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254 • .
III
Das duas personagens, qual seria Da inépcia mais escrava:
- Acácio, que a muther prender tentava? - Teresa, que prender a luz queria?
IV
Talvez riam das rudes singelezas Do ingénuo par, contudo,
- A humanidade toda (eu não me iludo) É composta de Acácias e Teresas .
MIRAGENS
Por que razão dizemos do passado O bem, que do presente não dizemos? É que, à distância, sempre azul nós vemos
O monte descalvado .
AMOR ETERNO
I
Tarde de outono . À Lídia, a ebúrnea fronte Beijando, Fábio: "O meu amor (dizia)
É eterno" . E ela sorria, Vendo o sol, que baixava no horizonte .
II
Manhã de outono. A Fábio, num crescendo De angústia, Lídia: "O teu amor (clamava) !i!ão era eterno?" E ele sorria, a flava Luz, que subia, no horizonte, vendo .
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-- . .
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III
Os atares são novos; mas, no fundo, t velho o quadro; e prístinas perfídias Demonstram que anda em cena desque há Lidias
E Fábios neste mundo .
IV
Quadro eterno (eu concluo) , eterno açoite, Há de ser da mesquinha humanidade: - Que, no amor, a mais longa eternidade Não dura, muitas vezes, uma noite .
(Dolor Barreira. Op. cit., t . 2, pp . 3 1 ; 32 ; Eurico Facó . Pingos d' Água. Rio de Janeiro, Aguiar & Morgado, 1918, pp . 1 1-14; 39 ; 121-4 . )
Eurico Facó deixou inúmeros sonetos, alguns de inspiração ainda romântica (o "Ideal", que se tornou antológico, dizia : Quando tu passas leve e graciosa I Como no lago o cisne alvinitente, I Como a flor que se embala docemente 1 No regaço da brisa suspirosa . . . ) ou de recorte algo clássico. Mas preferimos focalizar sua faceta mais característica e mais in-
.
teressante, transcrevendo alguns de seus pequenos poemas, com o que, também, estamos respeitando a vontade do poeta, que deu à publicidade em livro estes, e não aqueles . Os dois primeiros apresentados pertencem ao livro de estréia, Poemetos ( 1900) : "Enganos", exemplo de seu fino humor (e que é talvez seu mais conhecido poema) , pinta-nos um quadro anti-lírico por excelência, .baseado certamente nos equívocos da vida real . Em "A Tua Voz", o a�tor quis naturalmente significar que não necessita de um longo poema para exaltar a voz da amada; dizendo que até o sabiá se cala ao ouví-la já disse tudo, com sua predileção pelo miniaturismo . As demais produções, constantes dos Pingos d' Agua (1918), aproximam-se, pela forma, da arte clássica (mas não do Parnasianismo);
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.
•
note-se a tendência filosofante, presente aliás desde o primeiro poema transcrito, mas aqui desenvolvid'a : o poeta, em "Réstias de Sol" e em. "Amor Eterno", conta um fato, tirando uma conclusão de ordem geral. Em "Miragens", concilia-se admiravelmente a meditação filosófica ao miniaturismo formal; compara a distância. no tempo com a distância no espaço : enquanto esta azula o vulto da montanha áspera, aquela nos faz esquecer as asperezas dos momentos passados . A imagem talvez nem fosse nova mesmo ao tempo da composição do poema; entretanto, a disposição dos vocábulos em apenas quatro versos, sendo o .úl timo 11m quebrado de heróico" coloca-nos diante de um poema simples, mas de inegável beleza e pura poesia .
SOARES BULCAO
José Pedro SOARES BULCAO Nasceu em São João de Uruburetaina, em 13 de maio de 1873, e faleceu em Fortaleza, em 17 de julho de 1942 . Exerceu o jornalismo, destacando-se como polemista; foi por duas vezes deputado estadual e pertencia a várias agremiações literárias (v. g . o Centro Literário e a Academia C.earense de Letras) . Dedicou-se aos estudos de História, particularmente no campo da Genealogia (era membro do Instituto do Ceará) . Redigiu e..c;tudos sobre política e história e compôs grande número de poemas . Entretanto, no campo da poesia deixou unicamente um livro, as Parê mias, de "filosofia popular em versos", ficando inédito o He
liantus, que dizem seria o ponto alto de sua produção lírica. Era polemista vigoroso e usava às vezes o pseudônimo de Aresbul. Publicou, além das já referidas Parêmias (1910) , Cartas Políticas de Solon Pinheiro (1912) , As Lutas do Ceará; A Fun-· ção dos Partidos e o Dever Partidári·o (1925) , Anastácio Braga, Sua Vida e Sua Obras (1928) , etc.
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PAR2MIAS
Quem muito quer do futuro Vê tudo através do verde;
• •
Mais vale o ·pouco seguro:. - Quem muito quer, tudo perde .. ·
. . . ' ' ' I
A desgraça no mais forte Mais robustece a esperança; Nunca descreias da sorte;
•
·,
. , . . . - Quem espera sempre alcança • .
' I '
Nunca motejes do · pobre Nem dos defeitos que vês;
•
Por igual o céu nos cobre: - ·Cada ,quál ·como Deus fez . ·
• • • o . � . . . . . . • .
. . . .
Como a boca, a pena explica Reservas do pensamento; A letra da pena fica, - Palavras, leva-as o vento ! . .
Quem o bem fez bem espere, • • o • •
E o mal também� se é dévido: Porque Que·m com ferro fere ·
. . . . . . -.
Com o ferro ·serd feri�o .
V ai com jeito e paciência, Se do melhor queres tu; Bem nos mostra a experiência: - Quem se vexa .come cru .
Muita coisa que vidrilha Parece ser um tesouro . . . . Não te iludas com o que brilha:
. .
- Nem tudo que brilha é ouro .. . .
VIUVEZ •
•
•
•
•
•
I
•
• • • • •
•
- "Só no céu me verás!" tu disseste na ·e xtrema Hora em que de lá vinha o convite fatal . · Aureolava-te a fronte ·um fúlgido .diadem.a · ·
De esperança e de · fé, na . . renúncia final .
