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1 IMAGEM E TEXTO: CRIAÇÃO DE HISTÓRIAS EM QUADRINHOS EM SALA DE AULA Aline da Silva Ferreira (Mestranda em Educação/ Universidade Federal de Alagoas - UFAL (82) 9918- 3245/ 8815-3878/ [email protected] ). ORIENTADOR/CO-AUTOR: Eduardo Calil (Pós- Doutor/ Universidade Federal de Alagoas – UFAL/ (82) 9988-7545/ [email protected]). RESUMO: As histórias em quadrinhos (HQ) são valorizadas por livros didáticos (FERREIRA, 2007) e pesquisadores enfatizam sua influência no ensino (CALIL, 2008) devido a aspectos como a articulação entre elementos verbais e não-verbais. Todavia, praticamente inexistem trabalhos que investiguem de que modo alunos interagem com as imagens de uma HQ e como ocorre a criação de texto a partir delas, nosso ponto de reflexão. Assim, estamos analisando 144 manuscritos escolares produzidos por alunos do 2º ano do Ensino Fundamental a partir de propostas pertencentes ao projeto didático “Gibi na Sala” coordenado pelo profº Dr. Eduardo Calil. As HQ selecionadas para as propostas foram curtas e com supressão de todas as marcas lingüísticas e os alunos escreveram em díade o que “faltava” para que a história ficasse “mais engraçada”. Encontramos desde a descrição das imagens dos quadrinhos até diálogos entre personagens, caracterizando uma apropriação pelo aluno do gênero. PALAVRAS-CHAVE: história em quadrinhos, imagem e texto, criação. 1. Processo de criação com histórias em quadrinhos Os estudos sobre os processos de criação de texto em sala de aula, apesar de escassos, encontram em trabalhos recentes avanços significativos, a exemplo dos trabalhos de Calil (2008) e Felipeto (2008), voltados para a análise de histórias inventadas e poesia, gêneros fortemente presentes em práticas de textualização efetivadas nas séries iniciais do Ensino Fundamental. Em se tratando das histórias em quadrinhos (HQ), estas são valorizadas por

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IMAGEM E TEXTO: CRIAÇÃO DE HISTÓRIAS EM QUADRINHOS EM SALA DE

AULA

Aline da Silva Ferreira (Mestranda em Educação/ Universidade Federal de Alagoas - UFAL (82) 9918-

3245/ 8815-3878/ [email protected]). ORIENTADOR/CO-AUTOR: Eduardo Calil (Pós-Doutor/ Universidade Federal de Alagoas – UFAL/

(82) 9988-7545/ [email protected]).

RESUMO: As histórias em quadrinhos (HQ) são valorizadas por livros didáticos (FERREIRA, 2007) e pesquisadores enfatizam sua influência no ensino (CALIL, 2008) devido a aspectos como a articulação entre elementos verbais e não-verbais. Todavia, praticamente inexistem trabalhos que investiguem de que modo alunos interagem com as imagens de uma HQ e como ocorre a criação de texto a partir delas, nosso ponto de reflexão. Assim, estamos analisando 144 manuscritos escolares produzidos por alunos do 2º ano do Ensino Fundamental a partir de propostas pertencentes ao projeto didático “Gibi na Sala” coordenado pelo profº Dr. Eduardo Calil. As HQ selecionadas para as propostas foram curtas e com supressão de todas as marcas lingüísticas e os alunos escreveram em díade o que “faltava” para que a história ficasse “mais engraçada”. Encontramos desde a descrição das imagens dos quadrinhos até diálogos entre personagens, caracterizando uma apropriação pelo aluno do gênero. PALAVRAS-CHAVE: história em quadrinhos, imagem e texto, criação.

1. Processo de criação com histórias em quadrinhos

Os estudos sobre os processos de criação de texto em sala de aula, apesar de escassos,

encontram em trabalhos recentes avanços significativos, a exemplo dos trabalhos de Calil

(2008) e Felipeto (2008), voltados para a análise de histórias inventadas e poesia, gêneros

fortemente presentes em práticas de textualização efetivadas nas séries iniciais do Ensino

Fundamental. Em se tratando das histórias em quadrinhos (HQ), estas são valorizadas por

2

livros didáticos de Língua Portuguesa (FERREIRA, 2007) e pesquisadores defenderem sua

presença no ensino (VERGUEIRO, 2004; CARVALHO, 2006), entre outros aspectos devido

a articulação entre elementos verbais e não-verbais.

Entretanto, nota-se que apesar da aceitação das HQ enquanto objeto de leitura e

valioso recurso no ensino elas ainda não foram de fato incorporadas ao elenco de textos com

que a escola trabalha, nem alcançaram a devida atenção das pesquisas acadêmicas.

(MENDONÇA, 2005, p. 195). De maneira que praticamente inexistem trabalhos que

investiguem de que modo alunos interagem com as imagens de uma HQ e como ocorre a

criação de texto a partir delas, foco de nossa investigação.

No que diz respeito a questão historias em quadrinhos e ensino, Calil (2008) acredita

que há uma relação entre a criança e as HQ, gênero capaz de exercer influência nos textos

escritos nessa faixa etária. Em sua concepção, do lado de fora da escola, e com uma maior

antecedência, um outro olhar sobre o universo infantil tem sido dado por uma literatura

especializada que, alarga seus títulos, recursos e modos de aproximação com este público, a

exemplo dos quadrinhos.

