190
II Seminário sobre Educação no Ensino Fundamental

II Seminário sobre Educação no Ensino Fundamental - ufjf.br¡rio... · As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de

  • Upload
    vutram

  • View
    216

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

II Seminário sobre Educação no Ensino Fundamental

Sumário

“DESAFIOS DA DOCÊNCIA”

“O CALUNDU AO CANDOMBLÉ”: AS RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA EM SALA DE AULA A PARTIR DA IMPLEMENTAÇÃO DA LEI 10.639/2003Taís Daiele Alves, Carolina dos Santos Bezerra Perez

CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA E MÉTODO FÔNICO: CONGRUÊNCIAS E AMBIGUIDADESPaôla Silva Gomes, Miriam Raquel Piazzi Machado

DOENÇA FALCIFORME NA ESCOLADanielle Braga Oliveira, Carolina dos Santos Bezerra Perez

EDUCAÇÃO EM SEXUALIDADE, GÊNERO E DIVERSIDADE SEXUAL: POSSÍVEIS CAMINHOS PARA A DOCÊNCIAKarla Santos Oliveira, Sylvia Helena dos Santos Rabello

(DES)USO DAS TECNOLOGIAS DIGITAIS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO NO ESPAÇO ESCOLAR: REFLEXÕES E APONTAMENTOS SOBRE O CARÁTER PEDAGÓGICOAndréa Leandra de Carvalho, Lauriana G. de Paiva-Guttierrez

“PROGRAMA DE AVALIAÇÃO DA ALFABETIZAÇÃO” (PROALFA) E “PROGRAMA DE INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA ALFABETIZAÇÃO NO TEMPO CERTO” (PIP-ATC): EFEITOS PARA O TRABALHO DE PROFESSORES DE DUAS ESCOLAS DA REDE PÚBLICA ESTADUAL DE JUIZ DE FORAJordana de Moura, Daniela Motta de Oliveira, Margareth Conceição Pereira

BRINQUEDOS, BRINCADEIRAS E RELAÇÕES DE GÊNERORafaela da Cruz Corrêa, Anderson Ferrari

9

7

15

19

25

37

43

31

O ENSINO DE ESTRATÉGIAS DE LEITURA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL ATRAVÉS DO LIVRO DIDÁTICOAriane Rodrigues Gomes Leite Godoy, Miriam Raquel Piazzi Machado

O USO DA NARRATIVA NA FORMAÇÃO DOCENTEBianca da Silva Toledo, Rosângela Veiga Júlio Ferreira, Camila Silva Pinho

ADAPTAÇÕES DE LIVROS PARA O CINEMA E SUA INFLUÊNCIA NA FORMAÇÃO DE LEITORESMariana Marcon Benicá, Maria Cristina Weitzel Tavela

AS NARRATIVAS PRODUZIDAS POR DISPARADORES DE MEMÓRIA: OUVINDO AS CRIANÇASAmanda Maroco dos Reis Silva, Rosângela Veiga Júlio Ferreira, Camila Silva Pinho.

ORIENTAÇÕES DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS PARA A FORMAÇÃO DE UMA NOVA CONSCIÊNCIA POLÍTICA DOS PROFESSORES E OS IMPACTOS NAS SUAS LUTAS E NA SUA ORGANIZAÇÃO SINDICALLetícia Cristina Pereira, Daniela Motta de Oliveira

OFICINAS DE LETRAMENTO: A MEDIAÇÃO ENTRE AS CRIANÇAS DE ESCOLAS PÚBLICAS E OS OBJETOS CULTURAISAnalina Alves de Oliveira Muller, Luciane Manera Magalhães

A LITERATURA E O ENSINO DE GEOGRAFIA: DIÁLOGOS POSSÍVEISAndreia Cristina Teixeira Tocantins, Rosângela Veiga Júlio Ferreira

A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO ENSINO FORMAL: PROJETOS E PESQUISAS VOLTADAS PARA O AMBIENTE ESCOLARGeisa Dias Gaio, Fernanda Bassoli Rosa

O ACESSO DOS ALUNOS COM DEFICIÊNCIA AO ENSINO SUPERIOR: UM BREVE HISTÓRICOFranciane Lopes de Sá, Deniza Geny Silva Machado Martins

NARRATIVAS LITERÁRIAS NO ENSINO FUNDAMENTAL: COMPARTILHANDO SENTIDOS E SIGNIFICADOS COM CRIANÇASMárcia Mariana Santos de Oliveira

53

47

57

63

67

71

77

83

89

95

A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: UM OLHAR SOBRE A ADEQUAÇÃO DOS LIVROS DIDÁTICOSMarcela Franca e Gomes Silva, Sérgio Augusto Leal de Medeiros

PRODUÇÃO ESCRITA EM CLASSE DE 1º ANO: UMA PRÁTICA POSSÍVELPriscila Mara Teixeira Silva

INDISCIPLINA E ATO INFRACIONAL: REFLEXÃO SOBRE A ABORDAGEM REALIZADA EM ESCOLAS PÚBLICAS DE JUIZ DE FORAMárcia de Oliveira Costa, Vânia Fernandes e Silva

AS ESTRATÉGIAS DE LEITURA: UMA ANÁLISE A PARTIR DA INTERAÇÃO DE LEITORES INICIANTES COM UM INSTRUMENTO DE AVALIAÇÃO EM LARGA ESCALAVanessa Rocha Campos, Rosângela Veiga Júlio Ferreira

ALGUNS CONCEITOS DE BERGSON E DA PEDAGOGIA WALDORF EM UM CONTRAPONTO COM UMA EDUCAÇÃO TRADICIONALMarina Scoralick Vassalli, Renata Morais Lima

UM OLHAR PARA AS PESQUISAS SOBRE O ENSINO DE CIÊNCIAS NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTALRaisa Matos, Fernanda Bassoli Rosa

RELAÇÕES ENTRE GÊNERO E RENDIMENTO ESCOLAR NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTALMichele Priscila Gonçalves dos Santos, Anderson Ferrari

O PACTO NACIONAL PELA ALFABETIZAÇÃO NA IDADE CERTA NO POLO JUIZ DE FORA: ALGUNS APONTAMENTOSAida do Amaral Antunes, Luciene Ferreira da Silva Guedes

REFORÇO ESCOLAR NO PROJETO DE EXTENSÃO E INCLUSÃO SOCIAL DAS PERIFERIAS JUIZFORANAS: EXPERIÊNCIAS EDUCACIONAIS NA FORMAÇÃO INICIAL DAS LICENCIATURAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORACátia Pereira Duarte, Dinah Vasconcellos Terra, Warley Almeida Silva

101

105

111

115

119

125

131

135

141

INCLUSÃO ESCOLAR: REFLEXÃO SOBRE A FORMAÇÃO DE PROFESSORESJuliana Aparecida Oliveira de Almeida, Vânia Fernandes e Silva

O LABORATÓRIO DE INFORMÁTICA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: REFLEXÕES SOBRE SEU USOTaiza Marcello Araripe, Andréia Alvim Bellotti Feital

QUESTÕES DE GÊNERO E DE SEXUALIDADES: DESAFIOS E REFLEXOS NA EDUCAÇÃOMaria Rita Neves Ramos, Sylvia Helena dos Santos Rabello

EDUCAÇÃO INTEGRAL NO BRASIL: UM POUCO DE SEU PERCURSO HISTÓRICOBrenda Isabella Da Costa Toledo, Deniza Geny Silva Machado Martins

COMO AS POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS DO ESTADO DE MINAS GERAIS VÊM LIDANDO COM OS DIFERENTES TEMPOS DE APRENDIZAGEM PRESENTES NO COTIDIANO ESCOLAR?Jucélia de Paiva Silva, Simone da Silva Ribeiro

A REESCRITA A PARTIR DO BILHETE ORIENTADOR DO PROFESSOR DE LÍNGUA MATERNAMoyra Ribeiro Marques, Luciene Ferreira da Silva Guedes

O ENSINO DA LITERATURA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: UMA PROPOSTA DE PRÁTICA EM FAVOR DO LETRAMENTO LITERÁRIOAriane Bento de Moura, Begma Tavares Barbosa

EDUCAÇÃO INFANTIL E ENSINO FUNDAMENTAL: A IMPORTÂNCIA DA “PERMANÊNCIA” DA LITERATURA NO PROCESSO DE TRANSIÇÃOHeliara Disla Teixeira, Begma Tavares Barbosa

153

147

159

163

169

175

181

187

“Desafios da Docência”

O papel das Instituições de Ensino Superior (IES) públicas na formação dos professores, de forma geral, e na formação continuada, de forma específica, é inegável; dito de outro modo, sendo locus da formação inicial dos docentes, as universidades públicas têm responsabilidade política e acadêmica com as políticas públicas de formação continuada dos professores. Significa, portanto, que a UFJF, ao trazer para si a responsabilidade de desenvolver ações de acompanhamento e formação docente, nada mais faz do que cumprir a sua vocação e o seu compromisso com a sociedade.

O Colégio de Aplicação (CAp), espécie de escolas de ensino fundamental e médio ligadas às Instituições de Ensino Superior (IES) públicas brasileiras, foi criada como campo de estágio curricular para os cursos de licenciatura. Essa demanda inicial se alargou ao longo dos anos, na medida em que essas escolas conquistaram espaço político e acadêmico nas suas instituições, tornando-se referência para as redes públicas municipais e estaduais nas regiões onde se localizam.

A implementação do Curso de Especialização em Educação no Ensino Fundamental do Colégio de Aplicação João XXIII da UFJF, em 2012, marcou a retomada do colégio na formação continuada de professores. Um ano mais tarde, o Departamento de Educação Física também apresentou seu projeto de especialização que, aliado a outros movimentos de caráter extensionista envolvendo os diversos departamentos do colégio, consolidou a perspectiva e a vocação desta escola, que é o ensino básico de qualidade e socialmente referenciado, atrelado ao compromisso com a formação inicial e continuada de professores.

O II Seminário sobre Educação no Ensino Fundamental “Desafios da Docência” debate os desafios colocados para os professores e para as escolas, tais como o seu trabalho e a sua formação, a gestão democrática da escola, as propostas de implementação do tempo integral versus a formação integral e as novas linguagens nos processos educativos.

Sem a pretensão de trazer respostas prontas e acabadas, o II Seminário sobre Educação no Ensino Fundamental “Desafios da Docência” visa discutir tais temas a fim de subsidiar o debate necessário para fazer avançar a educação pública de qualidade que defendemos.

Os trabalhos apresentados neste II seminário refletem as diferentes visões teóricas e os diversos pontos de vista acadêmicos que permeiam a produção de conhecimento na área de Educação, tanto aquelas oriundas do próprio Curso de Especialização em Educação no Ensino Fundamental do C.A.João XXIII, quanto as produzidas por pesquisadores vinculados a outras instituições.

Daniela Motta de OliveiraLauriana Gonçalves de Paiva-Gutierrez

Deniza Geny Machado Martins

Comissão Organizadora“

O CALUNDU AO CANDOMBLÉ”: AS RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA EM SALA DE AULA A PARTIR

DA IMPLEMENTAÇÃO DA LEI 10.639/2003

Taís Daiele Alves1

Carolina dos Santos Bezerra Perez2

RESUMO

O presente trabalho visa estudar a implementação da Lei 10.639/2003, no que diz respeito à inserção de temas ligados às religiões de matriz africana em sala de aula, intencionando identificar como tais temáticas vêm sendo inseridas no espaço escolar. O objetivo é dialogar e analisar experiências de inclusão da temática nas escolas, buscando desvendar quais são as maiores dificuldades encontradas pelos docentes ao trabalharem com conteúdos ligados às religiões afro-brasileiras. Para tanto, foram utilizadas análises documentais e bibliográficas, buscando uma maior compreensão da dimensão histórica da vinda dos africanos para o Brasil e a inserção e adaptação das religiões de matriz africana no contexto colonial brasileiro. Buscamos também esclarecer as origens e continuidade da intolerância e preconceito em relação às religiões de matriz africana e identificar ações educativas desenvolvidas no espaço escolar, que apontam caminhos para a construção de uma educação voltada para o respeito à diversidade cultural e religiosa.

Palavras-chave: Religiões de matriz africana. Intolerância. Preconceito. Escola. Sala de Aula.

1 C. A. João XXIII/UFJF. Contato: [email protected] 2 C. A. João XXIII/ UFJF. Contato: [email protected]

10

O presente estudo surgiu de um constante interesse em investigar as temáticas ligadas às relações étnico-raciais durante minha formação inicial, a graduação em História; neste período tive os primeiros contatos com a Lei nº 10.639/2003 que tornou obrigatório o ensino da História e Cultura Africana e Afro-Brasileira nos estabelecimentos escolares do país sendo estes públicos ou privados, a partir de então, me atentei às dificuldades de implementação da legislação. O meu despertar para a questão das religiões de matriz africana surgiu da prática em sala de aula, logo nos primeiros dias em que adentrei o espaço escolar.

Ao tratar as religiões de matriz-africana em sala, inserindo-as nas temáticas em discussão, obtive como resposta dos alunos palavras de reação como “credo”, “cruzes”, “isso é macumba”. Tais reações instigaram-me a investigar e ler mais sobre a inserção dos temas em questão. Como essas inclusões se davam? Havia projetos visando essa perspectiva? A intenção inicial era buscar respostas para a minha prática docente.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana criadas em outubro de 2004, após a implementação da Lei 10.639/03, trazem premissas no sentido de resgatar a contribuição da população negra para a formação histórica e cultural da sociedade brasileira.

Essas políticas têm por princípio o direito dos negros de se reconhecerem e se verem representados na cultura nacional; o direito de negros, brancos e de quaisquer etnias cursarem todos os níveis de ensino orientados por professores qualificados para o ensino das diferenças, “[...] com formação para lidar com as tensas relações produzidas pelo racismo e discriminação, sensíveis e capazes de conduzir a reeducação das relações entre diferentes grupos étnico-raciais [...]” (BRASÍLIA, 2004, p. 11). Condições as quais são indispensáveis para uma educação de qualidade para todos os cidadãos, visando reconhecer e valorizar a história, cultura e identidade afro-brasileira.

É essencial fomentar a valorização do patrimônio histórico-cultural afro-brasileiro, reconhecendo a “diversidade daquilo que distingue os negros dos outros grupos que compõem a população brasileira” (BRASÍLIA, 2004, p. 11). Para tanto, é necessário que se conheça a história e cultura africana e afro-brasileira a partir de estratégias pedagógicas de valorização da diversidade, buscando superar as desigualdades étnico-raciais.

O combate ao racismo e a reeducação para as relações étnico-raciais não são tarefas unicamente da escola, uma vez que o preconceito racial e a discriminação não nascem na escola; entretanto, essas questões perpassam o espaço escolar. Tais instituições, enquanto ambientes que detêm o papel de educar, devem constituir um espaço democrático de divulgação e produção do conhecimento, mantendo uma postura que prega a justiça social.

A opção por analisar as religiosidades como componente cultural da identidade afro-brasileira se deve a diversos aspectos. Tal elemento foi essencial na formação da cultura e identidade nacional brasileira. As religiões de matriz africana se constituíram em um verdadeiro símbolo da herança africana, base de resistência negra num processo exploratório, no qual os africanos se viram roubados em sua dignidade diante da prática escravocrata de sujeição, inclusive religiosa, com o batismo cristão.

Faz-se necessário concretizar ações no espaço educativo, e fora dele, de combate ao racismo às populações afrodescendentes e à cultura negra. A falta de conhecimento e a desinformação levam ao preconceito, à formação de estereótipos, incorrendo em visões deturpadas e depreciativas em relação às religiões afro-brasileiras.

11

Do ponto de vista historiográfico, a pesquisa embasou-se em autores como (FAUSTO, 2010; REIS; SILVA, 1989 e SILVA, 2003; MOTT, 1997) estabelecendo a partir desses um panorama histórico sobre o translado, escravização, heranças culturais e entremeados das relações étnico-raciais. No sentido de buscar esclarecimentos em relação à origem do racismo e de conceitos como racismo, preconceito, discriminação, discriminação racial, utilizamos (SANT’ANA, 2005).

O que se pretende é realizar um estudo sobre a implementação da Lei 10.639/2003 no tocante à inserção de temas ligados às religiões de matriz africana em sala de aula. Os objetivos específicos do trabalho compreendem: estabelecer um panorama histórico sobre as religiões de matriz africana no Brasil, a origem do preconceito em relação a essas e a formação de estereótipos incutidos; identificar ações educativas no âmbito escolar, visando à implementação da Lei 10.639/2003 no que diz respeito à inserção de temas ligados às religiões de matriz africana; dialogar, analisar e apontar experiências que buscam promover a inclusão de tais temáticas; desvendar quais são as maiores dificuldades encontradas pelos docentes ao colocarem em evidência, na sala de aula, temas relacionados às religiões afro-brasileiras.

Para tanto, o pilar metodológico do trabalho se ancorou na análise documental e bibliográfica, utilizando-se de autores como Nilma Limo Gomes (2005), pesquisadora que traça reflexões sobre estratégias de atuação docente que visam à educação para as relações étnico-raciais; estudiosos como Julvan Moreira de Oliveira e Carolina dos Santos Bezerra Perez (2013), pesquisadores que enfocam questões relacionando educação, ancestralidade e identidade afro-brasileira.

Buscando realizar o levantamento, identificação e análise de discussões, ações e práticas educativas desenvolvidas no ambiente escolar que visam à inserção de temas ligados às religiões afro-brasileiras, pesquisas como as realizadas por Erivaldo Pereira dos Santos (2013) e Robert Daibert Júnior (2010) estão sendo utilizadas.

A pesquisa em andamento encontrasse em fase de análise das práticas e ações supracitadas, seria assim temporão definir resultados ou conclusões definitivas, todavia, a partir das leituras realizadas e das análises desenvolvidas, é possível assinalar alguns resultados.

Há uma real e visível dificuldade por parte das escolas em inserir as temáticas em questão nos currículos escolares. As instituições educacionais têm se esquivado diante da temática das religiões de matriz africana, a intolerância religiosa é um fato de discurso, as práticas religiosas de herança africana destoam das práticas vistas como socialmente “legítimas”. Os conteúdos da tradição judaico-cristã dominam os discursos de formação da subjetividade dos alunos no espaço escolar, enquanto as religiões afro-brasileiras sofrem um processo sistemático de esquiva do discurso. (SANTOS, 2013).

Daibert Júnior (2010) exemplifica uma ação educativa que poderia contribuir na tentativa de minimizar a intolerância em relação às religiões afro-brasileiras; um primeiro passo seria justamente fazer os alunos conhecerem situações históricas de tolerância e intolerância em relação a essas religiões, na tentativa de fazê-los reconhecer um tradicional silenciamento desses grupos discriminados. É necessário que os alunos entendam o que significa termos como intolerância, discriminação e racismo. É essencial lançar luz à origem histórica da intolerância e preconceito racial e religioso.

Entretanto, o primeiro passo é reconhecer, reconhecer que há um real desconhecimento por parte da sociedade e de seus professores em relação às religiões afro-brasileiras. A solução não

12

é a omissão ou esquiva das instituições escolares diante de tal realidade, a solução em primeiro lugar, seria reconhecer a existência da intolerância religiosa dentro das escolas, posteriormente incentivar uma formação adequada de professores, estimular a reflexão e a problematização de tais temas no espaço escolar a fim de estimular uma cultura de paz e respeito à diversidade cultural e religiosa (SANTOS, 2013).

REFERÊNCIAS

BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília, DF: MEC, 2004.

BEZERRA-PEREZ, Carolina dos Santos. Jongo e educação: corpo, cultura, imaginário e identidade no estudo das africanidades no espaço escolar. In OLIVEIRA, Julvan Moreira de. (Org.). Interfaces das Africanidades em Educação nas Minas Gerais. Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2013. p. 169-186.

CUNHA JÚNIOR, Henrique. Candomblés: como abordar esta cultura na escola. Revista Espaço Acadêmico, n. 102, ano, IX, nov. 2009.

DAIBERT JÚNIOR, Robert. Tambores na escola: desafios e perspectivas para as religiões afro-brasileiras na sala de aula. In PEREIRA, Edimilson de Almeida; DAIBERT JÚNIOR, Robert (Orgs.). Depois do Atlântico: modos de pensar, crer e narrar na diáspora africana. Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2010, p. 203-231.

FAUSTO, Boris. História do Brasil. 13. ed. São Paulo: Edusp, 2010.

GOMES, Nilma Lino. Educação e relações raciais: refletindo sobre algumas estratégias de atuação. In MUNANGA, Kabengele (Org.). Superando o racismo na escola. 2. ed. Brasília: Ministério da Educação/Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005. p. 143-154.

MOTT, Luiz. Cotidiano e vivência religiosa; entre a capela e o calundu. In SOUZA, Laura de Mello e. História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. v. 1, p. 155-220.

REIS, João José; SILVA, Eduardo. Negociação e conflito: a resistência negra no Brasil escravista. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

SANT’ANA, Antônio Olímpio de. História e conceitos básicos sobre o racismo e seus derivados. In MUNANGA, Kabengele (Org.). Superando o racismo na escola. 2. ed. Brasília: Ministério da Educação/Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005. p. 39-67. SANTOS, Erivaldo Pereira dos Santos. Educação e religiões de matrizes africanas: uma pesquisa com professores(as) de Belo Horizonte (MG) sobre intolerância religiosa. In OLIVEIRA, Julvan

13

Moreira de. (Org.). Interfaces das Africanidades em Educação nas Minas Gerais. Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2013. p. 121-138.

SANTOS, Nágila Oliveira dos. Do calundu colonial aos primeiros terreiros de candomblé no Brasil: de culto doméstico à organização político-social-religiosa. Revista África e Africanidades. Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro, ano I, n. 1, maio 2008.

SILVA, Eduardo. As camélias do Leblon e a abolição da escravatura: uma investigação de história cultural. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA E MÉTODO FÔNICO:CONGRUÊNCIAS E AMBIGUIDADES

Paôla Silva Gomes1

Miriam Raquel Piazzi Machado2

RESUMO

O presente trabalho é uma revisão e aprofundamento da literatura que visa compreender quais as congruências e ambiguidades entre o trabalho com a consciência fonológica e o método fônico no processo de alfabetização. Para isso, faço articulações com alguns conceitos relacionados à Alfabetização. Dentre os conceitos trabalhados estão, alfabetização e letramento, teoria da psicogênese da língua escrita e métodos de alfabetização. Além disso, irei explorar os conceitos e o trabalho com a consciência fonológica e o método fônico e verificar os aspectos que se contrapõem e se encontram no ensino com base em tais concepções.

Palavras-chave: Alfabetização. Letramento. Métodos de alfabetização. Método fônico. Consciência fonológica.

1 Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Juiz de Fora, cursando a Especialização em Educação no Ensino Fundamental do Colégio de Aplicação João XXIII/UFJF. Atualmente atua como professora do ensino fundamental da Rede Municipal de Juiz de Fora. Contato: [email protected]

2 Professora e coordenadora dos anos iniciais do Colégio de Aplicação João XXIII. Doutoranda em Educação pela UCP. Mestre em Edu-cação pela FCT/UNESP. Professora do Curso de Especialização em Educação no Ensino Fundamental. Contato: [email protected]

16

INTRODUÇÃO

O despertar para o tema proposto veio ainda no curso de graduação, mais especificamente durante minha experiência enquanto bolsista de Treinamento Profissional no Colégio de Aplicação João XXIII, com o projeto do 1º ano do ensino fundamental: “O primeiro ano no Colégio de Aplicação (C. A.) João XXIII: observação e interação” sob orientação das Prof.ª Rita Barros de Freitas Araujo e Miriam Raquel Piazzi Machado. Este projeto possibilitou-me o contato diário com este campo de atuação em específico e me fez apaixonar pelo processo de alfabetização, uma área que já tinha interesse durante a graduação.

A partir dessa nova área de interesse conheci o Grupo de Pesquisa Alfabetize3 e em 2013 iniciei minha participação como pesquisadora voluntária do mesmo. Via a necessidade de conhecer de modo mais profundo aspectos sobre a alfabetização.

Neste contato mais intenso com a alfabetização foram surgindo muitas questões e algumas me intrigavam de uma maneira diferente, como por exemplo, o trabalho com a consciência fonológica. Muito me atraía o modo como elas alfabetizavam seus alunos, e como era um tema novo para mim, e ainda confundia com o ensino pelo método fônico, decidi buscar o aprofundamento.

Partindo de minhas inquietações ao me deparar com as questões relacionadas à alfabetização, pretendo aqui, me debruçar sobre a seguinte questão: Quais as congruências e ambiguidades entre o trabalho com a consciência fonológica e o método fônico no processo de alfabetização?

Percebendo que não só eu, mas que muitos professores fazem confusão com tais concepções e às vezes ficam receosos em trabalhar com a consciência fonológica em virtude das inúmeras críticas ao método fônico, tive então como objetivo, neste trabalho, diferenciar o trabalho com a consciência fonológica do método fônico e seus efeitos no processo de alfabetização.

Para isso, irei discutir mais especificamente algumas questões: alfabetização e letramento; apresentação dos métodos de alfabetização, sintéticos e analíticos, com ênfase no método fônico, que discutirei de forma mais aprofundada; os fundamentos da teoria da psicogênese da língua escrita; exploração dos conceitos e o trabalho com a consciência fonológica; e como forma de verificação de minhas hipóteses, discutirei os aspectos que se contrapõem no ensino com base no método fônico e no trabalho com a consciência fonológica.

TENDÊNCIAS TEÓRICO-METODOLÓGICAS

Realizei neste trabalho uma revisão bibliográfica e aprofundamento da literatura sobre o tema proposto, a consciência fonológica e o método fônico no processo de alfabetização, visando compreender alguns conceitos de forma a fazer as articulações necessárias com o assunto, ver quais semelhanças e diferenças entre as propostas.

A alfabetização no seu sentido dicionarizado é utilizada para a ação de alfabetizar, de “ensinar a ler e a escrever”. Pode ser considerada também um “processo de aquisição do código escrito, das habilidades de leitura e escrita” (SOARES, 2005, p. 15). No seu sentido pleno,

3 Grupo de Estudos e Pesquisa em Alfabetização da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora, coordenado pela Profa. Dra. Luciane Manera Magalhães. O grupo Alfabetize atualmente está envolvido com o PROEXT, um projeto de formação inicial e continuada de professoras alfabetizadoras, que tem como objetivo promover a integração universidade/comunidade por meio das ações de extensão, ensino e pesquisa na área da alfabetização e letramento. Sua metodologia está pautada tanto nas ações de formação inicial quanto continuada.

17

deve levar à aprendizagem não de uma mera tradução do oral para o escrito, e deste para aquele, mas à aprendizagem de uma peculiar e muitas vezes idiossincrática relação fonemas-grafemas, de um outro código, que tem, em relação ao código oral, especificidade morfológica e sintática, autonomia de recursos de articulação do texto e estratégias próprias de expressão/compreensão (SOARES, 2005, p. 17, grifo do autor).

Para a escola, o processo de apreensão da leitura e da escrita, na visão de Soares (2005),

parece significar apenas a apreensão de um “instrumento” para uma futura obtenção de conhecimentos. A escola não vê a alfabetização como processo de construção do saber, forma de pensamento e meio de conquistar o poder político.

Segundo Soares (2004), a alfabetização era enfatizada como pela aprendizagem do sistema convencional da escrita, sendo estabelecida a partir de métodos de alfabetização e da junção e/ou separação deles. Os métodos se alternavam, visava-se em algumas horas no princípio da síntese, no qual era pensado o processo de alfabetização partindo de unidades menores da língua em direção as unidades maiores, ou seja, dos fonemas e sílabas, para a palavra, frase e o texto. Estes são os métodos fônico e silábico. Em outras horas partia-se pelo princípio de análise, em que o processo se dá ao contrário do anterior, partindo das unidades maiores e portadoras de sentido em direção às unidades menores, propondo os métodos da palavração, sentenciação e global. Todos os métodos foram, por muito tempo, utilizados e discutidos conforme sua eficácia e poder de alcance às crianças no processo de alfabetização.

A palavra Letramento, originada do inglês literacy, foi introduzida no Brasil em meados da década de 1980, foi definido por Soares como “[...] o resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever: o estado ou condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita” (SOARES, 1998, p. 18, apud CARVALHO, 2007, p. 65). O letramento traz para os grupos que se apropriam da escrita, consequências econômicas, políticas, culturais etc., tornando a escrita parte da vida dos indivíduos como meio de expressão e comunicação pode ser considerado.

Como um conceito recente, o letramento, surgiu, de acordo com Soares (2004), a partir de uma necessidade de nomear e configurar práticas sociais e comportamentos na área da escrita e da leitura, de forma a ultrapassar o domínio do sistema alfabético e ortográfico e os níveis de aprendizagem da língua escrita decorridos do processo de alfabetização.

Como a vida social e profissional se tornou cada vez mais dependente da língua escrita, os comportamentos e práticas sociais de leitura e escrita foram tomando visibilidade e importância. Era insuficiente o processo de alfabetização tradicional. A concepção de alfabetização então passou a ser ampliada e não compreendia mais somente, o que antes estava sendo proposto, que era, aprender o código escrito, ou seja, a ler e escrever. Com essa mudança de pensamento foi que apareceu a palavra letramento. Era necessário destacar e configurar com outra nomenclatura, as situações sociais que a escrita e/ou leitura, e práticas de uso desse sistema e seus comportamentos. Por isso tais conceitos são tão próximos que chegam até a serem confundidos, o letramento é um complemento da alfabetização e depois dessa associação não se distanciaram mais.

Em virtude do espaço de que dispomos, não detalharemos as discussões feitas no trabalho monográfico sobre a teoria da psicogênese da língua escrita e os métodos de alfabetização. Destacaremos apenas a concepção do método fônico e da consciência fonológica.

Durante muito tempo se discutiu quais métodos seriam mais eficientes, os sintéticos ou os analíticos. O método fônico pertence a classe dos métodos sintéticos, que têm como ponto de partida a letra, a relação letra-som, ou até mesmo a sílaba, para chegar até a palavra. Este método

18

em específico, de forma bem simplificada, é voltado para a dimensão sonora da língua, ou seja, o fato de as palavras serem formadas por fonemas além de possuírem um ou mais significados. Os fonemas são representados na escrita pelas letras do alfabeto e na fala pelas unidades mínimas dos sons. O objetivo é ensinar ao aluno a produzir na língua oral os sons representados através das letras e a uni-los a fim de formar palavras. A ênfase é ensinar a decodificar os sons da língua pela leitura, para na escrita codificá-los. Os mais conhecidos são o método “A abelhinha” e “A casinha feliz”.

Ao ouvir falar sobre a consciência fonológica, acreditava, assim como muitos, ser igual ao método fônico, em que consistia, basicamente, alfabetizar a partir dos fonemas isoladamente, primeiro as vogais e depois as consoantes. Porém esta possibilidade de alfabetização vai além, pode ser compreendida como “um conjunto de habilidades que vão desde a simples percepção global do tamanho da palavra e de semelhanças fonológicas entre as palavras até a segmentação e manipulação de sílabas e fonemas”. (BRYANT & BRADLEY, 1985, apud, LOPES, 2004, p. 241). Percebi que há muitas diferenças entre as duas concepções e almejo nesse trabalho compreendê-las.

CONSIDERAÇÕES PARCIAIS

Com o que já foi pesquisado e estudado é possível sinalizar, parcialmente, algumas questões. Os métodos ainda são muito presentes no processo de alfabetização, porém não podem ser enrijecidos, é preciso estar aberto há mudanças e há novos rumos. Não é necessário pegar tudo o que já foi construído e descartar, assim como a sociedade, a escola também precisa evoluir e renovar o que já está vigente há longos anos.

É possível apontar como convergência entre o método fônico e a consciência fonológica que ambos partem da relação fonema-grafema no processo de alfabetização, ou seja, da relação entre letras e sons, seja em sílabas ou palavras. Porém se divergem no modo com abordam tal questão. O fônico é um método mais mecânico, e tende a alfabetizar a partir dos fonemas isoladamente. Por outro lado, a consciência fonológica parte de uma concepção em que as letras e palavras são contextualizadas e que o processo de alfabetização dever ser reflexivo e não apenas decorado.

Como o trabalho ainda está em fase de construção, algumas discussões ainda não foram totalmente concluídas, seria precoce uma definição exata de resultados, algumas análises ainda estão sendo realizadas.

REFERÊNCIAS

CARVALHO, Marlene. Alfabetizar e letrar: um diálogo entre a teoria e a prática. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2007.

LOPES, Flavia. O desenvolvimento da consciência fonológica e sua importância para o processo de alfabetização. Psicol. Esc. Educ., v. 8, n. 2, Campinas, dez. 2004. (Impr.)

SOARES, Magda. Alfabetização e letramento. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2005.

SOARES, Magda. Alfabetização e letramento: caminhos e descaminhos. Revista Pátio – Revista Pedagógica, 19 fev. 2004.

DOENÇA FALCIFORME NA ESCOLA

Danielle Braga Oliveira1

Carolina dos Santos Bezerra Perez2

RESUMO

O presente trabalho traz reflexões acerca das relações interpessoais que os alunos com doença falciforme estabelecem no ambiente escolar. Sabendo que essa é uma doença genética e que predomina em indivíduos negros, estabeleceu-se também relação entre as implicações causadas pela doença, que envolve fatores físicos e cognitivos, e as implicações oriundas do preconceito racial. Buscou-se obter informações sobre as relações dos alunos falcêmicos com os demais indivíduos do círculo escolar tendo como suporte o olhar do professor. Compreende-se que o contexto escolar é parte constituinte da vida social do aluno como um todo e entendemos que é nesse contexto que ele é inserido em questões mais amplas da sociedade, portanto a inserção plena da criança nesse ambiente torna-se de grande importância para o seu desenvolvimento.

Palavras-chave: Doença falciforme. Relações étnico-raciais. Escola. Diversidade. Formação de professores.

1 C. A. João XXIII/UFJF. Contato: [email protected] C. A. João XXIII/UFJF. Contato: [email protected]

20

INTRODUÇÃO

A doença falciforme é uma doença hematológica, genética e crônica que atinge grande parte da população brasileira predominando em indivíduos negros. Dentre todos os sintomas e implicações clínicas da doença, percebemos que o fator social apresenta grande relevância na vida dos indivíduos acometidos por essa doença. Apesar de ser uma doença de grandes proporções, que atinge boa parte da população, ela não é divulgada, e poucas pessoas têm algum conhecimento a seu respeito. Esse se torna o grande problema dessa doença, visto que o desconhecimento faz com que as pessoas cultivem preconceito aos indivíduos falcêmicos, principalmente no que diz respeito às características físicas. Associado a isso, o fato de serem em sua maioria negros faz com que eles sofram duplamente com o preconceito. Nesse sentido, compreendemos que a escola é o espaço mais adequado para o trabalho com essas questões. Sabemos que as crianças com doença falciforme enfrentam grandes problemas quanto à vida escolar e, portanto é necessário que seja realizado um trabalho voltado para o conhecimento dessa doença o que vai ao encontro ao que diz a lei 10.639, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira no currículo oficial das escolas públicas e privadas de todo o país. Frente a isso, as discussões devem problematizar o olhar da comunidade escolar com relação às questões raciais, uma vez que a doença, por se manifestar massivamente em pessoas negras, deixa exposto o caráter do preconceito racial, aliado ao exercício dos direitos de cidadania e de acesso à educação, envolvendo, por parte da escola, a necessidade de adoção de posturas em dimensão pedagógico-política, uma vez que já tem respaldo nos documentos oficiais da educação brasileira no sentido de formar cidadãos para uma sociedade mais justa.

Considerando o que prevê a Constituição Federal, entendemos que é necessário que sejam desenvolvidos métodos que viabilizem a garantia de educação para todos, mas também que se problematize a qualidade das relações que se estabelecem na escola. Sabemos que há indivíduos que são excluídos dos processos educativos por diferentes fatores. O atendimento a essas crianças precisa contemplar seus direitos e suas necessidades, considerando as especificidades de suas patologias.

OBJETIVO GERAL

Esse trabalho tem o propósito de analisar as relações dos alunos com doença falciforme no âmbito escolar, a partir do olhar do professor, tendo como foco principal as relações de aprendizado e de convívio social no que diz respeito às implicações da doença, como o afastamento escolar por fatores clínicos, considerando que tais dificuldades e o preconceito racial contribuem para a evasão escolar de crianças negras.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

• Observaraspráticaspedagógicasexercidaspeloprofessornoquedizrespeitoaotratamento de temas que contemplem a doença falciforme e as relações raciais.

• Identificarseexisterelaçãoentreadoençaeaprendizadodoaluno.• Analisarseaquestãoétnico-racialtemimplicaçõessignificativasnasrelaçõessociais

dos alunos com doença falciforme.

21

• Analisarseoconhecimentodadoençapeloprofessorcontribuideformasignificativano processo de ensino-aprendizagem.

METODOLOGIA

O trabalho a ser desenvolvido tem como base a pesquisa qualitativa. A metodologia elencada para o desenvolvimento consiste na coleta de dados a partir de entrevistas e posterior análise das mesmas, baseada nos referenciais teóricos relacionados à doença falciforme e às questões étnico-raciais.

A escolha pela metodologia da entrevista está apoiada no fato de que o contato direto com o entrevistado permite a obtenção, pelo entrevistador, de elementos e informações que não seriam possíveis em outros métodos. Expressões, emoções, silêncios, entre outros elementos contribuem para maior veracidade das informações desejadas e permitem melhor e mais ampla dimensão na interpretação das respostas obtidas. Essa metodologia valoriza a história de vida oral e a memória dos entrevistados.

A entrevista proposta consiste em perguntas dispostas em um questionário semiestruturado. A escolha por um questionário que não contemplasse perguntas objetivas, pois são apenas norteadoras, está apoiada no fato de que a entrevista não padronizada “permite correções, esclarecimentos, e adaptações que a tornam sobremaneira eficaz na obtenção das informações desejadas” (LUDKE; ANDRÉ, 1986, p. 34).

Sabemos também que o pesquisador deve ser neutro e imparcial sem influenciar nas respostas dos entrevistados. O respeito ao ponto de vista e às opiniões expostas é imprescindível. Dessa forma, buscaremos desenvolver questões que não firam as concepções e ideologias dos indivíduos entrevistados.

REFERENCIAL TEÓRICO

Tendo como foco o tema desta pesquisa, os referenciais teóricos incialmente elencados para embasar este trabalho são: a cartilha Os direitos educacionais das crianças e dos adolescentes adoentados: orientações para escolas, famílias e hospitais, desenvolvida por Altemir José Gonçalves Barbosa, Lúcia Castro Britto, Thaís Ferreira Soares, Ana Caroline Toledo Mostaro e Isabela Andrade de Oliveira Fernandes (BARBOSA et al., 2002). Essa cartilha traz informações básicas para o tratamento de crianças em períodos de internação que carecem de atendimento pedagógico em classes hospitalares.

No desenvolvimento do trabalho foram utilizados textos legais – tais como a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, O Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e a Lei 10.639/03, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira no currículo oficial das escolas públicas e privadas de todo o país – com o intuito de fomentar a discussão no que se refere aos direitos das crianças.

Foram ainda citadas as obras de Menga Ludke e Marli E. D. A. André (LUDKE; ANDRÉ, 1986) para descrever a metodologia selecionada para o trabalho, abordando pesquisas qualitativas em educação; e de Elizete Lúcia Moreira Matos e Margarida Maria Teixeira de Freitas Mugiatti (MATOS; MUGIATTI, 2011), que abordam a Pedagogia Hospitalar.

Especificamente sobre o tema elencado foram utilizadas as obras de Maria Tereza Ramalho Fernandes (2013), que descreve sobre a invisibilidade da criança com doença falciforme

22

acrescida pelo preconceito racial, e o Manual de anemia falciforme para agentes comunitários de saúde (2006), disponível na página virtual do Ministério da Saúde, que aborda cuidados básicos e principais características da doença.

No que se refere às questões étnico-raciais foi utilizada a obra Educação intercultural: desafios e possibilidades, de Mylene Cristina Santiago, Abdeljalil Akkari e Luciana Pacheco Marques (SANTIAGO; AKKARI; MARQUES, 2013). Foram utilizadas também as obras Cultura negra e educação, de Nilma Lino Gomes (2003), Superando o racismo na escola, de Kabenguele Munanga (2005) e a Apostila educação para as relações étnico-raciais (ERER), de Carolina dos Santos Bezerra-Perez (2012).

CONCLUSÕES

Percebemos que as crianças acometidas pela doença falciforme sofrem tanto pelas implicações clínicas da doença quanto pelo preconceito racial. O desconhecimento da doença acarreta a falta de preparo das escolas em lidar com esses alunos, porém os professores se mostram empenhados em proporcionar a essas crianças melhores condições de aprendizado e de convívio social. Falta, porém, maior iniciativa dos responsáveis da educação para que se possa dar aos professores e aos demais profissionais envolvidos com essas crianças subsídios que permitam seu desenvolvimento pleno e a erradicação do preconceito.

Sabemos que os profissionais envolvidos no trato de crianças acometidas por doenças que comprometam seu desenvolvimento, mediante as condições de aprendizagem que cada uma apresenta, devem ter em mente um conjunto de referências que possibilitem o exercício de ações humanizadoras do trabalho pedagógico. Para além das intervenções médicas, necessárias à saúde física desse alunado, há as intervenções educacionais que se propõem a ampliar todas as possibilidades em termos de situações de aprendizagem e do bem-estar da criança. No entanto, os professores desconhecem outros métodos de trabalho e não têm respaldo de outras instâncias da educação para o trabalho com esses alunos. Acreditamos que o trabalho pedagógico deve ser sempre repensado e renovado em suas práticas, concepções e posturas, a partir da realidade e do tempo no qual se insere.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Altemir José Gonçalves; BRITTO, Lúcia Castro; SOARES, Thaís Ferreira; MOSTARO, Ana Caroline Toledo; FERNANDES, Isabela Andrade de Oliveira. Os direitos educacionais das crianças e dos adolescentes adoentados: orientações para escolas, famílias e hospitais. Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2012.

BEZERRA-PEREZ, Carolina dos Santos (Org). Apostila educação para as relações étnico-raciais (ERER). Juiz de Fora: Universidade Federal de Juiz de Fora, 2012. (Módulo 5)

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1998. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 17 ago. 2013.

______. Estatuto da Criança e do Adolescente. 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm> Acesso em 17 ago. 2013.

23

______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/L9394.htm>. Acesso em 18 ago. 2013.

______. Lei 10.639. 2003. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm>. Acesso em 18 ago. 2014.

FERNANDES, Maria Tereza Ramalho. Escola e doença falciforme: quebrando a invisibilidade, promovendo a inclusão. Monografia (Especialização em Educação no Ensino Fundamental) – Colégio de Aplicação João XXIII/UFJF. 2013.

GOMES, Nilma Lino. Cultura negra e educação. Revista Brasileira de Educação, n. 23, p. 75-85, maio/jun./jul./ago. 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n23/n23a05.pdf>. Acesso em 15 jun. 2014.

LUDKE, Menga; ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.

MATOS, Elizete Lúcia Moreira. MUGIATTI, Margarida Maria Teixeira de Freitas. Pedagogia Hospitalar: a humanização integrando educação e saúde. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Manual de anemia falciforme para agentes comunitários de saúde. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_anemia_falciforme_agentes_comunitario.pdf>. Acesso em 15 jun. 2014.

MUNANGA, Kabengele (Org.). Superando o racismo na escola. 2. ed. Brasília: MEC/SECAD, 2005.

SANTIAGO, Mylene Cristina; AKKARI, Abdeljalil; MARQUES, Luciana Pacheco. Educação intercultural: desafios e possibilidades. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.

EDUCAÇÃO EM SEXUALIDADE, GÊNERO E DIVERSIDADE SEXUAL:

POSSÍVEIS CAMINHOS PARA A DOCÊNCIA

Karla Santos Oliveira1 Sylvia Helena dos Santos Rabello2

RESUMO

O propósito deste trabalho foi o de contribuir para um melhor direcionamento do ensino de temas de sexualidade na escola básica, voltando-se, especialmente, para a formação de professores/as do 1º ao 5º ano do ensino fundamental. Para tanto, buscou-se analisar, através de pesquisa documental, a ocorrência de disciplinas acadêmicas que abordam tais temas no currículo de Pedagogia da UFJF (Modalidades Presencial e EaD) bem como a presença de materiais didáticos voltados à formação de professores/as disponíveis em sites governamentais (União, Estado de Minas Gerais e Município de Juiz de Fora-MG). A análise dos dados revelou a pequena incidência de disciplinas curriculares obrigatórias que abordam esta temática no currículo de graduação em Pedagogia bem como a inexistência de materiais didáticos voltados à formação de professores/as que atuam as séries iniciais do ensino fundamental.

Palavras-chave: Escola básica. Sexualidade. Gênero. Diversidade sexual. Ensino fundamental.

1 Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Juiz de Fora, discente do Curso de Especialização em Educação no Ensino Funda-mental do Colégio de Aplicação João XXIII/UFJF, professora da rede pública municipal e estadual de ensino em Juiz de Fora. Contato: [email protected]

2 Professora do Colégio de Aplicação João XXIII/UFJF.

26

INTRODUÇÃO Os estudos em gênero e sexualidade têm ganhado espaço significativo nas últimas décadas

trazendo cada vez mais à discussão questões silenciadas anteriormente. Um dos assuntos o qual deve se dar importância é o ensino em sexualidade, que se faz presente na sociedade brasileira desde o século XX, tomando diferentes abordagens e modos de trabalho no decorrer dos anos. Embora não presente na Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB (BRASIL, 1996), mais recentemente, a partir do ano de 2010, Diretrizes Curriculares Nacionais voltadas à educação básica (BRASIL, 2010a; BRASIL, 2010b) vêm enfatizando a importância da abordagem de conteúdos de gênero e sexualidade nas escolas, temas recorrentes no cotidiano das crianças e adolescentes.

Nesse contexto, destaca-se a importância da discussão de temas relativos à diversidade sexual e o combate à homofobia, uma vez que a instituição escolar tem sido palco tanto de agressões e discriminações às pessoas com expressões não heteronormativas da sexualidade e do gênero como ainda é tímido seu engajamento na luta pelos direitos dessas pessoas, o que demonstra a relevância deste trabalho, bem como a escolha do tema.

OBJETIVO

O fato de existirem documentos que apontam a necessidade de tal ensino já indica o avanço no pensamento das diversidades que estão presentes na sociedade, embora muitas vezes sua existência seja negada e forçada a se adaptar a padrões determinados com base nos pré-conceitos que pairam tanto em ambiente escolar como na sociedade de uma forma geral. Apoiada nesses aspectos procuro investigar a formação de profissionais para o ensino de sexualidade e gênero, com destaque para a abordagem da diversidade sexual, a partir da disponibilidade de materiais educativos voltados a essa temática e que visem apoiar o/a docente quando em atuação nesta área, mais especificamente, professores/as do 1° ao 5° ano do ensino fundamental. Também serão objeto de análise documentos oficiais emanados dos órgãos educacionais brasileiros referentes à recomendação do ensino de sexualidade e gênero. Desse modo, a questão a qual pretendo explorar é: a recomendação para o ensino de sexualidade e gênero nas séries iniciais do ensino fundamental presente em documentos oficiais brasileiros é suficiente para que seu ensino ocorra? Com esta pesquisa, acredito que será possível analisar se existem adversidades no processo de ensino de sexualidade e gênero quanto à formação de professores/as e material disponível como auxílio na aprendizagem, favorecendo o trabalho do/a profissional assim como a compreensão das diferenças e formação de cidadãos e cidadãs mais informados/as e capazes de respeitar as diversidades sexuais e de gênero.

