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TRANSLATIO Porto Alegre n 18 Julho de 2020
80 ISSN 2236-4013
IMITACcedilAtildeO EM BUSCA DE UMA TEORIA ANTIGA DA TRADUCcedilAtildeO
Rodrigo Garcia Manoel 1
Resumo Neste artigo propotildee-se uma investigaccedilatildeo da imitaccedilatildeo (mimese) na Antiguidade como
teoria antiga de traduccedilatildeo Assim parte-se de Platatildeo e Aristoacuteteles passando por Caliacutemaco ateacute
Catulo Horaacutecio e Ciacutecero em testemunhos pontuais como forma de compreender uma tradiccedilatildeo
por assim dizer ou linhagem em torno do tema da imitaccedilatildeo este por sua vez dependente da
invenccedilatildeo necessaacuteria e empregada como lugar-comum para alccedilar compositores aos papeacuteis de
poeta ou reacutetor Assim enfocam-se os conceitos de poikilia polyeideia e adaptaccedilatildeo de modelos
nas composiccedilotildees e como essa praacutetica parece apontar para condenaccedilatildeo da imitaccedilatildeo servil isto eacute
em que haacute ausecircncia de invenccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave desejaacutevel inovaccedilatildeo o que diferencia imitadores
de autores Deste modo agrave imitaccedilatildeo servil associamos o papel de tradutor cuja nominaccedilatildeo
embora nos falte em contexto antigo derivamos das praacuteticas essas sim existentes tanto porque
condenaacuteveis nos testemunhos como porque relegadas ao ensino infantojuvenil isto eacute do aluno
ateacute alcanccedilar a ldquomaioridade autoralrdquo na formaccedilatildeo do puacuteblico letrado Por fim agrave imitaccedilatildeo
relacionamos as leis do gecircnero elencando Catulo e Horaacutecio como inovadores ao natildeo apenas
refundir modelos (especialmente heleniacutesticos como Caliacutemaco) e testar limites de gecircneros mas
com fazecirc-lo tornando imitaccedilatildeo mateacuteria e ritmo indissociaacuteveis como resultado de minucioso
desenvolvimento editorial que busca conhecer profundamente os predecessores para imitando-
os deles se diferenciar rumo agrave fama resultante desta accedilatildeo engenhosa como auctores e natildeo
imitadores
Palavras-chave traduccedilatildeo imitaccedilatildeo mimese invenccedilatildeo gecircneros
Abstract In this paper there is an investigation of imitation (mimesis) in Antiquity as an old
theory of translation From Plato and Aristotle through Calimachus to Catulus Horace and
Cicero in punctual testimonies as a way of understanding a tradition so to speak or lineage
around the theme of imitation this in turn dependent of invention necessary and used as a
commonplace to elevate composers to the roles of poet or rhetor Thus the concepts of poikilia
polyeideia and adaptation of models in the compositions are focused as well as such a practice
seems to point to condemnation of servile imitation that is in which there is absence of
invention in relation to the desirable innovation which differentiates imitators from authors
In this way we associate the role of imitator with the role of a translator whose appointment
although we lack it in an old context derives from the existing practices both because they are
reprehensible in the testimonies and because they are relegated to the teaching of children and
adolescents that is untill they reach ldquoadulthoodrdquo in the formation of the literate public Finally
in imitation we relate the laws of the genre listing Catulus and Horace as innovators not only
to refashion models (especially Hellenistic like Calimachus) and to test limits of genres but to
do so by making imitation matter and rhythm inseparable as a result of detailed editorial
development that seeks to know deeply the predecessors to imitate them to differentiate
themselves towards the fame resulting from this ingenious action as auctores and not imitators
Keywords translation imitation mimesis invention genres
1 Mestre em Letras Claacutessicas pela Universidade de Satildeo Paulo (2014)
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Introduccedilatildeo
Atualmente haacute vaacuterias teorias da traduccedilatildeo com seus pressupostos classificaccedilotildees e
preceitos proacuteprios tendo em comum muita vez o objetivo de aproximar o quanto possiacutevel a
traduccedilatildeo do original de modo que aquela natildeo seja algo diverso2 Nesse cenaacuterio discute-se o
papel do tradutor se agiraacute de modo invisiacutevel ou se deveraacute mostrar-se na traduccedilatildeo com
propostas por exemplo de estrangeirizaccedilatildeo ou domesticaccedilatildeo na traduccedilatildeo Contudo eacute assunccedilatildeo
evidente que haacute papeacuteis definidos o de tradutor quaisquer que sejam seus modos operandi e
das traduccedilotildees quaisquer que sejam seus objetivos
Nesta pesquisa3 buscamos apontar que esses papeacuteis natildeo eram bem definidos na
Antiguidade pelo menos em eacutepoca aC (isto eacute antes de Ciacutecero) sobretudo no campo da escrita
e das composiccedilotildees supeacuterstites Ademais havia sim uma accedilatildeo condenaacutevel de ldquotraduccedilatildeordquo servil
que era a imitaccedilatildeo inepta agrave parte da invenccedilatildeo atributo essencial para alccedilar o poeta ou o reacutetor
como auctor digno de autoridade
Tanto assim nos parece que essas ideias ndash ainda que se argumente o serem pouco
expliacutecitas (aduziremos alguns testumunhos) ndash sobre o papel de um imitador como precursor do
papel do tradutor ecoam ainda hoje4 quanto aos limites da traduccedilatildeo e adaptaccedilatildeo uma vez que
2 Indicamos Valentiacuten Garcia Yebra (En torno a la traduccioacuten ndash teoriacutea criacutetica historia Madrid Gredos 1983) que
dedica capiacutetulos a conceitos como equivalecircncia formal correspondecircncia dinacircmica traduccedilotildees em verso ou prosa
entre outras discussotildees tambeacutem Paulo Roacutenai em A traduccedilatildeo vivida (Rio de Janeiro Joseacute Olympio 2012)
sobretudo na parte 1 (p 19-40) em que daacute definiccedilotildees de tradutor traduccedilotildees e espeacutecies diferentes Paulo Henriques
Britto em A traduccedilatildeo literaacuteria (2 ed Rio de Janeiro Joseacute Olympio 2016) define um tipo especiacutefico de traduccedilatildeo
a literaacuteria e defende que ldquoo tradutor natildeo eacute necessariamente um imitadorrdquo (p 19) e para nossos propoacutesitos Paul
Ricoeur em Sobre a traduccedilatildeo (Traduccedilatildeo e prefaacutecio de Patriacutecia Lavelle Belo Horizonte Editora UFMG 2012)
que versa sobre preceitos vaacuterios de traduccedilatildeo como traiccedilatildeo e fidelidade e vecirc (p 37) ldquoa praacutetica da traduccedilatildeo continua
sendo uma operaccedilatildeo arriscada sempre em busca de sua teoriardquo de modo que natildeo parece fechar o assunto mas
apenas demonstrar e analisar diversos pontos de vista contribuindo com ideias proacuteprias como a de transferecircncia
de comparaacutevel 3 Registram-se aqui os agradecimentos aos professores Alexandre Pinheiro Hasegawa e Joatildeo Angelo Oliva Neto
de cujo curso de poacutes-graduaccedilatildeo realizado no primeiro semestre de 2018 foram retiradas ideias desenvolvimentos
e fontes para esta pesquisa 4 Cf John Milton Traduccedilatildeo teoria e praacutetica 3 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2010 em cuja primeira parte
discorre sobre o papel quase ingrato do tradutor com exemplos de criacuteticas duras a tradutores em diferentes culturas
alguns sendo condenados mesmo agrave fogueira por heresia tambeacutem a segunda parte eacute digna de nota com afirmar que
agrave eacutepoca Augustan (seacuteculos XVII e XVII) das traduccedilotildees para o inglecircs da Iliacuteada e da Eneida (p 42) ldquo[] a traduccedilatildeo
sempre fora uma parte integrante da literatura inglesa mas ela natildeo existia como a conhecemos atualmente A
praacutetica generalizada era traduzir atualizar ou adaptar as obras de outros escritores sem referecircncias agraves fontesrdquo
Indicamos tambeacutem a leitura de livro de Andreacute Lefevere (Translation History Culture London Routledge 1992)
em que analisa prefaacutecios e textos introdutoacuterios de tradutores de vaacuterias culturas aacutereas e idiomas diferentes
Destacam-se como exemplo mais extremado palavras de Edward Fitzgerald (1809ndash1883) tradutor inglecircs da obra
Rubaiyat (1859) de Omar Khayyam ao dizer em carta ao amigo EB Cowell em 1857 (p 3-4) ldquoEacute um
divertimento para mim tomar as liberdades que eu quiser com esses persas pois (como penso) natildeo satildeo poetas o
bastante para assustar algueacutem a fim de natildeo cometer tais excursotildees e realmente carecem de um pouco de Arte para
moldaacute-losrdquo (ldquoIt is an amusement for me to take what liberties I like with these Persians who (as I think) are not
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muitos tradutores se deram liberdade para alterar originais de acordo com sabor proacuteprio eacute
heranccedila da Antiguidade a necessidade de se mostrar como algo a mais que imitador servil e
portanto digno de autoridade
Assim natildeo havia na Antiguidade teoria5 expliacutecita da traduccedilatildeo e Platatildeo Isoacutecrates
Aristoacuteteles Horaacutecio e Ciacutecero tecircm em comum a accedilatildeo de por assim dizer criacutetica textual que
fizeram seja no acircmbito da retoacuterica ou da poesia de modo que agravequela se associa o texto em
prosa e a esta poeacutetico Sobre as diferenccedilas entre prosa e poesia este trabalho natildeo se debruccedila
mas sim quanto agrave loacutegica que as precede qual seja o sistema de gecircneros pois soacute se tornou
possiacutevel fazer criacutetica ou prescriccedilotildees sobre poesia por exemplo porque jaacute havia6 ainda que de
modo inicialmente impliacutecito7 um sistema poeacutetico
Logo nesta breve pesquisa arrolar-se-atildeo algumas tendecircncias e pontos de vista de
autores antigos quanto ao sistema de gecircneros a fim de testar se eacute possiacutevel falar numa teoria da
traduccedilatildeo impliacutecita com base nesse sistema Para tanto recorreremos aos conceitos de imitaccedilatildeo
(miacutemesis imitatio) e sua relaccedilatildeo com a invenccedilatildeo Pois com fazer breve apanhado dessas ideias
e teorias muitas vezes contrastantes entre si busca-se rascunhar linhas ndash ateacute entatildeo lacunares ndash
e propor perguntas e respostas sobre uma teoria antiga da traduccedilatildeo
Cumpre dizer que delimitamos o periacuteodo aqui abordado entre os seacuteculos IV e I dC
depois de Ciacutecero personagem que a nosso ver e como pretendemos verificar parece ter sido
o precursor a tecer os primeiros comentaacuterios teoacutericos sobre o assunto Mais embora atualmente
sobejem teorias de traduccedilatildeo em virtude dos pontos aqui a se apontar parece que natildeo havia no
Poets enough to frighten one from such excursions and who really do want a little Art to shape themrdquo) (Todas
as traduccedilotildees satildeo de nossa autoria exceto quando houver indicaccedilatildeo) 5 Com sentido de que a teoria se localiza na posiccedilatildeo intermediaacuteria entre textos e interpretaccedilatildeo (GREETHAM
2007 p 23-24) 6 Sigo Ford (2002 p 263) O sistema literaacuterio dos gecircneros eacute o alicerce que torna possiacutevel escrever uma lsquoartersquo da
poesia uma Poeacuteticardquo No original ldquoThe system of literary genres is the foundation that makes writing an lsquoartrsquo of
poetry a Poetics possiblerdquo 7 Essa ideia de sistema impliacutecito evocamos de Farrel (2003 p 402-3) ldquoO que esta raacutepida pesquisa demonstra eacute
que o abismo entre teoria e praacutetica no discurso greco-romano sobre gecircnero eacute niacutetido Particularmente aponta que a
ldquoteoria impliacutecitardquo representada na poesia antiga eacute de longe mais sofisticada que a teoria expliacutecita desenvolvida por
filoacutesofos e criacuteticos literaacuterios e aparentemente esposada pelos proacuteprios poetas em seus manifestos e declaraccedilotildees
programaacuteticas [] O argumento mais importante que posso fazer nesta conclusatildeo eacute insistir que a teoria impliacutecita
sobre o gecircnero intriacutenseca agrave literatura greco-romana veio a ter papel significante em qualquer tentativa futura de
abordar a histoacuteria do discurso a respeito do gecircnerordquo No original ldquoWhat this rapid survey shows is that the gap
between theory and practice in the Greek and Roman discourse on genre is pronounced In particular it shows that
the implied theory instantiated in ancient poetry is far more sophisticated than the explicit theory developed by
philosophers and literary critics and apparently espoused by the poets themselves in their manifestoes and
programmatic declarations [hellip] The most important point I can make in closing is to urge that the implicit theory
of genre embedded within Greek and Roman literature come to play a significant role in any future attempt to
assess the history of discourse about genrerdquo
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sistema geneacuterico do periacuteodo tratado propostas de traduccedilatildeo como arte ou teacutecnica de verter em
uma o texto de outra liacutengua buscando-se o quanto possiacutevel proximidade fidelidade
correspondecircncia equivalecircncia enfim termos agrave primeira vista que soam como sinocircnimos mas
abordados de modo diferente por diversos tradutores em suas teorias proacuteprias Aliaacutes natildeo nos
parece sequer que existia a funccedilatildeo do tradutor como haacute hoje e sim a do autor
Contudo se natildeo havia uma teoria da traduccedilatildeo assim como havia artes retoacutericas ou
poeacuteticas e tratados filosoacuteficos existiam praacuteticas derivadas daquelas proacuteprias praacuteticas e teorias
de modo que podemos identificar a imitaccedilatildeo como precursora da traduccedilatildeo
Vejamos entatildeo en passant o que se dizia sobre imitaccedilatildeo (miacutemesis)
1 Imitar para inventar
No livro X da Repuacuteblica vemos Platatildeo discorrendo (596a-d) sobre imitaccedilatildeo de modo a
instaurar 3 niacuteveis utilizando o exemplo de uma cama o do criadordemiurgo (deus) o do
moveleiro e o do pintor em que este uacuteltimo estaacute na terceira categoria imitaccedilatildeo da imitaccedilatildeo
sendo possivelmente portanto mais distante e subjetiva dependente da interpretaccedilatildeo do olhar
do pintor que pode ser de perspectivas diferentes8 Eacute assim que defende a expulsatildeo dos poetas
pela possibilidade de criaccedilatildeo de ideias e representaccedilotildees falsas afastadas da verdade e entende-
se da sabedoria proacutepria dos filoacutesofos No Iacuteon 530b-c temos
καὶ τὴν τούτου διάνοιαν ἐκμανθάνειν μὴ
μόνον τὰ ἔπη ζηλωτόν ἐστιν οὐ γὰρ ἂν
γένοιτό ποτε ἀγαθὸς ῥαψῳδός εἰ μὴ
συνείη τὰ λεγόμενα ὑπὸ τοῦ ποιητοῦ τὸν
γὰρ ῥαψῳδὸν ἑρμηνέα δεῖ τοῦ ποιητοῦ
τῆς διανοίας γίγνεσθαι τοῖς ἀκούουσι
τοῦτο δὲ καλῶς ποιεῖν μὴ γιγνώσκοντα ὅτι
λέγει ὁ ποιητὴς ἀδύνατον9
[] e compreender a fundo o pensamento
dele ndash natildeo soacute os versos ndash eacute invejaacutevel
Porque um rapsodo jamais seria bom se
natildeo entendesse o que eacute dito pelo poeta eacute
preciso que o rapsodo seja para os
ouvintes o inteacuterprete do pensamento do
poeta E eacute impossiacutevel fazer belamente isso
sem saber aquilo que o poeta diz10
em que se percebe a diferenccedila entre διάνοιαν o pensamento que deve ser aprendido e as ἔπη
versos que o representam
Aristoacuteteles na Poeacutetica 1447b remete a Platatildeo com inferir que houvesse poetas mais
afeitos aos versos ndash ou ao metro (natildeo vamos aqui enveredar em distinccedilotildees dos termos) ndash do que
ao pensamento
8 Seguimos a traduccedilatildeo de Anna Lia Amaral de Almeida Prado (2006 p 381-386) 9 O texto grego foi retirado da paacutegina do Perseus da ediccedilatildeo John Burnet (1903) grifos nossos 10 Traduccedilatildeo de Andreacute Malta (2008 p 22-3) grifos nossos
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οὐδὲν γὰρ ἂν ἔχοιμεν ὀνομάσαι κοινὸν
τοὺς Σώφρονος καὶ Ξενάρχου μίμους καὶ
τοὺς Σωκρατικοὺς λόγους οὐδὲ εἴ τις διὰ
τριμέτρων ἢ ἐλεγείων ἢ τῶν ἄλλων τινῶν
τῶν τοιούτων ποιοῖτο τὴν μίμησιν πλὴν οἱ
ἄνθρωποί γε συνάπτοντες τῷ μέτρῳ τὸ
ποιεῖν ἐλεγειοποιοὺς τοὺς δὲ ἐποποιοὺς
ὀνομάζουσιν οὐχ ὡς κατὰ τὴν μίμησιν
ποιητὰς ἀλλὰ κοινῇ κατὰ τὸ μέτρον
προσαγορεύοντες11
Efetivamente natildeo temos denominador
comum que designe os mimos de Soacutefron e
de Xenarco os diaacutelogos socraacuteticos e
quaisquer outras composiccedilotildees imitativas
executadas mediante triacutemetros jacircmbicos
ou versos elegiacuteacos ou outros versos que
tais Poreacutem ajuntando agrave palavra ldquopoetardquo o
nome de uma soacute espeacutecie meacutetrica
aconteceu denominarem-se a uns de
ldquopoetas elegiacuteacosrdquo a outros de ldquopoetas
eacutepicos designando-os assim natildeo pela
imitaccedilatildeo praticada mas unicamente pelo
metro usado
Ou seja para Aristoacuteteles natildeo faria parte essencial da imitaccedilatildeo o metro de modo que esta
se refira agrave mateacuteria
Em latim tem-se como correlativo de miacutemesis o termo imitatio Na Retoacuterica a Herecircnio
eacute assim definido
Haec omnia tribos adsequi poterimus
arte imitatione exercitatione [] Imitatio
est qua impellimur cum diligenti ratione
ut aliquorum similes in dicendo valeamus
esse
Tudo isso poderemos alcanccedilar por trecircs
meios arte imitaccedilatildeo e exerciacutecio []
Imitaccedilatildeo eacute o que nos estimula com
meacutetodo cuidado a que logremos ser
semelhantes a outros no dizer12
Sem contudo maior desenvolvimento Mas Ciacutecero amplia o conceito (De or II 90-
91) dando aliaacutes acepccedilotildees negativas da imitatio realizada de modo servil (como Horaacutecio
tambeacutem criticaraacute)
Ergo hoc sit primum in praeceptis meis ut
demonstremus quem imitetur atque ita
ut quae maxime excellent in eo quem
imitabitur ea diligentissime persequatur
tum accedat exercitatio qua illum quem
delegerit imitando effingat atque
exprimat non ut multos imitatores saepe
cognovi qui aut ea quae facilia sunt aut
etiam illa quae insignia ac paene vitiosa
consectantur imitando13
Portanto seja este o primeiro de meus
preceitos indicar aquele que se haacute de
imitar e de tal forma que se busquem com
maior zelo os elementos que mais se
sobressaem naquele que se imitaraacute Some-
se a isso entatildeo o exerciacutecio no qual possa
pela imitaccedilatildeo reproduzir e representar
aquele que se escolheu poreacutem natildeo como
muitos dos imitadores que vi em diversas
ocasiotildees que procuram imitar os
elementos faacuteceis ou mesmo aqueles que
satildeo particulares e quase viciosos Nada eacute
11 O texto grego foi retirado da paacutegina Perseus da ediccedilatildeo de R Kassel Aristotles Ars Poetica Oxford Clarendon
Press 1966 A propoacutesito cumpre citar que no periacuteodo citado e no paraacutegrafo seguinte Kassel traduz
sucessivamente μίμησις por ldquorepresentationrdquo (ldquorepresentaccedilatildeordquo) Em traduccedilatildeo recente (PINHEIRO 2017)
encontramos as duas ocorrecircncias traduzidas por mimese 12 Texto latino e traduccedilatildeo de Faria e Seabra (2005 p 55 apud SCATOLIN 2005 p 51) 13 Texto latino extraiacutedo da paacutegina do Perseus estabelecido por A S Wilkins (1902)
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mais faacutecil do que imitar o modo de algueacutem
se vestir sua postura ou seus movimentos
(SCATOLIN 2005 p 216)
No passo citado Ciacutecero evidencia que haacute modelos a imitar no entanto especifica que
essa imitaccedilatildeo se daacute com ldquomaior zelordquo quanto aos ldquoelementos que mais se sobressaemrdquo Ou seja
abre-se espaccedilo para o autorimitador criar de modo inteligente a partir do modelo a fim de natildeo
incorrer no erro daqueles segundo o arpinate que imitam somente ldquoelementos faacuteceis ou mesmo
aqueles que satildeo particularesrdquo Mais quando diz nada ser mais faacutecil que imitar as vestes ou
movimentos de outrem parece-nos que Ciacutecero tem em mente ndash ou ao menos ecoa ndash a proacutepria
ideia ou semelhante de Aristoacuteteles (1447b supracitado) a respeito da diferenccedila entre o
pensamento e o verso as palavras
Discussotildees ou menccedilotildees semelhantes ocorrem tambeacutem em Quintiliano como no livro X
(em 2 27) ldquoA imitaccedilatildeo entretanto (pois eacute preciso repetir com frequecircncia) natildeo reside somente
nas palavrasrdquo14 em Secircneca na suasoacuteria 37 quando traz ldquoGeliatildeo dizia que isto tinha agradado
muito ao seu Nasatildeo [Oviacutedio] e assim ele fez aquilo que fizera em muitos outros versos de
Vergiacutelio natildeo para roubar mas para tomar de empreacutestimo claramente desejando que isso fosse
reconhecidordquo15
Se esses satildeo alguns dos testemunhos sobre imitaccedilatildeo no acircmbito da retoacuterica na poesia
recorremos a Horaacutecio na Arte Poeacutetica (137-135 309-318)
publica materies privati iuris erit si
non circa vilem patulumque moraberis
orbem
nec verbo verbum curabis reddere fidus
interpres nec desilies imitator in artum
unde pedem proferre pudor vetet aut
operis lex
nec sic incipies ut scriptor cyclicus olim
fortunam Priami cantabo et nobile
bellum
[]
Mateacuteria de domiacutenio puacuteblico seraacute de direito
privado se natildeo te demorares em volta de
um ciacuterculo batido e aberto se natildeo te
preocupares em verter fiel tradutor
palavra por palavra se natildeo caiacuteres
imitador num buraco de onde o pudor ou
a lei do gecircnero te proiacutebam tirar o peacute e se
natildeo comeccedilares assim como outrora o
escritor ciacuteclico ldquoA Fortuna de Priacuteamo
cantarei e a guerra famosardquo17
[]
O saber eacute o princiacutepio e a fonte do bem
escrever Os escritos socraacuteticos poderatildeo te
14 Texto latino extraiacutedo de ediccedilatildeo de Harold Edgeworth Butler 1922 ldquoimitatio autem (nam saepius idem dicam)
non sit tantum in verbisrdquo 15 Traduccedilatildeo de Artur Costrino (2011 p 68) No original (p 110) ldquohoc autem dicebat Gallio Nasoni suo valde
placuisse itaque fecisse illum quod in multis aliis versibus Vergilii fecerat non subripiendi causa sed palam
mutuandirdquo 17 Traduccedilatildeo fornecida pelo Dr Joatildeo Angelo Oliva Neto em sala de aula durante curso de poacutes-graduaccedilatildeo na
Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da Universidade de Satildeo Paulo no primeiro semestre de 2018
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scribendi recte sapere est et principium et
fons
rem tibi Socraticae poterunt ostendere
chartae
verbaque provisam rem non invita
sequentur
qui didicit patriae quid debeat et quid
amicis
quo sit amore parens quo frater amandus
et [hospes
quod sit conscripti quod iudicis officium
quae
partes in bellum missi ducis ille profecto
reddere personae scit convenientia cuique
respicere exemplar vitae morumque
iubebo
doctum imitatorem et vivas hinc ducere
voces16
mostrar a mateacuteria e as palavras seguiratildeo
natildeo de maacute vontade a mateacuteria prevista
Quem aprendeu o que eacute devido agrave paacutetria o
que eacute a amizade o que eacute o amor aos pais
como amar um irmatildeo e um estrangeiro
qual a funccedilatildeo do senador qual a do juiz
quais os atributos de um comandante
enviado agrave guerra esse com certeza sabe o
que conveacutem a cada [tipo] de pessoa Devo
ordenar o imitador experiente a olhar o
exemplo da vida e dos costumes e daiacute
extrair as expressotildees vivas
No primeiro excerto Horaacutecio ainda que se dirija a quem queira adentrar a seara poeacutetica
distingue dois tipos de accedilatildeo ao associar ao tradutor agrave palavra e o gecircnero ao imitador Como
foge do escopo deste trabalho natildeo nos ateremos na compreensatildeo de qual seria essa diferenccedila
em Horaacutecio entre tradutor e imitador basta que haja essa disposiccedilatildeo distinta entre um e outro
No entanto urge notar que no segundo excerto ao imitador ordena-se olhar o exemplo da vida
e dos costumes sendo jaacute doctum para que sua expressatildeo seja ldquovivardquo Andrew Laird (1999 p
310) vecirc nessa expressatildeo a combinaccedilatildeo de dois sentidos para a imitaccedilatildeo quais sejam como
coacutepia de modelos e como representaccedilatildeo18 Inferimos ainda da expressatildeo uma praacutetica impliacutecita
da imitaccedilatildeo de modelos nos estudos formativos como os apontados por Teatildeo (MANOEL
2014) que propiciaratildeo ao experiente imitador arcabouccedilo necessaacuterio para trilhar seu proacuteprio
caminho natildeo mais imitando modelos e sim a proacutepria vida inventando quer seja em acircmbito
filosoacutefico poeacutetico ou retoacuterico Aleacutem disso natildeo podemos deixar de concordar com Harvey
quanto ao menos um objetivo dos autores antigos a saber alcanccedilar a fama tornando-se modelo
o que era possiacutevel justamente por essa replicaccedilatildeo paraacutefrase e estudo de modelos anteriores19
16 Texto latino extraiacutedo da paacutegina do projeto Perseus ediccedilatildeo de C Smart (1836) 18 Assim ele traduz ldquoI will order the learned imitator to look to the model of life and morals and draw his utterances
living from thererdquo E explica ldquoThe phrase doctum imitatorem (lsquolearned imitatorrsquo) presupposes both the priority of
imitating models and the necessity of the imitator being well versed in those modelsrdquo (A expressatildeo doctum
imitatorem (imitador experiente) pressupotildee tanto a prioridade da imitaccedilatildeo de modelos como a necessidade de o
imitador ser bem versado nesses modelosrdquo 19 Cf Harvey (1955 p 157) ldquoIf we do not know the purpose for which a given poem was written or the
conventions which governed its form we are deprived of what the greeks regarded as one of the main criteria for
assessing its qualityrdquo (ldquoSe natildeo sabemos o propoacutesito para o qual determinado poema foi escrito ou as convenccedilotildees
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Da exposiccedilatildeo feita ateacute aqui por conseguinte percebemos como o conceito de mimese
ou imitaccedilatildeo possui sentidos diferentes ora mais filosoacuteficos e relacionados a ideias ora mais
objetivos e relacionados agraves proacuteprias palavras escritas de algum autor20
Poreacutem seja qual for o sentido eacute condenaacutevel a imitaccedilatildeo que vise agrave replicaccedilatildeo o que
aliaacutes Quintiliano diz ser impossiacutevel (Inst or X 2 10-11) de modo que a imitaccedilatildeo tem como
ldquofiltrordquo imprescindiacutevel a maior ou menor habilidade de um autor letrado
Portanto a invenccedilatildeo mira a originalidade que ocorre se eacute executada com ecircxito e poderaacute
alccedilar o autor agrave eternidade ou agrave primazia quer seja como um entre o rol dos liacutericos com uma
obra mais perene que o bronze como um Propeacutercio ao dizer-se o Caliacutemaco romano entre outros
exemplos
Se pareceu abrupta nossa mudanccedila de contexto grego para romano da poesia para a
retoacuterica ou seja do verso para a prosa eacute que entendemos que tal diferenccedila resida na
manifestaccedilatildeo isto eacute da accedilatildeo concreta da imitaccedilatildeo que se daacute por meio dos gecircneros (do qual
aquela natildeo se dissocia) como veremos a seguir 21
que governam sua forma ficamos privados do que os gregos consideravam como um dos principais criteacuterios para
compreender sua qualidaderdquo) Sobre a memorizaccedilatildeo e repeticcedilatildeo de modelos e sua relevacircncia no cenaacuterio claacutessico
com a ideia de novidade emergindo da invenccedilatildeo justamente pela multiplicaccedilatildeo e proliferaccedilatildeo de modelos ver
Muckelbauer (2003) 20 Discussatildeo pormenorizada desses sentidos pode ser encontrada em Muckelbauer (2003) como agrave paacutegina 243 em
que recupera desenvolvimentos de outros dois estudiosos ldquoEdward P J Corbett nicely summarizes McKeonrsquos
three primary meanings lsquo1) the Platonic notion of an image-making faculty which produces extensions of ideal
truth in the phenomenal world 2) the Aristotelian notion of the representation of human actions and 3) the
rhetorical notion of copying simulating emulating modelsrdquo (E P J C resume bem os trecircs sentidos principais de
McKeon lsquoa noccedilatildeo platocircnica de uma faculdade imageacutetico-criadora que produz extensatildeo de uma verdade ideal no
mundo fenomecircnico 2) a noccedilatildeo aristoteacutelica de representaccedilatildeo das accedilotildees humanas e 3) a noccedilatildeo retoacuterica de coacutepia
simulaccedilatildeo emulaccedilatildeo de modelosrdquo Divisotildees que o autor havia explicitado anteriormente agrave paacutegina 65 ldquoThe
imitation of an ideal world by the actual world became the province of ancient philosophy the imitation of the
actual world by a poet or actor became the concern of ancient literature and the imitation of a renowned orator or
teacher by a student became the terrain of ancient rhetoricrdquo (A imitaccedilatildeo de um mundo ideal pelo mundo real
tornou-se mateacuteria da filosofia antiga a imitaccedilatildeo do mundo real por um poeta ou ator tornou-se preocupaccedilatildeo da
literatura antiga e a imitaccedilatildeo de um orador renomado ou professor por um estudante tornou-se terreno da retoacuterica
antiga) 21 Geralmente classificam-se os textos antigos como pertencentes agrave filosofia agrave retoacuterica ou agrave poesia Poreacutem se
temos autores adultos escrevendo em uma ou mais aacutereas eacute porque a educaccedilatildeo baacutesica ndash em analogia ao ensino
institucionalizado de hoje guardadas as devidas proporccedilotildees ndash que tiveram jaacute os preparara para tal Nisto remetemos
a trabalho aos progymnaacutesmata ou praeexercitamina com seus exerciacutecios de reproduccedilatildeo paraacutefrase amplificaccedilatildeo
e especificamente na retoacuterica hipoacuteteses ou controveacutersias bem como um dos autores ndash talvez o mais antigo de que
tenhamos um manual ndash Eacutelio Teatildeo que diz (MANOEL 2014 p 30) ldquoIncluiacute essas coisas natildeo julgando todas uacuteteis
a todos os iniciantes mas para que saibamos que exerciacutecios satildeo muito importantes natildeo soacute para os que estatildeo prestes
a discursar como tambeacutem a quem queira partilhar da faculdade dos poetas dos historiadores e dos outros
discursosrdquo no original (PATILLON 1997 p 9) ldquoταῦτα μὲν οὖν παρεθέμην οὐ νομίζων μὲν ἅπαντα εἶναι πᾶσιν
ἀρχομένοις ἐπιτήδεια ἀλλ ἵνα ἡμεῖς εἰδῶμεν ὅτι πάνυ ἐστὶν ἀναγκαῖον ἡ τῶν γυμνασμάτων ἄσκησις οὐ μόνον
τοῖς μέλλουσι ῥητορεύειν ἀλλὰ καὶ εἴ τις ἢ ποιητῶν ἢ λογοποιῶν ἢ ἄλλων τινῶν λόγων δύναμιν ἐθέλει
μεταχειρίζεσθαιrdquo Pois Teatildeo dissera anteriormente ldquoAntes de tudo o professor deve apresentar aos jovens os
bons exemplos recolhidos das letras antigas para que aprendam e guardem na memoacuteria tal como o da chreia que
haacute em Platatildeo no primeiro livro da Repuacuteblicardquo Do original vale destacar a expressatildeo ldquoπαλαιῶν συγγραμμάτωνrdquo
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Eacute informaccedilatildeo oacutebvia que para surgir um sistema de gecircneros havia mesmo que de modo
impliacutecito convenccedilotildees reconhecidas a respeito das composiccedilotildees escritas No entanto a
imprecisatildeo que vemos em autores gregos e a posterior crise dos gecircneros22 que se inicia com os
heleniacutesticos denota que tal sistema natildeo fosse estaacutevel ou livre de dissensotildees23
De acordo com nosso propoacutesito natildeo percorreremos definiccedilotildees e prescriccedilotildees a respeito
de gecircneros mas chamaremos a atenccedilatildeo para dois conceitos a poikilia (variedade) e a polyeideia
(pluralidade de gecircneros) A poikilia ocorre jaacute no periacuteodo claacutessico em Piacutendaro (Piacuteticas 9 76-
78)
ἀρεταὶ δ αἰεὶ μεγάλαι πολύμυθοι
βαιὰ δ ἐν μακˈροῖσι ποικίλλειν
ἀκοὰ σοφοῖς ὁ δὲ καιρὸς ὁμοίως
παντὸς ἔχει κορυφάν
Grandes virtudes satildeo sempre muito
faladas mas variegar pequenas entre
grandes coisas
eacute o que ouvem os saacutebios O oportuno
igualmente eacute de tudo o remate 24
para se referir agraves ldquoletras antigasrdquo (PATILLON 1997 p 9) em ldquoΠῶρτὸν μὲν ἁπάντων χρὴ τὸν διδάσκαλον ἑκάστου
γυμνάσματος εὖ ἔχοντα παραδείγματα ἐκ τῶν παλαιῶν συγγραμμάτων ἀναλεγόμενον προστάττειν τοῖς νέοις
ἐκμανθάνειν οἷον χρείας μὲν ὁποία ἐστὶν ἡ παρὰ Πλάτωνι ἐν τῷ πρώτῳ τῆς πολιτείαςrdquo expressatildeo que Patillon
traduz por ldquoles ouvrages des anciensrdquo e Kennedy (2003 p 9) verte para o inglecircs do seguinte modo ldquoancient prose
works Ademais utilizamos ldquoletras antigasrdquo para compreender prosa e verso pois como diz Christian Werner
(WERNER SEBASTIANI DOURADO-LOPES 2014 p 14 e 15) ldquoentre os gregos poreacutem natildeo haacute nenhum
termo que abarque prosa e verso [] um termo que nas praacuteticas gregas se aproximou bastante do sentido em
questatildeo foi mousikecirc termo nuclear para aquilo que J Herington chamou de ldquocultura da canccedilatildeordquo e aqui vale
lembrar das palavras de Harvey (1955 p 5 e 28) quanto agrave poesia arcaica ldquoThus the opposition between what we
may call song and poetry is a mimesis or imitation of the fundamental opposition between singing and speaking
(Assim a oposiccedilatildeo entre o que podemos chamar canccedilatildeo e poesia eacute uma mimese ou imitaccedilatildeo da oposiccedilatildeo
fundamental entre o cantar e o falar) e ldquoWritten is not something that is not oral rather it is some thing in addition
to being oral and that additional something will vary from society to society It is dangerous to universalize the
phenomenon of literacyrdquo (O escrito natildeo eacute uma coisa natildeo oral eacute sim um algo a mais aleacutem de oral e esse algo a
mais variaraacute de sociedade a sociedade Eacute perigoso universalizar o fenocircmeno do letramento) Em Ciacutecero o sistema
do gecircnero e as diferenccedilas entre prosa e poesia jaacute parecem ser mais bem demarcados do que eram na eacutepoca de
Aristoacuteteles 22 Ford (2002 p 252-3) fala em hibridismo em Goacutergias pois no programaproacutelogo do elogio a Helena fala em
dizer o que deve ser dito e refutar falsas acusaccedilotildees uma vez que teria sido acusado por Isoacutecrates de fugir agrave lei do
gecircnero e fazer uma apologia em vez de um elogio Isoacutecrates em Antidosis no paraacutegrafo 47 diz ter desenvolvido
seu proacuteprio gecircnero mais poeacutetico e com estilo adornado Mais um exemplo o jaacute citado Harvey (1955 p 160 e
166) diz numa passagem que os epiniacutecios de Piacutendaro natildeo satildeo todos a rigor epiniacutecios de modo que tenham sigo
organizados segundo loacutegica diferente e que o reacutetor Menandro teria dito que um hino escrito para Apolo eacute chamado
peatilde mas ditirambo quando para Dioniso 23 Ver Farrel (2003 p 388) ldquoCom o tempo encontra-se um senso de aventura cada vez maior ateacute que no periacuteodo
heleniacutestico e romano chega a parecer que testar e mesmo violar limites geneacutericos natildeo era meramente uma
consequecircncia inevitaacutevel e acidental de escrever em qualquer gecircnero mas um importante aspecto da arte do poetardquo
(No original ldquoWith time one finds an ever-greater sense of adventure until by the Hellenistic and Roman periods
it comes to seem that testing and even violating generic boundaries was not merely an inevitable and accidental
consequence of writing in any genre but an important aspect of the poets craftrdquo) 24 Traduccedilatildeo de Joatildeo Angelo Oliva Neto para o referido curso de poacutes-graduaccedilatildeo a quem agradeccedilo a apresentaccedilatildeo
de ambos os conceitos e das fontes A traduccedilatildeo seguinte tambeacutem eacute dele
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O termo ocorre tambeacutem nas Oliacutempicas (6 85-87) e em Aristoacuteteles na Poeacutetica (XIII
1459a 34)
Jaacute a polyeacuteideia ocorre num comentaacuterio (Diegesis 9 32-35) antigo a um verso do Iambo
13 de Caliacutemaco (frag 203 Pfeiffer)
Ἐν τούτῳ πρὸς τοὺς καταμεμφομένους αὐτὸν
ἐπὶ τῇ πολυειδείᾳ ὧν γράφει ποιημάτων
ἀπαντῶν φησιν ὅτι Ἴωνα μιμεῖται τὸν
τραγικόν ἀλλ οὐδὲ τὸν τέκτονά τις μέμφεται
πολυειδῆ σκεύη τεκταινόμενον
Neste [poema] [dirigindo-se] aos que o
reprovam pela pluralidade de gecircneros de
todos poemas que escreve [Caliacutemaco] diz
que imita o tragedioacutegrafo Iacuteon mas
ningueacutem de fato censura o artiacutefice que
faz multiacutegenos utensiacutelios
Caliacutemaco assim tanto busca variegar como faz uma pluralidade de gecircneros ndash
manifestaccedilotildees da invenccedilatildeo sem deixar de citar como modelo Mimnermo para ser o primeiro
em novo trilho (frag 1 Pfeiffer 21-25 traduccedilatildeo e Joatildeo Angelo Oliva Neto)
ldquoo incenso aedo o mais espesso eacute o que conveacutem
me dar a Musa amigo delicada
Ordeno-te natildeo vaacutes por onde os carros trilham
nem sobre o mesmo alheio rasto a roda
leves nem vaacutes agrave larga via mas a estrada
natildeo batida por mais que estreita sigasrdquo
Cumpre aqui notar a relevacircncia de Caliacutemaco tanto por ser criacutetico como poeta uma vez
que como bibliotecaacuterio organizou iacutendice de autores e obras os piacutenakes que hoje chamamos
ldquocataacutelogosrdquo Sua importacircncia eacute capital porque evidencia parte dessa poeacutetica heleniacutestica que teraacute
influenciado Catulo e Horaacutecio
O livro de Catulo eacute emblemaacutetico porque reflete a poeacutetica heleniacutestica e a influecircncia de
Caliacutemaco eacute um livro variegado e tambeacutem plural quanto aos gecircneros jaacute que possui uma primeira
parte polimeacutetrica e uma segunda monomeacutetrica em diacutesticos elegiacuteacos e apresenta poemas com
caracteriacutesticas diacutespares como epigramas e mesmo elegias com destaque poreacutem a seu caraacuteter
ligeiro (OLIVA NETO 1996)
Nas Odes Horaacutecio segue ediccedilotildees alexandrinas para ordenar o livro quanto aos hinos
seja assemelhando-se aos modelos como no caso do primeiro livro imitando Alceu ou
afastando-se como no caso de Safo que faz hino a Afrodite ao passo que o poeta a tenta afastar
Aleacutem disso as sequecircncias riacutetmicas ou seja os metros indicam seccedilotildees proacuteprias e relacionam as
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odes25 e Horaacutecio busca tornar-se ele tambeacutem modelo como em IV 6 (vv 43-44 ldquodei carme
grato aos deuses aprendendo do vate Horaacutecio os metrosrdquo (aqui sigo as ideias e utilizo a
traduccedilatildeo de Alexandre Hasegawa 2012) Tambeacutem eacute poeta variegado e trabalha com os limites
do gecircnero como no livro dos epodos em que apresenta dois (14 e 15) com elementos liacutericos
bem como se insere entre os primeiros no gecircnero ndash ainda que Catulo tenha feito iambos ndash na
Epist 1 19 vv 20-24 ldquoEu por primeiro pus meus peacutes em campo livre e natildeo pisei pegadas
alheias Quem confiar em si conduziraacute o enxame Eu fui o primeiro que mostrei ao Laacutecio os
iambos Paacuterios imitando o ritmo e o acircnimo de Arquiacuteloco natildeo a mateacuteria e as palavras dirigidas
a Licambesrdquo (HASEGAWA 2010 p 79 traduccedilatildeo dos versos por Joatildeo Angelo Oliva Neto)
2 Tradutor imitador ou autor
E agora onde entra a traduccedilatildeo nesta histoacuteria Segundo a discussatildeo e os passos
apontados deduzimos em linhas gerais que o espiacuterito claacutessico o zeitgeist hegeliano dos
autores os incitava agrave inventividade agrave originalidade a testar os limites a superar os modelos ndash
para se tornar modelos ndash a escolher caminhos estreitos Enfim cenaacuterio que em pouco mais de
trezentos anos presenciou muitas guerras e transformaccedilotildees hegemonias gregas com Atenas
Esparta as conquistas de Alexandre O Grande e a dominaccedilatildeo imposta por Roma Contexto
agoniacutestico e de competitividade poliacutetica militar e como natildeo poderia deixar de ser nas
composiccedilotildees escritas Eacute por isso e a ausecircncia de um tratado-testemunho sobre uma arte ou
teacutecnica da traduccedilatildeo que o corrobore que dificilmente podemos conceber um autor aplicado a
ldquopublicarrdquo a obra de outro autor e natildeo proacutepria portanto sem sua autoridade assumindo-se
como imitador da mateacuteria do ritmo e das palavras enfim do gecircnero Muitos testemunhos
mencionam ou falam da imitaccedilatildeo mas quantos autores temos assumindo-se como imitadores
sem ter feito qualquer inovaccedilatildeo no gecircnero seja com mateacuteria seja com ritmo diferente
Destarte sugerimos que usar o termo ldquotraduccedilatildeordquo ou ldquotradutorrdquo para denominar as obras
e os autores antigos eacute anacronismo uma vez que natildeo podemos encontrar teorias antigas a
respeito disso mas somente teacutecnicas e artes de composiccedilatildeo em que a invenccedilatildeo senatildeo expliacutecita
eacute impliacutecita Contudo natildeo ousamos radicalizar e certamente estudantes treinavam com
25 Trata-se da alternacircncia Ver Hasegawa (2016 sobretudo nota de rodapeacute 60 agrave paacutegina 144 em que arrola
bibliografia e menciona a alternacircncia de estrofes alcaicas e saacuteficas no livro das Odes de Horaacutecio diacutesticos elegiacuteacos
e hendecassiacutelabos faleacutecios na Priapeia latina eacuteclogas dramaacuteticas e narrativas nas Bucoacutelicas de Vergiacutelio e
Calpuacuternio
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reproduzir textos de outros autores de uma liacutengua a outra sem no entanto entenderem isso
como uma arte ou teacutecnica proacutepria mas como uma imitaccedilatildeo e se ldquofielrdquo bem por isso condenaacutevel
e abaixo da dignidade que a autoridade de um poeta exigia26 Essas balizas satildeo aquelas que
norteiam e da qual derivam as modernas teorias da traduccedilatildeo as leis do gecircnero E quando
dissemos ldquocrise dos gecircnerosrdquo natildeo queremos nos referir a um evento de fato e sim a um lugar-
comum inerente agraves composiccedilotildees quer seja em poesia quer em prosa uma vez que tanto poetas
como reacutetores (cf os proecircmios de livros como Retoacuterica a Herecircnio De inuentione De oratore
os manuais de Eacutelio Teatildeo Hermoacutegenes entre outros em que cada um inaugura seu tratado ou
teoria dizendo inovar em relaccedilatildeo aos predecessores) O que nos parece ponto fechado eacute que os
autores heleniacutesticos tinham como princiacutepio impliacutecito o dever de conhecer profundamente seus
modelos a fim de justamente por isso natildeo os repetir mas com eles competir ou para usar do
jargatildeo emular
Um caso poreacutem nos chama a atenccedilatildeo Catulo no poema 65 15-16 (OLIVA NETO
1996 p 133)
sed tamen in tantis maeroribus Ortale
mitto
haec expressa tibi carmina Battiadae
em tanta dor poreacutem te envio oacute Hoacutertalo
estes versos vertidos de Caliacutemaco
Em face agrave deduccedilatildeo que realizamos se torna espantoso em um primeiro momento nesse
cenaacuterio um autor reconhecer ter traduzido outro sem inventar isto eacute aparentemente sem
adaptar inteligentemente ou refundir o modelo no entanto ainda que tenha feito Catulo o fez
somente de modo segmentado natildeo de todo o poema o que teria sido uma imitaccedilatildeo servil e
condenaacutevel mas somente de um trecho incluindo-o em outro ambiente (poemas matrimoniais)
diferente embora em livro variegado e com pluralidade de gecircneros Seria assim uma inovaccedilatildeo
catuliana inserir em sua obra de modo anunciado publicamente uma traduccedilatildeo aparentemente
servil pois natildeo eacute de fato jaacute que refunde o modelo apesar de mantecirc-lo o mais possiacutevel
aproximado da liacutengua de chegada com inseri-lo em ambiente diverso do original Ressalve-se
que o original se refere ao fragmento 110 (Pfeiffer) do final do livro IV dos Aitia de Caliacutemaco
do qual temos poucos versos para comparar ao texto latino que tradicionalmente tem sido
utilizado para maior compreensatildeo do texto grego Carmina expressa aponta o verbo exprimere
26 ldquo[] eacute equivocado tambeacutem buscar para cada poema ou verso latino um modelo como se o poeta fosse obrigado
a imitar a cada palavra que escrevesse Se a imitaccedilatildeo eacute conceito importante para poetas latinos e praacutetica frequumlente
(mesmo a imitaccedilatildeo servil deveria ser constante caso contraacuterio natildeo haveria condenaccedilatildeo de Horaacutecio e Quintiliano)
eacute estimulada tambeacutem a inovaccedilatildeo no gecircnero que torna o escritor verdadeiramente auctorrdquo (HASEGAWA 2010
p 79)
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que entendemos com Joatildeo Angelo Oliva Neto por decalque Desse modo Catulo seria uma
exceccedilatildeo agrave regra ou ao menos o primeiro a fazecirc-lo publicamente mantendo a dignidade autoral
como poeta haacutebil e cujo testemunho nos chegou27 Mas ao fazer isso Catulo demonstra aos
leitores atentos sua capacidade de ser original ainda quando aparente servilismo testando as
teorias expliacutecitas e impliacutecitas das composiccedilotildees poeacuteticas e recepccedilotildees dos leitores
Ciacutecero (De optimo genere oratorum 14) Pliacutenio (VII 9) e Aulo Geacutelio (Noctes Atticae
991) utilizaratildeo o termo vertere infracitados respectivamente
Converti enim ex Atticis duorum
eloquentissimorum nobilissimas orationes
inter seque contrarias Aeschinis et
Demosthenis nec converti ut interpres
sed ut orator sententiis isdem et earum
formis tamquam figuris verbis ad nostram
consuetudinem aptis
Verti entatildeo dos aacuteticos dois discursos
notaacuteveis e contraacuterios entre si um de
Eacutesquines outro de Demoacutestenes autores
dos mais eloquentes E natildeo os verti como
um inteacuterprete mas como um orador
usando os mesmos argumentos tanto na
sua forma quanto nas suas figuras de
linguagem em termos adequados agrave nossa
cultura
1 Quaeris quemadmodum in secessu quo
iam diu frueris putem te studere oportere
Utile in primis et multi praecipiunt vel ex
Graeco in Latinum vel ex Latino vertere in
Graecum 2 Quo genere exercitationi
proprietas splendorque verborum copia
figurarum vis explicandi praeterea
imitatione optimorum similia inveniendi
facultas paratur
1 Vocecirc pergunta como eu acho que lhe
conveacutem estudar no tempo livre de que jaacute
desfruta haacute um bom tempo Sobretudo
proveitosamente E muitos receitam verter
do grego ao latim e do latim ao grego 2
Esse eacute um tipo de exerciacutecio que propicia
seguranccedila e brilho com as palavras
inventaacuterio de imagens e tino
argumentativo bem como por meio da
imitaccedilatildeo dos melhores a faculdade de
inventar obras similares
Quando ex poematis Graecis vertendae
imitandaeque sunt insignes sententiae
non semper aiunt enitendum ut omnia
omnino verba in eum in quem dicta sunt
modum vertamus
Quando de poemas gregos eacute necessaacuterio
verter e imitar sentenccedilas notaacuteveis nem
sempre dizem se deve empenhar para
verter absolutamente todas as palavras
daquele mesmo modo com que foram
ditas
27 Cf Oliva Neto (1996 p 22) Os intelectuais heleniacutesticos percebiam ser irreversiacutevel a consolidaccedilatildeo da escrita e
embora fossem bem conscientes do abalo produzido por ela no mundo oral jamais contemplaram seus
predecessores como quem observa inimigos vencidos Ao contraacuterio a proacutepria escrita e a consciecircncia de serem
escribas o apego ao livro como qualquer nova atitude ligada agrave cultura tinham apoio e justificaccedilatildeo no fato de
servir ao legado dos antecessores preservando-o o que outra coisa natildeo eacute que o sentido dialeacutetico da tradiccedilatildeo
tinham de ser conspicuamente diferentes deles para continuar a exercer em outras circunstacircncias a mesma funccedilatildeo
de poetas Percebendo ser outra a dinacircmica da produccedilatildeo cultural graccedilas precisamente agrave escrita os poetas
heleniacutesticos para inserir-se nessa tradiccedilatildeo e continuaacute-la tiveram muita vez que explicitar o caraacuteter graacutefico de sua
obra
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O interpres de Horaacutecio (fidus interpres v 134 da AP) parece evocar o interpres de
Ciacutecero ainda que em contextos diferentes uma vez que condenam o servilismo de verter
palavra por palavra tendo em vista que o orador tem como primeira atividade encontrar os
argumentos adequados isto eacute o pensamento para depois vesti-los
Ademais natildeo satildeo poucas as definiccedilotildees para artiacutefices e suas obras independentemente
se em prosa ou verso filoacutesofos reacutetores poetas todos auctores com suas mais diferentes obras
como tratados epiacutestolas diaacutelogos eacutepica liacuterica elegia ditirambos etc Mas quais os termos para
o tradutor e para a traduccedilatildeo Natildeo encontramos bem porque tal funccedilatildeo natildeo fosse reconhecida agrave
eacutepoca O que mais se aproxima dessa ideia eacute o conceito do lado negativo condenaacutevel da
imitatio daiacute Horaacutecio com ldquose natildeo caiacuteres imitadorrdquo em que imitator qualifica o executor da
mera imitatio servil isto eacute que natildeo inventa que natildeo refunde que natildeo se lanccedila como inovador
Tambeacutem poderiacuteamos utilizar interpres poreacutem devemos encerrar a exposiccedilatildeo para respeitar a
lei do gecircnero e o termo carece de anaacutelise de seus empregos significados e etimologia mais
minuciosa
Consideraccedilotildees finais
Fala-se amiuacutede de Liacutevio Andronico como tradutor da Odisseia bem como outros
autores latinos No entanto dessa imitaccedilatildeo como preferimos chamar natildeo sobram mais que
cinquenta versos e haacute de se analisar o quanto sejam ou natildeo imitaccedilotildees servis em vez de
traduccedilotildees como hoje chamamos (o mesmo para o poema 66 de Catulo com relaccedilatildeo aos
fragmentos calimaquianos) E Liacutevio Andronico atesta Ciacutecero foi auctor de peccedilas Natildeo se
enquadra na funccedilatildeo de tradutor servil e o ritmo escolhido para sua versatildeo da Odisseia eacute feito
no verso saturnino que natildeo corresponde ao hexacircmetro
Desse modo discordamos de Kennedy (2008 p 224) a respeito da comeacutedia de Plauto
com dizer
[] para nossos objetivos o principal significado da comeacutedia plautina
reside em demonstrar quatildeo longe um ldquotradutorrdquo pode ir na mudanccedila da
forma e do conteuacutedo de seu modelo Esta eacute a primeira explosatildeo de
virtuosismo linguiacutestico na literatura romana e as liberdades de Plauto
na estrutura dramaacutetica e caracterizaccedilatildeo satildeo equilibradas pela
versatilidade de seu ritmo liacuterico e corrente e por todo tipo de jogo com
som e sentido numa fantasia verbal extravagantemente estilizada
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Traduccedilatildeo como imitaccedilatildeo foi suplantada pela exploraccedilatildeo do modelo
como veiacuteculo para a linguagem pessoal do poeta Romano28
Pois natildeo vemos tanto em Liacutevio Andronico quanto em Plauto diferenccedila a respeito da
imitaccedilatildeo que continua sendo fusatildeo de um modelo e veiacuteculo para manifestar a inventividade do
poeta29
Desse modo utilizar o termo ldquotradutorrdquo ou ldquotraduccedilatildeordquo pelo menos ateacute Ciacutecero parece-
nos um anacronismo ao passo que o termo mais acertado seria autor ou imitador no caso de
uma adaptaccedilatildeo inteligente ou de uma imitaccedilatildeo servil respectivamente de acordo com a
recepccedilatildeo e proacutepria criacutetica antiga30
Eacute com a septuaginta que temos um caso interessante e de oposiccedilatildeo a heleniacutestica epiacutestola
de Aristeias cuja lenda refere uma ldquotraduccedilatildeordquo feita por 72 escolhidos e cujo resultado seria
uma versatildeo pura correta e imutaacutevel das palavras inspiradas por um autor que natildeo pode ser
emulado Deus E eacute justamente em Satildeo Jerocircnimo tradutor da Biacuteblia em epiacutestola a Pameacutecio
(376 dC ndash aqui sim depois de Cristo) que vemos uma defesa daquele de suas escolhas de
versatildeo e de onde derivam explicitamente as ideias de traduccedilatildeo pela letra ou pelo espiacuterito ou
sentido
Em suma eacute evidente que havia traduccedilotildees tantas possiacuteveis quantos os autores ou
inteacuterpretes poreacutem embora natildeo haja teoria expliacutecita em tratado sobre a traduccedilatildeo podemos
28 For our purposes the chief significance of Plautine comedy is in demonstrating how far a translator [antente-se
para o uso de aspas no termo translator que revela cautela por parte do autor] can go in changing the form and
content of his model This is the first explosion of linguistic virtuosity in Roman literature and Plautus cavalier
liberties taken with dramatic structure and characterisation are offset by the versatility of his lyric and dialogue
metres and by every kind of play on sound and sense in extravagantly stylised verbal fantasy Translation as
imitation has been superseded by exploitation of the model as vehicle for the Roman poets personal idiom 29 E mais nas palavras de Harvey (1955 p 217) ldquouma importante caracteriacutestica da teoria retoacuterica no periacuteodo
heleniacutestico relaciona-se com a invenccedilatildeordquo (ldquoAn important feature of rhetorical theory in the Hellenistic period
relates to inventionrdquo) que natildeo se restringe somente agrave retoacuterica como vimos nos passos supracitados bem como
fazia parte do curriacuteculo educacional dos progymnaacutesmata ou praeexercitamina Aliaacutes em contexto romano diraacute
Harvey agrave frente (p 240) ldquoquando enredo e sequecircncia narrativa caracterizaccedilatildeo e diaacutelogo satildeo predeterminados pelo
modelo a composiccedilatildeo torna-se muito mais uma questatildeo de escolha (ou criaccedilatildeo) da palavra correta [aptum] para o
contexto Daiacute a poesia romana comeccedilar com a preocupaccedilatildeo quanto agrave elocuccedilatildeo mas com escopo para a criatividade
linguiacutesticardquo (ldquowhen plot and narrative sequence character and dialogue are predetermined by the model
composition becomes very much a matter of choosing (or creating) the right word for the context Hence Roman
poetry began with concern for diction but with scope for linguistic creativityrdquo) Ideia de que discordamos em parte
pois tomando ainda Catulo e Horaacutecio como exemplos esses autores natildeo apenas testaram limites quanto ao ritmo
a meacutetrica a dicccedilatildeo ou elocuccedilatildeo como demonstraram que essa mesma elocuccedilatildeo o arranjo das palavras (verbis
serendis AP v 45) natildeo pode ser dissociada da invenccedilatildeo quanto agrave mateacuteria Horaacutecio faz epodos fracos Catulo nos
leva do epigrama agrave elegia (HASEGAWA 2010 OLIVA NETO 2006) Assim eacute possiacutevel que houve uma mudanccedila
de foco mais para a arte da escrita (com o desenvolvimento e divulgaccedilatildeo da escrita) no entanto a invenccedilatildeo ainda
permanece como condiccedilatildeo sine qua non do ofiacutecio dos compositores reacutetores poetas filoacutesofos professores etc 30 Cf Hunter (2005 p 481) ldquoevitar a larga via eacute uma questatildeo de usar o passado de modo inteligenterdquo (ldquoAvoiding
the lsquobroad highway [Caliacutemaco fr 1 21-28] is a matter of using the past intelligentlyrdquo)
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circunscrevecirc-la nesse sistema geneacuterico que como visto era responsivo competitivo feacutertil e
repleto de debates Nele circunscrita torna-se mais faacutecil compreender Ciacutecero quando diz
traduzir como orador e natildeo como imitador o foco natildeo estava em Demoacutestenes mas no proacuteprio
Ciacutecero que reconhece Demoacutestenes como modelo para utilizar inteligentemente para seu
propoacutesito que nem de longe se assemelha ao papel da traduccedilatildeo de hoje focada no autor do
original a fim de recuperar seus possiacuteveis sentidos originais e como ele os teria manifestado em
outro idioma
Assim nossa breve exposiccedilatildeo se encerra com base na hipoacutetese aqui aventada com a
seguinte questatildeo quando ocorreu e por que razotildees a mudanccedila de foco do olhar dos autores de
sua obra proacutepria original por invenccedilatildeo para o modelo ou seja o apagamento autoral ou a
separaccedilatildeo de papeacuteis ndash entre autores e tradutores diferentes na justa medida da maior ou menor
inventividade proacutepria em competiccedilatildeo com a do modelo ndash o nascimento do tradutor e de
traduccedilotildees enfim quando a imitaccedilatildeo servil como exerciacutecio formativo e relegada agraves salas de
aula tornou-se objetivo de traduccedilatildeo
Referecircncias Bibliograacuteficas
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81 ISSN 2236-4013
Introduccedilatildeo
Atualmente haacute vaacuterias teorias da traduccedilatildeo com seus pressupostos classificaccedilotildees e
preceitos proacuteprios tendo em comum muita vez o objetivo de aproximar o quanto possiacutevel a
traduccedilatildeo do original de modo que aquela natildeo seja algo diverso2 Nesse cenaacuterio discute-se o
papel do tradutor se agiraacute de modo invisiacutevel ou se deveraacute mostrar-se na traduccedilatildeo com
propostas por exemplo de estrangeirizaccedilatildeo ou domesticaccedilatildeo na traduccedilatildeo Contudo eacute assunccedilatildeo
evidente que haacute papeacuteis definidos o de tradutor quaisquer que sejam seus modos operandi e
das traduccedilotildees quaisquer que sejam seus objetivos
Nesta pesquisa3 buscamos apontar que esses papeacuteis natildeo eram bem definidos na
Antiguidade pelo menos em eacutepoca aC (isto eacute antes de Ciacutecero) sobretudo no campo da escrita
e das composiccedilotildees supeacuterstites Ademais havia sim uma accedilatildeo condenaacutevel de ldquotraduccedilatildeordquo servil
que era a imitaccedilatildeo inepta agrave parte da invenccedilatildeo atributo essencial para alccedilar o poeta ou o reacutetor
como auctor digno de autoridade
Tanto assim nos parece que essas ideias ndash ainda que se argumente o serem pouco
expliacutecitas (aduziremos alguns testumunhos) ndash sobre o papel de um imitador como precursor do
papel do tradutor ecoam ainda hoje4 quanto aos limites da traduccedilatildeo e adaptaccedilatildeo uma vez que
2 Indicamos Valentiacuten Garcia Yebra (En torno a la traduccioacuten ndash teoriacutea criacutetica historia Madrid Gredos 1983) que
dedica capiacutetulos a conceitos como equivalecircncia formal correspondecircncia dinacircmica traduccedilotildees em verso ou prosa
entre outras discussotildees tambeacutem Paulo Roacutenai em A traduccedilatildeo vivida (Rio de Janeiro Joseacute Olympio 2012)
sobretudo na parte 1 (p 19-40) em que daacute definiccedilotildees de tradutor traduccedilotildees e espeacutecies diferentes Paulo Henriques
Britto em A traduccedilatildeo literaacuteria (2 ed Rio de Janeiro Joseacute Olympio 2016) define um tipo especiacutefico de traduccedilatildeo
a literaacuteria e defende que ldquoo tradutor natildeo eacute necessariamente um imitadorrdquo (p 19) e para nossos propoacutesitos Paul
Ricoeur em Sobre a traduccedilatildeo (Traduccedilatildeo e prefaacutecio de Patriacutecia Lavelle Belo Horizonte Editora UFMG 2012)
que versa sobre preceitos vaacuterios de traduccedilatildeo como traiccedilatildeo e fidelidade e vecirc (p 37) ldquoa praacutetica da traduccedilatildeo continua