A partir do cruzamento entre a escrita produzida em um momento inicial do processo

de alfabetização e a literatura infantil hoje, Calil (2008) seguiu o percurso dos textos escritos

por uma menina de seis anos identificando de que modo estes textos guardam relação com o

universo letrado que envolve a criança em sua fase inicial de escrita. Segundo o autor a

literatura infantil pode exercer efeitos sobre estes manuscritos, sem as restrições diretas

impostas por um contexto escolar. Calil buscou conhecer algumas características dos

quadrinhos visando interpretar a relação entre esse universo literário e o que aparece nos

manuscritos; e notou a importância desses aspectos bem como a riqueza dos códigos,

convenções e recursos utilizados nos quadrinhos.

2. Elementos das histórias em quadrinhos

Observa-se que nas HQ há uma sobreposição de palavra e imagem, onde arte e

literatura superpõem-se mutuamente (EISNER, 1989). Eisner e Carvalho (2006) acreditam

que os quadrinhos criam uma linguagem ao empregar palavras repetitivas e símbolos que

passam a ser reconhecíveis entre autores e leitores. Nessa linguagem, o texto funciona como

uma extensão da imagem e a junção de símbolos, imagens e balões criam o enunciado. Assim,

3

na composição imagética dos quadrinhos estão elementos fundamentais, todavia,

apresentaremos apenas alguns deles: quadro, balão, onomatopéia, metáfora visual e ícone.

Quadro, também chamado de vinheta ou requadro, é a moldura da história

(CARVALHO, 2006). É visto como “elemento de contenção do leitor” que tende a sempre ler

o último quadrinho, sendo capaz de aumentar seu envolvimento com a narrativa (EISNER,

2001). Dentro do quadro estão os desenhos que compõem uma cena. No Ocidente os

quadrinhos são lidos da esquerda para a direita e, a cada quadrinho, uma nova cena (ou

momento “congelado” do tempo) é acrescentada, compondo uma historia seqüencial. O

quadro pode ser utilizado como recurso narrativo, sua forma, tamanho e disposição influem na

velocidade da leitura e ate da interpretação da história. Utilizar mais ou menos quadros em

uma seqüência pode fazer a cena demorar mais ou menos. Ampliar um quadrinho, utilizar

uma forma diferente do tradicional quadrado ou dispor a cena dentro dele em um ângulo

diferente ou close, por exemplo, pode afetar a percepção de tempo do leitor.

Acredita-se que os balões são um dos elementos de maior destaque na composição das

HQ em função da dinamicidade que eles dão à leitura (BIBE-LUYTEN, 1985). Por ser um

formato tão conhecido os italianos deram o nome de “fumetti” aos quadrinhos, um alusão ao

molde de “fumacinha” do balão de pensamento (RAMOS, 2009). Há diferentes definições

para o balão: “É o elemento que indica o diálogo entre as personagens e introduz o discurso

direto na seqüência narrativa” (CAGNIN, 1975). É “o recipiente do texto-diálogo proferido

pelo emissor” (EISNER, 2001). “É uma convenção própria da história em quadrinhos que

serve para integrar à vinheta o discurso ou o pensamento dos personagens” (ACEVEDO,

1990). Em Carvalho (2006) a disposição de um balão dentro de um quadro indica quem se

manifesta primeiro. Há diversos tipos de balão, os mais comuns são: 1) Fala: o traço é

contínuo em volta das palavras, tem formato arredondado e há um “rabicho” (índice) que

aponta para o personagem que está falando. 2) Pensamento: em forma de nuvenzinha, o

“rabicho” são bolinhas que vão ate a cabeça de quem pensa. 3) Grito: o traço é mais

recortado, tentando indicar visualmente o grito. 4) Sussurro: o traço é pontilhado.

Onomatopéias, segundo Carvalho (2006), são palavras que representam sons. Apesar

de haver onomatopéias mais tradicionais, autores criam onomatopéias diferentes de acordo

com o que escutam. A título de exemplo temos: BLAM (barulho de coisa batendo); CRÁS

(cosa quebrando); SOC, PUM, POF (soco); VRUUUUM (barulho de motor de carro);

CHUAC (beijo); NHAC, NHAC (mastigação). As onomatopéias também são usadas como

efeitos visuais nos quadrinhos. Assim, sua forma e sua cor podem indicar um movimento ou

dar mais impacto a uma cena.

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Metáfora visual é uma convenção gráfica que expressa o estado psíquico dos

personagens mediante imagens de caráter metafórico (ACEVEDO, 1990). É uma figura de

linguagem na qual se transporta para um objeto o sentido literal de uma palavra ou frase que

designa um outro objeto semelhante, dando a essa palavra ou frase um sentido figurado

(CARVALHO, 2006). Nos quadrinhos a metáfora pode indicar um sentimento ou

acontecimento. Assim, a lâmpada elétrica pode representar que a personagem teve uma idéia

brilhante; um personagem literalmente vê estrelas quando se machuca; seu coração salta pela

boca quando ele está apaixonado ou ele pode falar “cobras e lagartos” ao falar mal de alguém,

fazendo uso de desenhos de aspecto intrincado com espirais, asteriscos...

Carvalho (2006) define o ícone como um signo, uma representação de uma coisa. Sua

característica peculiar é que ele é uma imagem que tem alguma característica em comum com

o que esta sendo representado. O mundo do quadrinho baseia-se em desenhos que buscam se

parecer com o que representam.

3. Imagem, texto e seqüência narrativa nas histórias em quadrinhos

Visto que em nosso trabalho, conforme salientado, estamos considerando o

imbricamento entre imagem e texto próprio as HQ, desde cada quadrinho isoladamente até

todos os quadrinhos em seqüência de uma única historinha, é proveitoso considerarmos as

concepções de diferentes autores.

Segundo Eisner (2001), visto que as HQ lidam com o que ele chama de tecnologia

singular, escrever para quadrinhos é uma habilidade especial cujos requisitos não são comuns

a outras formas de criação escrita:

Quando palavra e imagem se misturam, formam um amálgama com a imagem e já não servem para descrever, mas para fornecer som, diálogos e textos de ligação (EISNER, 2001, p. 122).

