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Imagem: arqueologia e conceitos ALBERTO KLEIN Universidade Tuiuti do Paraná/UTP

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Imagem arqueologia e conceitos

ALBERTO KLEIN

Universidade Tuiuti do ParanaacuteUTP

Resumo Este trabalho tem o objetivo de fazer um percurso sobre os diversos conceitos e classificaccedilotildees da imagem aleacutem de fazer uma anaacutelise de sua presenccedila no universo midiaacutetico contemporacircneo Na segunda parte pretende-se investigar as raiacutezes da imagem na preacute-histoacuteria e sua asshysociaccedilatildeo com o fenocircmeno da magia e da religiatildeo

Piil~vraacuteschave imagem miacutedia religiatildeo magia

Abstract The goal of this paper is to highlight various concepts and classifications of the image and to analyse its presence in the contemporary mediatic uni verse In the second part this work intends to research the roots of the image in the pre-history o f mankind and to study its association with the phenomenon o f magic and religion

Keywords imagem media religion magic

I bull _

Televisatildeo emiddot haacutebito

o E middotmiddot m middotprinciacutepiacute6 imagem poacutede 5ertudo que Se dinge ao olhai Qual-

queisirtafque i~dd~ no glOacutebo ocular passa poacuter proc~ssoacutes quiacuteshymicos e nerros~~ middot aiecirc middotmiddot agrave foacutennaacuteCcedilatildeoacute visual de um detertrumtdo

objeto que em um determinado instante vemos Todo o universo de irtfoacuteimaccedilotildees que se apresenta agrave Visatildeoacute humana pasSa aacute ser absorvido cdrho imagem Sobre este processo de apresentaccedilatildeti)tnageacutetica do mundo Jacques A~mont afirma middot middot middot middot middot middot

A ssim a percepccedilatildeo visual eacute o processamento ein etapas sucessivas dfr uma iiIacuteformaccedilatildeo que noacutes cheacutegapor intershymeacutedio dOacute luz middot que efJtra em nossos olhos Como toda inshyformaccedilatildeo esta eacute codificada em um sentido que middotnatildeo eacute o da semiologia os coacutedigos satildeo aqui regras de trimsformagraveccedilacircOacute naacutetui-aUacute (nem arbitraacuteriasmiddot nem convencishyonais) que deteacuterminam a atividade nervosa em funccedilatildeo da informaccedilatildeo contida nd luz (1993 p22)

o uso da palaVra imdgein natildeo seacute limith entret~to ao jaacute infinito tiniveiso ruis toisas cagrave~tiiiadacircs pela visatildeo Afinal criamos imagravegens mentais de bhjetos invisIacutevei~ que muitas vezes ntmta iratildeo se materializar diante de hossos olhos o conjlihto destas ihu1geris compotildee aquilo que chaacutemagraverrios Uacutezaginaacuterio Natildeo se ttata de um unishyversoacute redutido agrave fic~atildeocirc~)teacutemiddot porque as imagenSproduzidas p~lbhoshymem acabamporrefazero proacutepnb homeinOacuteque vemos pdtiiritocirc podeseacute~ aquilo middotque tambeacuterrimiddot~o~ Oacutelha patafril~eimdoacuteuacuteina expr~~~atildeo usada por George bidi-HUumlberIacutenagraven (1992) Depois de criar no~sos

Alberto klein

deuses delegamos a eles o poder de nos recriar Eacute assim que Edgar Morin coloca o imaginaacuterio como uma estrutura antagonista e comshyplementar daquilo que chamamos real e sem a qual sem duacutevida natildeo haveria o real para o homem ou antes natildeo haveria realidade humana (1997 p80) Com os olhos fechados formamos imagens oniacutericas Experimentamos um mundo impossiacutevel atraveacutes das imashygens produzidas pelos sonhos (ateacute mesmo por aqueles vivenciados na vigiacutelia) e com elas alimentamos o nosso imaginaacuterio Natildeo eacute por acaso que Ivan Bystrina coloca o sonho como uma das raiacutezes transformadoras da cultura que ele denomina Segun~ Realidade Ele irriga a produccedilatildeo de novos textos culturais inspirando a criaccedilatildeo de novas imagens Neste mesmo sentido Morin afirma

(O imaginaacuterio) daacute uma fisionomia natildeo apenas a nossos desejos nossas aspiraccedilotildees nossas necessidades mas tambeacutem aacute nossas anguacutestias e temores Liberta natildeo apenas nossos sonhos de realizaccedilatildeo e felicidade mas tambeacutem nossos monstros interiores qlle violam os tabus e as leis trazem a deStruiccedilatildeo a loucura ou o horror Natildeo soacute delineia o possiacutevel e o realizaacutevel mas cria mundos impossiacuteveis e fantaacutesticos (1997 p80)

O imaginaacuterio faz-se concretamente visiacutevel nos objetos da arte e da religiatildeo Damos forma a pinturas esculturas e desenhos em nossos sonhos e pesadelos Traccedilamos a fisionomia dos nossos deuses fazendo-os agrave nossa imagem e semelhanccedila A imaginaccedilatildeo humana n~o se prenccedilieu a uma virtualidade mental mas se inscreveu visivelmente atraveacutes do espetaacuteculo da magia da religiatildeo e da arte em nossa realidade Asslm devemos reconhecer a dupla natureza das imagens criadas pelo homem mental e material

D~ntro do universo das imagens produzidas materialmente podemos identificar naturezas muito diversas que variam conforme seu material ou seu suporte tecnoloacutegico Assim temos esculturas pinturas grafite bordados estampas fotografias cinema imagens de TV infografias holografias etc Notamos que a vertiginosa evoshyluccedilatildeo tecnoloacutegica na qual nossa cultura estaacute inserida apresenta-nos

Significaccedilatildeo 23 bull 178

Imagem arqueologia e conceitos

um mundo que se multiplica a cada dia na forma de imagens em diferentes suportes Neste sentido tomam-se cada vez mais acessiacuteshyveis gadjets como palm tops celulares com acesso agrave Internet e que tiram fotos assim como tecnologias de ponta como a Realidade Virshytual Haacute tambeacutem promessas para um futuro muito proacuteximo quanto agrave utilizaccedilatildeo de bolo gramas e nanorrobocircs (que seratildeo literalmente ingeshyridos) como meios de comunicaccedilatildeo interpessoal

Do mesmo modo que variam os suportes abre-se um leque de diferentes funccedilotildees assumidas pelas imagens Elas podem cumshyprir um fim religioso ou maacutegico constituindo-se um siacutembolo ritualiacutestico como vimos provavelmente este foi o primeiro horishyzonte da criaccedilatildeo das primeiras imagens Assumem mais tardiamente uma dimensatildeo puramente esteacutetica e aiacute estamos diante do valor arshytiacutestico que salta das -pinturas e esculturas e outras- formas de artes visuais Aqui o ritual cede ou se toma residual nas formas profanas do culto agrave arte Conforme Walter Benjamin (1969 p224) o valor de culto de uma obra eacute sobreposto por seu valor de exposiccedilatildeo em uma era em que prevalecem mecanismos de reproduccedilatildeo mecacircnica da imagem principalmente com a fotografia e o cinema

Pela primeira vez na histoacuteria a reproduccedilatildeo mecacircnica emancipa a obra de arte de sua dependecircncia parasiacutetica do ritual () a obra de arte torna-se uma obra de arte projetada para a reprodutibilidade 1

bull (1969 p224)

Morin ( 1997 p 77) vai tratar da experiecircncia esteacutetica tanto na arte como na cultura de massa como uma degradaccedilatildeo da partishycipaccedilatildeo religiosa Enquanto nesta uacuteltima o mergulho na imagem reshypresentaria uma experiecircncia de um imaginaacuterio que se toma mais real do que o proacuteprio real assistir a um filme ou a uma novela designa uma experiecircncia que se situa um degrau abaixo da participaccedilatildeo maacutegica e religiosa Neste caso rege uma dupla consciecircncia do espectador este pode ser intensamente absorvido pela obra apesar do imaginaacuteshyrio ser apenas tomado como imaginaacuterio

Traduccedilatildeo do autor deste trabalho

Significaccedilatildeo 23 bull 179

middot middot ~lberto klein

Devemos tambeacutem reconhecer muitas outras funccedilotildees daimashygem no contexto dacultura-de massaEla se restringe a-uma finalishydade informativa emfotos e charges dejon~ais reyistas mesmo que se oriente por criteacuterios esteacuteticosmiddotrSimageil$ do mesmo modo _servem de passatempoj distraccedilatildeo entretenimento-nas mais diversas produccedilotildees nos meios de comunicaccedilatildeo de massa Orientam--nos para o consun1o-como o fazem as fotografias publicitaacuteriagraves comerciais de televisatildeo assitp c_omo a floresta de outdoors paineacuteiseletrocircnicos banners e tantos outros sushyportes imageacuteticos quemiddoten_ccedilobremo espaccedilo urbano As diferentes naturezas origens suportes e funccedilotildees demonsshytram como esse conceito eacute complexo e escorregadio O esforccedilo de anaacutelise eacute classificaccedilatildeo dasitnagens estaacute no domiacutenio de diversas aacutereas do conhecimento tais como Filosofia Esteacutetica Psicologia Comunishycaccedilatildeo Antropologia2

Teologia entre outras A natureza das imashygens eacute amplamente investigada pelaJisica e pelas neutociecircncias A esta uacuteltima estatildeq viriculadostrabalhos instigantes do neurologista norte-americano Oliver Sacks um notoacuterio campeatildeo-de vendas e do neurocientistabullportuguecircsAritocircnio Damaacutesio

No final do livroOMisteacuterie da Consciecircncia Damaacutesio preshyocupa-se em discorrer sobre conceitos usados ao longo de sua obra O termoimageni para o neutodentista portuguecircs eacute empregado no sentido de-padratildeomental podendo se remeter a processos conscienshytes ou inconscientes middotImagens mentais natildeo se resttigem conforme Damaacutesio agrave percepccedilatildeo visual elas podem cobrir todo espectro senshysorial Poderiacuteamos assim falar de imagens taacuteteis ou olfativas3

bull A proacutepria mente deveria ser entendida como um processo ligado a um fluxo contiacute~uode -irhagens middot Sobre como se daacute este fluxo o autor escreve

O processo que chegames a conhecer como m~nte quando imagens mentais se tornam nossas como

2 Etienne Samain em um interessante ensaiei chamado Para que a antropologia consiga tornar-se visual analisa a possibilidade de se fazer antropologia atra-veacutes da fotografia middot

3 Embora haja uma aproximaccedilatildeo com o conceito de iacutecone em Peirce Damaacutesio estaacute tratando exclusivamente de imagens rnentais

Significaccedilatildeo 23 bull 180

lm~gemarqueologia e conceitos

resul_tado 4_a consciecircncia eacute um fluxo contiacutenuo de imagens e muitas delas se revelam logicamente intershyrelacionadas o fluxo avanccedila no tempo raacutepido ou lento ordenadamente ou aos trambolhotildees e agraves vezes segue natildeo uma mas vaacuterias sequumlecircncias As vezes as sequumlecircncias satildeo concorrentes outras vezes convergentes ou divergentes ou ainda sobrepostas Pensamento eacute uma patavra aceitaacutevel para denotar esse fluxo de imagens (2000 p402-3)

Sobre a investigaccedilatildeo em tomo da imagem aqui con~iderada a partir de seus suportes fisicos a iconologia e a iconografia como meacutetodos de investigaccedilatildeo da imagem devem ser lembradas como ferramentas importantes principalmente com as contribuiCcedilotildees de Aby Warburg Fritz Saxl e Erwin Panofsky

Eacute claro que a semi oacutetica natildeo se furtou em contribuir para seu estudo Aliaacutes todas as tradiccedilotildees de estudos semioacuteticos passam neshycessariamente por uma reflexatildeo e sistematizaccedilatildeo de uma teoria dos signos que abarque obviamente a questatildeo da imagem Na semi oacutetica de Charles S Peirce a noccedilatildeo de iacutecone que se constitui a partir do criteacuterio de semelhanccedila em relaccedilatildeo ao objeto aproxima-se mais do conceito de imagem Entretanto deve-se ter cuidado ao fazer uso deste conceito uma vez que o iacutecone segundo Peirce refere-se tamshybeacutem a signos de canais natildeo visullis envolvendo todo espectro senshysorial do homem Assim podemltgts ter iacutecones acuacutesticos quando por exemplo imitamos-o som de um paacutessaro ou a voz de alguma figura puacuteblica

Ao deslocar sua atenccedilatildeo do signo para o texto a Semi oacutetica da Cultura fornece-nos uma perspectiva mais adequada para aborshydar a imagem enquanto um fenocircmeno cultural Com as contribuishyccedilotildees dos semioticistas da Escola de Tartu-Moscou passamos a enshycarar a imagem natildeo apenas como um signo fechado mas como um entrelaccedilamento de fios e tramas ou seja pela associaccedilatildeo dos seus elementos visuais e sua projeccedilatildeo histoacuterica que uma determinada imagem como um produto cult4rnl deve ser consider~ Por isso em suas famosas Teses para um Estudo Semioacutetico da Cultura Lotman_

Significaccedilatildeo 23 bull 181

Albertoklein

lvanov Toporov Uspenskij e Pjatigorskij conseruiualmente declaram o texto como uma unidade baacutesica da eultura (1975 p62) Anatureshyzatextual da imagem natildeo a reduz agrave esfera do verbaacutel a palavra texto neste caso estaacute em consonacircncia com o seu significado original remetendo-nos agrave ideacuteia de tecido urdidura ou tapeccedilaria Norval Baitello Jr explica claramente a noccedilatildeo de texto

Ora o registro de um determinado signo ou de um grupo de signos sua permanecircncia ou sua transformaccedilatildeo em diferentes momentos perceptivos constitui um percurso ou sejamiddot um encadeamento uma associaacuteccedilatildeo de signos vale dizer um objeto de natureza narrativa no qual o significado natildeo se manteacutem senatildeo globalmente () Assim o tecido natildeo eacute apenas uma somatoacuteria de fios ou fibras mas a textura que estas fibras produzem Assim o texto natildeo eacute um conjunto uma somatoacuteria de elementos discreshytos mas sim o resultado de uma interaccedilatildeo de elementos e sua projeccedilatildeo temporaacutel Um signo uacutenico natildeo seraacute portanto um texto se natildeo for visto em um percurso em uma relaccedilatildeo tempoal ou espacial dialogando consigo proacuteprio ou com outros signos (1997 p41-2)

A complexidade do texto ajuda-nos a elucidar a natureza de uma imagem a partir de sua histoacuteria e de seus viacutenculos com uma determinada cultura Certagravemente eacute esta abordagem semioacutetica que eacutestaraacute de forma subjacente presente na anaacutelise que faremos da iconografia cristatilde Entretanto ainda permanece o desafio de lidarshymos com um conceito mais preciso e operacional de imagem que se case com os objetivos deste trabalho

Em um instigante ensaio sobre a fotografia o teoacuterico da miacutedia tcheco Vileacutem Flusser que passou boa parte de sua vida em Satildeo Paulo incumbe-se da tarefa de conceituar imagem e o faz com simplicidashyde e criatividade Mas uma vez que sua obra trata essencialmente de fotografia Flusser se prende agrave noccedilatildeo de imagem plana e natildeo se preocupa aleacutem disso em estabelecer tipologias Sua reflexatildeo passa tambeacutem pela instacircncia mental das imagens ao tentar definir

Significaccedilatildeo 23 bull 182

imaginaCcedilatildeo Como elemento fundamental na construccedilatildeo e decodificaccedilatildeo de imagens Diz ele logo no iniacutecio de sua obramiddot middot

bull Imagens satildeo superjicies que pretendem representar algo Na maiorta dos cagravesos algomiddot que middot se encontra laacute fora no espaccedilo_e no tempo As imagens satildeo portanto resultado do esfocircrCcedilo de se abstrair duas das quatro dimensotildees de espaccedilo-tempo para que se conservem apenas as dimensotildees do plano Devem middot sua origem agrave capacidade de abstraccedilatildeo especiacutefica que podemos chamar de imaginaccedilatildeo No entanto a imaginaCcedilatildeo tem dois aspecios se de um lado permite abstrair duas dimensotildeeS dos fenocircmenos de outro permite reconstituir as duas dimensotildees abstraiacutedas na imagem Em outros termos imashyginaccedilatildeo eacute a capacidade de codificar fenocircmenos de quashytro dimensotildees em siacutebolos planos e decodificar as menshysagens assimmiddot c~dificadas Imaginaccedilatildeo eacute a capacidade de fazer e decifrar irzagens (2002 p1)

Eacute a pa~r deste pensam~nto de Fhisser qle No~agravel Baitelloacute Jr nos retrata iuna espeacutecie_ de crise da imaginaccedilatildeo diante do excesso de imagens cotidianas a que estamos expostos Eacute justamente neste tracircnsito entre iinagens inte~as e externas onde Flusser localiza a ideacuteia de imaginaccedilatildeo que se institui um desequiliacutebrio O titIacutemlsrpoacute e a onipresenccedila das imagens ext~~as dfminuirla no~sa capacictade de construir novas image~s do mUpqo e imaginar outras possibilidades estabelecer nova~ relaccedilotildees De tanto serem interpelados aas maneiras mais apela~tyas e ins_uumlliosas em toda e qualquer hora em todo e qualque~- l~gar ~o-~ imagens cad~-rye_~ mqts gritantes e repetitivas nossos olhos jaacute natildeo querem ver (2003 p80) Se as imagens satildeo intepnediaccedilotildees entre o homern e o mundo como diz Flusser em que medida seriani elas tambeacutem bi~llbos Eacute as~im que as cidades acabam sendo escondid(ls p~los outaoor~ O natildeo_pOdfr ver por causa da saturaccedilatildeo transformase ~m um natildeo querer ve~ e a crise se instaura no olhar

Significaccedilatildeo 23 bull 183

_ ~lberto klein

O filoacutesofo e socioacutelogo alematildeo Dietmar Kamp~r em A Estrutura Temporal das Imagens nos diz que nossa oacuterbita ocular eacute palco de uma derrota secular da visatildeo A velocidade e saturaccedilatildeo de imagens em um universo coberto pelos meios de comunicaccedilatildeo serishyam os perpetradores dessa derro~ Em wp outro texto Imanecircncia dos Media e -Corporeidade Transcendental Kamper nos pergunta se haacute algum mundo aleacutem dos media ou se eles jaacute cobriram tudo

Agrave crise do olhar em razatildeo ccedille um universo tomado por imashygens estaacute ligada agrave faacutebula de Borges citada por Baudrillard no iniacutecio de seu Simulacros e Simulaccedilatildeo A estoacuteria nos fala de um rei que encomendou aos c~rtoacutegra~os de seu reino um mapa que represenshytasse perfeitamete a ~eografia de seu paiacutes O resultado acabou ficando tatildeo perfeito que a obra acabou cobrindo totalmente o territoacuterio Esta faacutebula serve para Baudrillard nos assegurar que hoje habitamos o mapa e natildeo mais o temtoacuterio cujos iagmentos apodrecem lentashymente sobre a extensatildeo do mapa (1991 p8)

Kamper apresenta-nos na Enciclopeacutedia Antropoloacutegica Cosshymo Corpo e Cultura um sentido ambiacutevalente na origem da palavra alematilde equivalente agrave imagem bild Do antigo alto alematildeo billid enshyg~oba significados como forma essecircncia imagem coacutepia ou reprodushyccedilatildeo Haacute assim um problema portanto desde o iniacutecio em que a repreacutesentaccedilatildeo daacute lugar agrave magia jaacute que bild pode designar a presenccedila de uma essecircncia Kamper deste modo nos diz que originariamente a imagravegem tein como objetivomiddot reproduzir apresentar e desenhar Soshybre a magia evidenciadara ambivalecircncia do conceito diz o autor Esta posiCcedilatildeo mUtaacutev~l entremiddoturna ordem maacutegica da pIacuteeriacutea presenccedila na qual a imageacutem eacute idecircntica agravequilo que mostra e uma ordem da representaccedilatildeo qiuacute tende ao vazio () nunca se perdeu de todo (2002) Ocirc sacramento da Eucaristia e a veneraccedilatildeo de imagens dos santos na igreja satildeo prova evidente deacute que-os vestiacutegios da magia natildeo se perderam middot

O que podeacutemos dizer da sacralizaccedilatildeo das imagens publicitaacuteshyrias segundo este peacutensamento Ao mesmo tempo em que ocorre uma banalizaccedilatildeo das imagens devido ao seu excesso em nosso cotishydiano devemos tambeacutem middotadmitir um esforccedilo em divinizar produtos atraveacutes de imagens o que nos leva fatalmente agrave onipresenccedila do

Significaccedilatildeo 23 bull 184

Imagem arqueologia e conceitos

espetaacuteculo em nossa sociedade Trata-se aiacute da tentativa de recuperar um poder que as imagens rituais exerciam sobre o homem mesmo que residualmente O objetivo eacute claramente provocar encantamenshyto e para tanto deve-se tentar sobressair diante do gigantismo assumido pelas imagens no espaccedilo urbano Outdoors ficam cada vez maiores e acabam inaugurando uma disputa domiddotespaccedilo pelas imagens como afirma Baitello (2003 p80) Recentemente middotaagecircnshycia de publicidade DPZ em um anuacutencio fixou um automoacutevel na sushyperficie de um outdoor em uma avenida da capital paulista exemplo claro de fazer a imagem confundir-se com o proacuteprio objeto evidencishyando uma intenccedilatildeo maacutegica Do mesmo modo o culto dedicado aos liacutederes poliacuteticos e o patrociacutenio da cultura de massa agrave veneraccedilatildeo das estrelas do show business mostram a forccedila do encantamento exershycido pelas imagens ainda na entrada do seacuteculo XXI

Um outro desafio se apresenta ao lidarmos com a questatildeo da representaccedilatildeo siacutegnica da imagem Sobre isto vale a pena citarshymos a polecircmica acerca da natureza da imagem entre o semioticista Winfried Notildeth e o respeitado pesquisador Hans Belting conforme nos relata Benjamin Burkhardt no artigo Controveacutersia em Torno de uma Ciecircncia das Imagens No iniacutecio de 2004 em um encontro acashydecircmico na Alemanha Notildeth argumentava haver uma deficiecircncia semioacutetica nas pesquisas de Belting em razatildeo deste ignorar a natureshyza siacutegnica das imagens ao passo que este uacuteltimo acusava a semi oacutetica de reduzir a imagem ao conceito de signo dando a ela um caraacuteter unicamente representacional Abaixo a Imagem e Todo Poder ao Signo era o prov()cativo tiacutetulo da conferecircncia de Belting De fato a noccedilatildeo de signo toma-se insuficiente para abrigar toda forccedila irradiadora da imagem sendo por isso que a Semioacutetica da Cultura privilegiou o conceito de texto A imagem enquanto objeto da cultura jaacute se apreshysenta como uma unidade complexa de natureza narrativa como um encadeamento de elementos que se dialogam compondo uma histoacuteshyria que lhe confere um sentido e uma funccedilatildeo cultural Esta controshyveacutersia portanto estaria resolvida se ao inveacutes de um signo nos deshyfrontaacutessemos com um texto pois a ambivalecircncia das imagens e o seu poder exercido sobre o homem soacute podem ser deslindados em uma unidade miacutenima narrativa e complexa

Significaccedilatildeo 23 bull 185

Albertomiddotklein

O que satildeo imagens entatildeo De um ponto de vista da cultura e levando em consideraccedilatildeo o aspecto material do objeto imagens satildeo textos culturais construiacutedos pelo homem frutos de sua imagishynaccedilatildeo que duplicaram o seu mundo e seu imaginaacuterio dando~ lhe forshymas figurativas ou abstratas nos mais diversos suportes visuais As diferentes funccedilotildees e naturezas das imagens em diferentes eacutepocas congregam a ambivalecircnciamiddot da distacircncia representativa e de sua parshyticipaccedilatildeo na essecircncia do que estaacute por detraacutes delas Representaccedilatildeo e presentificaccedilatildeo satildeo dois limites (natildeo deixando de observar as inuacuteshymeras possibilidades gradativas )entre os quais percorre o poder que as imagens sempre exerceram sobre o homem

A arqueologia da imagem

Neste item seraacute analisada apenas a origem das imagens mashyteriais produzidas pelo homem deixando de lado o problema das imagens mentais pois este eacute um fenocircmeno que transcende obviashymente o gecircnero H orno

Um dos maiores problemas ao nos defrontarmos com a preacuteshyhistoacuteria da humanidade como nos alerta Leroi~Gourhan eacute que lida- middot mos quase somente com dados probabiliacutesticos o que limita uma reconstituiccedilatildeo das praacutetiacutecas atitudes do homem preacute-histoacuterico frente agraves imagens e do poder nelas investido Todos estes elementos natildeo satildeo fossilizaacuteveis e portanto cabe ao estUdioso interpretaacute-los atra~ v eacutes de pistas deixadas pelos nossos anceStrais Outra dificuldade eacute middot que denominamos como preacute-histoacuteria um periacuteodo de longas e sucesshysivas etapas do processo de evoluccedilatildeo humana que remontaacutea alguns middot milhotildees de anos e que durou ateacute mais ou menos dez mil anos atraacutes Estamos tratando portanto natildeo de um homem mas de luna variedade de espeacutecies H o mo que ao longo do tempo foram extintas pela seleccedilatildeo natural ateacute culminarem no H orno sapiens haacute cerca de cem mil anos

A questatildeo da religiosidade do homem preacute-histoacuterico estaacute ligashyda muitas vezes ao problema do surgimento das primeiras imagens pois delas se extraiacuteam provavelmente temas mitoloacutegicos muito embora seja possiacutevel identificar a presenccedila de um pensamento religioso antes mesmo do periacuteodo figurativo no paleoliacutetico superior

Significaccedilatildeo 23 bull 186

lmagema~queologia e conceitos

Uma vez que o terreno eacute movediccedilo ao inveacutes de perguntarmos quanshydo surgiu a centelha religiosa na humanidade seria melhor indagarshymos em que etapa do processo evolutivo percebemos sinais de que o homem eacute religioso Mircea Eliade que natildeo eacute um estudioso da preacute-histoacuteria objeta a este tipo dequestionamento pois para ele a religiosidade natildeo eacute fruto de uma etapa do processo evolutivo ao inveacutes disso ela constitui uma estrutura na mente humana ( 1978 pl3 ) Devemos nos lembracde que agravereligiosidade mitos e ritos praticados pelo homem preacute~ histoacuterico estatildeo profundamente vinculados agrave questatildeo da emergecircncia da cultura conforme assinalam Ivan Bystrina e Edgar Morin

Em seu livro As Religiotildees da Preacute-histoacuteria tiacutetulo que esshyconde as verdadeiras intenccedilotildees da obra Leroi-Gourhan toma como desafio discutir esse tema e responder a esses questionamentos O paleontoacutelogo avisa ao leitor contudo que em sua anaacutelise justamente por falta de materiais que possibilitem uma separaccedilatildeo conceitual natildeo seraacute feita nenhuma distinccedilatildeo entre religiatildeo e magia De qualquer modo haveria indiacutecios de detectar a crenccedila em algo transcendente Assim Leroi-Gourhan defende que as manifestaccedilotildees e oacutebjetos produzidos pelo homem que natildeo poderiam ser explicados por razotildees de sobrevivecircncia fiacutesica da espeacutecie poderiam apontar para a religiosidade deste homem a presenccedila do ocre no habitat do hoshymem de Neander(hal eacute considerada um fato religioso porque natildeo eacute explicaacutevelpor necessidades de sobrevivecircncia material (s d p26) Portanto haacute motivos claros para atestar o pensamento religioso no homem a partir do paleoliacutetico superior a partir de cerca de 50 mil anos atraacutes Embora faltem elementos suficientes para comprovaruma religiosidade mais tardia pode-se contudo admiti-la

Feitas estas reservas natildeo haacute nenhuma razatildeo vaacutelida para recusarmiddot aos antropiacutedeosmiddot paleoliacuteticos preocupaCcedilotildees de caraacuteter misterioso quanto mais natildeo fosse porque a sua inteligecircncia da mesma natureza senatildeo do mesmo niacutevel da do homo sapiens implica a mesma reaccedilatildeo em face do anormal e do middotinexplicaacutevel middotO homem desde as primeiras formas ateacute a nossa inaugurou e desenvolveu a reflexatildeo

Significaccedilatildeo 23 bull 187

Alberto kleiacuten

ou seja a capacidade para-traduzir middotem siacutembolos a realidade material do mundo que o envolvia Aproprie- dade middotelementar da linguacuteagem consiste em criar paraleshylamente aobull mundo exterior um middotmUndo todo poderoso de siacutembolos sem os quais a inteligecircncia se revelaria ineficaz (sd~ p26)

Ivan Bystrina amparado pocriteacuterio deLeroi-Gourhan para detecccedilatildeo do pensamento maacutegico e religioso no homem cria o conshyceito de segunda realidade como o domiacutenio domiddots mitos rituais ma- -gia religiatildeo artes e todas as manifestaccedilotildees que natildeo se explicam por necessidades de soJgtrevivecircncia material do homem -uuml elemento fundante desta segundamiddot realidade que para Bystrina equivale ao conceito de cultura seria a consciecircncia damortei Se esta eacute o maior middot obstaacuteculo -daprimeira realidade (realidade biofisica e teacutecnica do hoacutemeril~ exigindo mecanismos de sobrevivecircncia material) eacute possiacutevel somente superaacute-la no plano simboacutelico Daiacute eacute que se middotestabelecem os shycompromissos hmnanos middotcommiddotos deuses e a -magia que a partir de entatildeo vatildeomiddot governara vida humana A cultura neste sentido eacute fruto da experiecircncia-humana da-morte~ Os vestigiqs de que o homem pratica rituais de enterro demiddot seus ~semelhantes haacute pelo menos somiddotmil anos muitas vezescomacompanhamento de floresjuntoacute ao oorpo aacutejmntam -tambeacutemapres~nccedila de uin rico universo simboacutelicoacutetoinadojaacute poacutermiddotum pensagravementomaacutegicoacute Em muitos casos as armas e utensiacutelios eram middot depositadosjunto com o morto o quacutee indicaria segundomiddot Edgar Morin umapossiacutevelmiddotpreservaccedilatildeo da-identidade depois da~morteacute -Umoutro middot casointeressaritesatildeo corposinurnados em-posiccedilatildeofetal evidenciandomiddot a middotcrenccedila middotdecrenasmiddotuacutemento depois da mortemiddot_ As priiacuteneirasmiddotpistagraves dos -funerais preacute-histoacutericos ainda natildeo registram o aparecimento de uma arte figurativa~ que comeCcedilaria a-evoluir posteriormente -

t~o que Bystrinagravechania-desegunda realidade Edgar Morin denominamiddot segunda existecircncia o domiacutenio deste uacuteniverso simboacutelico Tal como Bystrina Morin tambeacutem acredita no papel damorte como fundadora deste universo no decorrer do processo de hominizaccedilatildeo Em uma de suas principais -obras O Paradigma Perdido o autor assim se expressa

Significaccedilatildeo 23 bull 188

)i1iiMiacuten middot~r~Jeologla e conceitos

- r PorUacuteUacuteitD~tudo middotnos indicaquebullo Homor~apienHigtatinizdo ~middot pila ~ miJrte como por- uhza cataacute~trofe-uumlx~m~d~aacuten~lque

middot middot ~I middot vaf tfazer torisigo uma ansiedade espepiacutejjca 4 a_nguacutestia ou o hotilderror da morte que a presenccedila di morte pgssa a

middot ser middot um problema vivo isto eacute quacutee tr(Jbalha a sua vidg Tudo nos indica igualmente que esse hOacutemem natildeo soacute recusa

middot 1 essa morteacutebull mas quemiddot a rejeita transpotildee eresolve n() rrzito e na magid (Sid p95)

middot) ~ imiddotgt

Antes mesmo do surgitpento da ltlrte figurati~~ JaacuteH~rca _ccedili~ 3 5 niiacutelano~ a Ccedil aparecem Jaacutebullfofmas de grafismp Satildeo seqiecircncja~ d~ Iihhasmiddot gravadas em peckas e osso~- guardando entre e ias a mesma distacircncia que para LeroiGourhan satildeo as evidecircnccedilias mais a~tigas de um comportamento riacutetmico do middothomem e assinalam a certeza de qle obullgtafismo se inicia no abstrato-e caminha em direccedilatildeo agrave figuraccedilatilde concretit Para o autor este caminho tantas vezes middotseguido pelas artes histoacutericas leva-nos a admitir que c co1~respccedilmde a uma tendecircncia geral a um ciclo de maturaccedilatildeo onde o abstrato esteja realmente na base de uma expressatildeo graacutefica (slq 192) middot

middot middotmiddot As primeiras imagens figurativas comeccedilam a aparecer mais aacutebutJdantemente a partir de mais ou menos 30 milan0s atraacutes tend0 como suporte paredes de grutas eacute objetos moacuteveis como annas Ccedilon~ centram-se middotprincipa~entena Europabullsendo quemiddot as imagens parietais encuacutentram-setiasicatneacutente restritas agrave Espanha Franccedila ~ sul da Itaacute_shylia As descobertas damiddotarte paleoliacuteticamiddot satildeo relaacutetivamente recentes e aconteceramquasesimultaneamente a gruta de Chabotmiddot (1878) e Altamiraj na Espacircfi1la(iS~l~)4 bull bull bull bull

middot middot I

4 Achados arqueqloacutegicos mal recentes no ParqiJe Naccedilionalda Serra da Capiv_ara no PiaUuml(atildetesIacuteam a preseacutenCcedila middot de figurasmiddot antropomoacuterfieacuteagraves erh rochagraves do siacutetio

Toca damiddotBaStianamiddot~ue (falariam cleacute30 mil anos middotjr arqlieacute(lloga irasileirabull Niecircde Guidon responsaacutevebpelas ccedille_scobertas publiCOJ ~rn Jl986 na col)ceituada

I~ ~~vista Na~ure Q~j IJ~vl~ ~i VE)Stfgios de oc_~Pa~p huni~namiddot ~o ~n~ineacutente americano de 50 m1l anos atraacutes Sua teselomou-se bastante polecircmica em melo

agraveeomunidademiddotCitmtffica um a vez qUacutee refutava a hipoacutetese-mais aceita de que o -continente havia_recebiqo as prmeira~migraccedilotildeeshumana paacute cerca de 12mil anospela passagem do estreito de Bering lnformaccedilocircesciriais detalhadaacutes pOshydem ~e r endgtniacutefaetatildes no Iacutenfoacutermatlvci da Sobleacutedade Brasileiragrave paraacute oacute Progresso

middot da Ciecircncia Wwwjomaldacienciaorgbr bull

Alberto klei~

Seriam agraves pinturas e inscriccedilotildees parietais e moacuteveis do paleoliacutetico frutos dacapacidade imaginativa do artistaou manifestaccedilotildees religioshysas A dificuldade de responder a esta- questatildeo nasce justamente do fato de nosso olhar sobre a preacute-histoacuteria se contaminar de noccedilotildees atuais de arte ebull religiatildeo Poderiacuteamos neste instante concor-dar com Edgar Morin segundo o qual os fenocircmenos maacutegicos satildeo potencishyalmente esteacuteticos e os fenocircmenos middotesteacuteticosmiddot satildeo potencialmente maacutegicos (sd p98) Se se separar o artista do homem religioso a discussatildeo perde solidez conforme nos alerta Leroi-Gourhan Suas mensagens atraveacutes das figuras respondem a uma necessidade ao mesmo middot tempo jlsica middot e ps(quica de middotassegurar a apropriaccedilatildeo do tiniverso pelo indiviacuteduo ou grupo social de realizar a inserccedilatildeo do homem atraveacutes do aparelho simboacutelico no xampo movediccedilo~ aleatoacuterio que o envolve (sd 81-2) Este aparelho simboacutelico natildeo pode ser despido de um pensamento miacutetico e maacutegico Defrontamoshynos agora com as primeiras evidecircncias de uma relaccedilatildeo maacutegica entre homem e imagem e middotomiddotsuporte para as primeiras figuras desenhadas satildeo principalmente as paredes de grutas

Quais eram os temas mitoloacutegicos inscritos nas cavernas que este homem nos deixou Os estudos e anaacutelises empreendidos por Leroi-Gourhan satildeo uma das principais contribuiccedilotildees de sua obra A partir de um inventaacuterio destas figuras o paleontoacutelogo francecircs consshytatou trecircs nuacutecleos temaacuteticos que envolvem toda a arte no paleoliacutetico a saber animais seres humanos e signos Estes uacuteltimos apesar de sua natureza abstrata satildeo considerados pelo autor como siacutembolos sexuais do masculino e do feminino middotUma constataccedilatildeo impressioshynante eacute que natildeo haacute muitas variaccedilotildees de sentido nessas figuras messhymo cobrindo um periacuteodo que vai de 30 mil anos a C ateacute nove mil anos a C As anaacutelis~s e agravessociaccedilotildees feitas por Leroi-Gourhan pershymitem conCluir que animais (cavalo e bisonte aparecem COJl1 abunshydacircncia) figuras humanas e signos que aparecem muitas vezes com o seu par oposto constituem um tema binaacuterio com representaccedilotildees simboacutelicas do masculino e do feminino Uma das tarefas do autor eacute cruzar os nuacutecleos e tentar decifrar seus temas o que nos leva para um campo de dados probabiliacutesticos Apesar das sombras que pairam sobre a religiosidade na preacute-histoacuteria o paleontoacutelogo francecircs conclui

Significaccedilatildeo 23 bull 190

lmagen~ arqueologia e conceitos

q~e a co~stacircncia dos temas 4lfaQte um lqngo petjodo datildeo provas de um sistema simboacutelico de crenccedilas mais complexo do que se ~magishynara Assim afirma ao finalde seu livro

F al~a1rlnos ainda elementos para ccedillescreyer o progresvo enriqu~ccedil~mento e as variaccedilotildees regionqis do aparelho

mito graacutefico entre o firrz dp Solutrense e middoto Maqalenimse Meacutedio entre 15000 e 12 000 Conjuntos admirayccedillmente homogecircneos () atestanz que nesta eacutepqca entre o Loire e os Pirineus natildeo soacute o grupo central se tornou muito denso com a sua combinaccedilatildeo de pares de anim~ismiddot emshyparelhados por espeacuteci~s diferentes como ainda asjiguras de homens compoacutesitos os felinos os rinocerontes e ps animais sem cabeccedila que povoam os fundos criaram uma retaguarda densa de siacutembolos vinculados agrave zona mais iacutentima do misteacuterio (sd 134)

A conclusatildeo do autor acercado binarismo da arte paleoliacutetica converge com a posiccedilatildeo de Ivan Bystrina de que o middotprocesso de codificaccedilatildeo semioacutetica mais arcaico eacute o binaacuterio Dividir o mundo em dois representaria o modo pelo qual o homem comeccedila a organizar todo o aparato simboacutelico que o envolve As percepccedilotildees do masculino e do feminino damiddot noite e do dia das sensaccedilotildees de prazer e dor presentes na realidade biofisica do homem inspirariam aformaccedilatildeo de textos culturais com caracteriacutesticas duais No processo de desenshyvolvimento ontogecircnico do ser humano Harry Pross trata semelhantemente das experiecircncias preacute-predicativas do claroescuro e dentrofora constituindo-se como as raiacutezes da experiecircncia do hoshymem Por serjustamente a mais arcaica a divisatildeo binaacuteria eacute o mais forte modo de codificar a realidade No Cristianismo a ideacuteia do mal contrapondo-se a Deus encama-se na figura do Diabo5

no cinema e nas nove1as narrativas que possuem um acirrado dualismo satildeo as

I

5 A existecircncia do Diabo ou de um mal encamado natildeo estaacute muito clara no Antigo Testamento Apoacutes o cativeiro babilocircnico dos judeus e o consequumlente contato oom o Masdefsmo e o Zoroastrismo suas referecircncias se tornam claras e abundantes no Novo Testamento Portanto quando nasce o Cristianismo sua

Significaccedilatildeo 23 bull 191

que fazem maioacuter sucesso pois facilitam a absorccedilatildeo da mensagem pelo telespectadot middot

Aleacutem do binarismo doniinante nas figuras paleoliacuteticas po~ demos entrever tambeacutem um compromisso maacutegico na relaccedilatildeo entre homem e imagem a partir do qual oacute homem estende seu domiacutenio sobre a natureza Embora faltem elenierttos middot- seguros e comprobatoacuterios Leroi-Gourhan admite que o maioacuter argumento em favor deste comportamento estaacute nas imagens feridas de cavalos ou bisontes Isto poderia indicar um ritual a fim de garantir o ecircxito da caccedila Curioso poreacutem eacute que aacutes feridasmiddot aparecem soacutemente em 4 dasmiddot figuras de animais o que natildeo exclui a possibilidade de que o ferimento de um animal valeria tambeacutem para todo o rebanho O que estaacute middotemmiddot discussatildeo eacute a presenccedila demiddot uma mentalidade maacutegica que manipula siacutembolos com o objetivo de suprir eficazmente suas necessidades cotidianas~ Nas palavras de Jacques Maritain o signo maacutegico natildeo apenas faz os homens conhecerem ele faz as coisas serem eacute uma causa eficiente em si mesma (apud Notildeth 1996 p38) A magia implica em uma crenccedila de que as coisas possuem uma dupla existecircncia na qual os limites entre o signo e-o objeto representado encontram-se difusos O cavalo estaacute presente em -sua imagem ou melhor a imagem mental evocada pelo significante pode se confundir com o proacuteprio cavalo Eacute assim que passamos a projetar nossas visotildees sobre o mundo exterior ateacute ao ponto em que ambos se misturam A partirdo grafismo e da arte figurativa preacute-histoacuterica Edgar Morin vecirc traccedilos bastante convincentes deste encantamento do mundo

Portanto o que o grafismo mural nos revela eacute a ligaccedilatildeo imaginaacuteria com o mundo Por um lado a palavra o sinal o siacutembolo a figuraccedilatildeo vatildeo ininterruptamente re-apresentar ao espiacuterito mesmo na ausecircncia dele~ os seres e as coisas do mundo exterior e num certo sentido esses seres -e essas coisas pas~am a ser dotados de wn poder de invasatildeo Por outro lado satildeo as imagens mentais que invadem o mundo exterior Eacute nesta confusatildeo e para transpor esta

figura jaacute hagravevia sido fortemente caracterizada Sobre a histoacuteria do Diabo e as forma que ele assume no Cristianismo remetemos o leitor ao livro O Diabo no Imaginaacuterio Cristatildeo de Carlos Roberto F Nogueira

Significaccedilatildeo 23 bull 192

Imagembull arqueologia e conceitos

confusatildeo que se constroem o mito e a magia quer dizer uma organizaccedilatildeo ideoloacutegica e praacutetica daligaccedilatildeo imaginaacuteria COI)l o mando (sdlOO

Os exemplos dessa maneira maacutegica middotde pensar o mundo natildeo se esgotam no paleoliacutetico muito menos nas culturas primevas cooacuteJemporacircneas pois encontram-se tambeacutem nbs domiacuteniosmiddotdas divefsas fohilasmiddotde teliacute~iosidaacirce coritempocirctacirchea A proacuteptiaq-ustatildeo do uso dos iacutecones religiosos evidencia em muitos casos este compromisso hiaacutegicb e~tab~lecido com agravesimagens o antropoacutelogo James Prazer imbuiacutedbdeVmii vlisatilde6 positivistaassim se expressa a respeit0 da rhagia ( homem confundiu a middotordem de siuacutes UacuteUacuteias com a ordem da na tuteia~ iSsuumln imaginJu quemiddoto cdntroleacute que tem ou parece termiddot sobremiddot oacuteS seus pensainentOs perinitiuacute-lheacute exercitar um controle correspondente sobre as coisas (apud Notildeth 1996 p40) middot

Ao problema da imagem estaacute sempre ligada a questatildeo do duplo middotEspelho simulacro figlfraccedilatildeo a magia irrompe com intensishydade variaacutevel indepertdetiteniacuteehte da cultura tempo ou dos suporshytesmiddotque a imagem toma questiol)ando () homem sobre os limiares semi oacuteticos da representaccedilatildeo Muitas vezes a imagem eacute tomadagrave como mentira e se encontra diante da fuacute~ia dos ic()noc~asta~ mas a magia volta pois os fenocircmenos esteacuteticos satildeo potencialmente maacutegicos confmme nos _lembra Morin Je~dt Narciso(a ele estaacute associado o termo narcose) o encantamento ainda per~j~te Mas com ele conyivem col)traditoriamente a saturaccedilatildeo e a banalizaccedilatildeo em uma eacutepoca cob~rta pelas miacutedias middot middot

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Significaccedilatildeo 23 bull 194

Resumo Este trabalho tem o objetivo de fazer um percurso sobre os diversos conceitos e classificaccedilotildees da imagem aleacutem de fazer uma anaacutelise de sua presenccedila no universo midiaacutetico contemporacircneo Na segunda parte pretende-se investigar as raiacutezes da imagem na preacute-histoacuteria e sua asshysociaccedilatildeo com o fenocircmeno da magia e da religiatildeo

Piil~vraacuteschave imagem miacutedia religiatildeo magia

Abstract The goal of this paper is to highlight various concepts and classifications of the image and to analyse its presence in the contemporary mediatic uni verse In the second part this work intends to research the roots of the image in the pre-history o f mankind and to study its association with the phenomenon o f magic and religion

Keywords imagem media religion magic

I bull _

Televisatildeo emiddot haacutebito

o E middotmiddot m middotprinciacutepiacute6 imagem poacutede 5ertudo que Se dinge ao olhai Qual-

queisirtafque i~dd~ no glOacutebo ocular passa poacuter proc~ssoacutes quiacuteshymicos e nerros~~ middot aiecirc middotmiddot agrave foacutennaacuteCcedilatildeoacute visual de um detertrumtdo

objeto que em um determinado instante vemos Todo o universo de irtfoacuteimaccedilotildees que se apresenta agrave Visatildeoacute humana pasSa aacute ser absorvido cdrho imagem Sobre este processo de apresentaccedilatildeti)tnageacutetica do mundo Jacques A~mont afirma middot middot middot middot middot middot

A ssim a percepccedilatildeo visual eacute o processamento ein etapas sucessivas dfr uma iiIacuteformaccedilatildeo que noacutes cheacutegapor intershymeacutedio dOacute luz middot que efJtra em nossos olhos Como toda inshyformaccedilatildeo esta eacute codificada em um sentido que middotnatildeo eacute o da semiologia os coacutedigos satildeo aqui regras de trimsformagraveccedilacircOacute naacutetui-aUacute (nem arbitraacuteriasmiddot nem convencishyonais) que deteacuterminam a atividade nervosa em funccedilatildeo da informaccedilatildeo contida nd luz (1993 p22)

o uso da palaVra imdgein natildeo seacute limith entret~to ao jaacute infinito tiniveiso ruis toisas cagrave~tiiiadacircs pela visatildeo Afinal criamos imagravegens mentais de bhjetos invisIacutevei~ que muitas vezes ntmta iratildeo se materializar diante de hossos olhos o conjlihto destas ihu1geris compotildee aquilo que chaacutemagraverrios Uacutezaginaacuterio Natildeo se ttata de um unishyversoacute redutido agrave fic~atildeocirc~)teacutemiddot porque as imagenSproduzidas p~lbhoshymem acabamporrefazero proacutepnb homeinOacuteque vemos pdtiiritocirc podeseacute~ aquilo middotque tambeacuterrimiddot~o~ Oacutelha patafril~eimdoacuteuacuteina expr~~~atildeo usada por George bidi-HUumlberIacutenagraven (1992) Depois de criar no~sos

Alberto klein

deuses delegamos a eles o poder de nos recriar Eacute assim que Edgar Morin coloca o imaginaacuterio como uma estrutura antagonista e comshyplementar daquilo que chamamos real e sem a qual sem duacutevida natildeo haveria o real para o homem ou antes natildeo haveria realidade humana (1997 p80) Com os olhos fechados formamos imagens oniacutericas Experimentamos um mundo impossiacutevel atraveacutes das imashygens produzidas pelos sonhos (ateacute mesmo por aqueles vivenciados na vigiacutelia) e com elas alimentamos o nosso imaginaacuterio Natildeo eacute por acaso que Ivan Bystrina coloca o sonho como uma das raiacutezes transformadoras da cultura que ele denomina Segun~ Realidade Ele irriga a produccedilatildeo de novos textos culturais inspirando a criaccedilatildeo de novas imagens Neste mesmo sentido Morin afirma

(O imaginaacuterio) daacute uma fisionomia natildeo apenas a nossos desejos nossas aspiraccedilotildees nossas necessidades mas tambeacutem aacute nossas anguacutestias e temores Liberta natildeo apenas nossos sonhos de realizaccedilatildeo e felicidade mas tambeacutem nossos monstros interiores qlle violam os tabus e as leis trazem a deStruiccedilatildeo a loucura ou o horror Natildeo soacute delineia o possiacutevel e o realizaacutevel mas cria mundos impossiacuteveis e fantaacutesticos (1997 p80)

O imaginaacuterio faz-se concretamente visiacutevel nos objetos da arte e da religiatildeo Damos forma a pinturas esculturas e desenhos em nossos sonhos e pesadelos Traccedilamos a fisionomia dos nossos deuses fazendo-os agrave nossa imagem e semelhanccedila A imaginaccedilatildeo humana n~o se prenccedilieu a uma virtualidade mental mas se inscreveu visivelmente atraveacutes do espetaacuteculo da magia da religiatildeo e da arte em nossa realidade Asslm devemos reconhecer a dupla natureza das imagens criadas pelo homem mental e material

D~ntro do universo das imagens produzidas materialmente podemos identificar naturezas muito diversas que variam conforme seu material ou seu suporte tecnoloacutegico Assim temos esculturas pinturas grafite bordados estampas fotografias cinema imagens de TV infografias holografias etc Notamos que a vertiginosa evoshyluccedilatildeo tecnoloacutegica na qual nossa cultura estaacute inserida apresenta-nos

Significaccedilatildeo 23 bull 178

Imagem arqueologia e conceitos

um mundo que se multiplica a cada dia na forma de imagens em diferentes suportes Neste sentido tomam-se cada vez mais acessiacuteshyveis gadjets como palm tops celulares com acesso agrave Internet e que tiram fotos assim como tecnologias de ponta como a Realidade Virshytual Haacute tambeacutem promessas para um futuro muito proacuteximo quanto agrave utilizaccedilatildeo de bolo gramas e nanorrobocircs (que seratildeo literalmente ingeshyridos) como meios de comunicaccedilatildeo interpessoal

Do mesmo modo que variam os suportes abre-se um leque de diferentes funccedilotildees assumidas pelas imagens Elas podem cumshyprir um fim religioso ou maacutegico constituindo-se um siacutembolo ritualiacutestico como vimos provavelmente este foi o primeiro horishyzonte da criaccedilatildeo das primeiras imagens Assumem mais tardiamente uma dimensatildeo puramente esteacutetica e aiacute estamos diante do valor arshytiacutestico que salta das -pinturas e esculturas e outras- formas de artes visuais Aqui o ritual cede ou se toma residual nas formas profanas do culto agrave arte Conforme Walter Benjamin (1969 p224) o valor de culto de uma obra eacute sobreposto por seu valor de exposiccedilatildeo em uma era em que prevalecem mecanismos de reproduccedilatildeo mecacircnica da imagem principalmente com a fotografia e o cinema

Pela primeira vez na histoacuteria a reproduccedilatildeo mecacircnica emancipa a obra de arte de sua dependecircncia parasiacutetica do ritual () a obra de arte torna-se uma obra de arte projetada para a reprodutibilidade 1

bull (1969 p224)

Morin ( 1997 p 77) vai tratar da experiecircncia esteacutetica tanto na arte como na cultura de massa como uma degradaccedilatildeo da partishycipaccedilatildeo religiosa Enquanto nesta uacuteltima o mergulho na imagem reshypresentaria uma experiecircncia de um imaginaacuterio que se toma mais real do que o proacuteprio real assistir a um filme ou a uma novela designa uma experiecircncia que se situa um degrau abaixo da participaccedilatildeo maacutegica e religiosa Neste caso rege uma dupla consciecircncia do espectador este pode ser intensamente absorvido pela obra apesar do imaginaacuteshyrio ser apenas tomado como imaginaacuterio

Traduccedilatildeo do autor deste trabalho

Significaccedilatildeo 23 bull 179

middot middot ~lberto klein

Devemos tambeacutem reconhecer muitas outras funccedilotildees daimashygem no contexto dacultura-de massaEla se restringe a-uma finalishydade informativa emfotos e charges dejon~ais reyistas mesmo que se oriente por criteacuterios esteacuteticosmiddotrSimageil$ do mesmo modo _servem de passatempoj distraccedilatildeo entretenimento-nas mais diversas produccedilotildees nos meios de comunicaccedilatildeo de massa Orientam--nos para o consun1o-como o fazem as fotografias publicitaacuteriagraves comerciais de televisatildeo assitp c_omo a floresta de outdoors paineacuteiseletrocircnicos banners e tantos outros sushyportes imageacuteticos quemiddoten_ccedilobremo espaccedilo urbano As diferentes naturezas origens suportes e funccedilotildees demonsshytram como esse conceito eacute complexo e escorregadio O esforccedilo de anaacutelise eacute classificaccedilatildeo dasitnagens estaacute no domiacutenio de diversas aacutereas do conhecimento tais como Filosofia Esteacutetica Psicologia Comunishycaccedilatildeo Antropologia2

Teologia entre outras A natureza das imashygens eacute amplamente investigada pelaJisica e pelas neutociecircncias A esta uacuteltima estatildeq viriculadostrabalhos instigantes do neurologista norte-americano Oliver Sacks um notoacuterio campeatildeo-de vendas e do neurocientistabullportuguecircsAritocircnio Damaacutesio

No final do livroOMisteacuterie da Consciecircncia Damaacutesio preshyocupa-se em discorrer sobre conceitos usados ao longo de sua obra O termoimageni para o neutodentista portuguecircs eacute empregado no sentido de-padratildeomental podendo se remeter a processos conscienshytes ou inconscientes middotImagens mentais natildeo se resttigem conforme Damaacutesio agrave percepccedilatildeo visual elas podem cobrir todo espectro senshysorial Poderiacuteamos assim falar de imagens taacuteteis ou olfativas3

bull A proacutepria mente deveria ser entendida como um processo ligado a um fluxo contiacute~uode -irhagens middot Sobre como se daacute este fluxo o autor escreve

O processo que chegames a conhecer como m~nte quando imagens mentais se tornam nossas como

2 Etienne Samain em um interessante ensaiei chamado Para que a antropologia consiga tornar-se visual analisa a possibilidade de se fazer antropologia atra-veacutes da fotografia middot

3 Embora haja uma aproximaccedilatildeo com o conceito de iacutecone em Peirce Damaacutesio estaacute tratando exclusivamente de imagens rnentais

Significaccedilatildeo 23 bull 180

lm~gemarqueologia e conceitos

resul_tado 4_a consciecircncia eacute um fluxo contiacutenuo de imagens e muitas delas se revelam logicamente intershyrelacionadas o fluxo avanccedila no tempo raacutepido ou lento ordenadamente ou aos trambolhotildees e agraves vezes segue natildeo uma mas vaacuterias sequumlecircncias As vezes as sequumlecircncias satildeo concorrentes outras vezes convergentes ou divergentes ou ainda sobrepostas Pensamento eacute uma patavra aceitaacutevel para denotar esse fluxo de imagens (2000 p402-3)

Sobre a investigaccedilatildeo em tomo da imagem aqui con~iderada a partir de seus suportes fisicos a iconologia e a iconografia como meacutetodos de investigaccedilatildeo da imagem devem ser lembradas como ferramentas importantes principalmente com as contribuiCcedilotildees de Aby Warburg Fritz Saxl e Erwin Panofsky

Eacute claro que a semi oacutetica natildeo se furtou em contribuir para seu estudo Aliaacutes todas as tradiccedilotildees de estudos semioacuteticos passam neshycessariamente por uma reflexatildeo e sistematizaccedilatildeo de uma teoria dos signos que abarque obviamente a questatildeo da imagem Na semi oacutetica de Charles S Peirce a noccedilatildeo de iacutecone que se constitui a partir do criteacuterio de semelhanccedila em relaccedilatildeo ao objeto aproxima-se mais do conceito de imagem Entretanto deve-se ter cuidado ao fazer uso deste conceito uma vez que o iacutecone segundo Peirce refere-se tamshybeacutem a signos de canais natildeo visullis envolvendo todo espectro senshysorial do homem Assim podemltgts ter iacutecones acuacutesticos quando por exemplo imitamos-o som de um paacutessaro ou a voz de alguma figura puacuteblica

Ao deslocar sua atenccedilatildeo do signo para o texto a Semi oacutetica da Cultura fornece-nos uma perspectiva mais adequada para aborshydar a imagem enquanto um fenocircmeno cultural Com as contribuishyccedilotildees dos semioticistas da Escola de Tartu-Moscou passamos a enshycarar a imagem natildeo apenas como um signo fechado mas como um entrelaccedilamento de fios e tramas ou seja pela associaccedilatildeo dos seus elementos visuais e sua projeccedilatildeo histoacuterica que uma determinada imagem como um produto cult4rnl deve ser consider~ Por isso em suas famosas Teses para um Estudo Semioacutetico da Cultura Lotman_

Significaccedilatildeo 23 bull 181

Albertoklein

lvanov Toporov Uspenskij e Pjatigorskij conseruiualmente declaram o texto como uma unidade baacutesica da eultura (1975 p62) Anatureshyzatextual da imagem natildeo a reduz agrave esfera do verbaacutel a palavra texto neste caso estaacute em consonacircncia com o seu significado original remetendo-nos agrave ideacuteia de tecido urdidura ou tapeccedilaria Norval Baitello Jr explica claramente a noccedilatildeo de texto

Ora o registro de um determinado signo ou de um grupo de signos sua permanecircncia ou sua transformaccedilatildeo em diferentes momentos perceptivos constitui um percurso ou sejamiddot um encadeamento uma associaacuteccedilatildeo de signos vale dizer um objeto de natureza narrativa no qual o significado natildeo se manteacutem senatildeo globalmente () Assim o tecido natildeo eacute apenas uma somatoacuteria de fios ou fibras mas a textura que estas fibras produzem Assim o texto natildeo eacute um conjunto uma somatoacuteria de elementos discreshytos mas sim o resultado de uma interaccedilatildeo de elementos e sua projeccedilatildeo temporaacutel Um signo uacutenico natildeo seraacute portanto um texto se natildeo for visto em um percurso em uma relaccedilatildeo tempoal ou espacial dialogando consigo proacuteprio ou com outros signos (1997 p41-2)

A complexidade do texto ajuda-nos a elucidar a natureza de uma imagem a partir de sua histoacuteria e de seus viacutenculos com uma determinada cultura Certagravemente eacute esta abordagem semioacutetica que eacutestaraacute de forma subjacente presente na anaacutelise que faremos da iconografia cristatilde Entretanto ainda permanece o desafio de lidarshymos com um conceito mais preciso e operacional de imagem que se case com os objetivos deste trabalho

Em um instigante ensaio sobre a fotografia o teoacuterico da miacutedia tcheco Vileacutem Flusser que passou boa parte de sua vida em Satildeo Paulo incumbe-se da tarefa de conceituar imagem e o faz com simplicidashyde e criatividade Mas uma vez que sua obra trata essencialmente de fotografia Flusser se prende agrave noccedilatildeo de imagem plana e natildeo se preocupa aleacutem disso em estabelecer tipologias Sua reflexatildeo passa tambeacutem pela instacircncia mental das imagens ao tentar definir

Significaccedilatildeo 23 bull 182

imaginaCcedilatildeo Como elemento fundamental na construccedilatildeo e decodificaccedilatildeo de imagens Diz ele logo no iniacutecio de sua obramiddot middot

bull Imagens satildeo superjicies que pretendem representar algo Na maiorta dos cagravesos algomiddot que middot se encontra laacute fora no espaccedilo_e no tempo As imagens satildeo portanto resultado do esfocircrCcedilo de se abstrair duas das quatro dimensotildees de espaccedilo-tempo para que se conservem apenas as dimensotildees do plano Devem middot sua origem agrave capacidade de abstraccedilatildeo especiacutefica que podemos chamar de imaginaccedilatildeo No entanto a imaginaCcedilatildeo tem dois aspecios se de um lado permite abstrair duas dimensotildeeS dos fenocircmenos de outro permite reconstituir as duas dimensotildees abstraiacutedas na imagem Em outros termos imashyginaccedilatildeo eacute a capacidade de codificar fenocircmenos de quashytro dimensotildees em siacutebolos planos e decodificar as menshysagens assimmiddot c~dificadas Imaginaccedilatildeo eacute a capacidade de fazer e decifrar irzagens (2002 p1)

Eacute a pa~r deste pensam~nto de Fhisser qle No~agravel Baitelloacute Jr nos retrata iuna espeacutecie_ de crise da imaginaccedilatildeo diante do excesso de imagens cotidianas a que estamos expostos Eacute justamente neste tracircnsito entre iinagens inte~as e externas onde Flusser localiza a ideacuteia de imaginaccedilatildeo que se institui um desequiliacutebrio O titIacutemlsrpoacute e a onipresenccedila das imagens ext~~as dfminuirla no~sa capacictade de construir novas image~s do mUpqo e imaginar outras possibilidades estabelecer nova~ relaccedilotildees De tanto serem interpelados aas maneiras mais apela~tyas e ins_uumlliosas em toda e qualquer hora em todo e qualque~- l~gar ~o-~ imagens cad~-rye_~ mqts gritantes e repetitivas nossos olhos jaacute natildeo querem ver (2003 p80) Se as imagens satildeo intepnediaccedilotildees entre o homern e o mundo como diz Flusser em que medida seriani elas tambeacutem bi~llbos Eacute as~im que as cidades acabam sendo escondid(ls p~los outaoor~ O natildeo_pOdfr ver por causa da saturaccedilatildeo transformase ~m um natildeo querer ve~ e a crise se instaura no olhar

Significaccedilatildeo 23 bull 183

_ ~lberto klein

O filoacutesofo e socioacutelogo alematildeo Dietmar Kamp~r em A Estrutura Temporal das Imagens nos diz que nossa oacuterbita ocular eacute palco de uma derrota secular da visatildeo A velocidade e saturaccedilatildeo de imagens em um universo coberto pelos meios de comunicaccedilatildeo serishyam os perpetradores dessa derro~ Em wp outro texto Imanecircncia dos Media e -Corporeidade Transcendental Kamper nos pergunta se haacute algum mundo aleacutem dos media ou se eles jaacute cobriram tudo

Agrave crise do olhar em razatildeo ccedille um universo tomado por imashygens estaacute ligada agrave faacutebula de Borges citada por Baudrillard no iniacutecio de seu Simulacros e Simulaccedilatildeo A estoacuteria nos fala de um rei que encomendou aos c~rtoacutegra~os de seu reino um mapa que represenshytasse perfeitamete a ~eografia de seu paiacutes O resultado acabou ficando tatildeo perfeito que a obra acabou cobrindo totalmente o territoacuterio Esta faacutebula serve para Baudrillard nos assegurar que hoje habitamos o mapa e natildeo mais o temtoacuterio cujos iagmentos apodrecem lentashymente sobre a extensatildeo do mapa (1991 p8)