METODOLOGIA Para apoiar tal discussão, trago diferentes autores(as), como Guacira Lopes Louro (2008),

que aborda temas de suma importância como o espaço escolar e as diferenças construídas em si, questões inerentes à diversidade, gênero, entre outros temas. Também me referencio em Rogério Diniz Junqueira (2009), que aborda conceitos sobre diversidade sexual assim como o papel da escola na regulação dos padrões de gênero e sexualidade aceitos social e culturalmente. Outros/

27

as autores/as que trazem questões que aliam o ensino de sexualidade e educação à proposição de ensino nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), destacando aspectos como a formação de professores/as e elementos necessários para a construção de uma boa proposta pedagógica para o ensino de sexualidade e gênero, serão também considerados.

O trabalho se realiza através de pesquisa documental, configurando-se desse modo como qualitativo. Seu desenvolvimento consiste na busca de materiais e legislação no que diz respeito a sugestões de trabalho e formação de professores disponíveis em sites educacionais governamentais que abordem o ensino em sexualidade no primeiro segmento do ensino fundamental (1° ao 5° ano). Os sites elencados para pesquisa são de caráter educacional e englobam as três esferas de governo, abrangendo a proposta de trabalho recomendada na região na qual o curso de especialização – a que é destinado este trabalho – está localizado, quais sejam:

Governo Federal – site do MEC http://www.mec.gov.br/Governo do Estado de Minas Gerais – Centro de Referência Virtual do Professor; site

recomendado pela SEE-MG: http://crv.educacao.mg.gov.br/sistema_crv/ index2.aspx??id_objeto=23967.

Prefeitura Municipal de Juiz de Fora – site da Secretaria de Educação Municipal de Juiz de Fora: http://www.pjf.mg.gov.br/secretarias/se/index.php).

RESULTADOS

Neles, foram pesquisados materiais como cadernos, cartilhas, documentos e material de formação para o professor envolvendo a temática de sexualidade através das principais palavras-chave: DIVERSIDADE, SEXUALIDADE, GÊNERO, ORIENTAÇÃO SEXUAL, HOMOSSEXUALIDADE E HOMOFOBIA. Além disso, currículo do curso de pedagogia da UFJF nas modalidades presencial e EAD foi analisado, objetivando destacar as disciplinas oferecidas para a discussão de assuntos inerentes ás temáticas deste trabalho, bem como as possibilidades de que o estudo e aplicação do ensino em sexualidade seja desenvolvido e estimulado, tanto em âmbito acadêmico como escolar. Os termos procurados nas disciplinas foram os mesmos utilizados nos sites educacionais, estando o resultado de tais buscas exposto mais adiante na análise dos dados.

Através desta pesquisa, foi verificada a existência de diversos materiais como cartilhas, gibis e propostas de trabalho, até mesmo projetos como o Programa de Educação Afetivo Sexual – PEAS (desenvolvido pela rede estadual de educação de Minas Gerais) para o ensino em sexualidade no que diz respeito ao ensino médio e segundo segmento do ensino fundamental (CASTRO, 2008), entretanto, materiais específicos para o primeiro segmento não foram encontrados. Sobre os currículos de graduação analisados, como outro estudo apontou (SILVA, 2010), no currículo de pedagogia presencial da UFJF, foram encontradas somente três disciplinas que possuem em sua denominação as palavras-chave pesquisadas, das quais duas não fazem parte do currículo regular uma vez que são opcionais. No curso de pedagogia EAD, existem duas disciplinas sendo que uma delas não possui em sua denominação as palavras-chave, porém propõe o estudo de Temas Transversais nos PCN, documento no qual existe a proposta de ensino em sexualidade como tema transversal configurando-se dessa forma como uma possível fonte de estudo das questões de gênero, sexualidade e educação.

O que é possível inferir através desta análise, é que embora haja a recomendação nas DCN, PCN e matrizes curriculares, ainda é dificultosa a realização do trabalho com sexualidade, pois é

28

escassa a oferta de materiais para o ensino em sexualidade do 1° ao 5° ano, restando ao professor a tarefa de buscar materiais nas mais diversas fontes, uma vez que não lhe é oferecida nenhuma possibilidade pelos mesmos órgãos que sugerem tal ensino.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É evidente a necessidade do direcionamento do olhar para o ensino em sexualidade no primeiro segmento do ensino fundamental a fim de facilitar – e por conseguinte – estimular o trabalho com a sexualidade para esse público, fortalecendo dessa forma as discussões inerentes ás questões de gênero, diversidade e sexualidade.

Aprofundar os estudos em sexualidade, gênero e diversidade sexual em âmbito educacional representa não somente uma aquisição de conhecimento e construção de sentidos para o/a professor/a, mas o alicerce na busca por uma educação mais sólida e construtiva para o/a educando/a, tornando os integrantes desse processo sujeitos críticos e construtores de uma sociedade mais justa e igualitária.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Marcos A. Problematizando a escola a partir da relação Corpo, Gênero e Sexualidade. In FERRARI, Anderson (Org.). Sujeitos, subjetividade e educação. Juiz de Fora, MG: Ed. UFJF, 2010.

BRASIL. Lei n° 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/19394. htm>. Acesso em: 23 ago. 2014.

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica. Resolução n. 4, de 13 de julho de 2010. Define Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica, 2010a. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/>. Acesso em: 16 nov. 2013.

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica. Resolução n. 7, de 14 de dezembro de 2010. Fixa Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de 9 (nove) anos, 2010b. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/>. Acesso em: 16 nov. 2013.

CASTRO. Roney P. O Programa de Educação Afetivo-Sexual (PEAS) como prática de educação: múltiplas possibilidades. In FERRARI, Anderson (Org.). Sujeitos, subjetividade e educação. Juiz de Fora, MG: Ed. UFJF, 2010.

JUNQUEIRA, Rogério Diniz (Org.). Diversidade sexual na educação: problematizações sobre a homofobia nas escolas. Brasília: Ministério da Educação/Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade; UNESCO, 2009.

29

LOURO, Guacira L. Gênero, sexualidade e educação: uma pesquisa pós-estruturalista. 10. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.

SILVA, Kelly da. Formação de professores e currículo: Gênero, sexualidades e identidade em questão. In FERRARI, Anderson (Org.). Sujeitos, subjetividade e educação. Juiz de Fora, MG: Ed. UFJF, 2010.

(DES)USO DAS TECNOLOGIAS DIGITAIS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO NO ESPAÇO

ESCOLAR:REFLEXÕES E APONTAMENTOS SOBRE O CARÁTER

PEDAGÓGICO

Andréa Leandra de Carvalho1

Lauriana G. de Paiva-Guttierrez2

RESUMO

O presente trabalho é fruto do desdobramento de um trabalho monográfico que se concretizou como finalidade para a conclusão do curso de Especialização em Educação no Ensino Fundamental. Seu ponto de partida tem relação com uma inquietação que teve origem a partir de minha prática docente na qual pude vivenciar a recontextualização das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC) no espaço escolar a partir de atividades sem maiores propósitos pedagógicos. O foco desta investigação consiste em uma análise em relação ao discurso decorrente da presença e o uso das TDIC no ambiente escolar tendo em vista a realidade de uma escola pública municipal de Juiz de Fora.

Palavras-chave: Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação. Educação. Uso pedagógico do computador.

1 Docente da rede estadual de Minas Gerais. Licenciada em Pedagogia pela UFJF. Aluna do Curso de Especialização para Educação no Ensino Fundamental do C. A. João XXIII/UFJF. Contato: [email protected]

2 Professora do C. A. João XIII/UFJF. Bacharel em Educação e licenciada em Pedagogia pela UFJF. Mestre em Educação pela UFF. Doutora pela UERJ, com estágio de doutoramento realizado no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa. Líder do Grupo Interdisciplinar de Pesquisa, Ensino e Extensão em Políticas Educacionais, Formação de Professores e Práticas Pedagógicas (GIPEP). Contato: [email protected]

32

O incômodo com o uso das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC) no espaço escolar, sem haver planejamento e/ou uma discussão pedagógica a priori ou a posteriori, sempre inquietou-nos enquanto educadoras, especialmente ao observarmos tal prática nas escolas onde vivenciamos nossas primeiras experiências como docente nos anos iniciais do ensino fundamental.

Assim, tornou-se incômodo pensar que alguns usos das TDIC em ambientes escolares estavam se concretizando, fazendo com que estas estivessem sendo subutilizadas pedagogicamente, perdendo assim, sua potencialidade educacional, na medida em que eram usadas de forma acrítica, na perspectiva do cumprimento do discurso da necessidade de modernização do espaço escolar, como se a simples presença dos aparatos tecnológicos no espaço escolar garantisse tal “modernização”.

Nesse sentido, é compreensível a relevância de se investigar como se dá a produção social do uso pedagógico atribuído ao uso das tecnologias em espaços educacionais. Neste sentido, cabe compreender quais concepções norteiam o discurso político que induz à presença e ao uso das tecnologias nas escolas, bem como com qual concepção pedagógica os docentes constroem, a partir do uso das tecnologias, o processo de ensinar e aprender com as TDIC.

Assim, no presente trabalho nos pautamos na problemática “como se produz o discurso acerca do uso pedagógico das tecnologias digitais no espaço escolar?”. Dentre os objetivos do trabalho, destacam-se: compreender a os propósitos que norteiam a inserção das tecnologias (computador e internet) no espaço escolar atentando para o uso pedagógico subjacente a presenças de tais tecnologias a partir do Programa Nacional de Tecnologia Educacional – PROINFO3; buscar elementos que possam suscitar a compreensão/concepção do uso pedagógico das TDIC a partir das práticas de uma escola da rede pública da cidade de Juiz de Fora (MG), cujo trabalho com as TDIC apresenta grande destaque

Para tal, como estratégia metodológica para atingir nossos fins, buscou-se desenvolver este estudo num abordagem qualitativa, com estudo de caso, com uso de entrevista semiestruturada para coleta dos dados empíricos. Em conformidade com Lakatos e Marconi (2010), a entrevista é um instrumento por excelência da investigação social. Nesta perspectiva, a entrevista “é um procedimento utilizado na investigação social para a coleta de dados ou para ajudar no diagnóstico ou no tratamento de um problema social” (LAKATOS; MARCONI, 2010, p. 178).

De posse dos dados empíricos, dialogamos teoricamente principalmente com estudos de Barreto (2004), Cysneiros (2010), Frigotto (2011) e Paiva (2011), para buscarmos sinopticamente uma contextualização histórica das TDIC na contemporaneidade. Com estes autores, problematizamos a perspectiva neotecnicista que norteia a recontextualização das TDIC na chegada as escolas, em especial a partir da década de 1990.

Diante do exposto, acreditamos ser necessário pensar o uso das TDIC tendo como pano de fundo o processo de ensinar e aprender, deste modo, Vygotsky (1998) e Freitas (2008) nos deram subsídios teóricos para tal, pois foram os principais autores que nos ajudam a pensar o computador e a internet como instrumentos de ensino e de aprendizagem inseridos no seio da nossa cultura atual e, nesse sentido, nos ajudam a compreender a dimensão pedagógica do uso dos aparatos tecnológicos modernos nas escolas.

3 O PROINFO for criado pela Portaria nº 522 em 9 de abril de 1997 e tem por objetivo a informatização das escolas brasileiras, segundo o portal do Ministério da Educação (MEC).

33

Assim como na maioria das instituições de ensino em nosso país, a escola locus desta investigação foi equipada com laboratórios de informática a partir do PROINFO. A gestora da instituição nos salienta a expectativa da instituição em relação à espera pelos equipamentos que chegaram no ano de 2007, e em tese, a escola era para estar equipada com os aparatos tecnológicos desde 1999, quase uma década antes – haja vista questões de cunho burocrático e/ou dificuldades técnicas – e sendo aberto aos discentes dois anos depois (2009) em função da demora da liberação e montagem técnica dos instrumentos, e ainda o “receio” dos docentes em abrir espaço para as tecnologias em suas práticas.

Na instituição escolar que nos subsidiou para coleta de dados, o sentimento de despreparo dos educadores ao se depararem com esta realidade que preza pela informatização dos processos de ensino foi problematizado no chão da escola, fato que pode ser observado no discurso da diretora sobre a capacitação do corpo docente da instituição escolar, quando a mesma acena que, em relação aos professores que se sentiam “intimidados” com a presença das tecnologias, inclusive porque não sabiam utilizá-las em seu caráter instrumental, estes tiveram apoio dos outros profissionais que compunham a equipe pedagógica e, nesse contexto, um grupo de educadores foi se organizando para discutir e trabalhar com as questões relacionadas às tecnologias no setor educacional.

Desta forma, segundo a diretora, um grupo formado pela maioria dos professores desta instituição buscou medidas para elaborar o planejamento de aulas e alternativas para o uso pedagógico do computador. Os docentes utilizaram o jornal escolar virtual, facebook e blog para se organizarem e trocarem informações e materiais que serviriam como recursos tecnológicos para o desenvolvimento das aulas. Assim, buscaram recontextualizar as propostas pedagógicas utilizando as TDIC, fazendo assim um uso pedagógico do computador possível.

Foi possível perceber que, para além da proposta formativa do PROINFO, os docentes da escola analisada se organizaram para fazer uma articulação entre as “novas” tecnologias que ora integravam o espaço escolar e as práticas educativas, criando alternativas para espaços de formação tendo em vista o próprio contexto da escola e discutindo e implementando práticas a partir do pressuposto do computador enquanto instrumento cultural de aprendizagem.

Nesse sentido, também nos foi possível notar, a partir do discurso da diretora em analogia com o discurso oficial do PROINFO, que coube aos professores uma autoformação no sentido de aprenderem por conta própria a lidarem com as tecnologias e entrelaçar suas práticas a estes “novos” recursos, (re)contextualizando-os enquanto recursos tecnológicos que serviam como base para processos de ensinar e aprender.

Para além disso, é fundamental a reflexão sobre o uso das TDIC em âmbitos educacionais pelos docentes que nele atuam numa perspectiva que considere os diversos elementos que emergem das diversidades pertinentes ao contexto micro da escola, quais sejam, o público alvo e suas relações sociais com as tecnologias, a formação do corpo docente, a qualidade dos instrumentos disponíveis na escola e as condições de seu uso.

Por meio das discussões que se suscitaram no decorrer deste trabalho, consideramos que o processo educativo deve acontecer de maneira que dialogue com as realidades de seus sujeitos envolvidos; de forma que cada escola é uma escola, e cada aluno é um aluno e não porque os mesmos equipamentos são disponibilizados para as inúmeras instituições, os resultados esperados devam ser equivalentes. Desta forma, entendemos que o fazer pedagógico não pode ser tecido de forma autoritária de uma única maneira para milhões de alunos, já que tal atitude implica em transformar o aluno em depósito de saberes e exigências sociais.

34

Assim, podemos depreender que há diferentes usos pedagógico das TDIC, podendo ser melhor visualizados quando abarcados em três categorias: a) Uso administrativo: utiliza da tecnologia para organizar os dados da instituição escolar; b) Uso instrumental: utiliza as tecnologias em associação com as práticas pedagógicas sem, contudo, percebê-las enquanto instrumentos que podem ser incorporados aos processos cognitivos; c) Uso pedagógico: utiliza as tecnologias no bojo das práticas docentes, tendo em vista que o uso adequado e planejado destas possibilita acender o caráter cultural de ensino e aprendizagem que pode ser ofertado pelas TDIC.

Diante deste cenário, em conformidade com Almeida (2008), defendemos o uso pedagógico do computador, sendo possível acenar que o uso das tecnologias digitais no ambiente de ensino tem como pano de fundo pensar uma proposta interdisciplinar, em diálogo com o currículo e considerando as singularidades dos sujeitos envolvidos. Em contrapartida, privilegiar o uso instrumental das TDIC seria silenciar recursos para uma abordagem voltada aos processos que enfatizam o ensino e a aprendizagem.

Em síntese, observamos que as tecnologias por si só não podem resolver, de maneira miraculosa, os problemas que emergem do cotidiano escolar, considerando seus aspectos socioeconômicos, cognitivos e pedagógicos. REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Maria Elizabeth Bianconcini de. Educação e tecnologias no Brasil e em Portugal em três momentos de sua história. São Paulo, v. 1 (1), 2008.

BARRETO, Raquel Goulart. Tecnologia e educação: trabalho e formação docente. Campinas, v. 25, n. 89, p. 1.181-1.201, 2004. Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>.

CYSNEIROS, Paulo Gileno. Interação, tecnologias e educação. Universidade Federal de Pernambuco, 2010.

FREITAS, Maria Teresa de Assunção. Computador/internet como instrumentos de aprendizagem: uma reflexão a partir da abordagem psicológica histórico‐cultural. SIMPÓSIO HIPERTEXTO E TECNOLOGIAS NA EDUCAÇÃO: MULTIMODALIDADE E ENSINO. 2., Universidade Federal de Pernambuco, 2008.

FRIGOTTO, Gaudêncio. Novos fetiches mercantis da pseudoteoria do capital humano no contexto do capitalismo tardio. In ANDRADE, Juarez de; PAIVA, Laurina G. de. As políticas públicas no Brasil contemporâneo: limites e contradições. Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2011. p. 18-35.MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. Portal disponível em: <http://portal.mec.gov.br>. Acesso em: mar. 2014.

LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos de metodologia científica. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2010.

35

PAIVA, Lauriana Gonçalves de. O choque tecnológico na Educação: entre a modernização do velho e o velho na modernização. Tese (Doutorado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Faculdade de Educação, 2011.

VYGOTSKY, Lev Semenovich. A formação social da mente. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

“PROGRAMA DE AVALIAÇÃO DA ALFABETIZAÇÃO” (PROALFA) E “PROGRAMA DE INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA ALFABETIZAÇÃO

NO TEMPO CERTO” (PIP-ATC):EFEITOS PARA O TRABALHO DE PROFESSORES DE DUAS ESCOLAS DA REDE PÚBLICA ESTADUAL DE

JUIZ DE FORA

Jordana de Moura1

Daniela Motta de Oliveira2

Margareth Conceição Pereira3

RESUMO

O presente trabalho busca analisar quais os efeitos das avaliações do “Programa de Avaliação da Alfabetização” (PROALFA) relacionados ao “Programa de Intervenção Pedagógica Alfabetização no Tempo Certo” (PIP-ATC) para o trabalho de professores de duas escolas da rede estadual de Juiz de Fora. Para tanto, o pilar empírico do estudo contou com fontes documentais e bibliográficas relacionadas à temática em questão, bem como a utilização da metodologia survey, sendo necessária a inserção em duas escolas da rede pública de educação a fim de se estabelecer diálogo com os professores do Ciclo de Alfabetização. Este estudo se mostra relevante, na medida em que contribuirá para a ampliação do debate em torno dos efeitos das avaliações externas para o trabalho docente, bem como apontará implicações dos programas educacionais em questão para o trabalho dos professores.

Palavras-chave: PROALFA. PIP-ATC. Avaliação externa. Trabalho docente.

1 C. A. João XXIII/UFJF. Contato: [email protected] C. A. João XXIII/ UFJF. Contato: [email protected] C. A. João XXIII/ UFJF. Contato: [email protected]

38

O presente estudo exploratório surgiu do envolvimento com as temáticas das políticas educacionais e das avaliações externas, durante a participação enquanto bolsista do grupo de pesquisa Formação de Professores e Políticas Educacionais (FORPE/UFJF) e, atualmente, o envolvimento com o grupo de pesquisa Políticas de Formação de Professores a Distância – UFJF.

O “Programa de Intervenção Pedagógica Alfabetização no Tempo Certo” é uma política educacional do estado de Minas Gerais, oficializada em 2008, que tem como finalidade realizar “[...] um trabalho permanente de visitas e acompanhamento nas escolas para possibilitar avanços na gestão pedagógica, propor estratégias de intervenção, apoiar os professores e, assim, garantir a aprendizagem dos alunos no tempo certo” (MINAS GERAIS, 2013, p. 4).

Não obstante a esta perspectiva anunciada nos documentos oficiais, pesquisas (OLIVEIRA et.al., 2012; MEDEIROS; OLIVEIRA, 2013) demonstram que este programa tem se apoiado em mecanismos de gerenciamento empresarial, importando, para as escolas mineiras, um novo modelo de gestão, de formação de sujeitos educacionais (diretores, especialistas, professores) e de avaliação. Vale dizer que o resultado das avaliações de larga escala mineiras do “Programa de Avaliação da Alfabetização” (PROALFA) e do “Programa de Avaliação da Rede Pública de Educação Básica” (PROEB) não apenas contribuem para o controle das ações previstas no projeto em tela, como se tornaram base para outras ações vinculadas aos seus resultados, como o pagamento de um bônus salarial aos professores das escolas.

Ainda segundo o documento do PIP-ATC (MINAS GERAIS, 2013), após quatro anos de implementação do referido programa, Minas Gerais passou a ocupar o primeiro lugar entre as redes estaduais do país, obtendo o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) igual a 6,0 no ano de 2011. Isso é um dado relevante diante do fato de o estado mineiro ter alcançado o padrão tido como referência em países desenvolvidos, segundo considerações do Ministério da Educação.

No entanto, este grande avanço da educação em Minas Gerais escamoteia, de certa forma, os problemas que as escolas enfrentam, como infraestrutura inadequada, falta de recursos didáticos, baixos salários, jornada dupla, desvalorização do trabalho docente, como evidenciado em Cerqueira, Moura e Cunha (2013).

Dessa forma, antecipando-se ao governo federal na proposição da política de alfabetização até os oito anos4, a Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE-MG) orienta o conjunto das escolas mineiras na direção proposta pelo programa. Disso decorre, na visão de Oliveira, Guedes e Vieira (2013), entre outros problemas, a perda da autonomia do professor, uma vez que os guias e manuais a serem seguidos nas escolas desconsidera o ato criativo inerente ao trabalho docente. Assim, as avaliações promovem o controle do currículo escolar, orientando “o quê” e “como” ensinar.

Considerando que o PIP-ATC é o principal projeto da SEE-MG para a alfabetização das crianças mineiras, importa saber quais os efeitos das avaliações do PROALFA relacionados ao PIP-ATC para o trabalho de professores de duas escolas da rede estadual de Juiz de Fora. Especificamente, são objetivos da pesquisa proposta: compreender a concepção política do PIP-ATC no que concerne à formação de professores; verificar se os professores das duas escolas pesquisadas reconhecem influências da implementação do PIP-ATC nos resultados das avaliações do PROALFA; examinar os efeitos das avaliações do PROALFA para o trabalho dos docentes.

4 O Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa é um compromisso formal assumido pelos governos federal, do Distrito Fed-eral, dos estados e municípios de assegurar que todas as crianças estejam alfabetizadas até os oito anos de idade, ao final do 3º ano do ensino fundamental (Manual do Pacto, p. 11).

39

Acreditamos na importância desse estudo para a área educacional, na medida em que contribuiremos para a ampliação do debate em torno dos efeitos das avaliações externas para o trabalho dos professores mineiros. Ainda, traremos indicativos das implicações dos objetivos dos programas oficiais para o trabalho dos docentes envolvidos.

O pilar empírico do estudo, num primeiro momento, contou com fontes documentais e bibliográficas que contextualizaram, historicamente e socialmente, as políticas educacionais mineiras, sobretudo entre os anos de 1990 e 2013, bem como documentos que caracterizaram o PIP-ATC. Portanto, fez-se indispensável um olhar crítico embasado em autores da contemporaneidade.

As formulações de Martins (2009) deram suporte para a reflexão acerca dos processos hegemônicos relacionados à construção da nova sociabilidade realizada pelo setor empresarial no Brasil, uma vez que os processos sociais adentram as escolas de modo a importar uma lógica mercantil capaz de construir uma nova concepção educacional centrada nos interesses dos empresários.

Sobre as políticas de formação continuada dos professores no Brasil, foram pertinentes as discussões de autores diversos (GATTI; BARRETO; ANDRÉ, 2011, OLIVEIRA, 2012) que contribuíram para elucidar o panorama nacional relativo à temática.

Além disso, a leitura de pesquisas, como as realizadas por Oliveira et al. (2012), Medeiros e Oliveira (2013), têm sido extremamente úteis para este estudo, na medida em que demonstraram que o PIP-ATC tem se apoiado em mecanismos de gerenciamento empresarial, importando, para as escolas mineiras, um novo modelo de gestão, de formação de sujeitos educacionais (diretores, especialistas, professores) e de avaliação.

Já as proposições de Calderano, Pereira e Marques (2013) e de Luckesi (2009), foram de extrema valia para a compreensão das implicações das avaliações externas no trabalho docente, visto que, simultaneamente à implementação do PIP-ATC, as escolas da rede estadual obtiveram maiores notas nas avaliações do PROALFA e no IDEB.

Num segundo momento deste estudo, a fim de se estabelecer diálogo com os professores participantes do “Programa de Intervenção Pedagógica Alfabetização no Tempo Certo”, foi necessária a inserção em duas escolas da rede pública estadual. A metodologia survey (BABBIE, 2005) subsidiou tal diálogo e, como instrumento de coleta de dados, foi utilizado um questionário misto que foi aplicado para dez professores que ministram aulas para o Ciclo de Alfabetização (1º, 2º, 3º anos do ensino fundamental) de duas escolas da rede pública estadual de Juiz de Fora.

A análise estatística, fase atual de desenvolvimento do estudo, tem contado com os recursos do software Statistical Package for Social Science for Windows (SPSS), que permite a compilação dos dados e a visualização dos resultados a partir da criação de gráficos e tabelas.

Como o estudo encontra-se em fase de análise dos dados, seria prematura a definição de resultados conclusivos. Contudo, de acordo com os avanços nessas análises, são possíveis algumas sinalizações que estão condizentes com pesquisas já desenvolvidas que evidenciam que a política educacional mineira tem se ancorado em uma lógica mercantil, construindo uma nova concepção de educação centrada nos interesses dos empresários. Também sinaliza a perda da autonomia e da identidade docente e interfere no currículo escolar, uma vez que os guias e manuais a serem seguidos nas escolas menosprezam o ato criativo inerente ao trabalho docente. Consideramos, desse modo, a potencialidade de que este trabalho possa cumprir o que propõe e venha a contribuir com as discussões educacionais e favorecer a análise das políticas envolvidas.

40

REFERÊNCIAS

BABBIE, Earl. Métodos de pesquisa de survey. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005.

CERQUEIRA, Ingrid; MOURA, Jordana; G. B. C; Júlia. A Prova Brasil e seus efeitos na profissão dos docentes das escolas públicas Marte e Vênus. In CALDERANO, Maria da Assunção; BARBACOVI, Lecir Jacinto; PEREIRA, Margareth Conceição (Orgs.). O que o IDEB não conta? Processos e resultados alcançados pela Escola Básica. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2013.

EVANGELISTA, Olinda. Apontamentos para o trabalho com documentos de política educacional. Revista Caros Amigos, 2008.

GATTI, B. A.; BARRETTO, E. S. de S.; ANDRÉ, M. E. D. de A. Políticas docentes no Brasil: um estado da arte. Brasília: UNESCO, 2011.

GIL, A. C. Questionário. In Métodos e técnicas de pesquisa social. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 128-138.

LUCKESI, C. C. Avaliação da Aprendizagem Escolar: estudos e proposições. 20. ed. São Paulo: Cortez, 2009.

MARTINS, André Silva. O neoliberalismo da Terceira Via: uma proposta para educar a sociabilidade. In MARTINS, André Silva. A direita para o social: a educação da sociabilidade no Brasil contemporâneo. Juiz de Fora: UFJF, 2009.

MEDEIROS, M. D.; OLIVEIRA, D. M. Políticas Públicas de Formação de Professores: apontamentos a partir do estudo comparativo dos programas “No Child Left Behind”, “Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa” e “Alfabetização no Tempo Certo”. In ENCONTRO BRASILEIRO DA REDE ESTRADO, 7., 2013, Vitória, ES. Anais... Vitória, ES. 2013. CD-ROM.

MINAS GERAIS. SEE. Programa de Intervenção Pedagógica – Alfabetização no Tempo Certo Municipal. Brasília, 2013.

OLIVEIRA, D. M.; GUEDES, L. F. S.; VIEIRA, M. N. Gestão escolar em Minas Gerais: qualidade em resultados. In RODRIGUES, Rubens Luiz (Org.). Educação escolar no século XXI. Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2013. p. 135-152.

OLIVEIRA, Daniela Motta. Cadernos de boas práticas: o passo a passo para a formação dos profissionais da escola mineira. In OLIVEIRA, Daniela Motta (Org.). Formação continuada de professores: contribuições para o debate. Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2012. p. 17-28; 39-54.

41

PEREIRA, Margareth Conceição; CALDERANO, Maria da Assunção; MARQUES, Gláucia Fabri Carneiro. Algumas implicações das avaliações externas no trabalho docente. In CALDERANO, Maria da Assunção; BARBACOVI, Lecir Jacinto; PEREIRA, Margareth Conceição (Orgs.). O que o IDEB não conta? Processos e resultados alcançados pela Escola Básica. Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2013.

BRINQUEDOS, BRINCADEIRAS E RELAÇÕES DE GÊNERO

Rafaela da Cruz CorrêaAnderson Ferrari

Palavras-chave: Relações de gênero. Brinquedos. Brincadeiras. Alun@s.

Este trabalho é resultado de uma pesquisa que tem como tema as distâncias e as aproximações entre os brinquedos e as brincadeiras “de meninos” e de “meninas”. Partindo da questão de investigação – “que relações de gênero aparecem a partir dos brinquedos e brincadeiras das crianças no ambiente escolar”? – a pesquisa foi realizada com duas turmas do 3° ano do ensino fundamental em uma Escola Estadual na cidade de Juiz de Fora, a partir das atividades do projeto de intervenção “Diminuindo as distâncias entre os brinquedos e as brincadeiras ‘de meninos’ e ‘de meninas’”. O projeto foi formulado com o objetivo de discutir, (re)pensar e (re)organizar com as próprias crianças algumas concepções que estabelecem normas sobre quais as brincadeiras e os brinquedos são mais apropriados para eles de acordo com o seu gênero, concepções estas que desde cedo já estão sendo incorporadas aos discursos e atitudes das crianças dentro e fora do ambiente escolar. Acredita-se que a pesquisa é relevante, pois possibilitará uma problematização mais ampla sobre como a instituição escolar e como as próprias crianças lidam com as temáticas do gênero, das sexualidades e das diversidades na escola. Podemos pensar que a questão de gênero na pesquisa educacional ainda é um tema pouco explorado. Considerando a questão inicial, bem como todo o desenvolvimento da pesquisa é possível perceber que o seu objetivo geral é investigar dentro de uma instituição escolar, a diminuição ou a acentuação das distâncias entre os brinquedos e as brincadeiras “de meninos” e “de meninas”, buscando conhecer como se estabelecem as relações de gênero neste cenário. Além de identificar também como as preferências pelos brinquedos e pelas brincadeiras “de meninos” e “de meninas” se manifestam no ambiente escolar, assim como algumas de suas implicações. A partir das ações do projeto de intervenção junto aos alun@s foram sendo apontadas demandas particulares que

44

resultaram também nos seguintes objetivos específicos da pesquisa: conhecer como a preferência de meninos e de meninas por determinados brinquedos e brincadeiras, rotulados por sexo, se configura como espaço de discussão das questões relativas às relações de gênero no ambiente escolar. E identificar e problematizar como acontecem as relações de gênero na escola, através do trabalho com outros artefatos culturais, além dos brinquedos e das brincadeiras, como por exemplo, as imagens e a literatura infantil.

Diante de tal contexto, optou-se pela perspectiva teórica pós-estruturalista, buscando trabalhar com os discursos que emergem das crianças para pensar os modos de subjetivação que são colocados em prática. Para a realização da pesquisa buscamos nos inteirar por meio da leitura de conceituados autores que discutem temas e conceitos, tais como: brinquedos e brincadeiras (Brougère, 1998, 2004, 2010; Faria; Demartini; Prado, 2002; Filha, 2011) e relações de gênero (Scott, 1989; Louro 1997, 2000, 2007) que se configuram como categorias de análise do presente trabalho. Entretanto, cabe salientar que as leituras estão sendo realizadas seguindo uma perspectiva pós-estruturalista, que segundo Louro (2007) não autoriza ninguém a utilizar conceitos, teorias ou procedimentos analíticos de modo descompromissado. Dessa forma, não há a pretensão de construirmos narrativas finalizadas ou chegar às conclusões sobre a temática. Muito pelo contrário, há intenção de estabelecer diálogos com os autores, buscando argumentos, que problematizem o que já sendo considerado como naturalizado. De acordo com a proposta da presente pesquisa percebe-se que a mesma não poderá ser tomada como uma verdade única a respeito das distâncias e aproximações entre os brinquedos e as brincadeiras “de meninos” e de “meninas”, pois a pesquisa representa uma discussão específica de um grupo e de um contexto singular, pois o próprio conceito de gênero, segundo Louro (2000) refere-se, portanto, ao modo como as chamadas “diferenças sexuais” são representadas ou valorizadas, refere-se àquilo que se diz ou se pensa sobre tais diferenças, no âmbito de uma dada sociedade, num determinado grupo, em determinado contexto. Neste sentido, não se pretende transformar a referida pesquisa em um manual prescritivo sobre como a instituição escolar acentua e/ou diminui as distâncias entre os brinquedos e as brincadeiras como sendo “de meninos” ou “de meninas”, mas sim buscar suscitar a polêmica, a discussão e o dissenso, pois estes elementos podem ser um modo de sacudir o estabelecido e contribuir para promover modificações nas convenções e regras, de forma criativa. Torna-se enriquecedor entender que pesquisar se configura como uma atividade que corresponde a um desejo de produzir saber, conhecimentos, e quem conhece, governa. Conhecer não é descobrir algo que existe de uma determinada forma em um determinado lugar do real. Conhecer é descrever, nomear, relatar, desde uma posição que é temporal, espacial e hierárquica. De acordo com tais concepções se torna possível apresentar as etapas em que a pesquisa está dividida. Primeiramente o trabalho com a revisão bibliográfica e levantamento de pesquisas recentes sobre o tema. Nota-se que a realização de uma revisão bibliográfica é extremamente importante, já que esta atividade permite ao pesquisador conhecer e aprofundar-se teoricamente sobre as reflexões e pesquisas já realizadas em relação à temática que ele investiga, buscando historicizar os conceitos e as teorias. Em seguida, passamos para a fase de registrar em um “diário de bordo” as ações desenvolvidas no projeto “Diminuindo as distâncias entre os brinquedos e as brincadeiras ‘de meninos’ e ‘de meninas’”. A terceira etapa é analisar a luz do referencial teórico os materiais produzidos no projeto “Diminuindo as distâncias entre os brinquedos e as brincadeiras ‘de meninos’ e ‘de meninas’”, buscando a reflexão e problematização dos artefatos. Por último, a escrita da monografia. Acredita-se que além de apresentar as etapas em que a

45

pesquisa foi dividida, se torna necessário também explicar quais foram as fases e os encontros de desenvolvimento do projeto “Diminuindo as distâncias entre os brinquedos e as brincadeiras ‘de meninos’ e ‘de meninas’”, que ancora toda a problematização pensada para o presente estudo. Foram planejadas quatro fases de desenvolvimento do projeto: 1a fase: foi constituída pelo primeiro encontro, que teve como objetivo o trabalho com dezenove imagens de brinquedos e brincadeiras (em anexo no trabalho final) rotulados como sendo “de meninos” ou “de meninas”, selecionadas como objetivo de problematizar a roda de conversa com @s alun@s sobre o tema, registrar as falas das crianças, com relação às imagens. 2a fase: foi constituída pelo segundo e o terceiro encontros, que tinham como objetivo focalizar os brinquedos e as brincadeiras que @s alun@s trouxeram de casa, para que ocorresse, além da roda de conversa, momentos de brincadeiras livres, para que a professora e pesquisadora, obtivesse uma nova oportunidade observar a brincadeira das crianças. 3a fase: foi constituída pelo quarto, quinto, sexto, sétimo e oitavo encontros, que tiveram como objetivo o trabalho com os brinquedos e as brincadeiras e as relações de gênero, através da literatura infantil. Destacamos que a maior parte do projeto foi baseada no trabalho com a literatura infantil, pois se sabe da potência da literatura infantil como artefato problematizador, já que trabalhar com a literatura nos permite exercitar diversas questões, pois segundo Zamboni e Fonseca (2010): “A literatura e a história possibilitam-nos desenvolver a linguagem, fornecem-nos pistas, indícios para a compreensão da realidade, da nossa cultura, da nossa identidade. São mediadoras da/para a aprendizagem humana” (p. 342).

Nesse sentido, entendendo que a literatura também é muito importante para trabalhar as questões de relações de gênero foram selecionados cinco livros, um para cada encontro, para serem utilizados como artefatos problematizadores dos assuntos abordados no projeto: 4° encontro: foi formulado com base no livro de literatura Faca sem ponta, galinha sem pé, da autora Ruth Rocha (1998). 5° encontro: foi planejado com base no livro de literatura Menino brinca de boneca?, do autor Marcos Ribeiro (2001). 6° encontro: previa um debate sugerido pelo livro didático de alfabetização e letramento A escola é nossa do 3° ano do ensino fundamental, com base no livro de literatura Menino brinca de boneca?, do autor Marcos Ribeiro (2001). 7° encontro: foi delineado com base no livro de literatura Ceci tem pipi?, do autor Thierry Lenain (2004). 8° encontro: foi pensado com base no livro de literatura Leila menina, da autora Ruth Rocha (2012). 4a fase: foi constituída pelo nono encontro, que teve como objetivo o fechamento do projeto no primeiro semestre, buscando que @s alun@s expressassem de forma oral (roda de conversa) e escrita (atividades em anexo no trabalho final) o que el@s aprenderam a partir de todas as atividades realizadas no projeto (como rodas de conversa, brinquedos, brincadeiras, figuras, vídeo e livros) no período de março a junho de 2014. Vale a pena salientar ainda, que os principais aspetos do trabalho desenvolvido no projeto de intervenção com @s alun@s, vem sendo problematizados na escrita da monografia. Sendo possível dizer que a mesma vem apontando os seguintes resultados: os brinquedos, as brincadeiras, as imagens e a literatura infantil se configuraram como excelentes artefatos culturais para discutir a questão de relações de gênero no projeto de intervenção. Nos primeiros encontros do projeto as crianças organizaram os seus discursos em relação aos brinquedos e às brincadeiras em conformidade com os rótulos sociais atribuídos a determinados brinquedos e brincadeiras, baseados no sexo da criança (“de meninos” ou “de meninas”). Entretanto, a partir de suas vivências das crianças no projeto, foi possível perceber que @s alun@s foram alargando essa perspectiva e entendendo que meninas e meninos podem brincar também com brinquedos e brincadeiras que não são socialmente

46

atribuídos a el@s. Enfim, percebeu-se que @s alun@s conseguiram (des)contruir as relações de gênero, através dos brinquedos e das brincadeiras, sinalizando muito mais aproximações que distâncias entre os brinquedos e brincadeiras “de meninas” e “de meninas”.

REFERÊNCIAS

BROUGÈRE, G. Brinquedo e cultura. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2010.

______. Brinquedos e companhia. São Paulo: Cortez, 2004.

______. A criança e a cultura lúdica. Rev. Fac. Educ., São Paulo, v. 24, n. 2, p. l03-116, jul./dez. 1998.

FARIA, A. L. G; DEMARTINI, Z. B. F.; PRADO, P. D. (Orgs.). Por uma cultura da infância: metodologias de pesquisa com crianças. Campinas, SP: Autores Associados, 2002.

FILHA, C. X. Era uma vez uma princesa e um príncipe...: representações de gênero nas narrativas de crianças. Estudos Feministas, Florianópolis, 19(2), p. 591-603, maio-ago. 2011.

LOURO, G. L. Conhecer, pesquisar, escrever... Educação, Sociedade e Culturas, Porto, Portugal, v. 1, n. 25, p. 235-245, 2007. (Edições Afrontamento)

_______. Corpo, escola e identidade. In Revista Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 25, n. 2, p. 59-75, jul./dez. 2000(b).

_______. Currículo, gênero e sexualidade. Porto, Portugal: Porto Editora, 2000(a).

_______. Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-estruturalista. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.

SCOTT, J. Gender: a useful category of historical analyses. Gender and the politics of history. New York, Columbia University Press, 1989.

ZAMBONI, E.; FONSECA, S. G. Contribuições da literatura infantil para a aprendizagem de noções do tempo histórico: leituras e indagações. Cadernos Cedes, Campinas, v. 30, n. 82, set./dez. 2010, p. 339-353.

O ENSINO DE ESTRATÉGIAS DE LEITURA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

ATRAVÉS DO LIVRO DIDÁTICO

Ariane Rodrigues Gomes Leite Godoy1

Miriam Raquel Piazzi Machado2

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo verificar se as estratégias de leitura estão sendo ensinadas aos estudantes dos anos iniciais do ensino fundamental através do livro didático. Como suporte teórico, foram utilizadas proposições que defendem a leitura como um processo interativo entre o autor e o leitor, através do texto, além daquelas que afirmam que o leitor proficiente é aquele capaz de mobilizar diferentes estratégias de leitura, que possam atender a seus objetivos e que sejam adequadas à interação com determinados gêneros e tipos textuais (KLEIMAN, 2011). Para isso, será feita uma análise do livro do professor do 4º ano do ensino fundamental, pertencente à coleção Ápis – Língua Portuguesa, da editora Ática, 1ª edição, publicada no ano de 2011, de autoria de Ana Trinconi Borgatto, Terezinha Bertini e Vera Marchezi.

Palavras-chave: Leitura. Estratégias de leitura. Gêneros textuais. Livro didático.

1 C. A. João XXIII/UFJF. Contato: [email protected] C. A. João XXIII/UFJF. Contato: [email protected]

48

O presente estudo surgiu a partir da minha inserção no Curso de Especialização no Ensino Fundamental, oferecido pelo João XXIII, e também pelo início da minha carreira como professora do Estado de Minas Gerais, em que, neste ano, estou atuando como professora regente de uma turma do 1º ano do ensino fundamental.

À frente de uma sala de aula, muitas são as inquietações, mas uma em especial me chama mais atenção: os usos (ou não) das estratégias de leitura pelas crianças e, consequentemente, o ensinamento (ou não) dessas estratégias. Dessa forma, consonante com os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa para a educação (BRASIL, 1998, p. 37), que afirmam que o objetivo da educação é formar cidadãos que tenham a capacidade de compreender os diferentes textos com os quais têm contato, as práticas pedagógicas devem ser norteadas pela interação dos estudantes com os diversos gêneros textuais na busca de um leitor proficiente. E tendo como ponto de partida a ideia defendida por Kleiman (1998) de que quando realizamos uma leitura, vários tipos de estratégias são acionados para uma melhor compreensão daquilo que se está lendo, decidi analisar quais são as estratégias de leitura que estão sendo ensinadas para os estudantes nos anos iniciais do ensino fundamental? Para isso, pretendo analisar como aparece, em um livro didático, o ensino das estratégias de leitura; verificar quais os gêneros textuais presentes nos livros didáticos, e investigar se o aluno é levado a acionar estratégias de leitura de acordo com o gênero textual que está sendo estudado.

Tais estratégias de leitura são importantes no processo de compreensão de um texto e indispensáveis de serem ensinadas, uma vez que:

a leitura de um texto exige muito mais que o simples conhecimento linguístico compartilhado pelos interlocutores: o leitor é, necessariamente, levado a mobilizar uma série de estratégias tanto de ordem linguística como de ordem cognitivo-discursiva, com o fim de levantar hipóteses, validar ou não as hipóteses formuladas, preencher as lacunas que o texto apresenta, enfim, participar, de forma ativa, da construção do sentido. Nesse processo, autor e leitor devem ser vistos como “estrategistas” na interação pela linguagem (ELIAS; KOCK, 2007, p. 7).

Sobre essa questão, Kleiman (2011) destaca que a leitura é um ato social, é um processo de interação entre dois sujeitos, o leitor e o autor, através do texto. Dessa forma, o leitor é participante ativo desse processo de interação, à medida que busca sentidos para aquilo que lê.

Nesse sentido, em conformidade com uma concepção de língua enquanto interação entre falantes, a leitura é entendida aqui como

uma atividade interativa altamente complexa de produção de sentidos, que se realiza evidentemente com base nos elementos linguísticos presentes na superfície textual e na sua forma de organização, mas requer mobilização de um vasto conjunto de saberes no interior do evento comunicativo (ELIAS, KOCH, 2007, p. 11).

Nesse viés, na tentativa de se formar cidadãos autônomos, críticos e conscientes como proposto nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (1998), acredita-se que o trabalho com gêneros textuais possibilita ao aluno a busca pelo conhecimento por conta própria, os alunos são estimulados a serem autônomos, a pesquisarem em toda a variedade de fontes existentes, principalmente a escrita, e, com isso são capazes de interagir nas diversas situações de comunicação, as quais são expostos no cotidiano.

49

Além disso, Bakhtin (1997 apud MARCUSCHI, 2005) afirma que qualquer comunicação que se realize é através de um gênero textual. Dessa forma, os gêneros textuais nos possibilitam levar nossos estudantes a uma compreensão maior da leitura e da escrita, já que estão presentes em todos os momentos em nosso cotidiano.

Kleiman (2011) destaca também que, quanto maior a exposição do estudante a todo tipo de texto, torna-se mais fácil sua compreensão, uma vez que o conhecimento das estruturas textuais corrobora para a utilização de estratégias de leitura e a realização de inferências.

Assim, em busca dessa compreensão textual, podemos dizer que, ao realizarmos uma leitura, vários tipos de estratégias são acionados para uma melhor compreensão daquilo que se está lendo. De acordo com Kleiman:

Quando falamos de estratégias de leitura, estamos falando de operações regulares para abordar o texto. Essas estratégias podem ser inferidas a partir da compreensão do texto, que por sua vez é inferida a partir do comportamento verbal e não verbal do leitor, isto é, do tipo de respostas que ele dá a perguntas sobre o texto, dos resumos que ele faz, de suas paráfrases, como também da maneira com que ele manipula o objeto: se sublinha, se apenas folheia sem se deter em parte alguma, se passa os olhos rapidamente e espera a próxima atividade começar, se relê (1998, p. 49).

A autora supracitada destaca ainda que essas estratégias são classificadas em cognitivas e metacognitivas. As estratégias cognitivas seriam aquelas intervenções inconscientes do leitor, realizadas na busca de seu objetivo de leitura. Já as estratégias metacognitivas seriam as operações conscientes, ou seja, que nós, leitores, somos capazes de dizer e explicar nossa ação.

Dessa forma, é possível ensinar as estratégias metacognitivas, uma vez que as mesmas são conscientes. Kato (1999) afirma que mesmo crianças em processo inicial de aprendizagem são capazes de utilizar essas estratégias. Já as estratégias cognitivas seriam ensinadas por meio de habilidades verbais através de análise textual caracterizando, assim, uma desautomatização do processo de leitura (KLEIMAN, 1998).

No entanto, a escola nem sempre tem o hábito de mostrar com clareza os propósitos e objetivos de uma leitura. No contexto escolar, a atividade de leitura muitas vezes serve apenas como pretexto para resumos, cópias, etc. Em geral, não há uma reflexão crítica sobre o que se lê e para que se lê. Assim ocorre, segundo Kleiman (2011), um paradoxo, pois fora do ambiente escolar o estudante é “capaz de planejar as ações que o levarão a um objetivo pré-determinado (por exemplo, elogiar alguém para conseguir um favor)” (p. 30), já quando irá ler na escola, na grande maioria das vezes, o estudante começa a leitura sem a menor ideia de onde quer chegar e, consequentemente, não sabe também como chegar, isto é, não faz a menor ideia de que estratégias de leitura utilizar. “(...) quando lemos porque outra pessoa nos manda ler, como acontece frequentemente na escola, estamos apenas exercendo atividades mecânicas que pouco têm a ver com significado e sentido” (KLEIMAN, 2011, p. 35).

Dessa forma, a partir das reflexões teóricas realizadas acima, se torna evidente que o uso de estratégias de leitura é essencial para uma leitura com compreensão. Por essa razão, vários autores vêm pesquisando sobre o uso dessas estratégias e sobre o ensino das mesmas. Segundo Kleiman (1998), o ensino de estratégias de leitura, conjugado ao desenvolvimento de habilidades linguísticas, pode contribuir e muito para a formação de bons leitores.

