma mesma peça de roupa ou tendência, mostrando como adequar o
modismo para todas. Outro exemplo é a matéria “Disney e Orlando para espertas”, onde
garotas com idades próximas às das leitoras da revista dão os seus depoimentos e dicas
pessoais sobre a viagem. Embora algumas trabalhem ou tenham trabalhado em agências de
turismo, guias de viagens ou até sejam repórteres, a proximidade da idade traz essa ilusória
sensação de proximidade, como se a dica viesse de uma amiga ou da irmã mais velha.
Essa presença de garotas “reais” nas páginas da revista é também uma forma de
embasar as campanhas em favor da auto-estima que a revista promove, como a campanha “Eu
♥ meu corpo”, que aparece na capa da edição n. 1120 e continua nas matérias de Moda,
Beleza e Comportamento ao longo da edição. Essas garotas, embora talvez não sejam tão
“comuns” quanto as leitoras, ainda se aproximam mais da realidade destas do que as
celebridades que estampam as capas e povoam os sonhos destas jovens.
Em meio a matérias com garotas que sofreram bullying, a um espaço fixo na revista
destinada ao tema73
, a dicas para parar de julgar os outros pela aparência74
e a relatos de
garotas que sofrem em função de sua aparência75
, a revista tem buscado provar que os padrões
de beleza impostos pelas revistas e expostos pelas celebridades não são a única opção para ser
feliz. Embora fique claro que a Revista, assim como a mídia em geral, imponha uma série de
padrões hegemônicos de beleza, sonhos e desejos para estas garotas, ela posiciona-se tentando
“libertar” as leitoras desses próprios padrões. Ou seja, coloca em discussão questões que
geraram, nas últimas décadas, um aumento de problemas como distúrbios alimentares76
, além
de cirurgias plásticas entre menores de dezoito anos77
, em meio a uma obsessão com padrões
estéticos. Sarlo (2000) narra uma conversa de uma garota de quinze anos que tentava
convencer o pai a lhe pagar uma cirurgia plástica. Em meio à longa conversa, após o pai
alegar questões referentes aos custos de se fazer uma cirurgia plástica, a garota afirma os
custos de NÃO fazê-la: “Mais caro ainda vai ser se ninguém quiser olhar pra mim, se não
tirarem fotos minhas na praia, se eu não puder sair em capa de revista... Isso é que vai sair
caro, os gastos com terapia, e sem que eu possa arranjar qualquer trabalho quando crescer”
(SARLO, 2000, p. 23-24).
73
A seção “Diga não ao bullying”, que surge apoiada pelo projeto Educar para Crescer, da Editora Abril. 74
Como, por exemplo, as do teste “Você julga os outros pela aparência?”, na edição n. 1119. 75
Como, por exemplo, a matéria “Quero ser magra”, na seção “Terapia” da edição n. 1113. 76
Ver: PSIQWEB, 2011. 77
Ver: PARANÁ ONLINE, 2011.
78
Nesse sentido, a matéria de capa da edição n. 1116 traz a cantora de dezoito anos
Demi Lovato, que acabara de sair de uma clínica de reabilitação, onde curava distúrbios
alimentares. A cantora, que na canção La La Land diz “Eu não sou uma supermodelo e ainda
como no McDonald‟s. Essa sou eu” (CAPRICHO, n. 1116, p. 22), sucumbiu ao meio em que
vive. A celebridade afirma que acabou cedendo à pressão que ela mesma sempre criticou, de
estar “sempre magra e sorrindo”. Na mesma edição, a editora da Revista, Tatiana Schibuola,
conta na seção “Oi da Editora” que, quando ela era leitora da Capricho, não existiam
celebridades nas capas das revistas: as modelos é que eram as celebridades do momento. E
eram também as modelos quem as garotas gostariam de ser. Tatiana afirma ainda que, hoje
em dia, ser modelo já não é mais “o desejo número 1 das meninas”:
Agora, a gente vive outro tempo. Uma garota tem mil formas de se destacar:
fotógrafa, blogueira78
, tuiteira79
, crítica de moda. E tudo isso sem precisar ficar longe
da escola, dos pais, enfrentar horas de trabalho, manter medidas quase intangíveis e
ouvir uma porção de nãos em castings que podem levar horas (CAPRICHO, n.
1116, p. 4, grifo do autor).
Assim, garotas que se parecem com qualquer adolescente leitora da Capricho
estampam as capas das revistas e ganham o posto de ícones de estilo e beleza e exemplos de
vida para as adolescentes. Embora suas vidas representem sonhos difíceis de serem atingidos,
o fato de não medirem mais de 1,80 metro e pesarem menos de 50 kilos, como as top models,
representa uma significante mudança nos padrões corporais ditados pela mídia jovem. Desta
forma, apesar de MariMoon80
, Manu Gavassi81
ou Mariana Rios, ícones de perfeição para as
garotas, não serem iguais à maioria das adolescentes brasileiras, tentar se parecer com elas,
que possuem padrões corporais mais próximos do “real” do que as modelos, representa uma
realidade mais próxima de ser atingida do que tentar se parecer com as top models como
Gisele Bündchen e Adriana Ambrósio.
78
Blogueiro é aquele que escreve para ou possui um blog. 79
Tuiteiro é aquele que escreve para ou possui um Twitter. 80
VJ da MTV e colunista da Capricho. 81
Cantora.
79
5 FOLHEANDO AS REVISTAS
[...] a função da [...] mídia caracteriza-se como
adestramento ao papel, como pedagogia que reproduz e
atualiza essa cultura transformada em ideologia
(CANEVACCI, 2005, p. 15).
Conforme já anunciado na metodologia, foram organizadas três categorias a partir do
material previamente analisado. Essas categorias, identificadas em uma análise dos conteúdos
das revistas a partir dos autores estudados, serviram para classificar os conteúdos que mais
pareceram relevantes dentro de alguns focos de conteúdo. A primeira categoria, “As
Identidades estão nas páginas da Revista”, envolve temas que abordam questões identitárias,
a opção de se ser isto ou aquilo, a idéia de pertencimento a um grupo ou outro, tomando como
foco norteador os estudos de Bauman (2005) e Schmidt (2006). Já a categoria “Identidades
múltiplas” engloba as idéias de que, nos tempos atuais, não precisamos mais escolher um
único eu – você pode ter duas, três ou quantas identidades quiser – ou puder – , como refletem
Canevacci (2005) e Bauman (2008). Por fim, a categoria “A moda é ser „diferente‟” está
sintonizada com os estudos de Bauman (2008) e Sarlo (2000), quando tratam de tendências
massivas que se disfarçam de originalidade, dando aos jovens a ilusão de que eles são o que
querem, enquanto estes se enquadram em padrões pré-definidos. É a noção de combos que
tratamos no capítulo anterior.
Em meio a esse emaranhado de chamadas jornalísticas ou publicitárias que
convocam o jovem a “ter uma identidade”, a ser diferente, a não se ser só mais um, a se
reinventar, temos a impressão de estarmos vendo diante de nossos olhos os ideais jovens
renascendo a todo momento, quando na realidade tudo o que há é uma constante convocação
para que o jovem ocupe o seu espaço através dessas “identidades pré-embaladas”. A
juventude sempre foi associada a movimentos de resistência, ao "mudar o mundo", ao “não se
conformar”, e em um olhar rápido sobre o universo juvenil podemos ter sensação de que nada
mudou. As revistas e as peças publicitárias prometem a revolução, assim como os
movimentos contraculturais vistos nas décadas de 50, 60 e 70, que discutimos no capítulo 2.
Porém, num segundo um olhar podemos observar que todas essas promessas
incentivam de alguma forma o consumo. As identidades de sub ou contracultura que antes
nasciam em função de movimentos sociológicos ou culturais, hoje se fundamentam em
produtos de consumo e em desejos construídos pelo mercado ou pela mídia. Para você ter
80
determinada identidade, você precisa vestir tal marca. Para ser diferente, consumir tal
produto. Para ter atitude, freqüentar tal local. Para não se conformar, viajar para tal país. Para
ser livre, dirigir tal carro. Para ser independente, ter conta mesada em tal banco. Para não ser
só mais um, estudar em tal universidade. Para não ser comum, mudar o cabelo em tal salão.
“As identidades, dizem, quebraram. Em seu lugar não ficou o vazio, mas o mercado. [...] as
pessoas que não têm como realizar suas transações ali ficam, por assim dizer, fora do mundo”
(SARLO, 1997, p. 26).
Embora tanto se fale que vivemos em um “outro tempo”, que a juventude tem
“cabeça aberta”, é “descolada”, que somos “livres para escolher”, o que vemos são “fórmula
prontas”, kits identitários sendo oferecidos das mais diferentes formas. Embora “tudo tenha
mudado”, o que ainda se percebe são, muitas vezes, dicas semelhantes às direcionadas para as
donas de casa vistas nas revistas da década de 50, bem como as classificações em este ou
aquele tipo de pessoa, vistas no mesmo período:
As jovens eram separadas em dois tipos: as moças de família, que impunham
respeito social, futuras rainhas do lar que conservavam sua inocência sexual,
mantendo-se virgens como garantia de honra até o casamento; as moças levianas,
que, desviando-se do bom caminho, permitiam certas intimidades físicas com os
rapazes e, conseqüentemente, ficavam mal-faladas. O cinema, principalmente o
francês, era considerado pernicioso para a conduta da jovem. As revistas alertavam
que os rapazes podiam até namorar moças levianas, mas não queriam casar-se com
elas. [...]