Kamper apresenta-nos na Enciclopeacutedia Antropoloacutegica Cosshymo Corpo e Cultura um sentido ambiacutevalente na origem da palavra alematilde equivalente agrave imagem bild Do antigo alto alematildeo billid enshyg~oba significados como forma essecircncia imagem coacutepia ou reprodushyccedilatildeo Haacute assim um problema portanto desde o iniacutecio em que a repreacutesentaccedilatildeo daacute lugar agrave magia jaacute que bild pode designar a presenccedila de uma essecircncia Kamper deste modo nos diz que originariamente a imagravegem tein como objetivomiddot reproduzir apresentar e desenhar Soshybre a magia evidenciadara ambivalecircncia do conceito diz o autor Esta posiCcedilatildeo mUtaacutev~l entremiddoturna ordem maacutegica da pIacuteeriacutea presenccedila na qual a imageacutem eacute idecircntica agravequilo que mostra e uma ordem da representaccedilatildeo qiuacute tende ao vazio () nunca se perdeu de todo (2002) Ocirc sacramento da Eucaristia e a veneraccedilatildeo de imagens dos santos na igreja satildeo prova evidente deacute que-os vestiacutegios da magia natildeo se perderam middot

O que podeacutemos dizer da sacralizaccedilatildeo das imagens publicitaacuteshyrias segundo este peacutensamento Ao mesmo tempo em que ocorre uma banalizaccedilatildeo das imagens devido ao seu excesso em nosso cotishydiano devemos tambeacutem middotadmitir um esforccedilo em divinizar produtos atraveacutes de imagens o que nos leva fatalmente agrave onipresenccedila do

Significaccedilatildeo 23 bull 184

Imagem arqueologia e conceitos

espetaacuteculo em nossa sociedade Trata-se aiacute da tentativa de recuperar um poder que as imagens rituais exerciam sobre o homem mesmo que residualmente O objetivo eacute claramente provocar encantamenshyto e para tanto deve-se tentar sobressair diante do gigantismo assumido pelas imagens no espaccedilo urbano Outdoors ficam cada vez maiores e acabam inaugurando uma disputa domiddotespaccedilo pelas imagens como afirma Baitello (2003 p80) Recentemente middotaagecircnshycia de publicidade DPZ em um anuacutencio fixou um automoacutevel na sushyperficie de um outdoor em uma avenida da capital paulista exemplo claro de fazer a imagem confundir-se com o proacuteprio objeto evidencishyando uma intenccedilatildeo maacutegica Do mesmo modo o culto dedicado aos liacutederes poliacuteticos e o patrociacutenio da cultura de massa agrave veneraccedilatildeo das estrelas do show business mostram a forccedila do encantamento exershycido pelas imagens ainda na entrada do seacuteculo XXI

Um outro desafio se apresenta ao lidarmos com a questatildeo da representaccedilatildeo siacutegnica da imagem Sobre isto vale a pena citarshymos a polecircmica acerca da natureza da imagem entre o semioticista Winfried Notildeth e o respeitado pesquisador Hans Belting conforme nos relata Benjamin Burkhardt no artigo Controveacutersia em Torno de uma Ciecircncia das Imagens No iniacutecio de 2004 em um encontro acashydecircmico na Alemanha Notildeth argumentava haver uma deficiecircncia semioacutetica nas pesquisas de Belting em razatildeo deste ignorar a natureshyza siacutegnica das imagens ao passo que este uacuteltimo acusava a semi oacutetica de reduzir a imagem ao conceito de signo dando a ela um caraacuteter unicamente representacional Abaixo a Imagem e Todo Poder ao Signo era o prov()cativo tiacutetulo da conferecircncia de Belting De fato a noccedilatildeo de signo toma-se insuficiente para abrigar toda forccedila irradiadora da imagem sendo por isso que a Semioacutetica da Cultura privilegiou o conceito de texto A imagem enquanto objeto da cultura jaacute se apreshysenta como uma unidade complexa de natureza narrativa como um encadeamento de elementos que se dialogam compondo uma histoacuteshyria que lhe confere um sentido e uma funccedilatildeo cultural Esta controshyveacutersia portanto estaria resolvida se ao inveacutes de um signo nos deshyfrontaacutessemos com um texto pois a ambivalecircncia das imagens e o seu poder exercido sobre o homem soacute podem ser deslindados em uma unidade miacutenima narrativa e complexa

Significaccedilatildeo 23 bull 185

Albertomiddotklein

O que satildeo imagens entatildeo De um ponto de vista da cultura e levando em consideraccedilatildeo o aspecto material do objeto imagens satildeo textos culturais construiacutedos pelo homem frutos de sua imagishynaccedilatildeo que duplicaram o seu mundo e seu imaginaacuterio dando~ lhe forshymas figurativas ou abstratas nos mais diversos suportes visuais As diferentes funccedilotildees e naturezas das imagens em diferentes eacutepocas congregam a ambivalecircnciamiddot da distacircncia representativa e de sua parshyticipaccedilatildeo na essecircncia do que estaacute por detraacutes delas Representaccedilatildeo e presentificaccedilatildeo satildeo dois limites (natildeo deixando de observar as inuacuteshymeras possibilidades gradativas )entre os quais percorre o poder que as imagens sempre exerceram sobre o homem

A arqueologia da imagem

Neste item seraacute analisada apenas a origem das imagens mashyteriais produzidas pelo homem deixando de lado o problema das imagens mentais pois este eacute um fenocircmeno que transcende obviashymente o gecircnero H orno

Um dos maiores problemas ao nos defrontarmos com a preacuteshyhistoacuteria da humanidade como nos alerta Leroi~Gourhan eacute que lida- middot mos quase somente com dados probabiliacutesticos o que limita uma reconstituiccedilatildeo das praacutetiacutecas atitudes do homem preacute-histoacuterico frente agraves imagens e do poder nelas investido Todos estes elementos natildeo satildeo fossilizaacuteveis e portanto cabe ao estUdioso interpretaacute-los atra~ v eacutes de pistas deixadas pelos nossos anceStrais Outra dificuldade eacute middot que denominamos como preacute-histoacuteria um periacuteodo de longas e sucesshysivas etapas do processo de evoluccedilatildeo humana que remontaacutea alguns middot milhotildees de anos e que durou ateacute mais ou menos dez mil anos atraacutes Estamos tratando portanto natildeo de um homem mas de luna variedade de espeacutecies H o mo que ao longo do tempo foram extintas pela seleccedilatildeo natural ateacute culminarem no H orno sapiens haacute cerca de cem mil anos

A questatildeo da religiosidade do homem preacute-histoacuterico estaacute ligashyda muitas vezes ao problema do surgimento das primeiras imagens pois delas se extraiacuteam provavelmente temas mitoloacutegicos muito embora seja possiacutevel identificar a presenccedila de um pensamento religioso antes mesmo do periacuteodo figurativo no paleoliacutetico superior

Significaccedilatildeo 23 bull 186

lmagema~queologia e conceitos

Uma vez que o terreno eacute movediccedilo ao inveacutes de perguntarmos quanshydo surgiu a centelha religiosa na humanidade seria melhor indagarshymos em que etapa do processo evolutivo percebemos sinais de que o homem eacute religioso Mircea Eliade que natildeo eacute um estudioso da preacute-histoacuteria objeta a este tipo dequestionamento pois para ele a religiosidade natildeo eacute fruto de uma etapa do processo evolutivo ao inveacutes disso ela constitui uma estrutura na mente humana ( 1978 pl3 ) Devemos nos lembracde que agravereligiosidade mitos e ritos praticados pelo homem preacute~ histoacuterico estatildeo profundamente vinculados agrave questatildeo da emergecircncia da cultura conforme assinalam Ivan Bystrina e Edgar Morin

Em seu livro As Religiotildees da Preacute-histoacuteria tiacutetulo que esshyconde as verdadeiras intenccedilotildees da obra Leroi-Gourhan toma como desafio discutir esse tema e responder a esses questionamentos O paleontoacutelogo avisa ao leitor contudo que em sua anaacutelise justamente por falta de materiais que possibilitem uma separaccedilatildeo conceitual natildeo seraacute feita nenhuma distinccedilatildeo entre religiatildeo e magia De qualquer modo haveria indiacutecios de detectar a crenccedila em algo transcendente Assim Leroi-Gourhan defende que as manifestaccedilotildees e oacutebjetos produzidos pelo homem que natildeo poderiam ser explicados por razotildees de sobrevivecircncia fiacutesica da espeacutecie poderiam apontar para a religiosidade deste homem a presenccedila do ocre no habitat do hoshymem de Neander(hal eacute considerada um fato religioso porque natildeo eacute explicaacutevelpor necessidades de sobrevivecircncia material (s d p26) Portanto haacute motivos claros para atestar o pensamento religioso no homem a partir do paleoliacutetico superior a partir de cerca de 50 mil anos atraacutes Embora faltem elementos suficientes para comprovaruma religiosidade mais tardia pode-se contudo admiti-la

Feitas estas reservas natildeo haacute nenhuma razatildeo vaacutelida para recusarmiddot aos antropiacutedeosmiddot paleoliacuteticos preocupaCcedilotildees de caraacuteter misterioso quanto mais natildeo fosse porque a sua inteligecircncia da mesma natureza senatildeo do mesmo niacutevel da do homo sapiens implica a mesma reaccedilatildeo em face do anormal e do middotinexplicaacutevel middotO homem desde as primeiras formas ateacute a nossa inaugurou e desenvolveu a reflexatildeo

Significaccedilatildeo 23 bull 187

Alberto kleiacuten

ou seja a capacidade para-traduzir middotem siacutembolos a realidade material do mundo que o envolvia Aproprie- dade middotelementar da linguacuteagem consiste em criar paraleshylamente aobull mundo exterior um middotmUndo todo poderoso de siacutembolos sem os quais a inteligecircncia se revelaria ineficaz (sd~ p26)

Ivan Bystrina amparado pocriteacuterio deLeroi-Gourhan para detecccedilatildeo do pensamento maacutegico e religioso no homem cria o conshyceito de segunda realidade como o domiacutenio domiddots mitos rituais ma- -gia religiatildeo artes e todas as manifestaccedilotildees que natildeo se explicam por necessidades de soJgtrevivecircncia material do homem -uuml elemento fundante desta segundamiddot realidade que para Bystrina equivale ao conceito de cultura seria a consciecircncia damortei Se esta eacute o maior middot obstaacuteculo -daprimeira realidade (realidade biofisica e teacutecnica do hoacutemeril~ exigindo mecanismos de sobrevivecircncia material) eacute possiacutevel somente superaacute-la no plano simboacutelico Daiacute eacute que se middotestabelecem os shycompromissos hmnanos middotcommiddotos deuses e a -magia que a partir de entatildeo vatildeomiddot governara vida humana A cultura neste sentido eacute fruto da experiecircncia-humana da-morte~ Os vestigiqs de que o homem pratica rituais de enterro demiddot seus ~semelhantes haacute pelo menos somiddotmil anos muitas vezescomacompanhamento de floresjuntoacute ao oorpo aacutejmntam -tambeacutemapres~nccedila de uin rico universo simboacutelicoacutetoinadojaacute poacutermiddotum pensagravementomaacutegicoacute Em muitos casos as armas e utensiacutelios eram middot depositadosjunto com o morto o quacutee indicaria segundomiddot Edgar Morin umapossiacutevelmiddotpreservaccedilatildeo da-identidade depois da~morteacute -Umoutro middot casointeressaritesatildeo corposinurnados em-posiccedilatildeofetal evidenciandomiddot a middotcrenccedila middotdecrenasmiddotuacutemento depois da mortemiddot_ As priiacuteneirasmiddotpistagraves dos -funerais preacute-histoacutericos ainda natildeo registram o aparecimento de uma arte figurativa~ que comeCcedilaria a-evoluir posteriormente -

t~o que Bystrinagravechania-desegunda realidade Edgar Morin denominamiddot segunda existecircncia o domiacutenio deste uacuteniverso simboacutelico Tal como Bystrina Morin tambeacutem acredita no papel damorte como fundadora deste universo no decorrer do processo de hominizaccedilatildeo Em uma de suas principais -obras O Paradigma Perdido o autor assim se expressa

Significaccedilatildeo 23 bull 188

)i1iiMiacuten middot~r~Jeologla e conceitos

- r PorUacuteUacuteitD~tudo middotnos indicaquebullo Homor~apienHigtatinizdo ~middot pila ~ miJrte como por- uhza cataacute~trofe-uumlx~m~d~aacuten~lque

middot middot ~I middot vaf tfazer torisigo uma ansiedade espepiacutejjca 4 a_nguacutestia ou o hotilderror da morte que a presenccedila di morte pgssa a

middot ser middot um problema vivo isto eacute quacutee tr(Jbalha a sua vidg Tudo nos indica igualmente que esse hOacutemem natildeo soacute recusa

middot 1 essa morteacutebull mas quemiddot a rejeita transpotildee eresolve n() rrzito e na magid (Sid p95)

middot) ~ imiddotgt

Antes mesmo do surgitpento da ltlrte figurati~~ JaacuteH~rca _ccedili~ 3 5 niiacutelano~ a Ccedil aparecem Jaacutebullfofmas de grafismp Satildeo seqiecircncja~ d~ Iihhasmiddot gravadas em peckas e osso~- guardando entre e ias a mesma distacircncia que para LeroiGourhan satildeo as evidecircnccedilias mais a~tigas de um comportamento riacutetmico do middothomem e assinalam a certeza de qle obullgtafismo se inicia no abstrato-e caminha em direccedilatildeo agrave figuraccedilatilde concretit Para o autor este caminho tantas vezes middotseguido pelas artes histoacutericas leva-nos a admitir que c co1~respccedilmde a uma tendecircncia geral a um ciclo de maturaccedilatildeo onde o abstrato esteja realmente na base de uma expressatildeo graacutefica (slq 192) middot

middot middotmiddot As primeiras imagens figurativas comeccedilam a aparecer mais aacutebutJdantemente a partir de mais ou menos 30 milan0s atraacutes tend0 como suporte paredes de grutas eacute objetos moacuteveis como annas Ccedilon~ centram-se middotprincipa~entena Europabullsendo quemiddot as imagens parietais encuacutentram-setiasicatneacutente restritas agrave Espanha Franccedila ~ sul da Itaacute_shylia As descobertas damiddotarte paleoliacuteticamiddot satildeo relaacutetivamente recentes e aconteceramquasesimultaneamente a gruta de Chabotmiddot (1878) e Altamiraj na Espacircfi1la(iS~l~)4 bull bull bull bull

middot middot I

4 Achados arqueqloacutegicos mal recentes no ParqiJe Naccedilionalda Serra da Capiv_ara no PiaUuml(atildetesIacuteam a preseacutenCcedila middot de figurasmiddot antropomoacuterfieacuteagraves erh rochagraves do siacutetio

Toca damiddotBaStianamiddot~ue (falariam cleacute30 mil anos middotjr arqlieacute(lloga irasileirabull Niecircde Guidon responsaacutevebpelas ccedille_scobertas publiCOJ ~rn Jl986 na col)ceituada

I~ ~~vista Na~ure Q~j IJ~vl~ ~i VE)Stfgios de oc_~Pa~p huni~namiddot ~o ~n~ineacutente americano de 50 m1l anos atraacutes Sua teselomou-se bastante polecircmica em melo

agraveeomunidademiddotCitmtffica um a vez qUacutee refutava a hipoacutetese-mais aceita de que o -continente havia_recebiqo as prmeira~migraccedilotildeeshumana paacute cerca de 12mil anospela passagem do estreito de Bering lnformaccedilocircesciriais detalhadaacutes pOshydem ~e r endgtniacutefaetatildes no Iacutenfoacutermatlvci da Sobleacutedade Brasileiragrave paraacute oacute Progresso

middot da Ciecircncia Wwwjomaldacienciaorgbr bull

Alberto klei~

Seriam agraves pinturas e inscriccedilotildees parietais e moacuteveis do paleoliacutetico frutos dacapacidade imaginativa do artistaou manifestaccedilotildees religioshysas A dificuldade de responder a esta- questatildeo nasce justamente do fato de nosso olhar sobre a preacute-histoacuteria se contaminar de noccedilotildees atuais de arte ebull religiatildeo Poderiacuteamos neste instante concor-dar com Edgar Morin segundo o qual os fenocircmenos maacutegicos satildeo potencishyalmente esteacuteticos e os fenocircmenos middotesteacuteticosmiddot satildeo potencialmente maacutegicos (sd p98) Se se separar o artista do homem religioso a discussatildeo perde solidez conforme nos alerta Leroi-Gourhan Suas mensagens atraveacutes das figuras respondem a uma necessidade ao mesmo middot tempo jlsica middot e ps(quica de middotassegurar a apropriaccedilatildeo do tiniverso pelo indiviacuteduo ou grupo social de realizar a inserccedilatildeo do homem atraveacutes do aparelho simboacutelico no xampo movediccedilo~ aleatoacuterio que o envolve (sd 81-2) Este aparelho simboacutelico natildeo pode ser despido de um pensamento miacutetico e maacutegico Defrontamoshynos agora com as primeiras evidecircncias de uma relaccedilatildeo maacutegica entre homem e imagem e middotomiddotsuporte para as primeiras figuras desenhadas satildeo principalmente as paredes de grutas

Quais eram os temas mitoloacutegicos inscritos nas cavernas que este homem nos deixou Os estudos e anaacutelises empreendidos por Leroi-Gourhan satildeo uma das principais contribuiccedilotildees de sua obra A partir de um inventaacuterio destas figuras o paleontoacutelogo francecircs consshytatou trecircs nuacutecleos temaacuteticos que envolvem toda a arte no paleoliacutetico a saber animais seres humanos e signos Estes uacuteltimos apesar de sua natureza abstrata satildeo considerados pelo autor como siacutembolos sexuais do masculino e do feminino middotUma constataccedilatildeo impressioshynante eacute que natildeo haacute muitas variaccedilotildees de sentido nessas figuras messhymo cobrindo um periacuteodo que vai de 30 mil anos a C ateacute nove mil anos a C As anaacutelis~s e agravessociaccedilotildees feitas por Leroi-Gourhan pershymitem conCluir que animais (cavalo e bisonte aparecem COJl1 abunshydacircncia) figuras humanas e signos que aparecem muitas vezes com o seu par oposto constituem um tema binaacuterio com representaccedilotildees simboacutelicas do masculino e do feminino Uma das tarefas do autor eacute cruzar os nuacutecleos e tentar decifrar seus temas o que nos leva para um campo de dados probabiliacutesticos Apesar das sombras que pairam sobre a religiosidade na preacute-histoacuteria o paleontoacutelogo francecircs conclui

Significaccedilatildeo 23 bull 190

lmagen~ arqueologia e conceitos

q~e a co~stacircncia dos temas 4lfaQte um lqngo petjodo datildeo provas de um sistema simboacutelico de crenccedilas mais complexo do que se ~magishynara Assim afirma ao finalde seu livro

F al~a1rlnos ainda elementos para ccedillescreyer o progresvo enriqu~ccedil~mento e as variaccedilotildees regionqis do aparelho

mito graacutefico entre o firrz dp Solutrense e middoto Maqalenimse Meacutedio entre 15000 e 12 000 Conjuntos admirayccedillmente homogecircneos () atestanz que nesta eacutepqca entre o Loire e os Pirineus natildeo soacute o grupo central se tornou muito denso com a sua combinaccedilatildeo de pares de anim~ismiddot emshyparelhados por espeacuteci~s diferentes como ainda asjiguras de homens compoacutesitos os felinos os rinocerontes e ps animais sem cabeccedila que povoam os fundos criaram uma retaguarda densa de siacutembolos vinculados agrave zona mais iacutentima do misteacuterio (sd 134)

A conclusatildeo do autor acercado binarismo da arte paleoliacutetica converge com a posiccedilatildeo de Ivan Bystrina de que o middotprocesso de codificaccedilatildeo semioacutetica mais arcaico eacute o binaacuterio Dividir o mundo em dois representaria o modo pelo qual o homem comeccedila a organizar todo o aparato simboacutelico que o envolve As percepccedilotildees do masculino e do feminino damiddot noite e do dia das sensaccedilotildees de prazer e dor presentes na realidade biofisica do homem inspirariam aformaccedilatildeo de textos culturais com caracteriacutesticas duais No processo de desenshyvolvimento ontogecircnico do ser humano Harry Pross trata semelhantemente das experiecircncias preacute-predicativas do claroescuro e dentrofora constituindo-se como as raiacutezes da experiecircncia do hoshymem Por serjustamente a mais arcaica a divisatildeo binaacuteria eacute o mais forte modo de codificar a realidade No Cristianismo a ideacuteia do mal contrapondo-se a Deus encama-se na figura do Diabo5

no cinema e nas nove1as narrativas que possuem um acirrado dualismo satildeo as

I

5 A existecircncia do Diabo ou de um mal encamado natildeo estaacute muito clara no Antigo Testamento Apoacutes o cativeiro babilocircnico dos judeus e o consequumlente contato oom o Masdefsmo e o Zoroastrismo suas referecircncias se tornam claras e abundantes no Novo Testamento Portanto quando nasce o Cristianismo sua

Significaccedilatildeo 23 bull 191

que fazem maioacuter sucesso pois facilitam a absorccedilatildeo da mensagem pelo telespectadot middot

Aleacutem do binarismo doniinante nas figuras paleoliacuteticas po~ demos entrever tambeacutem um compromisso maacutegico na relaccedilatildeo entre homem e imagem a partir do qual oacute homem estende seu domiacutenio sobre a natureza Embora faltem elenierttos middot- seguros e comprobatoacuterios Leroi-Gourhan admite que o maioacuter argumento em favor deste comportamento estaacute nas imagens feridas de cavalos ou bisontes Isto poderia indicar um ritual a fim de garantir o ecircxito da caccedila Curioso poreacutem eacute que aacutes feridasmiddot aparecem soacutemente em 4 dasmiddot figuras de animais o que natildeo exclui a possibilidade de que o ferimento de um animal valeria tambeacutem para todo o rebanho O que estaacute middotemmiddot discussatildeo eacute a presenccedila demiddot uma mentalidade maacutegica que manipula siacutembolos com o objetivo de suprir eficazmente suas necessidades cotidianas~ Nas palavras de Jacques Maritain o signo maacutegico natildeo apenas faz os homens conhecerem ele faz as coisas serem eacute uma causa eficiente em si mesma (apud Notildeth 1996 p38) A magia implica em uma crenccedila de que as coisas possuem uma dupla existecircncia na qual os limites entre o signo e-o objeto representado encontram-se difusos O cavalo estaacute presente em -sua imagem ou melhor a imagem mental evocada pelo significante pode se confundir com o proacuteprio cavalo Eacute assim que passamos a projetar nossas visotildees sobre o mundo exterior ateacute ao ponto em que ambos se misturam A partirdo grafismo e da arte figurativa preacute-histoacuterica Edgar Morin vecirc traccedilos bastante convincentes deste encantamento do mundo

Portanto o que o grafismo mural nos revela eacute a ligaccedilatildeo imaginaacuteria com o mundo Por um lado a palavra o sinal o siacutembolo a figuraccedilatildeo vatildeo ininterruptamente re-apresentar ao espiacuterito mesmo na ausecircncia dele~ os seres e as coisas do mundo exterior e num certo sentido esses seres -e essas coisas pas~am a ser dotados de wn poder de invasatildeo Por outro lado satildeo as imagens mentais que invadem o mundo exterior Eacute nesta confusatildeo e para transpor esta

figura jaacute hagravevia sido fortemente caracterizada Sobre a histoacuteria do Diabo e as forma que ele assume no Cristianismo remetemos o leitor ao livro O Diabo no Imaginaacuterio Cristatildeo de Carlos Roberto F Nogueira

Significaccedilatildeo 23 bull 192

Imagembull arqueologia e conceitos

confusatildeo que se constroem o mito e a magia quer dizer uma organizaccedilatildeo ideoloacutegica e praacutetica daligaccedilatildeo imaginaacuteria COI)l o mando (sdlOO

Os exemplos dessa maneira maacutegica middotde pensar o mundo natildeo se esgotam no paleoliacutetico muito menos nas culturas primevas cooacuteJemporacircneas pois encontram-se tambeacutem nbs domiacuteniosmiddotdas divefsas fohilasmiddotde teliacute~iosidaacirce coritempocirctacirchea A proacuteptiaq-ustatildeo do uso dos iacutecones religiosos evidencia em muitos casos este compromisso hiaacutegicb e~tab~lecido com agravesimagens o antropoacutelogo James Prazer imbuiacutedbdeVmii vlisatilde6 positivistaassim se expressa a respeit0 da rhagia ( homem confundiu a middotordem de siuacutes UacuteUacuteias com a ordem da na tuteia~ iSsuumln imaginJu quemiddoto cdntroleacute que tem ou parece termiddot sobremiddot oacuteS seus pensainentOs perinitiuacute-lheacute exercitar um controle correspondente sobre as coisas (apud Notildeth 1996 p40) middot

Ao problema da imagem estaacute sempre ligada a questatildeo do duplo middotEspelho simulacro figlfraccedilatildeo a magia irrompe com intensishydade variaacutevel indepertdetiteniacuteehte da cultura tempo ou dos suporshytesmiddotque a imagem toma questiol)ando () homem sobre os limiares semi oacuteticos da representaccedilatildeo Muitas vezes a imagem eacute tomadagrave como mentira e se encontra diante da fuacute~ia dos ic()noc~asta~ mas a magia volta pois os fenocircmenos esteacuteticos satildeo potencialmente maacutegicos confmme nos _lembra Morin Je~dt Narciso(a ele estaacute associado o termo narcose) o encantamento ainda per~j~te Mas com ele conyivem col)traditoriamente a saturaccedilatildeo e a banalizaccedilatildeo em uma eacutepoca cob~rta pelas miacutedias middot middot

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I bull _

Televisatildeo emiddot haacutebito

o E middotmiddot m middotprinciacutepiacute6 imagem poacutede 5ertudo que Se dinge ao olhai Qual-

queisirtafque i~dd~ no glOacutebo ocular passa poacuter proc~ssoacutes quiacuteshymicos e nerros~~ middot aiecirc middotmiddot agrave foacutennaacuteCcedilatildeoacute visual de um detertrumtdo

objeto que em um determinado instante vemos Todo o universo de irtfoacuteimaccedilotildees que se apresenta agrave Visatildeoacute humana pasSa aacute ser absorvido cdrho imagem Sobre este processo de apresentaccedilatildeti)tnageacutetica do mundo Jacques A~mont afirma middot middot middot middot middot middot

A ssim a percepccedilatildeo visual eacute o processamento ein etapas sucessivas dfr uma iiIacuteformaccedilatildeo que noacutes cheacutegapor intershymeacutedio dOacute luz middot que efJtra em nossos olhos Como toda inshyformaccedilatildeo esta eacute codificada em um sentido que middotnatildeo eacute o da semiologia os coacutedigos satildeo aqui regras de trimsformagraveccedilacircOacute naacutetui-aUacute (nem arbitraacuteriasmiddot nem convencishyonais) que deteacuterminam a atividade nervosa em funccedilatildeo da informaccedilatildeo contida nd luz (1993 p22)

o uso da palaVra imdgein natildeo seacute limith entret~to ao jaacute infinito tiniveiso ruis toisas cagrave~tiiiadacircs pela visatildeo Afinal criamos imagravegens mentais de bhjetos invisIacutevei~ que muitas vezes ntmta iratildeo se materializar diante de hossos olhos o conjlihto destas ihu1geris compotildee aquilo que chaacutemagraverrios Uacutezaginaacuterio Natildeo se ttata de um unishyversoacute redutido agrave fic~atildeocirc~)teacutemiddot porque as imagenSproduzidas p~lbhoshymem acabamporrefazero proacutepnb homeinOacuteque vemos pdtiiritocirc podeseacute~ aquilo middotque tambeacuterrimiddot~o~ Oacutelha patafril~eimdoacuteuacuteina expr~~~atildeo usada por George bidi-HUumlberIacutenagraven (1992) Depois de criar no~sos

Alberto klein

deuses delegamos a eles o poder de nos recriar Eacute assim que Edgar Morin coloca o imaginaacuterio como uma estrutura antagonista e comshyplementar daquilo que chamamos real e sem a qual sem duacutevida natildeo haveria o real para o homem ou antes natildeo haveria realidade humana (1997 p80) Com os olhos fechados formamos imagens oniacutericas Experimentamos um mundo impossiacutevel atraveacutes das imashygens produzidas pelos sonhos (ateacute mesmo por aqueles vivenciados na vigiacutelia) e com elas alimentamos o nosso imaginaacuterio Natildeo eacute por acaso que Ivan Bystrina coloca o sonho como uma das raiacutezes transformadoras da cultura que ele denomina Segun~ Realidade Ele irriga a produccedilatildeo de novos textos culturais inspirando a criaccedilatildeo de novas imagens Neste mesmo sentido Morin afirma

(O imaginaacuterio) daacute uma fisionomia natildeo apenas a nossos desejos nossas aspiraccedilotildees nossas necessidades mas tambeacutem aacute nossas anguacutestias e temores Liberta natildeo apenas nossos sonhos de realizaccedilatildeo e felicidade mas tambeacutem nossos monstros interiores qlle violam os tabus e as leis trazem a deStruiccedilatildeo a loucura ou o horror Natildeo soacute delineia o possiacutevel e o realizaacutevel mas cria mundos impossiacuteveis e fantaacutesticos (1997 p80)

O imaginaacuterio faz-se concretamente visiacutevel nos objetos da arte e da religiatildeo Damos forma a pinturas esculturas e desenhos em nossos sonhos e pesadelos Traccedilamos a fisionomia dos nossos deuses fazendo-os agrave nossa imagem e semelhanccedila A imaginaccedilatildeo humana n~o se prenccedilieu a uma virtualidade mental mas se inscreveu visivelmente atraveacutes do espetaacuteculo da magia da religiatildeo e da arte em nossa realidade Asslm devemos reconhecer a dupla natureza das imagens criadas pelo homem mental e material

D~ntro do universo das imagens produzidas materialmente podemos identificar naturezas muito diversas que variam conforme seu material ou seu suporte tecnoloacutegico Assim temos esculturas pinturas grafite bordados estampas fotografias cinema imagens de TV infografias holografias etc Notamos que a vertiginosa evoshyluccedilatildeo tecnoloacutegica na qual nossa cultura estaacute inserida apresenta-nos

Significaccedilatildeo 23 bull 178

Imagem arqueologia e conceitos

um mundo que se multiplica a cada dia na forma de imagens em diferentes suportes Neste sentido tomam-se cada vez mais acessiacuteshyveis gadjets como palm tops celulares com acesso agrave Internet e que tiram fotos assim como tecnologias de ponta como a Realidade Virshytual Haacute tambeacutem promessas para um futuro muito proacuteximo quanto agrave utilizaccedilatildeo de bolo gramas e nanorrobocircs (que seratildeo literalmente ingeshyridos) como meios de comunicaccedilatildeo interpessoal

Do mesmo modo que variam os suportes abre-se um leque de diferentes funccedilotildees assumidas pelas imagens Elas podem cumshyprir um fim religioso ou maacutegico constituindo-se um siacutembolo ritualiacutestico como vimos provavelmente este foi o primeiro horishyzonte da criaccedilatildeo das primeiras imagens Assumem mais tardiamente uma dimensatildeo puramente esteacutetica e aiacute estamos diante do valor arshytiacutestico que salta das -pinturas e esculturas e outras- formas de artes visuais Aqui o ritual cede ou se toma residual nas formas profanas do culto agrave arte Conforme Walter Benjamin (1969 p224) o valor de culto de uma obra eacute sobreposto por seu valor de exposiccedilatildeo em uma era em que prevalecem mecanismos de reproduccedilatildeo mecacircnica da imagem principalmente com a fotografia e o cinema

Pela primeira vez na histoacuteria a reproduccedilatildeo mecacircnica emancipa a obra de arte de sua dependecircncia parasiacutetica do ritual () a obra de arte torna-se uma obra de arte projetada para a reprodutibilidade 1

bull (1969 p224)

Morin ( 1997 p 77) vai tratar da experiecircncia esteacutetica tanto na arte como na cultura de massa como uma degradaccedilatildeo da partishycipaccedilatildeo religiosa Enquanto nesta uacuteltima o mergulho na imagem reshypresentaria uma experiecircncia de um imaginaacuterio que se toma mais real do que o proacuteprio real assistir a um filme ou a uma novela designa uma experiecircncia que se situa um degrau abaixo da participaccedilatildeo maacutegica e religiosa Neste caso rege uma dupla consciecircncia do espectador este pode ser intensamente absorvido pela obra apesar do imaginaacuteshyrio ser apenas tomado como imaginaacuterio

Traduccedilatildeo do autor deste trabalho

Significaccedilatildeo 23 bull 179

middot middot ~lberto klein

Devemos tambeacutem reconhecer muitas outras funccedilotildees daimashygem no contexto dacultura-de massaEla se restringe a-uma finalishydade informativa emfotos e charges dejon~ais reyistas mesmo que se oriente por criteacuterios esteacuteticosmiddotrSimageil$ do mesmo modo _servem de passatempoj distraccedilatildeo entretenimento-nas mais diversas produccedilotildees nos meios de comunicaccedilatildeo de massa Orientam--nos para o consun1o-como o fazem as fotografias publicitaacuteriagraves comerciais de televisatildeo assitp c_omo a floresta de outdoors paineacuteiseletrocircnicos banners e tantos outros sushyportes imageacuteticos quemiddoten_ccedilobremo espaccedilo urbano As diferentes naturezas origens suportes e funccedilotildees demonsshytram como esse conceito eacute complexo e escorregadio O esforccedilo de anaacutelise eacute classificaccedilatildeo dasitnagens estaacute no domiacutenio de diversas aacutereas do conhecimento tais como Filosofia Esteacutetica Psicologia Comunishycaccedilatildeo Antropologia2

Teologia entre outras A natureza das imashygens eacute amplamente investigada pelaJisica e pelas neutociecircncias A esta uacuteltima estatildeq viriculadostrabalhos instigantes do neurologista norte-americano Oliver Sacks um notoacuterio campeatildeo-de vendas e do neurocientistabullportuguecircsAritocircnio Damaacutesio

No final do livroOMisteacuterie da Consciecircncia Damaacutesio preshyocupa-se em discorrer sobre conceitos usados ao longo de sua obra O termoimageni para o neutodentista portuguecircs eacute empregado no sentido de-padratildeomental podendo se remeter a processos conscienshytes ou inconscientes middotImagens mentais natildeo se resttigem conforme Damaacutesio agrave percepccedilatildeo visual elas podem cobrir todo espectro senshysorial Poderiacuteamos assim falar de imagens taacuteteis ou olfativas3

bull A proacutepria mente deveria ser entendida como um processo ligado a um fluxo contiacute~uode -irhagens middot Sobre como se daacute este fluxo o autor escreve

O processo que chegames a conhecer como m~nte quando imagens mentais se tornam nossas como

2 Etienne Samain em um interessante ensaiei chamado Para que a antropologia consiga tornar-se visual analisa a possibilidade de se fazer antropologia atra-veacutes da fotografia middot

3 Embora haja uma aproximaccedilatildeo com o conceito de iacutecone em Peirce Damaacutesio estaacute tratando exclusivamente de imagens rnentais

Significaccedilatildeo 23 bull 180

lm~gemarqueologia e conceitos

resul_tado 4_a consciecircncia eacute um fluxo contiacutenuo de imagens e muitas delas se revelam logicamente intershyrelacionadas o fluxo avanccedila no tempo raacutepido ou lento ordenadamente ou aos trambolhotildees e agraves vezes segue natildeo uma mas vaacuterias sequumlecircncias As vezes as sequumlecircncias satildeo concorrentes outras vezes convergentes ou divergentes ou ainda sobrepostas Pensamento eacute uma patavra aceitaacutevel para denotar esse fluxo de imagens (2000 p402-3)

Sobre a investigaccedilatildeo em tomo da imagem aqui con~iderada a partir de seus suportes fisicos a iconologia e a iconografia como meacutetodos de investigaccedilatildeo da imagem devem ser lembradas como ferramentas importantes principalmente com as contribuiCcedilotildees de Aby Warburg Fritz Saxl e Erwin Panofsky

Eacute claro que a semi oacutetica natildeo se furtou em contribuir para seu estudo Aliaacutes todas as tradiccedilotildees de estudos semioacuteticos passam neshycessariamente por uma reflexatildeo e sistematizaccedilatildeo de uma teoria dos signos que abarque obviamente a questatildeo da imagem Na semi oacutetica de Charles S Peirce a noccedilatildeo de iacutecone que se constitui a partir do criteacuterio de semelhanccedila em relaccedilatildeo ao objeto aproxima-se mais do conceito de imagem Entretanto deve-se ter cuidado ao fazer uso deste conceito uma vez que o iacutecone segundo Peirce refere-se tamshybeacutem a signos de canais natildeo visullis envolvendo todo espectro senshysorial do homem Assim podemltgts ter iacutecones acuacutesticos quando por exemplo imitamos-o som de um paacutessaro ou a voz de alguma figura puacuteblica

Ao deslocar sua atenccedilatildeo do signo para o texto a Semi oacutetica da Cultura fornece-nos uma perspectiva mais adequada para aborshydar a imagem enquanto um fenocircmeno cultural Com as contribuishyccedilotildees dos semioticistas da Escola de Tartu-Moscou passamos a enshycarar a imagem natildeo apenas como um signo fechado mas como um entrelaccedilamento de fios e tramas ou seja pela associaccedilatildeo dos seus elementos visuais e sua projeccedilatildeo histoacuterica que uma determinada imagem como um produto cult4rnl deve ser consider~ Por isso em suas famosas Teses para um Estudo Semioacutetico da Cultura Lotman_

Significaccedilatildeo 23 bull 181

Albertoklein

lvanov Toporov Uspenskij e Pjatigorskij conseruiualmente declaram o texto como uma unidade baacutesica da eultura (1975 p62) Anatureshyzatextual da imagem natildeo a reduz agrave esfera do verbaacutel a palavra texto neste caso estaacute em consonacircncia com o seu significado original remetendo-nos agrave ideacuteia de tecido urdidura ou tapeccedilaria Norval Baitello Jr explica claramente a noccedilatildeo de texto

Ora o registro de um determinado signo ou de um grupo de signos sua permanecircncia ou sua transformaccedilatildeo em diferentes momentos perceptivos constitui um percurso ou sejamiddot um encadeamento uma associaacuteccedilatildeo de signos vale dizer um objeto de natureza narrativa no qual o significado natildeo se manteacutem senatildeo globalmente () Assim o tecido natildeo eacute apenas uma somatoacuteria de fios ou fibras mas a textura que estas fibras produzem Assim o texto natildeo eacute um conjunto uma somatoacuteria de elementos discreshytos mas sim o resultado de uma interaccedilatildeo de elementos e sua projeccedilatildeo temporaacutel Um signo uacutenico natildeo seraacute portanto um texto se natildeo for visto em um percurso em uma relaccedilatildeo tempoal ou espacial dialogando consigo proacuteprio ou com outros signos (1997 p41-2)

A complexidade do texto ajuda-nos a elucidar a natureza de uma imagem a partir de sua histoacuteria e de seus viacutenculos com uma determinada cultura Certagravemente eacute esta abordagem semioacutetica que eacutestaraacute de forma subjacente presente na anaacutelise que faremos da iconografia cristatilde Entretanto ainda permanece o desafio de lidarshymos com um conceito mais preciso e operacional de imagem que se case com os objetivos deste trabalho

Em um instigante ensaio sobre a fotografia o teoacuterico da miacutedia tcheco Vileacutem Flusser que passou boa parte de sua vida em Satildeo Paulo incumbe-se da tarefa de conceituar imagem e o faz com simplicidashyde e criatividade Mas uma vez que sua obra trata essencialmente de fotografia Flusser se prende agrave noccedilatildeo de imagem plana e natildeo se preocupa aleacutem disso em estabelecer tipologias Sua reflexatildeo passa tambeacutem pela instacircncia mental das imagens ao tentar definir

Significaccedilatildeo 23 bull 182

imaginaCcedilatildeo Como elemento fundamental na construccedilatildeo e decodificaccedilatildeo de imagens Diz ele logo no iniacutecio de sua obramiddot middot

bull Imagens satildeo superjicies que pretendem representar algo Na maiorta dos cagravesos algomiddot que middot se encontra laacute fora no espaccedilo_e no tempo As imagens satildeo portanto resultado do esfocircrCcedilo de se abstrair duas das quatro dimensotildees de espaccedilo-tempo para que se conservem apenas as dimensotildees do plano Devem middot sua origem agrave capacidade de abstraccedilatildeo especiacutefica que podemos chamar de imaginaccedilatildeo No entanto a imaginaCcedilatildeo tem dois aspecios se de um lado permite abstrair duas dimensotildeeS dos fenocircmenos de outro permite reconstituir as duas dimensotildees abstraiacutedas na imagem Em outros termos imashyginaccedilatildeo eacute a capacidade de codificar fenocircmenos de quashytro dimensotildees em siacutebolos planos e decodificar as menshysagens assimmiddot c~dificadas Imaginaccedilatildeo eacute a capacidade de fazer e decifrar irzagens (2002 p1)

Eacute a pa~r deste pensam~nto de Fhisser qle No~agravel Baitelloacute Jr nos retrata iuna espeacutecie_ de crise da imaginaccedilatildeo diante do excesso de imagens cotidianas a que estamos expostos Eacute justamente neste tracircnsito entre iinagens inte~as e externas onde Flusser localiza a ideacuteia de imaginaccedilatildeo que se institui um desequiliacutebrio O titIacutemlsrpoacute e a onipresenccedila das imagens ext~~as dfminuirla no~sa capacictade de construir novas image~s do mUpqo e imaginar outras possibilidades estabelecer nova~ relaccedilotildees De tanto serem interpelados aas maneiras mais apela~tyas e ins_uumlliosas em toda e qualquer hora em todo e qualque~- l~gar ~o-~ imagens cad~-rye_~ mqts gritantes e repetitivas nossos olhos jaacute natildeo querem ver (2003 p80) Se as imagens satildeo intepnediaccedilotildees entre o homern e o mundo como diz Flusser em que medida seriani elas tambeacutem bi~llbos Eacute as~im que as cidades acabam sendo escondid(ls p~los outaoor~ O natildeo_pOdfr ver por causa da saturaccedilatildeo transformase ~m um natildeo querer ve~ e a crise se instaura no olhar

Significaccedilatildeo 23 bull 183

_ ~lberto klein

O filoacutesofo e socioacutelogo alematildeo Dietmar Kamp~r em A Estrutura Temporal das Imagens nos diz que nossa oacuterbita ocular eacute palco de uma derrota secular da visatildeo A velocidade e saturaccedilatildeo de imagens em um universo coberto pelos meios de comunicaccedilatildeo serishyam os perpetradores dessa derro~ Em wp outro texto Imanecircncia dos Media e -Corporeidade Transcendental Kamper nos pergunta se haacute algum mundo aleacutem dos media ou se eles jaacute cobriram tudo

Agrave crise do olhar em razatildeo ccedille um universo tomado por imashygens estaacute ligada agrave faacutebula de Borges citada por Baudrillard no iniacutecio de seu Simulacros e Simulaccedilatildeo A estoacuteria nos fala de um rei que encomendou aos c~rtoacutegra~os de seu reino um mapa que represenshytasse perfeitamete a ~eografia de seu paiacutes O resultado acabou ficando tatildeo perfeito que a obra acabou cobrindo totalmente o territoacuterio Esta faacutebula serve para Baudrillard nos assegurar que hoje habitamos o mapa e natildeo mais o temtoacuterio cujos iagmentos apodrecem lentashymente sobre a extensatildeo do mapa (1991 p8)

Kamper apresenta-nos na Enciclopeacutedia Antropoloacutegica Cosshymo Corpo e Cultura um sentido ambiacutevalente na origem da palavra alematilde equivalente agrave imagem bild Do antigo alto alematildeo billid enshyg~oba significados como forma essecircncia imagem coacutepia ou reprodushyccedilatildeo Haacute assim um problema portanto desde o iniacutecio em que a repreacutesentaccedilatildeo daacute lugar agrave magia jaacute que bild pode designar a presenccedila de uma essecircncia Kamper deste modo nos diz que originariamente a imagravegem tein como objetivomiddot reproduzir apresentar e desenhar Soshybre a magia evidenciadara ambivalecircncia do conceito diz o autor Esta posiCcedilatildeo mUtaacutev~l entremiddoturna ordem maacutegica da pIacuteeriacutea presenccedila na qual a imageacutem eacute idecircntica agravequilo que mostra e uma ordem da representaccedilatildeo qiuacute tende ao vazio () nunca se perdeu de todo (2002) Ocirc sacramento da Eucaristia e a veneraccedilatildeo de imagens dos santos na igreja satildeo prova evidente deacute que-os vestiacutegios da magia natildeo se perderam middot

O que podeacutemos dizer da sacralizaccedilatildeo das imagens publicitaacuteshyrias segundo este peacutensamento Ao mesmo tempo em que ocorre uma banalizaccedilatildeo das imagens devido ao seu excesso em nosso cotishydiano devemos tambeacutem middotadmitir um esforccedilo em divinizar produtos atraveacutes de imagens o que nos leva fatalmente agrave onipresenccedila do

Significaccedilatildeo 23 bull 184

Imagem arqueologia e conceitos

espetaacuteculo em nossa sociedade Trata-se aiacute da tentativa de recuperar um poder que as imagens rituais exerciam sobre o homem mesmo que residualmente O objetivo eacute claramente provocar encantamenshyto e para tanto deve-se tentar sobressair diante do gigantismo assumido pelas imagens no espaccedilo urbano Outdoors ficam cada vez maiores e acabam inaugurando uma disputa domiddotespaccedilo pelas imagens como afirma Baitello (2003 p80) Recentemente middotaagecircnshycia de publicidade DPZ em um anuacutencio fixou um automoacutevel na sushyperficie de um outdoor em uma avenida da capital paulista exemplo claro de fazer a imagem confundir-se com o proacuteprio objeto evidencishyando uma intenccedilatildeo maacutegica Do mesmo modo o culto dedicado aos liacutederes poliacuteticos e o patrociacutenio da cultura de massa agrave veneraccedilatildeo das estrelas do show business mostram a forccedila do encantamento exershycido pelas imagens ainda na entrada do seacuteculo XXI

Um outro desafio se apresenta ao lidarmos com a questatildeo da representaccedilatildeo siacutegnica da imagem Sobre isto vale a pena citarshymos a polecircmica acerca da natureza da imagem entre o semioticista Winfried Notildeth e o respeitado pesquisador Hans Belting conforme nos relata Benjamin Burkhardt no artigo Controveacutersia em Torno de uma Ciecircncia das Imagens No iniacutecio de 2004 em um encontro acashydecircmico na Alemanha Notildeth argumentava haver uma deficiecircncia semioacutetica nas pesquisas de Belting em razatildeo deste ignorar a natureshyza siacutegnica das imagens ao passo que este uacuteltimo acusava a semi oacutetica de reduzir a imagem ao conceito de signo dando a ela um caraacuteter unicamente representacional Abaixo a Imagem e Todo Poder ao Signo era o prov()cativo tiacutetulo da conferecircncia de Belting De fato a noccedilatildeo de signo toma-se insuficiente para abrigar toda forccedila irradiadora da imagem sendo por isso que a Semioacutetica da Cultura privilegiou o conceito de texto A imagem enquanto objeto da cultura jaacute se apreshysenta como uma unidade complexa de natureza narrativa como um encadeamento de elementos que se dialogam compondo uma histoacuteshyria que lhe confere um sentido e uma funccedilatildeo cultural Esta controshyveacutersia portanto estaria resolvida se ao inveacutes de um signo nos deshyfrontaacutessemos com um texto pois a ambivalecircncia das imagens e o seu poder exercido sobre o homem soacute podem ser deslindados em uma unidade miacutenima narrativa e complexa

Significaccedilatildeo 23 bull 185

Albertomiddotklein

O que satildeo imagens entatildeo De um ponto de vista da cultura e levando em consideraccedilatildeo o aspecto material do objeto imagens satildeo textos culturais construiacutedos pelo homem frutos de sua imagishynaccedilatildeo que duplicaram o seu mundo e seu imaginaacuterio dando~ lhe forshymas figurativas ou abstratas nos mais diversos suportes visuais As diferentes funccedilotildees e naturezas das imagens em diferentes eacutepocas congregam a ambivalecircnciamiddot da distacircncia representativa e de sua parshyticipaccedilatildeo na essecircncia do que estaacute por detraacutes delas Representaccedilatildeo e presentificaccedilatildeo satildeo dois limites (natildeo deixando de observar as inuacuteshymeras possibilidades gradativas )entre os quais percorre o poder que as imagens sempre exerceram sobre o homem

A arqueologia da imagem

Neste item seraacute analisada apenas a origem das imagens mashyteriais produzidas pelo homem deixando de lado o problema das imagens mentais pois este eacute um fenocircmeno que transcende obviashymente o gecircnero H orno

Um dos maiores problemas ao nos defrontarmos com a preacuteshyhistoacuteria da humanidade como nos alerta Leroi~Gourhan eacute que lida- middot mos quase somente com dados probabiliacutesticos o que limita uma reconstituiccedilatildeo das praacutetiacutecas atitudes do homem preacute-histoacuterico frente agraves imagens e do poder nelas investido Todos estes elementos natildeo satildeo fossilizaacuteveis e portanto cabe ao estUdioso interpretaacute-los atra~ v eacutes de pistas deixadas pelos nossos anceStrais Outra dificuldade eacute middot que denominamos como preacute-histoacuteria um periacuteodo de longas e sucesshysivas etapas do processo de evoluccedilatildeo humana que remontaacutea alguns middot milhotildees de anos e que durou ateacute mais ou menos dez mil anos atraacutes Estamos tratando portanto natildeo de um homem mas de luna variedade de espeacutecies H o mo que ao longo do tempo foram extintas pela seleccedilatildeo natural ateacute culminarem no H orno sapiens haacute cerca de cem mil anos

A questatildeo da religiosidade do homem preacute-histoacuterico estaacute ligashyda muitas vezes ao problema do surgimento das primeiras imagens pois delas se extraiacuteam provavelmente temas mitoloacutegicos muito embora seja possiacutevel identificar a presenccedila de um pensamento religioso antes mesmo do periacuteodo figurativo no paleoliacutetico superior

Significaccedilatildeo 23 bull 186

lmagema~queologia e conceitos

Uma vez que o terreno eacute movediccedilo ao inveacutes de perguntarmos quanshydo surgiu a centelha religiosa na humanidade seria melhor indagarshymos em que etapa do processo evolutivo percebemos sinais de que o homem eacute religioso Mircea Eliade que natildeo eacute um estudioso da preacute-histoacuteria objeta a este tipo dequestionamento pois para ele a religiosidade natildeo eacute fruto de uma etapa do processo evolutivo ao inveacutes disso ela constitui uma estrutura na mente humana ( 1978 pl3 ) Devemos nos lembracde que agravereligiosidade mitos e ritos praticados pelo homem preacute~ histoacuterico estatildeo profundamente vinculados agrave questatildeo da emergecircncia da cultura conforme assinalam Ivan Bystrina e Edgar Morin

Em seu livro As Religiotildees da Preacute-histoacuteria tiacutetulo que esshyconde as verdadeiras intenccedilotildees da obra Leroi-Gourhan toma como desafio discutir esse tema e responder a esses questionamentos O paleontoacutelogo avisa ao leitor contudo que em sua anaacutelise justamente por falta de materiais que possibilitem uma separaccedilatildeo conceitual natildeo seraacute feita nenhuma distinccedilatildeo entre religiatildeo e magia De qualquer modo haveria indiacutecios de detectar a crenccedila em algo transcendente Assim Leroi-Gourhan defende que as manifestaccedilotildees e oacutebjetos produzidos pelo homem que natildeo poderiam ser explicados por razotildees de sobrevivecircncia fiacutesica da espeacutecie poderiam apontar para a religiosidade deste homem a presenccedila do ocre no habitat do hoshymem de Neander(hal eacute considerada um fato religioso porque natildeo eacute explicaacutevelpor necessidades de sobrevivecircncia material (s d p26) Portanto haacute motivos claros para atestar o pensamento religioso no homem a partir do paleoliacutetico superior a partir de cerca de 50 mil anos atraacutes Embora faltem elementos suficientes para comprovaruma religiosidade mais tardia pode-se contudo admiti-la

Feitas estas reservas natildeo haacute nenhuma razatildeo vaacutelida para recusarmiddot aos antropiacutedeosmiddot paleoliacuteticos preocupaCcedilotildees de caraacuteter misterioso quanto mais natildeo fosse porque a sua inteligecircncia da mesma natureza senatildeo do mesmo niacutevel da do homo sapiens implica a mesma reaccedilatildeo em face do anormal e do middotinexplicaacutevel middotO homem desde as primeiras formas ateacute a nossa inaugurou e desenvolveu a reflexatildeo

Significaccedilatildeo 23 bull 187

Alberto kleiacuten

ou seja a capacidade para-traduzir middotem siacutembolos a realidade material do mundo que o envolvia Aproprie- dade middotelementar da linguacuteagem consiste em criar paraleshylamente aobull mundo exterior um middotmUndo todo poderoso de siacutembolos sem os quais a inteligecircncia se revelaria ineficaz (sd~ p26)

Ivan Bystrina amparado pocriteacuterio deLeroi-Gourhan para detecccedilatildeo do pensamento maacutegico e religioso no homem cria o conshyceito de segunda realidade como o domiacutenio domiddots mitos rituais ma- -gia religiatildeo artes e todas as manifestaccedilotildees que natildeo se explicam por necessidades de soJgtrevivecircncia material do homem -uuml elemento fundante desta segundamiddot realidade que para Bystrina equivale ao conceito de cultura seria a consciecircncia damortei Se esta eacute o maior middot obstaacuteculo -daprimeira realidade (realidade biofisica e teacutecnica do hoacutemeril~ exigindo mecanismos de sobrevivecircncia material) eacute possiacutevel somente superaacute-la no plano simboacutelico Daiacute eacute que se middotestabelecem os shycompromissos hmnanos middotcommiddotos deuses e a -magia que a partir de entatildeo vatildeomiddot governara vida humana A cultura neste sentido eacute fruto da experiecircncia-humana da-morte~ Os vestigiqs de que o homem pratica rituais de enterro demiddot seus ~semelhantes haacute pelo menos somiddotmil anos muitas vezescomacompanhamento de floresjuntoacute ao oorpo aacutejmntam -tambeacutemapres~nccedila de uin rico universo simboacutelicoacutetoinadojaacute poacutermiddotum pensagravementomaacutegicoacute Em muitos casos as armas e utensiacutelios eram middot depositadosjunto com o morto o quacutee indicaria segundomiddot Edgar Morin umapossiacutevelmiddotpreservaccedilatildeo da-identidade depois da~morteacute -Umoutro middot casointeressaritesatildeo corposinurnados em-posiccedilatildeofetal evidenciandomiddot a middotcrenccedila middotdecrenasmiddotuacutemento depois da mortemiddot_ As priiacuteneirasmiddotpistagraves dos -funerais preacute-histoacutericos ainda natildeo registram o aparecimento de uma arte figurativa~ que comeCcedilaria a-evoluir posteriormente -

t~o que Bystrinagravechania-desegunda realidade Edgar Morin denominamiddot segunda existecircncia o domiacutenio deste uacuteniverso simboacutelico Tal como Bystrina Morin tambeacutem acredita no papel damorte como fundadora deste universo no decorrer do processo de hominizaccedilatildeo Em uma de suas principais -obras O Paradigma Perdido o autor assim se expressa

Significaccedilatildeo 23 bull 188

)i1iiMiacuten middot~r~Jeologla e conceitos

- r PorUacuteUacuteitD~tudo middotnos indicaquebullo Homor~apienHigtatinizdo ~middot pila ~ miJrte como por- uhza cataacute~trofe-uumlx~m~d~aacuten~lque

middot middot ~I middot vaf tfazer torisigo uma ansiedade espepiacutejjca 4 a_nguacutestia ou o hotilderror da morte que a presenccedila di morte pgssa a

middot ser middot um problema vivo isto eacute quacutee tr(Jbalha a sua vidg Tudo nos indica igualmente que esse hOacutemem natildeo soacute recusa

middot 1 essa morteacutebull mas quemiddot a rejeita transpotildee eresolve n() rrzito e na magid (Sid p95)

middot) ~ imiddotgt

Antes mesmo do surgitpento da ltlrte figurati~~ JaacuteH~rca _ccedili~ 3 5 niiacutelano~ a Ccedil aparecem Jaacutebullfofmas de grafismp Satildeo seqiecircncja~ d~ Iihhasmiddot gravadas em peckas e osso~- guardando entre e ias a mesma distacircncia que para LeroiGourhan satildeo as evidecircnccedilias mais a~tigas de um comportamento riacutetmico do middothomem e assinalam a certeza de qle obullgtafismo se inicia no abstrato-e caminha em direccedilatildeo agrave figuraccedilatilde concretit Para o autor este caminho tantas vezes middotseguido pelas artes histoacutericas leva-nos a admitir que c co1~respccedilmde a uma tendecircncia geral a um ciclo de maturaccedilatildeo onde o abstrato esteja realmente na base de uma expressatildeo graacutefica (slq 192) middot

middot middotmiddot As primeiras imagens figurativas comeccedilam a aparecer mais aacutebutJdantemente a partir de mais ou menos 30 milan0s atraacutes tend0 como suporte paredes de grutas eacute objetos moacuteveis como annas Ccedilon~ centram-se middotprincipa~entena Europabullsendo quemiddot as imagens parietais encuacutentram-setiasicatneacutente restritas agrave Espanha Franccedila ~ sul da Itaacute_shylia As descobertas damiddotarte paleoliacuteticamiddot satildeo relaacutetivamente recentes e aconteceramquasesimultaneamente a gruta de Chabotmiddot (1878) e Altamiraj na Espacircfi1la(iS~l~)4 bull bull bull bull

middot middot I

4 Achados arqueqloacutegicos mal recentes no ParqiJe Naccedilionalda Serra da Capiv_ara no PiaUuml(atildetesIacuteam a preseacutenCcedila middot de figurasmiddot antropomoacuterfieacuteagraves erh rochagraves do siacutetio

Toca damiddotBaStianamiddot~ue (falariam cleacute30 mil anos middotjr arqlieacute(lloga irasileirabull Niecircde Guidon responsaacutevebpelas ccedille_scobertas publiCOJ ~rn Jl986 na col)ceituada

I~ ~~vista Na~ure Q~j IJ~vl~ ~i VE)Stfgios de oc_~Pa~p huni~namiddot ~o ~n~ineacutente americano de 50 m1l anos atraacutes Sua teselomou-se bastante polecircmica em melo

agraveeomunidademiddotCitmtffica um a vez qUacutee refutava a hipoacutetese-mais aceita de que o -continente havia_recebiqo as prmeira~migraccedilotildeeshumana paacute cerca de 12mil anospela passagem do estreito de Bering lnformaccedilocircesciriais detalhadaacutes pOshydem ~e r endgtniacutefaetatildes no Iacutenfoacutermatlvci da Sobleacutedade Brasileiragrave paraacute oacute Progresso

middot da Ciecircncia Wwwjomaldacienciaorgbr bull

Alberto klei~

Seriam agraves pinturas e inscriccedilotildees parietais e moacuteveis do paleoliacutetico frutos dacapacidade imaginativa do artistaou manifestaccedilotildees religioshysas A dificuldade de responder a esta- questatildeo nasce justamente do fato de nosso olhar sobre a preacute-histoacuteria se contaminar de noccedilotildees atuais de arte ebull religiatildeo Poderiacuteamos neste instante concor-dar com Edgar Morin segundo o qual os fenocircmenos maacutegicos satildeo potencishyalmente esteacuteticos e os fenocircmenos middotesteacuteticosmiddot satildeo potencialmente maacutegicos (sd p98) Se se separar o artista do homem religioso a discussatildeo perde solidez conforme nos alerta Leroi-Gourhan Suas mensagens atraveacutes das figuras respondem a uma necessidade ao mesmo middot tempo jlsica middot e ps(quica de middotassegurar a apropriaccedilatildeo do tiniverso pelo indiviacuteduo ou grupo social de realizar a inserccedilatildeo do homem atraveacutes do aparelho simboacutelico no xampo movediccedilo~ aleatoacuterio que o envolve (sd 81-2) Este aparelho simboacutelico natildeo pode ser despido de um pensamento miacutetico e maacutegico Defrontamoshynos agora com as primeiras evidecircncias de uma relaccedilatildeo maacutegica entre homem e imagem e middotomiddotsuporte para as primeiras figuras desenhadas satildeo principalmente as paredes de grutas

Quais eram os temas mitoloacutegicos inscritos nas cavernas que este homem nos deixou Os estudos e anaacutelises empreendidos por Leroi-Gourhan satildeo uma das principais contribuiccedilotildees de sua obra A partir de um inventaacuterio destas figuras o paleontoacutelogo francecircs consshytatou trecircs nuacutecleos temaacuteticos que envolvem toda a arte no paleoliacutetico a saber animais seres humanos e signos Estes uacuteltimos apesar de sua natureza abstrata satildeo considerados pelo autor como siacutembolos sexuais do masculino e do feminino middotUma constataccedilatildeo impressioshynante eacute que natildeo haacute muitas variaccedilotildees de sentido nessas figuras messhymo cobrindo um periacuteodo que vai de 30 mil anos a C ateacute nove mil anos a C As anaacutelis~s e agravessociaccedilotildees feitas por Leroi-Gourhan pershymitem conCluir que animais (cavalo e bisonte aparecem COJl1 abunshydacircncia) figuras humanas e signos que aparecem muitas vezes com o seu par oposto constituem um tema binaacuterio com representaccedilotildees simboacutelicas do masculino e do feminino Uma das tarefas do autor eacute cruzar os nuacutecleos e tentar decifrar seus temas o que nos leva para um campo de dados probabiliacutesticos Apesar das sombras que pairam sobre a religiosidade na preacute-histoacuteria o paleontoacutelogo francecircs conclui

Significaccedilatildeo 23 bull 190

lmagen~ arqueologia e conceitos

q~e a co~stacircncia dos temas 4lfaQte um lqngo petjodo datildeo provas de um sistema simboacutelico de crenccedilas mais complexo do que se ~magishynara Assim afirma ao finalde seu livro

F al~a1rlnos ainda elementos para ccedillescreyer o progresvo enriqu~ccedil~mento e as variaccedilotildees regionqis do aparelho

mito graacutefico entre o firrz dp Solutrense e middoto Maqalenimse Meacutedio entre 15000 e 12 000 Conjuntos admirayccedillmente homogecircneos () atestanz que nesta eacutepqca entre o Loire e os Pirineus natildeo soacute o grupo central se tornou muito denso com a sua combinaccedilatildeo de pares de anim~ismiddot emshyparelhados por espeacuteci~s diferentes como ainda asjiguras de homens compoacutesitos os felinos os rinocerontes e ps animais sem cabeccedila que povoam os fundos criaram uma retaguarda densa de siacutembolos vinculados agrave zona mais iacutentima do misteacuterio (sd 134)

A conclusatildeo do autor acercado binarismo da arte paleoliacutetica converge com a posiccedilatildeo de Ivan Bystrina de que o middotprocesso de codificaccedilatildeo semioacutetica mais arcaico eacute o binaacuterio Dividir o mundo em dois representaria o modo pelo qual o homem comeccedila a organizar todo o aparato simboacutelico que o envolve As percepccedilotildees do masculino e do feminino damiddot noite e do dia das sensaccedilotildees de prazer e dor presentes na realidade biofisica do homem inspirariam aformaccedilatildeo de textos culturais com caracteriacutesticas duais No processo de desenshyvolvimento ontogecircnico do ser humano Harry Pross trata semelhantemente das experiecircncias preacute-predicativas do claroescuro e dentrofora constituindo-se como as raiacutezes da experiecircncia do hoshymem Por serjustamente a mais arcaica a divisatildeo binaacuteria eacute o mais forte modo de codificar a realidade No Cristianismo a ideacuteia do mal contrapondo-se a Deus encama-se na figura do Diabo5

no cinema e nas nove1as narrativas que possuem um acirrado dualismo satildeo as

I

5 A existecircncia do Diabo ou de um mal encamado natildeo estaacute muito clara no Antigo Testamento Apoacutes o cativeiro babilocircnico dos judeus e o consequumlente contato oom o Masdefsmo e o Zoroastrismo suas referecircncias se tornam claras e abundantes no Novo Testamento Portanto quando nasce o Cristianismo sua