Nesse respeito, Vergueiro (2004) e Carvalho (2006) concordam com a presença das

HQ no ensino, entre outras razões, pelo imbricamento entre imagem e texto, próprio ao

gênero.

Carvalho (2006) pontua a peculiaridade da narrativa das HQ, pois os autores narram

nos quadrinhos mediante uma mistura ou sobreposição de imagens e palavras. Assim, para

5

entender a historia, o leitor de quadrinhos precisa utilizar suas habilidades interpretativas,

tanto visuais, quanto verbais.

Essa interação entre imagem e texto nos quadrinhos é vista por Quella-Guyot como

algo pertinente:

Longe de ser uma simples justaposição texto-imagem, a HQ oferece imbricações sábias e originais de funções muitas vezes inesperadas. A interferência de diversos códigos faz de quase todo desenho um conjunto de sentidos que só leitores acostumados conseguem deslindar sem dificuldades, conscientes que são de que nenhuma das linguagens é subsidiária com relação a outra. (1994, p. 65).

Cirne (2000) descreve as HQ como uma narrativa gráfico-textual, impulsionada por

sucessivos cortes que agenciam imagens desenhadas, pintadas ou rabiscadas. Além disso,

mesmo valorizando a importância de um plano bem desenhado e enquadrado em cada

quadrinho isoladamente, o autor reforça a idéia da necessidade de seqüência, coerência, ritmo

e movimento entre todos os quadrinhos que compõem uma única HQ:

A estesia dos comics não se limita ao quadro bem desenhado, cujo plano seja capaz de revelar um perfeito enquadramento. É necessário que haja uma dinâmica estrutural entre todos os quadros, criando movimento e ação formais [...] Não é a magia formal de um plano isolado, fora de seu contexto, que faz a força de uma história: é a relação crítica (o desencadeamento de estruturas) entre todos eles. (CIRNE, 1974, p. 35).

Micheletti (2008) aponta uma característica marcante nos diálogos presentes nas HQ

ao afirmar que as histórias em quadrinhos são, geralmente, enredos narrados por meio de

discurso direto, além de apresentarem texto escrito e elementos visuais que se complementam

entre si para que a história seja compreendida por seus leitores.

Ao passo que Mcloud (2006) salienta que as HQ possuem uma gama de símbolos

visuais e se baseia na idéia ilimitada de posicionar uma imagem após outra, entre um quadro e

outro, para ilustrar a passagem do tempo, de modo que imagens inertes ganham vida na

imaginação do leitor.

Na concepção de Lins (2005) os textos, descritivos ou representativos de falas,

contidos dentro dos balões, além de combinarem dados referentes à ação do curso, combinam,

também, dados referentes a eventos passados, futuros e simultâneos a cena que está sendo

vista. A função do texto é, sobretudo, indicar aquilo que a imagem não mostra, acrescentando

elementos temporais e espaciais à compreensão, proporcionando à narrativa manter seu fio de

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coerência sem dificuldade. Assim, imagens e textos se unem numa relação de

complementaridade.

Lins (2008) afirma também que “a conversação espontânea” presente nos quadrinhos

mostra-se coerente na medida em que a relação semântica entre enunciados fica evidenciada,

havendo assim continuidade tópica; o que não impede que haja rupturas ao longo da

conversação que não necessariamente significam incoerência. Segundo Lins essas rupturas

podem ser vistas como descontinuidades.

Mendonça (2005) acredita que as semioses distintas, ou seja, a verbal e a não-verbal,

exercem um importante papel na construção de sentido, tornando as HQ acessíveis para às

crianças em fase de aquisição de escrita, que podem apoiar-se nos desenhos para produzir

sentido.

Segundo essa autora, a análise da constituição dos quadrinhos pode ser objeto de

trabalho pedagógico nas escolas. Podem-se estudar, por exemplo, elementos icônicos como a

forma e o contorno dos balões, o tamanho e o tipo das letras, a disposição do texto;

relacionando tudo isso com a produção de sentido e com as peculiaridades do gênero constitui

um rico material para o entendimento dos múltiplos usos da linguagem das HQ.

Além de explicitar os elementos típicos, bem como as possibilidades de uso das HQ,

Mendonça salienta existência da intertextualidade tipológica. Ou seja, a utilização da forma

de um gênero para preencher a função de outro. Como exemplo nota-se a aplicação das HQ

em propósitos didáticos como campanhas educativas. Nesse sentido, conforme esclarece a

autora, os textos em campanhas educativas têm uma função comunicativa didática, mas a

forma como é utilizada é de uma HQ e do mesmo modo, alguns anúncios publicitários

comerciais podem usar HQ para atingir seus objetivos.

Ainda nesse respeito, é cada vez mais comum a presença de histórias em quadrinhos

em jornais, revistas, livros didáticos (FERREIRA, 2007), provas de vestibular e provas de

concursos públicos.

4. Procedimentos Metodológicos

A pesquisa contou com três procedimentos metodológicos distintos e, ao mesmo

tempo, interligados para se efetuar. O primeiro deles foi a elaboração do projeto didático

7

“Gibi na Sala”, o segundo momento se deu na efetivação das propostas de atividades e o

terceiro momento corresponde à análise específica do corpus da pesquisa.

O projeto didático “Gibi na Sala”, integrado ao grupo de pesquisa “Manuscritos

Escolares e Processos de Escritura” (MEPE/CNPQ) e coordenado pelo professor Dr. Eduardo

Calil, está voltado para alunos das séries iniciais do Ensino Fundamental. Com o projeto

pretendíamos oferecer condições adequadas que favorecessem os alunos no processo de

criação e imersão nesse gênero textual bem como na reflexão sobre as propriedades da língua

e do discurso a partir de um gênero específico. Para tanto, elegemos as HQ da Turma da

Mônica, por se constituir através da relação imagem e texto e ter no humor seu atrativo

central. Nesse sentido esse projeto tem como objetivo primordial fornecer situações de

ensino-aprendizagem adequadas ao gênero, “permitindo que eles se apresentem em sala de

aula de modo intenso, sistemático e significativo” (CALIL, 2006, p. 7).