sendo uma operaccedilatildeo arriscada sempre em busca de sua teoriardquo de modo que natildeo parece fechar o assunto mas
apenas demonstrar e analisar diversos pontos de vista contribuindo com ideias proacuteprias como a de transferecircncia
de comparaacutevel 3 Registram-se aqui os agradecimentos aos professores Alexandre Pinheiro Hasegawa e Joatildeo Angelo Oliva Neto
de cujo curso de poacutes-graduaccedilatildeo realizado no primeiro semestre de 2018 foram retiradas ideias desenvolvimentos
e fontes para esta pesquisa 4 Cf John Milton Traduccedilatildeo teoria e praacutetica 3 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2010 em cuja primeira parte
discorre sobre o papel quase ingrato do tradutor com exemplos de criacuteticas duras a tradutores em diferentes culturas
alguns sendo condenados mesmo agrave fogueira por heresia tambeacutem a segunda parte eacute digna de nota com afirmar que
agrave eacutepoca Augustan (seacuteculos XVII e XVII) das traduccedilotildees para o inglecircs da Iliacuteada e da Eneida (p 42) ldquo[] a traduccedilatildeo
sempre fora uma parte integrante da literatura inglesa mas ela natildeo existia como a conhecemos atualmente A
praacutetica generalizada era traduzir atualizar ou adaptar as obras de outros escritores sem referecircncias agraves fontesrdquo
Indicamos tambeacutem a leitura de livro de Andreacute Lefevere (Translation History Culture London Routledge 1992)
em que analisa prefaacutecios e textos introdutoacuterios de tradutores de vaacuterias culturas aacutereas e idiomas diferentes
Destacam-se como exemplo mais extremado palavras de Edward Fitzgerald (1809ndash1883) tradutor inglecircs da obra
Rubaiyat (1859) de Omar Khayyam ao dizer em carta ao amigo EB Cowell em 1857 (p 3-4) ldquoEacute um
divertimento para mim tomar as liberdades que eu quiser com esses persas pois (como penso) natildeo satildeo poetas o
bastante para assustar algueacutem a fim de natildeo cometer tais excursotildees e realmente carecem de um pouco de Arte para
moldaacute-losrdquo (ldquoIt is an amusement for me to take what liberties I like with these Persians who (as I think) are not
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muitos tradutores se deram liberdade para alterar originais de acordo com sabor proacuteprio eacute
heranccedila da Antiguidade a necessidade de se mostrar como algo a mais que imitador servil e
portanto digno de autoridade
Assim natildeo havia na Antiguidade teoria5 expliacutecita da traduccedilatildeo e Platatildeo Isoacutecrates
Aristoacuteteles Horaacutecio e Ciacutecero tecircm em comum a accedilatildeo de por assim dizer criacutetica textual que
fizeram seja no acircmbito da retoacuterica ou da poesia de modo que agravequela se associa o texto em
prosa e a esta poeacutetico Sobre as diferenccedilas entre prosa e poesia este trabalho natildeo se debruccedila
mas sim quanto agrave loacutegica que as precede qual seja o sistema de gecircneros pois soacute se tornou
possiacutevel fazer criacutetica ou prescriccedilotildees sobre poesia por exemplo porque jaacute havia6 ainda que de
modo inicialmente impliacutecito7 um sistema poeacutetico
Logo nesta breve pesquisa arrolar-se-atildeo algumas tendecircncias e pontos de vista de
autores antigos quanto ao sistema de gecircneros a fim de testar se eacute possiacutevel falar numa teoria da
traduccedilatildeo impliacutecita com base nesse sistema Para tanto recorreremos aos conceitos de imitaccedilatildeo
(miacutemesis imitatio) e sua relaccedilatildeo com a invenccedilatildeo Pois com fazer breve apanhado dessas ideias
e teorias muitas vezes contrastantes entre si busca-se rascunhar linhas ndash ateacute entatildeo lacunares ndash
e propor perguntas e respostas sobre uma teoria antiga da traduccedilatildeo
Cumpre dizer que delimitamos o periacuteodo aqui abordado entre os seacuteculos IV e I dC
depois de Ciacutecero personagem que a nosso ver e como pretendemos verificar parece ter sido
o precursor a tecer os primeiros comentaacuterios teoacutericos sobre o assunto Mais embora atualmente
sobejem teorias de traduccedilatildeo em virtude dos pontos aqui a se apontar parece que natildeo havia no
Poets enough to frighten one from such excursions and who really do want a little Art to shape themrdquo) (Todas
as traduccedilotildees satildeo de nossa autoria exceto quando houver indicaccedilatildeo) 5 Com sentido de que a teoria se localiza na posiccedilatildeo intermediaacuteria entre textos e interpretaccedilatildeo (GREETHAM
2007 p 23-24) 6 Sigo Ford (2002 p 263) O sistema literaacuterio dos gecircneros eacute o alicerce que torna possiacutevel escrever uma lsquoartersquo da
poesia uma Poeacuteticardquo No original ldquoThe system of literary genres is the foundation that makes writing an lsquoartrsquo of
poetry a Poetics possiblerdquo 7 Essa ideia de sistema impliacutecito evocamos de Farrel (2003 p 402-3) ldquoO que esta raacutepida pesquisa demonstra eacute
que o abismo entre teoria e praacutetica no discurso greco-romano sobre gecircnero eacute niacutetido Particularmente aponta que a
ldquoteoria impliacutecitardquo representada na poesia antiga eacute de longe mais sofisticada que a teoria expliacutecita desenvolvida por
filoacutesofos e criacuteticos literaacuterios e aparentemente esposada pelos proacuteprios poetas em seus manifestos e declaraccedilotildees
programaacuteticas [] O argumento mais importante que posso fazer nesta conclusatildeo eacute insistir que a teoria impliacutecita
sobre o gecircnero intriacutenseca agrave literatura greco-romana veio a ter papel significante em qualquer tentativa futura de
abordar a histoacuteria do discurso a respeito do gecircnerordquo No original ldquoWhat this rapid survey shows is that the gap
between theory and practice in the Greek and Roman discourse on genre is pronounced In particular it shows that
the implied theory instantiated in ancient poetry is far more sophisticated than the explicit theory developed by
philosophers and literary critics and apparently espoused by the poets themselves in their manifestoes and
programmatic declarations [hellip] The most important point I can make in closing is to urge that the implicit theory
of genre embedded within Greek and Roman literature come to play a significant role in any future attempt to
assess the history of discourse about genrerdquo
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sistema geneacuterico do periacuteodo tratado propostas de traduccedilatildeo como arte ou teacutecnica de verter em
uma o texto de outra liacutengua buscando-se o quanto possiacutevel proximidade fidelidade
correspondecircncia equivalecircncia enfim termos agrave primeira vista que soam como sinocircnimos mas
abordados de modo diferente por diversos tradutores em suas teorias proacuteprias Aliaacutes natildeo nos
parece sequer que existia a funccedilatildeo do tradutor como haacute hoje e sim a do autor
Contudo se natildeo havia uma teoria da traduccedilatildeo assim como havia artes retoacutericas ou
poeacuteticas e tratados filosoacuteficos existiam praacuteticas derivadas daquelas proacuteprias praacuteticas e teorias
de modo que podemos identificar a imitaccedilatildeo como precursora da traduccedilatildeo
Vejamos entatildeo en passant o que se dizia sobre imitaccedilatildeo (miacutemesis)
1 Imitar para inventar
No livro X da Repuacuteblica vemos Platatildeo discorrendo (596a-d) sobre imitaccedilatildeo de modo a
instaurar 3 niacuteveis utilizando o exemplo de uma cama o do criadordemiurgo (deus) o do
moveleiro e o do pintor em que este uacuteltimo estaacute na terceira categoria imitaccedilatildeo da imitaccedilatildeo
sendo possivelmente portanto mais distante e subjetiva dependente da interpretaccedilatildeo do olhar
do pintor que pode ser de perspectivas diferentes8 Eacute assim que defende a expulsatildeo dos poetas
pela possibilidade de criaccedilatildeo de ideias e representaccedilotildees falsas afastadas da verdade e entende-
se da sabedoria proacutepria dos filoacutesofos No Iacuteon 530b-c temos
καὶ τὴν τούτου διάνοιαν ἐκμανθάνειν μὴ
μόνον τὰ ἔπη ζηλωτόν ἐστιν οὐ γὰρ ἂν
γένοιτό ποτε ἀγαθὸς ῥαψῳδός εἰ μὴ
συνείη τὰ λεγόμενα ὑπὸ τοῦ ποιητοῦ τὸν
γὰρ ῥαψῳδὸν ἑρμηνέα δεῖ τοῦ ποιητοῦ
τῆς διανοίας γίγνεσθαι τοῖς ἀκούουσι
τοῦτο δὲ καλῶς ποιεῖν μὴ γιγνώσκοντα ὅτι
λέγει ὁ ποιητὴς ἀδύνατον9
[] e compreender a fundo o pensamento
dele ndash natildeo soacute os versos ndash eacute invejaacutevel
Porque um rapsodo jamais seria bom se
natildeo entendesse o que eacute dito pelo poeta eacute
preciso que o rapsodo seja para os
ouvintes o inteacuterprete do pensamento do
poeta E eacute impossiacutevel fazer belamente isso
sem saber aquilo que o poeta diz10
em que se percebe a diferenccedila entre διάνοιαν o pensamento que deve ser aprendido e as ἔπη
versos que o representam
Aristoacuteteles na Poeacutetica 1447b remete a Platatildeo com inferir que houvesse poetas mais
afeitos aos versos ndash ou ao metro (natildeo vamos aqui enveredar em distinccedilotildees dos termos) ndash do que
ao pensamento
8 Seguimos a traduccedilatildeo de Anna Lia Amaral de Almeida Prado (2006 p 381-386) 9 O texto grego foi retirado da paacutegina do Perseus da ediccedilatildeo John Burnet (1903) grifos nossos 10 Traduccedilatildeo de Andreacute Malta (2008 p 22-3) grifos nossos
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οὐδὲν γὰρ ἂν ἔχοιμεν ὀνομάσαι κοινὸν
τοὺς Σώφρονος καὶ Ξενάρχου μίμους καὶ
τοὺς Σωκρατικοὺς λόγους οὐδὲ εἴ τις διὰ
τριμέτρων ἢ ἐλεγείων ἢ τῶν ἄλλων τινῶν
τῶν τοιούτων ποιοῖτο τὴν μίμησιν πλὴν οἱ
ἄνθρωποί γε συνάπτοντες τῷ μέτρῳ τὸ
ποιεῖν ἐλεγειοποιοὺς τοὺς δὲ ἐποποιοὺς
ὀνομάζουσιν οὐχ ὡς κατὰ τὴν μίμησιν
ποιητὰς ἀλλὰ κοινῇ κατὰ τὸ μέτρον
προσαγορεύοντες11
Efetivamente natildeo temos denominador
comum que designe os mimos de Soacutefron e
de Xenarco os diaacutelogos socraacuteticos e
quaisquer outras composiccedilotildees imitativas
executadas mediante triacutemetros jacircmbicos
ou versos elegiacuteacos ou outros versos que
tais Poreacutem ajuntando agrave palavra ldquopoetardquo o
nome de uma soacute espeacutecie meacutetrica
aconteceu denominarem-se a uns de
ldquopoetas elegiacuteacosrdquo a outros de ldquopoetas
eacutepicos designando-os assim natildeo pela
imitaccedilatildeo praticada mas unicamente pelo
metro usado
Ou seja para Aristoacuteteles natildeo faria parte essencial da imitaccedilatildeo o metro de modo que esta
se refira agrave mateacuteria
Em latim tem-se como correlativo de miacutemesis o termo imitatio Na Retoacuterica a Herecircnio
eacute assim definido
Haec omnia tribos adsequi poterimus
arte imitatione exercitatione [] Imitatio
est qua impellimur cum diligenti ratione
ut aliquorum similes in dicendo valeamus
esse
Tudo isso poderemos alcanccedilar por trecircs
meios arte imitaccedilatildeo e exerciacutecio []
Imitaccedilatildeo eacute o que nos estimula com
meacutetodo cuidado a que logremos ser
semelhantes a outros no dizer12
Sem contudo maior desenvolvimento Mas Ciacutecero amplia o conceito (De or II 90-
91) dando aliaacutes acepccedilotildees negativas da imitatio realizada de modo servil (como Horaacutecio
tambeacutem criticaraacute)
Ergo hoc sit primum in praeceptis meis ut
demonstremus quem imitetur atque ita
ut quae maxime excellent in eo quem
imitabitur ea diligentissime persequatur
tum accedat exercitatio qua illum quem
delegerit imitando effingat atque
exprimat non ut multos imitatores saepe
cognovi qui aut ea quae facilia sunt aut
etiam illa quae insignia ac paene vitiosa
consectantur imitando13
Portanto seja este o primeiro de meus
preceitos indicar aquele que se haacute de
imitar e de tal forma que se busquem com
maior zelo os elementos que mais se
sobressaem naquele que se imitaraacute Some-
se a isso entatildeo o exerciacutecio no qual possa
pela imitaccedilatildeo reproduzir e representar
aquele que se escolheu poreacutem natildeo como
muitos dos imitadores que vi em diversas
ocasiotildees que procuram imitar os
elementos faacuteceis ou mesmo aqueles que
satildeo particulares e quase viciosos Nada eacute
11 O texto grego foi retirado da paacutegina Perseus da ediccedilatildeo de R Kassel Aristotles Ars Poetica Oxford Clarendon
Press 1966 A propoacutesito cumpre citar que no periacuteodo citado e no paraacutegrafo seguinte Kassel traduz
sucessivamente μίμησις por ldquorepresentationrdquo (ldquorepresentaccedilatildeordquo) Em traduccedilatildeo recente (PINHEIRO 2017)
encontramos as duas ocorrecircncias traduzidas por mimese 12 Texto latino e traduccedilatildeo de Faria e Seabra (2005 p 55 apud SCATOLIN 2005 p 51) 13 Texto latino extraiacutedo da paacutegina do Perseus estabelecido por A S Wilkins (1902)
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mais faacutecil do que imitar o modo de algueacutem
se vestir sua postura ou seus movimentos
(SCATOLIN 2005 p 216)
No passo citado Ciacutecero evidencia que haacute modelos a imitar no entanto especifica que
essa imitaccedilatildeo se daacute com ldquomaior zelordquo quanto aos ldquoelementos que mais se sobressaemrdquo Ou seja
abre-se espaccedilo para o autorimitador criar de modo inteligente a partir do modelo a fim de natildeo
incorrer no erro daqueles segundo o arpinate que imitam somente ldquoelementos faacuteceis ou mesmo
aqueles que satildeo particularesrdquo Mais quando diz nada ser mais faacutecil que imitar as vestes ou
movimentos de outrem parece-nos que Ciacutecero tem em mente ndash ou ao menos ecoa ndash a proacutepria
ideia ou semelhante de Aristoacuteteles (1447b supracitado) a respeito da diferenccedila entre o
pensamento e o verso as palavras
Discussotildees ou menccedilotildees semelhantes ocorrem tambeacutem em Quintiliano como no livro X
(em 2 27) ldquoA imitaccedilatildeo entretanto (pois eacute preciso repetir com frequecircncia) natildeo reside somente
nas palavrasrdquo14 em Secircneca na suasoacuteria 37 quando traz ldquoGeliatildeo dizia que isto tinha agradado
muito ao seu Nasatildeo [Oviacutedio] e assim ele fez aquilo que fizera em muitos outros versos de
Vergiacutelio natildeo para roubar mas para tomar de empreacutestimo claramente desejando que isso fosse
reconhecidordquo15
Se esses satildeo alguns dos testemunhos sobre imitaccedilatildeo no acircmbito da retoacuterica na poesia
recorremos a Horaacutecio na Arte Poeacutetica (137-135 309-318)
publica materies privati iuris erit si
non circa vilem patulumque moraberis
orbem
nec verbo verbum curabis reddere fidus
interpres nec desilies imitator in artum
unde pedem proferre pudor vetet aut
operis lex
nec sic incipies ut scriptor cyclicus olim
fortunam Priami cantabo et nobile
bellum
[]
Mateacuteria de domiacutenio puacuteblico seraacute de direito
privado se natildeo te demorares em volta de
um ciacuterculo batido e aberto se natildeo te
preocupares em verter fiel tradutor
palavra por palavra se natildeo caiacuteres
imitador num buraco de onde o pudor ou
a lei do gecircnero te proiacutebam tirar o peacute e se
natildeo comeccedilares assim como outrora o
escritor ciacuteclico ldquoA Fortuna de Priacuteamo
cantarei e a guerra famosardquo17
[]
O saber eacute o princiacutepio e a fonte do bem
escrever Os escritos socraacuteticos poderatildeo te
14 Texto latino extraiacutedo de ediccedilatildeo de Harold Edgeworth Butler 1922 ldquoimitatio autem (nam saepius idem dicam)
non sit tantum in verbisrdquo 15 Traduccedilatildeo de Artur Costrino (2011 p 68) No original (p 110) ldquohoc autem dicebat Gallio Nasoni suo valde
placuisse itaque fecisse illum quod in multis aliis versibus Vergilii fecerat non subripiendi causa sed palam
mutuandirdquo 17 Traduccedilatildeo fornecida pelo Dr Joatildeo Angelo Oliva Neto em sala de aula durante curso de poacutes-graduaccedilatildeo na
Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da Universidade de Satildeo Paulo no primeiro semestre de 2018
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scribendi recte sapere est et principium et
fons
rem tibi Socraticae poterunt ostendere
chartae
verbaque provisam rem non invita
sequentur
qui didicit patriae quid debeat et quid
amicis
quo sit amore parens quo frater amandus
et [hospes
quod sit conscripti quod iudicis officium
quae
partes in bellum missi ducis ille profecto
reddere personae scit convenientia cuique
respicere exemplar vitae morumque
iubebo
doctum imitatorem et vivas hinc ducere
voces16
mostrar a mateacuteria e as palavras seguiratildeo
natildeo de maacute vontade a mateacuteria prevista
Quem aprendeu o que eacute devido agrave paacutetria o
que eacute a amizade o que eacute o amor aos pais
como amar um irmatildeo e um estrangeiro
qual a funccedilatildeo do senador qual a do juiz
quais os atributos de um comandante
enviado agrave guerra esse com certeza sabe o
que conveacutem a cada [tipo] de pessoa Devo
ordenar o imitador experiente a olhar o
exemplo da vida e dos costumes e daiacute
extrair as expressotildees vivas
No primeiro excerto Horaacutecio ainda que se dirija a quem queira adentrar a seara poeacutetica
distingue dois tipos de accedilatildeo ao associar ao tradutor agrave palavra e o gecircnero ao imitador Como
foge do escopo deste trabalho natildeo nos ateremos na compreensatildeo de qual seria essa diferenccedila
em Horaacutecio entre tradutor e imitador basta que haja essa disposiccedilatildeo distinta entre um e outro
No entanto urge notar que no segundo excerto ao imitador ordena-se olhar o exemplo da vida
e dos costumes sendo jaacute doctum para que sua expressatildeo seja ldquovivardquo Andrew Laird (1999 p
310) vecirc nessa expressatildeo a combinaccedilatildeo de dois sentidos para a imitaccedilatildeo quais sejam como
coacutepia de modelos e como representaccedilatildeo18 Inferimos ainda da expressatildeo uma praacutetica impliacutecita
da imitaccedilatildeo de modelos nos estudos formativos como os apontados por Teatildeo (MANOEL
2014) que propiciaratildeo ao experiente imitador arcabouccedilo necessaacuterio para trilhar seu proacuteprio
caminho natildeo mais imitando modelos e sim a proacutepria vida inventando quer seja em acircmbito
filosoacutefico poeacutetico ou retoacuterico Aleacutem disso natildeo podemos deixar de concordar com Harvey
quanto ao menos um objetivo dos autores antigos a saber alcanccedilar a fama tornando-se modelo
o que era possiacutevel justamente por essa replicaccedilatildeo paraacutefrase e estudo de modelos anteriores19
16 Texto latino extraiacutedo da paacutegina do projeto Perseus ediccedilatildeo de C Smart (1836) 18 Assim ele traduz ldquoI will order the learned imitator to look to the model of life and morals and draw his utterances
living from thererdquo E explica ldquoThe phrase doctum imitatorem (lsquolearned imitatorrsquo) presupposes both the priority of
imitating models and the necessity of the imitator being well versed in those modelsrdquo (A expressatildeo doctum
imitatorem (imitador experiente) pressupotildee tanto a prioridade da imitaccedilatildeo de modelos como a necessidade de o
imitador ser bem versado nesses modelosrdquo 19 Cf Harvey (1955 p 157) ldquoIf we do not know the purpose for which a given poem was written or the
conventions which governed its form we are deprived of what the greeks regarded as one of the main criteria for
assessing its qualityrdquo (ldquoSe natildeo sabemos o propoacutesito para o qual determinado poema foi escrito ou as convenccedilotildees
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Da exposiccedilatildeo feita ateacute aqui por conseguinte percebemos como o conceito de mimese
ou imitaccedilatildeo possui sentidos diferentes ora mais filosoacuteficos e relacionados a ideias ora mais
objetivos e relacionados agraves proacuteprias palavras escritas de algum autor20
Poreacutem seja qual for o sentido eacute condenaacutevel a imitaccedilatildeo que vise agrave replicaccedilatildeo o que
aliaacutes Quintiliano diz ser impossiacutevel (Inst or X 2 10-11) de modo que a imitaccedilatildeo tem como
ldquofiltrordquo imprescindiacutevel a maior ou menor habilidade de um autor letrado
Portanto a invenccedilatildeo mira a originalidade que ocorre se eacute executada com ecircxito e poderaacute
alccedilar o autor agrave eternidade ou agrave primazia quer seja como um entre o rol dos liacutericos com uma
obra mais perene que o bronze como um Propeacutercio ao dizer-se o Caliacutemaco romano entre outros
exemplos
Se pareceu abrupta nossa mudanccedila de contexto grego para romano da poesia para a
retoacuterica ou seja do verso para a prosa eacute que entendemos que tal diferenccedila resida na
manifestaccedilatildeo isto eacute da accedilatildeo concreta da imitaccedilatildeo que se daacute por meio dos gecircneros (do qual
aquela natildeo se dissocia) como veremos a seguir 21
que governam sua forma ficamos privados do que os gregos consideravam como um dos principais criteacuterios para
compreender sua qualidaderdquo) Sobre a memorizaccedilatildeo e repeticcedilatildeo de modelos e sua relevacircncia no cenaacuterio claacutessico
com a ideia de novidade emergindo da invenccedilatildeo justamente pela multiplicaccedilatildeo e proliferaccedilatildeo de modelos ver
Muckelbauer (2003) 20 Discussatildeo pormenorizada desses sentidos pode ser encontrada em Muckelbauer (2003) como agrave paacutegina 243 em
que recupera desenvolvimentos de outros dois estudiosos ldquoEdward P J Corbett nicely summarizes McKeonrsquos
three primary meanings lsquo1) the Platonic notion of an image-making faculty which produces extensions of ideal
truth in the phenomenal world 2) the Aristotelian notion of the representation of human actions and 3) the
rhetorical notion of copying simulating emulating modelsrdquo (E P J C resume bem os trecircs sentidos principais de
McKeon lsquoa noccedilatildeo platocircnica de uma faculdade imageacutetico-criadora que produz extensatildeo de uma verdade ideal no
mundo fenomecircnico 2) a noccedilatildeo aristoteacutelica de representaccedilatildeo das accedilotildees humanas e 3) a noccedilatildeo retoacuterica de coacutepia
simulaccedilatildeo emulaccedilatildeo de modelosrdquo Divisotildees que o autor havia explicitado anteriormente agrave paacutegina 65 ldquoThe
imitation of an ideal world by the actual world became the province of ancient philosophy the imitation of the
actual world by a poet or actor became the concern of ancient literature and the imitation of a renowned orator or
teacher by a student became the terrain of ancient rhetoricrdquo (A imitaccedilatildeo de um mundo ideal pelo mundo real
tornou-se mateacuteria da filosofia antiga a imitaccedilatildeo do mundo real por um poeta ou ator tornou-se preocupaccedilatildeo da
literatura antiga e a imitaccedilatildeo de um orador renomado ou professor por um estudante tornou-se terreno da retoacuterica
antiga) 21 Geralmente classificam-se os textos antigos como pertencentes agrave filosofia agrave retoacuterica ou agrave poesia Poreacutem se
temos autores adultos escrevendo em uma ou mais aacutereas eacute porque a educaccedilatildeo baacutesica ndash em analogia ao ensino
institucionalizado de hoje guardadas as devidas proporccedilotildees ndash que tiveram jaacute os preparara para tal Nisto remetemos
a trabalho aos progymnaacutesmata ou praeexercitamina com seus exerciacutecios de reproduccedilatildeo paraacutefrase amplificaccedilatildeo
e especificamente na retoacuterica hipoacuteteses ou controveacutersias bem como um dos autores ndash talvez o mais antigo de que
tenhamos um manual ndash Eacutelio Teatildeo que diz (MANOEL 2014 p 30) ldquoIncluiacute essas coisas natildeo julgando todas uacuteteis
a todos os iniciantes mas para que saibamos que exerciacutecios satildeo muito importantes natildeo soacute para os que estatildeo prestes
a discursar como tambeacutem a quem queira partilhar da faculdade dos poetas dos historiadores e dos outros
discursosrdquo no original (PATILLON 1997 p 9) ldquoταῦτα μὲν οὖν παρεθέμην οὐ νομίζων μὲν ἅπαντα εἶναι πᾶσιν
ἀρχομένοις ἐπιτήδεια ἀλλ ἵνα ἡμεῖς εἰδῶμεν ὅτι πάνυ ἐστὶν ἀναγκαῖον ἡ τῶν γυμνασμάτων ἄσκησις οὐ μόνον
τοῖς μέλλουσι ῥητορεύειν ἀλλὰ καὶ εἴ τις ἢ ποιητῶν ἢ λογοποιῶν ἢ ἄλλων τινῶν λόγων δύναμιν ἐθέλει
μεταχειρίζεσθαιrdquo Pois Teatildeo dissera anteriormente ldquoAntes de tudo o professor deve apresentar aos jovens os
bons exemplos recolhidos das letras antigas para que aprendam e guardem na memoacuteria tal como o da chreia que
haacute em Platatildeo no primeiro livro da Repuacuteblicardquo Do original vale destacar a expressatildeo ldquoπαλαιῶν συγγραμμάτωνrdquo
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Eacute informaccedilatildeo oacutebvia que para surgir um sistema de gecircneros havia mesmo que de modo
impliacutecito convenccedilotildees reconhecidas a respeito das composiccedilotildees escritas No entanto a
imprecisatildeo que vemos em autores gregos e a posterior crise dos gecircneros22 que se inicia com os
heleniacutesticos denota que tal sistema natildeo fosse estaacutevel ou livre de dissensotildees23
De acordo com nosso propoacutesito natildeo percorreremos definiccedilotildees e prescriccedilotildees a respeito
de gecircneros mas chamaremos a atenccedilatildeo para dois conceitos a poikilia (variedade) e a polyeideia
(pluralidade de gecircneros) A poikilia ocorre jaacute no periacuteodo claacutessico em Piacutendaro (Piacuteticas 9 76-
78)
ἀρεταὶ δ αἰεὶ μεγάλαι πολύμυθοι
βαιὰ δ ἐν μακˈροῖσι ποικίλλειν
ἀκοὰ σοφοῖς ὁ δὲ καιρὸς ὁμοίως
παντὸς ἔχει κορυφάν
Grandes virtudes satildeo sempre muito
faladas mas variegar pequenas entre
grandes coisas
eacute o que ouvem os saacutebios O oportuno
igualmente eacute de tudo o remate 24
para se referir agraves ldquoletras antigasrdquo (PATILLON 1997 p 9) em ldquoΠῶρτὸν μὲν ἁπάντων χρὴ τὸν διδάσκαλον ἑκάστου
γυμνάσματος εὖ ἔχοντα παραδείγματα ἐκ τῶν παλαιῶν συγγραμμάτων ἀναλεγόμενον προστάττειν τοῖς νέοις
ἐκμανθάνειν οἷον χρείας μὲν ὁποία ἐστὶν ἡ παρὰ Πλάτωνι ἐν τῷ πρώτῳ τῆς πολιτείαςrdquo expressatildeo que Patillon
traduz por ldquoles ouvrages des anciensrdquo e Kennedy (2003 p 9) verte para o inglecircs do seguinte modo ldquoancient prose
works Ademais utilizamos ldquoletras antigasrdquo para compreender prosa e verso pois como diz Christian Werner
(WERNER SEBASTIANI DOURADO-LOPES 2014 p 14 e 15) ldquoentre os gregos poreacutem natildeo haacute nenhum
termo que abarque prosa e verso [] um termo que nas praacuteticas gregas se aproximou bastante do sentido em
questatildeo foi mousikecirc termo nuclear para aquilo que J Herington chamou de ldquocultura da canccedilatildeordquo e aqui vale
lembrar das palavras de Harvey (1955 p 5 e 28) quanto agrave poesia arcaica ldquoThus the opposition between what we
may call song and poetry is a mimesis or imitation of the fundamental opposition between singing and speaking
(Assim a oposiccedilatildeo entre o que podemos chamar canccedilatildeo e poesia eacute uma mimese ou imitaccedilatildeo da oposiccedilatildeo
fundamental entre o cantar e o falar) e ldquoWritten is not something that is not oral rather it is some thing in addition
to being oral and that additional something will vary from society to society It is dangerous to universalize the
phenomenon of literacyrdquo (O escrito natildeo eacute uma coisa natildeo oral eacute sim um algo a mais aleacutem de oral e esse algo a
mais variaraacute de sociedade a sociedade Eacute perigoso universalizar o fenocircmeno do letramento) Em Ciacutecero o sistema
do gecircnero e as diferenccedilas entre prosa e poesia jaacute parecem ser mais bem demarcados do que eram na eacutepoca de
Aristoacuteteles 22 Ford (2002 p 252-3) fala em hibridismo em Goacutergias pois no programaproacutelogo do elogio a Helena fala em
dizer o que deve ser dito e refutar falsas acusaccedilotildees uma vez que teria sido acusado por Isoacutecrates de fugir agrave lei do
gecircnero e fazer uma apologia em vez de um elogio Isoacutecrates em Antidosis no paraacutegrafo 47 diz ter desenvolvido
seu proacuteprio gecircnero mais poeacutetico e com estilo adornado Mais um exemplo o jaacute citado Harvey (1955 p 160 e
166) diz numa passagem que os epiniacutecios de Piacutendaro natildeo satildeo todos a rigor epiniacutecios de modo que tenham sigo
organizados segundo loacutegica diferente e que o reacutetor Menandro teria dito que um hino escrito para Apolo eacute chamado
peatilde mas ditirambo quando para Dioniso 23 Ver Farrel (2003 p 388) ldquoCom o tempo encontra-se um senso de aventura cada vez maior ateacute que no periacuteodo
heleniacutestico e romano chega a parecer que testar e mesmo violar limites geneacutericos natildeo era meramente uma
consequecircncia inevitaacutevel e acidental de escrever em qualquer gecircnero mas um importante aspecto da arte do poetardquo
(No original ldquoWith time one finds an ever-greater sense of adventure until by the Hellenistic and Roman periods
it comes to seem that testing and even violating generic boundaries was not merely an inevitable and accidental
consequence of writing in any genre but an important aspect of the poets craftrdquo) 24 Traduccedilatildeo de Joatildeo Angelo Oliva Neto para o referido curso de poacutes-graduaccedilatildeo a quem agradeccedilo a apresentaccedilatildeo
de ambos os conceitos e das fontes A traduccedilatildeo seguinte tambeacutem eacute dele
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O termo ocorre tambeacutem nas Oliacutempicas (6 85-87) e em Aristoacuteteles na Poeacutetica (XIII
1459a 34)
Jaacute a polyeacuteideia ocorre num comentaacuterio (Diegesis 9 32-35) antigo a um verso do Iambo
13 de Caliacutemaco (frag 203 Pfeiffer)
Ἐν τούτῳ πρὸς τοὺς καταμεμφομένους αὐτὸν
ἐπὶ τῇ πολυειδείᾳ ὧν γράφει ποιημάτων
ἀπαντῶν φησιν ὅτι Ἴωνα μιμεῖται τὸν
τραγικόν ἀλλ οὐδὲ τὸν τέκτονά τις μέμφεται
πολυειδῆ σκεύη τεκταινόμενον
Neste [poema] [dirigindo-se] aos que o
reprovam pela pluralidade de gecircneros de
todos poemas que escreve [Caliacutemaco] diz
que imita o tragedioacutegrafo Iacuteon mas
ningueacutem de fato censura o artiacutefice que
faz multiacutegenos utensiacutelios
Caliacutemaco assim tanto busca variegar como faz uma pluralidade de gecircneros ndash
manifestaccedilotildees da invenccedilatildeo sem deixar de citar como modelo Mimnermo para ser o primeiro
em novo trilho (frag 1 Pfeiffer 21-25 traduccedilatildeo e Joatildeo Angelo Oliva Neto)
ldquoo incenso aedo o mais espesso eacute o que conveacutem
me dar a Musa amigo delicada
Ordeno-te natildeo vaacutes por onde os carros trilham
nem sobre o mesmo alheio rasto a roda
leves nem vaacutes agrave larga via mas a estrada
natildeo batida por mais que estreita sigasrdquo
Cumpre aqui notar a relevacircncia de Caliacutemaco tanto por ser criacutetico como poeta uma vez
que como bibliotecaacuterio organizou iacutendice de autores e obras os piacutenakes que hoje chamamos
ldquocataacutelogosrdquo Sua importacircncia eacute capital porque evidencia parte dessa poeacutetica heleniacutestica que teraacute
influenciado Catulo e Horaacutecio
O livro de Catulo eacute emblemaacutetico porque reflete a poeacutetica heleniacutestica e a influecircncia de
Caliacutemaco eacute um livro variegado e tambeacutem plural quanto aos gecircneros jaacute que possui uma primeira
parte polimeacutetrica e uma segunda monomeacutetrica em diacutesticos elegiacuteacos e apresenta poemas com
caracteriacutesticas diacutespares como epigramas e mesmo elegias com destaque poreacutem a seu caraacuteter
ligeiro (OLIVA NETO 1996)
Nas Odes Horaacutecio segue ediccedilotildees alexandrinas para ordenar o livro quanto aos hinos
seja assemelhando-se aos modelos como no caso do primeiro livro imitando Alceu ou
afastando-se como no caso de Safo que faz hino a Afrodite ao passo que o poeta a tenta afastar
Aleacutem disso as sequecircncias riacutetmicas ou seja os metros indicam seccedilotildees proacuteprias e relacionam as
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odes25 e Horaacutecio busca tornar-se ele tambeacutem modelo como em IV 6 (vv 43-44 ldquodei carme
grato aos deuses aprendendo do vate Horaacutecio os metrosrdquo (aqui sigo as ideias e utilizo a
traduccedilatildeo de Alexandre Hasegawa 2012) Tambeacutem eacute poeta variegado e trabalha com os limites
do gecircnero como no livro dos epodos em que apresenta dois (14 e 15) com elementos liacutericos
bem como se insere entre os primeiros no gecircnero ndash ainda que Catulo tenha feito iambos ndash na
Epist 1 19 vv 20-24 ldquoEu por primeiro pus meus peacutes em campo livre e natildeo pisei pegadas
alheias Quem confiar em si conduziraacute o enxame Eu fui o primeiro que mostrei ao Laacutecio os
iambos Paacuterios imitando o ritmo e o acircnimo de Arquiacuteloco natildeo a mateacuteria e as palavras dirigidas
a Licambesrdquo (HASEGAWA 2010 p 79 traduccedilatildeo dos versos por Joatildeo Angelo Oliva Neto)
2 Tradutor imitador ou autor
E agora onde entra a traduccedilatildeo nesta histoacuteria Segundo a discussatildeo e os passos
apontados deduzimos em linhas gerais que o espiacuterito claacutessico o zeitgeist hegeliano dos
autores os incitava agrave inventividade agrave originalidade a testar os limites a superar os modelos ndash
para se tornar modelos ndash a escolher caminhos estreitos Enfim cenaacuterio que em pouco mais de
trezentos anos presenciou muitas guerras e transformaccedilotildees hegemonias gregas com Atenas
Esparta as conquistas de Alexandre O Grande e a dominaccedilatildeo imposta por Roma Contexto
agoniacutestico e de competitividade poliacutetica militar e como natildeo poderia deixar de ser nas
composiccedilotildees escritas Eacute por isso e a ausecircncia de um tratado-testemunho sobre uma arte ou
teacutecnica da traduccedilatildeo que o corrobore que dificilmente podemos conceber um autor aplicado a
ldquopublicarrdquo a obra de outro autor e natildeo proacutepria portanto sem sua autoridade assumindo-se
como imitador da mateacuteria do ritmo e das palavras enfim do gecircnero Muitos testemunhos
mencionam ou falam da imitaccedilatildeo mas quantos autores temos assumindo-se como imitadores
sem ter feito qualquer inovaccedilatildeo no gecircnero seja com mateacuteria seja com ritmo diferente
Destarte sugerimos que usar o termo ldquotraduccedilatildeordquo ou ldquotradutorrdquo para denominar as obras
e os autores antigos eacute anacronismo uma vez que natildeo podemos encontrar teorias antigas a
respeito disso mas somente teacutecnicas e artes de composiccedilatildeo em que a invenccedilatildeo senatildeo expliacutecita
eacute impliacutecita Contudo natildeo ousamos radicalizar e certamente estudantes treinavam com
25 Trata-se da alternacircncia Ver Hasegawa (2016 sobretudo nota de rodapeacute 60 agrave paacutegina 144 em que arrola
bibliografia e menciona a alternacircncia de estrofes alcaicas e saacuteficas no livro das Odes de Horaacutecio diacutesticos elegiacuteacos
e hendecassiacutelabos faleacutecios na Priapeia latina eacuteclogas dramaacuteticas e narrativas nas Bucoacutelicas de Vergiacutelio e
Calpuacuternio
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reproduzir textos de outros autores de uma liacutengua a outra sem no entanto entenderem isso
como uma arte ou teacutecnica proacutepria mas como uma imitaccedilatildeo e se ldquofielrdquo bem por isso condenaacutevel
e abaixo da dignidade que a autoridade de um poeta exigia26 Essas balizas satildeo aquelas que
norteiam e da qual derivam as modernas teorias da traduccedilatildeo as leis do gecircnero E quando
dissemos ldquocrise dos gecircnerosrdquo natildeo queremos nos referir a um evento de fato e sim a um lugar-
comum inerente agraves composiccedilotildees quer seja em poesia quer em prosa uma vez que tanto poetas
como reacutetores (cf os proecircmios de livros como Retoacuterica a Herecircnio De inuentione De oratore
os manuais de Eacutelio Teatildeo Hermoacutegenes entre outros em que cada um inaugura seu tratado ou
teoria dizendo inovar em relaccedilatildeo aos predecessores) O que nos parece ponto fechado eacute que os
autores heleniacutesticos tinham como princiacutepio impliacutecito o dever de conhecer profundamente seus
modelos a fim de justamente por isso natildeo os repetir mas com eles competir ou para usar do
jargatildeo emular
Um caso poreacutem nos chama a atenccedilatildeo Catulo no poema 65 15-16 (OLIVA NETO
1996 p 133)
sed tamen in tantis maeroribus Ortale
mitto
haec expressa tibi carmina Battiadae
em tanta dor poreacutem te envio oacute Hoacutertalo
estes versos vertidos de Caliacutemaco
Em face agrave deduccedilatildeo que realizamos se torna espantoso em um primeiro momento nesse
cenaacuterio um autor reconhecer ter traduzido outro sem inventar isto eacute aparentemente sem
adaptar inteligentemente ou refundir o modelo no entanto ainda que tenha feito Catulo o fez
somente de modo segmentado natildeo de todo o poema o que teria sido uma imitaccedilatildeo servil e
condenaacutevel mas somente de um trecho incluindo-o em outro ambiente (poemas matrimoniais)
diferente embora em livro variegado e com pluralidade de gecircneros Seria assim uma inovaccedilatildeo
catuliana inserir em sua obra de modo anunciado publicamente uma traduccedilatildeo aparentemente
servil pois natildeo eacute de fato jaacute que refunde o modelo apesar de mantecirc-lo o mais possiacutevel
aproximado da liacutengua de chegada com inseri-lo em ambiente diverso do original Ressalve-se
que o original se refere ao fragmento 110 (Pfeiffer) do final do livro IV dos Aitia de Caliacutemaco
do qual temos poucos versos para comparar ao texto latino que tradicionalmente tem sido
utilizado para maior compreensatildeo do texto grego Carmina expressa aponta o verbo exprimere
26 ldquo[] eacute equivocado tambeacutem buscar para cada poema ou verso latino um modelo como se o poeta fosse obrigado
a imitar a cada palavra que escrevesse Se a imitaccedilatildeo eacute conceito importante para poetas latinos e praacutetica frequumlente
(mesmo a imitaccedilatildeo servil deveria ser constante caso contraacuterio natildeo haveria condenaccedilatildeo de Horaacutecio e Quintiliano)
eacute estimulada tambeacutem a inovaccedilatildeo no gecircnero que torna o escritor verdadeiramente auctorrdquo (HASEGAWA 2010
p 79)
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que entendemos com Joatildeo Angelo Oliva Neto por decalque Desse modo Catulo seria uma
exceccedilatildeo agrave regra ou ao menos o primeiro a fazecirc-lo publicamente mantendo a dignidade autoral
como poeta haacutebil e cujo testemunho nos chegou27 Mas ao fazer isso Catulo demonstra aos
leitores atentos sua capacidade de ser original ainda quando aparente servilismo testando as
teorias expliacutecitas e impliacutecitas das composiccedilotildees poeacuteticas e recepccedilotildees dos leitores
Ciacutecero (De optimo genere oratorum 14) Pliacutenio (VII 9) e Aulo Geacutelio (Noctes Atticae
991) utilizaratildeo o termo vertere infracitados respectivamente
Converti enim ex Atticis duorum
eloquentissimorum nobilissimas orationes
inter seque contrarias Aeschinis et
Demosthenis nec converti ut interpres
sed ut orator sententiis isdem et earum
formis tamquam figuris verbis ad nostram
consuetudinem aptis
Verti entatildeo dos aacuteticos dois discursos
notaacuteveis e contraacuterios entre si um de
Eacutesquines outro de Demoacutestenes autores
dos mais eloquentes E natildeo os verti como
um inteacuterprete mas como um orador
usando os mesmos argumentos tanto na
sua forma quanto nas suas figuras de
linguagem em termos adequados agrave nossa
cultura
1 Quaeris quemadmodum in secessu quo
iam diu frueris putem te studere oportere
Utile in primis et multi praecipiunt vel ex
Graeco in Latinum vel ex Latino vertere in
Graecum 2 Quo genere exercitationi
proprietas splendorque verborum copia
figurarum vis explicandi praeterea
imitatione optimorum similia inveniendi
facultas paratur
1 Vocecirc pergunta como eu acho que lhe
conveacutem estudar no tempo livre de que jaacute
desfruta haacute um bom tempo Sobretudo
proveitosamente E muitos receitam verter
do grego ao latim e do latim ao grego 2
Esse eacute um tipo de exerciacutecio que propicia
seguranccedila e brilho com as palavras
inventaacuterio de imagens e tino
argumentativo bem como por meio da
imitaccedilatildeo dos melhores a faculdade de
inventar obras similares
Quando ex poematis Graecis vertendae
imitandaeque sunt insignes sententiae
non semper aiunt enitendum ut omnia
omnino verba in eum in quem dicta sunt
modum vertamus
Quando de poemas gregos eacute necessaacuterio
verter e imitar sentenccedilas notaacuteveis nem
sempre dizem se deve empenhar para
verter absolutamente todas as palavras
daquele mesmo modo com que foram
ditas
27 Cf Oliva Neto (1996 p 22) Os intelectuais heleniacutesticos percebiam ser irreversiacutevel a consolidaccedilatildeo da escrita e
embora fossem bem conscientes do abalo produzido por ela no mundo oral jamais contemplaram seus
predecessores como quem observa inimigos vencidos Ao contraacuterio a proacutepria escrita e a consciecircncia de serem
escribas o apego ao livro como qualquer nova atitude ligada agrave cultura tinham apoio e justificaccedilatildeo no fato de
servir ao legado dos antecessores preservando-o o que outra coisa natildeo eacute que o sentido dialeacutetico da tradiccedilatildeo
tinham de ser conspicuamente diferentes deles para continuar a exercer em outras circunstacircncias a mesma funccedilatildeo
de poetas Percebendo ser outra a dinacircmica da produccedilatildeo cultural graccedilas precisamente agrave escrita os poetas
heleniacutesticos para inserir-se nessa tradiccedilatildeo e continuaacute-la tiveram muita vez que explicitar o caraacuteter graacutefico de sua
obra
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O interpres de Horaacutecio (fidus interpres v 134 da AP) parece evocar o interpres de
Ciacutecero ainda que em contextos diferentes uma vez que condenam o servilismo de verter
palavra por palavra tendo em vista que o orador tem como primeira atividade encontrar os
argumentos adequados isto eacute o pensamento para depois vesti-los
Ademais natildeo satildeo poucas as definiccedilotildees para artiacutefices e suas obras independentemente
se em prosa ou verso filoacutesofos reacutetores poetas todos auctores com suas mais diferentes obras
como tratados epiacutestolas diaacutelogos eacutepica liacuterica elegia ditirambos etc Mas quais os termos para
o tradutor e para a traduccedilatildeo Natildeo encontramos bem porque tal funccedilatildeo natildeo fosse reconhecida agrave
eacutepoca O que mais se aproxima dessa ideia eacute o conceito do lado negativo condenaacutevel da
imitatio daiacute Horaacutecio com ldquose natildeo caiacuteres imitadorrdquo em que imitator qualifica o executor da
mera imitatio servil isto eacute que natildeo inventa que natildeo refunde que natildeo se lanccedila como inovador
Tambeacutem poderiacuteamos utilizar interpres poreacutem devemos encerrar a exposiccedilatildeo para respeitar a
lei do gecircnero e o termo carece de anaacutelise de seus empregos significados e etimologia mais
minuciosa
Consideraccedilotildees finais
Fala-se amiuacutede de Liacutevio Andronico como tradutor da Odisseia bem como outros
autores latinos No entanto dessa imitaccedilatildeo como preferimos chamar natildeo sobram mais que
cinquenta versos e haacute de se analisar o quanto sejam ou natildeo imitaccedilotildees servis em vez de
traduccedilotildees como hoje chamamos (o mesmo para o poema 66 de Catulo com relaccedilatildeo aos
fragmentos calimaquianos) E Liacutevio Andronico atesta Ciacutecero foi auctor de peccedilas Natildeo se
enquadra na funccedilatildeo de tradutor servil e o ritmo escolhido para sua versatildeo da Odisseia eacute feito
no verso saturnino que natildeo corresponde ao hexacircmetro
Desse modo discordamos de Kennedy (2008 p 224) a respeito da comeacutedia de Plauto
com dizer
[] para nossos objetivos o principal significado da comeacutedia plautina
reside em demonstrar quatildeo longe um ldquotradutorrdquo pode ir na mudanccedila da
forma e do conteuacutedo de seu modelo Esta eacute a primeira explosatildeo de
virtuosismo linguiacutestico na literatura romana e as liberdades de Plauto
na estrutura dramaacutetica e caracterizaccedilatildeo satildeo equilibradas pela
versatilidade de seu ritmo liacuterico e corrente e por todo tipo de jogo com
som e sentido numa fantasia verbal extravagantemente estilizada
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Traduccedilatildeo como imitaccedilatildeo foi suplantada pela exploraccedilatildeo do modelo
como veiacuteculo para a linguagem pessoal do poeta Romano28
Pois natildeo vemos tanto em Liacutevio Andronico quanto em Plauto diferenccedila a respeito da
imitaccedilatildeo que continua sendo fusatildeo de um modelo e veiacuteculo para manifestar a inventividade do
poeta29
Desse modo utilizar o termo ldquotradutorrdquo ou ldquotraduccedilatildeordquo pelo menos ateacute Ciacutecero parece-
nos um anacronismo ao passo que o termo mais acertado seria autor ou imitador no caso de
uma adaptaccedilatildeo inteligente ou de uma imitaccedilatildeo servil respectivamente de acordo com a
recepccedilatildeo e proacutepria criacutetica antiga30
Eacute com a septuaginta que temos um caso interessante e de oposiccedilatildeo a heleniacutestica epiacutestola
de Aristeias cuja lenda refere uma ldquotraduccedilatildeordquo feita por 72 escolhidos e cujo resultado seria
uma versatildeo pura correta e imutaacutevel das palavras inspiradas por um autor que natildeo pode ser
emulado Deus E eacute justamente em Satildeo Jerocircnimo tradutor da Biacuteblia em epiacutestola a Pameacutecio
(376 dC ndash aqui sim depois de Cristo) que vemos uma defesa daquele de suas escolhas de
versatildeo e de onde derivam explicitamente as ideias de traduccedilatildeo pela letra ou pelo espiacuterito ou
sentido
Em suma eacute evidente que havia traduccedilotildees tantas possiacuteveis quantos os autores ou
inteacuterpretes poreacutem embora natildeo haja teoria expliacutecita em tratado sobre a traduccedilatildeo podemos
28 For our purposes the chief significance of Plautine comedy is in demonstrating how far a translator [antente-se
para o uso de aspas no termo translator que revela cautela por parte do autor] can go in changing the form and
content of his model This is the first explosion of linguistic virtuosity in Roman literature and Plautus cavalier
liberties taken with dramatic structure and characterisation are offset by the versatility of his lyric and dialogue
metres and by every kind of play on sound and sense in extravagantly stylised verbal fantasy Translation as
imitation has been superseded by exploitation of the model as vehicle for the Roman poets personal idiom 29 E mais nas palavras de Harvey (1955 p 217) ldquouma importante caracteriacutestica da teoria retoacuterica no periacuteodo
heleniacutestico relaciona-se com a invenccedilatildeordquo (ldquoAn important feature of rhetorical theory in the Hellenistic period
relates to inventionrdquo) que natildeo se restringe somente agrave retoacuterica como vimos nos passos supracitados bem como
fazia parte do curriacuteculo educacional dos progymnaacutesmata ou praeexercitamina Aliaacutes em contexto romano diraacute
Harvey agrave frente (p 240) ldquoquando enredo e sequecircncia narrativa caracterizaccedilatildeo e diaacutelogo satildeo predeterminados pelo
modelo a composiccedilatildeo torna-se muito mais uma questatildeo de escolha (ou criaccedilatildeo) da palavra correta [aptum] para o
contexto Daiacute a poesia romana comeccedilar com a preocupaccedilatildeo quanto agrave elocuccedilatildeo mas com escopo para a criatividade
linguiacutesticardquo (ldquowhen plot and narrative sequence character and dialogue are predetermined by the model
composition becomes very much a matter of choosing (or creating) the right word for the context Hence Roman
poetry began with concern for diction but with scope for linguistic creativityrdquo) Ideia de que discordamos em parte
pois tomando ainda Catulo e Horaacutecio como exemplos esses autores natildeo apenas testaram limites quanto ao ritmo
a meacutetrica a dicccedilatildeo ou elocuccedilatildeo como demonstraram que essa mesma elocuccedilatildeo o arranjo das palavras (verbis
serendis AP v 45) natildeo pode ser dissociada da invenccedilatildeo quanto agrave mateacuteria Horaacutecio faz epodos fracos Catulo nos
leva do epigrama agrave elegia (HASEGAWA 2010 OLIVA NETO 2006) Assim eacute possiacutevel que houve uma mudanccedila
de foco mais para a arte da escrita (com o desenvolvimento e divulgaccedilatildeo da escrita) no entanto a invenccedilatildeo ainda
permanece como condiccedilatildeo sine qua non do ofiacutecio dos compositores reacutetores poetas filoacutesofos professores etc 30 Cf Hunter (2005 p 481) ldquoevitar a larga via eacute uma questatildeo de usar o passado de modo inteligenterdquo (ldquoAvoiding
the lsquobroad highway [Caliacutemaco fr 1 21-28] is a matter of using the past intelligentlyrdquo)
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circunscrevecirc-la nesse sistema geneacuterico que como visto era responsivo competitivo feacutertil e
repleto de debates Nele circunscrita torna-se mais faacutecil compreender Ciacutecero quando diz
traduzir como orador e natildeo como imitador o foco natildeo estava em Demoacutestenes mas no proacuteprio
Ciacutecero que reconhece Demoacutestenes como modelo para utilizar inteligentemente para seu
propoacutesito que nem de longe se assemelha ao papel da traduccedilatildeo de hoje focada no autor do
original a fim de recuperar seus possiacuteveis sentidos originais e como ele os teria manifestado em
outro idioma
Assim nossa breve exposiccedilatildeo se encerra com base na hipoacutetese aqui aventada com a
seguinte questatildeo quando ocorreu e por que razotildees a mudanccedila de foco do olhar dos autores de
sua obra proacutepria original por invenccedilatildeo para o modelo ou seja o apagamento autoral ou a
separaccedilatildeo de papeacuteis ndash entre autores e tradutores diferentes na justa medida da maior ou menor
inventividade proacutepria em competiccedilatildeo com a do modelo ndash o nascimento do tradutor e de
traduccedilotildees enfim quando a imitaccedilatildeo servil como exerciacutecio formativo e relegada agraves salas de
aula tornou-se objetivo de traduccedilatildeo
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muitos tradutores se deram liberdade para alterar originais de acordo com sabor proacuteprio eacute
heranccedila da Antiguidade a necessidade de se mostrar como algo a mais que imitador servil e
portanto digno de autoridade
Assim natildeo havia na Antiguidade teoria5 expliacutecita da traduccedilatildeo e Platatildeo Isoacutecrates
Aristoacuteteles Horaacutecio e Ciacutecero tecircm em comum a accedilatildeo de por assim dizer criacutetica textual que
fizeram seja no acircmbito da retoacuterica ou da poesia de modo que agravequela se associa o texto em
prosa e a esta poeacutetico Sobre as diferenccedilas entre prosa e poesia este trabalho natildeo se debruccedila
mas sim quanto agrave loacutegica que as precede qual seja o sistema de gecircneros pois soacute se tornou
possiacutevel fazer criacutetica ou prescriccedilotildees sobre poesia por exemplo porque jaacute havia6 ainda que de
modo inicialmente impliacutecito7 um sistema poeacutetico
Logo nesta breve pesquisa arrolar-se-atildeo algumas tendecircncias e pontos de vista de
autores antigos quanto ao sistema de gecircneros a fim de testar se eacute possiacutevel falar numa teoria da
traduccedilatildeo impliacutecita com base nesse sistema Para tanto recorreremos aos conceitos de imitaccedilatildeo
(miacutemesis imitatio) e sua relaccedilatildeo com a invenccedilatildeo Pois com fazer breve apanhado dessas ideias
e teorias muitas vezes contrastantes entre si busca-se rascunhar linhas ndash ateacute entatildeo lacunares ndash
e propor perguntas e respostas sobre uma teoria antiga da traduccedilatildeo
Cumpre dizer que delimitamos o periacuteodo aqui abordado entre os seacuteculos IV e I dC
depois de Ciacutecero personagem que a nosso ver e como pretendemos verificar parece ter sido
o precursor a tecer os primeiros comentaacuterios teoacutericos sobre o assunto Mais embora atualmente
sobejem teorias de traduccedilatildeo em virtude dos pontos aqui a se apontar parece que natildeo havia no
Poets enough to frighten one from such excursions and who really do want a little Art to shape themrdquo) (Todas
as traduccedilotildees satildeo de nossa autoria exceto quando houver indicaccedilatildeo) 5 Com sentido de que a teoria se localiza na posiccedilatildeo intermediaacuteria entre textos e interpretaccedilatildeo (GREETHAM
2007 p 23-24) 6 Sigo Ford (2002 p 263) O sistema literaacuterio dos gecircneros eacute o alicerce que torna possiacutevel escrever uma lsquoartersquo da
poesia uma Poeacuteticardquo No original ldquoThe system of literary genres is the foundation that makes writing an lsquoartrsquo of
poetry a Poetics possiblerdquo 7 Essa ideia de sistema impliacutecito evocamos de Farrel (2003 p 402-3) ldquoO que esta raacutepida pesquisa demonstra eacute
que o abismo entre teoria e praacutetica no discurso greco-romano sobre gecircnero eacute niacutetido Particularmente aponta que a
ldquoteoria impliacutecitardquo representada na poesia antiga eacute de longe mais sofisticada que a teoria expliacutecita desenvolvida por
filoacutesofos e criacuteticos literaacuterios e aparentemente esposada pelos proacuteprios poetas em seus manifestos e declaraccedilotildees
programaacuteticas [] O argumento mais importante que posso fazer nesta conclusatildeo eacute insistir que a teoria impliacutecita
sobre o gecircnero intriacutenseca agrave literatura greco-romana veio a ter papel significante em qualquer tentativa futura de
abordar a histoacuteria do discurso a respeito do gecircnerordquo No original ldquoWhat this rapid survey shows is that the gap
between theory and practice in the Greek and Roman discourse on genre is pronounced In particular it shows that
the implied theory instantiated in ancient poetry is far more sophisticated than the explicit theory developed by
philosophers and literary critics and apparently espoused by the poets themselves in their manifestoes and
programmatic declarations [hellip] The most important point I can make in closing is to urge that the implicit theory
of genre embedded within Greek and Roman literature come to play a significant role in any future attempt to
assess the history of discourse about genrerdquo
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sistema geneacuterico do periacuteodo tratado propostas de traduccedilatildeo como arte ou teacutecnica de verter em
uma o texto de outra liacutengua buscando-se o quanto possiacutevel proximidade fidelidade
correspondecircncia equivalecircncia enfim termos agrave primeira vista que soam como sinocircnimos mas
abordados de modo diferente por diversos tradutores em suas teorias proacuteprias Aliaacutes natildeo nos
parece sequer que existia a funccedilatildeo do tradutor como haacute hoje e sim a do autor
Contudo se natildeo havia uma teoria da traduccedilatildeo assim como havia artes retoacutericas ou
poeacuteticas e tratados filosoacuteficos existiam praacuteticas derivadas daquelas proacuteprias praacuteticas e teorias
de modo que podemos identificar a imitaccedilatildeo como precursora da traduccedilatildeo
Vejamos entatildeo en passant o que se dizia sobre imitaccedilatildeo (miacutemesis)
1 Imitar para inventar
No livro X da Repuacuteblica vemos Platatildeo discorrendo (596a-d) sobre imitaccedilatildeo de modo a
instaurar 3 niacuteveis utilizando o exemplo de uma cama o do criadordemiurgo (deus) o do
moveleiro e o do pintor em que este uacuteltimo estaacute na terceira categoria imitaccedilatildeo da imitaccedilatildeo
sendo possivelmente portanto mais distante e subjetiva dependente da interpretaccedilatildeo do olhar
do pintor que pode ser de perspectivas diferentes8 Eacute assim que defende a expulsatildeo dos poetas
pela possibilidade de criaccedilatildeo de ideias e representaccedilotildees falsas afastadas da verdade e entende-
se da sabedoria proacutepria dos filoacutesofos No Iacuteon 530b-c temos
καὶ τὴν τούτου διάνοιαν ἐκμανθάνειν μὴ
μόνον τὰ ἔπη ζηλωτόν ἐστιν οὐ γὰρ ἂν
γένοιτό ποτε ἀγαθὸς ῥαψῳδός εἰ μὴ
συνείη τὰ λεγόμενα ὑπὸ τοῦ ποιητοῦ τὸν
γὰρ ῥαψῳδὸν ἑρμηνέα δεῖ τοῦ ποιητοῦ
τῆς διανοίας γίγνεσθαι τοῖς ἀκούουσι
τοῦτο δὲ καλῶς ποιεῖν μὴ γιγνώσκοντα ὅτι
λέγει ὁ ποιητὴς ἀδύνατον9
[] e compreender a fundo o pensamento
dele ndash natildeo soacute os versos ndash eacute invejaacutevel
Porque um rapsodo jamais seria bom se
natildeo entendesse o que eacute dito pelo poeta eacute
preciso que o rapsodo seja para os
ouvintes o inteacuterprete do pensamento do
poeta E eacute impossiacutevel fazer belamente isso
sem saber aquilo que o poeta diz10
em que se percebe a diferenccedila entre διάνοιαν o pensamento que deve ser aprendido e as ἔπη
versos que o representam
Aristoacuteteles na Poeacutetica 1447b remete a Platatildeo com inferir que houvesse poetas mais
afeitos aos versos ndash ou ao metro (natildeo vamos aqui enveredar em distinccedilotildees dos termos) ndash do que
ao pensamento
8 Seguimos a traduccedilatildeo de Anna Lia Amaral de Almeida Prado (2006 p 381-386) 9 O texto grego foi retirado da paacutegina do Perseus da ediccedilatildeo John Burnet (1903) grifos nossos 10 Traduccedilatildeo de Andreacute Malta (2008 p 22-3) grifos nossos
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οὐδὲν γὰρ ἂν ἔχοιμεν ὀνομάσαι κοινὸν
τοὺς Σώφρονος καὶ Ξενάρχου μίμους καὶ
τοὺς Σωκρατικοὺς λόγους οὐδὲ εἴ τις διὰ
τριμέτρων ἢ ἐλεγείων ἢ τῶν ἄλλων τινῶν
τῶν τοιούτων ποιοῖτο τὴν μίμησιν πλὴν οἱ
ἄνθρωποί γε συνάπτοντες τῷ μέτρῳ τὸ
ποιεῖν ἐλεγειοποιοὺς τοὺς δὲ ἐποποιοὺς
ὀνομάζουσιν οὐχ ὡς κατὰ τὴν μίμησιν
ποιητὰς ἀλλὰ κοινῇ κατὰ τὸ μέτρον
προσαγορεύοντες11
Efetivamente natildeo temos denominador
comum que designe os mimos de Soacutefron e
de Xenarco os diaacutelogos socraacuteticos e
quaisquer outras composiccedilotildees imitativas
executadas mediante triacutemetros jacircmbicos
ou versos elegiacuteacos ou outros versos que
tais Poreacutem ajuntando agrave palavra ldquopoetardquo o
nome de uma soacute espeacutecie meacutetrica
aconteceu denominarem-se a uns de
ldquopoetas elegiacuteacosrdquo a outros de ldquopoetas
eacutepicos designando-os assim natildeo pela
imitaccedilatildeo praticada mas unicamente pelo
metro usado
Ou seja para Aristoacuteteles natildeo faria parte essencial da imitaccedilatildeo o metro de modo que esta
se refira agrave mateacuteria
Em latim tem-se como correlativo de miacutemesis o termo imitatio Na Retoacuterica a Herecircnio
eacute assim definido
Haec omnia tribos adsequi poterimus
arte imitatione exercitatione [] Imitatio
est qua impellimur cum diligenti ratione
ut aliquorum similes in dicendo valeamus
esse
Tudo isso poderemos alcanccedilar por trecircs
meios arte imitaccedilatildeo e exerciacutecio []
Imitaccedilatildeo eacute o que nos estimula com
meacutetodo cuidado a que logremos ser
semelhantes a outros no dizer12
Sem contudo maior desenvolvimento Mas Ciacutecero amplia o conceito (De or II 90-
91) dando aliaacutes acepccedilotildees negativas da imitatio realizada de modo servil (como Horaacutecio
tambeacutem criticaraacute)
Ergo hoc sit primum in praeceptis meis ut
demonstremus quem imitetur atque ita
ut quae maxime excellent in eo quem
imitabitur ea diligentissime persequatur
tum accedat exercitatio qua illum quem
delegerit imitando effingat atque
exprimat non ut multos imitatores saepe