Significaccedilatildeo 23 bull 191

que fazem maioacuter sucesso pois facilitam a absorccedilatildeo da mensagem pelo telespectadot middot

Aleacutem do binarismo doniinante nas figuras paleoliacuteticas po~ demos entrever tambeacutem um compromisso maacutegico na relaccedilatildeo entre homem e imagem a partir do qual oacute homem estende seu domiacutenio sobre a natureza Embora faltem elenierttos middot- seguros e comprobatoacuterios Leroi-Gourhan admite que o maioacuter argumento em favor deste comportamento estaacute nas imagens feridas de cavalos ou bisontes Isto poderia indicar um ritual a fim de garantir o ecircxito da caccedila Curioso poreacutem eacute que aacutes feridasmiddot aparecem soacutemente em 4 dasmiddot figuras de animais o que natildeo exclui a possibilidade de que o ferimento de um animal valeria tambeacutem para todo o rebanho O que estaacute middotemmiddot discussatildeo eacute a presenccedila demiddot uma mentalidade maacutegica que manipula siacutembolos com o objetivo de suprir eficazmente suas necessidades cotidianas~ Nas palavras de Jacques Maritain o signo maacutegico natildeo apenas faz os homens conhecerem ele faz as coisas serem eacute uma causa eficiente em si mesma (apud Notildeth 1996 p38) A magia implica em uma crenccedila de que as coisas possuem uma dupla existecircncia na qual os limites entre o signo e-o objeto representado encontram-se difusos O cavalo estaacute presente em -sua imagem ou melhor a imagem mental evocada pelo significante pode se confundir com o proacuteprio cavalo Eacute assim que passamos a projetar nossas visotildees sobre o mundo exterior ateacute ao ponto em que ambos se misturam A partirdo grafismo e da arte figurativa preacute-histoacuterica Edgar Morin vecirc traccedilos bastante convincentes deste encantamento do mundo

Portanto o que o grafismo mural nos revela eacute a ligaccedilatildeo imaginaacuteria com o mundo Por um lado a palavra o sinal o siacutembolo a figuraccedilatildeo vatildeo ininterruptamente re-apresentar ao espiacuterito mesmo na ausecircncia dele~ os seres e as coisas do mundo exterior e num certo sentido esses seres -e essas coisas pas~am a ser dotados de wn poder de invasatildeo Por outro lado satildeo as imagens mentais que invadem o mundo exterior Eacute nesta confusatildeo e para transpor esta

figura jaacute hagravevia sido fortemente caracterizada Sobre a histoacuteria do Diabo e as forma que ele assume no Cristianismo remetemos o leitor ao livro O Diabo no Imaginaacuterio Cristatildeo de Carlos Roberto F Nogueira

Significaccedilatildeo 23 bull 192

Imagembull arqueologia e conceitos

confusatildeo que se constroem o mito e a magia quer dizer uma organizaccedilatildeo ideoloacutegica e praacutetica daligaccedilatildeo imaginaacuteria COI)l o mando (sdlOO

Os exemplos dessa maneira maacutegica middotde pensar o mundo natildeo se esgotam no paleoliacutetico muito menos nas culturas primevas cooacuteJemporacircneas pois encontram-se tambeacutem nbs domiacuteniosmiddotdas divefsas fohilasmiddotde teliacute~iosidaacirce coritempocirctacirchea A proacuteptiaq-ustatildeo do uso dos iacutecones religiosos evidencia em muitos casos este compromisso hiaacutegicb e~tab~lecido com agravesimagens o antropoacutelogo James Prazer imbuiacutedbdeVmii vlisatilde6 positivistaassim se expressa a respeit0 da rhagia ( homem confundiu a middotordem de siuacutes UacuteUacuteias com a ordem da na tuteia~ iSsuumln imaginJu quemiddoto cdntroleacute que tem ou parece termiddot sobremiddot oacuteS seus pensainentOs perinitiuacute-lheacute exercitar um controle correspondente sobre as coisas (apud Notildeth 1996 p40) middot

Ao problema da imagem estaacute sempre ligada a questatildeo do duplo middotEspelho simulacro figlfraccedilatildeo a magia irrompe com intensishydade variaacutevel indepertdetiteniacuteehte da cultura tempo ou dos suporshytesmiddotque a imagem toma questiol)ando () homem sobre os limiares semi oacuteticos da representaccedilatildeo Muitas vezes a imagem eacute tomadagrave como mentira e se encontra diante da fuacute~ia dos ic()noc~asta~ mas a magia volta pois os fenocircmenos esteacuteticos satildeo potencialmente maacutegicos confmme nos _lembra Morin Je~dt Narciso(a ele estaacute associado o termo narcose) o encantamento ainda per~j~te Mas com ele conyivem col)traditoriamente a saturaccedilatildeo e a banalizaccedilatildeo em uma eacutepoca cob~rta pelas miacutedias middot middot

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Alberto klein

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Significaccedilatildeo 23 bull 194

Alberto klein

deuses delegamos a eles o poder de nos recriar Eacute assim que Edgar Morin coloca o imaginaacuterio como uma estrutura antagonista e comshyplementar daquilo que chamamos real e sem a qual sem duacutevida natildeo haveria o real para o homem ou antes natildeo haveria realidade humana (1997 p80) Com os olhos fechados formamos imagens oniacutericas Experimentamos um mundo impossiacutevel atraveacutes das imashygens produzidas pelos sonhos (ateacute mesmo por aqueles vivenciados na vigiacutelia) e com elas alimentamos o nosso imaginaacuterio Natildeo eacute por acaso que Ivan Bystrina coloca o sonho como uma das raiacutezes transformadoras da cultura que ele denomina Segun~ Realidade Ele irriga a produccedilatildeo de novos textos culturais inspirando a criaccedilatildeo de novas imagens Neste mesmo sentido Morin afirma

(O imaginaacuterio) daacute uma fisionomia natildeo apenas a nossos desejos nossas aspiraccedilotildees nossas necessidades mas tambeacutem aacute nossas anguacutestias e temores Liberta natildeo apenas nossos sonhos de realizaccedilatildeo e felicidade mas tambeacutem nossos monstros interiores qlle violam os tabus e as leis trazem a deStruiccedilatildeo a loucura ou o horror Natildeo soacute delineia o possiacutevel e o realizaacutevel mas cria mundos impossiacuteveis e fantaacutesticos (1997 p80)

O imaginaacuterio faz-se concretamente visiacutevel nos objetos da arte e da religiatildeo Damos forma a pinturas esculturas e desenhos em nossos sonhos e pesadelos Traccedilamos a fisionomia dos nossos deuses fazendo-os agrave nossa imagem e semelhanccedila A imaginaccedilatildeo humana n~o se prenccedilieu a uma virtualidade mental mas se inscreveu visivelmente atraveacutes do espetaacuteculo da magia da religiatildeo e da arte em nossa realidade Asslm devemos reconhecer a dupla natureza das imagens criadas pelo homem mental e material

D~ntro do universo das imagens produzidas materialmente podemos identificar naturezas muito diversas que variam conforme seu material ou seu suporte tecnoloacutegico Assim temos esculturas pinturas grafite bordados estampas fotografias cinema imagens de TV infografias holografias etc Notamos que a vertiginosa evoshyluccedilatildeo tecnoloacutegica na qual nossa cultura estaacute inserida apresenta-nos

Significaccedilatildeo 23 bull 178

Imagem arqueologia e conceitos

um mundo que se multiplica a cada dia na forma de imagens em diferentes suportes Neste sentido tomam-se cada vez mais acessiacuteshyveis gadjets como palm tops celulares com acesso agrave Internet e que tiram fotos assim como tecnologias de ponta como a Realidade Virshytual Haacute tambeacutem promessas para um futuro muito proacuteximo quanto agrave utilizaccedilatildeo de bolo gramas e nanorrobocircs (que seratildeo literalmente ingeshyridos) como meios de comunicaccedilatildeo interpessoal

Do mesmo modo que variam os suportes abre-se um leque de diferentes funccedilotildees assumidas pelas imagens Elas podem cumshyprir um fim religioso ou maacutegico constituindo-se um siacutembolo ritualiacutestico como vimos provavelmente este foi o primeiro horishyzonte da criaccedilatildeo das primeiras imagens Assumem mais tardiamente uma dimensatildeo puramente esteacutetica e aiacute estamos diante do valor arshytiacutestico que salta das -pinturas e esculturas e outras- formas de artes visuais Aqui o ritual cede ou se toma residual nas formas profanas do culto agrave arte Conforme Walter Benjamin (1969 p224) o valor de culto de uma obra eacute sobreposto por seu valor de exposiccedilatildeo em uma era em que prevalecem mecanismos de reproduccedilatildeo mecacircnica da imagem principalmente com a fotografia e o cinema

Pela primeira vez na histoacuteria a reproduccedilatildeo mecacircnica emancipa a obra de arte de sua dependecircncia parasiacutetica do ritual () a obra de arte torna-se uma obra de arte projetada para a reprodutibilidade 1

bull (1969 p224)

Morin ( 1997 p 77) vai tratar da experiecircncia esteacutetica tanto na arte como na cultura de massa como uma degradaccedilatildeo da partishycipaccedilatildeo religiosa Enquanto nesta uacuteltima o mergulho na imagem reshypresentaria uma experiecircncia de um imaginaacuterio que se toma mais real do que o proacuteprio real assistir a um filme ou a uma novela designa uma experiecircncia que se situa um degrau abaixo da participaccedilatildeo maacutegica e religiosa Neste caso rege uma dupla consciecircncia do espectador este pode ser intensamente absorvido pela obra apesar do imaginaacuteshyrio ser apenas tomado como imaginaacuterio

Traduccedilatildeo do autor deste trabalho

Significaccedilatildeo 23 bull 179

middot middot ~lberto klein

Devemos tambeacutem reconhecer muitas outras funccedilotildees daimashygem no contexto dacultura-de massaEla se restringe a-uma finalishydade informativa emfotos e charges dejon~ais reyistas mesmo que se oriente por criteacuterios esteacuteticosmiddotrSimageil$ do mesmo modo _servem de passatempoj distraccedilatildeo entretenimento-nas mais diversas produccedilotildees nos meios de comunicaccedilatildeo de massa Orientam--nos para o consun1o-como o fazem as fotografias publicitaacuteriagraves comerciais de televisatildeo assitp c_omo a floresta de outdoors paineacuteiseletrocircnicos banners e tantos outros sushyportes imageacuteticos quemiddoten_ccedilobremo espaccedilo urbano As diferentes naturezas origens suportes e funccedilotildees demonsshytram como esse conceito eacute complexo e escorregadio O esforccedilo de anaacutelise eacute classificaccedilatildeo dasitnagens estaacute no domiacutenio de diversas aacutereas do conhecimento tais como Filosofia Esteacutetica Psicologia Comunishycaccedilatildeo Antropologia2

Teologia entre outras A natureza das imashygens eacute amplamente investigada pelaJisica e pelas neutociecircncias A esta uacuteltima estatildeq viriculadostrabalhos instigantes do neurologista norte-americano Oliver Sacks um notoacuterio campeatildeo-de vendas e do neurocientistabullportuguecircsAritocircnio Damaacutesio

No final do livroOMisteacuterie da Consciecircncia Damaacutesio preshyocupa-se em discorrer sobre conceitos usados ao longo de sua obra O termoimageni para o neutodentista portuguecircs eacute empregado no sentido de-padratildeomental podendo se remeter a processos conscienshytes ou inconscientes middotImagens mentais natildeo se resttigem conforme Damaacutesio agrave percepccedilatildeo visual elas podem cobrir todo espectro senshysorial Poderiacuteamos assim falar de imagens taacuteteis ou olfativas3

bull A proacutepria mente deveria ser entendida como um processo ligado a um fluxo contiacute~uode -irhagens middot Sobre como se daacute este fluxo o autor escreve

O processo que chegames a conhecer como m~nte quando imagens mentais se tornam nossas como

2 Etienne Samain em um interessante ensaiei chamado Para que a antropologia consiga tornar-se visual analisa a possibilidade de se fazer antropologia atra-veacutes da fotografia middot

3 Embora haja uma aproximaccedilatildeo com o conceito de iacutecone em Peirce Damaacutesio estaacute tratando exclusivamente de imagens rnentais

Significaccedilatildeo 23 bull 180

lm~gemarqueologia e conceitos

resul_tado 4_a consciecircncia eacute um fluxo contiacutenuo de imagens e muitas delas se revelam logicamente intershyrelacionadas o fluxo avanccedila no tempo raacutepido ou lento ordenadamente ou aos trambolhotildees e agraves vezes segue natildeo uma mas vaacuterias sequumlecircncias As vezes as sequumlecircncias satildeo concorrentes outras vezes convergentes ou divergentes ou ainda sobrepostas Pensamento eacute uma patavra aceitaacutevel para denotar esse fluxo de imagens (2000 p402-3)

Sobre a investigaccedilatildeo em tomo da imagem aqui con~iderada a partir de seus suportes fisicos a iconologia e a iconografia como meacutetodos de investigaccedilatildeo da imagem devem ser lembradas como ferramentas importantes principalmente com as contribuiCcedilotildees de Aby Warburg Fritz Saxl e Erwin Panofsky

Eacute claro que a semi oacutetica natildeo se furtou em contribuir para seu estudo Aliaacutes todas as tradiccedilotildees de estudos semioacuteticos passam neshycessariamente por uma reflexatildeo e sistematizaccedilatildeo de uma teoria dos signos que abarque obviamente a questatildeo da imagem Na semi oacutetica de Charles S Peirce a noccedilatildeo de iacutecone que se constitui a partir do criteacuterio de semelhanccedila em relaccedilatildeo ao objeto aproxima-se mais do conceito de imagem Entretanto deve-se ter cuidado ao fazer uso deste conceito uma vez que o iacutecone segundo Peirce refere-se tamshybeacutem a signos de canais natildeo visullis envolvendo todo espectro senshysorial do homem Assim podemltgts ter iacutecones acuacutesticos quando por exemplo imitamos-o som de um paacutessaro ou a voz de alguma figura puacuteblica

Ao deslocar sua atenccedilatildeo do signo para o texto a Semi oacutetica da Cultura fornece-nos uma perspectiva mais adequada para aborshydar a imagem enquanto um fenocircmeno cultural Com as contribuishyccedilotildees dos semioticistas da Escola de Tartu-Moscou passamos a enshycarar a imagem natildeo apenas como um signo fechado mas como um entrelaccedilamento de fios e tramas ou seja pela associaccedilatildeo dos seus elementos visuais e sua projeccedilatildeo histoacuterica que uma determinada imagem como um produto cult4rnl deve ser consider~ Por isso em suas famosas Teses para um Estudo Semioacutetico da Cultura Lotman_

Significaccedilatildeo 23 bull 181

Albertoklein

lvanov Toporov Uspenskij e Pjatigorskij conseruiualmente declaram o texto como uma unidade baacutesica da eultura (1975 p62) Anatureshyzatextual da imagem natildeo a reduz agrave esfera do verbaacutel a palavra texto neste caso estaacute em consonacircncia com o seu significado original remetendo-nos agrave ideacuteia de tecido urdidura ou tapeccedilaria Norval Baitello Jr explica claramente a noccedilatildeo de texto

Ora o registro de um determinado signo ou de um grupo de signos sua permanecircncia ou sua transformaccedilatildeo em diferentes momentos perceptivos constitui um percurso ou sejamiddot um encadeamento uma associaacuteccedilatildeo de signos vale dizer um objeto de natureza narrativa no qual o significado natildeo se manteacutem senatildeo globalmente () Assim o tecido natildeo eacute apenas uma somatoacuteria de fios ou fibras mas a textura que estas fibras produzem Assim o texto natildeo eacute um conjunto uma somatoacuteria de elementos discreshytos mas sim o resultado de uma interaccedilatildeo de elementos e sua projeccedilatildeo temporaacutel Um signo uacutenico natildeo seraacute portanto um texto se natildeo for visto em um percurso em uma relaccedilatildeo tempoal ou espacial dialogando consigo proacuteprio ou com outros signos (1997 p41-2)

A complexidade do texto ajuda-nos a elucidar a natureza de uma imagem a partir de sua histoacuteria e de seus viacutenculos com uma determinada cultura Certagravemente eacute esta abordagem semioacutetica que eacutestaraacute de forma subjacente presente na anaacutelise que faremos da iconografia cristatilde Entretanto ainda permanece o desafio de lidarshymos com um conceito mais preciso e operacional de imagem que se case com os objetivos deste trabalho

Em um instigante ensaio sobre a fotografia o teoacuterico da miacutedia tcheco Vileacutem Flusser que passou boa parte de sua vida em Satildeo Paulo incumbe-se da tarefa de conceituar imagem e o faz com simplicidashyde e criatividade Mas uma vez que sua obra trata essencialmente de fotografia Flusser se prende agrave noccedilatildeo de imagem plana e natildeo se preocupa aleacutem disso em estabelecer tipologias Sua reflexatildeo passa tambeacutem pela instacircncia mental das imagens ao tentar definir

Significaccedilatildeo 23 bull 182

imaginaCcedilatildeo Como elemento fundamental na construccedilatildeo e decodificaccedilatildeo de imagens Diz ele logo no iniacutecio de sua obramiddot middot

bull Imagens satildeo superjicies que pretendem representar algo Na maiorta dos cagravesos algomiddot que middot se encontra laacute fora no espaccedilo_e no tempo As imagens satildeo portanto resultado do esfocircrCcedilo de se abstrair duas das quatro dimensotildees de espaccedilo-tempo para que se conservem apenas as dimensotildees do plano Devem middot sua origem agrave capacidade de abstraccedilatildeo especiacutefica que podemos chamar de imaginaccedilatildeo No entanto a imaginaCcedilatildeo tem dois aspecios se de um lado permite abstrair duas dimensotildeeS dos fenocircmenos de outro permite reconstituir as duas dimensotildees abstraiacutedas na imagem Em outros termos imashyginaccedilatildeo eacute a capacidade de codificar fenocircmenos de quashytro dimensotildees em siacutebolos planos e decodificar as menshysagens assimmiddot c~dificadas Imaginaccedilatildeo eacute a capacidade de fazer e decifrar irzagens (2002 p1)

Eacute a pa~r deste pensam~nto de Fhisser qle No~agravel Baitelloacute Jr nos retrata iuna espeacutecie_ de crise da imaginaccedilatildeo diante do excesso de imagens cotidianas a que estamos expostos Eacute justamente neste tracircnsito entre iinagens inte~as e externas onde Flusser localiza a ideacuteia de imaginaccedilatildeo que se institui um desequiliacutebrio O titIacutemlsrpoacute e a onipresenccedila das imagens ext~~as dfminuirla no~sa capacictade de construir novas image~s do mUpqo e imaginar outras possibilidades estabelecer nova~ relaccedilotildees De tanto serem interpelados aas maneiras mais apela~tyas e ins_uumlliosas em toda e qualquer hora em todo e qualque~- l~gar ~o-~ imagens cad~-rye_~ mqts gritantes e repetitivas nossos olhos jaacute natildeo querem ver (2003 p80) Se as imagens satildeo intepnediaccedilotildees entre o homern e o mundo como diz Flusser em que medida seriani elas tambeacutem bi~llbos Eacute as~im que as cidades acabam sendo escondid(ls p~los outaoor~ O natildeo_pOdfr ver por causa da saturaccedilatildeo transformase ~m um natildeo querer ve~ e a crise se instaura no olhar

Significaccedilatildeo 23 bull 183

_ ~lberto klein

O filoacutesofo e socioacutelogo alematildeo Dietmar Kamp~r em A Estrutura Temporal das Imagens nos diz que nossa oacuterbita ocular eacute palco de uma derrota secular da visatildeo A velocidade e saturaccedilatildeo de imagens em um universo coberto pelos meios de comunicaccedilatildeo serishyam os perpetradores dessa derro~ Em wp outro texto Imanecircncia dos Media e -Corporeidade Transcendental Kamper nos pergunta se haacute algum mundo aleacutem dos media ou se eles jaacute cobriram tudo

Agrave crise do olhar em razatildeo ccedille um universo tomado por imashygens estaacute ligada agrave faacutebula de Borges citada por Baudrillard no iniacutecio de seu Simulacros e Simulaccedilatildeo A estoacuteria nos fala de um rei que encomendou aos c~rtoacutegra~os de seu reino um mapa que represenshytasse perfeitamete a ~eografia de seu paiacutes O resultado acabou ficando tatildeo perfeito que a obra acabou cobrindo totalmente o territoacuterio Esta faacutebula serve para Baudrillard nos assegurar que hoje habitamos o mapa e natildeo mais o temtoacuterio cujos iagmentos apodrecem lentashymente sobre a extensatildeo do mapa (1991 p8)

Kamper apresenta-nos na Enciclopeacutedia Antropoloacutegica Cosshymo Corpo e Cultura um sentido ambiacutevalente na origem da palavra alematilde equivalente agrave imagem bild Do antigo alto alematildeo billid enshyg~oba significados como forma essecircncia imagem coacutepia ou reprodushyccedilatildeo Haacute assim um problema portanto desde o iniacutecio em que a repreacutesentaccedilatildeo daacute lugar agrave magia jaacute que bild pode designar a presenccedila de uma essecircncia Kamper deste modo nos diz que originariamente a imagravegem tein como objetivomiddot reproduzir apresentar e desenhar Soshybre a magia evidenciadara ambivalecircncia do conceito diz o autor Esta posiCcedilatildeo mUtaacutev~l entremiddoturna ordem maacutegica da pIacuteeriacutea presenccedila na qual a imageacutem eacute idecircntica agravequilo que mostra e uma ordem da representaccedilatildeo qiuacute tende ao vazio () nunca se perdeu de todo (2002) Ocirc sacramento da Eucaristia e a veneraccedilatildeo de imagens dos santos na igreja satildeo prova evidente deacute que-os vestiacutegios da magia natildeo se perderam middot

O que podeacutemos dizer da sacralizaccedilatildeo das imagens publicitaacuteshyrias segundo este peacutensamento Ao mesmo tempo em que ocorre uma banalizaccedilatildeo das imagens devido ao seu excesso em nosso cotishydiano devemos tambeacutem middotadmitir um esforccedilo em divinizar produtos atraveacutes de imagens o que nos leva fatalmente agrave onipresenccedila do

Significaccedilatildeo 23 bull 184

Imagem arqueologia e conceitos

espetaacuteculo em nossa sociedade Trata-se aiacute da tentativa de recuperar um poder que as imagens rituais exerciam sobre o homem mesmo que residualmente O objetivo eacute claramente provocar encantamenshyto e para tanto deve-se tentar sobressair diante do gigantismo assumido pelas imagens no espaccedilo urbano Outdoors ficam cada vez maiores e acabam inaugurando uma disputa domiddotespaccedilo pelas imagens como afirma Baitello (2003 p80) Recentemente middotaagecircnshycia de publicidade DPZ em um anuacutencio fixou um automoacutevel na sushyperficie de um outdoor em uma avenida da capital paulista exemplo claro de fazer a imagem confundir-se com o proacuteprio objeto evidencishyando uma intenccedilatildeo maacutegica Do mesmo modo o culto dedicado aos liacutederes poliacuteticos e o patrociacutenio da cultura de massa agrave veneraccedilatildeo das estrelas do show business mostram a forccedila do encantamento exershycido pelas imagens ainda na entrada do seacuteculo XXI

Um outro desafio se apresenta ao lidarmos com a questatildeo da representaccedilatildeo siacutegnica da imagem Sobre isto vale a pena citarshymos a polecircmica acerca da natureza da imagem entre o semioticista Winfried Notildeth e o respeitado pesquisador Hans Belting conforme nos relata Benjamin Burkhardt no artigo Controveacutersia em Torno de uma Ciecircncia das Imagens No iniacutecio de 2004 em um encontro acashydecircmico na Alemanha Notildeth argumentava haver uma deficiecircncia semioacutetica nas pesquisas de Belting em razatildeo deste ignorar a natureshyza siacutegnica das imagens ao passo que este uacuteltimo acusava a semi oacutetica de reduzir a imagem ao conceito de signo dando a ela um caraacuteter unicamente representacional Abaixo a Imagem e Todo Poder ao Signo era o prov()cativo tiacutetulo da conferecircncia de Belting De fato a noccedilatildeo de signo toma-se insuficiente para abrigar toda forccedila irradiadora da imagem sendo por isso que a Semioacutetica da Cultura privilegiou o conceito de texto A imagem enquanto objeto da cultura jaacute se apreshysenta como uma unidade complexa de natureza narrativa como um encadeamento de elementos que se dialogam compondo uma histoacuteshyria que lhe confere um sentido e uma funccedilatildeo cultural Esta controshyveacutersia portanto estaria resolvida se ao inveacutes de um signo nos deshyfrontaacutessemos com um texto pois a ambivalecircncia das imagens e o seu poder exercido sobre o homem soacute podem ser deslindados em uma unidade miacutenima narrativa e complexa

Significaccedilatildeo 23 bull 185

Albertomiddotklein

O que satildeo imagens entatildeo De um ponto de vista da cultura e levando em consideraccedilatildeo o aspecto material do objeto imagens satildeo textos culturais construiacutedos pelo homem frutos de sua imagishynaccedilatildeo que duplicaram o seu mundo e seu imaginaacuterio dando~ lhe forshymas figurativas ou abstratas nos mais diversos suportes visuais As diferentes funccedilotildees e naturezas das imagens em diferentes eacutepocas congregam a ambivalecircnciamiddot da distacircncia representativa e de sua parshyticipaccedilatildeo na essecircncia do que estaacute por detraacutes delas Representaccedilatildeo e presentificaccedilatildeo satildeo dois limites (natildeo deixando de observar as inuacuteshymeras possibilidades gradativas )entre os quais percorre o poder que as imagens sempre exerceram sobre o homem

A arqueologia da imagem

Neste item seraacute analisada apenas a origem das imagens mashyteriais produzidas pelo homem deixando de lado o problema das imagens mentais pois este eacute um fenocircmeno que transcende obviashymente o gecircnero H orno

Um dos maiores problemas ao nos defrontarmos com a preacuteshyhistoacuteria da humanidade como nos alerta Leroi~Gourhan eacute que lida- middot mos quase somente com dados probabiliacutesticos o que limita uma reconstituiccedilatildeo das praacutetiacutecas atitudes do homem preacute-histoacuterico frente agraves imagens e do poder nelas investido Todos estes elementos natildeo satildeo fossilizaacuteveis e portanto cabe ao estUdioso interpretaacute-los atra~ v eacutes de pistas deixadas pelos nossos anceStrais Outra dificuldade eacute middot que denominamos como preacute-histoacuteria um periacuteodo de longas e sucesshysivas etapas do processo de evoluccedilatildeo humana que remontaacutea alguns middot milhotildees de anos e que durou ateacute mais ou menos dez mil anos atraacutes Estamos tratando portanto natildeo de um homem mas de luna variedade de espeacutecies H o mo que ao longo do tempo foram extintas pela seleccedilatildeo natural ateacute culminarem no H orno sapiens haacute cerca de cem mil anos

A questatildeo da religiosidade do homem preacute-histoacuterico estaacute ligashyda muitas vezes ao problema do surgimento das primeiras imagens pois delas se extraiacuteam provavelmente temas mitoloacutegicos muito embora seja possiacutevel identificar a presenccedila de um pensamento religioso antes mesmo do periacuteodo figurativo no paleoliacutetico superior

Significaccedilatildeo 23 bull 186

lmagema~queologia e conceitos

Uma vez que o terreno eacute movediccedilo ao inveacutes de perguntarmos quanshydo surgiu a centelha religiosa na humanidade seria melhor indagarshymos em que etapa do processo evolutivo percebemos sinais de que o homem eacute religioso Mircea Eliade que natildeo eacute um estudioso da preacute-histoacuteria objeta a este tipo dequestionamento pois para ele a religiosidade natildeo eacute fruto de uma etapa do processo evolutivo ao inveacutes disso ela constitui uma estrutura na mente humana ( 1978 pl3 ) Devemos nos lembracde que agravereligiosidade mitos e ritos praticados pelo homem preacute~ histoacuterico estatildeo profundamente vinculados agrave questatildeo da emergecircncia da cultura conforme assinalam Ivan Bystrina e Edgar Morin

Em seu livro As Religiotildees da Preacute-histoacuteria tiacutetulo que esshyconde as verdadeiras intenccedilotildees da obra Leroi-Gourhan toma como desafio discutir esse tema e responder a esses questionamentos O paleontoacutelogo avisa ao leitor contudo que em sua anaacutelise justamente por falta de materiais que possibilitem uma separaccedilatildeo conceitual natildeo seraacute feita nenhuma distinccedilatildeo entre religiatildeo e magia De qualquer modo haveria indiacutecios de detectar a crenccedila em algo transcendente Assim Leroi-Gourhan defende que as manifestaccedilotildees e oacutebjetos produzidos pelo homem que natildeo poderiam ser explicados por razotildees de sobrevivecircncia fiacutesica da espeacutecie poderiam apontar para a religiosidade deste homem a presenccedila do ocre no habitat do hoshymem de Neander(hal eacute considerada um fato religioso porque natildeo eacute explicaacutevelpor necessidades de sobrevivecircncia material (s d p26) Portanto haacute motivos claros para atestar o pensamento religioso no homem a partir do paleoliacutetico superior a partir de cerca de 50 mil anos atraacutes Embora faltem elementos suficientes para comprovaruma religiosidade mais tardia pode-se contudo admiti-la

Feitas estas reservas natildeo haacute nenhuma razatildeo vaacutelida para recusarmiddot aos antropiacutedeosmiddot paleoliacuteticos preocupaCcedilotildees de caraacuteter misterioso quanto mais natildeo fosse porque a sua inteligecircncia da mesma natureza senatildeo do mesmo niacutevel da do homo sapiens implica a mesma reaccedilatildeo em face do anormal e do middotinexplicaacutevel middotO homem desde as primeiras formas ateacute a nossa inaugurou e desenvolveu a reflexatildeo

Significaccedilatildeo 23 bull 187

Alberto kleiacuten

ou seja a capacidade para-traduzir middotem siacutembolos a realidade material do mundo que o envolvia Aproprie- dade middotelementar da linguacuteagem consiste em criar paraleshylamente aobull mundo exterior um middotmUndo todo poderoso de siacutembolos sem os quais a inteligecircncia se revelaria ineficaz (sd~ p26)

Ivan Bystrina amparado pocriteacuterio deLeroi-Gourhan para detecccedilatildeo do pensamento maacutegico e religioso no homem cria o conshyceito de segunda realidade como o domiacutenio domiddots mitos rituais ma- -gia religiatildeo artes e todas as manifestaccedilotildees que natildeo se explicam por necessidades de soJgtrevivecircncia material do homem -uuml elemento fundante desta segundamiddot realidade que para Bystrina equivale ao conceito de cultura seria a consciecircncia damortei Se esta eacute o maior middot obstaacuteculo -daprimeira realidade (realidade biofisica e teacutecnica do hoacutemeril~ exigindo mecanismos de sobrevivecircncia material) eacute possiacutevel somente superaacute-la no plano simboacutelico Daiacute eacute que se middotestabelecem os shycompromissos hmnanos middotcommiddotos deuses e a -magia que a partir de entatildeo vatildeomiddot governara vida humana A cultura neste sentido eacute fruto da experiecircncia-humana da-morte~ Os vestigiqs de que o homem pratica rituais de enterro demiddot seus ~semelhantes haacute pelo menos somiddotmil anos muitas vezescomacompanhamento de floresjuntoacute ao oorpo aacutejmntam -tambeacutemapres~nccedila de uin rico universo simboacutelicoacutetoinadojaacute poacutermiddotum pensagravementomaacutegicoacute Em muitos casos as armas e utensiacutelios eram middot depositadosjunto com o morto o quacutee indicaria segundomiddot Edgar Morin umapossiacutevelmiddotpreservaccedilatildeo da-identidade depois da~morteacute -Umoutro middot casointeressaritesatildeo corposinurnados em-posiccedilatildeofetal evidenciandomiddot a middotcrenccedila middotdecrenasmiddotuacutemento depois da mortemiddot_ As priiacuteneirasmiddotpistagraves dos -funerais preacute-histoacutericos ainda natildeo registram o aparecimento de uma arte figurativa~ que comeCcedilaria a-evoluir posteriormente -

t~o que Bystrinagravechania-desegunda realidade Edgar Morin denominamiddot segunda existecircncia o domiacutenio deste uacuteniverso simboacutelico Tal como Bystrina Morin tambeacutem acredita no papel damorte como fundadora deste universo no decorrer do processo de hominizaccedilatildeo Em uma de suas principais -obras O Paradigma Perdido o autor assim se expressa

Significaccedilatildeo 23 bull 188

)i1iiMiacuten middot~r~Jeologla e conceitos

- r PorUacuteUacuteitD~tudo middotnos indicaquebullo Homor~apienHigtatinizdo ~middot pila ~ miJrte como por- uhza cataacute~trofe-uumlx~m~d~aacuten~lque

middot middot ~I middot vaf tfazer torisigo uma ansiedade espepiacutejjca 4 a_nguacutestia ou o hotilderror da morte que a presenccedila di morte pgssa a

middot ser middot um problema vivo isto eacute quacutee tr(Jbalha a sua vidg Tudo nos indica igualmente que esse hOacutemem natildeo soacute recusa

middot 1 essa morteacutebull mas quemiddot a rejeita transpotildee eresolve n() rrzito e na magid (Sid p95)

middot) ~ imiddotgt

Antes mesmo do surgitpento da ltlrte figurati~~ JaacuteH~rca _ccedili~ 3 5 niiacutelano~ a Ccedil aparecem Jaacutebullfofmas de grafismp Satildeo seqiecircncja~ d~ Iihhasmiddot gravadas em peckas e osso~- guardando entre e ias a mesma distacircncia que para LeroiGourhan satildeo as evidecircnccedilias mais a~tigas de um comportamento riacutetmico do middothomem e assinalam a certeza de qle obullgtafismo se inicia no abstrato-e caminha em direccedilatildeo agrave figuraccedilatilde concretit Para o autor este caminho tantas vezes middotseguido pelas artes histoacutericas leva-nos a admitir que c co1~respccedilmde a uma tendecircncia geral a um ciclo de maturaccedilatildeo onde o abstrato esteja realmente na base de uma expressatildeo graacutefica (slq 192) middot

middot middotmiddot As primeiras imagens figurativas comeccedilam a aparecer mais aacutebutJdantemente a partir de mais ou menos 30 milan0s atraacutes tend0 como suporte paredes de grutas eacute objetos moacuteveis como annas Ccedilon~ centram-se middotprincipa~entena Europabullsendo quemiddot as imagens parietais encuacutentram-setiasicatneacutente restritas agrave Espanha Franccedila ~ sul da Itaacute_shylia As descobertas damiddotarte paleoliacuteticamiddot satildeo relaacutetivamente recentes e aconteceramquasesimultaneamente a gruta de Chabotmiddot (1878) e Altamiraj na Espacircfi1la(iS~l~)4 bull bull bull bull

middot middot I

4 Achados arqueqloacutegicos mal recentes no ParqiJe Naccedilionalda Serra da Capiv_ara no PiaUuml(atildetesIacuteam a preseacutenCcedila middot de figurasmiddot antropomoacuterfieacuteagraves erh rochagraves do siacutetio

Toca damiddotBaStianamiddot~ue (falariam cleacute30 mil anos middotjr arqlieacute(lloga irasileirabull Niecircde Guidon responsaacutevebpelas ccedille_scobertas publiCOJ ~rn Jl986 na col)ceituada

I~ ~~vista Na~ure Q~j IJ~vl~ ~i VE)Stfgios de oc_~Pa~p huni~namiddot ~o ~n~ineacutente americano de 50 m1l anos atraacutes Sua teselomou-se bastante polecircmica em melo

agraveeomunidademiddotCitmtffica um a vez qUacutee refutava a hipoacutetese-mais aceita de que o -continente havia_recebiqo as prmeira~migraccedilotildeeshumana paacute cerca de 12mil anospela passagem do estreito de Bering lnformaccedilocircesciriais detalhadaacutes pOshydem ~e r endgtniacutefaetatildes no Iacutenfoacutermatlvci da Sobleacutedade Brasileiragrave paraacute oacute Progresso

middot da Ciecircncia Wwwjomaldacienciaorgbr bull

Alberto klei~

Seriam agraves pinturas e inscriccedilotildees parietais e moacuteveis do paleoliacutetico frutos dacapacidade imaginativa do artistaou manifestaccedilotildees religioshysas A dificuldade de responder a esta- questatildeo nasce justamente do fato de nosso olhar sobre a preacute-histoacuteria se contaminar de noccedilotildees atuais de arte ebull religiatildeo Poderiacuteamos neste instante concor-dar com Edgar Morin segundo o qual os fenocircmenos maacutegicos satildeo potencishyalmente esteacuteticos e os fenocircmenos middotesteacuteticosmiddot satildeo potencialmente maacutegicos (sd p98) Se se separar o artista do homem religioso a discussatildeo perde solidez conforme nos alerta Leroi-Gourhan Suas mensagens atraveacutes das figuras respondem a uma necessidade ao mesmo middot tempo jlsica middot e ps(quica de middotassegurar a apropriaccedilatildeo do tiniverso pelo indiviacuteduo ou grupo social de realizar a inserccedilatildeo do homem atraveacutes do aparelho simboacutelico no xampo movediccedilo~ aleatoacuterio que o envolve (sd 81-2) Este aparelho simboacutelico natildeo pode ser despido de um pensamento miacutetico e maacutegico Defrontamoshynos agora com as primeiras evidecircncias de uma relaccedilatildeo maacutegica entre homem e imagem e middotomiddotsuporte para as primeiras figuras desenhadas satildeo principalmente as paredes de grutas

Quais eram os temas mitoloacutegicos inscritos nas cavernas que este homem nos deixou Os estudos e anaacutelises empreendidos por Leroi-Gourhan satildeo uma das principais contribuiccedilotildees de sua obra A partir de um inventaacuterio destas figuras o paleontoacutelogo francecircs consshytatou trecircs nuacutecleos temaacuteticos que envolvem toda a arte no paleoliacutetico a saber animais seres humanos e signos Estes uacuteltimos apesar de sua natureza abstrata satildeo considerados pelo autor como siacutembolos sexuais do masculino e do feminino middotUma constataccedilatildeo impressioshynante eacute que natildeo haacute muitas variaccedilotildees de sentido nessas figuras messhymo cobrindo um periacuteodo que vai de 30 mil anos a C ateacute nove mil anos a C As anaacutelis~s e agravessociaccedilotildees feitas por Leroi-Gourhan pershymitem conCluir que animais (cavalo e bisonte aparecem COJl1 abunshydacircncia) figuras humanas e signos que aparecem muitas vezes com o seu par oposto constituem um tema binaacuterio com representaccedilotildees simboacutelicas do masculino e do feminino Uma das tarefas do autor eacute cruzar os nuacutecleos e tentar decifrar seus temas o que nos leva para um campo de dados probabiliacutesticos Apesar das sombras que pairam sobre a religiosidade na preacute-histoacuteria o paleontoacutelogo francecircs conclui

Significaccedilatildeo 23 bull 190

lmagen~ arqueologia e conceitos

q~e a co~stacircncia dos temas 4lfaQte um lqngo petjodo datildeo provas de um sistema simboacutelico de crenccedilas mais complexo do que se ~magishynara Assim afirma ao finalde seu livro

F al~a1rlnos ainda elementos para ccedillescreyer o progresvo enriqu~ccedil~mento e as variaccedilotildees regionqis do aparelho

mito graacutefico entre o firrz dp Solutrense e middoto Maqalenimse Meacutedio entre 15000 e 12 000 Conjuntos admirayccedillmente homogecircneos () atestanz que nesta eacutepqca entre o Loire e os Pirineus natildeo soacute o grupo central se tornou muito denso com a sua combinaccedilatildeo de pares de anim~ismiddot emshyparelhados por espeacuteci~s diferentes como ainda asjiguras de homens compoacutesitos os felinos os rinocerontes e ps animais sem cabeccedila que povoam os fundos criaram uma retaguarda densa de siacutembolos vinculados agrave zona mais iacutentima do misteacuterio (sd 134)

A conclusatildeo do autor acercado binarismo da arte paleoliacutetica converge com a posiccedilatildeo de Ivan Bystrina de que o middotprocesso de codificaccedilatildeo semioacutetica mais arcaico eacute o binaacuterio Dividir o mundo em dois representaria o modo pelo qual o homem comeccedila a organizar todo o aparato simboacutelico que o envolve As percepccedilotildees do masculino e do feminino damiddot noite e do dia das sensaccedilotildees de prazer e dor presentes na realidade biofisica do homem inspirariam aformaccedilatildeo de textos culturais com caracteriacutesticas duais No processo de desenshyvolvimento ontogecircnico do ser humano Harry Pross trata semelhantemente das experiecircncias preacute-predicativas do claroescuro e dentrofora constituindo-se como as raiacutezes da experiecircncia do hoshymem Por serjustamente a mais arcaica a divisatildeo binaacuteria eacute o mais forte modo de codificar a realidade No Cristianismo a ideacuteia do mal contrapondo-se a Deus encama-se na figura do Diabo5

no cinema e nas nove1as narrativas que possuem um acirrado dualismo satildeo as

I

5 A existecircncia do Diabo ou de um mal encamado natildeo estaacute muito clara no Antigo Testamento Apoacutes o cativeiro babilocircnico dos judeus e o consequumlente contato oom o Masdefsmo e o Zoroastrismo suas referecircncias se tornam claras e abundantes no Novo Testamento Portanto quando nasce o Cristianismo sua

Significaccedilatildeo 23 bull 191

que fazem maioacuter sucesso pois facilitam a absorccedilatildeo da mensagem pelo telespectadot middot

Aleacutem do binarismo doniinante nas figuras paleoliacuteticas po~ demos entrever tambeacutem um compromisso maacutegico na relaccedilatildeo entre homem e imagem a partir do qual oacute homem estende seu domiacutenio sobre a natureza Embora faltem elenierttos middot- seguros e comprobatoacuterios Leroi-Gourhan admite que o maioacuter argumento em favor deste comportamento estaacute nas imagens feridas de cavalos ou bisontes Isto poderia indicar um ritual a fim de garantir o ecircxito da caccedila Curioso poreacutem eacute que aacutes feridasmiddot aparecem soacutemente em 4 dasmiddot figuras de animais o que natildeo exclui a possibilidade de que o ferimento de um animal valeria tambeacutem para todo o rebanho O que estaacute middotemmiddot discussatildeo eacute a presenccedila demiddot uma mentalidade maacutegica que manipula siacutembolos com o objetivo de suprir eficazmente suas necessidades cotidianas~ Nas palavras de Jacques Maritain o signo maacutegico natildeo apenas faz os homens conhecerem ele faz as coisas serem eacute uma causa eficiente em si mesma (apud Notildeth 1996 p38) A magia implica em uma crenccedila de que as coisas possuem uma dupla existecircncia na qual os limites entre o signo e-o objeto representado encontram-se difusos O cavalo estaacute presente em -sua imagem ou melhor a imagem mental evocada pelo significante pode se confundir com o proacuteprio cavalo Eacute assim que passamos a projetar nossas visotildees sobre o mundo exterior ateacute ao ponto em que ambos se misturam A partirdo grafismo e da arte figurativa preacute-histoacuterica Edgar Morin vecirc traccedilos bastante convincentes deste encantamento do mundo

Portanto o que o grafismo mural nos revela eacute a ligaccedilatildeo imaginaacuteria com o mundo Por um lado a palavra o sinal o siacutembolo a figuraccedilatildeo vatildeo ininterruptamente re-apresentar ao espiacuterito mesmo na ausecircncia dele~ os seres e as coisas do mundo exterior e num certo sentido esses seres -e essas coisas pas~am a ser dotados de wn poder de invasatildeo Por outro lado satildeo as imagens mentais que invadem o mundo exterior Eacute nesta confusatildeo e para transpor esta

figura jaacute hagravevia sido fortemente caracterizada Sobre a histoacuteria do Diabo e as forma que ele assume no Cristianismo remetemos o leitor ao livro O Diabo no Imaginaacuterio Cristatildeo de Carlos Roberto F Nogueira

Significaccedilatildeo 23 bull 192

Imagembull arqueologia e conceitos

confusatildeo que se constroem o mito e a magia quer dizer uma organizaccedilatildeo ideoloacutegica e praacutetica daligaccedilatildeo imaginaacuteria COI)l o mando (sdlOO

Os exemplos dessa maneira maacutegica middotde pensar o mundo natildeo se esgotam no paleoliacutetico muito menos nas culturas primevas cooacuteJemporacircneas pois encontram-se tambeacutem nbs domiacuteniosmiddotdas divefsas fohilasmiddotde teliacute~iosidaacirce coritempocirctacirchea A proacuteptiaq-ustatildeo do uso dos iacutecones religiosos evidencia em muitos casos este compromisso hiaacutegicb e~tab~lecido com agravesimagens o antropoacutelogo James Prazer imbuiacutedbdeVmii vlisatilde6 positivistaassim se expressa a respeit0 da rhagia ( homem confundiu a middotordem de siuacutes UacuteUacuteias com a ordem da na tuteia~ iSsuumln imaginJu quemiddoto cdntroleacute que tem ou parece termiddot sobremiddot oacuteS seus pensainentOs perinitiuacute-lheacute exercitar um controle correspondente sobre as coisas (apud Notildeth 1996 p40) middot

Ao problema da imagem estaacute sempre ligada a questatildeo do duplo middotEspelho simulacro figlfraccedilatildeo a magia irrompe com intensishydade variaacutevel indepertdetiteniacuteehte da cultura tempo ou dos suporshytesmiddotque a imagem toma questiol)ando () homem sobre os limiares semi oacuteticos da representaccedilatildeo Muitas vezes a imagem eacute tomadagrave como mentira e se encontra diante da fuacute~ia dos ic()noc~asta~ mas a magia volta pois os fenocircmenos esteacuteticos satildeo potencialmente maacutegicos confmme nos _lembra Morin Je~dt Narciso(a ele estaacute associado o termo narcose) o encantamento ainda per~j~te Mas com ele conyivem col)traditoriamente a saturaccedilatildeo e a banalizaccedilatildeo em uma eacutepoca cob~rta pelas miacutedias middot middot

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Significaccedilatildeo 23 bull 194

Imagem arqueologia e conceitos

um mundo que se multiplica a cada dia na forma de imagens em diferentes suportes Neste sentido tomam-se cada vez mais acessiacuteshyveis gadjets como palm tops celulares com acesso agrave Internet e que tiram fotos assim como tecnologias de ponta como a Realidade Virshytual Haacute tambeacutem promessas para um futuro muito proacuteximo quanto agrave utilizaccedilatildeo de bolo gramas e nanorrobocircs (que seratildeo literalmente ingeshyridos) como meios de comunicaccedilatildeo interpessoal

Do mesmo modo que variam os suportes abre-se um leque de diferentes funccedilotildees assumidas pelas imagens Elas podem cumshyprir um fim religioso ou maacutegico constituindo-se um siacutembolo ritualiacutestico como vimos provavelmente este foi o primeiro horishyzonte da criaccedilatildeo das primeiras imagens Assumem mais tardiamente uma dimensatildeo puramente esteacutetica e aiacute estamos diante do valor arshytiacutestico que salta das -pinturas e esculturas e outras- formas de artes visuais Aqui o ritual cede ou se toma residual nas formas profanas do culto agrave arte Conforme Walter Benjamin (1969 p224) o valor de culto de uma obra eacute sobreposto por seu valor de exposiccedilatildeo em uma era em que prevalecem mecanismos de reproduccedilatildeo mecacircnica da imagem principalmente com a fotografia e o cinema

Pela primeira vez na histoacuteria a reproduccedilatildeo mecacircnica emancipa a obra de arte de sua dependecircncia parasiacutetica do ritual () a obra de arte torna-se uma obra de arte projetada para a reprodutibilidade 1

bull (1969 p224)

Morin ( 1997 p 77) vai tratar da experiecircncia esteacutetica tanto na arte como na cultura de massa como uma degradaccedilatildeo da partishycipaccedilatildeo religiosa Enquanto nesta uacuteltima o mergulho na imagem reshypresentaria uma experiecircncia de um imaginaacuterio que se toma mais real do que o proacuteprio real assistir a um filme ou a uma novela designa uma experiecircncia que se situa um degrau abaixo da participaccedilatildeo maacutegica e religiosa Neste caso rege uma dupla consciecircncia do espectador este pode ser intensamente absorvido pela obra apesar do imaginaacuteshyrio ser apenas tomado como imaginaacuterio

Traduccedilatildeo do autor deste trabalho

Significaccedilatildeo 23 bull 179

middot middot ~lberto klein

Devemos tambeacutem reconhecer muitas outras funccedilotildees daimashygem no contexto dacultura-de massaEla se restringe a-uma finalishydade informativa emfotos e charges dejon~ais reyistas mesmo que se oriente por criteacuterios esteacuteticosmiddotrSimageil$ do mesmo modo _servem de passatempoj distraccedilatildeo entretenimento-nas mais diversas produccedilotildees nos meios de comunicaccedilatildeo de massa Orientam--nos para o consun1o-como o fazem as fotografias publicitaacuteriagraves comerciais de televisatildeo assitp c_omo a floresta de outdoors paineacuteiseletrocircnicos banners e tantos outros sushyportes imageacuteticos quemiddoten_ccedilobremo espaccedilo urbano As diferentes naturezas origens suportes e funccedilotildees demonsshytram como esse conceito eacute complexo e escorregadio O esforccedilo de anaacutelise eacute classificaccedilatildeo dasitnagens estaacute no domiacutenio de diversas aacutereas do conhecimento tais como Filosofia Esteacutetica Psicologia Comunishycaccedilatildeo Antropologia2

Teologia entre outras A natureza das imashygens eacute amplamente investigada pelaJisica e pelas neutociecircncias A esta uacuteltima estatildeq viriculadostrabalhos instigantes do neurologista norte-americano Oliver Sacks um notoacuterio campeatildeo-de vendas e do neurocientistabullportuguecircsAritocircnio Damaacutesio

No final do livroOMisteacuterie da Consciecircncia Damaacutesio preshyocupa-se em discorrer sobre conceitos usados ao longo de sua obra O termoimageni para o neutodentista portuguecircs eacute empregado no sentido de-padratildeomental podendo se remeter a processos conscienshytes ou inconscientes middotImagens mentais natildeo se resttigem conforme Damaacutesio agrave percepccedilatildeo visual elas podem cobrir todo espectro senshysorial Poderiacuteamos assim falar de imagens taacuteteis ou olfativas3

bull A proacutepria mente deveria ser entendida como um processo ligado a um fluxo contiacute~uode -irhagens middot Sobre como se daacute este fluxo o autor escreve

O processo que chegames a conhecer como m~nte quando imagens mentais se tornam nossas como

2 Etienne Samain em um interessante ensaiei chamado Para que a antropologia consiga tornar-se visual analisa a possibilidade de se fazer antropologia atra-veacutes da fotografia middot

3 Embora haja uma aproximaccedilatildeo com o conceito de iacutecone em Peirce Damaacutesio estaacute tratando exclusivamente de imagens rnentais

Significaccedilatildeo 23 bull 180

lm~gemarqueologia e conceitos

resul_tado 4_a consciecircncia eacute um fluxo contiacutenuo de imagens e muitas delas se revelam logicamente intershyrelacionadas o fluxo avanccedila no tempo raacutepido ou lento ordenadamente ou aos trambolhotildees e agraves vezes segue natildeo uma mas vaacuterias sequumlecircncias As vezes as sequumlecircncias satildeo concorrentes outras vezes convergentes ou divergentes ou ainda sobrepostas Pensamento eacute uma patavra aceitaacutevel para denotar esse fluxo de imagens (2000 p402-3)

Sobre a investigaccedilatildeo em tomo da imagem aqui con~iderada a partir de seus suportes fisicos a iconologia e a iconografia como meacutetodos de investigaccedilatildeo da imagem devem ser lembradas como ferramentas importantes principalmente com as contribuiCcedilotildees de Aby Warburg Fritz Saxl e Erwin Panofsky

Eacute claro que a semi oacutetica natildeo se furtou em contribuir para seu estudo Aliaacutes todas as tradiccedilotildees de estudos semioacuteticos passam neshycessariamente por uma reflexatildeo e sistematizaccedilatildeo de uma teoria dos signos que abarque obviamente a questatildeo da imagem Na semi oacutetica de Charles S Peirce a noccedilatildeo de iacutecone que se constitui a partir do criteacuterio de semelhanccedila em relaccedilatildeo ao objeto aproxima-se mais do conceito de imagem Entretanto deve-se ter cuidado ao fazer uso deste conceito uma vez que o iacutecone segundo Peirce refere-se tamshybeacutem a signos de canais natildeo visullis envolvendo todo espectro senshysorial do homem Assim podemltgts ter iacutecones acuacutesticos quando por exemplo imitamos-o som de um paacutessaro ou a voz de alguma figura puacuteblica

Ao deslocar sua atenccedilatildeo do signo para o texto a Semi oacutetica da Cultura fornece-nos uma perspectiva mais adequada para aborshydar a imagem enquanto um fenocircmeno cultural Com as contribuishyccedilotildees dos semioticistas da Escola de Tartu-Moscou passamos a enshycarar a imagem natildeo apenas como um signo fechado mas como um entrelaccedilamento de fios e tramas ou seja pela associaccedilatildeo dos seus elementos visuais e sua projeccedilatildeo histoacuterica que uma determinada imagem como um produto cult4rnl deve ser consider~ Por isso em suas famosas Teses para um Estudo Semioacutetico da Cultura Lotman_

Significaccedilatildeo 23 bull 181

Albertoklein

lvanov Toporov Uspenskij e Pjatigorskij conseruiualmente declaram o texto como uma unidade baacutesica da eultura (1975 p62) Anatureshyzatextual da imagem natildeo a reduz agrave esfera do verbaacutel a palavra texto neste caso estaacute em consonacircncia com o seu significado original remetendo-nos agrave ideacuteia de tecido urdidura ou tapeccedilaria Norval Baitello Jr explica claramente a noccedilatildeo de texto

Ora o registro de um determinado signo ou de um grupo de signos sua permanecircncia ou sua transformaccedilatildeo em diferentes momentos perceptivos constitui um percurso ou sejamiddot um encadeamento uma associaacuteccedilatildeo de signos vale dizer um objeto de natureza narrativa no qual o significado natildeo se manteacutem senatildeo globalmente () Assim o tecido natildeo eacute apenas uma somatoacuteria de fios ou fibras mas a textura que estas fibras produzem Assim o texto natildeo eacute um conjunto uma somatoacuteria de elementos discreshytos mas sim o resultado de uma interaccedilatildeo de elementos e sua projeccedilatildeo temporaacutel Um signo uacutenico natildeo seraacute portanto um texto se natildeo for visto em um percurso em uma relaccedilatildeo tempoal ou espacial dialogando consigo proacuteprio ou com outros signos (1997 p41-2)

A complexidade do texto ajuda-nos a elucidar a natureza de uma imagem a partir de sua histoacuteria e de seus viacutenculos com uma determinada cultura Certagravemente eacute esta abordagem semioacutetica que eacutestaraacute de forma subjacente presente na anaacutelise que faremos da iconografia cristatilde Entretanto ainda permanece o desafio de lidarshymos com um conceito mais preciso e operacional de imagem que se case com os objetivos deste trabalho

Em um instigante ensaio sobre a fotografia o teoacuterico da miacutedia tcheco Vileacutem Flusser que passou boa parte de sua vida em Satildeo Paulo incumbe-se da tarefa de conceituar imagem e o faz com simplicidashyde e criatividade Mas uma vez que sua obra trata essencialmente de fotografia Flusser se prende agrave noccedilatildeo de imagem plana e natildeo se preocupa aleacutem disso em estabelecer tipologias Sua reflexatildeo passa tambeacutem pela instacircncia mental das imagens ao tentar definir

Significaccedilatildeo 23 bull 182

imaginaCcedilatildeo Como elemento fundamental na construccedilatildeo e decodificaccedilatildeo de imagens Diz ele logo no iniacutecio de sua obramiddot middot

bull Imagens satildeo superjicies que pretendem representar algo Na maiorta dos cagravesos algomiddot que middot se encontra laacute fora no espaccedilo_e no tempo As imagens satildeo portanto resultado do esfocircrCcedilo de se abstrair duas das quatro dimensotildees de espaccedilo-tempo para que se conservem apenas as dimensotildees do plano Devem middot sua origem agrave capacidade de abstraccedilatildeo especiacutefica que podemos chamar de imaginaccedilatildeo No entanto a imaginaCcedilatildeo tem dois aspecios se de um lado permite abstrair duas dimensotildeeS dos fenocircmenos de outro permite reconstituir as duas dimensotildees abstraiacutedas na imagem Em outros termos imashyginaccedilatildeo eacute a capacidade de codificar fenocircmenos de quashytro dimensotildees em siacutebolos planos e decodificar as menshysagens assimmiddot c~dificadas Imaginaccedilatildeo eacute a capacidade de fazer e decifrar irzagens (2002 p1)

Eacute a pa~r deste pensam~nto de Fhisser qle No~agravel Baitelloacute Jr nos retrata iuna espeacutecie_ de crise da imaginaccedilatildeo diante do excesso de imagens cotidianas a que estamos expostos Eacute justamente neste tracircnsito entre iinagens inte~as e externas onde Flusser localiza a ideacuteia de imaginaccedilatildeo que se institui um desequiliacutebrio O titIacutemlsrpoacute e a onipresenccedila das imagens ext~~as dfminuirla no~sa capacictade de construir novas image~s do mUpqo e imaginar outras possibilidades estabelecer nova~ relaccedilotildees De tanto serem interpelados aas maneiras mais apela~tyas e ins_uumlliosas em toda e qualquer hora em todo e qualque~- l~gar ~o-~ imagens cad~-rye_~ mqts gritantes e repetitivas nossos olhos jaacute natildeo querem ver (2003 p80) Se as imagens satildeo intepnediaccedilotildees entre o homern e o mundo como diz Flusser em que medida seriani elas tambeacutem bi~llbos Eacute as~im que as cidades acabam sendo escondid(ls p~los outaoor~ O natildeo_pOdfr ver por causa da saturaccedilatildeo transformase ~m um natildeo querer ve~ e a crise se instaura no olhar

Significaccedilatildeo 23 bull 183

_ ~lberto klein

O filoacutesofo e socioacutelogo alematildeo Dietmar Kamp~r em A Estrutura Temporal das Imagens nos diz que nossa oacuterbita ocular eacute palco de uma derrota secular da visatildeo A velocidade e saturaccedilatildeo de imagens em um universo coberto pelos meios de comunicaccedilatildeo serishyam os perpetradores dessa derro~ Em wp outro texto Imanecircncia dos Media e -Corporeidade Transcendental Kamper nos pergunta se haacute algum mundo aleacutem dos media ou se eles jaacute cobriram tudo

Agrave crise do olhar em razatildeo ccedille um universo tomado por imashygens estaacute ligada agrave faacutebula de Borges citada por Baudrillard no iniacutecio de seu Simulacros e Simulaccedilatildeo A estoacuteria nos fala de um rei que encomendou aos c~rtoacutegra~os de seu reino um mapa que represenshytasse perfeitamete a ~eografia de seu paiacutes O resultado acabou ficando tatildeo perfeito que a obra acabou cobrindo totalmente o territoacuterio Esta faacutebula serve para Baudrillard nos assegurar que hoje habitamos o mapa e natildeo mais o temtoacuterio cujos iagmentos apodrecem lentashymente sobre a extensatildeo do mapa (1991 p8)

Kamper apresenta-nos na Enciclopeacutedia Antropoloacutegica Cosshymo Corpo e Cultura um sentido ambiacutevalente na origem da palavra alematilde equivalente agrave imagem bild Do antigo alto alematildeo billid enshyg~oba significados como forma essecircncia imagem coacutepia ou reprodushyccedilatildeo Haacute assim um problema portanto desde o iniacutecio em que a repreacutesentaccedilatildeo daacute lugar agrave magia jaacute que bild pode designar a presenccedila de uma essecircncia Kamper deste modo nos diz que originariamente a imagravegem tein como objetivomiddot reproduzir apresentar e desenhar Soshybre a magia evidenciadara ambivalecircncia do conceito diz o autor Esta posiCcedilatildeo mUtaacutev~l entremiddoturna ordem maacutegica da pIacuteeriacutea presenccedila na qual a imageacutem eacute idecircntica agravequilo que mostra e uma ordem da representaccedilatildeo qiuacute tende ao vazio () nunca se perdeu de todo (2002) Ocirc sacramento da Eucaristia e a veneraccedilatildeo de imagens dos santos na igreja satildeo prova evidente deacute que-os vestiacutegios da magia natildeo se perderam middot

O que podeacutemos dizer da sacralizaccedilatildeo das imagens publicitaacuteshyrias segundo este peacutensamento Ao mesmo tempo em que ocorre uma banalizaccedilatildeo das imagens devido ao seu excesso em nosso cotishydiano devemos tambeacutem middotadmitir um esforccedilo em divinizar produtos atraveacutes de imagens o que nos leva fatalmente agrave onipresenccedila do

Significaccedilatildeo 23 bull 184

Imagem arqueologia e conceitos

espetaacuteculo em nossa sociedade Trata-se aiacute da tentativa de recuperar um poder que as imagens rituais exerciam sobre o homem mesmo que residualmente O objetivo eacute claramente provocar encantamenshyto e para tanto deve-se tentar sobressair diante do gigantismo assumido pelas imagens no espaccedilo urbano Outdoors ficam cada vez maiores e acabam inaugurando uma disputa domiddotespaccedilo pelas imagens como afirma Baitello (2003 p80) Recentemente middotaagecircnshycia de publicidade DPZ em um anuacutencio fixou um automoacutevel na sushyperficie de um outdoor em uma avenida da capital paulista exemplo claro de fazer a imagem confundir-se com o proacuteprio objeto evidencishyando uma intenccedilatildeo maacutegica Do mesmo modo o culto dedicado aos liacutederes poliacuteticos e o patrociacutenio da cultura de massa agrave veneraccedilatildeo das estrelas do show business mostram a forccedila do encantamento exershycido pelas imagens ainda na entrada do seacuteculo XXI

Um outro desafio se apresenta ao lidarmos com a questatildeo da representaccedilatildeo siacutegnica da imagem Sobre isto vale a pena citarshymos a polecircmica acerca da natureza da imagem entre o semioticista Winfried Notildeth e o respeitado pesquisador Hans Belting conforme nos relata Benjamin Burkhardt no artigo Controveacutersia em Torno de uma Ciecircncia das Imagens No iniacutecio de 2004 em um encontro acashydecircmico na Alemanha Notildeth argumentava haver uma deficiecircncia semioacutetica nas pesquisas de Belting em razatildeo deste ignorar a natureshyza siacutegnica das imagens ao passo que este uacuteltimo acusava a semi oacutetica de reduzir a imagem ao conceito de signo dando a ela um caraacuteter unicamente representacional Abaixo a Imagem e Todo Poder ao Signo era o prov()cativo tiacutetulo da conferecircncia de Belting De fato a noccedilatildeo de signo toma-se insuficiente para abrigar toda forccedila irradiadora da imagem sendo por isso que a Semioacutetica da Cultura privilegiou o conceito de texto A imagem enquanto objeto da cultura jaacute se apreshysenta como uma unidade complexa de natureza narrativa como um encadeamento de elementos que se dialogam compondo uma histoacuteshyria que lhe confere um sentido e uma funccedilatildeo cultural Esta controshyveacutersia portanto estaria resolvida se ao inveacutes de um signo nos deshyfrontaacutessemos com um texto pois a ambivalecircncia das imagens e o seu poder exercido sobre o homem soacute podem ser deslindados em uma unidade miacutenima narrativa e complexa