25'1
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•
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,
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- - _-;,--
Foi teu último adeus . Nessa angústia suprema, Vi a morte invadir o ·teu corpo lirial, E fiquei, mudo e só, no terrível dilema De seguir-te ou fica·r : � fiquei, por meu mal .
•
Vai, minha filha, vai. Contigo seguirão Os meus sonhoJ de moço . E todo o meu destino, Que também era o teu, findou . No coração,
Eterna guardarei, entre dobres de sino, . De teu corpo, que foi o meu cult.o pagão, A tua alma, que é hoje o meu culto divino .
DO LENTES
.
(Fragmentos)
Quem há que tenha, na vida, Sofrido tanto como eu? Mas que importa a alma ferida� Se o coração não morreu?
O que meu coração sofre Jamais o tempo consome, Porque dele eu fiz um cofre Para guardar o teu nome . .
A chave de jit� escura Com que fechei .... teu.�atix.ão É a mesma da fechadura Que trancou meu coração .
Pediste a Deus· que nos desse A morte no mesmo dia; Foi ouvida a tua prece: - Nem pior morte haveria! ·
-
• • .
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•
•
• • •
Coração que acaso amou Sinceramente, uma vez, É campo que o sol crestou, Deixando eterna aridez .
• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •
Não sei qual de nós, querida, Sente maior desventura: Se és tu já na sepultura Ou se eu sepultado em vida .
• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •
Antes morrer eu quisera, Morrer deixando saudade, Que sofrer a iniqüidade Desta dor que desespera .
Quando chega a noite escura, Vou para o leito esperar-te; Minha alma vive à procura Da tua, por toda a parte .
•
( Soares Bulcão. Parêmias. Lisboa, Tip. uA Editora", 191 0, pp. 24, 2 5, 26, 27, 29, 37, 38. Antologia Cearense. Fortaleza, 1957, p. 280. Dolor Barreira, Op. cit., t. 2, pp. 408-11.)
As Parêmias, adagiário popular em versos, trazem prefácio de Afonso Celso, que vê nas trovas do poeta cearense "a quintessência da filosofia e da experiência populares''. Esse livro granjeou para o autor aplausos em vários pontos do País, certamente pelo fato de ele fugir ao poetar da época (dominado pelo Parnasianismo e pelo Simbolismo) : note-se como, na maioria das quadras transcritas, o próprio adágio compõe o verso final, isso indicando mais uma vez ser a redondilha maior o metro predileto do povo . Todavia, o poeta não escreveu as trovas no esquema rimático popular, e no qual não rimam os versos t.o e a.o; preferiu o esquema erudito em ABAB, de rimas cruzadas . Interessante o caráter puramente
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•
cearense da penúltima trova, onde vexar-se . tem o sentido não de envergonhar-se, passar um I veJmme, I · mas . de . , apressar-se (Quem se vexa come cru) . . · Os .versos que .se seguem revelam o lado mais belo e mais triste da .poesia de Soares Bulcão (que também compõe sonetos descritivos) : o elegíaco . Perdendo a esposa, escreveu ele alguns dos mais sentidos versos ditados pela dor da viuvez . lt aliás '�Viuyez'·' ··o tít�lo com . que aparece na Antologia Cearense (1957) , organizada pelaj ·Academia Cearense de Letras (com prefácio· de Raimundo Girão) um soneto que deveria figurar�··no aludido livro Heliantus: vazado em alexandrinos clássicos, tudo nesse poema é grave, solene como a dor profunda que o motivou : perdendo a mulher amada, resta ao poeta, em sua irremediável .so�idão, transformar aquilo que fora o amor carnal em p�r� adoração ·espiritual . Do poema "Dolentes", composto ··de . 23 estrofes, .es.colhemos
•
apenas oito, que julgamos dar �em uma idéia de. sua atmos-fera elegíaca : Leonardo Mota, em seu Sertão Alegre ( 1928) , fala de uma variante da estrofe 3.a, que teria vi�t9 no livro Cancioneiro de Trovas do B_rasil . Central, de Americano do Brasil, publicado em 1925 ; e .conclui que a qu�dra deve ter-se popularizado . Considera-a ele·· uma trova, e é, com efeito, como todas as demais do poema, podendo ser tomada independentemente, como poema autônomo . A propósito, relata ainda o nosso folclorista, no mesmo livro,- que entre outras quadras
.
de autores conhecidos· que ele teria ouvido "da boca do povo", como autênticas trovas an�nimas, figura esta outra, . também de Soares Bulcão, e que revela ainda outra faceta do poeta : Marià da Soledade, I Tenha juízo, me deixe! I Se aparecer no
vidade, 1 Você de mim não se queixe . . .
JOSÉ ALBANO
JOSÉ d' Abreu ALBANO Nasceu em Fortaleza , no dia 12 de abril de 1882, vindo a falecer na Fran-ça, num hospital em Montauban, em 11 de julho de 1923. Estudou no Seminário de Fortaleza, mas logo foi mandado para a Europa, tendo estudado na Inglaterra, na Austria e na França . Voltou ao
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..
Ceará, para fazer os preparatórios no Lice�, ·. 9�d� seria professor, por volta de 1904 . Mudou-se para o Rio de Janeiro, ingressando na carreira diplomática e seguindo novamente para a Europa, fixando-se primeiro em Londres, para depois iniciar uma peregrinação por vâr��s país�� : .. �sp�nh�,
.���t�gal, Fran
ça, Bélgica, Holanda, Alemanlj��· .. �u�g#i'a, StiíÇ�, 'I�ália, Romênia, Grécia, Turquia, Egito ·� Paiestina . Eni 1914 está ou-
. . , . . . . . •.
tra vez no Ceará, doente, séguind;<l', <;lois ·anos· . depois, para o I " • ' •
Rio, onde convive com os maiores· · nomes ·da literatura de en-tão . Em 1918 viaja ainda mais uma vez, fixando-se em Paris . José Albano conhecia profundamente diversos tdiomas, notadamente o Português, fino vernaculista que era . Publicou .
. . .• . . . . .