cognovi qui aut ea quae facilia sunt aut
etiam illa quae insignia ac paene vitiosa
consectantur imitando13
Portanto seja este o primeiro de meus
preceitos indicar aquele que se haacute de
imitar e de tal forma que se busquem com
maior zelo os elementos que mais se
sobressaem naquele que se imitaraacute Some-
se a isso entatildeo o exerciacutecio no qual possa
pela imitaccedilatildeo reproduzir e representar
aquele que se escolheu poreacutem natildeo como
muitos dos imitadores que vi em diversas
ocasiotildees que procuram imitar os
elementos faacuteceis ou mesmo aqueles que
satildeo particulares e quase viciosos Nada eacute
11 O texto grego foi retirado da paacutegina Perseus da ediccedilatildeo de R Kassel Aristotles Ars Poetica Oxford Clarendon
Press 1966 A propoacutesito cumpre citar que no periacuteodo citado e no paraacutegrafo seguinte Kassel traduz
sucessivamente μίμησις por ldquorepresentationrdquo (ldquorepresentaccedilatildeordquo) Em traduccedilatildeo recente (PINHEIRO 2017)
encontramos as duas ocorrecircncias traduzidas por mimese 12 Texto latino e traduccedilatildeo de Faria e Seabra (2005 p 55 apud SCATOLIN 2005 p 51) 13 Texto latino extraiacutedo da paacutegina do Perseus estabelecido por A S Wilkins (1902)
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mais faacutecil do que imitar o modo de algueacutem
se vestir sua postura ou seus movimentos
(SCATOLIN 2005 p 216)
No passo citado Ciacutecero evidencia que haacute modelos a imitar no entanto especifica que
essa imitaccedilatildeo se daacute com ldquomaior zelordquo quanto aos ldquoelementos que mais se sobressaemrdquo Ou seja
abre-se espaccedilo para o autorimitador criar de modo inteligente a partir do modelo a fim de natildeo
incorrer no erro daqueles segundo o arpinate que imitam somente ldquoelementos faacuteceis ou mesmo
aqueles que satildeo particularesrdquo Mais quando diz nada ser mais faacutecil que imitar as vestes ou
movimentos de outrem parece-nos que Ciacutecero tem em mente ndash ou ao menos ecoa ndash a proacutepria
ideia ou semelhante de Aristoacuteteles (1447b supracitado) a respeito da diferenccedila entre o
pensamento e o verso as palavras
Discussotildees ou menccedilotildees semelhantes ocorrem tambeacutem em Quintiliano como no livro X
(em 2 27) ldquoA imitaccedilatildeo entretanto (pois eacute preciso repetir com frequecircncia) natildeo reside somente
nas palavrasrdquo14 em Secircneca na suasoacuteria 37 quando traz ldquoGeliatildeo dizia que isto tinha agradado
muito ao seu Nasatildeo [Oviacutedio] e assim ele fez aquilo que fizera em muitos outros versos de
Vergiacutelio natildeo para roubar mas para tomar de empreacutestimo claramente desejando que isso fosse
reconhecidordquo15
Se esses satildeo alguns dos testemunhos sobre imitaccedilatildeo no acircmbito da retoacuterica na poesia
recorremos a Horaacutecio na Arte Poeacutetica (137-135 309-318)
publica materies privati iuris erit si
non circa vilem patulumque moraberis
orbem
nec verbo verbum curabis reddere fidus
interpres nec desilies imitator in artum
unde pedem proferre pudor vetet aut
operis lex
nec sic incipies ut scriptor cyclicus olim
fortunam Priami cantabo et nobile
bellum
[]
Mateacuteria de domiacutenio puacuteblico seraacute de direito
privado se natildeo te demorares em volta de
um ciacuterculo batido e aberto se natildeo te
preocupares em verter fiel tradutor
palavra por palavra se natildeo caiacuteres
imitador num buraco de onde o pudor ou
a lei do gecircnero te proiacutebam tirar o peacute e se
natildeo comeccedilares assim como outrora o
escritor ciacuteclico ldquoA Fortuna de Priacuteamo
cantarei e a guerra famosardquo17
[]
O saber eacute o princiacutepio e a fonte do bem
escrever Os escritos socraacuteticos poderatildeo te
14 Texto latino extraiacutedo de ediccedilatildeo de Harold Edgeworth Butler 1922 ldquoimitatio autem (nam saepius idem dicam)
non sit tantum in verbisrdquo 15 Traduccedilatildeo de Artur Costrino (2011 p 68) No original (p 110) ldquohoc autem dicebat Gallio Nasoni suo valde
placuisse itaque fecisse illum quod in multis aliis versibus Vergilii fecerat non subripiendi causa sed palam
mutuandirdquo 17 Traduccedilatildeo fornecida pelo Dr Joatildeo Angelo Oliva Neto em sala de aula durante curso de poacutes-graduaccedilatildeo na
Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da Universidade de Satildeo Paulo no primeiro semestre de 2018
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scribendi recte sapere est et principium et
fons
rem tibi Socraticae poterunt ostendere
chartae
verbaque provisam rem non invita
sequentur
qui didicit patriae quid debeat et quid
amicis
quo sit amore parens quo frater amandus
et [hospes
quod sit conscripti quod iudicis officium
quae
partes in bellum missi ducis ille profecto
reddere personae scit convenientia cuique
respicere exemplar vitae morumque
iubebo
doctum imitatorem et vivas hinc ducere
voces16
mostrar a mateacuteria e as palavras seguiratildeo
natildeo de maacute vontade a mateacuteria prevista
Quem aprendeu o que eacute devido agrave paacutetria o
que eacute a amizade o que eacute o amor aos pais
como amar um irmatildeo e um estrangeiro
qual a funccedilatildeo do senador qual a do juiz
quais os atributos de um comandante
enviado agrave guerra esse com certeza sabe o
que conveacutem a cada [tipo] de pessoa Devo
ordenar o imitador experiente a olhar o
exemplo da vida e dos costumes e daiacute
extrair as expressotildees vivas
No primeiro excerto Horaacutecio ainda que se dirija a quem queira adentrar a seara poeacutetica
distingue dois tipos de accedilatildeo ao associar ao tradutor agrave palavra e o gecircnero ao imitador Como
foge do escopo deste trabalho natildeo nos ateremos na compreensatildeo de qual seria essa diferenccedila
em Horaacutecio entre tradutor e imitador basta que haja essa disposiccedilatildeo distinta entre um e outro
No entanto urge notar que no segundo excerto ao imitador ordena-se olhar o exemplo da vida
e dos costumes sendo jaacute doctum para que sua expressatildeo seja ldquovivardquo Andrew Laird (1999 p
310) vecirc nessa expressatildeo a combinaccedilatildeo de dois sentidos para a imitaccedilatildeo quais sejam como
coacutepia de modelos e como representaccedilatildeo18 Inferimos ainda da expressatildeo uma praacutetica impliacutecita
da imitaccedilatildeo de modelos nos estudos formativos como os apontados por Teatildeo (MANOEL
2014) que propiciaratildeo ao experiente imitador arcabouccedilo necessaacuterio para trilhar seu proacuteprio
caminho natildeo mais imitando modelos e sim a proacutepria vida inventando quer seja em acircmbito
filosoacutefico poeacutetico ou retoacuterico Aleacutem disso natildeo podemos deixar de concordar com Harvey
quanto ao menos um objetivo dos autores antigos a saber alcanccedilar a fama tornando-se modelo
o que era possiacutevel justamente por essa replicaccedilatildeo paraacutefrase e estudo de modelos anteriores19
16 Texto latino extraiacutedo da paacutegina do projeto Perseus ediccedilatildeo de C Smart (1836) 18 Assim ele traduz ldquoI will order the learned imitator to look to the model of life and morals and draw his utterances
living from thererdquo E explica ldquoThe phrase doctum imitatorem (lsquolearned imitatorrsquo) presupposes both the priority of
imitating models and the necessity of the imitator being well versed in those modelsrdquo (A expressatildeo doctum
imitatorem (imitador experiente) pressupotildee tanto a prioridade da imitaccedilatildeo de modelos como a necessidade de o
imitador ser bem versado nesses modelosrdquo 19 Cf Harvey (1955 p 157) ldquoIf we do not know the purpose for which a given poem was written or the
conventions which governed its form we are deprived of what the greeks regarded as one of the main criteria for
assessing its qualityrdquo (ldquoSe natildeo sabemos o propoacutesito para o qual determinado poema foi escrito ou as convenccedilotildees
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Da exposiccedilatildeo feita ateacute aqui por conseguinte percebemos como o conceito de mimese
ou imitaccedilatildeo possui sentidos diferentes ora mais filosoacuteficos e relacionados a ideias ora mais
objetivos e relacionados agraves proacuteprias palavras escritas de algum autor20
Poreacutem seja qual for o sentido eacute condenaacutevel a imitaccedilatildeo que vise agrave replicaccedilatildeo o que
aliaacutes Quintiliano diz ser impossiacutevel (Inst or X 2 10-11) de modo que a imitaccedilatildeo tem como
ldquofiltrordquo imprescindiacutevel a maior ou menor habilidade de um autor letrado
Portanto a invenccedilatildeo mira a originalidade que ocorre se eacute executada com ecircxito e poderaacute
alccedilar o autor agrave eternidade ou agrave primazia quer seja como um entre o rol dos liacutericos com uma
obra mais perene que o bronze como um Propeacutercio ao dizer-se o Caliacutemaco romano entre outros
exemplos
Se pareceu abrupta nossa mudanccedila de contexto grego para romano da poesia para a
retoacuterica ou seja do verso para a prosa eacute que entendemos que tal diferenccedila resida na
manifestaccedilatildeo isto eacute da accedilatildeo concreta da imitaccedilatildeo que se daacute por meio dos gecircneros (do qual
aquela natildeo se dissocia) como veremos a seguir 21
que governam sua forma ficamos privados do que os gregos consideravam como um dos principais criteacuterios para
compreender sua qualidaderdquo) Sobre a memorizaccedilatildeo e repeticcedilatildeo de modelos e sua relevacircncia no cenaacuterio claacutessico
com a ideia de novidade emergindo da invenccedilatildeo justamente pela multiplicaccedilatildeo e proliferaccedilatildeo de modelos ver
Muckelbauer (2003) 20 Discussatildeo pormenorizada desses sentidos pode ser encontrada em Muckelbauer (2003) como agrave paacutegina 243 em
que recupera desenvolvimentos de outros dois estudiosos ldquoEdward P J Corbett nicely summarizes McKeonrsquos
three primary meanings lsquo1) the Platonic notion of an image-making faculty which produces extensions of ideal
truth in the phenomenal world 2) the Aristotelian notion of the representation of human actions and 3) the
rhetorical notion of copying simulating emulating modelsrdquo (E P J C resume bem os trecircs sentidos principais de
McKeon lsquoa noccedilatildeo platocircnica de uma faculdade imageacutetico-criadora que produz extensatildeo de uma verdade ideal no
mundo fenomecircnico 2) a noccedilatildeo aristoteacutelica de representaccedilatildeo das accedilotildees humanas e 3) a noccedilatildeo retoacuterica de coacutepia
simulaccedilatildeo emulaccedilatildeo de modelosrdquo Divisotildees que o autor havia explicitado anteriormente agrave paacutegina 65 ldquoThe
imitation of an ideal world by the actual world became the province of ancient philosophy the imitation of the
actual world by a poet or actor became the concern of ancient literature and the imitation of a renowned orator or
teacher by a student became the terrain of ancient rhetoricrdquo (A imitaccedilatildeo de um mundo ideal pelo mundo real
tornou-se mateacuteria da filosofia antiga a imitaccedilatildeo do mundo real por um poeta ou ator tornou-se preocupaccedilatildeo da
literatura antiga e a imitaccedilatildeo de um orador renomado ou professor por um estudante tornou-se terreno da retoacuterica
antiga) 21 Geralmente classificam-se os textos antigos como pertencentes agrave filosofia agrave retoacuterica ou agrave poesia Poreacutem se
temos autores adultos escrevendo em uma ou mais aacutereas eacute porque a educaccedilatildeo baacutesica ndash em analogia ao ensino
institucionalizado de hoje guardadas as devidas proporccedilotildees ndash que tiveram jaacute os preparara para tal Nisto remetemos
a trabalho aos progymnaacutesmata ou praeexercitamina com seus exerciacutecios de reproduccedilatildeo paraacutefrase amplificaccedilatildeo
e especificamente na retoacuterica hipoacuteteses ou controveacutersias bem como um dos autores ndash talvez o mais antigo de que
tenhamos um manual ndash Eacutelio Teatildeo que diz (MANOEL 2014 p 30) ldquoIncluiacute essas coisas natildeo julgando todas uacuteteis
a todos os iniciantes mas para que saibamos que exerciacutecios satildeo muito importantes natildeo soacute para os que estatildeo prestes
a discursar como tambeacutem a quem queira partilhar da faculdade dos poetas dos historiadores e dos outros
discursosrdquo no original (PATILLON 1997 p 9) ldquoταῦτα μὲν οὖν παρεθέμην οὐ νομίζων μὲν ἅπαντα εἶναι πᾶσιν
ἀρχομένοις ἐπιτήδεια ἀλλ ἵνα ἡμεῖς εἰδῶμεν ὅτι πάνυ ἐστὶν ἀναγκαῖον ἡ τῶν γυμνασμάτων ἄσκησις οὐ μόνον
τοῖς μέλλουσι ῥητορεύειν ἀλλὰ καὶ εἴ τις ἢ ποιητῶν ἢ λογοποιῶν ἢ ἄλλων τινῶν λόγων δύναμιν ἐθέλει
μεταχειρίζεσθαιrdquo Pois Teatildeo dissera anteriormente ldquoAntes de tudo o professor deve apresentar aos jovens os
bons exemplos recolhidos das letras antigas para que aprendam e guardem na memoacuteria tal como o da chreia que
haacute em Platatildeo no primeiro livro da Repuacuteblicardquo Do original vale destacar a expressatildeo ldquoπαλαιῶν συγγραμμάτωνrdquo
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Eacute informaccedilatildeo oacutebvia que para surgir um sistema de gecircneros havia mesmo que de modo
impliacutecito convenccedilotildees reconhecidas a respeito das composiccedilotildees escritas No entanto a
imprecisatildeo que vemos em autores gregos e a posterior crise dos gecircneros22 que se inicia com os
heleniacutesticos denota que tal sistema natildeo fosse estaacutevel ou livre de dissensotildees23
De acordo com nosso propoacutesito natildeo percorreremos definiccedilotildees e prescriccedilotildees a respeito
de gecircneros mas chamaremos a atenccedilatildeo para dois conceitos a poikilia (variedade) e a polyeideia
(pluralidade de gecircneros) A poikilia ocorre jaacute no periacuteodo claacutessico em Piacutendaro (Piacuteticas 9 76-
78)
ἀρεταὶ δ αἰεὶ μεγάλαι πολύμυθοι
βαιὰ δ ἐν μακˈροῖσι ποικίλλειν
ἀκοὰ σοφοῖς ὁ δὲ καιρὸς ὁμοίως
παντὸς ἔχει κορυφάν
Grandes virtudes satildeo sempre muito
faladas mas variegar pequenas entre
grandes coisas
eacute o que ouvem os saacutebios O oportuno
igualmente eacute de tudo o remate 24
para se referir agraves ldquoletras antigasrdquo (PATILLON 1997 p 9) em ldquoΠῶρτὸν μὲν ἁπάντων χρὴ τὸν διδάσκαλον ἑκάστου
γυμνάσματος εὖ ἔχοντα παραδείγματα ἐκ τῶν παλαιῶν συγγραμμάτων ἀναλεγόμενον προστάττειν τοῖς νέοις
ἐκμανθάνειν οἷον χρείας μὲν ὁποία ἐστὶν ἡ παρὰ Πλάτωνι ἐν τῷ πρώτῳ τῆς πολιτείαςrdquo expressatildeo que Patillon
traduz por ldquoles ouvrages des anciensrdquo e Kennedy (2003 p 9) verte para o inglecircs do seguinte modo ldquoancient prose
works Ademais utilizamos ldquoletras antigasrdquo para compreender prosa e verso pois como diz Christian Werner
(WERNER SEBASTIANI DOURADO-LOPES 2014 p 14 e 15) ldquoentre os gregos poreacutem natildeo haacute nenhum
termo que abarque prosa e verso [] um termo que nas praacuteticas gregas se aproximou bastante do sentido em
questatildeo foi mousikecirc termo nuclear para aquilo que J Herington chamou de ldquocultura da canccedilatildeordquo e aqui vale
lembrar das palavras de Harvey (1955 p 5 e 28) quanto agrave poesia arcaica ldquoThus the opposition between what we
may call song and poetry is a mimesis or imitation of the fundamental opposition between singing and speaking
(Assim a oposiccedilatildeo entre o que podemos chamar canccedilatildeo e poesia eacute uma mimese ou imitaccedilatildeo da oposiccedilatildeo
fundamental entre o cantar e o falar) e ldquoWritten is not something that is not oral rather it is some thing in addition
to being oral and that additional something will vary from society to society It is dangerous to universalize the
phenomenon of literacyrdquo (O escrito natildeo eacute uma coisa natildeo oral eacute sim um algo a mais aleacutem de oral e esse algo a
mais variaraacute de sociedade a sociedade Eacute perigoso universalizar o fenocircmeno do letramento) Em Ciacutecero o sistema
do gecircnero e as diferenccedilas entre prosa e poesia jaacute parecem ser mais bem demarcados do que eram na eacutepoca de
Aristoacuteteles 22 Ford (2002 p 252-3) fala em hibridismo em Goacutergias pois no programaproacutelogo do elogio a Helena fala em
dizer o que deve ser dito e refutar falsas acusaccedilotildees uma vez que teria sido acusado por Isoacutecrates de fugir agrave lei do
gecircnero e fazer uma apologia em vez de um elogio Isoacutecrates em Antidosis no paraacutegrafo 47 diz ter desenvolvido
seu proacuteprio gecircnero mais poeacutetico e com estilo adornado Mais um exemplo o jaacute citado Harvey (1955 p 160 e
166) diz numa passagem que os epiniacutecios de Piacutendaro natildeo satildeo todos a rigor epiniacutecios de modo que tenham sigo
organizados segundo loacutegica diferente e que o reacutetor Menandro teria dito que um hino escrito para Apolo eacute chamado
peatilde mas ditirambo quando para Dioniso 23 Ver Farrel (2003 p 388) ldquoCom o tempo encontra-se um senso de aventura cada vez maior ateacute que no periacuteodo
heleniacutestico e romano chega a parecer que testar e mesmo violar limites geneacutericos natildeo era meramente uma
consequecircncia inevitaacutevel e acidental de escrever em qualquer gecircnero mas um importante aspecto da arte do poetardquo
(No original ldquoWith time one finds an ever-greater sense of adventure until by the Hellenistic and Roman periods
it comes to seem that testing and even violating generic boundaries was not merely an inevitable and accidental
consequence of writing in any genre but an important aspect of the poets craftrdquo) 24 Traduccedilatildeo de Joatildeo Angelo Oliva Neto para o referido curso de poacutes-graduaccedilatildeo a quem agradeccedilo a apresentaccedilatildeo
de ambos os conceitos e das fontes A traduccedilatildeo seguinte tambeacutem eacute dele
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O termo ocorre tambeacutem nas Oliacutempicas (6 85-87) e em Aristoacuteteles na Poeacutetica (XIII
1459a 34)
Jaacute a polyeacuteideia ocorre num comentaacuterio (Diegesis 9 32-35) antigo a um verso do Iambo
13 de Caliacutemaco (frag 203 Pfeiffer)
Ἐν τούτῳ πρὸς τοὺς καταμεμφομένους αὐτὸν
ἐπὶ τῇ πολυειδείᾳ ὧν γράφει ποιημάτων
ἀπαντῶν φησιν ὅτι Ἴωνα μιμεῖται τὸν
τραγικόν ἀλλ οὐδὲ τὸν τέκτονά τις μέμφεται
πολυειδῆ σκεύη τεκταινόμενον
Neste [poema] [dirigindo-se] aos que o
reprovam pela pluralidade de gecircneros de
todos poemas que escreve [Caliacutemaco] diz
que imita o tragedioacutegrafo Iacuteon mas
ningueacutem de fato censura o artiacutefice que
faz multiacutegenos utensiacutelios
Caliacutemaco assim tanto busca variegar como faz uma pluralidade de gecircneros ndash
manifestaccedilotildees da invenccedilatildeo sem deixar de citar como modelo Mimnermo para ser o primeiro
em novo trilho (frag 1 Pfeiffer 21-25 traduccedilatildeo e Joatildeo Angelo Oliva Neto)
ldquoo incenso aedo o mais espesso eacute o que conveacutem
me dar a Musa amigo delicada
Ordeno-te natildeo vaacutes por onde os carros trilham
nem sobre o mesmo alheio rasto a roda
leves nem vaacutes agrave larga via mas a estrada
natildeo batida por mais que estreita sigasrdquo
Cumpre aqui notar a relevacircncia de Caliacutemaco tanto por ser criacutetico como poeta uma vez
que como bibliotecaacuterio organizou iacutendice de autores e obras os piacutenakes que hoje chamamos
ldquocataacutelogosrdquo Sua importacircncia eacute capital porque evidencia parte dessa poeacutetica heleniacutestica que teraacute
influenciado Catulo e Horaacutecio
O livro de Catulo eacute emblemaacutetico porque reflete a poeacutetica heleniacutestica e a influecircncia de
Caliacutemaco eacute um livro variegado e tambeacutem plural quanto aos gecircneros jaacute que possui uma primeira
parte polimeacutetrica e uma segunda monomeacutetrica em diacutesticos elegiacuteacos e apresenta poemas com
caracteriacutesticas diacutespares como epigramas e mesmo elegias com destaque poreacutem a seu caraacuteter
ligeiro (OLIVA NETO 1996)
Nas Odes Horaacutecio segue ediccedilotildees alexandrinas para ordenar o livro quanto aos hinos
seja assemelhando-se aos modelos como no caso do primeiro livro imitando Alceu ou
afastando-se como no caso de Safo que faz hino a Afrodite ao passo que o poeta a tenta afastar
Aleacutem disso as sequecircncias riacutetmicas ou seja os metros indicam seccedilotildees proacuteprias e relacionam as
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odes25 e Horaacutecio busca tornar-se ele tambeacutem modelo como em IV 6 (vv 43-44 ldquodei carme
grato aos deuses aprendendo do vate Horaacutecio os metrosrdquo (aqui sigo as ideias e utilizo a
traduccedilatildeo de Alexandre Hasegawa 2012) Tambeacutem eacute poeta variegado e trabalha com os limites
do gecircnero como no livro dos epodos em que apresenta dois (14 e 15) com elementos liacutericos
bem como se insere entre os primeiros no gecircnero ndash ainda que Catulo tenha feito iambos ndash na
Epist 1 19 vv 20-24 ldquoEu por primeiro pus meus peacutes em campo livre e natildeo pisei pegadas
alheias Quem confiar em si conduziraacute o enxame Eu fui o primeiro que mostrei ao Laacutecio os
iambos Paacuterios imitando o ritmo e o acircnimo de Arquiacuteloco natildeo a mateacuteria e as palavras dirigidas
a Licambesrdquo (HASEGAWA 2010 p 79 traduccedilatildeo dos versos por Joatildeo Angelo Oliva Neto)
2 Tradutor imitador ou autor
E agora onde entra a traduccedilatildeo nesta histoacuteria Segundo a discussatildeo e os passos
apontados deduzimos em linhas gerais que o espiacuterito claacutessico o zeitgeist hegeliano dos
autores os incitava agrave inventividade agrave originalidade a testar os limites a superar os modelos ndash
para se tornar modelos ndash a escolher caminhos estreitos Enfim cenaacuterio que em pouco mais de
trezentos anos presenciou muitas guerras e transformaccedilotildees hegemonias gregas com Atenas
Esparta as conquistas de Alexandre O Grande e a dominaccedilatildeo imposta por Roma Contexto
agoniacutestico e de competitividade poliacutetica militar e como natildeo poderia deixar de ser nas
composiccedilotildees escritas Eacute por isso e a ausecircncia de um tratado-testemunho sobre uma arte ou
teacutecnica da traduccedilatildeo que o corrobore que dificilmente podemos conceber um autor aplicado a
ldquopublicarrdquo a obra de outro autor e natildeo proacutepria portanto sem sua autoridade assumindo-se
como imitador da mateacuteria do ritmo e das palavras enfim do gecircnero Muitos testemunhos
mencionam ou falam da imitaccedilatildeo mas quantos autores temos assumindo-se como imitadores
sem ter feito qualquer inovaccedilatildeo no gecircnero seja com mateacuteria seja com ritmo diferente
Destarte sugerimos que usar o termo ldquotraduccedilatildeordquo ou ldquotradutorrdquo para denominar as obras
e os autores antigos eacute anacronismo uma vez que natildeo podemos encontrar teorias antigas a
respeito disso mas somente teacutecnicas e artes de composiccedilatildeo em que a invenccedilatildeo senatildeo expliacutecita
eacute impliacutecita Contudo natildeo ousamos radicalizar e certamente estudantes treinavam com
25 Trata-se da alternacircncia Ver Hasegawa (2016 sobretudo nota de rodapeacute 60 agrave paacutegina 144 em que arrola
bibliografia e menciona a alternacircncia de estrofes alcaicas e saacuteficas no livro das Odes de Horaacutecio diacutesticos elegiacuteacos
e hendecassiacutelabos faleacutecios na Priapeia latina eacuteclogas dramaacuteticas e narrativas nas Bucoacutelicas de Vergiacutelio e
Calpuacuternio
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reproduzir textos de outros autores de uma liacutengua a outra sem no entanto entenderem isso
como uma arte ou teacutecnica proacutepria mas como uma imitaccedilatildeo e se ldquofielrdquo bem por isso condenaacutevel
e abaixo da dignidade que a autoridade de um poeta exigia26 Essas balizas satildeo aquelas que
norteiam e da qual derivam as modernas teorias da traduccedilatildeo as leis do gecircnero E quando
dissemos ldquocrise dos gecircnerosrdquo natildeo queremos nos referir a um evento de fato e sim a um lugar-
comum inerente agraves composiccedilotildees quer seja em poesia quer em prosa uma vez que tanto poetas
como reacutetores (cf os proecircmios de livros como Retoacuterica a Herecircnio De inuentione De oratore
os manuais de Eacutelio Teatildeo Hermoacutegenes entre outros em que cada um inaugura seu tratado ou
teoria dizendo inovar em relaccedilatildeo aos predecessores) O que nos parece ponto fechado eacute que os
autores heleniacutesticos tinham como princiacutepio impliacutecito o dever de conhecer profundamente seus
modelos a fim de justamente por isso natildeo os repetir mas com eles competir ou para usar do
jargatildeo emular
Um caso poreacutem nos chama a atenccedilatildeo Catulo no poema 65 15-16 (OLIVA NETO
1996 p 133)
sed tamen in tantis maeroribus Ortale
mitto
haec expressa tibi carmina Battiadae
em tanta dor poreacutem te envio oacute Hoacutertalo
estes versos vertidos de Caliacutemaco
Em face agrave deduccedilatildeo que realizamos se torna espantoso em um primeiro momento nesse
cenaacuterio um autor reconhecer ter traduzido outro sem inventar isto eacute aparentemente sem
adaptar inteligentemente ou refundir o modelo no entanto ainda que tenha feito Catulo o fez
somente de modo segmentado natildeo de todo o poema o que teria sido uma imitaccedilatildeo servil e
condenaacutevel mas somente de um trecho incluindo-o em outro ambiente (poemas matrimoniais)
diferente embora em livro variegado e com pluralidade de gecircneros Seria assim uma inovaccedilatildeo
catuliana inserir em sua obra de modo anunciado publicamente uma traduccedilatildeo aparentemente
servil pois natildeo eacute de fato jaacute que refunde o modelo apesar de mantecirc-lo o mais possiacutevel
aproximado da liacutengua de chegada com inseri-lo em ambiente diverso do original Ressalve-se
que o original se refere ao fragmento 110 (Pfeiffer) do final do livro IV dos Aitia de Caliacutemaco
do qual temos poucos versos para comparar ao texto latino que tradicionalmente tem sido
utilizado para maior compreensatildeo do texto grego Carmina expressa aponta o verbo exprimere
26 ldquo[] eacute equivocado tambeacutem buscar para cada poema ou verso latino um modelo como se o poeta fosse obrigado
a imitar a cada palavra que escrevesse Se a imitaccedilatildeo eacute conceito importante para poetas latinos e praacutetica frequumlente
(mesmo a imitaccedilatildeo servil deveria ser constante caso contraacuterio natildeo haveria condenaccedilatildeo de Horaacutecio e Quintiliano)
eacute estimulada tambeacutem a inovaccedilatildeo no gecircnero que torna o escritor verdadeiramente auctorrdquo (HASEGAWA 2010
p 79)
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que entendemos com Joatildeo Angelo Oliva Neto por decalque Desse modo Catulo seria uma
exceccedilatildeo agrave regra ou ao menos o primeiro a fazecirc-lo publicamente mantendo a dignidade autoral
como poeta haacutebil e cujo testemunho nos chegou27 Mas ao fazer isso Catulo demonstra aos
leitores atentos sua capacidade de ser original ainda quando aparente servilismo testando as
teorias expliacutecitas e impliacutecitas das composiccedilotildees poeacuteticas e recepccedilotildees dos leitores
Ciacutecero (De optimo genere oratorum 14) Pliacutenio (VII 9) e Aulo Geacutelio (Noctes Atticae
991) utilizaratildeo o termo vertere infracitados respectivamente
Converti enim ex Atticis duorum
eloquentissimorum nobilissimas orationes
inter seque contrarias Aeschinis et
Demosthenis nec converti ut interpres
sed ut orator sententiis isdem et earum
formis tamquam figuris verbis ad nostram
consuetudinem aptis
Verti entatildeo dos aacuteticos dois discursos
notaacuteveis e contraacuterios entre si um de
Eacutesquines outro de Demoacutestenes autores
dos mais eloquentes E natildeo os verti como
um inteacuterprete mas como um orador
usando os mesmos argumentos tanto na
sua forma quanto nas suas figuras de
linguagem em termos adequados agrave nossa
cultura
1 Quaeris quemadmodum in secessu quo
iam diu frueris putem te studere oportere
Utile in primis et multi praecipiunt vel ex
Graeco in Latinum vel ex Latino vertere in
Graecum 2 Quo genere exercitationi
proprietas splendorque verborum copia
figurarum vis explicandi praeterea
imitatione optimorum similia inveniendi
facultas paratur
1 Vocecirc pergunta como eu acho que lhe
conveacutem estudar no tempo livre de que jaacute
desfruta haacute um bom tempo Sobretudo
proveitosamente E muitos receitam verter
do grego ao latim e do latim ao grego 2
Esse eacute um tipo de exerciacutecio que propicia
seguranccedila e brilho com as palavras
inventaacuterio de imagens e tino
argumentativo bem como por meio da
imitaccedilatildeo dos melhores a faculdade de
inventar obras similares
Quando ex poematis Graecis vertendae
imitandaeque sunt insignes sententiae
non semper aiunt enitendum ut omnia
omnino verba in eum in quem dicta sunt
modum vertamus
Quando de poemas gregos eacute necessaacuterio
verter e imitar sentenccedilas notaacuteveis nem
sempre dizem se deve empenhar para
verter absolutamente todas as palavras
daquele mesmo modo com que foram
ditas
27 Cf Oliva Neto (1996 p 22) Os intelectuais heleniacutesticos percebiam ser irreversiacutevel a consolidaccedilatildeo da escrita e
embora fossem bem conscientes do abalo produzido por ela no mundo oral jamais contemplaram seus
predecessores como quem observa inimigos vencidos Ao contraacuterio a proacutepria escrita e a consciecircncia de serem
escribas o apego ao livro como qualquer nova atitude ligada agrave cultura tinham apoio e justificaccedilatildeo no fato de
servir ao legado dos antecessores preservando-o o que outra coisa natildeo eacute que o sentido dialeacutetico da tradiccedilatildeo
tinham de ser conspicuamente diferentes deles para continuar a exercer em outras circunstacircncias a mesma funccedilatildeo
de poetas Percebendo ser outra a dinacircmica da produccedilatildeo cultural graccedilas precisamente agrave escrita os poetas
heleniacutesticos para inserir-se nessa tradiccedilatildeo e continuaacute-la tiveram muita vez que explicitar o caraacuteter graacutefico de sua
obra
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O interpres de Horaacutecio (fidus interpres v 134 da AP) parece evocar o interpres de
Ciacutecero ainda que em contextos diferentes uma vez que condenam o servilismo de verter
palavra por palavra tendo em vista que o orador tem como primeira atividade encontrar os
argumentos adequados isto eacute o pensamento para depois vesti-los
Ademais natildeo satildeo poucas as definiccedilotildees para artiacutefices e suas obras independentemente
se em prosa ou verso filoacutesofos reacutetores poetas todos auctores com suas mais diferentes obras
como tratados epiacutestolas diaacutelogos eacutepica liacuterica elegia ditirambos etc Mas quais os termos para
o tradutor e para a traduccedilatildeo Natildeo encontramos bem porque tal funccedilatildeo natildeo fosse reconhecida agrave
eacutepoca O que mais se aproxima dessa ideia eacute o conceito do lado negativo condenaacutevel da
imitatio daiacute Horaacutecio com ldquose natildeo caiacuteres imitadorrdquo em que imitator qualifica o executor da
mera imitatio servil isto eacute que natildeo inventa que natildeo refunde que natildeo se lanccedila como inovador
Tambeacutem poderiacuteamos utilizar interpres poreacutem devemos encerrar a exposiccedilatildeo para respeitar a
lei do gecircnero e o termo carece de anaacutelise de seus empregos significados e etimologia mais
minuciosa
Consideraccedilotildees finais
Fala-se amiuacutede de Liacutevio Andronico como tradutor da Odisseia bem como outros
autores latinos No entanto dessa imitaccedilatildeo como preferimos chamar natildeo sobram mais que
cinquenta versos e haacute de se analisar o quanto sejam ou natildeo imitaccedilotildees servis em vez de
traduccedilotildees como hoje chamamos (o mesmo para o poema 66 de Catulo com relaccedilatildeo aos
fragmentos calimaquianos) E Liacutevio Andronico atesta Ciacutecero foi auctor de peccedilas Natildeo se
enquadra na funccedilatildeo de tradutor servil e o ritmo escolhido para sua versatildeo da Odisseia eacute feito
no verso saturnino que natildeo corresponde ao hexacircmetro
Desse modo discordamos de Kennedy (2008 p 224) a respeito da comeacutedia de Plauto
com dizer
[] para nossos objetivos o principal significado da comeacutedia plautina
reside em demonstrar quatildeo longe um ldquotradutorrdquo pode ir na mudanccedila da
forma e do conteuacutedo de seu modelo Esta eacute a primeira explosatildeo de
virtuosismo linguiacutestico na literatura romana e as liberdades de Plauto
na estrutura dramaacutetica e caracterizaccedilatildeo satildeo equilibradas pela
versatilidade de seu ritmo liacuterico e corrente e por todo tipo de jogo com
som e sentido numa fantasia verbal extravagantemente estilizada
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Traduccedilatildeo como imitaccedilatildeo foi suplantada pela exploraccedilatildeo do modelo
como veiacuteculo para a linguagem pessoal do poeta Romano28
Pois natildeo vemos tanto em Liacutevio Andronico quanto em Plauto diferenccedila a respeito da
imitaccedilatildeo que continua sendo fusatildeo de um modelo e veiacuteculo para manifestar a inventividade do
poeta29
Desse modo utilizar o termo ldquotradutorrdquo ou ldquotraduccedilatildeordquo pelo menos ateacute Ciacutecero parece-
nos um anacronismo ao passo que o termo mais acertado seria autor ou imitador no caso de
uma adaptaccedilatildeo inteligente ou de uma imitaccedilatildeo servil respectivamente de acordo com a
recepccedilatildeo e proacutepria criacutetica antiga30
Eacute com a septuaginta que temos um caso interessante e de oposiccedilatildeo a heleniacutestica epiacutestola
de Aristeias cuja lenda refere uma ldquotraduccedilatildeordquo feita por 72 escolhidos e cujo resultado seria
uma versatildeo pura correta e imutaacutevel das palavras inspiradas por um autor que natildeo pode ser
emulado Deus E eacute justamente em Satildeo Jerocircnimo tradutor da Biacuteblia em epiacutestola a Pameacutecio
(376 dC ndash aqui sim depois de Cristo) que vemos uma defesa daquele de suas escolhas de
versatildeo e de onde derivam explicitamente as ideias de traduccedilatildeo pela letra ou pelo espiacuterito ou
sentido
Em suma eacute evidente que havia traduccedilotildees tantas possiacuteveis quantos os autores ou
inteacuterpretes poreacutem embora natildeo haja teoria expliacutecita em tratado sobre a traduccedilatildeo podemos
28 For our purposes the chief significance of Plautine comedy is in demonstrating how far a translator [antente-se
para o uso de aspas no termo translator que revela cautela por parte do autor] can go in changing the form and
content of his model This is the first explosion of linguistic virtuosity in Roman literature and Plautus cavalier
liberties taken with dramatic structure and characterisation are offset by the versatility of his lyric and dialogue
metres and by every kind of play on sound and sense in extravagantly stylised verbal fantasy Translation as
imitation has been superseded by exploitation of the model as vehicle for the Roman poets personal idiom 29 E mais nas palavras de Harvey (1955 p 217) ldquouma importante caracteriacutestica da teoria retoacuterica no periacuteodo
heleniacutestico relaciona-se com a invenccedilatildeordquo (ldquoAn important feature of rhetorical theory in the Hellenistic period
relates to inventionrdquo) que natildeo se restringe somente agrave retoacuterica como vimos nos passos supracitados bem como
fazia parte do curriacuteculo educacional dos progymnaacutesmata ou praeexercitamina Aliaacutes em contexto romano diraacute
Harvey agrave frente (p 240) ldquoquando enredo e sequecircncia narrativa caracterizaccedilatildeo e diaacutelogo satildeo predeterminados pelo
modelo a composiccedilatildeo torna-se muito mais uma questatildeo de escolha (ou criaccedilatildeo) da palavra correta [aptum] para o
contexto Daiacute a poesia romana comeccedilar com a preocupaccedilatildeo quanto agrave elocuccedilatildeo mas com escopo para a criatividade
linguiacutesticardquo (ldquowhen plot and narrative sequence character and dialogue are predetermined by the model
composition becomes very much a matter of choosing (or creating) the right word for the context Hence Roman
poetry began with concern for diction but with scope for linguistic creativityrdquo) Ideia de que discordamos em parte
pois tomando ainda Catulo e Horaacutecio como exemplos esses autores natildeo apenas testaram limites quanto ao ritmo
a meacutetrica a dicccedilatildeo ou elocuccedilatildeo como demonstraram que essa mesma elocuccedilatildeo o arranjo das palavras (verbis
serendis AP v 45) natildeo pode ser dissociada da invenccedilatildeo quanto agrave mateacuteria Horaacutecio faz epodos fracos Catulo nos
leva do epigrama agrave elegia (HASEGAWA 2010 OLIVA NETO 2006) Assim eacute possiacutevel que houve uma mudanccedila
de foco mais para a arte da escrita (com o desenvolvimento e divulgaccedilatildeo da escrita) no entanto a invenccedilatildeo ainda
permanece como condiccedilatildeo sine qua non do ofiacutecio dos compositores reacutetores poetas filoacutesofos professores etc 30 Cf Hunter (2005 p 481) ldquoevitar a larga via eacute uma questatildeo de usar o passado de modo inteligenterdquo (ldquoAvoiding
the lsquobroad highway [Caliacutemaco fr 1 21-28] is a matter of using the past intelligentlyrdquo)
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circunscrevecirc-la nesse sistema geneacuterico que como visto era responsivo competitivo feacutertil e
repleto de debates Nele circunscrita torna-se mais faacutecil compreender Ciacutecero quando diz
traduzir como orador e natildeo como imitador o foco natildeo estava em Demoacutestenes mas no proacuteprio
Ciacutecero que reconhece Demoacutestenes como modelo para utilizar inteligentemente para seu
propoacutesito que nem de longe se assemelha ao papel da traduccedilatildeo de hoje focada no autor do
original a fim de recuperar seus possiacuteveis sentidos originais e como ele os teria manifestado em
outro idioma
Assim nossa breve exposiccedilatildeo se encerra com base na hipoacutetese aqui aventada com a
seguinte questatildeo quando ocorreu e por que razotildees a mudanccedila de foco do olhar dos autores de
sua obra proacutepria original por invenccedilatildeo para o modelo ou seja o apagamento autoral ou a
separaccedilatildeo de papeacuteis ndash entre autores e tradutores diferentes na justa medida da maior ou menor
inventividade proacutepria em competiccedilatildeo com a do modelo ndash o nascimento do tradutor e de
traduccedilotildees enfim quando a imitaccedilatildeo servil como exerciacutecio formativo e relegada agraves salas de
aula tornou-se objetivo de traduccedilatildeo
Referecircncias Bibliograacuteficas
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sistema geneacuterico do periacuteodo tratado propostas de traduccedilatildeo como arte ou teacutecnica de verter em
uma o texto de outra liacutengua buscando-se o quanto possiacutevel proximidade fidelidade
correspondecircncia equivalecircncia enfim termos agrave primeira vista que soam como sinocircnimos mas
abordados de modo diferente por diversos tradutores em suas teorias proacuteprias Aliaacutes natildeo nos
parece sequer que existia a funccedilatildeo do tradutor como haacute hoje e sim a do autor
Contudo se natildeo havia uma teoria da traduccedilatildeo assim como havia artes retoacutericas ou
poeacuteticas e tratados filosoacuteficos existiam praacuteticas derivadas daquelas proacuteprias praacuteticas e teorias
de modo que podemos identificar a imitaccedilatildeo como precursora da traduccedilatildeo
Vejamos entatildeo en passant o que se dizia sobre imitaccedilatildeo (miacutemesis)
1 Imitar para inventar
No livro X da Repuacuteblica vemos Platatildeo discorrendo (596a-d) sobre imitaccedilatildeo de modo a
instaurar 3 niacuteveis utilizando o exemplo de uma cama o do criadordemiurgo (deus) o do
moveleiro e o do pintor em que este uacuteltimo estaacute na terceira categoria imitaccedilatildeo da imitaccedilatildeo
sendo possivelmente portanto mais distante e subjetiva dependente da interpretaccedilatildeo do olhar
do pintor que pode ser de perspectivas diferentes8 Eacute assim que defende a expulsatildeo dos poetas
pela possibilidade de criaccedilatildeo de ideias e representaccedilotildees falsas afastadas da verdade e entende-
se da sabedoria proacutepria dos filoacutesofos No Iacuteon 530b-c temos
καὶ τὴν τούτου διάνοιαν ἐκμανθάνειν μὴ
μόνον τὰ ἔπη ζηλωτόν ἐστιν οὐ γὰρ ἂν
γένοιτό ποτε ἀγαθὸς ῥαψῳδός εἰ μὴ
συνείη τὰ λεγόμενα ὑπὸ τοῦ ποιητοῦ τὸν
γὰρ ῥαψῳδὸν ἑρμηνέα δεῖ τοῦ ποιητοῦ
τῆς διανοίας γίγνεσθαι τοῖς ἀκούουσι
τοῦτο δὲ καλῶς ποιεῖν μὴ γιγνώσκοντα ὅτι
λέγει ὁ ποιητὴς ἀδύνατον9
[] e compreender a fundo o pensamento
dele ndash natildeo soacute os versos ndash eacute invejaacutevel
Porque um rapsodo jamais seria bom se
natildeo entendesse o que eacute dito pelo poeta eacute
preciso que o rapsodo seja para os
ouvintes o inteacuterprete do pensamento do
poeta E eacute impossiacutevel fazer belamente isso
sem saber aquilo que o poeta diz10
em que se percebe a diferenccedila entre διάνοιαν o pensamento que deve ser aprendido e as ἔπη
versos que o representam
Aristoacuteteles na Poeacutetica 1447b remete a Platatildeo com inferir que houvesse poetas mais
afeitos aos versos ndash ou ao metro (natildeo vamos aqui enveredar em distinccedilotildees dos termos) ndash do que
ao pensamento
8 Seguimos a traduccedilatildeo de Anna Lia Amaral de Almeida Prado (2006 p 381-386) 9 O texto grego foi retirado da paacutegina do Perseus da ediccedilatildeo John Burnet (1903) grifos nossos 10 Traduccedilatildeo de Andreacute Malta (2008 p 22-3) grifos nossos
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οὐδὲν γὰρ ἂν ἔχοιμεν ὀνομάσαι κοινὸν
τοὺς Σώφρονος καὶ Ξενάρχου μίμους καὶ
τοὺς Σωκρατικοὺς λόγους οὐδὲ εἴ τις διὰ
τριμέτρων ἢ ἐλεγείων ἢ τῶν ἄλλων τινῶν
τῶν τοιούτων ποιοῖτο τὴν μίμησιν πλὴν οἱ
ἄνθρωποί γε συνάπτοντες τῷ μέτρῳ τὸ
ποιεῖν ἐλεγειοποιοὺς τοὺς δὲ ἐποποιοὺς
ὀνομάζουσιν οὐχ ὡς κατὰ τὴν μίμησιν
ποιητὰς ἀλλὰ κοινῇ κατὰ τὸ μέτρον
προσαγορεύοντες11
Efetivamente natildeo temos denominador
comum que designe os mimos de Soacutefron e
de Xenarco os diaacutelogos socraacuteticos e
quaisquer outras composiccedilotildees imitativas
executadas mediante triacutemetros jacircmbicos
ou versos elegiacuteacos ou outros versos que
tais Poreacutem ajuntando agrave palavra ldquopoetardquo o
nome de uma soacute espeacutecie meacutetrica
aconteceu denominarem-se a uns de
ldquopoetas elegiacuteacosrdquo a outros de ldquopoetas
eacutepicos designando-os assim natildeo pela
imitaccedilatildeo praticada mas unicamente pelo
metro usado
Ou seja para Aristoacuteteles natildeo faria parte essencial da imitaccedilatildeo o metro de modo que esta
se refira agrave mateacuteria
Em latim tem-se como correlativo de miacutemesis o termo imitatio Na Retoacuterica a Herecircnio
eacute assim definido
Haec omnia tribos adsequi poterimus
arte imitatione exercitatione [] Imitatio
est qua impellimur cum diligenti ratione
ut aliquorum similes in dicendo valeamus
esse
Tudo isso poderemos alcanccedilar por trecircs
meios arte imitaccedilatildeo e exerciacutecio []
Imitaccedilatildeo eacute o que nos estimula com
meacutetodo cuidado a que logremos ser
semelhantes a outros no dizer12
Sem contudo maior desenvolvimento Mas Ciacutecero amplia o conceito (De or II 90-
91) dando aliaacutes acepccedilotildees negativas da imitatio realizada de modo servil (como Horaacutecio
tambeacutem criticaraacute)
Ergo hoc sit primum in praeceptis meis ut
demonstremus quem imitetur atque ita
ut quae maxime excellent in eo quem
imitabitur ea diligentissime persequatur
tum accedat exercitatio qua illum quem
delegerit imitando effingat atque
exprimat non ut multos imitatores saepe
cognovi qui aut ea quae facilia sunt aut
etiam illa quae insignia ac paene vitiosa
consectantur imitando13
Portanto seja este o primeiro de meus
preceitos indicar aquele que se haacute de
imitar e de tal forma que se busquem com
maior zelo os elementos que mais se
sobressaem naquele que se imitaraacute Some-
se a isso entatildeo o exerciacutecio no qual possa
pela imitaccedilatildeo reproduzir e representar
aquele que se escolheu poreacutem natildeo como
muitos dos imitadores que vi em diversas
ocasiotildees que procuram imitar os
elementos faacuteceis ou mesmo aqueles que
satildeo particulares e quase viciosos Nada eacute
11 O texto grego foi retirado da paacutegina Perseus da ediccedilatildeo de R Kassel Aristotles Ars Poetica Oxford Clarendon
Press 1966 A propoacutesito cumpre citar que no periacuteodo citado e no paraacutegrafo seguinte Kassel traduz
sucessivamente μίμησις por ldquorepresentationrdquo (ldquorepresentaccedilatildeordquo) Em traduccedilatildeo recente (PINHEIRO 2017)
encontramos as duas ocorrecircncias traduzidas por mimese 12 Texto latino e traduccedilatildeo de Faria e Seabra (2005 p 55 apud SCATOLIN 2005 p 51) 13 Texto latino extraiacutedo da paacutegina do Perseus estabelecido por A S Wilkins (1902)
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mais faacutecil do que imitar o modo de algueacutem
se vestir sua postura ou seus movimentos
(SCATOLIN 2005 p 216)
No passo citado Ciacutecero evidencia que haacute modelos a imitar no entanto especifica que
essa imitaccedilatildeo se daacute com ldquomaior zelordquo quanto aos ldquoelementos que mais se sobressaemrdquo Ou seja
abre-se espaccedilo para o autorimitador criar de modo inteligente a partir do modelo a fim de natildeo
incorrer no erro daqueles segundo o arpinate que imitam somente ldquoelementos faacuteceis ou mesmo
aqueles que satildeo particularesrdquo Mais quando diz nada ser mais faacutecil que imitar as vestes ou
movimentos de outrem parece-nos que Ciacutecero tem em mente ndash ou ao menos ecoa ndash a proacutepria
ideia ou semelhante de Aristoacuteteles (1447b supracitado) a respeito da diferenccedila entre o
pensamento e o verso as palavras
Discussotildees ou menccedilotildees semelhantes ocorrem tambeacutem em Quintiliano como no livro X
(em 2 27) ldquoA imitaccedilatildeo entretanto (pois eacute preciso repetir com frequecircncia) natildeo reside somente
nas palavrasrdquo14 em Secircneca na suasoacuteria 37 quando traz ldquoGeliatildeo dizia que isto tinha agradado
muito ao seu Nasatildeo [Oviacutedio] e assim ele fez aquilo que fizera em muitos outros versos de
Vergiacutelio natildeo para roubar mas para tomar de empreacutestimo claramente desejando que isso fosse
reconhecidordquo15
Se esses satildeo alguns dos testemunhos sobre imitaccedilatildeo no acircmbito da retoacuterica na poesia
recorremos a Horaacutecio na Arte Poeacutetica (137-135 309-318)
publica materies privati iuris erit si
non circa vilem patulumque moraberis
orbem
nec verbo verbum curabis reddere fidus
interpres nec desilies imitator in artum
unde pedem proferre pudor vetet aut
operis lex
nec sic incipies ut scriptor cyclicus olim
fortunam Priami cantabo et nobile
bellum
[]
Mateacuteria de domiacutenio puacuteblico seraacute de direito
privado se natildeo te demorares em volta de
um ciacuterculo batido e aberto se natildeo te
preocupares em verter fiel tradutor
palavra por palavra se natildeo caiacuteres
imitador num buraco de onde o pudor ou
a lei do gecircnero te proiacutebam tirar o peacute e se
natildeo comeccedilares assim como outrora o
escritor ciacuteclico ldquoA Fortuna de Priacuteamo
cantarei e a guerra famosardquo17
[]
O saber eacute o princiacutepio e a fonte do bem
escrever Os escritos socraacuteticos poderatildeo te
14 Texto latino extraiacutedo de ediccedilatildeo de Harold Edgeworth Butler 1922 ldquoimitatio autem (nam saepius idem dicam)
non sit tantum in verbisrdquo 15 Traduccedilatildeo de Artur Costrino (2011 p 68) No original (p 110) ldquohoc autem dicebat Gallio Nasoni suo valde
placuisse itaque fecisse illum quod in multis aliis versibus Vergilii fecerat non subripiendi causa sed palam
mutuandirdquo 17 Traduccedilatildeo fornecida pelo Dr Joatildeo Angelo Oliva Neto em sala de aula durante curso de poacutes-graduaccedilatildeo na
Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da Universidade de Satildeo Paulo no primeiro semestre de 2018
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scribendi recte sapere est et principium et
fons
rem tibi Socraticae poterunt ostendere
chartae
verbaque provisam rem non invita
sequentur
qui didicit patriae quid debeat et quid
amicis
quo sit amore parens quo frater amandus
et [hospes
quod sit conscripti quod iudicis officium
quae
partes in bellum missi ducis ille profecto
reddere personae scit convenientia cuique
respicere exemplar vitae morumque
iubebo
doctum imitatorem et vivas hinc ducere
voces16
mostrar a mateacuteria e as palavras seguiratildeo
natildeo de maacute vontade a mateacuteria prevista
Quem aprendeu o que eacute devido agrave paacutetria o
que eacute a amizade o que eacute o amor aos pais
como amar um irmatildeo e um estrangeiro
qual a funccedilatildeo do senador qual a do juiz
quais os atributos de um comandante
enviado agrave guerra esse com certeza sabe o
que conveacutem a cada [tipo] de pessoa Devo
ordenar o imitador experiente a olhar o
exemplo da vida e dos costumes e daiacute
extrair as expressotildees vivas
No primeiro excerto Horaacutecio ainda que se dirija a quem queira adentrar a seara poeacutetica
distingue dois tipos de accedilatildeo ao associar ao tradutor agrave palavra e o gecircnero ao imitador Como
foge do escopo deste trabalho natildeo nos ateremos na compreensatildeo de qual seria essa diferenccedila
em Horaacutecio entre tradutor e imitador basta que haja essa disposiccedilatildeo distinta entre um e outro
No entanto urge notar que no segundo excerto ao imitador ordena-se olhar o exemplo da vida
e dos costumes sendo jaacute doctum para que sua expressatildeo seja ldquovivardquo Andrew Laird (1999 p
310) vecirc nessa expressatildeo a combinaccedilatildeo de dois sentidos para a imitaccedilatildeo quais sejam como
coacutepia de modelos e como representaccedilatildeo18 Inferimos ainda da expressatildeo uma praacutetica impliacutecita
da imitaccedilatildeo de modelos nos estudos formativos como os apontados por Teatildeo (MANOEL
2014) que propiciaratildeo ao experiente imitador arcabouccedilo necessaacuterio para trilhar seu proacuteprio
caminho natildeo mais imitando modelos e sim a proacutepria vida inventando quer seja em acircmbito
filosoacutefico poeacutetico ou retoacuterico Aleacutem disso natildeo podemos deixar de concordar com Harvey
quanto ao menos um objetivo dos autores antigos a saber alcanccedilar a fama tornando-se modelo
o que era possiacutevel justamente por essa replicaccedilatildeo paraacutefrase e estudo de modelos anteriores19
16 Texto latino extraiacutedo da paacutegina do projeto Perseus ediccedilatildeo de C Smart (1836) 18 Assim ele traduz ldquoI will order the learned imitator to look to the model of life and morals and draw his utterances
living from thererdquo E explica ldquoThe phrase doctum imitatorem (lsquolearned imitatorrsquo) presupposes both the priority of
imitating models and the necessity of the imitator being well versed in those modelsrdquo (A expressatildeo doctum
imitatorem (imitador experiente) pressupotildee tanto a prioridade da imitaccedilatildeo de modelos como a necessidade de o
imitador ser bem versado nesses modelosrdquo 19 Cf Harvey (1955 p 157) ldquoIf we do not know the purpose for which a given poem was written or the
conventions which governed its form we are deprived of what the greeks regarded as one of the main criteria for
assessing its qualityrdquo (ldquoSe natildeo sabemos o propoacutesito para o qual determinado poema foi escrito ou as convenccedilotildees
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Da exposiccedilatildeo feita ateacute aqui por conseguinte percebemos como o conceito de mimese
ou imitaccedilatildeo possui sentidos diferentes ora mais filosoacuteficos e relacionados a ideias ora mais
objetivos e relacionados agraves proacuteprias palavras escritas de algum autor20
Poreacutem seja qual for o sentido eacute condenaacutevel a imitaccedilatildeo que vise agrave replicaccedilatildeo o que
aliaacutes Quintiliano diz ser impossiacutevel (Inst or X 2 10-11) de modo que a imitaccedilatildeo tem como
ldquofiltrordquo imprescindiacutevel a maior ou menor habilidade de um autor letrado
Portanto a invenccedilatildeo mira a originalidade que ocorre se eacute executada com ecircxito e poderaacute
alccedilar o autor agrave eternidade ou agrave primazia quer seja como um entre o rol dos liacutericos com uma
obra mais perene que o bronze como um Propeacutercio ao dizer-se o Caliacutemaco romano entre outros
exemplos
Se pareceu abrupta nossa mudanccedila de contexto grego para romano da poesia para a
retoacuterica ou seja do verso para a prosa eacute que entendemos que tal diferenccedila resida na
manifestaccedilatildeo isto eacute da accedilatildeo concreta da imitaccedilatildeo que se daacute por meio dos gecircneros (do qual
aquela natildeo se dissocia) como veremos a seguir 21
que governam sua forma ficamos privados do que os gregos consideravam como um dos principais criteacuterios para
compreender sua qualidaderdquo) Sobre a memorizaccedilatildeo e repeticcedilatildeo de modelos e sua relevacircncia no cenaacuterio claacutessico
com a ideia de novidade emergindo da invenccedilatildeo justamente pela multiplicaccedilatildeo e proliferaccedilatildeo de modelos ver
Muckelbauer (2003) 20 Discussatildeo pormenorizada desses sentidos pode ser encontrada em Muckelbauer (2003) como agrave paacutegina 243 em
que recupera desenvolvimentos de outros dois estudiosos ldquoEdward P J Corbett nicely summarizes McKeonrsquos
three primary meanings lsquo1) the Platonic notion of an image-making faculty which produces extensions of ideal
truth in the phenomenal world 2) the Aristotelian notion of the representation of human actions and 3) the
rhetorical notion of copying simulating emulating modelsrdquo (E P J C resume bem os trecircs sentidos principais de
McKeon lsquoa noccedilatildeo platocircnica de uma faculdade imageacutetico-criadora que produz extensatildeo de uma verdade ideal no
mundo fenomecircnico 2) a noccedilatildeo aristoteacutelica de representaccedilatildeo das accedilotildees humanas e 3) a noccedilatildeo retoacuterica de coacutepia
simulaccedilatildeo emulaccedilatildeo de modelosrdquo Divisotildees que o autor havia explicitado anteriormente agrave paacutegina 65 ldquoThe
imitation of an ideal world by the actual world became the province of ancient philosophy the imitation of the
actual world by a poet or actor became the concern of ancient literature and the imitation of a renowned orator or
teacher by a student became the terrain of ancient rhetoricrdquo (A imitaccedilatildeo de um mundo ideal pelo mundo real
tornou-se mateacuteria da filosofia antiga a imitaccedilatildeo do mundo real por um poeta ou ator tornou-se preocupaccedilatildeo da
literatura antiga e a imitaccedilatildeo de um orador renomado ou professor por um estudante tornou-se terreno da retoacuterica
antiga) 21 Geralmente classificam-se os textos antigos como pertencentes agrave filosofia agrave retoacuterica ou agrave poesia Poreacutem se
temos autores adultos escrevendo em uma ou mais aacutereas eacute porque a educaccedilatildeo baacutesica ndash em analogia ao ensino
institucionalizado de hoje guardadas as devidas proporccedilotildees ndash que tiveram jaacute os preparara para tal Nisto remetemos
a trabalho aos progymnaacutesmata ou praeexercitamina com seus exerciacutecios de reproduccedilatildeo paraacutefrase amplificaccedilatildeo
e especificamente na retoacuterica hipoacuteteses ou controveacutersias bem como um dos autores ndash talvez o mais antigo de que
tenhamos um manual ndash Eacutelio Teatildeo que diz (MANOEL 2014 p 30) ldquoIncluiacute essas coisas natildeo julgando todas uacuteteis
a todos os iniciantes mas para que saibamos que exerciacutecios satildeo muito importantes natildeo soacute para os que estatildeo prestes
a discursar como tambeacutem a quem queira partilhar da faculdade dos poetas dos historiadores e dos outros
discursosrdquo no original (PATILLON 1997 p 9) ldquoταῦτα μὲν οὖν παρεθέμην οὐ νομίζων μὲν ἅπαντα εἶναι πᾶσιν
ἀρχομένοις ἐπιτήδεια ἀλλ ἵνα ἡμεῖς εἰδῶμεν ὅτι πάνυ ἐστὶν ἀναγκαῖον ἡ τῶν γυμνασμάτων ἄσκησις οὐ μόνον
τοῖς μέλλουσι ῥητορεύειν ἀλλὰ καὶ εἴ τις ἢ ποιητῶν ἢ λογοποιῶν ἢ ἄλλων τινῶν λόγων δύναμιν ἐθέλει
μεταχειρίζεσθαιrdquo Pois Teatildeo dissera anteriormente ldquoAntes de tudo o professor deve apresentar aos jovens os
bons exemplos recolhidos das letras antigas para que aprendam e guardem na memoacuteria tal como o da chreia que
haacute em Platatildeo no primeiro livro da Repuacuteblicardquo Do original vale destacar a expressatildeo ldquoπαλαιῶν συγγραμμάτωνrdquo
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Eacute informaccedilatildeo oacutebvia que para surgir um sistema de gecircneros havia mesmo que de modo
impliacutecito convenccedilotildees reconhecidas a respeito das composiccedilotildees escritas No entanto a
imprecisatildeo que vemos em autores gregos e a posterior crise dos gecircneros22 que se inicia com os
heleniacutesticos denota que tal sistema natildeo fosse estaacutevel ou livre de dissensotildees23
De acordo com nosso propoacutesito natildeo percorreremos definiccedilotildees e prescriccedilotildees a respeito
de gecircneros mas chamaremos a atenccedilatildeo para dois conceitos a poikilia (variedade) e a polyeideia
(pluralidade de gecircneros) A poikilia ocorre jaacute no periacuteodo claacutessico em Piacutendaro (Piacuteticas 9 76-
78)
ἀρεταὶ δ αἰεὶ μεγάλαι πολύμυθοι
βαιὰ δ ἐν μακˈροῖσι ποικίλλειν
ἀκοὰ σοφοῖς ὁ δὲ καιρὸς ὁμοίως
παντὸς ἔχει κορυφάν
Grandes virtudes satildeo sempre muito
faladas mas variegar pequenas entre
grandes coisas
eacute o que ouvem os saacutebios O oportuno
igualmente eacute de tudo o remate 24
para se referir agraves ldquoletras antigasrdquo (PATILLON 1997 p 9) em ldquoΠῶρτὸν μὲν ἁπάντων χρὴ τὸν διδάσκαλον ἑκάστου
γυμνάσματος εὖ ἔχοντα παραδείγματα ἐκ τῶν παλαιῶν συγγραμμάτων ἀναλεγόμενον προστάττειν τοῖς νέοις
ἐκμανθάνειν οἷον χρείας μὲν ὁποία ἐστὶν ἡ παρὰ Πλάτωνι ἐν τῷ πρώτῳ τῆς πολιτείαςrdquo expressatildeo que Patillon
traduz por ldquoles ouvrages des anciensrdquo e Kennedy (2003 p 9) verte para o inglecircs do seguinte modo ldquoancient prose
works Ademais utilizamos ldquoletras antigasrdquo para compreender prosa e verso pois como diz Christian Werner
(WERNER SEBASTIANI DOURADO-LOPES 2014 p 14 e 15) ldquoentre os gregos poreacutem natildeo haacute nenhum
termo que abarque prosa e verso [] um termo que nas praacuteticas gregas se aproximou bastante do sentido em
questatildeo foi mousikecirc termo nuclear para aquilo que J Herington chamou de ldquocultura da canccedilatildeordquo e aqui vale
lembrar das palavras de Harvey (1955 p 5 e 28) quanto agrave poesia arcaica ldquoThus the opposition between what we
may call song and poetry is a mimesis or imitation of the fundamental opposition between singing and speaking
(Assim a oposiccedilatildeo entre o que podemos chamar canccedilatildeo e poesia eacute uma mimese ou imitaccedilatildeo da oposiccedilatildeo
fundamental entre o cantar e o falar) e ldquoWritten is not something that is not oral rather it is some thing in addition
to being oral and that additional something will vary from society to society It is dangerous to universalize the