Significaccedilatildeo 23 bull 185

Albertomiddotklein

O que satildeo imagens entatildeo De um ponto de vista da cultura e levando em consideraccedilatildeo o aspecto material do objeto imagens satildeo textos culturais construiacutedos pelo homem frutos de sua imagishynaccedilatildeo que duplicaram o seu mundo e seu imaginaacuterio dando~ lhe forshymas figurativas ou abstratas nos mais diversos suportes visuais As diferentes funccedilotildees e naturezas das imagens em diferentes eacutepocas congregam a ambivalecircnciamiddot da distacircncia representativa e de sua parshyticipaccedilatildeo na essecircncia do que estaacute por detraacutes delas Representaccedilatildeo e presentificaccedilatildeo satildeo dois limites (natildeo deixando de observar as inuacuteshymeras possibilidades gradativas )entre os quais percorre o poder que as imagens sempre exerceram sobre o homem

A arqueologia da imagem

Neste item seraacute analisada apenas a origem das imagens mashyteriais produzidas pelo homem deixando de lado o problema das imagens mentais pois este eacute um fenocircmeno que transcende obviashymente o gecircnero H orno

Um dos maiores problemas ao nos defrontarmos com a preacuteshyhistoacuteria da humanidade como nos alerta Leroi~Gourhan eacute que lida- middot mos quase somente com dados probabiliacutesticos o que limita uma reconstituiccedilatildeo das praacutetiacutecas atitudes do homem preacute-histoacuterico frente agraves imagens e do poder nelas investido Todos estes elementos natildeo satildeo fossilizaacuteveis e portanto cabe ao estUdioso interpretaacute-los atra~ v eacutes de pistas deixadas pelos nossos anceStrais Outra dificuldade eacute middot que denominamos como preacute-histoacuteria um periacuteodo de longas e sucesshysivas etapas do processo de evoluccedilatildeo humana que remontaacutea alguns middot milhotildees de anos e que durou ateacute mais ou menos dez mil anos atraacutes Estamos tratando portanto natildeo de um homem mas de luna variedade de espeacutecies H o mo que ao longo do tempo foram extintas pela seleccedilatildeo natural ateacute culminarem no H orno sapiens haacute cerca de cem mil anos

A questatildeo da religiosidade do homem preacute-histoacuterico estaacute ligashyda muitas vezes ao problema do surgimento das primeiras imagens pois delas se extraiacuteam provavelmente temas mitoloacutegicos muito embora seja possiacutevel identificar a presenccedila de um pensamento religioso antes mesmo do periacuteodo figurativo no paleoliacutetico superior

Significaccedilatildeo 23 bull 186

lmagema~queologia e conceitos

Uma vez que o terreno eacute movediccedilo ao inveacutes de perguntarmos quanshydo surgiu a centelha religiosa na humanidade seria melhor indagarshymos em que etapa do processo evolutivo percebemos sinais de que o homem eacute religioso Mircea Eliade que natildeo eacute um estudioso da preacute-histoacuteria objeta a este tipo dequestionamento pois para ele a religiosidade natildeo eacute fruto de uma etapa do processo evolutivo ao inveacutes disso ela constitui uma estrutura na mente humana ( 1978 pl3 ) Devemos nos lembracde que agravereligiosidade mitos e ritos praticados pelo homem preacute~ histoacuterico estatildeo profundamente vinculados agrave questatildeo da emergecircncia da cultura conforme assinalam Ivan Bystrina e Edgar Morin

Em seu livro As Religiotildees da Preacute-histoacuteria tiacutetulo que esshyconde as verdadeiras intenccedilotildees da obra Leroi-Gourhan toma como desafio discutir esse tema e responder a esses questionamentos O paleontoacutelogo avisa ao leitor contudo que em sua anaacutelise justamente por falta de materiais que possibilitem uma separaccedilatildeo conceitual natildeo seraacute feita nenhuma distinccedilatildeo entre religiatildeo e magia De qualquer modo haveria indiacutecios de detectar a crenccedila em algo transcendente Assim Leroi-Gourhan defende que as manifestaccedilotildees e oacutebjetos produzidos pelo homem que natildeo poderiam ser explicados por razotildees de sobrevivecircncia fiacutesica da espeacutecie poderiam apontar para a religiosidade deste homem a presenccedila do ocre no habitat do hoshymem de Neander(hal eacute considerada um fato religioso porque natildeo eacute explicaacutevelpor necessidades de sobrevivecircncia material (s d p26) Portanto haacute motivos claros para atestar o pensamento religioso no homem a partir do paleoliacutetico superior a partir de cerca de 50 mil anos atraacutes Embora faltem elementos suficientes para comprovaruma religiosidade mais tardia pode-se contudo admiti-la

Feitas estas reservas natildeo haacute nenhuma razatildeo vaacutelida para recusarmiddot aos antropiacutedeosmiddot paleoliacuteticos preocupaCcedilotildees de caraacuteter misterioso quanto mais natildeo fosse porque a sua inteligecircncia da mesma natureza senatildeo do mesmo niacutevel da do homo sapiens implica a mesma reaccedilatildeo em face do anormal e do middotinexplicaacutevel middotO homem desde as primeiras formas ateacute a nossa inaugurou e desenvolveu a reflexatildeo

Significaccedilatildeo 23 bull 187

Alberto kleiacuten

ou seja a capacidade para-traduzir middotem siacutembolos a realidade material do mundo que o envolvia Aproprie- dade middotelementar da linguacuteagem consiste em criar paraleshylamente aobull mundo exterior um middotmUndo todo poderoso de siacutembolos sem os quais a inteligecircncia se revelaria ineficaz (sd~ p26)

Ivan Bystrina amparado pocriteacuterio deLeroi-Gourhan para detecccedilatildeo do pensamento maacutegico e religioso no homem cria o conshyceito de segunda realidade como o domiacutenio domiddots mitos rituais ma- -gia religiatildeo artes e todas as manifestaccedilotildees que natildeo se explicam por necessidades de soJgtrevivecircncia material do homem -uuml elemento fundante desta segundamiddot realidade que para Bystrina equivale ao conceito de cultura seria a consciecircncia damortei Se esta eacute o maior middot obstaacuteculo -daprimeira realidade (realidade biofisica e teacutecnica do hoacutemeril~ exigindo mecanismos de sobrevivecircncia material) eacute possiacutevel somente superaacute-la no plano simboacutelico Daiacute eacute que se middotestabelecem os shycompromissos hmnanos middotcommiddotos deuses e a -magia que a partir de entatildeo vatildeomiddot governara vida humana A cultura neste sentido eacute fruto da experiecircncia-humana da-morte~ Os vestigiqs de que o homem pratica rituais de enterro demiddot seus ~semelhantes haacute pelo menos somiddotmil anos muitas vezescomacompanhamento de floresjuntoacute ao oorpo aacutejmntam -tambeacutemapres~nccedila de uin rico universo simboacutelicoacutetoinadojaacute poacutermiddotum pensagravementomaacutegicoacute Em muitos casos as armas e utensiacutelios eram middot depositadosjunto com o morto o quacutee indicaria segundomiddot Edgar Morin umapossiacutevelmiddotpreservaccedilatildeo da-identidade depois da~morteacute -Umoutro middot casointeressaritesatildeo corposinurnados em-posiccedilatildeofetal evidenciandomiddot a middotcrenccedila middotdecrenasmiddotuacutemento depois da mortemiddot_ As priiacuteneirasmiddotpistagraves dos -funerais preacute-histoacutericos ainda natildeo registram o aparecimento de uma arte figurativa~ que comeCcedilaria a-evoluir posteriormente -

t~o que Bystrinagravechania-desegunda realidade Edgar Morin denominamiddot segunda existecircncia o domiacutenio deste uacuteniverso simboacutelico Tal como Bystrina Morin tambeacutem acredita no papel damorte como fundadora deste universo no decorrer do processo de hominizaccedilatildeo Em uma de suas principais -obras O Paradigma Perdido o autor assim se expressa

Significaccedilatildeo 23 bull 188

)i1iiMiacuten middot~r~Jeologla e conceitos

- r PorUacuteUacuteitD~tudo middotnos indicaquebullo Homor~apienHigtatinizdo ~middot pila ~ miJrte como por- uhza cataacute~trofe-uumlx~m~d~aacuten~lque

middot middot ~I middot vaf tfazer torisigo uma ansiedade espepiacutejjca 4 a_nguacutestia ou o hotilderror da morte que a presenccedila di morte pgssa a

middot ser middot um problema vivo isto eacute quacutee tr(Jbalha a sua vidg Tudo nos indica igualmente que esse hOacutemem natildeo soacute recusa

middot 1 essa morteacutebull mas quemiddot a rejeita transpotildee eresolve n() rrzito e na magid (Sid p95)

middot) ~ imiddotgt

Antes mesmo do surgitpento da ltlrte figurati~~ JaacuteH~rca _ccedili~ 3 5 niiacutelano~ a Ccedil aparecem Jaacutebullfofmas de grafismp Satildeo seqiecircncja~ d~ Iihhasmiddot gravadas em peckas e osso~- guardando entre e ias a mesma distacircncia que para LeroiGourhan satildeo as evidecircnccedilias mais a~tigas de um comportamento riacutetmico do middothomem e assinalam a certeza de qle obullgtafismo se inicia no abstrato-e caminha em direccedilatildeo agrave figuraccedilatilde concretit Para o autor este caminho tantas vezes middotseguido pelas artes histoacutericas leva-nos a admitir que c co1~respccedilmde a uma tendecircncia geral a um ciclo de maturaccedilatildeo onde o abstrato esteja realmente na base de uma expressatildeo graacutefica (slq 192) middot

middot middotmiddot As primeiras imagens figurativas comeccedilam a aparecer mais aacutebutJdantemente a partir de mais ou menos 30 milan0s atraacutes tend0 como suporte paredes de grutas eacute objetos moacuteveis como annas Ccedilon~ centram-se middotprincipa~entena Europabullsendo quemiddot as imagens parietais encuacutentram-setiasicatneacutente restritas agrave Espanha Franccedila ~ sul da Itaacute_shylia As descobertas damiddotarte paleoliacuteticamiddot satildeo relaacutetivamente recentes e aconteceramquasesimultaneamente a gruta de Chabotmiddot (1878) e Altamiraj na Espacircfi1la(iS~l~)4 bull bull bull bull

middot middot I

4 Achados arqueqloacutegicos mal recentes no ParqiJe Naccedilionalda Serra da Capiv_ara no PiaUuml(atildetesIacuteam a preseacutenCcedila middot de figurasmiddot antropomoacuterfieacuteagraves erh rochagraves do siacutetio

Toca damiddotBaStianamiddot~ue (falariam cleacute30 mil anos middotjr arqlieacute(lloga irasileirabull Niecircde Guidon responsaacutevebpelas ccedille_scobertas publiCOJ ~rn Jl986 na col)ceituada

I~ ~~vista Na~ure Q~j IJ~vl~ ~i VE)Stfgios de oc_~Pa~p huni~namiddot ~o ~n~ineacutente americano de 50 m1l anos atraacutes Sua teselomou-se bastante polecircmica em melo

agraveeomunidademiddotCitmtffica um a vez qUacutee refutava a hipoacutetese-mais aceita de que o -continente havia_recebiqo as prmeira~migraccedilotildeeshumana paacute cerca de 12mil anospela passagem do estreito de Bering lnformaccedilocircesciriais detalhadaacutes pOshydem ~e r endgtniacutefaetatildes no Iacutenfoacutermatlvci da Sobleacutedade Brasileiragrave paraacute oacute Progresso

middot da Ciecircncia Wwwjomaldacienciaorgbr bull

Alberto klei~

Seriam agraves pinturas e inscriccedilotildees parietais e moacuteveis do paleoliacutetico frutos dacapacidade imaginativa do artistaou manifestaccedilotildees religioshysas A dificuldade de responder a esta- questatildeo nasce justamente do fato de nosso olhar sobre a preacute-histoacuteria se contaminar de noccedilotildees atuais de arte ebull religiatildeo Poderiacuteamos neste instante concor-dar com Edgar Morin segundo o qual os fenocircmenos maacutegicos satildeo potencishyalmente esteacuteticos e os fenocircmenos middotesteacuteticosmiddot satildeo potencialmente maacutegicos (sd p98) Se se separar o artista do homem religioso a discussatildeo perde solidez conforme nos alerta Leroi-Gourhan Suas mensagens atraveacutes das figuras respondem a uma necessidade ao mesmo middot tempo jlsica middot e ps(quica de middotassegurar a apropriaccedilatildeo do tiniverso pelo indiviacuteduo ou grupo social de realizar a inserccedilatildeo do homem atraveacutes do aparelho simboacutelico no xampo movediccedilo~ aleatoacuterio que o envolve (sd 81-2) Este aparelho simboacutelico natildeo pode ser despido de um pensamento miacutetico e maacutegico Defrontamoshynos agora com as primeiras evidecircncias de uma relaccedilatildeo maacutegica entre homem e imagem e middotomiddotsuporte para as primeiras figuras desenhadas satildeo principalmente as paredes de grutas

Quais eram os temas mitoloacutegicos inscritos nas cavernas que este homem nos deixou Os estudos e anaacutelises empreendidos por Leroi-Gourhan satildeo uma das principais contribuiccedilotildees de sua obra A partir de um inventaacuterio destas figuras o paleontoacutelogo francecircs consshytatou trecircs nuacutecleos temaacuteticos que envolvem toda a arte no paleoliacutetico a saber animais seres humanos e signos Estes uacuteltimos apesar de sua natureza abstrata satildeo considerados pelo autor como siacutembolos sexuais do masculino e do feminino middotUma constataccedilatildeo impressioshynante eacute que natildeo haacute muitas variaccedilotildees de sentido nessas figuras messhymo cobrindo um periacuteodo que vai de 30 mil anos a C ateacute nove mil anos a C As anaacutelis~s e agravessociaccedilotildees feitas por Leroi-Gourhan pershymitem conCluir que animais (cavalo e bisonte aparecem COJl1 abunshydacircncia) figuras humanas e signos que aparecem muitas vezes com o seu par oposto constituem um tema binaacuterio com representaccedilotildees simboacutelicas do masculino e do feminino Uma das tarefas do autor eacute cruzar os nuacutecleos e tentar decifrar seus temas o que nos leva para um campo de dados probabiliacutesticos Apesar das sombras que pairam sobre a religiosidade na preacute-histoacuteria o paleontoacutelogo francecircs conclui

Significaccedilatildeo 23 bull 190

lmagen~ arqueologia e conceitos

q~e a co~stacircncia dos temas 4lfaQte um lqngo petjodo datildeo provas de um sistema simboacutelico de crenccedilas mais complexo do que se ~magishynara Assim afirma ao finalde seu livro

F al~a1rlnos ainda elementos para ccedillescreyer o progresvo enriqu~ccedil~mento e as variaccedilotildees regionqis do aparelho

mito graacutefico entre o firrz dp Solutrense e middoto Maqalenimse Meacutedio entre 15000 e 12 000 Conjuntos admirayccedillmente homogecircneos () atestanz que nesta eacutepqca entre o Loire e os Pirineus natildeo soacute o grupo central se tornou muito denso com a sua combinaccedilatildeo de pares de anim~ismiddot emshyparelhados por espeacuteci~s diferentes como ainda asjiguras de homens compoacutesitos os felinos os rinocerontes e ps animais sem cabeccedila que povoam os fundos criaram uma retaguarda densa de siacutembolos vinculados agrave zona mais iacutentima do misteacuterio (sd 134)

A conclusatildeo do autor acercado binarismo da arte paleoliacutetica converge com a posiccedilatildeo de Ivan Bystrina de que o middotprocesso de codificaccedilatildeo semioacutetica mais arcaico eacute o binaacuterio Dividir o mundo em dois representaria o modo pelo qual o homem comeccedila a organizar todo o aparato simboacutelico que o envolve As percepccedilotildees do masculino e do feminino damiddot noite e do dia das sensaccedilotildees de prazer e dor presentes na realidade biofisica do homem inspirariam aformaccedilatildeo de textos culturais com caracteriacutesticas duais No processo de desenshyvolvimento ontogecircnico do ser humano Harry Pross trata semelhantemente das experiecircncias preacute-predicativas do claroescuro e dentrofora constituindo-se como as raiacutezes da experiecircncia do hoshymem Por serjustamente a mais arcaica a divisatildeo binaacuteria eacute o mais forte modo de codificar a realidade No Cristianismo a ideacuteia do mal contrapondo-se a Deus encama-se na figura do Diabo5

no cinema e nas nove1as narrativas que possuem um acirrado dualismo satildeo as

I

5 A existecircncia do Diabo ou de um mal encamado natildeo estaacute muito clara no Antigo Testamento Apoacutes o cativeiro babilocircnico dos judeus e o consequumlente contato oom o Masdefsmo e o Zoroastrismo suas referecircncias se tornam claras e abundantes no Novo Testamento Portanto quando nasce o Cristianismo sua

Significaccedilatildeo 23 bull 191

que fazem maioacuter sucesso pois facilitam a absorccedilatildeo da mensagem pelo telespectadot middot

Aleacutem do binarismo doniinante nas figuras paleoliacuteticas po~ demos entrever tambeacutem um compromisso maacutegico na relaccedilatildeo entre homem e imagem a partir do qual oacute homem estende seu domiacutenio sobre a natureza Embora faltem elenierttos middot- seguros e comprobatoacuterios Leroi-Gourhan admite que o maioacuter argumento em favor deste comportamento estaacute nas imagens feridas de cavalos ou bisontes Isto poderia indicar um ritual a fim de garantir o ecircxito da caccedila Curioso poreacutem eacute que aacutes feridasmiddot aparecem soacutemente em 4 dasmiddot figuras de animais o que natildeo exclui a possibilidade de que o ferimento de um animal valeria tambeacutem para todo o rebanho O que estaacute middotemmiddot discussatildeo eacute a presenccedila demiddot uma mentalidade maacutegica que manipula siacutembolos com o objetivo de suprir eficazmente suas necessidades cotidianas~ Nas palavras de Jacques Maritain o signo maacutegico natildeo apenas faz os homens conhecerem ele faz as coisas serem eacute uma causa eficiente em si mesma (apud Notildeth 1996 p38) A magia implica em uma crenccedila de que as coisas possuem uma dupla existecircncia na qual os limites entre o signo e-o objeto representado encontram-se difusos O cavalo estaacute presente em -sua imagem ou melhor a imagem mental evocada pelo significante pode se confundir com o proacuteprio cavalo Eacute assim que passamos a projetar nossas visotildees sobre o mundo exterior ateacute ao ponto em que ambos se misturam A partirdo grafismo e da arte figurativa preacute-histoacuterica Edgar Morin vecirc traccedilos bastante convincentes deste encantamento do mundo

Portanto o que o grafismo mural nos revela eacute a ligaccedilatildeo imaginaacuteria com o mundo Por um lado a palavra o sinal o siacutembolo a figuraccedilatildeo vatildeo ininterruptamente re-apresentar ao espiacuterito mesmo na ausecircncia dele~ os seres e as coisas do mundo exterior e num certo sentido esses seres -e essas coisas pas~am a ser dotados de wn poder de invasatildeo Por outro lado satildeo as imagens mentais que invadem o mundo exterior Eacute nesta confusatildeo e para transpor esta

figura jaacute hagravevia sido fortemente caracterizada Sobre a histoacuteria do Diabo e as forma que ele assume no Cristianismo remetemos o leitor ao livro O Diabo no Imaginaacuterio Cristatildeo de Carlos Roberto F Nogueira

Significaccedilatildeo 23 bull 192

Imagembull arqueologia e conceitos

confusatildeo que se constroem o mito e a magia quer dizer uma organizaccedilatildeo ideoloacutegica e praacutetica daligaccedilatildeo imaginaacuteria COI)l o mando (sdlOO

Os exemplos dessa maneira maacutegica middotde pensar o mundo natildeo se esgotam no paleoliacutetico muito menos nas culturas primevas cooacuteJemporacircneas pois encontram-se tambeacutem nbs domiacuteniosmiddotdas divefsas fohilasmiddotde teliacute~iosidaacirce coritempocirctacirchea A proacuteptiaq-ustatildeo do uso dos iacutecones religiosos evidencia em muitos casos este compromisso hiaacutegicb e~tab~lecido com agravesimagens o antropoacutelogo James Prazer imbuiacutedbdeVmii vlisatilde6 positivistaassim se expressa a respeit0 da rhagia ( homem confundiu a middotordem de siuacutes UacuteUacuteias com a ordem da na tuteia~ iSsuumln imaginJu quemiddoto cdntroleacute que tem ou parece termiddot sobremiddot oacuteS seus pensainentOs perinitiuacute-lheacute exercitar um controle correspondente sobre as coisas (apud Notildeth 1996 p40) middot

Ao problema da imagem estaacute sempre ligada a questatildeo do duplo middotEspelho simulacro figlfraccedilatildeo a magia irrompe com intensishydade variaacutevel indepertdetiteniacuteehte da cultura tempo ou dos suporshytesmiddotque a imagem toma questiol)ando () homem sobre os limiares semi oacuteticos da representaccedilatildeo Muitas vezes a imagem eacute tomadagrave como mentira e se encontra diante da fuacute~ia dos ic()noc~asta~ mas a magia volta pois os fenocircmenos esteacuteticos satildeo potencialmente maacutegicos confmme nos _lembra Morin Je~dt Narciso(a ele estaacute associado o termo narcose) o encantamento ainda per~j~te Mas com ele conyivem col)traditoriamente a saturaccedilatildeo e a banalizaccedilatildeo em uma eacutepoca cob~rta pelas miacutedias middot middot

-Bibliografia

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~ middotmiddot

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Significaccedilatildeo 23 bull 194

middot middot ~lberto klein

Devemos tambeacutem reconhecer muitas outras funccedilotildees daimashygem no contexto dacultura-de massaEla se restringe a-uma finalishydade informativa emfotos e charges dejon~ais reyistas mesmo que se oriente por criteacuterios esteacuteticosmiddotrSimageil$ do mesmo modo _servem de passatempoj distraccedilatildeo entretenimento-nas mais diversas produccedilotildees nos meios de comunicaccedilatildeo de massa Orientam--nos para o consun1o-como o fazem as fotografias publicitaacuteriagraves comerciais de televisatildeo assitp c_omo a floresta de outdoors paineacuteiseletrocircnicos banners e tantos outros sushyportes imageacuteticos quemiddoten_ccedilobremo espaccedilo urbano As diferentes naturezas origens suportes e funccedilotildees demonsshytram como esse conceito eacute complexo e escorregadio O esforccedilo de anaacutelise eacute classificaccedilatildeo dasitnagens estaacute no domiacutenio de diversas aacutereas do conhecimento tais como Filosofia Esteacutetica Psicologia Comunishycaccedilatildeo Antropologia2

Teologia entre outras A natureza das imashygens eacute amplamente investigada pelaJisica e pelas neutociecircncias A esta uacuteltima estatildeq viriculadostrabalhos instigantes do neurologista norte-americano Oliver Sacks um notoacuterio campeatildeo-de vendas e do neurocientistabullportuguecircsAritocircnio Damaacutesio

No final do livroOMisteacuterie da Consciecircncia Damaacutesio preshyocupa-se em discorrer sobre conceitos usados ao longo de sua obra O termoimageni para o neutodentista portuguecircs eacute empregado no sentido de-padratildeomental podendo se remeter a processos conscienshytes ou inconscientes middotImagens mentais natildeo se resttigem conforme Damaacutesio agrave percepccedilatildeo visual elas podem cobrir todo espectro senshysorial Poderiacuteamos assim falar de imagens taacuteteis ou olfativas3

bull A proacutepria mente deveria ser entendida como um processo ligado a um fluxo contiacute~uode -irhagens middot Sobre como se daacute este fluxo o autor escreve

O processo que chegames a conhecer como m~nte quando imagens mentais se tornam nossas como

2 Etienne Samain em um interessante ensaiei chamado Para que a antropologia consiga tornar-se visual analisa a possibilidade de se fazer antropologia atra-veacutes da fotografia middot

3 Embora haja uma aproximaccedilatildeo com o conceito de iacutecone em Peirce Damaacutesio estaacute tratando exclusivamente de imagens rnentais

Significaccedilatildeo 23 bull 180

lm~gemarqueologia e conceitos

resul_tado 4_a consciecircncia eacute um fluxo contiacutenuo de imagens e muitas delas se revelam logicamente intershyrelacionadas o fluxo avanccedila no tempo raacutepido ou lento ordenadamente ou aos trambolhotildees e agraves vezes segue natildeo uma mas vaacuterias sequumlecircncias As vezes as sequumlecircncias satildeo concorrentes outras vezes convergentes ou divergentes ou ainda sobrepostas Pensamento eacute uma patavra aceitaacutevel para denotar esse fluxo de imagens (2000 p402-3)

Sobre a investigaccedilatildeo em tomo da imagem aqui con~iderada a partir de seus suportes fisicos a iconologia e a iconografia como meacutetodos de investigaccedilatildeo da imagem devem ser lembradas como ferramentas importantes principalmente com as contribuiCcedilotildees de Aby Warburg Fritz Saxl e Erwin Panofsky

Eacute claro que a semi oacutetica natildeo se furtou em contribuir para seu estudo Aliaacutes todas as tradiccedilotildees de estudos semioacuteticos passam neshycessariamente por uma reflexatildeo e sistematizaccedilatildeo de uma teoria dos signos que abarque obviamente a questatildeo da imagem Na semi oacutetica de Charles S Peirce a noccedilatildeo de iacutecone que se constitui a partir do criteacuterio de semelhanccedila em relaccedilatildeo ao objeto aproxima-se mais do conceito de imagem Entretanto deve-se ter cuidado ao fazer uso deste conceito uma vez que o iacutecone segundo Peirce refere-se tamshybeacutem a signos de canais natildeo visullis envolvendo todo espectro senshysorial do homem Assim podemltgts ter iacutecones acuacutesticos quando por exemplo imitamos-o som de um paacutessaro ou a voz de alguma figura puacuteblica

Ao deslocar sua atenccedilatildeo do signo para o texto a Semi oacutetica da Cultura fornece-nos uma perspectiva mais adequada para aborshydar a imagem enquanto um fenocircmeno cultural Com as contribuishyccedilotildees dos semioticistas da Escola de Tartu-Moscou passamos a enshycarar a imagem natildeo apenas como um signo fechado mas como um entrelaccedilamento de fios e tramas ou seja pela associaccedilatildeo dos seus elementos visuais e sua projeccedilatildeo histoacuterica que uma determinada imagem como um produto cult4rnl deve ser consider~ Por isso em suas famosas Teses para um Estudo Semioacutetico da Cultura Lotman_

Significaccedilatildeo 23 bull 181

Albertoklein

lvanov Toporov Uspenskij e Pjatigorskij conseruiualmente declaram o texto como uma unidade baacutesica da eultura (1975 p62) Anatureshyzatextual da imagem natildeo a reduz agrave esfera do verbaacutel a palavra texto neste caso estaacute em consonacircncia com o seu significado original remetendo-nos agrave ideacuteia de tecido urdidura ou tapeccedilaria Norval Baitello Jr explica claramente a noccedilatildeo de texto

Ora o registro de um determinado signo ou de um grupo de signos sua permanecircncia ou sua transformaccedilatildeo em diferentes momentos perceptivos constitui um percurso ou sejamiddot um encadeamento uma associaacuteccedilatildeo de signos vale dizer um objeto de natureza narrativa no qual o significado natildeo se manteacutem senatildeo globalmente () Assim o tecido natildeo eacute apenas uma somatoacuteria de fios ou fibras mas a textura que estas fibras produzem Assim o texto natildeo eacute um conjunto uma somatoacuteria de elementos discreshytos mas sim o resultado de uma interaccedilatildeo de elementos e sua projeccedilatildeo temporaacutel Um signo uacutenico natildeo seraacute portanto um texto se natildeo for visto em um percurso em uma relaccedilatildeo tempoal ou espacial dialogando consigo proacuteprio ou com outros signos (1997 p41-2)

A complexidade do texto ajuda-nos a elucidar a natureza de uma imagem a partir de sua histoacuteria e de seus viacutenculos com uma determinada cultura Certagravemente eacute esta abordagem semioacutetica que eacutestaraacute de forma subjacente presente na anaacutelise que faremos da iconografia cristatilde Entretanto ainda permanece o desafio de lidarshymos com um conceito mais preciso e operacional de imagem que se case com os objetivos deste trabalho

Em um instigante ensaio sobre a fotografia o teoacuterico da miacutedia tcheco Vileacutem Flusser que passou boa parte de sua vida em Satildeo Paulo incumbe-se da tarefa de conceituar imagem e o faz com simplicidashyde e criatividade Mas uma vez que sua obra trata essencialmente de fotografia Flusser se prende agrave noccedilatildeo de imagem plana e natildeo se preocupa aleacutem disso em estabelecer tipologias Sua reflexatildeo passa tambeacutem pela instacircncia mental das imagens ao tentar definir

Significaccedilatildeo 23 bull 182

imaginaCcedilatildeo Como elemento fundamental na construccedilatildeo e decodificaccedilatildeo de imagens Diz ele logo no iniacutecio de sua obramiddot middot

bull Imagens satildeo superjicies que pretendem representar algo Na maiorta dos cagravesos algomiddot que middot se encontra laacute fora no espaccedilo_e no tempo As imagens satildeo portanto resultado do esfocircrCcedilo de se abstrair duas das quatro dimensotildees de espaccedilo-tempo para que se conservem apenas as dimensotildees do plano Devem middot sua origem agrave capacidade de abstraccedilatildeo especiacutefica que podemos chamar de imaginaccedilatildeo No entanto a imaginaCcedilatildeo tem dois aspecios se de um lado permite abstrair duas dimensotildeeS dos fenocircmenos de outro permite reconstituir as duas dimensotildees abstraiacutedas na imagem Em outros termos imashyginaccedilatildeo eacute a capacidade de codificar fenocircmenos de quashytro dimensotildees em siacutebolos planos e decodificar as menshysagens assimmiddot c~dificadas Imaginaccedilatildeo eacute a capacidade de fazer e decifrar irzagens (2002 p1)

Eacute a pa~r deste pensam~nto de Fhisser qle No~agravel Baitelloacute Jr nos retrata iuna espeacutecie_ de crise da imaginaccedilatildeo diante do excesso de imagens cotidianas a que estamos expostos Eacute justamente neste tracircnsito entre iinagens inte~as e externas onde Flusser localiza a ideacuteia de imaginaccedilatildeo que se institui um desequiliacutebrio O titIacutemlsrpoacute e a onipresenccedila das imagens ext~~as dfminuirla no~sa capacictade de construir novas image~s do mUpqo e imaginar outras possibilidades estabelecer nova~ relaccedilotildees De tanto serem interpelados aas maneiras mais apela~tyas e ins_uumlliosas em toda e qualquer hora em todo e qualque~- l~gar ~o-~ imagens cad~-rye_~ mqts gritantes e repetitivas nossos olhos jaacute natildeo querem ver (2003 p80) Se as imagens satildeo intepnediaccedilotildees entre o homern e o mundo como diz Flusser em que medida seriani elas tambeacutem bi~llbos Eacute as~im que as cidades acabam sendo escondid(ls p~los outaoor~ O natildeo_pOdfr ver por causa da saturaccedilatildeo transformase ~m um natildeo querer ve~ e a crise se instaura no olhar

Significaccedilatildeo 23 bull 183

_ ~lberto klein

O filoacutesofo e socioacutelogo alematildeo Dietmar Kamp~r em A Estrutura Temporal das Imagens nos diz que nossa oacuterbita ocular eacute palco de uma derrota secular da visatildeo A velocidade e saturaccedilatildeo de imagens em um universo coberto pelos meios de comunicaccedilatildeo serishyam os perpetradores dessa derro~ Em wp outro texto Imanecircncia dos Media e -Corporeidade Transcendental Kamper nos pergunta se haacute algum mundo aleacutem dos media ou se eles jaacute cobriram tudo

Agrave crise do olhar em razatildeo ccedille um universo tomado por imashygens estaacute ligada agrave faacutebula de Borges citada por Baudrillard no iniacutecio de seu Simulacros e Simulaccedilatildeo A estoacuteria nos fala de um rei que encomendou aos c~rtoacutegra~os de seu reino um mapa que represenshytasse perfeitamete a ~eografia de seu paiacutes O resultado acabou ficando tatildeo perfeito que a obra acabou cobrindo totalmente o territoacuterio Esta faacutebula serve para Baudrillard nos assegurar que hoje habitamos o mapa e natildeo mais o temtoacuterio cujos iagmentos apodrecem lentashymente sobre a extensatildeo do mapa (1991 p8)

Kamper apresenta-nos na Enciclopeacutedia Antropoloacutegica Cosshymo Corpo e Cultura um sentido ambiacutevalente na origem da palavra alematilde equivalente agrave imagem bild Do antigo alto alematildeo billid enshyg~oba significados como forma essecircncia imagem coacutepia ou reprodushyccedilatildeo Haacute assim um problema portanto desde o iniacutecio em que a repreacutesentaccedilatildeo daacute lugar agrave magia jaacute que bild pode designar a presenccedila de uma essecircncia Kamper deste modo nos diz que originariamente a imagravegem tein como objetivomiddot reproduzir apresentar e desenhar Soshybre a magia evidenciadara ambivalecircncia do conceito diz o autor Esta posiCcedilatildeo mUtaacutev~l entremiddoturna ordem maacutegica da pIacuteeriacutea presenccedila na qual a imageacutem eacute idecircntica agravequilo que mostra e uma ordem da representaccedilatildeo qiuacute tende ao vazio () nunca se perdeu de todo (2002) Ocirc sacramento da Eucaristia e a veneraccedilatildeo de imagens dos santos na igreja satildeo prova evidente deacute que-os vestiacutegios da magia natildeo se perderam middot

O que podeacutemos dizer da sacralizaccedilatildeo das imagens publicitaacuteshyrias segundo este peacutensamento Ao mesmo tempo em que ocorre uma banalizaccedilatildeo das imagens devido ao seu excesso em nosso cotishydiano devemos tambeacutem middotadmitir um esforccedilo em divinizar produtos atraveacutes de imagens o que nos leva fatalmente agrave onipresenccedila do

Significaccedilatildeo 23 bull 184

Imagem arqueologia e conceitos

espetaacuteculo em nossa sociedade Trata-se aiacute da tentativa de recuperar um poder que as imagens rituais exerciam sobre o homem mesmo que residualmente O objetivo eacute claramente provocar encantamenshyto e para tanto deve-se tentar sobressair diante do gigantismo assumido pelas imagens no espaccedilo urbano Outdoors ficam cada vez maiores e acabam inaugurando uma disputa domiddotespaccedilo pelas imagens como afirma Baitello (2003 p80) Recentemente middotaagecircnshycia de publicidade DPZ em um anuacutencio fixou um automoacutevel na sushyperficie de um outdoor em uma avenida da capital paulista exemplo claro de fazer a imagem confundir-se com o proacuteprio objeto evidencishyando uma intenccedilatildeo maacutegica Do mesmo modo o culto dedicado aos liacutederes poliacuteticos e o patrociacutenio da cultura de massa agrave veneraccedilatildeo das estrelas do show business mostram a forccedila do encantamento exershycido pelas imagens ainda na entrada do seacuteculo XXI

Um outro desafio se apresenta ao lidarmos com a questatildeo da representaccedilatildeo siacutegnica da imagem Sobre isto vale a pena citarshymos a polecircmica acerca da natureza da imagem entre o semioticista Winfried Notildeth e o respeitado pesquisador Hans Belting conforme nos relata Benjamin Burkhardt no artigo Controveacutersia em Torno de uma Ciecircncia das Imagens No iniacutecio de 2004 em um encontro acashydecircmico na Alemanha Notildeth argumentava haver uma deficiecircncia semioacutetica nas pesquisas de Belting em razatildeo deste ignorar a natureshyza siacutegnica das imagens ao passo que este uacuteltimo acusava a semi oacutetica de reduzir a imagem ao conceito de signo dando a ela um caraacuteter unicamente representacional Abaixo a Imagem e Todo Poder ao Signo era o prov()cativo tiacutetulo da conferecircncia de Belting De fato a noccedilatildeo de signo toma-se insuficiente para abrigar toda forccedila irradiadora da imagem sendo por isso que a Semioacutetica da Cultura privilegiou o conceito de texto A imagem enquanto objeto da cultura jaacute se apreshysenta como uma unidade complexa de natureza narrativa como um encadeamento de elementos que se dialogam compondo uma histoacuteshyria que lhe confere um sentido e uma funccedilatildeo cultural Esta controshyveacutersia portanto estaria resolvida se ao inveacutes de um signo nos deshyfrontaacutessemos com um texto pois a ambivalecircncia das imagens e o seu poder exercido sobre o homem soacute podem ser deslindados em uma unidade miacutenima narrativa e complexa

Significaccedilatildeo 23 bull 185

Albertomiddotklein

O que satildeo imagens entatildeo De um ponto de vista da cultura e levando em consideraccedilatildeo o aspecto material do objeto imagens satildeo textos culturais construiacutedos pelo homem frutos de sua imagishynaccedilatildeo que duplicaram o seu mundo e seu imaginaacuterio dando~ lhe forshymas figurativas ou abstratas nos mais diversos suportes visuais As diferentes funccedilotildees e naturezas das imagens em diferentes eacutepocas congregam a ambivalecircnciamiddot da distacircncia representativa e de sua parshyticipaccedilatildeo na essecircncia do que estaacute por detraacutes delas Representaccedilatildeo e presentificaccedilatildeo satildeo dois limites (natildeo deixando de observar as inuacuteshymeras possibilidades gradativas )entre os quais percorre o poder que as imagens sempre exerceram sobre o homem

A arqueologia da imagem

Neste item seraacute analisada apenas a origem das imagens mashyteriais produzidas pelo homem deixando de lado o problema das imagens mentais pois este eacute um fenocircmeno que transcende obviashymente o gecircnero H orno

Um dos maiores problemas ao nos defrontarmos com a preacuteshyhistoacuteria da humanidade como nos alerta Leroi~Gourhan eacute que lida- middot mos quase somente com dados probabiliacutesticos o que limita uma reconstituiccedilatildeo das praacutetiacutecas atitudes do homem preacute-histoacuterico frente agraves imagens e do poder nelas investido Todos estes elementos natildeo satildeo fossilizaacuteveis e portanto cabe ao estUdioso interpretaacute-los atra~ v eacutes de pistas deixadas pelos nossos anceStrais Outra dificuldade eacute middot que denominamos como preacute-histoacuteria um periacuteodo de longas e sucesshysivas etapas do processo de evoluccedilatildeo humana que remontaacutea alguns middot milhotildees de anos e que durou ateacute mais ou menos dez mil anos atraacutes Estamos tratando portanto natildeo de um homem mas de luna variedade de espeacutecies H o mo que ao longo do tempo foram extintas pela seleccedilatildeo natural ateacute culminarem no H orno sapiens haacute cerca de cem mil anos

A questatildeo da religiosidade do homem preacute-histoacuterico estaacute ligashyda muitas vezes ao problema do surgimento das primeiras imagens pois delas se extraiacuteam provavelmente temas mitoloacutegicos muito embora seja possiacutevel identificar a presenccedila de um pensamento religioso antes mesmo do periacuteodo figurativo no paleoliacutetico superior

Significaccedilatildeo 23 bull 186

lmagema~queologia e conceitos

Uma vez que o terreno eacute movediccedilo ao inveacutes de perguntarmos quanshydo surgiu a centelha religiosa na humanidade seria melhor indagarshymos em que etapa do processo evolutivo percebemos sinais de que o homem eacute religioso Mircea Eliade que natildeo eacute um estudioso da preacute-histoacuteria objeta a este tipo dequestionamento pois para ele a religiosidade natildeo eacute fruto de uma etapa do processo evolutivo ao inveacutes disso ela constitui uma estrutura na mente humana ( 1978 pl3 ) Devemos nos lembracde que agravereligiosidade mitos e ritos praticados pelo homem preacute~ histoacuterico estatildeo profundamente vinculados agrave questatildeo da emergecircncia da cultura conforme assinalam Ivan Bystrina e Edgar Morin

Em seu livro As Religiotildees da Preacute-histoacuteria tiacutetulo que esshyconde as verdadeiras intenccedilotildees da obra Leroi-Gourhan toma como desafio discutir esse tema e responder a esses questionamentos O paleontoacutelogo avisa ao leitor contudo que em sua anaacutelise justamente por falta de materiais que possibilitem uma separaccedilatildeo conceitual natildeo seraacute feita nenhuma distinccedilatildeo entre religiatildeo e magia De qualquer modo haveria indiacutecios de detectar a crenccedila em algo transcendente Assim Leroi-Gourhan defende que as manifestaccedilotildees e oacutebjetos produzidos pelo homem que natildeo poderiam ser explicados por razotildees de sobrevivecircncia fiacutesica da espeacutecie poderiam apontar para a religiosidade deste homem a presenccedila do ocre no habitat do hoshymem de Neander(hal eacute considerada um fato religioso porque natildeo eacute explicaacutevelpor necessidades de sobrevivecircncia material (s d p26) Portanto haacute motivos claros para atestar o pensamento religioso no homem a partir do paleoliacutetico superior a partir de cerca de 50 mil anos atraacutes Embora faltem elementos suficientes para comprovaruma religiosidade mais tardia pode-se contudo admiti-la

Feitas estas reservas natildeo haacute nenhuma razatildeo vaacutelida para recusarmiddot aos antropiacutedeosmiddot paleoliacuteticos preocupaCcedilotildees de caraacuteter misterioso quanto mais natildeo fosse porque a sua inteligecircncia da mesma natureza senatildeo do mesmo niacutevel da do homo sapiens implica a mesma reaccedilatildeo em face do anormal e do middotinexplicaacutevel middotO homem desde as primeiras formas ateacute a nossa inaugurou e desenvolveu a reflexatildeo

Significaccedilatildeo 23 bull 187

Alberto kleiacuten

ou seja a capacidade para-traduzir middotem siacutembolos a realidade material do mundo que o envolvia Aproprie- dade middotelementar da linguacuteagem consiste em criar paraleshylamente aobull mundo exterior um middotmUndo todo poderoso de siacutembolos sem os quais a inteligecircncia se revelaria ineficaz (sd~ p26)

Ivan Bystrina amparado pocriteacuterio deLeroi-Gourhan para detecccedilatildeo do pensamento maacutegico e religioso no homem cria o conshyceito de segunda realidade como o domiacutenio domiddots mitos rituais ma- -gia religiatildeo artes e todas as manifestaccedilotildees que natildeo se explicam por necessidades de soJgtrevivecircncia material do homem -uuml elemento fundante desta segundamiddot realidade que para Bystrina equivale ao conceito de cultura seria a consciecircncia damortei Se esta eacute o maior middot obstaacuteculo -daprimeira realidade (realidade biofisica e teacutecnica do hoacutemeril~ exigindo mecanismos de sobrevivecircncia material) eacute possiacutevel somente superaacute-la no plano simboacutelico Daiacute eacute que se middotestabelecem os shycompromissos hmnanos middotcommiddotos deuses e a -magia que a partir de entatildeo vatildeomiddot governara vida humana A cultura neste sentido eacute fruto da experiecircncia-humana da-morte~ Os vestigiqs de que o homem pratica rituais de enterro demiddot seus ~semelhantes haacute pelo menos somiddotmil anos muitas vezescomacompanhamento de floresjuntoacute ao oorpo aacutejmntam -tambeacutemapres~nccedila de uin rico universo simboacutelicoacutetoinadojaacute poacutermiddotum pensagravementomaacutegicoacute Em muitos casos as armas e utensiacutelios eram middot depositadosjunto com o morto o quacutee indicaria segundomiddot Edgar Morin umapossiacutevelmiddotpreservaccedilatildeo da-identidade depois da~morteacute -Umoutro middot casointeressaritesatildeo corposinurnados em-posiccedilatildeofetal evidenciandomiddot a middotcrenccedila middotdecrenasmiddotuacutemento depois da mortemiddot_ As priiacuteneirasmiddotpistagraves dos -funerais preacute-histoacutericos ainda natildeo registram o aparecimento de uma arte figurativa~ que comeCcedilaria a-evoluir posteriormente -

t~o que Bystrinagravechania-desegunda realidade Edgar Morin denominamiddot segunda existecircncia o domiacutenio deste uacuteniverso simboacutelico Tal como Bystrina Morin tambeacutem acredita no papel damorte como fundadora deste universo no decorrer do processo de hominizaccedilatildeo Em uma de suas principais -obras O Paradigma Perdido o autor assim se expressa

Significaccedilatildeo 23 bull 188

)i1iiMiacuten middot~r~Jeologla e conceitos

- r PorUacuteUacuteitD~tudo middotnos indicaquebullo Homor~apienHigtatinizdo ~middot pila ~ miJrte como por- uhza cataacute~trofe-uumlx~m~d~aacuten~lque

middot middot ~I middot vaf tfazer torisigo uma ansiedade espepiacutejjca 4 a_nguacutestia ou o hotilderror da morte que a presenccedila di morte pgssa a

middot ser middot um problema vivo isto eacute quacutee tr(Jbalha a sua vidg Tudo nos indica igualmente que esse hOacutemem natildeo soacute recusa

middot 1 essa morteacutebull mas quemiddot a rejeita transpotildee eresolve n() rrzito e na magid (Sid p95)

middot) ~ imiddotgt

Antes mesmo do surgitpento da ltlrte figurati~~ JaacuteH~rca _ccedili~ 3 5 niiacutelano~ a Ccedil aparecem Jaacutebullfofmas de grafismp Satildeo seqiecircncja~ d~ Iihhasmiddot gravadas em peckas e osso~- guardando entre e ias a mesma distacircncia que para LeroiGourhan satildeo as evidecircnccedilias mais a~tigas de um comportamento riacutetmico do middothomem e assinalam a certeza de qle obullgtafismo se inicia no abstrato-e caminha em direccedilatildeo agrave figuraccedilatilde concretit Para o autor este caminho tantas vezes middotseguido pelas artes histoacutericas leva-nos a admitir que c co1~respccedilmde a uma tendecircncia geral a um ciclo de maturaccedilatildeo onde o abstrato esteja realmente na base de uma expressatildeo graacutefica (slq 192) middot

middot middotmiddot As primeiras imagens figurativas comeccedilam a aparecer mais aacutebutJdantemente a partir de mais ou menos 30 milan0s atraacutes tend0 como suporte paredes de grutas eacute objetos moacuteveis como annas Ccedilon~ centram-se middotprincipa~entena Europabullsendo quemiddot as imagens parietais encuacutentram-setiasicatneacutente restritas agrave Espanha Franccedila ~ sul da Itaacute_shylia As descobertas damiddotarte paleoliacuteticamiddot satildeo relaacutetivamente recentes e aconteceramquasesimultaneamente a gruta de Chabotmiddot (1878) e Altamiraj na Espacircfi1la(iS~l~)4 bull bull bull bull

middot middot I

4 Achados arqueqloacutegicos mal recentes no ParqiJe Naccedilionalda Serra da Capiv_ara no PiaUuml(atildetesIacuteam a preseacutenCcedila middot de figurasmiddot antropomoacuterfieacuteagraves erh rochagraves do siacutetio

Toca damiddotBaStianamiddot~ue (falariam cleacute30 mil anos middotjr arqlieacute(lloga irasileirabull Niecircde Guidon responsaacutevebpelas ccedille_scobertas publiCOJ ~rn Jl986 na col)ceituada

I~ ~~vista Na~ure Q~j IJ~vl~ ~i VE)Stfgios de oc_~Pa~p huni~namiddot ~o ~n~ineacutente americano de 50 m1l anos atraacutes Sua teselomou-se bastante polecircmica em melo

agraveeomunidademiddotCitmtffica um a vez qUacutee refutava a hipoacutetese-mais aceita de que o -continente havia_recebiqo as prmeira~migraccedilotildeeshumana paacute cerca de 12mil anospela passagem do estreito de Bering lnformaccedilocircesciriais detalhadaacutes pOshydem ~e r endgtniacutefaetatildes no Iacutenfoacutermatlvci da Sobleacutedade Brasileiragrave paraacute oacute Progresso

middot da Ciecircncia Wwwjomaldacienciaorgbr bull

Alberto klei~

Seriam agraves pinturas e inscriccedilotildees parietais e moacuteveis do paleoliacutetico frutos dacapacidade imaginativa do artistaou manifestaccedilotildees religioshysas A dificuldade de responder a esta- questatildeo nasce justamente do fato de nosso olhar sobre a preacute-histoacuteria se contaminar de noccedilotildees atuais de arte ebull religiatildeo Poderiacuteamos neste instante concor-dar com Edgar Morin segundo o qual os fenocircmenos maacutegicos satildeo potencishyalmente esteacuteticos e os fenocircmenos middotesteacuteticosmiddot satildeo potencialmente maacutegicos (sd p98) Se se separar o artista do homem religioso a discussatildeo perde solidez conforme nos alerta Leroi-Gourhan Suas mensagens atraveacutes das figuras respondem a uma necessidade ao mesmo middot tempo jlsica middot e ps(quica de middotassegurar a apropriaccedilatildeo do tiniverso pelo indiviacuteduo ou grupo social de realizar a inserccedilatildeo do homem atraveacutes do aparelho simboacutelico no xampo movediccedilo~ aleatoacuterio que o envolve (sd 81-2) Este aparelho simboacutelico natildeo pode ser despido de um pensamento miacutetico e maacutegico Defrontamoshynos agora com as primeiras evidecircncias de uma relaccedilatildeo maacutegica entre homem e imagem e middotomiddotsuporte para as primeiras figuras desenhadas satildeo principalmente as paredes de grutas

Quais eram os temas mitoloacutegicos inscritos nas cavernas que este homem nos deixou Os estudos e anaacutelises empreendidos por Leroi-Gourhan satildeo uma das principais contribuiccedilotildees de sua obra A partir de um inventaacuterio destas figuras o paleontoacutelogo francecircs consshytatou trecircs nuacutecleos temaacuteticos que envolvem toda a arte no paleoliacutetico a saber animais seres humanos e signos Estes uacuteltimos apesar de sua natureza abstrata satildeo considerados pelo autor como siacutembolos sexuais do masculino e do feminino middotUma constataccedilatildeo impressioshynante eacute que natildeo haacute muitas variaccedilotildees de sentido nessas figuras messhymo cobrindo um periacuteodo que vai de 30 mil anos a C ateacute nove mil anos a C As anaacutelis~s e agravessociaccedilotildees feitas por Leroi-Gourhan pershymitem conCluir que animais (cavalo e bisonte aparecem COJl1 abunshydacircncia) figuras humanas e signos que aparecem muitas vezes com o seu par oposto constituem um tema binaacuterio com representaccedilotildees simboacutelicas do masculino e do feminino Uma das tarefas do autor eacute cruzar os nuacutecleos e tentar decifrar seus temas o que nos leva para um campo de dados probabiliacutesticos Apesar das sombras que pairam sobre a religiosidade na preacute-histoacuteria o paleontoacutelogo francecircs conclui

Significaccedilatildeo 23 bull 190

lmagen~ arqueologia e conceitos

q~e a co~stacircncia dos temas 4lfaQte um lqngo petjodo datildeo provas de um sistema simboacutelico de crenccedilas mais complexo do que se ~magishynara Assim afirma ao finalde seu livro

F al~a1rlnos ainda elementos para ccedillescreyer o progresvo enriqu~ccedil~mento e as variaccedilotildees regionqis do aparelho

mito graacutefico entre o firrz dp Solutrense e middoto Maqalenimse Meacutedio entre 15000 e 12 000 Conjuntos admirayccedillmente homogecircneos () atestanz que nesta eacutepqca entre o Loire e os Pirineus natildeo soacute o grupo central se tornou muito denso com a sua combinaccedilatildeo de pares de anim~ismiddot emshyparelhados por espeacuteci~s diferentes como ainda asjiguras de homens compoacutesitos os felinos os rinocerontes e ps animais sem cabeccedila que povoam os fundos criaram uma retaguarda densa de siacutembolos vinculados agrave zona mais iacutentima do misteacuterio (sd 134)

A conclusatildeo do autor acercado binarismo da arte paleoliacutetica converge com a posiccedilatildeo de Ivan Bystrina de que o middotprocesso de codificaccedilatildeo semioacutetica mais arcaico eacute o binaacuterio Dividir o mundo em dois representaria o modo pelo qual o homem comeccedila a organizar todo o aparato simboacutelico que o envolve As percepccedilotildees do masculino e do feminino damiddot noite e do dia das sensaccedilotildees de prazer e dor presentes na realidade biofisica do homem inspirariam aformaccedilatildeo de textos culturais com caracteriacutesticas duais No processo de desenshyvolvimento ontogecircnico do ser humano Harry Pross trata semelhantemente das experiecircncias preacute-predicativas do claroescuro e dentrofora constituindo-se como as raiacutezes da experiecircncia do hoshymem Por serjustamente a mais arcaica a divisatildeo binaacuteria eacute o mais forte modo de codificar a realidade No Cristianismo a ideacuteia do mal contrapondo-se a Deus encama-se na figura do Diabo5

no cinema e nas nove1as narrativas que possuem um acirrado dualismo satildeo as

I

5 A existecircncia do Diabo ou de um mal encamado natildeo estaacute muito clara no Antigo Testamento Apoacutes o cativeiro babilocircnico dos judeus e o consequumlente contato oom o Masdefsmo e o Zoroastrismo suas referecircncias se tornam claras e abundantes no Novo Testamento Portanto quando nasce o Cristianismo sua

Significaccedilatildeo 23 bull 191

que fazem maioacuter sucesso pois facilitam a absorccedilatildeo da mensagem pelo telespectadot middot

Aleacutem do binarismo doniinante nas figuras paleoliacuteticas po~ demos entrever tambeacutem um compromisso maacutegico na relaccedilatildeo entre homem e imagem a partir do qual oacute homem estende seu domiacutenio sobre a natureza Embora faltem elenierttos middot- seguros e comprobatoacuterios Leroi-Gourhan admite que o maioacuter argumento em favor deste comportamento estaacute nas imagens feridas de cavalos ou bisontes Isto poderia indicar um ritual a fim de garantir o ecircxito da caccedila Curioso poreacutem eacute que aacutes feridasmiddot aparecem soacutemente em 4 dasmiddot figuras de animais o que natildeo exclui a possibilidade de que o ferimento de um animal valeria tambeacutem para todo o rebanho O que estaacute middotemmiddot discussatildeo eacute a presenccedila demiddot uma mentalidade maacutegica que manipula siacutembolos com o objetivo de suprir eficazmente suas necessidades cotidianas~ Nas palavras de Jacques Maritain o signo maacutegico natildeo apenas faz os homens conhecerem ele faz as coisas serem eacute uma causa eficiente em si mesma (apud Notildeth 1996 p38) A magia implica em uma crenccedila de que as coisas possuem uma dupla existecircncia na qual os limites entre o signo e-o objeto representado encontram-se difusos O cavalo estaacute presente em -sua imagem ou melhor a imagem mental evocada pelo significante pode se confundir com o proacuteprio cavalo Eacute assim que passamos a projetar nossas visotildees sobre o mundo exterior ateacute ao ponto em que ambos se misturam A partirdo grafismo e da arte figurativa preacute-histoacuterica Edgar Morin vecirc traccedilos bastante convincentes deste encantamento do mundo

Portanto o que o grafismo mural nos revela eacute a ligaccedilatildeo imaginaacuteria com o mundo Por um lado a palavra o sinal o siacutembolo a figuraccedilatildeo vatildeo ininterruptamente re-apresentar ao espiacuterito mesmo na ausecircncia dele~ os seres e as coisas do mundo exterior e num certo sentido esses seres -e essas coisas pas~am a ser dotados de wn poder de invasatildeo Por outro lado satildeo as imagens mentais que invadem o mundo exterior Eacute nesta confusatildeo e para transpor esta

figura jaacute hagravevia sido fortemente caracterizada Sobre a histoacuteria do Diabo e as forma que ele assume no Cristianismo remetemos o leitor ao livro O Diabo no Imaginaacuterio Cristatildeo de Carlos Roberto F Nogueira

Significaccedilatildeo 23 bull 192

Imagembull arqueologia e conceitos

confusatildeo que se constroem o mito e a magia quer dizer uma organizaccedilatildeo ideoloacutegica e praacutetica daligaccedilatildeo imaginaacuteria COI)l o mando (sdlOO

Os exemplos dessa maneira maacutegica middotde pensar o mundo natildeo se esgotam no paleoliacutetico muito menos nas culturas primevas cooacuteJemporacircneas pois encontram-se tambeacutem nbs domiacuteniosmiddotdas divefsas fohilasmiddotde teliacute~iosidaacirce coritempocirctacirchea A proacuteptiaq-ustatildeo do uso dos iacutecones religiosos evidencia em muitos casos este compromisso hiaacutegicb e~tab~lecido com agravesimagens o antropoacutelogo James Prazer imbuiacutedbdeVmii vlisatilde6 positivistaassim se expressa a respeit0 da rhagia ( homem confundiu a middotordem de siuacutes UacuteUacuteias com a ordem da na tuteia~ iSsuumln imaginJu quemiddoto cdntroleacute que tem ou parece termiddot sobremiddot oacuteS seus pensainentOs perinitiuacute-lheacute exercitar um controle correspondente sobre as coisas (apud Notildeth 1996 p40) middot

Ao problema da imagem estaacute sempre ligada a questatildeo do duplo middotEspelho simulacro figlfraccedilatildeo a magia irrompe com intensishydade variaacutevel indepertdetiteniacuteehte da cultura tempo ou dos suporshytesmiddotque a imagem toma questiol)ando () homem sobre os limiares semi oacuteticos da representaccedilatildeo Muitas vezes a imagem eacute tomadagrave como mentira e se encontra diante da fuacute~ia dos ic()noc~asta~ mas a magia volta pois os fenocircmenos esteacuteticos satildeo potencialmente maacutegicos confmme nos _lembra Morin Je~dt Narciso(a ele estaacute associado o termo narcose) o encantamento ainda per~j~te Mas com ele conyivem col)traditoriamente a saturaccedilatildeo e a banalizaccedilatildeo em uma eacutepoca cob~rta pelas miacutedias middot middot

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Significaccedilatildeo 23 bull 194

lm~gemarqueologia e conceitos

resul_tado 4_a consciecircncia eacute um fluxo contiacutenuo de imagens e muitas delas se revelam logicamente intershyrelacionadas o fluxo avanccedila no tempo raacutepido ou lento ordenadamente ou aos trambolhotildees e agraves vezes segue natildeo uma mas vaacuterias sequumlecircncias As vezes as sequumlecircncias satildeo concorrentes outras vezes convergentes ou divergentes ou ainda sobrepostas Pensamento eacute uma patavra aceitaacutevel para denotar esse fluxo de imagens (2000 p402-3)

Sobre a investigaccedilatildeo em tomo da imagem aqui con~iderada a partir de seus suportes fisicos a iconologia e a iconografia como meacutetodos de investigaccedilatildeo da imagem devem ser lembradas como ferramentas importantes principalmente com as contribuiCcedilotildees de Aby Warburg Fritz Saxl e Erwin Panofsky

Eacute claro que a semi oacutetica natildeo se furtou em contribuir para seu estudo Aliaacutes todas as tradiccedilotildees de estudos semioacuteticos passam neshycessariamente por uma reflexatildeo e sistematizaccedilatildeo de uma teoria dos signos que abarque obviamente a questatildeo da imagem Na semi oacutetica de Charles S Peirce a noccedilatildeo de iacutecone que se constitui a partir do criteacuterio de semelhanccedila em relaccedilatildeo ao objeto aproxima-se mais do conceito de imagem Entretanto deve-se ter cuidado ao fazer uso deste conceito uma vez que o iacutecone segundo Peirce refere-se tamshybeacutem a signos de canais natildeo visullis envolvendo todo espectro senshysorial do homem Assim podemltgts ter iacutecones acuacutesticos quando por exemplo imitamos-o som de um paacutessaro ou a voz de alguma figura puacuteblica

Ao deslocar sua atenccedilatildeo do signo para o texto a Semi oacutetica da Cultura fornece-nos uma perspectiva mais adequada para aborshydar a imagem enquanto um fenocircmeno cultural Com as contribuishyccedilotildees dos semioticistas da Escola de Tartu-Moscou passamos a enshycarar a imagem natildeo apenas como um signo fechado mas como um entrelaccedilamento de fios e tramas ou seja pela associaccedilatildeo dos seus elementos visuais e sua projeccedilatildeo histoacuterica que uma determinada imagem como um produto cult4rnl deve ser consider~ Por isso em suas famosas Teses para um Estudo Semioacutetico da Cultura Lotman_

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Albertoklein

lvanov Toporov Uspenskij e Pjatigorskij conseruiualmente declaram o texto como uma unidade baacutesica da eultura (1975 p62) Anatureshyzatextual da imagem natildeo a reduz agrave esfera do verbaacutel a palavra texto neste caso estaacute em consonacircncia com o seu significado original remetendo-nos agrave ideacuteia de tecido urdidura ou tapeccedilaria Norval Baitello Jr explica claramente a noccedilatildeo de texto

Ora o registro de um determinado signo ou de um grupo de signos sua permanecircncia ou sua transformaccedilatildeo em diferentes momentos perceptivos constitui um percurso ou sejamiddot um encadeamento uma associaacuteccedilatildeo de signos vale dizer um objeto de natureza narrativa no qual o significado natildeo se manteacutem senatildeo globalmente () Assim o tecido natildeo eacute apenas uma somatoacuteria de fios ou fibras mas a textura que estas fibras produzem Assim o texto natildeo eacute um conjunto uma somatoacuteria de elementos discreshytos mas sim o resultado de uma interaccedilatildeo de elementos e sua projeccedilatildeo temporaacutel Um signo uacutenico natildeo seraacute portanto um texto se natildeo for visto em um percurso em uma relaccedilatildeo tempoal ou espacial dialogando consigo proacuteprio ou com outros signos (1997 p41-2)

A complexidade do texto ajuda-nos a elucidar a natureza de uma imagem a partir de sua histoacuteria e de seus viacutenculos com uma determinada cultura Certagravemente eacute esta abordagem semioacutetica que eacutestaraacute de forma subjacente presente na anaacutelise que faremos da iconografia cristatilde Entretanto ainda permanece o desafio de lidarshymos com um conceito mais preciso e operacional de imagem que se case com os objetivos deste trabalho

Em um instigante ensaio sobre a fotografia o teoacuterico da miacutedia tcheco Vileacutem Flusser que passou boa parte de sua vida em Satildeo Paulo incumbe-se da tarefa de conceituar imagem e o faz com simplicidashyde e criatividade Mas uma vez que sua obra trata essencialmente de fotografia Flusser se prende agrave noccedilatildeo de imagem plana e natildeo se preocupa aleacutem disso em estabelecer tipologias Sua reflexatildeo passa tambeacutem pela instacircncia mental das imagens ao tentar definir