, seus primeiros poemas na imprensa Jortalezense ··ri.o inicio do século, época em que participou · d()' Centro Literâ.i:io . Posteriormente, porém, é que as'surillu a" dicção camoriiana, que o
. .
distingue de todos os poetas· de seu tempo . · Publico·u : Rimas de José Albano Redondilhas ( 1912) , Rimas de José Albano - Alegoria (1912) , Rimas de José Albano . Cançam a Camoens e Ode à Lingua Portuguesa ( 1912) , Comédia Angélica de José Albano (1918) , Four Sonnets .With Portuguese Prose Translation ( 1918) , assim · ·como a . . Antologia Poética de José Albano ( 1918) . Suas Rimas, acrescidas. -· :dos ·sonetos ingleses e.
mais dez sonetos escolhidos pelo · · autor; tiveram. uma edição organizada por Manuel Bandeira (1948) e outra, por Braga Montengro (1966) ,. esta última com mais 15 outros sonetos . 51 .
ESPARSA I .
. .
Há no meu peito uma porta A bater continuamente; Dentro a esperança jaz morta E o coração jaz doente . Em toda parte onde eu ando, Ouço este ruído infindo: São as tristezq,s. entrando E as alegrias saindo ..
•
•
2�1
262
CANTIGAS
I
Já quis tentar formas nov·as, Foi mais ou menos em vão Hoje nestas velhas trovas Falará meu coração
•
II
Tudo o que sinto e padeço Posso descrever assim: O prazer não tem começo, E a tristeza não tem fim .
X
A pensar me às vezes ponho E não posso compreender Porque sempre acaba o sonho Onde começa o prazer.
· XIII
Disto enfim já não duvido, No mundo o maior cuidado Vem do bem que foi perdido ·
Antes de ser alcançado .
XIV
6 coração, quando choras, Bates com arquejos lentos, Marca o tempo, não por hortu, Mas sim pelos sofrimentos � ·
·
•
•
. . -• . .
ODE A LINGU A PORTUGUESA • • •
•
Lingua minha, se agora a voz levanto Pedindo à Musa que me inspire e ajude, Somente soe em teu louvor o canto '
Inda que a .lira seja fraca e rude; E tudo qua�to sinto nà alma e digo, Já que na alma não cab�,
·
Contigo ·viva e acabe só contigo .
•
Língua minha dulcíssona e canora . '
Em que mel com aroma se mistura, . Agora leda, lastimosa agora, Mas não isenta nunca de brandura;
. .
•
•
• •
•
I
, . .
Ltngua em que o afeto santo influi e ensina • . .
E derrama e prepara A música mais · tara e mais divina .
. .
. . . . . . . . . .
. . . . . Língua na qual eu . suspirei primeiro,
. .
Confessando. que amava, às ·auras �ansa� E agora choro, à sombra do · salgueiro, Os meus passados sonhos e esperanças; Na qual me fez ditoso em tempo breve Aquela doce 'fala Que outra nenhuma · iguala - nem descreve .
Língua em que o· me·u amor falou d' amores, Em que d' amores sempre andei cantando, Em· ·que modulo\ os mais enca11:tadores E deleitosos sons de quando em quando E espalho acentos inda nunca ouvidos De mágoas e de gozos, Queixumes amorosos · e gemidos .
•
Sempre e sempre .- te eu veja . meiga e pura Naquela singeleza primitiva, . . Naquela verdadeira formosura . •
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I •
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Que farei que· · no· ·vetso meu revzva .·
E, se apenas um pouco se revela Desse encanto .j.ocuncto, . . . . . . .
Há de·'· mostrar· · ao �; mundo quanto és · bela . ,I . ' . . ' '
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Outros andain o t'éu sublime aspeto · · o • o I '
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D' ornàmentos .. es'trdnhàs · encobrindo - .
Sem saber o que -tefis de 1nais secreto:, I •
De mais .. ittar(i'vilhoso e · de ma!s · lindo�· ·. · · ·
Em ti já não se nota o m�smo agrado E eu nãO te ·reconh�eço·,
· ·
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• •
Se o teu valor e preço é rejeit�do .
. .
• • • • o • •
. ..
. . • • . . . . . . . . .
. Q'l!tanta e qu.amanha .dcw me surge e nasce De nunc·a ouVir aquele . antigo estilo, - . . . . . . .
Mas e� fiz que ele �qui se . reno'l?asse, . . .. . . . . . . . . .
Para que o mundo enfim pudesse ouvi�lo . •
E com todo .o ,poder d' engenho e d'arte . Foi sempre ·. o meu desejo : .
·
. . \ ·, . . .
Ver-te, . . qU4l. te orti vejo. . e celebrar-:-te . . .
. . .
. . . .
•
. . . . . ' . . . .
. . . . .
Ah! como assim me enlevas e . me encantas, Ora chorando e rindo, ora gemendo; .
· · E, se te · outros ofendem .. · veze-s tantas, Embora solitário, eu te defendo: ;Eu te defenderei sem te� .descanso E ern luta n4o ingl.óry�
.. . . .
Tu verás q'!J,e �.· vitória - e a palma .alcanço . . . . . . .
•
.
. . .. . . E em ·pago disto peço qUe me · imprimas· Maior ternura na alma' e :não ma agraves; Dá-me versos d'ulcíssimos ê ·- rimas . ·
. ' .
Eternas, peregrinas e suaves: · · Dâ•me uma ··voz.:: melodiosa --e ,:amena, · � ·
Para que noute �e dia · · ·:. .·. · ..
· � .... · . � . · · Diga a minha .
.
,aleg·riâ · e·· ·.ti,. · -minha ·.pen;a .. ...
•
•
E não quero um som alto e retumbante Para cantar d' amor ao mundo atento '
Pois não há lfngua que d' amor não cante, Mas nenhuma traduz o meu tormento · Nenhuma se conhece que traslade, Afora tu somente, Do coração doente a · saudade .
COMÉDIA ANGÉLICA
(fragmento)
RAFAEL '
'
Anjos, no céu se escute a nossa prece, Até que a formidável luta cesse E o arcanjo Gabriel notícias traga, Do triunfo que a mente vê, pressaga, Porque, segundo creio em Deus, é certo Que o momento esperado esteja perto .
Coro
A música murmure meiga e branda, '
Conforme o amor divino ordena e manda, E agora já com o ânimo tranqüilo Cantemos · num suave e santo estilo, Até que enfim, passando o tempo breve, O aleluia dulcíssimo se eleve .
• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •
' . ' '
GABRIEL .
Anjos, ouvi a narração da · iu{a Contra a maldade e astúcia baixa e bruta E o sublime triunfo nunca visto PO/fa · g�ória e louvqr · de JESUS. Cristo . E que também retumbe · no universo, . . .
•
(
I
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•
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Depois de derrotado o arcanjo adverso, Das armas e das tubas o ruido, Saudando o vencedor nunca vencido, E em toda parte celebrado seja Miguel, invulnerável na peleja . Já no terreno próprio e bem disposto Estão os combatentes rosto a rosto, Quando ao som da trombeta que se espera, Lúcifer salta qual veloz pantera E, andando em roda, com a fina ponta A Miguel ameaça que traz pronta A espada e juntamente pronto o escudo E sem mover-se em pé, severo e mudo, Somente os olhos do adversário fita, Buscando ocasião que lhe permita Dar um seguro passo mais avante, Na mão direita o gládio rutilante . Em vão Lúcifer tenta desarmá-lo . Miguel do medo não conhece o abalo, Mas antes em coragem vai crescendo, Cada vez mais feroz e metuendo . Qual ájrico leão soberbo e forte !rasamente espalha em torno a morte E, erguendo aos céus o formidável uivo, Erriça todo o pelo · crespo e ruivo E logo se arremessa sem detença, Até que rompa, fira, abata e vença: Tal o arcanjo belígero e robusto Co'ardente olh.ar infunde trio susto No inimigo que, vendo força tanta, Três vezes cai, três vezes se levanta E por fim em letárgico repouso Jaz aos pés de Miguel vitorioso .
Coro
Glória, glória a ADON AI, três vezes glória Pela gloriosíssima vitória!
� •
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•
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E hon�ra a Miguel arcanjo que sempre há de Guardar ao Criador fidelidade!
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SONETOS
I
Poeta fui e do áspero destino Senti bem cedo a mão pesada e dura . Conheci mais tristeza que ventura E sempre andei errante e peregrino .
Vivi sujeito ao doce desatino Que tanto engana mas tão pouco dura; E inda choro o rigor da sorte escura, Se nas dores passadas imagino .
Porém, como me agora vejo isento Dos sonhos que sonhava noite e dia E só com saüdades me atormento;
Entendo que não tive outra alegria Nem nunca outro qualquer contentamento, Senão de ter cantado o que sofria .
•
II
Ditoso quem foi sempre desamado Nem nunca na alma viu pintar-se o gozo, Que lhe promete estado venturoso Para depois deixá-lo em triste estado .
•
Já me de todo agora persuado De que não pode haver brando repouso, E do afeto mais doce e deleitoso Se gera às vezes o maior cuidado.
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•
. --
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•
Não quero boa sorte nem sonhá-la, Pois logo passa, apenas se revela, Como uma dor que ·outra nenhuma iguala .
Mas quem desconheceu benigna estrela, Se não teve a alegria d' alcançá-la, Nunca teve o desgosto de perdê-la .
IV
Mata-me, puro Amor, mas docemente, Para que eu sinta as dores que sentiste Naquele dia tenebroso e triste De suplício impl(lcável e inclemente .
'
Faze que a dura pena me atormente E de todo .me vença e me conquiste, Que o peito saüdoso não resiste E o coração cansado já consente .
E como te amei sempre e sempre te amo, Deixe-me agora padecer conti'go E depois alcançar o eterno ramo .
E, abrindo as asas para o etéreo abrigo, Divino Amor, escuta que eu te chamo, Divino Amor, espera que eu te sigo .
X
Se amar é procurar a cousa amada .
E unir duas vontades num desejo, Se é ressentir um mal tão benfazejo Que quanto mais tortura, mais agrada;
Se amar é sofrer tudo por um nada E a um tempo achar que é pouco e que é sobejo,
I
'
I
'·
..
. '
--- --- -- '"7� ••
Já claramente agora entendo e vejo Que ·não há quem de amor me dissuada .
•
ó doce inquietação e doce engano, Doce padecimento e desatino De que não me envergonho, antes me ufano!
•
Comigo, quantas vezes imagino: Se é tão doce na terra o amor humano, Que não será no Céu o amor divino?!
•
TRIUNFO
Era no tempo, quando a terra perde O alvo manto de neve e a doce Flora
•
Adorna o bosque e esmalta o campo verde .
Nos ares se ouve a música sonora De Progne que lá vai, lânguida e lenta, Tornando aonde Filomela mora .
Eis sobre o manso e livre de tormenta Assento das N ereidas saüdosas Um triunfo aos meus olhos se apresenta .
Coberto só de lírios e de rosas, Aurifulgente carro vem trazido Por mil pombinhas meigas e amorosas .
Nele ·co' o ledo e trêfega Cupido Está Vênus serena e sorridente A cujo raro encanto andei' rendido .
E o seu olhar se alonga no ambiente Como uma clara estrela matutina Começa a cintilar suavemente .
•
•
I '
2'10
E o seu sorriso voa na campina Como um jasmim que docemente caia, Quando Favônio a leve rama inclina .
E entre ondas de perfume que se espraia, Vêm as Graças gentis em brando adejo: Eufrosina e Talia com Aglaia .
E as Horas imortais admiro e vejo: Dicéia, Eunômia e Irene co'a formosa Musa que ainda acende o meu desejo .
•
Esta � quem só d'amores vive e goza, Esta é quem faz que eu só d'amores cante Em melodia d.oce e dolorosa .
Cerúleo véu .lhe cobre o almo semblante, Porém um não sei que me leva e obriga A erguer a voz chorosa e suplicante:
6 tu, minha dulcíssima inimiga Que a toda a parte aonde me traslado Manda que o amor eterno me persiga;
.
6 tu que vais causando o meu cuidado E jazes tanto mal, sendo tão boa, Escuta os ais dum peito magoado .
Pois quando ordenas que este amor me doa, Como uma ave cansada torna ao ninho, Ao teu regaço o meu desejo t10a .