Segundo Solé (1998), o ensino de estratégias de leitura é importante, pois “queremos formar leitores autônomos” (p. 72). Consonante, assim, com o que O guia de livros didáticos

50

Programa Nacional do Livro Didático 2013 (2012a) diz sobre a seleção e a organização dos conteúdos a serem trabalhados durante o ciclo da alfabetização, e consequentemente, nos livros didáticos. O guia... considera que

(...) o ensino que ignore a necessidade da aquisição das várias habilidades cognitivas e se dedique primordialmente à memorização de definições, procedimentos e à resolução de exercícios rotineiros de fixação não propicia uma formação adequada para as demandas da sociedade atual (BRASIL, 2012a, p. 8).

Dessa forma, é necessário considerar os conteúdos selecionados para a vida dos alunos, bem como para a continuidade em sua trajetória escolar. Além disso, é preciso que esses conteúdos satisfaçam às questões trazidas pelos estudantes, e que assegure a igualdade de acesso aos conhecimentos que são socialmente produzidos. (BRASIL, 2012a).

No que diz respeito ao eixo da leitura, O guia... (2012b, p. 16) destaca que as atividades propostas pelas coleções só têm sentido à medida que considerem a leitura como uma interlocução entre leitor e autor através do texto, assim, como nós já destacamos, Kleiman (2011) também defende, que a leitura é um processo de interação entre dois sujeitos. O guia... (2012b) enfatiza ainda que as atividades devem ser capazes de desenvolver estratégias e capacidades, tanto as necessárias ao gênero que está sendo estudado, quanto as essenciais à proficiência que se pretende levar o aluno a atingir.

Em outras palavras, isso significa que as coleções trazem atividades que mobilizam e/ou desenvolvem capacidades relacionadas à proficiência em leitura. Ainda que nem sempre haja o desejável equilíbrio na exploração dessas capacidades, o tratamento dado à leitura leva os alunos a ativar conhecimentos prévios, formular e checar hipóteses de compreensão, localizar informações explícitas, articular partes do texto, fazer inferências, compreender o texto globalmente, emitir opinião a respeito do que leu (BRASIL, 2012b, p. 20).

A análise das estratégias de leitura presentes no livro didático de acordo com os gêneros textuais presentes no mesmo, fase atual em que se encontra esse estudo, indica que o livro didático, em seu manual do professor, começa a incentivar o professor a ensinar essas estratégias de leitura, com o objetivo de levar o aluno a ativar seus conhecimentos prévios, a levantar hipóteses, fazer inferências, entre outras.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: língua portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998.

BRASIL. Guia de livros didáticos – PNLD 2013: apresentação. Brasília: Ministério da Educação/Secretaria de Educação Básica, 2012a. 44 p.

BRASIL. Guia de livros didáticos – PNLD 2013: letramento e alfabetização e Língua Portuguesa. Brasília: Ministério da Educação/Secretaria de Educação Básica, 2012b. 256 p. ELIAS, Vanda Maria; KOCH, Ingedore Villaça. Leitura, texto e sentido. In ______. Ler e compreender os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2007. p. 9-37.

51

KATO, M. O aprendizado da leitura. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

KLEIMAN, Angela. Oficina de leitura: teoria & prática. 6. ed. Campinas, SP: Pontes, 1998. KLEIMAN, Angela. Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura. 14. ed. Campinas, SP: Pontes Editores, 2011.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In DIONISIO, Angela Paiva; MACHADO, Anna Rachel; BEZERRA, Maria Auxiliadora (Org.). Gêneros textuais & ensino. 3. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005. p. 19-36.

SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 1998.

O USO DA NARRATIVA NA FORMAÇÃO DOCENTE1

Bianca da Silva Toledo2

Rosângela Veiga Júlio Ferreira,Camila Silva Pinho

RESUMO

Este trabalho é um recorte do estudo monográfico realizado para a conclusão do Curso de Especialização em Educação no Ensino Fundamental do Colégio de Aplicação João XXIII/UFJF. O estudo pauta-se na possibilidade de compreender como a narrativa pode potencializar a formação docente. Os objetivos que concorrem para responder essa questão são: mapear as diferentes maneiras em que a narrativa foi utilizada como forma e conteúdo na disciplina Ensino de História e Geografia no Ensino Fundamental, oferecida no referido curso de especialização; identificar os sentidos atribuídos pelos professores para o ensino dessas disciplinas, por meio de narrativas. A partir da escolha metodológica da narrativa, entendida também como objeto de análise, recorto das memórias das professoras que compõem os sujeitos desta pesquisa sentidos que se voltam para uma ressignificação de suas relações com os conhecimentos das áreas de ensino de História e Geografia.

Palavras-chave: Narrativa. Formação docente. Ensino de História e Geografia.

1 Este Trabalho de Conclusão de Curso é orientado pela Profa. Rosângela Veiga Júlio Ferreira e co-orientado pela Profa. Camila Silva Pinho.

2 Aluna do Curso de Especialização em Educação em Ensino Fundamental do Colégio de Aplicação João XXIII/UFJF. Contato: [email protected]

54

INTRODUÇÃO

No ano de 2013, como aluna do curso de Especialização em Educação do Ensino Fundamental do Colégio de Aplicação João XXIII, aproximei os meus estudos realizados durante a graduação em Pedagogia para um novo locus de pesquisa: estudar a narrativa como potência para formação docente.

Esse tema emergiu durante uma das aulas ministrada pela professora Rosângela Veiga Júlio Ferreira na disciplina Ensino de História e Geografia no Ensino Fundamental. Foram exatas quatro horas de aula que se passaram em alguns minutos, na qual eu e minhas colegas3 possuíamos objetos materiais que, ao serem narradas suas histórias, ganharam outro sentido. Não imaginávamos o que aqueles objetos trariam a todas nós. Então, começamos nosso recontar a partir das memórias relacionadas às lembranças que marcaram nossas vidas.

Uma aula de choro, de silêncio e de aproximações! Com cada relato me via como parte daquela experiência de vida. Foi então que me indaguei: Como a narrativa pode fazer parte da formação docente? Como esse processo pode influenciar a vida do professor? O que tivemos foi muito mais que uma aula, tivemos histórias vividas, minhas e de outros. Nessa perspectiva pensava ainda em como essa experiência poderia potencializar as relações com o ensino de História e Geografia.

Assim, todos os presentes puderam vivenciar as experiências narradas durante a aula, articulando as noções do conteúdo de história com as narrativas suscitadas pelas memórias dos objetos. Pude perceber como a narrativa emerge na formação docente e como a mesma pode ser potencializadora do processo de formação continuada.

Com base nessa narrativa introdutória, apresento como questão de investigação a busca por compreender como a narrativa tem sido utilizada para potencializar a formação docente. Defino como objetivos para este estudo: i) mapear as diferentes maneiras em que a narrativa foi utilizada como forma e conteúdo na disciplina supracitada; ii) identificar os sentidos atribuídos pelos professores para o ensino de História e Geografia nos anos iniciais, por meio de narrativas.

Para atuar no sentido de problematizar a questão de investigação e de operacionalizar os objetivos anteriormente descritos, apresento o referencial teórico-metodológico que sustenta as análises das narrativas produzidas pelas professoras.

A NARRATIVA E SEUS ASPECTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS

Ao me propor a compreender como as narrativas têm sido utilizadas para potencializar a formação docente, fiz uma busca para conhecer o que as pesquisas acadêmicas têm produzido a respeito desta temática e como tem respondido a esta questão. Para tal estudo, realizei uma investigação no Banco de Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)4. A escolha foi por analisar a produção de dissertações e teses dos últimos dez anos no país. Dentre os textos encontrados, destaco cinco trabalhos acadêmicos que me possibilitaram identificar como as narrativas vêm sendo utilizadas como método e instrumento para potencializar a formação de professores. 3 Usarei o feminino por ser um grupo de trinta alunas mulheres que compõe a turma de Especialização em Educação em Ensino Funda-

mental. 4 Utilizei os descritores narrativa e formação docente para realizar o mapeamento no portal da CAPES, pois o objetivo almejado perpassa

por entender as narrativas como potencializadora da formação docente.

55

Recorto, inicialmente, os estudos de Galvão (2007), que, em seu trabalho de mestrado, propõe-se a responder a questão de como os licenciados do curso de Pedagogia da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) narram suas aprendizagens a partir das análises das narrativas orais e escritas feitas pelas mesmas. No trabalho de Teixeira (2011), a autora disserta sobre o processo de autoformação do professor de Língua Portuguesa do ensino fundamental da escola pública e as implicações desse processo na construção da prática pedagógica deste mesmo professor. No trabalho de Oliveira (2012), a busca foi por responder sobre o que narram as professoras a respeito dos indícios de temporalidades no/do cotidiano escolar. Sustentou sua pesquisa em narrativas produzidas por professoras da educação infantil de uma escola de educação em tempo integral de Juiz de Fora (MG). Garcia (2008) propõe responder as relações do professor de arte e suas experiências formadoras a partir das suas histórias de vida e de seus processos de formação. Seu objetivo de pesquisa foi analisar as experiências formadoras nos encontros de formação continuada na rede escolar SESI – São Paulo. Como último trabalho, destaco a dissertação de Matias (2012), que evidencia as vozes de professoras experientes, que atuam nas séries iniciais do ensino fundamental, no município de Viçosa (MG). A partir das narrativas das professoras, a autora identifica como as experiências pessoais influenciam nas trajetórias profissionais.

A formação continuada foi o eixo articulador da escolha por trazer para este estudo esses trabalhos com objetivo de definir quatro categorias de análise que permitiriam entender o que eu mesma vivenciei no curso de especialização e que me instigou a pesquisar sobre os sentidos que a memória individual adquire na coletividade. Tais categorias foram denominadas de: i) narrativa e pesquisas; ii) narrativa e experiências; iii) narrativa e memórias; iv) narrativa e formação.

AFINAL AS NARRATIVAS POTENCIALIZAM A FORMAÇÃO DOCENTE?

[...] dizem bem dessa potencialidade das narrativas, pois na medida em que vivenciamos as aulas e depois escrevíamos sobre ela e relatamos para a turma, muitos significados e sentidos eram reconstruídos. NARRATIVA 12 5

Após rememorar e analisar as narrativas realizadas pelas alunas do Curso de Especialização em Educação no Ensino Fundamental, pude compreender como a narrativa pode potencializar a formação docente. O trecho escolhido como epígrafe para esse subtítulo do resumo expandido remete à narrativa de uma das professoras que compôs o curso de especialização ao rememorar a importância da narrativa para a sua formação. Para ela, vivenciar a experiência de narrar promove sentimentos relevantes que se constroem e reconstroem ao longo da formação.

A partir de um movimento inicial de análise das narrativas constatei que, das 30 alunas do curso de especialização, 33% se fundamentaram reiterando a importância da narrativa no processo formador do professor. Já 20% entenderam que a narrativa e a experiência são processos comuns que entrelaçam e auxiliam na formação. Também entre 20% das participantes a memória ganha seu lugar reconhecido junto à narrativa, potencializando a reconstrução de sentidos, no auxílio da memória individual e coletiva, fazendo do narrar um recontar do já vivido. Em somente 11% dos casos a narrativa foi destacada com a sua importância nas pesquisas

5 Enumerei as narrativas das alunas do Curso de Especialização em Educação no Ensino Fundamental para preservar o anonimato e organizar o texto.

56

acadêmicas por promover reflexões das relações humanas e ser um instrumento metodológico de grande importância para pensarmos em relações reais do contexto escolar6.

Ressalvo que 16% das narrativas lidas não continham qualquer dos aspectos acima. Os trabalhos não remetiam à narrativa interligada à pesquisa, à formação, à experiência e à memória.

A despeito de as análises ainda não terem sido entrecruzadas devido ao fato de o estudo monográfico encontra-se em fase de elaboração, pelos dados iniciais concluo que o uso da narrativa na formação continuada de professores permite pensar sobre possibilidades e limites da formação inicial. Sendo assim, afirmo que a narrativa entendida como forma e conteúdo potencializa diálogos com conhecimentos adquiridos e aspectos que exigem um repensar constante da prática pedagógica.

REFERÊNCIAS

GALVÃO, Ana Karina de Araujo.  Narrativas de aprendizagens no processo formativo de licenciandos do curso de Pedagogia. 190 f. Dissertação  (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de Mato Grosso, Mato Grosso, 2007. 

GARCIA, Amelia Natalina Constante.  Experiências de vida e  formação  continuada de arteeducadores. 220 f. Dissertação (Mestrado em Artes) – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, São Paulo, 2008.

MATIAS, Barbara Ferreira.  Narrativas de professoras: análise da construção dos saberes da prática de profissionais com experiência reconhecida. 138 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, 2012. 

OLIVEIRA, Cristiane Elvira de Assis. Temporalidades no/do cotidiano da educação infantil. 156 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2012.

TEIXEIRA, Francisca dos Santos. Narrativas de autoformação docente: desvelando modos de ser e de fazer-se professor. 147 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de Rondônia, Rondônia, 2011. 

6 Esse estudo se encontra de forma completa do trabalho monográfico, como requisito para conclusão do curso de Especialização em Educação no Ensino Fundamental.

ADAPTAÇÕES DE LIVROS PARA O CINEMA E SUA INFLUÊNCIA NA FORMAÇÃO DE LEITORES

Mariana Marcon Benicá1

Maria Cristina Weitzel Tavela2

RESUMO

O presente trabalho busca compreender se as adaptações de literatura de massa para o cinema são capazes de influenciar o hábito da leitura de jovens e adolescentes. Estes livros/filmes são capazes de permitir que o jovem torne-se um leitor eficiente? Como? Por quê? Os jovens adquirem o hábito de leitura graças à curiosidade proporcionada pelas adaptações/livros? Para responder a essas perguntas, buscamos apoio em dados de outras pesquisas já realizadas e em literatura específica. Esta investigação se mostra relevante pois, além de conferir se o aluno adquire hábitos de leitura influenciado pelo cinema, poderá oferecer ao professor a opção de utilizar, em sua prática, mais um instrumento para formar leitores, o que é fundamental para a formação dos jovens como cidadãos críticos, direito de todo ser humano.

Palavras-chave: Cinema. Literatura de massa. Adaptação. Formação de leitores.

1 C. A. João XXIII/UFJF. Contato: [email protected] C. A. João XXIII/ UFJF. Contato: [email protected]

58

O tema em questão foi escolhido graças ao amor pela leitura e a crescente possibilidade de ver nas telas do cinema o que outrora foi imaginado. Os mundos da leitura e do cinema sempre me foram atrativos, especialmente após os 10 anos de idade, e o acompanhamento dos filmes baseados em livros me fizeram perceber que juntar as duas coisas seria a pesquisa ideal para mim neste momento. O fenômeno Harry Potter foi muito importante em meu caminho, pois foi, a partir de seus livros, que me inseri no mundo da leitura e, posteriormente, na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora. A decepção com os filmes, em contrapartida aos livros, foi marcante, e um padrão de observação se estabeleceu. Como leitora com gosto diverso, a curiosidade de ver as adaptações dos livros que lia permitia observar que sempre haveria divergências entre os dois. Essa observação me fez pretender descobrir os motivos dessas divergências.

Como não me deparei com a pesquisa no decorrer da graduação, não tive a oportunidade de trabalhar este tema antes. Ao entrar na Especialização, inicialmente pensei em trabalhar com livros impressos x digitais. Porém, após a aula de Cinema, pensei que talvez seria bom pesquisar sobre o que realmente me agradava, muito mais que livros impressos e digitais; o assunto que permeia minhas escolhas acadêmicas desde o primeiro momento, desde a escolha da faculdade.

Assim, optei, durante a fase decisória do trabalho (primeira etapa), por estudar adaptações de livros para o cinema e sua influência na formação de leitores. Afinal, eu sou uma dessas pessoas influenciadas pelas adaptações. Fui além e a partir da literatura de massa, então sabia perfeitamente que literatura de massa e adaptações cinematográficas podem formar um jovem leitor. E não apenas um leitor, mas também um formador de leitores. E por isso, por conhecer um exemplo dessa influência, descobri um tema que gostaria de trabalhar, que me daria prazer, e aceitei o desafio de mostrar a outras pessoas o que pode advir dessas adaptações.

Além do mais, este assunto mostra-se relevante no que diz respeito a buscar formas de atrair os jovens para o mundo da leitura, que é tão importante para o seu desenvolvimento como cidadão. É extremamente importante que os jovens criem o hábito de ler. Por isso, qualquer meio que faça com que esse hábito seja criado é válido de ser estudado e desenvolvido, já que está cada vez mais difícil sua inclusão e permanência neste universo. Assim, sabendo desta importante ferramenta, precisamos aprender a utilizá-la da forma mais proveitosa possível.

Com isto, o presente trabalho busca, como seu objetivo geral, verificar se as adaptações de livros para o cinema são agentes influenciadores da leitura de jovens e adolescentes. Seriam livros e sagas, que trafegam pelos universos literário e cinematográfico ultrapassando as barreiras das páginas de um livro, responsáveis por trazer esses jovens ao mundo da leitura? Os objetivos específicos deste trabalho são compreender os dois tipos de arte (literária e cinematográfica) e suas relações, além de estabelecer diferenças entre eles, verificar se (e como) as adaptações influenciam o hábito de leitura, e, por fim, investigar a influência das adaptações na formação de leitores.

A proposta de tal pesquisa surgiu pela observação pessoal e inadvertida de que, atualmente, os livros de maior venda são, coincidência ou não, aqueles adaptados para o cinema. Tanto é que, frequentemente, encontramos novas edições de livros já lançados com as capas das adaptações fílmicas. Além disso, fazem mais sucesso entre o público pesquisado, como pode ser visto em redes sociais, por exemplo. Observamos, contudo, que a maior parte, quase exclusivamente, dos livros transformados em filme são do nicho denominado literatura de massa ou de mercado. Isso, provavelmente, se dá por conta do potencial mercadológico dessa literatura, que tem um

59

público grande, e do potencial mercadológico do cinema em si. A junção dos dois mercados gera um fluxo monetário gigantesco, o que acaba criando uma “parceria” entre eles, na expectativa de gerarem, muito lucro.

A transmutação de um livro em um filme é comum atualmente, pode ser vista com muita frequência, tanto no Brasil quanto fora. Com isso, vemos quão importante é estudar esse fenômeno, e estudar o que ele é capaz de fazer de benéfico para os jovens.

Partimos de diversos autores para tentar encontrar uma resposta. Assim, configurando a segunda fase da pesquisa, a construtiva, buscamos na literatura da área para tentar saber se a relação entre livros e suas adaptações pode atrair um público maior. Portanto, a metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica, com base em uma revisão teórica da literatura da área, englobando diversos autores que versam a respeito do assunto com o intuito de compreendê-lo. Foi feito também um acompanhamento de pesquisas de livros mais vendidos, correlacionando-os com os respectivos filmes. Além disso, utilizamo-nos de dados de outras pesquisas, realizadas por outros autores, como Tavela (2013), por exemplo, para tentar descobrir se as adaptações influenciam no hábito de ler ou não, e se os jovens estão ou não lendo.

O primeiro passo foi selecionar autores que falassem sobre os seguintes assuntos: literatura, literatura de massa, formação de leitores, cinema, roteiro, adaptação. A internet foi essencial para descobrir livros que pudessem auxiliar na escrita deste trabalho, especialmente a Consulta ao Acervo da Biblioteca da Universidade Federal de Juiz de Fora, no qual pude pesquisar os livros utilizando tais termos como palavras-chave e pegando emprestado o que foi encontrado. Utilizei a internet também para encontrar artigos nos quais pudesse me embasar, e foi assim que encontrei textos muito úteis para minha pesquisa, como os de Barbosa e Tavela. Com estes livros e artigos em mãos, pesquisei suas referências para, mais uma vez, buscar os livros e ter mais material teórico para fundamentar minha pesquisa.

Posteriormente busquei pesquisas com dados de livros mais vendidos. Tentei fazer um acompanhamento da lista da Revista Veja, disponível no site. Um problema encontrado é que nem sempre ele era atualizado semanalmente, como dizia ser, de forma que optei por utilizar apenas listas aleatórias do período entre abril e agosto de 2014.

Outro fator que foi de extrema relevância para o resultado final foi a utilização de outras pesquisas sobre leitores e formação de leitores no Brasil, com resultados a partir de entrevistas e dados palpáveis, já que diversos fatores não me permitiram fazer a minha pesquisa de campo. Elas me ajudaram a compreender a veracidade da afirmativa de que as adaptações influenciam (direta ou indiretamente) a formação de leitores, de maneira que torna esta pesquisa qualitativa, ao atribuir significados a partir da interpretação e análise dos dados, além de ser explicativa e descritiva, por desnudar características daqueles que fazem parte do corpo pesquisado e de tentar esclarecer o que os faz dessa forma. Foi a partir de seus resultados que compreendemos a real importância de se entender a relação entre adaptações de livros e formação de leitores, e que isso precisa ser mais trabalhado pela escola e pelos professores, de modo que o incentivo à leitura seja mais importante do que a crítica ao que o aluno lê.

A partir de todos esses passos, buscamos entender a relação entre os dois tipos de arte e descobrir como podemos usar essa relação para atrair leitores, formando cidadãos capazes de entender e imaginar, além de descobrir como se dá essa influência e como aproveitá-la.

Por fim, a última etapa, a redacional, consistiu em construir um texto contendo tudo o que foi observado a partir das leituras, da apuração dos dados das pesquisas e a conclusão a que se chegou.

60

Com isso, observamos que a literatura de massa é mais comumente adaptada para a linguagem cinematográfica. Além disso, ela é responsável por atrair leitores e auxilia na criação do hábito de leitura, permitindo que o leitor se sinta capaz de explorar outras formas literárias. Assim, a atração ao cinema, seguida de uma atração pelo livro da cultura de massa e, mais ainda, uma possível (provável?) inserção na leitura de livros mais clássicos são, sim, capazes de auxiliar na formação de leitores.

Se a leitura de literatura de massa vem crescendo vertiginosamente, principalmente aqueles livros que são transmutados para o cinema, pode-se inferir, então, que a linguagem cinematográfica tem contribuído para o crescimento da leitura no país. O mercado pode ser um grande responsável por isso, porém há que se considerar que é uma coisa completamente boa: se os jovens estão lendo mais, eles estudam mais e tornam-se cidadãos melhores, contribuindo para o crescimento do país.

Referências

BALOGH, A. M. Conjunções, disjunções, transmutações, 2004.

BARBOSA, B. T. A formação de leitores adolescentes e jovens: uma reflexão sobre a leitura na escola. ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO (ENDIPE), 15., 2010, Belo Horizonte. Anais... Disponível em: <http://www.ufjf.br/fale/files/2010/06/A-forma%C3%A7%C3%A3o-de-leitores-adolescentes-e-jovens-uma-reflex%C3%A3o-sobre-a-leitura-na-escola.pdf>. Acesso em: 9 abr. 2014.

BARBOSA, B. T. A leitura dos clássicos na escola: um desafio a ser enfrentado no letramento de jovens. COLÓQUIO INTERNACIONAL SOBRE LETRAMENTO E CULTURA ESCRITA, 3. Anais... Disponível em <http://www.ufjf.br/fale/files/2010/06/Begma-Tavares-Barbosa.pdf>. Acesso em 28 maio 2014.

COMPARATO, D. Da criação ao roteiro: teoria e prática. 2. ed. São Paulo: Summus, 2009.INSTITUTO PRÓ-LIVRO. Retratos da leitura no Brasil. 3. ed.

MARTÍN-BARBERO, J.; REY, G. Os exercícios de ver: hegemonia audiovisual e ficção televisiva. Tradução de Jacob Gorender. 2. ed. São Paulo: Senac São Paulo, 2004.

ORIENTAÇÕES CURRIULARES NACIONAIS PARA O ENSINO MÉDIO: linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília: MEC/Secretaria de Educação Básica, 2006. Disponível em: < http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/book_volume_01_internet.pdf>. Acesso em 28 maio 2014.

PELLEGRINI, T. et al. Literatura, cinema e televisão. São Paulo: Senac São Paulo: Instituto Itaú Cultural, 2003.

REVISTA VEJA. Os livros mais vendidos. Disponível em: <www.veja.com.br>.

61

SILVA, J. M. Leitura, literatura e cinema na sala de aula: uma cena. Dissertação (Mestrado) – Universidade Católica Dom Bosco, Campo Grande, MS, 2008.

SODRÉ, M. Best-seller: a literatura de mercado. 2. ed. São Paulo: Ática, 1988.

SODRÉ, M. Teoria da literatura de massa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1978.

TAVELA, M. C. W. Letramento literário no ensino médio: análise das experiências de ensino de literatura no Colégio de Aplicação João XXIII, da Universidade Federal de Juiz de Fora. Tese (Doutorado). 2013. Universidade Federal Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2013.

TAVELA, M. C. W. Literatura de massa na formação do leitor. In Revista Darandina.

AS NARRATIVAS PRODUZIDAS POR DISPARADORES DE MEMÓRIA: OUVINDO AS

CRIANÇAS1

Amanda Maroco dos Reis Silva2

Rosângela Veiga Júlio FerreiraCamila Silva Pinho

RESUMO

Este texto discute o papel que a literatura e a memória ocupam na aprendizagem de conceitos do campo da História nos anos iniciais do ensino fundamental. O objetivo deste texto é o de problematizar sentidos atribuídos pelos estudantes do 5º ano a partir do trabalho longitudinal desenvolvido no módulo Educação Geográfica e Histórica pelas Imagens Literárias: Múltiplas Linguagens. O portfólio produzido por esses estudantes constitui-se como disparador das memórias que dão origem a narrativas. A partir da análise dessas narrativas, o estudo propõe-se a identificar se as crianças reconhecem conceitos advindos do campo de ensino de História e se a literatura e o desenho aparecem em suas memórias.

Palavras-chave: Ensino de História. Literatura infantil. Narrativas de crianças.

1 Este Trabalho de Conclusão de Curso é orientado pela Profa. Rosângela Veiga Júlio Ferreira e co-orientado pela Profa. Camila Silva Pinho.2 Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Pós-graduanda da Especialização em Educação no Ensino

Fundamental João XXIII/UFJF. Professora da educação básica – anos iniciais (SEE-MG). Contato: [email protected]

64

Pode o trabalho com a linguagem literária ficcional educar para a compreensão de diferentes pontos de vista? Pensar essa questão significa oportunizar a problematização de conceitos do campo da História, desde os anos iniciais do ensino fundamental, objetivando constituir formas outras de compreensão do mundo3.

O texto apresentado é fruto de uma pesquisa que busca potencializar o ensino de História a partir da importância dada ao fato da criança estabelecer hipóteses, observar, descrever, representar e construir explicações sobre o que vê e sente, entrecruzando as experiências de vida e conhecimento histórico com o universo literário4. Dessa forma, optamos por analisar as interações discursivas, materializadas pelas imagens projetadas nas diferentes atividades produzidas pelos estudantes do Colégio de Aplicação João XXIII nas aulas do módulo5. Tais atividades foram realizadas em 2011 e 2012, quando os sujeitos da pesquisa ainda estavam no 2º e 3º ano, respectivamente. A produção desses materiais ocorreram a partir da leitura de livros de literatura e do trabalho com desenhos, brinquedos, filmes e outras linguagens, sendo sempre o livro o eixo disparador das problematizações apresentadas.

As fontes que sustentaram as análises dessas pesquisas foram consubstanciadas pelas narrativas orais e escritas das crianças, produzidas em 2014 – quando os sujeitos participantes do módulo se encontram no 5º ano – em articulação com os registros do momento literário, por meio de desenhos e legendas explicativas. O desafio, então, ao me deparar com essas narrativa, é o de analisá-las buscando compreender significados atribuídos pelas crianças aos conceitos do campo do ensino de História, a partir de disparadores de memória, nos anos iniciais do ensino fundamental. Portanto, procuro entender como as experiências com essas aulas contribuíram para a construção da aprendizagem histórica (PERRETO, 2011).

Os objetivos que concorrem para responder essa questão de investigação são: i) identificar os elementos que emergem do contato das crianças com o portfólio produzido ao longo dos dois anos em que vivenciaram experiências com linguagens múltiplas; ii) verificar se e como conceitos do campo do ensino de História aparecem nas narrativas; iii) identificar se os encontros literários foram potencializadores de aprendizagens.

Compreendo que a literatura contribui para a formação da criança em todos os aspectos. Nesse sentido, o trabalho com a literatura nas aulas de História pode possibilitar a compreensão de noções históricas, além do processo de formação de construção pelo gosto de leitura. Portanto, o que se quer é envolver, provocar, levar o aluno a pensar, a imaginar sobre, sem amarrar e fechar os pontos de vista possíveis para, assim, ampliar o seu conhecimento. No ensino de história a leitura se constitui como uma prática importante da produção de sentido sobre o tempo (ZAMBONI; FONSECA, 2010). A partir da sua interação é possível rememorar e retomar experiências literárias, temporais e espaciais, relacioná-las, (re)significá-las, buscando no passado sentidos, compreensões e problematizações do presente para assim projetar ações futuras. A partir dessa perspectiva busco, então, entender e identificar se e como os conceitos históricos aparecem nas narrativas memorialísticas das crianças dos anos iniciais do ensino fundamental6.

3 Ver Miranda (2010) e Oliveira (2012).4 Ver Alves (2010), Christo (2007) e Pereira (2011).5 O módulo é trimestral e tem por objetivo provocar, entre os estudantes dos anos iniciais do ensino fundamental, espaços de reflexão

sobre formas de conhecer o mundo pelos campos de ensino da Geografia e da História.6 Ver Bilhalva e Lara (2013), Zamboni e Fonseca (2010).

65

Para tal, analiso, ainda, se as estratégias metodológicas utilizadas nas aulas do módulo – trabalho com as múltiplas linguagens – com ênfase no uso da literatura foram potentes para a aprendizagem histórica dos sujeitos da pesquisa. Tendo em vista que esses recursos e estratégias são práticas frequentes de letramento nas aulas de Língua Portuguesa. Este fato torna a temática “Educar para a compreensão da História e da Geografia” um campo bastante instigante, uma vez que ainda há pouca valorização no ambiente escolar dessas disciplinas que podem desenvolver também formas de letrar as crianças. No entanto, o quadro que encontramos é de um número significativo de professores dos anos iniciais que tendem a dedicar mais tempo ao ensino da língua materna e dos conceitos matemáticos, relegando as demais disciplinas, como a História, ao segundo plano. Nesse caso, desconhecem a potência que pode decorrer de um trabalho com essas áreas do conhecimento na ampliação da própria concepção de linguagem, entendimento que este estudo ajudar a corroborar, a partir das análises desenvolvidas.

Para este estudo foi realizado inicialmente um levantamento de dados, nos quais se destacaram, nas narrativas das crianças, três aspectos. Para as análises, as categorias elencadas foram: i) lembrar-esquecer: permanências, continuidades e descontinuidades; ii) espaço e tempo: os lugares em que vivemos; iii) literatura infantil: as histórias que nos marcam.

Através dessas categorias foi possível perceber, numa análise inicial, como os conceitos históricos aparecem. Além disso, permitiu constatar que o módulo foi significativo para as crianças de algum modo e, a cada uma, marcou de uma maneira singular; e que as produções coletivas e individuais oriundas das discussões em sala de aula a partir do portfólio elaborado pelos alunos no decorrer do projeto constituem-se fontes ricas de memória e pesquisa. Nelas também verifiquei que a ludicidade no ensino e o trabalho com as múltiplas linguagens são muito importantes neste processo de ensino aprendizagem, em que as relações vividas nas atividades ajudam o indivíduo a se constituir como sujeito ativo, pensante, que estabelece vínculos e que aprende a se posicionar diante de diversas questões indispensáveis para sua formação enquanto cidadão crítico.

A reflexão que aqui se apresenta é a de que é possível pensar uma prática pedagógica para o ensino da História nos anos iniciais do ensino fundamental, problematizada por diferentes pontos de vista, dialogando com as imagens projetadas nas diferentes instâncias sociais. Essa análise nos permitiu perceber ainda que a finalidade do gênero literário não se perdeu, ou seja, houve um diálogo entre fantasia, realidade e conhecimentos históricos.

Acredita-se que educar para a compreensão de conceitos históricos pode significar olhar para as diferenças, para os percursos, para as permanências e as transformações, para as singularidades de um acontecimento, rompendo, dessa forma, com mitos consagrados numa historiografia dominante de relação com aprendizagens do campo do ensino de História: pensar os sujeitos, educar pelas imagens, construir um pensamento sobre o que é ver, buscar entender meandros dos acontecimentos, levantar suposições, realizar inferências, estabelecer diálogos com o mundo a partir de múltiplos olhares, e, ainda, noutras palavras, entender as crianças por meio de suas narrativas.

REFERÊNCIAS

ALVES, Aletéia Eleutério. O que as crianças contam?: narrativas de um grupo infantil. 114 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, 2010.

66

BILHALVA, Vanessa; LARA, Ariele Dose de. A importância da Literatura infantil no processo de ensino aprendizagem. SEMINÁRIO, 18., 2013, Cruz Alta. Universidade de Cruz Alta.

CHRISTO, Alzira Fabiana de. A narrativa de Miguel Sanches Neto: memória e identidade. 129 f. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Cascavel, 2007.

MIRANDA, Sonia Regina; ALMEIDA, Fabiana Rodrigues de (consultoria). Proposta curricular. História. Prefeitura Municipal de Juiz de Fora. Secretaria de Educação: Juiz de Fora, 2010.

OLIVEIRA, Sandra Regina Ferreira de. O ensino de História para crianças e a formação do professor para os anos iniciais do ensino fundamental. Educativa, Goiânia, v. 15, n. 2, p. 227-241, jul./dez. 2012.

PERRETTO, Cristiane. Quando se recorre às lembranças para narrar a experiência humana no tempo: o livro recriando histórias de araucária. 90 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2011.

PEREIRA, Jean Carlos Cerqueira. O ensino de história nas séries iniciais. In JORNADA DO HISTEDBR, 10., 2011. Anais...

SOSA, Derocina Alves Campos. As noções de tempo e espaço nas séries iniciais: construindo identidades com a História e a Geografia. ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA, 10., 2010, Santa Maria. Universidade Federal de Santa Maria.

ZAMBONI, Ernesta; FONSECA, Selva Guimarães. Contribuições da Literatura infantil para a aprendizagem de noções do tempo histórico: leitura e indagações. Caderno CEDES, Campinas, v. 30, n. 82, p. 339-353, set.-dez. 2010.

ORIENTAÇÕES DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS PARA A FORMAÇÃO DE UMA NOVA CONSCIÊNCIA POLÍTICA DOS

PROFESSORES E OS IMPACTOS NAS SUAS LUTAS E NA SUA ORGANIZAÇÃO SINDICAL

Letícia Cristina Pereira1

Daniela Motta de Oliveira2

Palavras-chave: Neoliberalismo de Terceira Via. Pedagogia da hegemonia. Sindicatos dos professores. Organismos internacionais.

O despertar para o tempo proposto, veio ainda no curso de graduação, através do contato com algumas disciplinas sobre políticas públicas educacionais, em que fui compreendendo o quanto a Educação, especialmente nos países em desenvolvimento, passou a ser prioridade nos discursos neoliberais tornando-se um importante campo de investimentos dos organismos internacionais, como o Banco Mundial, por exemplo. Assim como manifestavam uma nova concepção sobre o trabalho docente, que, por sua vez, passou a ser compreendido como intelectual estratégico para a difusão e manutenção da ideologia da Terceira Via.

O que motivou esse estudo foi a possibilidade de assistir ao documentário americano Waiting For Superman (“Esperando pelo Super-Homem”), dirigido por Davis Guggenheim, que aborda a forte degradação das escolas públicas e sua precariedade, em uma disciplina do curso de especialização. A principal ideia transmitida pelo documentário é a de que, quando o professor é bom, ele faz com que exista uma educação de qualidade. Não importando as condições, os recursos, os salários, a possibilidade de todos terem o mesmo acesso às escolas, entre outros aspectos.1 C. A. João XXIII/ UFJF. Contato: [email protected] C. A. João XXIII/ UFJF. Contato: [email protected]

68

Após assistir ao documentário, e percebendo que não eram raras as vezes em que os próprios docentes também se culpavam e se “auto”-responsabilizavam pelo fracasso dos alunos e das escolas, manifestei interesse em estudar sobre a falta de consciência política dos professores, fato que motivou a minha monografia de final de curso.

Dito isso, o presente trabalho procurará trazer, então, uma reflexão sobre a relação entre a influência dos documentos dos organismos internacionais na construção de políticas educacionais nacionais, que apontam os professores como principais colaboradores da manutenção de uma pedagogia da hegemonia3, pautada na lógica do neoliberalismo da Terceira Via4.

Procurando compreender como as atuais políticas públicas para a educação, pautadas nas orientações de documentos dos organismos internacionais, influenciaram as organizações coletivas dos professores, serão analisados os seguintes documentos: “Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial (1990)”; “Prioridades y Estrategias para la Educación (1996)”; “Valoración social del profesor en Chile: ¿cómo atraer a alumnos talentosos a estudiar pedagogía?” (2011); “Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI”, que aqui chamaremos de Relatório Delors (1998); “Mejorar la enseñanza y el aprendizaje por medio de incentivos. Qué lecciones nos entregan las reformas educativas de América Latina?” (2005), a fim de verificar as seguintes questões:

a) qual o papel atribuído aos professores dos anos 2000;b) que tipo de formação este profissional deve ter;c) que relação deve ter com os sindicatos;d) que comportamentos, atitudes e habilidades se espera do professor.

Considerando a importância da trajetória a ser percorrida ao longo do trabalho para que sejam alcançados os objetivos propostos na pesquisa, bem como a escolha dos instrumentos que possibilitem analisá-los de maneira efetiva optou-se pela escolha da pesquisa bibliográfica e documental, para a realização dessa pesquisa como principal metodologia, uma vez que a possibilitam um amplo alcance de informações, auxiliando na construção de uma compreensão crítica acerca do objeto a ser estudado, a fim de alcançar os objetivos acima descritos.

Para analisar os documentos dos Organismos Internacionais já citados, será de fundamental importância a contribuição de alguns autores através de seus conceitos como Pedagogia da Hegemonia e Repolitização da Política elaborados por Neves (2005), Neoliberalismo de Terceira Via, que pode ser compreendido através dos autores Lima & Martins (2005), entre outros, a fim de garantir maior compreensão do processo de construção dos ideais neoliberais, sob uma perspectiva crítica.

Os autores Ferraz (2012), Melo e Augusto (2012), trazem importantes reflexões acerca do esvaziamento dos sindicatos, através de análises sobre os resultados nacionais da Pesquisa Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil (TDEBB) realizada em 2009 e 2010. Assim

3 Segundo Neves (2005, p. 10), a nova pedagogia da hegemonia se caracteriza por “uma educação para o consenso sobre os sentidos de democracia, cidadania, ética e participação adequados aos interesses privados do grande capital nacional e internacional”.

4 Na construção do conceito neoliberalismo da Terceira Via, Lima e Martins (2005, p. 76) dizem: “O projeto político da terceira via representa uma perspectiva de “modernização política”, que procura orientar o ajustamento dos cidadãos, do conjunto sociedade civil e da aparelhagem de Estado na justa medida das demandas e necessidades do reordenamento do capitalismo. As referências indicadas pela Terceira Via como de modernização estão ligadas organicamente ao (neo)liberalismo. Portanto, ela pode ser apresentada como um pro-grama comprometido com a atualização do projeto burguês de sociedade e pela geração de uma pedagogia voltada a criar uma unidade moral e intelectual comprometida com essa concepção.”

69

como Figueiredo (2006), que em sua dissertação de mestrado intitulada: “Reforma neoliberal na educação e crise no movimento sindical no estado de minas gerais: os limites do reformismo.”, faz um estudo sobre o Sind-UTE e o processo de burocratização do mesmo, o que possibilitou o processo de cooptação do sindicato aos ideais neoliberais da Terceira Via.

Considerando que o presente estudo ainda está em fase de conclusão, é possível elucidar algumas questões já compreendidas durante todo o percurso. Foi possível reconhecer o importante investimento, especialmente do Banco Mundial e UNESCO, para a formação de uma nova concepção do trabalho dos professores e sobre a sua função social, onde nota-se a forte ideia de que o docente deve ser um intelectual com capacidade técnica para educar as novas gerações de acordo com os valores de uma nova sociabilidade, proposta pelo neoliberalismo da Terceira Via.

Assim, a partir dos anos oitenta e noventa foi protagonizada uma série de “acordos internacionais e uma redescoberta da educação como campo fértil de investimentos.” (VIEIRA, 2001, p. 61). Uma das estratégias neoliberais para implantar os princípios do mercado no campo educacional foi o repasse da responsabilidade do Estado na garantia de recursos para a Educação, para os investimentos financeiros de organizações privadas. Segundo Azevedo (2001, p. 15), para os neoliberais “os poderes públicos devem transferir ou dividir suas responsabilidades administrativas com o setor privado, um meio de estimular a competição e o aquecimento do mercado”. Sobre essa divisão de responsabilidades, encontramos no Documento da UNESCO sobre a educação, que ficou conhecido como Relatório Delors (1998), afirmações que corroboram essa perspectiva, ao afirmar que todas as decisões políticas relacionadas com o campo educacional geram repercussões financeiras e que por isso deve existir colaboração entre o investimento público e privado.

Com o crescimento desse discurso há cada vez mais a participação do setor privado, bem como dos princípios do mercado como, por exemplo, a competição, o individualismo, a meritocracia, etc. nas construções e articulações políticas para a educação. Esse movimento, pertencente ao que Neves (2005) define como a nova pedagogia da hegemonia, tem um forte objetivo de impedir o crescimento e avanço intelectual da consciência política e coletiva dos indivíduos, fazendo com que, no máximo, atinja-se uma consciência de solidariedade, através da mobilização de pequenas organizações em torno de objetivos pontuais, específicos; sem romper necessariamente com a lógica do capitalismo, tornando a força sindical cada vez mais vazia de significados.

Dentre outros fatores facilitadores da desarticulação dos professores enquanto organização coletiva, segundo as autoras Melo e Augusto (2012, p. 304) perpassam por “uma reestruturação do trabalho docente, ligando-o a resultados mensuráveis, associados à avaliação de desempenho”. Sendo percebidos através de uma forte regulação do seu trabalho, que gera determinada competitividade, através da meritocracia, além de que, na maioria das decisões a serem tomadas nas escolas, eles não participam do processo de construção, tornando-se cada vez mais, intelectuais orgânicos da nova pedagogia da hegemonia.

REFERÊNCIAS

AZEVEDO, J. M. L. de.  A Educação como política pública.  2. ed. Campinas: Autores Associados, 2001

70

BANCO MUNDIAL. Relatório sobre o desenvolvimento mundial. World Bank, 1990.

BANCO MUNDIAL. Prioridades y Estratégias para la Educación. Washington:

Worl Bank, 1996. Disponível em: <http://www-wds.worldbank.org/external/default/WDSContentServer/WDSP/IB/2005/06/13/000160016_20050613172136/Rendered/PDF/14948010spanish.pdf>. Acesso em 10 ago. 2014.

CABEZAS, V.; CLARO, F. Valoración social del profesor en Chile: ¿cómo atraer a alumnos talentosos a estudiar pedagogía? Centro de Políticas Públicas UC.  Temas de la Agenda Pública, año 6, n. 42, 2011. (P. Universidad Católica de Chile.)

DELORS, J. (Coord.). Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo: UNESCO: MEC: Cortez, 1998.

FERRAZ, M. Organização do trabalho e sindicalismo docente: notas sobre taxas de filiação. In OLIVEIRA, Dalila Andrade; VIEIRA, Lívia Fraga. (Org.). Trabalho na educação básica: a condição docente em sete estados brasileiros. Belo Horizonte: Fino Traço, 2002. p. 343-370.

FIGUEIREDO, L. Reforma neoliberal na educação e crise no movimento sindical no estado de Minas Gerais. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2006.NEVES, L. M. W. (Org.). A nova pedagogia da hegemonia: estratégias do capital para educar o consenso. São Paulo: Xamã, 2005. 312p.

MELO, S. D. G; AUGUSTO, M. H. Resistência e organização sindical dos docentes da educação básica no Brasil. In OLIVEIRA, Dalila Andrade; VIEIRA, Lívia Fraga. (Org.). Trabalho na educação básica: a condição docente em sete estados brasileiros. Belo Horizonte: Fino Traço, 2002. p. 299-324.

LIMA, K. S.; MARTINS, A. S. Pressupostos, princípios e estratégias. In NEVES, Lúcia M. W. (Org.). A nova pedagogia da hegemonia: estratégias do capital para educar o consenso. São Paulo: Xamã, 2005. p. 43-68.

VEGAS, E.; UMANSKY, I.  Mejorar la enseñanza y el aprendizaje por medio de incentivos. Qué lecciones nos entregan las reformas educativas de América Latina? Washington, DC: Banco Mundial, 2005.

VIEIRA, S. L. Políticas internacionais e educação: cooperação ou intervenção? In DOURADO, Luís Fernandes; PARO, Vitor Henrique (Org.). Políticas públicas e educação básica. São Paulo: Xamã, 2001. 59-90

Waiting for Superman (original). Direção: Davis Guggenheim. Estados Unidos, 2010. 102 min. Disponível em: <http://www.gestaoescolar.diaadia.pr.gov.br/modules/video/showVideo.php?video=12598>. Acesso em 27 ago. 2014.

OFICINAS DE LETRAMENTO:A MEDIAÇÃO ENTRE AS CRIANÇAS DE ESCOLAS

PÚBLICAS E OS OBJETOS CULTURAIS

Analina Alves de Oliveira Muller1

Luciane Manera Magalhães2

RESUMO

Apresentamos, nesse artigo, um recorte de uma pesquisa realizada no âmbito do Grupo de Pesquisa ALFABETIZE, a partir do projeto “Formação Inicial e Continuada de Professoras Alfabetizadoras”, do programa de extensão do Ministério da Educação – ProExt 2013. Investigamos como as oficinas de letramento desenvolvidas com crianças de escolas públicas tocaram suas vidas, quais comportamentos foram influenciados e quais foram os reflexos de uma prática pautada na construção e na valorização da criança como um ser ativo e participativo. Refletimos sobre a importância das práticas de letramento desenvolvidas num ambiente extra escolar e colocamos como fundamental o desenvolvimento de propostas como essas também no âmbito escolar.

Palavras-Ccave: Letramento. Criança. ProExt/MEC 2013.

1 ALFABETIZE/FACED/UFJF. Contato: [email protected] ALFABETIZE/FACED/UFJF. Contato: [email protected]

72

INTRODUÇÃO

Neste trabalho, investigamos o retorno que as oficinas de letramento desenvolvidas com crianças de escolas públicas deram para a vida social dessas crianças. O ProExt é um programa de extensão universitária do Ministério da Educação que financia programas ou projetos de extensão que contribuam para a implementação de políticas públicas, com ênfase na inclusão social. O projeto “Formação Inicial e Continuada de Professoras Alfabetizadoras” foi aprovado e realizado em 2013 em cinco escolas públicas da rede municipal de ensino de Juiz de Fora/MG e uma instituição beneficente (Instituto IB Perón) do mesmo município.

O projeto tinha como objetivo preparar as bolsistas para atuar na área da alfabetização e letramento tanto em espaços educacionais institucionalizados, como as escolas municipais, quanto em espaços em que a educação ocorre de forma não institucionalizada, como o Instituto IB Perón.

A um quilômetro do campus universitário, o Instituto IB Perón está localizado em um bairro de grande vulnerabilidade social, a qual foi constatada por nós, bolsistas, quando tivemos a oportunidade de andar pelas ruas distribuindo panfletos sobre as oficinas que se iniciariam na última semana de julho de 2013.

O Instituto IB Perón foi fundado há quatro anos com o objetivo de auxiliar os moradores do bairro Casa Blanca e adjacências em diversas atividades, como informática, artesanato, além de atendimento psicológico e pedagógico desenvolvidas por voluntários.