As garotas mais ousadas começavam a usar calça comprida e a aceitar „carona‟ na
garupa de lambretas ou, ainda, a namorar na intimidade reclusa dos automóveis,
com o risco de manchar sua reputação se fossem vistas em situação de intimidade
com um homem ou se saíssem com muitos rapazes (CARMO, 2000, p. 21-22, grifos
nossos).
Assim, acredito que, nos dias de hoje, poderíamos arriscar dizer que existe uma
identidade central da juventude que está associada ao consumo:
[...] quando nem a religião, nem as ideologias, nem a política, nem os velhos laços
comunitários, nem as relações modernas da sociedade podem oferecer uma base de
identificação ou um fundamento suficiente para os valores, ali está o mercado, um
espaço universal e livre, que nos dá algo para substituir os deuses desaparecidos. Os
objetos são os nossos ícones, quando os outros ícones, que representavam alguma
divindade, demonstram sua impotência simbólica; são os nossos ícones porque podem
criar uma comunidade imaginária (a dos consumidores, cujo livro sagrado é o
advertising, e cujo ritual é o shopping spree, e cujo tempo é o shopping, sendo a
moda seu código civil) (SARLO, 1997, p. 28, grifo da autora).
As ideologias, a personalidade, as escolhas, os eus foram privatizados. Vendemos o
nosso poder de decisão, o “seja você mesmo”, o “não se conforme” e todo o legado deixado
81
pelas gerações antepassadas como matéria-prima a preço de banana para um mercado que os
manufaturou e nos oferece de volta, como mercadorias, a preços altíssimos. E cá estamos nós,
pagando para sermos nós mesmos: comprando revistas que nos dizem quem devemos ser,
vestindo roupas pra mostrar aos outros em quem nos transformamos – ou nos transformaram?
5.1 AS IDENTIDADES ESTÃO NAS PÁGINAS DA REVISTA
As identidades, dizem, se quebraram. Em seu lugar não
ficou o vazio, mas o mercado. As ciências sociais
descobrem que a cidadania também se pratica no
mercado, e que as pessoas que não têm como realizar
suas transações ali ficam, por assim dizer, fora do
mundo. (SARLO, 2000, p.26)
A busca incessante por se “ter uma identidade” e sua estreita relação com as
necessidades de consumo sobre a qual Sarlo (2000) reflete se faz muito presente nos testes
que a Capricho apresenta. Embora estes testes ou guias façam parte do conteúdo editorial da
revista há bastante tempo, é perceptível uma mudança no foco dos mesmos. Enquanto que
anteriormente as questões colocavam em pauta temas como: “Você já esqueceu aquele
garoto?”, “Você é uma boa amiga?”, “Você sabe tudo sobre sexo?”, agora eles buscam, em
sua maioria, definir se a leitora é “esta” ou “aquela” garota. Enquanto alguns buscam
identificá-la com alguma personalidade conhecida, outros tentam encaixá-la em alguns
estereótipos de personalidade jovem que costumamos ver. O da edição n. 1120 busca
descobrir quem a menina é na escola: a Diva (popular), a Aluna nota 10, a Supertímida ou
ainda a Líder Nata. Essas são representações recorrentes da adolescência com os quais,
inclusive, os filmes destinados aos jovens costumam claramente classificar os personagens
principais, reforçando ainda mais a criação dessas categorias e divisões entre eles na “vida
real”.
82
Figura 15 – Imagens dos filmes “O Clube dos Cinco” (“The Breakfast Club”, 1985), “As Patricinhas de
Beverly Hills” (“Clueless”, 1995) e “Meninas Malvadas” (“Mean Girls”, 2004), filmes que, em três épocas
diferentes, tratam da questão dos estereótipos juvenis.
Fonte: PHOTOBUCKET, 2011.
Além das representações relacionadas à personalidade, por meio dos quais se
costuma classificar os jovens, as relacionadas às “tribos urbanas” ou “subculturas”, como as
que vimos no Capítulo 2, também são muito utilizados pela Revista. Talvez possamos afirmar
que esta noção de tribos e grupos facilmente identificáveis ou delimitados venha se diluindo
nas últimas duas décadas. Como afirma Schmidt (2006, p. 11), “[...] agora já não é mais tão
simples a identificação de tribos, em função das inúmeras nuances e variações que ora
constituem esses grupos culturais”. A idéia de “ser diferente” ainda atrai muito os jovens que
hoje, ao contrário dos grupos que vimos anteriormente, baseiam sua formação identitária
muito mais a partir de elementos estéticos e produtos de consumo do que em questões
ideológicas. Como afirma Bauman (2005, p. 33), “[...] na busca por „ser diferente‟, o corpo
torna-se um produto que pode ser lapidado, esculpido, moldado de acordo com as mutações
que estamos vivendo”. Moldagens e lapidações estas que incluem de cortes e tonalizantes de
cabelo a tatuagens e body piercings, passando pelas roupas e acessórios utilizados no dia-a-
dia. Assim, na nossa sociedade pós-moderna, onde tudo parece se apresentar como
“monótono e cinzento”, e onde tudo “flutua com igual gravidade” (SIMMEL apud
BAUMAN, 2008, p. 21), os indivíduos buscam no consumo de bens uma maneira de “[...] sair
dessa invisibilidade e imaterialidade cinza e monótona, destacando-se da massa de objetos
indistinguíveis, que flutuam com igual gravidade específica” (BAUMAN, 2008, p. 21).
Assim, a Revista Capricho, bem como os produtores de bens de consumo destinados
ao público jovem, tem buscado desenvolver seus produtos e conteúdos a partir de idéias que
remetam às subculturas, que simulem uma pretensa rebeldia, mas que não fujam
completamente dos padrões e limites aceitáveis pela sociedade. Essa “rebeldia” não mais se
apresenta como uma característica inerente aos jovens, mas como um produto de consumo,
vendida e oferecida pela mídia, como mais um acessório que adorne e enquadre. Um exemplo
desta “venda de rebeldia” é o anúncio da MTV: “Seus pais torrando uma fortuna com os seus
estudos, aí chega a nossa nova programação para te colocar de volta nos eixos”. Porém, é
83
válido lembrar que essa idéia de a rebeldia ser vendida ou explorada pelo mercado e
anunciada pela mídia não é algo exclusivo de nossos tempos: isso já acontecia em meados das
décadas de 50 e 60, quando a rebeldia e o rock‟n‟roll nasciam e ganhavam grandes
dimensões, como sugerem RONDEAU e RODRIGUES (2008). Os autores descrevem como a
rebeldia era usada como estratégia de marketing para impulsionar a venda da banda Rolling
Stones nos seus primórdios:
O sucesso crescente (da banda) enfurecia ainda mais os britânicos mais velhos, e
Andrew só precisava dar um empurrãozinho para transformar essa rejeição numa
bola de neve perfeita para badalar a imagem rebelde e „selvagem‟ dos Rolling
Stones. Ciente de que enfatizar a oposição dos adultos aos Stones só ajudaria a
tornar a banda mais atraente para os jovens. Andrew jogava mais lenha na fogueira,
divulgando insanidades hilariantes que a imprensa, sem nem por um segundo
questionar o que ele dizia, se alegrava em espalhar. Coisas do tipo: „Eles não tomam
banho direito e não ligam muito para roupas. Não tocam música comportadinha, o
som deles é cru e masculino‟. É claro que o truque deu certo (RONDEAU;
RODRIGUES, 2008, p. 59).
O que parece ter mudado é o fato de que antes a mídia apenas “jogava mais lenha na
fogueira” sobre algo que os jovens já estavam desenvolvendo dentro de si ou então ao menos
copiando de outros jovens. Enquanto nos dias de hoje a sensação que temos ao ler as revistas
destinadas ao público adolescente é que a mídia que lhes apresenta, pela primeira vez, as
idéias de rebeldia e não-conformismo.
Com os jovens consumindo essa idéia e traduzindo-a nos seus modos de vestir, cria-
se uma suposta diferenciação, mas sem deixá-los fora da zona de conforto de identificação
com os demais. Em suma, os “diferentes” e os “normais” hoje parecem ser os mesmos. Esse
conceito foi, inclusive, apresentado como vanguarda por algumas marcas que, já nos anos 90
ou começo dos anos 2000, apresentaram slogans que anunciavam essa hibridização: “Cada
um na sua, mas com alguma coisa em comum”, da marca de cigarros Free, “Sempre igual.
Sempre diferente.”, da marca de calçados de plástico Melissa, e “Você tem o seu estilo. A
Renner tem todos”, das lojas de departamentos Renner. Nesse sentido, Canevacci (2000, p. 8-
9, grifos do autor) afirma que não existe mais
[...] uma visão unitária e global das culturas juvenis que seja passível de resumir a
um número, a um código ou a uma receita. A síntese é o instrumento conceitual de
ordem, nascido da polis, que aqui é rompido; o que resta – fragmentos líquidos –
cruza-se e afasta-se sem possibilidade alguma de reconstruir-se o quebra-cabeça
perspectivo do social.