Visto que o projeto está sustentado no trabalho com leitura e interpretação e produção

de texto foram elaboradas 60 propostas de atividades de leitura e 36 propostas de criação.

Essas propostas tiveram objetivos distintos e em sua maioria foram pensadas para serem

realizadas em duplas de alunos, visando auxiliar o aluno na estruturação desse gênero, mais

principalmente, no processo de criação e autoria que possam ser desencadeados a partir delas.

Na elaboração das propostas de atividades foi indispensável à leitura de, aproximadamente,

200 gibis da Turma da Mônica.

Nas propostas de leitura e interpretação, após análise criteriosa de HQ da Turma da

Mônica, selecionamos aquelas que favorecessem aspectos relacionados aos elementos

constitutivos da linguagem desses gibis, tais como: à “onomatopéia”, à “intertextualidade”, ao

uso de “metáforas visuais” e ao recurso da “homonímia”. Focalizaram-se as relações com

conhecimentos mobilizados e as estratégias de leitura predominantes como a “decodificação”,

a “seleção”, a “antecipação”, a “inferência” e a “checagem” (SOLÉ, 1998). Com isto,

buscamos por em discussão a pertinência e adequação dessas propostas diante dos

conhecimentos que os alunos desta modalidade de ensino possuem sobre a língua, sem

descaracterizar as especificidades deste gênero textual.

As propostas de criação foram elaboradas a partir de HQ originais da “Turma da

Mônica” e estão sustentadas na seqüência de imagens dessas histórias, que deveriam ser

curtas (de no máximo três páginas) e “carregadas” de humor. É relevante saber que a

denominação HQ (imagens) originais é apropriada porque as HQ utilizadas nas propostas de

produção de texto, que são nosso foco, foram modificadas Para que fosse possível a criação

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textual nessas seqüências. De maneira que as HQ selecionadas tiveram suprimidos todos os

elementos verbais, ou seja, o título e todas as marcas lingüísticas (tais como onomatopéias,

interjeições, falas de personagens, balões).

A coleta de dados se deu mediante a efetivação das propostas de atividades. A

pesquisa teve como espaço de investigação uma turma de 2º ano do Ensino Fundamental,

composta por 24 alunos1, de uma escola da rede pública municipal de ensino, localizada na

cidade de Maceió no período de outubro a dezembro de 2008 e foi dividida em três momentos

simultâneos: leitura dos gibis pertencentes à gibiteca2 que permaneceu na sala de aula, com

uso a critério da professora; efetivação das propostas de atividades de leitura e interpretação,

conduzidas pela professora e efetivação das propostas de criação. Devido ao curto período de

permanência na escola foram aplicadas apenas as 123 primeiras atividades de leitura e as 12

primeiras atividades de criação.

As atividades de leitura e a gestão da gibiteca ficaram a critério da professora, de

forma que não foi possível sabermos com precisão como foi realizada cada atividade. Mas,

acompanhamos todas as atividades de criação. Nessas, ora a professora conduzia, ora o

coordenador do projeto.

A primeira proposta de criação foi conduzida pelo coordenador do projeto e serviu de

modelo para as demais propostas. Durante a consigna da atividade enfatizou-se que os alunos

deveriam escrever, em díade, tudo que achavam que estava faltando para que a história ficasse

“mais engraçada”. Vale salientar que todas as atividades de criação realizadas pelos alunos

foram filmadas e a cada aplicação, uma dupla era escolhida e filmada por nós. Sendo que, em

nosso trabalho, não estamos considerando o processo de criação em ato (as filmagens). O que

está em foco atualmente é o produto (os manuscritos).

Para analisar a relação imagem e texto presente nos manuscritos escolares coletados4

estabelecemos algumas categorias relacionadas ao uso de elementos típicos dos quadrinhos

tais como títulos, palavra “fim” ao final de cada historinha, metáforas visuais, ícones...além da

1 Antes de realizarmos esse estudo, buscamos a autorização da escola e dos pais das crianças através do “Termo de Consentimento Livre e Esclarecido” fornecido pelo Comitê de Ética desta universidade. 2 A gibiteca continha 40 gibis da Turma da Mônica. No total, durante a efetivação do projeto, disponibilizamos 2 gibitecas. 3 Dize-se 12 propostas, mas na verdade foram 11, pois uma delas foi realizada em 1ª e 2ª versão. 4 Os 144 manuscritos escolares coletados foram digitalizados e arquivados no banco de dados “Práticas de textualização na escola”. Esse banco dados, organizado pelo professor doutor Eduardo Calil desde 1996, contém mais de 2.500 manuscritos pertencentes a diversos gêneros discursivos escritos por alunos do 1º ao 9º ano do Ensino Fundamental e coletados em escolas públicas e particulares de Maceió (AL), Rio Largo (AL) e São Paulo (SP). Além disso, contém, aproximadamente 100 filmagens de práticas de textualização, nas quais, os alunos, a partir de solicitações de professores, escrevem histórias, fábulas (narrativas ficcionais) ou criam poemas. Parte desse material, assim como a produção do grupo de pesquisa “Manuscritos Escolares e Processos de Escritura” pode ser encontrada no site www.cedu.ufal.br/grupopesquisa/manuscritosescolares/.

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coerência narrativa das imagens, ou seja, se os manuscritos evidenciam preocupação por parte

dos alunos quanto a seqüência e coerência dos quadrinhos.