As oficinas de letramento foram realizadas no período de 22 de julho a 16 de dezembro de 2013, uma vez por semana, com carga horária de quatro horas para nós, bolsistas, e de três horas para as crianças. Tínhamos, assim, cerca de meia hora para organizar todo o material da oficina antes das crianças chegarem e meia hora depois que elas saíam para deixar tudo organizado, pois embora o terraço fosse coberto, não era uma sala, por isso guardávamos o material no primeiro andar.

Inicialmente, nos organizamos de forma a cada bolsista pesquisar e propor cinco atividades de letramento que envolvessem música, literatura, teatro, pintura, dança, colagem, confecção de dedoches, fantoches de palitos e maquetes. Em um segundo momento, em reunião com a coordenação, organizamos um cronograma de oficinas para todo o período de realização do projeto no instituto (6 meses), o qual passou por pequenas modificações.

O trabalho realizado pautou-se em princípios que foram construídos junto ao grupo de pesquisa: o objetivo principal era o de propiciar a ampliação das práticas de letramento das crianças em fase de alfabetização, por isso os grupos foram limitados à idade entre seis e oito anos.

As famílias procuravam muito o Instituto IB Perón para reforço escolar, mas não era esse o objetivo do nosso trabalho, embora acreditássemos que, se conseguíssemos despertar nas crianças o gosto pela leitura e o envolvimento com práticas de letramento, elas seriam beneficiadas também em seu aprendizado na escola.

Outro princípio proposto foi o de evitar “atividades escolarizadas”, isto é, aquelas típicas da escola tradicional (como cópias, colorir desenhos prontos, exercícios descontextualizados, entre outras) que afastam as crianças e muitas vezes as chateiam, fazendo-as a se desinteressarem pelo aprendizado.

Programamos oficinas em que as crianças sempre tivessem a oportunidade de confeccionar algum material relacionado à temática desenvolvida para que pudessem levar para casa.

73

Acreditamos que esses materiais poderiam assumir a função de memória das oficinas e serem um vínculo entre a experiência vivenciada pela criança na oficina e sua casa e/ou família.

Em todas as oficinas deixávamos diversos títulos de livros de literatura infantil e revistas em quadrinhos para as crianças folhearem no início, enquanto os colegas fossem chegando, e quando desejassem no decorrer das atividades. Ao chegarem, encontravam um bloco de folha A4 para registrarem, a cada dia, sua presença. Nele, as crianças eram solicitadas a fazerem uma “marquinha”, ou seja, a escreverem ou desenharem algo que as representassem naquele dia.

Depois de completo o grupo, assentávamos em rodinha para conversarmos um pouco sobre a semana das crianças ou algum assunto que surgisse do próprio grupo. Logo em seguida, iniciávamos a oficina com uma leitura deleite, com o objetivo de sensibilizar as crianças para o gosto pela leitura. Quando surgia algum comentário por parte das crianças, conversávamos sobre a leitura deleite, caso contrário, fazíamos a leitura literária relacionada ao tema da oficina e dávamos início à atividade planejada para o dia. Conforme já listado anteriormente, oferecíamos um pequeno intervalo para lanche, retomávamos a oficina e finalizávamos.

A análise reflexiva desse trabalho se justifica pelo fato de comprovar o quanto as práticas pautadas no letramento tornam-se prazerosas, interessantes e instigadoras para as crianças, principalmente àquelas que são privadas de muitos objetos culturais presentes na sociedade moderna, as crianças da classe popular. A importância dessas reflexões também atinge a nós enquanto educadoras, por ter se configurado um grande desafio da docência, em que saímos dos muros da escola e dos muros da universidade para desenvolver o que a própria escola deveria estar oferecendo a esses pequenos.

OBJETIVOS

Temos como objetivo no recorte dessa pesquisa averiguar o que atingiu as crianças participantes do projeto a partir do desenvolvimento das oficinas de letramento que foram pautadas em atividades reflexivas e práticas, significativas e prazerosas. Observamos de modo geral como foram os momentos de aprendizagem e crescimento dos pequenos participantes desse projeto.

METODOLOGIA

Esclarecemos o percurso trilhado na produção dos dados e conhecimentos acerca do nosso objeto de estudo. Utilizamos uma abordagem qualitativa para trabalhar com o material obtido durante o desenvolvimento do projeto, ou seja, as notas de campo e as impressões anotadas de cada realização da oficina. O instrumento utilizado na abordagem dos dados qualitativos será a análise documental, isso porque foram produzidos documentos (notas de campo e impressões) para acompanhar o desenvolvimento semanal das oficinas de letramento.

Conforme as caracterizações de Ludke e André (1986), a pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como sua fonte direta de dados e supõe o contato direto e prolongado entre o pesquisador os sujeitos investigados. Para Ludke e André (1986), o material obtido nessas pesquisas é rico em descrições de pessoas, situações e acontecimentos, inclui a transcrição de vídeos e depoimentos, fotografias e desenhos.

74

REFERENCIAL TEÓRICO

A partir das considerações de Soares (2010), utilizamos o termo letramento quando nos referimos às práticas sociais, culturais, políticas, econômicas, cognitivas e linguísticas da língua escrita. Conforme a autora:

Letramento é um estado, uma condição: o estado ou condição de quem interage com diferentes portadores de leitura e de escrita, com diferentes gêneros e tipos de leitura e de escrita, com as diferentes funções que a leitura e a escrita desempenham na nossa vida. Letramento é o estado ou condição de quem se envolve nas numerosas e variadas práticas sociais de leitura e de escrita (SOARES, 2010, p. 44).

Nas oficinas elaboradas, buscamos focar nas práticas de letramento, partindo do trabalho com a literatura infantil e com gêneros diversificados, possibilitando à criança um papel ativo a partir de atividades práticas. Acreditamos que é muito importante que a criança vá despertando o gosto pela leitura e se tornando curiosa a respeito da língua, pois uma pessoa letrada transforma a sua maneira de pensar, o seu lugar social, sua forma de viver e sua imersão na cultura. Com as contribuições da teoria socio-histórico-cultural, compreendemos que os fatores sociais e culturais influenciam o desenvolvimento intelectual (Vygotsky 1987).

Ressaltamos, então, a importância de momentos com trabalhos nessas perspectivas, como uma forma de suscitar o prazer na criança pela leitura. Segundo José (2007), a palavra prazer denota vários sentidos:

Prazer é fruição, alegria, contentamento, júbilo, deleite, satisfação, sensação agradável, distração, divertimento, envolvimento... Todos esses sinônimos não dizem tudo sobre o prazer e o encantamento que há no ato de criar e de ler um texto literário. Literatura é jogo de palavras com o mais alto grau de envolvimento poético (JOSÉ, 2007, p. 18).

CONCLUSÕES

Analisando o desenvolvimento desse trabalho e a suas contribuições para as crianças foi possível observar através das notas de campo e das filmagens que algumas atitudes foram modificadas. No início das oficinas, nos meses de julho e agosto, as crianças não tinham interesse em ler os livros e revistinhas que deixávamos para livre acesso a elas no cantinho da leitura; e, quando tocavam, não tinham cuidado.

Quando eram convidadas a falar sobre seu fim de semana, eram tímidas e pareciam achar que não daríamos atenção para um simples acontecimento da sua vida, achavam também que estavam lá apenas para ouvir, e não para participar, contribuir. Nas primeiras oficinas pudemos observar muita agressividade, brutalidade para com o uso dos materias, nas suas falar e atitudes.

Tudo isso confirmava nosso foco naquele lugar, realmente precisávamos mexer com a sensibilidade, com o prazer em desenvolver atividades, fazer com que eles pudessem sentir o poder da imaginação, da criação e da ludicidade, eles precisavam sentir que o que faziam por autoria era valorizado por nós. Precisavam agir como seres ativos e compreender que após uma história não é obrigatório que se venha uma atividade.

Após os dois primeiros meses é possível ver nos vídeos como a sensibilidade e o gosto pela leitura já havia sido despertado nas crianças: elas passaram a chegar mais cedo nas oficinas para

75

aproveitar o tempo em que arrumávamos o espaço para ficar com os livros num maior período no cantinho da leitura, que, por sinal, tinha que ser o primeiro espaço a ser montado. Também é possível observar uma criança chamando a atenção da outra dizendo: Cuidado com os nossos livros, senão nossa felicidade acaba! (Nota de campo. p. 2, 26 de novembro de 2013.)

Alguns pais vieram nos pedir para dar continuidade no projeto em 2014, pois viram muitas mudanças nos seus filhos. Acreditamos que, quando a escola pública valorizar as práticas de letramento como base para o ensino – principalmente no ciclo inicial de alfabetização, uma vez que as crianças estão indo para a escola pela primeira vez, e em muitos casos a escola é a principal mediadora entre seus alunos e os objetos culturais presentes na sociedade – a motivação, a vontade de aprender, e com toda certeza o resultado final aferido pelas avaliações, seriam diferentes e acima de tudo nossas crianças da escola pública seriam mais felizes por poderem aprender a partir do que tem significado na sociedade em que vive.

Como nos ensina Soares (2010): “Letrar é mais que alfabetizar, é ensinar a ler e escrever dentro de um contexto onde a escrita e a leitura tenham sentido e façam parte da vida do aluno.”

Observamos que nossas crianças não saíam correndo das oficinas como saem da escola. Essa simples atitude presente em todos os vídeos demonstra que as escolas precisam tocar mais na sensibilidade dos alunos, colocar as práticas de letramento como ênfase, e não apenas visar a transmissão do saber historicamente acumulado, mas a sociabilização dos objetos culturais presentes na sociedade como suporte para o ensino dos saberes.

REFERÊNCIAS

GEEMPA. Alfabetização nas classes populares. 3. ed. Porto Alegre: Kuarup, 1988.

JOSÉ, Elias. Literatura infantil: ler, contar e encantar crianças. Porto Alegre: Mediação, 2007.LUDKE, Menga; MARLI E. D. A. André. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.

SOARES, Magda Becker. Letramento, um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.

VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1987.

ZILBERMAM, Regina. A produção cultural para a criança. 4. ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1990.

A LITERATURA E O ENSINO DE GEOGRAFIA: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Andreia Cristina Teixeira Tocantins1

Rosângela Veiga Júlio Ferreira2

RESUMO

O presente texto discute o ensino de Geografia nos anos iniciais do ensino fundamental a partir do uso de múltiplas linguagens. O objetivo é refletir sobre o que significa educar para a compreensão dessa área do conhecimento, tendo por mote de discussão práticas já realizadas no módulo Educação Geográfica e Histórica pelas Imagens Literárias: Múltiplas Linguagens do Colégio de Aplicação João XXIII/UFJF. Dentre as diferentes linguagens oportunizadas pelo trabalho em questão, destacamos a literatura como possibilidade de entender formas de representação de mapas.

Palavras-chave: Ensino de Geografia. Múltiplas linguagens. Mapas

1 Licenciada em Geografia pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Cursa bacharelado em Geografia pela mesma instituição. Contato: [email protected]

2 Professora do Colégio de Aplicação João XXIII/UFJF. Doutora em Educação pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Contato: [email protected]

78

INTRODUÇÃO

O presente texto tem por objetivo apresentar duas práticas realizadas no módulo Educação Geográfica e Histórica pelas Imagens Literárias: Múltiplas Linguagens, pautadas na possibilidade de colocar em discussão pontos centrais do processo de compreensão dos eixos articuladores do ensino de Geografia, sendo escolhido para tal, no caso deste texto, o que se refere ao lugar.

O princípio norteador das tarefas realizadas no módulo é sustentado por uma perspectiva de transversalidade do currículo. No que se refere ao que subsidia as discussões deste texto, trata-se de uma escolha metodológica, ou seja, não há conteúdos definidos a priori, a despeito de abordar áreas específicas do conhecimento. Os encontros são pensados a partir das concepções de uma educação geográfica e histórica sustentada a partir do oferecimento de atividades que envolvem literatura, desenho, filmes, textos de gêneros variados, instrumentos canônicos das duas áreas, como por exemplo, o mapa. O desafio é o de pensar sobre como o ponto de vista a partir do qual se olha um conhecimento pode permitir a formação de um leitor proficiente, no sentido de entender o mundo que o cerca e de duvidar de certezas.

As atividades escolhidas para subsidiar as discussões apresentadas, assim como outras que compuseram os encontros desse módulo em dois anos consecutivos, estão registradas em um portifólio, que consideramos como fonte documental que possibilita a narrativa das experiências vivenciadas pelas crianças e a respectiva retomada quando são alunos do 5º ano do ensino fundamental. Neste documento encontram-se representações dos alunos projetadas em seus desenhos, acompanhadas por legendas explicativas e colocações orais, registradas pelos professores e pelos bolsistas3.

Para colocar em discussão o movimento ocorrido no módulo, apresentamos as linguagens da literatura e do desenho utilizadas na realização de dois encontros voltados para a discussão de mapas no ensino fundamental.

A literatura como articuladora de sentidos para o ensino de Geografia: algumas reflexões sobre a prática

É possível pensar na literatura como forma de entender o pensamento geográfico sem perder o encanto literário? As colocações e representações de algumas das crianças participantes do referido módulo nos mostra que sim, quando as dimensões de diálogo entre o real e o imaginário colocaram-se como fontes problematizadoras dos sentidos atribuídos por elas.

Traremos agora dois exemplos de práticas de ensino de Geografia vivenciadas no módulo que nos permitiu perceber a potência da literatura como articuladora de sentidos através da possibilidade de entendimento de conceitos das áreas das ciências humanas4.

A primeira reflexão foi fruto de colocações de algumas crianças a partir da experiência com o livro A casa da Joaninha, de Norma Freire (2001), que aborda o conceito de lugar. A proposta pautou-se na possibilidade de identificar como os pontos de referência auxiliam na localização e deslocamento das pessoas pelos diferentes lugares que as cercam5. O livro narra a história de uma joaninha que, ao encontrar um menino, convida-o para ir a sua casa. A casa dessa joaninha é uma folha que fica em uma palmeira. Para chegar à referida casa, o menino precisa passar por

3 O módulo conta atualmente com dois bolsistas de BIC e é acompanhado também por dois de Treinamento Profissional. As práticas nele realizadas são tema de estudo e discussão nos encontros de formação oportunizados por um grupo de estudos coordenado pela mesma professora do C. A. João XXIII.

4 Ver Aguiar (2010).5 Ver Ferreira e Faria (2012). Em tempo: As duas autoras fazem parte do grupo de estudos que subsidia o módulo.

79

um longo caminho que implica em subidas, descidas e observações importantes descritas de forma literária ao longo do texto. A maioria dos estudantes interpreta o texto como um mapa em que possibilita ir imaginando o caminho. Nesse contexto descritivo a ênfase aos pontos de referência possibilita uma reflexão sobre a importância de saber interpretar informações presentes em um mapa.

Durante a realização deste trabalho, as autoras interpretaram que o desenho representou uma linguagem consistente para identificar as relações que as crianças estabeleceram entre o imaginário e o real, viabilizando diálogos com dimensões particulares desses pequenos autores, tais como o afeto, a maneira singular de observar objetos, a leitura de pontos de vista e outros aspectos que podem constituí-los como sujeitos autônomos. Conforme pode ser percebido pela observação dos desenhos e das legendas apresentadas a seguir.

Figura 1 – Sentidos atribuídos pelas criançasFonte: Imagem retirada dos cadernos das crianças

Pela análise das representações das imagens projetadas pelas crianças, podemos perceber que houve uma oscilação entre explicações que consolidavam experiências vivenciadas e outras advindas do plano do imaginário. As dimensões evidenciadas nos desenhos e nas colocações escritas e/ou orais ora apontavam para referências citadas na obra ficcional, ora para novas que advieram de referências de mundo trazidas pelas próprias crianças. Em alguns casos, havia percepções de aspectos físicos do lugar, por meio da descrição de objetos que nem sempre pertenciam ao cotidiano daqueles alunos, demonstrando que havia crianças que extrapolaram a ideia de imagem projetada pela autora da obra literária. Noutras palavras, a imaginação foi potencializada e a experiência ocupou um lugar secundário, mantendo, a despeito das aprendizagens geográficas, o encantamento literário.

A segunda atividade do módulo, que oportunizou o diálogo entre literatura e conhecimento geográfico, sustentou-se também no uso de outros instrumentos, como o planisfério e o globo

80

terrestre6. Através do livro A Pirilampéia e os dois meninos de Tatipurum, de Joel Rufino dos Santos (1999), que conta a história de dois meninos – Fulaninho e Sicraninho – que disputam entre si a “verdade” sobre o conhecimento de que o lugar onde cada um vive é o que estaria de “cabeça para cima”. Com uma linguagem próxima ao universo das crianças pequenas, o autor problematiza uma questão que é canônica nas representações cartográficas, a definição de qual país está acima ou abaixo da Linha do Equador.

Com base em tal narrativa ficcional, o módulo propõe reflexões em torno de uma alfabetização cartográfica. Neste trabalho, as autoras buscam demonstrar o papel da articulação dos instrumentos cartográficos – planisfério e globo terrestre – e da literatura, para construção de conceitos geográficos. Para tal, fazem uso de narrativas produzidas pelas crianças, que puderam contar suas experiências, seus entendimentos e suas dúvidas, por meio da provocação dos pesquisadores sobre como poderiam entender os lugares representados nos mapas a partir de diferentes pontos de vista.

Após análise das narrativas, as autoras puderam perceber que o cruzamento dessas diferentes linguagens possibilitou aos alunos uma maior interação com o conceito trabalhado – lugar –, tendo em vista que a visualização dos instrumentos cartográficos potencializou a obra literária, já que se trata de um assunto de maior “complexidade e distanciamento” do cotidiano da criança.

Um número significativo de crianças, diante dos objetos cartográficos, trouxe curiosidades e dúvidas, estabelecendo relações entre acontecimentos cotidianos e o que observavam em tais objetos, dialogando, em alguns momentos, com os conhecimentos suscitados pela leitura do livro de literatura.

Essas evidências puderam ser observadas no relato de algumas crianças, quando perguntadas, por exemplo, por que a Terra é representada num globo terrestre. Dentre as respostas, destacam-se as de duas crianças. A primeira disse que o mapa servia “pra gente conhecer mais a Terra, pra mostrar os seus movimentos. E os lugares, onde eles estão direitinho, porque eu não fazia a mínima ideia que a China era ligada na Índia”. A segunda, diante do mesmo instrumento de representação do lugar, afirmou: “Olhe, Mongólia!!! Eu não conhecia. Tem lugares que eu nem sonhava que existia.”7

Tais colocações conduziram a outros questionamentos que remeteram ao fato de que aqueles estudantes tinham pouca familiaridade com esses objetos de representação – planisfério e globo –, em que pese estarem no 5º ano do ensino fundamental. O que se defende é que as atividades propostas pelo módulo poderão criar oportunidades de vivências outras com o conhecimento geográfico. Cabe destacar, especialmente, a possibilidade de problematizar questões a partir da escuta das crianças sobre aprendizagens ou não aprendizagens.

A realidade do lugar, no caso o planeta Terra e suas diferentes representações, é composta por múltiplas relações que só podem ser apreendidas numa visão complexa e não fragmentária. Nesse contexto de aprendizagem, o universo literário se constituiu pelas escolhas apresentadas neste texto, mesmo que brevemente, como potência para o processo de formação da criança, uma vez que possibilitou a construção de múltiplos sentidos. Entendemos ser importante destacar, nessa mesma linha argumentativa, o papel de mediador que a literatura exerce quando esta se projeta como uma potente possibilidade de articulação entre teoria e prática, permitindo às crianças atribuírem sentido para as experiências vividas e/ou sentidas. Cabe ressaltar que “a obra

6 Ver Tocantins e Nascimento (2013). Em tempo: As duas autoras fazem parte do grupo de estudos que subsidia o módulo.7 Optamos por usar o itálico para marcar as colocações das crianças.

81

literária não tem compromisso de explicar o real, e nem de comprovar acontecimentos. Para interpretá-los, reconstruí-los, o autor recorre à imaginação, à criatividade e à ficção. Isso implica em um afastamento do real”, no entanto, a literatura “possibilita desenvolver a linguagem, fornece pistas, indícios para a compreensão da realidade, da nossa cultura, da nossa identidade” (ZAMBONI; FONSECA, 2010, p. 342).

Com base nessas reflexões sobre o papel que a linguagem literária combinada a outras linguagens pode exercer, destacamos que, tal qual ocorreu com o livro de Norma Freire – A casa da Joaninha –, o imaginário literário de Joel Rufino, no livro A Pirilampeia e os dois meninos de Tatipurum, auxiliou no processo de colocar em dúvida as certezas sobre a representação do mundo nas superfícies plana e esférica.

As experiências aqui apresentadas demonstram que é possível pensar uma prática pedagógica para o ensino de Geografia nos anos iniciais do ensino fundamental, que dialogue com múltiplas linguagens, ancoradas nas práticas e vivências sociais, sem que se perca a leveza literária.

REFERÊNCIAS

AGUIAR, Valéria Trevizani B. de (Com.). Proposta Curricular Geografia. Juiz de Fora: PMJF/SE, 2010. (Documento preliminar.)

FERREIRA, Rosângela Veiga Júlio; FARIA; Jeniffer de Souza. A literatura como potência problematizadora do lugar: imagens projetadas pelas crianças. Geograficidades, 2012.

FREIRE, Norma; ZIROTTI, Cláudio. A casa da Joaninha. São Paulo: Berlendis e Vertecchia, 2001.

SANTOS, Joel Rufino dos. A Pirilampéia e os dois meninos de Tatipurum. São Paulo: Ática, 1999.

TOCANTINS, Andreia Cristina Teixeira; NASCIMENTO, Júlia Martins do. Globo terrestre, planisfério e livros literários: instrumentos que podem contribuir para a construção do conhecimento geográfico nos anos iniciais. In Anais..., Juiz de Fora, nov. 2013.

ZAMBONI, Ernesta; FONSECA, Selva Guimarães. Contribuições da literatura infantil para a aprendizagem de noções do tempo histórico: leituras e indagações. São Paulo: Cortez, 2010. p. 339-353. (Caderno Cedes, n. 82)

A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO ENSINO FORMAL:PROJETOS E PESQUISAS VOLTADAS PARA O

AMBIENTE ESCOLAR

Geisa Dias Gaio1

Fernanda Bassoli Rosa2

RESUMO

A pesquisa ora apresentada tem como objetivo compreender como as práticas educativas em Educação Ambiental (EA) na escola têm sido retratadas nas produções acadêmicas. Assim, analisamos os anais dos congressos da ANPED nos últimos cinco anos, procurando mapear as concepções teóricas e metodológicas dos trabalhos e problematizar as experiências de EA no âmbito escolar. A partir das análises realizadas, verificamos um reduzido número de trabalhos que abordam a EA no cotidiano da escola, de forma interdisciplinar e suscitando transformações na realidade local, pelo contrário, a maioria dos autores avaliam de forma negativa a maioria das ações implementadas.

Palavras-chave: Educação ambiental. Contexto escolar. Estado da arte.

1 Graduada em Geografia pela UFJF, aluna do Curso de Especialização em Educação no Ensino Fundamental. Professora dos anos finais do ensino fundamental e médio no Colégio Militar de Juiz de Fora. Contato: [email protected]

2 Professora do C. A. João XXIII. Contato: [email protected]

84

INTRODUÇÃO

O presente estudo surgiu da dificuldade encontrada em trabalhar a Educação Ambiental (EA), no que se refere aos problemas ambientais, quando me inseri na escola como professora nos anos finais do ensino fundamental em 2013. Nesse contexto, acreditava que a EA era o caminho certo para entender e atuar de maneira mais fácil, interessante, efetiva e gradual na transformação da consciência dos meus alunos, mas percebi que associar teoria com prática era um grande desafio.

Incomodada com essas distâncias, procurei ampliar meus conhecimentos com a oportunidade de pesquisa na elaboração da monografia de conclusão de curso de Especialização em Ensino Fundamental no Colégio de Aplicação João XXII/UFJF.

Assim, a questão que norteia este estudo perpassa pela possibilidade de compreender como as práticas educativas em Educação Ambiental na escola têm sido retratadas nas produções acadêmicas. Delimitando como objetivo principal analisar os trabalhos publicados nos anais dos congressos da ANPED3 nos últimos cinco anos, procurando mapear as concepções teóricas e metodológicas dos trabalhos e problematizar as experiências de EA no âmbito escolar. Historicamente, Educação Ambiental (EA) é o nome dado às práticas educativas relacionadas à questão ambiental, um tema caro à sociedade contemporânea que emerge diante de uma crise da civilização. Frente a isso, abordamos em um dos capítulos os principais acontecimentos da história da Educação Ambiental, principalmente formal, para que pudéssemos compreender de que forma ela contribuiu para a construção de uma consciência a respeito dessa crise.

Paralelamente a isso, apresentamos sucintamente o conhecimento sobre duas principais concepções em Educação Ambiental discutidas na atualidade. Uma delas é classificada por Guimarães (2004) e diversos outros autores, como tradicional (conservadora), hegemônica, mecanicista, e na visão deste, sem potencial para a superação da atual crise socioambiental. É o exemplo de educação que não questiona a causa dos problemas, apenas realiza campanhas como “Dia da Árvore”, “Semana do Meio Ambiente”, sem envolver os sujeitos na busca de uma transformação da realidade. A outra vertente é um contraponto em relação ao que vem sendo realizado, classificado como Educação Ambiental Crítica ou Emancipatória, a qual busca o repensar do estilo de vida humana na construção de uma ampla consciência crítica das sociedades, tendo como bases práticas participativas, com característica interdisciplinar.

Frente a essas considerações, a Educação Ambiental Crítica, Emancipatória ou Transformadora se coloca como uma possibilidade de superação, e não apenas de mudança. Assim, os indivíduos, de forma ética e justa, precisam saber pensar, problematizar e agir a favor do meio ambiente (GUIMARÃES, 2004).

Assim, como referencial teórico para reflexão e análise dos trabalhos, destacamos Carlos Frederico B. Loureiro (2004), Isabel Carvalho (2011), Genebaldo Freire Dias (2003), dentre outros consagrados na literatura/pesquisa sobre Educação Ambiental no Brasil.

Frente às considerações suscitadas pelos autores, o que se tem visto é uma perspectiva de EA com paradigmas e ideologias que não possuem compromisso com transformações significativas da realidade, com pilares conservadores. Por isso é preciso saber que existem

3 A Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED) promove anualmente um dos eventos mais importante de Educação no Brasil, que consolida a produção de pesquisas em nível de pós-graduação e contribui significativamente para o aperfeiçoa-mento de professores.

85

diferentes concepções por detrás das diferentes práticas pedagógicas, as quais são fortemente influenciadas pelo contexto social, ambiental, cultural e econômico.

Nesse contexto, trabalhar a EA na escola é navegar em um território instável em busca de saberes com um novo modo de pensar, na qual teoria e prática não esteja tão distante uma da outra, mas que consigam, juntas, atingir um resultado. A partir disso, tomamos os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997) como um documento de referência para educação básica, elaborado para auxiliar o professor na sua prática pedagógica. Este documento aponta como desafio da escola o debate das questões ambientais e outras, não criando disciplinas específicas para elas, mas sim incorporando-as nas áreas já existentes e no trabalho educativo que desenvolvem.

Assim, inferimos que a escola se coloca como um espaço privilegiado capaz de propiciar formulações de projetos educativos que colocam em discussão problemas, estabelecendo ligações entre o que o aluno já conhece, o que está aprendendo e sua realidade cotidiana – seu meio, sua comunidade – incentivando a tomada de decisão de forma coletiva, enfrentando o desafio de implementar ações que estejam apenas voltadas para a mudança de comportamentos, mas também para a discussão e construção de outras formas de pensar e agir na relação com a natureza, por meio de uma consciência crítica na implementação de ações efetivas para melhorar as condições de vida no mundo. Dessa forma, ressalta-se a importância de inserir no debate educativo o tema meio ambiente.

PERCURSO METODOLÓGICO

Em termos metodológicos, primeiramente procuramos categorizar em áreas temáticas os trabalhos publicados no GT 22 da ANPED entre os anos de 2009 e 2013. Posteriormente, nos debruçamos apenas sobre os trabalhos que, de alguma forma, abordam a Educação Ambiental no âmbito escolar. A partir dessa limitação, passamos a mapear as concepções teóricas e metodológicas que têm prevalecido nos trabalhos que abordam a Educação Ambiental na escola e compreender de que forma ideias, tais como interdisciplinaridade e transformação da realidade, são suscitadas.

Nesse sentido, realizamos inicialmente uma pesquisa exploratória a partir da leitura dos resumos. Assim, foram selecionados 12 artigos, dos 68 publicados nos últimos cinco anos no GT 22 da ANPED, os quais foram classificados na categoria denominada “Teorias/práticas relacionadas à EA” e serão analisados nesta pesquisa.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Sobre os achados da pesquisa, até este momento, podemos dizer que a quantidade de trabalhos relacionados à Educação Ambiental no âmbito escolar é expressivamente baixa e, na maioria dos casos, não relatam ações efetivas de práticas educativas, mas sim análise de políticas públicas, projetos e práticas educativas de forma crítica, ou seja, embasados numa perspectiva crítica (dialógica ou emancipatória) de EA (ora atrelada a outras concepções como, por exemplo, a do “pensamento complexo”, de Edgar Morin, “estudos do cotidiano” com base nas concepções de Nilda Alves, dentre outros), os autores dão ênfase ao processo de análise a práticas que aconteceram ou estão acontecendo, e não ao relato de práticas de que tenham promovido em escolas.

86

Paralelo a esta constatação, percebemos a predominância da perspectiva metodológica qualitativa nas análises, ora atrelada ao método quantitativo envolvendo diferentes sujeitos, como professores, alunos, pais, membros da Secretaria de Educação e gestores.

A partir de um aprofundamento nas concepções teóricas dos trabalhos, emergiram como aspecto em comum de alguns artigos a ideia de interdisciplinaridade e de transformação da realidade como subcategorias. Percebemos então que, apesar destas duas ideias serem intrínsecas à perspectiva crítica de EA, percebemos, no caso da interdisciplinaridade, que 50% dos artigos não trabalham com o tema, 42% fazem referência, mas não trabalham, e 8% trabalha com a teoria e prática. Isso demonstra pouco avanço para as escolas no que trata os PCN’s. Em relação ao outro aspecto intrínseco, “transformação da realidade”, 50% dos artigos analisados são mais detalhistas, relatando algumas experiências; à outra metade esta ideia aparece de forma teórica, descritiva, desarticulada da prática.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir desta pesquisa podemos inferir que, apesar do GT 22 da ANPED ser um espaço acadêmico reconhecido para publicações relacionadas à temática ambiental, pouco se vê esta no cotidiano da escola, de forma interdisciplinar e suscitando transformações na realidade local, pelo contrário, a maioria dos autores avaliam de forma negativa a maioria das ações implementadas. Esta constatação reflete diretamente na dificuldade, enquanto docente, em estabelecer relações entre teoria e prática em Educação Ambiental, o que reflete, possivelmente, uma formação docente deficitária. Vemos que a teoria vem ampliando seu campo de abrangência, analisando e desafiando as ações educativas sobre o meio ambiente, principalmente na escola. Por outro lado, na prática, via projetos, pesquisas, bem como políticas, são fortemente criticadas pela teoria, e os relatos de ações bem sucedidas que poderiam enriquecer este espaço estão muito aquém do esperado. Nesse sentido, vemos a formação continuada, realizada através de parcerias entre universidades, espaços educativos não formais e escolas, articulando-se teoria e prática e ensino e pesquisa como uma alternativa viável e produtiva para a superação das lacunas identificadas neste estudo.

Em relação aos demais aspectos observados, percebe-se que a pesquisa qualitativa atrelada ou não à quantitativa se coloca como a mais utilizada e indicada nessa perspectiva teórica, visto que as colocações dos sujeitos envolvidos são o ponto-chave para realizar uma análise crítica.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: meio ambiente. Brasília: MEC/Secretaria de Educação Fundamental, 1997.

CARVALHO, Isabel C. de M. Educação ambiental: a formação do sujeito ecológico. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2011.

DIAS, G. F. Educação Ambiental: princípios e práticas. São Paulo: Gaia, 2003.

GUIMARÃES, Mauro. Educação Ambiental Crítica. In Identidades da Educação Ambiental Brasileira. Philippe P. Layrargues (Coord.). Brasília: MMA, 2004. Disponível em: <http://

87

nuredam.kinghost.net/files/documentos_mec/IdentidadesdaEducacaoAmbientalBrasileira.pdf#page=27>. Acesso em 26 set. 2012.

LOUREIRO, C. F. B. Educação Ambiental Transformadora. In LAYRARGUES, Philippe P. Identidades da Educação Ambiental brasileira. Brasília: MMA, 2004.

O ACESSO DOS ALUNOS COM DEFICIÊNCIA AO ENSINO SUPERIOR:

UM BREVE HISTÓRICO

Franciane Lopes de Sá1

Deniza Geny Silva Machado Martins2

RESUMO

Nesta monografia, apresenta-se um breve histórico sobre o acesso dos alunos com deficiência no ensino superior no Brasil, traçando-se alguns apontamentos e reflexões sobre o acesso destes alunos no ensino superior presencial da Universidade Federal de Juiz de Fora- UFJF. Para isso desenvolveu-se uma pesquisa documental. Buscou-se, a partir da pesquisa, compreender e refletir sobre tema, assim como possibilitar subsídios que possam de alguma forma contribuir com o processo de inclusão dos alunos com deficiência, neste segmento de ensino.A pesquisa evidenciou de forma geral, que tanto na UFJF como em todo o país, o acesso dos alunos com deficiência ao ensino superior é um processo em desenvolvimento,e que tem inspirado outras pesquisas e ações.

Palavras-chave: Pessoas com deficiência. Inclusão. Ensino superior.

1 Colégio de Aplicação João XXIII/UFJF. Contato: [email protected] Colégio de Aplicação João XXIII/UFJF. Contato: [email protected]

90

INTRODUÇÃO

Este trabalho de pesquisa, como parte das exigências para conclusão do curso de Especialização no Ensino Fundamental do Colégio de Aplicação João XXIII, da Universidade Federal de Juiz de Fora, tem o objetivo de analisar e compreender de que forma tem sido realizado o acesso dos alunos com deficiência ao ensino superior no Brasil e na UFJF, especificamente o presencial.

Para tanto realizamos um levantamento dos dados sobre o acesso destes alunos nos editais de seleção, nas informações do site da Instituição, onde pode-se verificar que o mesmo ainda carece de ações, tendo em vista que de 45,6 milhões de pessoas com deficiência no Brasil,apenas 6,7% tem o ensino superior completo(IBGE, 2010).

A escolha pela UFJF, como Instituição pesquisada, se deu por 2 motivos: Por ser uma universidade pública e gratuita;Pelo contexto favorável para realização da pesquisa,por ser a Universidade onde a

pesquisadora, tem realizado toda a sua formação superior: graduação e pós graduação e ainda pelo envolvimento no trabalho do Atendimento Especial3, para o ingresso de alunos com deficiências, da Instituição.

METODOLOGIA

A pesquisa ancorou-se, em alguns, dos vários autores que discutem o ensino superior e a inclusão das pessoas com deficiências, tais como: Aiscow (2009), França, Pagliuca e Baptista (2008),Marques (2001, 2006), Sassaki (1999), Azevedo (2001), Borges (2011), Dourado (2001), Ferreira e Duarte (2010), Frigotto (2011), Saviani (2011).

Também nos embasamos na análise de alguns documentos internacionais e nacionais (LAKATOS, MARCONI, 2010 p. 157-158), que orientam a política de inclusão, como: Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948); Declaração Mundial sobre Educação para Todos, de 1990 (ONU, 1998), Declaração de Salamanca e linha de ação (ONU, 1994), Constituição Federal do Brasil de 1988 (BRASIL, 1988), e a LDB 9394/96 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação (BRASIL, 1996), dentre outros.

Destaca-se, que o trabalho não tem a pretensão de responder aos vários questionamentos do tema, dado os limites da pesquisa. Mas com certeza, contribuiu muito para o meu aprofundamento teórico sobre o tema, ampliando minha compreensão e análise de um tema tão amplo, contido na educação superior brasileira.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Ao analisarmos os dados do INEP (2012), percebemos que apenas 27.143 pessoas com deficiência tinham no ano de 2012, chegado ao ensino superior, contabilizando instituições públicas e privadas. Sendo que este número reduz significativamente quando analisamos apenas as matriculas das instituições públicas, que eram de apenas 8.201 alunos, um número

3 Na UFJF, a COPESE (Comissão Permanente de Seleção), disponibiliza um serviço denominado "atendimento especial", destinado aos candidatos/as que necessitam de atendimento e/ou condições especiais para realizarem as provas referentes aos processos seletivos da instituição(UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA, 2014). Disponível em: http://www.ufjf.br/antenado/atendimento--especial/. Acesso em: 12 jan. 2014.

91

pequeno quando consideramos os dados do ultimo censo demográfico,que são 45, 6 milhões (IBGE,2010).

Especificamente com relação à UFJF, destacamos que obtivemos os seguintes dados, busca pela internet, de projetos e ações destinados as pessoas com deficiência: 1) CAEFI - Coordenação de Acessibilidade, Educacional, Física e Informacional4: 5 projetos de pesquisa, 3 projetos de ensino e 5 projetos de extensão e 2)- NEPED - Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação e Diversidade5: 2 projetos de extensão, 2 cursos de extensão e 4 projetos de pesquisa.

Neste sentindo, observamos com base na pesquisa, que a Universidade tem desenvolvido ações e programas com foco na inclusão e acesso de alunos com deficiência.É fato que o desenvolvimento destes programas e ações na UFJF não partem do acaso, e sim de políticas públicas, como mostra-nos as leis e vários documentos nacionais e internacionais que dizem dos direitos das pessoas com deficiência. Direitos estes que tem se efetivado a partir de decretos e leis, como o Decreto nº 3.298/99 que regulamentou a Lei nº 7.853/89 que dispõe sobre Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de deficiência (BRASIL, 1999) e a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008), dentre outros, os quais a instituição vem se adequando.

Conforme os dados do IBGE (2010), no Brasil há mais de 45,6 milhões de pessoas com deficiência, o que representa 23,9% da população total brasileira. Quando analisamos o acesso dessas pessoas, na UFJF, observamos como esta parcela da população ainda tem tido pouco acesso nesta instituição, tendo em vista que o número de matrículas dos alunos com deficiência é atualmente de 100 alunos e o número de matrículas dos alunos sem deficiência é 18.868 alunos (UFJF, 2014)6.

Enfim, compreendemos com este estudo, que o acesso das pessoas com deficiência ao ensino superior no Brasil ainda é um processo em construção e recente, tendo em vista um maior estimulo, a partir dos anos 90, como as políticas de Inclusão como a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de deficiência (BRASIL, 1999), dentre outras, e nesse sentido carece de estudos, reflexões e ações.

REFERÊNCIAS

AISCOW, Me. Tornar a educação inclusiva: como esta tarefa deve ser conceituada. In FÁVERO, Osmar. et al. (Orgs.).Tornar a educação inclusiva. Brasília: UNESCO, 2009. p. 11-23.

AZEVEDO, Janete M. Lins de. A educação como política pública. 2ª ed. ampl. Campinas, SP: Autores Associados, 2OO1. (Coleção Polêmicas do Nosso Tempo, v. 56.)

BORGES, Maria Aparecida. A inclusão de alunos com deficiência em cursos presenciais de graduação da Universidade Federal de Juiz de Fora. 147 f. Il. (Mestrado em Educação) – Presidente Prudente: [s. p.], 2011.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. 12. ed. 4. reimp. Belo Horizonte: Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, 2010.

4 Disponível em: <http://www.ufjf.br/projetosufjf/caefi/>. Acesso em: 21 jul. 2014.5 Disponível em: <http://www.ufjf.br/neped/>. Acesso em: 12 mar. 2014.

6 Disponível em: <http://www.ufjf.br/portal/universidade/ufjf/dados-estatisticos/>. Acesso em 12 mar. 2014.

92

________. Decreto n. 3.298, de 20 de dezembro de 1999. Regulamenta a Lei n. 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as normas de proteção, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 21 dez. 1999. p. 10. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3298.htm>. Acesso em 13 nov. 2O13.

__________. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez. 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm>. Acesso em 8 jan. 2014.

__________. Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001. Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 10 jan. 2001. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10172.htm>. Acesso em 15 jan. 2014.

___________. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014.Aprova o Plano Nacional de Educação (PNE) e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 jun. 2014. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2001/D3956.htm>. Acesso em 12 ago. 2014.

___________. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Sinopse Educação Superior. Censo da Educação Superior de 2012. Brasília: MEC/INEP, 2012. Disponível em: <http://download.inep.gov.br/download/superior/censo/2012/sinopse_educacao_superior_2012.pdf>. Acesso em 10 fev. 2014.

___________. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Política nacional de educação especial na perspectiva da educação inclusiva. Brasília: Ministério da Educação, 2008. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/politica.pdf>. Acesso em12 maio 2014.

___________. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo Demográfico 2010. Rio de Janeiro, 2010. p. 1-215.DOURADO, Luiz Fernandes. A interiorização da educação superior e a privatização do público. Goiânia: Ed. da UFG, 2001.

FERREIRA, Maria Elisa Caputo. DUARTE, Emerson Rodrigues. A inclusão de pessoas com deficiência nas instituições de ensino superior de Juiz de Fora. Juiz de Fora:Ed. UFJF, 2010.

FRANÇA, Inacia Sátiro Xavier de. PAGLIUCA LoritaMarlenaFreitag. BAPTISTA, RosileneSantos. Política de inclusão do portador de deficiência: possibilidades e limites.Artigo recebido em 08/08/2007 e aprovado em 15/10/2007. Publicado em 2008.p. 112-116.

FRIGOTTO, Gaudêncio. Novos fetiches mercantis da pseudoteoria do capital humano no contexto do capitalismo tardio. In ANDRADE, Juarez; PAIVA, Lauriana Gonçalves de. (Orgs.). As políticas públicas no Brasil contemporâneo: limites e contradições.Juiz de Fora, Editora UFJF, 2011.

93

GANDIM, Danilo. A prática do planejamento participativo: na educação e em outras instituições, grupos e movimentos dos campos cultural, social, político, religioso e governamental.16.Ed. –Petrópolis, Rio de Janeiro:Vozes, 2009.

LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. A. Fundamentos de metodologia científica. 7.ed. São Paulo:Atlas, 2010.

MARQUES, Carlos Alberto. O mundo moderno e o mundo atual. In________. A imagem da alteridade na mídia. 2001.248f.(Doutorado em comunicação e cultura)-Universidade Federal do Rio de Janeiro,2001.p. 28-48.

MARQUES, Luciana Pacheco. Implicações da Inclusão no processo pedagógico. Revista Inter-Ação.Faculdade de educação UFG.Jul/Dez 2006.p. 197–208.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A TECNOLOGIA. Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidades educativas especiais. Salamanca: UNESCO, 1994. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf >. Acesso em:Acesso em 12de dezembro de 2O13.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A TECNOLOGIA. Declaração mundial sobre educação para todos: plano de ação para satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem (1990). Brasília: Representação da UNESCO no Brasil, 1998.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Genebra: ONU, 1948. Disponível em: <http://www.un.org/spanish/Depts/dpi/portugues/Universal.html>. Acesso em:Acesso em 12de dezembro de 2O13.

SASSAKI, Romeu Kazumi, Inclusão: construindo uma sociedade para todos. 3. ed. Rio de Janeiro: WVA, 1999.

SAVIANI, Demerval. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 11. ed. rev. Campinas, SP: Autores Associados, 2011. (Coleção Educação Contemporânea.)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA. Atendimento Especial. 2014. Disponível em: <http://www.ufjf.br/antenado/atendimento-especial/>. Acesso em: 12 jan. 2014.

__________. Histórico e dados estatísticos. Disponível em: <http://www.ufjf.br/portal/universidade/ufjf/>. Acesso 13 mar. 2014.

__________. Coordenação de Acessibilidade Educacional, Física e Informacional. Projetos da UFJF. 2010. Disponível em: <http://www.ufjf.br/acessibilidade/projetos-da-ufjf-2/>. Acesso em 22 jun. 2014.

NARRATIVAS LITERÁRIAS NO ENSINO FUNDAMENTAL:

COMPARTILHANDO SENTIDOS E SIGNIFICADOS COM CRIANÇAS

Márcia Mariana Santos de Oliveira1

RESUMO

Este trabalho tem por objetivo compreender como as crianças do 1º e 3º ano do ensino fundamental atribuem sentido para suas experiências com o texto literário. Para tal, apresento um recorte das análises de uma pesquisa intervenção realizada em duas turmas do ensino fundamental de duas escolas da rede pública municipal de Juiz de Fora, Minas Gerais. Essa Concebendo a linguagem como uma forma de interação humana, lugar de constituição de relações sociais, neste trabalho procuro tecer diálogos entre reflexões teóricas, que tratam sobre o papel da leitura enquanto prática cultural que possibilita aos sujeitos a produção de sentidos e conhecimentos, trazendo dados que foram produzidos em campo e analisando-os de acordo com essas perspectivas.

Palavras-chave: Leitura. Infância. Literatura infantil. Ensino fundamental.

1 Graduanda do curso de Licenciatura em Pedagogia pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Contato: [email protected]

96

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como principal objetivo compreender quais os sentidos produzidos pelas crianças para suas experiências com o texto literário.

Apresenta um recorte das análises realizadas em um trabalho monográfico elaborado para a obtenção do título de Licenciatura em Pedagogia pela Universidade Federal de Juiz de Fora, Minas Gerais. Essas análises originam-se de uma pesquisa intervenção realizada em duas turmas do 1º ciclo do ensino fundamental.

Com o intuito de observar como as crianças interagem com as histórias ouvidas pela voz do outro, produzindo e compartilhando sentidos, intercambiando elementos entre as versões de um mesmo conto, utilizando diferentes estratégias de leitura para a compreensão e apropriação da estrutura do mesmo, realizei um projeto de contação de histórias em turmas do 1º e do 3º ano do E.F de duas escolas da rede pública municipal de Juiz de Fora, Minas Gerais.

Para análise dos dados produzidos durante essa experiência recorro aos conceitos da psicologia histórico-cultural de Vigotski, bem como a autores que afirmam ser a linguagem uma forma de interação humana, que permite aos sujeitos de constituírem social e culturalmente. A partir da realização deste projeto, que se configurou como uma pesquisa intervenção e uma experiência rica de produção e compartilhamento de sentidos e significados entre crianças e pesquisadora, puder perceber a importância da leitura literária para/com crianças enquanto prática cultural, pois essas se alteram e produzem conhecimentos significativos, já que a leitura é a porta de entrada dos sujeitos a um conjunto de significados historicamente construídos.

Experiências de leitura literária para/com as crianças: produzindo sentidos e sig-nificados

A linguagem está presente em todas as esferas sociais comunicativas, e exerce importante papel na formação dos sujeitos, pois a linguagem não é falada no vazio, mas numa situação social histórica e concreta; todos os campos da atividade humana estão ligados ao seu uso. Ela é caracterizada como o “instrumento” mais eficiente para interferir na vida dos outros.

Os permanentes diálogos existentes entre indivíduo e sociedade são instaurados e mobilizados através da linguagem. Geraldi (1997, p. 41) afirma que “é por meio da linguagem que o sujeito pratica ações que não conseguiria levar a cabo, a não ser falando; com ela o falante age sobre o ouvinte, constituindo compromissos e vínculos que não preexistiam à fala”.

É sempre o outro que dá ao eu uma completude provisória estabelecida nas relações dialógicas da linguagem, pois esse outro sempre está presente como um ser vivo e falante. Nas palavras de Geraldi (2013),

Não há educação fora da relação entre o eu e o outro, e tal como em Bakhtin, desta relação, com a alteridade nenhum dos dois sai inalterado, ninguém sai como entrou. Se no mundo da vida não saímos de um diálogo sem com ele nos enriquecemos, também nos processos educativos professor e aluno saem diferentes, porque nessa relação ambos aprendem (...) ambos incompletos, só temos uma forma de relação que possa preencher o vazio: a aproximação dialógica é a forma de encontrar completudes provisórias (GERALDI, 2013, p. 15, 18 apud FREITAS, 2013).