84
Desta forma, é possível evidenciar que uma publicação como a Capricho, que vende
para a adolescente de classe média e classe média-alta, tem em praticamente tudo que produz
referências do que antes seriam elementos tidos como contra/subculturais. São inúmeros
produtos licenciados, passando por uma considerável parte do conteúdo editorial e
publicitário que associam o consumo a elementos dos diferentes estilos jovens. Essa síntese
de estilos e elementos vai ao encontro das idéias de Canevacci (2000, p.15), que afirma que
“um processo irresistível, culminado nos anos 1990, dissolveu qualquer possibilidade de uma
cultura dominante”, e que “a clássica dicotomia cultura hegemônica/culturas subalternas [...]
exauriu-se definitivamente”. Assim, das subculturas restam apenas elementos, inseridos em
meio ao que restou da cultura dominante. Nesse sentido, Eriksen (2001, p. 109-113 apud
BAUMAN, 2008, p. 56-57, grifos nosso) afirma que:
Em vez de um conhecimento organizado em fileiras ordenadas, a sociedade de
informação oferece cascatas de signos descontextualizados conectados uns aos
outros de maneira mais ou menos aleatória. ...Apresentado de outra maneira, quando
volumes crescentes de informação são distribuídos em uma velocidade cada vez
maior, torna-se mais difícil criar narrativas, ordens, sequências de desenvolvimento.
Os fragmentos ameaçam se tornar hegemônicos. Isso tem consequências sobre as
formas de como nos relacionamos com o conhecimento, o trabalho e o estilo de vida
em um sentido amplo.
Na edição n. 1119, a seção Fotolog traz a “caveira” como tema da edição. A
chamada “Ela está na moda... E nós adoramos! Que tal se jogar na onda rock?” aparece no
centro de um mosaico de fotos, onde oito garotas aparecem usando o ícone nas mais diversas
formas: como colar, estampa de uma camisa, toy art, estampa de uma bandana e até em
trabalhos manuais. A maior parte das meninas apresentam elementos que remetem ao estilo
das rockstars82
(como cabelos vermelhos, batom vermelho, maquiagem pesada, piercing,
unhas pretas, bandana e estampa de onça), mas sem deixar de ter uma atmosfera delicada e
juvenil.
82
Estrelas do rock.
85
Figura 16 – A seção “Fotolog” trazendo a “caveira” como tema da edição.
Fonte: REVISTA CAPRICHO, Número 1119.
Pode-se afirmar que foi feita uma seleção de fotos que, talvez, tenha sido feita a fim
de afirmar o estilo Sweet Rock, nome da linha de produtos licenciada pela revista que parece
ser, direta ou indiretamente, o foco de endereçamento da mesma. A partir dessas estratégias
de imagens e personas com as quais as leitoras podem e devem se identificar, e ainda se
inspirar, a revista endereça o seu conteúdo às leitoras que deseja atingir – e, ao mesmo tempo,
define quem elas serão a partir de então. Sempre de uma forma subjetiva, construindo em sua
estrutura, constantemente e a longo prazo, relações de significado entre o seu conteúdo e seus
leitores. É como Ellsworth (2001) afirma quando diz que o modo de endereçamento nunca é
literal, mas sempre subjetivo. Ao mesmo tempo, essa tática de mostrar uma garota que “é
várias em uma só” pode não só trazer em si a ideia de hibridismo dos estilos, mas sim a
tentativa de conquistar diferentes públicos, como autora coloca: “diferentes sistemas formais e
estilísticos”, presentes em uma mesma publicação, “[...] podem ter diferentes modos de
endereçamento. Podem estar ocorrendo, de forma simultânea, múltiplos modos de
endereçamento” (ELLSWORTH, 2001, p. 23).
Na edição seguinte (n. 1120) a seção em questão também traz uma temática que
remete a uma subcultura jovem: a dos skatistas. Intitulada “Sobre rodas”, a temática da seção
traz como subtítulo os dizeres “Porque a vida é mais legal em cima do shape”, em uma clara
86
afirmação de que quem pertence àquele grupo é mais feliz, mais “legal” ou mais divertido. Na
edição n. 1112, a seção apresenta-se bem semelhante, porém dessa vez com o Surfe como
tema. Esta temática que também se faz presente na nota “Aloha”, na matéria “Verão de A a
Z”83
. E as tribos esportistas não se limitam apenas a essa na matéria de verão: o skate aparece
novamente, ao lado dos patins, na nota “Roller”.
Já a seção Cliques, que discute a vida cotidiana de celebridades, apresenta ícones que
integram o mundo adolescente em seus momentos de descontração, “na vida real”. Na edição
n. 1119, por exemplo, seis das oito84
celebridades “clicadas” são pertencentes ao mundo da
música. O mesmo ocorre na edição seguinte, a Nº1120, onde seis das sete retratadas também
fazem parte do mesmo grupo. O padrão identificado também se repete na seção “Gossip”: na
edição n. 1112, oito das dez notas publicadas se referem a astros da música. Nessa mesma
edição, a música também é assunto de destaque nas matérias: além de uma com a banda de
rock Paramore, a capa e oito páginas de conteúdo são dedicadas ao cantor sertanejo Luan
Santana. Da mesma forma, na edição n. 1113, um especial anuncia uma série de promoções
no site, que reúne 470 prêmios, dos quais mais de 70% das opções se referem a produtos
relacionados ao universo da música, tais como CDs, DVDs de shows, camisetas de bandas e
biografias de cantores. A referência ao universo musical também se faz presente na seção
“Verão de A a Z”, onde o item “Vai Nessa” dá dicas de novos músicos para as garotas que
estejam “enjoadas dos mesmos artistas”, enquanto o item “Yeah!” indica os hits que a leitora
“TEM que ter no seu MP3”. Essa constante das temáticas musicais afirma mais uma vez,
como nos referimos anteriormente, o espaço significativo que a Capricho reserva para tratar
do universo musical. Essas celebridades são pessoas nas quais os adolescentes buscam suas
referências ou desejam ser. Como afirma Schmidt (2006), nos dias atuais percebe-se uma
ávida busca por um exemplo a ser seguido, uma fórmula pronta à qual se adaptar.
Além do conteúdo sobre o trabalho e a vida pessoal destes músicos, a revista também
recorrentemente envolve outros elementos que costumam englobar o universo de um estilo
musical, tais como códigos de vestir e expressões lingüísticas específicas. Um exemplo disso
é a coluna “No comando”, que aparece em meio à seção “Gossip”85
da edição n. 1120: ela
apresenta cinco jovens cantoras, afirmando que “[...] amamos as letras, o estilo e a atitude
destas [...] vocalistas”. O mesmo ocorre na seção “Favoritos”: na edição n. 1116, por
exemplo, seis das oito indicações de produtos culturais da quinzena são referentes à música,
83
Edição n. 1113. 84
Sendo elas: Zac Effron, Vanessa Hudgens, Justin Bieber, Katy Perry, Emma Watson, Taylor Swift, Ashton
Kutcher e Avril Lavigne. 85
“Fofoca”, em uma tradução literal.
87
ao lado de apenas um livro e um filme. Outra recorrência é, na mesma edição, a matéria de
capa sobre a cantora Katy Perry. Além de abordar a carreira e a vida pessoal dela, traz ainda
dicas para que as leitoras vistam-se ao estilo da famosa e um teste que ajuda a identificar com
qual das diversas personalidades da cantora a garota se parece mais. Cinco páginas depois, um
anúncio publicitário de uma marca de vestidos de festa traz uma modelo vestida ao estilo de
Katy Perry, e uma chamada idêntica ao nome de um dos maiores sucessos da cantora:
“Teenage Dream86
”. O estilo da cantora também aparece como destaque na seção “Verão de
A a Z”87
. A matéria, que traz a cada letra uma sugestão para “ser feliz à beira da praia”,
dedica a letra K ao estilo “pin-up tropical” e “supersexy” da cantora.
Sobre o anúncio publicitário dos vestidos de festa, é interessante observar o quanto
ele se adapta ao contexto da revista que está inserido. Enquanto que, na revista em que a
“sexy” e “divertida” Katy Perry está na capa, ele apresenta um vestido cor-de-rosa usado com
sandálias coloridas sobre meias floreadas e um enfeite na cabeça – ao estilo da cantora –, na
edição88
em que a cantora “rock” e “alternativa” Avril Lavigne assume essa posição, o
anúncio configura-se adaptado ao estilo da famosa. Localizado nas duas páginas subseqüentes
à capa, a modelo aparece usando um vestido de tule, com amarrações de corselete, combinado
com meia-calça preta, batom vermelho, bem ao estilo de Avril.
Figura 17 – Anúncios publicitários se adequando ao estilo das celebridades do momento.
Fonte: REVISTA CAPRICHO, Número 1120.
Com esse tipo de “adaptação”, a marca possivelmente está vendendo o seu produto
àquele nicho de leitoras que tratamos no capítulo anterior: as que buscam a Capricho como
uma publicação de caráter musical e de atitude, e não apenas de caráter de Moda e
comportamento adolescente. Em uma idade em que festas de quinze anos e bailes de
86
Traduz-se por “Sonho adolescente”. 87
Edição n. 1113. 88
Edição n. 1122.
88
formatura de ensino médio estão presentes, as marcas estão atentas ao fato de que, inclusive
em um evento de traje social, as meninas sentem a necessidade de expressar o seu estilo
“próprio”, bem como de “ser diferente dos outros” (SCHMIDT, 2006, p. 4, grifo nosso) e “ter
um estilo, tribo, grupo” (SCHMIDT, 2006, p. 4). Para isso, usam a indumentária, uma vez
que, como afirma Sarlo (2000, p. 28), “[...] os objetos nos significam: eles têm o poder de
outorgar-nos [...] sentidos”. Se no passado o pertencimento a uma cultura assegurava os bens
simbólicos, hoje a posse de bens simbólicos é que assegura o pertencimento a uma cultura.
Assim, a jovem veste-se e adapta-se a algo que ela quer ser, parecer ou pertencer. E como
resultado disso, a roupa de festa não é mais o que era no passado, bem como as garotas
também não são mais o que eram:
Nas discotecas, de madrugada, os muitos jovens interpretam a seu modo um ritual.