5. Análise dos manuscritos coletados

As 12 propostas de criação, uma delas realizada em primeira e segunda versão,

oferecidas durante dois meses aos 24 alunos de uma turma do 2º ano do Ensino Fundamental

deram origem a 144 manuscritos escolares coletados por nós. A quantidade de manuscritos

criados variou de 10 a 19 por proposta.

No intuito de compreendermos de que modo os alunos em processo de aquisição da

escrita interagem com as HQ, considerando as relações próprias ao gênero, estabelecemos

algumas categorias na análise dos manuscritos coletados. Essas categorias foram

sistematizadas em quadros, gráficos e tabelas conforme se pode notar mais adiante.

5.1. Análise geral

Ao realizarmos uma comparação entre os manuscritos é possível notar inúmeras

diferenças e singularidades que se tornam gritantes especialmente se confrontarmos a primeira

e a última coleta, ou seja, a proposta 001 em 1ª e 2ª versão.

Começaremos pelo uso de títulos. De início os alunos pareciam não compreender a

existência e a localização de títulos nas historinhas criadas, de forma que o espaço reservado

para os títulos era preenchido com seus nomes, como se fosse um cabeçalho, situado ao final

de cada proposta.

Dos 144 manuscritos coletados, 125 possuem títulos, enquanto 19 não possuem,

conforme evidenciado:

10

12 13 1119

12 11 11 11 12 10 12 10

144

90 3 4 1 1 0 0 1 0 0 0

19

313

815 11 10 11 11 11 10 12 10

125

0

20

40

60

80

100

120

140

160

001.1

v

001.2

v00

2.00

3.00

4.00

5.00

6.00

7.00

8.00

9.01

0.01

2.To

tal

Manuscritos

Ausência de título

Presença de título

Gráfico 2: Freqüência de títulos nos manuscritos coletados

Fonte: Dados da pesquisa

Como se pode ver, a titulação das propostas, antes considerada minimamente pelos

alunos, aos poucos foi ganhando espaço, fazendo-se presente, por exemplo, nas cinco últimas

propostas (009, 010, 012 e 001_2V) em 100% dos manuscritos.

O número de metáforas visuais utilizadas pelos alunos foi mínimo e não houve grande

aumento entre as primeiras e as últimas propostas. Nos 144 manuscritos, apenas 4 metáforas

visuais foram encontradas, 3 delas na proposta 007 e a outra na 2ª versão da proposta 001.

Conforme se pode notar:

12 13 1119

12 11 11 11 12 10 12 10

144

0 1 0 0 0 0 0 3 0 0 0 0 4

0

20

40

60

80

100

120

140

160

00.1v

001.2

v00

2.00

3.00

4.00

5.00

6.00

7.00

8.00

9.01

0.01

2.To

tal

Manuscritos

Metáforas Visuais

Gráfico 3: Freqüência de metáforas visuais criadas pelos alunos nos manuscritos coletados

Fonte: Dados da pesquisa

É bem verdade que o número de metáforas visuais utilizadas foi bastante inferior se

comparado ao uso de outros elementos, próprios aos quadrinhos, como no caso dos títulos,

por exemplo. Todavia, algo interessante a ser mencionado, embora não tenha sido

sistematizado em tabelas, são os tipos de metáforas visuais que aparecem nos manuscritos.

Com exceção de uma delas, encontrada em um dos manuscritos da proposta 001, as outras 3

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metáforas, são de xingamento e aparecem no último dos 4 quadrinhos de uma historinha

protagonizada pelo Cebolinha e o Louco, que é “xingado” pelo Cebolinha.

Considerando que o ícone é “um signo, uma representação de uma coisa”

(CARVALHO, 2006) achamos por bem sistematizar em tabelas a freqüência desse elemento

nos manuscritos coletados.

É interessante notar que o uso de ícones se deu de forma decrescente, pois, enquanto

em uma mesma proposta (1ª versão da proposta 001), contendo 12 manuscritos, 3 ícones

foram encontrados; nas propostas 009 e 010, contendo cada uma, respectivamente, 10 e 12

manuscritos, apenas 2 ícones foram encontrados:

12 13 1119

12 11 11 11 12 10 12 10

144

3 0 0 0 0 0 0 0 0 1 1 05

0

20

40

60

80

100

120

140

160

001.1

v

001.2

v

002.

003.

004.

005.

006.

007.

008.

009.

010.

012.

Tota

l

Manuscritos

Ícones

Gráfico 4: Freqüência de ícones nos manuscritos coletados Fonte: Dados da pesquisa

A semelhança e repetição de alguns dos ícones encontrados em diferentes propostas

foi outro aspecto interessante. Dos 4 ícones encontrados 2 deles correspondem ao desenho de

uma caixa de presente, nos manuscritos da 1ª versão da proposta 001 e 3 deles correspondem

ao desenho de um sol, sendo que, ambos pertencem a manuscritos de três diferentes

propostas, são elas: 001_1ªv, 009 e 010.

A palavra “fim” pouco foi utilizada pelos alunos. O interessante é que, diferente do

que se poderia pensar o “fim” não apareceu em maior quantidade nos últimos manuscritos,

pelo contrário, isso aconteceu apenas nas propostas 002 e 003.

Pode-se notar que dos 144 manuscritos apenas 4 possuem “fim”, em contrapartida,

140 não possuem:

12

12 13 11

1912 11 11 11 12 10 12 10

144

12 138

1812 11 11 11 12 10 12 10

140

0 0 3 1 0 0 0 0 0 0 0 04

0

20

40

60

80

100

120

140

160

001.1v

001.2v

002.

003.

004.

005.

006.

007.

008.

009.

010.

012.