phenomenon of literacyrdquo (O escrito natildeo eacute uma coisa natildeo oral eacute sim um algo a mais aleacutem de oral e esse algo a
mais variaraacute de sociedade a sociedade Eacute perigoso universalizar o fenocircmeno do letramento) Em Ciacutecero o sistema
do gecircnero e as diferenccedilas entre prosa e poesia jaacute parecem ser mais bem demarcados do que eram na eacutepoca de
Aristoacuteteles 22 Ford (2002 p 252-3) fala em hibridismo em Goacutergias pois no programaproacutelogo do elogio a Helena fala em
dizer o que deve ser dito e refutar falsas acusaccedilotildees uma vez que teria sido acusado por Isoacutecrates de fugir agrave lei do
gecircnero e fazer uma apologia em vez de um elogio Isoacutecrates em Antidosis no paraacutegrafo 47 diz ter desenvolvido
seu proacuteprio gecircnero mais poeacutetico e com estilo adornado Mais um exemplo o jaacute citado Harvey (1955 p 160 e
166) diz numa passagem que os epiniacutecios de Piacutendaro natildeo satildeo todos a rigor epiniacutecios de modo que tenham sigo
organizados segundo loacutegica diferente e que o reacutetor Menandro teria dito que um hino escrito para Apolo eacute chamado
peatilde mas ditirambo quando para Dioniso 23 Ver Farrel (2003 p 388) ldquoCom o tempo encontra-se um senso de aventura cada vez maior ateacute que no periacuteodo
heleniacutestico e romano chega a parecer que testar e mesmo violar limites geneacutericos natildeo era meramente uma
consequecircncia inevitaacutevel e acidental de escrever em qualquer gecircnero mas um importante aspecto da arte do poetardquo
(No original ldquoWith time one finds an ever-greater sense of adventure until by the Hellenistic and Roman periods
it comes to seem that testing and even violating generic boundaries was not merely an inevitable and accidental
consequence of writing in any genre but an important aspect of the poets craftrdquo) 24 Traduccedilatildeo de Joatildeo Angelo Oliva Neto para o referido curso de poacutes-graduaccedilatildeo a quem agradeccedilo a apresentaccedilatildeo
de ambos os conceitos e das fontes A traduccedilatildeo seguinte tambeacutem eacute dele
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O termo ocorre tambeacutem nas Oliacutempicas (6 85-87) e em Aristoacuteteles na Poeacutetica (XIII
1459a 34)
Jaacute a polyeacuteideia ocorre num comentaacuterio (Diegesis 9 32-35) antigo a um verso do Iambo
13 de Caliacutemaco (frag 203 Pfeiffer)
Ἐν τούτῳ πρὸς τοὺς καταμεμφομένους αὐτὸν
ἐπὶ τῇ πολυειδείᾳ ὧν γράφει ποιημάτων
ἀπαντῶν φησιν ὅτι Ἴωνα μιμεῖται τὸν
τραγικόν ἀλλ οὐδὲ τὸν τέκτονά τις μέμφεται
πολυειδῆ σκεύη τεκταινόμενον
Neste [poema] [dirigindo-se] aos que o
reprovam pela pluralidade de gecircneros de
todos poemas que escreve [Caliacutemaco] diz
que imita o tragedioacutegrafo Iacuteon mas
ningueacutem de fato censura o artiacutefice que
faz multiacutegenos utensiacutelios
Caliacutemaco assim tanto busca variegar como faz uma pluralidade de gecircneros ndash
manifestaccedilotildees da invenccedilatildeo sem deixar de citar como modelo Mimnermo para ser o primeiro
em novo trilho (frag 1 Pfeiffer 21-25 traduccedilatildeo e Joatildeo Angelo Oliva Neto)
ldquoo incenso aedo o mais espesso eacute o que conveacutem
me dar a Musa amigo delicada
Ordeno-te natildeo vaacutes por onde os carros trilham
nem sobre o mesmo alheio rasto a roda
leves nem vaacutes agrave larga via mas a estrada
natildeo batida por mais que estreita sigasrdquo
Cumpre aqui notar a relevacircncia de Caliacutemaco tanto por ser criacutetico como poeta uma vez
que como bibliotecaacuterio organizou iacutendice de autores e obras os piacutenakes que hoje chamamos
ldquocataacutelogosrdquo Sua importacircncia eacute capital porque evidencia parte dessa poeacutetica heleniacutestica que teraacute
influenciado Catulo e Horaacutecio
O livro de Catulo eacute emblemaacutetico porque reflete a poeacutetica heleniacutestica e a influecircncia de
Caliacutemaco eacute um livro variegado e tambeacutem plural quanto aos gecircneros jaacute que possui uma primeira
parte polimeacutetrica e uma segunda monomeacutetrica em diacutesticos elegiacuteacos e apresenta poemas com
caracteriacutesticas diacutespares como epigramas e mesmo elegias com destaque poreacutem a seu caraacuteter
ligeiro (OLIVA NETO 1996)
Nas Odes Horaacutecio segue ediccedilotildees alexandrinas para ordenar o livro quanto aos hinos
seja assemelhando-se aos modelos como no caso do primeiro livro imitando Alceu ou
afastando-se como no caso de Safo que faz hino a Afrodite ao passo que o poeta a tenta afastar
Aleacutem disso as sequecircncias riacutetmicas ou seja os metros indicam seccedilotildees proacuteprias e relacionam as
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odes25 e Horaacutecio busca tornar-se ele tambeacutem modelo como em IV 6 (vv 43-44 ldquodei carme
grato aos deuses aprendendo do vate Horaacutecio os metrosrdquo (aqui sigo as ideias e utilizo a
traduccedilatildeo de Alexandre Hasegawa 2012) Tambeacutem eacute poeta variegado e trabalha com os limites
do gecircnero como no livro dos epodos em que apresenta dois (14 e 15) com elementos liacutericos
bem como se insere entre os primeiros no gecircnero ndash ainda que Catulo tenha feito iambos ndash na
Epist 1 19 vv 20-24 ldquoEu por primeiro pus meus peacutes em campo livre e natildeo pisei pegadas
alheias Quem confiar em si conduziraacute o enxame Eu fui o primeiro que mostrei ao Laacutecio os
iambos Paacuterios imitando o ritmo e o acircnimo de Arquiacuteloco natildeo a mateacuteria e as palavras dirigidas
a Licambesrdquo (HASEGAWA 2010 p 79 traduccedilatildeo dos versos por Joatildeo Angelo Oliva Neto)
2 Tradutor imitador ou autor
E agora onde entra a traduccedilatildeo nesta histoacuteria Segundo a discussatildeo e os passos
apontados deduzimos em linhas gerais que o espiacuterito claacutessico o zeitgeist hegeliano dos
autores os incitava agrave inventividade agrave originalidade a testar os limites a superar os modelos ndash
para se tornar modelos ndash a escolher caminhos estreitos Enfim cenaacuterio que em pouco mais de
trezentos anos presenciou muitas guerras e transformaccedilotildees hegemonias gregas com Atenas
Esparta as conquistas de Alexandre O Grande e a dominaccedilatildeo imposta por Roma Contexto
agoniacutestico e de competitividade poliacutetica militar e como natildeo poderia deixar de ser nas
composiccedilotildees escritas Eacute por isso e a ausecircncia de um tratado-testemunho sobre uma arte ou
teacutecnica da traduccedilatildeo que o corrobore que dificilmente podemos conceber um autor aplicado a
ldquopublicarrdquo a obra de outro autor e natildeo proacutepria portanto sem sua autoridade assumindo-se
como imitador da mateacuteria do ritmo e das palavras enfim do gecircnero Muitos testemunhos
mencionam ou falam da imitaccedilatildeo mas quantos autores temos assumindo-se como imitadores
sem ter feito qualquer inovaccedilatildeo no gecircnero seja com mateacuteria seja com ritmo diferente
Destarte sugerimos que usar o termo ldquotraduccedilatildeordquo ou ldquotradutorrdquo para denominar as obras
e os autores antigos eacute anacronismo uma vez que natildeo podemos encontrar teorias antigas a
respeito disso mas somente teacutecnicas e artes de composiccedilatildeo em que a invenccedilatildeo senatildeo expliacutecita
eacute impliacutecita Contudo natildeo ousamos radicalizar e certamente estudantes treinavam com
25 Trata-se da alternacircncia Ver Hasegawa (2016 sobretudo nota de rodapeacute 60 agrave paacutegina 144 em que arrola
bibliografia e menciona a alternacircncia de estrofes alcaicas e saacuteficas no livro das Odes de Horaacutecio diacutesticos elegiacuteacos
e hendecassiacutelabos faleacutecios na Priapeia latina eacuteclogas dramaacuteticas e narrativas nas Bucoacutelicas de Vergiacutelio e
Calpuacuternio
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reproduzir textos de outros autores de uma liacutengua a outra sem no entanto entenderem isso
como uma arte ou teacutecnica proacutepria mas como uma imitaccedilatildeo e se ldquofielrdquo bem por isso condenaacutevel
e abaixo da dignidade que a autoridade de um poeta exigia26 Essas balizas satildeo aquelas que
norteiam e da qual derivam as modernas teorias da traduccedilatildeo as leis do gecircnero E quando
dissemos ldquocrise dos gecircnerosrdquo natildeo queremos nos referir a um evento de fato e sim a um lugar-
comum inerente agraves composiccedilotildees quer seja em poesia quer em prosa uma vez que tanto poetas
como reacutetores (cf os proecircmios de livros como Retoacuterica a Herecircnio De inuentione De oratore
os manuais de Eacutelio Teatildeo Hermoacutegenes entre outros em que cada um inaugura seu tratado ou
teoria dizendo inovar em relaccedilatildeo aos predecessores) O que nos parece ponto fechado eacute que os
autores heleniacutesticos tinham como princiacutepio impliacutecito o dever de conhecer profundamente seus
modelos a fim de justamente por isso natildeo os repetir mas com eles competir ou para usar do
jargatildeo emular
Um caso poreacutem nos chama a atenccedilatildeo Catulo no poema 65 15-16 (OLIVA NETO
1996 p 133)
sed tamen in tantis maeroribus Ortale
mitto
haec expressa tibi carmina Battiadae
em tanta dor poreacutem te envio oacute Hoacutertalo
estes versos vertidos de Caliacutemaco
Em face agrave deduccedilatildeo que realizamos se torna espantoso em um primeiro momento nesse
cenaacuterio um autor reconhecer ter traduzido outro sem inventar isto eacute aparentemente sem
adaptar inteligentemente ou refundir o modelo no entanto ainda que tenha feito Catulo o fez
somente de modo segmentado natildeo de todo o poema o que teria sido uma imitaccedilatildeo servil e
condenaacutevel mas somente de um trecho incluindo-o em outro ambiente (poemas matrimoniais)
diferente embora em livro variegado e com pluralidade de gecircneros Seria assim uma inovaccedilatildeo
catuliana inserir em sua obra de modo anunciado publicamente uma traduccedilatildeo aparentemente
servil pois natildeo eacute de fato jaacute que refunde o modelo apesar de mantecirc-lo o mais possiacutevel
aproximado da liacutengua de chegada com inseri-lo em ambiente diverso do original Ressalve-se
que o original se refere ao fragmento 110 (Pfeiffer) do final do livro IV dos Aitia de Caliacutemaco
do qual temos poucos versos para comparar ao texto latino que tradicionalmente tem sido
utilizado para maior compreensatildeo do texto grego Carmina expressa aponta o verbo exprimere
26 ldquo[] eacute equivocado tambeacutem buscar para cada poema ou verso latino um modelo como se o poeta fosse obrigado
a imitar a cada palavra que escrevesse Se a imitaccedilatildeo eacute conceito importante para poetas latinos e praacutetica frequumlente
(mesmo a imitaccedilatildeo servil deveria ser constante caso contraacuterio natildeo haveria condenaccedilatildeo de Horaacutecio e Quintiliano)
eacute estimulada tambeacutem a inovaccedilatildeo no gecircnero que torna o escritor verdadeiramente auctorrdquo (HASEGAWA 2010
p 79)
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que entendemos com Joatildeo Angelo Oliva Neto por decalque Desse modo Catulo seria uma
exceccedilatildeo agrave regra ou ao menos o primeiro a fazecirc-lo publicamente mantendo a dignidade autoral
como poeta haacutebil e cujo testemunho nos chegou27 Mas ao fazer isso Catulo demonstra aos
leitores atentos sua capacidade de ser original ainda quando aparente servilismo testando as
teorias expliacutecitas e impliacutecitas das composiccedilotildees poeacuteticas e recepccedilotildees dos leitores
Ciacutecero (De optimo genere oratorum 14) Pliacutenio (VII 9) e Aulo Geacutelio (Noctes Atticae
991) utilizaratildeo o termo vertere infracitados respectivamente
Converti enim ex Atticis duorum
eloquentissimorum nobilissimas orationes
inter seque contrarias Aeschinis et
Demosthenis nec converti ut interpres
sed ut orator sententiis isdem et earum
formis tamquam figuris verbis ad nostram
consuetudinem aptis
Verti entatildeo dos aacuteticos dois discursos
notaacuteveis e contraacuterios entre si um de
Eacutesquines outro de Demoacutestenes autores
dos mais eloquentes E natildeo os verti como
um inteacuterprete mas como um orador
usando os mesmos argumentos tanto na
sua forma quanto nas suas figuras de
linguagem em termos adequados agrave nossa
cultura
1 Quaeris quemadmodum in secessu quo
iam diu frueris putem te studere oportere
Utile in primis et multi praecipiunt vel ex
Graeco in Latinum vel ex Latino vertere in
Graecum 2 Quo genere exercitationi
proprietas splendorque verborum copia
figurarum vis explicandi praeterea
imitatione optimorum similia inveniendi
facultas paratur
1 Vocecirc pergunta como eu acho que lhe
conveacutem estudar no tempo livre de que jaacute
desfruta haacute um bom tempo Sobretudo
proveitosamente E muitos receitam verter
do grego ao latim e do latim ao grego 2
Esse eacute um tipo de exerciacutecio que propicia
seguranccedila e brilho com as palavras
inventaacuterio de imagens e tino
argumentativo bem como por meio da
imitaccedilatildeo dos melhores a faculdade de
inventar obras similares
Quando ex poematis Graecis vertendae
imitandaeque sunt insignes sententiae
non semper aiunt enitendum ut omnia
omnino verba in eum in quem dicta sunt
modum vertamus
Quando de poemas gregos eacute necessaacuterio
verter e imitar sentenccedilas notaacuteveis nem
sempre dizem se deve empenhar para
verter absolutamente todas as palavras
daquele mesmo modo com que foram
ditas
27 Cf Oliva Neto (1996 p 22) Os intelectuais heleniacutesticos percebiam ser irreversiacutevel a consolidaccedilatildeo da escrita e
embora fossem bem conscientes do abalo produzido por ela no mundo oral jamais contemplaram seus
predecessores como quem observa inimigos vencidos Ao contraacuterio a proacutepria escrita e a consciecircncia de serem
escribas o apego ao livro como qualquer nova atitude ligada agrave cultura tinham apoio e justificaccedilatildeo no fato de
servir ao legado dos antecessores preservando-o o que outra coisa natildeo eacute que o sentido dialeacutetico da tradiccedilatildeo
tinham de ser conspicuamente diferentes deles para continuar a exercer em outras circunstacircncias a mesma funccedilatildeo
de poetas Percebendo ser outra a dinacircmica da produccedilatildeo cultural graccedilas precisamente agrave escrita os poetas
heleniacutesticos para inserir-se nessa tradiccedilatildeo e continuaacute-la tiveram muita vez que explicitar o caraacuteter graacutefico de sua
obra
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O interpres de Horaacutecio (fidus interpres v 134 da AP) parece evocar o interpres de
Ciacutecero ainda que em contextos diferentes uma vez que condenam o servilismo de verter
palavra por palavra tendo em vista que o orador tem como primeira atividade encontrar os
argumentos adequados isto eacute o pensamento para depois vesti-los
Ademais natildeo satildeo poucas as definiccedilotildees para artiacutefices e suas obras independentemente
se em prosa ou verso filoacutesofos reacutetores poetas todos auctores com suas mais diferentes obras
como tratados epiacutestolas diaacutelogos eacutepica liacuterica elegia ditirambos etc Mas quais os termos para
o tradutor e para a traduccedilatildeo Natildeo encontramos bem porque tal funccedilatildeo natildeo fosse reconhecida agrave
eacutepoca O que mais se aproxima dessa ideia eacute o conceito do lado negativo condenaacutevel da
imitatio daiacute Horaacutecio com ldquose natildeo caiacuteres imitadorrdquo em que imitator qualifica o executor da
mera imitatio servil isto eacute que natildeo inventa que natildeo refunde que natildeo se lanccedila como inovador
Tambeacutem poderiacuteamos utilizar interpres poreacutem devemos encerrar a exposiccedilatildeo para respeitar a
lei do gecircnero e o termo carece de anaacutelise de seus empregos significados e etimologia mais
minuciosa
Consideraccedilotildees finais
Fala-se amiuacutede de Liacutevio Andronico como tradutor da Odisseia bem como outros
autores latinos No entanto dessa imitaccedilatildeo como preferimos chamar natildeo sobram mais que
cinquenta versos e haacute de se analisar o quanto sejam ou natildeo imitaccedilotildees servis em vez de
traduccedilotildees como hoje chamamos (o mesmo para o poema 66 de Catulo com relaccedilatildeo aos
fragmentos calimaquianos) E Liacutevio Andronico atesta Ciacutecero foi auctor de peccedilas Natildeo se
enquadra na funccedilatildeo de tradutor servil e o ritmo escolhido para sua versatildeo da Odisseia eacute feito
no verso saturnino que natildeo corresponde ao hexacircmetro
Desse modo discordamos de Kennedy (2008 p 224) a respeito da comeacutedia de Plauto
com dizer
[] para nossos objetivos o principal significado da comeacutedia plautina
reside em demonstrar quatildeo longe um ldquotradutorrdquo pode ir na mudanccedila da
forma e do conteuacutedo de seu modelo Esta eacute a primeira explosatildeo de
virtuosismo linguiacutestico na literatura romana e as liberdades de Plauto
na estrutura dramaacutetica e caracterizaccedilatildeo satildeo equilibradas pela
versatilidade de seu ritmo liacuterico e corrente e por todo tipo de jogo com
som e sentido numa fantasia verbal extravagantemente estilizada
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Traduccedilatildeo como imitaccedilatildeo foi suplantada pela exploraccedilatildeo do modelo
como veiacuteculo para a linguagem pessoal do poeta Romano28
Pois natildeo vemos tanto em Liacutevio Andronico quanto em Plauto diferenccedila a respeito da
imitaccedilatildeo que continua sendo fusatildeo de um modelo e veiacuteculo para manifestar a inventividade do
poeta29
Desse modo utilizar o termo ldquotradutorrdquo ou ldquotraduccedilatildeordquo pelo menos ateacute Ciacutecero parece-
nos um anacronismo ao passo que o termo mais acertado seria autor ou imitador no caso de
uma adaptaccedilatildeo inteligente ou de uma imitaccedilatildeo servil respectivamente de acordo com a
recepccedilatildeo e proacutepria criacutetica antiga30
Eacute com a septuaginta que temos um caso interessante e de oposiccedilatildeo a heleniacutestica epiacutestola
de Aristeias cuja lenda refere uma ldquotraduccedilatildeordquo feita por 72 escolhidos e cujo resultado seria
uma versatildeo pura correta e imutaacutevel das palavras inspiradas por um autor que natildeo pode ser
emulado Deus E eacute justamente em Satildeo Jerocircnimo tradutor da Biacuteblia em epiacutestola a Pameacutecio
(376 dC ndash aqui sim depois de Cristo) que vemos uma defesa daquele de suas escolhas de
versatildeo e de onde derivam explicitamente as ideias de traduccedilatildeo pela letra ou pelo espiacuterito ou
sentido
Em suma eacute evidente que havia traduccedilotildees tantas possiacuteveis quantos os autores ou
inteacuterpretes poreacutem embora natildeo haja teoria expliacutecita em tratado sobre a traduccedilatildeo podemos
28 For our purposes the chief significance of Plautine comedy is in demonstrating how far a translator [antente-se
para o uso de aspas no termo translator que revela cautela por parte do autor] can go in changing the form and
content of his model This is the first explosion of linguistic virtuosity in Roman literature and Plautus cavalier
liberties taken with dramatic structure and characterisation are offset by the versatility of his lyric and dialogue
metres and by every kind of play on sound and sense in extravagantly stylised verbal fantasy Translation as
imitation has been superseded by exploitation of the model as vehicle for the Roman poets personal idiom 29 E mais nas palavras de Harvey (1955 p 217) ldquouma importante caracteriacutestica da teoria retoacuterica no periacuteodo
heleniacutestico relaciona-se com a invenccedilatildeordquo (ldquoAn important feature of rhetorical theory in the Hellenistic period
relates to inventionrdquo) que natildeo se restringe somente agrave retoacuterica como vimos nos passos supracitados bem como
fazia parte do curriacuteculo educacional dos progymnaacutesmata ou praeexercitamina Aliaacutes em contexto romano diraacute
Harvey agrave frente (p 240) ldquoquando enredo e sequecircncia narrativa caracterizaccedilatildeo e diaacutelogo satildeo predeterminados pelo
modelo a composiccedilatildeo torna-se muito mais uma questatildeo de escolha (ou criaccedilatildeo) da palavra correta [aptum] para o
contexto Daiacute a poesia romana comeccedilar com a preocupaccedilatildeo quanto agrave elocuccedilatildeo mas com escopo para a criatividade
linguiacutesticardquo (ldquowhen plot and narrative sequence character and dialogue are predetermined by the model
composition becomes very much a matter of choosing (or creating) the right word for the context Hence Roman
poetry began with concern for diction but with scope for linguistic creativityrdquo) Ideia de que discordamos em parte
pois tomando ainda Catulo e Horaacutecio como exemplos esses autores natildeo apenas testaram limites quanto ao ritmo
a meacutetrica a dicccedilatildeo ou elocuccedilatildeo como demonstraram que essa mesma elocuccedilatildeo o arranjo das palavras (verbis
serendis AP v 45) natildeo pode ser dissociada da invenccedilatildeo quanto agrave mateacuteria Horaacutecio faz epodos fracos Catulo nos
leva do epigrama agrave elegia (HASEGAWA 2010 OLIVA NETO 2006) Assim eacute possiacutevel que houve uma mudanccedila
de foco mais para a arte da escrita (com o desenvolvimento e divulgaccedilatildeo da escrita) no entanto a invenccedilatildeo ainda
permanece como condiccedilatildeo sine qua non do ofiacutecio dos compositores reacutetores poetas filoacutesofos professores etc 30 Cf Hunter (2005 p 481) ldquoevitar a larga via eacute uma questatildeo de usar o passado de modo inteligenterdquo (ldquoAvoiding
the lsquobroad highway [Caliacutemaco fr 1 21-28] is a matter of using the past intelligentlyrdquo)
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circunscrevecirc-la nesse sistema geneacuterico que como visto era responsivo competitivo feacutertil e
repleto de debates Nele circunscrita torna-se mais faacutecil compreender Ciacutecero quando diz
traduzir como orador e natildeo como imitador o foco natildeo estava em Demoacutestenes mas no proacuteprio
Ciacutecero que reconhece Demoacutestenes como modelo para utilizar inteligentemente para seu
propoacutesito que nem de longe se assemelha ao papel da traduccedilatildeo de hoje focada no autor do
original a fim de recuperar seus possiacuteveis sentidos originais e como ele os teria manifestado em
outro idioma
Assim nossa breve exposiccedilatildeo se encerra com base na hipoacutetese aqui aventada com a
seguinte questatildeo quando ocorreu e por que razotildees a mudanccedila de foco do olhar dos autores de
sua obra proacutepria original por invenccedilatildeo para o modelo ou seja o apagamento autoral ou a
separaccedilatildeo de papeacuteis ndash entre autores e tradutores diferentes na justa medida da maior ou menor
inventividade proacutepria em competiccedilatildeo com a do modelo ndash o nascimento do tradutor e de
traduccedilotildees enfim quando a imitaccedilatildeo servil como exerciacutecio formativo e relegada agraves salas de
aula tornou-se objetivo de traduccedilatildeo
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οὐδὲν γὰρ ἂν ἔχοιμεν ὀνομάσαι κοινὸν
τοὺς Σώφρονος καὶ Ξενάρχου μίμους καὶ
τοὺς Σωκρατικοὺς λόγους οὐδὲ εἴ τις διὰ
τριμέτρων ἢ ἐλεγείων ἢ τῶν ἄλλων τινῶν
τῶν τοιούτων ποιοῖτο τὴν μίμησιν πλὴν οἱ
ἄνθρωποί γε συνάπτοντες τῷ μέτρῳ τὸ
ποιεῖν ἐλεγειοποιοὺς τοὺς δὲ ἐποποιοὺς
ὀνομάζουσιν οὐχ ὡς κατὰ τὴν μίμησιν
ποιητὰς ἀλλὰ κοινῇ κατὰ τὸ μέτρον
προσαγορεύοντες11
Efetivamente natildeo temos denominador
comum que designe os mimos de Soacutefron e
de Xenarco os diaacutelogos socraacuteticos e
quaisquer outras composiccedilotildees imitativas
executadas mediante triacutemetros jacircmbicos
ou versos elegiacuteacos ou outros versos que
tais Poreacutem ajuntando agrave palavra ldquopoetardquo o
nome de uma soacute espeacutecie meacutetrica
aconteceu denominarem-se a uns de
ldquopoetas elegiacuteacosrdquo a outros de ldquopoetas
eacutepicos designando-os assim natildeo pela
imitaccedilatildeo praticada mas unicamente pelo
metro usado
Ou seja para Aristoacuteteles natildeo faria parte essencial da imitaccedilatildeo o metro de modo que esta
se refira agrave mateacuteria
Em latim tem-se como correlativo de miacutemesis o termo imitatio Na Retoacuterica a Herecircnio
eacute assim definido
Haec omnia tribos adsequi poterimus
arte imitatione exercitatione [] Imitatio
est qua impellimur cum diligenti ratione
ut aliquorum similes in dicendo valeamus
esse
Tudo isso poderemos alcanccedilar por trecircs
meios arte imitaccedilatildeo e exerciacutecio []
Imitaccedilatildeo eacute o que nos estimula com
meacutetodo cuidado a que logremos ser
semelhantes a outros no dizer12
Sem contudo maior desenvolvimento Mas Ciacutecero amplia o conceito (De or II 90-
91) dando aliaacutes acepccedilotildees negativas da imitatio realizada de modo servil (como Horaacutecio
tambeacutem criticaraacute)
Ergo hoc sit primum in praeceptis meis ut
demonstremus quem imitetur atque ita
ut quae maxime excellent in eo quem
imitabitur ea diligentissime persequatur
tum accedat exercitatio qua illum quem
delegerit imitando effingat atque
exprimat non ut multos imitatores saepe
cognovi qui aut ea quae facilia sunt aut
etiam illa quae insignia ac paene vitiosa
consectantur imitando13
Portanto seja este o primeiro de meus
preceitos indicar aquele que se haacute de
imitar e de tal forma que se busquem com
maior zelo os elementos que mais se
sobressaem naquele que se imitaraacute Some-
se a isso entatildeo o exerciacutecio no qual possa
pela imitaccedilatildeo reproduzir e representar
aquele que se escolheu poreacutem natildeo como
muitos dos imitadores que vi em diversas
ocasiotildees que procuram imitar os
elementos faacuteceis ou mesmo aqueles que
satildeo particulares e quase viciosos Nada eacute
11 O texto grego foi retirado da paacutegina Perseus da ediccedilatildeo de R Kassel Aristotles Ars Poetica Oxford Clarendon
Press 1966 A propoacutesito cumpre citar que no periacuteodo citado e no paraacutegrafo seguinte Kassel traduz
sucessivamente μίμησις por ldquorepresentationrdquo (ldquorepresentaccedilatildeordquo) Em traduccedilatildeo recente (PINHEIRO 2017)
encontramos as duas ocorrecircncias traduzidas por mimese 12 Texto latino e traduccedilatildeo de Faria e Seabra (2005 p 55 apud SCATOLIN 2005 p 51) 13 Texto latino extraiacutedo da paacutegina do Perseus estabelecido por A S Wilkins (1902)
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mais faacutecil do que imitar o modo de algueacutem
se vestir sua postura ou seus movimentos
(SCATOLIN 2005 p 216)
No passo citado Ciacutecero evidencia que haacute modelos a imitar no entanto especifica que
essa imitaccedilatildeo se daacute com ldquomaior zelordquo quanto aos ldquoelementos que mais se sobressaemrdquo Ou seja
abre-se espaccedilo para o autorimitador criar de modo inteligente a partir do modelo a fim de natildeo
incorrer no erro daqueles segundo o arpinate que imitam somente ldquoelementos faacuteceis ou mesmo
aqueles que satildeo particularesrdquo Mais quando diz nada ser mais faacutecil que imitar as vestes ou
movimentos de outrem parece-nos que Ciacutecero tem em mente ndash ou ao menos ecoa ndash a proacutepria
ideia ou semelhante de Aristoacuteteles (1447b supracitado) a respeito da diferenccedila entre o
pensamento e o verso as palavras
Discussotildees ou menccedilotildees semelhantes ocorrem tambeacutem em Quintiliano como no livro X
(em 2 27) ldquoA imitaccedilatildeo entretanto (pois eacute preciso repetir com frequecircncia) natildeo reside somente
nas palavrasrdquo14 em Secircneca na suasoacuteria 37 quando traz ldquoGeliatildeo dizia que isto tinha agradado
muito ao seu Nasatildeo [Oviacutedio] e assim ele fez aquilo que fizera em muitos outros versos de
Vergiacutelio natildeo para roubar mas para tomar de empreacutestimo claramente desejando que isso fosse
reconhecidordquo15
Se esses satildeo alguns dos testemunhos sobre imitaccedilatildeo no acircmbito da retoacuterica na poesia
recorremos a Horaacutecio na Arte Poeacutetica (137-135 309-318)
publica materies privati iuris erit si
non circa vilem patulumque moraberis
orbem
nec verbo verbum curabis reddere fidus
interpres nec desilies imitator in artum
unde pedem proferre pudor vetet aut
operis lex
nec sic incipies ut scriptor cyclicus olim
fortunam Priami cantabo et nobile
bellum
[]
Mateacuteria de domiacutenio puacuteblico seraacute de direito
privado se natildeo te demorares em volta de
um ciacuterculo batido e aberto se natildeo te
preocupares em verter fiel tradutor
palavra por palavra se natildeo caiacuteres
imitador num buraco de onde o pudor ou
a lei do gecircnero te proiacutebam tirar o peacute e se
natildeo comeccedilares assim como outrora o
escritor ciacuteclico ldquoA Fortuna de Priacuteamo
cantarei e a guerra famosardquo17
[]
O saber eacute o princiacutepio e a fonte do bem
escrever Os escritos socraacuteticos poderatildeo te
14 Texto latino extraiacutedo de ediccedilatildeo de Harold Edgeworth Butler 1922 ldquoimitatio autem (nam saepius idem dicam)
non sit tantum in verbisrdquo 15 Traduccedilatildeo de Artur Costrino (2011 p 68) No original (p 110) ldquohoc autem dicebat Gallio Nasoni suo valde
placuisse itaque fecisse illum quod in multis aliis versibus Vergilii fecerat non subripiendi causa sed palam
mutuandirdquo 17 Traduccedilatildeo fornecida pelo Dr Joatildeo Angelo Oliva Neto em sala de aula durante curso de poacutes-graduaccedilatildeo na
Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da Universidade de Satildeo Paulo no primeiro semestre de 2018
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scribendi recte sapere est et principium et
fons
rem tibi Socraticae poterunt ostendere
chartae
verbaque provisam rem non invita
sequentur
qui didicit patriae quid debeat et quid
amicis
quo sit amore parens quo frater amandus
et [hospes
quod sit conscripti quod iudicis officium
quae
partes in bellum missi ducis ille profecto
reddere personae scit convenientia cuique
respicere exemplar vitae morumque
iubebo
doctum imitatorem et vivas hinc ducere
voces16
mostrar a mateacuteria e as palavras seguiratildeo
natildeo de maacute vontade a mateacuteria prevista
Quem aprendeu o que eacute devido agrave paacutetria o
que eacute a amizade o que eacute o amor aos pais
como amar um irmatildeo e um estrangeiro
qual a funccedilatildeo do senador qual a do juiz
quais os atributos de um comandante
enviado agrave guerra esse com certeza sabe o
que conveacutem a cada [tipo] de pessoa Devo
ordenar o imitador experiente a olhar o
exemplo da vida e dos costumes e daiacute
extrair as expressotildees vivas
No primeiro excerto Horaacutecio ainda que se dirija a quem queira adentrar a seara poeacutetica
distingue dois tipos de accedilatildeo ao associar ao tradutor agrave palavra e o gecircnero ao imitador Como
foge do escopo deste trabalho natildeo nos ateremos na compreensatildeo de qual seria essa diferenccedila
em Horaacutecio entre tradutor e imitador basta que haja essa disposiccedilatildeo distinta entre um e outro
No entanto urge notar que no segundo excerto ao imitador ordena-se olhar o exemplo da vida
e dos costumes sendo jaacute doctum para que sua expressatildeo seja ldquovivardquo Andrew Laird (1999 p
310) vecirc nessa expressatildeo a combinaccedilatildeo de dois sentidos para a imitaccedilatildeo quais sejam como
coacutepia de modelos e como representaccedilatildeo18 Inferimos ainda da expressatildeo uma praacutetica impliacutecita
da imitaccedilatildeo de modelos nos estudos formativos como os apontados por Teatildeo (MANOEL
2014) que propiciaratildeo ao experiente imitador arcabouccedilo necessaacuterio para trilhar seu proacuteprio
caminho natildeo mais imitando modelos e sim a proacutepria vida inventando quer seja em acircmbito
filosoacutefico poeacutetico ou retoacuterico Aleacutem disso natildeo podemos deixar de concordar com Harvey
quanto ao menos um objetivo dos autores antigos a saber alcanccedilar a fama tornando-se modelo
o que era possiacutevel justamente por essa replicaccedilatildeo paraacutefrase e estudo de modelos anteriores19
16 Texto latino extraiacutedo da paacutegina do projeto Perseus ediccedilatildeo de C Smart (1836) 18 Assim ele traduz ldquoI will order the learned imitator to look to the model of life and morals and draw his utterances
living from thererdquo E explica ldquoThe phrase doctum imitatorem (lsquolearned imitatorrsquo) presupposes both the priority of
imitating models and the necessity of the imitator being well versed in those modelsrdquo (A expressatildeo doctum
imitatorem (imitador experiente) pressupotildee tanto a prioridade da imitaccedilatildeo de modelos como a necessidade de o
imitador ser bem versado nesses modelosrdquo 19 Cf Harvey (1955 p 157) ldquoIf we do not know the purpose for which a given poem was written or the
conventions which governed its form we are deprived of what the greeks regarded as one of the main criteria for
assessing its qualityrdquo (ldquoSe natildeo sabemos o propoacutesito para o qual determinado poema foi escrito ou as convenccedilotildees
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Da exposiccedilatildeo feita ateacute aqui por conseguinte percebemos como o conceito de mimese
ou imitaccedilatildeo possui sentidos diferentes ora mais filosoacuteficos e relacionados a ideias ora mais
objetivos e relacionados agraves proacuteprias palavras escritas de algum autor20
Poreacutem seja qual for o sentido eacute condenaacutevel a imitaccedilatildeo que vise agrave replicaccedilatildeo o que
aliaacutes Quintiliano diz ser impossiacutevel (Inst or X 2 10-11) de modo que a imitaccedilatildeo tem como
ldquofiltrordquo imprescindiacutevel a maior ou menor habilidade de um autor letrado
Portanto a invenccedilatildeo mira a originalidade que ocorre se eacute executada com ecircxito e poderaacute
alccedilar o autor agrave eternidade ou agrave primazia quer seja como um entre o rol dos liacutericos com uma
obra mais perene que o bronze como um Propeacutercio ao dizer-se o Caliacutemaco romano entre outros
exemplos
Se pareceu abrupta nossa mudanccedila de contexto grego para romano da poesia para a
retoacuterica ou seja do verso para a prosa eacute que entendemos que tal diferenccedila resida na
manifestaccedilatildeo isto eacute da accedilatildeo concreta da imitaccedilatildeo que se daacute por meio dos gecircneros (do qual
aquela natildeo se dissocia) como veremos a seguir 21
que governam sua forma ficamos privados do que os gregos consideravam como um dos principais criteacuterios para
compreender sua qualidaderdquo) Sobre a memorizaccedilatildeo e repeticcedilatildeo de modelos e sua relevacircncia no cenaacuterio claacutessico
com a ideia de novidade emergindo da invenccedilatildeo justamente pela multiplicaccedilatildeo e proliferaccedilatildeo de modelos ver
Muckelbauer (2003) 20 Discussatildeo pormenorizada desses sentidos pode ser encontrada em Muckelbauer (2003) como agrave paacutegina 243 em
que recupera desenvolvimentos de outros dois estudiosos ldquoEdward P J Corbett nicely summarizes McKeonrsquos
three primary meanings lsquo1) the Platonic notion of an image-making faculty which produces extensions of ideal
truth in the phenomenal world 2) the Aristotelian notion of the representation of human actions and 3) the
rhetorical notion of copying simulating emulating modelsrdquo (E P J C resume bem os trecircs sentidos principais de
McKeon lsquoa noccedilatildeo platocircnica de uma faculdade imageacutetico-criadora que produz extensatildeo de uma verdade ideal no
mundo fenomecircnico 2) a noccedilatildeo aristoteacutelica de representaccedilatildeo das accedilotildees humanas e 3) a noccedilatildeo retoacuterica de coacutepia
simulaccedilatildeo emulaccedilatildeo de modelosrdquo Divisotildees que o autor havia explicitado anteriormente agrave paacutegina 65 ldquoThe
imitation of an ideal world by the actual world became the province of ancient philosophy the imitation of the
actual world by a poet or actor became the concern of ancient literature and the imitation of a renowned orator or
teacher by a student became the terrain of ancient rhetoricrdquo (A imitaccedilatildeo de um mundo ideal pelo mundo real
tornou-se mateacuteria da filosofia antiga a imitaccedilatildeo do mundo real por um poeta ou ator tornou-se preocupaccedilatildeo da
literatura antiga e a imitaccedilatildeo de um orador renomado ou professor por um estudante tornou-se terreno da retoacuterica
antiga) 21 Geralmente classificam-se os textos antigos como pertencentes agrave filosofia agrave retoacuterica ou agrave poesia Poreacutem se
temos autores adultos escrevendo em uma ou mais aacutereas eacute porque a educaccedilatildeo baacutesica ndash em analogia ao ensino
institucionalizado de hoje guardadas as devidas proporccedilotildees ndash que tiveram jaacute os preparara para tal Nisto remetemos
a trabalho aos progymnaacutesmata ou praeexercitamina com seus exerciacutecios de reproduccedilatildeo paraacutefrase amplificaccedilatildeo
e especificamente na retoacuterica hipoacuteteses ou controveacutersias bem como um dos autores ndash talvez o mais antigo de que
tenhamos um manual ndash Eacutelio Teatildeo que diz (MANOEL 2014 p 30) ldquoIncluiacute essas coisas natildeo julgando todas uacuteteis
a todos os iniciantes mas para que saibamos que exerciacutecios satildeo muito importantes natildeo soacute para os que estatildeo prestes
a discursar como tambeacutem a quem queira partilhar da faculdade dos poetas dos historiadores e dos outros
discursosrdquo no original (PATILLON 1997 p 9) ldquoταῦτα μὲν οὖν παρεθέμην οὐ νομίζων μὲν ἅπαντα εἶναι πᾶσιν
ἀρχομένοις ἐπιτήδεια ἀλλ ἵνα ἡμεῖς εἰδῶμεν ὅτι πάνυ ἐστὶν ἀναγκαῖον ἡ τῶν γυμνασμάτων ἄσκησις οὐ μόνον
τοῖς μέλλουσι ῥητορεύειν ἀλλὰ καὶ εἴ τις ἢ ποιητῶν ἢ λογοποιῶν ἢ ἄλλων τινῶν λόγων δύναμιν ἐθέλει
μεταχειρίζεσθαιrdquo Pois Teatildeo dissera anteriormente ldquoAntes de tudo o professor deve apresentar aos jovens os
bons exemplos recolhidos das letras antigas para que aprendam e guardem na memoacuteria tal como o da chreia que
haacute em Platatildeo no primeiro livro da Repuacuteblicardquo Do original vale destacar a expressatildeo ldquoπαλαιῶν συγγραμμάτωνrdquo
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Eacute informaccedilatildeo oacutebvia que para surgir um sistema de gecircneros havia mesmo que de modo
impliacutecito convenccedilotildees reconhecidas a respeito das composiccedilotildees escritas No entanto a
imprecisatildeo que vemos em autores gregos e a posterior crise dos gecircneros22 que se inicia com os
heleniacutesticos denota que tal sistema natildeo fosse estaacutevel ou livre de dissensotildees23
De acordo com nosso propoacutesito natildeo percorreremos definiccedilotildees e prescriccedilotildees a respeito
de gecircneros mas chamaremos a atenccedilatildeo para dois conceitos a poikilia (variedade) e a polyeideia
(pluralidade de gecircneros) A poikilia ocorre jaacute no periacuteodo claacutessico em Piacutendaro (Piacuteticas 9 76-
78)
ἀρεταὶ δ αἰεὶ μεγάλαι πολύμυθοι
βαιὰ δ ἐν μακˈροῖσι ποικίλλειν
ἀκοὰ σοφοῖς ὁ δὲ καιρὸς ὁμοίως
παντὸς ἔχει κορυφάν
Grandes virtudes satildeo sempre muito
faladas mas variegar pequenas entre
grandes coisas
eacute o que ouvem os saacutebios O oportuno
igualmente eacute de tudo o remate 24
para se referir agraves ldquoletras antigasrdquo (PATILLON 1997 p 9) em ldquoΠῶρτὸν μὲν ἁπάντων χρὴ τὸν διδάσκαλον ἑκάστου
γυμνάσματος εὖ ἔχοντα παραδείγματα ἐκ τῶν παλαιῶν συγγραμμάτων ἀναλεγόμενον προστάττειν τοῖς νέοις
ἐκμανθάνειν οἷον χρείας μὲν ὁποία ἐστὶν ἡ παρὰ Πλάτωνι ἐν τῷ πρώτῳ τῆς πολιτείαςrdquo expressatildeo que Patillon
traduz por ldquoles ouvrages des anciensrdquo e Kennedy (2003 p 9) verte para o inglecircs do seguinte modo ldquoancient prose
works Ademais utilizamos ldquoletras antigasrdquo para compreender prosa e verso pois como diz Christian Werner
(WERNER SEBASTIANI DOURADO-LOPES 2014 p 14 e 15) ldquoentre os gregos poreacutem natildeo haacute nenhum
termo que abarque prosa e verso [] um termo que nas praacuteticas gregas se aproximou bastante do sentido em
questatildeo foi mousikecirc termo nuclear para aquilo que J Herington chamou de ldquocultura da canccedilatildeordquo e aqui vale
lembrar das palavras de Harvey (1955 p 5 e 28) quanto agrave poesia arcaica ldquoThus the opposition between what we
may call song and poetry is a mimesis or imitation of the fundamental opposition between singing and speaking
(Assim a oposiccedilatildeo entre o que podemos chamar canccedilatildeo e poesia eacute uma mimese ou imitaccedilatildeo da oposiccedilatildeo
fundamental entre o cantar e o falar) e ldquoWritten is not something that is not oral rather it is some thing in addition
to being oral and that additional something will vary from society to society It is dangerous to universalize the
phenomenon of literacyrdquo (O escrito natildeo eacute uma coisa natildeo oral eacute sim um algo a mais aleacutem de oral e esse algo a
mais variaraacute de sociedade a sociedade Eacute perigoso universalizar o fenocircmeno do letramento) Em Ciacutecero o sistema
do gecircnero e as diferenccedilas entre prosa e poesia jaacute parecem ser mais bem demarcados do que eram na eacutepoca de
Aristoacuteteles 22 Ford (2002 p 252-3) fala em hibridismo em Goacutergias pois no programaproacutelogo do elogio a Helena fala em
dizer o que deve ser dito e refutar falsas acusaccedilotildees uma vez que teria sido acusado por Isoacutecrates de fugir agrave lei do
gecircnero e fazer uma apologia em vez de um elogio Isoacutecrates em Antidosis no paraacutegrafo 47 diz ter desenvolvido
seu proacuteprio gecircnero mais poeacutetico e com estilo adornado Mais um exemplo o jaacute citado Harvey (1955 p 160 e
166) diz numa passagem que os epiniacutecios de Piacutendaro natildeo satildeo todos a rigor epiniacutecios de modo que tenham sigo
organizados segundo loacutegica diferente e que o reacutetor Menandro teria dito que um hino escrito para Apolo eacute chamado
peatilde mas ditirambo quando para Dioniso 23 Ver Farrel (2003 p 388) ldquoCom o tempo encontra-se um senso de aventura cada vez maior ateacute que no periacuteodo
heleniacutestico e romano chega a parecer que testar e mesmo violar limites geneacutericos natildeo era meramente uma
consequecircncia inevitaacutevel e acidental de escrever em qualquer gecircnero mas um importante aspecto da arte do poetardquo
(No original ldquoWith time one finds an ever-greater sense of adventure until by the Hellenistic and Roman periods
it comes to seem that testing and even violating generic boundaries was not merely an inevitable and accidental
consequence of writing in any genre but an important aspect of the poets craftrdquo) 24 Traduccedilatildeo de Joatildeo Angelo Oliva Neto para o referido curso de poacutes-graduaccedilatildeo a quem agradeccedilo a apresentaccedilatildeo
de ambos os conceitos e das fontes A traduccedilatildeo seguinte tambeacutem eacute dele
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O termo ocorre tambeacutem nas Oliacutempicas (6 85-87) e em Aristoacuteteles na Poeacutetica (XIII
1459a 34)
Jaacute a polyeacuteideia ocorre num comentaacuterio (Diegesis 9 32-35) antigo a um verso do Iambo
13 de Caliacutemaco (frag 203 Pfeiffer)
Ἐν τούτῳ πρὸς τοὺς καταμεμφομένους αὐτὸν
ἐπὶ τῇ πολυειδείᾳ ὧν γράφει ποιημάτων
ἀπαντῶν φησιν ὅτι Ἴωνα μιμεῖται τὸν
τραγικόν ἀλλ οὐδὲ τὸν τέκτονά τις μέμφεται
πολυειδῆ σκεύη τεκταινόμενον
Neste [poema] [dirigindo-se] aos que o
reprovam pela pluralidade de gecircneros de
todos poemas que escreve [Caliacutemaco] diz
que imita o tragedioacutegrafo Iacuteon mas
ningueacutem de fato censura o artiacutefice que
faz multiacutegenos utensiacutelios
Caliacutemaco assim tanto busca variegar como faz uma pluralidade de gecircneros ndash
manifestaccedilotildees da invenccedilatildeo sem deixar de citar como modelo Mimnermo para ser o primeiro
em novo trilho (frag 1 Pfeiffer 21-25 traduccedilatildeo e Joatildeo Angelo Oliva Neto)
ldquoo incenso aedo o mais espesso eacute o que conveacutem
me dar a Musa amigo delicada
Ordeno-te natildeo vaacutes por onde os carros trilham
nem sobre o mesmo alheio rasto a roda
leves nem vaacutes agrave larga via mas a estrada
natildeo batida por mais que estreita sigasrdquo
Cumpre aqui notar a relevacircncia de Caliacutemaco tanto por ser criacutetico como poeta uma vez
que como bibliotecaacuterio organizou iacutendice de autores e obras os piacutenakes que hoje chamamos
ldquocataacutelogosrdquo Sua importacircncia eacute capital porque evidencia parte dessa poeacutetica heleniacutestica que teraacute
influenciado Catulo e Horaacutecio
O livro de Catulo eacute emblemaacutetico porque reflete a poeacutetica heleniacutestica e a influecircncia de
Caliacutemaco eacute um livro variegado e tambeacutem plural quanto aos gecircneros jaacute que possui uma primeira
parte polimeacutetrica e uma segunda monomeacutetrica em diacutesticos elegiacuteacos e apresenta poemas com
caracteriacutesticas diacutespares como epigramas e mesmo elegias com destaque poreacutem a seu caraacuteter
ligeiro (OLIVA NETO 1996)
Nas Odes Horaacutecio segue ediccedilotildees alexandrinas para ordenar o livro quanto aos hinos
seja assemelhando-se aos modelos como no caso do primeiro livro imitando Alceu ou
afastando-se como no caso de Safo que faz hino a Afrodite ao passo que o poeta a tenta afastar
Aleacutem disso as sequecircncias riacutetmicas ou seja os metros indicam seccedilotildees proacuteprias e relacionam as
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odes25 e Horaacutecio busca tornar-se ele tambeacutem modelo como em IV 6 (vv 43-44 ldquodei carme
grato aos deuses aprendendo do vate Horaacutecio os metrosrdquo (aqui sigo as ideias e utilizo a
traduccedilatildeo de Alexandre Hasegawa 2012) Tambeacutem eacute poeta variegado e trabalha com os limites
do gecircnero como no livro dos epodos em que apresenta dois (14 e 15) com elementos liacutericos
bem como se insere entre os primeiros no gecircnero ndash ainda que Catulo tenha feito iambos ndash na
Epist 1 19 vv 20-24 ldquoEu por primeiro pus meus peacutes em campo livre e natildeo pisei pegadas
alheias Quem confiar em si conduziraacute o enxame Eu fui o primeiro que mostrei ao Laacutecio os
iambos Paacuterios imitando o ritmo e o acircnimo de Arquiacuteloco natildeo a mateacuteria e as palavras dirigidas
a Licambesrdquo (HASEGAWA 2010 p 79 traduccedilatildeo dos versos por Joatildeo Angelo Oliva Neto)
2 Tradutor imitador ou autor
E agora onde entra a traduccedilatildeo nesta histoacuteria Segundo a discussatildeo e os passos
apontados deduzimos em linhas gerais que o espiacuterito claacutessico o zeitgeist hegeliano dos
autores os incitava agrave inventividade agrave originalidade a testar os limites a superar os modelos ndash
para se tornar modelos ndash a escolher caminhos estreitos Enfim cenaacuterio que em pouco mais de
trezentos anos presenciou muitas guerras e transformaccedilotildees hegemonias gregas com Atenas
Esparta as conquistas de Alexandre O Grande e a dominaccedilatildeo imposta por Roma Contexto
agoniacutestico e de competitividade poliacutetica militar e como natildeo poderia deixar de ser nas
composiccedilotildees escritas Eacute por isso e a ausecircncia de um tratado-testemunho sobre uma arte ou
teacutecnica da traduccedilatildeo que o corrobore que dificilmente podemos conceber um autor aplicado a
ldquopublicarrdquo a obra de outro autor e natildeo proacutepria portanto sem sua autoridade assumindo-se
como imitador da mateacuteria do ritmo e das palavras enfim do gecircnero Muitos testemunhos
mencionam ou falam da imitaccedilatildeo mas quantos autores temos assumindo-se como imitadores
sem ter feito qualquer inovaccedilatildeo no gecircnero seja com mateacuteria seja com ritmo diferente
Destarte sugerimos que usar o termo ldquotraduccedilatildeordquo ou ldquotradutorrdquo para denominar as obras
e os autores antigos eacute anacronismo uma vez que natildeo podemos encontrar teorias antigas a
respeito disso mas somente teacutecnicas e artes de composiccedilatildeo em que a invenccedilatildeo senatildeo expliacutecita
eacute impliacutecita Contudo natildeo ousamos radicalizar e certamente estudantes treinavam com
25 Trata-se da alternacircncia Ver Hasegawa (2016 sobretudo nota de rodapeacute 60 agrave paacutegina 144 em que arrola
bibliografia e menciona a alternacircncia de estrofes alcaicas e saacuteficas no livro das Odes de Horaacutecio diacutesticos elegiacuteacos
e hendecassiacutelabos faleacutecios na Priapeia latina eacuteclogas dramaacuteticas e narrativas nas Bucoacutelicas de Vergiacutelio e
Calpuacuternio
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reproduzir textos de outros autores de uma liacutengua a outra sem no entanto entenderem isso
como uma arte ou teacutecnica proacutepria mas como uma imitaccedilatildeo e se ldquofielrdquo bem por isso condenaacutevel
e abaixo da dignidade que a autoridade de um poeta exigia26 Essas balizas satildeo aquelas que
norteiam e da qual derivam as modernas teorias da traduccedilatildeo as leis do gecircnero E quando
dissemos ldquocrise dos gecircnerosrdquo natildeo queremos nos referir a um evento de fato e sim a um lugar-
comum inerente agraves composiccedilotildees quer seja em poesia quer em prosa uma vez que tanto poetas
como reacutetores (cf os proecircmios de livros como Retoacuterica a Herecircnio De inuentione De oratore
os manuais de Eacutelio Teatildeo Hermoacutegenes entre outros em que cada um inaugura seu tratado ou
teoria dizendo inovar em relaccedilatildeo aos predecessores) O que nos parece ponto fechado eacute que os
autores heleniacutesticos tinham como princiacutepio impliacutecito o dever de conhecer profundamente seus
modelos a fim de justamente por isso natildeo os repetir mas com eles competir ou para usar do
jargatildeo emular
Um caso poreacutem nos chama a atenccedilatildeo Catulo no poema 65 15-16 (OLIVA NETO
1996 p 133)
sed tamen in tantis maeroribus Ortale
mitto
haec expressa tibi carmina Battiadae
em tanta dor poreacutem te envio oacute Hoacutertalo
estes versos vertidos de Caliacutemaco
Em face agrave deduccedilatildeo que realizamos se torna espantoso em um primeiro momento nesse
cenaacuterio um autor reconhecer ter traduzido outro sem inventar isto eacute aparentemente sem
adaptar inteligentemente ou refundir o modelo no entanto ainda que tenha feito Catulo o fez
somente de modo segmentado natildeo de todo o poema o que teria sido uma imitaccedilatildeo servil e
condenaacutevel mas somente de um trecho incluindo-o em outro ambiente (poemas matrimoniais)
diferente embora em livro variegado e com pluralidade de gecircneros Seria assim uma inovaccedilatildeo
catuliana inserir em sua obra de modo anunciado publicamente uma traduccedilatildeo aparentemente
servil pois natildeo eacute de fato jaacute que refunde o modelo apesar de mantecirc-lo o mais possiacutevel
aproximado da liacutengua de chegada com inseri-lo em ambiente diverso do original Ressalve-se
que o original se refere ao fragmento 110 (Pfeiffer) do final do livro IV dos Aitia de Caliacutemaco
do qual temos poucos versos para comparar ao texto latino que tradicionalmente tem sido
utilizado para maior compreensatildeo do texto grego Carmina expressa aponta o verbo exprimere
26 ldquo[] eacute equivocado tambeacutem buscar para cada poema ou verso latino um modelo como se o poeta fosse obrigado
a imitar a cada palavra que escrevesse Se a imitaccedilatildeo eacute conceito importante para poetas latinos e praacutetica frequumlente
(mesmo a imitaccedilatildeo servil deveria ser constante caso contraacuterio natildeo haveria condenaccedilatildeo de Horaacutecio e Quintiliano)
eacute estimulada tambeacutem a inovaccedilatildeo no gecircnero que torna o escritor verdadeiramente auctorrdquo (HASEGAWA 2010
p 79)
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que entendemos com Joatildeo Angelo Oliva Neto por decalque Desse modo Catulo seria uma
exceccedilatildeo agrave regra ou ao menos o primeiro a fazecirc-lo publicamente mantendo a dignidade autoral
como poeta haacutebil e cujo testemunho nos chegou27 Mas ao fazer isso Catulo demonstra aos
leitores atentos sua capacidade de ser original ainda quando aparente servilismo testando as
teorias expliacutecitas e impliacutecitas das composiccedilotildees poeacuteticas e recepccedilotildees dos leitores
Ciacutecero (De optimo genere oratorum 14) Pliacutenio (VII 9) e Aulo Geacutelio (Noctes Atticae
991) utilizaratildeo o termo vertere infracitados respectivamente
Converti enim ex Atticis duorum
eloquentissimorum nobilissimas orationes
inter seque contrarias Aeschinis et
Demosthenis nec converti ut interpres
sed ut orator sententiis isdem et earum
formis tamquam figuris verbis ad nostram
consuetudinem aptis
Verti entatildeo dos aacuteticos dois discursos
notaacuteveis e contraacuterios entre si um de
Eacutesquines outro de Demoacutestenes autores
dos mais eloquentes E natildeo os verti como
um inteacuterprete mas como um orador
usando os mesmos argumentos tanto na
sua forma quanto nas suas figuras de
linguagem em termos adequados agrave nossa
cultura
1 Quaeris quemadmodum in secessu quo
iam diu frueris putem te studere oportere
Utile in primis et multi praecipiunt vel ex
Graeco in Latinum vel ex Latino vertere in
Graecum 2 Quo genere exercitationi
proprietas splendorque verborum copia
figurarum vis explicandi praeterea
imitatione optimorum similia inveniendi
facultas paratur
1 Vocecirc pergunta como eu acho que lhe
conveacutem estudar no tempo livre de que jaacute
desfruta haacute um bom tempo Sobretudo
proveitosamente E muitos receitam verter
do grego ao latim e do latim ao grego 2
Esse eacute um tipo de exerciacutecio que propicia
seguranccedila e brilho com as palavras
inventaacuterio de imagens e tino
argumentativo bem como por meio da
imitaccedilatildeo dos melhores a faculdade de
inventar obras similares
Quando ex poematis Graecis vertendae
imitandaeque sunt insignes sententiae
non semper aiunt enitendum ut omnia
omnino verba in eum in quem dicta sunt
modum vertamus
Quando de poemas gregos eacute necessaacuterio
verter e imitar sentenccedilas notaacuteveis nem
sempre dizem se deve empenhar para
verter absolutamente todas as palavras
daquele mesmo modo com que foram
ditas
27 Cf Oliva Neto (1996 p 22) Os intelectuais heleniacutesticos percebiam ser irreversiacutevel a consolidaccedilatildeo da escrita e
embora fossem bem conscientes do abalo produzido por ela no mundo oral jamais contemplaram seus
predecessores como quem observa inimigos vencidos Ao contraacuterio a proacutepria escrita e a consciecircncia de serem
escribas o apego ao livro como qualquer nova atitude ligada agrave cultura tinham apoio e justificaccedilatildeo no fato de
servir ao legado dos antecessores preservando-o o que outra coisa natildeo eacute que o sentido dialeacutetico da tradiccedilatildeo
tinham de ser conspicuamente diferentes deles para continuar a exercer em outras circunstacircncias a mesma funccedilatildeo
de poetas Percebendo ser outra a dinacircmica da produccedilatildeo cultural graccedilas precisamente agrave escrita os poetas
heleniacutesticos para inserir-se nessa tradiccedilatildeo e continuaacute-la tiveram muita vez que explicitar o caraacuteter graacutefico de sua
obra
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O interpres de Horaacutecio (fidus interpres v 134 da AP) parece evocar o interpres de
Ciacutecero ainda que em contextos diferentes uma vez que condenam o servilismo de verter
palavra por palavra tendo em vista que o orador tem como primeira atividade encontrar os
argumentos adequados isto eacute o pensamento para depois vesti-los
Ademais natildeo satildeo poucas as definiccedilotildees para artiacutefices e suas obras independentemente
se em prosa ou verso filoacutesofos reacutetores poetas todos auctores com suas mais diferentes obras
como tratados epiacutestolas diaacutelogos eacutepica liacuterica elegia ditirambos etc Mas quais os termos para
o tradutor e para a traduccedilatildeo Natildeo encontramos bem porque tal funccedilatildeo natildeo fosse reconhecida agrave
eacutepoca O que mais se aproxima dessa ideia eacute o conceito do lado negativo condenaacutevel da
imitatio daiacute Horaacutecio com ldquose natildeo caiacuteres imitadorrdquo em que imitator qualifica o executor da
mera imitatio servil isto eacute que natildeo inventa que natildeo refunde que natildeo se lanccedila como inovador
Tambeacutem poderiacuteamos utilizar interpres poreacutem devemos encerrar a exposiccedilatildeo para respeitar a
lei do gecircnero e o termo carece de anaacutelise de seus empregos significados e etimologia mais
minuciosa
Consideraccedilotildees finais
Fala-se amiuacutede de Liacutevio Andronico como tradutor da Odisseia bem como outros
autores latinos No entanto dessa imitaccedilatildeo como preferimos chamar natildeo sobram mais que
cinquenta versos e haacute de se analisar o quanto sejam ou natildeo imitaccedilotildees servis em vez de
traduccedilotildees como hoje chamamos (o mesmo para o poema 66 de Catulo com relaccedilatildeo aos
fragmentos calimaquianos) E Liacutevio Andronico atesta Ciacutecero foi auctor de peccedilas Natildeo se
enquadra na funccedilatildeo de tradutor servil e o ritmo escolhido para sua versatildeo da Odisseia eacute feito
no verso saturnino que natildeo corresponde ao hexacircmetro
Desse modo discordamos de Kennedy (2008 p 224) a respeito da comeacutedia de Plauto
com dizer
[] para nossos objetivos o principal significado da comeacutedia plautina
reside em demonstrar quatildeo longe um ldquotradutorrdquo pode ir na mudanccedila da
forma e do conteuacutedo de seu modelo Esta eacute a primeira explosatildeo de
virtuosismo linguiacutestico na literatura romana e as liberdades de Plauto
na estrutura dramaacutetica e caracterizaccedilatildeo satildeo equilibradas pela
versatilidade de seu ritmo liacuterico e corrente e por todo tipo de jogo com
som e sentido numa fantasia verbal extravagantemente estilizada
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Traduccedilatildeo como imitaccedilatildeo foi suplantada pela exploraccedilatildeo do modelo
como veiacuteculo para a linguagem pessoal do poeta Romano28
Pois natildeo vemos tanto em Liacutevio Andronico quanto em Plauto diferenccedila a respeito da
imitaccedilatildeo que continua sendo fusatildeo de um modelo e veiacuteculo para manifestar a inventividade do
poeta29
Desse modo utilizar o termo ldquotradutorrdquo ou ldquotraduccedilatildeordquo pelo menos ateacute Ciacutecero parece-
nos um anacronismo ao passo que o termo mais acertado seria autor ou imitador no caso de
uma adaptaccedilatildeo inteligente ou de uma imitaccedilatildeo servil respectivamente de acordo com a
recepccedilatildeo e proacutepria criacutetica antiga30
Eacute com a septuaginta que temos um caso interessante e de oposiccedilatildeo a heleniacutestica epiacutestola
de Aristeias cuja lenda refere uma ldquotraduccedilatildeordquo feita por 72 escolhidos e cujo resultado seria
uma versatildeo pura correta e imutaacutevel das palavras inspiradas por um autor que natildeo pode ser
emulado Deus E eacute justamente em Satildeo Jerocircnimo tradutor da Biacuteblia em epiacutestola a Pameacutecio
(376 dC ndash aqui sim depois de Cristo) que vemos uma defesa daquele de suas escolhas de
versatildeo e de onde derivam explicitamente as ideias de traduccedilatildeo pela letra ou pelo espiacuterito ou