[...] Essa garota pintou o rosto e distribuiu sobre o corpo uma série de signos que já
não significam o que outrora significavam. [...] Essa garota escolheu uma máscara
para usar de madrugada; não é uma versão do traje de festa de sua mãe89
, nem o
resultado da negociação entre um vestido de princesa e as possibilidades
econômicas da família. Ela não se veste adaptando uma moda alheia aos gostos da
adolescência [...].
[...] a fantasia de discoteca não exclui a combinação de diferentes temporalidades e
origens: retrô punk, retrô romântico, retrô cabaré, retrô folk, retrô militar, [...],
femme fatale, demi-mondaine, prostituta de Almodóvar. Como na fantasia
carnavalesca [...], o prefixo “retrô” é um traço básico do estilo que aposta mais na
reciclagem que na produção do inteiramente novo90
. A originalidade é sintática,
evoca o collage e não rejeita uma estratégia do ready-made.
[...] Quando cantavam no teatro, as velhas estrelas pop não se vestiam de modo
diferente: exceto pela sobrecarga do glamour, nem Dóris Day nem Bing Crosby
usavam um traje que os distinguisse da idéia que a moda ocidental impunha nas
passarelas e nas revistas [...].
Desde os anos 60, a cultura do rock, por sua vez, fez do traje uma marca central de
seu estilo. (SARLO, 2000, p. 33, grifos nossos)
Porém, embora os estilos juvenis sugiram essa “maleabilidade” de estilos e signos,
como afirma Lipovetsky (2009), mesmo identidade seja supostamente expressada por meio do
vestuário, ainda há por trás dela uma adequação a códigos e imposições de regras impostas
pela sociedade – ou pelo mercado e pela mídia.
89
Que é o que acontecia anteriormente na Moda: os trajes jovens eram versões adaptadas da Moda adulta. Até a
transição da década de 50 para de 60, com a expansão da mídia e o nascimento de uma cultura pop, não existia
uma “Moda jovem” (KIRSCH, 2009). Como afirma Sarlo (2000, p. 39, grifo da autora), “[...] até o jeans e a
minissaia não existiu uma moda jovem, nem um mercado que a pusesse em circulação. Mary Quant, Lee e
Levi‟s são a academia no novo design. Até 1960 os jovens imitavam, estilizavam ou, no máximo, parodiavam o
que era, simplesmente, a moda”. 90
Como as próprias celebridades ali referenciadas: o estilo da cantora Katy Perry tem fortes influências das
décadas de 50, 80 e 90, enquanto o de Avril Lavigne mistura referências punk, grunge com alguns elementos da
década de 80.
89
Embora, como supracitado, muitas referências visuais originem-se do estilo de
artistas da música, esse estilo não tem mais uma contextualização social, ideológica e
contestatória como analisamos no Capítulo 2. E mais do que isso: como vemos, por exemplo,
nas matérias e anúncios que retratam o estilo de vestir dos artistas, que a música propriamente
dita também não está em pauta, tampouco a vida social dos artistas; eles simplesmente
tornam-se referências em diversos âmbitos da vida da garota. Na edição n. 1119, por exemplo,
a capa e seis páginas de matéria são dedicadas a contar a trajetória do romance do vocalista da
banda Nx Zero com a atriz Mariana Rios, tornando a história de vida de celebridades uma
espécie de consultório sentimental para garotas que vivem uma das fases mais complexas e
cheias de dúvidas de suas vidas. O mesmo vale para questões estéticas como, por exemplo, a
seção “Cabelos”, também da edição n. 1119: com a chamada “Bye-bye, Frizz!”, a seção
mostra como quatro jovens cantoras lidam com os seus cabelos crespos ou ondulados. Esse
posicionamento reforça a idéia de se ter as celebridades como formadores de opinião,
modelos a serem seguidos. Mais uma vez, como afirmamos anteriormente, vemos a mídia nos
ensinando quem somos, e quem são aqueles a quem desejamos ser iguais ou diferentes
(SCHMIDT, 2006).
Não obstante, com essas inserções de artistas que supostamente referem-se a
subgrupos ou estilos distintos, a Capricho insere em seu conteúdo editorial “[...] códigos
sociais e culturais, visíveis e vividos no interior dos diferentes espaços sociais” (FISCHER,
2004, s.p., grifos nossos) pelos quais seus leitores costumam transitar. Como Masterman
(1985 apud ELLSWORTH, 2001, p. 18) sugere, para que o leitor compreenda aquilo que lhe é
dirigido, ele deve “[...] ser capaz de adotar – nem que seja apenas imaginária e
temporariamente – os interesses sociais, políticos e econômicos que são as condições para o
conhecimento que eles constroem”. Assim, inserindo um máximo possível de contextos de
interesse dos jovens, a mídia, assim como as marcas, “[...] fornece bens essenciais do estilo de
vida e monopoliza áreas cada vez maiores do espaço cultural” (SCHMIDT, 2006, p. 73).
Acredito que a revista traga estes diferentes universos culturais às suas páginas
buscando, com eles, conquistar leitores que não se interessariam a priori pelo conteúdo que
costuma ser tratado em revistas femininas, como matérias de Moda da estação, beleza e
comportamento. Como Ellsworth (2001) afirma em seu conceito de Modo de Endereçamento,
as produções midiáticas visam, imaginam e desejam determinados públicos, moldando-se a
estes. E isso acontece porque, como sugere a autora (2001, p.14, grifos nossos), para que um
produto cultural funcione para um determinado público, “para que ele chegue a fazer sentido”
para quem o consome, “[...] ou para que ele a faça rir, [...] a faça suspender sua descrença,
90
chorar, [...] sentir-se feliz”, a leitora “deve entrar em uma relação particular” com o mesmo.
Não obstante, a autora afirma também que, em um único produto midiático, podem estar
havendo múltiplos modos de endereçamento (ELLSWORTH, 2001). Com a inserção de
assuntos musicais em meio aos femininos – assim como nos produtos Sweet Rock –, a
Capricho está se endereçando tanto para as meninas que se interessam majoritariamente por
assuntos “de menina” quanto pelas que se interessam majoritariamente por assuntos musicais.
Assim, essa busca por novos leitores pertencentes a diferentes nichos de
consumidores em meio ao mercado jovem vai ao encontro das idéias de Schmidt (2006, p.
65), quando esta afirma que:
O mercado midiático vem seguindo uma tendência de flexibilização ou segmentação
instaurada, investindo na captação da fidelidade de novos consumidores. Em nosso
tempo, o marketing torna-se uma noção central nesse novo contexto, informando
sobre a concepção de um produto ou sua reformulação, passando pelas pesquisas
sobre público-alvo e anunciantes potenciais.
Da mesma forma com que a Capricho se flexibiliza e mescla diferentes públicos em
um, o mesmo ocorre com o seu conteúdo e produtos. Na seção “Aprovados” – que apresenta
produtos “testados e aprovados” pelas garotas da Galera Capricho – da edição n. 1120, o
tema é “Happy Rock”. Este tema refere-se ao estilo musical homônimo91
e à estética dos
membros das bandas que o compõem. Cabe lembrar que constantemente este estilo estampa
as páginas da Revista e já foi tema de uma edição especial da publicação (CAPRICHO
HAPPY ROCK, n. 1112-A). Ao mesmo tempo, o estilo Happy Rock está sintonizado com a
recém lançada linha de produtos Sweet Rock, licenciada pela Capricho para a empresa de
cosméticos O Boticário. Além dos produtos da linha que, segundo nota na seção, vão “da
escola à balada”, os produtos aprovados que fazem o estilo Happy Rock contemplam batons,
esmaltes e sombras nas cores preto, roxo e rosa (as mesmas que compõem a linha Sweet
Rock), além de pinças, hidratantes, kit para unhas e perfumes, todos com estampas de caveiras
(o mesmo ícone que estampa as embalagens dos produtos da linha em questão). Nesse
momento, mais uma vez se faz perceptível o que Schmidt (2006) reflete acerca de uma
hibridização dos conteúdos editorial e publicitário das revistas destinadas ao público jovem,
fazendo com que, por vezes, se torne tênue e quase imperceptível a linha que separa um do
outro:
91
Explicado no capítulo 3.
91
O que todos [os veículos de comunicação destinados aos jovens] parecem
compartilhar em seus projetos gráficos e editorias é uma fusão entre espaço
jornalístico e espaço publicitário quando „os anúncios e matérias se confundem, não
casualmente, mas por opções de marketing planejadas‟ (SCHMIDT, 2006, p. 69,
grifo nosso).
Esse fator é bastante recorrente na Revista, e se torna ainda mais marcante quando se
refere aos produtos licenciados pela mesma. Um exemplo disso é que, neste caso, é necessário
apenas virar a página para se deparar com o anúncio dos produtos, mantendo uma linha
gráfica bastante semelhante. Apenas mais outra página virada e encontra-se um especial de
oito páginas onde quarenta e nove dicas de maquiagem são dadas, ensinando o visual
“perfeito”. As dicas são dadas por, além de profissionais da área, algumas das celebridades
jovens que costumam ser constantemente vistas nas páginas da Revista (e com as quais as
leitoras querem se parecer), como Manu Gavassi, Mariana Rios e a VJ da MTV MariMoon.
Como afirma Schmidt (2006), é a Revista que disponibiliza para as jovens as opções dentre as
quais elas podem e devem compor a construção do seu corpo e de sua imagem.