Ah, não me deixes nunca andar sozinho Mas dá-me sempre em aflição tamanha Um pouco de consolo e de carinho .
i
• •
I
•
I
•
ó meu sonho d'amor tu me acompanha Por esta vida, às vezes tão escura, Po·r esta vida, às vezes tão estranha .
• • • • • • • - - · . . . .. . . .. . . . . . . . . ... . . . .
Ela, movendo os olhos ternamente Entre um suspiro e outro suspiro, disse Como q·uem na alma só tristeza sente:
Caro amador, nunca houve quem te visse Senão tratando só do afeto puro Que o amor manda que sempre se cobice .
O mesmo bem procuras que procuro E em pago do teu longo sofrimento Aqui verás pintado o teu futuro .
Ouve-me, nunca viverás isento D' arte ou d' engenho e sempre terás na alma Da 1JOesia o brando sentimento .
-
Terás a doce avena que te acalma, E a belicosa tuba que te anima, Para que alcances sempiterna palma .
• •
E voando no espaço, lá de cima Espalharás em sonoroso canto O que nunca se disse em verso ou rima .
Nunca te faltará do monte santo A proteção benigna e benfazeja Das nove Musas a quem amas tanto;
Que eu te prometo que o Parnaso seja Em teu favor, e desta vida escura Evites a vulgar e vil peleja .
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I
•
Sentes comigo a mesma desventura E o mesmo go�o, e cheia ·de gemidos, Na mesma língua a tua voz murmura.
Ah, nunca de mim sejam esquecidos Os acentos da música celeste Que vencem e arrebatam os sentidos .
.
E como sempre assim cantar quiseste, • •
Em sons ou d' amargura ou d' alegria, Farei que o teu a'J'!lor se manifeste .
E erguerás nesta vida fugidia Um monumento .como outrora os houve Contra que o duro tempo em vão porfia . .
E embora a gente humana te não louve, Hás de viver contente, conhecendo Que Polímnia te. inspira e Apolo te ouve . \ . .
' .
Assim falou e a flama em que me acendo . .
Dentro do coração ia aumentando Enquanto � doce voz ia gemendo .
•
.
E ela, que de Cupido segue o mando ' . .
Colheu no bosque os ramos duradouros E co' um sorriso milagroso. e brando Me coroou de mirtos e de ·zouros . . .
• .
(José Albano. Rimas. Fortaleza, Imp. Universitária do Ceará, 1966, Pref. de Manuel Bandeira e Estudo de Braga ]4ontenegro, pp. 46; 63- 5; 86-8; 188-91 ; 211; 212; 214; 220; 2 03-7. )
. .
. .. ... .
Embora incluído por Manuel Bandeira na sua Antologia de Poetas Bra�ileiros da �ase .. . S.im,bolista ( 19·65) , e,,. entre os
• •
neoparnasianos, n9t ç9�etâp.��� �oesi(.L �arna�iana (1967) , por Péricles Eugênio da Silv� .. "��os., _ na verdade José .Albano es-
•
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•
capa a qualquer classificação dentro dos quadros da poesia brasileira de seu tempo . Nem O· misticismo de seus versos tem relação com o Simbolismo, nem o acento clássico nos autoriza a ver nele alguma coisa de' parnasiano ; ele versejava à maneira clássica no declínio do neopamasianismo e do Simbolismo . Para Antônio Sales, sua evolução artística teve três fases : "a primeira de lirismo passional, a segunda de erudição clássica e a terceira de êxtase místico . " 52 A estas, acrescenta Braga Montenegro uma quarta, "a de exaltação pagã, na qual realizou o Triunfo, talve.z sua última composição" . 53 Da primeira, constam certamente alguns sonetos que não incluiu nas Rlimas ou na Antologia Poética, sem falarmos nos versos do tempo do Centro Literário . Da segunda, de erudição clássica, reproduzimos a "Esparsa I" e algumas "Cantigas" , bem como a Ode à Língua Portuguesa: naquelas, além da linguagem clássica, note-se a tristeza, que não é comum, de origem amorosa ou livresca, mas existencial, filosófica; é uma das constantes de sua poesia, não só na primeira fase, mas em todas . Na Ode, est.adeia-se seu amor à língua pátria, mas, advil"ta-se, "naquela singeleza primitiva", que inten� ta reviver n·o verso. Veja-se a diérese em saudade, à maneira camoniana, com 4 sílabas. Da fase de êxtase místico é Comédia
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Angélica., da qual trans.crevemos apenas um fragmer1to ; tra-ta-se de poema dramático, retratando cena passada no Paraíso : apresentamos a descrição da luta do arcanjo· Miguel com Lúcifer, o rebelado . Aqui, impregnando-se de puro misticismo, fugiu o poeta um pouco à influência camoniana; mesmo assim, no trecho transcrito, o· "áfrico leão", que surge como elemento comparativo, lembra aquele "fortíssimo leão" d' Os Lusíadas (Canto· IV, 34-5) . Dos Sonetos, alguns se incluem nessa fase de religiosidade ; Braga Montenegro, no citado estudo, assinala a fidelidade ao esquema clássico em ABBA ABBA CDC DCD; fidelidade, acrescentamos nós, qt1e 0 próprio· Camões não seguiu, pois variava o esquema dos tercetos . o "Sone.to I", onde novamente se exprime a tristeza do poeta, pareceu a Manuel Bandeira "um soneto póstumn de Camões", o que é elogio, sem dúvida, mas não coincide
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I
com a realidade, vJsto Albano haver sabido transfigurar a influência do Mestre . Mas, passando pelo "Soneto II'', belíssimo pela forma e pela profundidade filosófica do tema, deparamos, no "Soneto IV", com o ápice talvez de seu êxtase místico : o autor não somente revela acendrado amor ao Cristo, mas procura identificar-se com Ele, a ponto de querer sof�"er todas as agruras do Calvário . No "Soneto X", é exaltada a
vida eterna : se é tão doce o amor terreno, o que não será a eternidade do amor de Deus? José Albano, com seus sonetos místicos, não deixa de no·s lembrar alguns versos de Gregório de Matos, em seus quatorze dirigidos a Jesus. O Triunfo,
que vai constituir a quarta fase aventada por Braga Montenegro, segue rigorosamente o esquema da terça rima, compondo-se de uma série de tercetos, cujos versos 1 .0 e 3.0 rimam entre si e com o 2.0 do terceto anterior ; a derradeira estrofe é um terceto a que se acrescentou mais um verso (que rima com o 2.o) , formando assim um quarteto. Povoado de 11Qtas arcádicas, nesse poema desfila todo um enxame de figuras mitológicas (exaltação pagã) : como que o poeta se sente isolado dos homens, que o não compreendem, e consola-se com as supostas palavras que lhe dirige Vênus, nas estrofes derrad.eiras. José Albano, de cuja poesia damos apenas uma amostra, é sem dúvida um dos maiores poetas não só do Ceará, mas. do Brasil .