sentido
Em suma eacute evidente que havia traduccedilotildees tantas possiacuteveis quantos os autores ou
inteacuterpretes poreacutem embora natildeo haja teoria expliacutecita em tratado sobre a traduccedilatildeo podemos
28 For our purposes the chief significance of Plautine comedy is in demonstrating how far a translator [antente-se
para o uso de aspas no termo translator que revela cautela por parte do autor] can go in changing the form and
content of his model This is the first explosion of linguistic virtuosity in Roman literature and Plautus cavalier
liberties taken with dramatic structure and characterisation are offset by the versatility of his lyric and dialogue
metres and by every kind of play on sound and sense in extravagantly stylised verbal fantasy Translation as
imitation has been superseded by exploitation of the model as vehicle for the Roman poets personal idiom 29 E mais nas palavras de Harvey (1955 p 217) ldquouma importante caracteriacutestica da teoria retoacuterica no periacuteodo
heleniacutestico relaciona-se com a invenccedilatildeordquo (ldquoAn important feature of rhetorical theory in the Hellenistic period
relates to inventionrdquo) que natildeo se restringe somente agrave retoacuterica como vimos nos passos supracitados bem como
fazia parte do curriacuteculo educacional dos progymnaacutesmata ou praeexercitamina Aliaacutes em contexto romano diraacute
Harvey agrave frente (p 240) ldquoquando enredo e sequecircncia narrativa caracterizaccedilatildeo e diaacutelogo satildeo predeterminados pelo
modelo a composiccedilatildeo torna-se muito mais uma questatildeo de escolha (ou criaccedilatildeo) da palavra correta [aptum] para o
contexto Daiacute a poesia romana comeccedilar com a preocupaccedilatildeo quanto agrave elocuccedilatildeo mas com escopo para a criatividade
linguiacutesticardquo (ldquowhen plot and narrative sequence character and dialogue are predetermined by the model
composition becomes very much a matter of choosing (or creating) the right word for the context Hence Roman
poetry began with concern for diction but with scope for linguistic creativityrdquo) Ideia de que discordamos em parte
pois tomando ainda Catulo e Horaacutecio como exemplos esses autores natildeo apenas testaram limites quanto ao ritmo
a meacutetrica a dicccedilatildeo ou elocuccedilatildeo como demonstraram que essa mesma elocuccedilatildeo o arranjo das palavras (verbis
serendis AP v 45) natildeo pode ser dissociada da invenccedilatildeo quanto agrave mateacuteria Horaacutecio faz epodos fracos Catulo nos
leva do epigrama agrave elegia (HASEGAWA 2010 OLIVA NETO 2006) Assim eacute possiacutevel que houve uma mudanccedila
de foco mais para a arte da escrita (com o desenvolvimento e divulgaccedilatildeo da escrita) no entanto a invenccedilatildeo ainda
permanece como condiccedilatildeo sine qua non do ofiacutecio dos compositores reacutetores poetas filoacutesofos professores etc 30 Cf Hunter (2005 p 481) ldquoevitar a larga via eacute uma questatildeo de usar o passado de modo inteligenterdquo (ldquoAvoiding
the lsquobroad highway [Caliacutemaco fr 1 21-28] is a matter of using the past intelligentlyrdquo)
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circunscrevecirc-la nesse sistema geneacuterico que como visto era responsivo competitivo feacutertil e
repleto de debates Nele circunscrita torna-se mais faacutecil compreender Ciacutecero quando diz
traduzir como orador e natildeo como imitador o foco natildeo estava em Demoacutestenes mas no proacuteprio
Ciacutecero que reconhece Demoacutestenes como modelo para utilizar inteligentemente para seu
propoacutesito que nem de longe se assemelha ao papel da traduccedilatildeo de hoje focada no autor do
original a fim de recuperar seus possiacuteveis sentidos originais e como ele os teria manifestado em
outro idioma
Assim nossa breve exposiccedilatildeo se encerra com base na hipoacutetese aqui aventada com a
seguinte questatildeo quando ocorreu e por que razotildees a mudanccedila de foco do olhar dos autores de
sua obra proacutepria original por invenccedilatildeo para o modelo ou seja o apagamento autoral ou a
separaccedilatildeo de papeacuteis ndash entre autores e tradutores diferentes na justa medida da maior ou menor
inventividade proacutepria em competiccedilatildeo com a do modelo ndash o nascimento do tradutor e de
traduccedilotildees enfim quando a imitaccedilatildeo servil como exerciacutecio formativo e relegada agraves salas de
aula tornou-se objetivo de traduccedilatildeo
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TRANSLATIO Porto Alegre n 18 Julho de 2020
85 ISSN 2236-4013
mais faacutecil do que imitar o modo de algueacutem
se vestir sua postura ou seus movimentos
(SCATOLIN 2005 p 216)
No passo citado Ciacutecero evidencia que haacute modelos a imitar no entanto especifica que
essa imitaccedilatildeo se daacute com ldquomaior zelordquo quanto aos ldquoelementos que mais se sobressaemrdquo Ou seja
abre-se espaccedilo para o autorimitador criar de modo inteligente a partir do modelo a fim de natildeo
incorrer no erro daqueles segundo o arpinate que imitam somente ldquoelementos faacuteceis ou mesmo
aqueles que satildeo particularesrdquo Mais quando diz nada ser mais faacutecil que imitar as vestes ou
movimentos de outrem parece-nos que Ciacutecero tem em mente ndash ou ao menos ecoa ndash a proacutepria
ideia ou semelhante de Aristoacuteteles (1447b supracitado) a respeito da diferenccedila entre o
pensamento e o verso as palavras
Discussotildees ou menccedilotildees semelhantes ocorrem tambeacutem em Quintiliano como no livro X
(em 2 27) ldquoA imitaccedilatildeo entretanto (pois eacute preciso repetir com frequecircncia) natildeo reside somente
nas palavrasrdquo14 em Secircneca na suasoacuteria 37 quando traz ldquoGeliatildeo dizia que isto tinha agradado
muito ao seu Nasatildeo [Oviacutedio] e assim ele fez aquilo que fizera em muitos outros versos de
Vergiacutelio natildeo para roubar mas para tomar de empreacutestimo claramente desejando que isso fosse
reconhecidordquo15
Se esses satildeo alguns dos testemunhos sobre imitaccedilatildeo no acircmbito da retoacuterica na poesia
recorremos a Horaacutecio na Arte Poeacutetica (137-135 309-318)
publica materies privati iuris erit si
non circa vilem patulumque moraberis
orbem
nec verbo verbum curabis reddere fidus
interpres nec desilies imitator in artum
unde pedem proferre pudor vetet aut
operis lex
nec sic incipies ut scriptor cyclicus olim
fortunam Priami cantabo et nobile
bellum
[]
Mateacuteria de domiacutenio puacuteblico seraacute de direito
privado se natildeo te demorares em volta de
um ciacuterculo batido e aberto se natildeo te
preocupares em verter fiel tradutor
palavra por palavra se natildeo caiacuteres
imitador num buraco de onde o pudor ou
a lei do gecircnero te proiacutebam tirar o peacute e se
natildeo comeccedilares assim como outrora o
escritor ciacuteclico ldquoA Fortuna de Priacuteamo
cantarei e a guerra famosardquo17
[]
O saber eacute o princiacutepio e a fonte do bem
escrever Os escritos socraacuteticos poderatildeo te
14 Texto latino extraiacutedo de ediccedilatildeo de Harold Edgeworth Butler 1922 ldquoimitatio autem (nam saepius idem dicam)
non sit tantum in verbisrdquo 15 Traduccedilatildeo de Artur Costrino (2011 p 68) No original (p 110) ldquohoc autem dicebat Gallio Nasoni suo valde
placuisse itaque fecisse illum quod in multis aliis versibus Vergilii fecerat non subripiendi causa sed palam
mutuandirdquo 17 Traduccedilatildeo fornecida pelo Dr Joatildeo Angelo Oliva Neto em sala de aula durante curso de poacutes-graduaccedilatildeo na
Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da Universidade de Satildeo Paulo no primeiro semestre de 2018
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scribendi recte sapere est et principium et
fons
rem tibi Socraticae poterunt ostendere
chartae
verbaque provisam rem non invita
sequentur
qui didicit patriae quid debeat et quid
amicis
quo sit amore parens quo frater amandus
et [hospes
quod sit conscripti quod iudicis officium
quae
partes in bellum missi ducis ille profecto
reddere personae scit convenientia cuique
respicere exemplar vitae morumque
iubebo
doctum imitatorem et vivas hinc ducere
voces16
mostrar a mateacuteria e as palavras seguiratildeo
natildeo de maacute vontade a mateacuteria prevista
Quem aprendeu o que eacute devido agrave paacutetria o
que eacute a amizade o que eacute o amor aos pais
como amar um irmatildeo e um estrangeiro
qual a funccedilatildeo do senador qual a do juiz
quais os atributos de um comandante
enviado agrave guerra esse com certeza sabe o
que conveacutem a cada [tipo] de pessoa Devo
ordenar o imitador experiente a olhar o
exemplo da vida e dos costumes e daiacute
extrair as expressotildees vivas
No primeiro excerto Horaacutecio ainda que se dirija a quem queira adentrar a seara poeacutetica
distingue dois tipos de accedilatildeo ao associar ao tradutor agrave palavra e o gecircnero ao imitador Como
foge do escopo deste trabalho natildeo nos ateremos na compreensatildeo de qual seria essa diferenccedila
em Horaacutecio entre tradutor e imitador basta que haja essa disposiccedilatildeo distinta entre um e outro
No entanto urge notar que no segundo excerto ao imitador ordena-se olhar o exemplo da vida
e dos costumes sendo jaacute doctum para que sua expressatildeo seja ldquovivardquo Andrew Laird (1999 p
310) vecirc nessa expressatildeo a combinaccedilatildeo de dois sentidos para a imitaccedilatildeo quais sejam como
coacutepia de modelos e como representaccedilatildeo18 Inferimos ainda da expressatildeo uma praacutetica impliacutecita
da imitaccedilatildeo de modelos nos estudos formativos como os apontados por Teatildeo (MANOEL
2014) que propiciaratildeo ao experiente imitador arcabouccedilo necessaacuterio para trilhar seu proacuteprio
caminho natildeo mais imitando modelos e sim a proacutepria vida inventando quer seja em acircmbito
filosoacutefico poeacutetico ou retoacuterico Aleacutem disso natildeo podemos deixar de concordar com Harvey
quanto ao menos um objetivo dos autores antigos a saber alcanccedilar a fama tornando-se modelo
o que era possiacutevel justamente por essa replicaccedilatildeo paraacutefrase e estudo de modelos anteriores19
16 Texto latino extraiacutedo da paacutegina do projeto Perseus ediccedilatildeo de C Smart (1836) 18 Assim ele traduz ldquoI will order the learned imitator to look to the model of life and morals and draw his utterances
living from thererdquo E explica ldquoThe phrase doctum imitatorem (lsquolearned imitatorrsquo) presupposes both the priority of
imitating models and the necessity of the imitator being well versed in those modelsrdquo (A expressatildeo doctum
imitatorem (imitador experiente) pressupotildee tanto a prioridade da imitaccedilatildeo de modelos como a necessidade de o
imitador ser bem versado nesses modelosrdquo 19 Cf Harvey (1955 p 157) ldquoIf we do not know the purpose for which a given poem was written or the
conventions which governed its form we are deprived of what the greeks regarded as one of the main criteria for
assessing its qualityrdquo (ldquoSe natildeo sabemos o propoacutesito para o qual determinado poema foi escrito ou as convenccedilotildees
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Da exposiccedilatildeo feita ateacute aqui por conseguinte percebemos como o conceito de mimese
ou imitaccedilatildeo possui sentidos diferentes ora mais filosoacuteficos e relacionados a ideias ora mais
objetivos e relacionados agraves proacuteprias palavras escritas de algum autor20
Poreacutem seja qual for o sentido eacute condenaacutevel a imitaccedilatildeo que vise agrave replicaccedilatildeo o que
aliaacutes Quintiliano diz ser impossiacutevel (Inst or X 2 10-11) de modo que a imitaccedilatildeo tem como
ldquofiltrordquo imprescindiacutevel a maior ou menor habilidade de um autor letrado
Portanto a invenccedilatildeo mira a originalidade que ocorre se eacute executada com ecircxito e poderaacute
alccedilar o autor agrave eternidade ou agrave primazia quer seja como um entre o rol dos liacutericos com uma
obra mais perene que o bronze como um Propeacutercio ao dizer-se o Caliacutemaco romano entre outros
exemplos
Se pareceu abrupta nossa mudanccedila de contexto grego para romano da poesia para a
retoacuterica ou seja do verso para a prosa eacute que entendemos que tal diferenccedila resida na
manifestaccedilatildeo isto eacute da accedilatildeo concreta da imitaccedilatildeo que se daacute por meio dos gecircneros (do qual
aquela natildeo se dissocia) como veremos a seguir 21
que governam sua forma ficamos privados do que os gregos consideravam como um dos principais criteacuterios para
compreender sua qualidaderdquo) Sobre a memorizaccedilatildeo e repeticcedilatildeo de modelos e sua relevacircncia no cenaacuterio claacutessico
com a ideia de novidade emergindo da invenccedilatildeo justamente pela multiplicaccedilatildeo e proliferaccedilatildeo de modelos ver
Muckelbauer (2003) 20 Discussatildeo pormenorizada desses sentidos pode ser encontrada em Muckelbauer (2003) como agrave paacutegina 243 em
que recupera desenvolvimentos de outros dois estudiosos ldquoEdward P J Corbett nicely summarizes McKeonrsquos
three primary meanings lsquo1) the Platonic notion of an image-making faculty which produces extensions of ideal
truth in the phenomenal world 2) the Aristotelian notion of the representation of human actions and 3) the
rhetorical notion of copying simulating emulating modelsrdquo (E P J C resume bem os trecircs sentidos principais de
McKeon lsquoa noccedilatildeo platocircnica de uma faculdade imageacutetico-criadora que produz extensatildeo de uma verdade ideal no
mundo fenomecircnico 2) a noccedilatildeo aristoteacutelica de representaccedilatildeo das accedilotildees humanas e 3) a noccedilatildeo retoacuterica de coacutepia
simulaccedilatildeo emulaccedilatildeo de modelosrdquo Divisotildees que o autor havia explicitado anteriormente agrave paacutegina 65 ldquoThe
imitation of an ideal world by the actual world became the province of ancient philosophy the imitation of the
actual world by a poet or actor became the concern of ancient literature and the imitation of a renowned orator or
teacher by a student became the terrain of ancient rhetoricrdquo (A imitaccedilatildeo de um mundo ideal pelo mundo real
tornou-se mateacuteria da filosofia antiga a imitaccedilatildeo do mundo real por um poeta ou ator tornou-se preocupaccedilatildeo da
literatura antiga e a imitaccedilatildeo de um orador renomado ou professor por um estudante tornou-se terreno da retoacuterica
antiga) 21 Geralmente classificam-se os textos antigos como pertencentes agrave filosofia agrave retoacuterica ou agrave poesia Poreacutem se
temos autores adultos escrevendo em uma ou mais aacutereas eacute porque a educaccedilatildeo baacutesica ndash em analogia ao ensino
institucionalizado de hoje guardadas as devidas proporccedilotildees ndash que tiveram jaacute os preparara para tal Nisto remetemos
a trabalho aos progymnaacutesmata ou praeexercitamina com seus exerciacutecios de reproduccedilatildeo paraacutefrase amplificaccedilatildeo
e especificamente na retoacuterica hipoacuteteses ou controveacutersias bem como um dos autores ndash talvez o mais antigo de que
tenhamos um manual ndash Eacutelio Teatildeo que diz (MANOEL 2014 p 30) ldquoIncluiacute essas coisas natildeo julgando todas uacuteteis
a todos os iniciantes mas para que saibamos que exerciacutecios satildeo muito importantes natildeo soacute para os que estatildeo prestes
a discursar como tambeacutem a quem queira partilhar da faculdade dos poetas dos historiadores e dos outros
discursosrdquo no original (PATILLON 1997 p 9) ldquoταῦτα μὲν οὖν παρεθέμην οὐ νομίζων μὲν ἅπαντα εἶναι πᾶσιν
ἀρχομένοις ἐπιτήδεια ἀλλ ἵνα ἡμεῖς εἰδῶμεν ὅτι πάνυ ἐστὶν ἀναγκαῖον ἡ τῶν γυμνασμάτων ἄσκησις οὐ μόνον
τοῖς μέλλουσι ῥητορεύειν ἀλλὰ καὶ εἴ τις ἢ ποιητῶν ἢ λογοποιῶν ἢ ἄλλων τινῶν λόγων δύναμιν ἐθέλει
μεταχειρίζεσθαιrdquo Pois Teatildeo dissera anteriormente ldquoAntes de tudo o professor deve apresentar aos jovens os
bons exemplos recolhidos das letras antigas para que aprendam e guardem na memoacuteria tal como o da chreia que
haacute em Platatildeo no primeiro livro da Repuacuteblicardquo Do original vale destacar a expressatildeo ldquoπαλαιῶν συγγραμμάτωνrdquo
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Eacute informaccedilatildeo oacutebvia que para surgir um sistema de gecircneros havia mesmo que de modo
impliacutecito convenccedilotildees reconhecidas a respeito das composiccedilotildees escritas No entanto a
imprecisatildeo que vemos em autores gregos e a posterior crise dos gecircneros22 que se inicia com os
heleniacutesticos denota que tal sistema natildeo fosse estaacutevel ou livre de dissensotildees23
De acordo com nosso propoacutesito natildeo percorreremos definiccedilotildees e prescriccedilotildees a respeito
de gecircneros mas chamaremos a atenccedilatildeo para dois conceitos a poikilia (variedade) e a polyeideia
(pluralidade de gecircneros) A poikilia ocorre jaacute no periacuteodo claacutessico em Piacutendaro (Piacuteticas 9 76-
78)
ἀρεταὶ δ αἰεὶ μεγάλαι πολύμυθοι
βαιὰ δ ἐν μακˈροῖσι ποικίλλειν
ἀκοὰ σοφοῖς ὁ δὲ καιρὸς ὁμοίως
παντὸς ἔχει κορυφάν
Grandes virtudes satildeo sempre muito
faladas mas variegar pequenas entre
grandes coisas
eacute o que ouvem os saacutebios O oportuno
igualmente eacute de tudo o remate 24
para se referir agraves ldquoletras antigasrdquo (PATILLON 1997 p 9) em ldquoΠῶρτὸν μὲν ἁπάντων χρὴ τὸν διδάσκαλον ἑκάστου
γυμνάσματος εὖ ἔχοντα παραδείγματα ἐκ τῶν παλαιῶν συγγραμμάτων ἀναλεγόμενον προστάττειν τοῖς νέοις
ἐκμανθάνειν οἷον χρείας μὲν ὁποία ἐστὶν ἡ παρὰ Πλάτωνι ἐν τῷ πρώτῳ τῆς πολιτείαςrdquo expressatildeo que Patillon
traduz por ldquoles ouvrages des anciensrdquo e Kennedy (2003 p 9) verte para o inglecircs do seguinte modo ldquoancient prose
works Ademais utilizamos ldquoletras antigasrdquo para compreender prosa e verso pois como diz Christian Werner
(WERNER SEBASTIANI DOURADO-LOPES 2014 p 14 e 15) ldquoentre os gregos poreacutem natildeo haacute nenhum
termo que abarque prosa e verso [] um termo que nas praacuteticas gregas se aproximou bastante do sentido em
questatildeo foi mousikecirc termo nuclear para aquilo que J Herington chamou de ldquocultura da canccedilatildeordquo e aqui vale
lembrar das palavras de Harvey (1955 p 5 e 28) quanto agrave poesia arcaica ldquoThus the opposition between what we
may call song and poetry is a mimesis or imitation of the fundamental opposition between singing and speaking
(Assim a oposiccedilatildeo entre o que podemos chamar canccedilatildeo e poesia eacute uma mimese ou imitaccedilatildeo da oposiccedilatildeo
fundamental entre o cantar e o falar) e ldquoWritten is not something that is not oral rather it is some thing in addition
to being oral and that additional something will vary from society to society It is dangerous to universalize the
phenomenon of literacyrdquo (O escrito natildeo eacute uma coisa natildeo oral eacute sim um algo a mais aleacutem de oral e esse algo a
mais variaraacute de sociedade a sociedade Eacute perigoso universalizar o fenocircmeno do letramento) Em Ciacutecero o sistema
do gecircnero e as diferenccedilas entre prosa e poesia jaacute parecem ser mais bem demarcados do que eram na eacutepoca de
Aristoacuteteles 22 Ford (2002 p 252-3) fala em hibridismo em Goacutergias pois no programaproacutelogo do elogio a Helena fala em
dizer o que deve ser dito e refutar falsas acusaccedilotildees uma vez que teria sido acusado por Isoacutecrates de fugir agrave lei do
gecircnero e fazer uma apologia em vez de um elogio Isoacutecrates em Antidosis no paraacutegrafo 47 diz ter desenvolvido
seu proacuteprio gecircnero mais poeacutetico e com estilo adornado Mais um exemplo o jaacute citado Harvey (1955 p 160 e
166) diz numa passagem que os epiniacutecios de Piacutendaro natildeo satildeo todos a rigor epiniacutecios de modo que tenham sigo
organizados segundo loacutegica diferente e que o reacutetor Menandro teria dito que um hino escrito para Apolo eacute chamado
peatilde mas ditirambo quando para Dioniso 23 Ver Farrel (2003 p 388) ldquoCom o tempo encontra-se um senso de aventura cada vez maior ateacute que no periacuteodo
heleniacutestico e romano chega a parecer que testar e mesmo violar limites geneacutericos natildeo era meramente uma
consequecircncia inevitaacutevel e acidental de escrever em qualquer gecircnero mas um importante aspecto da arte do poetardquo
(No original ldquoWith time one finds an ever-greater sense of adventure until by the Hellenistic and Roman periods
it comes to seem that testing and even violating generic boundaries was not merely an inevitable and accidental
consequence of writing in any genre but an important aspect of the poets craftrdquo) 24 Traduccedilatildeo de Joatildeo Angelo Oliva Neto para o referido curso de poacutes-graduaccedilatildeo a quem agradeccedilo a apresentaccedilatildeo
de ambos os conceitos e das fontes A traduccedilatildeo seguinte tambeacutem eacute dele
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O termo ocorre tambeacutem nas Oliacutempicas (6 85-87) e em Aristoacuteteles na Poeacutetica (XIII
1459a 34)
Jaacute a polyeacuteideia ocorre num comentaacuterio (Diegesis 9 32-35) antigo a um verso do Iambo
13 de Caliacutemaco (frag 203 Pfeiffer)
Ἐν τούτῳ πρὸς τοὺς καταμεμφομένους αὐτὸν
ἐπὶ τῇ πολυειδείᾳ ὧν γράφει ποιημάτων
ἀπαντῶν φησιν ὅτι Ἴωνα μιμεῖται τὸν
τραγικόν ἀλλ οὐδὲ τὸν τέκτονά τις μέμφεται
πολυειδῆ σκεύη τεκταινόμενον
Neste [poema] [dirigindo-se] aos que o
reprovam pela pluralidade de gecircneros de
todos poemas que escreve [Caliacutemaco] diz
que imita o tragedioacutegrafo Iacuteon mas
ningueacutem de fato censura o artiacutefice que
faz multiacutegenos utensiacutelios
Caliacutemaco assim tanto busca variegar como faz uma pluralidade de gecircneros ndash
manifestaccedilotildees da invenccedilatildeo sem deixar de citar como modelo Mimnermo para ser o primeiro
em novo trilho (frag 1 Pfeiffer 21-25 traduccedilatildeo e Joatildeo Angelo Oliva Neto)
ldquoo incenso aedo o mais espesso eacute o que conveacutem
me dar a Musa amigo delicada
Ordeno-te natildeo vaacutes por onde os carros trilham
nem sobre o mesmo alheio rasto a roda
leves nem vaacutes agrave larga via mas a estrada
natildeo batida por mais que estreita sigasrdquo
Cumpre aqui notar a relevacircncia de Caliacutemaco tanto por ser criacutetico como poeta uma vez
que como bibliotecaacuterio organizou iacutendice de autores e obras os piacutenakes que hoje chamamos
ldquocataacutelogosrdquo Sua importacircncia eacute capital porque evidencia parte dessa poeacutetica heleniacutestica que teraacute
influenciado Catulo e Horaacutecio
O livro de Catulo eacute emblemaacutetico porque reflete a poeacutetica heleniacutestica e a influecircncia de
Caliacutemaco eacute um livro variegado e tambeacutem plural quanto aos gecircneros jaacute que possui uma primeira
parte polimeacutetrica e uma segunda monomeacutetrica em diacutesticos elegiacuteacos e apresenta poemas com
caracteriacutesticas diacutespares como epigramas e mesmo elegias com destaque poreacutem a seu caraacuteter
ligeiro (OLIVA NETO 1996)
Nas Odes Horaacutecio segue ediccedilotildees alexandrinas para ordenar o livro quanto aos hinos
seja assemelhando-se aos modelos como no caso do primeiro livro imitando Alceu ou
afastando-se como no caso de Safo que faz hino a Afrodite ao passo que o poeta a tenta afastar
Aleacutem disso as sequecircncias riacutetmicas ou seja os metros indicam seccedilotildees proacuteprias e relacionam as
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odes25 e Horaacutecio busca tornar-se ele tambeacutem modelo como em IV 6 (vv 43-44 ldquodei carme
grato aos deuses aprendendo do vate Horaacutecio os metrosrdquo (aqui sigo as ideias e utilizo a
traduccedilatildeo de Alexandre Hasegawa 2012) Tambeacutem eacute poeta variegado e trabalha com os limites
do gecircnero como no livro dos epodos em que apresenta dois (14 e 15) com elementos liacutericos
bem como se insere entre os primeiros no gecircnero ndash ainda que Catulo tenha feito iambos ndash na
Epist 1 19 vv 20-24 ldquoEu por primeiro pus meus peacutes em campo livre e natildeo pisei pegadas
alheias Quem confiar em si conduziraacute o enxame Eu fui o primeiro que mostrei ao Laacutecio os
iambos Paacuterios imitando o ritmo e o acircnimo de Arquiacuteloco natildeo a mateacuteria e as palavras dirigidas
a Licambesrdquo (HASEGAWA 2010 p 79 traduccedilatildeo dos versos por Joatildeo Angelo Oliva Neto)
2 Tradutor imitador ou autor
E agora onde entra a traduccedilatildeo nesta histoacuteria Segundo a discussatildeo e os passos
apontados deduzimos em linhas gerais que o espiacuterito claacutessico o zeitgeist hegeliano dos
autores os incitava agrave inventividade agrave originalidade a testar os limites a superar os modelos ndash
para se tornar modelos ndash a escolher caminhos estreitos Enfim cenaacuterio que em pouco mais de
trezentos anos presenciou muitas guerras e transformaccedilotildees hegemonias gregas com Atenas
Esparta as conquistas de Alexandre O Grande e a dominaccedilatildeo imposta por Roma Contexto
agoniacutestico e de competitividade poliacutetica militar e como natildeo poderia deixar de ser nas
composiccedilotildees escritas Eacute por isso e a ausecircncia de um tratado-testemunho sobre uma arte ou
teacutecnica da traduccedilatildeo que o corrobore que dificilmente podemos conceber um autor aplicado a
ldquopublicarrdquo a obra de outro autor e natildeo proacutepria portanto sem sua autoridade assumindo-se
como imitador da mateacuteria do ritmo e das palavras enfim do gecircnero Muitos testemunhos
mencionam ou falam da imitaccedilatildeo mas quantos autores temos assumindo-se como imitadores
sem ter feito qualquer inovaccedilatildeo no gecircnero seja com mateacuteria seja com ritmo diferente
Destarte sugerimos que usar o termo ldquotraduccedilatildeordquo ou ldquotradutorrdquo para denominar as obras
e os autores antigos eacute anacronismo uma vez que natildeo podemos encontrar teorias antigas a
respeito disso mas somente teacutecnicas e artes de composiccedilatildeo em que a invenccedilatildeo senatildeo expliacutecita
eacute impliacutecita Contudo natildeo ousamos radicalizar e certamente estudantes treinavam com
25 Trata-se da alternacircncia Ver Hasegawa (2016 sobretudo nota de rodapeacute 60 agrave paacutegina 144 em que arrola
bibliografia e menciona a alternacircncia de estrofes alcaicas e saacuteficas no livro das Odes de Horaacutecio diacutesticos elegiacuteacos
e hendecassiacutelabos faleacutecios na Priapeia latina eacuteclogas dramaacuteticas e narrativas nas Bucoacutelicas de Vergiacutelio e
Calpuacuternio
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reproduzir textos de outros autores de uma liacutengua a outra sem no entanto entenderem isso
como uma arte ou teacutecnica proacutepria mas como uma imitaccedilatildeo e se ldquofielrdquo bem por isso condenaacutevel
e abaixo da dignidade que a autoridade de um poeta exigia26 Essas balizas satildeo aquelas que
norteiam e da qual derivam as modernas teorias da traduccedilatildeo as leis do gecircnero E quando
dissemos ldquocrise dos gecircnerosrdquo natildeo queremos nos referir a um evento de fato e sim a um lugar-
comum inerente agraves composiccedilotildees quer seja em poesia quer em prosa uma vez que tanto poetas
como reacutetores (cf os proecircmios de livros como Retoacuterica a Herecircnio De inuentione De oratore
os manuais de Eacutelio Teatildeo Hermoacutegenes entre outros em que cada um inaugura seu tratado ou
teoria dizendo inovar em relaccedilatildeo aos predecessores) O que nos parece ponto fechado eacute que os
autores heleniacutesticos tinham como princiacutepio impliacutecito o dever de conhecer profundamente seus
modelos a fim de justamente por isso natildeo os repetir mas com eles competir ou para usar do
jargatildeo emular
Um caso poreacutem nos chama a atenccedilatildeo Catulo no poema 65 15-16 (OLIVA NETO
1996 p 133)
sed tamen in tantis maeroribus Ortale
mitto
haec expressa tibi carmina Battiadae
em tanta dor poreacutem te envio oacute Hoacutertalo
estes versos vertidos de Caliacutemaco
Em face agrave deduccedilatildeo que realizamos se torna espantoso em um primeiro momento nesse
cenaacuterio um autor reconhecer ter traduzido outro sem inventar isto eacute aparentemente sem
adaptar inteligentemente ou refundir o modelo no entanto ainda que tenha feito Catulo o fez
somente de modo segmentado natildeo de todo o poema o que teria sido uma imitaccedilatildeo servil e
condenaacutevel mas somente de um trecho incluindo-o em outro ambiente (poemas matrimoniais)
diferente embora em livro variegado e com pluralidade de gecircneros Seria assim uma inovaccedilatildeo
catuliana inserir em sua obra de modo anunciado publicamente uma traduccedilatildeo aparentemente
servil pois natildeo eacute de fato jaacute que refunde o modelo apesar de mantecirc-lo o mais possiacutevel
aproximado da liacutengua de chegada com inseri-lo em ambiente diverso do original Ressalve-se
que o original se refere ao fragmento 110 (Pfeiffer) do final do livro IV dos Aitia de Caliacutemaco
do qual temos poucos versos para comparar ao texto latino que tradicionalmente tem sido
utilizado para maior compreensatildeo do texto grego Carmina expressa aponta o verbo exprimere
26 ldquo[] eacute equivocado tambeacutem buscar para cada poema ou verso latino um modelo como se o poeta fosse obrigado
a imitar a cada palavra que escrevesse Se a imitaccedilatildeo eacute conceito importante para poetas latinos e praacutetica frequumlente
(mesmo a imitaccedilatildeo servil deveria ser constante caso contraacuterio natildeo haveria condenaccedilatildeo de Horaacutecio e Quintiliano)
eacute estimulada tambeacutem a inovaccedilatildeo no gecircnero que torna o escritor verdadeiramente auctorrdquo (HASEGAWA 2010
p 79)
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que entendemos com Joatildeo Angelo Oliva Neto por decalque Desse modo Catulo seria uma
exceccedilatildeo agrave regra ou ao menos o primeiro a fazecirc-lo publicamente mantendo a dignidade autoral
como poeta haacutebil e cujo testemunho nos chegou27 Mas ao fazer isso Catulo demonstra aos
leitores atentos sua capacidade de ser original ainda quando aparente servilismo testando as
teorias expliacutecitas e impliacutecitas das composiccedilotildees poeacuteticas e recepccedilotildees dos leitores
Ciacutecero (De optimo genere oratorum 14) Pliacutenio (VII 9) e Aulo Geacutelio (Noctes Atticae
991) utilizaratildeo o termo vertere infracitados respectivamente
Converti enim ex Atticis duorum
eloquentissimorum nobilissimas orationes
inter seque contrarias Aeschinis et
Demosthenis nec converti ut interpres
sed ut orator sententiis isdem et earum
formis tamquam figuris verbis ad nostram
consuetudinem aptis
Verti entatildeo dos aacuteticos dois discursos
notaacuteveis e contraacuterios entre si um de
Eacutesquines outro de Demoacutestenes autores
dos mais eloquentes E natildeo os verti como
um inteacuterprete mas como um orador
usando os mesmos argumentos tanto na
sua forma quanto nas suas figuras de
linguagem em termos adequados agrave nossa
cultura
1 Quaeris quemadmodum in secessu quo
iam diu frueris putem te studere oportere
Utile in primis et multi praecipiunt vel ex
Graeco in Latinum vel ex Latino vertere in
Graecum 2 Quo genere exercitationi
proprietas splendorque verborum copia
figurarum vis explicandi praeterea
imitatione optimorum similia inveniendi
facultas paratur
1 Vocecirc pergunta como eu acho que lhe
conveacutem estudar no tempo livre de que jaacute
desfruta haacute um bom tempo Sobretudo
proveitosamente E muitos receitam verter
do grego ao latim e do latim ao grego 2
Esse eacute um tipo de exerciacutecio que propicia
seguranccedila e brilho com as palavras
inventaacuterio de imagens e tino
argumentativo bem como por meio da
imitaccedilatildeo dos melhores a faculdade de
inventar obras similares
Quando ex poematis Graecis vertendae
imitandaeque sunt insignes sententiae
non semper aiunt enitendum ut omnia
omnino verba in eum in quem dicta sunt
modum vertamus
Quando de poemas gregos eacute necessaacuterio
verter e imitar sentenccedilas notaacuteveis nem
sempre dizem se deve empenhar para
verter absolutamente todas as palavras
daquele mesmo modo com que foram
ditas
27 Cf Oliva Neto (1996 p 22) Os intelectuais heleniacutesticos percebiam ser irreversiacutevel a consolidaccedilatildeo da escrita e
embora fossem bem conscientes do abalo produzido por ela no mundo oral jamais contemplaram seus
predecessores como quem observa inimigos vencidos Ao contraacuterio a proacutepria escrita e a consciecircncia de serem
escribas o apego ao livro como qualquer nova atitude ligada agrave cultura tinham apoio e justificaccedilatildeo no fato de
servir ao legado dos antecessores preservando-o o que outra coisa natildeo eacute que o sentido dialeacutetico da tradiccedilatildeo
tinham de ser conspicuamente diferentes deles para continuar a exercer em outras circunstacircncias a mesma funccedilatildeo
de poetas Percebendo ser outra a dinacircmica da produccedilatildeo cultural graccedilas precisamente agrave escrita os poetas
heleniacutesticos para inserir-se nessa tradiccedilatildeo e continuaacute-la tiveram muita vez que explicitar o caraacuteter graacutefico de sua
obra
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O interpres de Horaacutecio (fidus interpres v 134 da AP) parece evocar o interpres de
Ciacutecero ainda que em contextos diferentes uma vez que condenam o servilismo de verter
palavra por palavra tendo em vista que o orador tem como primeira atividade encontrar os
argumentos adequados isto eacute o pensamento para depois vesti-los
Ademais natildeo satildeo poucas as definiccedilotildees para artiacutefices e suas obras independentemente
se em prosa ou verso filoacutesofos reacutetores poetas todos auctores com suas mais diferentes obras
como tratados epiacutestolas diaacutelogos eacutepica liacuterica elegia ditirambos etc Mas quais os termos para
o tradutor e para a traduccedilatildeo Natildeo encontramos bem porque tal funccedilatildeo natildeo fosse reconhecida agrave
eacutepoca O que mais se aproxima dessa ideia eacute o conceito do lado negativo condenaacutevel da
imitatio daiacute Horaacutecio com ldquose natildeo caiacuteres imitadorrdquo em que imitator qualifica o executor da
mera imitatio servil isto eacute que natildeo inventa que natildeo refunde que natildeo se lanccedila como inovador
Tambeacutem poderiacuteamos utilizar interpres poreacutem devemos encerrar a exposiccedilatildeo para respeitar a
lei do gecircnero e o termo carece de anaacutelise de seus empregos significados e etimologia mais
minuciosa
Consideraccedilotildees finais
Fala-se amiuacutede de Liacutevio Andronico como tradutor da Odisseia bem como outros
autores latinos No entanto dessa imitaccedilatildeo como preferimos chamar natildeo sobram mais que
cinquenta versos e haacute de se analisar o quanto sejam ou natildeo imitaccedilotildees servis em vez de
traduccedilotildees como hoje chamamos (o mesmo para o poema 66 de Catulo com relaccedilatildeo aos
fragmentos calimaquianos) E Liacutevio Andronico atesta Ciacutecero foi auctor de peccedilas Natildeo se
enquadra na funccedilatildeo de tradutor servil e o ritmo escolhido para sua versatildeo da Odisseia eacute feito
no verso saturnino que natildeo corresponde ao hexacircmetro
Desse modo discordamos de Kennedy (2008 p 224) a respeito da comeacutedia de Plauto
com dizer
[] para nossos objetivos o principal significado da comeacutedia plautina
reside em demonstrar quatildeo longe um ldquotradutorrdquo pode ir na mudanccedila da
forma e do conteuacutedo de seu modelo Esta eacute a primeira explosatildeo de
virtuosismo linguiacutestico na literatura romana e as liberdades de Plauto
na estrutura dramaacutetica e caracterizaccedilatildeo satildeo equilibradas pela
versatilidade de seu ritmo liacuterico e corrente e por todo tipo de jogo com
som e sentido numa fantasia verbal extravagantemente estilizada
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Traduccedilatildeo como imitaccedilatildeo foi suplantada pela exploraccedilatildeo do modelo
como veiacuteculo para a linguagem pessoal do poeta Romano28
Pois natildeo vemos tanto em Liacutevio Andronico quanto em Plauto diferenccedila a respeito da
imitaccedilatildeo que continua sendo fusatildeo de um modelo e veiacuteculo para manifestar a inventividade do
poeta29
Desse modo utilizar o termo ldquotradutorrdquo ou ldquotraduccedilatildeordquo pelo menos ateacute Ciacutecero parece-
nos um anacronismo ao passo que o termo mais acertado seria autor ou imitador no caso de
uma adaptaccedilatildeo inteligente ou de uma imitaccedilatildeo servil respectivamente de acordo com a
recepccedilatildeo e proacutepria criacutetica antiga30
Eacute com a septuaginta que temos um caso interessante e de oposiccedilatildeo a heleniacutestica epiacutestola
de Aristeias cuja lenda refere uma ldquotraduccedilatildeordquo feita por 72 escolhidos e cujo resultado seria
uma versatildeo pura correta e imutaacutevel das palavras inspiradas por um autor que natildeo pode ser
emulado Deus E eacute justamente em Satildeo Jerocircnimo tradutor da Biacuteblia em epiacutestola a Pameacutecio
(376 dC ndash aqui sim depois de Cristo) que vemos uma defesa daquele de suas escolhas de
versatildeo e de onde derivam explicitamente as ideias de traduccedilatildeo pela letra ou pelo espiacuterito ou
sentido
Em suma eacute evidente que havia traduccedilotildees tantas possiacuteveis quantos os autores ou
inteacuterpretes poreacutem embora natildeo haja teoria expliacutecita em tratado sobre a traduccedilatildeo podemos
28 For our purposes the chief significance of Plautine comedy is in demonstrating how far a translator [antente-se
para o uso de aspas no termo translator que revela cautela por parte do autor] can go in changing the form and
content of his model This is the first explosion of linguistic virtuosity in Roman literature and Plautus cavalier
liberties taken with dramatic structure and characterisation are offset by the versatility of his lyric and dialogue
metres and by every kind of play on sound and sense in extravagantly stylised verbal fantasy Translation as
imitation has been superseded by exploitation of the model as vehicle for the Roman poets personal idiom 29 E mais nas palavras de Harvey (1955 p 217) ldquouma importante caracteriacutestica da teoria retoacuterica no periacuteodo
heleniacutestico relaciona-se com a invenccedilatildeordquo (ldquoAn important feature of rhetorical theory in the Hellenistic period
relates to inventionrdquo) que natildeo se restringe somente agrave retoacuterica como vimos nos passos supracitados bem como
fazia parte do curriacuteculo educacional dos progymnaacutesmata ou praeexercitamina Aliaacutes em contexto romano diraacute
Harvey agrave frente (p 240) ldquoquando enredo e sequecircncia narrativa caracterizaccedilatildeo e diaacutelogo satildeo predeterminados pelo
modelo a composiccedilatildeo torna-se muito mais uma questatildeo de escolha (ou criaccedilatildeo) da palavra correta [aptum] para o
contexto Daiacute a poesia romana comeccedilar com a preocupaccedilatildeo quanto agrave elocuccedilatildeo mas com escopo para a criatividade
linguiacutesticardquo (ldquowhen plot and narrative sequence character and dialogue are predetermined by the model
composition becomes very much a matter of choosing (or creating) the right word for the context Hence Roman
poetry began with concern for diction but with scope for linguistic creativityrdquo) Ideia de que discordamos em parte
pois tomando ainda Catulo e Horaacutecio como exemplos esses autores natildeo apenas testaram limites quanto ao ritmo
a meacutetrica a dicccedilatildeo ou elocuccedilatildeo como demonstraram que essa mesma elocuccedilatildeo o arranjo das palavras (verbis
serendis AP v 45) natildeo pode ser dissociada da invenccedilatildeo quanto agrave mateacuteria Horaacutecio faz epodos fracos Catulo nos
leva do epigrama agrave elegia (HASEGAWA 2010 OLIVA NETO 2006) Assim eacute possiacutevel que houve uma mudanccedila
de foco mais para a arte da escrita (com o desenvolvimento e divulgaccedilatildeo da escrita) no entanto a invenccedilatildeo ainda
permanece como condiccedilatildeo sine qua non do ofiacutecio dos compositores reacutetores poetas filoacutesofos professores etc 30 Cf Hunter (2005 p 481) ldquoevitar a larga via eacute uma questatildeo de usar o passado de modo inteligenterdquo (ldquoAvoiding
the lsquobroad highway [Caliacutemaco fr 1 21-28] is a matter of using the past intelligentlyrdquo)
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circunscrevecirc-la nesse sistema geneacuterico que como visto era responsivo competitivo feacutertil e
repleto de debates Nele circunscrita torna-se mais faacutecil compreender Ciacutecero quando diz
traduzir como orador e natildeo como imitador o foco natildeo estava em Demoacutestenes mas no proacuteprio
Ciacutecero que reconhece Demoacutestenes como modelo para utilizar inteligentemente para seu
propoacutesito que nem de longe se assemelha ao papel da traduccedilatildeo de hoje focada no autor do
original a fim de recuperar seus possiacuteveis sentidos originais e como ele os teria manifestado em
outro idioma
Assim nossa breve exposiccedilatildeo se encerra com base na hipoacutetese aqui aventada com a
seguinte questatildeo quando ocorreu e por que razotildees a mudanccedila de foco do olhar dos autores de
sua obra proacutepria original por invenccedilatildeo para o modelo ou seja o apagamento autoral ou a
separaccedilatildeo de papeacuteis ndash entre autores e tradutores diferentes na justa medida da maior ou menor
inventividade proacutepria em competiccedilatildeo com a do modelo ndash o nascimento do tradutor e de
traduccedilotildees enfim quando a imitaccedilatildeo servil como exerciacutecio formativo e relegada agraves salas de
aula tornou-se objetivo de traduccedilatildeo
Referecircncias Bibliograacuteficas
[CIacuteCERO] Retoacuterica a Herecircncio Traduccedilatildeo e introduccedilatildeo de Ana Paula Celestino Faria e Adriana
Seabra) Satildeo Paulo Hedra 2005 p 55
COSTRINO Artur A liccedilatildeo dos declamadores Secircneca o reacutetor e as suasoacuterias 2010
Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Letras Claacutessicas) - Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias
Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2011 Disponiacutevel em
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86 ISSN 2236-4013
scribendi recte sapere est et principium et
fons
rem tibi Socraticae poterunt ostendere
chartae
verbaque provisam rem non invita
sequentur
qui didicit patriae quid debeat et quid
amicis
quo sit amore parens quo frater amandus
et [hospes
quod sit conscripti quod iudicis officium
quae
partes in bellum missi ducis ille profecto
reddere personae scit convenientia cuique
respicere exemplar vitae morumque
iubebo
doctum imitatorem et vivas hinc ducere
voces16
mostrar a mateacuteria e as palavras seguiratildeo
natildeo de maacute vontade a mateacuteria prevista
Quem aprendeu o que eacute devido agrave paacutetria o
que eacute a amizade o que eacute o amor aos pais
como amar um irmatildeo e um estrangeiro
qual a funccedilatildeo do senador qual a do juiz
quais os atributos de um comandante
enviado agrave guerra esse com certeza sabe o
que conveacutem a cada [tipo] de pessoa Devo
ordenar o imitador experiente a olhar o
exemplo da vida e dos costumes e daiacute
extrair as expressotildees vivas
No primeiro excerto Horaacutecio ainda que se dirija a quem queira adentrar a seara poeacutetica
distingue dois tipos de accedilatildeo ao associar ao tradutor agrave palavra e o gecircnero ao imitador Como
foge do escopo deste trabalho natildeo nos ateremos na compreensatildeo de qual seria essa diferenccedila
em Horaacutecio entre tradutor e imitador basta que haja essa disposiccedilatildeo distinta entre um e outro
No entanto urge notar que no segundo excerto ao imitador ordena-se olhar o exemplo da vida
e dos costumes sendo jaacute doctum para que sua expressatildeo seja ldquovivardquo Andrew Laird (1999 p
310) vecirc nessa expressatildeo a combinaccedilatildeo de dois sentidos para a imitaccedilatildeo quais sejam como
coacutepia de modelos e como representaccedilatildeo18 Inferimos ainda da expressatildeo uma praacutetica impliacutecita
da imitaccedilatildeo de modelos nos estudos formativos como os apontados por Teatildeo (MANOEL
2014) que propiciaratildeo ao experiente imitador arcabouccedilo necessaacuterio para trilhar seu proacuteprio
caminho natildeo mais imitando modelos e sim a proacutepria vida inventando quer seja em acircmbito
filosoacutefico poeacutetico ou retoacuterico Aleacutem disso natildeo podemos deixar de concordar com Harvey
quanto ao menos um objetivo dos autores antigos a saber alcanccedilar a fama tornando-se modelo
o que era possiacutevel justamente por essa replicaccedilatildeo paraacutefrase e estudo de modelos anteriores19
16 Texto latino extraiacutedo da paacutegina do projeto Perseus ediccedilatildeo de C Smart (1836) 18 Assim ele traduz ldquoI will order the learned imitator to look to the model of life and morals and draw his utterances
living from thererdquo E explica ldquoThe phrase doctum imitatorem (lsquolearned imitatorrsquo) presupposes both the priority of
imitating models and the necessity of the imitator being well versed in those modelsrdquo (A expressatildeo doctum
imitatorem (imitador experiente) pressupotildee tanto a prioridade da imitaccedilatildeo de modelos como a necessidade de o
imitador ser bem versado nesses modelosrdquo 19 Cf Harvey (1955 p 157) ldquoIf we do not know the purpose for which a given poem was written or the
conventions which governed its form we are deprived of what the greeks regarded as one of the main criteria for
assessing its qualityrdquo (ldquoSe natildeo sabemos o propoacutesito para o qual determinado poema foi escrito ou as convenccedilotildees
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Da exposiccedilatildeo feita ateacute aqui por conseguinte percebemos como o conceito de mimese
ou imitaccedilatildeo possui sentidos diferentes ora mais filosoacuteficos e relacionados a ideias ora mais
objetivos e relacionados agraves proacuteprias palavras escritas de algum autor20
Poreacutem seja qual for o sentido eacute condenaacutevel a imitaccedilatildeo que vise agrave replicaccedilatildeo o que
aliaacutes Quintiliano diz ser impossiacutevel (Inst or X 2 10-11) de modo que a imitaccedilatildeo tem como
ldquofiltrordquo imprescindiacutevel a maior ou menor habilidade de um autor letrado
Portanto a invenccedilatildeo mira a originalidade que ocorre se eacute executada com ecircxito e poderaacute
alccedilar o autor agrave eternidade ou agrave primazia quer seja como um entre o rol dos liacutericos com uma
obra mais perene que o bronze como um Propeacutercio ao dizer-se o Caliacutemaco romano entre outros
exemplos
Se pareceu abrupta nossa mudanccedila de contexto grego para romano da poesia para a
retoacuterica ou seja do verso para a prosa eacute que entendemos que tal diferenccedila resida na
manifestaccedilatildeo isto eacute da accedilatildeo concreta da imitaccedilatildeo que se daacute por meio dos gecircneros (do qual
aquela natildeo se dissocia) como veremos a seguir 21
que governam sua forma ficamos privados do que os gregos consideravam como um dos principais criteacuterios para
compreender sua qualidaderdquo) Sobre a memorizaccedilatildeo e repeticcedilatildeo de modelos e sua relevacircncia no cenaacuterio claacutessico
com a ideia de novidade emergindo da invenccedilatildeo justamente pela multiplicaccedilatildeo e proliferaccedilatildeo de modelos ver
Muckelbauer (2003) 20 Discussatildeo pormenorizada desses sentidos pode ser encontrada em Muckelbauer (2003) como agrave paacutegina 243 em
que recupera desenvolvimentos de outros dois estudiosos ldquoEdward P J Corbett nicely summarizes McKeonrsquos
three primary meanings lsquo1) the Platonic notion of an image-making faculty which produces extensions of ideal
truth in the phenomenal world 2) the Aristotelian notion of the representation of human actions and 3) the
rhetorical notion of copying simulating emulating modelsrdquo (E P J C resume bem os trecircs sentidos principais de
McKeon lsquoa noccedilatildeo platocircnica de uma faculdade imageacutetico-criadora que produz extensatildeo de uma verdade ideal no
mundo fenomecircnico 2) a noccedilatildeo aristoteacutelica de representaccedilatildeo das accedilotildees humanas e 3) a noccedilatildeo retoacuterica de coacutepia
simulaccedilatildeo emulaccedilatildeo de modelosrdquo Divisotildees que o autor havia explicitado anteriormente agrave paacutegina 65 ldquoThe
imitation of an ideal world by the actual world became the province of ancient philosophy the imitation of the
actual world by a poet or actor became the concern of ancient literature and the imitation of a renowned orator or
teacher by a student became the terrain of ancient rhetoricrdquo (A imitaccedilatildeo de um mundo ideal pelo mundo real
tornou-se mateacuteria da filosofia antiga a imitaccedilatildeo do mundo real por um poeta ou ator tornou-se preocupaccedilatildeo da
literatura antiga e a imitaccedilatildeo de um orador renomado ou professor por um estudante tornou-se terreno da retoacuterica
antiga) 21 Geralmente classificam-se os textos antigos como pertencentes agrave filosofia agrave retoacuterica ou agrave poesia Poreacutem se
temos autores adultos escrevendo em uma ou mais aacutereas eacute porque a educaccedilatildeo baacutesica ndash em analogia ao ensino
institucionalizado de hoje guardadas as devidas proporccedilotildees ndash que tiveram jaacute os preparara para tal Nisto remetemos
a trabalho aos progymnaacutesmata ou praeexercitamina com seus exerciacutecios de reproduccedilatildeo paraacutefrase amplificaccedilatildeo
e especificamente na retoacuterica hipoacuteteses ou controveacutersias bem como um dos autores ndash talvez o mais antigo de que
tenhamos um manual ndash Eacutelio Teatildeo que diz (MANOEL 2014 p 30) ldquoIncluiacute essas coisas natildeo julgando todas uacuteteis
a todos os iniciantes mas para que saibamos que exerciacutecios satildeo muito importantes natildeo soacute para os que estatildeo prestes
a discursar como tambeacutem a quem queira partilhar da faculdade dos poetas dos historiadores e dos outros
discursosrdquo no original (PATILLON 1997 p 9) ldquoταῦτα μὲν οὖν παρεθέμην οὐ νομίζων μὲν ἅπαντα εἶναι πᾶσιν
ἀρχομένοις ἐπιτήδεια ἀλλ ἵνα ἡμεῖς εἰδῶμεν ὅτι πάνυ ἐστὶν ἀναγκαῖον ἡ τῶν γυμνασμάτων ἄσκησις οὐ μόνον
τοῖς μέλλουσι ῥητορεύειν ἀλλὰ καὶ εἴ τις ἢ ποιητῶν ἢ λογοποιῶν ἢ ἄλλων τινῶν λόγων δύναμιν ἐθέλει
μεταχειρίζεσθαιrdquo Pois Teatildeo dissera anteriormente ldquoAntes de tudo o professor deve apresentar aos jovens os
bons exemplos recolhidos das letras antigas para que aprendam e guardem na memoacuteria tal como o da chreia que
haacute em Platatildeo no primeiro livro da Repuacuteblicardquo Do original vale destacar a expressatildeo ldquoπαλαιῶν συγγραμμάτωνrdquo
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Eacute informaccedilatildeo oacutebvia que para surgir um sistema de gecircneros havia mesmo que de modo
impliacutecito convenccedilotildees reconhecidas a respeito das composiccedilotildees escritas No entanto a
imprecisatildeo que vemos em autores gregos e a posterior crise dos gecircneros22 que se inicia com os
heleniacutesticos denota que tal sistema natildeo fosse estaacutevel ou livre de dissensotildees23
De acordo com nosso propoacutesito natildeo percorreremos definiccedilotildees e prescriccedilotildees a respeito
de gecircneros mas chamaremos a atenccedilatildeo para dois conceitos a poikilia (variedade) e a polyeideia
(pluralidade de gecircneros) A poikilia ocorre jaacute no periacuteodo claacutessico em Piacutendaro (Piacuteticas 9 76-
78)
ἀρεταὶ δ αἰεὶ μεγάλαι πολύμυθοι
βαιὰ δ ἐν μακˈροῖσι ποικίλλειν
ἀκοὰ σοφοῖς ὁ δὲ καιρὸς ὁμοίως
παντὸς ἔχει κορυφάν
Grandes virtudes satildeo sempre muito
faladas mas variegar pequenas entre
grandes coisas
eacute o que ouvem os saacutebios O oportuno
igualmente eacute de tudo o remate 24
para se referir agraves ldquoletras antigasrdquo (PATILLON 1997 p 9) em ldquoΠῶρτὸν μὲν ἁπάντων χρὴ τὸν διδάσκαλον ἑκάστου
γυμνάσματος εὖ ἔχοντα παραδείγματα ἐκ τῶν παλαιῶν συγγραμμάτων ἀναλεγόμενον προστάττειν τοῖς νέοις
ἐκμανθάνειν οἷον χρείας μὲν ὁποία ἐστὶν ἡ παρὰ Πλάτωνι ἐν τῷ πρώτῳ τῆς πολιτείαςrdquo expressatildeo que Patillon
traduz por ldquoles ouvrages des anciensrdquo e Kennedy (2003 p 9) verte para o inglecircs do seguinte modo ldquoancient prose
works Ademais utilizamos ldquoletras antigasrdquo para compreender prosa e verso pois como diz Christian Werner
(WERNER SEBASTIANI DOURADO-LOPES 2014 p 14 e 15) ldquoentre os gregos poreacutem natildeo haacute nenhum
termo que abarque prosa e verso [] um termo que nas praacuteticas gregas se aproximou bastante do sentido em
questatildeo foi mousikecirc termo nuclear para aquilo que J Herington chamou de ldquocultura da canccedilatildeordquo e aqui vale
lembrar das palavras de Harvey (1955 p 5 e 28) quanto agrave poesia arcaica ldquoThus the opposition between what we
may call song and poetry is a mimesis or imitation of the fundamental opposition between singing and speaking
(Assim a oposiccedilatildeo entre o que podemos chamar canccedilatildeo e poesia eacute uma mimese ou imitaccedilatildeo da oposiccedilatildeo
fundamental entre o cantar e o falar) e ldquoWritten is not something that is not oral rather it is some thing in addition
to being oral and that additional something will vary from society to society It is dangerous to universalize the
phenomenon of literacyrdquo (O escrito natildeo eacute uma coisa natildeo oral eacute sim um algo a mais aleacutem de oral e esse algo a
mais variaraacute de sociedade a sociedade Eacute perigoso universalizar o fenocircmeno do letramento) Em Ciacutecero o sistema
do gecircnero e as diferenccedilas entre prosa e poesia jaacute parecem ser mais bem demarcados do que eram na eacutepoca de
Aristoacuteteles 22 Ford (2002 p 252-3) fala em hibridismo em Goacutergias pois no programaproacutelogo do elogio a Helena fala em
dizer o que deve ser dito e refutar falsas acusaccedilotildees uma vez que teria sido acusado por Isoacutecrates de fugir agrave lei do
gecircnero e fazer uma apologia em vez de um elogio Isoacutecrates em Antidosis no paraacutegrafo 47 diz ter desenvolvido
seu proacuteprio gecircnero mais poeacutetico e com estilo adornado Mais um exemplo o jaacute citado Harvey (1955 p 160 e
166) diz numa passagem que os epiniacutecios de Piacutendaro natildeo satildeo todos a rigor epiniacutecios de modo que tenham sigo
organizados segundo loacutegica diferente e que o reacutetor Menandro teria dito que um hino escrito para Apolo eacute chamado
peatilde mas ditirambo quando para Dioniso 23 Ver Farrel (2003 p 388) ldquoCom o tempo encontra-se um senso de aventura cada vez maior ateacute que no periacuteodo
heleniacutestico e romano chega a parecer que testar e mesmo violar limites geneacutericos natildeo era meramente uma
consequecircncia inevitaacutevel e acidental de escrever em qualquer gecircnero mas um importante aspecto da arte do poetardquo
(No original ldquoWith time one finds an ever-greater sense of adventure until by the Hellenistic and Roman periods
it comes to seem that testing and even violating generic boundaries was not merely an inevitable and accidental
consequence of writing in any genre but an important aspect of the poets craftrdquo) 24 Traduccedilatildeo de Joatildeo Angelo Oliva Neto para o referido curso de poacutes-graduaccedilatildeo a quem agradeccedilo a apresentaccedilatildeo
de ambos os conceitos e das fontes A traduccedilatildeo seguinte tambeacutem eacute dele
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O termo ocorre tambeacutem nas Oliacutempicas (6 85-87) e em Aristoacuteteles na Poeacutetica (XIII
1459a 34)
Jaacute a polyeacuteideia ocorre num comentaacuterio (Diegesis 9 32-35) antigo a um verso do Iambo
13 de Caliacutemaco (frag 203 Pfeiffer)
Ἐν τούτῳ πρὸς τοὺς καταμεμφομένους αὐτὸν
ἐπὶ τῇ πολυειδείᾳ ὧν γράφει ποιημάτων
ἀπαντῶν φησιν ὅτι Ἴωνα μιμεῖται τὸν
τραγικόν ἀλλ οὐδὲ τὸν τέκτονά τις μέμφεται
πολυειδῆ σκεύη τεκταινόμενον
Neste [poema] [dirigindo-se] aos que o
reprovam pela pluralidade de gecircneros de
todos poemas que escreve [Caliacutemaco] diz
que imita o tragedioacutegrafo Iacuteon mas
ningueacutem de fato censura o artiacutefice que
faz multiacutegenos utensiacutelios
Caliacutemaco assim tanto busca variegar como faz uma pluralidade de gecircneros ndash
manifestaccedilotildees da invenccedilatildeo sem deixar de citar como modelo Mimnermo para ser o primeiro
em novo trilho (frag 1 Pfeiffer 21-25 traduccedilatildeo e Joatildeo Angelo Oliva Neto)
ldquoo incenso aedo o mais espesso eacute o que conveacutem
me dar a Musa amigo delicada
Ordeno-te natildeo vaacutes por onde os carros trilham
nem sobre o mesmo alheio rasto a roda
leves nem vaacutes agrave larga via mas a estrada
natildeo batida por mais que estreita sigasrdquo
Cumpre aqui notar a relevacircncia de Caliacutemaco tanto por ser criacutetico como poeta uma vez
que como bibliotecaacuterio organizou iacutendice de autores e obras os piacutenakes que hoje chamamos
ldquocataacutelogosrdquo Sua importacircncia eacute capital porque evidencia parte dessa poeacutetica heleniacutestica que teraacute
influenciado Catulo e Horaacutecio
O livro de Catulo eacute emblemaacutetico porque reflete a poeacutetica heleniacutestica e a influecircncia de
Caliacutemaco eacute um livro variegado e tambeacutem plural quanto aos gecircneros jaacute que possui uma primeira
parte polimeacutetrica e uma segunda monomeacutetrica em diacutesticos elegiacuteacos e apresenta poemas com
caracteriacutesticas diacutespares como epigramas e mesmo elegias com destaque poreacutem a seu caraacuteter
ligeiro (OLIVA NETO 1996)
Nas Odes Horaacutecio segue ediccedilotildees alexandrinas para ordenar o livro quanto aos hinos
seja assemelhando-se aos modelos como no caso do primeiro livro imitando Alceu ou
afastando-se como no caso de Safo que faz hino a Afrodite ao passo que o poeta a tenta afastar
Aleacutem disso as sequecircncias riacutetmicas ou seja os metros indicam seccedilotildees proacuteprias e relacionam as
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odes25 e Horaacutecio busca tornar-se ele tambeacutem modelo como em IV 6 (vv 43-44 ldquodei carme
grato aos deuses aprendendo do vate Horaacutecio os metrosrdquo (aqui sigo as ideias e utilizo a
traduccedilatildeo de Alexandre Hasegawa 2012) Tambeacutem eacute poeta variegado e trabalha com os limites
do gecircnero como no livro dos epodos em que apresenta dois (14 e 15) com elementos liacutericos
bem como se insere entre os primeiros no gecircnero ndash ainda que Catulo tenha feito iambos ndash na
Epist 1 19 vv 20-24 ldquoEu por primeiro pus meus peacutes em campo livre e natildeo pisei pegadas
alheias Quem confiar em si conduziraacute o enxame Eu fui o primeiro que mostrei ao Laacutecio os
iambos Paacuterios imitando o ritmo e o acircnimo de Arquiacuteloco natildeo a mateacuteria e as palavras dirigidas
a Licambesrdquo (HASEGAWA 2010 p 79 traduccedilatildeo dos versos por Joatildeo Angelo Oliva Neto)