Essa perda do limite entre o anúncio publicitário e o conteúdo editorial também se
faz presente na seção “Universo Capricho”. Na edição n. 1120, a seção apresenta-se dividida
em duas colunas, com diferentes produtos da vasta gama de licenciamentos da Revista. Na
primeira, quatro modelos de bolsas, coloridas e com referências das tendências de Moda do
momento. Na segunda, um ovo de páscoa que também leva o nome da publicação e traz como
brinde um relógio. Tanto o brinde quanto a embalagem do ovo apresentam um design que
remete ao mostrado nas páginas da revista e também na linha de produtos cosméticos Sweet
Rock.
Na edição n. 1112 essa hibridização de conteúdos pode ser percebida no anúncio da
marca de absorventes Always, que aparece em forma de uma espécie de cobertura jornalística
sob o título de “Todos contra o bullying!”, que é também o título de uma das seções da
Revista. A cobertura refere-se a dois eventos realizados em escolas paulistanas, através de
uma parceria da marca com a Revista, a fim de conscientizar os jovens sobre este problema.
Após as fotos e comentários sobre o evento, aparecem os dizeres: “CAPRICHO e Always
apoiam esses eventos, pois sabem que é importante você se sentir sempre segura”, fazendo
uma conexão do assunto em questão com o foco publicitário da marca, que descreve a
segurança de se estar com um absorvente de qualidade durante o período da menstruação.
92
Figura 18 – Anúncio “Todos contra o bullying”, onde a campanha publicitária se disfarça de – ou se
mescla com – campanhas de utilidade pública.
Fonte: REVISTA CAPRICHO, Número 1112.
O estilo Happy Rock, citado acima, assim como o Emo92
, o New Rave93
, o Sertanejo
Universitário e vários outros estilos que surgem e desaparecem a cada ano, despertam o amor
de inúmeras “fãs número 1” com a mesma intensidade que são esquecidos por estas e
substituídos por outros estilos que ganham os primeiros lugares nas paradas de videoclipes e
capas de edições especiais de revistas, em um “impressionante armazenamento de modismos
musicais” (BAUMAN, 2008, p.56). Essa necessidade de uma sucessão intensa de novos
lançamentos que vêm a substituir os anteriores acontece porque, de acordo com Bauman
(2008, p.31), vivemos uma fase em que há uma “decrescente distância temporal entre o brotar
e o murchar do desejo”. A maioria desses estilos, embora completamente transformados e
com referências quase imperceptíveis, são originados das contra ou subculturas que se
desenvolveram ao longo do século XX, explicadas no Capítulo 2. Essas incessantes releituras
são uma tentativa rápida, ao modo dos fast foods e fast fashions94
, de satisfazer o desejo voraz
92
Explicado no Capítulo 3. 93
"New rave" é o termo usado para descrever um gênero musical que mistura elementos do rock, indie e música
eletrônica. Também pode ser entendido como uma cena pós-electroclash, pois ao contrário do electroclash,
ligado ao revival dos anos 1980, a cena new rave utiliza fusões com sons dos anos 1990, em especial o indie rock
e indie pop britânicos. (WIKIPEDIA, 2011, s.p.) 94
Em uma tradução literal, “moda rápida”. Refere-se à Moda produzida em larga escala e que rapidamente
reproduz os modismos lançados pelas grandes marcas a preços populares, apresentando lançamentos quase
diários. Temos como exemplos desse sistema, magazines como Zara, Renner e C&A. (WIKIPEDIA;
COLETIVO VERDE, 2011, s.p.)
93
por novidades dos consumidores, que descartam estilos e gostos assim como descartam as
peças de roupa da moda da estação passada:
Contando com a curta expectativa de vida da memória do público e fantasiados de
última novidade, todos os estilos retrô imagináveis, ao lado de todas as formas
concebíveis de reformar, reciclar e plagiar, vêem-se amontoados no único e limitado
espaço da atenção dos fãs de música. Mas o caso da música popular é apenas a manifestação de uma tendência
virtualmente universal que afeta em igual medida todas as áreas da vida atendidas
pela indústria de consumo (BAUMAN, 2008, p. 58).
Assim, uma série de referências a estilos antigos aparecem inseridas em diversos
contextos e produtos que são vendidos a consumidores que não reconhecem de onde estes
vêm e, por muitas vezes, sequer têm consciência de que são releituras. Nesse sentido, o
editorial de Moda da edição n. 1120 aparece completamente referenciado pela questão das
subculturas. Ambientado na rua, em um cenário urbano, com uma luz que remete aos
primeiros raios de sol da manhã, traz meninas e meninos em visuais agressivos, diferente dos
looks delicados com apenas pequenas referências “rock” que a Revista costuma trazer. Com
looks inspirados em diversos estilos/fases da história do rock, como o Metal, o Punk e o
Grunge, os modelos aparecem acompanhados de skates, comendo junkie food95
e fazendo
caretas e posições que remetem a ícones da cultura punk como o cantor Sid Vicious96
. Duas
páginas depois, um anúncio publicitário de uma marca de roupas aparece totalmente inspirado
no rock‟n‟roll da década de 50, provando que o estilo rock que tem aparecido com tanta
frequência nas páginas da Capricho faz parte de uma tendência maior que vem atingindo boa
parte do mercado jovem.
95
Em uma tradução literal, “comida lixo”. Refere-se à comida que não é saudável, com alto valor calórico e
baixo valor nutricional. A expressão que cabe bem ao estilo, uma vez que junkie também pode significar
“drogado”, de estilo alternativo ou de aparência mal cuidada (WIKIPEDIA, 2011, s.p.). 96
Baixista da banda Sex Pistols e um dos maiores ícones da ascensão da cultura Punk no final da década de 70.
94
Figura 19 – Editorial de moda inspirado nas diversas fases ou grupos do rock.
Fonte: REVISTA CAPRICHO, Número 1120.
Em uma aparente tentativa de atingir a todos os públicos com todos os produtos, a
Revista mescla a todo momento referências pop97
com outras alternativas98
, afirmando que
todas as garotas podem transitar por todos os estilos fácil e livremente. Na edição n. 1116,
uma matéria com a banda indie99
norte-americana e ainda pouco conhecida no Brasil Vampire
Weekend os define como nerds, estilo que até pouco tempo atrás era desvalorizado, sendo até
vítima de bullying, mas acabou se tornando moda entre os jovens.
Figura 20 – Estilo geek aparecendo em desfiles e revistas de Moda.
Fonte: (VILA MULHER, 2011; CHEIA DE CHARME BLOG – MODA E BELEZA FEMININA, 2011.
97
No sentido de popular, massivas, facilmente aceitáveis e digeríveis, os famosos “enlatados” da indústria
cultural. 98
Supostamente alternativas, com referências nos estilos contra e subculturais. 99
Corruptela da palavra independent, que traduz-se por “independente”. Originalmente referia-se a bandas que
lançavam álbuns por si próprias ou por pequenas gravadoras, independente da cena musical em vigor.
Posteriormente, o termo passou a ser associado também ao estilo de rock “alternativo” (WHAT A WASTER,
2011, s.p.).
95
A matéria inicia questionando “E se, de repente, os caras mais quietinhos e certinhos
da sua sala de aula resolvessem montar uma banda de rock? E mais: emplacassem uma
música na trilha sonora do filme mais popular do momento e virassem amigos dos astros mais
incríveis de Hollywood?”. Como a banda, que fizera shows no país no período em que
concedeu a entrevista à Capricho, ainda é desconhecida entre a maior parte das leitoras da
revista, o estilo nerd, o filme mais popular e a amizade com os astros mais incríveis de
Hollywood são usados para embasar a presença dela na revista, possivelmente também
fazendo com que as leitoras passem a se interessar pela mesma. Uma coluna na lateral da
entrevista, em letras significantemente maiores que o restante da matéria, conta que eles estão
na trilha sonora do seriado Gossip Girl100
, que um de seus clipes foi gravado no mesmo local
que o da cantora Lady Gaga e que os artistas adolescentes Emma Watson, Joe Jonas e Miley
Cirus101
são fãs da banda. Informações que, possivelmente, para o público da Revista são mais
relevantes do que o histórico de carreira ou a técnica musical dos integrantes da banda.
5.2 IDENTIDADES MÚLTIPLAS
[...] o contexto panorâmico pelo qual passam as
culturas juvenis assume a metrópole comunicativa e
imaterial com o novo sujeito plural, diferenciado e
móvel. [...] na metrópole – em seus módulos
diferenciados e escorregadios – difunde-se o consumo,
a comunicação, a cultura; os estilos, o híbrido, a
montagem: patchwork girl e mosaic man (CANEVACCI,
2005, p. 7).
Junto com a edição n. 1122 da revista Capricho, foi encartada uma pequena revista,
intitulada “Edição Especial Sweet Rock”. Letras menores acima do título indicam que o
folheto, que parece apenas mais um dos inúmeros guias de moda “e atitude” que vemos
diariamente nas bancas de revistas, é um manual “do it yourself”102
de “construção de
identidade”. Trata-se de um encarte publicitário – não que, de certa forma, todos os outros
guias, manuais e apanhados de dicas que vemos na mídia em geral não sejam também uma
100
Seriado adolescente que tornou-se referência de Moda para as adolescentes, tendo seu estilo constantemente
reproduzido ou dado como referência em revistas e blogs de Moda. 101
Todos músicos. 102
Expressão que traduz-se por “faça você mesmo”, e que também diz respeito a um movimento fortemente
disseminado pela cultura punk do final da década de 70, que prega a exclusividade, a originalidade, a não
massificação e não industrialização (WIKIPEDIA, 2011, s.p.).
96
espécie de peça publicitária que orientam a relação estilo jovem e consumo. Klein (2003, p.