97

A leitura oral de histórias para crianças se constitui como uma efetiva via de internalização da linguagem escrita nas séries iniciais. A leitura nos aproxima de múltiplas culturas e, nesse sentido, é sempre uma contribuição essencial para a cultura do próprio leitor.

Quando lemos histórias para as crianças elas vão imaginando, penetrando na própria história, contemplando os diversos elementos que compõem este mundo fantástico. Ler pela voz do outro nos insere num mundo cheio de significados e nos permite maior acesso a cultura, enquanto sujeitos histórico-culturais.

Possibilitar às crianças o contato com a literatura infantil, permite as mesmas expressar, através da oralidade, seu mundo interior, além de despertar nas crianças o gosto pela criação literária. Vigotski (2009) afirma que

Educação, entendida correta e cientificamente, não significa infundir de maneira artificial, de fora, de idéias, sentimentos e ânimos totalmente estranhos às crianças. A educação correta consiste em despertar na criança aquilo que existe nela, ajudar para que isso se desenvolva e orientar esse desenvolvimento para algum lado (VIGOTSKI, 2009, p. 72).

Ao contar uma história, narrador e ouvintes deslocam papéis sociais historicamente definidos e vivem a fantasia que o conto de fadas proporciona. Assim transcendemos nossa realidade e a preenchemos de ressignificações.

A partir dessas reflexões teóricas apresento alguns fragmentos que nos permite compreender como as crianças atribuem sentidos aos textos literários, neste caso, as narrativas: “Os três porquinhos”; “A verdadeira história dos três porquinhos” e os “Três lobinhos e o porco mau”. Essas histórias foram contadas nas turmas do 1º e do 3º ano do ensino fundamental de duas escolas da rede municipal de Juiz de Fora. Os sentidos produzidos para as histórias que foram contadas são dos mais diversos, mas nessa análise destaco alguns, que para mim, possuem maior relevância.

Considerando o exposto, considero a leitura, como uma atividade interativa altamente complexa de construção de sentidos requer a mobilização de uma vasto conjunto de saberes, como em qualquer evento comunicativo. Vejamos, nos exemplos abaixo, essa construção de sentidos mobilizados pelas crianças durante as conversas sobre as histórias narradas.

“Começo então um diálogo com as mesmas [as crianças] sobre a história. Pergunto se elas gostaram da história e de qual parte mais gostaram. Elas respondem que sim. As crianças relatam que essa história dos três porquinhos é um pouco diferente e que gostaram principalmente da parte em que o lobo queima seu bumbum e sai voando que nem bala de canhão. (1ª História: “Os três porquinhos” – 1º ano).

O porco então bate a companhia da casa dos três lobinhos e fala: “Abram a porta lobinhos medrosos de queixos trêmulos”. Nesse momento, antes que eu continue a história um menino exclama: “Nem por todo chá da China [expressão que aparece várias vezes na história] eles vão abrir a porta”. (3ª História: “Os três lobinhos e o porco mau” – 1º ano).

É importante destacar também que alguns episódios são mais memoráveis que outros. Os últimos episódios das três histórias contadas envolvem conflitos de personagens, informações centrais para as causas dos eventos ocorridos durante as histórias e dinamismo nas ações dos

98

personagens. Os eventos iniciais e finais foram os mais lembrados e utilizados pelas crianças quando foram convidadas a recontar às histórias, no teatro a na escrita coletiva. É o que mostram os dois exemplos abaixo:

No segundo encontro as crianças recorrem à memória para falar da história anterior. Um menino fala: “eu lembro que o lobo queimou o bumbum”. Outro menino completa: “que os três porquinhos colocaram um caldeirão de água fervendo, ai quando o lobo entrou pela chaminé ele caiu no caldeirão e queimou todo. (1ª História: “Os três porquinhos – 3º ano).

Durante a conversa uma menina fala: “Gostei da parte que o lobo cheirou as flores e ficou dançando e cantando” E outra completa: “E depois tomou chá com os lobinhos e ainda comeu biscoito”. Da história dos “Três porquinhos” as crianças destacam sobre quando o lobo queimou todo o seu bumbum entrando pela chaminé.

“O porco então vai até a casa dos lobinhos e eles lhe oferecem um chá chinês. Um menino fala: “Por isso então que eles falavam toda hora “nem por todo chá da China”. (3ª História: “Os três lobinhos e o porco mau” – 1º ano).

No episódio acima podemos perceber que ambas as turmas, do 1º e 3º ano, constroem o sentido da frase: “Nem por todo chá da China” somente no final da história “Os três lobinhos e o porco mau”. No decorrer da narrativa elas estranharam essa frase que não é típica de histórias e contos de fadas, mas somente ao final elas perceberam que os lobinhos falavam essa frase porque tomavam chá chinês em sua casa. Mesmo não sabendo o sentido real da frase, no decorrer da narrativa as crianças se apropriaram dela e a utilizaram em vários contextos, repetitivamente, como também em seus recontos e nas produções coletivas das turmas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Essa experiência de contar histórias para crianças possibilitou-me refletir, como futura docente, sobre os lugares de alteridade que ocupamos na esfera social da vida cotidiana. As crianças, assim como nós adultos, estão sempre em constante mudança, e é nessa relação com o outro que vamos nos constituindo e nos tornando sujeitos históricos e culturais.

Pude compreender que realizar uma pesquisa com crianças não é uma tarefa fácil, pois precisamos agir ética e responsavelmente, principalmente no que concerne aos processos educacionais, pois assim se pauta a relação da alteridade do pesquisador com os interlocutores da pesquisa e da pesquisa com a realidade social, que são constituídas a partir das relações dialógicas entre os sujeitos, concebidas através da linguagem. Assim, utilizando as palavras de Pereira (2012), ressalto que,

Reconhecer o lugar singular e único que a criança ocupa na pesquisa não significa atribuir a ela uma autonomia essencial nem delegar a ela a autoridade da condução dos rumos da pesquisa. Significa entender que o pesquisador, ao propor uma pesquisa com crianças, está propondo um compromisso que só pode ser firmado – ou não – por ele e pelas crianças (PEREIRA, 2012, p. 80).

Pude perceber que a experiência com a leitura e a audiência de histórias feita por adultos ou por outras crianças afetam diretamente no conhecimento destas sobre a estrutura das narrativas

99

como um todo. O tempo de escolaridade e a idade das crianças não interferem na construção e apropriação deste conhecimento, isso porque, as crianças monstram-se leitoras atentas, mesmo que ainda não são capazes de ler com autonomia um texto, o escuta com atenção e produz sentidos para ele, compartilhando-os com os demais sujeitos da interação. Por isso é importante estimular e ensinar as estratégias de leitura às crianças que ainda não estão alfabetizadas, para que elas possam chegar à compreensão do texto.

REFERÊNCIAS

FREITAS, M. T. (Org.). Educação, arte e vida em Bakhtin. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.

GERALDI, J. W. (Org.). O texto na sala de aula. 3. ed. 8. imp. São Paulo: Ática, 1997.

PEREIRA, R. M. R; MACEDO, N. M. R. (Orgs.). Infância em pesquisa. Rio de Janeiro: Nau, 2012.

VIGOTSKI, L. S. Imaginação e criação na infância: ensaio psicológico. Apresentação e comentários Ana Luiza Smolka; Tradução Zoia Prestes. São Paulo: Ática, 2009. (Livro para professores.)

A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS:UM OLHAR SOBRE A ADEQUAÇÃO DOS LIVROS

DIDÁTICOS

Marcela Franca e Gomes SilvaSérgio Augusto Leal de Medeiros

O presente trabalho possui como objeto a análise relativa à utilização de livro didático em regime especial de ensino: a Educação de Jovens e Adultos (EJA). Este projeto educacional diferenciado possui raízes, explicações e motivações históricas, que constituem interesse de análise e justificativa para a formulação deste trabalho.

A educação no Brasil passou por profundas transformações desde sua primeira Constituição em 1824, onde a escolarização foi estendida como garantia básica de todos, porém, não passou da intenção legal. Contudo, ela teve seu papel de destaque a partir das reformas trazidas pela Revolução de 30 e a revisão do papel do estado. Somente na década de 1940 a Educação de Jovens e Adultos (EJA) veio se firmar como uma questão para a política nacional. A Constituição de 1934 previa, em seu Plano Nacional da Educação, a responsabilidade da União sobre as normas do ensino primário integral gratuito e de frequência obrigatória, extensivo aos adultos. Esse pode ser entendido como primeiro marco de reconhecimento da Educação de Jovens e Adultos com tratamento particular. As medidas adotadas no Período Vargas foram fundamentais e decisivas para a EJA, mas até a década de 1960, a escolarização ainda estava atrelada a alguns setores privilegiados da sociedade brasileira.

Ainda em 1958 o adulto analfabeto era visto como ser imaturo e ignorante, tendo o mesmo sistema de ensino que as crianças. O Segundo Congresso Nacional de Educação de Jovens e Adultos, no Rio de Janeiro, realizado nesse mesmo ano, ficou marcado pelas ideias do Professor Paulo Freire e pela busca de uma técnica mais adequada ao ensino para os adultos.

Com o golpe militar, em 1964, os movimentos de educação e culturas populares foram reprimidos, o Programa Nacional de Alfabetização interrompido, bem como seus dirigentes e materiais foram presos e apreendidos. Essa ruptura política tentou acabar com as práticas educativas que beneficiavam os populares. Surge o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), que divulgava ser capacitador de adultos e mantenedor da ordem, prometia acabar com o analfabetismo em dez anos, sem participação dos educadores e da grande sociedade.

102

A partir de 1985, o MOBRAL é eliminado (maior símbolo da ideologia autoritária no campo educacional). Isso influenciou as inovações pedagógicas e levou para as Universidades o ideário da Educação popular, antes quase na clandestinidade. A nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB 9.394), aprovada em fins de 1996, fez da EJA reconhecida como uma modalidade básica e de direito público (HADDAD; DI PIERRO, 2000).

Atualmente, a Coordenadoria da EJA (COEJA) está vinculada a Secretaria de Educação Fundamental (SEF) do Ministério da Educação (MEC) e integra o conjunto de políticas do ensino fundamental. O MEC tem editado e distribuído livros didáticos e outros materiais pedagógicos apropriados para essa modalidade, inclusive sob a forma de proposta curricular (BRASIL, 1996).

O livro didático é, na maioria dos casos, o primeiro contato dos alunos com um material oficial que deve ser disparador de questionamentos e auxiliador nas análises que serão construídas entre professores e alunos. Com relação à historiografia, o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), desenvolvido para controlar e selecionar os materiais didáticos que chegarão aos alunos de todo país, inclusive os da EJA, faz uma série de exigências que devem ser cumpridas no corpo do livro: não permitir anacronismos, reprodução de estereótipos de personagens que prejudiquem a compreensão e análise dos temas, evitar simplificação que comprometam o significado de conceitos específicos do conhecimento histórico, promoção das culturas afro-brasileiras e indígenas, entre tantos outros. No caso específico da EJA, o PNLD 2011, propõe que os materiais e intervenções sejam diversos, outros pontos são importantes parâmetros a serem seguidos tanto pelo material escolhido como a conduta dos educadores.

A análise relativa à utilização de livros didáticos pelo EJA se pautará no planejamento, dinâmica e atividades desenvolvidas no Centro de Educação do Menor (CEM). Fundado no ano de 1990, durante a gestão do prefeito Carlos Alberto Bejani (1989-1992), escola a quem pertence o material didático analisado nesse projeto de pesquisa, situa-se à Travessa Dr. Prisco, nº 57 – Centro, e continua conservar a mesma nomenclatura de “Educação do Menor”, porém, tanto na página oficial da Prefeitura de Juiz de Fora, como pela comunidade, é vista como um centro destinado aos jovens e adultos nos turnos da manhã, tarde e noite. Por fazer parte de um trabalho diferenciado, no qual a escola vai além das aulas tradicionais, oferecendo aulas de libras, oficinas de artes, cursos capacitadores aos fins de semana, sala de dança, centro de inclusão de digital (inaugurado e ativo desde 2006) entre outros recursos, a Secretaria de Educação da Prefeitura de Juiz de Fora concedeu à direção e seus coordenadores a possibilidade de trabalhar a partir de projetos literários que irão reger todas as atividades interdisciplinares pensadas pelos professores. No ano de 2014, o projeto literário tem como tema central o Brasil.

Dessa forma, o livro didático Coleção viver e aprender – Por uma vida melhor, trabalhado, no ensino de História, pela escola Centro de Educação de Jovens e Adultos Dr. Geraldo Moutinho (CEM) da rede municipal de ensino de Juiz de Fora no ano de 2014, no segundo segmento do ensino fundamental, é o objeto de análise e disparador de algumas questões que serão trabalhadas. Porém, sem desprezar os outros mecanismos que a escola e os professores de História dispõem para trabalhar com o segundo segmento do ensino fundamental da Educação de Jovens e Adultos (EJA).

Objetivando analisar a adequação entre o livro didático intitulado Coleção vivendo e aprendendo – Por uma vida melhor e a proposta curricular desenvolvida pela Prefeitura de Juiz

103

de Fora para EJA, será realizada uma análise do livro citado tendo como foco o ensino de história. A partir das propostas da rede somadas aos questionamentos gerados em grupo durante o curso de Didática em História.1 Com a conclusão desta pesquisa, pretende-se contribuir ainda que minimamente, para o trabalho de outros professores e Instituições de Ensino, voltados para a Educação de Jovens e Adultos.

A leitura em história sempre deve ser enxergada como uma análise de pressupostos de um determinado autor, que tem seu tempo e suas influências, portanto, nunca é neutra. Todo texto deve ser visto como uma leitura possível daquela realidade, um recorte. Pensando nisso, entra-se no campo da memória e identidade, que são fundamentais para o aluno entender seu lugar social e se enxergar nele (SEFFNER, 1990). Essas assertivas motivam a busca pelo entendimento relativo a função desses livros no específico caso da EJA.

A Educação de Jovens e Adultos (EJA) é uma categoria que consta da estrutura da educação nacional, com função e finalidades específicas. Ela representa uma dívida social não reparada para com os que não tiveram acesso a e nem o domínio da escrita e leitura como bens sociais, na escola ou fora dela.

Porém, a ausência de escolarização não pode ser entendida como ausência de cultura e saberes. Muitos dos jovens e adultos, dentro da diversidade do país, desenvolveram uma cultura rica de oralidade como: literatura de Cordel, o teatro popular, os repentistas, festas populares e religiosas, registros de memórias das culturas afro-brasileira e indígena. É importante refletir sobre esses elementos pois, a ênfase no analfabetismo, pode ocultar o valor desses saberes em potencial tão valiosos para o ensino de História (BRASIL, 1996).

A reconstrução da Educação de Jovens e Adultos, na rede municipal de Juiz de Fora está em consonância com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) 9.394/96, que entende essa modalidade como um ensino que se diferencia dos demais pela diversidade de seus alunos. A escola torna-se um espaço de convergência que norteará o trabalho coletivo, onde alunos e educadores, por meio da relação pedagógica e o encontro das inúmeras experiências de vida e cotidianas, criam suas diretrizes de trabalho. A EJA é um momento de reconstruir as experiências e ressignificar os conhecimentos de mundo e etapas anteriores do ensino (BRASIL, 1996).

O Currículo para EJA em Juiz de Fora é fruto de três anos (2009-2012) de análises e debates nas escolas e participação efetiva dos educadores que, realizaram uma busca pelo perfil do seu público, já que ela é reconhecida como modalidade de ensino básico, articulando educação e cidadania visto que, ambas são entendidas como pontos de partidas para condição da existência humana.

Para Paulo Freire, ensinar a pensar é problematizar sobre sua realidade. A Educação Problematizadora gera consciência de si, inserido no mundo, sobre a existência das minorias dominantes que oprimem e comandam todo sistema educacional e, em um plano maior, tornar o homem capaz de fazer sua história. O diálogo entre professor e aluno deve começar no planejamento do conteúdo, sempre tendo como base o cotidiano do aluno, o que nunca deve sair da mente do professor (FREIRE, 1987).

1 Em novembro de 2011, durante o curso Didática III, ministrado pelas professoras Sônia Regina Miranda e Carina Martins Costa, desenvolveu-se análise de livros didáticos aprovados pelo PNLD 2011, realizada e apresentada como conclusão da referida disciplina pelos alunos da graduação do curso de História da Universidade Federal de Juiz de Fora Adalberto Alves Mattos, Julliana Garcia Neves e Marcela Franca e Gomes Silva.

104

O educador que atua na EJA enfrenta inúmeros desafios assim, cabe a ele organizar escolhas metodológicas a partir do reconhecimento do perfil de seus alunos, respeitando as bases curriculares existentes.

O Programa Nacional do Livro Didático 2011 (PNLD) propõe e espera que os materiais e intervenções sejam diversos, o livro seria apenas uma das referências possíveis. Esperando-se deles: garantia de uma concepção pedagógica adequada ao público a que se destina, garantido a veiculação de conceitos e informações corretos e um papel social, contribuindo para a formação da cidadania, ao garantir o direito universal á alfabetização, educação básica e a aprendizagem ao logo da vida, incentivando a autonomia do educador e do estudante.

A partir dos textos, Leis, evoluções políticas e processos históricos, brevemente apresentados, entre outros existentes, pretende-se construir a base analítica para pensar o objeto proposto dentro da realidade da Educação de Jovens e Adultos.

REFERÊNCIAS

HADDAD, Sérgio; DI PIERRO, Maria Clara. Escolarização de jovens e adultos. Revista Brasileira de Educação, n. 14, p. 108-130, maio/ago. 2000.

SEFFNER, Fernando. Leitura e escrita na História. In NEVES, Iara Conceição B. (Org.). Ler e escrever: compromisso de todas as áreas. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 1999.

BERGSON, Henri. Matéria e memória: ensaio sobre a relação do corpo com o espírito. São Paulo: Martins Fontes, 1990.

BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes nacionais para a educação de jovens e adultos.Brasília, 2000.

BRASIL. Ministério de Educação e Cultura. LDB – Lei nº 9394/96, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da Educação Nacional. Brasília: MEC, 1996.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

PRODUÇÃO ESCRITA EM CLASSE DE 1º ANO:UMA PRÁTICA POSSÍVEL

Priscila Mara Teixeira Silva1

RESUMO

O que mudar em minha prática pedagógica a fim de que todos os alunos avancem na apropriação do Sistema de Escrita Alfabética? A partir dessa questão que muito me intrigava, o presente relato de experiência vem mostrar o que de sucesso aconteceu utilizando a produção escrita individual de alunos do 1º ano do ensino fundamental na rede municipal de Educação de Juiz de Fora.

Palavras-chave: produção escrita, alfabetização, atuação, professor reflexivo

1 Professora da Prefeitura Municipal de Juiz de Fora. Contato: [email protected]

106

“Relembrar e refletir sobre o próprio caminho percorrido pode ser revelador de práticas que precisam ser superadas, reconstruídas e/ou modificadas”.(MEC, 2012, p. 16)

INTRODUÇÃO

Ao longo dos anos é possível perceber o quanto a história da alfabetização no Brasil teve progressos e retrocessos. Atualmente, algumas políticas públicas em favor da melhoria da qualidade na Educação vêm se efetivando e já é possível ver resultados. O curso de capacitação para professores PNAIC é um dos elementos-chave para o efetivo progresso da alfabetização em nosso país. É urgente que o Ministério da Educação continue investindo na formação continuada de professores alfabetizadores.

Nesse sentido, apresento meu relato de experiência trazendo a prática com a produção escrita em classe de 1º ano no ensino fundamental no ano de 2013 e que se estende até os dias atuais em minhas classes de alfabetização inicial.

Caracterização da escola e turma

Este específico trabalho se desenvolvendo na Escola Municipal Santana Itatiaia, situada dentro do Campus Universitário no bairro Martelos, Cidade Universitária. A escola atende a aproximadamente 200 alunos com a faixa etária entre 3 e 6 anos. Funciona em dois turnos em um total de 10 turmas. A clientela é oriunda da classe média baixa e classe C, de assalariados, profissionais que atuam nas mais diversas áreas, além de desempregados e autônomos. Há um número considerável de alunos carentes em todos os sentidos, o que faz necessária a nossa mobilização constante em prol da melhoria da qualidade de vida dessas crianças e de suas famílias.

A turma de 1º ano foi formada por 20 crianças na faixa etária de 6 anos de idade. A maioria destes alunos é oriunda das salas de nossa Educação Infantil. Caracterizo a turma como participativa em todas as atividades propostas. São alunos muito falantes o que às vezes, atrapalha a realização de algumas atividades propostas. Com jeitinho, consegui desenvolver nestas crianças a habilidade de se concentrarem mais nas aulas.

No início de fevereiro, a partir de avaliação diagnóstica, constatei que a grande maioria encontrava-se no nível pré-silábico da escrita e muito poucos silábicos.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Sabemos que a escrita alfabética é um sistema notacional e que seu aprendizado é um processo cognitivo complexo. Assim, segundo o governo federal (BRASIL, 2013, p. 7), precisamos recriar as metodologias de alfabetização, garantindo um ensino sistemático que, através de atividades reflexivas, desafiem o aprendiz a compreender como a escrita alfabética funciona, para poder dominar suas convenções letra-som.

Para que a criança compreenda o Sistema de Escrita Alfabética, é necessário que ela elabore hipóteses. Essas hipóteses estão muito bem explicadas na teoria da psicogênese da escrita, elaborada por Ferreiro e Teberosky (1986). São elas: pré-silábico, silábico, silábico-alfabético e alfabético.

107

No primeiro ano do ensino obrigatório, é preciso que a criança compreenda uma série de conhecimentos para que a apropriação do SEA se consolide. Ë necessário que ela desenvolva habilidades de consciência fonológica (conjunto de habilidades que permite a criança refletir sobre as partes sonoras das palavras) para avançar nesta apropriação.

DESCRIÇÃO DA EXPERIÊNCIA

Sou professora da rede municipal de ensino de Juiz de fora há 17 anos, sempre lecionando para classes do 3º período e depois 1º ano do ensino fundamental. Levando em conta o que estudei no curso do Magistério, na graduação em Pedagogia e na especialização em educação infantil e considerando a forma em que fui alfabetizada, me organizei de forma a proporcionar aulas bem lúdicas, mas com o objetivo claro de proporcionar um ambiente alfabetizador aos alunos.

A metodologia que utilizava para desenvolver o sistema de escrita às crianças era iniciar o ano letivo trabalhando o nome da criança, as vogais e as famílias silábicas compostas de consoante mais vogal, ou seja, o método silábico. A princípio utilizei os pseudotextos, o que me causava grande incômodo. Após muitas leituras e encontros em grupos de estudos promovidos pela Secretaria de Educação, retirei os pseudotextos e comecei a utilizar livros específicos de literatura infantil para crianças em processo de alfabetização. Continuei trabalhando com as famílias silábicas e, ainda assim, minha prática me angustiava. Apesar de utilizar textos bem mais criativos e temas atrativos, me questionava sobre minha prática. Por que pouquíssimos alunos conseguiam tornar-se alfabéticos, enquanto uma boa parte da sala permanecia pré-silábicos? O que mudar na minha prática para conseguir fazer com que todos avançassem na apropriação do sistema de escrita?

Em outubro do ano de 2012, tive a oportunidade de ingressar no grupo de estudo PROEXT. Os estudos e reflexões proporcionados pelo grupo, fez com que eu reformulasse a minha prática. Era preciso sistematizar o SEA.

Já no ano de 2013 e 2014, somado ao grupo de estudo, participo da formação PNAIC, uma parceria do MEC com a prefeitura de Juiz de Fora. Essa formação me possibilita ter um olhar mais sensível às capacidades que as crianças têm que desenvolver. Acredito que o ponto fundamental para a sistematização do SEA é a partir do trabalho com a produção escrita individual.

Assim, iniciei o ano de 2013 com propostas de escrita para as crianças, ainda com um pouco de receio e medo. Será que dará certo pedir para as crianças escreverem, mesmo estando pré-silábicas? Poderei eu traumatizar algum aluno? Qual será a reação da escola e das famílias dos alunos a respeito desta prática?

Primeiramente, iniciei em fevereiro com muitas leituras junto dos alunos. Era preciso mostrar o quanto é gostoso conhecer uma história, saber o que ela quer expor, decodificar aquele código.

Fizemos um estudo do nosso alfabeto e paralelamente a isso, realizamos várias sequências de atividades utilizando livros de literatura infantil voltados para crianças em início de processo de alfabetização. Relacionados aos livros em questão, fizemos várias atividades trabalhando as palavras chave retiradas dos exemplares. A ideia era de sistematizar bem esse processo de alfabetização, garantindo que as crianças tivessem palavras estáveis em seu repertório.

108

À medida que os estudos foram avançando, pedi aos alunos para fazerem escritas; frases pequenas ou até uma palavra somente sobre algo vivenciado na escola ou parte preferida de um livro. Neste ponto, constatei a reação dos alunos. Alguns sorriam e escreviam, outros ficavam um pouco ressabiados de suas tentativas de escrita e alguns choraram. Sim, tive alunos que choraram, pois a justificativa era que não sabiam. Minha resposta era sempre a mesma: “Vamos tentar fazer como está escrito nos livros; você é capaz! Preste atenção no som que você está pronunciando. Ele está relacionado às letras do nosso alfabeto!”

As semanas foram passando e o choro acabou! No lugar, os alunos ganharam confiança de que são capazes de escrever, da maneira que entendem o sistema de escrita. Promovi a escrita ao menos três vezes na semana. É necessário no momento da escrita, circular por entre as carteiras, para verificar como as crianças estão fazendo a atividade e se precisam de alguma intervenção.

Para fazer uma avaliação diagnóstica mais precisa, de modo a verificar se estavam avançando no SEA, chamei os alunos na minha mesa para ditar palavras e frases que estivessem relacionadas ao contexto das crianças.

Os jogos da caixa amarela da CEEL e os livros presentes nas caixas do PNAIC também estão presentes nas aulas, que, por sinal, são de altíssima qualidade.

Acredito que na interação do professor com o aluno, podemos e muito ajudá-lo a avançar no SEA. O trabalho com rimas e atividades para o desenvolvimento da consciência fonológica são fundamentais nesse trabalho.

AVALIAÇÃO DOS RESULTADOS

Todas as vezes que fazia algum tipo de mediação nas atividades propostas juntos dos alunos, percebi o quanto a escrita ajuda a criança a refletir sobre como se escreve, que letras usar para fazer seus registros. Assim, o objetivo maior deste trabalho foi alcançado: fazer as crianças escreverem com gosto e com prazer. Além disso, despertar que elas são capazes de produzir suas escritas autonomamente. Isso era percebido quando fazia as correções e intervenções próximo a elas.

Outro ponto a se destacar é que fiquei mais próxima ainda dos alunos por conta destas intervenções que são feitas na minha mesa ou nas carteiras dos alunos. Esse diálogo que é fundamental para que a criança avance em sua hipótese da escrita, possibilita também momentos de afetividade. Vale ressaltar a importância de se ter classes reduzidas para que possamos ter qualidade de atendimento destes alunos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho com a produção escrita em classe de 1º ano é possível. De maneira bem lúdica e com o envolvimento do professor, é possível oportunizar momentos alegres escrevendo. Para mim, foi um momento que me gerou grande apreensão no início e um prazer de ter conseguido atingir meus objetivos com a turma.

A participação na formação continuada PNAIC foi fundamental para o meu caminhar pedagógico e até pessoal. Nós educadores precisamos constantemente de formação. Estudar sempre é necessário para que nos atualizemos.

109

O processo de alfabetização é cansativo, por vezes até estressante. Exige do profissional amor, paciência e muita dedicação. É preciso confeccionar materiais a toda instante, pensar até como uma criança para a preparação das atividades.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Secretaria de Educação Básica. Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa: A aprendizagem do sistema de escrita alfabética. Ano 1, unidade 3. Brasília: MEC/SEB, 2012.FERREIRO, Emília; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986.

MEC. Caderno Formação de Professores no Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa. Brasília, 2012. p. 16.

RAPOPORT, Andrea. A criança de 6 anos no ensino fundamental. Porto Alegre: Mediação, 2009.

INDISCIPLINA E ATO INFRACIONAL:REFLEXÃO SOBRE A ABORDAGEM REALIZADA EM

ESCOLAS PÚBLICAS DE JUIZ DE FORA

Márcia de Oliveira Costa1

Vânia Fernandes e Silva

RESUMO

Este estudo tem por objetivo refletir sobre a abordagem que as escolas públicas de ensino fundamental, de Juiz de Fora, realizam mediante a prática de indisciplina e ato infracional. Para tanto, foram abordados os conceitos e caracterização desses termos; a história da política de atendimento à infância e juventude no Brasil; os documentos oficiais que tratam a Educação como direito social (Constituição, 1998; Estatuto da Criança e do Adolescente, 1990; Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional; 1996), além dos dois regimentos escolares e livros de ocorrências dessas instituições. Percebeu-se que os documentos oficiais são levados em consideração na elaboração dos regimentos, embora ainda existam divergências sobre qual a sua função da escola enquanto instituição propiciadora da garantia de direitos, explícita na política de proteção integral, instaurada pelas referidas leis.

Palavras-chave: Indisciplina. Ato infracional. Educação. Legislação.

1 Pedagoga e pós-graduanda no Curso de Especialização em Educação no Ensino Fundamental do C. A. João XXIII/UFJF. Contato: [email protected]. Orientadora: Profa. Vânia Fernandes e Silva. Doutora em Educação para a Ciência e Professora do Curso de Especialização em Educação no Ensino Fundamental do C. A. João XXIII/UFJF.

112

Emergiram no cotidiano do cenário escolar, em destaque nas escolas públicas devido a seu caráter universal (para todos), dificuldades ocasionadas pela indisciplina e pelos atos infracionais. Essas situações desencadeiam em gestores e professores grande desestímulo em relação à profissão, que podem ser observadas na citação de Vasconcellos (2009, p. 55) “É grande a insatisfação daí recorrente, chegando a desencadear doenças ocupacionais ou mesmo o abandono do magistério”.

São comuns nos noticiários de TV e em outros meios de comunicação os casos de violências relacionados às escolas, o que gera preocupação na sociedade. Exemplos desses casos são: ameaças, intimidação, agressão física e moral, depredação física dos prédios, arrombamentos, atos de vandalismo, furtos, utilização de drogas e álcool, entre outros.

Tais casos tem se mostrado como obstáculos pedagógicos na atualidade, mas, em contrapartida, na ambiguidade desses, vê-se necessário um olhar crítico sobre como tais comportamentos se dão nas instituições escolares. Conforme nos relata Guimarães (1996),

A instituição escolar não pode ser vista apenas como reprodutora das experiências de opressão, de violência, de conflitos, advindas do plano macroestrutural. É importante argumentar que, apesar dos mecanismos de reprodução social e cultural, as escolas também produzem sua própria violência e sua própria indisciplina.

Diante do panorama apresentado e buscando o aprofundamento do debate acerca do tema, este trabalho tem por objetivo refletir sobre a abordagem que escolas públicas de ensino fundamental, de Juiz de Fora, realizam mediante a prática de indisciplina e ato infracional, a fim de identificar como são tratados esses casos e analisar a abordagem desses nos documentos escolares (regimento e livro de ocorrências), verificando os seguintes documentos oficiais: Constituição Federal (CF/1988), o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) e suas alterações e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9394/96).

Desse modo, o presente estudo toma por base a modalidade qualitativa de investigação, valendo-se da pesquisa bibliográfica para o seu desenvolvimento. E em um primeiro momento buscou-se conceituar e caracterizar a indisciplina, para isso, coube delimitar o termo disciplina. Para essa conceituação, apoiou-se no sentido dado por Vasconcellos (2009, p. 23):

Disciplina como organização do ambiente de trabalho escolar, comportamento, postura, atitude. Neste âmbito de significado, embora com a restrita conotação de castigo, disciplina tem raízes milenares, uma vez que está associada à disciplina familiar, à obrigação que o pai tinha de zelar pelo cumprimento dos preceitos da lei.

Ainda sobre o conceito de indisciplina, concorda-se com Rego (1996), ao afirmar que o próprio conceito de indisciplina não é um conceito estático, uniforme e nem universal. Ele se relaciona com valores e expectativas que mudam ao longo da história, nas diferentes culturas, sociedades, classes e instituições. Também no campo individual, a palavra indisciplina pode ter diferentes sentidos, dependendo da vivência do sujeito e do contexto em que for aplicada.

Desta forma, os padrões que vão diferenciar a disciplina da indisciplina, assim como os critérios para identificação de comportamentos indisciplinados, sofrem transformações com passar do tempo, dependendo também da dinâmica social na qual se apresentam. Entretanto, tal afirmação não está impossibilitando a admissão de um conceito com definição estável, com aspectos que sejam compartilhados por todas as pessoas que o utilizam. (REGO, 1996). Torna-se relevante a reflexão sobre os significados atribuídos por nossa sociedade, prioritariamente

113

em âmbito escolar, à palavra indisciplina. A abordagem da questão buscou compreender seus condicionantes e suas causas.

Buscou-se em um segundo momento a conceituação de ato infracional, que se dá no seu único sentido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Federal nº 8.069/1990), em seu título III, que trata “Da prática de ato infracional”, em seu Artigo 103 da seguinte forma: “Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal.” O Estatuto inaugura uma visão pedagógica no que diz respeito ao ato infracional, estabelecendo medidas sócio-educativas que poderão ser aplicadas quando verificado o ato e também as medidas protetivas, aplicadas às crianças que o praticam (RODRIGUES, 2008, p. 8).

Fazendo uma revisita na história da política de atendimento, foi possível conhecer as fases de atendimento à infância e juventude que antecederam a atual política.

Conforme Silva (2005, p. 16), a primeira fase, “compreendida desde o descobrimento até o início da década de 1920, pode ser descrita como a fase da filantropia ou assistencialismo”. O objetivo nesse período era “tratar” as crianças e adolescentes pobres, por meio de internação, para que não virassem “futuros marginais” e nem ameaçassem a “tranquilidade” da sociedade. A criança não é vista como sujeita de direitos, e sim, como necessitada de caridade (SILVA, 2005).

Na segunda fase, compreendida entre as décadas de 1920 a 1980, houve um “extenso aparato jurídico/institucional” elaborado pelo Estado buscou tutelar a infância brasileira. É nessa fase que são criados os Códigos de Menores (de 1927 e 1979), os Juizados de Menores, o Serviço de Assistência ao Menor (SAM-1941) e a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM-1964) (BASÍLIO, 2008 apud SILVA, 2005). Essa política visava à internação de crianças e adolescentes de famílias pobres, famílias estas consideradas sem condições de cuidar/educar os próprios filhos.

A última e terceira fase, que corresponde às décadas de 1980 e 1990, é marcada por manifestações da sociedade civil, a qual lutava por um estado democrático. Momento em que surgem as Organizações Não Governamentais, que visavam trabalhos alternativos com a parcela “excluída” da sociedade, fazendo pressão sobre o Governo. Foi promulgada, nesse contexto, a Constituição Federal de 1988, e em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (BASÍLIO, 2008 apud SILVA, 2005).

No terceiro momento, tomando por base as Leis: Constituição Federal de 1988, Estatuto da Criança e do adolescente e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, refletiu-se sobre a educação enquanto um direito social. Ao diferenciar indisciplina e ato infracional procurou-se destacar o papel da escola enquanto espaço de socialização e de convivência. Espaço este, legítimo e responsável, não exclusivamente, do processo de constituição dos sujeitos, do ponto de vista comportamental e da construção de conhecimentos.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9394/96), em seu Artigo Segundo, estabelece que a educação é dever da família e do Estado, tendo por finalidade o desenvolvimento, a preparação para o trabalho e preparo para o exercício da cidadania do educando. Com isso, toma-se como referencial a educação como um direito de todos, mesmo diante das especificidades dos educandos que hoje se encontram na escola.

Por fim, ao analisar os regimentos e livros de ocorrências de duas escolas públicas de ensino fundamental de Juiz de Fora foi possível identificar como as mesmas estão tratando os casos de indisciplina e atos infracionais e se tais documentos se amparam nas legislações que dão bases para o direcionamento de como tais questões devem ser abordadas em seus textos.

Percebeu-se que, embora a indisciplina e o ato infracional tenham interfaces com várias outros campos da sociedade, esses problemas são muito concretos e precisam ser enfrentados.

114

Para Vasconcellos (2009), é necessária a compreensão da amplitude desses problemas de sua contextualização, fugindo da visão restrita do cotidiano escolar. E preciso ainda, tomar como base o respeito, e a tolerância com o outro, pois somos todos envolvidos nesse imbróglio; e, também, diminuir a insegurança, baixar a ansiedade, o sentimento de culpa e de perseguição e buscar alternativas de superação, preparando o terreno para a superação das mediações equivocadas, buscando melhor compreensão de onde está o núcleo do problema (VASCONCELLOS, 2009).

Também nesse sentido, o aluno autor de indisciplina e de ato infracional precisa ser visto como um sujeito de direitos, pessoa em pleno desenvolvimento, conforme estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente em seu artigo sexto. Cabendo à escola promover a efetivação de seus direitos, sendo ele prioridade absoluta, devendo, assim, às políticas públicas a promoção de sua reeducação.

No tocante aos regimentos escolares e seus livros de ocorrências, houve a possibilidade de verificar que, para sua elaboração, foram levados em consideração os documentos que regem as políticas referentes à infância e juventude em seus diferentes âmbitos, embora ainda existam divergências sobre qual a função da escola enquanto instituição propiciadora da garantia de direitos, explícita na política de proteção integral instaurada pela legislação em vigor.

REFERÊNCIAS

BAZÍLIO, L. C., Noronha, P.; SÁ EARP, M. L. (Org.). Infância tutelada e educação: história, política e legislação. Rio de Janeiro: Ravil, 1998.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 1988.

_____. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

_____. LDB: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional [recurso eletrônico]. 8. ed. Brasília: Câmara dos Deputados/Edições Câmara, 2013.

REGO, Teresa Cristina R. A indisciplina e o processo educativo: uma análise na perspectiva vygotskiana. In AQUINO, Júlio Groppa (Org.). Indisciplina na escola: alternativas teóricas e práticas. 4. ed. São Paulo: Summus, 1996.

RODRIGUES, Gizelly. Crianças e adolescentes autores de ato infracional: em conflito com a lei e com a escola. Ministério Público do Estado de Santa Catarina, 2008. Disponível em: <http://mpdft.gov.br/senss/anexos/Anexo_7.1_-_Gizelly_Rodrigues.pdf>. Acesso em: 12 ago. 2014.

SILVA, Vânia Fernandes e. “Perdeu, passa tudo!”: a voz do adolescente autor do ato infracional. Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2005.

VASCONCELLOS, Celso dos Santos. Indisciplina e disciplina escolar: fundamentos para o trabalho docente. São Paulo: Cortez, 2009.

AS ESTRATÉGIAS DE LEITURA:UMA ANÁLISE A PARTIR DA INTERAÇÃO DE

LEITORES INICIANTES COM UM INSTRUMENTO DE AVALIAÇÃO EM LARGA ESCALA

Vanessa Rocha Campos1

Rosângela Veiga Júlio Ferreira2

RESUMO

O presente trabalho busca apresentar a monografia desenvolvida para conclusão do Curso de Especialização em Educação no Ensino Fundamental, a qual analisou se e como as estratégias metacognitivas3 de leitura foram utilizadas por estudantes do 3º ano do ensino fundamental da rede municipal de Juiz de Fora, no ano de 2013, por ocasião da aplicação de um protocolo de leitura. Os dados utilizados para a realização desse trabalho são parte dos resultados da pesquisa “Perfis de leitores de estudantes do 3º ano do ensino fundamental4”, a qual objetivou identificar estratégias de leitura utilizadas pelos estudantes ao interagirem com diferentes gêneros textuais. Nesse sentido, o Trabalho de Conclusão de Curso da referida Especialização, realizou um recorte dessa pesquisa, o qual buscou verificar as estratégias de leitura utilizadas pelos estudantes para inferir informações em uma fábula e um bilhete. Trata-se de uma pesquisa qualitativa em que foram analisadas as respostas de 234 criança, a partir da aplicação de um protocolo de leitura. A fim de compreender e analisar os referidos dados, essa análise se debruça sobre os estudos de autores que discorrem sobre as estratégias de leitura utilizadas por leitores em processo de formação, como por exemplo, Kato (1999), Solé (1998) e Kleiman (1997; 1998). Além disso, explicita como surge a necessidade de se avaliar leitura em larga escala nos anos iniciais do ensino fundamental.

Palavras-chave: leitura; estratégias de leitura; avaliação em larga escala

1 UFJF. Contato: [email protected] Colégio de Aplicação João XXIII/UFJF. Contato: [email protected] Compreendidas, segundo Kato (1999), como sendo aquelas conscientes, ou seja, monitoradas e concretizadas racionalmente pelo leitor.4 Essa pesquisa aconteceu entre novembro de 2010 e novembro de 2012, coordenada pela Profa. Dra. Hilda Micarello, financiada pela

FAPEMIG e apoiada pelo CAEd/UFJF e pela PROPESQ/UFJF.

116

Nesse estudo, buscamos compreender se e como as estratégias metacognitivas de leitura foram utilizadas por estudantes do 3º ano do ensino fundamental da rede municipal de Juiz de Fora, no ano de 2013, por ocasião da aplicação de um protocolo de leitura, diante da leitura de uma fábula e de um bilhete.

Os dados que deram origem a esse estudo advêm da pesquisa “Perfis de leitores de estudantes do 3º ano do ensino fundamental” a qual teve por objetivo identificar as estratégias de leitura de estudantes do 3º ano do ensino fundamental na medida em que os sujeitos realizavam leitura de palavras, frases e textos. Este estudo pautou-se na análise de dez itens que se referem à leitura de uma fábula acompanhada por ilustração e a leitura de um bilhete. Buscamos através da leitura desses textos analisar e compreender quais as estratégias de antecipação e quais as inferências utilizadas pelos alunos. Além disso, objetivamos identificar as hipóteses levantadas pelos alunos acerca do tipo e da função social dos respectivos gêneros. Delineamos, também, como objetivo problematizar o papel que a inferência possui no processo de formação do leitor autônomo, levantando as possibilidades e os limites do protocolo de leitura, no que se refere aos mesmos itens que serão analisados.

A escolha pela análise de uma fábula e de um bilhete se dá diante do comportamento das crianças mediante aplicação protocolo de leitura, uma vez que esse instrumento aponta para resultados muito aquém do esperado para crianças no 3º ano do ensino fundamental, o que torna fundamental pesquisar as estratégias que são utilizadas pelos estudantes, a fim de compreender o que falta para que esses alunos leiam de maneira autônoma.

Para alcançar, compreender e analisar os dados da pesquisa “Perfis de leitores de estudantes do 3º ano do ensino fundamental”, usou-se de instrumentos de avaliação em larga escala5. Quanto a essas avaliações, torna-se importante ressaltar que elas ocuparam um lugar de maior relevância em todo o mundo após a Conferência Mundial sobre Educação para Todos, que aconteceu em Jomtien, na Tailândia, em 1990, em que novas políticas foram pensadas para melhoria da qualidade da educação. Como resposta aos compromissos assumidos nesse encontro, o Brasil divulga o Plano Decenal de Educação Para Todos, que presumiu ações que objetivavam a melhoria da educação brasileira, ressaltando a importância de se avaliar em âmbito nacional. Após a divulgação desse documento, ocorre a implementação do primeiro Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB). Nesse sentido, o SAEB foi criado com o propósito de aferir a aprendizagem dos alunos e o desempenho das escolas de 1º grau, promovendo informações para a elaboração de políticas públicas dos sistemas de ensino e redirecionamento das metas escolares para a obtenção de qualidade na educação (BRASIL,1993).

Desde a década de 1990 as avaliações são aplicadas em todo o Brasil para se avaliar a qualidade da educação brasileira. Os resultados divulgados por essas avaliações em larga escala apontam para baixos índices de habilidades em leitura dos alunos examinados no 5º ano do ensino fundamental. À vista dessa realidade, é implementada, no ano de 2007, a denominada “Provinha Brasil”, que avalia o 3º ano do ensino fundamental. Neste momento, verifica-se que a meta estabelecida pelo Governo Federal, de que toda criança ao final do ciclo de alfabetização esteja dominando a leitura e a escrita, não está sendo atingida e, por isso, busca-se realizar diagnósticos em relação aos momentos iniciais da escolarização com base na alfabetização (OLIVEIRA; ROCHA: 2007).

Além da “Provinha Brasil” que acontece em âmbito nacional, para se avaliar periodicamente o processo de alfabetização dos alunos, estados e municípios criaram seus próprios programas

5 Um teste de múltipla escolha, um protocolo de leitura e o método da Teoria de Resposta ao Item.

117

de avaliação. Diante desse cenário educacional, em que muitos estados da federação brasileira têm avaliado a educação, o que pode-se concluir, no que diz respeito aos resultados atuais sobre alfabetização, é que, no que concerne aos conhecimentos relativos à Língua Portuguesa, o acesso à leitura nas escolas ainda é precário. E, diante do exposto, é possível comprovar que, ao concluir o 5º ano do ensino fundamental, a maioria dos estudantes está muito aquém do que seria desejável para essa etapa de escolarização (MICARELLO, 2012).

Nessa linha, a leitura aparece como um dos objetivos principais da educação, principalmente no ensino fundamental. Espera-se que ao final do ciclo de alfabetização, as crianças estejam aptas a ler textos adequados para a sua idade, sendo capazes de compreender o que leem, realizando inferências e estabelecendo relações entre os elementos de um texto. Nesse sentido, a realidade da educação brasileira permite questionar o porquê dos alunos não conseguirem compreender aquilo que leem de maneira autônoma, além de permitir refletir sobre o que falta para que esses aprendizes sejam capazes de mobilizar estratégias metacognitivas de leitura. Assim, para se pensar no ensino de leitura, é necessário que as concepções sobre o que são essas estratégias estejam bem definidas.

Ler está longe de ser uma tarefa fácil. A compreensão de um texto envolve o desenvolvimento de diversas habilidades, o que a torna uma tarefa complexa. Habitualmente a leitura é concebida como um processo cognitivo único, sem segmentações, no entanto, ela é divida em vários subprocessos, uma vez que a compreensão de textos através da leitura envolve movimentos cognitivos múltiplos (COSCARELLI, 2002). Um leitor experiente pode ser compreendido como tal, com base em sua competência em compreender aquilo que lê, em perceber relações, realizando inferências de informações e significados, sendo capaz, também, de apreender frases e sentenças, argumentos, objetivos, intenções e ações presentes nos textos (KLEIMAN, 1997).

A leitura, compreendida a partir da perspectiva interativa, é a interação entre o texto e o leitor, entre todas as informações que o texto traz e toda a bagagem experiencial que o leitor possui enquanto lê um texto. O modelo interativo não está pautado nem no texto e nem no leitor, exclusivamente, mas no domínio das habilidades de decodificação e nas distintas estratégias de leitura que levam à compreensão do texto.

Compreende-se, portanto, que para se alcançar a compreensão do que se lê é necessário que os alunos desenvolvam duas características que tornam a sua leitura um movimento consciente e intencional: primeiramente, ele lê porque sabe para que está lendo; e, segundo, ele compreende o que lê, interpreta, e recorre a diversos procedimentos para tornar o texto compreensível.

Assim sendo, buscamos compreender as estratégias metacognitivas utilizadas por estudantes do 3° ano do ensino fundamental, nos pautando na abordagem qualitativa dos dados coletados na pesquisa “Perfis de leitores de estudantes do 3° ano do ensino fundamental”. Segundo Lüdke e André (1986), em uma pesquisa de cunho qualitativo predominam os dados descritivos, os quais serão produzidos a partir de um contato direto do pesquisador com o objeto de investigação. Assim, o investigador direciona seu olhar aos significados atribuídos pelos sujeitos investigados na pesquisa. Nesse sentido, procuramos nas respostas das crianças identificar quais os caminhos cognitivos percorridos pelos estudantes para compreenderem aquilo que leem.