Significaccedilatildeo 23 bull 182

imaginaCcedilatildeo Como elemento fundamental na construccedilatildeo e decodificaccedilatildeo de imagens Diz ele logo no iniacutecio de sua obramiddot middot

bull Imagens satildeo superjicies que pretendem representar algo Na maiorta dos cagravesos algomiddot que middot se encontra laacute fora no espaccedilo_e no tempo As imagens satildeo portanto resultado do esfocircrCcedilo de se abstrair duas das quatro dimensotildees de espaccedilo-tempo para que se conservem apenas as dimensotildees do plano Devem middot sua origem agrave capacidade de abstraccedilatildeo especiacutefica que podemos chamar de imaginaccedilatildeo No entanto a imaginaCcedilatildeo tem dois aspecios se de um lado permite abstrair duas dimensotildeeS dos fenocircmenos de outro permite reconstituir as duas dimensotildees abstraiacutedas na imagem Em outros termos imashyginaccedilatildeo eacute a capacidade de codificar fenocircmenos de quashytro dimensotildees em siacutebolos planos e decodificar as menshysagens assimmiddot c~dificadas Imaginaccedilatildeo eacute a capacidade de fazer e decifrar irzagens (2002 p1)

Eacute a pa~r deste pensam~nto de Fhisser qle No~agravel Baitelloacute Jr nos retrata iuna espeacutecie_ de crise da imaginaccedilatildeo diante do excesso de imagens cotidianas a que estamos expostos Eacute justamente neste tracircnsito entre iinagens inte~as e externas onde Flusser localiza a ideacuteia de imaginaccedilatildeo que se institui um desequiliacutebrio O titIacutemlsrpoacute e a onipresenccedila das imagens ext~~as dfminuirla no~sa capacictade de construir novas image~s do mUpqo e imaginar outras possibilidades estabelecer nova~ relaccedilotildees De tanto serem interpelados aas maneiras mais apela~tyas e ins_uumlliosas em toda e qualquer hora em todo e qualque~- l~gar ~o-~ imagens cad~-rye_~ mqts gritantes e repetitivas nossos olhos jaacute natildeo querem ver (2003 p80) Se as imagens satildeo intepnediaccedilotildees entre o homern e o mundo como diz Flusser em que medida seriani elas tambeacutem bi~llbos Eacute as~im que as cidades acabam sendo escondid(ls p~los outaoor~ O natildeo_pOdfr ver por causa da saturaccedilatildeo transformase ~m um natildeo querer ve~ e a crise se instaura no olhar

Significaccedilatildeo 23 bull 183

_ ~lberto klein

O filoacutesofo e socioacutelogo alematildeo Dietmar Kamp~r em A Estrutura Temporal das Imagens nos diz que nossa oacuterbita ocular eacute palco de uma derrota secular da visatildeo A velocidade e saturaccedilatildeo de imagens em um universo coberto pelos meios de comunicaccedilatildeo serishyam os perpetradores dessa derro~ Em wp outro texto Imanecircncia dos Media e -Corporeidade Transcendental Kamper nos pergunta se haacute algum mundo aleacutem dos media ou se eles jaacute cobriram tudo

Agrave crise do olhar em razatildeo ccedille um universo tomado por imashygens estaacute ligada agrave faacutebula de Borges citada por Baudrillard no iniacutecio de seu Simulacros e Simulaccedilatildeo A estoacuteria nos fala de um rei que encomendou aos c~rtoacutegra~os de seu reino um mapa que represenshytasse perfeitamete a ~eografia de seu paiacutes O resultado acabou ficando tatildeo perfeito que a obra acabou cobrindo totalmente o territoacuterio Esta faacutebula serve para Baudrillard nos assegurar que hoje habitamos o mapa e natildeo mais o temtoacuterio cujos iagmentos apodrecem lentashymente sobre a extensatildeo do mapa (1991 p8)

Kamper apresenta-nos na Enciclopeacutedia Antropoloacutegica Cosshymo Corpo e Cultura um sentido ambiacutevalente na origem da palavra alematilde equivalente agrave imagem bild Do antigo alto alematildeo billid enshyg~oba significados como forma essecircncia imagem coacutepia ou reprodushyccedilatildeo Haacute assim um problema portanto desde o iniacutecio em que a repreacutesentaccedilatildeo daacute lugar agrave magia jaacute que bild pode designar a presenccedila de uma essecircncia Kamper deste modo nos diz que originariamente a imagravegem tein como objetivomiddot reproduzir apresentar e desenhar Soshybre a magia evidenciadara ambivalecircncia do conceito diz o autor Esta posiCcedilatildeo mUtaacutev~l entremiddoturna ordem maacutegica da pIacuteeriacutea presenccedila na qual a imageacutem eacute idecircntica agravequilo que mostra e uma ordem da representaccedilatildeo qiuacute tende ao vazio () nunca se perdeu de todo (2002) Ocirc sacramento da Eucaristia e a veneraccedilatildeo de imagens dos santos na igreja satildeo prova evidente deacute que-os vestiacutegios da magia natildeo se perderam middot

O que podeacutemos dizer da sacralizaccedilatildeo das imagens publicitaacuteshyrias segundo este peacutensamento Ao mesmo tempo em que ocorre uma banalizaccedilatildeo das imagens devido ao seu excesso em nosso cotishydiano devemos tambeacutem middotadmitir um esforccedilo em divinizar produtos atraveacutes de imagens o que nos leva fatalmente agrave onipresenccedila do

Significaccedilatildeo 23 bull 184

Imagem arqueologia e conceitos

espetaacuteculo em nossa sociedade Trata-se aiacute da tentativa de recuperar um poder que as imagens rituais exerciam sobre o homem mesmo que residualmente O objetivo eacute claramente provocar encantamenshyto e para tanto deve-se tentar sobressair diante do gigantismo assumido pelas imagens no espaccedilo urbano Outdoors ficam cada vez maiores e acabam inaugurando uma disputa domiddotespaccedilo pelas imagens como afirma Baitello (2003 p80) Recentemente middotaagecircnshycia de publicidade DPZ em um anuacutencio fixou um automoacutevel na sushyperficie de um outdoor em uma avenida da capital paulista exemplo claro de fazer a imagem confundir-se com o proacuteprio objeto evidencishyando uma intenccedilatildeo maacutegica Do mesmo modo o culto dedicado aos liacutederes poliacuteticos e o patrociacutenio da cultura de massa agrave veneraccedilatildeo das estrelas do show business mostram a forccedila do encantamento exershycido pelas imagens ainda na entrada do seacuteculo XXI

Um outro desafio se apresenta ao lidarmos com a questatildeo da representaccedilatildeo siacutegnica da imagem Sobre isto vale a pena citarshymos a polecircmica acerca da natureza da imagem entre o semioticista Winfried Notildeth e o respeitado pesquisador Hans Belting conforme nos relata Benjamin Burkhardt no artigo Controveacutersia em Torno de uma Ciecircncia das Imagens No iniacutecio de 2004 em um encontro acashydecircmico na Alemanha Notildeth argumentava haver uma deficiecircncia semioacutetica nas pesquisas de Belting em razatildeo deste ignorar a natureshyza siacutegnica das imagens ao passo que este uacuteltimo acusava a semi oacutetica de reduzir a imagem ao conceito de signo dando a ela um caraacuteter unicamente representacional Abaixo a Imagem e Todo Poder ao Signo era o prov()cativo tiacutetulo da conferecircncia de Belting De fato a noccedilatildeo de signo toma-se insuficiente para abrigar toda forccedila irradiadora da imagem sendo por isso que a Semioacutetica da Cultura privilegiou o conceito de texto A imagem enquanto objeto da cultura jaacute se apreshysenta como uma unidade complexa de natureza narrativa como um encadeamento de elementos que se dialogam compondo uma histoacuteshyria que lhe confere um sentido e uma funccedilatildeo cultural Esta controshyveacutersia portanto estaria resolvida se ao inveacutes de um signo nos deshyfrontaacutessemos com um texto pois a ambivalecircncia das imagens e o seu poder exercido sobre o homem soacute podem ser deslindados em uma unidade miacutenima narrativa e complexa

Significaccedilatildeo 23 bull 185

Albertomiddotklein

O que satildeo imagens entatildeo De um ponto de vista da cultura e levando em consideraccedilatildeo o aspecto material do objeto imagens satildeo textos culturais construiacutedos pelo homem frutos de sua imagishynaccedilatildeo que duplicaram o seu mundo e seu imaginaacuterio dando~ lhe forshymas figurativas ou abstratas nos mais diversos suportes visuais As diferentes funccedilotildees e naturezas das imagens em diferentes eacutepocas congregam a ambivalecircnciamiddot da distacircncia representativa e de sua parshyticipaccedilatildeo na essecircncia do que estaacute por detraacutes delas Representaccedilatildeo e presentificaccedilatildeo satildeo dois limites (natildeo deixando de observar as inuacuteshymeras possibilidades gradativas )entre os quais percorre o poder que as imagens sempre exerceram sobre o homem

A arqueologia da imagem

Neste item seraacute analisada apenas a origem das imagens mashyteriais produzidas pelo homem deixando de lado o problema das imagens mentais pois este eacute um fenocircmeno que transcende obviashymente o gecircnero H orno

Um dos maiores problemas ao nos defrontarmos com a preacuteshyhistoacuteria da humanidade como nos alerta Leroi~Gourhan eacute que lida- middot mos quase somente com dados probabiliacutesticos o que limita uma reconstituiccedilatildeo das praacutetiacutecas atitudes do homem preacute-histoacuterico frente agraves imagens e do poder nelas investido Todos estes elementos natildeo satildeo fossilizaacuteveis e portanto cabe ao estUdioso interpretaacute-los atra~ v eacutes de pistas deixadas pelos nossos anceStrais Outra dificuldade eacute middot que denominamos como preacute-histoacuteria um periacuteodo de longas e sucesshysivas etapas do processo de evoluccedilatildeo humana que remontaacutea alguns middot milhotildees de anos e que durou ateacute mais ou menos dez mil anos atraacutes Estamos tratando portanto natildeo de um homem mas de luna variedade de espeacutecies H o mo que ao longo do tempo foram extintas pela seleccedilatildeo natural ateacute culminarem no H orno sapiens haacute cerca de cem mil anos

A questatildeo da religiosidade do homem preacute-histoacuterico estaacute ligashyda muitas vezes ao problema do surgimento das primeiras imagens pois delas se extraiacuteam provavelmente temas mitoloacutegicos muito embora seja possiacutevel identificar a presenccedila de um pensamento religioso antes mesmo do periacuteodo figurativo no paleoliacutetico superior

Significaccedilatildeo 23 bull 186

lmagema~queologia e conceitos

Uma vez que o terreno eacute movediccedilo ao inveacutes de perguntarmos quanshydo surgiu a centelha religiosa na humanidade seria melhor indagarshymos em que etapa do processo evolutivo percebemos sinais de que o homem eacute religioso Mircea Eliade que natildeo eacute um estudioso da preacute-histoacuteria objeta a este tipo dequestionamento pois para ele a religiosidade natildeo eacute fruto de uma etapa do processo evolutivo ao inveacutes disso ela constitui uma estrutura na mente humana ( 1978 pl3 ) Devemos nos lembracde que agravereligiosidade mitos e ritos praticados pelo homem preacute~ histoacuterico estatildeo profundamente vinculados agrave questatildeo da emergecircncia da cultura conforme assinalam Ivan Bystrina e Edgar Morin

Em seu livro As Religiotildees da Preacute-histoacuteria tiacutetulo que esshyconde as verdadeiras intenccedilotildees da obra Leroi-Gourhan toma como desafio discutir esse tema e responder a esses questionamentos O paleontoacutelogo avisa ao leitor contudo que em sua anaacutelise justamente por falta de materiais que possibilitem uma separaccedilatildeo conceitual natildeo seraacute feita nenhuma distinccedilatildeo entre religiatildeo e magia De qualquer modo haveria indiacutecios de detectar a crenccedila em algo transcendente Assim Leroi-Gourhan defende que as manifestaccedilotildees e oacutebjetos produzidos pelo homem que natildeo poderiam ser explicados por razotildees de sobrevivecircncia fiacutesica da espeacutecie poderiam apontar para a religiosidade deste homem a presenccedila do ocre no habitat do hoshymem de Neander(hal eacute considerada um fato religioso porque natildeo eacute explicaacutevelpor necessidades de sobrevivecircncia material (s d p26) Portanto haacute motivos claros para atestar o pensamento religioso no homem a partir do paleoliacutetico superior a partir de cerca de 50 mil anos atraacutes Embora faltem elementos suficientes para comprovaruma religiosidade mais tardia pode-se contudo admiti-la

Feitas estas reservas natildeo haacute nenhuma razatildeo vaacutelida para recusarmiddot aos antropiacutedeosmiddot paleoliacuteticos preocupaCcedilotildees de caraacuteter misterioso quanto mais natildeo fosse porque a sua inteligecircncia da mesma natureza senatildeo do mesmo niacutevel da do homo sapiens implica a mesma reaccedilatildeo em face do anormal e do middotinexplicaacutevel middotO homem desde as primeiras formas ateacute a nossa inaugurou e desenvolveu a reflexatildeo

Significaccedilatildeo 23 bull 187

Alberto kleiacuten

ou seja a capacidade para-traduzir middotem siacutembolos a realidade material do mundo que o envolvia Aproprie- dade middotelementar da linguacuteagem consiste em criar paraleshylamente aobull mundo exterior um middotmUndo todo poderoso de siacutembolos sem os quais a inteligecircncia se revelaria ineficaz (sd~ p26)

Ivan Bystrina amparado pocriteacuterio deLeroi-Gourhan para detecccedilatildeo do pensamento maacutegico e religioso no homem cria o conshyceito de segunda realidade como o domiacutenio domiddots mitos rituais ma- -gia religiatildeo artes e todas as manifestaccedilotildees que natildeo se explicam por necessidades de soJgtrevivecircncia material do homem -uuml elemento fundante desta segundamiddot realidade que para Bystrina equivale ao conceito de cultura seria a consciecircncia damortei Se esta eacute o maior middot obstaacuteculo -daprimeira realidade (realidade biofisica e teacutecnica do hoacutemeril~ exigindo mecanismos de sobrevivecircncia material) eacute possiacutevel somente superaacute-la no plano simboacutelico Daiacute eacute que se middotestabelecem os shycompromissos hmnanos middotcommiddotos deuses e a -magia que a partir de entatildeo vatildeomiddot governara vida humana A cultura neste sentido eacute fruto da experiecircncia-humana da-morte~ Os vestigiqs de que o homem pratica rituais de enterro demiddot seus ~semelhantes haacute pelo menos somiddotmil anos muitas vezescomacompanhamento de floresjuntoacute ao oorpo aacutejmntam -tambeacutemapres~nccedila de uin rico universo simboacutelicoacutetoinadojaacute poacutermiddotum pensagravementomaacutegicoacute Em muitos casos as armas e utensiacutelios eram middot depositadosjunto com o morto o quacutee indicaria segundomiddot Edgar Morin umapossiacutevelmiddotpreservaccedilatildeo da-identidade depois da~morteacute -Umoutro middot casointeressaritesatildeo corposinurnados em-posiccedilatildeofetal evidenciandomiddot a middotcrenccedila middotdecrenasmiddotuacutemento depois da mortemiddot_ As priiacuteneirasmiddotpistagraves dos -funerais preacute-histoacutericos ainda natildeo registram o aparecimento de uma arte figurativa~ que comeCcedilaria a-evoluir posteriormente -

t~o que Bystrinagravechania-desegunda realidade Edgar Morin denominamiddot segunda existecircncia o domiacutenio deste uacuteniverso simboacutelico Tal como Bystrina Morin tambeacutem acredita no papel damorte como fundadora deste universo no decorrer do processo de hominizaccedilatildeo Em uma de suas principais -obras O Paradigma Perdido o autor assim se expressa

Significaccedilatildeo 23 bull 188

)i1iiMiacuten middot~r~Jeologla e conceitos

- r PorUacuteUacuteitD~tudo middotnos indicaquebullo Homor~apienHigtatinizdo ~middot pila ~ miJrte como por- uhza cataacute~trofe-uumlx~m~d~aacuten~lque

middot middot ~I middot vaf tfazer torisigo uma ansiedade espepiacutejjca 4 a_nguacutestia ou o hotilderror da morte que a presenccedila di morte pgssa a

middot ser middot um problema vivo isto eacute quacutee tr(Jbalha a sua vidg Tudo nos indica igualmente que esse hOacutemem natildeo soacute recusa

middot 1 essa morteacutebull mas quemiddot a rejeita transpotildee eresolve n() rrzito e na magid (Sid p95)

middot) ~ imiddotgt

Antes mesmo do surgitpento da ltlrte figurati~~ JaacuteH~rca _ccedili~ 3 5 niiacutelano~ a Ccedil aparecem Jaacutebullfofmas de grafismp Satildeo seqiecircncja~ d~ Iihhasmiddot gravadas em peckas e osso~- guardando entre e ias a mesma distacircncia que para LeroiGourhan satildeo as evidecircnccedilias mais a~tigas de um comportamento riacutetmico do middothomem e assinalam a certeza de qle obullgtafismo se inicia no abstrato-e caminha em direccedilatildeo agrave figuraccedilatilde concretit Para o autor este caminho tantas vezes middotseguido pelas artes histoacutericas leva-nos a admitir que c co1~respccedilmde a uma tendecircncia geral a um ciclo de maturaccedilatildeo onde o abstrato esteja realmente na base de uma expressatildeo graacutefica (slq 192) middot

middot middotmiddot As primeiras imagens figurativas comeccedilam a aparecer mais aacutebutJdantemente a partir de mais ou menos 30 milan0s atraacutes tend0 como suporte paredes de grutas eacute objetos moacuteveis como annas Ccedilon~ centram-se middotprincipa~entena Europabullsendo quemiddot as imagens parietais encuacutentram-setiasicatneacutente restritas agrave Espanha Franccedila ~ sul da Itaacute_shylia As descobertas damiddotarte paleoliacuteticamiddot satildeo relaacutetivamente recentes e aconteceramquasesimultaneamente a gruta de Chabotmiddot (1878) e Altamiraj na Espacircfi1la(iS~l~)4 bull bull bull bull

middot middot I

4 Achados arqueqloacutegicos mal recentes no ParqiJe Naccedilionalda Serra da Capiv_ara no PiaUuml(atildetesIacuteam a preseacutenCcedila middot de figurasmiddot antropomoacuterfieacuteagraves erh rochagraves do siacutetio

Toca damiddotBaStianamiddot~ue (falariam cleacute30 mil anos middotjr arqlieacute(lloga irasileirabull Niecircde Guidon responsaacutevebpelas ccedille_scobertas publiCOJ ~rn Jl986 na col)ceituada

I~ ~~vista Na~ure Q~j IJ~vl~ ~i VE)Stfgios de oc_~Pa~p huni~namiddot ~o ~n~ineacutente americano de 50 m1l anos atraacutes Sua teselomou-se bastante polecircmica em melo

agraveeomunidademiddotCitmtffica um a vez qUacutee refutava a hipoacutetese-mais aceita de que o -continente havia_recebiqo as prmeira~migraccedilotildeeshumana paacute cerca de 12mil anospela passagem do estreito de Bering lnformaccedilocircesciriais detalhadaacutes pOshydem ~e r endgtniacutefaetatildes no Iacutenfoacutermatlvci da Sobleacutedade Brasileiragrave paraacute oacute Progresso

middot da Ciecircncia Wwwjomaldacienciaorgbr bull

Alberto klei~

Seriam agraves pinturas e inscriccedilotildees parietais e moacuteveis do paleoliacutetico frutos dacapacidade imaginativa do artistaou manifestaccedilotildees religioshysas A dificuldade de responder a esta- questatildeo nasce justamente do fato de nosso olhar sobre a preacute-histoacuteria se contaminar de noccedilotildees atuais de arte ebull religiatildeo Poderiacuteamos neste instante concor-dar com Edgar Morin segundo o qual os fenocircmenos maacutegicos satildeo potencishyalmente esteacuteticos e os fenocircmenos middotesteacuteticosmiddot satildeo potencialmente maacutegicos (sd p98) Se se separar o artista do homem religioso a discussatildeo perde solidez conforme nos alerta Leroi-Gourhan Suas mensagens atraveacutes das figuras respondem a uma necessidade ao mesmo middot tempo jlsica middot e ps(quica de middotassegurar a apropriaccedilatildeo do tiniverso pelo indiviacuteduo ou grupo social de realizar a inserccedilatildeo do homem atraveacutes do aparelho simboacutelico no xampo movediccedilo~ aleatoacuterio que o envolve (sd 81-2) Este aparelho simboacutelico natildeo pode ser despido de um pensamento miacutetico e maacutegico Defrontamoshynos agora com as primeiras evidecircncias de uma relaccedilatildeo maacutegica entre homem e imagem e middotomiddotsuporte para as primeiras figuras desenhadas satildeo principalmente as paredes de grutas

Quais eram os temas mitoloacutegicos inscritos nas cavernas que este homem nos deixou Os estudos e anaacutelises empreendidos por Leroi-Gourhan satildeo uma das principais contribuiccedilotildees de sua obra A partir de um inventaacuterio destas figuras o paleontoacutelogo francecircs consshytatou trecircs nuacutecleos temaacuteticos que envolvem toda a arte no paleoliacutetico a saber animais seres humanos e signos Estes uacuteltimos apesar de sua natureza abstrata satildeo considerados pelo autor como siacutembolos sexuais do masculino e do feminino middotUma constataccedilatildeo impressioshynante eacute que natildeo haacute muitas variaccedilotildees de sentido nessas figuras messhymo cobrindo um periacuteodo que vai de 30 mil anos a C ateacute nove mil anos a C As anaacutelis~s e agravessociaccedilotildees feitas por Leroi-Gourhan pershymitem conCluir que animais (cavalo e bisonte aparecem COJl1 abunshydacircncia) figuras humanas e signos que aparecem muitas vezes com o seu par oposto constituem um tema binaacuterio com representaccedilotildees simboacutelicas do masculino e do feminino Uma das tarefas do autor eacute cruzar os nuacutecleos e tentar decifrar seus temas o que nos leva para um campo de dados probabiliacutesticos Apesar das sombras que pairam sobre a religiosidade na preacute-histoacuteria o paleontoacutelogo francecircs conclui

Significaccedilatildeo 23 bull 190

lmagen~ arqueologia e conceitos

q~e a co~stacircncia dos temas 4lfaQte um lqngo petjodo datildeo provas de um sistema simboacutelico de crenccedilas mais complexo do que se ~magishynara Assim afirma ao finalde seu livro

F al~a1rlnos ainda elementos para ccedillescreyer o progresvo enriqu~ccedil~mento e as variaccedilotildees regionqis do aparelho

mito graacutefico entre o firrz dp Solutrense e middoto Maqalenimse Meacutedio entre 15000 e 12 000 Conjuntos admirayccedillmente homogecircneos () atestanz que nesta eacutepqca entre o Loire e os Pirineus natildeo soacute o grupo central se tornou muito denso com a sua combinaccedilatildeo de pares de anim~ismiddot emshyparelhados por espeacuteci~s diferentes como ainda asjiguras de homens compoacutesitos os felinos os rinocerontes e ps animais sem cabeccedila que povoam os fundos criaram uma retaguarda densa de siacutembolos vinculados agrave zona mais iacutentima do misteacuterio (sd 134)

A conclusatildeo do autor acercado binarismo da arte paleoliacutetica converge com a posiccedilatildeo de Ivan Bystrina de que o middotprocesso de codificaccedilatildeo semioacutetica mais arcaico eacute o binaacuterio Dividir o mundo em dois representaria o modo pelo qual o homem comeccedila a organizar todo o aparato simboacutelico que o envolve As percepccedilotildees do masculino e do feminino damiddot noite e do dia das sensaccedilotildees de prazer e dor presentes na realidade biofisica do homem inspirariam aformaccedilatildeo de textos culturais com caracteriacutesticas duais No processo de desenshyvolvimento ontogecircnico do ser humano Harry Pross trata semelhantemente das experiecircncias preacute-predicativas do claroescuro e dentrofora constituindo-se como as raiacutezes da experiecircncia do hoshymem Por serjustamente a mais arcaica a divisatildeo binaacuteria eacute o mais forte modo de codificar a realidade No Cristianismo a ideacuteia do mal contrapondo-se a Deus encama-se na figura do Diabo5

no cinema e nas nove1as narrativas que possuem um acirrado dualismo satildeo as

I

5 A existecircncia do Diabo ou de um mal encamado natildeo estaacute muito clara no Antigo Testamento Apoacutes o cativeiro babilocircnico dos judeus e o consequumlente contato oom o Masdefsmo e o Zoroastrismo suas referecircncias se tornam claras e abundantes no Novo Testamento Portanto quando nasce o Cristianismo sua

Significaccedilatildeo 23 bull 191

que fazem maioacuter sucesso pois facilitam a absorccedilatildeo da mensagem pelo telespectadot middot

Aleacutem do binarismo doniinante nas figuras paleoliacuteticas po~ demos entrever tambeacutem um compromisso maacutegico na relaccedilatildeo entre homem e imagem a partir do qual oacute homem estende seu domiacutenio sobre a natureza Embora faltem elenierttos middot- seguros e comprobatoacuterios Leroi-Gourhan admite que o maioacuter argumento em favor deste comportamento estaacute nas imagens feridas de cavalos ou bisontes Isto poderia indicar um ritual a fim de garantir o ecircxito da caccedila Curioso poreacutem eacute que aacutes feridasmiddot aparecem soacutemente em 4 dasmiddot figuras de animais o que natildeo exclui a possibilidade de que o ferimento de um animal valeria tambeacutem para todo o rebanho O que estaacute middotemmiddot discussatildeo eacute a presenccedila demiddot uma mentalidade maacutegica que manipula siacutembolos com o objetivo de suprir eficazmente suas necessidades cotidianas~ Nas palavras de Jacques Maritain o signo maacutegico natildeo apenas faz os homens conhecerem ele faz as coisas serem eacute uma causa eficiente em si mesma (apud Notildeth 1996 p38) A magia implica em uma crenccedila de que as coisas possuem uma dupla existecircncia na qual os limites entre o signo e-o objeto representado encontram-se difusos O cavalo estaacute presente em -sua imagem ou melhor a imagem mental evocada pelo significante pode se confundir com o proacuteprio cavalo Eacute assim que passamos a projetar nossas visotildees sobre o mundo exterior ateacute ao ponto em que ambos se misturam A partirdo grafismo e da arte figurativa preacute-histoacuterica Edgar Morin vecirc traccedilos bastante convincentes deste encantamento do mundo

Portanto o que o grafismo mural nos revela eacute a ligaccedilatildeo imaginaacuteria com o mundo Por um lado a palavra o sinal o siacutembolo a figuraccedilatildeo vatildeo ininterruptamente re-apresentar ao espiacuterito mesmo na ausecircncia dele~ os seres e as coisas do mundo exterior e num certo sentido esses seres -e essas coisas pas~am a ser dotados de wn poder de invasatildeo Por outro lado satildeo as imagens mentais que invadem o mundo exterior Eacute nesta confusatildeo e para transpor esta

figura jaacute hagravevia sido fortemente caracterizada Sobre a histoacuteria do Diabo e as forma que ele assume no Cristianismo remetemos o leitor ao livro O Diabo no Imaginaacuterio Cristatildeo de Carlos Roberto F Nogueira

Significaccedilatildeo 23 bull 192

Imagembull arqueologia e conceitos

confusatildeo que se constroem o mito e a magia quer dizer uma organizaccedilatildeo ideoloacutegica e praacutetica daligaccedilatildeo imaginaacuteria COI)l o mando (sdlOO

Os exemplos dessa maneira maacutegica middotde pensar o mundo natildeo se esgotam no paleoliacutetico muito menos nas culturas primevas cooacuteJemporacircneas pois encontram-se tambeacutem nbs domiacuteniosmiddotdas divefsas fohilasmiddotde teliacute~iosidaacirce coritempocirctacirchea A proacuteptiaq-ustatildeo do uso dos iacutecones religiosos evidencia em muitos casos este compromisso hiaacutegicb e~tab~lecido com agravesimagens o antropoacutelogo James Prazer imbuiacutedbdeVmii vlisatilde6 positivistaassim se expressa a respeit0 da rhagia ( homem confundiu a middotordem de siuacutes UacuteUacuteias com a ordem da na tuteia~ iSsuumln imaginJu quemiddoto cdntroleacute que tem ou parece termiddot sobremiddot oacuteS seus pensainentOs perinitiuacute-lheacute exercitar um controle correspondente sobre as coisas (apud Notildeth 1996 p40) middot

Ao problema da imagem estaacute sempre ligada a questatildeo do duplo middotEspelho simulacro figlfraccedilatildeo a magia irrompe com intensishydade variaacutevel indepertdetiteniacuteehte da cultura tempo ou dos suporshytesmiddotque a imagem toma questiol)ando () homem sobre os limiares semi oacuteticos da representaccedilatildeo Muitas vezes a imagem eacute tomadagrave como mentira e se encontra diante da fuacute~ia dos ic()noc~asta~ mas a magia volta pois os fenocircmenos esteacuteticos satildeo potencialmente maacutegicos confmme nos _lembra Morin Je~dt Narciso(a ele estaacute associado o termo narcose) o encantamento ainda per~j~te Mas com ele conyivem col)traditoriamente a saturaccedilatildeo e a banalizaccedilatildeo em uma eacutepoca cob~rta pelas miacutedias middot middot

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Significaccedilatildeo 23 bull 194

Albertoklein

lvanov Toporov Uspenskij e Pjatigorskij conseruiualmente declaram o texto como uma unidade baacutesica da eultura (1975 p62) Anatureshyzatextual da imagem natildeo a reduz agrave esfera do verbaacutel a palavra texto neste caso estaacute em consonacircncia com o seu significado original remetendo-nos agrave ideacuteia de tecido urdidura ou tapeccedilaria Norval Baitello Jr explica claramente a noccedilatildeo de texto

Ora o registro de um determinado signo ou de um grupo de signos sua permanecircncia ou sua transformaccedilatildeo em diferentes momentos perceptivos constitui um percurso ou sejamiddot um encadeamento uma associaacuteccedilatildeo de signos vale dizer um objeto de natureza narrativa no qual o significado natildeo se manteacutem senatildeo globalmente () Assim o tecido natildeo eacute apenas uma somatoacuteria de fios ou fibras mas a textura que estas fibras produzem Assim o texto natildeo eacute um conjunto uma somatoacuteria de elementos discreshytos mas sim o resultado de uma interaccedilatildeo de elementos e sua projeccedilatildeo temporaacutel Um signo uacutenico natildeo seraacute portanto um texto se natildeo for visto em um percurso em uma relaccedilatildeo tempoal ou espacial dialogando consigo proacuteprio ou com outros signos (1997 p41-2)

A complexidade do texto ajuda-nos a elucidar a natureza de uma imagem a partir de sua histoacuteria e de seus viacutenculos com uma determinada cultura Certagravemente eacute esta abordagem semioacutetica que eacutestaraacute de forma subjacente presente na anaacutelise que faremos da iconografia cristatilde Entretanto ainda permanece o desafio de lidarshymos com um conceito mais preciso e operacional de imagem que se case com os objetivos deste trabalho

Em um instigante ensaio sobre a fotografia o teoacuterico da miacutedia tcheco Vileacutem Flusser que passou boa parte de sua vida em Satildeo Paulo incumbe-se da tarefa de conceituar imagem e o faz com simplicidashyde e criatividade Mas uma vez que sua obra trata essencialmente de fotografia Flusser se prende agrave noccedilatildeo de imagem plana e natildeo se preocupa aleacutem disso em estabelecer tipologias Sua reflexatildeo passa tambeacutem pela instacircncia mental das imagens ao tentar definir

Significaccedilatildeo 23 bull 182

imaginaCcedilatildeo Como elemento fundamental na construccedilatildeo e decodificaccedilatildeo de imagens Diz ele logo no iniacutecio de sua obramiddot middot

bull Imagens satildeo superjicies que pretendem representar algo Na maiorta dos cagravesos algomiddot que middot se encontra laacute fora no espaccedilo_e no tempo As imagens satildeo portanto resultado do esfocircrCcedilo de se abstrair duas das quatro dimensotildees de espaccedilo-tempo para que se conservem apenas as dimensotildees do plano Devem middot sua origem agrave capacidade de abstraccedilatildeo especiacutefica que podemos chamar de imaginaccedilatildeo No entanto a imaginaCcedilatildeo tem dois aspecios se de um lado permite abstrair duas dimensotildeeS dos fenocircmenos de outro permite reconstituir as duas dimensotildees abstraiacutedas na imagem Em outros termos imashyginaccedilatildeo eacute a capacidade de codificar fenocircmenos de quashytro dimensotildees em siacutebolos planos e decodificar as menshysagens assimmiddot c~dificadas Imaginaccedilatildeo eacute a capacidade de fazer e decifrar irzagens (2002 p1)

Eacute a pa~r deste pensam~nto de Fhisser qle No~agravel Baitelloacute Jr nos retrata iuna espeacutecie_ de crise da imaginaccedilatildeo diante do excesso de imagens cotidianas a que estamos expostos Eacute justamente neste tracircnsito entre iinagens inte~as e externas onde Flusser localiza a ideacuteia de imaginaccedilatildeo que se institui um desequiliacutebrio O titIacutemlsrpoacute e a onipresenccedila das imagens ext~~as dfminuirla no~sa capacictade de construir novas image~s do mUpqo e imaginar outras possibilidades estabelecer nova~ relaccedilotildees De tanto serem interpelados aas maneiras mais apela~tyas e ins_uumlliosas em toda e qualquer hora em todo e qualque~- l~gar ~o-~ imagens cad~-rye_~ mqts gritantes e repetitivas nossos olhos jaacute natildeo querem ver (2003 p80) Se as imagens satildeo intepnediaccedilotildees entre o homern e o mundo como diz Flusser em que medida seriani elas tambeacutem bi~llbos Eacute as~im que as cidades acabam sendo escondid(ls p~los outaoor~ O natildeo_pOdfr ver por causa da saturaccedilatildeo transformase ~m um natildeo querer ve~ e a crise se instaura no olhar

Significaccedilatildeo 23 bull 183

_ ~lberto klein

O filoacutesofo e socioacutelogo alematildeo Dietmar Kamp~r em A Estrutura Temporal das Imagens nos diz que nossa oacuterbita ocular eacute palco de uma derrota secular da visatildeo A velocidade e saturaccedilatildeo de imagens em um universo coberto pelos meios de comunicaccedilatildeo serishyam os perpetradores dessa derro~ Em wp outro texto Imanecircncia dos Media e -Corporeidade Transcendental Kamper nos pergunta se haacute algum mundo aleacutem dos media ou se eles jaacute cobriram tudo

Agrave crise do olhar em razatildeo ccedille um universo tomado por imashygens estaacute ligada agrave faacutebula de Borges citada por Baudrillard no iniacutecio de seu Simulacros e Simulaccedilatildeo A estoacuteria nos fala de um rei que encomendou aos c~rtoacutegra~os de seu reino um mapa que represenshytasse perfeitamete a ~eografia de seu paiacutes O resultado acabou ficando tatildeo perfeito que a obra acabou cobrindo totalmente o territoacuterio Esta faacutebula serve para Baudrillard nos assegurar que hoje habitamos o mapa e natildeo mais o temtoacuterio cujos iagmentos apodrecem lentashymente sobre a extensatildeo do mapa (1991 p8)

Kamper apresenta-nos na Enciclopeacutedia Antropoloacutegica Cosshymo Corpo e Cultura um sentido ambiacutevalente na origem da palavra alematilde equivalente agrave imagem bild Do antigo alto alematildeo billid enshyg~oba significados como forma essecircncia imagem coacutepia ou reprodushyccedilatildeo Haacute assim um problema portanto desde o iniacutecio em que a repreacutesentaccedilatildeo daacute lugar agrave magia jaacute que bild pode designar a presenccedila de uma essecircncia Kamper deste modo nos diz que originariamente a imagravegem tein como objetivomiddot reproduzir apresentar e desenhar Soshybre a magia evidenciadara ambivalecircncia do conceito diz o autor Esta posiCcedilatildeo mUtaacutev~l entremiddoturna ordem maacutegica da pIacuteeriacutea presenccedila na qual a imageacutem eacute idecircntica agravequilo que mostra e uma ordem da representaccedilatildeo qiuacute tende ao vazio () nunca se perdeu de todo (2002) Ocirc sacramento da Eucaristia e a veneraccedilatildeo de imagens dos santos na igreja satildeo prova evidente deacute que-os vestiacutegios da magia natildeo se perderam middot

O que podeacutemos dizer da sacralizaccedilatildeo das imagens publicitaacuteshyrias segundo este peacutensamento Ao mesmo tempo em que ocorre uma banalizaccedilatildeo das imagens devido ao seu excesso em nosso cotishydiano devemos tambeacutem middotadmitir um esforccedilo em divinizar produtos atraveacutes de imagens o que nos leva fatalmente agrave onipresenccedila do

Significaccedilatildeo 23 bull 184

Imagem arqueologia e conceitos

espetaacuteculo em nossa sociedade Trata-se aiacute da tentativa de recuperar um poder que as imagens rituais exerciam sobre o homem mesmo que residualmente O objetivo eacute claramente provocar encantamenshyto e para tanto deve-se tentar sobressair diante do gigantismo assumido pelas imagens no espaccedilo urbano Outdoors ficam cada vez maiores e acabam inaugurando uma disputa domiddotespaccedilo pelas imagens como afirma Baitello (2003 p80) Recentemente middotaagecircnshycia de publicidade DPZ em um anuacutencio fixou um automoacutevel na sushyperficie de um outdoor em uma avenida da capital paulista exemplo claro de fazer a imagem confundir-se com o proacuteprio objeto evidencishyando uma intenccedilatildeo maacutegica Do mesmo modo o culto dedicado aos liacutederes poliacuteticos e o patrociacutenio da cultura de massa agrave veneraccedilatildeo das estrelas do show business mostram a forccedila do encantamento exershycido pelas imagens ainda na entrada do seacuteculo XXI

Um outro desafio se apresenta ao lidarmos com a questatildeo da representaccedilatildeo siacutegnica da imagem Sobre isto vale a pena citarshymos a polecircmica acerca da natureza da imagem entre o semioticista Winfried Notildeth e o respeitado pesquisador Hans Belting conforme nos relata Benjamin Burkhardt no artigo Controveacutersia em Torno de uma Ciecircncia das Imagens No iniacutecio de 2004 em um encontro acashydecircmico na Alemanha Notildeth argumentava haver uma deficiecircncia semioacutetica nas pesquisas de Belting em razatildeo deste ignorar a natureshyza siacutegnica das imagens ao passo que este uacuteltimo acusava a semi oacutetica de reduzir a imagem ao conceito de signo dando a ela um caraacuteter unicamente representacional Abaixo a Imagem e Todo Poder ao Signo era o prov()cativo tiacutetulo da conferecircncia de Belting De fato a noccedilatildeo de signo toma-se insuficiente para abrigar toda forccedila irradiadora da imagem sendo por isso que a Semioacutetica da Cultura privilegiou o conceito de texto A imagem enquanto objeto da cultura jaacute se apreshysenta como uma unidade complexa de natureza narrativa como um encadeamento de elementos que se dialogam compondo uma histoacuteshyria que lhe confere um sentido e uma funccedilatildeo cultural Esta controshyveacutersia portanto estaria resolvida se ao inveacutes de um signo nos deshyfrontaacutessemos com um texto pois a ambivalecircncia das imagens e o seu poder exercido sobre o homem soacute podem ser deslindados em uma unidade miacutenima narrativa e complexa

Significaccedilatildeo 23 bull 185

Albertomiddotklein

O que satildeo imagens entatildeo De um ponto de vista da cultura e levando em consideraccedilatildeo o aspecto material do objeto imagens satildeo textos culturais construiacutedos pelo homem frutos de sua imagishynaccedilatildeo que duplicaram o seu mundo e seu imaginaacuterio dando~ lhe forshymas figurativas ou abstratas nos mais diversos suportes visuais As diferentes funccedilotildees e naturezas das imagens em diferentes eacutepocas congregam a ambivalecircnciamiddot da distacircncia representativa e de sua parshyticipaccedilatildeo na essecircncia do que estaacute por detraacutes delas Representaccedilatildeo e presentificaccedilatildeo satildeo dois limites (natildeo deixando de observar as inuacuteshymeras possibilidades gradativas )entre os quais percorre o poder que as imagens sempre exerceram sobre o homem

A arqueologia da imagem

Neste item seraacute analisada apenas a origem das imagens mashyteriais produzidas pelo homem deixando de lado o problema das imagens mentais pois este eacute um fenocircmeno que transcende obviashymente o gecircnero H orno

Um dos maiores problemas ao nos defrontarmos com a preacuteshyhistoacuteria da humanidade como nos alerta Leroi~Gourhan eacute que lida- middot mos quase somente com dados probabiliacutesticos o que limita uma reconstituiccedilatildeo das praacutetiacutecas atitudes do homem preacute-histoacuterico frente agraves imagens e do poder nelas investido Todos estes elementos natildeo satildeo fossilizaacuteveis e portanto cabe ao estUdioso interpretaacute-los atra~ v eacutes de pistas deixadas pelos nossos anceStrais Outra dificuldade eacute middot que denominamos como preacute-histoacuteria um periacuteodo de longas e sucesshysivas etapas do processo de evoluccedilatildeo humana que remontaacutea alguns middot milhotildees de anos e que durou ateacute mais ou menos dez mil anos atraacutes Estamos tratando portanto natildeo de um homem mas de luna variedade de espeacutecies H o mo que ao longo do tempo foram extintas pela seleccedilatildeo natural ateacute culminarem no H orno sapiens haacute cerca de cem mil anos

A questatildeo da religiosidade do homem preacute-histoacuterico estaacute ligashyda muitas vezes ao problema do surgimento das primeiras imagens pois delas se extraiacuteam provavelmente temas mitoloacutegicos muito embora seja possiacutevel identificar a presenccedila de um pensamento religioso antes mesmo do periacuteodo figurativo no paleoliacutetico superior

Significaccedilatildeo 23 bull 186

lmagema~queologia e conceitos

Uma vez que o terreno eacute movediccedilo ao inveacutes de perguntarmos quanshydo surgiu a centelha religiosa na humanidade seria melhor indagarshymos em que etapa do processo evolutivo percebemos sinais de que o homem eacute religioso Mircea Eliade que natildeo eacute um estudioso da preacute-histoacuteria objeta a este tipo dequestionamento pois para ele a religiosidade natildeo eacute fruto de uma etapa do processo evolutivo ao inveacutes disso ela constitui uma estrutura na mente humana ( 1978 pl3 ) Devemos nos lembracde que agravereligiosidade mitos e ritos praticados pelo homem preacute~ histoacuterico estatildeo profundamente vinculados agrave questatildeo da emergecircncia da cultura conforme assinalam Ivan Bystrina e Edgar Morin

Em seu livro As Religiotildees da Preacute-histoacuteria tiacutetulo que esshyconde as verdadeiras intenccedilotildees da obra Leroi-Gourhan toma como desafio discutir esse tema e responder a esses questionamentos O paleontoacutelogo avisa ao leitor contudo que em sua anaacutelise justamente por falta de materiais que possibilitem uma separaccedilatildeo conceitual natildeo seraacute feita nenhuma distinccedilatildeo entre religiatildeo e magia De qualquer modo haveria indiacutecios de detectar a crenccedila em algo transcendente Assim Leroi-Gourhan defende que as manifestaccedilotildees e oacutebjetos produzidos pelo homem que natildeo poderiam ser explicados por razotildees de sobrevivecircncia fiacutesica da espeacutecie poderiam apontar para a religiosidade deste homem a presenccedila do ocre no habitat do hoshymem de Neander(hal eacute considerada um fato religioso porque natildeo eacute explicaacutevelpor necessidades de sobrevivecircncia material (s d p26) Portanto haacute motivos claros para atestar o pensamento religioso no homem a partir do paleoliacutetico superior a partir de cerca de 50 mil anos atraacutes Embora faltem elementos suficientes para comprovaruma religiosidade mais tardia pode-se contudo admiti-la

Feitas estas reservas natildeo haacute nenhuma razatildeo vaacutelida para recusarmiddot aos antropiacutedeosmiddot paleoliacuteticos preocupaCcedilotildees de caraacuteter misterioso quanto mais natildeo fosse porque a sua inteligecircncia da mesma natureza senatildeo do mesmo niacutevel da do homo sapiens implica a mesma reaccedilatildeo em face do anormal e do middotinexplicaacutevel middotO homem desde as primeiras formas ateacute a nossa inaugurou e desenvolveu a reflexatildeo

Significaccedilatildeo 23 bull 187

Alberto kleiacuten

ou seja a capacidade para-traduzir middotem siacutembolos a realidade material do mundo que o envolvia Aproprie- dade middotelementar da linguacuteagem consiste em criar paraleshylamente aobull mundo exterior um middotmUndo todo poderoso de siacutembolos sem os quais a inteligecircncia se revelaria ineficaz (sd~ p26)

Ivan Bystrina amparado pocriteacuterio deLeroi-Gourhan para detecccedilatildeo do pensamento maacutegico e religioso no homem cria o conshyceito de segunda realidade como o domiacutenio domiddots mitos rituais ma- -gia religiatildeo artes e todas as manifestaccedilotildees que natildeo se explicam por necessidades de soJgtrevivecircncia material do homem -uuml elemento fundante desta segundamiddot realidade que para Bystrina equivale ao conceito de cultura seria a consciecircncia damortei Se esta eacute o maior middot obstaacuteculo -daprimeira realidade (realidade biofisica e teacutecnica do hoacutemeril~ exigindo mecanismos de sobrevivecircncia material) eacute possiacutevel somente superaacute-la no plano simboacutelico Daiacute eacute que se middotestabelecem os shycompromissos hmnanos middotcommiddotos deuses e a -magia que a partir de entatildeo vatildeomiddot governara vida humana A cultura neste sentido eacute fruto da experiecircncia-humana da-morte~ Os vestigiqs de que o homem pratica rituais de enterro demiddot seus ~semelhantes haacute pelo menos somiddotmil anos muitas vezescomacompanhamento de floresjuntoacute ao oorpo aacutejmntam -tambeacutemapres~nccedila de uin rico universo simboacutelicoacutetoinadojaacute poacutermiddotum pensagravementomaacutegicoacute Em muitos casos as armas e utensiacutelios eram middot depositadosjunto com o morto o quacutee indicaria segundomiddot Edgar Morin umapossiacutevelmiddotpreservaccedilatildeo da-identidade depois da~morteacute -Umoutro middot casointeressaritesatildeo corposinurnados em-posiccedilatildeofetal evidenciandomiddot a middotcrenccedila middotdecrenasmiddotuacutemento depois da mortemiddot_ As priiacuteneirasmiddotpistagraves dos -funerais preacute-histoacutericos ainda natildeo registram o aparecimento de uma arte figurativa~ que comeCcedilaria a-evoluir posteriormente -

t~o que Bystrinagravechania-desegunda realidade Edgar Morin denominamiddot segunda existecircncia o domiacutenio deste uacuteniverso simboacutelico Tal como Bystrina Morin tambeacutem acredita no papel damorte como fundadora deste universo no decorrer do processo de hominizaccedilatildeo Em uma de suas principais -obras O Paradigma Perdido o autor assim se expressa

Significaccedilatildeo 23 bull 188

)i1iiMiacuten middot~r~Jeologla e conceitos

- r PorUacuteUacuteitD~tudo middotnos indicaquebullo Homor~apienHigtatinizdo ~middot pila ~ miJrte como por- uhza cataacute~trofe-uumlx~m~d~aacuten~lque

middot middot ~I middot vaf tfazer torisigo uma ansiedade espepiacutejjca 4 a_nguacutestia ou o hotilderror da morte que a presenccedila di morte pgssa a

middot ser middot um problema vivo isto eacute quacutee tr(Jbalha a sua vidg Tudo nos indica igualmente que esse hOacutemem natildeo soacute recusa

middot 1 essa morteacutebull mas quemiddot a rejeita transpotildee eresolve n() rrzito e na magid (Sid p95)

middot) ~ imiddotgt

Antes mesmo do surgitpento da ltlrte figurati~~ JaacuteH~rca _ccedili~ 3 5 niiacutelano~ a Ccedil aparecem Jaacutebullfofmas de grafismp Satildeo seqiecircncja~ d~ Iihhasmiddot gravadas em peckas e osso~- guardando entre e ias a mesma distacircncia que para LeroiGourhan satildeo as evidecircnccedilias mais a~tigas de um comportamento riacutetmico do middothomem e assinalam a certeza de qle obullgtafismo se inicia no abstrato-e caminha em direccedilatildeo agrave figuraccedilatilde concretit Para o autor este caminho tantas vezes middotseguido pelas artes histoacutericas leva-nos a admitir que c co1~respccedilmde a uma tendecircncia geral a um ciclo de maturaccedilatildeo onde o abstrato esteja realmente na base de uma expressatildeo graacutefica (slq 192) middot

middot middotmiddot As primeiras imagens figurativas comeccedilam a aparecer mais aacutebutJdantemente a partir de mais ou menos 30 milan0s atraacutes tend0 como suporte paredes de grutas eacute objetos moacuteveis como annas Ccedilon~ centram-se middotprincipa~entena Europabullsendo quemiddot as imagens parietais encuacutentram-setiasicatneacutente restritas agrave Espanha Franccedila ~ sul da Itaacute_shylia As descobertas damiddotarte paleoliacuteticamiddot satildeo relaacutetivamente recentes e aconteceramquasesimultaneamente a gruta de Chabotmiddot (1878) e Altamiraj na Espacircfi1la(iS~l~)4 bull bull bull bull

middot middot I

4 Achados arqueqloacutegicos mal recentes no ParqiJe Naccedilionalda Serra da Capiv_ara no PiaUuml(atildetesIacuteam a preseacutenCcedila middot de figurasmiddot antropomoacuterfieacuteagraves erh rochagraves do siacutetio

Toca damiddotBaStianamiddot~ue (falariam cleacute30 mil anos middotjr arqlieacute(lloga irasileirabull Niecircde Guidon responsaacutevebpelas ccedille_scobertas publiCOJ ~rn Jl986 na col)ceituada

I~ ~~vista Na~ure Q~j IJ~vl~ ~i VE)Stfgios de oc_~Pa~p huni~namiddot ~o ~n~ineacutente americano de 50 m1l anos atraacutes Sua teselomou-se bastante polecircmica em melo

agraveeomunidademiddotCitmtffica um a vez qUacutee refutava a hipoacutetese-mais aceita de que o -continente havia_recebiqo as prmeira~migraccedilotildeeshumana paacute cerca de 12mil anospela passagem do estreito de Bering lnformaccedilocircesciriais detalhadaacutes pOshydem ~e r endgtniacutefaetatildes no Iacutenfoacutermatlvci da Sobleacutedade Brasileiragrave paraacute oacute Progresso

middot da Ciecircncia Wwwjomaldacienciaorgbr bull

Alberto klei~

Seriam agraves pinturas e inscriccedilotildees parietais e moacuteveis do paleoliacutetico frutos dacapacidade imaginativa do artistaou manifestaccedilotildees religioshysas A dificuldade de responder a esta- questatildeo nasce justamente do fato de nosso olhar sobre a preacute-histoacuteria se contaminar de noccedilotildees atuais de arte ebull religiatildeo Poderiacuteamos neste instante concor-dar com Edgar Morin segundo o qual os fenocircmenos maacutegicos satildeo potencishyalmente esteacuteticos e os fenocircmenos middotesteacuteticosmiddot satildeo potencialmente maacutegicos (sd p98) Se se separar o artista do homem religioso a discussatildeo perde solidez conforme nos alerta Leroi-Gourhan Suas mensagens atraveacutes das figuras respondem a uma necessidade ao mesmo middot tempo jlsica middot e ps(quica de middotassegurar a apropriaccedilatildeo do tiniverso pelo indiviacuteduo ou grupo social de realizar a inserccedilatildeo do homem atraveacutes do aparelho simboacutelico no xampo movediccedilo~ aleatoacuterio que o envolve (sd 81-2) Este aparelho simboacutelico natildeo pode ser despido de um pensamento miacutetico e maacutegico Defrontamoshynos agora com as primeiras evidecircncias de uma relaccedilatildeo maacutegica entre homem e imagem e middotomiddotsuporte para as primeiras figuras desenhadas satildeo principalmente as paredes de grutas

Quais eram os temas mitoloacutegicos inscritos nas cavernas que este homem nos deixou Os estudos e anaacutelises empreendidos por Leroi-Gourhan satildeo uma das principais contribuiccedilotildees de sua obra A partir de um inventaacuterio destas figuras o paleontoacutelogo francecircs consshytatou trecircs nuacutecleos temaacuteticos que envolvem toda a arte no paleoliacutetico a saber animais seres humanos e signos Estes uacuteltimos apesar de sua natureza abstrata satildeo considerados pelo autor como siacutembolos sexuais do masculino e do feminino middotUma constataccedilatildeo impressioshynante eacute que natildeo haacute muitas variaccedilotildees de sentido nessas figuras messhymo cobrindo um periacuteodo que vai de 30 mil anos a C ateacute nove mil anos a C As anaacutelis~s e agravessociaccedilotildees feitas por Leroi-Gourhan pershymitem conCluir que animais (cavalo e bisonte aparecem COJl1 abunshydacircncia) figuras humanas e signos que aparecem muitas vezes com o seu par oposto constituem um tema binaacuterio com representaccedilotildees simboacutelicas do masculino e do feminino Uma das tarefas do autor eacute cruzar os nuacutecleos e tentar decifrar seus temas o que nos leva para um campo de dados probabiliacutesticos Apesar das sombras que pairam sobre a religiosidade na preacute-histoacuteria o paleontoacutelogo francecircs conclui

Significaccedilatildeo 23 bull 190

lmagen~ arqueologia e conceitos

q~e a co~stacircncia dos temas 4lfaQte um lqngo petjodo datildeo provas de um sistema simboacutelico de crenccedilas mais complexo do que se ~magishynara Assim afirma ao finalde seu livro

F al~a1rlnos ainda elementos para ccedillescreyer o progresvo enriqu~ccedil~mento e as variaccedilotildees regionqis do aparelho

mito graacutefico entre o firrz dp Solutrense e middoto Maqalenimse Meacutedio entre 15000 e 12 000 Conjuntos admirayccedillmente homogecircneos () atestanz que nesta eacutepqca entre o Loire e os Pirineus natildeo soacute o grupo central se tornou muito denso com a sua combinaccedilatildeo de pares de anim~ismiddot emshyparelhados por espeacuteci~s diferentes como ainda asjiguras de homens compoacutesitos os felinos os rinocerontes e ps animais sem cabeccedila que povoam os fundos criaram uma retaguarda densa de siacutembolos vinculados agrave zona mais iacutentima do misteacuterio (sd 134)

A conclusatildeo do autor acercado binarismo da arte paleoliacutetica converge com a posiccedilatildeo de Ivan Bystrina de que o middotprocesso de codificaccedilatildeo semioacutetica mais arcaico eacute o binaacuterio Dividir o mundo em dois representaria o modo pelo qual o homem comeccedila a organizar todo o aparato simboacutelico que o envolve As percepccedilotildees do masculino e do feminino damiddot noite e do dia das sensaccedilotildees de prazer e dor presentes na realidade biofisica do homem inspirariam aformaccedilatildeo de textos culturais com caracteriacutesticas duais No processo de desenshyvolvimento ontogecircnico do ser humano Harry Pross trata semelhantemente das experiecircncias preacute-predicativas do claroescuro e dentrofora constituindo-se como as raiacutezes da experiecircncia do hoshymem Por serjustamente a mais arcaica a divisatildeo binaacuteria eacute o mais forte modo de codificar a realidade No Cristianismo a ideacuteia do mal contrapondo-se a Deus encama-se na figura do Diabo5

no cinema e nas nove1as narrativas que possuem um acirrado dualismo satildeo as

I

5 A existecircncia do Diabo ou de um mal encamado natildeo estaacute muito clara no Antigo Testamento Apoacutes o cativeiro babilocircnico dos judeus e o consequumlente contato oom o Masdefsmo e o Zoroastrismo suas referecircncias se tornam claras e abundantes no Novo Testamento Portanto quando nasce o Cristianismo sua

Significaccedilatildeo 23 bull 191

que fazem maioacuter sucesso pois facilitam a absorccedilatildeo da mensagem pelo telespectadot middot

Aleacutem do binarismo doniinante nas figuras paleoliacuteticas po~ demos entrever tambeacutem um compromisso maacutegico na relaccedilatildeo entre homem e imagem a partir do qual oacute homem estende seu domiacutenio sobre a natureza Embora faltem elenierttos middot- seguros e comprobatoacuterios Leroi-Gourhan admite que o maioacuter argumento em favor deste comportamento estaacute nas imagens feridas de cavalos ou bisontes Isto poderia indicar um ritual a fim de garantir o ecircxito da caccedila Curioso poreacutem eacute que aacutes feridasmiddot aparecem soacutemente em 4 dasmiddot figuras de animais o que natildeo exclui a possibilidade de que o ferimento de um animal valeria tambeacutem para todo o rebanho O que estaacute middotemmiddot discussatildeo eacute a presenccedila demiddot uma mentalidade maacutegica que manipula siacutembolos com o objetivo de suprir eficazmente suas necessidades cotidianas~ Nas palavras de Jacques Maritain o signo maacutegico natildeo apenas faz os homens conhecerem ele faz as coisas serem eacute uma causa eficiente em si mesma (apud Notildeth 1996 p38) A magia implica em uma crenccedila de que as coisas possuem uma dupla existecircncia na qual os limites entre o signo e-o objeto representado encontram-se difusos O cavalo estaacute presente em -sua imagem ou melhor a imagem mental evocada pelo significante pode se confundir com o proacuteprio cavalo Eacute assim que passamos a projetar nossas visotildees sobre o mundo exterior ateacute ao ponto em que ambos se misturam A partirdo grafismo e da arte figurativa preacute-histoacuterica Edgar Morin vecirc traccedilos bastante convincentes deste encantamento do mundo

Portanto o que o grafismo mural nos revela eacute a ligaccedilatildeo imaginaacuteria com o mundo Por um lado a palavra o sinal o siacutembolo a figuraccedilatildeo vatildeo ininterruptamente re-apresentar ao espiacuterito mesmo na ausecircncia dele~ os seres e as coisas do mundo exterior e num certo sentido esses seres -e essas coisas pas~am a ser dotados de wn poder de invasatildeo Por outro lado satildeo as imagens mentais que invadem o mundo exterior Eacute nesta confusatildeo e para transpor esta

figura jaacute hagravevia sido fortemente caracterizada Sobre a histoacuteria do Diabo e as forma que ele assume no Cristianismo remetemos o leitor ao livro O Diabo no Imaginaacuterio Cristatildeo de Carlos Roberto F Nogueira

Significaccedilatildeo 23 bull 192

Imagembull arqueologia e conceitos

confusatildeo que se constroem o mito e a magia quer dizer uma organizaccedilatildeo ideoloacutegica e praacutetica daligaccedilatildeo imaginaacuteria COI)l o mando (sdlOO

Os exemplos dessa maneira maacutegica middotde pensar o mundo natildeo se esgotam no paleoliacutetico muito menos nas culturas primevas cooacuteJemporacircneas pois encontram-se tambeacutem nbs domiacuteniosmiddotdas divefsas fohilasmiddotde teliacute~iosidaacirce coritempocirctacirchea A proacuteptiaq-ustatildeo do uso dos iacutecones religiosos evidencia em muitos casos este compromisso hiaacutegicb e~tab~lecido com agravesimagens o antropoacutelogo James Prazer imbuiacutedbdeVmii vlisatilde6 positivistaassim se expressa a respeit0 da rhagia ( homem confundiu a middotordem de siuacutes UacuteUacuteias com a ordem da na tuteia~ iSsuumln imaginJu quemiddoto cdntroleacute que tem ou parece termiddot sobremiddot oacuteS seus pensainentOs perinitiuacute-lheacute exercitar um controle correspondente sobre as coisas (apud Notildeth 1996 p40) middot

Ao problema da imagem estaacute sempre ligada a questatildeo do duplo middotEspelho simulacro figlfraccedilatildeo a magia irrompe com intensishydade variaacutevel indepertdetiteniacuteehte da cultura tempo ou dos suporshytesmiddotque a imagem toma questiol)ando () homem sobre os limiares semi oacuteticos da representaccedilatildeo Muitas vezes a imagem eacute tomadagrave como mentira e se encontra diante da fuacute~ia dos ic()noc~asta~ mas a magia volta pois os fenocircmenos esteacuteticos satildeo potencialmente maacutegicos confmme nos _lembra Morin Je~dt Narciso(a ele estaacute associado o termo narcose) o encantamento ainda per~j~te Mas com ele conyivem col)traditoriamente a saturaccedilatildeo e a banalizaccedilatildeo em uma eacutepoca cob~rta pelas miacutedias middot middot

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Significaccedilatildeo 23 bull 194

imaginaCcedilatildeo Como elemento fundamental na construccedilatildeo e decodificaccedilatildeo de imagens Diz ele logo no iniacutecio de sua obramiddot middot

bull Imagens satildeo superjicies que pretendem representar algo Na maiorta dos cagravesos algomiddot que middot se encontra laacute fora no espaccedilo_e no tempo As imagens satildeo portanto resultado do esfocircrCcedilo de se abstrair duas das quatro dimensotildees de espaccedilo-tempo para que se conservem apenas as dimensotildees do plano Devem middot sua origem agrave capacidade de abstraccedilatildeo especiacutefica que podemos chamar de imaginaccedilatildeo No entanto a imaginaCcedilatildeo tem dois aspecios se de um lado permite abstrair duas dimensotildeeS dos fenocircmenos de outro permite reconstituir as duas dimensotildees abstraiacutedas na imagem Em outros termos imashyginaccedilatildeo eacute a capacidade de codificar fenocircmenos de quashytro dimensotildees em siacutebolos planos e decodificar as menshysagens assimmiddot c~dificadas Imaginaccedilatildeo eacute a capacidade de fazer e decifrar irzagens (2002 p1)

Eacute a pa~r deste pensam~nto de Fhisser qle No~agravel Baitelloacute Jr nos retrata iuna espeacutecie_ de crise da imaginaccedilatildeo diante do excesso de imagens cotidianas a que estamos expostos Eacute justamente neste tracircnsito entre iinagens inte~as e externas onde Flusser localiza a ideacuteia de imaginaccedilatildeo que se institui um desequiliacutebrio O titIacutemlsrpoacute e a onipresenccedila das imagens ext~~as dfminuirla no~sa capacictade de construir novas image~s do mUpqo e imaginar outras possibilidades estabelecer nova~ relaccedilotildees De tanto serem interpelados aas maneiras mais apela~tyas e ins_uumlliosas em toda e qualquer hora em todo e qualque~- l~gar ~o-~ imagens cad~-rye_~ mqts gritantes e repetitivas nossos olhos jaacute natildeo querem ver (2003 p80) Se as imagens satildeo intepnediaccedilotildees entre o homern e o mundo como diz Flusser em que medida seriani elas tambeacutem bi~llbos Eacute as~im que as cidades acabam sendo escondid(ls p~los outaoor~ O natildeo_pOdfr ver por causa da saturaccedilatildeo transformase ~m um natildeo querer ve~ e a crise se instaura no olhar

Significaccedilatildeo 23 bull 183

_ ~lberto klein

O filoacutesofo e socioacutelogo alematildeo Dietmar Kamp~r em A Estrutura Temporal das Imagens nos diz que nossa oacuterbita ocular eacute palco de uma derrota secular da visatildeo A velocidade e saturaccedilatildeo de imagens em um universo coberto pelos meios de comunicaccedilatildeo serishyam os perpetradores dessa derro~ Em wp outro texto Imanecircncia dos Media e -Corporeidade Transcendental Kamper nos pergunta se haacute algum mundo aleacutem dos media ou se eles jaacute cobriram tudo