65) possui a mesma percepção, quando afirma que as revistas de estilo de vida estão
“parecendo-se cada vez mais com catálogos”, enquanto os catálogos “começaram a se parecer
cada vez mais com revistas”.
Como brevemente descrito anteriormente, em cada extremidade do guia, tem-se uma
capa diferente. Nas duas páginas centrais, a razão de ser: o anúncio dos perfumes que são o
carro chefe da linha Sweet Rock, licenciada pela Capricho para a marca de cosméticos O
Boticário. Sobre um plano de fundo ilustrado, em tons de rosa, que mistura ícones sweet
como cupcakes e ícones rock como guitarras e ícones sweet rock como caveirinhas adornadas
com laços, vemos os produtos da linha, com embalagens em preto e magenta e ícones
semelhantes aos do fundo. Em destaque, a foto de duas garotas, cantando e segurando um
microfone vintage, ao estilo dos utilizados pelo cantor da década de 50 Elvis Presley, com um
visual que remete a proposta da linha. As duas estão maquiadas ao estilo das “divas” do rock,
mesclando peças “pesadas” como camisa xadrez e brincos em formato de guitarra com peças
“meigas” como fivelas em formato de coração, pulseiras de florzinhas e detalhes em babados.
O slogan da campanha não deixa dúvidas quanto ao conceito: Por que ser apenas
Sweet ou apenas Rock se você pode ser SweetRock?. Como comentado no capítulo anterior, a
idéia por trás do produto, que pode ser percebida com clareza na campanha e, mais ainda, no
encarte publicitário, é a afirmação de que qualquer garota pode ter qualquer uma das
“personalidades” citadas... ou as duas, se quiser. Ela pode ser sweet para ir à escola, rock para
ir pra “balada” ou ser ambas as coisas ao mesmo tempo. Por trás dessa idéia, há um
descentramento de identidades percebido na atualidade:
[...] somos espectadores das representações pelas quais a mídia produz determinados
tipos de identidades – por exemplo, por meio da narrativa das telenovelas, dos
anúncios e das técnicas de venda. Embora possamos nos ver, seguindo o senso
comum, como sendo a „mesma pessoa‟ em todos os nossos diferentes encontros e
interações, não é difícil perceber que somos diferentemente posicionados, em
diferentes momentos e em diferentes lugares, de acordo com os diferentes papéis
sociais que estamos exercendo. Diferentes contextos sociais103
fazem com que nos
envolvamos em diferentes significados sociais (WOODWARD, 2000, p. 30).
103
“Consideremos as diferentes „identidades‟ envolvidas em diferentes ocasiões, tais como participar de uma
entrevista de emprego ou de uma reunião de pais na escola, ir a uma festa ou a um jogo de futebol, ou ir a um
centro comercial. Em todas essas situações, podemos nos sentir, literalmente, a mesma pessoa, mas nós somos,
na verdade, diferentemente posicionados pelas diferentes expectativas e restrições sociais envolvidas em cada
uma dessas diferentes situações, representando-nos, diante dos outros, de forma diferente em cada um desses
contextos” (WOODWARD, 2000, p. 30).
97
Essa noção fica clara desde a concepção do produto que é foco central da linha: o
duo de perfumes composto por um entitulado sweet e outro entitulado rock, que podem ser
usados juntos ou separados. Essa dupla que sugere uma hibridização dos estilos vai ao
encontro, além da idéia de identidades múltiplas de Canevacci (2005) que vimos
anteriormente, com o que Hall (2002) chama de fragmentação do indivíduo. Além disso,
ainda soma-se a possibilidade – e, quem sabe, necessidade – de se estar sempre se
reinventando (BAUMAN, 2008, p. 66):
A maior atração de uma vida de compras é a oferta abundante de novos começos e
ressurreições (chances de „renascer‟). Embora essa oferta possa ser ocasionalmente
percebida como fraudulenta e, em última instância, frustrante, a estratégia da
atenção contínua à construção e reconstrução da auto-identidade, com ajuda dos kits
identitários fornecidos pelo mercado, continuará sendo a única estratégia plausível
ou “razoável” que se pode seguir num ambiente caledoiscopicamente instável no
qual „projetos para toda vida‟ e planos de longo prazo não são propostos como
realistas, além de serem vistos como insensatos e desaconselháveis.
Ao mesmo tempo, Crane (2006) sugere que a multiplicidade percebida nos estilos
pessoais/individuais reflete a complexidade nas percepções de “eu” e “outro” na sociedade
contemporânea, uma vez que as modificações no vestuário e nos discursos acerca deste
indicam “[...] mudanças nas relações sociais e tensões entre os diferentes grupos sociais que
se apresentam de forma diferente no espaço público” (CRANE, 2006, p. 24). Isso porque a
maneira como a pessoa veste-se está conectada com fatores pelos quais “[...] se posiciona e
desempenha seus papéis no contexto sociocultural” (CASTILHO, 2004, p. 12).
Na capa do lado Rock do encarte vemos a modelo em close, com a boca ligeiramente
aberta e os cabelos volumosos frisados ao estilo das roqueiras da década de 80. A maquiagem
dos olhos circulados é escura, com sombras preta, roxa e de glitter, remetendo à chamada
principal: “Make de rockstar! Dicas para fazer os olhos esfumados de uma roqueira de
verdade”. Ainda na mesma capa, temos as chamadas “Para arrasar. Garota de atitude: seja
uma!”, “Rockinho, colorido, metal... Você combina com meninos assim?” e “E mais: ● teste
● horóscopo ● cortes de cabelo incríveis”.
É interessante observar que as chamadas conferem uma enorme realidade ao que é
prometido: “uma roqueira de verdade” e “seja uma garota de atitude”, como se os produtos,
os tutoriais “passo-a-passo” ou as dicas dados pela revista de fato transformassem o que a
garota é e não apenas o que ela aparenta ser. A revista não promete um visual de rockstar, ela
promete que a garota se transforme em uma. E a vontade de se transformar em algo que é
oferecido vem de uma constante busca pela diferenciação:
98
Na busca por „ser diferente‟, o corpo torna-se um produto que pode ser lapidado,
esculpido, moldado de acordo com as mutações que estamos vivendo. Nada é eterno
e tão pouco rígido: tudo, inclusive o corpo, pode ser cambiável. Na lógica em que
está sendo forjada a „juventude líquida‟, todos tempos múltiplas identidades
(SCHMIDT, 2006, p. 148-149).
Assim, logo ao abrir a revista, após o sumário, a leitora se depara com o teste “Você
tem potencial para ser uma rockstarI104
?“. Quatro perguntas objetivas sobre situações
cotidianas como uma química capilar no salão de beleza dar errado e os pais não deixarem
viajar “definem” se a garota teria, ou não, condições de se tornar uma estrela do rock.
Possivelmente, por mais que o teste indique que a garota tem condições de, ela não se tornará
uma rockstar. Uma série de promessas que certamente não serão cumpridas são
constantemente oferecidas pela mídia. De acordo com Bauman (2008, p. 65), é justamente
esse excesso de promessas que “neutraliza a frustração” das que não foram anteriormente
cumpridas, ou que foram cumpridas por completo. E esse não-cumprimento, essa não-
satisfação dos desejos (BAUMAN, 2008), por sua vez, que mantém o consumismo ativo, que
fazem com que o consumidor continue numa constante busca da realização de novos desejos
surgidos de novas promessas.
Além de ser um excesso e um desperdício econômico, o consumismo também é, por
essa razão, uma economia do engano. Ele aposta na irracionalidade dos
consumidores, e não em suas estimativas sóbrias e bem informadas; estimula
emoções consumistas e não cultiva a razão. [...] O descarte de sucessivas ofertas de
consumo das quais se esperava (e que prometiam) a satisfação dos desejos já
estimulados e de outros ainda a serem introduzidos deixa atrás de si montanhas
crescentes de expectativas frustradas. A taxa de mortalidade das expectativas é
elevada; numa sociedade de consumo funcionando de forma adequada, ela deve
estar em crescimento constante. A expectativa de vida das esperanças é minúscula, e
só um intenso reforço de sua fertilidade e uma taxa de nascimentos
extraordinariamente alta podem evitar que ela se dilua e seja extinta (BAUMAN,
2008, p. 65, grifos do autor).
Depois, dicas de maquiagem – utilizando os produtos da linha Sweet Rock –, cabelo e
Moda “ensinam” como adquirir um “autêntico” visual rocker. Em seguida, uma coluna de
dicas para conquistar o garoto desejado termina dizendo que “se o menino topou sair com
você, é porque curte o seu jeito. Não é hora de ser diferente, mas de ser quem é de verdade”.
Mais uma vez, a revista ensina ao jovem o que ele deve ser, mas confere-lhe uma pretensa
liberdade, afirmando que ele deve ser ele mesmo.
Esses jogos de “seja você mesmo”, “quem você é de verdade”, “faça do seu jeito”,
que remetem à idéia de ilusão das escolhas (SARLO, 1997), estão constantemente inseridos
104
Em uma tradução literal, “estrela do rock”.
99
nas questões de identidade colocadas em circulação pela mídia. Essa oscilação entre ser você
mesmo e buscar alguém em quem se inspirar possivelmente são reflexos do constante estado
de ansiedade que vivemos em função desta “pretensa liberdade de escolha” oferecida
(SCHMIDT, 2006, p. 140). Esta idéia vai ao encontro da categoria seguinte.