2 Tradutor imitador ou autor
E agora onde entra a traduccedilatildeo nesta histoacuteria Segundo a discussatildeo e os passos
apontados deduzimos em linhas gerais que o espiacuterito claacutessico o zeitgeist hegeliano dos
autores os incitava agrave inventividade agrave originalidade a testar os limites a superar os modelos ndash
para se tornar modelos ndash a escolher caminhos estreitos Enfim cenaacuterio que em pouco mais de
trezentos anos presenciou muitas guerras e transformaccedilotildees hegemonias gregas com Atenas
Esparta as conquistas de Alexandre O Grande e a dominaccedilatildeo imposta por Roma Contexto
agoniacutestico e de competitividade poliacutetica militar e como natildeo poderia deixar de ser nas
composiccedilotildees escritas Eacute por isso e a ausecircncia de um tratado-testemunho sobre uma arte ou
teacutecnica da traduccedilatildeo que o corrobore que dificilmente podemos conceber um autor aplicado a
ldquopublicarrdquo a obra de outro autor e natildeo proacutepria portanto sem sua autoridade assumindo-se
como imitador da mateacuteria do ritmo e das palavras enfim do gecircnero Muitos testemunhos
mencionam ou falam da imitaccedilatildeo mas quantos autores temos assumindo-se como imitadores
sem ter feito qualquer inovaccedilatildeo no gecircnero seja com mateacuteria seja com ritmo diferente
Destarte sugerimos que usar o termo ldquotraduccedilatildeordquo ou ldquotradutorrdquo para denominar as obras
e os autores antigos eacute anacronismo uma vez que natildeo podemos encontrar teorias antigas a
respeito disso mas somente teacutecnicas e artes de composiccedilatildeo em que a invenccedilatildeo senatildeo expliacutecita
eacute impliacutecita Contudo natildeo ousamos radicalizar e certamente estudantes treinavam com
25 Trata-se da alternacircncia Ver Hasegawa (2016 sobretudo nota de rodapeacute 60 agrave paacutegina 144 em que arrola
bibliografia e menciona a alternacircncia de estrofes alcaicas e saacuteficas no livro das Odes de Horaacutecio diacutesticos elegiacuteacos
e hendecassiacutelabos faleacutecios na Priapeia latina eacuteclogas dramaacuteticas e narrativas nas Bucoacutelicas de Vergiacutelio e
Calpuacuternio
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reproduzir textos de outros autores de uma liacutengua a outra sem no entanto entenderem isso
como uma arte ou teacutecnica proacutepria mas como uma imitaccedilatildeo e se ldquofielrdquo bem por isso condenaacutevel
e abaixo da dignidade que a autoridade de um poeta exigia26 Essas balizas satildeo aquelas que
norteiam e da qual derivam as modernas teorias da traduccedilatildeo as leis do gecircnero E quando
dissemos ldquocrise dos gecircnerosrdquo natildeo queremos nos referir a um evento de fato e sim a um lugar-
comum inerente agraves composiccedilotildees quer seja em poesia quer em prosa uma vez que tanto poetas
como reacutetores (cf os proecircmios de livros como Retoacuterica a Herecircnio De inuentione De oratore
os manuais de Eacutelio Teatildeo Hermoacutegenes entre outros em que cada um inaugura seu tratado ou
teoria dizendo inovar em relaccedilatildeo aos predecessores) O que nos parece ponto fechado eacute que os
autores heleniacutesticos tinham como princiacutepio impliacutecito o dever de conhecer profundamente seus
modelos a fim de justamente por isso natildeo os repetir mas com eles competir ou para usar do
jargatildeo emular
Um caso poreacutem nos chama a atenccedilatildeo Catulo no poema 65 15-16 (OLIVA NETO
1996 p 133)
sed tamen in tantis maeroribus Ortale
mitto
haec expressa tibi carmina Battiadae
em tanta dor poreacutem te envio oacute Hoacutertalo
estes versos vertidos de Caliacutemaco
Em face agrave deduccedilatildeo que realizamos se torna espantoso em um primeiro momento nesse
cenaacuterio um autor reconhecer ter traduzido outro sem inventar isto eacute aparentemente sem
adaptar inteligentemente ou refundir o modelo no entanto ainda que tenha feito Catulo o fez
somente de modo segmentado natildeo de todo o poema o que teria sido uma imitaccedilatildeo servil e
condenaacutevel mas somente de um trecho incluindo-o em outro ambiente (poemas matrimoniais)
diferente embora em livro variegado e com pluralidade de gecircneros Seria assim uma inovaccedilatildeo
catuliana inserir em sua obra de modo anunciado publicamente uma traduccedilatildeo aparentemente
servil pois natildeo eacute de fato jaacute que refunde o modelo apesar de mantecirc-lo o mais possiacutevel
aproximado da liacutengua de chegada com inseri-lo em ambiente diverso do original Ressalve-se
que o original se refere ao fragmento 110 (Pfeiffer) do final do livro IV dos Aitia de Caliacutemaco
do qual temos poucos versos para comparar ao texto latino que tradicionalmente tem sido
utilizado para maior compreensatildeo do texto grego Carmina expressa aponta o verbo exprimere
26 ldquo[] eacute equivocado tambeacutem buscar para cada poema ou verso latino um modelo como se o poeta fosse obrigado
a imitar a cada palavra que escrevesse Se a imitaccedilatildeo eacute conceito importante para poetas latinos e praacutetica frequumlente
(mesmo a imitaccedilatildeo servil deveria ser constante caso contraacuterio natildeo haveria condenaccedilatildeo de Horaacutecio e Quintiliano)
eacute estimulada tambeacutem a inovaccedilatildeo no gecircnero que torna o escritor verdadeiramente auctorrdquo (HASEGAWA 2010
p 79)
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que entendemos com Joatildeo Angelo Oliva Neto por decalque Desse modo Catulo seria uma
exceccedilatildeo agrave regra ou ao menos o primeiro a fazecirc-lo publicamente mantendo a dignidade autoral
como poeta haacutebil e cujo testemunho nos chegou27 Mas ao fazer isso Catulo demonstra aos
leitores atentos sua capacidade de ser original ainda quando aparente servilismo testando as
teorias expliacutecitas e impliacutecitas das composiccedilotildees poeacuteticas e recepccedilotildees dos leitores
Ciacutecero (De optimo genere oratorum 14) Pliacutenio (VII 9) e Aulo Geacutelio (Noctes Atticae
991) utilizaratildeo o termo vertere infracitados respectivamente
Converti enim ex Atticis duorum
eloquentissimorum nobilissimas orationes
inter seque contrarias Aeschinis et
Demosthenis nec converti ut interpres
sed ut orator sententiis isdem et earum
formis tamquam figuris verbis ad nostram
consuetudinem aptis
Verti entatildeo dos aacuteticos dois discursos
notaacuteveis e contraacuterios entre si um de
Eacutesquines outro de Demoacutestenes autores
dos mais eloquentes E natildeo os verti como
um inteacuterprete mas como um orador
usando os mesmos argumentos tanto na
sua forma quanto nas suas figuras de
linguagem em termos adequados agrave nossa
cultura
1 Quaeris quemadmodum in secessu quo
iam diu frueris putem te studere oportere
Utile in primis et multi praecipiunt vel ex
Graeco in Latinum vel ex Latino vertere in
Graecum 2 Quo genere exercitationi
proprietas splendorque verborum copia
figurarum vis explicandi praeterea
imitatione optimorum similia inveniendi
facultas paratur
1 Vocecirc pergunta como eu acho que lhe
conveacutem estudar no tempo livre de que jaacute
desfruta haacute um bom tempo Sobretudo
proveitosamente E muitos receitam verter
do grego ao latim e do latim ao grego 2
Esse eacute um tipo de exerciacutecio que propicia
seguranccedila e brilho com as palavras
inventaacuterio de imagens e tino
argumentativo bem como por meio da
imitaccedilatildeo dos melhores a faculdade de
inventar obras similares
Quando ex poematis Graecis vertendae
imitandaeque sunt insignes sententiae
non semper aiunt enitendum ut omnia
omnino verba in eum in quem dicta sunt
modum vertamus
Quando de poemas gregos eacute necessaacuterio
verter e imitar sentenccedilas notaacuteveis nem
sempre dizem se deve empenhar para
verter absolutamente todas as palavras
daquele mesmo modo com que foram
ditas
27 Cf Oliva Neto (1996 p 22) Os intelectuais heleniacutesticos percebiam ser irreversiacutevel a consolidaccedilatildeo da escrita e
embora fossem bem conscientes do abalo produzido por ela no mundo oral jamais contemplaram seus
predecessores como quem observa inimigos vencidos Ao contraacuterio a proacutepria escrita e a consciecircncia de serem
escribas o apego ao livro como qualquer nova atitude ligada agrave cultura tinham apoio e justificaccedilatildeo no fato de
servir ao legado dos antecessores preservando-o o que outra coisa natildeo eacute que o sentido dialeacutetico da tradiccedilatildeo
tinham de ser conspicuamente diferentes deles para continuar a exercer em outras circunstacircncias a mesma funccedilatildeo
de poetas Percebendo ser outra a dinacircmica da produccedilatildeo cultural graccedilas precisamente agrave escrita os poetas
heleniacutesticos para inserir-se nessa tradiccedilatildeo e continuaacute-la tiveram muita vez que explicitar o caraacuteter graacutefico de sua
obra
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O interpres de Horaacutecio (fidus interpres v 134 da AP) parece evocar o interpres de
Ciacutecero ainda que em contextos diferentes uma vez que condenam o servilismo de verter
palavra por palavra tendo em vista que o orador tem como primeira atividade encontrar os
argumentos adequados isto eacute o pensamento para depois vesti-los
Ademais natildeo satildeo poucas as definiccedilotildees para artiacutefices e suas obras independentemente
se em prosa ou verso filoacutesofos reacutetores poetas todos auctores com suas mais diferentes obras
como tratados epiacutestolas diaacutelogos eacutepica liacuterica elegia ditirambos etc Mas quais os termos para
o tradutor e para a traduccedilatildeo Natildeo encontramos bem porque tal funccedilatildeo natildeo fosse reconhecida agrave
eacutepoca O que mais se aproxima dessa ideia eacute o conceito do lado negativo condenaacutevel da
imitatio daiacute Horaacutecio com ldquose natildeo caiacuteres imitadorrdquo em que imitator qualifica o executor da
mera imitatio servil isto eacute que natildeo inventa que natildeo refunde que natildeo se lanccedila como inovador
Tambeacutem poderiacuteamos utilizar interpres poreacutem devemos encerrar a exposiccedilatildeo para respeitar a
lei do gecircnero e o termo carece de anaacutelise de seus empregos significados e etimologia mais
minuciosa
Consideraccedilotildees finais
Fala-se amiuacutede de Liacutevio Andronico como tradutor da Odisseia bem como outros
autores latinos No entanto dessa imitaccedilatildeo como preferimos chamar natildeo sobram mais que
cinquenta versos e haacute de se analisar o quanto sejam ou natildeo imitaccedilotildees servis em vez de
traduccedilotildees como hoje chamamos (o mesmo para o poema 66 de Catulo com relaccedilatildeo aos
fragmentos calimaquianos) E Liacutevio Andronico atesta Ciacutecero foi auctor de peccedilas Natildeo se
enquadra na funccedilatildeo de tradutor servil e o ritmo escolhido para sua versatildeo da Odisseia eacute feito
no verso saturnino que natildeo corresponde ao hexacircmetro
Desse modo discordamos de Kennedy (2008 p 224) a respeito da comeacutedia de Plauto
com dizer
[] para nossos objetivos o principal significado da comeacutedia plautina
reside em demonstrar quatildeo longe um ldquotradutorrdquo pode ir na mudanccedila da
forma e do conteuacutedo de seu modelo Esta eacute a primeira explosatildeo de
virtuosismo linguiacutestico na literatura romana e as liberdades de Plauto
na estrutura dramaacutetica e caracterizaccedilatildeo satildeo equilibradas pela
versatilidade de seu ritmo liacuterico e corrente e por todo tipo de jogo com
som e sentido numa fantasia verbal extravagantemente estilizada
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Traduccedilatildeo como imitaccedilatildeo foi suplantada pela exploraccedilatildeo do modelo
como veiacuteculo para a linguagem pessoal do poeta Romano28
Pois natildeo vemos tanto em Liacutevio Andronico quanto em Plauto diferenccedila a respeito da
imitaccedilatildeo que continua sendo fusatildeo de um modelo e veiacuteculo para manifestar a inventividade do
poeta29
Desse modo utilizar o termo ldquotradutorrdquo ou ldquotraduccedilatildeordquo pelo menos ateacute Ciacutecero parece-
nos um anacronismo ao passo que o termo mais acertado seria autor ou imitador no caso de
uma adaptaccedilatildeo inteligente ou de uma imitaccedilatildeo servil respectivamente de acordo com a
recepccedilatildeo e proacutepria criacutetica antiga30
Eacute com a septuaginta que temos um caso interessante e de oposiccedilatildeo a heleniacutestica epiacutestola
de Aristeias cuja lenda refere uma ldquotraduccedilatildeordquo feita por 72 escolhidos e cujo resultado seria
uma versatildeo pura correta e imutaacutevel das palavras inspiradas por um autor que natildeo pode ser
emulado Deus E eacute justamente em Satildeo Jerocircnimo tradutor da Biacuteblia em epiacutestola a Pameacutecio
(376 dC ndash aqui sim depois de Cristo) que vemos uma defesa daquele de suas escolhas de
versatildeo e de onde derivam explicitamente as ideias de traduccedilatildeo pela letra ou pelo espiacuterito ou
sentido
Em suma eacute evidente que havia traduccedilotildees tantas possiacuteveis quantos os autores ou
inteacuterpretes poreacutem embora natildeo haja teoria expliacutecita em tratado sobre a traduccedilatildeo podemos
28 For our purposes the chief significance of Plautine comedy is in demonstrating how far a translator [antente-se
para o uso de aspas no termo translator que revela cautela por parte do autor] can go in changing the form and
content of his model This is the first explosion of linguistic virtuosity in Roman literature and Plautus cavalier
liberties taken with dramatic structure and characterisation are offset by the versatility of his lyric and dialogue
metres and by every kind of play on sound and sense in extravagantly stylised verbal fantasy Translation as
imitation has been superseded by exploitation of the model as vehicle for the Roman poets personal idiom 29 E mais nas palavras de Harvey (1955 p 217) ldquouma importante caracteriacutestica da teoria retoacuterica no periacuteodo
heleniacutestico relaciona-se com a invenccedilatildeordquo (ldquoAn important feature of rhetorical theory in the Hellenistic period
relates to inventionrdquo) que natildeo se restringe somente agrave retoacuterica como vimos nos passos supracitados bem como
fazia parte do curriacuteculo educacional dos progymnaacutesmata ou praeexercitamina Aliaacutes em contexto romano diraacute
Harvey agrave frente (p 240) ldquoquando enredo e sequecircncia narrativa caracterizaccedilatildeo e diaacutelogo satildeo predeterminados pelo
modelo a composiccedilatildeo torna-se muito mais uma questatildeo de escolha (ou criaccedilatildeo) da palavra correta [aptum] para o
contexto Daiacute a poesia romana comeccedilar com a preocupaccedilatildeo quanto agrave elocuccedilatildeo mas com escopo para a criatividade
linguiacutesticardquo (ldquowhen plot and narrative sequence character and dialogue are predetermined by the model
composition becomes very much a matter of choosing (or creating) the right word for the context Hence Roman
poetry began with concern for diction but with scope for linguistic creativityrdquo) Ideia de que discordamos em parte
pois tomando ainda Catulo e Horaacutecio como exemplos esses autores natildeo apenas testaram limites quanto ao ritmo
a meacutetrica a dicccedilatildeo ou elocuccedilatildeo como demonstraram que essa mesma elocuccedilatildeo o arranjo das palavras (verbis
serendis AP v 45) natildeo pode ser dissociada da invenccedilatildeo quanto agrave mateacuteria Horaacutecio faz epodos fracos Catulo nos
leva do epigrama agrave elegia (HASEGAWA 2010 OLIVA NETO 2006) Assim eacute possiacutevel que houve uma mudanccedila
de foco mais para a arte da escrita (com o desenvolvimento e divulgaccedilatildeo da escrita) no entanto a invenccedilatildeo ainda
permanece como condiccedilatildeo sine qua non do ofiacutecio dos compositores reacutetores poetas filoacutesofos professores etc 30 Cf Hunter (2005 p 481) ldquoevitar a larga via eacute uma questatildeo de usar o passado de modo inteligenterdquo (ldquoAvoiding
the lsquobroad highway [Caliacutemaco fr 1 21-28] is a matter of using the past intelligentlyrdquo)
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circunscrevecirc-la nesse sistema geneacuterico que como visto era responsivo competitivo feacutertil e
repleto de debates Nele circunscrita torna-se mais faacutecil compreender Ciacutecero quando diz
traduzir como orador e natildeo como imitador o foco natildeo estava em Demoacutestenes mas no proacuteprio
Ciacutecero que reconhece Demoacutestenes como modelo para utilizar inteligentemente para seu
propoacutesito que nem de longe se assemelha ao papel da traduccedilatildeo de hoje focada no autor do
original a fim de recuperar seus possiacuteveis sentidos originais e como ele os teria manifestado em
outro idioma
Assim nossa breve exposiccedilatildeo se encerra com base na hipoacutetese aqui aventada com a
seguinte questatildeo quando ocorreu e por que razotildees a mudanccedila de foco do olhar dos autores de
sua obra proacutepria original por invenccedilatildeo para o modelo ou seja o apagamento autoral ou a
separaccedilatildeo de papeacuteis ndash entre autores e tradutores diferentes na justa medida da maior ou menor
inventividade proacutepria em competiccedilatildeo com a do modelo ndash o nascimento do tradutor e de
traduccedilotildees enfim quando a imitaccedilatildeo servil como exerciacutecio formativo e relegada agraves salas de
aula tornou-se objetivo de traduccedilatildeo
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Da exposiccedilatildeo feita ateacute aqui por conseguinte percebemos como o conceito de mimese
ou imitaccedilatildeo possui sentidos diferentes ora mais filosoacuteficos e relacionados a ideias ora mais
objetivos e relacionados agraves proacuteprias palavras escritas de algum autor20
Poreacutem seja qual for o sentido eacute condenaacutevel a imitaccedilatildeo que vise agrave replicaccedilatildeo o que
aliaacutes Quintiliano diz ser impossiacutevel (Inst or X 2 10-11) de modo que a imitaccedilatildeo tem como
ldquofiltrordquo imprescindiacutevel a maior ou menor habilidade de um autor letrado
Portanto a invenccedilatildeo mira a originalidade que ocorre se eacute executada com ecircxito e poderaacute
alccedilar o autor agrave eternidade ou agrave primazia quer seja como um entre o rol dos liacutericos com uma
obra mais perene que o bronze como um Propeacutercio ao dizer-se o Caliacutemaco romano entre outros
exemplos
Se pareceu abrupta nossa mudanccedila de contexto grego para romano da poesia para a
retoacuterica ou seja do verso para a prosa eacute que entendemos que tal diferenccedila resida na
manifestaccedilatildeo isto eacute da accedilatildeo concreta da imitaccedilatildeo que se daacute por meio dos gecircneros (do qual
aquela natildeo se dissocia) como veremos a seguir 21
que governam sua forma ficamos privados do que os gregos consideravam como um dos principais criteacuterios para
compreender sua qualidaderdquo) Sobre a memorizaccedilatildeo e repeticcedilatildeo de modelos e sua relevacircncia no cenaacuterio claacutessico
com a ideia de novidade emergindo da invenccedilatildeo justamente pela multiplicaccedilatildeo e proliferaccedilatildeo de modelos ver
Muckelbauer (2003) 20 Discussatildeo pormenorizada desses sentidos pode ser encontrada em Muckelbauer (2003) como agrave paacutegina 243 em
que recupera desenvolvimentos de outros dois estudiosos ldquoEdward P J Corbett nicely summarizes McKeonrsquos
three primary meanings lsquo1) the Platonic notion of an image-making faculty which produces extensions of ideal
truth in the phenomenal world 2) the Aristotelian notion of the representation of human actions and 3) the
rhetorical notion of copying simulating emulating modelsrdquo (E P J C resume bem os trecircs sentidos principais de
McKeon lsquoa noccedilatildeo platocircnica de uma faculdade imageacutetico-criadora que produz extensatildeo de uma verdade ideal no
mundo fenomecircnico 2) a noccedilatildeo aristoteacutelica de representaccedilatildeo das accedilotildees humanas e 3) a noccedilatildeo retoacuterica de coacutepia
simulaccedilatildeo emulaccedilatildeo de modelosrdquo Divisotildees que o autor havia explicitado anteriormente agrave paacutegina 65 ldquoThe
imitation of an ideal world by the actual world became the province of ancient philosophy the imitation of the
actual world by a poet or actor became the concern of ancient literature and the imitation of a renowned orator or
teacher by a student became the terrain of ancient rhetoricrdquo (A imitaccedilatildeo de um mundo ideal pelo mundo real
tornou-se mateacuteria da filosofia antiga a imitaccedilatildeo do mundo real por um poeta ou ator tornou-se preocupaccedilatildeo da
literatura antiga e a imitaccedilatildeo de um orador renomado ou professor por um estudante tornou-se terreno da retoacuterica
antiga) 21 Geralmente classificam-se os textos antigos como pertencentes agrave filosofia agrave retoacuterica ou agrave poesia Poreacutem se
temos autores adultos escrevendo em uma ou mais aacutereas eacute porque a educaccedilatildeo baacutesica ndash em analogia ao ensino
institucionalizado de hoje guardadas as devidas proporccedilotildees ndash que tiveram jaacute os preparara para tal Nisto remetemos
a trabalho aos progymnaacutesmata ou praeexercitamina com seus exerciacutecios de reproduccedilatildeo paraacutefrase amplificaccedilatildeo
e especificamente na retoacuterica hipoacuteteses ou controveacutersias bem como um dos autores ndash talvez o mais antigo de que
tenhamos um manual ndash Eacutelio Teatildeo que diz (MANOEL 2014 p 30) ldquoIncluiacute essas coisas natildeo julgando todas uacuteteis
a todos os iniciantes mas para que saibamos que exerciacutecios satildeo muito importantes natildeo soacute para os que estatildeo prestes
a discursar como tambeacutem a quem queira partilhar da faculdade dos poetas dos historiadores e dos outros
discursosrdquo no original (PATILLON 1997 p 9) ldquoταῦτα μὲν οὖν παρεθέμην οὐ νομίζων μὲν ἅπαντα εἶναι πᾶσιν
ἀρχομένοις ἐπιτήδεια ἀλλ ἵνα ἡμεῖς εἰδῶμεν ὅτι πάνυ ἐστὶν ἀναγκαῖον ἡ τῶν γυμνασμάτων ἄσκησις οὐ μόνον
τοῖς μέλλουσι ῥητορεύειν ἀλλὰ καὶ εἴ τις ἢ ποιητῶν ἢ λογοποιῶν ἢ ἄλλων τινῶν λόγων δύναμιν ἐθέλει
μεταχειρίζεσθαιrdquo Pois Teatildeo dissera anteriormente ldquoAntes de tudo o professor deve apresentar aos jovens os
bons exemplos recolhidos das letras antigas para que aprendam e guardem na memoacuteria tal como o da chreia que
haacute em Platatildeo no primeiro livro da Repuacuteblicardquo Do original vale destacar a expressatildeo ldquoπαλαιῶν συγγραμμάτωνrdquo
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Eacute informaccedilatildeo oacutebvia que para surgir um sistema de gecircneros havia mesmo que de modo
impliacutecito convenccedilotildees reconhecidas a respeito das composiccedilotildees escritas No entanto a
imprecisatildeo que vemos em autores gregos e a posterior crise dos gecircneros22 que se inicia com os
heleniacutesticos denota que tal sistema natildeo fosse estaacutevel ou livre de dissensotildees23
De acordo com nosso propoacutesito natildeo percorreremos definiccedilotildees e prescriccedilotildees a respeito
de gecircneros mas chamaremos a atenccedilatildeo para dois conceitos a poikilia (variedade) e a polyeideia
(pluralidade de gecircneros) A poikilia ocorre jaacute no periacuteodo claacutessico em Piacutendaro (Piacuteticas 9 76-
78)
ἀρεταὶ δ αἰεὶ μεγάλαι πολύμυθοι
βαιὰ δ ἐν μακˈροῖσι ποικίλλειν
ἀκοὰ σοφοῖς ὁ δὲ καιρὸς ὁμοίως
παντὸς ἔχει κορυφάν
Grandes virtudes satildeo sempre muito
faladas mas variegar pequenas entre
grandes coisas
eacute o que ouvem os saacutebios O oportuno
igualmente eacute de tudo o remate 24
para se referir agraves ldquoletras antigasrdquo (PATILLON 1997 p 9) em ldquoΠῶρτὸν μὲν ἁπάντων χρὴ τὸν διδάσκαλον ἑκάστου
γυμνάσματος εὖ ἔχοντα παραδείγματα ἐκ τῶν παλαιῶν συγγραμμάτων ἀναλεγόμενον προστάττειν τοῖς νέοις
ἐκμανθάνειν οἷον χρείας μὲν ὁποία ἐστὶν ἡ παρὰ Πλάτωνι ἐν τῷ πρώτῳ τῆς πολιτείαςrdquo expressatildeo que Patillon
traduz por ldquoles ouvrages des anciensrdquo e Kennedy (2003 p 9) verte para o inglecircs do seguinte modo ldquoancient prose
works Ademais utilizamos ldquoletras antigasrdquo para compreender prosa e verso pois como diz Christian Werner
(WERNER SEBASTIANI DOURADO-LOPES 2014 p 14 e 15) ldquoentre os gregos poreacutem natildeo haacute nenhum
termo que abarque prosa e verso [] um termo que nas praacuteticas gregas se aproximou bastante do sentido em
questatildeo foi mousikecirc termo nuclear para aquilo que J Herington chamou de ldquocultura da canccedilatildeordquo e aqui vale
lembrar das palavras de Harvey (1955 p 5 e 28) quanto agrave poesia arcaica ldquoThus the opposition between what we
may call song and poetry is a mimesis or imitation of the fundamental opposition between singing and speaking
(Assim a oposiccedilatildeo entre o que podemos chamar canccedilatildeo e poesia eacute uma mimese ou imitaccedilatildeo da oposiccedilatildeo
fundamental entre o cantar e o falar) e ldquoWritten is not something that is not oral rather it is some thing in addition
to being oral and that additional something will vary from society to society It is dangerous to universalize the
phenomenon of literacyrdquo (O escrito natildeo eacute uma coisa natildeo oral eacute sim um algo a mais aleacutem de oral e esse algo a
mais variaraacute de sociedade a sociedade Eacute perigoso universalizar o fenocircmeno do letramento) Em Ciacutecero o sistema
do gecircnero e as diferenccedilas entre prosa e poesia jaacute parecem ser mais bem demarcados do que eram na eacutepoca de
Aristoacuteteles 22 Ford (2002 p 252-3) fala em hibridismo em Goacutergias pois no programaproacutelogo do elogio a Helena fala em
dizer o que deve ser dito e refutar falsas acusaccedilotildees uma vez que teria sido acusado por Isoacutecrates de fugir agrave lei do
gecircnero e fazer uma apologia em vez de um elogio Isoacutecrates em Antidosis no paraacutegrafo 47 diz ter desenvolvido
seu proacuteprio gecircnero mais poeacutetico e com estilo adornado Mais um exemplo o jaacute citado Harvey (1955 p 160 e
166) diz numa passagem que os epiniacutecios de Piacutendaro natildeo satildeo todos a rigor epiniacutecios de modo que tenham sigo
organizados segundo loacutegica diferente e que o reacutetor Menandro teria dito que um hino escrito para Apolo eacute chamado
peatilde mas ditirambo quando para Dioniso 23 Ver Farrel (2003 p 388) ldquoCom o tempo encontra-se um senso de aventura cada vez maior ateacute que no periacuteodo
heleniacutestico e romano chega a parecer que testar e mesmo violar limites geneacutericos natildeo era meramente uma
consequecircncia inevitaacutevel e acidental de escrever em qualquer gecircnero mas um importante aspecto da arte do poetardquo
(No original ldquoWith time one finds an ever-greater sense of adventure until by the Hellenistic and Roman periods
it comes to seem that testing and even violating generic boundaries was not merely an inevitable and accidental
consequence of writing in any genre but an important aspect of the poets craftrdquo) 24 Traduccedilatildeo de Joatildeo Angelo Oliva Neto para o referido curso de poacutes-graduaccedilatildeo a quem agradeccedilo a apresentaccedilatildeo
de ambos os conceitos e das fontes A traduccedilatildeo seguinte tambeacutem eacute dele
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O termo ocorre tambeacutem nas Oliacutempicas (6 85-87) e em Aristoacuteteles na Poeacutetica (XIII
1459a 34)
Jaacute a polyeacuteideia ocorre num comentaacuterio (Diegesis 9 32-35) antigo a um verso do Iambo
13 de Caliacutemaco (frag 203 Pfeiffer)
Ἐν τούτῳ πρὸς τοὺς καταμεμφομένους αὐτὸν
ἐπὶ τῇ πολυειδείᾳ ὧν γράφει ποιημάτων
ἀπαντῶν φησιν ὅτι Ἴωνα μιμεῖται τὸν
τραγικόν ἀλλ οὐδὲ τὸν τέκτονά τις μέμφεται
πολυειδῆ σκεύη τεκταινόμενον
Neste [poema] [dirigindo-se] aos que o
reprovam pela pluralidade de gecircneros de
todos poemas que escreve [Caliacutemaco] diz
que imita o tragedioacutegrafo Iacuteon mas
ningueacutem de fato censura o artiacutefice que
faz multiacutegenos utensiacutelios
Caliacutemaco assim tanto busca variegar como faz uma pluralidade de gecircneros ndash
manifestaccedilotildees da invenccedilatildeo sem deixar de citar como modelo Mimnermo para ser o primeiro
em novo trilho (frag 1 Pfeiffer 21-25 traduccedilatildeo e Joatildeo Angelo Oliva Neto)
ldquoo incenso aedo o mais espesso eacute o que conveacutem
me dar a Musa amigo delicada
Ordeno-te natildeo vaacutes por onde os carros trilham
nem sobre o mesmo alheio rasto a roda
leves nem vaacutes agrave larga via mas a estrada
natildeo batida por mais que estreita sigasrdquo
Cumpre aqui notar a relevacircncia de Caliacutemaco tanto por ser criacutetico como poeta uma vez
que como bibliotecaacuterio organizou iacutendice de autores e obras os piacutenakes que hoje chamamos
ldquocataacutelogosrdquo Sua importacircncia eacute capital porque evidencia parte dessa poeacutetica heleniacutestica que teraacute
influenciado Catulo e Horaacutecio
O livro de Catulo eacute emblemaacutetico porque reflete a poeacutetica heleniacutestica e a influecircncia de
Caliacutemaco eacute um livro variegado e tambeacutem plural quanto aos gecircneros jaacute que possui uma primeira
parte polimeacutetrica e uma segunda monomeacutetrica em diacutesticos elegiacuteacos e apresenta poemas com
caracteriacutesticas diacutespares como epigramas e mesmo elegias com destaque poreacutem a seu caraacuteter
ligeiro (OLIVA NETO 1996)
Nas Odes Horaacutecio segue ediccedilotildees alexandrinas para ordenar o livro quanto aos hinos
seja assemelhando-se aos modelos como no caso do primeiro livro imitando Alceu ou
afastando-se como no caso de Safo que faz hino a Afrodite ao passo que o poeta a tenta afastar
Aleacutem disso as sequecircncias riacutetmicas ou seja os metros indicam seccedilotildees proacuteprias e relacionam as
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odes25 e Horaacutecio busca tornar-se ele tambeacutem modelo como em IV 6 (vv 43-44 ldquodei carme
grato aos deuses aprendendo do vate Horaacutecio os metrosrdquo (aqui sigo as ideias e utilizo a
traduccedilatildeo de Alexandre Hasegawa 2012) Tambeacutem eacute poeta variegado e trabalha com os limites
do gecircnero como no livro dos epodos em que apresenta dois (14 e 15) com elementos liacutericos
bem como se insere entre os primeiros no gecircnero ndash ainda que Catulo tenha feito iambos ndash na
Epist 1 19 vv 20-24 ldquoEu por primeiro pus meus peacutes em campo livre e natildeo pisei pegadas
alheias Quem confiar em si conduziraacute o enxame Eu fui o primeiro que mostrei ao Laacutecio os
iambos Paacuterios imitando o ritmo e o acircnimo de Arquiacuteloco natildeo a mateacuteria e as palavras dirigidas
a Licambesrdquo (HASEGAWA 2010 p 79 traduccedilatildeo dos versos por Joatildeo Angelo Oliva Neto)
2 Tradutor imitador ou autor
E agora onde entra a traduccedilatildeo nesta histoacuteria Segundo a discussatildeo e os passos
apontados deduzimos em linhas gerais que o espiacuterito claacutessico o zeitgeist hegeliano dos
autores os incitava agrave inventividade agrave originalidade a testar os limites a superar os modelos ndash
para se tornar modelos ndash a escolher caminhos estreitos Enfim cenaacuterio que em pouco mais de
trezentos anos presenciou muitas guerras e transformaccedilotildees hegemonias gregas com Atenas
Esparta as conquistas de Alexandre O Grande e a dominaccedilatildeo imposta por Roma Contexto
agoniacutestico e de competitividade poliacutetica militar e como natildeo poderia deixar de ser nas
composiccedilotildees escritas Eacute por isso e a ausecircncia de um tratado-testemunho sobre uma arte ou
teacutecnica da traduccedilatildeo que o corrobore que dificilmente podemos conceber um autor aplicado a
ldquopublicarrdquo a obra de outro autor e natildeo proacutepria portanto sem sua autoridade assumindo-se
como imitador da mateacuteria do ritmo e das palavras enfim do gecircnero Muitos testemunhos
mencionam ou falam da imitaccedilatildeo mas quantos autores temos assumindo-se como imitadores
sem ter feito qualquer inovaccedilatildeo no gecircnero seja com mateacuteria seja com ritmo diferente
Destarte sugerimos que usar o termo ldquotraduccedilatildeordquo ou ldquotradutorrdquo para denominar as obras
e os autores antigos eacute anacronismo uma vez que natildeo podemos encontrar teorias antigas a
respeito disso mas somente teacutecnicas e artes de composiccedilatildeo em que a invenccedilatildeo senatildeo expliacutecita
eacute impliacutecita Contudo natildeo ousamos radicalizar e certamente estudantes treinavam com
25 Trata-se da alternacircncia Ver Hasegawa (2016 sobretudo nota de rodapeacute 60 agrave paacutegina 144 em que arrola
bibliografia e menciona a alternacircncia de estrofes alcaicas e saacuteficas no livro das Odes de Horaacutecio diacutesticos elegiacuteacos
e hendecassiacutelabos faleacutecios na Priapeia latina eacuteclogas dramaacuteticas e narrativas nas Bucoacutelicas de Vergiacutelio e
Calpuacuternio
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reproduzir textos de outros autores de uma liacutengua a outra sem no entanto entenderem isso
como uma arte ou teacutecnica proacutepria mas como uma imitaccedilatildeo e se ldquofielrdquo bem por isso condenaacutevel
e abaixo da dignidade que a autoridade de um poeta exigia26 Essas balizas satildeo aquelas que
norteiam e da qual derivam as modernas teorias da traduccedilatildeo as leis do gecircnero E quando
dissemos ldquocrise dos gecircnerosrdquo natildeo queremos nos referir a um evento de fato e sim a um lugar-
comum inerente agraves composiccedilotildees quer seja em poesia quer em prosa uma vez que tanto poetas
como reacutetores (cf os proecircmios de livros como Retoacuterica a Herecircnio De inuentione De oratore
os manuais de Eacutelio Teatildeo Hermoacutegenes entre outros em que cada um inaugura seu tratado ou
teoria dizendo inovar em relaccedilatildeo aos predecessores) O que nos parece ponto fechado eacute que os
autores heleniacutesticos tinham como princiacutepio impliacutecito o dever de conhecer profundamente seus
modelos a fim de justamente por isso natildeo os repetir mas com eles competir ou para usar do
jargatildeo emular
Um caso poreacutem nos chama a atenccedilatildeo Catulo no poema 65 15-16 (OLIVA NETO
1996 p 133)
sed tamen in tantis maeroribus Ortale
mitto
haec expressa tibi carmina Battiadae
em tanta dor poreacutem te envio oacute Hoacutertalo
estes versos vertidos de Caliacutemaco
Em face agrave deduccedilatildeo que realizamos se torna espantoso em um primeiro momento nesse
cenaacuterio um autor reconhecer ter traduzido outro sem inventar isto eacute aparentemente sem
adaptar inteligentemente ou refundir o modelo no entanto ainda que tenha feito Catulo o fez
somente de modo segmentado natildeo de todo o poema o que teria sido uma imitaccedilatildeo servil e
condenaacutevel mas somente de um trecho incluindo-o em outro ambiente (poemas matrimoniais)
diferente embora em livro variegado e com pluralidade de gecircneros Seria assim uma inovaccedilatildeo
catuliana inserir em sua obra de modo anunciado publicamente uma traduccedilatildeo aparentemente
servil pois natildeo eacute de fato jaacute que refunde o modelo apesar de mantecirc-lo o mais possiacutevel
aproximado da liacutengua de chegada com inseri-lo em ambiente diverso do original Ressalve-se
que o original se refere ao fragmento 110 (Pfeiffer) do final do livro IV dos Aitia de Caliacutemaco
do qual temos poucos versos para comparar ao texto latino que tradicionalmente tem sido
utilizado para maior compreensatildeo do texto grego Carmina expressa aponta o verbo exprimere
26 ldquo[] eacute equivocado tambeacutem buscar para cada poema ou verso latino um modelo como se o poeta fosse obrigado
a imitar a cada palavra que escrevesse Se a imitaccedilatildeo eacute conceito importante para poetas latinos e praacutetica frequumlente
(mesmo a imitaccedilatildeo servil deveria ser constante caso contraacuterio natildeo haveria condenaccedilatildeo de Horaacutecio e Quintiliano)
eacute estimulada tambeacutem a inovaccedilatildeo no gecircnero que torna o escritor verdadeiramente auctorrdquo (HASEGAWA 2010
p 79)
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que entendemos com Joatildeo Angelo Oliva Neto por decalque Desse modo Catulo seria uma
exceccedilatildeo agrave regra ou ao menos o primeiro a fazecirc-lo publicamente mantendo a dignidade autoral
como poeta haacutebil e cujo testemunho nos chegou27 Mas ao fazer isso Catulo demonstra aos
leitores atentos sua capacidade de ser original ainda quando aparente servilismo testando as
teorias expliacutecitas e impliacutecitas das composiccedilotildees poeacuteticas e recepccedilotildees dos leitores
Ciacutecero (De optimo genere oratorum 14) Pliacutenio (VII 9) e Aulo Geacutelio (Noctes Atticae
991) utilizaratildeo o termo vertere infracitados respectivamente
Converti enim ex Atticis duorum
eloquentissimorum nobilissimas orationes
inter seque contrarias Aeschinis et
Demosthenis nec converti ut interpres
sed ut orator sententiis isdem et earum
formis tamquam figuris verbis ad nostram
consuetudinem aptis
Verti entatildeo dos aacuteticos dois discursos
notaacuteveis e contraacuterios entre si um de
Eacutesquines outro de Demoacutestenes autores
dos mais eloquentes E natildeo os verti como
um inteacuterprete mas como um orador
usando os mesmos argumentos tanto na
sua forma quanto nas suas figuras de
linguagem em termos adequados agrave nossa
cultura
1 Quaeris quemadmodum in secessu quo
iam diu frueris putem te studere oportere
Utile in primis et multi praecipiunt vel ex
Graeco in Latinum vel ex Latino vertere in
Graecum 2 Quo genere exercitationi
proprietas splendorque verborum copia
figurarum vis explicandi praeterea
imitatione optimorum similia inveniendi
facultas paratur
1 Vocecirc pergunta como eu acho que lhe
conveacutem estudar no tempo livre de que jaacute
desfruta haacute um bom tempo Sobretudo
proveitosamente E muitos receitam verter
do grego ao latim e do latim ao grego 2
Esse eacute um tipo de exerciacutecio que propicia
seguranccedila e brilho com as palavras
inventaacuterio de imagens e tino
argumentativo bem como por meio da
imitaccedilatildeo dos melhores a faculdade de
inventar obras similares
Quando ex poematis Graecis vertendae
imitandaeque sunt insignes sententiae
non semper aiunt enitendum ut omnia
omnino verba in eum in quem dicta sunt
modum vertamus
Quando de poemas gregos eacute necessaacuterio
verter e imitar sentenccedilas notaacuteveis nem
sempre dizem se deve empenhar para
verter absolutamente todas as palavras
daquele mesmo modo com que foram
ditas
27 Cf Oliva Neto (1996 p 22) Os intelectuais heleniacutesticos percebiam ser irreversiacutevel a consolidaccedilatildeo da escrita e
embora fossem bem conscientes do abalo produzido por ela no mundo oral jamais contemplaram seus
predecessores como quem observa inimigos vencidos Ao contraacuterio a proacutepria escrita e a consciecircncia de serem
escribas o apego ao livro como qualquer nova atitude ligada agrave cultura tinham apoio e justificaccedilatildeo no fato de
servir ao legado dos antecessores preservando-o o que outra coisa natildeo eacute que o sentido dialeacutetico da tradiccedilatildeo
tinham de ser conspicuamente diferentes deles para continuar a exercer em outras circunstacircncias a mesma funccedilatildeo
de poetas Percebendo ser outra a dinacircmica da produccedilatildeo cultural graccedilas precisamente agrave escrita os poetas
heleniacutesticos para inserir-se nessa tradiccedilatildeo e continuaacute-la tiveram muita vez que explicitar o caraacuteter graacutefico de sua
obra
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O interpres de Horaacutecio (fidus interpres v 134 da AP) parece evocar o interpres de
Ciacutecero ainda que em contextos diferentes uma vez que condenam o servilismo de verter
palavra por palavra tendo em vista que o orador tem como primeira atividade encontrar os
argumentos adequados isto eacute o pensamento para depois vesti-los
Ademais natildeo satildeo poucas as definiccedilotildees para artiacutefices e suas obras independentemente
se em prosa ou verso filoacutesofos reacutetores poetas todos auctores com suas mais diferentes obras
como tratados epiacutestolas diaacutelogos eacutepica liacuterica elegia ditirambos etc Mas quais os termos para
o tradutor e para a traduccedilatildeo Natildeo encontramos bem porque tal funccedilatildeo natildeo fosse reconhecida agrave
eacutepoca O que mais se aproxima dessa ideia eacute o conceito do lado negativo condenaacutevel da
imitatio daiacute Horaacutecio com ldquose natildeo caiacuteres imitadorrdquo em que imitator qualifica o executor da
mera imitatio servil isto eacute que natildeo inventa que natildeo refunde que natildeo se lanccedila como inovador
Tambeacutem poderiacuteamos utilizar interpres poreacutem devemos encerrar a exposiccedilatildeo para respeitar a
lei do gecircnero e o termo carece de anaacutelise de seus empregos significados e etimologia mais
minuciosa
Consideraccedilotildees finais
Fala-se amiuacutede de Liacutevio Andronico como tradutor da Odisseia bem como outros
autores latinos No entanto dessa imitaccedilatildeo como preferimos chamar natildeo sobram mais que
cinquenta versos e haacute de se analisar o quanto sejam ou natildeo imitaccedilotildees servis em vez de
traduccedilotildees como hoje chamamos (o mesmo para o poema 66 de Catulo com relaccedilatildeo aos
fragmentos calimaquianos) E Liacutevio Andronico atesta Ciacutecero foi auctor de peccedilas Natildeo se
enquadra na funccedilatildeo de tradutor servil e o ritmo escolhido para sua versatildeo da Odisseia eacute feito
no verso saturnino que natildeo corresponde ao hexacircmetro
Desse modo discordamos de Kennedy (2008 p 224) a respeito da comeacutedia de Plauto
com dizer
[] para nossos objetivos o principal significado da comeacutedia plautina
reside em demonstrar quatildeo longe um ldquotradutorrdquo pode ir na mudanccedila da
forma e do conteuacutedo de seu modelo Esta eacute a primeira explosatildeo de
virtuosismo linguiacutestico na literatura romana e as liberdades de Plauto
na estrutura dramaacutetica e caracterizaccedilatildeo satildeo equilibradas pela
versatilidade de seu ritmo liacuterico e corrente e por todo tipo de jogo com
som e sentido numa fantasia verbal extravagantemente estilizada
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Traduccedilatildeo como imitaccedilatildeo foi suplantada pela exploraccedilatildeo do modelo
como veiacuteculo para a linguagem pessoal do poeta Romano28
Pois natildeo vemos tanto em Liacutevio Andronico quanto em Plauto diferenccedila a respeito da
imitaccedilatildeo que continua sendo fusatildeo de um modelo e veiacuteculo para manifestar a inventividade do
poeta29
Desse modo utilizar o termo ldquotradutorrdquo ou ldquotraduccedilatildeordquo pelo menos ateacute Ciacutecero parece-
nos um anacronismo ao passo que o termo mais acertado seria autor ou imitador no caso de
uma adaptaccedilatildeo inteligente ou de uma imitaccedilatildeo servil respectivamente de acordo com a
recepccedilatildeo e proacutepria criacutetica antiga30
Eacute com a septuaginta que temos um caso interessante e de oposiccedilatildeo a heleniacutestica epiacutestola
de Aristeias cuja lenda refere uma ldquotraduccedilatildeordquo feita por 72 escolhidos e cujo resultado seria
uma versatildeo pura correta e imutaacutevel das palavras inspiradas por um autor que natildeo pode ser
emulado Deus E eacute justamente em Satildeo Jerocircnimo tradutor da Biacuteblia em epiacutestola a Pameacutecio
(376 dC ndash aqui sim depois de Cristo) que vemos uma defesa daquele de suas escolhas de
versatildeo e de onde derivam explicitamente as ideias de traduccedilatildeo pela letra ou pelo espiacuterito ou
sentido
Em suma eacute evidente que havia traduccedilotildees tantas possiacuteveis quantos os autores ou
inteacuterpretes poreacutem embora natildeo haja teoria expliacutecita em tratado sobre a traduccedilatildeo podemos
28 For our purposes the chief significance of Plautine comedy is in demonstrating how far a translator [antente-se
para o uso de aspas no termo translator que revela cautela por parte do autor] can go in changing the form and
content of his model This is the first explosion of linguistic virtuosity in Roman literature and Plautus cavalier
liberties taken with dramatic structure and characterisation are offset by the versatility of his lyric and dialogue
metres and by every kind of play on sound and sense in extravagantly stylised verbal fantasy Translation as
imitation has been superseded by exploitation of the model as vehicle for the Roman poets personal idiom 29 E mais nas palavras de Harvey (1955 p 217) ldquouma importante caracteriacutestica da teoria retoacuterica no periacuteodo
heleniacutestico relaciona-se com a invenccedilatildeordquo (ldquoAn important feature of rhetorical theory in the Hellenistic period
relates to inventionrdquo) que natildeo se restringe somente agrave retoacuterica como vimos nos passos supracitados bem como
fazia parte do curriacuteculo educacional dos progymnaacutesmata ou praeexercitamina Aliaacutes em contexto romano diraacute
Harvey agrave frente (p 240) ldquoquando enredo e sequecircncia narrativa caracterizaccedilatildeo e diaacutelogo satildeo predeterminados pelo
modelo a composiccedilatildeo torna-se muito mais uma questatildeo de escolha (ou criaccedilatildeo) da palavra correta [aptum] para o
contexto Daiacute a poesia romana comeccedilar com a preocupaccedilatildeo quanto agrave elocuccedilatildeo mas com escopo para a criatividade
linguiacutesticardquo (ldquowhen plot and narrative sequence character and dialogue are predetermined by the model
composition becomes very much a matter of choosing (or creating) the right word for the context Hence Roman
poetry began with concern for diction but with scope for linguistic creativityrdquo) Ideia de que discordamos em parte
pois tomando ainda Catulo e Horaacutecio como exemplos esses autores natildeo apenas testaram limites quanto ao ritmo
a meacutetrica a dicccedilatildeo ou elocuccedilatildeo como demonstraram que essa mesma elocuccedilatildeo o arranjo das palavras (verbis
serendis AP v 45) natildeo pode ser dissociada da invenccedilatildeo quanto agrave mateacuteria Horaacutecio faz epodos fracos Catulo nos
leva do epigrama agrave elegia (HASEGAWA 2010 OLIVA NETO 2006) Assim eacute possiacutevel que houve uma mudanccedila
de foco mais para a arte da escrita (com o desenvolvimento e divulgaccedilatildeo da escrita) no entanto a invenccedilatildeo ainda
permanece como condiccedilatildeo sine qua non do ofiacutecio dos compositores reacutetores poetas filoacutesofos professores etc 30 Cf Hunter (2005 p 481) ldquoevitar a larga via eacute uma questatildeo de usar o passado de modo inteligenterdquo (ldquoAvoiding
the lsquobroad highway [Caliacutemaco fr 1 21-28] is a matter of using the past intelligentlyrdquo)
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circunscrevecirc-la nesse sistema geneacuterico que como visto era responsivo competitivo feacutertil e
repleto de debates Nele circunscrita torna-se mais faacutecil compreender Ciacutecero quando diz
traduzir como orador e natildeo como imitador o foco natildeo estava em Demoacutestenes mas no proacuteprio
Ciacutecero que reconhece Demoacutestenes como modelo para utilizar inteligentemente para seu
propoacutesito que nem de longe se assemelha ao papel da traduccedilatildeo de hoje focada no autor do
original a fim de recuperar seus possiacuteveis sentidos originais e como ele os teria manifestado em
outro idioma
Assim nossa breve exposiccedilatildeo se encerra com base na hipoacutetese aqui aventada com a
seguinte questatildeo quando ocorreu e por que razotildees a mudanccedila de foco do olhar dos autores de
sua obra proacutepria original por invenccedilatildeo para o modelo ou seja o apagamento autoral ou a
separaccedilatildeo de papeacuteis ndash entre autores e tradutores diferentes na justa medida da maior ou menor
inventividade proacutepria em competiccedilatildeo com a do modelo ndash o nascimento do tradutor e de
traduccedilotildees enfim quando a imitaccedilatildeo servil como exerciacutecio formativo e relegada agraves salas de
aula tornou-se objetivo de traduccedilatildeo
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Eacute informaccedilatildeo oacutebvia que para surgir um sistema de gecircneros havia mesmo que de modo
impliacutecito convenccedilotildees reconhecidas a respeito das composiccedilotildees escritas No entanto a
imprecisatildeo que vemos em autores gregos e a posterior crise dos gecircneros22 que se inicia com os
heleniacutesticos denota que tal sistema natildeo fosse estaacutevel ou livre de dissensotildees23
De acordo com nosso propoacutesito natildeo percorreremos definiccedilotildees e prescriccedilotildees a respeito
de gecircneros mas chamaremos a atenccedilatildeo para dois conceitos a poikilia (variedade) e a polyeideia
(pluralidade de gecircneros) A poikilia ocorre jaacute no periacuteodo claacutessico em Piacutendaro (Piacuteticas 9 76-
78)
ἀρεταὶ δ αἰεὶ μεγάλαι πολύμυθοι
βαιὰ δ ἐν μακˈροῖσι ποικίλλειν
ἀκοὰ σοφοῖς ὁ δὲ καιρὸς ὁμοίως
παντὸς ἔχει κορυφάν
Grandes virtudes satildeo sempre muito
faladas mas variegar pequenas entre
grandes coisas
eacute o que ouvem os saacutebios O oportuno
igualmente eacute de tudo o remate 24
para se referir agraves ldquoletras antigasrdquo (PATILLON 1997 p 9) em ldquoΠῶρτὸν μὲν ἁπάντων χρὴ τὸν διδάσκαλον ἑκάστου
γυμνάσματος εὖ ἔχοντα παραδείγματα ἐκ τῶν παλαιῶν συγγραμμάτων ἀναλεγόμενον προστάττειν τοῖς νέοις
ἐκμανθάνειν οἷον χρείας μὲν ὁποία ἐστὶν ἡ παρὰ Πλάτωνι ἐν τῷ πρώτῳ τῆς πολιτείαςrdquo expressatildeo que Patillon
traduz por ldquoles ouvrages des anciensrdquo e Kennedy (2003 p 9) verte para o inglecircs do seguinte modo ldquoancient prose
works Ademais utilizamos ldquoletras antigasrdquo para compreender prosa e verso pois como diz Christian Werner
(WERNER SEBASTIANI DOURADO-LOPES 2014 p 14 e 15) ldquoentre os gregos poreacutem natildeo haacute nenhum
termo que abarque prosa e verso [] um termo que nas praacuteticas gregas se aproximou bastante do sentido em
questatildeo foi mousikecirc termo nuclear para aquilo que J Herington chamou de ldquocultura da canccedilatildeordquo e aqui vale
lembrar das palavras de Harvey (1955 p 5 e 28) quanto agrave poesia arcaica ldquoThus the opposition between what we
may call song and poetry is a mimesis or imitation of the fundamental opposition between singing and speaking
(Assim a oposiccedilatildeo entre o que podemos chamar canccedilatildeo e poesia eacute uma mimese ou imitaccedilatildeo da oposiccedilatildeo
fundamental entre o cantar e o falar) e ldquoWritten is not something that is not oral rather it is some thing in addition
to being oral and that additional something will vary from society to society It is dangerous to universalize the
phenomenon of literacyrdquo (O escrito natildeo eacute uma coisa natildeo oral eacute sim um algo a mais aleacutem de oral e esse algo a
mais variaraacute de sociedade a sociedade Eacute perigoso universalizar o fenocircmeno do letramento) Em Ciacutecero o sistema
do gecircnero e as diferenccedilas entre prosa e poesia jaacute parecem ser mais bem demarcados do que eram na eacutepoca de
Aristoacuteteles 22 Ford (2002 p 252-3) fala em hibridismo em Goacutergias pois no programaproacutelogo do elogio a Helena fala em
dizer o que deve ser dito e refutar falsas acusaccedilotildees uma vez que teria sido acusado por Isoacutecrates de fugir agrave lei do
gecircnero e fazer uma apologia em vez de um elogio Isoacutecrates em Antidosis no paraacutegrafo 47 diz ter desenvolvido
seu proacuteprio gecircnero mais poeacutetico e com estilo adornado Mais um exemplo o jaacute citado Harvey (1955 p 160 e
166) diz numa passagem que os epiniacutecios de Piacutendaro natildeo satildeo todos a rigor epiniacutecios de modo que tenham sigo
organizados segundo loacutegica diferente e que o reacutetor Menandro teria dito que um hino escrito para Apolo eacute chamado
peatilde mas ditirambo quando para Dioniso 23 Ver Farrel (2003 p 388) ldquoCom o tempo encontra-se um senso de aventura cada vez maior ateacute que no periacuteodo
heleniacutestico e romano chega a parecer que testar e mesmo violar limites geneacutericos natildeo era meramente uma
consequecircncia inevitaacutevel e acidental de escrever em qualquer gecircnero mas um importante aspecto da arte do poetardquo
(No original ldquoWith time one finds an ever-greater sense of adventure until by the Hellenistic and Roman periods
it comes to seem that testing and even violating generic boundaries was not merely an inevitable and accidental
consequence of writing in any genre but an important aspect of the poets craftrdquo) 24 Traduccedilatildeo de Joatildeo Angelo Oliva Neto para o referido curso de poacutes-graduaccedilatildeo a quem agradeccedilo a apresentaccedilatildeo
de ambos os conceitos e das fontes A traduccedilatildeo seguinte tambeacutem eacute dele
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O termo ocorre tambeacutem nas Oliacutempicas (6 85-87) e em Aristoacuteteles na Poeacutetica (XIII
1459a 34)
Jaacute a polyeacuteideia ocorre num comentaacuterio (Diegesis 9 32-35) antigo a um verso do Iambo
13 de Caliacutemaco (frag 203 Pfeiffer)
Ἐν τούτῳ πρὸς τοὺς καταμεμφομένους αὐτὸν
ἐπὶ τῇ πολυειδείᾳ ὧν γράφει ποιημάτων
ἀπαντῶν φησιν ὅτι Ἴωνα μιμεῖται τὸν
τραγικόν ἀλλ οὐδὲ τὸν τέκτονά τις μέμφεται
πολυειδῆ σκεύη τεκταινόμενον
Neste [poema] [dirigindo-se] aos que o
reprovam pela pluralidade de gecircneros de
todos poemas que escreve [Caliacutemaco] diz
que imita o tragedioacutegrafo Iacuteon mas
ningueacutem de fato censura o artiacutefice que
faz multiacutegenos utensiacutelios
Caliacutemaco assim tanto busca variegar como faz uma pluralidade de gecircneros ndash
manifestaccedilotildees da invenccedilatildeo sem deixar de citar como modelo Mimnermo para ser o primeiro
em novo trilho (frag 1 Pfeiffer 21-25 traduccedilatildeo e Joatildeo Angelo Oliva Neto)
ldquoo incenso aedo o mais espesso eacute o que conveacutem
me dar a Musa amigo delicada
Ordeno-te natildeo vaacutes por onde os carros trilham
nem sobre o mesmo alheio rasto a roda
leves nem vaacutes agrave larga via mas a estrada
natildeo batida por mais que estreita sigasrdquo
Cumpre aqui notar a relevacircncia de Caliacutemaco tanto por ser criacutetico como poeta uma vez
que como bibliotecaacuterio organizou iacutendice de autores e obras os piacutenakes que hoje chamamos
ldquocataacutelogosrdquo Sua importacircncia eacute capital porque evidencia parte dessa poeacutetica heleniacutestica que teraacute
influenciado Catulo e Horaacutecio
O livro de Catulo eacute emblemaacutetico porque reflete a poeacutetica heleniacutestica e a influecircncia de
Caliacutemaco eacute um livro variegado e tambeacutem plural quanto aos gecircneros jaacute que possui uma primeira
parte polimeacutetrica e uma segunda monomeacutetrica em diacutesticos elegiacuteacos e apresenta poemas com
caracteriacutesticas diacutespares como epigramas e mesmo elegias com destaque poreacutem a seu caraacuteter
ligeiro (OLIVA NETO 1996)
Nas Odes Horaacutecio segue ediccedilotildees alexandrinas para ordenar o livro quanto aos hinos
seja assemelhando-se aos modelos como no caso do primeiro livro imitando Alceu ou
afastando-se como no caso de Safo que faz hino a Afrodite ao passo que o poeta a tenta afastar
Aleacutem disso as sequecircncias riacutetmicas ou seja os metros indicam seccedilotildees proacuteprias e relacionam as
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odes25 e Horaacutecio busca tornar-se ele tambeacutem modelo como em IV 6 (vv 43-44 ldquodei carme
grato aos deuses aprendendo do vate Horaacutecio os metrosrdquo (aqui sigo as ideias e utilizo a
traduccedilatildeo de Alexandre Hasegawa 2012) Tambeacutem eacute poeta variegado e trabalha com os limites
do gecircnero como no livro dos epodos em que apresenta dois (14 e 15) com elementos liacutericos
bem como se insere entre os primeiros no gecircnero ndash ainda que Catulo tenha feito iambos ndash na
Epist 1 19 vv 20-24 ldquoEu por primeiro pus meus peacutes em campo livre e natildeo pisei pegadas
alheias Quem confiar em si conduziraacute o enxame Eu fui o primeiro que mostrei ao Laacutecio os
iambos Paacuterios imitando o ritmo e o acircnimo de Arquiacuteloco natildeo a mateacuteria e as palavras dirigidas
a Licambesrdquo (HASEGAWA 2010 p 79 traduccedilatildeo dos versos por Joatildeo Angelo Oliva Neto)
2 Tradutor imitador ou autor
E agora onde entra a traduccedilatildeo nesta histoacuteria Segundo a discussatildeo e os passos
apontados deduzimos em linhas gerais que o espiacuterito claacutessico o zeitgeist hegeliano dos
autores os incitava agrave inventividade agrave originalidade a testar os limites a superar os modelos ndash
para se tornar modelos ndash a escolher caminhos estreitos Enfim cenaacuterio que em pouco mais de
trezentos anos presenciou muitas guerras e transformaccedilotildees hegemonias gregas com Atenas
Esparta as conquistas de Alexandre O Grande e a dominaccedilatildeo imposta por Roma Contexto
agoniacutestico e de competitividade poliacutetica militar e como natildeo poderia deixar de ser nas
composiccedilotildees escritas Eacute por isso e a ausecircncia de um tratado-testemunho sobre uma arte ou
teacutecnica da traduccedilatildeo que o corrobore que dificilmente podemos conceber um autor aplicado a
ldquopublicarrdquo a obra de outro autor e natildeo proacutepria portanto sem sua autoridade assumindo-se
como imitador da mateacuteria do ritmo e das palavras enfim do gecircnero Muitos testemunhos
mencionam ou falam da imitaccedilatildeo mas quantos autores temos assumindo-se como imitadores
sem ter feito qualquer inovaccedilatildeo no gecircnero seja com mateacuteria seja com ritmo diferente
Destarte sugerimos que usar o termo ldquotraduccedilatildeordquo ou ldquotradutorrdquo para denominar as obras
e os autores antigos eacute anacronismo uma vez que natildeo podemos encontrar teorias antigas a
respeito disso mas somente teacutecnicas e artes de composiccedilatildeo em que a invenccedilatildeo senatildeo expliacutecita
eacute impliacutecita Contudo natildeo ousamos radicalizar e certamente estudantes treinavam com
25 Trata-se da alternacircncia Ver Hasegawa (2016 sobretudo nota de rodapeacute 60 agrave paacutegina 144 em que arrola
bibliografia e menciona a alternacircncia de estrofes alcaicas e saacuteficas no livro das Odes de Horaacutecio diacutesticos elegiacuteacos
e hendecassiacutelabos faleacutecios na Priapeia latina eacuteclogas dramaacuteticas e narrativas nas Bucoacutelicas de Vergiacutelio e
Calpuacuternio
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reproduzir textos de outros autores de uma liacutengua a outra sem no entanto entenderem isso
como uma arte ou teacutecnica proacutepria mas como uma imitaccedilatildeo e se ldquofielrdquo bem por isso condenaacutevel
e abaixo da dignidade que a autoridade de um poeta exigia26 Essas balizas satildeo aquelas que
norteiam e da qual derivam as modernas teorias da traduccedilatildeo as leis do gecircnero E quando
dissemos ldquocrise dos gecircnerosrdquo natildeo queremos nos referir a um evento de fato e sim a um lugar-
comum inerente agraves composiccedilotildees quer seja em poesia quer em prosa uma vez que tanto poetas