· RAIMUNDO VARÃO
Residiu em Fortaleza, de 1911 a 1915, aproximadamente . Trabalhou na Fotografia Olsen, bem como no Jornal do Ceará.
Teria nascido no Piauí, segundo alguém informou a Dolor Barreira ; entretanto, Otacílio de Azevedo, que com ele trabalhou na citada fotografia, afirma haver o poeta nascido em São Paulo . Escreveu porém no Ceará, chegando a marcar época com a sua poesia de tons fortes . Além de versos esparsos pelos jornais e revistas, deixou dois poemetos, A Morte
da Aguia (1914) e Glatigny (1915) .
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A CANÇÃO DOS ROMANTICOS
A mortalhados na ilusão primeira, Seduziu-nos o aroma da baunilha - E sonhamos de amor a vida inteira Sob a sombra feliz da mancenilha.
Da nossa vida os ásperos cuidados - Nos cálices das rosas, das violetas, Foram eternamente sepultados Ou levados no vôo das borboletas.
Na treva espessa de doiradas tranças Por entre beijos e eternais carinhos, Os rouxinóis das nossas esperanças Gorjeavam a música dos ninhos . . .
Se a voz do Mal nos vinha despertar, As nossas 'blusões iam morrer Ou num raio de prata do luar Ou nuns lábios rosados de mulher . . .
Mas deixemos a sombra do Passado, Sepultemos as pálidas visões No silêncio tranqüilo e repousado Da Pompéia de mortas ilusões!
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E o que nos resta enfim? .. . . Nada nos resta Desse Passado amargo ao recordar, - Fogo-fátuo num combro de floresta, - Sombra perdida, além, a soluçar.
Nada importa, porém. Lassas, cansados, À luz crepuscular da lua-nova, Coroemos os rostos macerados Para a boda final no chão da cova! . . .
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UM SONETO D' AMOR
Anjo, m'lLlher, demônio a quem venero, Sombra que amaldiçôo e que bendigo, Luz dos meus olhos, infernal perigo, Causa do meu eterno desespero,
Se procuro esquecer-te é que mais quero Dar-te em minh'alma sacrossanto abrigo, E concentrando as lágrimas comigo As minhas próprias carnes dilacero . . .
Do meu profundo amor sempre a falar-te, Encontrarás o espectro solitário Disperso a soluçar por toda parte!
E se em teu peito a compaixão não medra Eu irei pela senda do Calvário Arrancando um soluço a cada pedra . . .
ALUCINADO
À VIOLANTE
Ardendo em chamas de infernal cratera, Ao ver-te o corpo escultural, divino, Sinto rugir-me n'alma uma pantera Que ladra contra Deus e o meu destino . . .
Tu és a flor em plena primavera Eu sou o mendigo, o verme pequenino . . . Deixa rolar no abismo da quimera A paixão deste amor, que não domino.
Vive, mulher, e sê feliz! Um dia, Quando houveres baixado à campa fria, Na febre dos desejos indomados,
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Irei, partindo o mármore das lousas Visitar o mistério em que repousas
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Para beijar-�e . . . os ossos descarnados!
FORTALEZA
Lá, sob um claro céu de azul-turquesa, Onde o sol seu tesouro em luz descerra '
Lá fulge a legendária Fortaleza, Como um raro brilhante sobre a Terra.
Como um sacro penhor da Natureza, Como um beijo auroral que a vida encerra, Longínqua e bela, a lânguida princesa, Arfando o peito, geme e os olhos cerra.
Porque nos batem temporais medon,hos E tivemos no mundo a mesma sorte, ó casta Fortaleza dos meus sonhos,
Meu derradeiro e desvelado anseio É ter a paz na comunhão da Morte, Dormindo em sete palmos do teu seio . . .
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(Folha do Povo, Fortaleza, 26 . 06. 1913 ; Dolo r Barreira. Op. cit., t. 3, pp. 49-50; 51. R. Girão e Martins Filho. O Ceará, Fortaleza, 2.a ed., 1945, p. 219.)
Em poema como A Morte da Águia, Raimundo Varão mostra:..se claramente influenciado pela musa retumbante de Guerra Junqueiro : Era um penhasco enorme, abrupto, e formidável, 1 Onde o Mar ?tum soluço indômito, implacável, 1 Vinha arrojar os Ais, os lúgubres Lamentos, f O resíduo fatal dos grandes Sofrimentos . . . Condoeirismo com maiúsculas simbolistas. Preferimos reproduzir poemas menos longos e
mais tocados de sua dicção pessoal . Assim, no primeiro, que fomos encontrar na Folha do Povo, de 1913� enquanto as primeiras estrofes se embebem em pura atmosfera romântica, as
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derradeiras já se impregnam de notas simbolistas, notadamente a última, onde o prestígio do novilúnio vai iluminar uma boda na cóva (o que nos remete para o Decadentismo que afinal revive o mtra-romantismo) ; nos sonetos seguintes, patenteia-se, logo nos dois primeiros, a força de sua poesia satânica : as antíteses dominam o início de "Um Soneto d' Amor", em que, numa apóstrofe, vê o poeta sua amada simultaneamente apresentando uma face angelical e outra demoníaca : é um amor quase anormal, em que há desesperos e carnes dilaceradas. Em "Alucinado", é evidente o Decadentismo, de extração baudelairiana, desde a alusão à pantera "que ladra contra Deus", até ao inesperado final, deliberadamente profano . Para o final deixamos um dos mais belos sonetos escritos em homenagem a Fortaleza : estampado pela primeira vez, ao que saibamos, n' O Ceará, de Raimundo Girão e Martins Filho (2.a edição, 1945) , teria sido composto quando o poeta, ainda nas primeiras décadas do século, deixou o Ceará, passando a residir no Rio de Janeiro ; note-se con1o Raimundo Varão antropomorfiza a cidade onde produziu talvez o melhor de sua obra poética. Figura enigmática, da qual, como vimos, não se sabe ao certo a origen1 nem o destino, era o poeta até mesmo fisicamente um homem estranho (alto, pálido, com seis dedos em cada mão) , profundamente original, consoante as reminiscências de Otacílio de Azevedo no artigo "Raimund·o Varão", estampado na Revista da Aca -
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demia Cearense de Letras, ano LXVIII, números 32 e 33, para. 1 964, PP . 88-9 .