Em seguida, a chamada “Garota de atitude. Dicas descoladas para encantar os
outros, mas sem perder o seu jeito rocker de ser”, abre para uma lista de cinco conselhos
sobre assuntos corriqueiros da vida jovem, como brigas com a turma de amigos e a tentativa
de se encaixar. Embora a matéria não aborde propriamente temas relacionados ao universo do
rock, ela acaba por reconstruir alguns clichês ou estereótipos freqüentemente associados aos
adolescentes pertencentes a determinadas tribos – tais como a tentativa de se enquadrar
copiando os outros e o afastamento de amigos que possuem outro estilo quando se adentra à
tribo – e com alguns clichês ou estereótipos associados aos adolescentes rockers – a “revolta”
e a supervalorização dos defeitos ou das qualidades. Mais uma vez a revista apresenta um
paradoxo dizendo que a adolescente não deve tentar ser igual às amigas, ao mesmo tempo em
que oferece fórmulas prontas para se parecer com esta ou aquela celebridade, ou para
pertencer a tal grupo. Esses “tutoriais” são publicados recorrentemente, uma vez que vivemos
em um tempo onde percebemos uma intensa busca por um exemplo a ser seguido,
[...] uma palavra ou expressão a ser imitada, um conselho e/ou uma „dica‟ sempre
prontos a serem aplicados na „minha‟ situação. „No mundo dos indivíduos há
sempre outros indivíduos cujo exemplo seguir na condução das tarefas da própria
vida, assumindo toda a responsabilidade pelas conseqüências de ter investido a
confiança nesse e não em qualquer outro exemplo‟ (Bauman, 2001, p. 39). Não é por
acaso que cerca de 90% das imagens de produzidas pelos jovens apresentam
imagens de celebridades e mesmo de anônimos para ilustrar o que é „ter atitude‟
(SCHMIDT, 2006, p.102).
Ainda no encarte, três garotos aparecem ilustrando, ainda que de maneira um tanto
caricata, três vertentes do rock. O foco da seção é descrever o estilo de vida de cada um deles,
fazendo com que a garota possa decidir qual seria o seu namorado ideal e oferecendo
orientações de como conquistá-lo como, por exemplo, “investindo no olhão preto e num
coturno fashion!”. Aqui, vemos mais uma vez o conceito e a essência de um estilo serem
reduzidos a um acessório de moda ou maquiagem. Nesse sentido, Mira (2001 apud
SCHMIDT, 2006) afirma que não é mais possível separar identidade e consumo, uma vez que
vivemos um momento em que o processo de segmentação do mercado está intimamente
relacionado a uma reestruturação nas identidades sociais. Como afirma Bauman (2008),
somos a todo momento “bombardeados” por sugestões de produtos com os quais precisamos
100
nos equipar se quisermos ter a capacidade de conquistar algo ou pertencer a determinado
espaço social.
A seção sweet do encarte segue exatamente o mesmo formato: teste para a leitora
saber se é uma “garota fofa”, dicas de maquiagem, Moda, cabelo, dicas de “fofices para
conquistar aquele menino” e para escolher entre três diferentes “tipos de fofos”. As
ilustrações pelas páginas, que na parte rock consistiam em caveirinhas delicadas, estrelas e
raios, agora são cupcakes, corações e lacinhos. Na capa, a modelo usa brincos de pérola,
maquiagem suave em tons rosados e enfeite de cabelo de strass, que remete a uma pequena
coroa. A chamada principal, “Com cara de romance. O passo a passo para fazer um make
fofo e estiloso”, também utiliza aos produtos da linha – e poderia ser a capa de qualquer
edição da revista. As outras chamadas também seguem o mesmo padrão da parte rock:
“Dúvida cruel: o que eles acham das garotas fofas?”, “Meigo, apaixonado, elegante... Você
combina com esses meninos?” e a mesma “E mais: ● teste ● horóscopo ● cortes de cabelo
incríveis”.
É importante ressaltar que a mesma modelo figura todas as fotos do encarte, tanto
vestida de sweet girl quanto de rocker girl, mais uma vez afirmando a idéia de que uma
mesma garota pode ter várias personalidades. Como afirma Bauman (2008, p. 67), essas
trocas de identidades, a possibilidade de escolhermos quem queremos ser, e de cambiar essa
escolha a qualquer momento, é como se vivêssemos “[...] sucessivas reencarnações testadas
na prática”.
Ainda veiculadas no encarte, entrevistas com garotos entre 15 e 16 anos perguntam
se eles gostam de meninas “fofas” (sweet) e meninas “roqueiras” (rock). Coincidentemente, os
meninos afirmam que gostam de meninas fofas, “mas que não exagerem na meiguice” e de
meninas rockers, “desde que não deixem de ser delicadas”. Em suma, meninas sweet com um
toque de rock, ou meninas rock com um toque de sweet. Como afirma Bauman (2008), a
maioria das mercadorias oferecidas no mercado tem como “poder” aumentar o “preço de
mercado” e a atividade de seus consumidores. No caso, o cerne desse encarte está em afirmar
que os produtos SweetRock aumentam o valor das garotas que os consomem, seja no sentido
de ter personalidade, identidade, atitude, seja para conquistar garotos.
A idéia das identidades múltiplas, presente nas teorias de Bauman (2008) e nas
campanhas da linha SweetRock também se vê presente em outros conteúdos da Capricho. Na
edição n. 1119, a seção “Favoritos” traz a nota “Várias Britneys”. Nela, uma resenha do novo
álbum da cantora mostra como, no trabalho em questão, tanto nas letras, quanto no ritmo e
nos vocais, a Britney Spears é diferentes versões de si mesma.
101
Essa tendência em torno de personalidades cambiantes está presente também nos
produtos desenvolvidos e lançados pelas grandes marcas no mercad. A linha de relógios
Twist, desenvolvida pelo estilista Reinaldo Lourenço e produzida pela marca Mondaine é um
exemplo disso. Com o seu anúncio veiculado em diversas edições da Revista, a Twist tem
como foco a versatilidade do produto. Com o slogan “Muda pulseira, muda aro, muda tudo!”,
o produto permite ser um novo a cada dia – assim como os jovens dos dias de hoje. O
modismo dos relógios parece não ser uma aposta apenas da Mondaine: na edição Nº 1112
apareceu veiculado um anúncio da marca Mariner, que também lançou sua linha de relógios
para combinar como quiser e na edição n. 1122, da marca Croma, com produtos bastante
semelhantes. O mesmo conceito já foi apresentado há alguns anos pela Nokia, quando a
empresa lançou no mercado telefones celulares com kits de capas coloridas cambiáveis, que
permitiam que o visual do aparelho fosse outro a qualquer momento (SCHMIDT, 2006, p.
147).
5.3 SER “DIFERENTE” ESTÁ NA MODA
Somos livres. Cada vez mais seremos livres para
projetar nossos corpos. Hoje a cirurgia plástica,
amanhã a genética, tornam ou tornaram reais todos os
sonhos. E quem sonha esses sonhos? A cultura sonha,
somos sonhados por ícones da cultura. Somos
livremente sonhados pelas capas de revistas, pelos
cartazes, pela publicidade, pela moda: cada um de nós
encontra um fio que promete conduzir a algo
profundamente pessoal, nessa trama tecida com desejos
absolutamente comuns. A instabilidade da sociedade
moderna se compensa no lar dos sonhos, onde com
retalhos de todos os lados conseguimos operar a
„linguagem da nossa identidade social‟. A cultura nos
sonha como uma colcha de retalhos, uma colagem de
peças, um conjunto nunca terminado de todo, no qual se
pode reconhecer o ano em que cada componente foi
forjado, sua procedência, o original que procura imitar
(SARLO, 2000, p .25, grifo nosso).
O slogan da Capricho vai de encontro a essa idéia: “Igual a você: diferente.”, em
uma frase que sugere certa contradição ou até mesmo ironia. Se é igual a algo massificado,
poderia ser considerado diferente? Na seção “Desneurando” da edição n. 1119, a crônica “Sou
normal, e daí?” pode ser compreendida como um retrato dessa “ironia” que percebemos no
estereótipo do “ser diferente” que se constrói na mídia. A autora, Liliane Prata, conta sobre
102
uma amiga que se descreve, no seu perfil do Facebook, da seguinte forma: “Sou normal, o
problema é que estou fora de moda.”, e complementa afirmando que a amiga “que se assume
como normal” faz curso de inglês, sua última viagem foi à praia e “tem uma profissão que
muita gente tem – advogada”. O estereótipo do “normal” ou “comum” que se constituiu em
meio a essa realidade de “individualismo programado” (SCHMIDT, 2006), “ilusão da
diferença” (SARLO, 1997) “ilusão da escolhas” (BAUMAN, 2008) representa um grande
paradoxo. A amiga da colunista afirma que, por ela ser normal, está “fora de moda”. Mas se a
moda (e não a Moda)105
supõe-se a ser algo que dita, que massifica, que padroniza, como
pode o “normal” estar “fora de moda”? Como pode o “diferente” ser “moda”? É em meio à
compreensão e à análise destas novas classificações que percebemos o quanto de ironia e até
uma falta de nexo se apresentam nas convenções que se apresentam na nova cultura jovem.
Cultura esta, que se formou e constituiu regulada pelo mercado (SCHMIDT, 2006).