Agrave crise do olhar em razatildeo ccedille um universo tomado por imashygens estaacute ligada agrave faacutebula de Borges citada por Baudrillard no iniacutecio de seu Simulacros e Simulaccedilatildeo A estoacuteria nos fala de um rei que encomendou aos c~rtoacutegra~os de seu reino um mapa que represenshytasse perfeitamete a ~eografia de seu paiacutes O resultado acabou ficando tatildeo perfeito que a obra acabou cobrindo totalmente o territoacuterio Esta faacutebula serve para Baudrillard nos assegurar que hoje habitamos o mapa e natildeo mais o temtoacuterio cujos iagmentos apodrecem lentashymente sobre a extensatildeo do mapa (1991 p8)

Kamper apresenta-nos na Enciclopeacutedia Antropoloacutegica Cosshymo Corpo e Cultura um sentido ambiacutevalente na origem da palavra alematilde equivalente agrave imagem bild Do antigo alto alematildeo billid enshyg~oba significados como forma essecircncia imagem coacutepia ou reprodushyccedilatildeo Haacute assim um problema portanto desde o iniacutecio em que a repreacutesentaccedilatildeo daacute lugar agrave magia jaacute que bild pode designar a presenccedila de uma essecircncia Kamper deste modo nos diz que originariamente a imagravegem tein como objetivomiddot reproduzir apresentar e desenhar Soshybre a magia evidenciadara ambivalecircncia do conceito diz o autor Esta posiCcedilatildeo mUtaacutev~l entremiddoturna ordem maacutegica da pIacuteeriacutea presenccedila na qual a imageacutem eacute idecircntica agravequilo que mostra e uma ordem da representaccedilatildeo qiuacute tende ao vazio () nunca se perdeu de todo (2002) Ocirc sacramento da Eucaristia e a veneraccedilatildeo de imagens dos santos na igreja satildeo prova evidente deacute que-os vestiacutegios da magia natildeo se perderam middot

O que podeacutemos dizer da sacralizaccedilatildeo das imagens publicitaacuteshyrias segundo este peacutensamento Ao mesmo tempo em que ocorre uma banalizaccedilatildeo das imagens devido ao seu excesso em nosso cotishydiano devemos tambeacutem middotadmitir um esforccedilo em divinizar produtos atraveacutes de imagens o que nos leva fatalmente agrave onipresenccedila do

Significaccedilatildeo 23 bull 184

Imagem arqueologia e conceitos

espetaacuteculo em nossa sociedade Trata-se aiacute da tentativa de recuperar um poder que as imagens rituais exerciam sobre o homem mesmo que residualmente O objetivo eacute claramente provocar encantamenshyto e para tanto deve-se tentar sobressair diante do gigantismo assumido pelas imagens no espaccedilo urbano Outdoors ficam cada vez maiores e acabam inaugurando uma disputa domiddotespaccedilo pelas imagens como afirma Baitello (2003 p80) Recentemente middotaagecircnshycia de publicidade DPZ em um anuacutencio fixou um automoacutevel na sushyperficie de um outdoor em uma avenida da capital paulista exemplo claro de fazer a imagem confundir-se com o proacuteprio objeto evidencishyando uma intenccedilatildeo maacutegica Do mesmo modo o culto dedicado aos liacutederes poliacuteticos e o patrociacutenio da cultura de massa agrave veneraccedilatildeo das estrelas do show business mostram a forccedila do encantamento exershycido pelas imagens ainda na entrada do seacuteculo XXI

Um outro desafio se apresenta ao lidarmos com a questatildeo da representaccedilatildeo siacutegnica da imagem Sobre isto vale a pena citarshymos a polecircmica acerca da natureza da imagem entre o semioticista Winfried Notildeth e o respeitado pesquisador Hans Belting conforme nos relata Benjamin Burkhardt no artigo Controveacutersia em Torno de uma Ciecircncia das Imagens No iniacutecio de 2004 em um encontro acashydecircmico na Alemanha Notildeth argumentava haver uma deficiecircncia semioacutetica nas pesquisas de Belting em razatildeo deste ignorar a natureshyza siacutegnica das imagens ao passo que este uacuteltimo acusava a semi oacutetica de reduzir a imagem ao conceito de signo dando a ela um caraacuteter unicamente representacional Abaixo a Imagem e Todo Poder ao Signo era o prov()cativo tiacutetulo da conferecircncia de Belting De fato a noccedilatildeo de signo toma-se insuficiente para abrigar toda forccedila irradiadora da imagem sendo por isso que a Semioacutetica da Cultura privilegiou o conceito de texto A imagem enquanto objeto da cultura jaacute se apreshysenta como uma unidade complexa de natureza narrativa como um encadeamento de elementos que se dialogam compondo uma histoacuteshyria que lhe confere um sentido e uma funccedilatildeo cultural Esta controshyveacutersia portanto estaria resolvida se ao inveacutes de um signo nos deshyfrontaacutessemos com um texto pois a ambivalecircncia das imagens e o seu poder exercido sobre o homem soacute podem ser deslindados em uma unidade miacutenima narrativa e complexa

Significaccedilatildeo 23 bull 185

Albertomiddotklein

O que satildeo imagens entatildeo De um ponto de vista da cultura e levando em consideraccedilatildeo o aspecto material do objeto imagens satildeo textos culturais construiacutedos pelo homem frutos de sua imagishynaccedilatildeo que duplicaram o seu mundo e seu imaginaacuterio dando~ lhe forshymas figurativas ou abstratas nos mais diversos suportes visuais As diferentes funccedilotildees e naturezas das imagens em diferentes eacutepocas congregam a ambivalecircnciamiddot da distacircncia representativa e de sua parshyticipaccedilatildeo na essecircncia do que estaacute por detraacutes delas Representaccedilatildeo e presentificaccedilatildeo satildeo dois limites (natildeo deixando de observar as inuacuteshymeras possibilidades gradativas )entre os quais percorre o poder que as imagens sempre exerceram sobre o homem

A arqueologia da imagem

Neste item seraacute analisada apenas a origem das imagens mashyteriais produzidas pelo homem deixando de lado o problema das imagens mentais pois este eacute um fenocircmeno que transcende obviashymente o gecircnero H orno

Um dos maiores problemas ao nos defrontarmos com a preacuteshyhistoacuteria da humanidade como nos alerta Leroi~Gourhan eacute que lida- middot mos quase somente com dados probabiliacutesticos o que limita uma reconstituiccedilatildeo das praacutetiacutecas atitudes do homem preacute-histoacuterico frente agraves imagens e do poder nelas investido Todos estes elementos natildeo satildeo fossilizaacuteveis e portanto cabe ao estUdioso interpretaacute-los atra~ v eacutes de pistas deixadas pelos nossos anceStrais Outra dificuldade eacute middot que denominamos como preacute-histoacuteria um periacuteodo de longas e sucesshysivas etapas do processo de evoluccedilatildeo humana que remontaacutea alguns middot milhotildees de anos e que durou ateacute mais ou menos dez mil anos atraacutes Estamos tratando portanto natildeo de um homem mas de luna variedade de espeacutecies H o mo que ao longo do tempo foram extintas pela seleccedilatildeo natural ateacute culminarem no H orno sapiens haacute cerca de cem mil anos

A questatildeo da religiosidade do homem preacute-histoacuterico estaacute ligashyda muitas vezes ao problema do surgimento das primeiras imagens pois delas se extraiacuteam provavelmente temas mitoloacutegicos muito embora seja possiacutevel identificar a presenccedila de um pensamento religioso antes mesmo do periacuteodo figurativo no paleoliacutetico superior

Significaccedilatildeo 23 bull 186

lmagema~queologia e conceitos

Uma vez que o terreno eacute movediccedilo ao inveacutes de perguntarmos quanshydo surgiu a centelha religiosa na humanidade seria melhor indagarshymos em que etapa do processo evolutivo percebemos sinais de que o homem eacute religioso Mircea Eliade que natildeo eacute um estudioso da preacute-histoacuteria objeta a este tipo dequestionamento pois para ele a religiosidade natildeo eacute fruto de uma etapa do processo evolutivo ao inveacutes disso ela constitui uma estrutura na mente humana ( 1978 pl3 ) Devemos nos lembracde que agravereligiosidade mitos e ritos praticados pelo homem preacute~ histoacuterico estatildeo profundamente vinculados agrave questatildeo da emergecircncia da cultura conforme assinalam Ivan Bystrina e Edgar Morin

Em seu livro As Religiotildees da Preacute-histoacuteria tiacutetulo que esshyconde as verdadeiras intenccedilotildees da obra Leroi-Gourhan toma como desafio discutir esse tema e responder a esses questionamentos O paleontoacutelogo avisa ao leitor contudo que em sua anaacutelise justamente por falta de materiais que possibilitem uma separaccedilatildeo conceitual natildeo seraacute feita nenhuma distinccedilatildeo entre religiatildeo e magia De qualquer modo haveria indiacutecios de detectar a crenccedila em algo transcendente Assim Leroi-Gourhan defende que as manifestaccedilotildees e oacutebjetos produzidos pelo homem que natildeo poderiam ser explicados por razotildees de sobrevivecircncia fiacutesica da espeacutecie poderiam apontar para a religiosidade deste homem a presenccedila do ocre no habitat do hoshymem de Neander(hal eacute considerada um fato religioso porque natildeo eacute explicaacutevelpor necessidades de sobrevivecircncia material (s d p26) Portanto haacute motivos claros para atestar o pensamento religioso no homem a partir do paleoliacutetico superior a partir de cerca de 50 mil anos atraacutes Embora faltem elementos suficientes para comprovaruma religiosidade mais tardia pode-se contudo admiti-la

Feitas estas reservas natildeo haacute nenhuma razatildeo vaacutelida para recusarmiddot aos antropiacutedeosmiddot paleoliacuteticos preocupaCcedilotildees de caraacuteter misterioso quanto mais natildeo fosse porque a sua inteligecircncia da mesma natureza senatildeo do mesmo niacutevel da do homo sapiens implica a mesma reaccedilatildeo em face do anormal e do middotinexplicaacutevel middotO homem desde as primeiras formas ateacute a nossa inaugurou e desenvolveu a reflexatildeo

Significaccedilatildeo 23 bull 187

Alberto kleiacuten

ou seja a capacidade para-traduzir middotem siacutembolos a realidade material do mundo que o envolvia Aproprie- dade middotelementar da linguacuteagem consiste em criar paraleshylamente aobull mundo exterior um middotmUndo todo poderoso de siacutembolos sem os quais a inteligecircncia se revelaria ineficaz (sd~ p26)

Ivan Bystrina amparado pocriteacuterio deLeroi-Gourhan para detecccedilatildeo do pensamento maacutegico e religioso no homem cria o conshyceito de segunda realidade como o domiacutenio domiddots mitos rituais ma- -gia religiatildeo artes e todas as manifestaccedilotildees que natildeo se explicam por necessidades de soJgtrevivecircncia material do homem -uuml elemento fundante desta segundamiddot realidade que para Bystrina equivale ao conceito de cultura seria a consciecircncia damortei Se esta eacute o maior middot obstaacuteculo -daprimeira realidade (realidade biofisica e teacutecnica do hoacutemeril~ exigindo mecanismos de sobrevivecircncia material) eacute possiacutevel somente superaacute-la no plano simboacutelico Daiacute eacute que se middotestabelecem os shycompromissos hmnanos middotcommiddotos deuses e a -magia que a partir de entatildeo vatildeomiddot governara vida humana A cultura neste sentido eacute fruto da experiecircncia-humana da-morte~ Os vestigiqs de que o homem pratica rituais de enterro demiddot seus ~semelhantes haacute pelo menos somiddotmil anos muitas vezescomacompanhamento de floresjuntoacute ao oorpo aacutejmntam -tambeacutemapres~nccedila de uin rico universo simboacutelicoacutetoinadojaacute poacutermiddotum pensagravementomaacutegicoacute Em muitos casos as armas e utensiacutelios eram middot depositadosjunto com o morto o quacutee indicaria segundomiddot Edgar Morin umapossiacutevelmiddotpreservaccedilatildeo da-identidade depois da~morteacute -Umoutro middot casointeressaritesatildeo corposinurnados em-posiccedilatildeofetal evidenciandomiddot a middotcrenccedila middotdecrenasmiddotuacutemento depois da mortemiddot_ As priiacuteneirasmiddotpistagraves dos -funerais preacute-histoacutericos ainda natildeo registram o aparecimento de uma arte figurativa~ que comeCcedilaria a-evoluir posteriormente -

t~o que Bystrinagravechania-desegunda realidade Edgar Morin denominamiddot segunda existecircncia o domiacutenio deste uacuteniverso simboacutelico Tal como Bystrina Morin tambeacutem acredita no papel damorte como fundadora deste universo no decorrer do processo de hominizaccedilatildeo Em uma de suas principais -obras O Paradigma Perdido o autor assim se expressa

Significaccedilatildeo 23 bull 188

)i1iiMiacuten middot~r~Jeologla e conceitos

- r PorUacuteUacuteitD~tudo middotnos indicaquebullo Homor~apienHigtatinizdo ~middot pila ~ miJrte como por- uhza cataacute~trofe-uumlx~m~d~aacuten~lque

middot middot ~I middot vaf tfazer torisigo uma ansiedade espepiacutejjca 4 a_nguacutestia ou o hotilderror da morte que a presenccedila di morte pgssa a

middot ser middot um problema vivo isto eacute quacutee tr(Jbalha a sua vidg Tudo nos indica igualmente que esse hOacutemem natildeo soacute recusa

middot 1 essa morteacutebull mas quemiddot a rejeita transpotildee eresolve n() rrzito e na magid (Sid p95)

middot) ~ imiddotgt

Antes mesmo do surgitpento da ltlrte figurati~~ JaacuteH~rca _ccedili~ 3 5 niiacutelano~ a Ccedil aparecem Jaacutebullfofmas de grafismp Satildeo seqiecircncja~ d~ Iihhasmiddot gravadas em peckas e osso~- guardando entre e ias a mesma distacircncia que para LeroiGourhan satildeo as evidecircnccedilias mais a~tigas de um comportamento riacutetmico do middothomem e assinalam a certeza de qle obullgtafismo se inicia no abstrato-e caminha em direccedilatildeo agrave figuraccedilatilde concretit Para o autor este caminho tantas vezes middotseguido pelas artes histoacutericas leva-nos a admitir que c co1~respccedilmde a uma tendecircncia geral a um ciclo de maturaccedilatildeo onde o abstrato esteja realmente na base de uma expressatildeo graacutefica (slq 192) middot

middot middotmiddot As primeiras imagens figurativas comeccedilam a aparecer mais aacutebutJdantemente a partir de mais ou menos 30 milan0s atraacutes tend0 como suporte paredes de grutas eacute objetos moacuteveis como annas Ccedilon~ centram-se middotprincipa~entena Europabullsendo quemiddot as imagens parietais encuacutentram-setiasicatneacutente restritas agrave Espanha Franccedila ~ sul da Itaacute_shylia As descobertas damiddotarte paleoliacuteticamiddot satildeo relaacutetivamente recentes e aconteceramquasesimultaneamente a gruta de Chabotmiddot (1878) e Altamiraj na Espacircfi1la(iS~l~)4 bull bull bull bull

middot middot I

4 Achados arqueqloacutegicos mal recentes no ParqiJe Naccedilionalda Serra da Capiv_ara no PiaUuml(atildetesIacuteam a preseacutenCcedila middot de figurasmiddot antropomoacuterfieacuteagraves erh rochagraves do siacutetio

Toca damiddotBaStianamiddot~ue (falariam cleacute30 mil anos middotjr arqlieacute(lloga irasileirabull Niecircde Guidon responsaacutevebpelas ccedille_scobertas publiCOJ ~rn Jl986 na col)ceituada

I~ ~~vista Na~ure Q~j IJ~vl~ ~i VE)Stfgios de oc_~Pa~p huni~namiddot ~o ~n~ineacutente americano de 50 m1l anos atraacutes Sua teselomou-se bastante polecircmica em melo

agraveeomunidademiddotCitmtffica um a vez qUacutee refutava a hipoacutetese-mais aceita de que o -continente havia_recebiqo as prmeira~migraccedilotildeeshumana paacute cerca de 12mil anospela passagem do estreito de Bering lnformaccedilocircesciriais detalhadaacutes pOshydem ~e r endgtniacutefaetatildes no Iacutenfoacutermatlvci da Sobleacutedade Brasileiragrave paraacute oacute Progresso

middot da Ciecircncia Wwwjomaldacienciaorgbr bull

Alberto klei~

Seriam agraves pinturas e inscriccedilotildees parietais e moacuteveis do paleoliacutetico frutos dacapacidade imaginativa do artistaou manifestaccedilotildees religioshysas A dificuldade de responder a esta- questatildeo nasce justamente do fato de nosso olhar sobre a preacute-histoacuteria se contaminar de noccedilotildees atuais de arte ebull religiatildeo Poderiacuteamos neste instante concor-dar com Edgar Morin segundo o qual os fenocircmenos maacutegicos satildeo potencishyalmente esteacuteticos e os fenocircmenos middotesteacuteticosmiddot satildeo potencialmente maacutegicos (sd p98) Se se separar o artista do homem religioso a discussatildeo perde solidez conforme nos alerta Leroi-Gourhan Suas mensagens atraveacutes das figuras respondem a uma necessidade ao mesmo middot tempo jlsica middot e ps(quica de middotassegurar a apropriaccedilatildeo do tiniverso pelo indiviacuteduo ou grupo social de realizar a inserccedilatildeo do homem atraveacutes do aparelho simboacutelico no xampo movediccedilo~ aleatoacuterio que o envolve (sd 81-2) Este aparelho simboacutelico natildeo pode ser despido de um pensamento miacutetico e maacutegico Defrontamoshynos agora com as primeiras evidecircncias de uma relaccedilatildeo maacutegica entre homem e imagem e middotomiddotsuporte para as primeiras figuras desenhadas satildeo principalmente as paredes de grutas

Quais eram os temas mitoloacutegicos inscritos nas cavernas que este homem nos deixou Os estudos e anaacutelises empreendidos por Leroi-Gourhan satildeo uma das principais contribuiccedilotildees de sua obra A partir de um inventaacuterio destas figuras o paleontoacutelogo francecircs consshytatou trecircs nuacutecleos temaacuteticos que envolvem toda a arte no paleoliacutetico a saber animais seres humanos e signos Estes uacuteltimos apesar de sua natureza abstrata satildeo considerados pelo autor como siacutembolos sexuais do masculino e do feminino middotUma constataccedilatildeo impressioshynante eacute que natildeo haacute muitas variaccedilotildees de sentido nessas figuras messhymo cobrindo um periacuteodo que vai de 30 mil anos a C ateacute nove mil anos a C As anaacutelis~s e agravessociaccedilotildees feitas por Leroi-Gourhan pershymitem conCluir que animais (cavalo e bisonte aparecem COJl1 abunshydacircncia) figuras humanas e signos que aparecem muitas vezes com o seu par oposto constituem um tema binaacuterio com representaccedilotildees simboacutelicas do masculino e do feminino Uma das tarefas do autor eacute cruzar os nuacutecleos e tentar decifrar seus temas o que nos leva para um campo de dados probabiliacutesticos Apesar das sombras que pairam sobre a religiosidade na preacute-histoacuteria o paleontoacutelogo francecircs conclui

Significaccedilatildeo 23 bull 190

lmagen~ arqueologia e conceitos

q~e a co~stacircncia dos temas 4lfaQte um lqngo petjodo datildeo provas de um sistema simboacutelico de crenccedilas mais complexo do que se ~magishynara Assim afirma ao finalde seu livro

F al~a1rlnos ainda elementos para ccedillescreyer o progresvo enriqu~ccedil~mento e as variaccedilotildees regionqis do aparelho

mito graacutefico entre o firrz dp Solutrense e middoto Maqalenimse Meacutedio entre 15000 e 12 000 Conjuntos admirayccedillmente homogecircneos () atestanz que nesta eacutepqca entre o Loire e os Pirineus natildeo soacute o grupo central se tornou muito denso com a sua combinaccedilatildeo de pares de anim~ismiddot emshyparelhados por espeacuteci~s diferentes como ainda asjiguras de homens compoacutesitos os felinos os rinocerontes e ps animais sem cabeccedila que povoam os fundos criaram uma retaguarda densa de siacutembolos vinculados agrave zona mais iacutentima do misteacuterio (sd 134)

A conclusatildeo do autor acercado binarismo da arte paleoliacutetica converge com a posiccedilatildeo de Ivan Bystrina de que o middotprocesso de codificaccedilatildeo semioacutetica mais arcaico eacute o binaacuterio Dividir o mundo em dois representaria o modo pelo qual o homem comeccedila a organizar todo o aparato simboacutelico que o envolve As percepccedilotildees do masculino e do feminino damiddot noite e do dia das sensaccedilotildees de prazer e dor presentes na realidade biofisica do homem inspirariam aformaccedilatildeo de textos culturais com caracteriacutesticas duais No processo de desenshyvolvimento ontogecircnico do ser humano Harry Pross trata semelhantemente das experiecircncias preacute-predicativas do claroescuro e dentrofora constituindo-se como as raiacutezes da experiecircncia do hoshymem Por serjustamente a mais arcaica a divisatildeo binaacuteria eacute o mais forte modo de codificar a realidade No Cristianismo a ideacuteia do mal contrapondo-se a Deus encama-se na figura do Diabo5

no cinema e nas nove1as narrativas que possuem um acirrado dualismo satildeo as

I

5 A existecircncia do Diabo ou de um mal encamado natildeo estaacute muito clara no Antigo Testamento Apoacutes o cativeiro babilocircnico dos judeus e o consequumlente contato oom o Masdefsmo e o Zoroastrismo suas referecircncias se tornam claras e abundantes no Novo Testamento Portanto quando nasce o Cristianismo sua

Significaccedilatildeo 23 bull 191

que fazem maioacuter sucesso pois facilitam a absorccedilatildeo da mensagem pelo telespectadot middot

Aleacutem do binarismo doniinante nas figuras paleoliacuteticas po~ demos entrever tambeacutem um compromisso maacutegico na relaccedilatildeo entre homem e imagem a partir do qual oacute homem estende seu domiacutenio sobre a natureza Embora faltem elenierttos middot- seguros e comprobatoacuterios Leroi-Gourhan admite que o maioacuter argumento em favor deste comportamento estaacute nas imagens feridas de cavalos ou bisontes Isto poderia indicar um ritual a fim de garantir o ecircxito da caccedila Curioso poreacutem eacute que aacutes feridasmiddot aparecem soacutemente em 4 dasmiddot figuras de animais o que natildeo exclui a possibilidade de que o ferimento de um animal valeria tambeacutem para todo o rebanho O que estaacute middotemmiddot discussatildeo eacute a presenccedila demiddot uma mentalidade maacutegica que manipula siacutembolos com o objetivo de suprir eficazmente suas necessidades cotidianas~ Nas palavras de Jacques Maritain o signo maacutegico natildeo apenas faz os homens conhecerem ele faz as coisas serem eacute uma causa eficiente em si mesma (apud Notildeth 1996 p38) A magia implica em uma crenccedila de que as coisas possuem uma dupla existecircncia na qual os limites entre o signo e-o objeto representado encontram-se difusos O cavalo estaacute presente em -sua imagem ou melhor a imagem mental evocada pelo significante pode se confundir com o proacuteprio cavalo Eacute assim que passamos a projetar nossas visotildees sobre o mundo exterior ateacute ao ponto em que ambos se misturam A partirdo grafismo e da arte figurativa preacute-histoacuterica Edgar Morin vecirc traccedilos bastante convincentes deste encantamento do mundo

Portanto o que o grafismo mural nos revela eacute a ligaccedilatildeo imaginaacuteria com o mundo Por um lado a palavra o sinal o siacutembolo a figuraccedilatildeo vatildeo ininterruptamente re-apresentar ao espiacuterito mesmo na ausecircncia dele~ os seres e as coisas do mundo exterior e num certo sentido esses seres -e essas coisas pas~am a ser dotados de wn poder de invasatildeo Por outro lado satildeo as imagens mentais que invadem o mundo exterior Eacute nesta confusatildeo e para transpor esta

figura jaacute hagravevia sido fortemente caracterizada Sobre a histoacuteria do Diabo e as forma que ele assume no Cristianismo remetemos o leitor ao livro O Diabo no Imaginaacuterio Cristatildeo de Carlos Roberto F Nogueira

Significaccedilatildeo 23 bull 192

Imagembull arqueologia e conceitos

confusatildeo que se constroem o mito e a magia quer dizer uma organizaccedilatildeo ideoloacutegica e praacutetica daligaccedilatildeo imaginaacuteria COI)l o mando (sdlOO

Os exemplos dessa maneira maacutegica middotde pensar o mundo natildeo se esgotam no paleoliacutetico muito menos nas culturas primevas cooacuteJemporacircneas pois encontram-se tambeacutem nbs domiacuteniosmiddotdas divefsas fohilasmiddotde teliacute~iosidaacirce coritempocirctacirchea A proacuteptiaq-ustatildeo do uso dos iacutecones religiosos evidencia em muitos casos este compromisso hiaacutegicb e~tab~lecido com agravesimagens o antropoacutelogo James Prazer imbuiacutedbdeVmii vlisatilde6 positivistaassim se expressa a respeit0 da rhagia ( homem confundiu a middotordem de siuacutes UacuteUacuteias com a ordem da na tuteia~ iSsuumln imaginJu quemiddoto cdntroleacute que tem ou parece termiddot sobremiddot oacuteS seus pensainentOs perinitiuacute-lheacute exercitar um controle correspondente sobre as coisas (apud Notildeth 1996 p40) middot

Ao problema da imagem estaacute sempre ligada a questatildeo do duplo middotEspelho simulacro figlfraccedilatildeo a magia irrompe com intensishydade variaacutevel indepertdetiteniacuteehte da cultura tempo ou dos suporshytesmiddotque a imagem toma questiol)ando () homem sobre os limiares semi oacuteticos da representaccedilatildeo Muitas vezes a imagem eacute tomadagrave como mentira e se encontra diante da fuacute~ia dos ic()noc~asta~ mas a magia volta pois os fenocircmenos esteacuteticos satildeo potencialmente maacutegicos confmme nos _lembra Morin Je~dt Narciso(a ele estaacute associado o termo narcose) o encantamento ainda per~j~te Mas com ele conyivem col)traditoriamente a saturaccedilatildeo e a banalizaccedilatildeo em uma eacutepoca cob~rta pelas miacutedias middot middot

-Bibliografia

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~ middotmiddot

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Alberto klein

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PROSS H 1980 Estructura simboacutelica dei poder Barcelona Gustavo Gili

Significaccedilatildeo 23 bull 194

_ ~lberto klein

O filoacutesofo e socioacutelogo alematildeo Dietmar Kamp~r em A Estrutura Temporal das Imagens nos diz que nossa oacuterbita ocular eacute palco de uma derrota secular da visatildeo A velocidade e saturaccedilatildeo de imagens em um universo coberto pelos meios de comunicaccedilatildeo serishyam os perpetradores dessa derro~ Em wp outro texto Imanecircncia dos Media e -Corporeidade Transcendental Kamper nos pergunta se haacute algum mundo aleacutem dos media ou se eles jaacute cobriram tudo

Agrave crise do olhar em razatildeo ccedille um universo tomado por imashygens estaacute ligada agrave faacutebula de Borges citada por Baudrillard no iniacutecio de seu Simulacros e Simulaccedilatildeo A estoacuteria nos fala de um rei que encomendou aos c~rtoacutegra~os de seu reino um mapa que represenshytasse perfeitamete a ~eografia de seu paiacutes O resultado acabou ficando tatildeo perfeito que a obra acabou cobrindo totalmente o territoacuterio Esta faacutebula serve para Baudrillard nos assegurar que hoje habitamos o mapa e natildeo mais o temtoacuterio cujos iagmentos apodrecem lentashymente sobre a extensatildeo do mapa (1991 p8)

Kamper apresenta-nos na Enciclopeacutedia Antropoloacutegica Cosshymo Corpo e Cultura um sentido ambiacutevalente na origem da palavra alematilde equivalente agrave imagem bild Do antigo alto alematildeo billid enshyg~oba significados como forma essecircncia imagem coacutepia ou reprodushyccedilatildeo Haacute assim um problema portanto desde o iniacutecio em que a repreacutesentaccedilatildeo daacute lugar agrave magia jaacute que bild pode designar a presenccedila de uma essecircncia Kamper deste modo nos diz que originariamente a imagravegem tein como objetivomiddot reproduzir apresentar e desenhar Soshybre a magia evidenciadara ambivalecircncia do conceito diz o autor Esta posiCcedilatildeo mUtaacutev~l entremiddoturna ordem maacutegica da pIacuteeriacutea presenccedila na qual a imageacutem eacute idecircntica agravequilo que mostra e uma ordem da representaccedilatildeo qiuacute tende ao vazio () nunca se perdeu de todo (2002) Ocirc sacramento da Eucaristia e a veneraccedilatildeo de imagens dos santos na igreja satildeo prova evidente deacute que-os vestiacutegios da magia natildeo se perderam middot

O que podeacutemos dizer da sacralizaccedilatildeo das imagens publicitaacuteshyrias segundo este peacutensamento Ao mesmo tempo em que ocorre uma banalizaccedilatildeo das imagens devido ao seu excesso em nosso cotishydiano devemos tambeacutem middotadmitir um esforccedilo em divinizar produtos atraveacutes de imagens o que nos leva fatalmente agrave onipresenccedila do

Significaccedilatildeo 23 bull 184

Imagem arqueologia e conceitos

espetaacuteculo em nossa sociedade Trata-se aiacute da tentativa de recuperar um poder que as imagens rituais exerciam sobre o homem mesmo que residualmente O objetivo eacute claramente provocar encantamenshyto e para tanto deve-se tentar sobressair diante do gigantismo assumido pelas imagens no espaccedilo urbano Outdoors ficam cada vez maiores e acabam inaugurando uma disputa domiddotespaccedilo pelas imagens como afirma Baitello (2003 p80) Recentemente middotaagecircnshycia de publicidade DPZ em um anuacutencio fixou um automoacutevel na sushyperficie de um outdoor em uma avenida da capital paulista exemplo claro de fazer a imagem confundir-se com o proacuteprio objeto evidencishyando uma intenccedilatildeo maacutegica Do mesmo modo o culto dedicado aos liacutederes poliacuteticos e o patrociacutenio da cultura de massa agrave veneraccedilatildeo das estrelas do show business mostram a forccedila do encantamento exershycido pelas imagens ainda na entrada do seacuteculo XXI

Um outro desafio se apresenta ao lidarmos com a questatildeo da representaccedilatildeo siacutegnica da imagem Sobre isto vale a pena citarshymos a polecircmica acerca da natureza da imagem entre o semioticista Winfried Notildeth e o respeitado pesquisador Hans Belting conforme nos relata Benjamin Burkhardt no artigo Controveacutersia em Torno de uma Ciecircncia das Imagens No iniacutecio de 2004 em um encontro acashydecircmico na Alemanha Notildeth argumentava haver uma deficiecircncia semioacutetica nas pesquisas de Belting em razatildeo deste ignorar a natureshyza siacutegnica das imagens ao passo que este uacuteltimo acusava a semi oacutetica de reduzir a imagem ao conceito de signo dando a ela um caraacuteter unicamente representacional Abaixo a Imagem e Todo Poder ao Signo era o prov()cativo tiacutetulo da conferecircncia de Belting De fato a noccedilatildeo de signo toma-se insuficiente para abrigar toda forccedila irradiadora da imagem sendo por isso que a Semioacutetica da Cultura privilegiou o conceito de texto A imagem enquanto objeto da cultura jaacute se apreshysenta como uma unidade complexa de natureza narrativa como um encadeamento de elementos que se dialogam compondo uma histoacuteshyria que lhe confere um sentido e uma funccedilatildeo cultural Esta controshyveacutersia portanto estaria resolvida se ao inveacutes de um signo nos deshyfrontaacutessemos com um texto pois a ambivalecircncia das imagens e o seu poder exercido sobre o homem soacute podem ser deslindados em uma unidade miacutenima narrativa e complexa

Significaccedilatildeo 23 bull 185

Albertomiddotklein

O que satildeo imagens entatildeo De um ponto de vista da cultura e levando em consideraccedilatildeo o aspecto material do objeto imagens satildeo textos culturais construiacutedos pelo homem frutos de sua imagishynaccedilatildeo que duplicaram o seu mundo e seu imaginaacuterio dando~ lhe forshymas figurativas ou abstratas nos mais diversos suportes visuais As diferentes funccedilotildees e naturezas das imagens em diferentes eacutepocas congregam a ambivalecircnciamiddot da distacircncia representativa e de sua parshyticipaccedilatildeo na essecircncia do que estaacute por detraacutes delas Representaccedilatildeo e presentificaccedilatildeo satildeo dois limites (natildeo deixando de observar as inuacuteshymeras possibilidades gradativas )entre os quais percorre o poder que as imagens sempre exerceram sobre o homem

A arqueologia da imagem

Neste item seraacute analisada apenas a origem das imagens mashyteriais produzidas pelo homem deixando de lado o problema das imagens mentais pois este eacute um fenocircmeno que transcende obviashymente o gecircnero H orno

Um dos maiores problemas ao nos defrontarmos com a preacuteshyhistoacuteria da humanidade como nos alerta Leroi~Gourhan eacute que lida- middot mos quase somente com dados probabiliacutesticos o que limita uma reconstituiccedilatildeo das praacutetiacutecas atitudes do homem preacute-histoacuterico frente agraves imagens e do poder nelas investido Todos estes elementos natildeo satildeo fossilizaacuteveis e portanto cabe ao estUdioso interpretaacute-los atra~ v eacutes de pistas deixadas pelos nossos anceStrais Outra dificuldade eacute middot que denominamos como preacute-histoacuteria um periacuteodo de longas e sucesshysivas etapas do processo de evoluccedilatildeo humana que remontaacutea alguns middot milhotildees de anos e que durou ateacute mais ou menos dez mil anos atraacutes Estamos tratando portanto natildeo de um homem mas de luna variedade de espeacutecies H o mo que ao longo do tempo foram extintas pela seleccedilatildeo natural ateacute culminarem no H orno sapiens haacute cerca de cem mil anos

A questatildeo da religiosidade do homem preacute-histoacuterico estaacute ligashyda muitas vezes ao problema do surgimento das primeiras imagens pois delas se extraiacuteam provavelmente temas mitoloacutegicos muito embora seja possiacutevel identificar a presenccedila de um pensamento religioso antes mesmo do periacuteodo figurativo no paleoliacutetico superior

Significaccedilatildeo 23 bull 186

lmagema~queologia e conceitos

Uma vez que o terreno eacute movediccedilo ao inveacutes de perguntarmos quanshydo surgiu a centelha religiosa na humanidade seria melhor indagarshymos em que etapa do processo evolutivo percebemos sinais de que o homem eacute religioso Mircea Eliade que natildeo eacute um estudioso da preacute-histoacuteria objeta a este tipo dequestionamento pois para ele a religiosidade natildeo eacute fruto de uma etapa do processo evolutivo ao inveacutes disso ela constitui uma estrutura na mente humana ( 1978 pl3 ) Devemos nos lembracde que agravereligiosidade mitos e ritos praticados pelo homem preacute~ histoacuterico estatildeo profundamente vinculados agrave questatildeo da emergecircncia da cultura conforme assinalam Ivan Bystrina e Edgar Morin

Em seu livro As Religiotildees da Preacute-histoacuteria tiacutetulo que esshyconde as verdadeiras intenccedilotildees da obra Leroi-Gourhan toma como desafio discutir esse tema e responder a esses questionamentos O paleontoacutelogo avisa ao leitor contudo que em sua anaacutelise justamente por falta de materiais que possibilitem uma separaccedilatildeo conceitual natildeo seraacute feita nenhuma distinccedilatildeo entre religiatildeo e magia De qualquer modo haveria indiacutecios de detectar a crenccedila em algo transcendente Assim Leroi-Gourhan defende que as manifestaccedilotildees e oacutebjetos produzidos pelo homem que natildeo poderiam ser explicados por razotildees de sobrevivecircncia fiacutesica da espeacutecie poderiam apontar para a religiosidade deste homem a presenccedila do ocre no habitat do hoshymem de Neander(hal eacute considerada um fato religioso porque natildeo eacute explicaacutevelpor necessidades de sobrevivecircncia material (s d p26) Portanto haacute motivos claros para atestar o pensamento religioso no homem a partir do paleoliacutetico superior a partir de cerca de 50 mil anos atraacutes Embora faltem elementos suficientes para comprovaruma religiosidade mais tardia pode-se contudo admiti-la

Feitas estas reservas natildeo haacute nenhuma razatildeo vaacutelida para recusarmiddot aos antropiacutedeosmiddot paleoliacuteticos preocupaCcedilotildees de caraacuteter misterioso quanto mais natildeo fosse porque a sua inteligecircncia da mesma natureza senatildeo do mesmo niacutevel da do homo sapiens implica a mesma reaccedilatildeo em face do anormal e do middotinexplicaacutevel middotO homem desde as primeiras formas ateacute a nossa inaugurou e desenvolveu a reflexatildeo

Significaccedilatildeo 23 bull 187

Alberto kleiacuten

ou seja a capacidade para-traduzir middotem siacutembolos a realidade material do mundo que o envolvia Aproprie- dade middotelementar da linguacuteagem consiste em criar paraleshylamente aobull mundo exterior um middotmUndo todo poderoso de siacutembolos sem os quais a inteligecircncia se revelaria ineficaz (sd~ p26)

Ivan Bystrina amparado pocriteacuterio deLeroi-Gourhan para detecccedilatildeo do pensamento maacutegico e religioso no homem cria o conshyceito de segunda realidade como o domiacutenio domiddots mitos rituais ma- -gia religiatildeo artes e todas as manifestaccedilotildees que natildeo se explicam por necessidades de soJgtrevivecircncia material do homem -uuml elemento fundante desta segundamiddot realidade que para Bystrina equivale ao conceito de cultura seria a consciecircncia damortei Se esta eacute o maior middot obstaacuteculo -daprimeira realidade (realidade biofisica e teacutecnica do hoacutemeril~ exigindo mecanismos de sobrevivecircncia material) eacute possiacutevel somente superaacute-la no plano simboacutelico Daiacute eacute que se middotestabelecem os shycompromissos hmnanos middotcommiddotos deuses e a -magia que a partir de entatildeo vatildeomiddot governara vida humana A cultura neste sentido eacute fruto da experiecircncia-humana da-morte~ Os vestigiqs de que o homem pratica rituais de enterro demiddot seus ~semelhantes haacute pelo menos somiddotmil anos muitas vezescomacompanhamento de floresjuntoacute ao oorpo aacutejmntam -tambeacutemapres~nccedila de uin rico universo simboacutelicoacutetoinadojaacute poacutermiddotum pensagravementomaacutegicoacute Em muitos casos as armas e utensiacutelios eram middot depositadosjunto com o morto o quacutee indicaria segundomiddot Edgar Morin umapossiacutevelmiddotpreservaccedilatildeo da-identidade depois da~morteacute -Umoutro middot casointeressaritesatildeo corposinurnados em-posiccedilatildeofetal evidenciandomiddot a middotcrenccedila middotdecrenasmiddotuacutemento depois da mortemiddot_ As priiacuteneirasmiddotpistagraves dos -funerais preacute-histoacutericos ainda natildeo registram o aparecimento de uma arte figurativa~ que comeCcedilaria a-evoluir posteriormente -

t~o que Bystrinagravechania-desegunda realidade Edgar Morin denominamiddot segunda existecircncia o domiacutenio deste uacuteniverso simboacutelico Tal como Bystrina Morin tambeacutem acredita no papel damorte como fundadora deste universo no decorrer do processo de hominizaccedilatildeo Em uma de suas principais -obras O Paradigma Perdido o autor assim se expressa

Significaccedilatildeo 23 bull 188

)i1iiMiacuten middot~r~Jeologla e conceitos

- r PorUacuteUacuteitD~tudo middotnos indicaquebullo Homor~apienHigtatinizdo ~middot pila ~ miJrte como por- uhza cataacute~trofe-uumlx~m~d~aacuten~lque

middot middot ~I middot vaf tfazer torisigo uma ansiedade espepiacutejjca 4 a_nguacutestia ou o hotilderror da morte que a presenccedila di morte pgssa a

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middot middotmiddot As primeiras imagens figurativas comeccedilam a aparecer mais aacutebutJdantemente a partir de mais ou menos 30 milan0s atraacutes tend0 como suporte paredes de grutas eacute objetos moacuteveis como annas Ccedilon~ centram-se middotprincipa~entena Europabullsendo quemiddot as imagens parietais encuacutentram-setiasicatneacutente restritas agrave Espanha Franccedila ~ sul da Itaacute_shylia As descobertas damiddotarte paleoliacuteticamiddot satildeo relaacutetivamente recentes e aconteceramquasesimultaneamente a gruta de Chabotmiddot (1878) e Altamiraj na Espacircfi1la(iS~l~)4 bull bull bull bull

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4 Achados arqueqloacutegicos mal recentes no ParqiJe Naccedilionalda Serra da Capiv_ara no PiaUuml(atildetesIacuteam a preseacutenCcedila middot de figurasmiddot antropomoacuterfieacuteagraves erh rochagraves do siacutetio

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I~ ~~vista Na~ure Q~j IJ~vl~ ~i VE)Stfgios de oc_~Pa~p huni~namiddot ~o ~n~ineacutente americano de 50 m1l anos atraacutes Sua teselomou-se bastante polecircmica em melo

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Alberto klei~

Seriam agraves pinturas e inscriccedilotildees parietais e moacuteveis do paleoliacutetico frutos dacapacidade imaginativa do artistaou manifestaccedilotildees religioshysas A dificuldade de responder a esta- questatildeo nasce justamente do fato de nosso olhar sobre a preacute-histoacuteria se contaminar de noccedilotildees atuais de arte ebull religiatildeo Poderiacuteamos neste instante concor-dar com Edgar Morin segundo o qual os fenocircmenos maacutegicos satildeo potencishyalmente esteacuteticos e os fenocircmenos middotesteacuteticosmiddot satildeo potencialmente maacutegicos (sd p98) Se se separar o artista do homem religioso a discussatildeo perde solidez conforme nos alerta Leroi-Gourhan Suas mensagens atraveacutes das figuras respondem a uma necessidade ao mesmo middot tempo jlsica middot e ps(quica de middotassegurar a apropriaccedilatildeo do tiniverso pelo indiviacuteduo ou grupo social de realizar a inserccedilatildeo do homem atraveacutes do aparelho simboacutelico no xampo movediccedilo~ aleatoacuterio que o envolve (sd 81-2) Este aparelho simboacutelico natildeo pode ser despido de um pensamento miacutetico e maacutegico Defrontamoshynos agora com as primeiras evidecircncias de uma relaccedilatildeo maacutegica entre homem e imagem e middotomiddotsuporte para as primeiras figuras desenhadas satildeo principalmente as paredes de grutas

Quais eram os temas mitoloacutegicos inscritos nas cavernas que este homem nos deixou Os estudos e anaacutelises empreendidos por Leroi-Gourhan satildeo uma das principais contribuiccedilotildees de sua obra A partir de um inventaacuterio destas figuras o paleontoacutelogo francecircs consshytatou trecircs nuacutecleos temaacuteticos que envolvem toda a arte no paleoliacutetico a saber animais seres humanos e signos Estes uacuteltimos apesar de sua natureza abstrata satildeo considerados pelo autor como siacutembolos sexuais do masculino e do feminino middotUma constataccedilatildeo impressioshynante eacute que natildeo haacute muitas variaccedilotildees de sentido nessas figuras messhymo cobrindo um periacuteodo que vai de 30 mil anos a C ateacute nove mil anos a C As anaacutelis~s e agravessociaccedilotildees feitas por Leroi-Gourhan pershymitem conCluir que animais (cavalo e bisonte aparecem COJl1 abunshydacircncia) figuras humanas e signos que aparecem muitas vezes com o seu par oposto constituem um tema binaacuterio com representaccedilotildees simboacutelicas do masculino e do feminino Uma das tarefas do autor eacute cruzar os nuacutecleos e tentar decifrar seus temas o que nos leva para um campo de dados probabiliacutesticos Apesar das sombras que pairam sobre a religiosidade na preacute-histoacuteria o paleontoacutelogo francecircs conclui

Significaccedilatildeo 23 bull 190

lmagen~ arqueologia e conceitos

q~e a co~stacircncia dos temas 4lfaQte um lqngo petjodo datildeo provas de um sistema simboacutelico de crenccedilas mais complexo do que se ~magishynara Assim afirma ao finalde seu livro

F al~a1rlnos ainda elementos para ccedillescreyer o progresvo enriqu~ccedil~mento e as variaccedilotildees regionqis do aparelho

mito graacutefico entre o firrz dp Solutrense e middoto Maqalenimse Meacutedio entre 15000 e 12 000 Conjuntos admirayccedillmente homogecircneos () atestanz que nesta eacutepqca entre o Loire e os Pirineus natildeo soacute o grupo central se tornou muito denso com a sua combinaccedilatildeo de pares de anim~ismiddot emshyparelhados por espeacuteci~s diferentes como ainda asjiguras de homens compoacutesitos os felinos os rinocerontes e ps animais sem cabeccedila que povoam os fundos criaram uma retaguarda densa de siacutembolos vinculados agrave zona mais iacutentima do misteacuterio (sd 134)

A conclusatildeo do autor acercado binarismo da arte paleoliacutetica converge com a posiccedilatildeo de Ivan Bystrina de que o middotprocesso de codificaccedilatildeo semioacutetica mais arcaico eacute o binaacuterio Dividir o mundo em dois representaria o modo pelo qual o homem comeccedila a organizar todo o aparato simboacutelico que o envolve As percepccedilotildees do masculino e do feminino damiddot noite e do dia das sensaccedilotildees de prazer e dor presentes na realidade biofisica do homem inspirariam aformaccedilatildeo de textos culturais com caracteriacutesticas duais No processo de desenshyvolvimento ontogecircnico do ser humano Harry Pross trata semelhantemente das experiecircncias preacute-predicativas do claroescuro e dentrofora constituindo-se como as raiacutezes da experiecircncia do hoshymem Por serjustamente a mais arcaica a divisatildeo binaacuteria eacute o mais forte modo de codificar a realidade No Cristianismo a ideacuteia do mal contrapondo-se a Deus encama-se na figura do Diabo5

no cinema e nas nove1as narrativas que possuem um acirrado dualismo satildeo as

I

5 A existecircncia do Diabo ou de um mal encamado natildeo estaacute muito clara no Antigo Testamento Apoacutes o cativeiro babilocircnico dos judeus e o consequumlente contato oom o Masdefsmo e o Zoroastrismo suas referecircncias se tornam claras e abundantes no Novo Testamento Portanto quando nasce o Cristianismo sua

Significaccedilatildeo 23 bull 191

que fazem maioacuter sucesso pois facilitam a absorccedilatildeo da mensagem pelo telespectadot middot

Aleacutem do binarismo doniinante nas figuras paleoliacuteticas po~ demos entrever tambeacutem um compromisso maacutegico na relaccedilatildeo entre homem e imagem a partir do qual oacute homem estende seu domiacutenio sobre a natureza Embora faltem elenierttos middot- seguros e comprobatoacuterios Leroi-Gourhan admite que o maioacuter argumento em favor deste comportamento estaacute nas imagens feridas de cavalos ou bisontes Isto poderia indicar um ritual a fim de garantir o ecircxito da caccedila Curioso poreacutem eacute que aacutes feridasmiddot aparecem soacutemente em 4 dasmiddot figuras de animais o que natildeo exclui a possibilidade de que o ferimento de um animal valeria tambeacutem para todo o rebanho O que estaacute middotemmiddot discussatildeo eacute a presenccedila demiddot uma mentalidade maacutegica que manipula siacutembolos com o objetivo de suprir eficazmente suas necessidades cotidianas~ Nas palavras de Jacques Maritain o signo maacutegico natildeo apenas faz os homens conhecerem ele faz as coisas serem eacute uma causa eficiente em si mesma (apud Notildeth 1996 p38) A magia implica em uma crenccedila de que as coisas possuem uma dupla existecircncia na qual os limites entre o signo e-o objeto representado encontram-se difusos O cavalo estaacute presente em -sua imagem ou melhor a imagem mental evocada pelo significante pode se confundir com o proacuteprio cavalo Eacute assim que passamos a projetar nossas visotildees sobre o mundo exterior ateacute ao ponto em que ambos se misturam A partirdo grafismo e da arte figurativa preacute-histoacuterica Edgar Morin vecirc traccedilos bastante convincentes deste encantamento do mundo

Portanto o que o grafismo mural nos revela eacute a ligaccedilatildeo imaginaacuteria com o mundo Por um lado a palavra o sinal o siacutembolo a figuraccedilatildeo vatildeo ininterruptamente re-apresentar ao espiacuterito mesmo na ausecircncia dele~ os seres e as coisas do mundo exterior e num certo sentido esses seres -e essas coisas pas~am a ser dotados de wn poder de invasatildeo Por outro lado satildeo as imagens mentais que invadem o mundo exterior Eacute nesta confusatildeo e para transpor esta

figura jaacute hagravevia sido fortemente caracterizada Sobre a histoacuteria do Diabo e as forma que ele assume no Cristianismo remetemos o leitor ao livro O Diabo no Imaginaacuterio Cristatildeo de Carlos Roberto F Nogueira

Significaccedilatildeo 23 bull 192

Imagembull arqueologia e conceitos

confusatildeo que se constroem o mito e a magia quer dizer uma organizaccedilatildeo ideoloacutegica e praacutetica daligaccedilatildeo imaginaacuteria COI)l o mando (sdlOO

Os exemplos dessa maneira maacutegica middotde pensar o mundo natildeo se esgotam no paleoliacutetico muito menos nas culturas primevas cooacuteJemporacircneas pois encontram-se tambeacutem nbs domiacuteniosmiddotdas divefsas fohilasmiddotde teliacute~iosidaacirce coritempocirctacirchea A proacuteptiaq-ustatildeo do uso dos iacutecones religiosos evidencia em muitos casos este compromisso hiaacutegicb e~tab~lecido com agravesimagens o antropoacutelogo James Prazer imbuiacutedbdeVmii vlisatilde6 positivistaassim se expressa a respeit0 da rhagia ( homem confundiu a middotordem de siuacutes UacuteUacuteias com a ordem da na tuteia~ iSsuumln imaginJu quemiddoto cdntroleacute que tem ou parece termiddot sobremiddot oacuteS seus pensainentOs perinitiuacute-lheacute exercitar um controle correspondente sobre as coisas (apud Notildeth 1996 p40) middot

Ao problema da imagem estaacute sempre ligada a questatildeo do duplo middotEspelho simulacro figlfraccedilatildeo a magia irrompe com intensishydade variaacutevel indepertdetiteniacuteehte da cultura tempo ou dos suporshytesmiddotque a imagem toma questiol)ando () homem sobre os limiares semi oacuteticos da representaccedilatildeo Muitas vezes a imagem eacute tomadagrave como mentira e se encontra diante da fuacute~ia dos ic()noc~asta~ mas a magia volta pois os fenocircmenos esteacuteticos satildeo potencialmente maacutegicos confmme nos _lembra Morin Je~dt Narciso(a ele estaacute associado o termo narcose) o encantamento ainda per~j~te Mas com ele conyivem col)traditoriamente a saturaccedilatildeo e a banalizaccedilatildeo em uma eacutepoca cob~rta pelas miacutedias middot middot

-Bibliografia

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~ middotmiddot

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Significaccedilatildeo 23 bull middot193

Alberto klein

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Significaccedilatildeo 23 bull 194

Imagem arqueologia e conceitos

espetaacuteculo em nossa sociedade Trata-se aiacute da tentativa de recuperar um poder que as imagens rituais exerciam sobre o homem mesmo que residualmente O objetivo eacute claramente provocar encantamenshyto e para tanto deve-se tentar sobressair diante do gigantismo assumido pelas imagens no espaccedilo urbano Outdoors ficam cada vez maiores e acabam inaugurando uma disputa domiddotespaccedilo pelas imagens como afirma Baitello (2003 p80) Recentemente middotaagecircnshycia de publicidade DPZ em um anuacutencio fixou um automoacutevel na sushyperficie de um outdoor em uma avenida da capital paulista exemplo claro de fazer a imagem confundir-se com o proacuteprio objeto evidencishyando uma intenccedilatildeo maacutegica Do mesmo modo o culto dedicado aos liacutederes poliacuteticos e o patrociacutenio da cultura de massa agrave veneraccedilatildeo das estrelas do show business mostram a forccedila do encantamento exershycido pelas imagens ainda na entrada do seacuteculo XXI

Um outro desafio se apresenta ao lidarmos com a questatildeo da representaccedilatildeo siacutegnica da imagem Sobre isto vale a pena citarshymos a polecircmica acerca da natureza da imagem entre o semioticista Winfried Notildeth e o respeitado pesquisador Hans Belting conforme nos relata Benjamin Burkhardt no artigo Controveacutersia em Torno de uma Ciecircncia das Imagens No iniacutecio de 2004 em um encontro acashydecircmico na Alemanha Notildeth argumentava haver uma deficiecircncia semioacutetica nas pesquisas de Belting em razatildeo deste ignorar a natureshyza siacutegnica das imagens ao passo que este uacuteltimo acusava a semi oacutetica de reduzir a imagem ao conceito de signo dando a ela um caraacuteter unicamente representacional Abaixo a Imagem e Todo Poder ao Signo era o prov()cativo tiacutetulo da conferecircncia de Belting De fato a noccedilatildeo de signo toma-se insuficiente para abrigar toda forccedila irradiadora da imagem sendo por isso que a Semioacutetica da Cultura privilegiou o conceito de texto A imagem enquanto objeto da cultura jaacute se apreshysenta como uma unidade complexa de natureza narrativa como um encadeamento de elementos que se dialogam compondo uma histoacuteshyria que lhe confere um sentido e uma funccedilatildeo cultural Esta controshyveacutersia portanto estaria resolvida se ao inveacutes de um signo nos deshyfrontaacutessemos com um texto pois a ambivalecircncia das imagens e o seu poder exercido sobre o homem soacute podem ser deslindados em uma unidade miacutenima narrativa e complexa

Significaccedilatildeo 23 bull 185

Albertomiddotklein

O que satildeo imagens entatildeo De um ponto de vista da cultura e levando em consideraccedilatildeo o aspecto material do objeto imagens satildeo textos culturais construiacutedos pelo homem frutos de sua imagishynaccedilatildeo que duplicaram o seu mundo e seu imaginaacuterio dando~ lhe forshymas figurativas ou abstratas nos mais diversos suportes visuais As diferentes funccedilotildees e naturezas das imagens em diferentes eacutepocas congregam a ambivalecircnciamiddot da distacircncia representativa e de sua parshyticipaccedilatildeo na essecircncia do que estaacute por detraacutes delas Representaccedilatildeo e presentificaccedilatildeo satildeo dois limites (natildeo deixando de observar as inuacuteshymeras possibilidades gradativas )entre os quais percorre o poder que as imagens sempre exerceram sobre o homem

A arqueologia da imagem

Neste item seraacute analisada apenas a origem das imagens mashyteriais produzidas pelo homem deixando de lado o problema das imagens mentais pois este eacute um fenocircmeno que transcende obviashymente o gecircnero H orno

Um dos maiores problemas ao nos defrontarmos com a preacuteshyhistoacuteria da humanidade como nos alerta Leroi~Gourhan eacute que lida- middot mos quase somente com dados probabiliacutesticos o que limita uma reconstituiccedilatildeo das praacutetiacutecas atitudes do homem preacute-histoacuterico frente agraves imagens e do poder nelas investido Todos estes elementos natildeo satildeo fossilizaacuteveis e portanto cabe ao estUdioso interpretaacute-los atra~ v eacutes de pistas deixadas pelos nossos anceStrais Outra dificuldade eacute middot que denominamos como preacute-histoacuteria um periacuteodo de longas e sucesshysivas etapas do processo de evoluccedilatildeo humana que remontaacutea alguns middot milhotildees de anos e que durou ateacute mais ou menos dez mil anos atraacutes Estamos tratando portanto natildeo de um homem mas de luna variedade de espeacutecies H o mo que ao longo do tempo foram extintas pela seleccedilatildeo natural ateacute culminarem no H orno sapiens haacute cerca de cem mil anos

A questatildeo da religiosidade do homem preacute-histoacuterico estaacute ligashyda muitas vezes ao problema do surgimento das primeiras imagens pois delas se extraiacuteam provavelmente temas mitoloacutegicos muito embora seja possiacutevel identificar a presenccedila de um pensamento religioso antes mesmo do periacuteodo figurativo no paleoliacutetico superior

Significaccedilatildeo 23 bull 186

lmagema~queologia e conceitos

Uma vez que o terreno eacute movediccedilo ao inveacutes de perguntarmos quanshydo surgiu a centelha religiosa na humanidade seria melhor indagarshymos em que etapa do processo evolutivo percebemos sinais de que o homem eacute religioso Mircea Eliade que natildeo eacute um estudioso da preacute-histoacuteria objeta a este tipo dequestionamento pois para ele a religiosidade natildeo eacute fruto de uma etapa do processo evolutivo ao inveacutes disso ela constitui uma estrutura na mente humana ( 1978 pl3 ) Devemos nos lembracde que agravereligiosidade mitos e ritos praticados pelo homem preacute~ histoacuterico estatildeo profundamente vinculados agrave questatildeo da emergecircncia da cultura conforme assinalam Ivan Bystrina e Edgar Morin

Em seu livro As Religiotildees da Preacute-histoacuteria tiacutetulo que esshyconde as verdadeiras intenccedilotildees da obra Leroi-Gourhan toma como desafio discutir esse tema e responder a esses questionamentos O paleontoacutelogo avisa ao leitor contudo que em sua anaacutelise justamente por falta de materiais que possibilitem uma separaccedilatildeo conceitual natildeo seraacute feita nenhuma distinccedilatildeo entre religiatildeo e magia De qualquer modo haveria indiacutecios de detectar a crenccedila em algo transcendente Assim Leroi-Gourhan defende que as manifestaccedilotildees e oacutebjetos produzidos pelo homem que natildeo poderiam ser explicados por razotildees de sobrevivecircncia fiacutesica da espeacutecie poderiam apontar para a religiosidade deste homem a presenccedila do ocre no habitat do hoshymem de Neander(hal eacute considerada um fato religioso porque natildeo eacute explicaacutevelpor necessidades de sobrevivecircncia material (s d p26) Portanto haacute motivos claros para atestar o pensamento religioso no homem a partir do paleoliacutetico superior a partir de cerca de 50 mil anos atraacutes Embora faltem elementos suficientes para comprovaruma religiosidade mais tardia pode-se contudo admiti-la

Feitas estas reservas natildeo haacute nenhuma razatildeo vaacutelida para recusarmiddot aos antropiacutedeosmiddot paleoliacuteticos preocupaCcedilotildees de caraacuteter misterioso quanto mais natildeo fosse porque a sua inteligecircncia da mesma natureza senatildeo do mesmo niacutevel da do homo sapiens implica a mesma reaccedilatildeo em face do anormal e do middotinexplicaacutevel middotO homem desde as primeiras formas ateacute a nossa inaugurou e desenvolveu a reflexatildeo

Significaccedilatildeo 23 bull 187

Alberto kleiacuten

ou seja a capacidade para-traduzir middotem siacutembolos a realidade material do mundo que o envolvia Aproprie- dade middotelementar da linguacuteagem consiste em criar paraleshylamente aobull mundo exterior um middotmUndo todo poderoso de siacutembolos sem os quais a inteligecircncia se revelaria ineficaz (sd~ p26)

Ivan Bystrina amparado pocriteacuterio deLeroi-Gourhan para detecccedilatildeo do pensamento maacutegico e religioso no homem cria o conshyceito de segunda realidade como o domiacutenio domiddots mitos rituais ma- -gia religiatildeo artes e todas as manifestaccedilotildees que natildeo se explicam por necessidades de soJgtrevivecircncia material do homem -uuml elemento fundante desta segundamiddot realidade que para Bystrina equivale ao conceito de cultura seria a consciecircncia damortei Se esta eacute o maior middot obstaacuteculo -daprimeira realidade (realidade biofisica e teacutecnica do hoacutemeril~ exigindo mecanismos de sobrevivecircncia material) eacute possiacutevel somente superaacute-la no plano simboacutelico Daiacute eacute que se middotestabelecem os shycompromissos hmnanos middotcommiddotos deuses e a -magia que a partir de entatildeo vatildeomiddot governara vida humana A cultura neste sentido eacute fruto da experiecircncia-humana da-morte~ Os vestigiqs de que o homem pratica rituais de enterro demiddot seus ~semelhantes haacute pelo menos somiddotmil anos muitas vezescomacompanhamento de floresjuntoacute ao oorpo aacutejmntam -tambeacutemapres~nccedila de uin rico universo simboacutelicoacutetoinadojaacute poacutermiddotum pensagravementomaacutegicoacute Em muitos casos as armas e utensiacutelios eram middot depositadosjunto com o morto o quacutee indicaria segundomiddot Edgar Morin umapossiacutevelmiddotpreservaccedilatildeo da-identidade depois da~morteacute -Umoutro middot casointeressaritesatildeo corposinurnados em-posiccedilatildeofetal evidenciandomiddot a middotcrenccedila middotdecrenasmiddotuacutemento depois da mortemiddot_ As priiacuteneirasmiddotpistagraves dos -funerais preacute-histoacutericos ainda natildeo registram o aparecimento de uma arte figurativa~ que comeCcedilaria a-evoluir posteriormente -

t~o que Bystrinagravechania-desegunda realidade Edgar Morin denominamiddot segunda existecircncia o domiacutenio deste uacuteniverso simboacutelico Tal como Bystrina Morin tambeacutem acredita no papel damorte como fundadora deste universo no decorrer do processo de hominizaccedilatildeo Em uma de suas principais -obras O Paradigma Perdido o autor assim se expressa

Significaccedilatildeo 23 bull 188

)i1iiMiacuten middot~r~Jeologla e conceitos

- r PorUacuteUacuteitD~tudo middotnos indicaquebullo Homor~apienHigtatinizdo ~middot pila ~ miJrte como por- uhza cataacute~trofe-uumlx~m~d~aacuten~lque

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middot 1 essa morteacutebull mas quemiddot a rejeita transpotildee eresolve n() rrzito e na magid (Sid p95)

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Antes mesmo do surgitpento da ltlrte figurati~~ JaacuteH~rca _ccedili~ 3 5 niiacutelano~ a Ccedil aparecem Jaacutebullfofmas de grafismp Satildeo seqiecircncja~ d~ Iihhasmiddot gravadas em peckas e osso~- guardando entre e ias a mesma distacircncia que para LeroiGourhan satildeo as evidecircnccedilias mais a~tigas de um comportamento riacutetmico do middothomem e assinalam a certeza de qle obullgtafismo se inicia no abstrato-e caminha em direccedilatildeo agrave figuraccedilatilde concretit Para o autor este caminho tantas vezes middotseguido pelas artes histoacutericas leva-nos a admitir que c co1~respccedilmde a uma tendecircncia geral a um ciclo de maturaccedilatildeo onde o abstrato esteja realmente na base de uma expressatildeo graacutefica (slq 192) middot

middot middotmiddot As primeiras imagens figurativas comeccedilam a aparecer mais aacutebutJdantemente a partir de mais ou menos 30 milan0s atraacutes tend0 como suporte paredes de grutas eacute objetos moacuteveis como annas Ccedilon~ centram-se middotprincipa~entena Europabullsendo quemiddot as imagens parietais encuacutentram-setiasicatneacutente restritas agrave Espanha Franccedila ~ sul da Itaacute_shylia As descobertas damiddotarte paleoliacuteticamiddot satildeo relaacutetivamente recentes e aconteceramquasesimultaneamente a gruta de Chabotmiddot (1878) e Altamiraj na Espacircfi1la(iS~l~)4 bull bull bull bull