como reacutetores (cf os proecircmios de livros como Retoacuterica a Herecircnio De inuentione De oratore
os manuais de Eacutelio Teatildeo Hermoacutegenes entre outros em que cada um inaugura seu tratado ou
teoria dizendo inovar em relaccedilatildeo aos predecessores) O que nos parece ponto fechado eacute que os
autores heleniacutesticos tinham como princiacutepio impliacutecito o dever de conhecer profundamente seus
modelos a fim de justamente por isso natildeo os repetir mas com eles competir ou para usar do
jargatildeo emular
Um caso poreacutem nos chama a atenccedilatildeo Catulo no poema 65 15-16 (OLIVA NETO
1996 p 133)
sed tamen in tantis maeroribus Ortale
mitto
haec expressa tibi carmina Battiadae
em tanta dor poreacutem te envio oacute Hoacutertalo
estes versos vertidos de Caliacutemaco
Em face agrave deduccedilatildeo que realizamos se torna espantoso em um primeiro momento nesse
cenaacuterio um autor reconhecer ter traduzido outro sem inventar isto eacute aparentemente sem
adaptar inteligentemente ou refundir o modelo no entanto ainda que tenha feito Catulo o fez
somente de modo segmentado natildeo de todo o poema o que teria sido uma imitaccedilatildeo servil e
condenaacutevel mas somente de um trecho incluindo-o em outro ambiente (poemas matrimoniais)
diferente embora em livro variegado e com pluralidade de gecircneros Seria assim uma inovaccedilatildeo
catuliana inserir em sua obra de modo anunciado publicamente uma traduccedilatildeo aparentemente
servil pois natildeo eacute de fato jaacute que refunde o modelo apesar de mantecirc-lo o mais possiacutevel
aproximado da liacutengua de chegada com inseri-lo em ambiente diverso do original Ressalve-se
que o original se refere ao fragmento 110 (Pfeiffer) do final do livro IV dos Aitia de Caliacutemaco
do qual temos poucos versos para comparar ao texto latino que tradicionalmente tem sido
utilizado para maior compreensatildeo do texto grego Carmina expressa aponta o verbo exprimere
26 ldquo[] eacute equivocado tambeacutem buscar para cada poema ou verso latino um modelo como se o poeta fosse obrigado
a imitar a cada palavra que escrevesse Se a imitaccedilatildeo eacute conceito importante para poetas latinos e praacutetica frequumlente
(mesmo a imitaccedilatildeo servil deveria ser constante caso contraacuterio natildeo haveria condenaccedilatildeo de Horaacutecio e Quintiliano)
eacute estimulada tambeacutem a inovaccedilatildeo no gecircnero que torna o escritor verdadeiramente auctorrdquo (HASEGAWA 2010
p 79)
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que entendemos com Joatildeo Angelo Oliva Neto por decalque Desse modo Catulo seria uma
exceccedilatildeo agrave regra ou ao menos o primeiro a fazecirc-lo publicamente mantendo a dignidade autoral
como poeta haacutebil e cujo testemunho nos chegou27 Mas ao fazer isso Catulo demonstra aos
leitores atentos sua capacidade de ser original ainda quando aparente servilismo testando as
teorias expliacutecitas e impliacutecitas das composiccedilotildees poeacuteticas e recepccedilotildees dos leitores
Ciacutecero (De optimo genere oratorum 14) Pliacutenio (VII 9) e Aulo Geacutelio (Noctes Atticae
991) utilizaratildeo o termo vertere infracitados respectivamente
Converti enim ex Atticis duorum
eloquentissimorum nobilissimas orationes
inter seque contrarias Aeschinis et
Demosthenis nec converti ut interpres
sed ut orator sententiis isdem et earum
formis tamquam figuris verbis ad nostram
consuetudinem aptis
Verti entatildeo dos aacuteticos dois discursos
notaacuteveis e contraacuterios entre si um de
Eacutesquines outro de Demoacutestenes autores
dos mais eloquentes E natildeo os verti como
um inteacuterprete mas como um orador
usando os mesmos argumentos tanto na
sua forma quanto nas suas figuras de
linguagem em termos adequados agrave nossa
cultura
1 Quaeris quemadmodum in secessu quo
iam diu frueris putem te studere oportere
Utile in primis et multi praecipiunt vel ex
Graeco in Latinum vel ex Latino vertere in
Graecum 2 Quo genere exercitationi
proprietas splendorque verborum copia
figurarum vis explicandi praeterea
imitatione optimorum similia inveniendi
facultas paratur
1 Vocecirc pergunta como eu acho que lhe
conveacutem estudar no tempo livre de que jaacute
desfruta haacute um bom tempo Sobretudo
proveitosamente E muitos receitam verter
do grego ao latim e do latim ao grego 2
Esse eacute um tipo de exerciacutecio que propicia
seguranccedila e brilho com as palavras
inventaacuterio de imagens e tino
argumentativo bem como por meio da
imitaccedilatildeo dos melhores a faculdade de
inventar obras similares
Quando ex poematis Graecis vertendae
imitandaeque sunt insignes sententiae
non semper aiunt enitendum ut omnia
omnino verba in eum in quem dicta sunt
modum vertamus
Quando de poemas gregos eacute necessaacuterio
verter e imitar sentenccedilas notaacuteveis nem
sempre dizem se deve empenhar para
verter absolutamente todas as palavras
daquele mesmo modo com que foram
ditas
27 Cf Oliva Neto (1996 p 22) Os intelectuais heleniacutesticos percebiam ser irreversiacutevel a consolidaccedilatildeo da escrita e
embora fossem bem conscientes do abalo produzido por ela no mundo oral jamais contemplaram seus
predecessores como quem observa inimigos vencidos Ao contraacuterio a proacutepria escrita e a consciecircncia de serem
escribas o apego ao livro como qualquer nova atitude ligada agrave cultura tinham apoio e justificaccedilatildeo no fato de
servir ao legado dos antecessores preservando-o o que outra coisa natildeo eacute que o sentido dialeacutetico da tradiccedilatildeo
tinham de ser conspicuamente diferentes deles para continuar a exercer em outras circunstacircncias a mesma funccedilatildeo
de poetas Percebendo ser outra a dinacircmica da produccedilatildeo cultural graccedilas precisamente agrave escrita os poetas
heleniacutesticos para inserir-se nessa tradiccedilatildeo e continuaacute-la tiveram muita vez que explicitar o caraacuteter graacutefico de sua
obra
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O interpres de Horaacutecio (fidus interpres v 134 da AP) parece evocar o interpres de
Ciacutecero ainda que em contextos diferentes uma vez que condenam o servilismo de verter
palavra por palavra tendo em vista que o orador tem como primeira atividade encontrar os
argumentos adequados isto eacute o pensamento para depois vesti-los
Ademais natildeo satildeo poucas as definiccedilotildees para artiacutefices e suas obras independentemente
se em prosa ou verso filoacutesofos reacutetores poetas todos auctores com suas mais diferentes obras
como tratados epiacutestolas diaacutelogos eacutepica liacuterica elegia ditirambos etc Mas quais os termos para
o tradutor e para a traduccedilatildeo Natildeo encontramos bem porque tal funccedilatildeo natildeo fosse reconhecida agrave
eacutepoca O que mais se aproxima dessa ideia eacute o conceito do lado negativo condenaacutevel da
imitatio daiacute Horaacutecio com ldquose natildeo caiacuteres imitadorrdquo em que imitator qualifica o executor da
mera imitatio servil isto eacute que natildeo inventa que natildeo refunde que natildeo se lanccedila como inovador
Tambeacutem poderiacuteamos utilizar interpres poreacutem devemos encerrar a exposiccedilatildeo para respeitar a
lei do gecircnero e o termo carece de anaacutelise de seus empregos significados e etimologia mais
minuciosa
Consideraccedilotildees finais
Fala-se amiuacutede de Liacutevio Andronico como tradutor da Odisseia bem como outros
autores latinos No entanto dessa imitaccedilatildeo como preferimos chamar natildeo sobram mais que
cinquenta versos e haacute de se analisar o quanto sejam ou natildeo imitaccedilotildees servis em vez de
traduccedilotildees como hoje chamamos (o mesmo para o poema 66 de Catulo com relaccedilatildeo aos
fragmentos calimaquianos) E Liacutevio Andronico atesta Ciacutecero foi auctor de peccedilas Natildeo se
enquadra na funccedilatildeo de tradutor servil e o ritmo escolhido para sua versatildeo da Odisseia eacute feito
no verso saturnino que natildeo corresponde ao hexacircmetro
Desse modo discordamos de Kennedy (2008 p 224) a respeito da comeacutedia de Plauto
com dizer
[] para nossos objetivos o principal significado da comeacutedia plautina
reside em demonstrar quatildeo longe um ldquotradutorrdquo pode ir na mudanccedila da
forma e do conteuacutedo de seu modelo Esta eacute a primeira explosatildeo de
virtuosismo linguiacutestico na literatura romana e as liberdades de Plauto
na estrutura dramaacutetica e caracterizaccedilatildeo satildeo equilibradas pela
versatilidade de seu ritmo liacuterico e corrente e por todo tipo de jogo com
som e sentido numa fantasia verbal extravagantemente estilizada
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Traduccedilatildeo como imitaccedilatildeo foi suplantada pela exploraccedilatildeo do modelo
como veiacuteculo para a linguagem pessoal do poeta Romano28
Pois natildeo vemos tanto em Liacutevio Andronico quanto em Plauto diferenccedila a respeito da
imitaccedilatildeo que continua sendo fusatildeo de um modelo e veiacuteculo para manifestar a inventividade do
poeta29
Desse modo utilizar o termo ldquotradutorrdquo ou ldquotraduccedilatildeordquo pelo menos ateacute Ciacutecero parece-
nos um anacronismo ao passo que o termo mais acertado seria autor ou imitador no caso de
uma adaptaccedilatildeo inteligente ou de uma imitaccedilatildeo servil respectivamente de acordo com a
recepccedilatildeo e proacutepria criacutetica antiga30
Eacute com a septuaginta que temos um caso interessante e de oposiccedilatildeo a heleniacutestica epiacutestola
de Aristeias cuja lenda refere uma ldquotraduccedilatildeordquo feita por 72 escolhidos e cujo resultado seria
uma versatildeo pura correta e imutaacutevel das palavras inspiradas por um autor que natildeo pode ser
emulado Deus E eacute justamente em Satildeo Jerocircnimo tradutor da Biacuteblia em epiacutestola a Pameacutecio
(376 dC ndash aqui sim depois de Cristo) que vemos uma defesa daquele de suas escolhas de
versatildeo e de onde derivam explicitamente as ideias de traduccedilatildeo pela letra ou pelo espiacuterito ou
sentido
Em suma eacute evidente que havia traduccedilotildees tantas possiacuteveis quantos os autores ou
inteacuterpretes poreacutem embora natildeo haja teoria expliacutecita em tratado sobre a traduccedilatildeo podemos
28 For our purposes the chief significance of Plautine comedy is in demonstrating how far a translator [antente-se
para o uso de aspas no termo translator que revela cautela por parte do autor] can go in changing the form and
content of his model This is the first explosion of linguistic virtuosity in Roman literature and Plautus cavalier
liberties taken with dramatic structure and characterisation are offset by the versatility of his lyric and dialogue
metres and by every kind of play on sound and sense in extravagantly stylised verbal fantasy Translation as
imitation has been superseded by exploitation of the model as vehicle for the Roman poets personal idiom 29 E mais nas palavras de Harvey (1955 p 217) ldquouma importante caracteriacutestica da teoria retoacuterica no periacuteodo
heleniacutestico relaciona-se com a invenccedilatildeordquo (ldquoAn important feature of rhetorical theory in the Hellenistic period
relates to inventionrdquo) que natildeo se restringe somente agrave retoacuterica como vimos nos passos supracitados bem como
fazia parte do curriacuteculo educacional dos progymnaacutesmata ou praeexercitamina Aliaacutes em contexto romano diraacute
Harvey agrave frente (p 240) ldquoquando enredo e sequecircncia narrativa caracterizaccedilatildeo e diaacutelogo satildeo predeterminados pelo
modelo a composiccedilatildeo torna-se muito mais uma questatildeo de escolha (ou criaccedilatildeo) da palavra correta [aptum] para o
contexto Daiacute a poesia romana comeccedilar com a preocupaccedilatildeo quanto agrave elocuccedilatildeo mas com escopo para a criatividade
linguiacutesticardquo (ldquowhen plot and narrative sequence character and dialogue are predetermined by the model
composition becomes very much a matter of choosing (or creating) the right word for the context Hence Roman
poetry began with concern for diction but with scope for linguistic creativityrdquo) Ideia de que discordamos em parte
pois tomando ainda Catulo e Horaacutecio como exemplos esses autores natildeo apenas testaram limites quanto ao ritmo
a meacutetrica a dicccedilatildeo ou elocuccedilatildeo como demonstraram que essa mesma elocuccedilatildeo o arranjo das palavras (verbis
serendis AP v 45) natildeo pode ser dissociada da invenccedilatildeo quanto agrave mateacuteria Horaacutecio faz epodos fracos Catulo nos
leva do epigrama agrave elegia (HASEGAWA 2010 OLIVA NETO 2006) Assim eacute possiacutevel que houve uma mudanccedila
de foco mais para a arte da escrita (com o desenvolvimento e divulgaccedilatildeo da escrita) no entanto a invenccedilatildeo ainda
permanece como condiccedilatildeo sine qua non do ofiacutecio dos compositores reacutetores poetas filoacutesofos professores etc 30 Cf Hunter (2005 p 481) ldquoevitar a larga via eacute uma questatildeo de usar o passado de modo inteligenterdquo (ldquoAvoiding
the lsquobroad highway [Caliacutemaco fr 1 21-28] is a matter of using the past intelligentlyrdquo)
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circunscrevecirc-la nesse sistema geneacuterico que como visto era responsivo competitivo feacutertil e
repleto de debates Nele circunscrita torna-se mais faacutecil compreender Ciacutecero quando diz
traduzir como orador e natildeo como imitador o foco natildeo estava em Demoacutestenes mas no proacuteprio
Ciacutecero que reconhece Demoacutestenes como modelo para utilizar inteligentemente para seu
propoacutesito que nem de longe se assemelha ao papel da traduccedilatildeo de hoje focada no autor do
original a fim de recuperar seus possiacuteveis sentidos originais e como ele os teria manifestado em
outro idioma
Assim nossa breve exposiccedilatildeo se encerra com base na hipoacutetese aqui aventada com a
seguinte questatildeo quando ocorreu e por que razotildees a mudanccedila de foco do olhar dos autores de
sua obra proacutepria original por invenccedilatildeo para o modelo ou seja o apagamento autoral ou a
separaccedilatildeo de papeacuteis ndash entre autores e tradutores diferentes na justa medida da maior ou menor
inventividade proacutepria em competiccedilatildeo com a do modelo ndash o nascimento do tradutor e de
traduccedilotildees enfim quando a imitaccedilatildeo servil como exerciacutecio formativo e relegada agraves salas de
aula tornou-se objetivo de traduccedilatildeo
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O termo ocorre tambeacutem nas Oliacutempicas (6 85-87) e em Aristoacuteteles na Poeacutetica (XIII
1459a 34)
Jaacute a polyeacuteideia ocorre num comentaacuterio (Diegesis 9 32-35) antigo a um verso do Iambo
13 de Caliacutemaco (frag 203 Pfeiffer)
Ἐν τούτῳ πρὸς τοὺς καταμεμφομένους αὐτὸν
ἐπὶ τῇ πολυειδείᾳ ὧν γράφει ποιημάτων
ἀπαντῶν φησιν ὅτι Ἴωνα μιμεῖται τὸν
τραγικόν ἀλλ οὐδὲ τὸν τέκτονά τις μέμφεται
πολυειδῆ σκεύη τεκταινόμενον
Neste [poema] [dirigindo-se] aos que o
reprovam pela pluralidade de gecircneros de
todos poemas que escreve [Caliacutemaco] diz
que imita o tragedioacutegrafo Iacuteon mas
ningueacutem de fato censura o artiacutefice que
faz multiacutegenos utensiacutelios
Caliacutemaco assim tanto busca variegar como faz uma pluralidade de gecircneros ndash
manifestaccedilotildees da invenccedilatildeo sem deixar de citar como modelo Mimnermo para ser o primeiro
em novo trilho (frag 1 Pfeiffer 21-25 traduccedilatildeo e Joatildeo Angelo Oliva Neto)
ldquoo incenso aedo o mais espesso eacute o que conveacutem
me dar a Musa amigo delicada
Ordeno-te natildeo vaacutes por onde os carros trilham
nem sobre o mesmo alheio rasto a roda
leves nem vaacutes agrave larga via mas a estrada
natildeo batida por mais que estreita sigasrdquo
Cumpre aqui notar a relevacircncia de Caliacutemaco tanto por ser criacutetico como poeta uma vez
que como bibliotecaacuterio organizou iacutendice de autores e obras os piacutenakes que hoje chamamos
ldquocataacutelogosrdquo Sua importacircncia eacute capital porque evidencia parte dessa poeacutetica heleniacutestica que teraacute
influenciado Catulo e Horaacutecio
O livro de Catulo eacute emblemaacutetico porque reflete a poeacutetica heleniacutestica e a influecircncia de
Caliacutemaco eacute um livro variegado e tambeacutem plural quanto aos gecircneros jaacute que possui uma primeira
parte polimeacutetrica e uma segunda monomeacutetrica em diacutesticos elegiacuteacos e apresenta poemas com
caracteriacutesticas diacutespares como epigramas e mesmo elegias com destaque poreacutem a seu caraacuteter
ligeiro (OLIVA NETO 1996)
Nas Odes Horaacutecio segue ediccedilotildees alexandrinas para ordenar o livro quanto aos hinos
seja assemelhando-se aos modelos como no caso do primeiro livro imitando Alceu ou
afastando-se como no caso de Safo que faz hino a Afrodite ao passo que o poeta a tenta afastar
Aleacutem disso as sequecircncias riacutetmicas ou seja os metros indicam seccedilotildees proacuteprias e relacionam as
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odes25 e Horaacutecio busca tornar-se ele tambeacutem modelo como em IV 6 (vv 43-44 ldquodei carme
grato aos deuses aprendendo do vate Horaacutecio os metrosrdquo (aqui sigo as ideias e utilizo a
traduccedilatildeo de Alexandre Hasegawa 2012) Tambeacutem eacute poeta variegado e trabalha com os limites
do gecircnero como no livro dos epodos em que apresenta dois (14 e 15) com elementos liacutericos
bem como se insere entre os primeiros no gecircnero ndash ainda que Catulo tenha feito iambos ndash na
Epist 1 19 vv 20-24 ldquoEu por primeiro pus meus peacutes em campo livre e natildeo pisei pegadas
alheias Quem confiar em si conduziraacute o enxame Eu fui o primeiro que mostrei ao Laacutecio os
iambos Paacuterios imitando o ritmo e o acircnimo de Arquiacuteloco natildeo a mateacuteria e as palavras dirigidas
a Licambesrdquo (HASEGAWA 2010 p 79 traduccedilatildeo dos versos por Joatildeo Angelo Oliva Neto)
2 Tradutor imitador ou autor
E agora onde entra a traduccedilatildeo nesta histoacuteria Segundo a discussatildeo e os passos
apontados deduzimos em linhas gerais que o espiacuterito claacutessico o zeitgeist hegeliano dos
autores os incitava agrave inventividade agrave originalidade a testar os limites a superar os modelos ndash
para se tornar modelos ndash a escolher caminhos estreitos Enfim cenaacuterio que em pouco mais de
trezentos anos presenciou muitas guerras e transformaccedilotildees hegemonias gregas com Atenas
Esparta as conquistas de Alexandre O Grande e a dominaccedilatildeo imposta por Roma Contexto
agoniacutestico e de competitividade poliacutetica militar e como natildeo poderia deixar de ser nas
composiccedilotildees escritas Eacute por isso e a ausecircncia de um tratado-testemunho sobre uma arte ou
teacutecnica da traduccedilatildeo que o corrobore que dificilmente podemos conceber um autor aplicado a
ldquopublicarrdquo a obra de outro autor e natildeo proacutepria portanto sem sua autoridade assumindo-se
como imitador da mateacuteria do ritmo e das palavras enfim do gecircnero Muitos testemunhos
mencionam ou falam da imitaccedilatildeo mas quantos autores temos assumindo-se como imitadores
sem ter feito qualquer inovaccedilatildeo no gecircnero seja com mateacuteria seja com ritmo diferente
Destarte sugerimos que usar o termo ldquotraduccedilatildeordquo ou ldquotradutorrdquo para denominar as obras
e os autores antigos eacute anacronismo uma vez que natildeo podemos encontrar teorias antigas a
respeito disso mas somente teacutecnicas e artes de composiccedilatildeo em que a invenccedilatildeo senatildeo expliacutecita
eacute impliacutecita Contudo natildeo ousamos radicalizar e certamente estudantes treinavam com
25 Trata-se da alternacircncia Ver Hasegawa (2016 sobretudo nota de rodapeacute 60 agrave paacutegina 144 em que arrola
bibliografia e menciona a alternacircncia de estrofes alcaicas e saacuteficas no livro das Odes de Horaacutecio diacutesticos elegiacuteacos
e hendecassiacutelabos faleacutecios na Priapeia latina eacuteclogas dramaacuteticas e narrativas nas Bucoacutelicas de Vergiacutelio e
Calpuacuternio
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reproduzir textos de outros autores de uma liacutengua a outra sem no entanto entenderem isso
como uma arte ou teacutecnica proacutepria mas como uma imitaccedilatildeo e se ldquofielrdquo bem por isso condenaacutevel
e abaixo da dignidade que a autoridade de um poeta exigia26 Essas balizas satildeo aquelas que
norteiam e da qual derivam as modernas teorias da traduccedilatildeo as leis do gecircnero E quando
dissemos ldquocrise dos gecircnerosrdquo natildeo queremos nos referir a um evento de fato e sim a um lugar-
comum inerente agraves composiccedilotildees quer seja em poesia quer em prosa uma vez que tanto poetas
como reacutetores (cf os proecircmios de livros como Retoacuterica a Herecircnio De inuentione De oratore
os manuais de Eacutelio Teatildeo Hermoacutegenes entre outros em que cada um inaugura seu tratado ou
teoria dizendo inovar em relaccedilatildeo aos predecessores) O que nos parece ponto fechado eacute que os
autores heleniacutesticos tinham como princiacutepio impliacutecito o dever de conhecer profundamente seus
modelos a fim de justamente por isso natildeo os repetir mas com eles competir ou para usar do
jargatildeo emular
Um caso poreacutem nos chama a atenccedilatildeo Catulo no poema 65 15-16 (OLIVA NETO
1996 p 133)
sed tamen in tantis maeroribus Ortale
mitto
haec expressa tibi carmina Battiadae
em tanta dor poreacutem te envio oacute Hoacutertalo
estes versos vertidos de Caliacutemaco
Em face agrave deduccedilatildeo que realizamos se torna espantoso em um primeiro momento nesse
cenaacuterio um autor reconhecer ter traduzido outro sem inventar isto eacute aparentemente sem
adaptar inteligentemente ou refundir o modelo no entanto ainda que tenha feito Catulo o fez
somente de modo segmentado natildeo de todo o poema o que teria sido uma imitaccedilatildeo servil e
condenaacutevel mas somente de um trecho incluindo-o em outro ambiente (poemas matrimoniais)
diferente embora em livro variegado e com pluralidade de gecircneros Seria assim uma inovaccedilatildeo
catuliana inserir em sua obra de modo anunciado publicamente uma traduccedilatildeo aparentemente
servil pois natildeo eacute de fato jaacute que refunde o modelo apesar de mantecirc-lo o mais possiacutevel
aproximado da liacutengua de chegada com inseri-lo em ambiente diverso do original Ressalve-se
que o original se refere ao fragmento 110 (Pfeiffer) do final do livro IV dos Aitia de Caliacutemaco
do qual temos poucos versos para comparar ao texto latino que tradicionalmente tem sido
utilizado para maior compreensatildeo do texto grego Carmina expressa aponta o verbo exprimere
26 ldquo[] eacute equivocado tambeacutem buscar para cada poema ou verso latino um modelo como se o poeta fosse obrigado
a imitar a cada palavra que escrevesse Se a imitaccedilatildeo eacute conceito importante para poetas latinos e praacutetica frequumlente
(mesmo a imitaccedilatildeo servil deveria ser constante caso contraacuterio natildeo haveria condenaccedilatildeo de Horaacutecio e Quintiliano)
eacute estimulada tambeacutem a inovaccedilatildeo no gecircnero que torna o escritor verdadeiramente auctorrdquo (HASEGAWA 2010
p 79)
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que entendemos com Joatildeo Angelo Oliva Neto por decalque Desse modo Catulo seria uma
exceccedilatildeo agrave regra ou ao menos o primeiro a fazecirc-lo publicamente mantendo a dignidade autoral
como poeta haacutebil e cujo testemunho nos chegou27 Mas ao fazer isso Catulo demonstra aos
leitores atentos sua capacidade de ser original ainda quando aparente servilismo testando as
teorias expliacutecitas e impliacutecitas das composiccedilotildees poeacuteticas e recepccedilotildees dos leitores
Ciacutecero (De optimo genere oratorum 14) Pliacutenio (VII 9) e Aulo Geacutelio (Noctes Atticae
991) utilizaratildeo o termo vertere infracitados respectivamente
Converti enim ex Atticis duorum
eloquentissimorum nobilissimas orationes
inter seque contrarias Aeschinis et
Demosthenis nec converti ut interpres
sed ut orator sententiis isdem et earum
formis tamquam figuris verbis ad nostram
consuetudinem aptis
Verti entatildeo dos aacuteticos dois discursos
notaacuteveis e contraacuterios entre si um de
Eacutesquines outro de Demoacutestenes autores
dos mais eloquentes E natildeo os verti como
um inteacuterprete mas como um orador
usando os mesmos argumentos tanto na
sua forma quanto nas suas figuras de
linguagem em termos adequados agrave nossa
cultura
1 Quaeris quemadmodum in secessu quo
iam diu frueris putem te studere oportere
Utile in primis et multi praecipiunt vel ex
Graeco in Latinum vel ex Latino vertere in
Graecum 2 Quo genere exercitationi
proprietas splendorque verborum copia
figurarum vis explicandi praeterea
imitatione optimorum similia inveniendi
facultas paratur
1 Vocecirc pergunta como eu acho que lhe
conveacutem estudar no tempo livre de que jaacute
desfruta haacute um bom tempo Sobretudo
proveitosamente E muitos receitam verter
do grego ao latim e do latim ao grego 2
Esse eacute um tipo de exerciacutecio que propicia
seguranccedila e brilho com as palavras
inventaacuterio de imagens e tino
argumentativo bem como por meio da
imitaccedilatildeo dos melhores a faculdade de
inventar obras similares
Quando ex poematis Graecis vertendae
imitandaeque sunt insignes sententiae
non semper aiunt enitendum ut omnia
omnino verba in eum in quem dicta sunt
modum vertamus
Quando de poemas gregos eacute necessaacuterio
verter e imitar sentenccedilas notaacuteveis nem
sempre dizem se deve empenhar para
verter absolutamente todas as palavras
daquele mesmo modo com que foram
ditas
27 Cf Oliva Neto (1996 p 22) Os intelectuais heleniacutesticos percebiam ser irreversiacutevel a consolidaccedilatildeo da escrita e
embora fossem bem conscientes do abalo produzido por ela no mundo oral jamais contemplaram seus
predecessores como quem observa inimigos vencidos Ao contraacuterio a proacutepria escrita e a consciecircncia de serem
escribas o apego ao livro como qualquer nova atitude ligada agrave cultura tinham apoio e justificaccedilatildeo no fato de
servir ao legado dos antecessores preservando-o o que outra coisa natildeo eacute que o sentido dialeacutetico da tradiccedilatildeo
tinham de ser conspicuamente diferentes deles para continuar a exercer em outras circunstacircncias a mesma funccedilatildeo
de poetas Percebendo ser outra a dinacircmica da produccedilatildeo cultural graccedilas precisamente agrave escrita os poetas
heleniacutesticos para inserir-se nessa tradiccedilatildeo e continuaacute-la tiveram muita vez que explicitar o caraacuteter graacutefico de sua
obra
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O interpres de Horaacutecio (fidus interpres v 134 da AP) parece evocar o interpres de
Ciacutecero ainda que em contextos diferentes uma vez que condenam o servilismo de verter
palavra por palavra tendo em vista que o orador tem como primeira atividade encontrar os
argumentos adequados isto eacute o pensamento para depois vesti-los
Ademais natildeo satildeo poucas as definiccedilotildees para artiacutefices e suas obras independentemente
se em prosa ou verso filoacutesofos reacutetores poetas todos auctores com suas mais diferentes obras
como tratados epiacutestolas diaacutelogos eacutepica liacuterica elegia ditirambos etc Mas quais os termos para
o tradutor e para a traduccedilatildeo Natildeo encontramos bem porque tal funccedilatildeo natildeo fosse reconhecida agrave
eacutepoca O que mais se aproxima dessa ideia eacute o conceito do lado negativo condenaacutevel da
imitatio daiacute Horaacutecio com ldquose natildeo caiacuteres imitadorrdquo em que imitator qualifica o executor da
mera imitatio servil isto eacute que natildeo inventa que natildeo refunde que natildeo se lanccedila como inovador
Tambeacutem poderiacuteamos utilizar interpres poreacutem devemos encerrar a exposiccedilatildeo para respeitar a
lei do gecircnero e o termo carece de anaacutelise de seus empregos significados e etimologia mais
minuciosa
Consideraccedilotildees finais
Fala-se amiuacutede de Liacutevio Andronico como tradutor da Odisseia bem como outros
autores latinos No entanto dessa imitaccedilatildeo como preferimos chamar natildeo sobram mais que
cinquenta versos e haacute de se analisar o quanto sejam ou natildeo imitaccedilotildees servis em vez de
traduccedilotildees como hoje chamamos (o mesmo para o poema 66 de Catulo com relaccedilatildeo aos
fragmentos calimaquianos) E Liacutevio Andronico atesta Ciacutecero foi auctor de peccedilas Natildeo se
enquadra na funccedilatildeo de tradutor servil e o ritmo escolhido para sua versatildeo da Odisseia eacute feito
no verso saturnino que natildeo corresponde ao hexacircmetro
Desse modo discordamos de Kennedy (2008 p 224) a respeito da comeacutedia de Plauto
com dizer
[] para nossos objetivos o principal significado da comeacutedia plautina
reside em demonstrar quatildeo longe um ldquotradutorrdquo pode ir na mudanccedila da
forma e do conteuacutedo de seu modelo Esta eacute a primeira explosatildeo de
virtuosismo linguiacutestico na literatura romana e as liberdades de Plauto
na estrutura dramaacutetica e caracterizaccedilatildeo satildeo equilibradas pela
versatilidade de seu ritmo liacuterico e corrente e por todo tipo de jogo com
som e sentido numa fantasia verbal extravagantemente estilizada
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Traduccedilatildeo como imitaccedilatildeo foi suplantada pela exploraccedilatildeo do modelo
como veiacuteculo para a linguagem pessoal do poeta Romano28
Pois natildeo vemos tanto em Liacutevio Andronico quanto em Plauto diferenccedila a respeito da
imitaccedilatildeo que continua sendo fusatildeo de um modelo e veiacuteculo para manifestar a inventividade do
poeta29
Desse modo utilizar o termo ldquotradutorrdquo ou ldquotraduccedilatildeordquo pelo menos ateacute Ciacutecero parece-
nos um anacronismo ao passo que o termo mais acertado seria autor ou imitador no caso de
uma adaptaccedilatildeo inteligente ou de uma imitaccedilatildeo servil respectivamente de acordo com a
recepccedilatildeo e proacutepria criacutetica antiga30
Eacute com a septuaginta que temos um caso interessante e de oposiccedilatildeo a heleniacutestica epiacutestola
de Aristeias cuja lenda refere uma ldquotraduccedilatildeordquo feita por 72 escolhidos e cujo resultado seria
uma versatildeo pura correta e imutaacutevel das palavras inspiradas por um autor que natildeo pode ser
emulado Deus E eacute justamente em Satildeo Jerocircnimo tradutor da Biacuteblia em epiacutestola a Pameacutecio
(376 dC ndash aqui sim depois de Cristo) que vemos uma defesa daquele de suas escolhas de
versatildeo e de onde derivam explicitamente as ideias de traduccedilatildeo pela letra ou pelo espiacuterito ou
sentido
Em suma eacute evidente que havia traduccedilotildees tantas possiacuteveis quantos os autores ou
inteacuterpretes poreacutem embora natildeo haja teoria expliacutecita em tratado sobre a traduccedilatildeo podemos
28 For our purposes the chief significance of Plautine comedy is in demonstrating how far a translator [antente-se
para o uso de aspas no termo translator que revela cautela por parte do autor] can go in changing the form and
content of his model This is the first explosion of linguistic virtuosity in Roman literature and Plautus cavalier
liberties taken with dramatic structure and characterisation are offset by the versatility of his lyric and dialogue
metres and by every kind of play on sound and sense in extravagantly stylised verbal fantasy Translation as
imitation has been superseded by exploitation of the model as vehicle for the Roman poets personal idiom 29 E mais nas palavras de Harvey (1955 p 217) ldquouma importante caracteriacutestica da teoria retoacuterica no periacuteodo
heleniacutestico relaciona-se com a invenccedilatildeordquo (ldquoAn important feature of rhetorical theory in the Hellenistic period
relates to inventionrdquo) que natildeo se restringe somente agrave retoacuterica como vimos nos passos supracitados bem como
fazia parte do curriacuteculo educacional dos progymnaacutesmata ou praeexercitamina Aliaacutes em contexto romano diraacute
Harvey agrave frente (p 240) ldquoquando enredo e sequecircncia narrativa caracterizaccedilatildeo e diaacutelogo satildeo predeterminados pelo
modelo a composiccedilatildeo torna-se muito mais uma questatildeo de escolha (ou criaccedilatildeo) da palavra correta [aptum] para o
contexto Daiacute a poesia romana comeccedilar com a preocupaccedilatildeo quanto agrave elocuccedilatildeo mas com escopo para a criatividade
linguiacutesticardquo (ldquowhen plot and narrative sequence character and dialogue are predetermined by the model
composition becomes very much a matter of choosing (or creating) the right word for the context Hence Roman
poetry began with concern for diction but with scope for linguistic creativityrdquo) Ideia de que discordamos em parte
pois tomando ainda Catulo e Horaacutecio como exemplos esses autores natildeo apenas testaram limites quanto ao ritmo
a meacutetrica a dicccedilatildeo ou elocuccedilatildeo como demonstraram que essa mesma elocuccedilatildeo o arranjo das palavras (verbis
serendis AP v 45) natildeo pode ser dissociada da invenccedilatildeo quanto agrave mateacuteria Horaacutecio faz epodos fracos Catulo nos
leva do epigrama agrave elegia (HASEGAWA 2010 OLIVA NETO 2006) Assim eacute possiacutevel que houve uma mudanccedila
de foco mais para a arte da escrita (com o desenvolvimento e divulgaccedilatildeo da escrita) no entanto a invenccedilatildeo ainda
permanece como condiccedilatildeo sine qua non do ofiacutecio dos compositores reacutetores poetas filoacutesofos professores etc 30 Cf Hunter (2005 p 481) ldquoevitar a larga via eacute uma questatildeo de usar o passado de modo inteligenterdquo (ldquoAvoiding
the lsquobroad highway [Caliacutemaco fr 1 21-28] is a matter of using the past intelligentlyrdquo)
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circunscrevecirc-la nesse sistema geneacuterico que como visto era responsivo competitivo feacutertil e
repleto de debates Nele circunscrita torna-se mais faacutecil compreender Ciacutecero quando diz
traduzir como orador e natildeo como imitador o foco natildeo estava em Demoacutestenes mas no proacuteprio
Ciacutecero que reconhece Demoacutestenes como modelo para utilizar inteligentemente para seu
propoacutesito que nem de longe se assemelha ao papel da traduccedilatildeo de hoje focada no autor do
original a fim de recuperar seus possiacuteveis sentidos originais e como ele os teria manifestado em
outro idioma
Assim nossa breve exposiccedilatildeo se encerra com base na hipoacutetese aqui aventada com a
seguinte questatildeo quando ocorreu e por que razotildees a mudanccedila de foco do olhar dos autores de
sua obra proacutepria original por invenccedilatildeo para o modelo ou seja o apagamento autoral ou a
separaccedilatildeo de papeacuteis ndash entre autores e tradutores diferentes na justa medida da maior ou menor
inventividade proacutepria em competiccedilatildeo com a do modelo ndash o nascimento do tradutor e de
traduccedilotildees enfim quando a imitaccedilatildeo servil como exerciacutecio formativo e relegada agraves salas de
aula tornou-se objetivo de traduccedilatildeo
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Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2009 Disponiacutevel em
TRANSLATIO Porto Alegre n 18 Julho de 2020
97 ISSN 2236-4013
lthttpwwwtesesuspbrtesesdisponiveis88143tde-19022010-165443pt-brphpgt Acesso
em 4 ago 2018
WERNER Christian SEBASTIANI Breno DOURADO-LOPES Antonio (Org) Gecircneros
poeacuteticos na Greacutecia Antiga Satildeo Paulo Humanitas 2014 p 11-22
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odes25 e Horaacutecio busca tornar-se ele tambeacutem modelo como em IV 6 (vv 43-44 ldquodei carme
grato aos deuses aprendendo do vate Horaacutecio os metrosrdquo (aqui sigo as ideias e utilizo a
traduccedilatildeo de Alexandre Hasegawa 2012) Tambeacutem eacute poeta variegado e trabalha com os limites
do gecircnero como no livro dos epodos em que apresenta dois (14 e 15) com elementos liacutericos
bem como se insere entre os primeiros no gecircnero ndash ainda que Catulo tenha feito iambos ndash na
Epist 1 19 vv 20-24 ldquoEu por primeiro pus meus peacutes em campo livre e natildeo pisei pegadas
alheias Quem confiar em si conduziraacute o enxame Eu fui o primeiro que mostrei ao Laacutecio os
iambos Paacuterios imitando o ritmo e o acircnimo de Arquiacuteloco natildeo a mateacuteria e as palavras dirigidas
a Licambesrdquo (HASEGAWA 2010 p 79 traduccedilatildeo dos versos por Joatildeo Angelo Oliva Neto)
2 Tradutor imitador ou autor
E agora onde entra a traduccedilatildeo nesta histoacuteria Segundo a discussatildeo e os passos
apontados deduzimos em linhas gerais que o espiacuterito claacutessico o zeitgeist hegeliano dos
autores os incitava agrave inventividade agrave originalidade a testar os limites a superar os modelos ndash
para se tornar modelos ndash a escolher caminhos estreitos Enfim cenaacuterio que em pouco mais de
trezentos anos presenciou muitas guerras e transformaccedilotildees hegemonias gregas com Atenas
Esparta as conquistas de Alexandre O Grande e a dominaccedilatildeo imposta por Roma Contexto
agoniacutestico e de competitividade poliacutetica militar e como natildeo poderia deixar de ser nas
composiccedilotildees escritas Eacute por isso e a ausecircncia de um tratado-testemunho sobre uma arte ou
teacutecnica da traduccedilatildeo que o corrobore que dificilmente podemos conceber um autor aplicado a
ldquopublicarrdquo a obra de outro autor e natildeo proacutepria portanto sem sua autoridade assumindo-se
como imitador da mateacuteria do ritmo e das palavras enfim do gecircnero Muitos testemunhos
mencionam ou falam da imitaccedilatildeo mas quantos autores temos assumindo-se como imitadores
sem ter feito qualquer inovaccedilatildeo no gecircnero seja com mateacuteria seja com ritmo diferente
Destarte sugerimos que usar o termo ldquotraduccedilatildeordquo ou ldquotradutorrdquo para denominar as obras
e os autores antigos eacute anacronismo uma vez que natildeo podemos encontrar teorias antigas a
respeito disso mas somente teacutecnicas e artes de composiccedilatildeo em que a invenccedilatildeo senatildeo expliacutecita
eacute impliacutecita Contudo natildeo ousamos radicalizar e certamente estudantes treinavam com
25 Trata-se da alternacircncia Ver Hasegawa (2016 sobretudo nota de rodapeacute 60 agrave paacutegina 144 em que arrola
bibliografia e menciona a alternacircncia de estrofes alcaicas e saacuteficas no livro das Odes de Horaacutecio diacutesticos elegiacuteacos
e hendecassiacutelabos faleacutecios na Priapeia latina eacuteclogas dramaacuteticas e narrativas nas Bucoacutelicas de Vergiacutelio e
Calpuacuternio
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reproduzir textos de outros autores de uma liacutengua a outra sem no entanto entenderem isso
como uma arte ou teacutecnica proacutepria mas como uma imitaccedilatildeo e se ldquofielrdquo bem por isso condenaacutevel
e abaixo da dignidade que a autoridade de um poeta exigia26 Essas balizas satildeo aquelas que
norteiam e da qual derivam as modernas teorias da traduccedilatildeo as leis do gecircnero E quando
dissemos ldquocrise dos gecircnerosrdquo natildeo queremos nos referir a um evento de fato e sim a um lugar-
comum inerente agraves composiccedilotildees quer seja em poesia quer em prosa uma vez que tanto poetas
como reacutetores (cf os proecircmios de livros como Retoacuterica a Herecircnio De inuentione De oratore
os manuais de Eacutelio Teatildeo Hermoacutegenes entre outros em que cada um inaugura seu tratado ou
teoria dizendo inovar em relaccedilatildeo aos predecessores) O que nos parece ponto fechado eacute que os
autores heleniacutesticos tinham como princiacutepio impliacutecito o dever de conhecer profundamente seus
modelos a fim de justamente por isso natildeo os repetir mas com eles competir ou para usar do
jargatildeo emular
Um caso poreacutem nos chama a atenccedilatildeo Catulo no poema 65 15-16 (OLIVA NETO
1996 p 133)
sed tamen in tantis maeroribus Ortale
mitto
haec expressa tibi carmina Battiadae
em tanta dor poreacutem te envio oacute Hoacutertalo
estes versos vertidos de Caliacutemaco
Em face agrave deduccedilatildeo que realizamos se torna espantoso em um primeiro momento nesse
cenaacuterio um autor reconhecer ter traduzido outro sem inventar isto eacute aparentemente sem
adaptar inteligentemente ou refundir o modelo no entanto ainda que tenha feito Catulo o fez
somente de modo segmentado natildeo de todo o poema o que teria sido uma imitaccedilatildeo servil e
condenaacutevel mas somente de um trecho incluindo-o em outro ambiente (poemas matrimoniais)
diferente embora em livro variegado e com pluralidade de gecircneros Seria assim uma inovaccedilatildeo
catuliana inserir em sua obra de modo anunciado publicamente uma traduccedilatildeo aparentemente
servil pois natildeo eacute de fato jaacute que refunde o modelo apesar de mantecirc-lo o mais possiacutevel
aproximado da liacutengua de chegada com inseri-lo em ambiente diverso do original Ressalve-se
que o original se refere ao fragmento 110 (Pfeiffer) do final do livro IV dos Aitia de Caliacutemaco
do qual temos poucos versos para comparar ao texto latino que tradicionalmente tem sido
utilizado para maior compreensatildeo do texto grego Carmina expressa aponta o verbo exprimere
26 ldquo[] eacute equivocado tambeacutem buscar para cada poema ou verso latino um modelo como se o poeta fosse obrigado
a imitar a cada palavra que escrevesse Se a imitaccedilatildeo eacute conceito importante para poetas latinos e praacutetica frequumlente
(mesmo a imitaccedilatildeo servil deveria ser constante caso contraacuterio natildeo haveria condenaccedilatildeo de Horaacutecio e Quintiliano)
eacute estimulada tambeacutem a inovaccedilatildeo no gecircnero que torna o escritor verdadeiramente auctorrdquo (HASEGAWA 2010
p 79)
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que entendemos com Joatildeo Angelo Oliva Neto por decalque Desse modo Catulo seria uma
exceccedilatildeo agrave regra ou ao menos o primeiro a fazecirc-lo publicamente mantendo a dignidade autoral
como poeta haacutebil e cujo testemunho nos chegou27 Mas ao fazer isso Catulo demonstra aos
leitores atentos sua capacidade de ser original ainda quando aparente servilismo testando as
teorias expliacutecitas e impliacutecitas das composiccedilotildees poeacuteticas e recepccedilotildees dos leitores
Ciacutecero (De optimo genere oratorum 14) Pliacutenio (VII 9) e Aulo Geacutelio (Noctes Atticae
991) utilizaratildeo o termo vertere infracitados respectivamente
Converti enim ex Atticis duorum
eloquentissimorum nobilissimas orationes
inter seque contrarias Aeschinis et
Demosthenis nec converti ut interpres
sed ut orator sententiis isdem et earum
formis tamquam figuris verbis ad nostram
consuetudinem aptis
Verti entatildeo dos aacuteticos dois discursos
notaacuteveis e contraacuterios entre si um de
Eacutesquines outro de Demoacutestenes autores
dos mais eloquentes E natildeo os verti como
um inteacuterprete mas como um orador
usando os mesmos argumentos tanto na
sua forma quanto nas suas figuras de
linguagem em termos adequados agrave nossa
cultura
1 Quaeris quemadmodum in secessu quo
iam diu frueris putem te studere oportere
Utile in primis et multi praecipiunt vel ex
Graeco in Latinum vel ex Latino vertere in
Graecum 2 Quo genere exercitationi
proprietas splendorque verborum copia
figurarum vis explicandi praeterea
imitatione optimorum similia inveniendi
facultas paratur
1 Vocecirc pergunta como eu acho que lhe
conveacutem estudar no tempo livre de que jaacute
desfruta haacute um bom tempo Sobretudo
proveitosamente E muitos receitam verter
do grego ao latim e do latim ao grego 2
Esse eacute um tipo de exerciacutecio que propicia
seguranccedila e brilho com as palavras
inventaacuterio de imagens e tino
argumentativo bem como por meio da
imitaccedilatildeo dos melhores a faculdade de
inventar obras similares
Quando ex poematis Graecis vertendae
imitandaeque sunt insignes sententiae
non semper aiunt enitendum ut omnia
omnino verba in eum in quem dicta sunt
modum vertamus
Quando de poemas gregos eacute necessaacuterio
verter e imitar sentenccedilas notaacuteveis nem
sempre dizem se deve empenhar para
verter absolutamente todas as palavras
daquele mesmo modo com que foram
ditas
27 Cf Oliva Neto (1996 p 22) Os intelectuais heleniacutesticos percebiam ser irreversiacutevel a consolidaccedilatildeo da escrita e
embora fossem bem conscientes do abalo produzido por ela no mundo oral jamais contemplaram seus
predecessores como quem observa inimigos vencidos Ao contraacuterio a proacutepria escrita e a consciecircncia de serem
escribas o apego ao livro como qualquer nova atitude ligada agrave cultura tinham apoio e justificaccedilatildeo no fato de
servir ao legado dos antecessores preservando-o o que outra coisa natildeo eacute que o sentido dialeacutetico da tradiccedilatildeo
tinham de ser conspicuamente diferentes deles para continuar a exercer em outras circunstacircncias a mesma funccedilatildeo
de poetas Percebendo ser outra a dinacircmica da produccedilatildeo cultural graccedilas precisamente agrave escrita os poetas
heleniacutesticos para inserir-se nessa tradiccedilatildeo e continuaacute-la tiveram muita vez que explicitar o caraacuteter graacutefico de sua
obra
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O interpres de Horaacutecio (fidus interpres v 134 da AP) parece evocar o interpres de
Ciacutecero ainda que em contextos diferentes uma vez que condenam o servilismo de verter
palavra por palavra tendo em vista que o orador tem como primeira atividade encontrar os
argumentos adequados isto eacute o pensamento para depois vesti-los
Ademais natildeo satildeo poucas as definiccedilotildees para artiacutefices e suas obras independentemente
se em prosa ou verso filoacutesofos reacutetores poetas todos auctores com suas mais diferentes obras
como tratados epiacutestolas diaacutelogos eacutepica liacuterica elegia ditirambos etc Mas quais os termos para
o tradutor e para a traduccedilatildeo Natildeo encontramos bem porque tal funccedilatildeo natildeo fosse reconhecida agrave
eacutepoca O que mais se aproxima dessa ideia eacute o conceito do lado negativo condenaacutevel da
imitatio daiacute Horaacutecio com ldquose natildeo caiacuteres imitadorrdquo em que imitator qualifica o executor da
mera imitatio servil isto eacute que natildeo inventa que natildeo refunde que natildeo se lanccedila como inovador
Tambeacutem poderiacuteamos utilizar interpres poreacutem devemos encerrar a exposiccedilatildeo para respeitar a
lei do gecircnero e o termo carece de anaacutelise de seus empregos significados e etimologia mais
minuciosa
Consideraccedilotildees finais
Fala-se amiuacutede de Liacutevio Andronico como tradutor da Odisseia bem como outros
autores latinos No entanto dessa imitaccedilatildeo como preferimos chamar natildeo sobram mais que
cinquenta versos e haacute de se analisar o quanto sejam ou natildeo imitaccedilotildees servis em vez de
traduccedilotildees como hoje chamamos (o mesmo para o poema 66 de Catulo com relaccedilatildeo aos
fragmentos calimaquianos) E Liacutevio Andronico atesta Ciacutecero foi auctor de peccedilas Natildeo se
enquadra na funccedilatildeo de tradutor servil e o ritmo escolhido para sua versatildeo da Odisseia eacute feito
no verso saturnino que natildeo corresponde ao hexacircmetro
Desse modo discordamos de Kennedy (2008 p 224) a respeito da comeacutedia de Plauto
com dizer
[] para nossos objetivos o principal significado da comeacutedia plautina
reside em demonstrar quatildeo longe um ldquotradutorrdquo pode ir na mudanccedila da
forma e do conteuacutedo de seu modelo Esta eacute a primeira explosatildeo de
virtuosismo linguiacutestico na literatura romana e as liberdades de Plauto
na estrutura dramaacutetica e caracterizaccedilatildeo satildeo equilibradas pela
versatilidade de seu ritmo liacuterico e corrente e por todo tipo de jogo com
som e sentido numa fantasia verbal extravagantemente estilizada
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Traduccedilatildeo como imitaccedilatildeo foi suplantada pela exploraccedilatildeo do modelo
como veiacuteculo para a linguagem pessoal do poeta Romano28
Pois natildeo vemos tanto em Liacutevio Andronico quanto em Plauto diferenccedila a respeito da
imitaccedilatildeo que continua sendo fusatildeo de um modelo e veiacuteculo para manifestar a inventividade do
poeta29
Desse modo utilizar o termo ldquotradutorrdquo ou ldquotraduccedilatildeordquo pelo menos ateacute Ciacutecero parece-
nos um anacronismo ao passo que o termo mais acertado seria autor ou imitador no caso de
uma adaptaccedilatildeo inteligente ou de uma imitaccedilatildeo servil respectivamente de acordo com a
recepccedilatildeo e proacutepria criacutetica antiga30
Eacute com a septuaginta que temos um caso interessante e de oposiccedilatildeo a heleniacutestica epiacutestola
de Aristeias cuja lenda refere uma ldquotraduccedilatildeordquo feita por 72 escolhidos e cujo resultado seria
uma versatildeo pura correta e imutaacutevel das palavras inspiradas por um autor que natildeo pode ser
emulado Deus E eacute justamente em Satildeo Jerocircnimo tradutor da Biacuteblia em epiacutestola a Pameacutecio
(376 dC ndash aqui sim depois de Cristo) que vemos uma defesa daquele de suas escolhas de
versatildeo e de onde derivam explicitamente as ideias de traduccedilatildeo pela letra ou pelo espiacuterito ou
sentido
Em suma eacute evidente que havia traduccedilotildees tantas possiacuteveis quantos os autores ou
inteacuterpretes poreacutem embora natildeo haja teoria expliacutecita em tratado sobre a traduccedilatildeo podemos
28 For our purposes the chief significance of Plautine comedy is in demonstrating how far a translator [antente-se
para o uso de aspas no termo translator que revela cautela por parte do autor] can go in changing the form and
content of his model This is the first explosion of linguistic virtuosity in Roman literature and Plautus cavalier
liberties taken with dramatic structure and characterisation are offset by the versatility of his lyric and dialogue
metres and by every kind of play on sound and sense in extravagantly stylised verbal fantasy Translation as
imitation has been superseded by exploitation of the model as vehicle for the Roman poets personal idiom 29 E mais nas palavras de Harvey (1955 p 217) ldquouma importante caracteriacutestica da teoria retoacuterica no periacuteodo
heleniacutestico relaciona-se com a invenccedilatildeordquo (ldquoAn important feature of rhetorical theory in the Hellenistic period
relates to inventionrdquo) que natildeo se restringe somente agrave retoacuterica como vimos nos passos supracitados bem como
fazia parte do curriacuteculo educacional dos progymnaacutesmata ou praeexercitamina Aliaacutes em contexto romano diraacute
Harvey agrave frente (p 240) ldquoquando enredo e sequecircncia narrativa caracterizaccedilatildeo e diaacutelogo satildeo predeterminados pelo
modelo a composiccedilatildeo torna-se muito mais uma questatildeo de escolha (ou criaccedilatildeo) da palavra correta [aptum] para o
contexto Daiacute a poesia romana comeccedilar com a preocupaccedilatildeo quanto agrave elocuccedilatildeo mas com escopo para a criatividade
linguiacutesticardquo (ldquowhen plot and narrative sequence character and dialogue are predetermined by the model
composition becomes very much a matter of choosing (or creating) the right word for the context Hence Roman
poetry began with concern for diction but with scope for linguistic creativityrdquo) Ideia de que discordamos em parte
pois tomando ainda Catulo e Horaacutecio como exemplos esses autores natildeo apenas testaram limites quanto ao ritmo
a meacutetrica a dicccedilatildeo ou elocuccedilatildeo como demonstraram que essa mesma elocuccedilatildeo o arranjo das palavras (verbis
serendis AP v 45) natildeo pode ser dissociada da invenccedilatildeo quanto agrave mateacuteria Horaacutecio faz epodos fracos Catulo nos
leva do epigrama agrave elegia (HASEGAWA 2010 OLIVA NETO 2006) Assim eacute possiacutevel que houve uma mudanccedila
de foco mais para a arte da escrita (com o desenvolvimento e divulgaccedilatildeo da escrita) no entanto a invenccedilatildeo ainda
permanece como condiccedilatildeo sine qua non do ofiacutecio dos compositores reacutetores poetas filoacutesofos professores etc 30 Cf Hunter (2005 p 481) ldquoevitar a larga via eacute uma questatildeo de usar o passado de modo inteligenterdquo (ldquoAvoiding
the lsquobroad highway [Caliacutemaco fr 1 21-28] is a matter of using the past intelligentlyrdquo)
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circunscrevecirc-la nesse sistema geneacuterico que como visto era responsivo competitivo feacutertil e
repleto de debates Nele circunscrita torna-se mais faacutecil compreender Ciacutecero quando diz
traduzir como orador e natildeo como imitador o foco natildeo estava em Demoacutestenes mas no proacuteprio
Ciacutecero que reconhece Demoacutestenes como modelo para utilizar inteligentemente para seu
propoacutesito que nem de longe se assemelha ao papel da traduccedilatildeo de hoje focada no autor do
original a fim de recuperar seus possiacuteveis sentidos originais e como ele os teria manifestado em
outro idioma
Assim nossa breve exposiccedilatildeo se encerra com base na hipoacutetese aqui aventada com a
seguinte questatildeo quando ocorreu e por que razotildees a mudanccedila de foco do olhar dos autores de
sua obra proacutepria original por invenccedilatildeo para o modelo ou seja o apagamento autoral ou a
separaccedilatildeo de papeacuteis ndash entre autores e tradutores diferentes na justa medida da maior ou menor
inventividade proacutepria em competiccedilatildeo com a do modelo ndash o nascimento do tradutor e de
traduccedilotildees enfim quando a imitaccedilatildeo servil como exerciacutecio formativo e relegada agraves salas de
aula tornou-se objetivo de traduccedilatildeo
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reproduzir textos de outros autores de uma liacutengua a outra sem no entanto entenderem isso
como uma arte ou teacutecnica proacutepria mas como uma imitaccedilatildeo e se ldquofielrdquo bem por isso condenaacutevel
e abaixo da dignidade que a autoridade de um poeta exigia26 Essas balizas satildeo aquelas que
norteiam e da qual derivam as modernas teorias da traduccedilatildeo as leis do gecircnero E quando
dissemos ldquocrise dos gecircnerosrdquo natildeo queremos nos referir a um evento de fato e sim a um lugar-
comum inerente agraves composiccedilotildees quer seja em poesia quer em prosa uma vez que tanto poetas
como reacutetores (cf os proecircmios de livros como Retoacuterica a Herecircnio De inuentione De oratore
os manuais de Eacutelio Teatildeo Hermoacutegenes entre outros em que cada um inaugura seu tratado ou
teoria dizendo inovar em relaccedilatildeo aos predecessores) O que nos parece ponto fechado eacute que os
autores heleniacutesticos tinham como princiacutepio impliacutecito o dever de conhecer profundamente seus
modelos a fim de justamente por isso natildeo os repetir mas com eles competir ou para usar do
jargatildeo emular
Um caso poreacutem nos chama a atenccedilatildeo Catulo no poema 65 15-16 (OLIVA NETO
1996 p 133)
sed tamen in tantis maeroribus Ortale
mitto
haec expressa tibi carmina Battiadae
em tanta dor poreacutem te envio oacute Hoacutertalo
estes versos vertidos de Caliacutemaco
Em face agrave deduccedilatildeo que realizamos se torna espantoso em um primeiro momento nesse
cenaacuterio um autor reconhecer ter traduzido outro sem inventar isto eacute aparentemente sem
adaptar inteligentemente ou refundir o modelo no entanto ainda que tenha feito Catulo o fez
somente de modo segmentado natildeo de todo o poema o que teria sido uma imitaccedilatildeo servil e
condenaacutevel mas somente de um trecho incluindo-o em outro ambiente (poemas matrimoniais)
diferente embora em livro variegado e com pluralidade de gecircneros Seria assim uma inovaccedilatildeo
catuliana inserir em sua obra de modo anunciado publicamente uma traduccedilatildeo aparentemente
servil pois natildeo eacute de fato jaacute que refunde o modelo apesar de mantecirc-lo o mais possiacutevel
aproximado da liacutengua de chegada com inseri-lo em ambiente diverso do original Ressalve-se
que o original se refere ao fragmento 110 (Pfeiffer) do final do livro IV dos Aitia de Caliacutemaco
do qual temos poucos versos para comparar ao texto latino que tradicionalmente tem sido
utilizado para maior compreensatildeo do texto grego Carmina expressa aponta o verbo exprimere
26 ldquo[] eacute equivocado tambeacutem buscar para cada poema ou verso latino um modelo como se o poeta fosse obrigado
a imitar a cada palavra que escrevesse Se a imitaccedilatildeo eacute conceito importante para poetas latinos e praacutetica frequumlente
(mesmo a imitaccedilatildeo servil deveria ser constante caso contraacuterio natildeo haveria condenaccedilatildeo de Horaacutecio e Quintiliano)
eacute estimulada tambeacutem a inovaccedilatildeo no gecircnero que torna o escritor verdadeiramente auctorrdquo (HASEGAWA 2010
p 79)
TRANSLATIO Porto Alegre n 18 Julho de 2020
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que entendemos com Joatildeo Angelo Oliva Neto por decalque Desse modo Catulo seria uma
exceccedilatildeo agrave regra ou ao menos o primeiro a fazecirc-lo publicamente mantendo a dignidade autoral
como poeta haacutebil e cujo testemunho nos chegou27 Mas ao fazer isso Catulo demonstra aos
leitores atentos sua capacidade de ser original ainda quando aparente servilismo testando as
teorias expliacutecitas e impliacutecitas das composiccedilotildees poeacuteticas e recepccedilotildees dos leitores
Ciacutecero (De optimo genere oratorum 14) Pliacutenio (VII 9) e Aulo Geacutelio (Noctes Atticae
991) utilizaratildeo o termo vertere infracitados respectivamente
Converti enim ex Atticis duorum
eloquentissimorum nobilissimas orationes
inter seque contrarias Aeschinis et
Demosthenis nec converti ut interpres
sed ut orator sententiis isdem et earum
formis tamquam figuris verbis ad nostram
consuetudinem aptis
Verti entatildeo dos aacuteticos dois discursos
notaacuteveis e contraacuterios entre si um de
Eacutesquines outro de Demoacutestenes autores
dos mais eloquentes E natildeo os verti como
um inteacuterprete mas como um orador
usando os mesmos argumentos tanto na
sua forma quanto nas suas figuras de
linguagem em termos adequados agrave nossa
cultura
1 Quaeris quemadmodum in secessu quo
iam diu frueris putem te studere oportere
Utile in primis et multi praecipiunt vel ex
Graeco in Latinum vel ex Latino vertere in
Graecum 2 Quo genere exercitationi
proprietas splendorque verborum copia
figurarum vis explicandi praeterea
imitatione optimorum similia inveniendi
facultas paratur
1 Vocecirc pergunta como eu acho que lhe
conveacutem estudar no tempo livre de que jaacute