Total

Manuscritos

Ausência do “fim”

Presença do “fim”

Gráfico 5: Freqüência da palavra “fim” nos manuscritos coletados

Fonte: Dados da pesquisa

Além disso, no que diz respeito a localização, embora esse dado não tenha sido

sistematizado em uma tabela específica, o “fim” foi posto em locais distintos. Na proposta

002, uma das duplas, por exemplo, pôs “fim” dentro o antepenúltimo quadrinho na parte de

cima. Enquanto as outras três duplas fizeram uso do último quadrinho para pôr a palavra

“fim”, sendo que isso se deu: do lado de fora do quadrinho e acima, do lado de fora do

quadrinho e ao lado e dentro do quadrinho, na parte superior e não ao final da história, na

parte inferior.

Feita a análise geral dos 144 manuscritos voltamo-nos a uma análise mais específica.

Para tanto, selecionamos dois manuscritos, ambos referentes a proposta 001, sendo que um

diz respeito a primeira versão da proposta e outro a segunda versão. As duplas permaneceram

as mesmas entre as duas versões dessa proposta de modo que

5.2. Análise 1: Proposta 001 (1ª versão)

Na proposta que será discutida, escolhemos o manuscrito criado pela dupla Ana

Beatriz (7 anos) e Gian (7 anos). Os alunos estão escrevendo uma história referente a primeira

versão da proposta 001. Resumidamente, esta história possui quatro personagens (a Mônica, a

Magali, o Cebolinha e o Cascão) e em suas imagens pode-se ver a Mônica levando um

presente para sua amiga Magali que é boicotado pelos meninos, cuja intenção é assustar a

Mônica por meio de um rato que é posto por eles dentro da caixa. Mas, o que o Cebolinha e o

Cascão não sabiam era que dentro da caixa havia um gato.

13

Vejamos esse manuscrito5 para depois analisarmos alguns de seus elementos:

Figura 14: HQ criada pela dupla Ana Beatriz e Gian (proposta 001/1ª versão).

Fonte: Dados da pesquisa

Figura 15: HQ criada pela dupla Ana Beatriz e Gain (proposta 001/1ª versão).

Fonte: Dados da pesquisa

Na primeira versão dessa proposta a dupla não utiliza título e nesse respeito vale

salientar que, dos 12 manuscritos produzidos pelas duplas a partir da proposta 001, apenas 3

possuem titulo, 2 desses títulos encontram-se no local correto enquanto o outro, está inserido

no verso da folha. A freqüência e a escolha dos títulos utilizados, não apenas pela dupla em

questão, mas em todos os manuscritos coletados referentes a essa proposta, foram

sistematizadas no seguinte quadro:

5 No intuito de uma melhor compreensão da escrita das crianças optamos por colocar “legendas” em cada manuscrito analisado.

14

Aluno (s) Título Ana Beatriz e Gian -

Ana Paula e Daniela A MÔNICA

Bianca e Keloany OS CURIOSOS Deyse e Mylena - Douglas e José -

Eduardo e Isley - Fellipe e Juan PORQUE ELA NÃO LIGOU PARA OS

MENINOS Jakswel e Sara -

João Matheus e João Lucas Araújo - Joyci e Lisly -

Lucas Nobre e Verônica - Maria Clarice e Nilton Melo -

Quadro 1: Uso de títulos na 1ª versão da proposta 001 Fonte: Dados da pesquisa

Pode-se notar também que a dupla não utiliza balões nem onomatopéias. Nesse

respeito, notou-se que nos 12 manuscritos coletados não houve quadrinhos vazios, ou seja,

todos os 8 quadrinhos presentes na historinha que fundamentou essa proposta foram utilizados

pelos alunos. Foram três tipos de ocorrência: algumas duplas simplesmente não utilizaram

balões ao longo de toda a historia, outras alternaram entre texto e texto dentro de balões, e

apenas uma das duplas utilizou balões em todos os 8 quadrinhos que compõem a proposta.

Esses dados também foram sistematizados em tabelas:

TABELA 1

Freqüência da balões por quadrinho nos manuscritos criados na 1ª versão da proposta 001

Aluno (s)

Quadrinho sem balão/ apenas texto

Quadrinho vazio

Quadrinho com balão

Ana Beatriz e Gian 8 0 0 Ana Paula e Daniela 0 0 8

Bianca e Keloany 8 0 0 Deyse e Mylena 8 0 0 Douglas e José 8 0 0

Eduardo e Isley 8 0 0 Fellipe e Juan 8 0 0 Jakswel e Sara 5 0 3

João Matheus e João Lucas Araújo

4 0 4

Joyci e Lisly 8 0 0 Lucas Nobre e Verônica 6 0 2

Maria Clarice e Nilton Melo 8 0 0 Total 79 0 17

Fonte: Dados da pesquisa Além disso, toda a escrita refere-se a uma descrição das imagens e encontra-se em

discurso indireto:

15

TÍTULO:

Não há título

1º QUADRINHO:

“esta levando a cacha de prezente para magali”

2º QUADRINHO:

“estão bolando on pano”

3º QUADRINHO:

“eles estão fazendo um plano para pega a cacha”

4º QUADRINHO:

“o cebolinha está botando um rato na caicha”

5º QUADRINHO:

“amarando o laço da caicha”

6º QUADRINHO:

“dando a caixa para magali”

7º QUADRINHO:

“pega a caixa”

8º QUADRINHO:

“porque eles ficarão confuso proque eles botarão um rato e viro um gatinho”

Outros elementos que podem ser observados ainda são: o modo de falar “elado” do

personagem Cebolinha, que não foi levado em consideração por nenhum das duplas bem

como a ausência da palavra “fim” em todos os 12 manuscritos criados a partir dessa proposta:

Aluno (s) Palavra “fim” Ana Beatriz e Gian NÃO

Ana Paula e Daniela NÃO

Bianca e Keloany NÃO Deyse e Mylena NÃO Douglas e José NÃO

Eduardo e Isley NÃO Fellipe e Juan NÃO Jakswel e Sara NÃO

João Matheus e João Lucas Araújo NÃO Joyci e Lisly NÃO

Lucas Nobre e Verônica NÃO Maria Clarice e Nilton Melo NÃO

Quadro 2: Uso de palavra fim na 1ª versão da proposta 001 Fonte: Dados da pesquisa

16

Em se tratando do aspecto imagem e texto, que é o foco de nosso trabalho, pode-se

notar que essa relação é considerada ao longo da escrita, tanto em cada quadrinho

individualmente quanto nas imagens em seqüência.