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4 Achados arqueqloacutegicos mal recentes no ParqiJe Naccedilionalda Serra da Capiv_ara no PiaUuml(atildetesIacuteam a preseacutenCcedila middot de figurasmiddot antropomoacuterfieacuteagraves erh rochagraves do siacutetio

Toca damiddotBaStianamiddot~ue (falariam cleacute30 mil anos middotjr arqlieacute(lloga irasileirabull Niecircde Guidon responsaacutevebpelas ccedille_scobertas publiCOJ ~rn Jl986 na col)ceituada

I~ ~~vista Na~ure Q~j IJ~vl~ ~i VE)Stfgios de oc_~Pa~p huni~namiddot ~o ~n~ineacutente americano de 50 m1l anos atraacutes Sua teselomou-se bastante polecircmica em melo

agraveeomunidademiddotCitmtffica um a vez qUacutee refutava a hipoacutetese-mais aceita de que o -continente havia_recebiqo as prmeira~migraccedilotildeeshumana paacute cerca de 12mil anospela passagem do estreito de Bering lnformaccedilocircesciriais detalhadaacutes pOshydem ~e r endgtniacutefaetatildes no Iacutenfoacutermatlvci da Sobleacutedade Brasileiragrave paraacute oacute Progresso

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Alberto klei~

Seriam agraves pinturas e inscriccedilotildees parietais e moacuteveis do paleoliacutetico frutos dacapacidade imaginativa do artistaou manifestaccedilotildees religioshysas A dificuldade de responder a esta- questatildeo nasce justamente do fato de nosso olhar sobre a preacute-histoacuteria se contaminar de noccedilotildees atuais de arte ebull religiatildeo Poderiacuteamos neste instante concor-dar com Edgar Morin segundo o qual os fenocircmenos maacutegicos satildeo potencishyalmente esteacuteticos e os fenocircmenos middotesteacuteticosmiddot satildeo potencialmente maacutegicos (sd p98) Se se separar o artista do homem religioso a discussatildeo perde solidez conforme nos alerta Leroi-Gourhan Suas mensagens atraveacutes das figuras respondem a uma necessidade ao mesmo middot tempo jlsica middot e ps(quica de middotassegurar a apropriaccedilatildeo do tiniverso pelo indiviacuteduo ou grupo social de realizar a inserccedilatildeo do homem atraveacutes do aparelho simboacutelico no xampo movediccedilo~ aleatoacuterio que o envolve (sd 81-2) Este aparelho simboacutelico natildeo pode ser despido de um pensamento miacutetico e maacutegico Defrontamoshynos agora com as primeiras evidecircncias de uma relaccedilatildeo maacutegica entre homem e imagem e middotomiddotsuporte para as primeiras figuras desenhadas satildeo principalmente as paredes de grutas

Quais eram os temas mitoloacutegicos inscritos nas cavernas que este homem nos deixou Os estudos e anaacutelises empreendidos por Leroi-Gourhan satildeo uma das principais contribuiccedilotildees de sua obra A partir de um inventaacuterio destas figuras o paleontoacutelogo francecircs consshytatou trecircs nuacutecleos temaacuteticos que envolvem toda a arte no paleoliacutetico a saber animais seres humanos e signos Estes uacuteltimos apesar de sua natureza abstrata satildeo considerados pelo autor como siacutembolos sexuais do masculino e do feminino middotUma constataccedilatildeo impressioshynante eacute que natildeo haacute muitas variaccedilotildees de sentido nessas figuras messhymo cobrindo um periacuteodo que vai de 30 mil anos a C ateacute nove mil anos a C As anaacutelis~s e agravessociaccedilotildees feitas por Leroi-Gourhan pershymitem conCluir que animais (cavalo e bisonte aparecem COJl1 abunshydacircncia) figuras humanas e signos que aparecem muitas vezes com o seu par oposto constituem um tema binaacuterio com representaccedilotildees simboacutelicas do masculino e do feminino Uma das tarefas do autor eacute cruzar os nuacutecleos e tentar decifrar seus temas o que nos leva para um campo de dados probabiliacutesticos Apesar das sombras que pairam sobre a religiosidade na preacute-histoacuteria o paleontoacutelogo francecircs conclui

Significaccedilatildeo 23 bull 190

lmagen~ arqueologia e conceitos

q~e a co~stacircncia dos temas 4lfaQte um lqngo petjodo datildeo provas de um sistema simboacutelico de crenccedilas mais complexo do que se ~magishynara Assim afirma ao finalde seu livro

F al~a1rlnos ainda elementos para ccedillescreyer o progresvo enriqu~ccedil~mento e as variaccedilotildees regionqis do aparelho

mito graacutefico entre o firrz dp Solutrense e middoto Maqalenimse Meacutedio entre 15000 e 12 000 Conjuntos admirayccedillmente homogecircneos () atestanz que nesta eacutepqca entre o Loire e os Pirineus natildeo soacute o grupo central se tornou muito denso com a sua combinaccedilatildeo de pares de anim~ismiddot emshyparelhados por espeacuteci~s diferentes como ainda asjiguras de homens compoacutesitos os felinos os rinocerontes e ps animais sem cabeccedila que povoam os fundos criaram uma retaguarda densa de siacutembolos vinculados agrave zona mais iacutentima do misteacuterio (sd 134)

A conclusatildeo do autor acercado binarismo da arte paleoliacutetica converge com a posiccedilatildeo de Ivan Bystrina de que o middotprocesso de codificaccedilatildeo semioacutetica mais arcaico eacute o binaacuterio Dividir o mundo em dois representaria o modo pelo qual o homem comeccedila a organizar todo o aparato simboacutelico que o envolve As percepccedilotildees do masculino e do feminino damiddot noite e do dia das sensaccedilotildees de prazer e dor presentes na realidade biofisica do homem inspirariam aformaccedilatildeo de textos culturais com caracteriacutesticas duais No processo de desenshyvolvimento ontogecircnico do ser humano Harry Pross trata semelhantemente das experiecircncias preacute-predicativas do claroescuro e dentrofora constituindo-se como as raiacutezes da experiecircncia do hoshymem Por serjustamente a mais arcaica a divisatildeo binaacuteria eacute o mais forte modo de codificar a realidade No Cristianismo a ideacuteia do mal contrapondo-se a Deus encama-se na figura do Diabo5

no cinema e nas nove1as narrativas que possuem um acirrado dualismo satildeo as

I

5 A existecircncia do Diabo ou de um mal encamado natildeo estaacute muito clara no Antigo Testamento Apoacutes o cativeiro babilocircnico dos judeus e o consequumlente contato oom o Masdefsmo e o Zoroastrismo suas referecircncias se tornam claras e abundantes no Novo Testamento Portanto quando nasce o Cristianismo sua

Significaccedilatildeo 23 bull 191

que fazem maioacuter sucesso pois facilitam a absorccedilatildeo da mensagem pelo telespectadot middot

Aleacutem do binarismo doniinante nas figuras paleoliacuteticas po~ demos entrever tambeacutem um compromisso maacutegico na relaccedilatildeo entre homem e imagem a partir do qual oacute homem estende seu domiacutenio sobre a natureza Embora faltem elenierttos middot- seguros e comprobatoacuterios Leroi-Gourhan admite que o maioacuter argumento em favor deste comportamento estaacute nas imagens feridas de cavalos ou bisontes Isto poderia indicar um ritual a fim de garantir o ecircxito da caccedila Curioso poreacutem eacute que aacutes feridasmiddot aparecem soacutemente em 4 dasmiddot figuras de animais o que natildeo exclui a possibilidade de que o ferimento de um animal valeria tambeacutem para todo o rebanho O que estaacute middotemmiddot discussatildeo eacute a presenccedila demiddot uma mentalidade maacutegica que manipula siacutembolos com o objetivo de suprir eficazmente suas necessidades cotidianas~ Nas palavras de Jacques Maritain o signo maacutegico natildeo apenas faz os homens conhecerem ele faz as coisas serem eacute uma causa eficiente em si mesma (apud Notildeth 1996 p38) A magia implica em uma crenccedila de que as coisas possuem uma dupla existecircncia na qual os limites entre o signo e-o objeto representado encontram-se difusos O cavalo estaacute presente em -sua imagem ou melhor a imagem mental evocada pelo significante pode se confundir com o proacuteprio cavalo Eacute assim que passamos a projetar nossas visotildees sobre o mundo exterior ateacute ao ponto em que ambos se misturam A partirdo grafismo e da arte figurativa preacute-histoacuterica Edgar Morin vecirc traccedilos bastante convincentes deste encantamento do mundo

Portanto o que o grafismo mural nos revela eacute a ligaccedilatildeo imaginaacuteria com o mundo Por um lado a palavra o sinal o siacutembolo a figuraccedilatildeo vatildeo ininterruptamente re-apresentar ao espiacuterito mesmo na ausecircncia dele~ os seres e as coisas do mundo exterior e num certo sentido esses seres -e essas coisas pas~am a ser dotados de wn poder de invasatildeo Por outro lado satildeo as imagens mentais que invadem o mundo exterior Eacute nesta confusatildeo e para transpor esta

figura jaacute hagravevia sido fortemente caracterizada Sobre a histoacuteria do Diabo e as forma que ele assume no Cristianismo remetemos o leitor ao livro O Diabo no Imaginaacuterio Cristatildeo de Carlos Roberto F Nogueira

Significaccedilatildeo 23 bull 192

Imagembull arqueologia e conceitos

confusatildeo que se constroem o mito e a magia quer dizer uma organizaccedilatildeo ideoloacutegica e praacutetica daligaccedilatildeo imaginaacuteria COI)l o mando (sdlOO

Os exemplos dessa maneira maacutegica middotde pensar o mundo natildeo se esgotam no paleoliacutetico muito menos nas culturas primevas cooacuteJemporacircneas pois encontram-se tambeacutem nbs domiacuteniosmiddotdas divefsas fohilasmiddotde teliacute~iosidaacirce coritempocirctacirchea A proacuteptiaq-ustatildeo do uso dos iacutecones religiosos evidencia em muitos casos este compromisso hiaacutegicb e~tab~lecido com agravesimagens o antropoacutelogo James Prazer imbuiacutedbdeVmii vlisatilde6 positivistaassim se expressa a respeit0 da rhagia ( homem confundiu a middotordem de siuacutes UacuteUacuteias com a ordem da na tuteia~ iSsuumln imaginJu quemiddoto cdntroleacute que tem ou parece termiddot sobremiddot oacuteS seus pensainentOs perinitiuacute-lheacute exercitar um controle correspondente sobre as coisas (apud Notildeth 1996 p40) middot

Ao problema da imagem estaacute sempre ligada a questatildeo do duplo middotEspelho simulacro figlfraccedilatildeo a magia irrompe com intensishydade variaacutevel indepertdetiteniacuteehte da cultura tempo ou dos suporshytesmiddotque a imagem toma questiol)ando () homem sobre os limiares semi oacuteticos da representaccedilatildeo Muitas vezes a imagem eacute tomadagrave como mentira e se encontra diante da fuacute~ia dos ic()noc~asta~ mas a magia volta pois os fenocircmenos esteacuteticos satildeo potencialmente maacutegicos confmme nos _lembra Morin Je~dt Narciso(a ele estaacute associado o termo narcose) o encantamento ainda per~j~te Mas com ele conyivem col)traditoriamente a saturaccedilatildeo e a banalizaccedilatildeo em uma eacutepoca cob~rta pelas miacutedias middot middot

-Bibliografia

BAITELLO Jr lforvaL 1997 O animaque parou os eloacutegio~ Satildeo Paulo Anriablume

~ middotmiddot

BAUDRILLARDJ1991SimulacrosesimulaccedilatildeoLisboaReloacutegioDaacutegua

BELTING H 1994 Likeness and presence a history of the image before the era o f art Chicago London The University of Chishycago Press

Significaccedilatildeo 23 bull middot193

Alberto klein

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BURKHARDT B 2004 Der streit um die wissenschaft der bilder Disponiacutevel em wwwtelepolisdedeutschinhaltlkonf1678111html Acesso em 20 de fevereiro

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__ 1997 Os padecimentos dos olhos In Ensaios de Compleshyxidade PortoAlegre Sulina middot

LEROI~GOURHAN A sd As religiotildees da preacute-histoacuteria Lisboa Ediccedilotildees70 middot

-- _ sd O gesto e a palavra teacutecnica e linguagem Lisboa Ediccedilotildees 70 middot

MORIN E sd O paradigma perdido a natureza humana Lisshyboa Europa-Ameacuterica

NOGUEIRA C R F 1986 O diabo no imaginaacuterio cristatildeo Satildeo Paulo Aacutetica

__ 1996 Semioacutetica da magia In Dossiecirc Magia Revista da USP ndeg31 Satildeo Paulo USP Setembro outubro e novembro

PROSS H 1980 Estructura simboacutelica dei poder Barcelona Gustavo Gili

Significaccedilatildeo 23 bull 194

Albertomiddotklein

O que satildeo imagens entatildeo De um ponto de vista da cultura e levando em consideraccedilatildeo o aspecto material do objeto imagens satildeo textos culturais construiacutedos pelo homem frutos de sua imagishynaccedilatildeo que duplicaram o seu mundo e seu imaginaacuterio dando~ lhe forshymas figurativas ou abstratas nos mais diversos suportes visuais As diferentes funccedilotildees e naturezas das imagens em diferentes eacutepocas congregam a ambivalecircnciamiddot da distacircncia representativa e de sua parshyticipaccedilatildeo na essecircncia do que estaacute por detraacutes delas Representaccedilatildeo e presentificaccedilatildeo satildeo dois limites (natildeo deixando de observar as inuacuteshymeras possibilidades gradativas )entre os quais percorre o poder que as imagens sempre exerceram sobre o homem

A arqueologia da imagem

Neste item seraacute analisada apenas a origem das imagens mashyteriais produzidas pelo homem deixando de lado o problema das imagens mentais pois este eacute um fenocircmeno que transcende obviashymente o gecircnero H orno

Um dos maiores problemas ao nos defrontarmos com a preacuteshyhistoacuteria da humanidade como nos alerta Leroi~Gourhan eacute que lida- middot mos quase somente com dados probabiliacutesticos o que limita uma reconstituiccedilatildeo das praacutetiacutecas atitudes do homem preacute-histoacuterico frente agraves imagens e do poder nelas investido Todos estes elementos natildeo satildeo fossilizaacuteveis e portanto cabe ao estUdioso interpretaacute-los atra~ v eacutes de pistas deixadas pelos nossos anceStrais Outra dificuldade eacute middot que denominamos como preacute-histoacuteria um periacuteodo de longas e sucesshysivas etapas do processo de evoluccedilatildeo humana que remontaacutea alguns middot milhotildees de anos e que durou ateacute mais ou menos dez mil anos atraacutes Estamos tratando portanto natildeo de um homem mas de luna variedade de espeacutecies H o mo que ao longo do tempo foram extintas pela seleccedilatildeo natural ateacute culminarem no H orno sapiens haacute cerca de cem mil anos

A questatildeo da religiosidade do homem preacute-histoacuterico estaacute ligashyda muitas vezes ao problema do surgimento das primeiras imagens pois delas se extraiacuteam provavelmente temas mitoloacutegicos muito embora seja possiacutevel identificar a presenccedila de um pensamento religioso antes mesmo do periacuteodo figurativo no paleoliacutetico superior

Significaccedilatildeo 23 bull 186

lmagema~queologia e conceitos

Uma vez que o terreno eacute movediccedilo ao inveacutes de perguntarmos quanshydo surgiu a centelha religiosa na humanidade seria melhor indagarshymos em que etapa do processo evolutivo percebemos sinais de que o homem eacute religioso Mircea Eliade que natildeo eacute um estudioso da preacute-histoacuteria objeta a este tipo dequestionamento pois para ele a religiosidade natildeo eacute fruto de uma etapa do processo evolutivo ao inveacutes disso ela constitui uma estrutura na mente humana ( 1978 pl3 ) Devemos nos lembracde que agravereligiosidade mitos e ritos praticados pelo homem preacute~ histoacuterico estatildeo profundamente vinculados agrave questatildeo da emergecircncia da cultura conforme assinalam Ivan Bystrina e Edgar Morin

Em seu livro As Religiotildees da Preacute-histoacuteria tiacutetulo que esshyconde as verdadeiras intenccedilotildees da obra Leroi-Gourhan toma como desafio discutir esse tema e responder a esses questionamentos O paleontoacutelogo avisa ao leitor contudo que em sua anaacutelise justamente por falta de materiais que possibilitem uma separaccedilatildeo conceitual natildeo seraacute feita nenhuma distinccedilatildeo entre religiatildeo e magia De qualquer modo haveria indiacutecios de detectar a crenccedila em algo transcendente Assim Leroi-Gourhan defende que as manifestaccedilotildees e oacutebjetos produzidos pelo homem que natildeo poderiam ser explicados por razotildees de sobrevivecircncia fiacutesica da espeacutecie poderiam apontar para a religiosidade deste homem a presenccedila do ocre no habitat do hoshymem de Neander(hal eacute considerada um fato religioso porque natildeo eacute explicaacutevelpor necessidades de sobrevivecircncia material (s d p26) Portanto haacute motivos claros para atestar o pensamento religioso no homem a partir do paleoliacutetico superior a partir de cerca de 50 mil anos atraacutes Embora faltem elementos suficientes para comprovaruma religiosidade mais tardia pode-se contudo admiti-la

Feitas estas reservas natildeo haacute nenhuma razatildeo vaacutelida para recusarmiddot aos antropiacutedeosmiddot paleoliacuteticos preocupaCcedilotildees de caraacuteter misterioso quanto mais natildeo fosse porque a sua inteligecircncia da mesma natureza senatildeo do mesmo niacutevel da do homo sapiens implica a mesma reaccedilatildeo em face do anormal e do middotinexplicaacutevel middotO homem desde as primeiras formas ateacute a nossa inaugurou e desenvolveu a reflexatildeo

Significaccedilatildeo 23 bull 187

Alberto kleiacuten

ou seja a capacidade para-traduzir middotem siacutembolos a realidade material do mundo que o envolvia Aproprie- dade middotelementar da linguacuteagem consiste em criar paraleshylamente aobull mundo exterior um middotmUndo todo poderoso de siacutembolos sem os quais a inteligecircncia se revelaria ineficaz (sd~ p26)

Ivan Bystrina amparado pocriteacuterio deLeroi-Gourhan para detecccedilatildeo do pensamento maacutegico e religioso no homem cria o conshyceito de segunda realidade como o domiacutenio domiddots mitos rituais ma- -gia religiatildeo artes e todas as manifestaccedilotildees que natildeo se explicam por necessidades de soJgtrevivecircncia material do homem -uuml elemento fundante desta segundamiddot realidade que para Bystrina equivale ao conceito de cultura seria a consciecircncia damortei Se esta eacute o maior middot obstaacuteculo -daprimeira realidade (realidade biofisica e teacutecnica do hoacutemeril~ exigindo mecanismos de sobrevivecircncia material) eacute possiacutevel somente superaacute-la no plano simboacutelico Daiacute eacute que se middotestabelecem os shycompromissos hmnanos middotcommiddotos deuses e a -magia que a partir de entatildeo vatildeomiddot governara vida humana A cultura neste sentido eacute fruto da experiecircncia-humana da-morte~ Os vestigiqs de que o homem pratica rituais de enterro demiddot seus ~semelhantes haacute pelo menos somiddotmil anos muitas vezescomacompanhamento de floresjuntoacute ao oorpo aacutejmntam -tambeacutemapres~nccedila de uin rico universo simboacutelicoacutetoinadojaacute poacutermiddotum pensagravementomaacutegicoacute Em muitos casos as armas e utensiacutelios eram middot depositadosjunto com o morto o quacutee indicaria segundomiddot Edgar Morin umapossiacutevelmiddotpreservaccedilatildeo da-identidade depois da~morteacute -Umoutro middot casointeressaritesatildeo corposinurnados em-posiccedilatildeofetal evidenciandomiddot a middotcrenccedila middotdecrenasmiddotuacutemento depois da mortemiddot_ As priiacuteneirasmiddotpistagraves dos -funerais preacute-histoacutericos ainda natildeo registram o aparecimento de uma arte figurativa~ que comeCcedilaria a-evoluir posteriormente -

t~o que Bystrinagravechania-desegunda realidade Edgar Morin denominamiddot segunda existecircncia o domiacutenio deste uacuteniverso simboacutelico Tal como Bystrina Morin tambeacutem acredita no papel damorte como fundadora deste universo no decorrer do processo de hominizaccedilatildeo Em uma de suas principais -obras O Paradigma Perdido o autor assim se expressa

Significaccedilatildeo 23 bull 188

)i1iiMiacuten middot~r~Jeologla e conceitos

- r PorUacuteUacuteitD~tudo middotnos indicaquebullo Homor~apienHigtatinizdo ~middot pila ~ miJrte como por- uhza cataacute~trofe-uumlx~m~d~aacuten~lque

middot middot ~I middot vaf tfazer torisigo uma ansiedade espepiacutejjca 4 a_nguacutestia ou o hotilderror da morte que a presenccedila di morte pgssa a

middot ser middot um problema vivo isto eacute quacutee tr(Jbalha a sua vidg Tudo nos indica igualmente que esse hOacutemem natildeo soacute recusa

middot 1 essa morteacutebull mas quemiddot a rejeita transpotildee eresolve n() rrzito e na magid (Sid p95)

middot) ~ imiddotgt

Antes mesmo do surgitpento da ltlrte figurati~~ JaacuteH~rca _ccedili~ 3 5 niiacutelano~ a Ccedil aparecem Jaacutebullfofmas de grafismp Satildeo seqiecircncja~ d~ Iihhasmiddot gravadas em peckas e osso~- guardando entre e ias a mesma distacircncia que para LeroiGourhan satildeo as evidecircnccedilias mais a~tigas de um comportamento riacutetmico do middothomem e assinalam a certeza de qle obullgtafismo se inicia no abstrato-e caminha em direccedilatildeo agrave figuraccedilatilde concretit Para o autor este caminho tantas vezes middotseguido pelas artes histoacutericas leva-nos a admitir que c co1~respccedilmde a uma tendecircncia geral a um ciclo de maturaccedilatildeo onde o abstrato esteja realmente na base de uma expressatildeo graacutefica (slq 192) middot

middot middotmiddot As primeiras imagens figurativas comeccedilam a aparecer mais aacutebutJdantemente a partir de mais ou menos 30 milan0s atraacutes tend0 como suporte paredes de grutas eacute objetos moacuteveis como annas Ccedilon~ centram-se middotprincipa~entena Europabullsendo quemiddot as imagens parietais encuacutentram-setiasicatneacutente restritas agrave Espanha Franccedila ~ sul da Itaacute_shylia As descobertas damiddotarte paleoliacuteticamiddot satildeo relaacutetivamente recentes e aconteceramquasesimultaneamente a gruta de Chabotmiddot (1878) e Altamiraj na Espacircfi1la(iS~l~)4 bull bull bull bull

middot middot I

4 Achados arqueqloacutegicos mal recentes no ParqiJe Naccedilionalda Serra da Capiv_ara no PiaUuml(atildetesIacuteam a preseacutenCcedila middot de figurasmiddot antropomoacuterfieacuteagraves erh rochagraves do siacutetio

Toca damiddotBaStianamiddot~ue (falariam cleacute30 mil anos middotjr arqlieacute(lloga irasileirabull Niecircde Guidon responsaacutevebpelas ccedille_scobertas publiCOJ ~rn Jl986 na col)ceituada

I~ ~~vista Na~ure Q~j IJ~vl~ ~i VE)Stfgios de oc_~Pa~p huni~namiddot ~o ~n~ineacutente americano de 50 m1l anos atraacutes Sua teselomou-se bastante polecircmica em melo

agraveeomunidademiddotCitmtffica um a vez qUacutee refutava a hipoacutetese-mais aceita de que o -continente havia_recebiqo as prmeira~migraccedilotildeeshumana paacute cerca de 12mil anospela passagem do estreito de Bering lnformaccedilocircesciriais detalhadaacutes pOshydem ~e r endgtniacutefaetatildes no Iacutenfoacutermatlvci da Sobleacutedade Brasileiragrave paraacute oacute Progresso

middot da Ciecircncia Wwwjomaldacienciaorgbr bull

Alberto klei~

Seriam agraves pinturas e inscriccedilotildees parietais e moacuteveis do paleoliacutetico frutos dacapacidade imaginativa do artistaou manifestaccedilotildees religioshysas A dificuldade de responder a esta- questatildeo nasce justamente do fato de nosso olhar sobre a preacute-histoacuteria se contaminar de noccedilotildees atuais de arte ebull religiatildeo Poderiacuteamos neste instante concor-dar com Edgar Morin segundo o qual os fenocircmenos maacutegicos satildeo potencishyalmente esteacuteticos e os fenocircmenos middotesteacuteticosmiddot satildeo potencialmente maacutegicos (sd p98) Se se separar o artista do homem religioso a discussatildeo perde solidez conforme nos alerta Leroi-Gourhan Suas mensagens atraveacutes das figuras respondem a uma necessidade ao mesmo middot tempo jlsica middot e ps(quica de middotassegurar a apropriaccedilatildeo do tiniverso pelo indiviacuteduo ou grupo social de realizar a inserccedilatildeo do homem atraveacutes do aparelho simboacutelico no xampo movediccedilo~ aleatoacuterio que o envolve (sd 81-2) Este aparelho simboacutelico natildeo pode ser despido de um pensamento miacutetico e maacutegico Defrontamoshynos agora com as primeiras evidecircncias de uma relaccedilatildeo maacutegica entre homem e imagem e middotomiddotsuporte para as primeiras figuras desenhadas satildeo principalmente as paredes de grutas

Quais eram os temas mitoloacutegicos inscritos nas cavernas que este homem nos deixou Os estudos e anaacutelises empreendidos por Leroi-Gourhan satildeo uma das principais contribuiccedilotildees de sua obra A partir de um inventaacuterio destas figuras o paleontoacutelogo francecircs consshytatou trecircs nuacutecleos temaacuteticos que envolvem toda a arte no paleoliacutetico a saber animais seres humanos e signos Estes uacuteltimos apesar de sua natureza abstrata satildeo considerados pelo autor como siacutembolos sexuais do masculino e do feminino middotUma constataccedilatildeo impressioshynante eacute que natildeo haacute muitas variaccedilotildees de sentido nessas figuras messhymo cobrindo um periacuteodo que vai de 30 mil anos a C ateacute nove mil anos a C As anaacutelis~s e agravessociaccedilotildees feitas por Leroi-Gourhan pershymitem conCluir que animais (cavalo e bisonte aparecem COJl1 abunshydacircncia) figuras humanas e signos que aparecem muitas vezes com o seu par oposto constituem um tema binaacuterio com representaccedilotildees simboacutelicas do masculino e do feminino Uma das tarefas do autor eacute cruzar os nuacutecleos e tentar decifrar seus temas o que nos leva para um campo de dados probabiliacutesticos Apesar das sombras que pairam sobre a religiosidade na preacute-histoacuteria o paleontoacutelogo francecircs conclui

Significaccedilatildeo 23 bull 190

lmagen~ arqueologia e conceitos

q~e a co~stacircncia dos temas 4lfaQte um lqngo petjodo datildeo provas de um sistema simboacutelico de crenccedilas mais complexo do que se ~magishynara Assim afirma ao finalde seu livro

F al~a1rlnos ainda elementos para ccedillescreyer o progresvo enriqu~ccedil~mento e as variaccedilotildees regionqis do aparelho

mito graacutefico entre o firrz dp Solutrense e middoto Maqalenimse Meacutedio entre 15000 e 12 000 Conjuntos admirayccedillmente homogecircneos () atestanz que nesta eacutepqca entre o Loire e os Pirineus natildeo soacute o grupo central se tornou muito denso com a sua combinaccedilatildeo de pares de anim~ismiddot emshyparelhados por espeacuteci~s diferentes como ainda asjiguras de homens compoacutesitos os felinos os rinocerontes e ps animais sem cabeccedila que povoam os fundos criaram uma retaguarda densa de siacutembolos vinculados agrave zona mais iacutentima do misteacuterio (sd 134)

A conclusatildeo do autor acercado binarismo da arte paleoliacutetica converge com a posiccedilatildeo de Ivan Bystrina de que o middotprocesso de codificaccedilatildeo semioacutetica mais arcaico eacute o binaacuterio Dividir o mundo em dois representaria o modo pelo qual o homem comeccedila a organizar todo o aparato simboacutelico que o envolve As percepccedilotildees do masculino e do feminino damiddot noite e do dia das sensaccedilotildees de prazer e dor presentes na realidade biofisica do homem inspirariam aformaccedilatildeo de textos culturais com caracteriacutesticas duais No processo de desenshyvolvimento ontogecircnico do ser humano Harry Pross trata semelhantemente das experiecircncias preacute-predicativas do claroescuro e dentrofora constituindo-se como as raiacutezes da experiecircncia do hoshymem Por serjustamente a mais arcaica a divisatildeo binaacuteria eacute o mais forte modo de codificar a realidade No Cristianismo a ideacuteia do mal contrapondo-se a Deus encama-se na figura do Diabo5

no cinema e nas nove1as narrativas que possuem um acirrado dualismo satildeo as

I

5 A existecircncia do Diabo ou de um mal encamado natildeo estaacute muito clara no Antigo Testamento Apoacutes o cativeiro babilocircnico dos judeus e o consequumlente contato oom o Masdefsmo e o Zoroastrismo suas referecircncias se tornam claras e abundantes no Novo Testamento Portanto quando nasce o Cristianismo sua

Significaccedilatildeo 23 bull 191

que fazem maioacuter sucesso pois facilitam a absorccedilatildeo da mensagem pelo telespectadot middot

Aleacutem do binarismo doniinante nas figuras paleoliacuteticas po~ demos entrever tambeacutem um compromisso maacutegico na relaccedilatildeo entre homem e imagem a partir do qual oacute homem estende seu domiacutenio sobre a natureza Embora faltem elenierttos middot- seguros e comprobatoacuterios Leroi-Gourhan admite que o maioacuter argumento em favor deste comportamento estaacute nas imagens feridas de cavalos ou bisontes Isto poderia indicar um ritual a fim de garantir o ecircxito da caccedila Curioso poreacutem eacute que aacutes feridasmiddot aparecem soacutemente em 4 dasmiddot figuras de animais o que natildeo exclui a possibilidade de que o ferimento de um animal valeria tambeacutem para todo o rebanho O que estaacute middotemmiddot discussatildeo eacute a presenccedila demiddot uma mentalidade maacutegica que manipula siacutembolos com o objetivo de suprir eficazmente suas necessidades cotidianas~ Nas palavras de Jacques Maritain o signo maacutegico natildeo apenas faz os homens conhecerem ele faz as coisas serem eacute uma causa eficiente em si mesma (apud Notildeth 1996 p38) A magia implica em uma crenccedila de que as coisas possuem uma dupla existecircncia na qual os limites entre o signo e-o objeto representado encontram-se difusos O cavalo estaacute presente em -sua imagem ou melhor a imagem mental evocada pelo significante pode se confundir com o proacuteprio cavalo Eacute assim que passamos a projetar nossas visotildees sobre o mundo exterior ateacute ao ponto em que ambos se misturam A partirdo grafismo e da arte figurativa preacute-histoacuterica Edgar Morin vecirc traccedilos bastante convincentes deste encantamento do mundo

Portanto o que o grafismo mural nos revela eacute a ligaccedilatildeo imaginaacuteria com o mundo Por um lado a palavra o sinal o siacutembolo a figuraccedilatildeo vatildeo ininterruptamente re-apresentar ao espiacuterito mesmo na ausecircncia dele~ os seres e as coisas do mundo exterior e num certo sentido esses seres -e essas coisas pas~am a ser dotados de wn poder de invasatildeo Por outro lado satildeo as imagens mentais que invadem o mundo exterior Eacute nesta confusatildeo e para transpor esta

figura jaacute hagravevia sido fortemente caracterizada Sobre a histoacuteria do Diabo e as forma que ele assume no Cristianismo remetemos o leitor ao livro O Diabo no Imaginaacuterio Cristatildeo de Carlos Roberto F Nogueira

Significaccedilatildeo 23 bull 192

Imagembull arqueologia e conceitos

confusatildeo que se constroem o mito e a magia quer dizer uma organizaccedilatildeo ideoloacutegica e praacutetica daligaccedilatildeo imaginaacuteria COI)l o mando (sdlOO

Os exemplos dessa maneira maacutegica middotde pensar o mundo natildeo se esgotam no paleoliacutetico muito menos nas culturas primevas cooacuteJemporacircneas pois encontram-se tambeacutem nbs domiacuteniosmiddotdas divefsas fohilasmiddotde teliacute~iosidaacirce coritempocirctacirchea A proacuteptiaq-ustatildeo do uso dos iacutecones religiosos evidencia em muitos casos este compromisso hiaacutegicb e~tab~lecido com agravesimagens o antropoacutelogo James Prazer imbuiacutedbdeVmii vlisatilde6 positivistaassim se expressa a respeit0 da rhagia ( homem confundiu a middotordem de siuacutes UacuteUacuteias com a ordem da na tuteia~ iSsuumln imaginJu quemiddoto cdntroleacute que tem ou parece termiddot sobremiddot oacuteS seus pensainentOs perinitiuacute-lheacute exercitar um controle correspondente sobre as coisas (apud Notildeth 1996 p40) middot

Ao problema da imagem estaacute sempre ligada a questatildeo do duplo middotEspelho simulacro figlfraccedilatildeo a magia irrompe com intensishydade variaacutevel indepertdetiteniacuteehte da cultura tempo ou dos suporshytesmiddotque a imagem toma questiol)ando () homem sobre os limiares semi oacuteticos da representaccedilatildeo Muitas vezes a imagem eacute tomadagrave como mentira e se encontra diante da fuacute~ia dos ic()noc~asta~ mas a magia volta pois os fenocircmenos esteacuteticos satildeo potencialmente maacutegicos confmme nos _lembra Morin Je~dt Narciso(a ele estaacute associado o termo narcose) o encantamento ainda per~j~te Mas com ele conyivem col)traditoriamente a saturaccedilatildeo e a banalizaccedilatildeo em uma eacutepoca cob~rta pelas miacutedias middot middot

-Bibliografia

BAITELLO Jr lforvaL 1997 O animaque parou os eloacutegio~ Satildeo Paulo Anriablume

~ middotmiddot

BAUDRILLARDJ1991SimulacrosesimulaccedilatildeoLisboaReloacutegioDaacutegua

BELTING H 1994 Likeness and presence a history of the image before the era o f art Chicago London The University of Chishycago Press

Significaccedilatildeo 23 bull middot193

Alberto klein

BENJAMIN W 1969 Iluminations New York Schocken Books

BURKHARDT B 2004 Der streit um die wissenschaft der bilder Disponiacutevel em wwwtelepolisdedeutschinhaltlkonf1678111html Acesso em 20 de fevereiro

BYSTRINA 11995 Toacutepicos de semioacutetica da cultura Satildeo Paulo editado pelo Centro Interdisciplinar de Semioacutetica da Cultura do Programa de Poacutes-Qraduaccedilatildeo em Comunicaccedilatildeo e Semi oacutetica (PUC-SP)

__ 2002 Cosmo corpo cultura Enciclopeacutedia antropoloacutegica Christoph Wulf(org) Milano Mondadori

CONTRERA M S bull e HATTORI O T (org) 2003 Publicidade e cia Satildeo Paulo Pion(ira Thompson Leaming

ELIADE M 1978Histoacuteria das crenccedilas e das ideacuteias religiosas vl Rio de Janeiro Zahar

FLUSSER V 2002 Filosofia da caixa preta Rio de Janeiro Relume Dutparaacute

KAMPER D 2002 Estrutura temporal das imagens Disponiacutevel emlthttp~ciscorgbr Acesso em 20set

__ 1997 Os padecimentos dos olhos In Ensaios de Compleshyxidade PortoAlegre Sulina middot

LEROI~GOURHAN A sd As religiotildees da preacute-histoacuteria Lisboa Ediccedilotildees70 middot

-- _ sd O gesto e a palavra teacutecnica e linguagem Lisboa Ediccedilotildees 70 middot

MORIN E sd O paradigma perdido a natureza humana Lisshyboa Europa-Ameacuterica

NOGUEIRA C R F 1986 O diabo no imaginaacuterio cristatildeo Satildeo Paulo Aacutetica

__ 1996 Semioacutetica da magia In Dossiecirc Magia Revista da USP ndeg31 Satildeo Paulo USP Setembro outubro e novembro

PROSS H 1980 Estructura simboacutelica dei poder Barcelona Gustavo Gili

Significaccedilatildeo 23 bull 194

lmagema~queologia e conceitos

Uma vez que o terreno eacute movediccedilo ao inveacutes de perguntarmos quanshydo surgiu a centelha religiosa na humanidade seria melhor indagarshymos em que etapa do processo evolutivo percebemos sinais de que o homem eacute religioso Mircea Eliade que natildeo eacute um estudioso da preacute-histoacuteria objeta a este tipo dequestionamento pois para ele a religiosidade natildeo eacute fruto de uma etapa do processo evolutivo ao inveacutes disso ela constitui uma estrutura na mente humana ( 1978 pl3 ) Devemos nos lembracde que agravereligiosidade mitos e ritos praticados pelo homem preacute~ histoacuterico estatildeo profundamente vinculados agrave questatildeo da emergecircncia da cultura conforme assinalam Ivan Bystrina e Edgar Morin

Em seu livro As Religiotildees da Preacute-histoacuteria tiacutetulo que esshyconde as verdadeiras intenccedilotildees da obra Leroi-Gourhan toma como desafio discutir esse tema e responder a esses questionamentos O paleontoacutelogo avisa ao leitor contudo que em sua anaacutelise justamente por falta de materiais que possibilitem uma separaccedilatildeo conceitual natildeo seraacute feita nenhuma distinccedilatildeo entre religiatildeo e magia De qualquer modo haveria indiacutecios de detectar a crenccedila em algo transcendente Assim Leroi-Gourhan defende que as manifestaccedilotildees e oacutebjetos produzidos pelo homem que natildeo poderiam ser explicados por razotildees de sobrevivecircncia fiacutesica da espeacutecie poderiam apontar para a religiosidade deste homem a presenccedila do ocre no habitat do hoshymem de Neander(hal eacute considerada um fato religioso porque natildeo eacute explicaacutevelpor necessidades de sobrevivecircncia material (s d p26) Portanto haacute motivos claros para atestar o pensamento religioso no homem a partir do paleoliacutetico superior a partir de cerca de 50 mil anos atraacutes Embora faltem elementos suficientes para comprovaruma religiosidade mais tardia pode-se contudo admiti-la

Feitas estas reservas natildeo haacute nenhuma razatildeo vaacutelida para recusarmiddot aos antropiacutedeosmiddot paleoliacuteticos preocupaCcedilotildees de caraacuteter misterioso quanto mais natildeo fosse porque a sua inteligecircncia da mesma natureza senatildeo do mesmo niacutevel da do homo sapiens implica a mesma reaccedilatildeo em face do anormal e do middotinexplicaacutevel middotO homem desde as primeiras formas ateacute a nossa inaugurou e desenvolveu a reflexatildeo

Significaccedilatildeo 23 bull 187

Alberto kleiacuten

ou seja a capacidade para-traduzir middotem siacutembolos a realidade material do mundo que o envolvia Aproprie- dade middotelementar da linguacuteagem consiste em criar paraleshylamente aobull mundo exterior um middotmUndo todo poderoso de siacutembolos sem os quais a inteligecircncia se revelaria ineficaz (sd~ p26)

Ivan Bystrina amparado pocriteacuterio deLeroi-Gourhan para detecccedilatildeo do pensamento maacutegico e religioso no homem cria o conshyceito de segunda realidade como o domiacutenio domiddots mitos rituais ma- -gia religiatildeo artes e todas as manifestaccedilotildees que natildeo se explicam por necessidades de soJgtrevivecircncia material do homem -uuml elemento fundante desta segundamiddot realidade que para Bystrina equivale ao conceito de cultura seria a consciecircncia damortei Se esta eacute o maior middot obstaacuteculo -daprimeira realidade (realidade biofisica e teacutecnica do hoacutemeril~ exigindo mecanismos de sobrevivecircncia material) eacute possiacutevel somente superaacute-la no plano simboacutelico Daiacute eacute que se middotestabelecem os shycompromissos hmnanos middotcommiddotos deuses e a -magia que a partir de entatildeo vatildeomiddot governara vida humana A cultura neste sentido eacute fruto da experiecircncia-humana da-morte~ Os vestigiqs de que o homem pratica rituais de enterro demiddot seus ~semelhantes haacute pelo menos somiddotmil anos muitas vezescomacompanhamento de floresjuntoacute ao oorpo aacutejmntam -tambeacutemapres~nccedila de uin rico universo simboacutelicoacutetoinadojaacute poacutermiddotum pensagravementomaacutegicoacute Em muitos casos as armas e utensiacutelios eram middot depositadosjunto com o morto o quacutee indicaria segundomiddot Edgar Morin umapossiacutevelmiddotpreservaccedilatildeo da-identidade depois da~morteacute -Umoutro middot casointeressaritesatildeo corposinurnados em-posiccedilatildeofetal evidenciandomiddot a middotcrenccedila middotdecrenasmiddotuacutemento depois da mortemiddot_ As priiacuteneirasmiddotpistagraves dos -funerais preacute-histoacutericos ainda natildeo registram o aparecimento de uma arte figurativa~ que comeCcedilaria a-evoluir posteriormente -

t~o que Bystrinagravechania-desegunda realidade Edgar Morin denominamiddot segunda existecircncia o domiacutenio deste uacuteniverso simboacutelico Tal como Bystrina Morin tambeacutem acredita no papel damorte como fundadora deste universo no decorrer do processo de hominizaccedilatildeo Em uma de suas principais -obras O Paradigma Perdido o autor assim se expressa

Significaccedilatildeo 23 bull 188

)i1iiMiacuten middot~r~Jeologla e conceitos

- r PorUacuteUacuteitD~tudo middotnos indicaquebullo Homor~apienHigtatinizdo ~middot pila ~ miJrte como por- uhza cataacute~trofe-uumlx~m~d~aacuten~lque

middot middot ~I middot vaf tfazer torisigo uma ansiedade espepiacutejjca 4 a_nguacutestia ou o hotilderror da morte que a presenccedila di morte pgssa a

middot ser middot um problema vivo isto eacute quacutee tr(Jbalha a sua vidg Tudo nos indica igualmente que esse hOacutemem natildeo soacute recusa

middot 1 essa morteacutebull mas quemiddot a rejeita transpotildee eresolve n() rrzito e na magid (Sid p95)

middot) ~ imiddotgt

Antes mesmo do surgitpento da ltlrte figurati~~ JaacuteH~rca _ccedili~ 3 5 niiacutelano~ a Ccedil aparecem Jaacutebullfofmas de grafismp Satildeo seqiecircncja~ d~ Iihhasmiddot gravadas em peckas e osso~- guardando entre e ias a mesma distacircncia que para LeroiGourhan satildeo as evidecircnccedilias mais a~tigas de um comportamento riacutetmico do middothomem e assinalam a certeza de qle obullgtafismo se inicia no abstrato-e caminha em direccedilatildeo agrave figuraccedilatilde concretit Para o autor este caminho tantas vezes middotseguido pelas artes histoacutericas leva-nos a admitir que c co1~respccedilmde a uma tendecircncia geral a um ciclo de maturaccedilatildeo onde o abstrato esteja realmente na base de uma expressatildeo graacutefica (slq 192) middot

middot middotmiddot As primeiras imagens figurativas comeccedilam a aparecer mais aacutebutJdantemente a partir de mais ou menos 30 milan0s atraacutes tend0 como suporte paredes de grutas eacute objetos moacuteveis como annas Ccedilon~ centram-se middotprincipa~entena Europabullsendo quemiddot as imagens parietais encuacutentram-setiasicatneacutente restritas agrave Espanha Franccedila ~ sul da Itaacute_shylia As descobertas damiddotarte paleoliacuteticamiddot satildeo relaacutetivamente recentes e aconteceramquasesimultaneamente a gruta de Chabotmiddot (1878) e Altamiraj na Espacircfi1la(iS~l~)4 bull bull bull bull

middot middot I

4 Achados arqueqloacutegicos mal recentes no ParqiJe Naccedilionalda Serra da Capiv_ara no PiaUuml(atildetesIacuteam a preseacutenCcedila middot de figurasmiddot antropomoacuterfieacuteagraves erh rochagraves do siacutetio

Toca damiddotBaStianamiddot~ue (falariam cleacute30 mil anos middotjr arqlieacute(lloga irasileirabull Niecircde Guidon responsaacutevebpelas ccedille_scobertas publiCOJ ~rn Jl986 na col)ceituada

I~ ~~vista Na~ure Q~j IJ~vl~ ~i VE)Stfgios de oc_~Pa~p huni~namiddot ~o ~n~ineacutente americano de 50 m1l anos atraacutes Sua teselomou-se bastante polecircmica em melo

agraveeomunidademiddotCitmtffica um a vez qUacutee refutava a hipoacutetese-mais aceita de que o -continente havia_recebiqo as prmeira~migraccedilotildeeshumana paacute cerca de 12mil anospela passagem do estreito de Bering lnformaccedilocircesciriais detalhadaacutes pOshydem ~e r endgtniacutefaetatildes no Iacutenfoacutermatlvci da Sobleacutedade Brasileiragrave paraacute oacute Progresso

middot da Ciecircncia Wwwjomaldacienciaorgbr bull

Alberto klei~

Seriam agraves pinturas e inscriccedilotildees parietais e moacuteveis do paleoliacutetico frutos dacapacidade imaginativa do artistaou manifestaccedilotildees religioshysas A dificuldade de responder a esta- questatildeo nasce justamente do fato de nosso olhar sobre a preacute-histoacuteria se contaminar de noccedilotildees atuais de arte ebull religiatildeo Poderiacuteamos neste instante concor-dar com Edgar Morin segundo o qual os fenocircmenos maacutegicos satildeo potencishyalmente esteacuteticos e os fenocircmenos middotesteacuteticosmiddot satildeo potencialmente maacutegicos (sd p98) Se se separar o artista do homem religioso a discussatildeo perde solidez conforme nos alerta Leroi-Gourhan Suas mensagens atraveacutes das figuras respondem a uma necessidade ao mesmo middot tempo jlsica middot e ps(quica de middotassegurar a apropriaccedilatildeo do tiniverso pelo indiviacuteduo ou grupo social de realizar a inserccedilatildeo do homem atraveacutes do aparelho simboacutelico no xampo movediccedilo~ aleatoacuterio que o envolve (sd 81-2) Este aparelho simboacutelico natildeo pode ser despido de um pensamento miacutetico e maacutegico Defrontamoshynos agora com as primeiras evidecircncias de uma relaccedilatildeo maacutegica entre homem e imagem e middotomiddotsuporte para as primeiras figuras desenhadas satildeo principalmente as paredes de grutas

Quais eram os temas mitoloacutegicos inscritos nas cavernas que este homem nos deixou Os estudos e anaacutelises empreendidos por Leroi-Gourhan satildeo uma das principais contribuiccedilotildees de sua obra A partir de um inventaacuterio destas figuras o paleontoacutelogo francecircs consshytatou trecircs nuacutecleos temaacuteticos que envolvem toda a arte no paleoliacutetico a saber animais seres humanos e signos Estes uacuteltimos apesar de sua natureza abstrata satildeo considerados pelo autor como siacutembolos sexuais do masculino e do feminino middotUma constataccedilatildeo impressioshynante eacute que natildeo haacute muitas variaccedilotildees de sentido nessas figuras messhymo cobrindo um periacuteodo que vai de 30 mil anos a C ateacute nove mil anos a C As anaacutelis~s e agravessociaccedilotildees feitas por Leroi-Gourhan pershymitem conCluir que animais (cavalo e bisonte aparecem COJl1 abunshydacircncia) figuras humanas e signos que aparecem muitas vezes com o seu par oposto constituem um tema binaacuterio com representaccedilotildees simboacutelicas do masculino e do feminino Uma das tarefas do autor eacute cruzar os nuacutecleos e tentar decifrar seus temas o que nos leva para um campo de dados probabiliacutesticos Apesar das sombras que pairam sobre a religiosidade na preacute-histoacuteria o paleontoacutelogo francecircs conclui

Significaccedilatildeo 23 bull 190

lmagen~ arqueologia e conceitos

q~e a co~stacircncia dos temas 4lfaQte um lqngo petjodo datildeo provas de um sistema simboacutelico de crenccedilas mais complexo do que se ~magishynara Assim afirma ao finalde seu livro

F al~a1rlnos ainda elementos para ccedillescreyer o progresvo enriqu~ccedil~mento e as variaccedilotildees regionqis do aparelho

mito graacutefico entre o firrz dp Solutrense e middoto Maqalenimse Meacutedio entre 15000 e 12 000 Conjuntos admirayccedillmente homogecircneos () atestanz que nesta eacutepqca entre o Loire e os Pirineus natildeo soacute o grupo central se tornou muito denso com a sua combinaccedilatildeo de pares de anim~ismiddot emshyparelhados por espeacuteci~s diferentes como ainda asjiguras de homens compoacutesitos os felinos os rinocerontes e ps animais sem cabeccedila que povoam os fundos criaram uma retaguarda densa de siacutembolos vinculados agrave zona mais iacutentima do misteacuterio (sd 134)

A conclusatildeo do autor acercado binarismo da arte paleoliacutetica converge com a posiccedilatildeo de Ivan Bystrina de que o middotprocesso de codificaccedilatildeo semioacutetica mais arcaico eacute o binaacuterio Dividir o mundo em dois representaria o modo pelo qual o homem comeccedila a organizar todo o aparato simboacutelico que o envolve As percepccedilotildees do masculino e do feminino damiddot noite e do dia das sensaccedilotildees de prazer e dor presentes na realidade biofisica do homem inspirariam aformaccedilatildeo de textos culturais com caracteriacutesticas duais No processo de desenshyvolvimento ontogecircnico do ser humano Harry Pross trata semelhantemente das experiecircncias preacute-predicativas do claroescuro e dentrofora constituindo-se como as raiacutezes da experiecircncia do hoshymem Por serjustamente a mais arcaica a divisatildeo binaacuteria eacute o mais forte modo de codificar a realidade No Cristianismo a ideacuteia do mal contrapondo-se a Deus encama-se na figura do Diabo5

no cinema e nas nove1as narrativas que possuem um acirrado dualismo satildeo as

I

5 A existecircncia do Diabo ou de um mal encamado natildeo estaacute muito clara no Antigo Testamento Apoacutes o cativeiro babilocircnico dos judeus e o consequumlente contato oom o Masdefsmo e o Zoroastrismo suas referecircncias se tornam claras e abundantes no Novo Testamento Portanto quando nasce o Cristianismo sua

Significaccedilatildeo 23 bull 191

que fazem maioacuter sucesso pois facilitam a absorccedilatildeo da mensagem pelo telespectadot middot

Aleacutem do binarismo doniinante nas figuras paleoliacuteticas po~ demos entrever tambeacutem um compromisso maacutegico na relaccedilatildeo entre homem e imagem a partir do qual oacute homem estende seu domiacutenio sobre a natureza Embora faltem elenierttos middot- seguros e comprobatoacuterios Leroi-Gourhan admite que o maioacuter argumento em favor deste comportamento estaacute nas imagens feridas de cavalos ou bisontes Isto poderia indicar um ritual a fim de garantir o ecircxito da caccedila Curioso poreacutem eacute que aacutes feridasmiddot aparecem soacutemente em 4 dasmiddot figuras de animais o que natildeo exclui a possibilidade de que o ferimento de um animal valeria tambeacutem para todo o rebanho O que estaacute middotemmiddot discussatildeo eacute a presenccedila demiddot uma mentalidade maacutegica que manipula siacutembolos com o objetivo de suprir eficazmente suas necessidades cotidianas~ Nas palavras de Jacques Maritain o signo maacutegico natildeo apenas faz os homens conhecerem ele faz as coisas serem eacute uma causa eficiente em si mesma (apud Notildeth 1996 p38) A magia implica em uma crenccedila de que as coisas possuem uma dupla existecircncia na qual os limites entre o signo e-o objeto representado encontram-se difusos O cavalo estaacute presente em -sua imagem ou melhor a imagem mental evocada pelo significante pode se confundir com o proacuteprio cavalo Eacute assim que passamos a projetar nossas visotildees sobre o mundo exterior ateacute ao ponto em que ambos se misturam A partirdo grafismo e da arte figurativa preacute-histoacuterica Edgar Morin vecirc traccedilos bastante convincentes deste encantamento do mundo

Portanto o que o grafismo mural nos revela eacute a ligaccedilatildeo imaginaacuteria com o mundo Por um lado a palavra o sinal o siacutembolo a figuraccedilatildeo vatildeo ininterruptamente re-apresentar ao espiacuterito mesmo na ausecircncia dele~ os seres e as coisas do mundo exterior e num certo sentido esses seres -e essas coisas pas~am a ser dotados de wn poder de invasatildeo Por outro lado satildeo as imagens mentais que invadem o mundo exterior Eacute nesta confusatildeo e para transpor esta

figura jaacute hagravevia sido fortemente caracterizada Sobre a histoacuteria do Diabo e as forma que ele assume no Cristianismo remetemos o leitor ao livro O Diabo no Imaginaacuterio Cristatildeo de Carlos Roberto F Nogueira

Significaccedilatildeo 23 bull 192

Imagembull arqueologia e conceitos

confusatildeo que se constroem o mito e a magia quer dizer uma organizaccedilatildeo ideoloacutegica e praacutetica daligaccedilatildeo imaginaacuteria COI)l o mando (sdlOO

Os exemplos dessa maneira maacutegica middotde pensar o mundo natildeo se esgotam no paleoliacutetico muito menos nas culturas primevas cooacuteJemporacircneas pois encontram-se tambeacutem nbs domiacuteniosmiddotdas divefsas fohilasmiddotde teliacute~iosidaacirce coritempocirctacirchea A proacuteptiaq-ustatildeo do uso dos iacutecones religiosos evidencia em muitos casos este compromisso hiaacutegicb e~tab~lecido com agravesimagens o antropoacutelogo James Prazer imbuiacutedbdeVmii vlisatilde6 positivistaassim se expressa a respeit0 da rhagia ( homem confundiu a middotordem de siuacutes UacuteUacuteias com a ordem da na tuteia~ iSsuumln imaginJu quemiddoto cdntroleacute que tem ou parece termiddot sobremiddot oacuteS seus pensainentOs perinitiuacute-lheacute exercitar um controle correspondente sobre as coisas (apud Notildeth 1996 p40) middot

Ao problema da imagem estaacute sempre ligada a questatildeo do duplo middotEspelho simulacro figlfraccedilatildeo a magia irrompe com intensishydade variaacutevel indepertdetiteniacuteehte da cultura tempo ou dos suporshytesmiddotque a imagem toma questiol)ando () homem sobre os limiares semi oacuteticos da representaccedilatildeo Muitas vezes a imagem eacute tomadagrave como mentira e se encontra diante da fuacute~ia dos ic()noc~asta~ mas a magia volta pois os fenocircmenos esteacuteticos satildeo potencialmente maacutegicos confmme nos _lembra Morin Je~dt Narciso(a ele estaacute associado o termo narcose) o encantamento ainda per~j~te Mas com ele conyivem col)traditoriamente a saturaccedilatildeo e a banalizaccedilatildeo em uma eacutepoca cob~rta pelas miacutedias middot middot

-Bibliografia

BAITELLO Jr lforvaL 1997 O animaque parou os eloacutegio~ Satildeo Paulo Anriablume

~ middotmiddot

BAUDRILLARDJ1991SimulacrosesimulaccedilatildeoLisboaReloacutegioDaacutegua

BELTING H 1994 Likeness and presence a history of the image before the era o f art Chicago London The University of Chishycago Press

Significaccedilatildeo 23 bull middot193

Alberto klein

BENJAMIN W 1969 Iluminations New York Schocken Books

BURKHARDT B 2004 Der streit um die wissenschaft der bilder Disponiacutevel em wwwtelepolisdedeutschinhaltlkonf1678111html Acesso em 20 de fevereiro

BYSTRINA 11995 Toacutepicos de semioacutetica da cultura Satildeo Paulo editado pelo Centro Interdisciplinar de Semioacutetica da Cultura do Programa de Poacutes-Qraduaccedilatildeo em Comunicaccedilatildeo e Semi oacutetica (PUC-SP)

__ 2002 Cosmo corpo cultura Enciclopeacutedia antropoloacutegica Christoph Wulf(org) Milano Mondadori

CONTRERA M S bull e HATTORI O T (org) 2003 Publicidade e cia Satildeo Paulo Pion(ira Thompson Leaming

ELIADE M 1978Histoacuteria das crenccedilas e das ideacuteias religiosas vl Rio de Janeiro Zahar

FLUSSER V 2002 Filosofia da caixa preta Rio de Janeiro Relume Dutparaacute

KAMPER D 2002 Estrutura temporal das imagens Disponiacutevel emlthttp~ciscorgbr Acesso em 20set

__ 1997 Os padecimentos dos olhos In Ensaios de Compleshyxidade PortoAlegre Sulina middot

LEROI~GOURHAN A sd As religiotildees da preacute-histoacuteria Lisboa Ediccedilotildees70 middot

-- _ sd O gesto e a palavra teacutecnica e linguagem Lisboa Ediccedilotildees 70 middot

MORIN E sd O paradigma perdido a natureza humana Lisshyboa Europa-Ameacuterica

NOGUEIRA C R F 1986 O diabo no imaginaacuterio cristatildeo Satildeo Paulo Aacutetica

__ 1996 Semioacutetica da magia In Dossiecirc Magia Revista da USP ndeg31 Satildeo Paulo USP Setembro outubro e novembro

PROSS H 1980 Estructura simboacutelica dei poder Barcelona Gustavo Gili

Significaccedilatildeo 23 bull 194

Alberto kleiacuten

ou seja a capacidade para-traduzir middotem siacutembolos a realidade material do mundo que o envolvia Aproprie- dade middotelementar da linguacuteagem consiste em criar paraleshylamente aobull mundo exterior um middotmUndo todo poderoso de siacutembolos sem os quais a inteligecircncia se revelaria ineficaz (sd~ p26)

Ivan Bystrina amparado pocriteacuterio deLeroi-Gourhan para detecccedilatildeo do pensamento maacutegico e religioso no homem cria o conshyceito de segunda realidade como o domiacutenio domiddots mitos rituais ma- -gia religiatildeo artes e todas as manifestaccedilotildees que natildeo se explicam por necessidades de soJgtrevivecircncia material do homem -uuml elemento fundante desta segundamiddot realidade que para Bystrina equivale ao conceito de cultura seria a consciecircncia damortei Se esta eacute o maior middot obstaacuteculo -daprimeira realidade (realidade biofisica e teacutecnica do hoacutemeril~ exigindo mecanismos de sobrevivecircncia material) eacute possiacutevel somente superaacute-la no plano simboacutelico Daiacute eacute que se middotestabelecem os shycompromissos hmnanos middotcommiddotos deuses e a -magia que a partir de entatildeo vatildeomiddot governara vida humana A cultura neste sentido eacute fruto da experiecircncia-humana da-morte~ Os vestigiqs de que o homem pratica rituais de enterro demiddot seus ~semelhantes haacute pelo menos somiddotmil anos muitas vezescomacompanhamento de floresjuntoacute ao oorpo aacutejmntam -tambeacutemapres~nccedila de uin rico universo simboacutelicoacutetoinadojaacute poacutermiddotum pensagravementomaacutegicoacute Em muitos casos as armas e utensiacutelios eram middot depositadosjunto com o morto o quacutee indicaria segundomiddot Edgar Morin umapossiacutevelmiddotpreservaccedilatildeo da-identidade depois da~morteacute -Umoutro middot casointeressaritesatildeo corposinurnados em-posiccedilatildeofetal evidenciandomiddot a middotcrenccedila middotdecrenasmiddotuacutemento depois da mortemiddot_ As priiacuteneirasmiddotpistagraves dos -funerais preacute-histoacutericos ainda natildeo registram o aparecimento de uma arte figurativa~ que comeCcedilaria a-evoluir posteriormente -

t~o que Bystrinagravechania-desegunda realidade Edgar Morin denominamiddot segunda existecircncia o domiacutenio deste uacuteniverso simboacutelico Tal como Bystrina Morin tambeacutem acredita no papel damorte como fundadora deste universo no decorrer do processo de hominizaccedilatildeo Em uma de suas principais -obras O Paradigma Perdido o autor assim se expressa

Significaccedilatildeo 23 bull 188

)i1iiMiacuten middot~r~Jeologla e conceitos

- r PorUacuteUacuteitD~tudo middotnos indicaquebullo Homor~apienHigtatinizdo ~middot pila ~ miJrte como por- uhza cataacute~trofe-uumlx~m~d~aacuten~lque

middot middot ~I middot vaf tfazer torisigo uma ansiedade espepiacutejjca 4 a_nguacutestia ou o hotilderror da morte que a presenccedila di morte pgssa a

middot ser middot um problema vivo isto eacute quacutee tr(Jbalha a sua vidg Tudo nos indica igualmente que esse hOacutemem natildeo soacute recusa

middot 1 essa morteacutebull mas quemiddot a rejeita transpotildee eresolve n() rrzito e na magid (Sid p95)

middot) ~ imiddotgt

Antes mesmo do surgitpento da ltlrte figurati~~ JaacuteH~rca _ccedili~ 3 5 niiacutelano~ a Ccedil aparecem Jaacutebullfofmas de grafismp Satildeo seqiecircncja~ d~ Iihhasmiddot gravadas em peckas e osso~- guardando entre e ias a mesma distacircncia que para LeroiGourhan satildeo as evidecircnccedilias mais a~tigas de um comportamento riacutetmico do middothomem e assinalam a certeza de qle obullgtafismo se inicia no abstrato-e caminha em direccedilatildeo agrave figuraccedilatilde concretit Para o autor este caminho tantas vezes middotseguido pelas artes histoacutericas leva-nos a admitir que c co1~respccedilmde a uma tendecircncia geral a um ciclo de maturaccedilatildeo onde o abstrato esteja realmente na base de uma expressatildeo graacutefica (slq 192) middot

middot middotmiddot As primeiras imagens figurativas comeccedilam a aparecer mais aacutebutJdantemente a partir de mais ou menos 30 milan0s atraacutes tend0 como suporte paredes de grutas eacute objetos moacuteveis como annas Ccedilon~ centram-se middotprincipa~entena Europabullsendo quemiddot as imagens parietais encuacutentram-setiasicatneacutente restritas agrave Espanha Franccedila ~ sul da Itaacute_shylia As descobertas damiddotarte paleoliacuteticamiddot satildeo relaacutetivamente recentes e aconteceramquasesimultaneamente a gruta de Chabotmiddot (1878) e Altamiraj na Espacircfi1la(iS~l~)4 bull bull bull bull

middot middot I

4 Achados arqueqloacutegicos mal recentes no ParqiJe Naccedilionalda Serra da Capiv_ara no PiaUuml(atildetesIacuteam a preseacutenCcedila middot de figurasmiddot antropomoacuterfieacuteagraves erh rochagraves do siacutetio

Toca damiddotBaStianamiddot~ue (falariam cleacute30 mil anos middotjr arqlieacute(lloga irasileirabull Niecircde Guidon responsaacutevebpelas ccedille_scobertas publiCOJ ~rn Jl986 na col)ceituada