desfruta haacute um bom tempo Sobretudo
proveitosamente E muitos receitam verter
do grego ao latim e do latim ao grego 2
Esse eacute um tipo de exerciacutecio que propicia
seguranccedila e brilho com as palavras
inventaacuterio de imagens e tino
argumentativo bem como por meio da
imitaccedilatildeo dos melhores a faculdade de
inventar obras similares
Quando ex poematis Graecis vertendae
imitandaeque sunt insignes sententiae
non semper aiunt enitendum ut omnia
omnino verba in eum in quem dicta sunt
modum vertamus
Quando de poemas gregos eacute necessaacuterio
verter e imitar sentenccedilas notaacuteveis nem
sempre dizem se deve empenhar para
verter absolutamente todas as palavras
daquele mesmo modo com que foram
ditas
27 Cf Oliva Neto (1996 p 22) Os intelectuais heleniacutesticos percebiam ser irreversiacutevel a consolidaccedilatildeo da escrita e
embora fossem bem conscientes do abalo produzido por ela no mundo oral jamais contemplaram seus
predecessores como quem observa inimigos vencidos Ao contraacuterio a proacutepria escrita e a consciecircncia de serem
escribas o apego ao livro como qualquer nova atitude ligada agrave cultura tinham apoio e justificaccedilatildeo no fato de
servir ao legado dos antecessores preservando-o o que outra coisa natildeo eacute que o sentido dialeacutetico da tradiccedilatildeo
tinham de ser conspicuamente diferentes deles para continuar a exercer em outras circunstacircncias a mesma funccedilatildeo
de poetas Percebendo ser outra a dinacircmica da produccedilatildeo cultural graccedilas precisamente agrave escrita os poetas
heleniacutesticos para inserir-se nessa tradiccedilatildeo e continuaacute-la tiveram muita vez que explicitar o caraacuteter graacutefico de sua
obra
TRANSLATIO Porto Alegre n 18 Julho de 2020
93 ISSN 2236-4013
O interpres de Horaacutecio (fidus interpres v 134 da AP) parece evocar o interpres de
Ciacutecero ainda que em contextos diferentes uma vez que condenam o servilismo de verter
palavra por palavra tendo em vista que o orador tem como primeira atividade encontrar os
argumentos adequados isto eacute o pensamento para depois vesti-los
Ademais natildeo satildeo poucas as definiccedilotildees para artiacutefices e suas obras independentemente
se em prosa ou verso filoacutesofos reacutetores poetas todos auctores com suas mais diferentes obras
como tratados epiacutestolas diaacutelogos eacutepica liacuterica elegia ditirambos etc Mas quais os termos para
o tradutor e para a traduccedilatildeo Natildeo encontramos bem porque tal funccedilatildeo natildeo fosse reconhecida agrave
eacutepoca O que mais se aproxima dessa ideia eacute o conceito do lado negativo condenaacutevel da
imitatio daiacute Horaacutecio com ldquose natildeo caiacuteres imitadorrdquo em que imitator qualifica o executor da
mera imitatio servil isto eacute que natildeo inventa que natildeo refunde que natildeo se lanccedila como inovador
Tambeacutem poderiacuteamos utilizar interpres poreacutem devemos encerrar a exposiccedilatildeo para respeitar a
lei do gecircnero e o termo carece de anaacutelise de seus empregos significados e etimologia mais
minuciosa
Consideraccedilotildees finais
Fala-se amiuacutede de Liacutevio Andronico como tradutor da Odisseia bem como outros
autores latinos No entanto dessa imitaccedilatildeo como preferimos chamar natildeo sobram mais que
cinquenta versos e haacute de se analisar o quanto sejam ou natildeo imitaccedilotildees servis em vez de
traduccedilotildees como hoje chamamos (o mesmo para o poema 66 de Catulo com relaccedilatildeo aos
fragmentos calimaquianos) E Liacutevio Andronico atesta Ciacutecero foi auctor de peccedilas Natildeo se
enquadra na funccedilatildeo de tradutor servil e o ritmo escolhido para sua versatildeo da Odisseia eacute feito
no verso saturnino que natildeo corresponde ao hexacircmetro
Desse modo discordamos de Kennedy (2008 p 224) a respeito da comeacutedia de Plauto
com dizer
[] para nossos objetivos o principal significado da comeacutedia plautina
reside em demonstrar quatildeo longe um ldquotradutorrdquo pode ir na mudanccedila da
forma e do conteuacutedo de seu modelo Esta eacute a primeira explosatildeo de
virtuosismo linguiacutestico na literatura romana e as liberdades de Plauto
na estrutura dramaacutetica e caracterizaccedilatildeo satildeo equilibradas pela
versatilidade de seu ritmo liacuterico e corrente e por todo tipo de jogo com
som e sentido numa fantasia verbal extravagantemente estilizada
TRANSLATIO Porto Alegre n 18 Julho de 2020
94 ISSN 2236-4013
Traduccedilatildeo como imitaccedilatildeo foi suplantada pela exploraccedilatildeo do modelo
como veiacuteculo para a linguagem pessoal do poeta Romano28
Pois natildeo vemos tanto em Liacutevio Andronico quanto em Plauto diferenccedila a respeito da
imitaccedilatildeo que continua sendo fusatildeo de um modelo e veiacuteculo para manifestar a inventividade do
poeta29
Desse modo utilizar o termo ldquotradutorrdquo ou ldquotraduccedilatildeordquo pelo menos ateacute Ciacutecero parece-
nos um anacronismo ao passo que o termo mais acertado seria autor ou imitador no caso de
uma adaptaccedilatildeo inteligente ou de uma imitaccedilatildeo servil respectivamente de acordo com a
recepccedilatildeo e proacutepria criacutetica antiga30
Eacute com a septuaginta que temos um caso interessante e de oposiccedilatildeo a heleniacutestica epiacutestola
de Aristeias cuja lenda refere uma ldquotraduccedilatildeordquo feita por 72 escolhidos e cujo resultado seria
uma versatildeo pura correta e imutaacutevel das palavras inspiradas por um autor que natildeo pode ser
emulado Deus E eacute justamente em Satildeo Jerocircnimo tradutor da Biacuteblia em epiacutestola a Pameacutecio
(376 dC ndash aqui sim depois de Cristo) que vemos uma defesa daquele de suas escolhas de
versatildeo e de onde derivam explicitamente as ideias de traduccedilatildeo pela letra ou pelo espiacuterito ou
sentido
Em suma eacute evidente que havia traduccedilotildees tantas possiacuteveis quantos os autores ou
inteacuterpretes poreacutem embora natildeo haja teoria expliacutecita em tratado sobre a traduccedilatildeo podemos
28 For our purposes the chief significance of Plautine comedy is in demonstrating how far a translator [antente-se
para o uso de aspas no termo translator que revela cautela por parte do autor] can go in changing the form and
content of his model This is the first explosion of linguistic virtuosity in Roman literature and Plautus cavalier
liberties taken with dramatic structure and characterisation are offset by the versatility of his lyric and dialogue
metres and by every kind of play on sound and sense in extravagantly stylised verbal fantasy Translation as
imitation has been superseded by exploitation of the model as vehicle for the Roman poets personal idiom 29 E mais nas palavras de Harvey (1955 p 217) ldquouma importante caracteriacutestica da teoria retoacuterica no periacuteodo
heleniacutestico relaciona-se com a invenccedilatildeordquo (ldquoAn important feature of rhetorical theory in the Hellenistic period
relates to inventionrdquo) que natildeo se restringe somente agrave retoacuterica como vimos nos passos supracitados bem como
fazia parte do curriacuteculo educacional dos progymnaacutesmata ou praeexercitamina Aliaacutes em contexto romano diraacute
Harvey agrave frente (p 240) ldquoquando enredo e sequecircncia narrativa caracterizaccedilatildeo e diaacutelogo satildeo predeterminados pelo
modelo a composiccedilatildeo torna-se muito mais uma questatildeo de escolha (ou criaccedilatildeo) da palavra correta [aptum] para o
contexto Daiacute a poesia romana comeccedilar com a preocupaccedilatildeo quanto agrave elocuccedilatildeo mas com escopo para a criatividade
linguiacutesticardquo (ldquowhen plot and narrative sequence character and dialogue are predetermined by the model
composition becomes very much a matter of choosing (or creating) the right word for the context Hence Roman
poetry began with concern for diction but with scope for linguistic creativityrdquo) Ideia de que discordamos em parte
pois tomando ainda Catulo e Horaacutecio como exemplos esses autores natildeo apenas testaram limites quanto ao ritmo
a meacutetrica a dicccedilatildeo ou elocuccedilatildeo como demonstraram que essa mesma elocuccedilatildeo o arranjo das palavras (verbis
serendis AP v 45) natildeo pode ser dissociada da invenccedilatildeo quanto agrave mateacuteria Horaacutecio faz epodos fracos Catulo nos
leva do epigrama agrave elegia (HASEGAWA 2010 OLIVA NETO 2006) Assim eacute possiacutevel que houve uma mudanccedila
de foco mais para a arte da escrita (com o desenvolvimento e divulgaccedilatildeo da escrita) no entanto a invenccedilatildeo ainda
permanece como condiccedilatildeo sine qua non do ofiacutecio dos compositores reacutetores poetas filoacutesofos professores etc 30 Cf Hunter (2005 p 481) ldquoevitar a larga via eacute uma questatildeo de usar o passado de modo inteligenterdquo (ldquoAvoiding
the lsquobroad highway [Caliacutemaco fr 1 21-28] is a matter of using the past intelligentlyrdquo)
TRANSLATIO Porto Alegre n 18 Julho de 2020
95 ISSN 2236-4013
circunscrevecirc-la nesse sistema geneacuterico que como visto era responsivo competitivo feacutertil e
repleto de debates Nele circunscrita torna-se mais faacutecil compreender Ciacutecero quando diz
traduzir como orador e natildeo como imitador o foco natildeo estava em Demoacutestenes mas no proacuteprio
Ciacutecero que reconhece Demoacutestenes como modelo para utilizar inteligentemente para seu
propoacutesito que nem de longe se assemelha ao papel da traduccedilatildeo de hoje focada no autor do
original a fim de recuperar seus possiacuteveis sentidos originais e como ele os teria manifestado em
outro idioma
Assim nossa breve exposiccedilatildeo se encerra com base na hipoacutetese aqui aventada com a
seguinte questatildeo quando ocorreu e por que razotildees a mudanccedila de foco do olhar dos autores de
sua obra proacutepria original por invenccedilatildeo para o modelo ou seja o apagamento autoral ou a
separaccedilatildeo de papeacuteis ndash entre autores e tradutores diferentes na justa medida da maior ou menor
inventividade proacutepria em competiccedilatildeo com a do modelo ndash o nascimento do tradutor e de
traduccedilotildees enfim quando a imitaccedilatildeo servil como exerciacutecio formativo e relegada agraves salas de
aula tornou-se objetivo de traduccedilatildeo
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Seabra) Satildeo Paulo Hedra 2005 p 55
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9
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2008
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Saluacutestio e pseudo-Ciacutecero agrave luz dos progymnaacutesmata 2014 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Letras
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MUCKELBAUER John Imitation and Invention in Antiquity An Historical-Theoretical
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OLIVA NETO Joatildeo Angelo O livro de Catulo Traduccedilatildeo comentadas dos poemas de Catulo
Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo 1996 (Texto e Arte 13)
PATILLON Michel BOLOGNESI Giancarlo Aelius Theon Progymnasmata Paris Les
Belles Lettres 1997 p 9
PLATAtildeO A repuacuteblica [ou Sobre a justiccedila diaacutelogo poliacutetico] Traduccedilatildeo Anna Lia Amaral de
Almeida Prado Revisatildeo teacutecnica e introduccedilatildeo Roberto Bolzani Filho Satildeo Paulo Martins
Fontes 2006 p 381-386
______ Sobre a inspiraccedilatildeo poeacutetica (Iacuteon) amp Sobre a mentira (Hiacutepias menor) Introduccedilatildeo
traduccedilatildeo do grego e notas de Andreacute Malta Porto Alegre LampPM 2008 p 22-3
PLATO Platonis Opera Ed John Burnet Oxford University Press 1903
QUINTILIAN Institutio Oratoria Book 10 With An English Translation Harold Edgeworth
Butler Cambridge Cambridge Mass Harvard University Press London William
Heinemann Ltd 1922
ROEMER Cornelia The papyrus roll in Egypt Greece and Rome In ELIOT Simon ROSE
Jonathan (Ed) A companion to the history of the book Blackwell Publishing 2007 p 84-94
SENECA Epistles Volume II Epistles 66-92 Translated by Richard M Gummere Loeb
Classical Library 76 Cambridge MA Harvard University Press 1920 p 276-9
SCATOLIN Adriano A invenccedilatildeo no Do orador de Ciacutecero um estudo agrave luz de Ad Familiares
I 9 23 2009 Tese (Doutorado em Letras Claacutessicas) - Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias
Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2009 Disponiacutevel em
TRANSLATIO Porto Alegre n 18 Julho de 2020
97 ISSN 2236-4013
lthttpwwwtesesuspbrtesesdisponiveis88143tde-19022010-165443pt-brphpgt Acesso
em 4 ago 2018
WERNER Christian SEBASTIANI Breno DOURADO-LOPES Antonio (Org) Gecircneros
poeacuteticos na Greacutecia Antiga Satildeo Paulo Humanitas 2014 p 11-22
TRANSLATIO Porto Alegre n 18 Julho de 2020
92 ISSN 2236-4013
que entendemos com Joatildeo Angelo Oliva Neto por decalque Desse modo Catulo seria uma
exceccedilatildeo agrave regra ou ao menos o primeiro a fazecirc-lo publicamente mantendo a dignidade autoral
como poeta haacutebil e cujo testemunho nos chegou27 Mas ao fazer isso Catulo demonstra aos
leitores atentos sua capacidade de ser original ainda quando aparente servilismo testando as
teorias expliacutecitas e impliacutecitas das composiccedilotildees poeacuteticas e recepccedilotildees dos leitores
Ciacutecero (De optimo genere oratorum 14) Pliacutenio (VII 9) e Aulo Geacutelio (Noctes Atticae
991) utilizaratildeo o termo vertere infracitados respectivamente
Converti enim ex Atticis duorum
eloquentissimorum nobilissimas orationes
inter seque contrarias Aeschinis et
Demosthenis nec converti ut interpres
sed ut orator sententiis isdem et earum
formis tamquam figuris verbis ad nostram
consuetudinem aptis
Verti entatildeo dos aacuteticos dois discursos
notaacuteveis e contraacuterios entre si um de
Eacutesquines outro de Demoacutestenes autores
dos mais eloquentes E natildeo os verti como
um inteacuterprete mas como um orador
usando os mesmos argumentos tanto na
sua forma quanto nas suas figuras de
linguagem em termos adequados agrave nossa
cultura
1 Quaeris quemadmodum in secessu quo
iam diu frueris putem te studere oportere
Utile in primis et multi praecipiunt vel ex
Graeco in Latinum vel ex Latino vertere in
Graecum 2 Quo genere exercitationi
proprietas splendorque verborum copia
figurarum vis explicandi praeterea
imitatione optimorum similia inveniendi
facultas paratur
1 Vocecirc pergunta como eu acho que lhe
conveacutem estudar no tempo livre de que jaacute
desfruta haacute um bom tempo Sobretudo
proveitosamente E muitos receitam verter
do grego ao latim e do latim ao grego 2
Esse eacute um tipo de exerciacutecio que propicia
seguranccedila e brilho com as palavras
inventaacuterio de imagens e tino
argumentativo bem como por meio da
imitaccedilatildeo dos melhores a faculdade de
inventar obras similares
Quando ex poematis Graecis vertendae
imitandaeque sunt insignes sententiae
non semper aiunt enitendum ut omnia
omnino verba in eum in quem dicta sunt
modum vertamus
Quando de poemas gregos eacute necessaacuterio
verter e imitar sentenccedilas notaacuteveis nem
sempre dizem se deve empenhar para
verter absolutamente todas as palavras
daquele mesmo modo com que foram
ditas
27 Cf Oliva Neto (1996 p 22) Os intelectuais heleniacutesticos percebiam ser irreversiacutevel a consolidaccedilatildeo da escrita e
embora fossem bem conscientes do abalo produzido por ela no mundo oral jamais contemplaram seus
predecessores como quem observa inimigos vencidos Ao contraacuterio a proacutepria escrita e a consciecircncia de serem
escribas o apego ao livro como qualquer nova atitude ligada agrave cultura tinham apoio e justificaccedilatildeo no fato de
servir ao legado dos antecessores preservando-o o que outra coisa natildeo eacute que o sentido dialeacutetico da tradiccedilatildeo
tinham de ser conspicuamente diferentes deles para continuar a exercer em outras circunstacircncias a mesma funccedilatildeo
de poetas Percebendo ser outra a dinacircmica da produccedilatildeo cultural graccedilas precisamente agrave escrita os poetas
heleniacutesticos para inserir-se nessa tradiccedilatildeo e continuaacute-la tiveram muita vez que explicitar o caraacuteter graacutefico de sua
obra
TRANSLATIO Porto Alegre n 18 Julho de 2020
93 ISSN 2236-4013
O interpres de Horaacutecio (fidus interpres v 134 da AP) parece evocar o interpres de
Ciacutecero ainda que em contextos diferentes uma vez que condenam o servilismo de verter
palavra por palavra tendo em vista que o orador tem como primeira atividade encontrar os
argumentos adequados isto eacute o pensamento para depois vesti-los
Ademais natildeo satildeo poucas as definiccedilotildees para artiacutefices e suas obras independentemente
se em prosa ou verso filoacutesofos reacutetores poetas todos auctores com suas mais diferentes obras
como tratados epiacutestolas diaacutelogos eacutepica liacuterica elegia ditirambos etc Mas quais os termos para
o tradutor e para a traduccedilatildeo Natildeo encontramos bem porque tal funccedilatildeo natildeo fosse reconhecida agrave
eacutepoca O que mais se aproxima dessa ideia eacute o conceito do lado negativo condenaacutevel da
imitatio daiacute Horaacutecio com ldquose natildeo caiacuteres imitadorrdquo em que imitator qualifica o executor da
mera imitatio servil isto eacute que natildeo inventa que natildeo refunde que natildeo se lanccedila como inovador
Tambeacutem poderiacuteamos utilizar interpres poreacutem devemos encerrar a exposiccedilatildeo para respeitar a
lei do gecircnero e o termo carece de anaacutelise de seus empregos significados e etimologia mais
minuciosa
Consideraccedilotildees finais
Fala-se amiuacutede de Liacutevio Andronico como tradutor da Odisseia bem como outros
autores latinos No entanto dessa imitaccedilatildeo como preferimos chamar natildeo sobram mais que
cinquenta versos e haacute de se analisar o quanto sejam ou natildeo imitaccedilotildees servis em vez de
traduccedilotildees como hoje chamamos (o mesmo para o poema 66 de Catulo com relaccedilatildeo aos
fragmentos calimaquianos) E Liacutevio Andronico atesta Ciacutecero foi auctor de peccedilas Natildeo se
enquadra na funccedilatildeo de tradutor servil e o ritmo escolhido para sua versatildeo da Odisseia eacute feito
no verso saturnino que natildeo corresponde ao hexacircmetro
Desse modo discordamos de Kennedy (2008 p 224) a respeito da comeacutedia de Plauto
com dizer
[] para nossos objetivos o principal significado da comeacutedia plautina
reside em demonstrar quatildeo longe um ldquotradutorrdquo pode ir na mudanccedila da
forma e do conteuacutedo de seu modelo Esta eacute a primeira explosatildeo de
virtuosismo linguiacutestico na literatura romana e as liberdades de Plauto
na estrutura dramaacutetica e caracterizaccedilatildeo satildeo equilibradas pela
versatilidade de seu ritmo liacuterico e corrente e por todo tipo de jogo com
som e sentido numa fantasia verbal extravagantemente estilizada
TRANSLATIO Porto Alegre n 18 Julho de 2020
94 ISSN 2236-4013
Traduccedilatildeo como imitaccedilatildeo foi suplantada pela exploraccedilatildeo do modelo
como veiacuteculo para a linguagem pessoal do poeta Romano28
Pois natildeo vemos tanto em Liacutevio Andronico quanto em Plauto diferenccedila a respeito da
imitaccedilatildeo que continua sendo fusatildeo de um modelo e veiacuteculo para manifestar a inventividade do
poeta29
Desse modo utilizar o termo ldquotradutorrdquo ou ldquotraduccedilatildeordquo pelo menos ateacute Ciacutecero parece-
nos um anacronismo ao passo que o termo mais acertado seria autor ou imitador no caso de
uma adaptaccedilatildeo inteligente ou de uma imitaccedilatildeo servil respectivamente de acordo com a
recepccedilatildeo e proacutepria criacutetica antiga30
Eacute com a septuaginta que temos um caso interessante e de oposiccedilatildeo a heleniacutestica epiacutestola
de Aristeias cuja lenda refere uma ldquotraduccedilatildeordquo feita por 72 escolhidos e cujo resultado seria
uma versatildeo pura correta e imutaacutevel das palavras inspiradas por um autor que natildeo pode ser
emulado Deus E eacute justamente em Satildeo Jerocircnimo tradutor da Biacuteblia em epiacutestola a Pameacutecio
(376 dC ndash aqui sim depois de Cristo) que vemos uma defesa daquele de suas escolhas de
versatildeo e de onde derivam explicitamente as ideias de traduccedilatildeo pela letra ou pelo espiacuterito ou
sentido
Em suma eacute evidente que havia traduccedilotildees tantas possiacuteveis quantos os autores ou
inteacuterpretes poreacutem embora natildeo haja teoria expliacutecita em tratado sobre a traduccedilatildeo podemos
28 For our purposes the chief significance of Plautine comedy is in demonstrating how far a translator [antente-se
para o uso de aspas no termo translator que revela cautela por parte do autor] can go in changing the form and
content of his model This is the first explosion of linguistic virtuosity in Roman literature and Plautus cavalier
liberties taken with dramatic structure and characterisation are offset by the versatility of his lyric and dialogue
metres and by every kind of play on sound and sense in extravagantly stylised verbal fantasy Translation as
imitation has been superseded by exploitation of the model as vehicle for the Roman poets personal idiom 29 E mais nas palavras de Harvey (1955 p 217) ldquouma importante caracteriacutestica da teoria retoacuterica no periacuteodo
heleniacutestico relaciona-se com a invenccedilatildeordquo (ldquoAn important feature of rhetorical theory in the Hellenistic period
relates to inventionrdquo) que natildeo se restringe somente agrave retoacuterica como vimos nos passos supracitados bem como
fazia parte do curriacuteculo educacional dos progymnaacutesmata ou praeexercitamina Aliaacutes em contexto romano diraacute
Harvey agrave frente (p 240) ldquoquando enredo e sequecircncia narrativa caracterizaccedilatildeo e diaacutelogo satildeo predeterminados pelo
modelo a composiccedilatildeo torna-se muito mais uma questatildeo de escolha (ou criaccedilatildeo) da palavra correta [aptum] para o
contexto Daiacute a poesia romana comeccedilar com a preocupaccedilatildeo quanto agrave elocuccedilatildeo mas com escopo para a criatividade
linguiacutesticardquo (ldquowhen plot and narrative sequence character and dialogue are predetermined by the model
composition becomes very much a matter of choosing (or creating) the right word for the context Hence Roman
poetry began with concern for diction but with scope for linguistic creativityrdquo) Ideia de que discordamos em parte
pois tomando ainda Catulo e Horaacutecio como exemplos esses autores natildeo apenas testaram limites quanto ao ritmo
a meacutetrica a dicccedilatildeo ou elocuccedilatildeo como demonstraram que essa mesma elocuccedilatildeo o arranjo das palavras (verbis
serendis AP v 45) natildeo pode ser dissociada da invenccedilatildeo quanto agrave mateacuteria Horaacutecio faz epodos fracos Catulo nos
leva do epigrama agrave elegia (HASEGAWA 2010 OLIVA NETO 2006) Assim eacute possiacutevel que houve uma mudanccedila
de foco mais para a arte da escrita (com o desenvolvimento e divulgaccedilatildeo da escrita) no entanto a invenccedilatildeo ainda
permanece como condiccedilatildeo sine qua non do ofiacutecio dos compositores reacutetores poetas filoacutesofos professores etc 30 Cf Hunter (2005 p 481) ldquoevitar a larga via eacute uma questatildeo de usar o passado de modo inteligenterdquo (ldquoAvoiding
the lsquobroad highway [Caliacutemaco fr 1 21-28] is a matter of using the past intelligentlyrdquo)
TRANSLATIO Porto Alegre n 18 Julho de 2020
95 ISSN 2236-4013
circunscrevecirc-la nesse sistema geneacuterico que como visto era responsivo competitivo feacutertil e
repleto de debates Nele circunscrita torna-se mais faacutecil compreender Ciacutecero quando diz
traduzir como orador e natildeo como imitador o foco natildeo estava em Demoacutestenes mas no proacuteprio
Ciacutecero que reconhece Demoacutestenes como modelo para utilizar inteligentemente para seu
propoacutesito que nem de longe se assemelha ao papel da traduccedilatildeo de hoje focada no autor do
original a fim de recuperar seus possiacuteveis sentidos originais e como ele os teria manifestado em
outro idioma
Assim nossa breve exposiccedilatildeo se encerra com base na hipoacutetese aqui aventada com a
seguinte questatildeo quando ocorreu e por que razotildees a mudanccedila de foco do olhar dos autores de
sua obra proacutepria original por invenccedilatildeo para o modelo ou seja o apagamento autoral ou a
separaccedilatildeo de papeacuteis ndash entre autores e tradutores diferentes na justa medida da maior ou menor
inventividade proacutepria em competiccedilatildeo com a do modelo ndash o nascimento do tradutor e de
traduccedilotildees enfim quando a imitaccedilatildeo servil como exerciacutecio formativo e relegada agraves salas de
aula tornou-se objetivo de traduccedilatildeo
Referecircncias Bibliograacuteficas
[CIacuteCERO] Retoacuterica a Herecircncio Traduccedilatildeo e introduccedilatildeo de Ana Paula Celestino Faria e Adriana
Seabra) Satildeo Paulo Hedra 2005 p 55
COSTRINO Artur A liccedilatildeo dos declamadores Secircneca o reacutetor e as suasoacuterias 2010
Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Letras Claacutessicas) - Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias
Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2011 Disponiacutevel em
lthttpwwwtesesuspbrtesesdisponiveis88143tde-08092011-112806pt-brphpgt Acesso
em 5 de ago 2018
FARRELL Joseph Classical Genre in Theory and Practice New Literary History The Johns
Hopkins University Press v 34 n 3 Theorizing Genres II (Summer 2003) p383-408
Disponiacutevel em lthttpwwwjstororgstable20057790gt Acesso em 2 ago 2018
FORD Andrew The Origins of Criticism Literary Culture and Poetic Theory In Classical
Greece Princeton Princeton University Press 2002 p 220-296
GREETHAM David What is textual scholarship In ELIOT Simon ROSE Jonathan (Ed)
A companion to the history of the book Blackwell Publishing 2007 p 21-32
HARVEY A E The Classification of Greek Lyric Poetry The Classical Quarterly Cambridge
University Press on behalf of The Classical Association New Series v 5 n 34 (Jul - Oct
1955) p 157-175 Disponiacutevel em lthttpwwwjstororgstable637388gt Acesso em 2 ago
2018
HASEGAWA Alexandre Pinheiro Dispositio e distinccedilatildeo de gecircneros nos Epodos de Horaacutecio
estudo acompanhado de traduccedilatildeo em verso 2010 Tese (Doutorado em Letras Claacutessicas) -
Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
2010 Disponiacutevel em lt httpwwwtesesuspbrtesesdisponiveis88143tde-20062011-
110201pt-brphpgt Acesso em 6 ago 2018
TRANSLATIO Porto Alegre n 18 Julho de 2020
96 ISSN 2236-4013
______ Deuses e ordo no Livro IV das Odes In LEITE Leni Ribeiro et al (Org) Rito e
celebraccedilatildeo na Antiguidade Vitoacuteria PPGL 2012 p 9-26
______ Mescla geneacuterica e forma editorial nos epigramas bucoacutelicos atribuiacutedos a Teoacutecrito
Organon Porto Alegre v 31 n 60 p 131-147 janjun 2016
HUNTER Richard Literature and its contexts In ERSKINE Andrew (Ed) A companion to
the Hellenistic world Blackwell Publishing 2005 p 477 ndash 493
LAIRD Andrew Powers of expression expressions of power speech presentation and latin
literature Oxford Oxford University Press 1999 p 310
KASSEL R Aristotles Ars Poetica Oxford Clarendon Press 1966 Disponiacutevel em
lthttpwwwperseustuftseduhoppertextdoc=urnctsgreekLittlg0086tlg034perseus-
grc11447bgt Acesso em 4 ago 2018
KENNEDY George A Progymnasmata Greek Textbooks of Prose Composition and Rhetoric
Writings by or attributed to Theon Hermogenes Aphthonius Nicolaus together with An
Anonymous Prolegomenon to Aphthonius Selections from the Commentary attributed to John
of Sardis and Fragments of the Progymnasmata of Sopatros Atlanta Scholars Press 2003 p
9
______ George A The Cambridge History Of Literary Criticism Cambridge University Press
2008
MANOEL R G Teoria e praacutetica estudo e traduccedilatildeo das epiacutestolas e invectivas de pseudo-
Saluacutestio e pseudo-Ciacutecero agrave luz dos progymnaacutesmata 2014 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Letras
Claacutessicas) ndash Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo
Disponiacutevel em lthttpwwwtesesuspbrtesesdisponiveis88143tde-28052014-115342pt-
brphpgt Acesso em 5 ago 2018
MUCKELBAUER John Imitation and Invention in Antiquity An Historical-Theoretical
Revision Rhetorica A Journal of the History of Rhetoric University of California Press on
behalf of the International Society for the History of Rhetoric v 21 n 2 (Spring 2003) p 61-
88 Disponiacutevel em lthttpwwwjstororgstable101525rh200321261gt Acesso em 3 ago
2018
OLIVA NETO Joatildeo Angelo O livro de Catulo Traduccedilatildeo comentadas dos poemas de Catulo
Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo 1996 (Texto e Arte 13)
PATILLON Michel BOLOGNESI Giancarlo Aelius Theon Progymnasmata Paris Les
Belles Lettres 1997 p 9
PLATAtildeO A repuacuteblica [ou Sobre a justiccedila diaacutelogo poliacutetico] Traduccedilatildeo Anna Lia Amaral de
Almeida Prado Revisatildeo teacutecnica e introduccedilatildeo Roberto Bolzani Filho Satildeo Paulo Martins
Fontes 2006 p 381-386
______ Sobre a inspiraccedilatildeo poeacutetica (Iacuteon) amp Sobre a mentira (Hiacutepias menor) Introduccedilatildeo
traduccedilatildeo do grego e notas de Andreacute Malta Porto Alegre LampPM 2008 p 22-3
PLATO Platonis Opera Ed John Burnet Oxford University Press 1903
QUINTILIAN Institutio Oratoria Book 10 With An English Translation Harold Edgeworth
Butler Cambridge Cambridge Mass Harvard University Press London William
Heinemann Ltd 1922
ROEMER Cornelia The papyrus roll in Egypt Greece and Rome In ELIOT Simon ROSE
Jonathan (Ed) A companion to the history of the book Blackwell Publishing 2007 p 84-94
SENECA Epistles Volume II Epistles 66-92 Translated by Richard M Gummere Loeb
Classical Library 76 Cambridge MA Harvard University Press 1920 p 276-9
SCATOLIN Adriano A invenccedilatildeo no Do orador de Ciacutecero um estudo agrave luz de Ad Familiares
I 9 23 2009 Tese (Doutorado em Letras Claacutessicas) - Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias
Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2009 Disponiacutevel em
TRANSLATIO Porto Alegre n 18 Julho de 2020
97 ISSN 2236-4013
lthttpwwwtesesuspbrtesesdisponiveis88143tde-19022010-165443pt-brphpgt Acesso
em 4 ago 2018
WERNER Christian SEBASTIANI Breno DOURADO-LOPES Antonio (Org) Gecircneros
poeacuteticos na Greacutecia Antiga Satildeo Paulo Humanitas 2014 p 11-22
TRANSLATIO Porto Alegre n 18 Julho de 2020
93 ISSN 2236-4013
O interpres de Horaacutecio (fidus interpres v 134 da AP) parece evocar o interpres de
Ciacutecero ainda que em contextos diferentes uma vez que condenam o servilismo de verter
palavra por palavra tendo em vista que o orador tem como primeira atividade encontrar os
argumentos adequados isto eacute o pensamento para depois vesti-los
Ademais natildeo satildeo poucas as definiccedilotildees para artiacutefices e suas obras independentemente
se em prosa ou verso filoacutesofos reacutetores poetas todos auctores com suas mais diferentes obras
como tratados epiacutestolas diaacutelogos eacutepica liacuterica elegia ditirambos etc Mas quais os termos para
o tradutor e para a traduccedilatildeo Natildeo encontramos bem porque tal funccedilatildeo natildeo fosse reconhecida agrave
eacutepoca O que mais se aproxima dessa ideia eacute o conceito do lado negativo condenaacutevel da
imitatio daiacute Horaacutecio com ldquose natildeo caiacuteres imitadorrdquo em que imitator qualifica o executor da
mera imitatio servil isto eacute que natildeo inventa que natildeo refunde que natildeo se lanccedila como inovador
Tambeacutem poderiacuteamos utilizar interpres poreacutem devemos encerrar a exposiccedilatildeo para respeitar a
lei do gecircnero e o termo carece de anaacutelise de seus empregos significados e etimologia mais
minuciosa
Consideraccedilotildees finais
Fala-se amiuacutede de Liacutevio Andronico como tradutor da Odisseia bem como outros
autores latinos No entanto dessa imitaccedilatildeo como preferimos chamar natildeo sobram mais que
cinquenta versos e haacute de se analisar o quanto sejam ou natildeo imitaccedilotildees servis em vez de
traduccedilotildees como hoje chamamos (o mesmo para o poema 66 de Catulo com relaccedilatildeo aos
fragmentos calimaquianos) E Liacutevio Andronico atesta Ciacutecero foi auctor de peccedilas Natildeo se
enquadra na funccedilatildeo de tradutor servil e o ritmo escolhido para sua versatildeo da Odisseia eacute feito
no verso saturnino que natildeo corresponde ao hexacircmetro
Desse modo discordamos de Kennedy (2008 p 224) a respeito da comeacutedia de Plauto
com dizer
[] para nossos objetivos o principal significado da comeacutedia plautina
reside em demonstrar quatildeo longe um ldquotradutorrdquo pode ir na mudanccedila da
forma e do conteuacutedo de seu modelo Esta eacute a primeira explosatildeo de
virtuosismo linguiacutestico na literatura romana e as liberdades de Plauto
na estrutura dramaacutetica e caracterizaccedilatildeo satildeo equilibradas pela
versatilidade de seu ritmo liacuterico e corrente e por todo tipo de jogo com
som e sentido numa fantasia verbal extravagantemente estilizada
TRANSLATIO Porto Alegre n 18 Julho de 2020
94 ISSN 2236-4013
Traduccedilatildeo como imitaccedilatildeo foi suplantada pela exploraccedilatildeo do modelo
como veiacuteculo para a linguagem pessoal do poeta Romano28
Pois natildeo vemos tanto em Liacutevio Andronico quanto em Plauto diferenccedila a respeito da
imitaccedilatildeo que continua sendo fusatildeo de um modelo e veiacuteculo para manifestar a inventividade do
poeta29
Desse modo utilizar o termo ldquotradutorrdquo ou ldquotraduccedilatildeordquo pelo menos ateacute Ciacutecero parece-
nos um anacronismo ao passo que o termo mais acertado seria autor ou imitador no caso de
uma adaptaccedilatildeo inteligente ou de uma imitaccedilatildeo servil respectivamente de acordo com a
recepccedilatildeo e proacutepria criacutetica antiga30
Eacute com a septuaginta que temos um caso interessante e de oposiccedilatildeo a heleniacutestica epiacutestola
de Aristeias cuja lenda refere uma ldquotraduccedilatildeordquo feita por 72 escolhidos e cujo resultado seria
uma versatildeo pura correta e imutaacutevel das palavras inspiradas por um autor que natildeo pode ser
emulado Deus E eacute justamente em Satildeo Jerocircnimo tradutor da Biacuteblia em epiacutestola a Pameacutecio
(376 dC ndash aqui sim depois de Cristo) que vemos uma defesa daquele de suas escolhas de
versatildeo e de onde derivam explicitamente as ideias de traduccedilatildeo pela letra ou pelo espiacuterito ou
sentido
Em suma eacute evidente que havia traduccedilotildees tantas possiacuteveis quantos os autores ou
inteacuterpretes poreacutem embora natildeo haja teoria expliacutecita em tratado sobre a traduccedilatildeo podemos
28 For our purposes the chief significance of Plautine comedy is in demonstrating how far a translator [antente-se
para o uso de aspas no termo translator que revela cautela por parte do autor] can go in changing the form and
content of his model This is the first explosion of linguistic virtuosity in Roman literature and Plautus cavalier
liberties taken with dramatic structure and characterisation are offset by the versatility of his lyric and dialogue
metres and by every kind of play on sound and sense in extravagantly stylised verbal fantasy Translation as
imitation has been superseded by exploitation of the model as vehicle for the Roman poets personal idiom 29 E mais nas palavras de Harvey (1955 p 217) ldquouma importante caracteriacutestica da teoria retoacuterica no periacuteodo
heleniacutestico relaciona-se com a invenccedilatildeordquo (ldquoAn important feature of rhetorical theory in the Hellenistic period
relates to inventionrdquo) que natildeo se restringe somente agrave retoacuterica como vimos nos passos supracitados bem como
fazia parte do curriacuteculo educacional dos progymnaacutesmata ou praeexercitamina Aliaacutes em contexto romano diraacute
Harvey agrave frente (p 240) ldquoquando enredo e sequecircncia narrativa caracterizaccedilatildeo e diaacutelogo satildeo predeterminados pelo
modelo a composiccedilatildeo torna-se muito mais uma questatildeo de escolha (ou criaccedilatildeo) da palavra correta [aptum] para o
contexto Daiacute a poesia romana comeccedilar com a preocupaccedilatildeo quanto agrave elocuccedilatildeo mas com escopo para a criatividade
linguiacutesticardquo (ldquowhen plot and narrative sequence character and dialogue are predetermined by the model
composition becomes very much a matter of choosing (or creating) the right word for the context Hence Roman
poetry began with concern for diction but with scope for linguistic creativityrdquo) Ideia de que discordamos em parte
pois tomando ainda Catulo e Horaacutecio como exemplos esses autores natildeo apenas testaram limites quanto ao ritmo
a meacutetrica a dicccedilatildeo ou elocuccedilatildeo como demonstraram que essa mesma elocuccedilatildeo o arranjo das palavras (verbis
serendis AP v 45) natildeo pode ser dissociada da invenccedilatildeo quanto agrave mateacuteria Horaacutecio faz epodos fracos Catulo nos
leva do epigrama agrave elegia (HASEGAWA 2010 OLIVA NETO 2006) Assim eacute possiacutevel que houve uma mudanccedila
de foco mais para a arte da escrita (com o desenvolvimento e divulgaccedilatildeo da escrita) no entanto a invenccedilatildeo ainda
permanece como condiccedilatildeo sine qua non do ofiacutecio dos compositores reacutetores poetas filoacutesofos professores etc 30 Cf Hunter (2005 p 481) ldquoevitar a larga via eacute uma questatildeo de usar o passado de modo inteligenterdquo (ldquoAvoiding
the lsquobroad highway [Caliacutemaco fr 1 21-28] is a matter of using the past intelligentlyrdquo)
TRANSLATIO Porto Alegre n 18 Julho de 2020
95 ISSN 2236-4013
circunscrevecirc-la nesse sistema geneacuterico que como visto era responsivo competitivo feacutertil e
repleto de debates Nele circunscrita torna-se mais faacutecil compreender Ciacutecero quando diz
traduzir como orador e natildeo como imitador o foco natildeo estava em Demoacutestenes mas no proacuteprio
Ciacutecero que reconhece Demoacutestenes como modelo para utilizar inteligentemente para seu
propoacutesito que nem de longe se assemelha ao papel da traduccedilatildeo de hoje focada no autor do
original a fim de recuperar seus possiacuteveis sentidos originais e como ele os teria manifestado em
outro idioma
Assim nossa breve exposiccedilatildeo se encerra com base na hipoacutetese aqui aventada com a
seguinte questatildeo quando ocorreu e por que razotildees a mudanccedila de foco do olhar dos autores de
sua obra proacutepria original por invenccedilatildeo para o modelo ou seja o apagamento autoral ou a
separaccedilatildeo de papeacuteis ndash entre autores e tradutores diferentes na justa medida da maior ou menor
inventividade proacutepria em competiccedilatildeo com a do modelo ndash o nascimento do tradutor e de
traduccedilotildees enfim quando a imitaccedilatildeo servil como exerciacutecio formativo e relegada agraves salas de
aula tornou-se objetivo de traduccedilatildeo
Referecircncias Bibliograacuteficas
[CIacuteCERO] Retoacuterica a Herecircncio Traduccedilatildeo e introduccedilatildeo de Ana Paula Celestino Faria e Adriana
Seabra) Satildeo Paulo Hedra 2005 p 55
COSTRINO Artur A liccedilatildeo dos declamadores Secircneca o reacutetor e as suasoacuterias 2010
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Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2011 Disponiacutevel em
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em 5 de ago 2018
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Hopkins University Press v 34 n 3 Theorizing Genres II (Summer 2003) p383-408
Disponiacutevel em lthttpwwwjstororgstable20057790gt Acesso em 2 ago 2018
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Greece Princeton Princeton University Press 2002 p 220-296
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University Press on behalf of The Classical Association New Series v 5 n 34 (Jul - Oct
1955) p 157-175 Disponiacutevel em lthttpwwwjstororgstable637388gt Acesso em 2 ago
2018
HASEGAWA Alexandre Pinheiro Dispositio e distinccedilatildeo de gecircneros nos Epodos de Horaacutecio
estudo acompanhado de traduccedilatildeo em verso 2010 Tese (Doutorado em Letras Claacutessicas) -
Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
2010 Disponiacutevel em lt httpwwwtesesuspbrtesesdisponiveis88143tde-20062011-
110201pt-brphpgt Acesso em 6 ago 2018
TRANSLATIO Porto Alegre n 18 Julho de 2020
96 ISSN 2236-4013
______ Deuses e ordo no Livro IV das Odes In LEITE Leni Ribeiro et al (Org) Rito e
celebraccedilatildeo na Antiguidade Vitoacuteria PPGL 2012 p 9-26
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the Hellenistic world Blackwell Publishing 2005 p 477 ndash 493
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literature Oxford Oxford University Press 1999 p 310
KASSEL R Aristotles Ars Poetica Oxford Clarendon Press 1966 Disponiacutevel em
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grc11447bgt Acesso em 4 ago 2018
KENNEDY George A Progymnasmata Greek Textbooks of Prose Composition and Rhetoric
Writings by or attributed to Theon Hermogenes Aphthonius Nicolaus together with An
Anonymous Prolegomenon to Aphthonius Selections from the Commentary attributed to John
of Sardis and Fragments of the Progymnasmata of Sopatros Atlanta Scholars Press 2003 p
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2008
MANOEL R G Teoria e praacutetica estudo e traduccedilatildeo das epiacutestolas e invectivas de pseudo-
Saluacutestio e pseudo-Ciacutecero agrave luz dos progymnaacutesmata 2014 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Letras
Claacutessicas) ndash Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo
Disponiacutevel em lthttpwwwtesesuspbrtesesdisponiveis88143tde-28052014-115342pt-
brphpgt Acesso em 5 ago 2018
MUCKELBAUER John Imitation and Invention in Antiquity An Historical-Theoretical
Revision Rhetorica A Journal of the History of Rhetoric University of California Press on
behalf of the International Society for the History of Rhetoric v 21 n 2 (Spring 2003) p 61-
88 Disponiacutevel em lthttpwwwjstororgstable101525rh200321261gt Acesso em 3 ago
2018
OLIVA NETO Joatildeo Angelo O livro de Catulo Traduccedilatildeo comentadas dos poemas de Catulo
Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo 1996 (Texto e Arte 13)
PATILLON Michel BOLOGNESI Giancarlo Aelius Theon Progymnasmata Paris Les
Belles Lettres 1997 p 9
PLATAtildeO A repuacuteblica [ou Sobre a justiccedila diaacutelogo poliacutetico] Traduccedilatildeo Anna Lia Amaral de
Almeida Prado Revisatildeo teacutecnica e introduccedilatildeo Roberto Bolzani Filho Satildeo Paulo Martins
Fontes 2006 p 381-386
______ Sobre a inspiraccedilatildeo poeacutetica (Iacuteon) amp Sobre a mentira (Hiacutepias menor) Introduccedilatildeo
traduccedilatildeo do grego e notas de Andreacute Malta Porto Alegre LampPM 2008 p 22-3
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QUINTILIAN Institutio Oratoria Book 10 With An English Translation Harold Edgeworth
Butler Cambridge Cambridge Mass Harvard University Press London William
Heinemann Ltd 1922
ROEMER Cornelia The papyrus roll in Egypt Greece and Rome In ELIOT Simon ROSE
Jonathan (Ed) A companion to the history of the book Blackwell Publishing 2007 p 84-94
SENECA Epistles Volume II Epistles 66-92 Translated by Richard M Gummere Loeb
Classical Library 76 Cambridge MA Harvard University Press 1920 p 276-9
SCATOLIN Adriano A invenccedilatildeo no Do orador de Ciacutecero um estudo agrave luz de Ad Familiares
I 9 23 2009 Tese (Doutorado em Letras Claacutessicas) - Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias
Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2009 Disponiacutevel em
TRANSLATIO Porto Alegre n 18 Julho de 2020
97 ISSN 2236-4013
lthttpwwwtesesuspbrtesesdisponiveis88143tde-19022010-165443pt-brphpgt Acesso
em 4 ago 2018
WERNER Christian SEBASTIANI Breno DOURADO-LOPES Antonio (Org) Gecircneros
poeacuteticos na Greacutecia Antiga Satildeo Paulo Humanitas 2014 p 11-22
TRANSLATIO Porto Alegre n 18 Julho de 2020
94 ISSN 2236-4013
Traduccedilatildeo como imitaccedilatildeo foi suplantada pela exploraccedilatildeo do modelo
como veiacuteculo para a linguagem pessoal do poeta Romano28
Pois natildeo vemos tanto em Liacutevio Andronico quanto em Plauto diferenccedila a respeito da
imitaccedilatildeo que continua sendo fusatildeo de um modelo e veiacuteculo para manifestar a inventividade do
poeta29
Desse modo utilizar o termo ldquotradutorrdquo ou ldquotraduccedilatildeordquo pelo menos ateacute Ciacutecero parece-
nos um anacronismo ao passo que o termo mais acertado seria autor ou imitador no caso de
uma adaptaccedilatildeo inteligente ou de uma imitaccedilatildeo servil respectivamente de acordo com a
recepccedilatildeo e proacutepria criacutetica antiga30
Eacute com a septuaginta que temos um caso interessante e de oposiccedilatildeo a heleniacutestica epiacutestola
de Aristeias cuja lenda refere uma ldquotraduccedilatildeordquo feita por 72 escolhidos e cujo resultado seria
uma versatildeo pura correta e imutaacutevel das palavras inspiradas por um autor que natildeo pode ser
emulado Deus E eacute justamente em Satildeo Jerocircnimo tradutor da Biacuteblia em epiacutestola a Pameacutecio
(376 dC ndash aqui sim depois de Cristo) que vemos uma defesa daquele de suas escolhas de
versatildeo e de onde derivam explicitamente as ideias de traduccedilatildeo pela letra ou pelo espiacuterito ou
sentido
Em suma eacute evidente que havia traduccedilotildees tantas possiacuteveis quantos os autores ou
inteacuterpretes poreacutem embora natildeo haja teoria expliacutecita em tratado sobre a traduccedilatildeo podemos
28 For our purposes the chief significance of Plautine comedy is in demonstrating how far a translator [antente-se
para o uso de aspas no termo translator que revela cautela por parte do autor] can go in changing the form and
content of his model This is the first explosion of linguistic virtuosity in Roman literature and Plautus cavalier
liberties taken with dramatic structure and characterisation are offset by the versatility of his lyric and dialogue
metres and by every kind of play on sound and sense in extravagantly stylised verbal fantasy Translation as
imitation has been superseded by exploitation of the model as vehicle for the Roman poets personal idiom 29 E mais nas palavras de Harvey (1955 p 217) ldquouma importante caracteriacutestica da teoria retoacuterica no periacuteodo
heleniacutestico relaciona-se com a invenccedilatildeordquo (ldquoAn important feature of rhetorical theory in the Hellenistic period
relates to inventionrdquo) que natildeo se restringe somente agrave retoacuterica como vimos nos passos supracitados bem como
fazia parte do curriacuteculo educacional dos progymnaacutesmata ou praeexercitamina Aliaacutes em contexto romano diraacute
Harvey agrave frente (p 240) ldquoquando enredo e sequecircncia narrativa caracterizaccedilatildeo e diaacutelogo satildeo predeterminados pelo
modelo a composiccedilatildeo torna-se muito mais uma questatildeo de escolha (ou criaccedilatildeo) da palavra correta [aptum] para o
contexto Daiacute a poesia romana comeccedilar com a preocupaccedilatildeo quanto agrave elocuccedilatildeo mas com escopo para a criatividade
linguiacutesticardquo (ldquowhen plot and narrative sequence character and dialogue are predetermined by the model
composition becomes very much a matter of choosing (or creating) the right word for the context Hence Roman
poetry began with concern for diction but with scope for linguistic creativityrdquo) Ideia de que discordamos em parte
pois tomando ainda Catulo e Horaacutecio como exemplos esses autores natildeo apenas testaram limites quanto ao ritmo
a meacutetrica a dicccedilatildeo ou elocuccedilatildeo como demonstraram que essa mesma elocuccedilatildeo o arranjo das palavras (verbis
serendis AP v 45) natildeo pode ser dissociada da invenccedilatildeo quanto agrave mateacuteria Horaacutecio faz epodos fracos Catulo nos
leva do epigrama agrave elegia (HASEGAWA 2010 OLIVA NETO 2006) Assim eacute possiacutevel que houve uma mudanccedila
de foco mais para a arte da escrita (com o desenvolvimento e divulgaccedilatildeo da escrita) no entanto a invenccedilatildeo ainda
permanece como condiccedilatildeo sine qua non do ofiacutecio dos compositores reacutetores poetas filoacutesofos professores etc 30 Cf Hunter (2005 p 481) ldquoevitar a larga via eacute uma questatildeo de usar o passado de modo inteligenterdquo (ldquoAvoiding
the lsquobroad highway [Caliacutemaco fr 1 21-28] is a matter of using the past intelligentlyrdquo)
TRANSLATIO Porto Alegre n 18 Julho de 2020
95 ISSN 2236-4013
circunscrevecirc-la nesse sistema geneacuterico que como visto era responsivo competitivo feacutertil e
repleto de debates Nele circunscrita torna-se mais faacutecil compreender Ciacutecero quando diz
traduzir como orador e natildeo como imitador o foco natildeo estava em Demoacutestenes mas no proacuteprio
Ciacutecero que reconhece Demoacutestenes como modelo para utilizar inteligentemente para seu
propoacutesito que nem de longe se assemelha ao papel da traduccedilatildeo de hoje focada no autor do
original a fim de recuperar seus possiacuteveis sentidos originais e como ele os teria manifestado em
outro idioma
Assim nossa breve exposiccedilatildeo se encerra com base na hipoacutetese aqui aventada com a
seguinte questatildeo quando ocorreu e por que razotildees a mudanccedila de foco do olhar dos autores de
sua obra proacutepria original por invenccedilatildeo para o modelo ou seja o apagamento autoral ou a
separaccedilatildeo de papeacuteis ndash entre autores e tradutores diferentes na justa medida da maior ou menor
inventividade proacutepria em competiccedilatildeo com a do modelo ndash o nascimento do tradutor e de
traduccedilotildees enfim quando a imitaccedilatildeo servil como exerciacutecio formativo e relegada agraves salas de
aula tornou-se objetivo de traduccedilatildeo
Referecircncias Bibliograacuteficas
[CIacuteCERO] Retoacuterica a Herecircncio Traduccedilatildeo e introduccedilatildeo de Ana Paula Celestino Faria e Adriana
Seabra) Satildeo Paulo Hedra 2005 p 55
COSTRINO Artur A liccedilatildeo dos declamadores Secircneca o reacutetor e as suasoacuterias 2010
Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Letras Claacutessicas) - Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias
Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2011 Disponiacutevel em
lthttpwwwtesesuspbrtesesdisponiveis88143tde-08092011-112806pt-brphpgt Acesso
em 5 de ago 2018
FARRELL Joseph Classical Genre in Theory and Practice New Literary History The Johns
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Disponiacutevel em lthttpwwwjstororgstable20057790gt Acesso em 2 ago 2018
FORD Andrew The Origins of Criticism Literary Culture and Poetic Theory In Classical
Greece Princeton Princeton University Press 2002 p 220-296
GREETHAM David What is textual scholarship In ELIOT Simon ROSE Jonathan (Ed)
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2018
HASEGAWA Alexandre Pinheiro Dispositio e distinccedilatildeo de gecircneros nos Epodos de Horaacutecio
estudo acompanhado de traduccedilatildeo em verso 2010 Tese (Doutorado em Letras Claacutessicas) -
Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo
2010 Disponiacutevel em lt httpwwwtesesuspbrtesesdisponiveis88143tde-20062011-
110201pt-brphpgt Acesso em 6 ago 2018
TRANSLATIO Porto Alegre n 18 Julho de 2020
96 ISSN 2236-4013
______ Deuses e ordo no Livro IV das Odes In LEITE Leni Ribeiro et al (Org) Rito e
celebraccedilatildeo na Antiguidade Vitoacuteria PPGL 2012 p 9-26
______ Mescla geneacuterica e forma editorial nos epigramas bucoacutelicos atribuiacutedos a Teoacutecrito
Organon Porto Alegre v 31 n 60 p 131-147 janjun 2016
HUNTER Richard Literature and its contexts In ERSKINE Andrew (Ed) A companion to
the Hellenistic world Blackwell Publishing 2005 p 477 ndash 493
LAIRD Andrew Powers of expression expressions of power speech presentation and latin
literature Oxford Oxford University Press 1999 p 310
KASSEL R Aristotles Ars Poetica Oxford Clarendon Press 1966 Disponiacutevel em
lthttpwwwperseustuftseduhoppertextdoc=urnctsgreekLittlg0086tlg034perseus-
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KENNEDY George A Progymnasmata Greek Textbooks of Prose Composition and Rhetoric
Writings by or attributed to Theon Hermogenes Aphthonius Nicolaus together with An
Anonymous Prolegomenon to Aphthonius Selections from the Commentary attributed to John
of Sardis and Fragments of the Progymnasmata of Sopatros Atlanta Scholars Press 2003 p
9
______ George A The Cambridge History Of Literary Criticism Cambridge University Press
2008
MANOEL R G Teoria e praacutetica estudo e traduccedilatildeo das epiacutestolas e invectivas de pseudo-
Saluacutestio e pseudo-Ciacutecero agrave luz dos progymnaacutesmata 2014 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Letras
Claacutessicas) ndash Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo
Disponiacutevel em lthttpwwwtesesuspbrtesesdisponiveis88143tde-28052014-115342pt-
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MUCKELBAUER John Imitation and Invention in Antiquity An Historical-Theoretical
Revision Rhetorica A Journal of the History of Rhetoric University of California Press on
behalf of the International Society for the History of Rhetoric v 21 n 2 (Spring 2003) p 61-
88 Disponiacutevel em lthttpwwwjstororgstable101525rh200321261gt Acesso em 3 ago
2018
OLIVA NETO Joatildeo Angelo O livro de Catulo Traduccedilatildeo comentadas dos poemas de Catulo
Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo 1996 (Texto e Arte 13)
PATILLON Michel BOLOGNESI Giancarlo Aelius Theon Progymnasmata Paris Les
Belles Lettres 1997 p 9
PLATAtildeO A repuacuteblica [ou Sobre a justiccedila diaacutelogo poliacutetico] Traduccedilatildeo Anna Lia Amaral de
Almeida Prado Revisatildeo teacutecnica e introduccedilatildeo Roberto Bolzani Filho Satildeo Paulo Martins
Fontes 2006 p 381-386
______ Sobre a inspiraccedilatildeo poeacutetica (Iacuteon) amp Sobre a mentira (Hiacutepias menor) Introduccedilatildeo
traduccedilatildeo do grego e notas de Andreacute Malta Porto Alegre LampPM 2008 p 22-3
PLATO Platonis Opera Ed John Burnet Oxford University Press 1903
QUINTILIAN Institutio Oratoria Book 10 With An English Translation Harold Edgeworth
Butler Cambridge Cambridge Mass Harvard University Press London William
Heinemann Ltd 1922
ROEMER Cornelia The papyrus roll in Egypt Greece and Rome In ELIOT Simon ROSE
Jonathan (Ed) A companion to the history of the book Blackwell Publishing 2007 p 84-94
SENECA Epistles Volume II Epistles 66-92 Translated by Richard M Gummere Loeb
Classical Library 76 Cambridge MA Harvard University Press 1920 p 276-9
SCATOLIN Adriano A invenccedilatildeo no Do orador de Ciacutecero um estudo agrave luz de Ad Familiares
I 9 23 2009 Tese (Doutorado em Letras Claacutessicas) - Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias
Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2009 Disponiacutevel em
TRANSLATIO Porto Alegre n 18 Julho de 2020
97 ISSN 2236-4013
lthttpwwwtesesuspbrtesesdisponiveis88143tde-19022010-165443pt-brphpgt Acesso
em 4 ago 2018
WERNER Christian SEBASTIANI Breno DOURADO-LOPES Antonio (Org) Gecircneros
poeacuteticos na Greacutecia Antiga Satildeo Paulo Humanitas 2014 p 11-22
TRANSLATIO Porto Alegre n 18 Julho de 2020
95 ISSN 2236-4013
circunscrevecirc-la nesse sistema geneacuterico que como visto era responsivo competitivo feacutertil e
repleto de debates Nele circunscrita torna-se mais faacutecil compreender Ciacutecero quando diz
traduzir como orador e natildeo como imitador o foco natildeo estava em Demoacutestenes mas no proacuteprio
Ciacutecero que reconhece Demoacutestenes como modelo para utilizar inteligentemente para seu
propoacutesito que nem de longe se assemelha ao papel da traduccedilatildeo de hoje focada no autor do
original a fim de recuperar seus possiacuteveis sentidos originais e como ele os teria manifestado em
outro idioma
Assim nossa breve exposiccedilatildeo se encerra com base na hipoacutetese aqui aventada com a
seguinte questatildeo quando ocorreu e por que razotildees a mudanccedila de foco do olhar dos autores de
sua obra proacutepria original por invenccedilatildeo para o modelo ou seja o apagamento autoral ou a
separaccedilatildeo de papeacuteis ndash entre autores e tradutores diferentes na justa medida da maior ou menor
inventividade proacutepria em competiccedilatildeo com a do modelo ndash o nascimento do tradutor e de
traduccedilotildees enfim quando a imitaccedilatildeo servil como exerciacutecio formativo e relegada agraves salas de
aula tornou-se objetivo de traduccedilatildeo
Referecircncias Bibliograacuteficas
[CIacuteCERO] Retoacuterica a Herecircncio Traduccedilatildeo e introduccedilatildeo de Ana Paula Celestino Faria e Adriana
Seabra) Satildeo Paulo Hedra 2005 p 55
COSTRINO Artur A liccedilatildeo dos declamadores Secircneca o reacutetor e as suasoacuterias 2010
Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Letras Claacutessicas) - Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias
Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2011 Disponiacutevel em
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TRANSLATIO Porto Alegre n 18 Julho de 2020
97 ISSN 2236-4013
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WERNER Christian SEBASTIANI Breno DOURADO-LOPES Antonio (Org) Gecircneros
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KASSEL R Aristotles Ars Poetica Oxford Clarendon Press 1966 Disponiacutevel em
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KENNEDY George A Progymnasmata Greek Textbooks of Prose Composition and Rhetoric
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2008
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Saluacutestio e pseudo-Ciacutecero agrave luz dos progymnaacutesmata 2014 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Letras
Claacutessicas) ndash Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo
Disponiacutevel em lthttpwwwtesesuspbrtesesdisponiveis88143tde-28052014-115342pt-
brphpgt Acesso em 5 ago 2018
MUCKELBAUER John Imitation and Invention in Antiquity An Historical-Theoretical
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OLIVA NETO Joatildeo Angelo O livro de Catulo Traduccedilatildeo comentadas dos poemas de Catulo
Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo 1996 (Texto e Arte 13)
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Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2009 Disponiacutevel em
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WERNER Christian SEBASTIANI Breno DOURADO-LOPES Antonio (Org) Gecircneros
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97 ISSN 2236-4013
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WERNER Christian SEBASTIANI Breno DOURADO-LOPES Antonio (Org) Gecircneros
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