No primeiro quadrinho, em que a Mônica caminha segurando uma caixa de presente

sob o olhar atento de seus dois amigos que estão escondidos por trás de um arbusto, o

imbricamento entre imagem e texto está bem evidente. Observa-se que, logo no 1º quadrinho

há uma antecipação do que acontecerá mais adiante, pois apesar de a Magali só aparecer na

historinha no 6º quadrinho as crianças escreveram: “esta levando a cacha de prezente para

magali”. E embora não haja balões nem qualquer apêndice ou indicativo de a quem se refere

tal descrição, é bem provável que diga respeito a Mônica.

No quadrinho seguinte (2º), em que a expressão do Cebolinha acompanhada de um

recurso visual que aparece a cima do personagem parece indicar o surgimento de uma idéia ou

plano, o imbricamento entre imagem e texto também pode ser visto na escrita utilizada pela

dupla:“estão bolando on pano”.

A relação ou o imbricamento entre as imagens e a escrita das crianças pode ser

percebida em todos os demais quadrinhos. Na imagem em que o Cebolinha está dizendo algo

para o Cascão, por exemplo: “eles estão fazendo um plano para pega a cacha”.

Assim como, a articulação entre imagem e texto pode ser vista no 4º quadrinho, no

momento em que se coloca o rato na caixa que a Mônica está segurando: “o cebolinha está

botando um rato na caicha”.

Apenas no quadrinho seguinte há uma quebra ou ruptura, pois a imagem evidencia a

caixa sendo aberta e o rato sendo colocado dentro dela, todavia, na visão das crianças o laço

está sendo amarrado: “amarando o laço da caicha”.

No 6º quadrinho, quando a Mônica há apenas uma descrição da imagem: “dando a

caixa para a magali”, ou seja, a Mônica dando o presente para a amiga sob o olhar atento dos

meninos escondidos por trás do arbusto.

No 7º quadrinho, onde o Cebolinha e o Cascão observam atentamente tudo o que está

acontecendo entre as meninas, é como se a escrita evidenciasse uma continuação das imagens

e das escritas anteriores e uma prévia da imagem seguinte. Entretanto parece haver uma

quebra, pois a menos que a fala “pega a caixa” esteja se referindo as meninas é como se essa

escrita fugisse da seqüência das imagens. Além disso, além da escrita a dupla se utilizou de

um ícone, ou seja, desenhou uma caixa de presente.

17

Ao passo que, no último quadrinho é possível notar dois aspectos. Primeiro, apesar de

a expressão dos personagens indicar surpresa, não há escrita para indicar essa sensação,

apenas a fala: “magali olha so mônica que fofo..”. O segundo aspecto diz respeito a

compreensão do humor da história, pois apesar de a escrita ser uma descrição da imagem e

não uma fala ou diálogo entre os personagens essa compreensão fica evidente: “porque eles

ficarão confuso proque eles botarão um rato e viro um gatinho”.

A ocorrência do imbricamento entre imagem e escrita em todos os quadrinhos

presentes nesse manuscrito reforça a idéia de que mesmo que sendo importante “um plano

bem desenhado e enquadrado em cada quadrinho isoladamente, é necessária seqüência,

coerência, ritmo e movimento entre todos os quadrinhos que compõem uma única HQ”

(CIRNE, 1974, p. 35).

5.2. Análise 2: Proposta 001 (2ª versão)

Inúmeros aspectos podem ser notados se compararmos a primeira e a segunda versão

da proposta 001. Esses aspectos evidenciam uma significativa imersão das crianças nas

histórias em quadrinhos. Vale mencionar que o manuscrito analisado a seguir foi criado pela

mesma dupla escolhida na primeira versão: Ana Beatriz e Gian.

Vejamos esse manuscrito para depois analisarmos alguns de seus elementos,

considerando as diferenças entre as duas versões dessa proposta:

Figura 1: HQ criada pela dupla Ana Beatriz e Gian (proposta 001/2ª versão).

18

Figura 1: HQ criada pela dupla Ana Beatriz e Gian (proposta 001/2ª versão).

De início pode-se notar a utilização de título por parte da dupla. Enquanto na 1ª versão

não houve título, na segunda optou-se por “a turma do cebolinha”: No caso das demais

duplas, se na 1ª versão só 3 títulos foram criados, na 2ª versão todos os manuscritos

apresentaram título:

Título Aluno (s) 1ª Versão

01/10/2008 2ª Versão

12/12/2008 Ana Beatriz e Gian - A TURMA DO CEBOLINHA Ana Paula e Daniela A MÔNICA A MÔNICA VAI E TENHO O

PRESENTE A MAGALI Bianca e Keloany OS CURIOSOS MÔNICA E A SURPRESA

CURIOSA Deyse e Mylena - A MÔNICA Douglas e José - A TURMA DA MÔNICA E DO

CEBOLINHA Eduardo e Isley - O PRESENTE DE MAGALI Fellipe e Juan PORQUE ELA NÃO LIGOU PARA