Cabe ressaltar que, antes desse recorte realizado na monografia desenvolvida para o Curso de Especialização, a pesquisa supracitada adotou em sua metodologia procedimentos quantitativos conciliados a uma análise qualitativa dos resultados atingidos. Os procedimentos quantitativos dizem respeito à abordagem dos dados de pesquisa atingidos através de um teste de múltipla

118

escolha e de um protocolo de leitura (MICARELLO, 2012). Os resultados do teste de múltipla escolha foram relacionados com as estratégias de leitura, identificadas a partir da aplicação do protocolo e utilizadas pelos mesmos alunos que realizaram esse teste.

Elencamos como conclusão parcial da pesquisa que os estudantes investigados, utilizaram-se de estratégias de leitura por ocasião da aplicação do protocolo.

No que se refere ao gênero bilhete, os alunos identificaram o local do passeio, Museu Mariano Procópio, ora como o destinatário ora como remetente. No processo inferencial de estratégias metacognitivas, alguns conseguem identificar esses elementos sobre o qual os estudantes levantam hipóteses.

No que se refere ao gênero fábula, a imagem apresentada junto ao texto destaca-se como facilitador das estratégias de antecipação e interfere diretamente na interpretação da fábula. Entendemos que por se tratar de um gênero que circula na esfera escolar, os estudantes não demonstraram maiores dificuldades para realizarem as inferências solicitadas.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Plano decenal de Educação para Todos. Brasília: MEC, 1993.

COSCARELLI, C. V. Entendendo a leitura. Revista de Estudos da Linguagem, Belo Horizonte, v. 10, n. 1, p. 7-27, jan./jun. 2002. (UFMG)

KATO, M. O aprendizado da leitura. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

KLEIMAN, A. Oficina de leitura: teoria e prática. Campinas, SP: [s. n.], 1998.

_________. Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura. 5. ed. Campinas, SP: Pontes, 1997.

LÜDKE, Menga; ANDRÉ, Marli. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.

MICARELLO, H. Perfis de leitores dos estudantes do 3o ano do ensino fundamental: relações entre habilidades e estratégias de leitura (Relatório final de pesquisa). Juiz de Fora, 2012.

OLIVEIRA, Maria Auxiliadora Monteiro; ROCHA, Gladys. Avaliação em larga escala no Brasil nos primeiros anos do ensino fundamental (Anais de evento). 2007.

SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. Porto Alegre: Artmed, 1998.

ALGUNS CONCEITOS DE BERGSON E DA PEDAGOGIA WALDORF EM UM CONTRAPONTO

COM UMA EDUCAÇÃO TRADICIONAL

Marina Scoralick Vassalli1

Renata Morais Lima2

RESUMO

Com a acentuação do modo de produção capitalista e as exigências que dele decorreram, a escola, tradicionalmente elitista, transforma o seu papel, fazendo uma abertura às massas e, portanto, à diversidade de indivíduos da sociedade.Visando uma formação para o mundo do trabalho, que necessitava de indivíduos adaptados ao modo de produção capitalista, preparados para trabalhar em diversos espaços e com funções pertinentes ao desenvolvimento econômico, a instituição escolar deixa de lado o seu papel educador e se torna formadora de sujeitos capacitados para adentrar esse mundo do trabalho. São necessários, para esse tipo particular de trabalho e de sociedade, indivíduos que sigam um mesmo padrão, e, desse modo, as diversidades individuais e culturais são desvalorizadas.O grupo de estudos Bergon e Educação, do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação da UFJF, busca propostas educacionais que vão em direção a uma nova maneira de estar na educação. A Pedagogia Waldorf surge, nesse contexto, como alternativa educativa. Valorizando a individualidade e as potencialidades de cada aluno e considerando a diversidade um ponto fundamental para o desenvolvimento dos sujeitos, objetiva educar integralmente os indivíduos, de forma que desenvolvam as potencialidades necessárias para o mundo do trabalho e o convívio social. Respeitando as diferenças e repensando o ensino tradicionalmente pautado na transmissão de um conhecimento hegemônico de uma classe que detém os meios de produção (MARX; ENGELS, [s. d.]), valoriza a transmissão de um conhecimento útil para os alunos, que fazem parte da sociedade e devem, portanto, vivenciar experiências particulares do sistema em que se encontram.

1 UFJF. Contato: [email protected] UFJF. Contato: [email protected]

120

INTRODUÇÃO

Os estudos bergsonianos tem nos proporcionado pensar novas lógicas de viver e refletir o ambiente educacional.

Atualmente trabalhamos com a obra de Trevisan sobre as reflexões de Bergson, pois elas fazem relações diretas desse autor com a educação. Já o livro de Lanz nos traz um resumo do pensamento pedagógico proposta por Steiner, o que tem nos ajudado a pensar de forma mais integral esta pedagogia.

Assim, correlacionando esses estudos ao de outros autores, é possível refletir acerca do papel da educação tradicional e da Pedagogia Waldorf no desenvolvimento integral dos sujeitos e de que forma a diversidade tem sido valorizada de forma a auxiliar neste desenvolvimento.

OBJETIVOS

Por meio da discussão entre diversos autores o presente trabalho pretendeu investigar como a escola tem trabalhado com o respeito à diversidade de indivíduos e culturas.

Recorremos aos estudos de diversos autores, que nos permitiram traçar historicamente a trajetória vivenciada pela escola no modo de produção capitalista e a formação e organização que dela decorre.

Buscamos encontrar um tipo de educação que valorizasse a vida, os acontecimentos, a experiência, ou seja, investigar se existe um tipo de escola que tem vivenciado a duração como nos propõe o conceito bergsoniano.

Além disso, analisamos a teoria de Rudolf Steiner que, por meio da Pedagogia Waldorf, traçou novos caminhos para pensarmos uma educação integral dos indivíduos e o respeito e a valorização da diversidade no desenvolvimento dos sujeitos, permitindo, assim, fazer uma crítica ao modo de educação e de vida do sistema capitalista.

METODOLOGIA

O trabalho foi desenvolvido em duas partes simultaneamente. A partir da pesquisa bibliográfica, fazendo articulação entre os textos de Bergson e Steiner surgiram pensamentos que nos conectaram com a atualidade e nos fizeram problematizar nosso contexto cultural escolar, e o estágio em uma escola Waldorf que demonstrou por meio de nossas observações/vivencias que é possível a valorização dos indivíduos frente a necessidade social da escolarização.

A pesquisa bibliográfica foi, e ainda está sendo, realizada em encontros entre os estudantes/pesquisadores do núcleo de pesquisa Bergson e Educação, uma vez por semana. Nestes mesmos encontros foram lidos relatos os quais depois de lidos e analisados servem de instrumentos para pensarmos a educação atual.

Em nossas leituras optamos por duas obras, a Pedagogia Waldorf, de Rudolf Lanz e a Bersgon e a Educação, de Rubens Trevisan. Após estas leituras passamos às discussões dos relatos das experiências vividas no estágio junto à escola Waldorf. Esses momentos de discussões nos permitiram pensar as possibilidades de valorização das individualidades e das potencialidades dos alunos, principalmente nos anos iniciais, cuja necessidade de estímulos são ainda maiores. Essa valorização vem na contramão da educação de massa, voltada para a formação de profissionais aptos a se tornarem mão de obra e que os torna alienados.

121

REFERENCIAL TEÓRICO

O contexto de formação das escolas se dá, inicialmente, em uma educação direcionada apenas às elites, que possuíam condições para arcar com a educação, voltada para uma formação ligada à religião. A primeira mudança na escola se dá no período do Iluminismo, com o prevalecimento de uma visão laica de mundo, e somente no século XX, a escola vai sofrer a sua abertura no período chamado de “educação pública democrática”, através do prolongamento da escola fundamental e dos movimentos de renovação pedagógica (LUZURIAGA, 1959).

Nesse período prevalecem concepções de mundo centradas no individualismo e na influência das massas. No contexto de crescimento da produção industrial e do consumo, com a ocorrência de uma massificação da vida social, se dá o crescimento da democracia, da participação e conformação dos indivíduos e a prática educativa se volta para este novo sujeito: o indivíduo que, ao mesmo tempo, pertence à massa (RECH, 2005).

Assim, a escola se torna democrática, sendo forçada a inovar em seu papel e perfil educativo. Ela se torna um espaço repleto de diversidades, e seu papel fundamental se torna o de desenvolver harmoniosamente todas as faculdades humanas (RECH, 2005). Entretanto, é possível afirmar que as mudanças ocorridas no âmbito social e econômico fazem da instituição um espaço de controle e formação para o mundo do trabalho, e são esses conceitos que vão prevalecer nas instituições escolares até os dias de hoje.

Nesse período foi necessário trabalhar com a imensa diversidade que se instituía no espaço escolar. Foi preciso, então, uma postura da escola frente a essa diversidade que se instituía. No entanto, apesar de se considerar democrática e inclusiva, a escola foi se configurando como um espaço de exclusão e hegemonia cultural, onde há um desrespeito à diversidade.

Essa hegemonia cultural deságua na forma peculiar de sistematização, elaborada pela classe social que detém o poder material e possui os materiais e instrumentos para a elaboração do conhecimento (MARX; ENGELS, [s. d.]). Dessa forma, constituída para a formação para o mundo do trabalho, a escola busca formar indivíduos “padronizados”, com o desenvolvimento de capacidades voltadas para essa formação, rejeitando a diversidade. O novo tipo de homem deve ser capaz de ajustar-se aos novos métodos da produção, articulando novas formas de viver, pensar e sentir adequados ao método de trabalho que corresponde a ausência de mobilização de energias intelectuais e criativas no desempenho de tarefas (KUENZER, 2002).

Os estudos sobre a duração, conceito do filósofo contemporâneo francês Bergson tem nos possibilitado reflexões outras sobre nossas experiências educacionais. Com nos diz Abbagnano,

duração é o dado da consciência despojado de toda superestrutura intelectual ou simbólica, e reconhecido em toda sua fluidez originária. Nesta fluidez não existem estados de consciência relativamente uniformes que se sucedem uns aos outros como os instantes do tempo especializados da ciência. Existe uma única corrente fluida, onde não existem cortes e nem separações e na qual tudo é novo e tudo é conservado em sua totalidade (1998, p. 358).

No contexto do capitalismo e da formação escolar para o mundo do trabalho, a Pedagogia Waldorf surge como uma alternativa de educação. A escola, nesse contexto, parece ter perdido o seu objetivo primitivo, o da formação do ser humano. Exige-se dos indivíduos que estejam aptos para trabalhar em colaboração; que seja criativo, saiba lidar com novos problemas e possua

122

espírito de iniciativa. No entanto, na formação oferecida pelas escolas tradicionais, observa-se que são mal preparados para enfrentar as exigências da vida profissional, assim como há o despreparo moral, de personalidade global, integração, etc. (Lanz, 1998).

Fundada nos princípios da Antroposofia para compreender o desenvolvimento dos sujeitos, a Pedagogia Waldorf baseia-se, fundamentalmente, no encontro entre homens. Dessa forma, no convívio diário entre a classe e sua diversidade é caracterizado como a ferramenta para o desenvolvimento.

O papel fundamental da Pedagogia Waldorf consiste no equilíbrio da essência individual e a saúde das crianças. Assim, o professor trabalha, em cada etapa do desenvolvimento, com as forças disponíveis nos alunos. Entendendo a diversidade existente, conhece os seus alunos individualmente e busca desenvolvê-los harmoniosamente.

Assim, compreende-se que

a Pedagogia Waldorf visa à formação do ser humano; quer desenvolvê-lo harmoniosamente em todos os seus aspectos: inteligência, conhecimentos, vontade, ideais sociais, etc.; quer despertar todas as qualidades e disposições inatas e estabelecer um relacionamento sadio entre o indivíduo e seu mundo ambiente – que inclui também os outros homens (Lanz, 1998).

Valoriza-se o esforço coletivo, formando “uma grande família ao redor do professor de classe”, e, quanto mais variada a composição dos alunos, mais rica se torna a formação, valorizando, dessa forma, a representação da diversidade social (Ibdem, 1998).

Atendidos em suas individualidades, cada aluno é capaz de desenvolver, de inúmeras formas, as suas diversas capacidades criativas, que os auxilia a lidar com os outros indivíduos e as questões da sociedade. Essa educação diferenciada permite que estes alunos estejam aptos para enfrentar o mundo do trabalho, mas não porque foram formados e disciplinados para tal, mas porque, educados e trabalhadas as suas diversas potencialidades, coletivamente e em contato direto com as diferenças, desenvolvem as capacidades necessárias para atuarem na sociedade capitalista.

CONCLUSÃO

O exercício de aproximação entre Bergson e a Pedagogia Waldorf tem nos demonstrado que a aprendizagem associada à vida é de natureza humana, por isso conhecer é um prazer. Na escola em que realizamos nossa pesquisa todo momento era oportuno para a aprendizagem. Dentro e fora da sala de aula, com trabalhos manuais, com os instrumentos musicais, a partir dos cadernos e dos exercícios, tudo promove o conhecimento da vida. Por isso, dissemos que o conhecimento integral, que é estimulado no aluno como um todo, desenvolve as potencialidades humanas.

REFERÊNCIAS

ABBAGNANO, N. História da filosofia. Tradução Antônio Ramos Rosa e Conceição Jardim. Lisboa: Presença, 1984. v. 7.

123

KUENZER, A. Z. Exclusão includente e inclusão excludente: uma nova forma de dualidade estrutural que objetiva as novas relações entre educação e trabalho. In LOMBARDI, J. C.; SAVIANI, D.; SANFELICE, J. L. (Orgs.). Capitalismo, trabalho e educação. Campinas: Autores Associados, 2002. p. 77-95. (Estudo 1.)

LANZ, R. A Pedagogia Waldorf. 6. ed. São Paulo: Antroposófica, 1998. 247 p.

LARROSA, J. Voces que cuentam y vocês que interpretan. In Arnaus, Remei. Déjame que te cuente. Barcelona: Editorial Laertes, 1995.

RECH, I. P. F. “Atividades” na educação infantil e posturas educativas. In ALTINO, M. F. (Org.). Criança pede respeito. Porto Alegre: Mediação, 2005, p. 77-107.

TREVISAN, R. M. Bergson e a educação. Piracicaba: UNIMEP, 1995.

UM OLHAR PARA AS PESQUISAS SOBRE O ENSINO DE CIÊNCIAS NOS ANOS INICIAIS DO

ENSINO FUNDAMENTAL

Raisa Matos 1

Fernanda Bassoli Rosa 2

RESUMO

O objetivo do presente trabalho consiste em analisar criticamente como vem se delineando as pesquisas sobre o ensino de Ciências na Educação Infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental por meio de produções acadêmicas na Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências (RBPEC) no período de 2008 a 2013. A análise dos trabalhos selecionados foi realizada por Análise de Conteúdo. O principal resultado foi a ausência de trabalhos sobre o ensino de Ciências na educação infantil e a presença de poucos trabalhos com foco nos anos iniciais do ensino fundamental na RBPEC, sendo a maioria destes desenvolvidas por professores universitários, exclusivamente, ou, em menor número, realizados por estes em parceria com professores da educação básica. A escassez de pesquisas sobre o ensino de Ciências na nos anos iniciais, como também a escassez de pesquisas realizadas por professores refletem, possivelmente, dois problemas que tem sido recorrentemente abordados na literatura: a negligência com o ensino de Ciências, especialmente no início do processo de escolarização e as condições de trabalho e de formação docente que não contribuem para que a pesquisa seja parte integrante do trabalho docente.

Palavras-chave: Ensino de Ciências. Anos inicias do ensino fundamental. Educação infantil. Estado da arte.

1 Pós-graduanda do Curso de Especialização em Educação no Ensino Fundamental do Colégio de Aplicação João XXIII/Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Contato: [email protected]

2 Professora do Colégio de Aplicação João XXIII da UFJF e do Curso de Especialização em Educação no Ensino Fundamental (C. A. João XXIII/UFJF). Contato: [email protected]

126

INTRODUÇÃO

Os autores Lorenzetti e Delizoicov (2001) discutem sobre como a disciplina Ciências tem sido negligenciada nos anos iniciais em função do foco na alfabetização, entretanto esta justificativa é inconsistente, poisa alfabetização não se concretiza apenas com o domínio dos códigos da língua, processo de representação de fonemas e grafemas, é necessária a compreensão social de seus usos. Portanto, a alfabetização científica vai de encontro com o conceito de letramento, uso que os sujeitos fazem da escrita e da leitura em seu contexto social, e, é a partir do letramento que a conceituação de alfabetização cientifica será compreendida.

Assim sendo, a alfabetização científica no ensino de ciências nas séries iniciais é compreendida como “o processo pelo qual a linguagem das ciências naturais adquire significados, constituindo-se um meio para o indivíduo ampliar o seu universo de conhecimento, a sua cultura, como cidadão inserido na sociedade” (LORENZETTI; DELIZOICOV, 2001, p. 8-9).

Diante disso, buscamos nesta pesquisa analisar como vem se delineando as pesquisas sobre o ensino de Ciências na Educação Infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental.

Para tal, analisamos quantitativamente as publicações sobre o ensino de Ciências na Educação Infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental da Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências (RBPEC) entre os anos de 2008 e 2013 de forma a: i) mapear a distribuição geográfica das pesquisas; ii) analisar os tipos de pesquisas que vem sendo realizadas; iii) identificar o foco temático de tais pesquisas; iv) identificar os profissionais que produziram as pesquisas (professores-pesquisadores ou pesquisadores-acadêmicos); e v) analisar encaminhamentos propostos pelos pesquisadores para os problemas de pesquisa descritos.

REFERENCIAL TEÓRICO

Fernandes e seus colaboradores (2005, 2007, 2009) discutem sobre pesquisas no ensino de ciências no Brasil e, especificamente, nos anos iniciais do ensino fundamental. Através de mapeamentos, em teses e dissertações no Banco de Teses da CAPES, analisam as tendências e características de pesquisa no campo da Educação em Ciências. Com relação ao ensino de ciências na Educação Infantil é, através das obras de Campos (2008), Campos e Haddad (1992) e Rocha (1999) que o mapeamento histórico foi revistado, assim descrevem sobre as pesquisas realizadas entre os anos de 1970 a 2006, identificando a quantidade e as temáticas apresentadas, destacando-se os enfoques teóricos que vão para além dos já tradicionais estudos da psicologia.

Para analisar os trabalhos da RBPEC revisitamos as obras de Demo (1985, 1994, 2000) e Paulo Freire (1996), esses definem o que é a pesquisa empírica, pesquisa teórica e pesquisa participante. Outros autores importantes para a análises dos trabalhos foram Cabral (2013) e Boavida e Ponte (2002), compreendem que a parceria entre professor da educação básica e professor universitário pode ser evidenciada como uma pesquisa colaborativa, sendo essa relevante para a transformação da realidade do professor, nesse sentido suas ideias vão de encontro com as contribuições de Freire (1996).

Para dialogar com Freire (1996), Cabral (2013) e Boavida e Ponte (2002) revistamos o autor Zeichner (1998), que discute sobre a separação que atualmente existe entre o mundo dos professores da educação básica e professores universitários. Para além, Schlinwein e Luis (2008) ressaltam a importância da prática da pesquisa nos cursos de formação docente. Logo, Freire

127

(1996) nos ensina que a prática pedagógica é algo que exige reflexão e compreensão do fazer pedagógico crítico e autônomo, visando à práxis criadora.

METODOLOGIA

O estudo foi realizado através da análise dos números da RBPEC em Ciências publicados nos anos de 2008 a 2013, através das ferramentas da Análise de Conteúdo (BARDIN, 2011; FRANCO, 2008), especialmente através da categorização, que foi realizada através de perguntas norteadoras.

Assim, as categorias de análise foram criadas a priori a partir das seguintes indagações: Quando os trabalhos selecionados foram publicados? Onde foram produzidas as pesquisas divulgadas na RBPEC? Quais tipos de trabalhos têm sido produzidos? Por quem? (Quem são os sujeitos/pesquisadores destas pesquisas) Por quê? (Objetivos das pesquisas) e O que tem sido investigado? (qual tem sido o foco das pesquisas).

A análise dos trabalhos a partir destas indagações originou subcategorias criadas a posteriori. Assim, apresentaremos no próximo tópico os resultados encontrados nesta investigação.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Entre os anos de 2008 a 2013 foram publicados 140 trabalhos na RBPEC e destes, foram selecionados 26 para análise. Através da análise, constata-se que no ano de 2008 foram publicados 3 trabalhos; 2009 publicados 2 trabalhos; 2010 publicados 4 trabalhos; 2011 foram publicados 5 trabalhos; em 2012 publicados 8 trabalhos e no ano de 2013 foram publicados apenas 4 trabalhos. Desse modo, entre os anos de 2009 e 2012 há um crescimento nas publicações de pesquisas sobre o ensino de ciências nos anos iniciais do ensino fundamental na RBPEC, no entanto, no ano de 2013 há uma queda significativa, visto que, em comparação com o ano anterior, as produções foram reduzidas à metade.

Analisando os 26 trabalhos, em relação à região do país em que foram produzidos, constatamos que há um predomínio de produções na região Sudeste, onde foram produzidos 15 trabalhos (58%), seguida da região Nordeste, em que a Universidade Federal de Pernambuco, especificamente, destacou-se como a principal produtora de trabalhos, uma vez que produziu 5 dos 6 trabalhos produzidos por esta região (23%). Apenas 3 pesquisas (11%) foram produzidas na região Centro-Oeste, todas no estado de Goiás. A região Sul apresentou somente 2 trabalhos (8%), produzidos nas cidades de Londrina e Grandes Dourados (PR). Para finalizar, cabe salientar que a região Norte não produziu nenhum dos trabalhos analisados.

A partir da análise da natureza das pesquisas, dos 26 artigos selecionados, 13 foram identificados como pesquisas empíricas, 8 como pesquisas teóricas e 5 como pesquisas participantes.

A partir da identificação nos trabalhos do vínculo profissional dos autores criamos seguintes subcategorias: “Professor da Educação Básica”, “Professor Universitário” e “Professor da Educação Básica em parceria com Professores Universitários”. Dos 26 trabalhos analisados, nenhum foi produzido exclusivamente por professores da educação básica, 22 foram produzidos por professores que integram ao corpo docente das universidades e apenas 4 trabalhos foram produzidos por professores da educação básica em parceria com professores universitários.

128

A ausência de pesquisas produzidas exclusivamente por professores da educação básica pode estar ligada a dois fatores: a negligência com o ensino de Ciências, especialmente no início do processo de escolarização e as condições de trabalho e de formação docente que não contribuem para que a pesquisa seja parte integrante do trabalho docente.

Analisando os objetivos dos trabalhos, os classificamos nas subcategorias que refletem os principais temas investigados: i) formação inicial e continuada de professores (11 trabalhos); ii) práticas pedagógicas (5 trabalhos); iii) temas (4 trabalhos); iv) análise de linguagem e discurso (3 trabalhos); v) outros (3 trabalhos).

Percebe-se, assim, que a maior parte dos trabalhos sobre o ensino de Ciências nas séries iniciais publicados nesta revista tem focado na formação de professores, o que é bastante positivo tendo em vista as lacunas que tem sido diagnosticadas não só na formação em Ciências, como na formação do educador de modo geral. Entretanto, urge que a pesquisa seja integrada tanto na formação como na prática docente, visando à construção de conhecimentos no e sobre o ensino de Ciências e, consequentemente, a melhoria da educação científica.

REFERÊNCIAS

BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011. 229 p.BOAVIA. A M. PONTE, J P. Investigação colaborativa: potencialidades e problemas. In GTI (Org.). Reflectir e investigar sobre a prática profissional. Lisboa: APM, 2002. .p. 43-55.

CABRAL, Marlucia Barros Lopes. Formação docente e pesquisa colaborativa: Orientações teóricas e reflexões práticas. In PONTES, Verônica Maria de Araújo; SILVA, Luzia Guacira dos Santos; BATISTA, Maria Carmem Silva. (Org.). Trilhas Pedagógicas, Curitiba, v. 1, p. 59-68, 2013. (CRV.)

CAMPOS, Mariê Luise. Os saberes científicos sobre a educação infantil: continuidades e descontinuidades na produção acadêmica recente. ANPEDSUL, 2008, UFSC. Disponível em: http://www.portalanpedsul.com.br/admin/uploads/2008/Educacao_e_infancia/Poster/02_10_28_Os_saberes_cientificos.pdf. Acessado em 10 fev. 2014, às 10h00min.

CAMPOS, M. M.; HADDAD, L. Educação infantil: crescendo e aparecendo. Cadernos de Pesquisa. São Paulo, n. 80, fev. 1992, p. 11-20.DEMO, Pedro. Pesquisa e construção do conhecimento: metodologia científica no caminho de Habermas. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1994.

________. Metodologia do conhecimento científico. São Paulo: Atlas, 2000. 

________. Introdução à metodologia da ciência. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1985.

FRANCO, M. L. P. B. Análise de Conteúdo. 3. ed. Brasília: Liber Livro, 2008. 80 p.

FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

129

Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências. Disponível em: <http://revistas.if.usp.br/rbpec>. Acessado em 10 fev. 2014, às 10h00min.

ROCHA, E. A. C. A pesquisa em educação infantil no Brasil: trajetória recente e perspectivas de consolidação de uma pedagogia. 1999. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1999.

SCHLINWEIN, L. M; LUIS, R. da S. A prática de ensino articulada à prática de pesquisa na formação do professor. Atos de pesquisa em educação, v. 3, n. 2, p. 293-308, maio/ago. 2008. (PPGE/ME FURB ISSN)

ZEICHNER, K. M. Para além da divisão entre professor-pesquisador e pesquisador acadêmico. In GERALDI, Corinta M.; FIORENTINI, Dario; PEREIRA, Elisabete M. (Orgs.). Cartografia do trabalho docente: professor (a)-pesquisador (a). Campinas: Mercado de Letras: ABL, 1998. p. 207-236.

RELAÇÕES ENTRE GÊNERO E RENDIMENTO ESCOLAR NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO

FUNDAMENTAL

Michele Priscila Gonçalves dos SantosAnderson Ferrari

Palavras-chave: Relações de gênero. Desempenho escolar. Professoras

Diante da informação muito difundida nas escolas de que meninas têm melhor rendimento escolar do que meninos nos anos iniciais, surgiu a necessidade de problematizar essa informação. Será que meninos têm pior desempenhos escolares que meninas? O que isso nos diz? Em que medida as relações de gênero dialogam com essa construção entre meninos, meninas e desempenho escolar? É necessário investigar quais fatores podem influenciar na aquisição do conhecimento para que as dificuldades sejam sanadas

Ao discutir sobre gênero utilizo a definição proposta por Joan Scott (1990), que diz que “gênero é um elemento constitutivo de relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos, e [...] uma forma primeira de significar as relações de poder”. A concepção de masculino e feminino presente atualmente na nossa sociedade nos possibilita supor que grande parte dos pais cria seus filhos de acordo com o perfil tido como ideal para cada gênero. Dessa forma meninos são levados a gostar de atividades mais agitadas e agressivas, a ter comportamentos de liderança, a serem práticos na tomada de decisões... Em contrapartida as meninas são orientadas a serem mais calmas, sensíveis, comportadas e algumas vezes até submissas. Diferenças e relações de gênero que, segundo Scott (1990), são produzidas discursivamente, têm fundamentos históricos e culturais, e podem ser reforçadas ou combatidas pela comunidade escolar.

Dessa forma, a questão geradora da pesquisa foi: “até que ponto as relações de gênero afetam o desempenho escolar de meninos e meninas?”. É preciso pensar como se dão as relações de gênero em nossa sociedade, e consequentemente, na escola e se os papéis que são destinados a homens e mulheres influenciam na dinâmica da escola e no rendimento de alunos e alunas.

132

Para pensar essa questão foi preciso discutir possíveis fatores envolvidos no fracasso escolar de alunos e alunas dos anos iniciais, questionar como são as avaliações realizadas para diagnosticar o rendimento das crianças, problematizar o que é considerado indisciplina e como ela influencia no rendimento, assim como na avaliação de educadores (as).

Nesse intuito, a perspectiva teórico-metodológica assumida é a pós-estruturalista, sobretudo a partir da inspiração do filósofo Michel Foucault. Isso significa dizer que é importante colocar sob suspeita os processos de subjetivação que nos envolvem as “verdades” disseminadas na sociedade, buscando problematizar as informações que recebemos e repensar como chegamos às concepções que sustentamos. De acordo com Louro (2007) “Quando ‘recheamos’ nossos textos de questões, provocamos um deslizamento na fonte de autoridade e instigamos ou convidamos o/a leitor/a a formular respostas às indagações feitas.” Por isso, não pretendo dar respostas conclusivas, mas levantar questões que levem o leitor a repensar suas vivencias e práticas.

A pesquisa qualitativa foi realizada em uma escola estadual na cidade de Juiz de Fora - MG que atende a alunos com idades entre 6 a 11 anos do 1° ao 5° ano do ensino fundamental. Após análise bibliográfica sobre o tema optei por fazer a investigação com as professoras, pois elas retratam muitas vezes as concepções implicadas na escola e são disseminadores de ideias e ainda porque

(a escola) além de ser um local onde as diferenças individuais são múltiplas e aparentes, é também um local onde o debate deve acontecer continuamente, com vistas à aprendizagem e à prática do pensamento crítico, promovendo entre todos os agentes escolares o convívio respeitoso e democrático (MAIA: NAVARRO; MAIA, 2011).

Assim, foram convidadas cinco professoras para serem colaboradoras do trabalho. O primeiro instrumento metodológico foi a entrevista semiestruturada contendo algumas perguntas pontuais sobre o assunto da pesquisa e outras mais gerais, oportunizando as entrevistadas falar livremente sobre seus alunos (as) e sua prática docente. Após a análise dos questionários selecionei algumas respostas dadas pelas docentes para serem discutidas pelas mesmas em grupo. O objetivo era que essas professoras compartilhem das discussões do grupo, trazendo suas experiências e inquietações para que pudéssemos pensar juntas sobre indisciplina, aprendizagem, escola, relação professor-aluno, interação entre meninos e meninas, baixo desempenho, etc. Com isso, cada participante pôde refletir sobre suas concepções e a forma como conduz as questões de gênero em sua prática.

Para complementar a discussão sobre a relação entre rendimento escolar e gênero trago considerações de alguns autores que pesquisam sobre o tema. Brito (2006) apresenta a oposição entre discursos de alunos e professoras com relação à analogia entre a disciplina em sala de aula e a compreensão de conteúdos escolares, na opinião das docentes há outros atributos que poderiam levar a uma avaliação negativa (como a falta de autonomia), já as crianças acreditam que posturas indisciplinadas interferem negativamente no rendimento. Carvalho (2001) analisa como as professoras avaliam meninos e meninas, quais comportamentos são considerados por elas adequados ao bom desempenho e como isso influencia no rendimento dos (as) alunos (as). Dal’igna (2005) discute os princípios normativos e as relações que “constituem, classificam e posicionam meninos e meninas em lugares diferenciados e hierarquizados no que se refere ao desempenho escolar”.

133

O primeiro capítulo do trabalho foi destinado ao comportamento social de meninos e meninos. Iniciei destacando as características atribuídas a alunos e alunas pelas entrevistadas, em seguida foram discutidas as generalizações e exceções presentes nas falas das professoras, logo após falei sobre as mudanças nas representações dos gêneros ao longo do tempo, finalizei o capítulo apresentando as concepções de bom comportamento destacadas nas entrevistas.

O segundo capítulo tratou do rendimento escolar. Primeiramente falei sobre o que é considerado um bom desempenho escolar na visão das entrevistadas articulando ao que foi discutido em outras pesquisas, em seguida, analisei o desempenho de meninos e meninas nas diferentes disciplinas escolares, logo apresentei as relações entre o rendimento de meninos e meninas problematizando a influência das construções de gênero no ambiente escolar, por fim, discuti a relevância dos fatores sociais e familiares na aprendizagem de alunos e alunas do ensino fundamental.

O principal argumento encontrado nas pesquisas para a diferença de desempenho entre homens e mulheres nos anos iniciais do ensino fundamental foi o melhor comportamento das meninas. As relações de gênero estão presentes, se refletem e são produzidas pela instituição escolar. A escola que temos “pode ser pensada como uma máquina de controle e organização dos corpos, implicada tanto na fabricação do sujeito disciplinar quanto da própria Modernidade” (DINALI; FERRARI, 2012), pensando nesse modelo que busca a obediência e docilidade dos corpos podemos refletir se meninos e meninas são vistos da mesma forma por essa instituição...

A maneira como a criança é educada pela família e suas diversas identidades vão determinar seu comportamento perante a sociedade, a formação que a maioria das meninas tem aponta uma maior afinidade com a escola atual, porém, nem todas as meninas (nem meninos) recebem a mesma educação, portanto não se comportam da mesma maneira, além disso, existem (inclusive na sala de uma das professoras colaboradoras) meninos e meninas com conduta agitada que têm bom rendimento escolar. Assim, o argumento de que meninas têm melhor desempenho por conta do bom comportamento pode ser questionado, até porque existem meninas que não se enquadram no perfil de “boa aluna” e meninos que têm esse perfil.

Existem muitos outros fatores que influenciam no rendimento escolar dentre eles foram destacados pelo grupo de professoras o social e o familiar, segundo as entrevistadas, esses fatores interferem mais na vida acadêmica do que as relações de gênero. Elas defendem que a criança com estímulo familiar e interesse pelos estudos desempenham melhor as atividades escolares independente de ser do sexo feminino ou masculino.

Enfim, o ser humano é constituído de múltiplas identidades “que se transformam, que não são fixas ou permanentes, que podem, até mesmo, ser contraditórias” (Louro 2003, p. 24). As diversas identidades se entrecruzam para formar a personalidade do indivíduo que está sempre em construção. A escola está presente na formação dessa personalidade e influencia na construção do indivíduo, transformando costumes e tomando para si a responsabilidade de modelar o aluno para que ele siga os padrões sociais. Casagrande (2011 p. 35) destaca que:

Pensar a escola como um dos espaços no qual as pessoas constroem as suas identidades é fundamental para a busca pela compreensão de como ocorrem as relações sociais e pessoais na sociedade atual. Desta forma, é importante refletir sobre o papel da escola na construção e manutenção dos padrões e normas estabelecidos pela sociedade. Considera-se que a escola é uma das instituições responsáveis pela educação e pela socialização dos/as jovens, porém não é a única.

134

É preciso refletir sobre o modelo de escola que temos e sobre como podemos trabalhar para que ela esteja atenta às mudanças nas representações de gênero e pronta para problematizar junto aos alunos os estereótipos carregados de preconceitos que eles trazem das suas vivências, evitando, assim discriminações e equívocos no espaço escolar. O primeiro passo é repensar a escola e suas próprias concepções.

REFERÊNCIAS

BRITO, Rosemeire S. Intricada trama de masculinidade e feminilidade: fracasso escolar de meninos. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 36, n. 127, 2006. Disponível em: <www.scielo.br>. Acesso em: 17 nov. 13.

CARVALHO, Marília P. Mau aluno, boa aluna? Como as professoras avaliam meninos e meninas. Revista Estudos Feministas, Porto Alegre, v. 9, n. 2, p. 554-574, 2001.

CASAGRANDE, Lindamir Salete. Entre silenciamentos e invisibilidades: relações de gênero no cotidiano das aulas de matemática. 2011. 255 f. Tese (Doutorado em Tecnologia) – Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Curitiba, 2011.

DAL’IGNA, Maria Cláudia. “Há diferença”? Relações entre desempenho escolar e gênero. 2005. 167 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005.

DINALI, Wescley; FERRARI, Anderson, Herança moderna disciplinar e controle dos corpos: quando a escola se parece com uma “gaiola”. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 28, n. 2, p. 393-422, jun. 2012

LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-estruturalista. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.

LOURO, Guacira L. Conhecer, pesquisar, escrever... Educação, Sociedade e Culturas. Porto, Portugal, v. 1, n. 25, p. 235-245, 2007. (Edições Afrontamento.)

SCOTT, Joan W. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 16, n. 2, jul./dez. 1990.

O PACTO NACIONAL PELA ALFABETIZAÇÃO NA IDADE CERTA NO POLO JUIZ DE FORA:

ALGUNS APONTAMENTOS

Aida do Amaral Antunes1

Luciene Ferreira da Silva Guedes2

RESUMO

O presente trabalho busca traçar um panorama acerca da política de formação continuada de professores no Brasil a partir da década de 1990, a fim de contextualizar o Programa Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) enquanto política de formação continuada de professores estabelecida em âmbito nacional no ano de 2012. A partir de uma pesquisa teórica em documentos oficiais e da análise das avaliações diagnósticas realizadas na rede municipal de 171 cidades mineiras que adotaram o PNAIC no Polo UFJF, buscamos verificar quais diretrizes ético-políticas estão presentes nessa política e discutir seus impactos na formação dos professores alfabetizadores. A perspectiva metodológica do trabalho está fundamentada pelo materialismo histórico dialético, na medida em que partimos de um dado da realidade para cunhar nosso pensamento e produzir o conhecimento. Assim, buscamos enxergar um fenômeno em sua totalidade como síntese de múltiplas determinações. Acreditamos na relevância deste trabalho, uma vez que apresentará contribuições significativas para a ampliação do debate acerca das políticas de formação continuada, sobretudo o PNAIC, assim como os efeitos das avaliações diagnósticas.

Palavras-chave: PNAIC, formação continuada, avaliação diagnóstica.

1 Colégio de Aplicação João XXIII/UFJF. Contato: [email protected] Colégio de Aplicação João XXIII/UFJF. Contato: [email protected]

136

Desde a década de 1990, constatamos que, no Brasil e no mundo, pesquisas no campo da educação (GATTI, 2008; FREITAS 1999, GEWIRTZ, 2002; OLIVEIRA, 2012) vêm sendo divulgadas a fim de analisar a questão da formação continuada de professores a partir das ações implementadas na reestruturação do Estado brasileiro por meio do neoliberalismo da Terceira Via3, que trouxe mudanças significativas para a educação.

Considerada como uma política compensatória com a qual a realidade brasileira vem convivendo há alguns anos, sabemos que, atualmente, a formação continuada de professores resulta de problemas decorrentes da má formação inicial destes profissionais, além da busca pelo aumento da escolarização da população brasileira, tendo em vista o desenvolvimento social, político e econômico do país e a sua inserção na divisão internacional do trabalho. (OLIVEIRA, 2012).

No entanto, a formação continuada de professores nem sempre teve em seus princípios o caráter compensatório e a responsabilização individual do professor pelo fracasso escolar do aluno. Na verdade, quando o debate a respeito da formação continuada foi instituído no Brasil, ele estabelecia que esta formação deveria ser a ampliação da formação inicial, buscando o aperfeiçoamento profissional teórico e prático dos docentes, visando a valorização do magistério. De acordo com Freitas (1999), a formação continuada de professores deveria ser entendida como:

Continuidade da formação profissional, proporcionando novas reflexões sobre a ação profissional e novos meios para desenvolver e aprimorar o trabalho pedagógico; um processo de construção permanente do conhecimento e desenvolvimento profissional, a partir da formação inicial e vista como uma proposta mais ampla (FREITAS, 1999, p. 14).

Entretanto, a pesquisadora aponta que nas políticas educacionais atuais a formação passa a ser entendida como um direito do Estado e um dever dos professores (FREITAS, 1999). Os estudos de Gatti (2008) apontam que, nos últimos anos do século XX, o discurso da atualização constante entra em vigor, e a formação continuada passa a ser definida como aprofundamento e avanço nas formações dos profissionais. Assim, observamos a criação de políticas para responder às demandas educacionais da sociedade brasileira, que decorrem das mudanças nos conhecimentos, nas tecnologias e no mundo do trabalho.

Face ao exposto, apresentamos o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) como uma política pública de formação de professores desenvolvida em âmbito federal. Trata-se de um compromisso formal assumido entre os governos federal, estaduais e municipais no ano de 2012, que tem por objetivo assegurar a alfabetização em Língua Portuguesa e em Matemática de todas as crianças brasileiras até os oito anos de idade, ao final do 3º ano do ensino fundamental (BRASIL, 2012, p. 11).

As ações do “Pacto” são um conjunto integrado de programas, materiais e referências curriculares e pedagógicas que são disponibilizados pelo Ministério da Educação e que contribuem para a alfabetização e o letramento, tendo como eixo principal a formação continuada dos professores alfabetizadores.

3 O neoliberalismo da Terceira Via surge perante os novos desafios que a sociedade enfrenta, sobretudo aqueles relacionados com a global-ização, redefinindo o padrão de sociabilidade do país no início da década de 1990 e surgindo como uma nova forma política pragmática. Trata-se de um pensamento vigente na política atual e que influencia e reformula todos os setores da sociedade. Por meio desta corrente, a responsabilidade pela execução das políticas sociais passa a ser um compromisso da sociedade.

137

A Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) firmou acordo com o PNAIC e desde outubro de 2012 assumiu a responsabilidade de conduzir a Formação Continuada de Professores Alfabetizadores de 171 municípios do estado de Minas Gerais.

Nesse contexto, a partir dos eixos “Formação Continuada de Professores Alfabetizadores” e “Avaliações” do PNAIC, este trabalho procura responder às seguintes questões: quais diretrizes ético-políticas subjazem à proposta do PNAIC? O que dizem os dados das avaliações diagnósticas dos alunos do 1º ao 3º ano da rede municipal das 171 cidades de Minas Gerais que adotaram o PNAIC? Quais são os possíveis impactos dessa formação na rotina do trabalho pedagógico do professor? Definida essa problemática, buscaremos traçar um panorama acerca das políticas públicas de formação continuada de professores no Brasil a partir da década de 1990; contextualizar o PNAIC; apresentar os dados da avaliação diagnóstica no início e fim da formação do PNAIC no Polo UFJF 2013 e analisá-los.

A perspectiva metodológica deste trabalho fundamenta-se no materialismo histórico dialético. Assim, partimos de um dado da realidade para cunhar nosso pensamento e produzir o conhecimento, ou seja, buscamos enxergar um fenômeno em sua totalidade como síntese de múltiplas determinações. A totalidade, entretanto, não significa algo estanque ou apriorístico, mas refere-se à realidade como um todo estruturado, sendo assim, é influenciada pelo momento histórico, econômico, social e cultural. Além disso, conforme Minayo (2002), partimos do princípio de que o

ciclo de pesquisa refere-se a um peculiar processo de trabalho em espiral que começa com uma pergunta e termina com uma resposta ou produto que, por sua vez, dá origem a novas interrogações (MINAYO, 2002, p. 26).

Nesse sentido, desenvolvemos este trabalho partindo de diferentes momentos, no entanto, todos eles estão articulados e são complementares uns aos outros. Na fase exploratória da pesquisa, retomamos alguns documentos de caráter mais geral sobre a formação continuada de professores. Além disso, são feitas leituras de textos que permitem a construção do marco teórico conceitual que fundamenta nosso trabalho. Na etapa do trabalho de campo/coleta de dados realizamos uma pesquisa nos documentos disponibilizados pelo Ministério da Educação (MEC) com vistas à formação dos alfabetizadores e também nos dados das avaliações diagnósticas que foram realizadas no curso de formação do PNAIC na UFJF, a fim de compreender as concepções ético-políticas que fundamentaram a proposição e implementação do PNAIC e seus desdobramentos. Por fim, analisamos o material recolhido a partir do referencial teórico da pesquisa, com o intuito de responder às questões e objetivos traçados a priori.

A formação no PNAIC acontece da seguinte maneira: as Instituições de Ensino Superior (IES) são responsáveis pelo conteúdo da formação, que selecionam e preparam seu grupo de formadores, que, por sua vez, terão a responsabilidade de formar os Orientadores de Estudo (OEs), que recebem a formação nas IES e repassam e conduzem as atividades de formação junto aos Professores Alfabetizadores (PAs) em seus respectivos municípios. Assim, é possível observar que a formação do PNAIC apresenta as características de “cascata” definida por Gatti e Barreto, uma vez que “um primeiro grupo de profissionais é capacitado e transforma-se em capacitador de um novo grupo, que por sua vez capacita um grupo seguinte” (2009, p. 202).

Dentre as atividades propostas pelo PNAIC para cumprimento de seus objetivos, em 2013 o Polo UFJF orientou seus cursistas a aplicarem uma avaliação diagnóstica com o objetivo de

138

avaliar o nível da escrita dos alunos do 1º ao 3º ano dos 171 municípios mineiros pertencentes ao polo. Deste modo, os PAs aplicaram um ditado com os alunos em dois momentos distintos: março e dezembro de 2013, para que fosse possível perceber a evolução da escrita espontânea desses alunos.

Após esta etapa, os dados decorrentes do ditado foram enviados à UFJF e foram por nós sistematizados conforme mostram os gráficos a seguir:

139

Em uma análise preliminar, é possível perceber o grande salto dos níveis da escrita dos alunos, que apontam o cumprimento do objetivo do PNAIC, qual seja, alfabetizar todos os alunos ao final do 3º ano. No entanto, acreditamos que os dados apresentados podem ser questionados, na medida em que, ao avaliar seus alunos, os PAs estão, de certa forma, sendo também avaliados. Consequentemente, esses professores são culpabilizados pelo fracasso ou sucesso de seus alunos. Deste modo, é possível afirmar que a orientação política e ideológica que rege o PNAIC está em consonância com os preceitos hegemônicos da Terceira Via, uma vez que assinalam que, a partir das avaliações, o professor deve direcionar seu trabalho para alcançar as metas de aprendizagem, assegurando a plena alfabetização de todas as crianças em tempo oportuno.

REFERÊNCIAS

BRASIL. MEC. Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa: o Brasil do futuro com o começo que ele merece. Brasília, 2012.

_____. Documento Orientador Pacto 2014. Coordenação de Formação Continuada de Professores. DAGE/SEB/MEC. Brasília, 2014.

FREITAS, H. C. L. de. Formação de professores no Brasil: 10 anos de embate entre projetos de formação. Revista Educ. Soc., Campinas, v. 23, n. 80, p. 136-167, set. 2002. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/es/v23n80/12928.pdf>. Acesso em 15 jul. 2014.

GATTI, B. A. Análise das políticas públicas para formação continuada no Brasil, na última década. Revista Brasileira de Educação, v. 13 n. 37, jan./abr. 2008.

_____. Formação plena para os professores. Revista Difusão de Ideias, Fundação Carlos Chagas, dez. 2006. (Entrevista concedida à Folha Dirigida em outubro de 2004 à Ana Paula Novaes.)

GEWIRTZ, S. Alcançando o sucesso? Reflexões críticas sobre a agenda para a educação da “Terceira Via” do New Labour. In ENCONTRO INTERNACIONAL - POLÍTICAS EDUCATIVAS E CURRICULARES “Promoção do Centro de Formação das Escolas do Concelho de Valongo”. 2002, Portugal. Anais... (Apoio da revista Currículo sem Fronteiras Ermesinde.)

MEDEIROS, M. D.; OLIVEIRA, D. M. de. Políticas públicas de formação de professores: apontamentos a partir do estudo comparativo dos programas “No Child Left Behind”, “Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa” e “Alfabetização no Tempo Certo”. In ENCONTRO BRASILEIRO DA REDE ESTRADO. 7. Vitória, 2013. Anais…

MINAYO, M. C. de S. (Org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes, 2002.

OLIVEIRA, D. M. de. Formação continuada de professores: contribuições para o debate. Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2012.