Outros N ornes
Longa seria a lista daqueles que, por vários motivos, não podem, rigorosamente ser encaixados dentro de determinadas correntes literárias. Citemos entretanto os nomes de ALVARO BOMlLCAR (Poemas Sentidos 1902) , JúLIO OLiMPIO (Farfalha 1902, A Coruja 1903, etc. ) , BRUNO BARBOSA ( Utopias 1900 e Mocidade 1905) , TELES DE SOUSA (Amarílis 1902) e FRANCISCO SILVÉRIO (Cromos
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1897) , todos já vistos no Centro Literário bem como SABINO '
BATISTA (Flocos 1894 e Vagas 1896) visto na Padaria Espiritual, sua esposa, ANA NOGUEIRA BATISTA, que não deixou livro, VIRGíLIO BRANDAO (Líricas 1905/13 e Re-dondilhas 1924/33) , VASCO BENíCIO (H arpejos 1907 e No Outono 1912) , RAMOS NETO, que escreveu inúmeros sonetos, nunca reunidos. em volume, GIL AMORA, PAULA AQUILES, LIBERA TO NOGUEIRA, EUFRASIO DE ALMEIDA, de quem Dolor Barreira reproduz vários poemas, ou ainda ABIGAIL e MARIA SAMPAIO (autoras de Atamos e Centelnas - 1928) , e, mais recentemente, SERRA AZUL, poeta de feição algo cientificista, autor do Alfabeto das Musas 1924 e de Natureza Ritmada 1938, sua obra principal . 54
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Álvaro Bomílcar é autor de um soneto que obteve alguma notoriedade, sendo reproduzido· por diversas antologias : t.ratap -se de "A Bíblia Verde" :
O campônio, o caipira, o sertanejo, Que, a distância de um pobre lugarejo, Habita, em paz, bucólico recanto.
Pois, quando .a noite estende o negro manto, Dorme, sem ambição e sen� desejo . . . E quando o sol envia o louro beijo, De manhã se levanta sem quebranto .
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Fe.riz, porque nasceu de pais obscuros, E morrerá na rústica pureza, Na boa-fé dos sentimentos puros!
Sem ciência, nem livros em que estude, Só sabe ler, conforme a Natv.reza, - A Bíblia Verde da existência rude!
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É uma poesia que tem algo de romântico, mas que já se
distancia visivelmente da dicção da escola; entretanto, não pode ser chamada de pamasiana, nem mesmo realista, embora aspire a isso pelo tema . Aliás, Rodrigues de Carvalho, en1 artigo publicado em 1902, observa que o poeta conhece sua arte, e que é dotado de inspiração e originalidade ; e conclui : "Bomílcar é um romântico entre os decadistas . " Isso demonstra precisamente a dificuldade que experimenta qualquer crít:co, ao tentar classificar a obra de alguns escritores desse tempo .
As Farfalhas (1902) , de Júlio Olímpia, trazem tão evidente mistura de tendências. estéticas, que alguém, assinando-se C . S . (seria Carlos Sá?) , escreveu, no jornal A República� de 16 de abril de 1902, uma página de crítica em que, a certa altura, observa : "Inspiração e espontaneidade, as d11as condições essenciais do lirismo puro, que se não deixa resvalar para o pieguismo, são os dois tons que se destacam nas suas melhores prod·uções .
"Às vezes, entretailto, o poeta se apaixona pela forma , mas tão raramente se nota em sua obra este zelo, que não poderemos colocá-lo absolutamente' sob a influência da escola parnasian·a, e nem mesmo entre os intermediários que possuem os caracteres do parnasianismo, ao mesmo te.mpo que os do lirismo .
"Não predominando também em nenhum dos seus versos o simbolismo, das três a mais moderna escola literária, con·clui-se que o Sr . Júlio Olímpia é apenas um poeta lírico . "
Não fosse o lirismo uma característica, presente na poesia de modo geral, e concordaríamos com as palavras do articulista . Quanto ao Parnasianismo, como iremos ver, somente um pouco mais tarde surgirá realmente no Ceará .
Do citado livro de Júlio Olímpio é o soneto "Caim", que tem recebjdo a consagração das antologias :
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Caim se ergueu em meio da espessura
Dos abismos da noite . . . Em longos anos,
I nter1·ogou o berço e a sepultura/ Falou dos céus aos justos e aos tiranos .
Blasfemou contra Deus em noite escv.ra .
Atravessou de�erto's desumano�s! E, assim, de desventura em desventura Vagou nos mais tremendols desenganos .
De pé, sobre o rochedo, desgrenhado� Triste, contempla o céu ilimitado Sobre a aridez sombria do deserto!
'
Erguendo o braço às regiões do Eterno,
Nada encontrou senão, além do inferno,
Um vácuo horrível a seus pés aberto!
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Mas são do mesmo livro os versos de um soneto inspirado em uma composição célebre ; "O Lenço" começa assim :
Guardo o teu lenço, cofre estranho e caro
De esquisito perfume e de candura;
Manto aromal de imaculada alvura,
Nesga do firmamento em dia claro .