OS MENINOS ARMADILHA PARA COMER

Jakswel e Sara - CEBOLINHA E CASCÃO FICAM CHATEADOS E MÔNICA LEVA

UM PRESENTE João Lucas Ananias6 - O GATINHO DA MAGALI João Matheus e João

Lucas Araújo - A MÔNICA

Joyci e Lisly - O PRESENTE DA MÔNICA SURPRESA PARA MAGALI

Lucas Nobre e Verônica - O ANIVERSÁRIO DA MAGALI Maria Clarice e Nilton

Melo - A MÔNICA FOI DA UM

PRESENTE PARA A MAGALI Quadro 3: Uso de títulos na 1ª e na 2ª versão da proposta 001

Fonte: Dados da pesquisa

6 O aluno não se fez presente durante a 1ª versão da proposta, isso aconteceu apenas na 2ª.

19

É possível notar também que a dupla utilizou balões em todos os quadrinhos, assim

como várias onomatopéias. Nesse respeito, notou-se que nos 13 manuscritos coletados

nenhum quadrinho apresentou apenas o texto sem o balão e foram encontrados apenas 4

quadrinhos vazios, enquanto todos os demais possuíam balões.

TABELA 2 Freqüência da balões por quadrinho nos manuscritos criados na 2ª versão da proposta 001

Aluno (s)

Quadrinho sem balão/ apenas texto

Quadrinho vazio

Quadrinho com balão

Ana Beatriz e Gian 0 0 8 Ana Paula e Daniela 0 0 8

Bianca e Keloany 0 0 8 Deyse e Mylena 0 0 8 Douglas e José 0 0 8

Eduardo e Isley 0 1 7 Fellipe e Juan 0 0 8 Jakswel e Sara 0 0 8

João Lucas Ananias7 0 0 8 João Matheus e João Lucas

Araújo 0 2 6

Joyci e Lisly 0 0 8 Lucas Nobre e Verônica 0 0 8

Maria Clarice e Nilton Melo 0 1 7 TOTAL 0 4 100

Fonte: Dados da pesquisa

Quanto ao uso do “fim” não houve diferença entre as duas versões da proposta, pois

ambas não apresentaram o “fim”:

Palavra “fim” Aluno (s) 1ª Versão

01/10/2008 2ª Versão

12/12/2008 Ana Beatriz e Gian NÃO NÃO Ana Paula e Daniela NÃO NÃO

Bianca e Keloany NÃO NÃO Deyse e Mylena NÃO NÃO Douglas e José NÃO NÃO

Eduardo e Isley NÃO NÃO Fellipe e Juan NÃO NÃO Jakswel e Sara NÃO NÃO

João Lucas Ananias8 - NÃO João Matheus e João NÃO NÃO

7 O aluno não se fez presente durante a 1ª versão da proposta, isso aconteceu apenas na 2ª. 8 O aluno não se fez presente durante a 1ª versão da proposta, isso aconteceu apenas na 2ª.

20

Lucas Araújo Joyci e Lisly NÃO NÃO

Lucas Nobre e Verônica NÃO NÃO Maria Clarice e Nilton

Melo NÃO NÃO

Quadro 4: Uso de títulos na 1ª e na 2ª versão da proposta 001 Fonte: Dados da pesquisa

Além disso, toda a escrita, que antes se encontrava compreendia uma descrição de

imagem, passou a ser utilizada em discurso direto:

TÍTULO:

“a turma do cebolilha”

1º QUADRINHO:

“e as caixa eo vouleva paramagali”

2º QUADRINHO:

“eu tenho um plano”

3º QUADRINHO:

“nos vamos bota um rato”

“e”

4º QUADRINHO:

“e agora”

“la la la la la”

5º QUADRINHO:

“la la la”

6º QUADRINHO:

“e agola”

“magali tro um presene para voce”

7º QUADRINHO:

“o meu puano ual”

8º QUADRINHO:

“o chi”

“qui taú magali”

Assim, a escrita presente no manuscrito evidencia algumas especificidades das HQ,

por exemplo, os diálogos criados pela dupla, narrados por meio de discurso direto, paralelos a

21

“relação entre texto escrito e elementos visuais que se complementam entre si para que a

história seja compreendida por seus leitores” (MICHELETTI, 2008).

Considerações Finais

Os dados analisados evidenciam significativa imersão por parte dos alunos no gênero

HQ, isso fica claro, entre outros motivos, devido a crescente utilização de elementos próprios

aos quadrinhos.

A escrita que inicialmente era semelhante a uma descrição ou narração de imagens aos

poucos assumiu ares de diálogo ou conversação entre os personagens, ganhando inclusive

balões para indicar o diálogo entre as personagens e introduzir o discurso direto na seqüência

narrativa (CAGNIN, 1975). Os quadrinhos em sua maioria vazios ou caracterizados

principalmente por texto ganharam balões e características de histórias em quadrinhos.

O número reduzido de títulos, na maioria das vezes com pouco sentido em relação as

imagens passou a inexistente nas propostas finais, assim como de balões que surgiram em

diferentes formas de traçado, bolinhas para pensamento, tracejado para cochicho, ondulado

para grito de surpresa (CARVALHO, 2006).

Quanto ao imbricamento entre imagem e texto acompanhado da consideração pela

seqüência de imagens e narrativa escrita, observamos preocupação com a adequação entre a

seqüência das imagens apresentadas pelas HQ e o texto nos diálogos entre os personagens em

harmonia com suas expressões, características, gestos, ações e fala, exemplo do Cebolinha

falando “elado”. Ou seja, notou-se preocupação em expressar a realidade em movimento e

recuperar acontecimentos que obedecem à uma ordenação temporal, característica evidente no

gênero HQ. (MENDONÇA, 2005, LINS, 2005).

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