REFORÇO ESCOLAR NO PROJETO DE EXTENSÃO E INCLUSÃO SOCIAL DAS PERIFERIAS JUIZ-

FORANAS:EXPERIÊNCIAS EDUCACIONAIS NA FORMAÇÃO

INICIAL DAS LICENCIATURAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA

Cátia Pereira Duarte1 Dinah Vasconcellos Terra2

Warley Almeida Silva3

RESUMO

A partir de diferentes trabalhos realizados sobre saberes docentes no grupo de pesquisa do Departamento de Educação Física do C. A. João XXIII/ UFJF, este texto trata das experiências educacionais de reforço escolar de graduandos de diferentes licenciaturas no projeto de extensão e inclusão social das periferias de Juiz de Fora. Com o objetivo de contribuir e ampliar a discussão das questões que estão presentes na formação inicial de professores, discutir-se-á sobre algumas categorias encontradas nas entrevistas com os graduandos, primeiro instrumento de uma pesquisa-ação.

Palavras-chave: Extensão. Formação inicial das licenciaturas.

1 Profa. Dra. do Colégio de Aplicação João XXIII da UFJF. Vice-líder do Grupo de Estudo e Pesquisa Práticas Escolares e Educação Física. Contato: [email protected]

2 Profa. Dra. do Instituto de Educação Física da UFF. Líder do Grupo Educação Física Escolar e Formação Profissional. Contato: [email protected]

3 Bolsista PROBIC-JR/FAPEMIG/UFJF.

142

INTRODUÇÃO

Este trabalho parte de análises de diferentes trabalhos realizados sobre saberes docentes no grupo de estudo e pesquisa do Departamento de Educação Física do C. A. João XXIII/ UFJF. Em vários momentos, percebeu-se que a organização das ações didáticas tinha, como parâmetro forte, uma experiência dos professores da escola em relacionar diferentes saberes no processo de ensino e aprendizagem. No entanto, nem tudo que estava escrito, ou era resultado de pesquisa, ou era combinado em reuniões de departamento, transformava-se em prática4.

Desenvolvendo um projeto de extensão e inclusão social por meio de atividades recreativas e esportivas das periferias juizforanas em vários pólos da cidade desde 2006, percebeu-se que a comunidade adolescente sinalizava um desejo de continuidade de estudos para superar suas dificuldades diárias de compreensão e interpretação do mundo. Paralelamente, os graduandos, quando faziam trabalhos no colégio de aplicação, comentavam que se sentiam inseguros para trabalhar se participassem de projetos de reforço; e os professores da escola desejavam testar as experiências e avaliar as contribuições didáticas em diferentes espaços para discutir a formação inicial na universidade.

A partir da noção de que a experiência é, ao mesmo tempo, ação e o recuo em relação a essa ação (DUBET, 1994), desde 2011 acrescentou-se aos objetivos do projeto de extensão o reforço escolar de Educação Física5, Física6, Química7, Matemática8, Inglês9, Espanhol10 e Informática11 para alunos do ensino médio que prestariam o Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM)12. Com a iniciativa, cerca de 50% dos alunos matriculados no projeto foram aprovados na UFJF em 2013.

OBJETIVOS

Este projeto pretende contribuir e ampliar a discussão das questões que estão presentes na formação inicial de professores, possibilitando problematizar os saberes didáticos que a docência exige, mas nem sempre são contemplados na formação universitária.

METODOLOGIA

Pesquisa-ação (TRIPP, 2005) com bolsistas do projeto de extensão e inclusão social das periferias juiz-foranas. A partir desta investigação inicial que permitirá a construção de hipóteses, estruturaremos o plano de intervenção ou pontos de observação, entrevista com os orientadores e comunidade, que gerarão a leitura do estado da arte do trabalho mais amplo.

4 Lacanallo et al. (2009) demonstrou que apenas 4% dos trabalhos do Endipe de 2004 e 2006 apresentavam orientações metodológicas ou sistematizações para a ação docente.

5 Graduando de Educação Física.6 Graduando de Física.7 Em processo de seleção, não garantimos que o bolsista seja de Química.8 Em processo de seleção, não garantimos que o bolsista seja de Matemática.9 Graduanda de Engenharia de Produção.10 Em processo de seleção, não garantimos que o bolsista seja de Letras.11 Graduando de Letras.12 Segundo Chik (2000), com projetos de “ciência posta em prática”, “método da redescoberta” e “método de projetos”, tenta-se tornar

os sujeitos mais críticos, no entanto, ainda encontra-se um ensino pouco interado socialmente, com aulas divertidas que não levam à formulação de conceitos.

143

REFERENCIAL TEÓRICO E ANÁLISE DOS DADOS

A partir das análises das entrevistas se percebe que as expectativas em relação ao curso e de aproveitamento dos saberes no projeto; a forma como assimilam os saberes didáticos dos seus orientadores; e, a forma como transformam as experiências em trabalho concreto, torna-se uma experiência educacional fundamental para formação para a docência.

Em relação às expectativas do curso, a maioria dos bolsistas é representada neste fragmento: Gosto de coisas práticas, jogar bola, fazer lutas (...), no entanto, não consigo relacionar a demanda do projeto com o que preciso saber (graduando que trabalha Educação Física). A partir deste perfil, o foco parece estar em buscar experiências para retomar os próprios interesses. No entanto, quando o bolsista comenta que: Com formação inicial no curso técnico, pude ter contato com experiências de monitorias que hoje colaboram com o projeto (graduando que trabalha Física), deduz-se que as próprias experiências de vida podem estimular acadêmicos e que a experiência exigirá mais do que saberes da formação inicial, concordando com Tardif (2002) quando este afirma que a natureza dos saberes é plural.

A respeito da forma como assimilam os saberes didáticos de seus orientadores, os bolsistas são representados nos fragmentos: O curso mantém essa história de licenciatura porque fica chato tirar (...). Minha orientadora levanta temas, sugere atividades para o grupo específico, pede pra eu ler algumas coisas e corrige as propostas (graduando de Educação Física); Minha orientadora amplia minha criatividade e senso crítico com textos didáticos para a escrita e leitura da língua inglesa, às vezes dá certo, às vezes não (graduanda que trabalha Inglês)13. Segundo Shulman (1986), o corpus de conhecimentos dos professores, em qualquer fase da carreira, deve apresentar uma base de compreensões, conhecimentos, habilidades e disposições, além de ser capaz de analisar e refletir sobre a própria prática, realizando um ensino voltado para os alunos e suas necessidades. Se realmente é assim, os professores do colégio estão inteirados não somente do que seus estagiários necessitam, mas estão articulados ao que a sociedade do local de ensino precisa.

Em relação à forma como os bolsistas transformam as experiências em trabalho concreto, os bolsistas variam suas opiniões: Não organizo meu material a partir de nada além das orientações (graduando que trabalha Educação Física)14; Os materiais eram direcionados para a idade dos alunos e os interesses discutidos em sala (graduanda que trabalha Inglês); A partir das pesquisas, posso melhorar a qualidade das minhas aulas, bem como modificar a forma pela qual devo passar os conteúdos (graduando que trabalha Informática); A organização das aulas é baseada fundamentalmente na demanda da comunidade (...). Além disso, toda semana faço um relatório para descrever o que foi feito, com espaço para dúvidas (graduando que trabalha Física). Embora as interações entre os bolsistas e os orientadores sejam diferentes, há um cuidado com os sujeitos, confirmando a necessidade de relação entre prontidão para aprender, orientação para aprendizagem e motivação para aprender, tal qual indica Knowles (1984 apud RINALDI et al., 2008).

13 Rinaldi et al. (2008) parafraseia outros autores, salientando que a escola ainda explora pouco a criação de escrita e insiste numa escrita instrumental e esvaziada de sentido. Como a língua portuguesa ainda não tem frente de ensino e aprendizagem porque não se tem bolsista, não sabemos se há domínio da língua materna para comparar se os dilemas na área das Linguagens são perpetuados.

14 O graduando passou suas responsabilidades para o orientador, não compreendendo que é fundamental uma reflexão sobre o ensino utilizado na extensão.

144

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A partir destas reflexões, é preciso aproximação entre os diferentes segmentos da universidade, pois mesmo com interesses diferenciados, com recursos escassos e perspectivas limitadas, sem isso, não surgirão questões valorativas que estimulem a comunidade escolar a redefinir o papel da escola frente à sociedade.

Se o campo está em crise, que esta seja vista como parte de um processo mais amplo de mudança. Em projetos como este de reforço escolar, será necessário ouvir os sujeitos e debater tais ponderações no local e na universidade como um todo, pois os saberes não devem ser para eles, e sim construídos com eles.

Os alunos da graduação necessitam se tornar alunos – professores-reflexivos para vencer suas próprias vulnerabilidades. Para tanto, programas de formação necessitam fazer os licenciandos levarem a sério o papel do intelectual que trabalha em benefício de uma visão crítica e independente dos sujeitos sociais.

Por fim, espera-se que os professores orientadores no projeto, mesmo que não desejem forjar o pesquisador profissional, intervenham no sentido de capacitar seus bolsistas para lidar com pesquisa. Para renovar permanentemente a profissão, devem-se aproximar realidades diferentes do tempo e espaço acadêmicos, pois este é o principal objetivo de uma universidade pública, gratuita e de qualidade.

REFERÊNCIAS

CHIK, M. K. Reformas e realidade: o caso do ensino das ciências. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 14, n. 1, jan./mar. 2000. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010288392000000100010&script=sciarttext&tlng=es>. Acesso em 19 abr. 2014.

DUBET, François. Sociologie de l’expérience. Paris: Seuil, 1994.

LACANALLO, L. F.; OLIVEIRA, D. E. M. B.; GASPARIN, J. L.; MORI, N. N. R. A didática na perspectiva histórico-cultural: uma análise dos Endipes 2004 e 2006. Ciências Humanas, Ciências Sociais aplicadas, Linguagens, Letras e Artes, Ponta Grossa, ano 17, n. 1, p. 69-76, jul. 2009. Disponível em <http://www.revistas2.uepg.br/index.php/humanas/article/viewFile/1661/1267>. Acesso em 19 abr. 2014.

RINALDI, R. P.; REALI, A. M. M. R. Linguagens em educação e formação inicial de professores: uma intersecção possível. Educação em Revista, Marília, v. 9, n. 1, p. 109-120, jan.-jun. 2008. Disponível em <http://www2.marilia.unesp.br/revistas/index.php/educacaoemrevista/article/viewFile/629/512>. Acesso em 19 abr. 2014.

SCHULMAN, L. S. Those who understand: knowledge growth. Teaching Educational Researcher, n. 2, v. 15, p. 4-14, fev. 1986.

SILVA, T. T. da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.

145

TARDIF, M. Os professores diante do saber: esboço de uma problemática do saber docente. In Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 31-55.

TRIPP, D. Pesquisa-ação: uma introdução metodológica. São Paulo: Educação e Pesquisa, v. 31, n. 3, p. 443-466, set./dez. 2005.

INCLUSÃO ESCOLAR:REFLEXÃO SOBRE A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Juliana Aparecida Oliveira de Almeida¹Vânia Fernandes e Silva²

RESUMO

Este artigo objetiva refletir sobre a formação de professores para atenderem as necessidades educacionais de alunos com deficiência, a fim de que seja proporcionado a estes alunos um ensino eficaz. Para isso, realizou-se uma pesquisa bibliográfica com o propósito de fazer um levantamento e um estudo sobre autores cuja contribuição para essa área é reconhecida, abordando os seguintes itens: (I) aspectos da inclusão escolar de alunos com deficiência; (II) transformações necessárias para que a inclusão escolar se efetive; (III) importância da formação docente para que estes possam atender às peculiaridades apresentadas pelos alunos com deficiência. Conclui-se que o professor deve analisar e refletir sobre seus acertos e erros e modificar o que for necessário, cabendo à escola se reestruturar para atender às necessidades de seus alunos, respeitando e acolhendo a todos.

Palavras-chave: Inclusão escolar. Formação docente.

148

INTRODUÇÃO

O aluno com deficiência deve ser visto como uma pessoa detentora do direito à educação. Neste sentido, ao analisarmos as orientações para a educação inclusiva percebemos que esta implica em um ensino adaptado às diferenças e às necessidades individuais.

A abordagem inclusiva constitui-se como uma realidade em nossas escolas e, sendo assim, precisamos responder com novas propostas, que demonstrem nossa capacidade de nos mobilizarmos para por fim a todos os argumentos que pretendem justificar a nossa incapacidade de fazer jus ao que esses alunos merecem: uma escola que ofereça a eles o direito de aprender.

No entanto, a inclusão de alunos com deficiência tem encontrado dificuldades, principalmente, em virtude da falta de formação dos professores das classes regulares para atender às necessidades educacionais especiais.

Assim é inegável a necessidade de uma formação de professores que atenda aos desafios impostos pelo paradigma da inclusão, na qual o profissional em formação deve ser capacitado a saber mobilizar seus conhecimentos, articulando-os mediante ação e reflexão sobre a teoria relacionada a sua prática

Diante disso, torna-se urgente propiciar a conscientização da importância da capacitação desses profissionais, a fim de atender às peculiaridades apresentadas pelos alunos e para que a falta de capacitação destes não continue sendo justificativa para escaparmos de uma inclusão efetiva.

O professor precisa estar preparado, para atuar junto aos alunos com deficiência, a fim de que seja capaz de adaptar o seu trabalho, pois de acordo com Prado e Freire (2001, p. 5) cabe

(...) a ele, a partir de observações criteriosas, ajustar suas intervenções pedagógicas ao processo de aprendizagem dos diferentes alunos, de modo que lhes possibilite um ganho significativo do ponto de vista educacional, efetivo e sociocultural (PRADO; FREIRE, 2001, p. 5).

Sendo assim, a relevância deste trabalho encontra-se na tentativa de propiciar aos professores subsídios para a reflexão sobre o tema, identificando-o como atual e necessário para agirem adequadamente.

O presente estudo, que se trata de uma pesquisa bibliográfica, tem por objetivo geral refletir sobre o processo de inclusão escolar de alunos com deficiência e por objetivo específico identificar a importância da formação docente para a efetivação da inclusão escolar desses alunos.

INCLUSÃO ESCOLAR E FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Faz-se necessário aqui delimitarmos sobre qual tipo de inclusão pretendemos falar, na medida em que, a utilização do termo alunos com necessidades especiais pode abranger um objeto de estudo mais amplo do que aquele que pretendemos analisar. O aluno, objeto da inclusão a qual nos referimos, pertence ao nosso estudo pelo fato de ser ele um deficiente, e não somente em virtude de uma dificuldade de aprendizagem.

A inclusão escolar, de acordo com Sassaki (1997, p. 18),

(...) é vista como a melhor alternativa para os alunos segregados da escola regular, já que ela representa um passo muito concreto e manejável que pode ser dado em nossos

149

sistemas escolares para assegurar que todos os estudantes comecem a aprender que pertencer é um direito e não um status privilegiado que deva ser conquistado.

Tomando como base a citação anterior, é possível afirmar que cabe a escola contribuir para que cada indivíduo possa aprender e compreender o mundo que o cerca, para viver com dignidade, desenvolver suas capacidades profissionais e comunicar-se com os demais.

Para que se alcance o ideal de uma educação eficaz para todos, as escolas devem atender as necessidades de todos os alunos. Trata-se de um grande desafio, qual seja: estabelecer os alicerces para que a escola possa educar com êxito a diversidade de seu alunado. Tal tarefa não é fácil de se realizar e não existe uma fórmula pronta. Neste sentido Mantoan (2006, p. 47) nos auxilia ao esclarecer que

A inclusão não prevê o uso de práticas de ensino escolar específicas para esta ou aquela deficiência e / ou dificuldade de aprender.os alunos aprendem nos seus limites, e se o ensino for de fato de boa qualidade, o professor levará em conta esses limites e explorará convenientemente as possibilidades de cada um. Não se trata de uma aceitação passiva do desempenho escolar, e sim de agirmos com realismo, coerência e admitirmos que as escolas existem para formar as novas gerações, e não apenas alguns de seus membros, os mais capacitados e privilegiados.

Percebemos, assim, que a inclusão exige da escola novos posicionamentos que compreendem um esforço de reestruturação para que o ensino seja adaptado e para que os professores se aperfeiçoem, adequando as ações pedagógicas à diversidade dos alunos. Isto implica em mudanças na escola, como instituição educacional para todos.

Novamente Mantoan (2006, p. 41-42) nos auxilia ao alertar para o fato de que

Mudar a escola é enfrentar muitas frentes de trabalho, cujas tarefas fundamentais a meu ver são as que seguem: recriar o modelo educativo escolar, tendo como eixo o ensino para todos; reorganizar pedagogicamente as escolas, abrindo espaços para a cooperação, o diálogo, a solidariedade, a criatividade e o espírito crítico entre os professores, administradores, funcionários e alunos, porque são habilidades mínimas para o exercício da verdadeira cidadania; garantir aos alunos tempo e liberdade para aprender, bem como um ensino que não segregue e que reprove a repetência.; formar, aprimorar continuamente e valorizar o professor, para que tenha condições e estímulo para ensinar a turma toda, sem exclusões e exceções.

Neste sentido, os alunos com deficiência são estudantes que forçam a escola a romper com o paradigma da escolarização tradicional e a obrigam a buscar novas formas de ensinar.

Isto posto, os atuais desafios da educação inclusiva brasileira permeiam o desafio de desenvolver instrumentos de monitoramente sistemático, realização de pesquisas quantitativas e qualitativas que possam evidenciar os programas implantados e identificar as experiências de sucesso e a implantação de uma política de capacitação docente dentro das realidades das escolas. (GLAT et al., 2003)

É evidente a necessidade de que os educadores e os sistemas educativos transformem suas concepções e suas práticas, de modo a atender a todos os alunos. Trata-se, sem dúvida, de uma proposta de cunho democrático, na medida em que, a escola organizada como está produz a exclusão, uma vez que, o currículo pouco abre espaço para os talentos das crianças e quem não acompanha os conteúdos está fadado ao fracasso.

150

Para que a inclusão se efetue não basta que este direito esteja garantido pela legislação, mas são necessárias modificações profundas no sistema de ensino, tais como, a implementação de alternativas educacionais adaptadas aos alunos com deficiência e, principalmente, no que se refere a uma formação docente teórica sólida, que possibilite ao professor compreender e auxiliar as crianças com deficiência, que foram incorporadas nas redes regulares de ensino (BUENO, 1999).

Diante desta difícil tarefa, encontram-se os profissionais da educação. A eles cabe operacionalizar as reformas educacionais propostas pelo governo. Sendo assim, faz-se necessário analisar as metodologias, atitudes e procedimentos dos professores, o que conduz à questão da capacitação.

A formação de um professor implica busca de novos conhecimentos, utilizando recursos tecnológicos nas atividades em sala de aula, bem como, ter uma formação continuada, capaz de valorizar a interação e a aprendizagem colaborativa, refletir criticamente e valorizar a prática pedagógica docente como fonte de reflexões, de pesquisa e de conhecimento. (MERCATO, 1999)

O professor que potencializa efetivamente a aprendizagem dos seus alunos é aquele que age de forma crítica e reflexiva, tanto em relação a ele mesmo quanto ao contexto social em que está inserido. Para tanto, este deve aprender, entender e respeitar as diferenças existentes, assumir posturas participativas, criativas e que fortaleçam o diálogo e a democracia. (ALARCÃO, 2001)

Uma formação adequada deve proporcionar ao professor conhecimentos amplos que o permitam planejar, executar e avaliar situações de ensino que atendam as necessidades específicas de seus alunos com deficiência, na medida em que estes requerem criterioso uso de recursos especiais e adaptações individuais. (MAZZOTA, 1996)

Enfim, precisamos urgentemente modificar nossas práticas educacionais, planejando aulas mais dinâmicas e participativas, buscando estratégias para tornar o conteúdo curricular efetivamente acessível a todos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Creditar a responsabilidade pelo sucesso do processo de inclusão somente aos profissionais da educação seria desconsiderar uma série de questões importantes. É preciso admitir que a escola também tem suas “necessidades educativas especiais”, pois precisa “aprender” a lidar com uma nova demanda. Assim, é imprescindível planejar a escola para atender às diferentes modalidades de vida e aprendizagem, colaborando para a formação de um cidadão.

Cabe ressaltar que, “inclusão não significa simplesmente matricular os educandos com necessidades especiais na classe comum, ignorando suas necessidades específicas, mas significa dar ao professor e à escola o suporte necessário à sua ação pedagógica” (MEC-SEESP, 1998).

Na maioria das vezes, a inclusão encontra dificuldade em atender as diferenças individuais de cada aluno. Ocorre que a escola justa e desejável não se sustenta unicamente no fato dos homens serem iguais e nascerem iguais. Temos que considerar essas diferenças.

Para que isso se torne realidade em cada sala de aula precisamos encontrar também apoio e parcerias para concretizar efetivamente a inclusão de alunos deficientes. Uma equipe multidisciplinar deve acompanhar o processo, sendo que esta equipe deve estar preparada com habilidades e conhecimentos técnicos. Isolados, esses profissionais podem significar pouco, mas

151

reunidos podem significar, principalmente, o redimensionamento das potencialidades do aluno através da elaboração de soluções ativas baseadas nas suas limitações, proporcionando a este estar inserido efetivamente na sociedade, mesmo sendo diferente. (AMARAL, 1994)

Conclui-se, enfim, que não existem manuais ou regras que possam ser transmitidas e conduzidas por formadores para o trabalho com esses alunos, na medida em que nossa profissional se baseia na relação com o outro, com um indivíduo repleto de singularidades, o que o torna único.

Neste sentido cabe ao professor, a partir de um respaldo teórico, analisar e refletir sobre seus acertos e erros e modificar o que for necessário, avaliando essas modificações e mudando novamente se preciso for, uma vez que, as respostas só serão percebidas no cotidiano da sala de aula.

REFERÊNCIAS

ALARCÃO, Isabel. Professores reflexivos em uma escola reflexiva. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2011.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Especial. Brasília, 1998.

BUENO, José G. S. Crianças com necessidades educativas especiais, política educacional e a formação de professores: generalistas ou especialistas? Revista Brasileira de Educação, n. 5 set. 1999, p. 7-23. (Especial)

GLATT, R.; FERREIRA, J. R.; OLIVEIRA, E. da S.; SENNA, L. A. G. Panorama Nacional da Educação Inclusiva no Brasil. Relatório de Consultoria Técnica. Banco Mundial, 2003. Disponível em: <www.cnotinfor.pt/projectos/worldbak/inclusiva>. Acesso em 30 jul. 2014.

GLAT, R.; NOGUEIRA, M. L. L. Políticas educacionais e formação de professores para a educação inclusiva no Brasil. In Revista Integração. Brasília: Ministério da Educação/Secretaria de Educação Especial, ano 14, n. 24, 2002.

MANTOAN, Maria Teresa Eglér. Inclusão escolar: O que é? Por quê? Como fazer? São Paulo: Moderna, 2006.

MAZZOTA, M. J. da S. Educação especial no Brasil: história e políticas públicas. São Paulo: Cortez, 1996.

MERCADO, L. P. L. Formação continuada de professores e as novas tecnologias. Maceió: Edufal, 1999.

PRADO, M. E. B. B.; FREIRE, F. M. P. A formação em serviço visando a reconstrução da prática educacional. In FREIRE, F. M. P.; VALENTE, A. (Orgs). Aprendendo para a vida: os computadores na sala de aula. São Paulo: Cortez, 2001.

SASSAKI, R. K. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA, 1997.

O LABORATÓRIO DE INFORMÁTICA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL:

REFLEXÕES SOBRE SEU USO

Taiza Marcello Araripe1

Andréia Alvim Bellotti Feital2

RESUMO

O presente trabalho realizou um levantamento bibliográfico acerca das pesquisas sobre o uso que os professores dos anos iniciais do ensino fundamental fazem dos laboratórios de informática das escolas. Como instrumento metodológico de pesquisa, utilizamos o levantamento bibliográfico e a abordagem utilizada foi a histórico-cultural. Para análise de dados foram construídas tabelas e os resultados preliminares apontam para a subutilização dos espaços dos laboratórios das escolas e incipiente formação de professores para o uso das TIC.

Palavras-chave: Laboratório de informática. TIC. Ensino-aprendizagem.

1 Aluna do Programa de Especialização no Ensino Fundamental do Colégio de Aplicação João XXIII, UFJF. 2 Professora do Colégio de Aplicação João XXIII, UFJF. Doutoranda em Educação, UCP.

154

INTRODUÇÃO, JUSTIFICATIVA E OBJETIVO

A construção deste trabalho justifica-se pelo entrelaçamento de minha vida pessoal e acadêmica. Também refrata as relações oportunizadas pelas leituras, e discussões partilhadas. Entrelaçamento este que compõem um emaranhado de ideias, que precisam ser organizadas para culminarem pensamentos, posicionamentos. Estes últimos produzidos de forma a representar o lugar que historicamente ocupo. Nada que faço hoje, deixou de estar impregnado pelas diversas vozes dos outros que me constituem.

Como bolsista3 de Iniciação Científica do Grupo LIC, participei de trabalhos de campo como co-pesquisadora, auxiliando na produção de dados de pesquisas. E o envolvimento com a temática das TIC (Tecnologias de Informação e Comunicação) na Educação culminou na produção de um TCC, intitulado As TIC e formação de professores – um desafio contemporâneo, orientando-me também com relação ao presente estudo.

A sociedade atual vive momentos de mudanças com relação aos avanços tecnológicos. A inclusão digital vem sendo posta como um recurso também a serviço da educação, impulsionando pesquisas em torno da inserção das TIC na escola. Emerge, nesse contexto, o laboratório de informática como um espaço destinado ao trabalho com essas no processo de ensino-aprendizagem. O objetivo deste trabalho é então, realizar um levantamento bibliográfico acerca das pesquisas que discutem sobre o uso que os professores dos anos iniciais do ensino fundamental fazem dos laboratórios de informática das escolas, buscando a resposta da questão: quais os usos do computador-internet pelos professores dos anos iniciais do ensino fundamental, nos laboratórios de informática das escolas?

PROCESSO METODOLÓGICO: UMA BUSCA HISTÓRICA, O PONTO DE PARTIDA

Para o desenvolvimento deste trabalho realizo um levantamento bibliográfico com vista a conhecer as produções acadêmicas sobre o assunto, bem como os questionamentos que suscitam outras pesquisas. A perspectiva histórico-cultural orienta este percurso.

A revisão bibliográfica foi o momento de conhecer os trabalhos já publicados acerca do assunto e como os mesmos foram desenvolvidos, seus propósitos e resultados.

Segundo Duarte (2002),

se nossas conclusões somente são possíveis em razão dos instrumentos que utilizamos e da interpretação dos resultados a que o uso dos instrumentos permite chegar, relatar procedimentos de pesquisa, mais do que cumprir uma formalidade, oferece a outros a possibilidade de refazer o caminho e, desse modo, avaliar com mais segurança as afirmações que fazemos (DUARTE, 2002, p. 2).

Foram escolhidos dois locus de pesquisa, o Banco de Teses e Dissertações do Portal da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e o site da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd). Optei por um recorte temporal de cinco anos, de 2009 a 2013, inclusive.

Para os critérios de análise no Portal CAPES, realizei a busca avançada com as palavras-chave: laboratório de informática, TIC e ensino-aprendizagem e posterior análise dos títulos dos

3 Bolsista de Iniciação Científica IC/CNPq.

155

trabalhos; e nos sites dos eventos da ANPEd analisei os títulos e posterior leitura dos resumos e trabalhos na íntegra. Nesses dois momentos utilizei o procedimento de inclusão/exclusão de acordo com o objeto pretendido.

Iniciando a pesquisa no Banco de Teses e Dissertações da CAPES encontrei, em um primeiro momento, 84 registros, em 25 áreas de conhecimento, representados no Gráfico 1.

Gráfico 1

As áreas, abaixo representadas no Gráfico 2, foram destacadas para a segunda etapa de refinamento da busca, na qual, seguindo também o propósito da inclusão/exclusão efetuei leitura dos resumos e dos textos na íntegra para ir de encontro a seis trabalhos que culminavam com meu objetivo.

Gráfico 2

156

Os resultados finais, selecionados no portal CAPES, foram: uma tese – Gloria (2011) – e cinco dissertações – Alburquerque (2011); Matos (2012); Gaspar (2012); Cavichioli (2011); e Alcantara (2012). Somando assim, seis pesquisas.

No segundo locus de pesquisa – Reunião Anual da ANPEd – os trabalhos selecionados foram obtidos através dos sites dos eventos realizados, também seguindo o mesmo recorte temporal anteriormente citado. A busca atentou-se para os trabalhos publicados nos Grupos de Trabalho (GT) números 08, 12, 16, 20 (Formação de Professores, Currículo, Educação e Comunicação e Psicologia da Educação, respectivamente). Ao final do refinamento da busca, através dos mesmos processos anteriormente citados, chegamos a quatro trabalhos, conforme tabela abaixo.

Tabela 1

GT Nº de Trabalhos ANO

08 01 2010

1601 200901 201001 2013

Com a busca nos dois locus citados, totalizo dez trabalhos (uma tese, cinco dissertações

e quatro artigos). Para relações de análise utilizo, baseando-me em Lüdke e André (1986), de tabelas previamente planejadas, que vêm contribuindo com o processo de construção de categorias.

RESULTADOS PRELIMINARES

Esses resultados preliminares derivam da análise das práticas que acontecem nos laboratórios de informática das escolas, apresentadas nos trabalhos selecionados. E também dos relatos dos professores sobre a relação que estabelecem com computador-internet em sala de aula.

Observei que, dos dez trabalhos analisados, sete mencionaram a utilização deste espaço para reprodução de vídeos, em caso de ausência de um professor e que três relataram frequência a este por professores que desenvolviam atividades variadas, desconectadas e sem objetivo claros, demonstrando um aspecto de subutilização do laboratório.

Foi perceptível, com relação ao tipo de atividade proposta pelos professores mencionados nos trabalhos, que o este ainda é um ambiente em que os alunos realizam atividades em que só se altera o suporte – do papel para a tela -, mas a lógica de desenvolvimento das mesmas permanece.

O laboratório de informática parece ser um terreno estranho, que não pertence à comunidade escolar, no qual os professores não se sentem à vontade. As realidades de sala de aula parecem não se relacionar diretamente com este ambiente. O que é feito lá com os alunos parece não dizer respeito aos conteúdos desenvolvidos em sala de aula.

Dois trabalhos – Cavichioli (2011) e Gloria (2011) – indicam situações em que os professores, com intuito de contribuir com o processo de alfabetização, desenvolvem atividades

157

sequenciais nos laboratórios de informática. Porém, demonstram excesso de preocupação com a manutenção e cuidado com as máquinas em detrimento do compartilhamento de aprendizagens que aquela atividade pode proporcionar. Há relatos de repetição em sala de aula das atividades feitas nos laboratórios, como se não feitas anteriormente. Os relatos sobre poucos computadores para toda a turma são recorrentes, obrigando a realização das propostas em duplas ou trios, gerando insatisfação nos docentes.

A maioria dos trabalhos relata a forma como os professores descrevem o uso que fazem do computador-internet. Ainda se mostram tímidos e inseguros, não conseguindo incluir essas tecnologias no cotidiano de suas salas de aula. Computador-internet são vistos como mais um recurso tecnológico à disposição dos docentes, mas estes ainda exploram pouco suas potencialidades enquanto instrumentos de aprendizagem que podem contribuir com as práticas pedagógicas. Os trabalhos dão indícios de uma crença que mostra o laboratório de informática revestido de um “ar sagrado”, um lugar onde só quem tem mais intimidade com as máquinas e o seu funcionamento consegue trabalhar.

A análise preliminar dos achados revela que não basta equipar as escolas com laboratórios de informática e oferecer para os professores cursos de iniciação ao uso desses, faz-se ainda mais relevante discutir suas possibilidades de interatividade, compartilhamento de conhecimentos, as implicações no processo de ensino-aprendizagem e as formas de avaliar as produções dos alunos. Somando-se a isso, evidencia lacunas na formação do professor ao uso das TIC na prática pedagógica.

REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE, A. M. Integração do  laboratório  de  informática  ao currículo: práticas numa escola municipal de fortaleza. Disponível em: <http://www.repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/3020/1/2011_Dis_AMCAlbuquerque.pdf>. Acessado em: jan. 2014.

BARRETO, R. Tecnologias nas salas de aula. In LEITE, M.; FILÉ, W. (Org.). Subjetividades, tecnologias e escolas. Rio de Janeiro: DP &A, 2002.

CAVICHIOLI, R. Letramento digital: percurso autopoiético para alfabetização na complexidade. Disponível em: <http://online.unisc.br/btd/detalhe.php?cod_empresa=87&cod_acervo=144048> Acessado em: jan. 2014.

FERNANDES, S. As tecnologias de informação e comunicação no ensino e aprendizagem de história: possibilidades no ensino fundamental e médio. Disponível em: <http://site.ucdb.br/public/md-dissertacoes/8236-as-tecnologias-de-informacao-e-comunicacao-no-ensino-e-aprendizagem-de-historia-possibilidades-no-ensino-fundamental-e-medio.pdf>. Acessado em: jan. 2014.

FREITAS, M. T. A. Da tecnologia da escrita à tecnologia da internet. In FREITAS, M. T. A.; COSTA, S. R. (Orgs.). Leitura e escrita de adolescentes na internet e na escola. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.

158

GLÓRIA, J. Influências e confluências do uso do suporte de escrita digital na alfabetização de crianças do 1º ano do primeiro ciclo. Disponível em: <http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/handle/1843/BUOS-8NVHVU> Acessado em: jan. 2014.

JUNQUEIRA, E. Como os alunos percebem as tecnologias digitais no laboratório da escola: problemas de aprendizagem e os caminhos apontados pela teoria da prática. Disponível em: <http://32reuniao.anped.org.br/arquivos/trabalhos/GT16-5565--Int.pdf>. Acessado em jan. 2014.

LEVY, P. Cibercultura. São Paulo: Unesp, 1999.

MATOS, M. Educação e cibercultura: usos do computador e da internet por alunos e docentes do ensino público fundamental. Disponível em: <http://portal.estacio.br/media/4060225/marcelo%20remigio%20tavares%20de%20matos.pdf> Acessado em: jan. 2014.

MENDES, F. Programa de inclusão digital (PID) no ensino fundamental em São Carlos (SP): mudanças e permanências com a chegada dos netbooks. Disponível em: <http://www.bdtd.ufscar.br/htdocs/tedeSimplificado//tde_busca/arquivo.php?codArquivo=5106> Acessado em: jan. 2014.

QUILES, C. As salas de Tecnologias Educacionais: modos de “ensinar” e de “aprender” com traduções de cultura escolar. Disponível em: <http://33reuniao.anped.org.br/33encontro/app/webroot/files/file/Trabalhos%20em%20PDF/GT16-6469--Int.pdf>. Acessado em: jan. 2014.RAMAL, A.C. Educação na cibercultura. Porto Alegre: Artes Médicas, 2002.

SEIXAS, L. “Programa um computador por aluno” (PROUCA) em uma escola municipal do Rio de Janeiro: o que há de novo na rede? Disponível em: <http://36reuniao.anped.org.br/pdfs_trabalhos_aprovados/gt16_trabalhos_pdfs/gt16_2955_texto.pdf> Acessado em: jan. 2014.

VOSGERAU, R.; SANT’ANNA, D. A pesquisa ação-formação como instrumento de formação em serviço para a integração das TIC na prática pedagógica do professor. Disponível em: <http://32reuniao.anped.org.br/arquivos/trabalhos/GT08-5445--Int.pdf> Acessado em: jan. 2014.

QUESTÕES DE GÊNERO E DE SEXUALIDADES:DESAFIOS E REFLEXOS NA EDUCAÇÃO

Maria Rita Neves Ramos1

Sylvia Helena dos Santos Rabello2

RESUMO

Esse artigo articula o reflexo das indicações das questões de gênero e de sexualidades nas políticas educacionais e se – e como – tais indicações foram absorvidas pelas escolas. Mediante apreensão das orientações de trabalho das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para a Educação Básica nos níveis da Educação Infantil, do ensino fundamental de 9 anos, da Educação Quilombola e da Educação em Direitos Humanos, realizou-se apreciações dos projetos político-pedagógicos (PPP) de escolas do município de Juiz de Fora.O primeiro momento da pesquisa contou com uma revisão bibliográfica sobre as relações de gênero e de sexualidades. Composto o pano de fundo da análise, se realizou a leitura dos documentos das DCN no que se refere à abordagem das questões de gênero e de sexualidades no trabalho pedagógico. Em seguida, acessamos os PPP de quatro escolas, cujo exame dos documentos se deu no sentido de conhecer se as escolas traziam em suas orientações a previsão de trabalhos que enfocassem discussões sobre as questões de gênero e de sexualidades. As considerações finais do trabalho apontam algumas das tensões e lacunas a serem apreciadas na abordagem desses temas no espaço escolar.

Palavras-chave: Gênero. Sexualidades. Ensino fundamental. Projeto político-pedagógico. Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica.

1 Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Juiz de Fora; aluna da Especialização em Educação no Ensino Fundamental do Colégio de Aplicação João XXII (UFJF) e Mestranda no Programa de Pós Graduação em Educação da UFJF (PPGE/Universidade Federal de Juiz de Fora) – Juiz de Fora – Brasil. Contato: [email protected]

2 Professora do Colégio de Aplicação João XXIII (UFJF) e da Especialização em Educação no Ensino Fundamental pela mesma instituição – Juiz de Fora – Brasil. Contato: [email protected].

160

INTRODUÇÃO

Esse trabalho se baseia em monografia apresentada em curso de Especialização em Educação no Ensino Fundamental, que se propôs a discutir se –e como- as escolas preveem em seus PPP reflexões voltadas às relações de gênero e de questões referentes às sexualidades, baseado nas orientações oficiais das DCN que instituíram o trato de tais temas nas instituições educacionais, objetivando apurar se, e de que forma, estão sugeridas abordagens que comportem ações que se destinem a esse fim. A justificativa do trabalho reside em investigar se as escolas indicam nos PPP trabalhos que envolvam o gênero e as sexualidades, uma vez que são temas que, além de previstos nos documentos oficiais da Educação são indispensáveis à formação integral de alunos e alunas. Serão apresentadas as concepções sobre as relações de gênero e sexualidades, assim como a consolidação dessas discussões na perspectiva da valorização dos Direitos Humanos. Ato contínuo, mediante realização de análise documental das DCN e dos PPP, serão expostas as indicações dos temas pesquisados nesses documentos. Tais dados foram categorizados, e os resultados obtidos serão apontados e debatidos ao final.

AS RELAÇÕES DE GÊNERO E A CONCEPÇÃO DE SEXUALIDADE: O QUE AS FONTES CONTAM

Da maneira com que as relações humanas se dão em cada sociedade, as construções sociais “do que é ser homem”, e “do que é ser mulher”, ao serem continuamente repetidas, dão a impressão de serem naturais. Porém, são instituídas de acordo com a história de cada sociedade. O gênero se define a partir do aspecto relacional de importância aos quais as distinções entre homens e mulheres se propõem em colocar em polos opostos o sexo feminino e o masculino, em caráter hierarquizador e de julgamento de valor (SCOTT, 1996, p. 72).

Da mesma forma, comumente se concebe as referências das sexualidades por meio das práticas e instâncias sociais e culturais, principalmente por meio dos discursos. Ao passo de que princípios como estes são socializados, o amadurecimento das sexualidades se dá através de processos de identificação com tais “modelos” (LOURO, 2008, p. 18-20). Na centralidade da discussão sobre as sexualidades está a heteronormatividade, que impõe a heterossexualidade como postura socialmente aceita. Logo, o amadurecimento das sexualidades se dá por meio de processos de identificação com tais “modelos”. As identidades sexuais são vividas nesses mesmos meios de sociabilidade, nas experiências afetivo-sexuais, pelos desejos, prazeres e práticas (LOURO, 2004).

GÊNERO, SEXUALIDADES E DIREITOS HUMANOS

Discussões consolidadas em âmbito nacional e internacional na valorização da cidadania, da solidariedade e dos Direitos Fundamentais (SANTOS, 2011, p. 10) formaram um consenso político e institucional sobre a conscientização e a promoção de uma formação integral da criança e do adolescente. Em 2006, a OMS conceituou que

A sexualidade humana forma a parte integral da personalidade de cada um. É uma necessidade básica e um aspecto do ser humano que não pode ser separado de outros aspectos da vida. A sexualidade não é sinônimo de coito e não se limita à presença

161

ou não do orgasmo. Sexualidade é muito mais do que isso, é a energia que motiva a encontrar o amor, ao contatoe á intimidade, e se expressa na forma de sentir, na forma de as pessoas se tocarem e serem tocadas. A sexualidade influencia pensamentos, sentimentos, ações e interações e tanto a saúde física como a mental. Se a saúde é um direito humano fundamental, a saúde sexual também deveria ser considerada como um direito humano básico (OMS, 2006, p. 9).

Munidos de conhecimento, crianças e adolescentes terão condições de exercer seus direitos, bem como tomar decisões e se posicionar diante das situações com que irão se defrontar em seu cotidiano, como o preconceito de gênero e de sexualidades, em um amadurecimento cognitivo que trará a oportunidade de vivenciar relações sociais e afetivas sadias (SANTOS, 2011, p. 16-17).

AS INDICAÇÕES DAS DCN REFERENTES À EDUCAÇÃO BÁSICA

No nível da Educação Infantil, as DCN de 2009 determinam que a escola deve romper com “relações de dominação etária, socioeconômica, étnico-racial, de gênero, regional,linguística e religiosa” (BRASIL, 2013, p. 87). O ensino fundamental de 9 anos se fundamenta em princípios éticos no sentido de “combater e eliminar quaisquer manifestações de preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (BRASIL, 2013, p. 108).

Os pressupostos das DCN em Direitos Humanos de 2012 residem na “dignidade humana, igualdade de direitos [...] reconhecimento e valorização das diferenças e diversidades” (BRASIL, 2013, p. 532). É garantida a abordagem da Educação em Sexualidade a partir do consenso do valor e da dimensão significativa do diálogo dos diversos atores sociais em perspectiva crítica e exercício de direitos.

Já as DCN para a Educação Quilombola de 2012 mencionam explicitamente a “superação de toda e qualquer prática de sexismo, machismo, homofobia, lesbofobia e transfobia [...] à superação de todas as formas de violência racial e de gênero” (BRASIL, 2013, p. 481). Com relação ao currículo o documento menciona o respeito “a diversidade sexual, superando práticas homofóbicas, lesbofóbicas, transfóbicas, machistas e sexistas nas escolas” (BRASIL, 2013, p. 489).

PRESCRIÇÕES DO TRABALHO COM GÊNERO E SEXUALIDADES NO PPP

Após a leitura dos PPP, elegemos, pelo emprego dos termos contidos nos referidos documentos, quatro categorias de classificação acerca das indicações de trabalho com o gênero e com as sexualidades: não contribuintes (termos que não colaboram para que se adote tal abordagem), silenciamento (não fazem menção às questões de gênero e de sexualidades); indícios (condições propícias à abordagem) e visibilidade (previsão explícita de trabalho pedagógico voltado ao trato das questões de gênero e sexualidades).

A análise revelou que nenhum PPP correspondeu aos critérios estabelecidos para a categoria “não contribuinte”. Já a categoria “silenciamento” comportou dois PPP da amostra. Um PPP foi classificado segundo a categoria “visibilidade”. Já a categoria “indícios” comportouos quatro PPP analisados.

162

CONCLUSÕES

Baseando-nos nesses dados, percebemos que a ampliação dos currículos escolares vem avançando, ainda que timidamente, tendo em vista que a abordagem de questões de gênero e de sexualidades se apresentam circunscritos em discussões mais amplas na totalidade da amostra. Embora a dimensão dosilenciamentoainda seja significativa, nos parece que está ocorrendo uma visibilidade e valorização com relação aos aspectos sociais da formação de alunos e alunas. Ainda que a maioria dos trabalhos pedagógicos situe o corpo como a matriz da sexualidade, na forma da adoção de cuidados para que esta seja vivenciada, o espaço para o debate e a reflexão na escola já foi delimitado pelas legislações educacionais.

Frisamos a importância da formação docente e da conscientização sobre a maneira com que estes profissionais se relacionam com as questões sociais, de forma a admitir a dimensão social e política do ensino. Kenneth Zeichner observa que “tem havido uma tensão entre as metas dos formadores de professores para a justiça social que querem formar docentes para serem líderes de mudança social e as metas de, pelo menos alguns futuros professores, que não querem assumir esse papel” (ZEICHNER, 2008, p. 20). Portanto, não se trata de uma ação a ser concretizada em curto prazo na educação, nem um trabalho de cunho individual. Envolve um trabalho de conscientização e de exercitação coletiva, e a articulação da identidade pessoal, social, profissional e prática com os componentes formadores destes/as docentes.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretoria de Currículos e Educação Integral. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica. Brasília: MEC/SEB/DICEI, 2013. 562 p.

LOURO, Guacira Lopes. Gênero e sexualidade: pedagogias contemporâneas. Pro-Posições, v. 19, n. 2 (56), p. 17-23, maio/ago. 2008.

_____. Um corpo estranho: ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE (OMS). Defining sexual health: report of a Technical Consultation on sexual health, Genebra, 28-31 jan. 2002, Genebra: Organização Mundial de Saúde, 2006.

SANTOS, Benedito Rodrigues dos; HIPÓLITO, Rita. Guia escolar: identificação de sinais de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes. Seropédica, RJ: EDUR, 2011. 239 p.SCOTT, Joan Wallach. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 2, p. 77-99, jul./dez. 1995.

ZEICHNER, Kenneth. Formação de professores para a justiça social em tempos de incerteza e desigualdades crescentes. In DINIZ-PEREIRA, Júlio Emílio; ZEICHNER, Kenneth M. (Org.). Justiça social: desafio para a formação de professores. Tradução de Cristina Antunes. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.

EDUCAÇÃO INTEGRAL NO BRASIL:UM POUCO DE SEU PERCURSO HISTÓRICO

Brenda Isabella Da Costa Toledo1

Deniza Geny Silva Machado Martins2

RESUMO

O presente estudo tem como objeto de pesquisa a Educação Integral, com um breve recorte histórico de sua trajetória na educação brasileira, no período de 1930 até os dias atuais. Refazer um pouco dessa trajetória foi possível com a análise de documentos oficiais, leis e de educadores pesquisadores do tema. Dentre outros, destacamos Anísio Teixeira (1976), Moacir Gadotti (1986) e, como referência mais atual, Jaqueline Moll (2012), Antônio Sérgio Gonçalves (2006), Lecir Jacinto Barbacovi, Margareth Conceição Pereira e Maria Assunção Calderano (2013). Destaca-se a pesquisa feita em uma escola periférica da cidade de Juiz de Fora, denominada pelas pesquisadoras Barbacovi, Calderano e Pereira (2013) como escola “Marte”, o que contribuiu para distinguir a diferença entre Educação Integral e Escola de Tempo Integral. Dada a amplitude do tema, optou-se por trabalhar com o conceito de Educação Integral, o que vai muito além da ampliação do tempo de permanência do aluno na escola, abordando assim as várias dimensões humanas (cognitiva, física, afetiva, entre outras) que precisam ser trabalhadas para que o aluno tenha uma Educação Integral. Tal estudo pode contribuir para o entendimento dos conceitos de Educação Integral e de Tempo Integral, haja vista a centralidade do tema, nas discussões educacionais atuais.Palavras-chave: Educação Integral. Escola de Tempo Integral.

1 C. A. João XXIII/UFJF. Contato: [email protected] C. A. João XXIII/ UFJF. Contato: [email protected]

164

INTRODUÇÃO

O interesse pelo estudo aqui apresentado surgiu de minha prática docente, como professora iniciante, numa escola de tempo integral e os desafios ali apresentados. Esse período, do início da minha prática docente, mostrou-me grandes provocações, que norteiam meu trabalho e estudos até hoje. Conforme as pesquisadoras Barbacovi, Calderano e Pereira (2013), “trata-se de um período muito rico em possibilidades, por conta do entusiasmo de alguns profissionais, correndo-se o risco de que esse entusiasmo seja quebrado pela realidade que lhe é oferecida” (BARBACOVI; CALDERANO; PEREIRA, 2013, p. 24).