Bruno Barbosa era romântico ao estrear com 16 anos de
idade, em 1900 ; ao publicar seu segundo livro, Mocidade, em
1905, já apresenta composições que se aproximam do Parna
sianismo, não obstante a borbulhante e�moção, quase condo
reira, que enforma seus versos . É o que sucede com o soneto
"Ansia Infinita", porventura sua mais conhecida produção :
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I
Alma! sobe, desvenda, alcança outras planuras, Quebra o grtlhão fatál, quebra a maldita algema Que te prende no chão e voa nas alturas Embora o sol desmaie, embora a nuvem trema .
Povoa a solidão das noites mais escuras . . . Tira da luz a crença, esta verdade extremo. Que t�- falta, e se um Deus é o que, ardente, procuras, Faze um Deus que contigo as dores sinta e gema .
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Mas que vejo! Voaste, asas abertas, frio . O ar., a nuvem que passa e foge, a imensidade Viste e viste sem luz ·o espaço, ermo e vazio .
Baldado é teu esforço, inútil é teu grito: És pequena demais, mesquinha humanid.ade, E esmaga-te a cabeça o peso do Infinito!
Teles de Sousa explora descritivamente temas amazôni-cos, m�s. �:ua dicção é quase s�mpre romântica, como nesta� redondilhas de "Pobre Flor" :
Meiga florinha singela, Que· se devia esfolhar No seio de uma donzela Entre os círios de um altar;
ou incaracterí.stica, como nestes versos son·eto ' 'De Viagem'' , povoados de simplicidade :
Eis-me a bordo, saudoso contemplando A vastidão da cérula campina . . .
·· · · · Enquanto do navio a proa fina
, As águas do Amazonas vai cortando .
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Vasco Benício, ao estrear com H arpejos, em 1907, traz poemas onde se misturam notas clássicas e românticas como "E
' m Genebra" :
Repara as águas, Nyssia, deste lago .. Onde a lua se mira embevecida;
Contém a mesma cor e o mesmo afago, Dos claros olhos teus que me dão vida .
Olha que cisne branco à flor do mago
Espelho de Genebra adormecida . . .
Tem este imenso alvor e o róseo vago, Da meiga face tua enlanguecida!
•
E a tosca pedra amiga. em q1te sentados,
Estamos contemplando a noite e os prados.,
Tem dos cabelos teus a escura cor .
Ouves ao longe os doces murmúrios
Do Ródano, cortando os vales frios? . . . É o riso . . . é o canto do teu lábio em flor! . . .
Ramos Neto enquadra-se perfeitamente nesse lirismo espontâneo, com muito de reminiscência romântica, mas demonstrando, como os nossos chamados parnasianos, predileção pelo soneto, que praticou abundantemente nos jornais fortalezenses, notadamente no Correio do Ceará; inúmeros desses sonetos estão reproduzidos na História, de Dolo�r Barreira . um de seus mais divulgados poemas, "Arvore", dá bem uma idéia dessa poesia de difícil classificação para quem siga rigorosamente um critério estético :
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Ao sol pompeias, farfalhando os ramosj Arvore-mãe, de pássaros cercada, A sombra amiga às vezes a buscamos Como um conforto em meio da jornada .
Sob os teus galhos para os céus olhamos Misticamente, de alma sossegada; Vibra o canto feliz dos gaturamos Em teu louvor, nas pompas da alvorada!
Tu, que te ostentas viridente e bela, Desafiando a fúria da procela, �s, entretanto, pródiga de flores -
Toda meiguice para os passarinhos, E ba!ouças os ramos protetores Como acen.ando aos pássaros sem ninhos . . .
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Gil Amora (José Gil Amora) , temperamento boêmio que cedo se finou, espalhou talento pelos j ornais do início do século, deixando um ou outro poe,ma banhado de romantismo . Como o soneto "De Branco' ' , digno� da pena de um bardo de 1860 :
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Toda de branco, como a vi, parece., Na sua de jasmim celeste alvura, Dos céu.s um anjo que, fugaz, viesse Espairecer na terra a praça pura . . .
Como o sidéreo azul, quando anoitece. De fulgores semeia a alta planura; Assim, esta alma quando e·la aparece É como astros luzindo em noite escura .
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--- -� .. ,
Oh! mulher di,vinal, meiga e formosa
Que me fazes lembrar a nívea rosa
Que as pétalas desata à luz do dia;
Canta em minh'alma como um passarinho!
Tua voz embriaga mais que o vinho .
Deixa que eu morra ao som de·ssa harmonza .
Andou bem Dolo r Barreira ao recolher, na sua obra monumental, poemas de muitos autores desconhecidos ou pouco lembrados, páginas que ficariam certamente perdidas nas folhas dos periódicos; co.m o pouco amor que temos geralmente às coisas do passado, breve esses jornais e revistas desaparecerão irremediavelmente . Entre os inúmeros poetas que o historiador exumou, figura Eufrásio de Almeida, que surgiu e desapareceu para as letras cearenses no início do século .
Te.ndo eomeçado .a versejar por volta de 1910, quando então já o Parnasianismo dominava a poesia cearense, ou pelo menos começava a se impor, Eufrásio de Almeida trabalhava o verso com certo apuro·, embora não se possa ligá-lo por isso à corrente; exemplo de seu modo de poetar é um dos sonetos transcritos por Dolor Barreira no necrológio do poeta - ''Triunfal'' :
Passas! . . . E essa beleza estonteadora
Perturba, atrai, deslumbra, enleia, prende! . . .
E minha alma a teus 'Pés, um culto rende· ' -
Ao teu encanto triunfal, senhora!
E sonha e goza e, ébria de amor, ascende
Enlevada e feliz, na embriagadora
Essência morna, ondeante, enervadora,
Que do teu corpo jáspeo se desprende!
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E como sou feliz nesses momentos! Esquecido das mágoas, dos tormentos, De mim próprio esquecido, a contemplar-se!
E se acaso te afastas, eu te sigo! Vives em mim; eu trago-te comigo,
. Nas vigílias, no sono, em toda parte .
O certo é que, dos fins do século passado para as primeiras décadas deste, os poetas citados neste capítulo e inúmeros outros, cujos nomes não mencionamos, povoaram as páginas dos periódicos com seus ve.rsos, bons ou maus, reveladores de uma fase de transição, em que a um resto de Romantismo se juntavam as notas do Simbolismo e um vago anseio de P'ar-
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nasian!smo que se Inicia . -
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