Desta forma, o mercado cria culturas que movimentem suas engrenagens. Há algum tempo
atrás se consumia para “estar na moda”, “se adequar”, vestir o que todos vestiam. Agora,
ilusoriamente, o desejo é ser inovador, “diferente”. Consome-se não mais para mesclar-se à
massa, mas para aparentemente estar fora dela, para ditar comportamentos, sentir-se formador
de opinião, “usar antes” e abandonar “quando a massa aderir”. Em suma, o que existe é “[...]
uma pretensão de homogeneizar ao mesmo tempo em que se alimenta a obsessão pela
singularidade” (SCHMIDT, 2006, p. 115). Como afirma Sarlo (2000, p. 26), “[...] o mercado
unifica, seleciona e, além disso, produz a ilusão da diferença através dos sentidos
extramercantis que abarcam os objetos adquiridos por meio do intercâmbio mercantil”. Nesse
sentido, Bauman (2008, p. 116) coloca que
[...] a coerção tem sido amplamente substituída pela estimulação, os padrões de
conduta antes obrigatórios, pela sedução, o policiamento do comportamento, pela
publicidade e pelas relações públicas, e a regulamentação normativa, pela incitação
de novos desejos e necessidades.
Dentro desse contexto, o conceito do-it-yourself, DIY106
ou simplesmente “faça você
mesmo”, preconizado pelo movimento Punk no final da década de setenta invade as páginas
de Moda da Revista. A seção “Ateliê” traz a cada edição alguma profissional, estudante ou
estagiária de Moda, sempre em idade próxima à das leitoras da Revista, dando alguma dica de
customização que possa ser facilmente feita até por garotas que não possuam grandes
105
“moda”, com letra minúscula refere-se a tendência, a modismo, ao que está em voga no momento. Moda,
com letra maiúscula refere-se ao ciclo da moda, à indústria da moda, à composição de estilos, à história da
indumentária, ao universo de quereres e pareceres. (LIPOVETSKY, 2009) 106
Abreviação da expressão do it yourself.
103
conhecimentos de Moda ou trabalhos manuais. A idéia de “fazer você mesmo” traz a falsa
impressão de possuir uma peça única, exclusiva, que só você tem. Como afirma Schmidt
(2006, p.14), trata-se de “promessas do toque „individual‟ e „único‟”. Mas se o passo a passo
da execução está publicado numa revista de larga distribuição, uma série de garotas possuirá
praticamente a mesma peça “única e exclusiva”. É o que Schmidt (2006) vem a chamar de
individualismo programado. A autora afirma que essa ilusão da diferença (SARLO, 1997)
deriva de uma tendência jovem mundial de “[...] consumir e, ao mesmo tempo, expor o seu
estilo pessoal” (SCHMIDT, 2006, p. 70). Nesse sentido, Mira (2001, p. 180) analisa esse
processo de construção de uma suposta identidade e/ou estilo em meio ao consumismo: “[...] a
busca do estilo pessoal já é uma estratégia do campo em geral, soma-se ao desejo da
experimentação, característico da idade, ligando a construção da identidade ao consumo”.
Assim, o “querer” e os “desejos” disfarçam-se de livre-arbítrio, ao invés de revelarem-se
como uma força externa (BAUMAN, 2001).
Figura 21 – Seção ateliê dá dicas de customização, sugerindo uma Moda que seja única.
Fonte: REVISTA CAPRICHO, Número 1112.
Essa ilusão de que se pode comprar um estilo “único” e “diferente” aparece,
inclusive, nas declarações de alguns ídolos dos jovens. Na matéria sobre a cantora Avril
Lavigne107
, a garota comenta sobre o lançamento da sua própria marca de roupas: “Tenho um
estilo particular e quero que ele esteja disponível para muitas meninas”. O mesmo ocorre na
107
Edição n. 1122.
104
matéria sobre os vencedores do “Capricho Awards”108
, onde a VJ da MTV MariMoon, “com
seu estilo despojado e único”, conta o seu “segredo” para as leitoras: “Gosto de ter meu
próprio estilo. Acho que isso faz alguém ser realmente estilosa”. E a revista complementa,
perguntando: “Anotaram?”.
Além das matérias da revista, a idéia de customização também invade o espaço
publicitário. O anúncio da marca de corantes colo[r]evolution109
, intitulado Invente Moda!,
afirma que “customizar é fácil”, e que a leitora pode aprender no site da Revista. Com
imagens das variações de cores do produto e de duas garotas customizando uma canga, o
anúncio conta que a ação em questão é resultado de uma promoção no site da Capricho, por
meio da qual uma leitora foi selecionada para aprender a customizar suas roupas, juntamente
com uma das participantes da Segunda Temporada de Moda Capricho, o reality show que
buscava selecionar a nova estagiária de Moda da Revista.
Além das customizações propriamente ditas, os passo-a-passo, tutoriais e dicas para
conquistar o próprio estilo também se enquadram neste contexto. A seção Mais Estilosa, por
exemplo, traz garotas “reais” mostrando os seus estilos “diferentes”. Na da edição n. 1119,
uma blogueira mostra o seu estilo retrô composto por peças de brechó e lojas de
departamento, com um resultado semelhante ao estilo usado por celebridades da música e da
Moda como Kelly Osbourne110
, Alexa Chung111
, Pixie Lott112
e Cory Kennedy113
. A revista
passa a mensagem de que qualquer garota pode ter o estilo igual ao das famosas que
estampam as páginas da revista, ao mesmo tempo que sugere a pretensa originalidade ou
diferença que sugere o estilo dessas celebridades “estilosas”. A seção Peça da Vez também
traz a idéia de que qualquer garota pode usar os modismos do momento. Fotografando leitoras
ao invés de modelos, a revista mostra como a “imperfeição” de cada uma pode ser disfarçado
sem deixar de usar o que está em voga. Na edição n. 1119, por exemplo, a revista ensina
como meninas baixinhas, altas e com quadril largo podem usar saias longas. O mesmo ocorre
na seção Departamento, que mostra como montar o look da moda com peças baratas,
compradas em lojas de departamento. Esse tipo de “tutorial” ao mesmo tempo que sugere um
“passo-a-passo”, um “faça você mesma”, traz em si o contexto da ilusão das escolhas, do
individualismo programado, ao passo que eles sugerem que, com as dicas, a leitora vai estar
construindo, configurando ou formatando o seu estilo próprio.
108
Premiação dos “melhores do ano”, votados pelas leitoras. Matéria veiculada na edição n. 1112. 109
Edição n. 1116. 110
Cantora e filha de Ozzy Osbourne, líder da banda Black Sabbath. 111
Modelo e apresentadora de TV. 112
Cantora. 113
Modelo e ícone de estilo no universo underground.
105
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vivemos em um tempo em que parece que as juventudes são sinônimo de
contradições, antagonismos e também de ambivalências. O diferente está na moda e a mídia
ensina como ser diferente, tornando todos igualmente diferentes. Os jovens são convocados a
serem únicos, e para isso eles precisam comprar este ou aquele produto, produzidos em larga
escala.
A mídia voltada pra o público jovem assume o papel de “amiga” desse espectador,
conhecendo seus anseios e desejos, “aconselhando-o” e trocando idéias com ele. Depois,
utiliza toda essa informação coletada para oferecer produtos que supram exatamente as
necessidades que ele manifestou anteriormente, que preencham o vazio deixado por outras
áreas da vida: o produto ou comportamento que vai curar uma desilusão amorosa, a briga com
os pais ou o bullying sofrido na escola.
Da mesma forma, ela cria estereótipos – ou estilos – que afirmem tudo o que o jovem
necessita afirmar: que ele tem atitude, que ele é cabeça aberta, que ele é inovador, que ele é
ousado, que ele é jovem. E ainda oferece algumas opções, dando uma pretensa sensação de
que ele está fazendo a escolha de quem ele quer ser.
Ao encerrar essa dissertação, não tenho a pretensão de apresentar respostas
definitivas ou deter uma fixa compreensão acerca da juventude. Se tratando de um objeto em
constante mutação, cremos que quanto mais o estudamos, observamos e analisamos, mais
perguntas se formam acerca dos mesmos temas. Considerando que as questões aqui tratadas
emergiram de dúvidas oriundas de trabalhos anteriores, acreditamos que as dúvidas que deste
nascem, provavelmente originarão futuros trabalhos. A juventude é território fértil para
inúmeros estudos: embora pareça ser um campo complexo e obscuro, cremos ser um tema
repleto de cores e sensações.
Discuti aqui, sob um olhar pelo viés da Moda e da Comunicação, embasado pelos
Estudos Culturais, questões acerca da mídia e do consumo jovens, transpassados pelas
questões identitárias, oriundas dos anseios jovens que se mesclam com o campo da mídia e do
consumo.
O material analisado, composto por seis edições da Revista Capricho, apresentou
diversos conteúdos que reforçam a idéia de que a mídia está constantemente convidando o
jovem a ocupar o seu espaço, vestir a camisa, incorporar um personagem, decidir quem eu
sou eu por meio do consumo, das escolhas dentre um leque limitado de opções, das ofertas
106
apresentadas nas vitrines. Os jovens querem – e a mídia ensina – ser diferentes para
mostrarem atitude. Mas também querem ser iguais para pertencerem a algo. Querem provar
uma suposta rebeldia, mas não querem sair da zona de conforto.
O contexto da Moda que víamos até a década de 50, onde uma tendência
predominava e todos ansiavam por serem iguais e na moda mescla-se com a rebeldia das
culturas juvenis das décadas seguintes, onde ser diferente, único, singular e não pertencente à
maioria era o maior anseio jovem. Assim, vejo que a juventude de hoje não é só híbrida nos
estilos, nos gostos, nas vivências. Ela é um híbrido de si mesma, um híbrido de todas as
juventudes que a antecederam, uma bricollage de trajetórias históricas que se sucederam e
foram deixando marcas, como pecinhas de Lego, que foram, aos poucos, formando esse
patchwork que é a juventude dos tempos de hoje.
107
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