A escola de tempo integral, citada acima, está localizada em um contexto de grande vulnerabilidade social, onde é possível observar “a dificuldade na relação com a família, por vezes omissa em relação à educação dos filhos e até mesmo à preservação da integridade dessas crianças, que vivenciam cotidianamente a proximidade com o crack e com a violência, inclusive sexual” (FERNANDES; PEREIRA, 2013, p. 131). Dito isto, é possível observar que pelas condições às quais essas crianças estão sendo submetidas, torna-se impossível uma Educação Integral, levando-as muitas vezes à procura dessa educação no ambiente escolar. Entretanto, a escola “Marte”, que atua em tempo integral e poderia usar esse tempo em função da referida Educação Integral, tem usado em detrimento da mesma, devido às condições físicas e estruturais nela encontrada. Neste contexto, Educação Integral é tida como aquela que “considera o sujeito em sua dimensão biopsicossocial, de maneira que educar integralmente é ir muito além das necessidades básicas do sujeito, é considerá-lo em sua condição multidimensional, ou seja, dar lhe condições para sua formação humana, social e cultural” (GONÇALVES, 2006, p. 3).

Neste caso, a realidade apresentada, embora conturbada e desumana, não trouxe quebra do entusiasmo desse docente, mas impulso para a busca de mais conhecimento materializado nessa pesquisa em curso.

METODOLOGIA

Este trabalho de pesquisa justifica-se pela relevância do tema, na atualidade, haja vista documentos de políticas públicas, como Plano Nacional de Educação, aprovado em 25 de junho de 2014 pela Lei 13.005/14, cuja vigência será 2014 a 2024, que apresenta como meta número seis “oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, 50% das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% dos(as) alunos(as) da educação básica.

A pesquisa bibliográfica tem revelado a diferença entre Educação Integral e Escola de Tempo Integral. Serviram de referência para análise do tema leis, estatutos, regimento escolar, além de autores como Anísio (1976), Barbacovi, Calderano e Pereira (2013), Gadotti (1986), Gonçalves (2006).

Dito isto, a escola que funcione em tempo integral poderá ser um espaço-tempo de Educação Integral, ou seja, um lugar onde existam possibilidades e condições que proporcione tanto ao educando quanto ao educar “descobrir-se, assumir-se e ser mais” (HENZ, 2012, p. 83). O referido autor propõe aos educadores e educadoras que busquem organizar a prática educativa entrelaçando no mínimo as dimensões ético-política, técnico-científica, epistemológica, estético-afetiva e pedagógica, assumindo, assim, “o ser humano como um ente que vai se constituindo socio-histórico-culturalmente” (HENZ, 2012, p. 83).

165

(...) muito embora a Constituição Federal de 1988 não faça referência literal a essas expressões, ao apresentar a educação: (1) como o primeiro dos dez direitos sociais (Art. 6°) e, conjugado a esta ordenação, (2) apresentá-la como direito capaz de conduzir ao pleno desenvolvimento da pessoa, fundante da cidadania, além de possibilitar a preparação para o mundo do trabalho (Art. 205) – condições para a formação integral do homem. De forma subliminar, a conjunção dos artigos, anteriormente citados, permite que seja deduzido do ordenamento constitucional a concepção do direito à Educação Integral. (MEC, 2009, p. 21)

No artigo 205 da nossa Constituição Federal, ao falar em educação, afirma ser um direito de todos e um dever do Estado e da família, devendo ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, CF, 1988). Dessa forma, verificamos constar em nossa constituição o conceito de Educação Integral quando se fala em pleno desenvolvimento da pessoa, cabendo à sociedade e a família auxiliar nesse processo.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBN), Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996), em seu artigo 1° diz que a educação se dá em “processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais”. Em seu artigo 2° afirma ser a educação um dever da família e do Estado, tendo como finalidade o pleno desenvolvimento para o exercício da cidadania e para o trabalho, levando-nos assim, mais uma vez, à ideia de Educação Integral. Em seu art. 34 prevê a ampliação progressiva do tempo de permanência do aluno na escola, concluindo em seu parágrafo segundo que “o ensino fundamental será ministrado progressivamente em tempo integral” (BRASIL, 1996).

Verifica-se também no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) a existência do direito a uma Educação Integral. Conforme art. 53, “a criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho” (ECA, 1990, p. 40).

Sendo assim, pudemos confrontar, conforme nos fora apresentado pelo Programa Mais Educação (2009), que a Constituição Federal, o LDBEN, o PNE e o ECA estabelecem o direito à Educação Integral em tempo integral, tendo a família, a escola e sociedade responsabilidade nesse processo com o objetivo do pleno desenvolvimento para o trabalho e para o exercício da cidadania.

Teixeira (1976) afirma que, em uma sociedade constantemente em transformação, a integração do homem diminui, assim como crescem a complexidade social e a velocidade das mudanças, “daí, a necessidade de se ampliar a educação intencional, que é a educação escolar, até se tonar fonte dominante de toda a educação do homem” (TEIXEIRA, 1976, p. 62).

O ideal educativo defendido por Anísio Teixeira de uma escola de tempo integral que forneça a seus alunos uma estrutura adequada para uma Educação Integral, retorna ao cenário nacional no final da primeira década do século XXI, segundo MOLL (2012), agora “com todos os desafios de uma “megapopulação” na educação básica, em contextos sociais configurados por desigualdades, complexidades e diversidades” (MOLL, 2012, p. 28).

166

CONCLUSÃO

Por se tratar de um trabalho ainda em construção onde os dados estão sendo analisados, não há como estabelecer conclusões, entretanto, pode-se perceber e diferenciar Educação Integral de Tempo Integral. Tal percepção nos levou a analiar o trabalho realizado na escola de tempo integral e as dimessões relevantes a uma Educação Integral, observando, conforme GIOLO (2012), que “no Brasil, a classe dominante sempre teve escola de tempo integral”, recebendo “no chamado contraturno, formação complementar na própria escola ou em outros espaços culturais, esportivos ou científicos”. Sendo assim, ainda segundo o autor, a escola de tempo parcial é uma escola destinada às classes mais populares (GIOLO, 2012, p. 94-95).

REFERÊNCIAS

CALDERANO, Maria da Assunção; BARBACOVI, Lecir Jacinto; PEREIRA, Margareth Conceição (Orgs.). O que o IDEB não conta? Processos e resultados alcançados pela Escola Básica. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2013. p. 11-30.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado,  1998. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf_legislacao/superior/legisla_superior_const.pdf>. Acesso em 14 jul. 2014.

BRASIL. Estatuto da criança e do adolescente. 7. ed. Brasília: Câmara dos Deputados/Edições Câmara, 2010. 225 p. (Série Legislação, n. 25). Disponível em: <http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/785/estatuto_crianca_adolescente_7ed.pdf> Acesso em 14 jul. 2014.

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: Lei 9.394/96. Apresentação Carlos Jamil Cury. 5. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

CHAGAS, Marcos A. M.; SILVA, Rosemaria J. V.; SOUZA, Silvio C. Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro: contribuições para o debate atual. In MOLL, Jaqueline (Org.) et al. Caminhos da Educação Integral no Brasil: direito a outros tempos e espaços educativos. Porto Alegre: Penso, 2012. p. 72-81.

___________ Educação integral: texto referência para o debate nacional. Il. Brasília: MEC/Secad, 2009. (Série Mais Educação.) Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=16727&Itemid=1119>. Acesso em ago. 2014.

GIOLO, Jaime. Educação de tempo integral. In MOLL, Jaqueline (Org.) et al. Caminhos da Educação Integral no Brasil: direito a outros tempos e espaços educativos. Porto Alegre: Penso, 2012. p. 94-105.

GONÇALVES, Antônio Sérgio. Reflexões sobre Educação Integral e Escola de Tempo Integral. Cadernos Cenpec, n. 2, 2° semestre 2006. (Educação Integral.)

167

HENZ, Celso I. Paulo Freire e a educação integral: cinco dimensões para (re)humanizar a educação. In MOLL, Jaqueline (Org.) et al. Caminhos da Educação Integral no Brasil: direito a outros tempos e espaços educativos. Porto Alegre: Penso, 2012. p. 82-93.

MOLL, Jaqueline, et al. Caminhos da Educação Integral no Brasil: direito a outros tempos e espaços educativos. Porto Alegre: Penso, 2012. p. 27-30.

TEIXEIRA, Anísio S. (1900-1971). Educação no Brasil. 2. ed. São Paulo: Ed. Nacional; Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1976.

COMO AS POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS DO ESTADO DE MINAS GERAIS VÊM

LIDANDO COM OS DIFERENTES TEMPOS DE APRENDIZAGEM PRESENTES NO COTIDIANO

ESCOLAR?

Jucélia de Paiva Silva¹Simone da Silva Ribeiro²

RESUMO

O presente trabalho busca analisar como as políticas públicas educacionais do estado de Minas Gerais vêm lidando com os diferentes tempos de aprendizagem presentes no cotidiano escolar, com enfoque principal no programa Pacto Nacional Pela Alfabetização na Idade Certa. Para tanto, foram consideradas fontes documentais e bibliográficas relacionadas à temática em questão, assim como a análise dos Cadernos de Formação de Alfabetização em Língua Portuguesa, disponibilizados pelo Ministério de Educação do governo federal. Este estudo se mostra relevante na medida em que busca problematizar a forma como tais políticas lidam com a questão dos tempos de aprendizagem – linearidade, seriação, ciclos – a fim de que possamos compreender quais são as intenções que as perpassam. Assim como pelo fato de se tratar de um programa que ainda está em curso, havendo poucos trabalhos que discutem suas ações e repercussões no cotidiano escolar.

Palavras-chave: Tempo. Aprendizagem. Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa. Ciclos.

170

O interesse pelo tema a ser abordado nessa pesquisa vem se constituindo já há algum tempo, desde o final do primeiro período da faculdade, quando passei a integrar o grupo de estudos “Tempos” do NEPED (Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação e Diversidade) da Faculdade de Educação da UFJF.

O tema tempo era norteador de nossos estudos, com suas noções historicamente construídas e sua presença marcante no cotidiano escolar. Percebemos que são múltiplas as maneiras de lidar com o tempo, ou, dizendo de outra forma, que são múltiplas as temporalidades. A partir disto, pude (re)pensar a relação que os sujeitos têm com o tempo, e entendê-lo para além de relógios e calendários. Ele tem uma dimensão única e incomparável para cada ser, ou seja, uma duração única e imensurável, apenas aproximável.

O contato com a escola me possibilitou diversas reflexões emergidas das práticas oriundas do cotidiano escolar, dentre elas, a percepção de que o tempo é experienciado de maneiras distintas por cada ser. Daí surgiu a questão: como a escola e seus praticantes lidam com estas temporalidades?

De forma mais específica, me inquietei com as maneiras com que os praticantes do cotidiano escolar lidam com os diferentes tempos de aprendizagem. Se os tempos são diversos e simultaneamente únicos, a aprendizagem também não o seria? A aprendizagem ocorreria em diferentes tempos para cada sujeito? A escola respeita esses diferentes tempos de aprender?

Estas reflexões fizeram parte da elaboração da minha monografia ao final do curso de Pedagogia da UFJF, na qual busquei entrelaçar as vivências proporcionadas com as pesquisas das quais havia participado, juntamente com uma revisão de literatura sobre os temas tempo e aprendizagem.

No ano de 2013, atuando como supervisora de uma escola da rede estadual percebi que nosso fazer cotidiano sofre total influência das políticas públicas propostas pelo governo do Estado de Minas Gerais. Portanto, compreendendo esta intrínseca relação, senti a necessidade de conhecer mais a fundo o programa Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, e quais são suas implicações em relação à percepção dos diferentes tempos de aprendizagem no cotidiano escolar.

No cotidiano escolar, observamos que existem tempos percebidos e experienciados de maneiras diferentes, ou seja, temporalidades distintas. Simultaneamente, vimos que a escola orienta-se por uma organização linearizada do tempo. Todos aprendem de uma mesma maneira? Todos aprendem em um mesmo tempo? Há a consonância entre o tempo didatizado praticado pela escola e o tempo da aprendizagem? Estas são questões que me inquietam e permeiam o cotidiano escolar, tanto em relação às professoras quanto aos alunos e às alunas.

Para Marques e Marques (2003)

na Atualidade, o tempo deixa de ser concebido de forma linear, dando lugar ao princípio da simultaneidade de eventos. [...]. A expansão do tempo se dá, pois, não só no sentido adiante, mas, principalmente, no sentido da lateralidade, ou seja, o da concomitância dos acontecimentos (p. 230).

Acreditando que a escola é parte constitutiva do todo social na qual está inserida, percebemos que os desdobramentos das mudanças ocorridas no todo, refletem em sua organização interna. Encontramos nesta ruptura de paradigmas, um dos principais conflitos existentes dentro desta instituição: como continuar agindo e exigindo que os sujeitos vivam o tempo de forma linear, homogênea, se eles o experienciam de maneira múltipla?

171

Qual seria o tempo da aprendizagem? Há um tempo único para a aprendizagem, ou o que há são temporalidades, ou seja, formas de experienciar o tempo em relação à aprendizagem? O que percebemos, é que a escola se organiza incorporando para si a linearização do tempo presente na sociedade, porém, “a escola é linear, a aprendizagem, não” (SILVA, 2009, p. 24).

A sociedade disciplinar e/ou normatizadora de atitudes e pensamentos, estabelece padrões ditos “normais” que devem ser cumpridos a risca por todos os sujeitos. Cria-se então uma demarcação, a qual é denominada por Foucault (2004) como quadriculamento, nela “importa distribuir os indivíduos num espaço onde se possa isolá-los e localizá-los” (p. 124).

Em se tratando dos tempos de aprender, também percebemos este quadriculamento. Como querer que todos os alunos aprendam em um mesmo tempo? Como homogeneizar este processo que é contínuo, diverso, plural?

Me questiono sobre quais são as temporalidades do aprender. Seria o tempo cronológico, dos relógios e calendários ou o tempo experienciado? Qual é o tempo da aprendizagem? Esse tempo existe? Uma mesma aula de 50 minutos pode ser experienciada de diferentes maneiras para cada aluno e aluna ou até pelo mesmo aluno ou aluna em momentos distintos. Como pensar essa organização temporal a fim de que ela seja favorável à aprendizagem? A maneira como as políticas educacionais mineiras vêm lidando com esta questão é favorável aos alunos?

A maioria das escolas é organizada na lógica da seriação, na qual os alunos e alunas são agrupados entre os que têm o domínio de um determinado conteúdo e os que ainda não o dominam. Aqueles que não alcançam o aprendizado que se pressupõe necessário para uma determinada série são retidos até o momento em que o alcancem.

Essa forma de organização temporal seria a mais adequada? Ela respeita os diferentes ritmos de aprendizagem? Moll (apud HOÇA, 2007) nos propõe uma reflexão acerca da “exigência da escola de que todos os alunos aprendam ao mesmo tempo os mesmos conteúdos e sejam avaliados por critérios nas miragens de mesmidade que ignoram cotidianamente trajetórias singulares, sejam pessoais ou sociais” (p. 66).

Diversos autores como Teixeira (2004), Kaneko (2008), Hoça (2004) e Chaves (2006) acreditam na organização temporal em ciclos como uma possibilidade de respeito à diversidade temporal das aprendizagens. Por ser organizada em um maior período de tempo (2 anos, 3 anos, 4 anos, dependendo da concepção escolhida pelo corpo docente); essa organização é vista como mais flexível ao processo de aprendizagem: “O tempo na organização do ensino em ciclos é uma questão de respeito às diferenças individuais” (HOÇA, 2004, p. 20). Seria essa uma possibilidade à pedagogia da diferença? A maneira como os ciclos vêm sendo organizados no estado de Minas Gerais possibilitam essa experiência?

Com o intuito de problematizar as questões que permeiam estas discussões, estabelecem-se nessa pesquisa os seguintes objetivos:

• Pesquisar quais são as políticas públicas educacionais mineiras que embasam a organização dos tempos de aprendizagem;

• Conhecer o programa Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, e quais são suas implicações em relação à percepção dos diferentes tempos de aprendizagem;

• Compreender como a organização espaçotemporal em ciclos, sugerida pela Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais, vem funcionando e quais as intenções políticas por detrás dessa proposta.

172

Para a realização da mesma estão sendo utilizadas fontes bibliográficas e documentais que possibilitam uma maior compreensão sobre a questão proposta para problematização. Afinal, o estudo referencial proporciona

um movimento incansável de apreensão dos objetivos, de observância das etapas, de leitura, de questionamentos e de interlocução crítica com o material bibliográfico que permite, por sua vez, um leque de possibilidades na apreensão das múltiplas questões que envolvem o objeto de estudo (LIMA; MIOTO, 2007, p. 44).

A fase de análise de dados ainda encontra-se em construção e, portanto, seria antecipada a demarcação de conclusões e/ou resultados. Porém, cabe destacar o fato de que o estado de Minas Gerais vem, ao longo dos anos, antecipando diversas políticas públicas educacionais. Percebemos também uma centralidade dada à alfabetização e ao letramento nos anos iniciais do ensino fundamental, assim como aos programas destinados a este trabalho e a formação dos alfabetizadores, que ganham destaque nas políticas educacionais, tendo sua versão nacional a partir da proposta do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa.

REFERÊNCIAS

ALVES, Rubem. Cores do crepúsculo: a estética do envelhecer. Campinas: Papirus, 2001. p. 67.

CHAVES, Fátima Garcia. O ciclo inicial de alfabetização e a formação continuada de docentes. 2006. 172 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade de Uberaba, Uberaba, 2006.

FERRAÇO, Carlos Eduardo. Ensaio de uma metodologia efêmera: ou sobre as várias maneiras de se sentir e inventar o cotidiano escolar. In OLIVEIRA, Inês Barbosa de; ALVES, Nilda (Orgs.). Pesquisa nos/dos/com os cotidianos das escolas – sobre redes de saberes. Petrópolis, RJ: DP et Alii, 2008. p. 101-117.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 29. ed. Petrópolis: Vozes, 2004.GARCIA, Regina Leite. A difícil arte/ciência de pesquisar com o cotidiano. In ______ (Org.). Método; métodos; contramétodos. São Paulo: Cortez, 2003. p. 193-208.

HOÇA, Liliamar. A escola organizada em ciclos: tempo, espaço e aprendizagem. 2007. 134 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2007.

KANEKO, Sidineia Muniz. Ciclos e sucesso escolar: questões teóricas e práticas. 2008. 108 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2008.

LIMA, Telma Cristiane Sasso de; MIOTO, Regina Célia Tamaso. Procedimentos metodológicos na construção do conhecimento científico: a pesquisa bibliográfica. Rev. Katálysis, Florianópolis, v. 10, n. spe, 2007. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141449802007000300004&lng=en&nrm=iso>. Acessado em 17 dez. 2013.

173

MARQUES, Carlos Alberto; MARQUES, Luciana Pacheco. Do universal ao múltiplo: os caminhos da inclusão. In LISITA, Verbena Moreira S. de S.; SOUSA, Luciana Freire E. C. P. (Orgs.). Políticas educacionais, práticas escolares e alternativas de inclusão escolar. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. p. 223-239.

SILVA, Heitor Pereira. Tempo e educação: um estudo acerca das dimensões do tempo em confrontação com alguns desafios da educação escolar. 2009. 105 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2009.

TEIXEIRA, Edival Sebastião. A psicologia histórico-cultural como fundamento para a organização do ensino escolar em ciclos de aprendizagem. 2004. 157 f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004.

A REESCRITA A PARTIR DO BILHETE ORIENTADOR DO PROFESSOR DE LÍNGUA MATERNA

Moyra Ribeiro Marques1

Luciene Ferreira da Silva Guedes2

RESUMO

Este trabalho expõe uma reflexão acerca do processo de reescrita de produção textual dos alunos de alunos do 3º e 4o ano do ensino fundamental. Para tanto, foram selecionadas 5 produções textuais em uma situação didática de escrita e reescrita de contos, mediadas pelo bilhete orientador do professor3. A partir da noção de língua como atividade social, histórica e cognitiva defendida por Bakhtin (2011), faz-se uma revisão bibliográfica baseada nas concepções trazidas também por Dolz e Schneuwly (2004), Marcuschi (2011, 2002), Koch (2007), Kleiman (1993/1989) e Soares (2010) a fim de retomar conceitos fundamentais para o ensino da leitura e da produção escrita nas aulas de língua materna. Ao compreender a escrita como uma construção processada na interação e a reescrita como um momento que revela a dinamicidade desse processo (FIAD e MAYRINK-SABINSON, 1991), foi possível perceber na reescrita dos alunos diversas operações linguísticas de modo a atender o que foi pedido no bilhete orientador do professor.

Palavras-chave: Interação. Produção textual. Revisão. Reescrita.

1 C. A. João XXIII/UFJF. Contato: [email protected] C. A. João XXIII/ UFJF. Contato: [email protected] O trabalho é um desdobramento da pesquisa realizada no Trabalho de Conclusão de Curso “A interação professor-aluno no processo

de produção de textos: o bilhete como instrumento mediador”, sob a orientação da professora Suzana Lima Vergas, coordenadora do projeto de extensão Laboratório de Alfabetização, da FACED/UFJF. No ano de 2010/2011 foi desenvolvida a pesquisa “Processo de escrita, revisão e reescrita para alunos do ensino fundamental”.

176

Este trabalho apresenta uma análise das atividades epilinguísticas realizadas pelos alunos do 3o e 4o ano do ensino fundamental nas aulas de produção escrita desenvolvidas no Laboratório de Alfabetização (LABOALFA – FACED), cujo objetivo é desenvolver oficinas de leitura, escrita e reescrita de textos junto aos alunos de escolas públicas com histórico de fracasso escolar. Formando, desse modo, crianças produtoras de textos, capazes de ler e escrever textos em situações reais de interação social.

O objetivo mais amplo deste trabalho é refletir e reiterar a importância das atividades epilinguísticas desenvolvidas nas aulas de produção escrita. A atividade epilinguística pode ser definida como o

exercício da reflexão sobre o texto lido/escrito e da operação sobre ele a fim de explorá-lo em suas diferentes possibilidades de realização, uma atividade que se diferencia da atividade lingüística, essencialmente voltada para o próprio ato de ler e escrever, e da atividade característica do plano metalingüístico que supõe a capacidade de falar sobre a linguagem, descrevê-la e analisá-la como objeto de estudo (MILLER, p. 1).

Assim, especificamente, busca-se observar quais modificações ou operações linguísticas os alunos foram capazes de realizar na reescrita da produção textual a partir do bilhete orientador do professor e qual a natureza dessas modificações a fim de identificá-las e categorizá-las. O tema tem grande importância para as práticas de ensino da língua materna, uma vez que através do processo de mediação o aprendiz desenvolve comportamentos reflexivos em torno de seus textos, compreendendo o sentido do trabalho de revisão e reescrita em suas diferentes etapas e tornando-se consciente de seus próprios avanços.

Nesse sentido, reconhecer como o professor concebe a língua e a linguagem é fundamental para o ensino de língua materna, pois é a partir dessas concepções que o trabalho em sala de aula se organiza. O presente trabalho, parte da concepção interacionista da língua (BAKHTIN, 2011), dessa forma, considera-se o texto como o próprio lugar da interação, lugar no qual os sujeitos se constituem e são constituídos (KOCH, 2007).

Segundo Kleiman (1989), o sujeito produz um sentido próprio que não está no texto. A leitura não é só a apropriação de um objeto externo, que é o texto, no ato de ler, o sujeito produz sentido para aquilo que está lendo. Sendo assim, ler é produzir sentido e não somente decodificar palavras. A leitura é um processo de interação entre texto e leitor. Koch (2007) corrobora essa visão ao conceituar que

A leitura é, pois uma atividade interativa altamente complexa de produção de sentidos, que se realiza, evidentemente, com base nos elementos linguísticos presentes na superfície textual e na sua forma de organização, mas que requer a mobilização de um vasto conjunto de saberes no interior (KOCH, 2007, p. 28).

Diante do exposto, é possível afirmar que o trabalho do professor de língua materna, não se baseia somente em ensinar a ler e escrever, mas ensinar a função social dessas capacidades. É essencial que o indivíduo faça, com propriedade, uso da leitura e da escrita, dentro e fora do espaço escolar. Portanto, faz-se necessário o trabalho com os gêneros textuais em sala de aula como objeto de ensino. Para Dolz e Schneuwly (2004) o gênero é o instrumento capaz de articular as práticas sociais e os objetos escolares, principalmente no que diz respeito ao ensino da produção e compreensão de textos, orais ou escritos. Do mesmo modo, outros autores como Marcuschi

177

(2005) e Rojo (2000), por exemplo, defendem os gêneros textuais orais e escritos como uma grande oportunidade de lidar com o uso social da língua, na forma que ocorre no dia-a-dia das pessoas. É fundamental, portanto, que os alunos tenham contato com diversos gêneros ao longo dos anos. Dessa forma, o professor de língua materna deve criar situações de comunicação entre os pares, promovendo a interação, inclusive as práticas de produção do texto escrito.

A escrita, sob essa visão, é compreendida como uma construção processada na interação e a reescrita como um momento que revela a dinamicidade desse processo. Ao assumir a concepção de escrita como trabalho (FIAD e MAYRINK-SABINSON, 1991), acredita-se que é ela que sustenta a reescrita como um momento primordial no processo de produção textual. Este último, muitas vezes, dá visibilidade ao trabalho de reconstrução, nos momentos em que o sujeito planeja, escreve, lê, revisa e reescreve, por meio de movimentos constantes de idas e vindas ao texto. Dessa forma, o trabalho da revisão e da reescrita é fundamental no processo da escrita.

A partir dessa perspectiva, foi desenvolvido o projeto do LABOALFA – FACED. O banco de dados foi constituído durante o período de 2009-2011 e conta com 1039 produções textuais elaboradas por alunos do 3º ao 5º ano e 60 bilhetes produzidos por um grupo de 06 professores-bolsistas dos cursos de Letras e Pedagogia que atuavam junto aos alunos em atendimentos pedagógicos semanais.

Para o presente estudo, foram selecionadas 05 reescritas produzidas no primeiro semestre de 2011, em uma situação didática de produção de narrativas escritas, na qual os professores visavam assegurar a interlocução professor-aluno nos momentos de correção e revisão textual. As atividades foram organizadas em sete momentos: 1) Levantamento das experiências prévias com o gênero conto; 2) Leitura em voz alta pela professora do conto A verdadeira história da Chapeuzinho Vermelho, de Pat Gwinner; 3) Interpretação do texto; 4) Reconto oral da história; 5) Escrita individual; 6) Revisão do texto com auxílio do bilhete da professora; 7) Reescrita individual.

Em uma análise preliminar, observa-se na passagem da escrita para reescrita, três operações epilinguisticas denominadas por Fiad (1991): inclusão, substituição e supressão. Segundo a autora, as operações de inclusão ocorrem quando algum elemento linguístico é acrescentado no texto sem que haja a eliminação de outro elemento. Foram observadas também operações de substituição, que dizem respeito ao apagamento de um elemento linguístico e o acréscimo de outro; Operações de supressão quando um elemento linguístico é eliminado sem que outro o substitua.

Logo abaixo seguem os três momentos de produção textual: i) escrita; ii) o bilhete orientador do professor e iii) a reescrita, sendo os mesmos exemplificados através dos textos de um aluno do 3º ano do ensino fundamental.

Figura 1: escrita inicial

178

Figura 2: bilhete orientador do professor

Figura 3: reescrita após o bilhete orientador

Verifica-se que o aluno efetuou a inclusão, obedecendo aos comandos da professora: 1. Porquê da Chapeuzinho ajudar o lobo a ser gente. Ele lhe pediu? 2.O que aconteceu no final da história com o Lobo e a Chapeuzinho? Com base nessas orientações, o aluno acrescenta novas informações no texto, buscando alcançar uma estrutura narrativa adequada: 1. Ela ajudou o lobo porque ele matou uma carta para ela. 2. E a chapeuzinho volto a ser vaforita da floresta.

Na operação de supressão, um trecho de seu texto é retirado com intuito de organizar as ideias (Não come carne). Outra eliminação está no ponto final no meio da frase, facilitando assim, a compreensão do trecho. (Escrita: E chapeuzinho. Nique./ Reescrita: E a chapeuzinho ninguém gostava da chapeuzinho...).

A terceira orientação do bilhete, diz respeito à questão ortográfica (Existem algumas palavras que estão escritas incorretamente no seu texto...), logo a operação de substituição de algumas palavras se fez necessária. O aluno atendeu a solicitação do bilhete, modificando as seguintes palavras: vaforita/favorita; foresta/floresta; gemte/gente; nique/ninguém; comtava/gostava; vicou/ficou; madou/mandou; cata/carta; valado/falando; dinha/tinha; veda/festa; cane/carne; comeda/comida; firou/virou; canifo/carnívora.

179

Além dessas modificações orientadas pelo bilhete do professor, existem três elementos que foram acrescentados e substituídos na reescrita. O parágrafo, a vírgula e o conector “e” foram inseridos ao texto, mesmo não atendendo totalmente a normatividade. Na alteração morfo-sintática, observa-se a substituição do verbo volta por voltar, adequando-se o tempo verbal da frase.

A análise das mudanças presentes no texto revelou que o aluno acata as instruções do bilhete orientador e compreende a necessidade de revisão e reescrita presente nesse processo. O aluno foi capaz de executar mudanças significativas de natureza discursiva, textual e normativa, defendidas pelo quadro de direitos de aprendizagem do PNAIC (BRASIL, 2012). O modo como as orientações foram passadas no bilhete influenciaram para que o aluno alcançasse um bom rendimento em sua escrita.

REFERÊNCIAS

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Editora WMF: Martins Fontes, 2011.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa: currículo na alfabetização. Concepções e princípios. Ano 1, unidade 1. Brasília: MEC/SEB, 2012.

DOLZ, J.; NOVERRAZ, M.; SCHENEUWLY, B. A sequência didática para o oral e a escrita: apresentação de um procedimento. In SCHENEUWLY, B; DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. Trad. Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2004. p. 95-128.

FIAD, R. S.: MAYRINK-SABINSON, M. L. T. A escrita como trabalho. In___ Martins, M. H. (Org.). Questões da linguagem. São Paulo: Contexto, 1991. p. 54-63.

KLEIMAN, Angela. Leitura: ensino e pesquisa. Campinas: Pontes, 1988.

KOCH, Ingedore Grunfied Villaça. Texto: leitura e produção de sentido. Um mundo de letras: práticas de leitura e escrita. Rio de Janeiro, v. 3,2007.

MARCUSHI, L. A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In Bezerra, M. A. (Org.) Genêros textuais e ensino. São Paulo: Lucerna, 2004.

MILLER, Stela. O trabalho epilinguístico na produção textual escrita. In REUNIÃO ANUAL DA ANPED, 26., 2003, Poços de Caldas, MG. Novo Governo. Novas Políticas? Anais... Poços de Caldas, MG: 2003.

ROJO, R. (Org.) A prática de linguagem em sala de aula: praticando os PCNs. São Paulo: EDUC; Campinas: Mercado de Letras, 2000.

SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. 4. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.

O ENSINO DA LITERATURA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL:

UMA PROPOSTA DE PRÁTICA EM FAVOR DO LETRAMENTO LITERÁRIO

Ariane Bento de Moura1

Begma Tavares Barbosa2

RESUMO

O presente trabalho pretende, de forma sucinta, discutir o ensino de literatura nas séries finais do ensino fundamental, problematizando algumas práticas que estão presentes nas escolas e que não favorecem o letramento literário. Para tanto, pretendemos analisar algumas possibilidades que atendam a este letramento e propor práticas. Qual a importância de letrar literariamente? Como fazê-lo particularmente nas séries finais do ensino fundamental? Que práticas com a literatura vêm sendo desenvolvidas nessa etapa da escolarização? Que tipo de diálogo a escola constrói com o repertório de leitura dos alunos adolescentes e jovens? Que adaptações fazem para atender à demanda do novo público, que está cada vez mais voltado para os recursos visuais? Como a literatura é abordada em sala de aula, enquanto processo efetivo que busca, ao mesmo tempo, desenvolver capacidades leitoras e o gosto pela leitura? Essas são algumas das perguntas que norteiam nossa investigação. Para respondê-las buscamos realizar pesquisas bibliográficas que abordam a problemática proposta e relatar algumas experiências que vêm sendo realizadas na rede pública de ensino. Além desse objetivo, o trabalho pretende oferecer sugestões de oficinas que sejam eficazes para o ensino da literatura na escola.

Palavras-chave: Literatura. Ensino Fundamental. Letramento literário. Ensino.

1 C. A. João XXIII/UFJF. Contato: [email protected] C. A. João XXIII/UFJF. Contato: [email protected]

182

JUSTIFICATIVA

O ensino de literatura nas escolas é visto, por muitos, como entediante ou desnecessário e, ainda hoje, apesar do amplo debate acadêmico em torno do tema, a literatura é incluída nas aulas de Português como complemento de análises gramaticais. O livro didático – instrumento principal de trabalho do professor – deveria ser fonte de práticas exitosas, no entanto, equivoca-se ao associar práticas literárias com atividades de gramática, utilizando os textos literários apenas como fonte para a retirada de verbos, sujeitos, predicados. Além disso, parece-nos que a literatura vem perdendo espaço nesse instrumento didático em função do objetivo de se trabalhar com uma maior diversidade de gêneros textuais na escola. Por esses e outros motivos, os jovens, que estão cada vez mais voltados para as mídias visuais e digitais, não adquirem interesse pela leitura e se tornam resistentes às atividades que envolvem a leitura literária.

Faz-se necessária, portanto, uma reflexão sobre o papel da literatura na escola, sobre seu potencial formador, sobre as possibilidades que os textos literários têm de encantar e seduzir os leitores, tornando-se, dessa forma, fortes aliados da escola na formação de adolescentes e jovens mais interessados na leitura.

OBJETIVOS

O objetivo geral deste trabalho é discutir o ensino de Literatura nas séries finais do ensino fundamental, problematizar algumas práticas que estão presentes nas escolas, e no livro didático, que não favorecem o letramento literário. A partir dessa discussão, proporemos um projeto a ser aplicado na escola, com vistas ao letramento literário.

Esse projeto deverá descrever e embasar teoricamente práticas de letramento literário, oficinas de leitura que recubram diferentes experiências literárias: a literatura como experiência de entretenimento, como experiência de reflexão, como experiência de fruição artística e mesmo como espaço de aprendizado da própria leitura.

Portanto, é objetivo geral do trabalho:Discutir o papel da Literatura no currículo escolar.Esse objetivo geral se desdobra nos seguintes objetivos específicos:Discutir o ensino de Literatura nas séries finais do ensino fundamental, problematizando

algumas práticas que estão presentes nas escolas e que não favorecem o “letramento literário”;Descrever algumas práticas exitosas de letramento literário;Propor novas práticas de letramento literário.

REFERENCIAL TEÓRICO

O ensino de Literatura no ensino fundamental é sempre delegado às aulas de Língua Portuguesa, o que faz com que os jovens tenham uma enorme dificuldade de lidar com a leitura. Por não terem o hábito de trabalhar com leitura de fruição, os professores transformam a leitura de um texto literário em atividades de onde o aluno deve retirar algum conhecimento linguístico, não reconhecendo a literatura como a arte que é.

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (2006), no que tange as especificidades do texto literário, o documento é bem claro ao assinalar a importância de se trabalhar com a liteatura

183

em sala de aula, respeitando suas singularidades e não tornando a atividade descontextualizada ao uni-la com outras práticas, como ensinar hábitos de higiene, deveres do cidadão, entre outras, que contribuem para o distanciamento do foco principal da literatura: o trabalho com o texto.

Juracy Saraiva (2001, p. 24) afirma a importância da atividade literária desde o cerne familiar, mas acredita que a família se rende

a uma prática discursiva cujas contradições a realidade denuncia: ao expurgar a leitura e ignorar a riqueza cultural de textos narrativos e poéticos, ela deixa de assentar bases do processo de letramento e de reforçar o sentido social da leitura: paralelamente, deixa de propiciar a função mediadora que as diferentes modalidades literárias instalam entre o sujeito e o outro, o sujeito e o mundo.

Nelly Coelho (2000) discorre a respeito da importância da literatura para a criança e o adolescente, apontando para as fases em que cada tipo de leitor é formado e salientando a importância da experiência literária como arte, assim como Graça Paulino (1996).

Antônio Cândido, em O direito à literatura, reforça a ideia de que todas as classes sociais devem ter acesso à literatura de fruição, e não apenas as de cultura popular:

Em nossa sociedade há fruição segundo as classes na medida em que um homem do povo está praticamente privado da possibilidade de conhecer e aproveitar a leitura de Machado de Assis ou Mário de Andrade. Para ele, fica a literatura de massa, o folclore, a sabedoria espontânea, a canção popular, o provérbio. Estas modalidades são importantes e nobres, mas é grave considerá-las como suficientes para a grande maioria que, devido à pobreza e à ignorância, é impedida de chegar às obras eruditas (CÂNDIDO, 1995, p. 256-257).

Surge, então, o conceito de “letrar literariamente” o aluno, para que o mesmo possa ser capaz de ler todo tipo de literatura, para que todas as classes dominem de forma igualitária o acesso ao texto. O termo “letramento” surgiu com Magda Soares e quer dizer “estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a escrita” (SOARES, 2004, p. 47). Já o conceito de “letramento literário”, segundo o professor Hércules de Toledo, em entrevista à Revista Práticas de Linguagem, foi cunhado por Graça Paulino em 1999:

A partir do conceito de letramento, entendido como usos sociais da leitura e da escrita, para além da aquisição das competências de leitura e escrita, o termo “letramento literário” aponta para a necessidade de se conceber uma expressão que dê conta dos usos sociais da leitura literária, principalmente, mas também desse tipo de escrita. O letramento literário pressupõe a formação de leitores capazes de escolher autonomamente os livros literários que desejam ler, que transitem conscientemente pela literatura e até mesmo por outras formas de manifestações artístico-culturais intrinsecamente ligadas à literatura (como, por exemplo, as imagens que constituem livros para diferentes públicos, os projetos gráficos, as relações com o cinema, dentre outras). O letramento literário é o responsável pela promoção da leitura literária nas diferentes agências de letramento, dentre as quais a escola é uma das mais importantes.

Partindo de tais referenciais teóricos, buscamos discutir práticas literárias que atendam à promoção de uma formação para a literatura eficaz e transformadora, que possa trazer aos nossos alunos o prazer de desfrutar de uma boa leitura literária.

184

METODOLOGIA

Faremos uma revisão bibliográfica e documental que recobrirá o conceito de literatura, os objetivos da literatura no currículo escolar e o ensino propriamente dito da literatura na escola básica, o que poderá incluir a análise de livros didáticos (particularmente dos anos finais do ensino fundamental). Este último tópico engloba as práticas que hoje predominam na escola.

A partir da pesquisa bibliográfica, vamos propor/descrever práticas de letramento literário que possibilitem diferentes experiências com a literatura. O resultado final será a constituição de um projeto a ser aplicado na escola.

CONCLUSÃO

Neste trabalho buscamos discutir a formação de leitores críticos e capazes de julgar por si mesmos as mais diversas situações nas quais estejam inseridos, a partir de conhecimentos adquiridos com/e pela leitura. A literatura, arte que se constrói com palavras, também é objeto de conhecimento, e a escola pode facilitar o domínio do discurso literário, embora muitos alunos aprendam a gostar de ler fora dos domínios da escola. Quando o Letramento Literário é realizado de forma efetiva, pode proporcionar ao aluno uma nova forma de descobrir o mundo: através da leitura.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Begma T. Entrevista. Revista Práticas de Linguagem. v. 2, n. 2, jul./dez. 2012. Disponível em: <http://www.ufjf.br/praticasdelinguagem/files/2013/01/90-99-Entrevista-com-Prof-H%C3%A9rcules1.pdf>.

BRASIL. Orientações curriculares nacionais para o ensino médio: linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília: MEC/Secretaria de Educação Básica, 2006.

CÂNDIDO, A. O direito à literatura. In ______. Vários escritos. 3. ed. São Paulo: Duas Cidades, 1995.

COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: teoria, análise, didática. São Paulo: Moderna, 2000.

COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. 3ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2009.

GRIJÓ, Andréa A.; PAULINO, Graça. Letramento literário: mediações configuradas pelos livros didáticos. Revista da Faced, n. 9, 2005. (Universidade Federal da Bahia.)

LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. 6. ed., 7ª impressão. São Paulo: Ática, 2002.

185

SARAIVA, Juracy Assmann (Org.). Literatura e alfabetização: do plano do choro ao plano da ação. Porto Alegre: Artmed, 2001.

PAULINO, Graça. PARA QUE serve a LITERATURA INFANTIL? ENCONTRO NACIONAL DA ANPED, 19, 1996. Anais...

EDUCAÇÃO INFANTIL E ENSINO FUNDAMENTAL: A IMPORTÂNCIA DA “PERMANÊNCIA” DA

LITERATURA NO PROCESSO DE TRANSIÇÃO

Heliara Disla Teixeira1

Begma Tavares Barbosa 2

RESUMO

O presente estudo foi motivado por minha experiência de acompanhamento pedagógico em escolas de Educação Infantil e na transição para o ensino fundamental, na rede municipal de Juiz de Fora. Neste contexto, observa-se uma “ruptura” que ocorre na aprendizagem das crianças, ao se depararem com a aquisição do código alfabético, em práticas que não priorizam o lúdico e a experiência literária. Nesse percurso, buscamos compreender as relações entre educação infantil e ensino fundamental frente à nova realidade de inclusão da criança nessa etapa da educação básica, especialmente no que se refere às práticas de leituras às quais as crianças são expostas tanto na educação infantil quanto no ensino fundamental.

Palavras-chave: Literatura infantil. Ensino fundamental. Transição. Letramento literário.

1 C. A. João XXIII/UFJF. Contato: [email protected] C. A. João XXIII/UFJF. Contato: [email protected]

188

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Sabe-se que, na atualidade, com os avanços e acessibilidade tecnológica, desenvolver na criança o gosto pela leitura, atualmente, principalmente pelo livro, é um dos maiores desafios da escola e dos docentes.

A leitura é fundamental para a inserção do ser humano na sociedade. O ato de ler possibilita o acesso à informação, o desenvolvimento da análise crítica, o interesse pela busca do conhecimento sobre assuntos diversificados, a ampliação das capacidades linguísticas, a participação social cidadã.

Para a criança, o processo de aprendizagem da leitura precisa ter significado, para que ela possa se interessar pelo que está aprendendo. As crianças prestam atenção à leitura quando ela tem sentido.

De acordo com o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, a prática da Educação Infantil deve se organizar de modo que as crianças desenvolvam várias capacidades, dentre elas destaca-se o brincar, expressando emoções, sentimentos, pensamentos desejos e necessidades, utilizando as diferentes linguagens (corporal, musical, plástica, oral e escrita), ajustadas às diferentes intenções e situações de comunicação, de forma a compreender e ser compreendido expressar suas ideias, sentimentos, necessidades e desejos e avançar no seu processo de construção de significados enriquecendo cada vez mais sua capacidade expressiva.

O lúdico se faz fundamental na educação infantil, onde o ensino e a aprendizagem da leitura e escrita transcendem a técnica de “codificar” e “decodificar” (PEREIRA, 2001; SANTOS, 2006). O contato com a literatura infantil, nessa fase do processo de ensino e aprendizagem, pode ser muito significativo, fomentando experiências múltiplas, dentre elas, a própria descoberta da literatura e do prazer de ler.

Ler e escrever não se traduz em reproduzir conhecimento que outros elaboram. A leitura e a escrita são atividades que se realizam numa perspectiva cognitiva, apresentando caráter social, histórico e político, sendo muito relevante já na Educação Infantil, quando, antes mesmo de dominar o código linguístico, a criança já constrói conhecimentos sobre a escrita e sobre os textos.

Nesse contexto, a  literatura infantil  tem uma função importante. O contato com as narrativas, com os poemas e com outros gêneros do universo infantil constitui uma rica experiência de letramento (SOARES). Mas o trabalho com o literário na escola não deve ter finalidade prática. Principalmente na educação infantil, a leitura literária deve ser vivenciada por suas múltiplas contribuições, principalmente para despertar a sensibilidade da criança que, ao ler o livro, deve, sobretudo, apreciá-lo (PAULINO, 1999).

A experiência literária diz respeito à fruição, ao estímulo à imaginação, à invenção; isso faz bem e é importante para as pessoas. A escola tem, portanto, uma grande aliada que é a literatura infantil. Cabe a ela, reconhecendo a importância dessa literatura, se empenhar num trabalho em conjunto para desenvolver atividades pedagógicas com leitura literária.

OBJETIVO

Este trabalho tem como objetivo discutir o trabalho com a literatura na educação infantil e no 1º ano do ensino fundamental. Nossa hipótese é a de que esse processo de transição é

189

marcado por uma ruptura que prejudica a formação inicial da criança para a leitura e para a literatura. Na educação infantil, a criança costuma viver experiências que envolvem o lúdico, a imaginação, a criação, favoráveis à experiência do literário; já no 1º ano do ensino fundamental, quando o domínio do código passa a ser a principal preocupação da escola, essa experiência fica prejudicada, pois a vivência do literário está submetida ao pragmatismo da escola e a literatura se didatiza, se escolariza (SARAIVA, 2001).

METODOLOGIA

De natureza exploratória, este trabalho envolve levantamentos bibliográficos, para a discussão do tema do letramento e do letramento, e a análise de material didático e práticas escolares realizadas na Educação Infantil e no 1º ano do ensino fundamental.

O mesmo caracteriza-se, portanto, como descritivo com abordagem qualitativa e inclui revisão da literatura existente sobre o assunto; coleta, seleção, análise e interpretação dos dados.

Quanto ao material bibliográfico pesquisado para o desenvolvimento do presente trabalho, ressalta-se: a Declaração dos Direitos das Crianças, no que se refere à oportunidade de brincar e se divertir, visando os propósitos mesmos da sua educação; as Diretrizes Curriculares Nacionais e o referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, que veem a criança como um sujeito cultural, social e histórico; a Lei de Diretrizes e Bases (LDB – Lei 9394/96), lei orgânica e geral da educação brasileira, a qual, como o próprio nome diz, dita as diretrizes e as bases da organização do sistema educacional. Uma nova determinação incorporada à Lei de Diretrizes e Bases de 1996 estipula a obrigatoriedade do ensino dos 4 aos 17 anos, incluindo a pré-escola, o ensino fundamental e o médio.

Nesta perspectiva, pode-se afirmar que a leitura é fundamental para construção de conhecimentos e para o desenvolvimento intelectual, ético e estético do ser humano. Se considerarmos que a escola tem como uma de suas funções primordiais a formação do indivíduo leitor, pois ela ocupa o espaço privilegiado de acesso a leitura, é imprescindível que a escola crie possibilidades que oportunizem o desenvolvimento do gosto pela leitura por intermédio de textos significativos para os alunos, principalmente os alunos na educação infantil e educação básica.

REFERÊNCIAS

PAULINO, Graça. Para que serve a literatura infantil? Presença Pedagógica, v. 5, n. 25, 1999.PEREIRA, Eugenio Tadeu. Brincar e criança. In CARVALHO, Alysson; SALLES, Fátima; GUIMARÃES, Marilia; DEBORTOLI, José Alfredo. Brincar (es). Belo Horizonte: UFMG, 2001. p. 17-26. 

SANTOS. Santa Marli Pires dos. Brinquedo e infância: um guia para pais e educadores. Rio de Janeiro: Vozes, 2006.

SARAIVA. Juracy Assmann. Literatura e alfabetização: do plano do choro ao plano da ação. Porto Alegre: Artmed, 2001

190

BRASIL/MEC. Lei n. 4 024, 20 de dezembro de 1961. Fixa as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, 1961. Disponível em <http://www.soleis.adv.br/>. Acesso em: 8 ago. 2014.

__________. Lei n. 9 394. Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). De 26 de dezembro de 1996.

__________. Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil: Introdução. Brasília: MEC/SEF, 1998, v. 1.