I~ ~~vista Na~ure Q~j IJ~vl~ ~i VE)Stfgios de oc_~Pa~p huni~namiddot ~o ~n~ineacutente americano de 50 m1l anos atraacutes Sua teselomou-se bastante polecircmica em melo

agraveeomunidademiddotCitmtffica um a vez qUacutee refutava a hipoacutetese-mais aceita de que o -continente havia_recebiqo as prmeira~migraccedilotildeeshumana paacute cerca de 12mil anospela passagem do estreito de Bering lnformaccedilocircesciriais detalhadaacutes pOshydem ~e r endgtniacutefaetatildes no Iacutenfoacutermatlvci da Sobleacutedade Brasileiragrave paraacute oacute Progresso

middot da Ciecircncia Wwwjomaldacienciaorgbr bull

Alberto klei~

Seriam agraves pinturas e inscriccedilotildees parietais e moacuteveis do paleoliacutetico frutos dacapacidade imaginativa do artistaou manifestaccedilotildees religioshysas A dificuldade de responder a esta- questatildeo nasce justamente do fato de nosso olhar sobre a preacute-histoacuteria se contaminar de noccedilotildees atuais de arte ebull religiatildeo Poderiacuteamos neste instante concor-dar com Edgar Morin segundo o qual os fenocircmenos maacutegicos satildeo potencishyalmente esteacuteticos e os fenocircmenos middotesteacuteticosmiddot satildeo potencialmente maacutegicos (sd p98) Se se separar o artista do homem religioso a discussatildeo perde solidez conforme nos alerta Leroi-Gourhan Suas mensagens atraveacutes das figuras respondem a uma necessidade ao mesmo middot tempo jlsica middot e ps(quica de middotassegurar a apropriaccedilatildeo do tiniverso pelo indiviacuteduo ou grupo social de realizar a inserccedilatildeo do homem atraveacutes do aparelho simboacutelico no xampo movediccedilo~ aleatoacuterio que o envolve (sd 81-2) Este aparelho simboacutelico natildeo pode ser despido de um pensamento miacutetico e maacutegico Defrontamoshynos agora com as primeiras evidecircncias de uma relaccedilatildeo maacutegica entre homem e imagem e middotomiddotsuporte para as primeiras figuras desenhadas satildeo principalmente as paredes de grutas

Quais eram os temas mitoloacutegicos inscritos nas cavernas que este homem nos deixou Os estudos e anaacutelises empreendidos por Leroi-Gourhan satildeo uma das principais contribuiccedilotildees de sua obra A partir de um inventaacuterio destas figuras o paleontoacutelogo francecircs consshytatou trecircs nuacutecleos temaacuteticos que envolvem toda a arte no paleoliacutetico a saber animais seres humanos e signos Estes uacuteltimos apesar de sua natureza abstrata satildeo considerados pelo autor como siacutembolos sexuais do masculino e do feminino middotUma constataccedilatildeo impressioshynante eacute que natildeo haacute muitas variaccedilotildees de sentido nessas figuras messhymo cobrindo um periacuteodo que vai de 30 mil anos a C ateacute nove mil anos a C As anaacutelis~s e agravessociaccedilotildees feitas por Leroi-Gourhan pershymitem conCluir que animais (cavalo e bisonte aparecem COJl1 abunshydacircncia) figuras humanas e signos que aparecem muitas vezes com o seu par oposto constituem um tema binaacuterio com representaccedilotildees simboacutelicas do masculino e do feminino Uma das tarefas do autor eacute cruzar os nuacutecleos e tentar decifrar seus temas o que nos leva para um campo de dados probabiliacutesticos Apesar das sombras que pairam sobre a religiosidade na preacute-histoacuteria o paleontoacutelogo francecircs conclui

Significaccedilatildeo 23 bull 190

lmagen~ arqueologia e conceitos

q~e a co~stacircncia dos temas 4lfaQte um lqngo petjodo datildeo provas de um sistema simboacutelico de crenccedilas mais complexo do que se ~magishynara Assim afirma ao finalde seu livro

F al~a1rlnos ainda elementos para ccedillescreyer o progresvo enriqu~ccedil~mento e as variaccedilotildees regionqis do aparelho

mito graacutefico entre o firrz dp Solutrense e middoto Maqalenimse Meacutedio entre 15000 e 12 000 Conjuntos admirayccedillmente homogecircneos () atestanz que nesta eacutepqca entre o Loire e os Pirineus natildeo soacute o grupo central se tornou muito denso com a sua combinaccedilatildeo de pares de anim~ismiddot emshyparelhados por espeacuteci~s diferentes como ainda asjiguras de homens compoacutesitos os felinos os rinocerontes e ps animais sem cabeccedila que povoam os fundos criaram uma retaguarda densa de siacutembolos vinculados agrave zona mais iacutentima do misteacuterio (sd 134)

A conclusatildeo do autor acercado binarismo da arte paleoliacutetica converge com a posiccedilatildeo de Ivan Bystrina de que o middotprocesso de codificaccedilatildeo semioacutetica mais arcaico eacute o binaacuterio Dividir o mundo em dois representaria o modo pelo qual o homem comeccedila a organizar todo o aparato simboacutelico que o envolve As percepccedilotildees do masculino e do feminino damiddot noite e do dia das sensaccedilotildees de prazer e dor presentes na realidade biofisica do homem inspirariam aformaccedilatildeo de textos culturais com caracteriacutesticas duais No processo de desenshyvolvimento ontogecircnico do ser humano Harry Pross trata semelhantemente das experiecircncias preacute-predicativas do claroescuro e dentrofora constituindo-se como as raiacutezes da experiecircncia do hoshymem Por serjustamente a mais arcaica a divisatildeo binaacuteria eacute o mais forte modo de codificar a realidade No Cristianismo a ideacuteia do mal contrapondo-se a Deus encama-se na figura do Diabo5

no cinema e nas nove1as narrativas que possuem um acirrado dualismo satildeo as

I

5 A existecircncia do Diabo ou de um mal encamado natildeo estaacute muito clara no Antigo Testamento Apoacutes o cativeiro babilocircnico dos judeus e o consequumlente contato oom o Masdefsmo e o Zoroastrismo suas referecircncias se tornam claras e abundantes no Novo Testamento Portanto quando nasce o Cristianismo sua

Significaccedilatildeo 23 bull 191

que fazem maioacuter sucesso pois facilitam a absorccedilatildeo da mensagem pelo telespectadot middot

Aleacutem do binarismo doniinante nas figuras paleoliacuteticas po~ demos entrever tambeacutem um compromisso maacutegico na relaccedilatildeo entre homem e imagem a partir do qual oacute homem estende seu domiacutenio sobre a natureza Embora faltem elenierttos middot- seguros e comprobatoacuterios Leroi-Gourhan admite que o maioacuter argumento em favor deste comportamento estaacute nas imagens feridas de cavalos ou bisontes Isto poderia indicar um ritual a fim de garantir o ecircxito da caccedila Curioso poreacutem eacute que aacutes feridasmiddot aparecem soacutemente em 4 dasmiddot figuras de animais o que natildeo exclui a possibilidade de que o ferimento de um animal valeria tambeacutem para todo o rebanho O que estaacute middotemmiddot discussatildeo eacute a presenccedila demiddot uma mentalidade maacutegica que manipula siacutembolos com o objetivo de suprir eficazmente suas necessidades cotidianas~ Nas palavras de Jacques Maritain o signo maacutegico natildeo apenas faz os homens conhecerem ele faz as coisas serem eacute uma causa eficiente em si mesma (apud Notildeth 1996 p38) A magia implica em uma crenccedila de que as coisas possuem uma dupla existecircncia na qual os limites entre o signo e-o objeto representado encontram-se difusos O cavalo estaacute presente em -sua imagem ou melhor a imagem mental evocada pelo significante pode se confundir com o proacuteprio cavalo Eacute assim que passamos a projetar nossas visotildees sobre o mundo exterior ateacute ao ponto em que ambos se misturam A partirdo grafismo e da arte figurativa preacute-histoacuterica Edgar Morin vecirc traccedilos bastante convincentes deste encantamento do mundo

Portanto o que o grafismo mural nos revela eacute a ligaccedilatildeo imaginaacuteria com o mundo Por um lado a palavra o sinal o siacutembolo a figuraccedilatildeo vatildeo ininterruptamente re-apresentar ao espiacuterito mesmo na ausecircncia dele~ os seres e as coisas do mundo exterior e num certo sentido esses seres -e essas coisas pas~am a ser dotados de wn poder de invasatildeo Por outro lado satildeo as imagens mentais que invadem o mundo exterior Eacute nesta confusatildeo e para transpor esta

figura jaacute hagravevia sido fortemente caracterizada Sobre a histoacuteria do Diabo e as forma que ele assume no Cristianismo remetemos o leitor ao livro O Diabo no Imaginaacuterio Cristatildeo de Carlos Roberto F Nogueira

Significaccedilatildeo 23 bull 192

Imagembull arqueologia e conceitos

confusatildeo que se constroem o mito e a magia quer dizer uma organizaccedilatildeo ideoloacutegica e praacutetica daligaccedilatildeo imaginaacuteria COI)l o mando (sdlOO

Os exemplos dessa maneira maacutegica middotde pensar o mundo natildeo se esgotam no paleoliacutetico muito menos nas culturas primevas cooacuteJemporacircneas pois encontram-se tambeacutem nbs domiacuteniosmiddotdas divefsas fohilasmiddotde teliacute~iosidaacirce coritempocirctacirchea A proacuteptiaq-ustatildeo do uso dos iacutecones religiosos evidencia em muitos casos este compromisso hiaacutegicb e~tab~lecido com agravesimagens o antropoacutelogo James Prazer imbuiacutedbdeVmii vlisatilde6 positivistaassim se expressa a respeit0 da rhagia ( homem confundiu a middotordem de siuacutes UacuteUacuteias com a ordem da na tuteia~ iSsuumln imaginJu quemiddoto cdntroleacute que tem ou parece termiddot sobremiddot oacuteS seus pensainentOs perinitiuacute-lheacute exercitar um controle correspondente sobre as coisas (apud Notildeth 1996 p40) middot

Ao problema da imagem estaacute sempre ligada a questatildeo do duplo middotEspelho simulacro figlfraccedilatildeo a magia irrompe com intensishydade variaacutevel indepertdetiteniacuteehte da cultura tempo ou dos suporshytesmiddotque a imagem toma questiol)ando () homem sobre os limiares semi oacuteticos da representaccedilatildeo Muitas vezes a imagem eacute tomadagrave como mentira e se encontra diante da fuacute~ia dos ic()noc~asta~ mas a magia volta pois os fenocircmenos esteacuteticos satildeo potencialmente maacutegicos confmme nos _lembra Morin Je~dt Narciso(a ele estaacute associado o termo narcose) o encantamento ainda per~j~te Mas com ele conyivem col)traditoriamente a saturaccedilatildeo e a banalizaccedilatildeo em uma eacutepoca cob~rta pelas miacutedias middot middot

-Bibliografia

BAITELLO Jr lforvaL 1997 O animaque parou os eloacutegio~ Satildeo Paulo Anriablume

~ middotmiddot

BAUDRILLARDJ1991SimulacrosesimulaccedilatildeoLisboaReloacutegioDaacutegua

BELTING H 1994 Likeness and presence a history of the image before the era o f art Chicago London The University of Chishycago Press

Significaccedilatildeo 23 bull middot193

Alberto klein

BENJAMIN W 1969 Iluminations New York Schocken Books

BURKHARDT B 2004 Der streit um die wissenschaft der bilder Disponiacutevel em wwwtelepolisdedeutschinhaltlkonf1678111html Acesso em 20 de fevereiro

BYSTRINA 11995 Toacutepicos de semioacutetica da cultura Satildeo Paulo editado pelo Centro Interdisciplinar de Semioacutetica da Cultura do Programa de Poacutes-Qraduaccedilatildeo em Comunicaccedilatildeo e Semi oacutetica (PUC-SP)

__ 2002 Cosmo corpo cultura Enciclopeacutedia antropoloacutegica Christoph Wulf(org) Milano Mondadori

CONTRERA M S bull e HATTORI O T (org) 2003 Publicidade e cia Satildeo Paulo Pion(ira Thompson Leaming

ELIADE M 1978Histoacuteria das crenccedilas e das ideacuteias religiosas vl Rio de Janeiro Zahar

FLUSSER V 2002 Filosofia da caixa preta Rio de Janeiro Relume Dutparaacute

KAMPER D 2002 Estrutura temporal das imagens Disponiacutevel emlthttp~ciscorgbr Acesso em 20set

__ 1997 Os padecimentos dos olhos In Ensaios de Compleshyxidade PortoAlegre Sulina middot

LEROI~GOURHAN A sd As religiotildees da preacute-histoacuteria Lisboa Ediccedilotildees70 middot

-- _ sd O gesto e a palavra teacutecnica e linguagem Lisboa Ediccedilotildees 70 middot

MORIN E sd O paradigma perdido a natureza humana Lisshyboa Europa-Ameacuterica

NOGUEIRA C R F 1986 O diabo no imaginaacuterio cristatildeo Satildeo Paulo Aacutetica

__ 1996 Semioacutetica da magia In Dossiecirc Magia Revista da USP ndeg31 Satildeo Paulo USP Setembro outubro e novembro

PROSS H 1980 Estructura simboacutelica dei poder Barcelona Gustavo Gili

Significaccedilatildeo 23 bull 194

)i1iiMiacuten middot~r~Jeologla e conceitos

- r PorUacuteUacuteitD~tudo middotnos indicaquebullo Homor~apienHigtatinizdo ~middot pila ~ miJrte como por- uhza cataacute~trofe-uumlx~m~d~aacuten~lque

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middot ser middot um problema vivo isto eacute quacutee tr(Jbalha a sua vidg Tudo nos indica igualmente que esse hOacutemem natildeo soacute recusa

middot 1 essa morteacutebull mas quemiddot a rejeita transpotildee eresolve n() rrzito e na magid (Sid p95)

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Antes mesmo do surgitpento da ltlrte figurati~~ JaacuteH~rca _ccedili~ 3 5 niiacutelano~ a Ccedil aparecem Jaacutebullfofmas de grafismp Satildeo seqiecircncja~ d~ Iihhasmiddot gravadas em peckas e osso~- guardando entre e ias a mesma distacircncia que para LeroiGourhan satildeo as evidecircnccedilias mais a~tigas de um comportamento riacutetmico do middothomem e assinalam a certeza de qle obullgtafismo se inicia no abstrato-e caminha em direccedilatildeo agrave figuraccedilatilde concretit Para o autor este caminho tantas vezes middotseguido pelas artes histoacutericas leva-nos a admitir que c co1~respccedilmde a uma tendecircncia geral a um ciclo de maturaccedilatildeo onde o abstrato esteja realmente na base de uma expressatildeo graacutefica (slq 192) middot

middot middotmiddot As primeiras imagens figurativas comeccedilam a aparecer mais aacutebutJdantemente a partir de mais ou menos 30 milan0s atraacutes tend0 como suporte paredes de grutas eacute objetos moacuteveis como annas Ccedilon~ centram-se middotprincipa~entena Europabullsendo quemiddot as imagens parietais encuacutentram-setiasicatneacutente restritas agrave Espanha Franccedila ~ sul da Itaacute_shylia As descobertas damiddotarte paleoliacuteticamiddot satildeo relaacutetivamente recentes e aconteceramquasesimultaneamente a gruta de Chabotmiddot (1878) e Altamiraj na Espacircfi1la(iS~l~)4 bull bull bull bull

middot middot I

4 Achados arqueqloacutegicos mal recentes no ParqiJe Naccedilionalda Serra da Capiv_ara no PiaUuml(atildetesIacuteam a preseacutenCcedila middot de figurasmiddot antropomoacuterfieacuteagraves erh rochagraves do siacutetio

Toca damiddotBaStianamiddot~ue (falariam cleacute30 mil anos middotjr arqlieacute(lloga irasileirabull Niecircde Guidon responsaacutevebpelas ccedille_scobertas publiCOJ ~rn Jl986 na col)ceituada

I~ ~~vista Na~ure Q~j IJ~vl~ ~i VE)Stfgios de oc_~Pa~p huni~namiddot ~o ~n~ineacutente americano de 50 m1l anos atraacutes Sua teselomou-se bastante polecircmica em melo

agraveeomunidademiddotCitmtffica um a vez qUacutee refutava a hipoacutetese-mais aceita de que o -continente havia_recebiqo as prmeira~migraccedilotildeeshumana paacute cerca de 12mil anospela passagem do estreito de Bering lnformaccedilocircesciriais detalhadaacutes pOshydem ~e r endgtniacutefaetatildes no Iacutenfoacutermatlvci da Sobleacutedade Brasileiragrave paraacute oacute Progresso

middot da Ciecircncia Wwwjomaldacienciaorgbr bull

Alberto klei~

Seriam agraves pinturas e inscriccedilotildees parietais e moacuteveis do paleoliacutetico frutos dacapacidade imaginativa do artistaou manifestaccedilotildees religioshysas A dificuldade de responder a esta- questatildeo nasce justamente do fato de nosso olhar sobre a preacute-histoacuteria se contaminar de noccedilotildees atuais de arte ebull religiatildeo Poderiacuteamos neste instante concor-dar com Edgar Morin segundo o qual os fenocircmenos maacutegicos satildeo potencishyalmente esteacuteticos e os fenocircmenos middotesteacuteticosmiddot satildeo potencialmente maacutegicos (sd p98) Se se separar o artista do homem religioso a discussatildeo perde solidez conforme nos alerta Leroi-Gourhan Suas mensagens atraveacutes das figuras respondem a uma necessidade ao mesmo middot tempo jlsica middot e ps(quica de middotassegurar a apropriaccedilatildeo do tiniverso pelo indiviacuteduo ou grupo social de realizar a inserccedilatildeo do homem atraveacutes do aparelho simboacutelico no xampo movediccedilo~ aleatoacuterio que o envolve (sd 81-2) Este aparelho simboacutelico natildeo pode ser despido de um pensamento miacutetico e maacutegico Defrontamoshynos agora com as primeiras evidecircncias de uma relaccedilatildeo maacutegica entre homem e imagem e middotomiddotsuporte para as primeiras figuras desenhadas satildeo principalmente as paredes de grutas

Quais eram os temas mitoloacutegicos inscritos nas cavernas que este homem nos deixou Os estudos e anaacutelises empreendidos por Leroi-Gourhan satildeo uma das principais contribuiccedilotildees de sua obra A partir de um inventaacuterio destas figuras o paleontoacutelogo francecircs consshytatou trecircs nuacutecleos temaacuteticos que envolvem toda a arte no paleoliacutetico a saber animais seres humanos e signos Estes uacuteltimos apesar de sua natureza abstrata satildeo considerados pelo autor como siacutembolos sexuais do masculino e do feminino middotUma constataccedilatildeo impressioshynante eacute que natildeo haacute muitas variaccedilotildees de sentido nessas figuras messhymo cobrindo um periacuteodo que vai de 30 mil anos a C ateacute nove mil anos a C As anaacutelis~s e agravessociaccedilotildees feitas por Leroi-Gourhan pershymitem conCluir que animais (cavalo e bisonte aparecem COJl1 abunshydacircncia) figuras humanas e signos que aparecem muitas vezes com o seu par oposto constituem um tema binaacuterio com representaccedilotildees simboacutelicas do masculino e do feminino Uma das tarefas do autor eacute cruzar os nuacutecleos e tentar decifrar seus temas o que nos leva para um campo de dados probabiliacutesticos Apesar das sombras que pairam sobre a religiosidade na preacute-histoacuteria o paleontoacutelogo francecircs conclui

Significaccedilatildeo 23 bull 190

lmagen~ arqueologia e conceitos

q~e a co~stacircncia dos temas 4lfaQte um lqngo petjodo datildeo provas de um sistema simboacutelico de crenccedilas mais complexo do que se ~magishynara Assim afirma ao finalde seu livro

F al~a1rlnos ainda elementos para ccedillescreyer o progresvo enriqu~ccedil~mento e as variaccedilotildees regionqis do aparelho

mito graacutefico entre o firrz dp Solutrense e middoto Maqalenimse Meacutedio entre 15000 e 12 000 Conjuntos admirayccedillmente homogecircneos () atestanz que nesta eacutepqca entre o Loire e os Pirineus natildeo soacute o grupo central se tornou muito denso com a sua combinaccedilatildeo de pares de anim~ismiddot emshyparelhados por espeacuteci~s diferentes como ainda asjiguras de homens compoacutesitos os felinos os rinocerontes e ps animais sem cabeccedila que povoam os fundos criaram uma retaguarda densa de siacutembolos vinculados agrave zona mais iacutentima do misteacuterio (sd 134)

A conclusatildeo do autor acercado binarismo da arte paleoliacutetica converge com a posiccedilatildeo de Ivan Bystrina de que o middotprocesso de codificaccedilatildeo semioacutetica mais arcaico eacute o binaacuterio Dividir o mundo em dois representaria o modo pelo qual o homem comeccedila a organizar todo o aparato simboacutelico que o envolve As percepccedilotildees do masculino e do feminino damiddot noite e do dia das sensaccedilotildees de prazer e dor presentes na realidade biofisica do homem inspirariam aformaccedilatildeo de textos culturais com caracteriacutesticas duais No processo de desenshyvolvimento ontogecircnico do ser humano Harry Pross trata semelhantemente das experiecircncias preacute-predicativas do claroescuro e dentrofora constituindo-se como as raiacutezes da experiecircncia do hoshymem Por serjustamente a mais arcaica a divisatildeo binaacuteria eacute o mais forte modo de codificar a realidade No Cristianismo a ideacuteia do mal contrapondo-se a Deus encama-se na figura do Diabo5

no cinema e nas nove1as narrativas que possuem um acirrado dualismo satildeo as

I

5 A existecircncia do Diabo ou de um mal encamado natildeo estaacute muito clara no Antigo Testamento Apoacutes o cativeiro babilocircnico dos judeus e o consequumlente contato oom o Masdefsmo e o Zoroastrismo suas referecircncias se tornam claras e abundantes no Novo Testamento Portanto quando nasce o Cristianismo sua

Significaccedilatildeo 23 bull 191

que fazem maioacuter sucesso pois facilitam a absorccedilatildeo da mensagem pelo telespectadot middot

Aleacutem do binarismo doniinante nas figuras paleoliacuteticas po~ demos entrever tambeacutem um compromisso maacutegico na relaccedilatildeo entre homem e imagem a partir do qual oacute homem estende seu domiacutenio sobre a natureza Embora faltem elenierttos middot- seguros e comprobatoacuterios Leroi-Gourhan admite que o maioacuter argumento em favor deste comportamento estaacute nas imagens feridas de cavalos ou bisontes Isto poderia indicar um ritual a fim de garantir o ecircxito da caccedila Curioso poreacutem eacute que aacutes feridasmiddot aparecem soacutemente em 4 dasmiddot figuras de animais o que natildeo exclui a possibilidade de que o ferimento de um animal valeria tambeacutem para todo o rebanho O que estaacute middotemmiddot discussatildeo eacute a presenccedila demiddot uma mentalidade maacutegica que manipula siacutembolos com o objetivo de suprir eficazmente suas necessidades cotidianas~ Nas palavras de Jacques Maritain o signo maacutegico natildeo apenas faz os homens conhecerem ele faz as coisas serem eacute uma causa eficiente em si mesma (apud Notildeth 1996 p38) A magia implica em uma crenccedila de que as coisas possuem uma dupla existecircncia na qual os limites entre o signo e-o objeto representado encontram-se difusos O cavalo estaacute presente em -sua imagem ou melhor a imagem mental evocada pelo significante pode se confundir com o proacuteprio cavalo Eacute assim que passamos a projetar nossas visotildees sobre o mundo exterior ateacute ao ponto em que ambos se misturam A partirdo grafismo e da arte figurativa preacute-histoacuterica Edgar Morin vecirc traccedilos bastante convincentes deste encantamento do mundo

Portanto o que o grafismo mural nos revela eacute a ligaccedilatildeo imaginaacuteria com o mundo Por um lado a palavra o sinal o siacutembolo a figuraccedilatildeo vatildeo ininterruptamente re-apresentar ao espiacuterito mesmo na ausecircncia dele~ os seres e as coisas do mundo exterior e num certo sentido esses seres -e essas coisas pas~am a ser dotados de wn poder de invasatildeo Por outro lado satildeo as imagens mentais que invadem o mundo exterior Eacute nesta confusatildeo e para transpor esta

figura jaacute hagravevia sido fortemente caracterizada Sobre a histoacuteria do Diabo e as forma que ele assume no Cristianismo remetemos o leitor ao livro O Diabo no Imaginaacuterio Cristatildeo de Carlos Roberto F Nogueira

Significaccedilatildeo 23 bull 192

Imagembull arqueologia e conceitos

confusatildeo que se constroem o mito e a magia quer dizer uma organizaccedilatildeo ideoloacutegica e praacutetica daligaccedilatildeo imaginaacuteria COI)l o mando (sdlOO

Os exemplos dessa maneira maacutegica middotde pensar o mundo natildeo se esgotam no paleoliacutetico muito menos nas culturas primevas cooacuteJemporacircneas pois encontram-se tambeacutem nbs domiacuteniosmiddotdas divefsas fohilasmiddotde teliacute~iosidaacirce coritempocirctacirchea A proacuteptiaq-ustatildeo do uso dos iacutecones religiosos evidencia em muitos casos este compromisso hiaacutegicb e~tab~lecido com agravesimagens o antropoacutelogo James Prazer imbuiacutedbdeVmii vlisatilde6 positivistaassim se expressa a respeit0 da rhagia ( homem confundiu a middotordem de siuacutes UacuteUacuteias com a ordem da na tuteia~ iSsuumln imaginJu quemiddoto cdntroleacute que tem ou parece termiddot sobremiddot oacuteS seus pensainentOs perinitiuacute-lheacute exercitar um controle correspondente sobre as coisas (apud Notildeth 1996 p40) middot

Ao problema da imagem estaacute sempre ligada a questatildeo do duplo middotEspelho simulacro figlfraccedilatildeo a magia irrompe com intensishydade variaacutevel indepertdetiteniacuteehte da cultura tempo ou dos suporshytesmiddotque a imagem toma questiol)ando () homem sobre os limiares semi oacuteticos da representaccedilatildeo Muitas vezes a imagem eacute tomadagrave como mentira e se encontra diante da fuacute~ia dos ic()noc~asta~ mas a magia volta pois os fenocircmenos esteacuteticos satildeo potencialmente maacutegicos confmme nos _lembra Morin Je~dt Narciso(a ele estaacute associado o termo narcose) o encantamento ainda per~j~te Mas com ele conyivem col)traditoriamente a saturaccedilatildeo e a banalizaccedilatildeo em uma eacutepoca cob~rta pelas miacutedias middot middot

-Bibliografia

BAITELLO Jr lforvaL 1997 O animaque parou os eloacutegio~ Satildeo Paulo Anriablume

~ middotmiddot

BAUDRILLARDJ1991SimulacrosesimulaccedilatildeoLisboaReloacutegioDaacutegua

BELTING H 1994 Likeness and presence a history of the image before the era o f art Chicago London The University of Chishycago Press

Significaccedilatildeo 23 bull middot193

Alberto klein

BENJAMIN W 1969 Iluminations New York Schocken Books

BURKHARDT B 2004 Der streit um die wissenschaft der bilder Disponiacutevel em wwwtelepolisdedeutschinhaltlkonf1678111html Acesso em 20 de fevereiro

BYSTRINA 11995 Toacutepicos de semioacutetica da cultura Satildeo Paulo editado pelo Centro Interdisciplinar de Semioacutetica da Cultura do Programa de Poacutes-Qraduaccedilatildeo em Comunicaccedilatildeo e Semi oacutetica (PUC-SP)

__ 2002 Cosmo corpo cultura Enciclopeacutedia antropoloacutegica Christoph Wulf(org) Milano Mondadori

CONTRERA M S bull e HATTORI O T (org) 2003 Publicidade e cia Satildeo Paulo Pion(ira Thompson Leaming

ELIADE M 1978Histoacuteria das crenccedilas e das ideacuteias religiosas vl Rio de Janeiro Zahar

FLUSSER V 2002 Filosofia da caixa preta Rio de Janeiro Relume Dutparaacute

KAMPER D 2002 Estrutura temporal das imagens Disponiacutevel emlthttp~ciscorgbr Acesso em 20set

__ 1997 Os padecimentos dos olhos In Ensaios de Compleshyxidade PortoAlegre Sulina middot

LEROI~GOURHAN A sd As religiotildees da preacute-histoacuteria Lisboa Ediccedilotildees70 middot

-- _ sd O gesto e a palavra teacutecnica e linguagem Lisboa Ediccedilotildees 70 middot

MORIN E sd O paradigma perdido a natureza humana Lisshyboa Europa-Ameacuterica

NOGUEIRA C R F 1986 O diabo no imaginaacuterio cristatildeo Satildeo Paulo Aacutetica

__ 1996 Semioacutetica da magia In Dossiecirc Magia Revista da USP ndeg31 Satildeo Paulo USP Setembro outubro e novembro

PROSS H 1980 Estructura simboacutelica dei poder Barcelona Gustavo Gili

Significaccedilatildeo 23 bull 194

Alberto klei~

Seriam agraves pinturas e inscriccedilotildees parietais e moacuteveis do paleoliacutetico frutos dacapacidade imaginativa do artistaou manifestaccedilotildees religioshysas A dificuldade de responder a esta- questatildeo nasce justamente do fato de nosso olhar sobre a preacute-histoacuteria se contaminar de noccedilotildees atuais de arte ebull religiatildeo Poderiacuteamos neste instante concor-dar com Edgar Morin segundo o qual os fenocircmenos maacutegicos satildeo potencishyalmente esteacuteticos e os fenocircmenos middotesteacuteticosmiddot satildeo potencialmente maacutegicos (sd p98) Se se separar o artista do homem religioso a discussatildeo perde solidez conforme nos alerta Leroi-Gourhan Suas mensagens atraveacutes das figuras respondem a uma necessidade ao mesmo middot tempo jlsica middot e ps(quica de middotassegurar a apropriaccedilatildeo do tiniverso pelo indiviacuteduo ou grupo social de realizar a inserccedilatildeo do homem atraveacutes do aparelho simboacutelico no xampo movediccedilo~ aleatoacuterio que o envolve (sd 81-2) Este aparelho simboacutelico natildeo pode ser despido de um pensamento miacutetico e maacutegico Defrontamoshynos agora com as primeiras evidecircncias de uma relaccedilatildeo maacutegica entre homem e imagem e middotomiddotsuporte para as primeiras figuras desenhadas satildeo principalmente as paredes de grutas

Quais eram os temas mitoloacutegicos inscritos nas cavernas que este homem nos deixou Os estudos e anaacutelises empreendidos por Leroi-Gourhan satildeo uma das principais contribuiccedilotildees de sua obra A partir de um inventaacuterio destas figuras o paleontoacutelogo francecircs consshytatou trecircs nuacutecleos temaacuteticos que envolvem toda a arte no paleoliacutetico a saber animais seres humanos e signos Estes uacuteltimos apesar de sua natureza abstrata satildeo considerados pelo autor como siacutembolos sexuais do masculino e do feminino middotUma constataccedilatildeo impressioshynante eacute que natildeo haacute muitas variaccedilotildees de sentido nessas figuras messhymo cobrindo um periacuteodo que vai de 30 mil anos a C ateacute nove mil anos a C As anaacutelis~s e agravessociaccedilotildees feitas por Leroi-Gourhan pershymitem conCluir que animais (cavalo e bisonte aparecem COJl1 abunshydacircncia) figuras humanas e signos que aparecem muitas vezes com o seu par oposto constituem um tema binaacuterio com representaccedilotildees simboacutelicas do masculino e do feminino Uma das tarefas do autor eacute cruzar os nuacutecleos e tentar decifrar seus temas o que nos leva para um campo de dados probabiliacutesticos Apesar das sombras que pairam sobre a religiosidade na preacute-histoacuteria o paleontoacutelogo francecircs conclui

Significaccedilatildeo 23 bull 190

lmagen~ arqueologia e conceitos

q~e a co~stacircncia dos temas 4lfaQte um lqngo petjodo datildeo provas de um sistema simboacutelico de crenccedilas mais complexo do que se ~magishynara Assim afirma ao finalde seu livro

F al~a1rlnos ainda elementos para ccedillescreyer o progresvo enriqu~ccedil~mento e as variaccedilotildees regionqis do aparelho

mito graacutefico entre o firrz dp Solutrense e middoto Maqalenimse Meacutedio entre 15000 e 12 000 Conjuntos admirayccedillmente homogecircneos () atestanz que nesta eacutepqca entre o Loire e os Pirineus natildeo soacute o grupo central se tornou muito denso com a sua combinaccedilatildeo de pares de anim~ismiddot emshyparelhados por espeacuteci~s diferentes como ainda asjiguras de homens compoacutesitos os felinos os rinocerontes e ps animais sem cabeccedila que povoam os fundos criaram uma retaguarda densa de siacutembolos vinculados agrave zona mais iacutentima do misteacuterio (sd 134)

A conclusatildeo do autor acercado binarismo da arte paleoliacutetica converge com a posiccedilatildeo de Ivan Bystrina de que o middotprocesso de codificaccedilatildeo semioacutetica mais arcaico eacute o binaacuterio Dividir o mundo em dois representaria o modo pelo qual o homem comeccedila a organizar todo o aparato simboacutelico que o envolve As percepccedilotildees do masculino e do feminino damiddot noite e do dia das sensaccedilotildees de prazer e dor presentes na realidade biofisica do homem inspirariam aformaccedilatildeo de textos culturais com caracteriacutesticas duais No processo de desenshyvolvimento ontogecircnico do ser humano Harry Pross trata semelhantemente das experiecircncias preacute-predicativas do claroescuro e dentrofora constituindo-se como as raiacutezes da experiecircncia do hoshymem Por serjustamente a mais arcaica a divisatildeo binaacuteria eacute o mais forte modo de codificar a realidade No Cristianismo a ideacuteia do mal contrapondo-se a Deus encama-se na figura do Diabo5

no cinema e nas nove1as narrativas que possuem um acirrado dualismo satildeo as

I

5 A existecircncia do Diabo ou de um mal encamado natildeo estaacute muito clara no Antigo Testamento Apoacutes o cativeiro babilocircnico dos judeus e o consequumlente contato oom o Masdefsmo e o Zoroastrismo suas referecircncias se tornam claras e abundantes no Novo Testamento Portanto quando nasce o Cristianismo sua

Significaccedilatildeo 23 bull 191

que fazem maioacuter sucesso pois facilitam a absorccedilatildeo da mensagem pelo telespectadot middot

Aleacutem do binarismo doniinante nas figuras paleoliacuteticas po~ demos entrever tambeacutem um compromisso maacutegico na relaccedilatildeo entre homem e imagem a partir do qual oacute homem estende seu domiacutenio sobre a natureza Embora faltem elenierttos middot- seguros e comprobatoacuterios Leroi-Gourhan admite que o maioacuter argumento em favor deste comportamento estaacute nas imagens feridas de cavalos ou bisontes Isto poderia indicar um ritual a fim de garantir o ecircxito da caccedila Curioso poreacutem eacute que aacutes feridasmiddot aparecem soacutemente em 4 dasmiddot figuras de animais o que natildeo exclui a possibilidade de que o ferimento de um animal valeria tambeacutem para todo o rebanho O que estaacute middotemmiddot discussatildeo eacute a presenccedila demiddot uma mentalidade maacutegica que manipula siacutembolos com o objetivo de suprir eficazmente suas necessidades cotidianas~ Nas palavras de Jacques Maritain o signo maacutegico natildeo apenas faz os homens conhecerem ele faz as coisas serem eacute uma causa eficiente em si mesma (apud Notildeth 1996 p38) A magia implica em uma crenccedila de que as coisas possuem uma dupla existecircncia na qual os limites entre o signo e-o objeto representado encontram-se difusos O cavalo estaacute presente em -sua imagem ou melhor a imagem mental evocada pelo significante pode se confundir com o proacuteprio cavalo Eacute assim que passamos a projetar nossas visotildees sobre o mundo exterior ateacute ao ponto em que ambos se misturam A partirdo grafismo e da arte figurativa preacute-histoacuterica Edgar Morin vecirc traccedilos bastante convincentes deste encantamento do mundo

Portanto o que o grafismo mural nos revela eacute a ligaccedilatildeo imaginaacuteria com o mundo Por um lado a palavra o sinal o siacutembolo a figuraccedilatildeo vatildeo ininterruptamente re-apresentar ao espiacuterito mesmo na ausecircncia dele~ os seres e as coisas do mundo exterior e num certo sentido esses seres -e essas coisas pas~am a ser dotados de wn poder de invasatildeo Por outro lado satildeo as imagens mentais que invadem o mundo exterior Eacute nesta confusatildeo e para transpor esta

figura jaacute hagravevia sido fortemente caracterizada Sobre a histoacuteria do Diabo e as forma que ele assume no Cristianismo remetemos o leitor ao livro O Diabo no Imaginaacuterio Cristatildeo de Carlos Roberto F Nogueira

Significaccedilatildeo 23 bull 192

Imagembull arqueologia e conceitos

confusatildeo que se constroem o mito e a magia quer dizer uma organizaccedilatildeo ideoloacutegica e praacutetica daligaccedilatildeo imaginaacuteria COI)l o mando (sdlOO

Os exemplos dessa maneira maacutegica middotde pensar o mundo natildeo se esgotam no paleoliacutetico muito menos nas culturas primevas cooacuteJemporacircneas pois encontram-se tambeacutem nbs domiacuteniosmiddotdas divefsas fohilasmiddotde teliacute~iosidaacirce coritempocirctacirchea A proacuteptiaq-ustatildeo do uso dos iacutecones religiosos evidencia em muitos casos este compromisso hiaacutegicb e~tab~lecido com agravesimagens o antropoacutelogo James Prazer imbuiacutedbdeVmii vlisatilde6 positivistaassim se expressa a respeit0 da rhagia ( homem confundiu a middotordem de siuacutes UacuteUacuteias com a ordem da na tuteia~ iSsuumln imaginJu quemiddoto cdntroleacute que tem ou parece termiddot sobremiddot oacuteS seus pensainentOs perinitiuacute-lheacute exercitar um controle correspondente sobre as coisas (apud Notildeth 1996 p40) middot

Ao problema da imagem estaacute sempre ligada a questatildeo do duplo middotEspelho simulacro figlfraccedilatildeo a magia irrompe com intensishydade variaacutevel indepertdetiteniacuteehte da cultura tempo ou dos suporshytesmiddotque a imagem toma questiol)ando () homem sobre os limiares semi oacuteticos da representaccedilatildeo Muitas vezes a imagem eacute tomadagrave como mentira e se encontra diante da fuacute~ia dos ic()noc~asta~ mas a magia volta pois os fenocircmenos esteacuteticos satildeo potencialmente maacutegicos confmme nos _lembra Morin Je~dt Narciso(a ele estaacute associado o termo narcose) o encantamento ainda per~j~te Mas com ele conyivem col)traditoriamente a saturaccedilatildeo e a banalizaccedilatildeo em uma eacutepoca cob~rta pelas miacutedias middot middot

-Bibliografia

BAITELLO Jr lforvaL 1997 O animaque parou os eloacutegio~ Satildeo Paulo Anriablume

~ middotmiddot

BAUDRILLARDJ1991SimulacrosesimulaccedilatildeoLisboaReloacutegioDaacutegua

BELTING H 1994 Likeness and presence a history of the image before the era o f art Chicago London The University of Chishycago Press

Significaccedilatildeo 23 bull middot193

Alberto klein

BENJAMIN W 1969 Iluminations New York Schocken Books

BURKHARDT B 2004 Der streit um die wissenschaft der bilder Disponiacutevel em wwwtelepolisdedeutschinhaltlkonf1678111html Acesso em 20 de fevereiro

BYSTRINA 11995 Toacutepicos de semioacutetica da cultura Satildeo Paulo editado pelo Centro Interdisciplinar de Semioacutetica da Cultura do Programa de Poacutes-Qraduaccedilatildeo em Comunicaccedilatildeo e Semi oacutetica (PUC-SP)

__ 2002 Cosmo corpo cultura Enciclopeacutedia antropoloacutegica Christoph Wulf(org) Milano Mondadori

CONTRERA M S bull e HATTORI O T (org) 2003 Publicidade e cia Satildeo Paulo Pion(ira Thompson Leaming

ELIADE M 1978Histoacuteria das crenccedilas e das ideacuteias religiosas vl Rio de Janeiro Zahar

FLUSSER V 2002 Filosofia da caixa preta Rio de Janeiro Relume Dutparaacute

KAMPER D 2002 Estrutura temporal das imagens Disponiacutevel emlthttp~ciscorgbr Acesso em 20set

__ 1997 Os padecimentos dos olhos In Ensaios de Compleshyxidade PortoAlegre Sulina middot

LEROI~GOURHAN A sd As religiotildees da preacute-histoacuteria Lisboa Ediccedilotildees70 middot

-- _ sd O gesto e a palavra teacutecnica e linguagem Lisboa Ediccedilotildees 70 middot

MORIN E sd O paradigma perdido a natureza humana Lisshyboa Europa-Ameacuterica

NOGUEIRA C R F 1986 O diabo no imaginaacuterio cristatildeo Satildeo Paulo Aacutetica

__ 1996 Semioacutetica da magia In Dossiecirc Magia Revista da USP ndeg31 Satildeo Paulo USP Setembro outubro e novembro

PROSS H 1980 Estructura simboacutelica dei poder Barcelona Gustavo Gili

Significaccedilatildeo 23 bull 194

lmagen~ arqueologia e conceitos

q~e a co~stacircncia dos temas 4lfaQte um lqngo petjodo datildeo provas de um sistema simboacutelico de crenccedilas mais complexo do que se ~magishynara Assim afirma ao finalde seu livro

F al~a1rlnos ainda elementos para ccedillescreyer o progresvo enriqu~ccedil~mento e as variaccedilotildees regionqis do aparelho

mito graacutefico entre o firrz dp Solutrense e middoto Maqalenimse Meacutedio entre 15000 e 12 000 Conjuntos admirayccedillmente homogecircneos () atestanz que nesta eacutepqca entre o Loire e os Pirineus natildeo soacute o grupo central se tornou muito denso com a sua combinaccedilatildeo de pares de anim~ismiddot emshyparelhados por espeacuteci~s diferentes como ainda asjiguras de homens compoacutesitos os felinos os rinocerontes e ps animais sem cabeccedila que povoam os fundos criaram uma retaguarda densa de siacutembolos vinculados agrave zona mais iacutentima do misteacuterio (sd 134)

A conclusatildeo do autor acercado binarismo da arte paleoliacutetica converge com a posiccedilatildeo de Ivan Bystrina de que o middotprocesso de codificaccedilatildeo semioacutetica mais arcaico eacute o binaacuterio Dividir o mundo em dois representaria o modo pelo qual o homem comeccedila a organizar todo o aparato simboacutelico que o envolve As percepccedilotildees do masculino e do feminino damiddot noite e do dia das sensaccedilotildees de prazer e dor presentes na realidade biofisica do homem inspirariam aformaccedilatildeo de textos culturais com caracteriacutesticas duais No processo de desenshyvolvimento ontogecircnico do ser humano Harry Pross trata semelhantemente das experiecircncias preacute-predicativas do claroescuro e dentrofora constituindo-se como as raiacutezes da experiecircncia do hoshymem Por serjustamente a mais arcaica a divisatildeo binaacuteria eacute o mais forte modo de codificar a realidade No Cristianismo a ideacuteia do mal contrapondo-se a Deus encama-se na figura do Diabo5

no cinema e nas nove1as narrativas que possuem um acirrado dualismo satildeo as

I

5 A existecircncia do Diabo ou de um mal encamado natildeo estaacute muito clara no Antigo Testamento Apoacutes o cativeiro babilocircnico dos judeus e o consequumlente contato oom o Masdefsmo e o Zoroastrismo suas referecircncias se tornam claras e abundantes no Novo Testamento Portanto quando nasce o Cristianismo sua

Significaccedilatildeo 23 bull 191

que fazem maioacuter sucesso pois facilitam a absorccedilatildeo da mensagem pelo telespectadot middot

Aleacutem do binarismo doniinante nas figuras paleoliacuteticas po~ demos entrever tambeacutem um compromisso maacutegico na relaccedilatildeo entre homem e imagem a partir do qual oacute homem estende seu domiacutenio sobre a natureza Embora faltem elenierttos middot- seguros e comprobatoacuterios Leroi-Gourhan admite que o maioacuter argumento em favor deste comportamento estaacute nas imagens feridas de cavalos ou bisontes Isto poderia indicar um ritual a fim de garantir o ecircxito da caccedila Curioso poreacutem eacute que aacutes feridasmiddot aparecem soacutemente em 4 dasmiddot figuras de animais o que natildeo exclui a possibilidade de que o ferimento de um animal valeria tambeacutem para todo o rebanho O que estaacute middotemmiddot discussatildeo eacute a presenccedila demiddot uma mentalidade maacutegica que manipula siacutembolos com o objetivo de suprir eficazmente suas necessidades cotidianas~ Nas palavras de Jacques Maritain o signo maacutegico natildeo apenas faz os homens conhecerem ele faz as coisas serem eacute uma causa eficiente em si mesma (apud Notildeth 1996 p38) A magia implica em uma crenccedila de que as coisas possuem uma dupla existecircncia na qual os limites entre o signo e-o objeto representado encontram-se difusos O cavalo estaacute presente em -sua imagem ou melhor a imagem mental evocada pelo significante pode se confundir com o proacuteprio cavalo Eacute assim que passamos a projetar nossas visotildees sobre o mundo exterior ateacute ao ponto em que ambos se misturam A partirdo grafismo e da arte figurativa preacute-histoacuterica Edgar Morin vecirc traccedilos bastante convincentes deste encantamento do mundo

Portanto o que o grafismo mural nos revela eacute a ligaccedilatildeo imaginaacuteria com o mundo Por um lado a palavra o sinal o siacutembolo a figuraccedilatildeo vatildeo ininterruptamente re-apresentar ao espiacuterito mesmo na ausecircncia dele~ os seres e as coisas do mundo exterior e num certo sentido esses seres -e essas coisas pas~am a ser dotados de wn poder de invasatildeo Por outro lado satildeo as imagens mentais que invadem o mundo exterior Eacute nesta confusatildeo e para transpor esta

figura jaacute hagravevia sido fortemente caracterizada Sobre a histoacuteria do Diabo e as forma que ele assume no Cristianismo remetemos o leitor ao livro O Diabo no Imaginaacuterio Cristatildeo de Carlos Roberto F Nogueira

Significaccedilatildeo 23 bull 192

Imagembull arqueologia e conceitos

confusatildeo que se constroem o mito e a magia quer dizer uma organizaccedilatildeo ideoloacutegica e praacutetica daligaccedilatildeo imaginaacuteria COI)l o mando (sdlOO

Os exemplos dessa maneira maacutegica middotde pensar o mundo natildeo se esgotam no paleoliacutetico muito menos nas culturas primevas cooacuteJemporacircneas pois encontram-se tambeacutem nbs domiacuteniosmiddotdas divefsas fohilasmiddotde teliacute~iosidaacirce coritempocirctacirchea A proacuteptiaq-ustatildeo do uso dos iacutecones religiosos evidencia em muitos casos este compromisso hiaacutegicb e~tab~lecido com agravesimagens o antropoacutelogo James Prazer imbuiacutedbdeVmii vlisatilde6 positivistaassim se expressa a respeit0 da rhagia ( homem confundiu a middotordem de siuacutes UacuteUacuteias com a ordem da na tuteia~ iSsuumln imaginJu quemiddoto cdntroleacute que tem ou parece termiddot sobremiddot oacuteS seus pensainentOs perinitiuacute-lheacute exercitar um controle correspondente sobre as coisas (apud Notildeth 1996 p40) middot

Ao problema da imagem estaacute sempre ligada a questatildeo do duplo middotEspelho simulacro figlfraccedilatildeo a magia irrompe com intensishydade variaacutevel indepertdetiteniacuteehte da cultura tempo ou dos suporshytesmiddotque a imagem toma questiol)ando () homem sobre os limiares semi oacuteticos da representaccedilatildeo Muitas vezes a imagem eacute tomadagrave como mentira e se encontra diante da fuacute~ia dos ic()noc~asta~ mas a magia volta pois os fenocircmenos esteacuteticos satildeo potencialmente maacutegicos confmme nos _lembra Morin Je~dt Narciso(a ele estaacute associado o termo narcose) o encantamento ainda per~j~te Mas com ele conyivem col)traditoriamente a saturaccedilatildeo e a banalizaccedilatildeo em uma eacutepoca cob~rta pelas miacutedias middot middot

-Bibliografia

BAITELLO Jr lforvaL 1997 O animaque parou os eloacutegio~ Satildeo Paulo Anriablume

~ middotmiddot

BAUDRILLARDJ1991SimulacrosesimulaccedilatildeoLisboaReloacutegioDaacutegua

BELTING H 1994 Likeness and presence a history of the image before the era o f art Chicago London The University of Chishycago Press

Significaccedilatildeo 23 bull middot193

Alberto klein

BENJAMIN W 1969 Iluminations New York Schocken Books

BURKHARDT B 2004 Der streit um die wissenschaft der bilder Disponiacutevel em wwwtelepolisdedeutschinhaltlkonf1678111html Acesso em 20 de fevereiro

BYSTRINA 11995 Toacutepicos de semioacutetica da cultura Satildeo Paulo editado pelo Centro Interdisciplinar de Semioacutetica da Cultura do Programa de Poacutes-Qraduaccedilatildeo em Comunicaccedilatildeo e Semi oacutetica (PUC-SP)

__ 2002 Cosmo corpo cultura Enciclopeacutedia antropoloacutegica Christoph Wulf(org) Milano Mondadori

CONTRERA M S bull e HATTORI O T (org) 2003 Publicidade e cia Satildeo Paulo Pion(ira Thompson Leaming

ELIADE M 1978Histoacuteria das crenccedilas e das ideacuteias religiosas vl Rio de Janeiro Zahar

FLUSSER V 2002 Filosofia da caixa preta Rio de Janeiro Relume Dutparaacute

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__ 1997 Os padecimentos dos olhos In Ensaios de Compleshyxidade PortoAlegre Sulina middot

LEROI~GOURHAN A sd As religiotildees da preacute-histoacuteria Lisboa Ediccedilotildees70 middot

-- _ sd O gesto e a palavra teacutecnica e linguagem Lisboa Ediccedilotildees 70 middot

MORIN E sd O paradigma perdido a natureza humana Lisshyboa Europa-Ameacuterica

NOGUEIRA C R F 1986 O diabo no imaginaacuterio cristatildeo Satildeo Paulo Aacutetica

__ 1996 Semioacutetica da magia In Dossiecirc Magia Revista da USP ndeg31 Satildeo Paulo USP Setembro outubro e novembro

PROSS H 1980 Estructura simboacutelica dei poder Barcelona Gustavo Gili

Significaccedilatildeo 23 bull 194

que fazem maioacuter sucesso pois facilitam a absorccedilatildeo da mensagem pelo telespectadot middot

Aleacutem do binarismo doniinante nas figuras paleoliacuteticas po~ demos entrever tambeacutem um compromisso maacutegico na relaccedilatildeo entre homem e imagem a partir do qual oacute homem estende seu domiacutenio sobre a natureza Embora faltem elenierttos middot- seguros e comprobatoacuterios Leroi-Gourhan admite que o maioacuter argumento em favor deste comportamento estaacute nas imagens feridas de cavalos ou bisontes Isto poderia indicar um ritual a fim de garantir o ecircxito da caccedila Curioso poreacutem eacute que aacutes feridasmiddot aparecem soacutemente em 4 dasmiddot figuras de animais o que natildeo exclui a possibilidade de que o ferimento de um animal valeria tambeacutem para todo o rebanho O que estaacute middotemmiddot discussatildeo eacute a presenccedila demiddot uma mentalidade maacutegica que manipula siacutembolos com o objetivo de suprir eficazmente suas necessidades cotidianas~ Nas palavras de Jacques Maritain o signo maacutegico natildeo apenas faz os homens conhecerem ele faz as coisas serem eacute uma causa eficiente em si mesma (apud Notildeth 1996 p38) A magia implica em uma crenccedila de que as coisas possuem uma dupla existecircncia na qual os limites entre o signo e-o objeto representado encontram-se difusos O cavalo estaacute presente em -sua imagem ou melhor a imagem mental evocada pelo significante pode se confundir com o proacuteprio cavalo Eacute assim que passamos a projetar nossas visotildees sobre o mundo exterior ateacute ao ponto em que ambos se misturam A partirdo grafismo e da arte figurativa preacute-histoacuterica Edgar Morin vecirc traccedilos bastante convincentes deste encantamento do mundo

Portanto o que o grafismo mural nos revela eacute a ligaccedilatildeo imaginaacuteria com o mundo Por um lado a palavra o sinal o siacutembolo a figuraccedilatildeo vatildeo ininterruptamente re-apresentar ao espiacuterito mesmo na ausecircncia dele~ os seres e as coisas do mundo exterior e num certo sentido esses seres -e essas coisas pas~am a ser dotados de wn poder de invasatildeo Por outro lado satildeo as imagens mentais que invadem o mundo exterior Eacute nesta confusatildeo e para transpor esta

figura jaacute hagravevia sido fortemente caracterizada Sobre a histoacuteria do Diabo e as forma que ele assume no Cristianismo remetemos o leitor ao livro O Diabo no Imaginaacuterio Cristatildeo de Carlos Roberto F Nogueira

Significaccedilatildeo 23 bull 192

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confusatildeo que se constroem o mito e a magia quer dizer uma organizaccedilatildeo ideoloacutegica e praacutetica daligaccedilatildeo imaginaacuteria COI)l o mando (sdlOO

Os exemplos dessa maneira maacutegica middotde pensar o mundo natildeo se esgotam no paleoliacutetico muito menos nas culturas primevas cooacuteJemporacircneas pois encontram-se tambeacutem nbs domiacuteniosmiddotdas divefsas fohilasmiddotde teliacute~iosidaacirce coritempocirctacirchea A proacuteptiaq-ustatildeo do uso dos iacutecones religiosos evidencia em muitos casos este compromisso hiaacutegicb e~tab~lecido com agravesimagens o antropoacutelogo James Prazer imbuiacutedbdeVmii vlisatilde6 positivistaassim se expressa a respeit0 da rhagia ( homem confundiu a middotordem de siuacutes UacuteUacuteias com a ordem da na tuteia~ iSsuumln imaginJu quemiddoto cdntroleacute que tem ou parece termiddot sobremiddot oacuteS seus pensainentOs perinitiuacute-lheacute exercitar um controle correspondente sobre as coisas (apud Notildeth 1996 p40) middot

Ao problema da imagem estaacute sempre ligada a questatildeo do duplo middotEspelho simulacro figlfraccedilatildeo a magia irrompe com intensishydade variaacutevel indepertdetiteniacuteehte da cultura tempo ou dos suporshytesmiddotque a imagem toma questiol)ando () homem sobre os limiares semi oacuteticos da representaccedilatildeo Muitas vezes a imagem eacute tomadagrave como mentira e se encontra diante da fuacute~ia dos ic()noc~asta~ mas a magia volta pois os fenocircmenos esteacuteticos satildeo potencialmente maacutegicos confmme nos _lembra Morin Je~dt Narciso(a ele estaacute associado o termo narcose) o encantamento ainda per~j~te Mas com ele conyivem col)traditoriamente a saturaccedilatildeo e a banalizaccedilatildeo em uma eacutepoca cob~rta pelas miacutedias middot middot

-Bibliografia

BAITELLO Jr lforvaL 1997 O animaque parou os eloacutegio~ Satildeo Paulo Anriablume

~ middotmiddot

BAUDRILLARDJ1991SimulacrosesimulaccedilatildeoLisboaReloacutegioDaacutegua

BELTING H 1994 Likeness and presence a history of the image before the era o f art Chicago London The University of Chishycago Press

Significaccedilatildeo 23 bull middot193

Alberto klein

BENJAMIN W 1969 Iluminations New York Schocken Books

BURKHARDT B 2004 Der streit um die wissenschaft der bilder Disponiacutevel em wwwtelepolisdedeutschinhaltlkonf1678111html Acesso em 20 de fevereiro

BYSTRINA 11995 Toacutepicos de semioacutetica da cultura Satildeo Paulo editado pelo Centro Interdisciplinar de Semioacutetica da Cultura do Programa de Poacutes-Qraduaccedilatildeo em Comunicaccedilatildeo e Semi oacutetica (PUC-SP)

__ 2002 Cosmo corpo cultura Enciclopeacutedia antropoloacutegica Christoph Wulf(org) Milano Mondadori

CONTRERA M S bull e HATTORI O T (org) 2003 Publicidade e cia Satildeo Paulo Pion(ira Thompson Leaming

ELIADE M 1978Histoacuteria das crenccedilas e das ideacuteias religiosas vl Rio de Janeiro Zahar

FLUSSER V 2002 Filosofia da caixa preta Rio de Janeiro Relume Dutparaacute

KAMPER D 2002 Estrutura temporal das imagens Disponiacutevel emlthttp~ciscorgbr Acesso em 20set

__ 1997 Os padecimentos dos olhos In Ensaios de Compleshyxidade PortoAlegre Sulina middot

LEROI~GOURHAN A sd As religiotildees da preacute-histoacuteria Lisboa Ediccedilotildees70 middot

-- _ sd O gesto e a palavra teacutecnica e linguagem Lisboa Ediccedilotildees 70 middot

MORIN E sd O paradigma perdido a natureza humana Lisshyboa Europa-Ameacuterica

NOGUEIRA C R F 1986 O diabo no imaginaacuterio cristatildeo Satildeo Paulo Aacutetica

__ 1996 Semioacutetica da magia In Dossiecirc Magia Revista da USP ndeg31 Satildeo Paulo USP Setembro outubro e novembro

PROSS H 1980 Estructura simboacutelica dei poder Barcelona Gustavo Gili

Significaccedilatildeo 23 bull 194

Imagembull arqueologia e conceitos

confusatildeo que se constroem o mito e a magia quer dizer uma organizaccedilatildeo ideoloacutegica e praacutetica daligaccedilatildeo imaginaacuteria COI)l o mando (sdlOO

Os exemplos dessa maneira maacutegica middotde pensar o mundo natildeo se esgotam no paleoliacutetico muito menos nas culturas primevas cooacuteJemporacircneas pois encontram-se tambeacutem nbs domiacuteniosmiddotdas divefsas fohilasmiddotde teliacute~iosidaacirce coritempocirctacirchea A proacuteptiaq-ustatildeo do uso dos iacutecones religiosos evidencia em muitos casos este compromisso hiaacutegicb e~tab~lecido com agravesimagens o antropoacutelogo James Prazer imbuiacutedbdeVmii vlisatilde6 positivistaassim se expressa a respeit0 da rhagia ( homem confundiu a middotordem de siuacutes UacuteUacuteias com a ordem da na tuteia~ iSsuumln imaginJu quemiddoto cdntroleacute que tem ou parece termiddot sobremiddot oacuteS seus pensainentOs perinitiuacute-lheacute exercitar um controle correspondente sobre as coisas (apud Notildeth 1996 p40) middot

Ao problema da imagem estaacute sempre ligada a questatildeo do duplo middotEspelho simulacro figlfraccedilatildeo a magia irrompe com intensishydade variaacutevel indepertdetiteniacuteehte da cultura tempo ou dos suporshytesmiddotque a imagem toma questiol)ando () homem sobre os limiares semi oacuteticos da representaccedilatildeo Muitas vezes a imagem eacute tomadagrave como mentira e se encontra diante da fuacute~ia dos ic()noc~asta~ mas a magia volta pois os fenocircmenos esteacuteticos satildeo potencialmente maacutegicos confmme nos _lembra Morin Je~dt Narciso(a ele estaacute associado o termo narcose) o encantamento ainda per~j~te Mas com ele conyivem col)traditoriamente a saturaccedilatildeo e a banalizaccedilatildeo em uma eacutepoca cob~rta pelas miacutedias middot middot

-Bibliografia

BAITELLO Jr lforvaL 1997 O animaque parou os eloacutegio~ Satildeo Paulo Anriablume

~ middotmiddot

BAUDRILLARDJ1991SimulacrosesimulaccedilatildeoLisboaReloacutegioDaacutegua

BELTING H 1994 Likeness and presence a history of the image before the era o f art Chicago London The University of Chishycago Press

Significaccedilatildeo 23 bull middot193

Alberto klein

BENJAMIN W 1969 Iluminations New York Schocken Books

BURKHARDT B 2004 Der streit um die wissenschaft der bilder Disponiacutevel em wwwtelepolisdedeutschinhaltlkonf1678111html Acesso em 20 de fevereiro

BYSTRINA 11995 Toacutepicos de semioacutetica da cultura Satildeo Paulo editado pelo Centro Interdisciplinar de Semioacutetica da Cultura do Programa de Poacutes-Qraduaccedilatildeo em Comunicaccedilatildeo e Semi oacutetica (PUC-SP)

__ 2002 Cosmo corpo cultura Enciclopeacutedia antropoloacutegica Christoph Wulf(org) Milano Mondadori

CONTRERA M S bull e HATTORI O T (org) 2003 Publicidade e cia Satildeo Paulo Pion(ira Thompson Leaming

ELIADE M 1978Histoacuteria das crenccedilas e das ideacuteias religiosas vl Rio de Janeiro Zahar

FLUSSER V 2002 Filosofia da caixa preta Rio de Janeiro Relume Dutparaacute

KAMPER D 2002 Estrutura temporal das imagens Disponiacutevel emlthttp~ciscorgbr Acesso em 20set

__ 1997 Os padecimentos dos olhos In Ensaios de Compleshyxidade PortoAlegre Sulina middot

LEROI~GOURHAN A sd As religiotildees da preacute-histoacuteria Lisboa Ediccedilotildees70 middot

-- _ sd O gesto e a palavra teacutecnica e linguagem Lisboa Ediccedilotildees 70 middot

MORIN E sd O paradigma perdido a natureza humana Lisshyboa Europa-Ameacuterica

NOGUEIRA C R F 1986 O diabo no imaginaacuterio cristatildeo Satildeo Paulo Aacutetica

__ 1996 Semioacutetica da magia In Dossiecirc Magia Revista da USP ndeg31 Satildeo Paulo USP Setembro outubro e novembro

PROSS H 1980 Estructura simboacutelica dei poder Barcelona Gustavo Gili

Significaccedilatildeo 23 bull 194

Alberto klein

BENJAMIN W 1969 Iluminations New York Schocken Books

BURKHARDT B 2004 Der streit um die wissenschaft der bilder Disponiacutevel em wwwtelepolisdedeutschinhaltlkonf1678111html Acesso em 20 de fevereiro

BYSTRINA 11995 Toacutepicos de semioacutetica da cultura Satildeo Paulo editado pelo Centro Interdisciplinar de Semioacutetica da Cultura do Programa de Poacutes-Qraduaccedilatildeo em Comunicaccedilatildeo e Semi oacutetica (PUC-SP)

__ 2002 Cosmo corpo cultura Enciclopeacutedia antropoloacutegica Christoph Wulf(org) Milano Mondadori

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ELIADE M 1978Histoacuteria das crenccedilas e das ideacuteias religiosas vl Rio de Janeiro Zahar

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__ 1997 Os padecimentos dos olhos In Ensaios de Compleshyxidade PortoAlegre Sulina middot

LEROI~GOURHAN A sd As religiotildees da preacute-histoacuteria Lisboa Ediccedilotildees70 middot

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MORIN E sd O paradigma perdido a natureza humana Lisshyboa Europa-Ameacuterica

NOGUEIRA C R F 1986 O diabo no imaginaacuterio cristatildeo Satildeo Paulo Aacutetica

__ 1996 Semioacutetica da magia In Dossiecirc Magia Revista da USP ndeg31 Satildeo Paulo USP Setembro outubro e novembro

PROSS H 1980 Estructura simboacutelica dei poder Barcelona Gustavo Gili

Significaccedilatildeo 23 bull 194