II - A FEITURA DE UM REI

A deusa celestial Nut tinha cinco filhos; o mais velho, Osris, era tanto homem quanto deus. Como depois se tornou norma no Egito, sua irm tornou-se sua consorte: seu nome era Isis. Ajudado pelo seu brao direito, o deus Thot, comandava o reino sabiamente, e o povo prosperava. No entanto seu irmo Set tinha cimes do sucesso de Osris, e o matou, cortando seu corpo em diversos pedaos que atirou em partes diferentes do Nilo. Isis ficou inconsolvel, especialmente porque Osris no tinha produzido nenhum herdeiro, o que significava que a perversidade de Set acabaria lhe concedendo o direito de governar.

Sendo uma deusa cheia de expedientes, Isis no desistiu: localizou as partes do corpo de Osris e mandou traz-las a ela para que pudesse reuni-las magicamente e soprar um breve ltimo momento de vida em seu irmo. Ela ento se sentou sobre o falo divino e a semente de Osris a penetrou. Com Isis agora trazendo no ventre o seu filho, Osris se uniu com as estrelas de onde passou a governar o reino dos mortos.

Isis deu luz um filho chamado Horus, que cresceu para tornar-se um prncipe do Egito e mais tarde desafiou o assassino de seu pai para um duelo. No combate que se seguiu Horus decepou os testculos de Set, mas perdeu um olho. A seguir o jovem Horus foi declarado vencedor e tornou-se o primeiro rei.

Desse momento em diante o rei era sempre considerado como sendo o deus Horus, e no momento de sua morte ele se transformava em Osris, e seu filho no novo Horus.

O Baixo e o Alto Egito foram unidos em um s reino por volta de 5200 anos atrs. No sabemos que problemas o povo vivenciava antes desse tempo, quando os deuses ainda moravam entre eles, mas desde o incio a unificao foi considerada como sendo absolutamente essencial ao bem-estar do estado bipartido.

A construo das pirmides preencheu para os egpcios as mesmas necessidades que os zigurates preenchiam para o povo da Sumria, por serem montanhas artificiais que auxiliavam os reis e sacerdotes a alcanar os deuses. Mas muito mais antigo que a pirmide era o pilar, que tinha a mesma funo de ligar o mundo dos homens e o mundo dos deuses.

Antes da unificao, cada uma das duas terras tinha seu pilar principal para conectar o rei e seus sacerdotes com os deuses. Parece razovel considerar que, quando o Alto e o Baixo Egito foram unidos, os dois pilares tenham sido mantidos. Cada um desses pilares era um cordo umbilical unindo Cu e Terra, e os egpcios necessitariam de uma nova estrutura teolgica para expressar a relao de sua nova trindade formada por duas terras e um cu.

Na antiga cidade de Annu (mais tarde chamada de On na Bblia, e de Helipolis pelos gregos) havia um pilar sagrado que tambm se chamava Annu - possivelmente antes da cidade. Esse, acreditamos, era o grande pilar do Baixo Egito e sua contraparte, o Alto Egito, quando da unificao estava na cidade de Nekheb. Mais tarde a cidade de Tebas, ento conhecida como "Waset", tinha o ttulo de "Iwnu Shema", que significava "o Pilar do Sul".

Atravs da anlise de rituais das crenas egpcias posteriores, viemos a acreditar que os pilares sagrados se tornaram a manifestao fsica da unificao. Simbolizando a unio das duas terras em um s reino, os dois pilares foram considerados unidos pela celestial viga de Nut, a deusa do cu, as trs partes formando um portal arquitetnico. Com um pilar ao sul e outro ao norte, a abertura naturalmente se voltava para o leste para saudar o Sol nascente. Em nossa opinio isso representava a estabilidade, e enquanto os dois pilares permanecessem intactos o reino das Duas Terras prosperaria. Achamos isso muito mais pertinente quando notamos que o hierglifo egpcio para as Duas Terras, chamado "taui", era o que se poderia descrever como sendo dois pilares voltados para o leste, com pontos que indicavam a direo do nascer do sol.

Olhando do leste para essa porta espiritual, o pilar da direita era o do Baixo Egito, correspondente ao pilar manico Jachin, que significa "estabelecer". No h explicao no ritual moderno para o que isso realmente signifique, mas a ns parece vir diretamente do Baixo Egito, a mais antiga das terras. De acordo com o mito egpcio esse era o lugar onde o Mundo veio a existir a partir do caos primordial chamado Nun, e, portanto, "Jachin" significa nada menos que o estabelecimento do Mundo.

Para os egpcios o pilar da esquerda marcava a conexo do Cu com o Alto Egito, e no ritual manico ele identificado como Booz, que quer dizer "fora" ou "na fora". Essa associao surgiu quando a terra do Alto Egito mostrou grande fora em tempos de necessidade do Egito, em uma poca em que o Baixo Egito esteve perdido temporariamente nas mos de um inimigo poderoso.

A Maonaria diz que a unificao dos dois pilares representa "estabilidade", e que no h dvida de que isso descreve como o Egito se sentia. Enquanto ambos os pilares estivessem intactos, o reino das Duas Terras prosperaria. Esse tema da fora atravs da unidade de dois pilares foi, acreditamos ns, o incio de um conceito que viria a ser adotado sob muitas formas por culturas posteriores, incluindo os judeus e mais recentemente, a Maonaria.